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Caso Lagos del Campo e sua força como precedente na justiciabilidade

dos direitos econômicos, sociais e culturais1

Kleber Moreira da Silva2

Resumo: Neste trabalho acadêmico apresenta-se o julgamento do caso Lagos del Campo como
um precedente de justiciabilidade dos direitos econômicos, sociais e culturais perante a Corte
Interamericana de Direitos Humanos. Aborda-se a evolução da jurisprudência, o fenômeno
específico do precedente e sua força no âmbito internacional. Em seguida, conclui-se que o novo
entendimento que assegura a tutela direta dos direitos econômicos, sociais e culturais por meio do
sistema interamericano de proteção dos direitos humanos, com base no art. 26 da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, não admite mais retrocesso.

Palavras-chave: justiciabilidade, força do precedente, direitos sociais, Lagos del Campo, Corte
Interamericana de Direitos Humanos.

Abstract: This academic work presents the judgment of the Lagos del Campo case as a precedent
of justiciability of economic, social and cultural rights before the Inter-American Court of
Human Rights. The evolution of jurisprudence, the specific phenomenon of precedent and its
strength at the international level are discussed. Then, it is concluded that the new understanding
that ensures the direct protection of economic, social and cultural rights through the inter-
American system for the protection of human rights, based on art. 26 of the American Convention
on Human Rights, does not allow further retreat.

Keywords: justiciability, force of precedent, social rights, Lagos del Campo, Inter-American
Court of Human Rights.

1. Introdução

Assinada em 22.11.1969, a Convenção Americana sobre Direito Humanos, doravante


chamada simplesmente CADH, também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica,

1
Artigo elaborado em janeiro de 2023 por exigência curricular da disciplina de Efetividade dos Direitos
Sociais nas Relações de Trabalho, ministrada pelo professor doutor Augusto César Leite de Carvalho, como parte
integrante do curso de Mestrado Profissional em Direito Sociais e Processos Reivindicatórios, promovido pelo
Instituto de Educação Superior de Brasília – IESB.
2
Juiz do Trabalho vinculado ao Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região, especializado em Direito
Público pela PUC-GO.
constitui-se como um tratado internacional celebrado entre os Estados-membros da Organização
dos Estados Americanos – OEA (Organization of American States – OAS) e se encontra em
vigor desde 18.7.1978.

Atualmente, a CADH está ratificada por vinte e três países, 3 dos quais apenas vinte
aderiram à competência contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos – Corte IDH. 4

Houve grande dificuldade de aprovação da CADH porquanto alguns Estados-membros da


OEA se opunham à catalogação dos direitos econômicos, sociais e culturais (DESC). 5
Inicialmente, portanto, prevaleceu apenas a defesa direta dos direitos civis e políticos, tanto que
ficou estabelecido que outros direitos poderiam ser incluídos no Sistema Interamericano de
proteção dos Direitos Humanos (SIDH)6 por meio de protocolos adicionais, conforme disposto
nos arts. artigos 31, 76 e 77 da CADH.

Na CADH o único dispositivo que trata dos DESC é o art. 26 que prevê, simplesmente, o
desenvolvimento progressivo “dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre
educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos”.

3
São eles: Argentina, Barbados, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador,
Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Suriname e
Uruguai. O Brasil depositou a carta de adesão à CADH em 25.9.1992, ratificando-a por meio do Decreto n. 678, de
6.11.1992, quando então ela se incorporou ao ordenamento jurídico brasileiro. A declaração de reconhecimento da
competência obrigatória da Corte IDH se deu por meio do Decreto n. 4.463, de 8 de novembro de 2002, “sob reserva
de reciprocidade e para fatos posteriores a 10 de dezembro de 1998” (art. 1º).
4
Constituindo-se como sendo uma instituição judicial autônoma, a Corte IDH tem como objetivo
basicamente a aplicação e a interpretação da CADH. A Corte IDH exerce funções contenciosa e consultiva. Ela tem
sua organização e competência regulamentada pela CADH, pelo estatuto e pelo regulamento próprio. Sediada em
San José, capital da Costa Rica, a Corte IDH é composta por sete juízes eleitos pela Assembleia Geral.

5
Na esfera do sistema regional interamericano, doutrinariamente, os direitos ambientais são considerados
como parte integrante dos direitos econômicos, sociais e culturais, de tal forma que atualmente tem sido utilizada a
sigla DESCA. Na estrutura da Comissão Interamericana de Direitos Humanos foi até instalada a denominada
Relatoria Especial de Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (REDESCA).
6
Composto pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e pela Corte IDH, o SIDH tem
como base, além da CADH, diversos outros instrumentos internacionais de direitos humanos, por exemplo: a
Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, de 1948; a Convenção Interamericana para Prevenir e
Punir a Tortura, de 1985; o Protocolo à Convenção Americana de Direitos Humanos em Matéria de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, chamado Protocolo de San Salvador, de 1988; o Protocolo à Convenção Americana
de Direitos Humanos para Abolição da Pena de Morte, de 1990; a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência contra a Mulher, de 1994; e a Convenção Interamericana sobre Desaparecimentos Forçados, de
1994.

2
Desse modo, sem embargo da aprovação do Protocolo de San Salvador, 7 a Corte IDH
acolhia a tese de incompetência para processar e julgar violações aos DESC, limitando sua
competência aos casos envolvendo violações aos direitos humanos civis e políticos.
Predominava, então, o entendimento segundo o qual, em respeito à soberania e à capacidade
econômica de cada Estado-parte, o disposto no art. 26 da CADH era uma norma meramente
programática.

Contudo, a jurisprudência da Corte IDH evoluiu. Quatro casos emblemáticos, 8 dentre


vários outros, ilustram muito bem essa mudança jurisprudencial: i) Villagram Morales versus
Guatemala; ii) Cinco Pensionistas versus Peru; iii) Lagos del Campo versus Peru; e iv)
Empregados da Fábrica de Fogos de Santo Antônio de Jesus e seus familiares versus Brasil.

No exemplo do caso Villagram Morales versus Guatemala, em decorrência da


impunidade pela morte de cinco crianças que viviam em situação de rua, brutalmente torturadas e
assinadas por dois policiais da Guatemala, por meio da sentença (rectius, acórdão)9 proferida no
dia 19.11.1999, a Corte IDH condenou a Guatemala ao pagamento de indenização pecuniária aos
familiares das vítimas, à reforma legislativa para proteção dos direitos das crianças e adolescentes
guatemaltecos e à construção de uma escola em memória das vítimas, dentre outras obrigações.
Dessa forma, associou-se o direito à vida ao direito à educação. Sob esse ponto de vista, o direito
à vida não se resume à dimensão negativa do preceito “não matar”, mas compreende também
uma dimensão positiva que impõe ao Estado o dever de adotar medidas para proporcionar uma
vida digna.

Cinco Pensionistas versus Peru é um caso em que a Corte IDH já sinaliza que, a partir do
preceito contido no art. 26 da CADH, era possível a justicialização dos DESC. Neste caso,
julgado no dia 28.2.2003, com fundamento no direito à propriedade privada e no direito à
proteção judicial (amplo e efetivo acesso à Justiça), a Corte IDH condenou o Estado peruano a
reestabelecer o valor das pensões de cinco aposentados, consagrando, assim, a proteção indireta

7
O Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais, chamado Protocolo de San Salvador, concluído em 17.11.1988, em São Salvador, El Salvador,
assegurou o direito de petição à Corte IDH nas hipóteses de violação por um Estado-parte dos direitos de liberdade
sindical, do direito de greve e do direito à educação (art. 19.6 c/c arts. 8 e 13). Entretanto, nem todos os Estados-
partes da CADH ratificaram esse protocolo adicional.
8
Esses quatro casos ilustrativos da evolução da jurisprudência da Corte IDH foram selecionados e
brilhantemente comentados pelo professor doutor Augusto César Leite de Carvalho, ministro do Tribunal Superior
do Trabalho, em uma live compartilhada com o ministro Lélio Bentes Corrêa, promovida pela Escola Judicial do
Tribunal Regional da 13ª Região e transmitida pelo Youtube no dia 6.11.2020 (https://www.youtube.com/watch?
v=IjURIdPPoMw).
9
?
No sentido jurídico conceitua-se sentença como sendo o julgamento proferido por um juiz ou, nas palavras
de De Plácido e Silva, “a decisão, a resolução ou a solução dada por uma autoridade a toda e qualquer questão
submetida à sua jurisdição”. Quando essa decisão é tomada coletivamente pelos tribunais, utiliza-se o termo
acórdão. Entretanto, os tratados, a doutrina e a jurisprudência de Direito Internacional não costumam fazer essa
distinção, referindo-se às decisões coletivas das cortes internacionais pelo termo sentença (sentence, fallo de la
Corte, L’arrêt de la Grande Chambre, judgment of the Grand Chamber).
3
dos direitos sociais e ratificando a ideia de indivisibilidade e de interdependência dos direitos
humanos.

Julgado em 31.8.2017, o caso Lagos del Campo versus Peru é o divisor de águas. Pela
primeira vez a Corte IDH proferiu uma condenação diretamente com base no art. 26 da CADH,
especificamente por violação dos direitos à estabilidade laboral e à liberdade de associação de
trabalhadores.

Por fim, no caso dos Empregados da Fábrica de Fogos de Santo Antônio de Jesus e seus
familiares versus Brasil, com decisão proferida em 15.7.2020, a Corte IDH condenou o Estado
brasileiro, dentre outras obrigações, a indenizar os danos materiais e imateriais sofridos pelas
vítimas de uma explosão ocorrida em uma fábrica de fogos de artifícios, localizada no município
de Santo Antônio de Jesus, no Estado da Bahia. Ao rejeitar a preliminar de incompetência
material, a Corte IDH reafirmou expressamente sua competência “para conhecer e resolver
controvérsias relativas ao artigo 26 da Convenção Americana como parte integrante dos direitos
enumerados em seu texto”.

Nesse contexto é que se indaga, perante a Corte IDH, qual é a força do precedente
formado pelo julgamento do caso Lagos del Campo no que se refere à justiciabilidade dos
direitos econômicos, sociais e culturais, inclusive daqueles que não foram expressamente
contemplados no Protocolo de San Salvador.10

2. Justiciabilidade

Derivada do latim judiciale, para Aurélio Buarque De Holanda Ferreira a palavra


“judicial” é um adjetivo com os seguintes significados: “1. Que tem origem no poder judiciário
ou perante ele se realiza. 2. Respeitante a juiz, a tribunais ou à justiça; forense”. 11

Não existe o adjetivo “justicial”. Daí, “justicialidade” ou “justicialização” são palavras


que não se encontram no sistema de pesquisa do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa –
Volp, versão 2021-2022, (https://www.academia.org.br/nossa-lingua/busca-no-vocabulario).

10
“Artigo 19. Meios de Proteção [...] 6. Caso os direitos estabelecidos no parágrafo a) do artigo 8 e no artigo
13 fossem violados por uma ação imputável diretamente a um Estado parte do presente Protocolo, tal situação
poderia dar lugar, mediante a participação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e quando proceda da
Corte Interamericana dos Direitos Humanos, à aplicação do sistema de petições individuais regulado pelos artigos 44
a 51 e 61 a 69 da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos”.

11
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. Curitiba.
Positivo, 2004, p. 1160
4
No Dicionário Priberam da Língua Portuguesa – DPLP (https://dicionario.priberam.org/),
por exemplo, consta que o substantivo “judicialização” significa o “Ato ou efeito de judicializar
ou de se judicializar”. O verbo “judicializar”, portanto, indica o ato de tornar algo judicial.

Sendo assim, para se referir a algo relacionado ao poder judiciário, a juiz, a tribunais ou à
justiça, o correto seria utilizar termos derivados do adjetivo “judicial”, por exemplo,
“judicialização” ou até mesmo “judiciabilidade” (qualidade daquilo que pode ser judicializado).

No entanto, na doutrina, adotou-se o neologismo “justiciabilidade” para indicar a


possibilidade de, diante da lesão de uma norma de Direito Internacional, submeter o litígio a uma
corte internacional, pedindo a reparação de direitos.

Talvez essa diferença terminológica se dê porque no âmbito internacional a submissão de


um Estado ao julgamento de uma corte depende de ratificação e adesão facultativa à convenção
que instituiu o respectivo tribunal, ao passo que no âmbito interno os tribunais são órgãos do
Poder Judiciário, um dos três poderes constitucionalmente constituídos, não podendo a lei excluir
de sua apreciação lesão ou ameaça de direito.

De acordo com a professora doutora Liana Cirne Lins, existe até uma distinção entre os
termos exigibilidade e justiciabilidade. Nesse sentido, diz ela:12

A despeito de as duas expressões [exigibilidade e justiciabilidade] serem comumente apresentadas como


sinônimas, acreditamos que justiciabilidade seria espécie de que a exigibilidade é gênero. Ao passo que a
exigibilidade de um direito, mormente um direito social, pode dar-se contra inúmeras instâncias (públicas
de todas as esferas e mesmo privadas) pelas mais distintas formas, a justiciabilidade caracteriza-se como
forma específica de exigibilidade em juízo. Uma vez que admitimos que é essencial à fundamentalidade dos
direitos a possibilidade de que sua lesão seja conhecida pelos tribunais, então necessariamente fazemos
referência à sua justiciabilidade.

Vale lembrar que, quando utilizados adequadamente, os termos técnico-científicos


cumprem o importante papel de sintetizar ações, procedimentos, institutos e até teorias.

3. Relato do caso Lagos del Campo versus Peru

No dia 5.8.1998, o trabalhador peruano Alfredo Lagos del Campo protocolizou no


escritório local da OEA uma petição endereçada à Comissão Interamericana de Direitos
Humanos (CIDH),13 por meio da qual alega que era empregado da empresa Ceper Pirelli S.A., na
12
LINS, Liana Circe de Freitas. A justiciabilidade dos direitos fundamentais sociais: uma avaliação crítica do
tripé denegatório de sua exigibilidade e da concretização constitucional seletiva. Revista de informação legislativa,
Brasília-DF, v. 46, n. 182, p. 2-3, abr./jun, 2009. Disponível em:
<https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/194915/000865479.pdf?sequence=3&isAllowed=y>. Acesso
em: 10 jan. 2023.
13
Com sede em Washington, Estados Unidos, a CIDH é um “órgão autônomo” da OEA que tem como
finalidade promover a observância e a defesa dos direitos humanos, servindo como uma espécie de órgão fiscalizador
5
função de eletricista. Afirma ele que, no dia 26.6.1989, foi dispensado sob a alegação de ter
praticado ato de “grave falta de conduta”.

Segundo o peticionário, a dispensa foi “injusta e arbitrária” e se deu em retaliação a uma


entrevista que ele concedeu na qualidade de presidente da Comissão Eleitoral da Comunidade
Industrial daquela empresa (“sindicato de trabalhadores de dicha compañía”).14

Embora negue que tenha cometido os atos de “difamação e calúnia” que lhe foram
imputados, o peticionário informa que a reportagem versava sobre a ingerência indevida da
empresa nas atividades representativas e nas eleições internas da Comunidade Industrial.

Diz ele que, de acordo com a Constituição peruana, os direitos de personalidade


(intimidade, vida privada, honra e imagem) são inerentes apenas às pessoas naturais, não sendo as
pessoas jurídicas titulares de tais direitos.

Dentre outros fundamentos de fato e de direito, o peticionário alega que as declarações


que lhe foram atribuídas estavam protegidas pela liberdade de expressão que protege os
dirigentes sindicais.

Informa o peticionário que, no âmbito da primeira instância judiciária do Peru, o juízo da


15ª Vara do Trabalho julgou procedente seu pedido, reconhecendo a nulidade da dispensa.
Contudo, em sede recursal, o Segundo Tribunal do Trabalho revogou a sentença e declarou a
validade da dispensa. Dessa decisão, diz ele que ainda interpôs diversos recursos, mas que todos
foram denegados.

Segundo consta na petição apresentada perante a CIDH, as demais medidas adotadas no


âmbito interno, inclusive o ajuizamento de uma ação perante a Corte Superior de Lima com
recurso para a Corte Suprema, também foram infrutíferas.

e consultivo no campo do sistema interamericano, cujo papel se assemelha ao de um Ministério público. É composta
por sete juristas eleitos.
14
No Brasil as entidades sindicais representam uma categoria profissional ou uma categoria econômica
específica, englobando todos trabalhadores ou empresas dentro de uma mesma base territorial que não pode ser
inferior à área de um município, conforme disposto no art. 8º, II, da Constituição da República Federativa do Brasil
(CRFB) de 1988. Porém, de acordo com o art. 11 da CRFB de 1988, nas empresas com mais de 200 empregados, é
assegurada a eleição de um representante para negociar com os empregadores no âmbito interno. A partir da regra
constitucional, a Lei n. 13.467, de 14.7.2017, incluiu o art. 510-A na CLT, instituindo a comissão de representação
nas empresas com mais de 200 empregados. No Peru, na época dos fatos, a legislação contemplava a figura da
Comunidade Industrial que visava assegurar a participação dos empregados na gestão do patrimônio e dos lucros da
empresa com o objetivo de: contribuir para o estabelecimento de formas de inter-relação; fortalecer a indústria;
estabelecer uma distribuição adequada e racional dos lucros entre os investidores e os trabalhadores estáveis; e
promover a capacitação permanente e o incentivo à criatividade dos trabalhadores. Cuida-se de uma instituição que
se assemelha aos Conselhos de Fábrica já presentes na Alemanha da Constituição de Weimar (1919), aos Conselhos
de Usina que surgiram na França a partir da segunda metade do século XIX, aos Conselhos de Cooperação
Industrial na Espanha e aos Comitês de Salário Mínimo da Inglaterra.
6
Lagos del Campo sustenta que ocorreram diversos “vícios e irregularidades processuais”,
inclusive pelo fato de a Corte Suprema ter julgado seu recurso no mesmo dia em que foi
interposto.

Ainda durante o trâmite perante a CIDH, a Associação de Defesa dos Direitos Humanos –
APRODEH se apresentou como representante da então suposta vítima.

Em 1º.11.2010 a CIDH emitiu um relatório de admissibilidade no qual concluiu que a


petição do senhor Alfredo Lagos del Campo era admissível com base nos arts. 8 e 13 combinados
com 1.1 e 2 e inadmissível quanto à possível violação dos arts. 24 e 25, todos da CADH.

No relatório de mérito, aprovado em 21.7.2015, a CIDH conclui que o Estado peruano é


responsável pela violação dos direitos às garantias judiciais e à liberdade de expressão previstos
nos arts. 8.1 e 13 combinado com 1.1, 2 e 16.1 da CADH.

Em decorrência dessa conclusão, CIDH emitiu recomendações ao Estado peruano para


que fossem adotadas as seguintes medidas: i) reparação integral dos danos materiais e imateriais
sofrido pelo senhor Alfredo Lagos del Campos; ii) assegurar que os representantes de
trabalhadores e líderes sindicais possam gozar seu direito de liberdade de expressão; iii) adequar
sua legislação e a aplicação pelos tribunais dos princípios internacionais de direitos humanos em
matéria de liberdade de expressão no contexto laborais.

Como as recomendações não foram acatadas, em 28.11.2015, a CIDH submeteu à


jurisdição da Corte IDH o caso Lagos del Campo contra a República do Peru.

Já no âmbito da Corte IDH, o Estado peruano contesta alegando, em síntese, que o


processo interno tramitou regularmente, sem violação de nenhum direito. Afirma que a dispensa
foi declarada válida porque o peticionário não exerceu o seu direito de resposta, tendo sido
sancionado em conformidade com o ordenamento jurídico interno.

Depois dos tramites convencionais, em 31.8.2017, a Corte IDH proferiu sentença na qual,
por unanimidade, foram rejeitadas as questões processuais e preliminares aduzidas pelo Estado
peruano.

No mérito, em favor do senhor Lagos del Campo, a Corte IDH declarou que o Estado é
responsável pela violação dos seguintes direitos: i) direitos à liberdade de pensamento, à
expressão e de garantias judiciais (arts. 13.2 e 8.2 combinados com art. 1.1 da CADH); ii) direito
à estabilidade no trabalho (art. 26 combinado com arts. 1.1, 13, 8 e 16 da CADH); iii) direito à
liberdade de associação (art. 16 e 26 combinados com arts. 1.1, 13 e 8 da CADH); iv) direito à
proteção judicial e garantias judiciais (arts. 8 e 25 combinados com 1.1 da CADH).

Por conseguinte, o Estado foi condenado ao cumprimento das seguintes obrigações: i)


fazer publicações do resumo oficial da sentença em Diário Oficial, jornal de ampla circulação
nacional e em site oficial; ii) pagar as quantias estabelecidas na sentença a título de indenizações
7
pelos danos materiais e imateriais, bem como as despesas judiciais; iii) restituir ao Fundo de
Assistência Legal das Vítima a quantia desembalsada na tramitação do processo; e iv) apresentar
à Corte um relatório das medidas adotadas no cumprimento da sentença.

Embora nem o peticionário e nem a CIDH tenham se referido ao dispositivo, a partir da


aplicação da diretriz representada pelos brocardos “iura novit curia” (o tribunal conhece o direito)
e “da mihi factum, dabo tibi ius” (dê-me o fato e lhe darei o direito), a Corte IDH, pela primeira
vez, declarou violado o art. 26 da CADH, reconhecendo a justiciabilidade plena e direta dos
DESC.

Até então, quando muito, a Corte IDH protegia os DESC apenas de forma indireta,
secundariamente, a partir de violações de direitos civis ou políticos.

4. Definição conceitual de precedentes judiciais

Com muita propriedade, valendo-se de lições de renomados autores, Hélio Ricardo Diniz
Krebs ensina que:15

Precedente, conforme afirma concisamente Neil Duxbury, é um evento – no direito o evento significa quase
sempre uma decisão judicial – passado que serve como guia para ações do presente. Portanto, quando um
juiz decide um caso embasado naquilo que foi assentado em um caso anterior cuja mesma questão foi
resolvida, diz-se que ele decidiu de acordo com um precedente.

Para Luiz Guilherme Marinoni, precedente judicial consiste numa decisão com potencialidade de se firmar
como paradigma para a orientação dos jurisdicionados e dos magistrados. Para isso, é necessário que a
decisão enfrente todos os principais argumentos referentes à questão de direito discutida no caso concreto. É
importante saber que, nem sempre é a primeira decisão a analisar determinada questão jurídica que
constituirá o precedente, até mesmo porque os contornos de um precedente podem ser desenhados na
medida em que diversos casos sobre aquela questão vão sendo julgados. “Em suma, é possível dizer que o
precedente é a primeira decisão que elabora a tese jurídica ou é a decisão que definitivamente a delineia,
deixando-a cristalina”.

Conceito é uma operação mental para elaborar a ideia, o modo de entender, a respeito de
determinada pessoa ou coisa. Já a definição consiste na árdua e perigosa tarefa (ominis definitivo
in jure civile periculosa est) de qualificar e caracterizar, com clareza e precisão, desvelando os
elementos componentes de um fenômeno.

Como o trabalho científico percorre os dois caminhos, é preferível utilizar a expressão


conjugada “definição conceitual”. De qualquer forma, não é tarefa fácil conceituar e tampouco
definir precedente judicial.

15
KREBS, Hélio Ricardo Diniz. A importância dos direitos fundamentais para o sistema de precedentes.
Orientador: Eduardo de Avelar Lamy. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de
Ciências Jurídicas, Florianópolis, 2015. p. 155. Disponível em:
<https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2018/09/4e3362e2df68c209dc627835b2005b44.pdf>. Acesso em: 13
jan. 2023.
8
Pode-se dizer que precedente judicial é a decisão transitada em julgado que soluciona
uma questão de natureza jurídica, proferida em um processo anterior, ligada a um caso concreto
com fatos juridicamente relevantes, cuja solução poderá servir de padrão para a resolução de
outros casos subsequentes com identidade de fatos essenciais.

Contudo, escapa da referida definição conceitual os precedentes formados no controle


concentrado de constitucionalidade porque nesta hipótese a decisão não está relacionada a
nenhum caso concreto, mas proferida no contexto de uma regra questionada em face da norma
constitucional, in abstrato.

Não se pode negar que, por questões de lógica, coerência, isonomia e de efetividade da
justiça, a observância dos precedentes judiciais é uma tendência quase universal. Sem dúvida
alguma, uma das vantagens do sistema de precedentes obrigatórios é a redução da quantidade
excessiva de recursos que tramitam nos tribunais versando sobre matérias idênticas.

Ao contrário do que se pensa, o sistema de precedentes anglo-saxônico como fontes


primárias de direito, ligado ao common law, foi formado a partir da tradição ocidental romano-
germânica. Há quem diga que o direito anglo-saxão é mais romano e mais germânico que o
direito dos próprios países de tradição romano-germânica.

Ocorre que, no common law britânico, historicamente houve maior resistência à


romanização e ao positivismo dos códigos, preservando, assim, a força do direito consuetudinário
construído ao longo do tempo.

Na realidade, a diferença entre os sistemas de common law e civil law está na intensidade.
No primeiro, historicamente a força do precedente tem sido considerada obrigatória, ao passo que
no segundo predomina o caráter meramente persuasivo.

Sobre as técnicas de aplicação da teoria geral dos precedentes, cujo estudo não será
aprofundado neste artigo, os principais conceitos se referem aos termos ratio decidendi (razão de
decidir), obiter dictum (dito para morrer), following (aplicação direta), analogy (aplicação
analógica), distinguishing (distinção) e overruling (superação).

No Brasil, um país de tradição civil law, progressivamente o sistema jurídico acabou se


tornando um híbrido entre civil law e common law.

O Código de Processo Civil de 2015 trouxe o sistema de precedente obrigatório, por meio
do qual a ratio decidendi de determinados julgados (art. 927, III a V, do CPC) deve ser aplicada
no julgamento posterior de casos análogos.

Além dos precedentes judiciais obrigatórios, os arts. 489, VI e art. 927, I e II, do CPC,
referem-se a força vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal – STF em controle
concentrado de constitucionalidade e aos enunciados de súmulas vinculantes editados pelo STF,
9
no que estão em consonância com os arts. 102, § 2º e 103-A da Constituição da República
Federativa do Brasil (CRFB) de 1988.

Sendo assim, quanto à sua força, no sistema brasileiro os precedentes podem se classificar
em vinculantes, obrigatórios e persuasivos.

Consideram-se vinculantes em sentido estrito, os precedentes formados pelas decisões


definitivas do STF nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de
constitucionalidade (art. 102, § 2º, da CRFB de 1988), pelas súmulas vinculantes aprovadas pelo
STF na forma do art. 103-A da CRFB de 1988 e pelas demais modalidade de decisões previstas
no art. 988 do CPC, das quais cabem a reclamação como um instrumento para preservar a
competência dos tribunais e garantir a autoridade de suas decisões (acórdãos proferidos em
incidente de assunção de competência – IAC, acórdãos proferidos em incidente de resolução de
demandas repetitivas – IRDR, acórdãos proferidos em recursos extraordinários repetitivos ou de
repercussão geral, acórdãos proferidos em recursos especiais e de revista repetitivos; acórdãos
proferidos em recurso de revista com transcendência).

Obrigatórios são aqueles precedentes formados pelas decisões elencadas no art. 927 do
CPC que, embora não sujeitas ao instrumento da reclamação, são dotadas de observância
obrigatória. São precedentes obrigatórios as súmulas do STF, as súmulas do Superior Tribunal de
Justiça - STJ e, por aplicação supletiva (art. 15 do CPC; art. 769 da CLT), as súmulas do Tribunal
Superior do Trabalho - TST, as orientações do plenário, do órgão especial ou de seção
especializada para uniformizar a jurisprudência, inclusive dos tribunais regionais do trabalho e do
TST (art. 15, I, “e”, da Instrução Normativa – IN n. 39, de 10.3.2016).

A obrigatoriedade sistêmica desses precedentes se infere de vários dispositivos do CPC,


tais como: o art. 332, que trata da improcedência liminar do pedido; o art. 496, § 4º, I, que
dispensa a remessa necessária; o art. 521, que dispensa caução; o art. 932, IV e V, que autoriza a
denegação de recurso pelo relator; e, principalmente, o art. 927, § 4º, que exige observância dos
precedentes com fundamentação adequada e específica.

Por fim, no ordenamento jurídico brasileiro, como o próprio nome já diz, persuasivos são
os precedentes não vinculantes e não obrigatórios, mas que possuem força para convencer ou
pelo menos influenciar na decisão judicial. Constituem-se de todos os julgados não listados no
art. 927 do CPC. Importante observar que aqueles precedentes que são obrigatórios e vinculantes
apenas em um tribunal específico, podem figurar ao menos como persuasivo em outro.

No contexto norte-americano, por exemplo, num típico sistema jurídico de common law,
em que vigora a regra não escrita do stare decisis et non quieta movere (mantenha-se a decisão e
não se mexa no que está quieto), a dinâmica dos precedentes judiciais cumprem efetivamente o
papel de evitar o conflito jurisprudencial interno.

Na esfera da Corte IDH, é bem verdade que, segundo disposto no art. 67 da CADH, a
sentença da Corte IDH é “definitiva e inapelável”, dela cabendo apenas uma espécie de embargos
1
declaratórios (pedido de interpretação na hipótese de divergência sobre o sentido da sentença).
Indaga-se, então, em que medida os precedentes seriam considerados obrigatórios.

De acordo com o art. 38, “d”, do Estatuto da Corte Internacional de Justiça – CIJ, anexo à
Carta das Nações Unidas, assinada em 26.6.1945 na cidade de São Francisco, nos Estados
Unidos, “O Tribunal [...] aplicará [...] as decisões judiciais e a doutrina dos publicistas mais
qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de
direito”.

Em que pese não ter sido mencionado expressamente o termo “fonte”, para alguns autores
o referido dispositivo enuncia as decisões judiciais como uma das fontes do Direito Internacional.
Pela importância da CIJ como corte no sistema internacional de justiça, logicamente o estatuto da
CIJ serve como parâmetro para funcionamento das demais cortes internacionais. Nesse sentido,
Antônio Augusto Cançado Trindade, ex-presidente da Corte IDH, disse que:16

Não há como negar à grande massa de decisões arbitrais e judiciais o caráter de ‘fonte’ do Direito
Internacional, ainda que operando de modo intermitente e sendo as decisões, não raro, de peso desigual (i.e.,
algumas mais inovadoras ou criativas do que outras).

Todavia, embora reconheça sua importância e autoridade, a maioria dos doutrinadores


conclui que as decisões das cortes internacionais, por si só, não constituem fonte de direito e,
portanto, não figuram como precedentes obrigatórios.

Ao discorrer sobre o precedente como fonte formal do Direito Internacional, o professor


Elmer da Silva Marques afirma que:17

A doutrina do stare decisis e da autoridade do precedente judicial, desenvolvidas mais fortemente nos
países do common law não foi transposta para o Direito Internacional, mas pode-se observar uma
aproximação nas condições de continuidade jurisprudencial característica do stare decisis.

5. Princípio da progressividade ou do não retrocesso

Direitos humanos, a grosso modo, são aqueles que se formam pelo conjunto de direitos
essencial à vida humana pautada na liberdade, igualdade e dignidade, representativos dos valores
essenciais descritos, explicita ou implicitamente, nos tratados internacionais (no que se se

16
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A formação do direito internacional contemporâneo: reavaliação
crítica da teoria clássica de suas “fontes”. 2003. Disponível em:
<https://www.oas.org/es/sla/ddi/docs/publicaciones_digital_XXIX_curso_derecho_internacional_2002_Antonio_Au
gusto_Cancado_Trindade.pdf>. Acesso em: 12 jan. 2023.
17
MARQUES, Elmer da Silva. O precedente judicial como fonte do direito internacional. Publicação XXII
Congresso nacional do DONDEPI/UFPB, 2015, p. 11. Disponível em: <http://publicadireito.com.br/artigos/?
cod=8210d4caae707aa1>. Acesso em: 12 jan. 2023.

1
diferenciariam dos direitos fundamentais, pois estes seriam aqueles positivados nas
constituições).

André de Carvalho leciona que:18

Os direitos humanos caracterizam-se pela existência da proibição do retrocesso, também chamada de “efeito
cliquet”, princípio do não retorno da concretização ou princípio da proibição da evolução reacionária, que
consiste na vedação da eliminação da concretização já alcançada na proteção de algum direito, admitindo-se
somente aprimoramentos e acréscimos.

Outra expressão utilizada pela doutrina é o entrenchment ou entrincheiramento, que consiste na preservação
do mínimo já concretizado dos direitos fundamentais, impedindo o retrocesso, que poderia ser realizado
pela supressão normativa ou ainda pelo amesquinhamento ou diminuição de suas prestações à coletividade.

Diferente do que ocorre em outras ciências, no campo do Direito os princípios jurídicos


cumprem um papel fundamental. Atuam como fontes materiais na fase pré-jurídica (função
normogenética) e como mecanismos de hermenêutica na fase jurídica, sendo que nesta exercem
pelo menos três funções: descritiva ou informativa, normativa subsidiária e normativa própria ou
concorrente.

Nem tudo que a doutrina assim denomina pode ser considerado como um verdadeiro
princípio, pois, não raras vezes, trata-se de simples regra sem a generalidade característica dos
princípios jurídicos. Para a Ciência do Direito os princípios se afiguram como diretrizes centrais
extraídas do sistema jurídico que, ao mesmo tempo, informam a sua compreensão.

No domínio do ordenamento jurídico brasileiro, a diretriz que veda o retrocesso do


patamar civilizatório mínimo já estabelecido pelo Direito Constitucional, constitui um verdadeiro
princípio.

No Brasil, o princípio da proibição do retrocesso decorre implicitamente de várias normas


contidas na CRFB de 1988, tais como: princípio do Estado Democrático de Direito (art. 1º,
caput); princípio da dignidade humana (art. 1º, III); direitos e garantias fundamentais (art. 5º, §
1º); princípio da segurança jurídica (art. 5º, XXXVI); regra que torna os direitos e garantias
individuais como cláusulas pétreas (art. 60, § 4º, IV).

Em artigo de jornal, o ministro do STF, Ricardo Lewandoski, leciona que:19

O princípio da proibição do retrocesso, portanto, impede que, a pretexto de superar dificuldades


econômicas, o Estado possa, sem uma contrapartida adequada, revogar ou anular o núcleo essencial dos
direitos conquistados pelo povo. É que ele corresponde ao mínimo existencial, ou seja, ao conjunto de bens
materiais e imateriais sem o qual não é possível viver com dignidade.

18
RAMOS, André de Carvalho. Curso de direitos humanos. 4. ed. – a São Paulo: Saraiva, 2017. p. 99.
19
FOLHA DE S. PAULO/SP – OPINIÃO – p. A03. Qui, 1 de fevereiro de 2018.
1
Na esfera do Sistema Interamericano de proteção dos Direitos Humanos (SIDH) existe o
postulado que veda o retrocesso social, previsto na CADH nos seguintes termos:

Artigo 26. Desenvolvimento progressivo.

Os Estados Partes comprometem-se a adotar providências, tanto no âmbito interno como mediante
cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena
efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura,
constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na
medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados.

Mais adiante, reforçando a diretriz do desenvolvimento progressivo, a CADH estabelece:

Artigo 29. Normas de interpretação

Nenhuma disposição desta Convenção pode ser interpretada no sentido de:

a. permitir a qualquer dos Estados Partes, grupo ou pessoa, suprimir o gozo e exercício dos
direitos e liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá-los em maior medida do que a nela
prevista;
b. limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos de
acordo com as leis de qualquer dos Estados Partes ou de acordo com outra convenção em que seja
parte um dos referidos Estados;
c. excluir outros direitos e garantias que são inerentes ao ser humano ou que decorrem da forma
democrática representativa de governo; e
d. excluir ou limitar o efeito que possam produzir a Declaração Americana dos Direitos e
Deveres do Homem e outros atos internacionais da mesma natureza.

A cláusula da progressividade dos DESC foi reafirmada também no Protocolo de San


Salvador que assim dispõe:

Artigo 1
Obrigação de adotar medidas

Os Estados Partes neste Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos
comprometem-se a adotar as medidas necessárias, tanto de ordem interna como por meio da cooperação
entre os Estados, especialmente econômica e técnica, até o máximo dos recursos disponíveis e levando em
conta seu grau de desenvolvimento, a fim de conseguir, progressivamente e de acordo com a legislação
interna, a plena efetividade dos direitos reconhecidos neste Protocolo.

Como se vê, na esfera do SIDH, o princípio em tela exige pelo menos duas condutas
essenciais. A primeira, de caráter positivo, consiste na adoção de medidas gradativas e
progressivas para implantação e proteção efetiva dos DESC. A outra, de caráter negativo, proíbe
a supressão ou redução dos direitos conquistados.

6. Conclusão

1
Assinada em 22.11.1969, a CADH não contempla expressamente um rol de DESC, mas,
tão somente, estabelece em seu art. 26 o compromisso para que os Estados-partes adotem
medidas para o “desenvolvimento progressivo” de tais direito. Originariamente, os DESC só
poderiam ser incluídos no espectro do SIDH por meio de protocolos adicionais.

Contudo, o entendimento da Corte IDH, que antes se declarava incompetente em razão da


matéria para conhecer e julgar os casos de violação dos DESC, evoluiu para reconhecer a
justiciabilidade e proteção efetiva dos chamados direitos humanos de segunda dimensão.

Doutrinariamente, adotou-se o neologismo “justiciabilidade” para indicar a possibilidade


de, diante da lesão de uma norma de Direito Internacional, submeter o litígio a uma corte
internacional, pedindo a reparação de direitos.

No julgamento do caso Lagos del Campo versus Peru, pela primeira vez, a Corte IDH
proferiu uma condenação diretamente com base no art. 26 da CADH, partindo do pressuposto
fático (material facts) de que houve violação dos direitos à estabilidade laboral e à liberdade de
associação de trabalhadores.

Na sentença proferida em 31.8.2017, em favor do senhor Lagos del Campo, a Corte IDH
declarou que o Estado peruano é responsável pela violação de vários direitos, inclusive do direito
à estabilidade no trabalho (art. 26 combinado com arts. 1.1, 13, 8 e 16 da CADH) e do direito à
liberdade de associação (art. 16 e 26 combinados com arts. 1.1, 13 e 8 da CADH).

Embora a maioria dos doutrinadores conclui que as decisões das cortes internacionais, por
si só, não constituem fonte de direito (portanto, não figuram como precedentes obrigatórios, mas
meramente persuasivos), ninguém nega a autoridade e a importâncias desses julgados que, de
acordo com o art. 38 “d”, do Estatuto da CIJ, devem ser observados pelos tribunais internacionais
“como meio auxiliar para a determinação das regras de direito”.

Ademais, o fundamento determinante da decisão (ractio decidendi) que constitui o


precedente em estudo reside na aplicação no art. 26 da CADH, dispositivo que se refere
expressamente ao princípio da progressividade ou do não retrocesso social.

Considerando que no campo do SIDH impõe-se aos Estados-partes tanto um


comportamento positivo no sentido de adotar medidas gradativas e progressivas para implantação
e proteção efetiva dos DESC, quanto um comportamento negativo de não tomar providências
capazes de suprimir ou reduzir os direitos conquistados, doravante seria um retrocesso se a
própria a Corte IDH deixasse de reconhecer a justiciabilidade direta dos direitos econômicos,
sociais e culturais. Neste ponto, a involução da jurisprudência seria paradoxal.

Nesse contexto, não obstante a ausência de controle sistêmico, conclui-se que, por meio
do julgamento do caso Lagos del Campo versus Peru, a Corte IDH estabeleceu um precedente
verdadeiramente obrigatório de justiciabilidade dos direitos econômicos, sociais e culturais
perante e não meramente persuasivo.
1
REFERÊNCIAS

KREBS, Hélio Ricardo Diniz. A importância dos direitos fundamentais para o sistema de
precedentes. Orientador: Eduardo de Avelar Lamy. 368 p. Dissertação (mestrado) - Universidade
Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Jurídicas, Florianópolis, 2015. Disponível em:
<https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2018/09/4e3362e2df68c209dc627835b2005b44.pdf
>. Acesso em: 13 jan. 2023.

LINS, Liana Circe de Freitas. A justiciabilidade dos direitos fundamentais sociais: uma avaliação
crítica do tripé denegatório de sua exigibilidade e da concretização constitucional seletiva.
Revista de informação legislativa, Brasília-DF, v. 46, n. 182, abr./jun, 2009. Disponível em:
<https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/194915/000865479.pdf?
sequence=3&isAllowed=y>. Acesso em: 10 jan. 2023.

MARQUES, Elmer da Silva. O precedente judicial como fonte do direito internacional.


Publicação XXII Congresso nacional do DONDEPI/UFPB, 2015. Disponível em:
<http://publicadireito.com.br/artigos/?cod=8210d4caae707aa1>. Acesso em: 12 jan. 2023.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e justiça internacional : um estudo comparativo dos


sistemas regionais europeu, interamericano e africano / Flávia Piovesan. 9. ed. rev. e atual. – São
Paulo : Saraiva Educação, 2019.

RAMOS, André de Carvalho. Curso de direitos humanos / André de Carvalho Ramos. 4. ed. –
São Paulo: Saraiva, 2017.

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A formação do direito internacional contemporâneo:


reavaliação crítica da teoria clássica de suas “fontes”. 2003. Disponível em:
<https://www.oas.org/es/sla/ddi/docs/publicaciones_digital_XXIX_curso_derecho_internacional
_2002_Antonio_Augusto_Cancado_Trindade.pdf>. Acesso em: 12 jan. 2023.

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