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Resumo: Neste trabalho acadêmico apresenta-se o julgamento do caso Lagos del Campo como
um precedente de justiciabilidade dos direitos econômicos, sociais e culturais perante a Corte
Interamericana de Direitos Humanos. Aborda-se a evolução da jurisprudência, o fenômeno
específico do precedente e sua força no âmbito internacional. Em seguida, conclui-se que o novo
entendimento que assegura a tutela direta dos direitos econômicos, sociais e culturais por meio do
sistema interamericano de proteção dos direitos humanos, com base no art. 26 da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, não admite mais retrocesso.
Palavras-chave: justiciabilidade, força do precedente, direitos sociais, Lagos del Campo, Corte
Interamericana de Direitos Humanos.
Abstract: This academic work presents the judgment of the Lagos del Campo case as a precedent
of justiciability of economic, social and cultural rights before the Inter-American Court of
Human Rights. The evolution of jurisprudence, the specific phenomenon of precedent and its
strength at the international level are discussed. Then, it is concluded that the new understanding
that ensures the direct protection of economic, social and cultural rights through the inter-
American system for the protection of human rights, based on art. 26 of the American Convention
on Human Rights, does not allow further retreat.
Keywords: justiciability, force of precedent, social rights, Lagos del Campo, Inter-American
Court of Human Rights.
1. Introdução
1
Artigo elaborado em janeiro de 2023 por exigência curricular da disciplina de Efetividade dos Direitos
Sociais nas Relações de Trabalho, ministrada pelo professor doutor Augusto César Leite de Carvalho, como parte
integrante do curso de Mestrado Profissional em Direito Sociais e Processos Reivindicatórios, promovido pelo
Instituto de Educação Superior de Brasília – IESB.
2
Juiz do Trabalho vinculado ao Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região, especializado em Direito
Público pela PUC-GO.
constitui-se como um tratado internacional celebrado entre os Estados-membros da Organização
dos Estados Americanos – OEA (Organization of American States – OAS) e se encontra em
vigor desde 18.7.1978.
Atualmente, a CADH está ratificada por vinte e três países, 3 dos quais apenas vinte
aderiram à competência contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos – Corte IDH. 4
Na CADH o único dispositivo que trata dos DESC é o art. 26 que prevê, simplesmente, o
desenvolvimento progressivo “dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre
educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos”.
3
São eles: Argentina, Barbados, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador,
Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Suriname e
Uruguai. O Brasil depositou a carta de adesão à CADH em 25.9.1992, ratificando-a por meio do Decreto n. 678, de
6.11.1992, quando então ela se incorporou ao ordenamento jurídico brasileiro. A declaração de reconhecimento da
competência obrigatória da Corte IDH se deu por meio do Decreto n. 4.463, de 8 de novembro de 2002, “sob reserva
de reciprocidade e para fatos posteriores a 10 de dezembro de 1998” (art. 1º).
4
Constituindo-se como sendo uma instituição judicial autônoma, a Corte IDH tem como objetivo
basicamente a aplicação e a interpretação da CADH. A Corte IDH exerce funções contenciosa e consultiva. Ela tem
sua organização e competência regulamentada pela CADH, pelo estatuto e pelo regulamento próprio. Sediada em
San José, capital da Costa Rica, a Corte IDH é composta por sete juízes eleitos pela Assembleia Geral.
5
Na esfera do sistema regional interamericano, doutrinariamente, os direitos ambientais são considerados
como parte integrante dos direitos econômicos, sociais e culturais, de tal forma que atualmente tem sido utilizada a
sigla DESCA. Na estrutura da Comissão Interamericana de Direitos Humanos foi até instalada a denominada
Relatoria Especial de Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (REDESCA).
6
Composto pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e pela Corte IDH, o SIDH tem
como base, além da CADH, diversos outros instrumentos internacionais de direitos humanos, por exemplo: a
Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, de 1948; a Convenção Interamericana para Prevenir e
Punir a Tortura, de 1985; o Protocolo à Convenção Americana de Direitos Humanos em Matéria de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, chamado Protocolo de San Salvador, de 1988; o Protocolo à Convenção Americana
de Direitos Humanos para Abolição da Pena de Morte, de 1990; a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência contra a Mulher, de 1994; e a Convenção Interamericana sobre Desaparecimentos Forçados, de
1994.
2
Desse modo, sem embargo da aprovação do Protocolo de San Salvador, 7 a Corte IDH
acolhia a tese de incompetência para processar e julgar violações aos DESC, limitando sua
competência aos casos envolvendo violações aos direitos humanos civis e políticos.
Predominava, então, o entendimento segundo o qual, em respeito à soberania e à capacidade
econômica de cada Estado-parte, o disposto no art. 26 da CADH era uma norma meramente
programática.
Cinco Pensionistas versus Peru é um caso em que a Corte IDH já sinaliza que, a partir do
preceito contido no art. 26 da CADH, era possível a justicialização dos DESC. Neste caso,
julgado no dia 28.2.2003, com fundamento no direito à propriedade privada e no direito à
proteção judicial (amplo e efetivo acesso à Justiça), a Corte IDH condenou o Estado peruano a
reestabelecer o valor das pensões de cinco aposentados, consagrando, assim, a proteção indireta
7
O Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais, chamado Protocolo de San Salvador, concluído em 17.11.1988, em São Salvador, El Salvador,
assegurou o direito de petição à Corte IDH nas hipóteses de violação por um Estado-parte dos direitos de liberdade
sindical, do direito de greve e do direito à educação (art. 19.6 c/c arts. 8 e 13). Entretanto, nem todos os Estados-
partes da CADH ratificaram esse protocolo adicional.
8
Esses quatro casos ilustrativos da evolução da jurisprudência da Corte IDH foram selecionados e
brilhantemente comentados pelo professor doutor Augusto César Leite de Carvalho, ministro do Tribunal Superior
do Trabalho, em uma live compartilhada com o ministro Lélio Bentes Corrêa, promovida pela Escola Judicial do
Tribunal Regional da 13ª Região e transmitida pelo Youtube no dia 6.11.2020 (https://www.youtube.com/watch?
v=IjURIdPPoMw).
9
?
No sentido jurídico conceitua-se sentença como sendo o julgamento proferido por um juiz ou, nas palavras
de De Plácido e Silva, “a decisão, a resolução ou a solução dada por uma autoridade a toda e qualquer questão
submetida à sua jurisdição”. Quando essa decisão é tomada coletivamente pelos tribunais, utiliza-se o termo
acórdão. Entretanto, os tratados, a doutrina e a jurisprudência de Direito Internacional não costumam fazer essa
distinção, referindo-se às decisões coletivas das cortes internacionais pelo termo sentença (sentence, fallo de la
Corte, L’arrêt de la Grande Chambre, judgment of the Grand Chamber).
3
dos direitos sociais e ratificando a ideia de indivisibilidade e de interdependência dos direitos
humanos.
Julgado em 31.8.2017, o caso Lagos del Campo versus Peru é o divisor de águas. Pela
primeira vez a Corte IDH proferiu uma condenação diretamente com base no art. 26 da CADH,
especificamente por violação dos direitos à estabilidade laboral e à liberdade de associação de
trabalhadores.
Por fim, no caso dos Empregados da Fábrica de Fogos de Santo Antônio de Jesus e seus
familiares versus Brasil, com decisão proferida em 15.7.2020, a Corte IDH condenou o Estado
brasileiro, dentre outras obrigações, a indenizar os danos materiais e imateriais sofridos pelas
vítimas de uma explosão ocorrida em uma fábrica de fogos de artifícios, localizada no município
de Santo Antônio de Jesus, no Estado da Bahia. Ao rejeitar a preliminar de incompetência
material, a Corte IDH reafirmou expressamente sua competência “para conhecer e resolver
controvérsias relativas ao artigo 26 da Convenção Americana como parte integrante dos direitos
enumerados em seu texto”.
Nesse contexto é que se indaga, perante a Corte IDH, qual é a força do precedente
formado pelo julgamento do caso Lagos del Campo no que se refere à justiciabilidade dos
direitos econômicos, sociais e culturais, inclusive daqueles que não foram expressamente
contemplados no Protocolo de San Salvador.10
2. Justiciabilidade
10
“Artigo 19. Meios de Proteção [...] 6. Caso os direitos estabelecidos no parágrafo a) do artigo 8 e no artigo
13 fossem violados por uma ação imputável diretamente a um Estado parte do presente Protocolo, tal situação
poderia dar lugar, mediante a participação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e quando proceda da
Corte Interamericana dos Direitos Humanos, à aplicação do sistema de petições individuais regulado pelos artigos 44
a 51 e 61 a 69 da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos”.
11
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. Curitiba.
Positivo, 2004, p. 1160
4
No Dicionário Priberam da Língua Portuguesa – DPLP (https://dicionario.priberam.org/),
por exemplo, consta que o substantivo “judicialização” significa o “Ato ou efeito de judicializar
ou de se judicializar”. O verbo “judicializar”, portanto, indica o ato de tornar algo judicial.
Sendo assim, para se referir a algo relacionado ao poder judiciário, a juiz, a tribunais ou à
justiça, o correto seria utilizar termos derivados do adjetivo “judicial”, por exemplo,
“judicialização” ou até mesmo “judiciabilidade” (qualidade daquilo que pode ser judicializado).
De acordo com a professora doutora Liana Cirne Lins, existe até uma distinção entre os
termos exigibilidade e justiciabilidade. Nesse sentido, diz ela:12
Embora negue que tenha cometido os atos de “difamação e calúnia” que lhe foram
imputados, o peticionário informa que a reportagem versava sobre a ingerência indevida da
empresa nas atividades representativas e nas eleições internas da Comunidade Industrial.
e consultivo no campo do sistema interamericano, cujo papel se assemelha ao de um Ministério público. É composta
por sete juristas eleitos.
14
No Brasil as entidades sindicais representam uma categoria profissional ou uma categoria econômica
específica, englobando todos trabalhadores ou empresas dentro de uma mesma base territorial que não pode ser
inferior à área de um município, conforme disposto no art. 8º, II, da Constituição da República Federativa do Brasil
(CRFB) de 1988. Porém, de acordo com o art. 11 da CRFB de 1988, nas empresas com mais de 200 empregados, é
assegurada a eleição de um representante para negociar com os empregadores no âmbito interno. A partir da regra
constitucional, a Lei n. 13.467, de 14.7.2017, incluiu o art. 510-A na CLT, instituindo a comissão de representação
nas empresas com mais de 200 empregados. No Peru, na época dos fatos, a legislação contemplava a figura da
Comunidade Industrial que visava assegurar a participação dos empregados na gestão do patrimônio e dos lucros da
empresa com o objetivo de: contribuir para o estabelecimento de formas de inter-relação; fortalecer a indústria;
estabelecer uma distribuição adequada e racional dos lucros entre os investidores e os trabalhadores estáveis; e
promover a capacitação permanente e o incentivo à criatividade dos trabalhadores. Cuida-se de uma instituição que
se assemelha aos Conselhos de Fábrica já presentes na Alemanha da Constituição de Weimar (1919), aos Conselhos
de Usina que surgiram na França a partir da segunda metade do século XIX, aos Conselhos de Cooperação
Industrial na Espanha e aos Comitês de Salário Mínimo da Inglaterra.
6
Lagos del Campo sustenta que ocorreram diversos “vícios e irregularidades processuais”,
inclusive pelo fato de a Corte Suprema ter julgado seu recurso no mesmo dia em que foi
interposto.
Ainda durante o trâmite perante a CIDH, a Associação de Defesa dos Direitos Humanos –
APRODEH se apresentou como representante da então suposta vítima.
Depois dos tramites convencionais, em 31.8.2017, a Corte IDH proferiu sentença na qual,
por unanimidade, foram rejeitadas as questões processuais e preliminares aduzidas pelo Estado
peruano.
No mérito, em favor do senhor Lagos del Campo, a Corte IDH declarou que o Estado é
responsável pela violação dos seguintes direitos: i) direitos à liberdade de pensamento, à
expressão e de garantias judiciais (arts. 13.2 e 8.2 combinados com art. 1.1 da CADH); ii) direito
à estabilidade no trabalho (art. 26 combinado com arts. 1.1, 13, 8 e 16 da CADH); iii) direito à
liberdade de associação (art. 16 e 26 combinados com arts. 1.1, 13 e 8 da CADH); iv) direito à
proteção judicial e garantias judiciais (arts. 8 e 25 combinados com 1.1 da CADH).
Até então, quando muito, a Corte IDH protegia os DESC apenas de forma indireta,
secundariamente, a partir de violações de direitos civis ou políticos.
Com muita propriedade, valendo-se de lições de renomados autores, Hélio Ricardo Diniz
Krebs ensina que:15
Precedente, conforme afirma concisamente Neil Duxbury, é um evento – no direito o evento significa quase
sempre uma decisão judicial – passado que serve como guia para ações do presente. Portanto, quando um
juiz decide um caso embasado naquilo que foi assentado em um caso anterior cuja mesma questão foi
resolvida, diz-se que ele decidiu de acordo com um precedente.
Para Luiz Guilherme Marinoni, precedente judicial consiste numa decisão com potencialidade de se firmar
como paradigma para a orientação dos jurisdicionados e dos magistrados. Para isso, é necessário que a
decisão enfrente todos os principais argumentos referentes à questão de direito discutida no caso concreto. É
importante saber que, nem sempre é a primeira decisão a analisar determinada questão jurídica que
constituirá o precedente, até mesmo porque os contornos de um precedente podem ser desenhados na
medida em que diversos casos sobre aquela questão vão sendo julgados. “Em suma, é possível dizer que o
precedente é a primeira decisão que elabora a tese jurídica ou é a decisão que definitivamente a delineia,
deixando-a cristalina”.
Conceito é uma operação mental para elaborar a ideia, o modo de entender, a respeito de
determinada pessoa ou coisa. Já a definição consiste na árdua e perigosa tarefa (ominis definitivo
in jure civile periculosa est) de qualificar e caracterizar, com clareza e precisão, desvelando os
elementos componentes de um fenômeno.
15
KREBS, Hélio Ricardo Diniz. A importância dos direitos fundamentais para o sistema de precedentes.
Orientador: Eduardo de Avelar Lamy. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de
Ciências Jurídicas, Florianópolis, 2015. p. 155. Disponível em:
<https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2018/09/4e3362e2df68c209dc627835b2005b44.pdf>. Acesso em: 13
jan. 2023.
8
Pode-se dizer que precedente judicial é a decisão transitada em julgado que soluciona
uma questão de natureza jurídica, proferida em um processo anterior, ligada a um caso concreto
com fatos juridicamente relevantes, cuja solução poderá servir de padrão para a resolução de
outros casos subsequentes com identidade de fatos essenciais.
Não se pode negar que, por questões de lógica, coerência, isonomia e de efetividade da
justiça, a observância dos precedentes judiciais é uma tendência quase universal. Sem dúvida
alguma, uma das vantagens do sistema de precedentes obrigatórios é a redução da quantidade
excessiva de recursos que tramitam nos tribunais versando sobre matérias idênticas.
Na realidade, a diferença entre os sistemas de common law e civil law está na intensidade.
No primeiro, historicamente a força do precedente tem sido considerada obrigatória, ao passo que
no segundo predomina o caráter meramente persuasivo.
Sobre as técnicas de aplicação da teoria geral dos precedentes, cujo estudo não será
aprofundado neste artigo, os principais conceitos se referem aos termos ratio decidendi (razão de
decidir), obiter dictum (dito para morrer), following (aplicação direta), analogy (aplicação
analógica), distinguishing (distinção) e overruling (superação).
O Código de Processo Civil de 2015 trouxe o sistema de precedente obrigatório, por meio
do qual a ratio decidendi de determinados julgados (art. 927, III a V, do CPC) deve ser aplicada
no julgamento posterior de casos análogos.
Além dos precedentes judiciais obrigatórios, os arts. 489, VI e art. 927, I e II, do CPC,
referem-se a força vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal – STF em controle
concentrado de constitucionalidade e aos enunciados de súmulas vinculantes editados pelo STF,
9
no que estão em consonância com os arts. 102, § 2º e 103-A da Constituição da República
Federativa do Brasil (CRFB) de 1988.
Sendo assim, quanto à sua força, no sistema brasileiro os precedentes podem se classificar
em vinculantes, obrigatórios e persuasivos.
Obrigatórios são aqueles precedentes formados pelas decisões elencadas no art. 927 do
CPC que, embora não sujeitas ao instrumento da reclamação, são dotadas de observância
obrigatória. São precedentes obrigatórios as súmulas do STF, as súmulas do Superior Tribunal de
Justiça - STJ e, por aplicação supletiva (art. 15 do CPC; art. 769 da CLT), as súmulas do Tribunal
Superior do Trabalho - TST, as orientações do plenário, do órgão especial ou de seção
especializada para uniformizar a jurisprudência, inclusive dos tribunais regionais do trabalho e do
TST (art. 15, I, “e”, da Instrução Normativa – IN n. 39, de 10.3.2016).
Por fim, no ordenamento jurídico brasileiro, como o próprio nome já diz, persuasivos são
os precedentes não vinculantes e não obrigatórios, mas que possuem força para convencer ou
pelo menos influenciar na decisão judicial. Constituem-se de todos os julgados não listados no
art. 927 do CPC. Importante observar que aqueles precedentes que são obrigatórios e vinculantes
apenas em um tribunal específico, podem figurar ao menos como persuasivo em outro.
No contexto norte-americano, por exemplo, num típico sistema jurídico de common law,
em que vigora a regra não escrita do stare decisis et non quieta movere (mantenha-se a decisão e
não se mexa no que está quieto), a dinâmica dos precedentes judiciais cumprem efetivamente o
papel de evitar o conflito jurisprudencial interno.
Na esfera da Corte IDH, é bem verdade que, segundo disposto no art. 67 da CADH, a
sentença da Corte IDH é “definitiva e inapelável”, dela cabendo apenas uma espécie de embargos
1
declaratórios (pedido de interpretação na hipótese de divergência sobre o sentido da sentença).
Indaga-se, então, em que medida os precedentes seriam considerados obrigatórios.
De acordo com o art. 38, “d”, do Estatuto da Corte Internacional de Justiça – CIJ, anexo à
Carta das Nações Unidas, assinada em 26.6.1945 na cidade de São Francisco, nos Estados
Unidos, “O Tribunal [...] aplicará [...] as decisões judiciais e a doutrina dos publicistas mais
qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de
direito”.
Em que pese não ter sido mencionado expressamente o termo “fonte”, para alguns autores
o referido dispositivo enuncia as decisões judiciais como uma das fontes do Direito Internacional.
Pela importância da CIJ como corte no sistema internacional de justiça, logicamente o estatuto da
CIJ serve como parâmetro para funcionamento das demais cortes internacionais. Nesse sentido,
Antônio Augusto Cançado Trindade, ex-presidente da Corte IDH, disse que:16
Não há como negar à grande massa de decisões arbitrais e judiciais o caráter de ‘fonte’ do Direito
Internacional, ainda que operando de modo intermitente e sendo as decisões, não raro, de peso desigual (i.e.,
algumas mais inovadoras ou criativas do que outras).
A doutrina do stare decisis e da autoridade do precedente judicial, desenvolvidas mais fortemente nos
países do common law não foi transposta para o Direito Internacional, mas pode-se observar uma
aproximação nas condições de continuidade jurisprudencial característica do stare decisis.
Direitos humanos, a grosso modo, são aqueles que se formam pelo conjunto de direitos
essencial à vida humana pautada na liberdade, igualdade e dignidade, representativos dos valores
essenciais descritos, explicita ou implicitamente, nos tratados internacionais (no que se se
16
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A formação do direito internacional contemporâneo: reavaliação
crítica da teoria clássica de suas “fontes”. 2003. Disponível em:
<https://www.oas.org/es/sla/ddi/docs/publicaciones_digital_XXIX_curso_derecho_internacional_2002_Antonio_Au
gusto_Cancado_Trindade.pdf>. Acesso em: 12 jan. 2023.
17
MARQUES, Elmer da Silva. O precedente judicial como fonte do direito internacional. Publicação XXII
Congresso nacional do DONDEPI/UFPB, 2015, p. 11. Disponível em: <http://publicadireito.com.br/artigos/?
cod=8210d4caae707aa1>. Acesso em: 12 jan. 2023.
1
diferenciariam dos direitos fundamentais, pois estes seriam aqueles positivados nas
constituições).
Os direitos humanos caracterizam-se pela existência da proibição do retrocesso, também chamada de “efeito
cliquet”, princípio do não retorno da concretização ou princípio da proibição da evolução reacionária, que
consiste na vedação da eliminação da concretização já alcançada na proteção de algum direito, admitindo-se
somente aprimoramentos e acréscimos.
Outra expressão utilizada pela doutrina é o entrenchment ou entrincheiramento, que consiste na preservação
do mínimo já concretizado dos direitos fundamentais, impedindo o retrocesso, que poderia ser realizado
pela supressão normativa ou ainda pelo amesquinhamento ou diminuição de suas prestações à coletividade.
Nem tudo que a doutrina assim denomina pode ser considerado como um verdadeiro
princípio, pois, não raras vezes, trata-se de simples regra sem a generalidade característica dos
princípios jurídicos. Para a Ciência do Direito os princípios se afiguram como diretrizes centrais
extraídas do sistema jurídico que, ao mesmo tempo, informam a sua compreensão.
18
RAMOS, André de Carvalho. Curso de direitos humanos. 4. ed. – a São Paulo: Saraiva, 2017. p. 99.
19
FOLHA DE S. PAULO/SP – OPINIÃO – p. A03. Qui, 1 de fevereiro de 2018.
1
Na esfera do Sistema Interamericano de proteção dos Direitos Humanos (SIDH) existe o
postulado que veda o retrocesso social, previsto na CADH nos seguintes termos:
Os Estados Partes comprometem-se a adotar providências, tanto no âmbito interno como mediante
cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena
efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura,
constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na
medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados.
a. permitir a qualquer dos Estados Partes, grupo ou pessoa, suprimir o gozo e exercício dos
direitos e liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá-los em maior medida do que a nela
prevista;
b. limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos de
acordo com as leis de qualquer dos Estados Partes ou de acordo com outra convenção em que seja
parte um dos referidos Estados;
c. excluir outros direitos e garantias que são inerentes ao ser humano ou que decorrem da forma
democrática representativa de governo; e
d. excluir ou limitar o efeito que possam produzir a Declaração Americana dos Direitos e
Deveres do Homem e outros atos internacionais da mesma natureza.
Artigo 1
Obrigação de adotar medidas
Os Estados Partes neste Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos
comprometem-se a adotar as medidas necessárias, tanto de ordem interna como por meio da cooperação
entre os Estados, especialmente econômica e técnica, até o máximo dos recursos disponíveis e levando em
conta seu grau de desenvolvimento, a fim de conseguir, progressivamente e de acordo com a legislação
interna, a plena efetividade dos direitos reconhecidos neste Protocolo.
Como se vê, na esfera do SIDH, o princípio em tela exige pelo menos duas condutas
essenciais. A primeira, de caráter positivo, consiste na adoção de medidas gradativas e
progressivas para implantação e proteção efetiva dos DESC. A outra, de caráter negativo, proíbe
a supressão ou redução dos direitos conquistados.
6. Conclusão
1
Assinada em 22.11.1969, a CADH não contempla expressamente um rol de DESC, mas,
tão somente, estabelece em seu art. 26 o compromisso para que os Estados-partes adotem
medidas para o “desenvolvimento progressivo” de tais direito. Originariamente, os DESC só
poderiam ser incluídos no espectro do SIDH por meio de protocolos adicionais.
No julgamento do caso Lagos del Campo versus Peru, pela primeira vez, a Corte IDH
proferiu uma condenação diretamente com base no art. 26 da CADH, partindo do pressuposto
fático (material facts) de que houve violação dos direitos à estabilidade laboral e à liberdade de
associação de trabalhadores.
Na sentença proferida em 31.8.2017, em favor do senhor Lagos del Campo, a Corte IDH
declarou que o Estado peruano é responsável pela violação de vários direitos, inclusive do direito
à estabilidade no trabalho (art. 26 combinado com arts. 1.1, 13, 8 e 16 da CADH) e do direito à
liberdade de associação (art. 16 e 26 combinados com arts. 1.1, 13 e 8 da CADH).
Embora a maioria dos doutrinadores conclui que as decisões das cortes internacionais, por
si só, não constituem fonte de direito (portanto, não figuram como precedentes obrigatórios, mas
meramente persuasivos), ninguém nega a autoridade e a importâncias desses julgados que, de
acordo com o art. 38 “d”, do Estatuto da CIJ, devem ser observados pelos tribunais internacionais
“como meio auxiliar para a determinação das regras de direito”.
Nesse contexto, não obstante a ausência de controle sistêmico, conclui-se que, por meio
do julgamento do caso Lagos del Campo versus Peru, a Corte IDH estabeleceu um precedente
verdadeiramente obrigatório de justiciabilidade dos direitos econômicos, sociais e culturais
perante e não meramente persuasivo.
1
REFERÊNCIAS
KREBS, Hélio Ricardo Diniz. A importância dos direitos fundamentais para o sistema de
precedentes. Orientador: Eduardo de Avelar Lamy. 368 p. Dissertação (mestrado) - Universidade
Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Jurídicas, Florianópolis, 2015. Disponível em:
<https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2018/09/4e3362e2df68c209dc627835b2005b44.pdf
>. Acesso em: 13 jan. 2023.
LINS, Liana Circe de Freitas. A justiciabilidade dos direitos fundamentais sociais: uma avaliação
crítica do tripé denegatório de sua exigibilidade e da concretização constitucional seletiva.
Revista de informação legislativa, Brasília-DF, v. 46, n. 182, abr./jun, 2009. Disponível em:
<https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/194915/000865479.pdf?
sequence=3&isAllowed=y>. Acesso em: 10 jan. 2023.
RAMOS, André de Carvalho. Curso de direitos humanos / André de Carvalho Ramos. 4. ed. –
São Paulo: Saraiva, 2017.