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A justiciabilidade direto dos direitos econômicos, sociais, culturais e

ambientais. Gênese da inovadora jurisprudência interamericana

AUTORA
Juana María Ibáñez Rivas
Pontifícia Universidade Católica (PUC) – Peru
Mestra em Direitos Humanos pela Universidade de Paris X
Doutoranda em Direito Internacional e Europeu pela Universidade de Paris 1,
Pantheon-Sorbonne.
Atua como advogada na Corte Interamericana de Direitos Humanos

I INTRODUÇÃO

CADH (1969)

ARTIGO 26 - Desenvolvimento Progressivo


Os Estados-Partes comprometem-se a adotar providências, tanto no âmbito
interno como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e
técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos
que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e
cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos,
reformada pelo Protocolo de Buenos Aires (1967), na medida dos recursos
disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados.

Protocolo de San Salvador (1988) – adicional à CADH

PREÂMBULO
Considerando a estreita relação que existe entre a vigência dos direitos
econômicos, sociais e culturais e a dos direitos civis e políticos, por motivo de as
diferentes categorias de direito constituírem um todo indissolúvel que tem sua
base no reconhecimento da dignidade da pessoa humana, razão pela qual
exigem tutela e promoção permanente, com o objetivo de conseguir sua plena
vigência, sem que jamais possa justificar-se a violação de uns a pretexto da
observação de outros;
ARTIGO 19. 6 - Meios de Proteção
6. Caso os direitos estabelecidos na alínea "a" do artigo 8º [direitos sindicais], e
no artigo 13 [direito à educação], forem violados por ação que pode ser atribuída
diretamente a um Estado-Parte neste Protocolo, essa situação poderia dar
origem, mediante a participação da Comissão Interamericana de Direitos
Humanos e, quando for cabível, da Corte Interamericana de Direitos Humanos, à
aplicação do sistema de petições individuais regulado pelos artigos 44 a 51 e 61
a 69 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

Polêmicas:
- Conteúdo e alcance do art. 26 da CADH
- Competência da Corte para se pronunciar sobre violação aos DESCA
- Regime de proteção do Protocolo de San Salvador em relação com o da CADH

- Inicialmente: Corte consolidou uma proteção indireta ou por conexão dos DESCA
- Evolução jurisprudencial: justiciabilidade direta do art. 26 da CADH

Passou de uma interpretação limitada à justiciabilidade da obrigação de não


retrocesso, à outra que entende pela justiciabilidade direta dos DESCA e das
correspondentes obrigações do Estado

II Mudança jurisprudencial rumo à justiciabilidade direta e plena do art. 26 da


CADH: Acevedo Buendía e Lagos del Campo

2009 – Caso Acevedo Buendía e outros vs. Peru


2017 – Caso Lagos del Campo vs. Peru

2.1 Caso Acevedo Buendía e outros vs. Peru

- Caso Cinco Pensionistas vs Peru (2003) – desenvolvimento progressivo dos


DESCA devia ser medido em função da crescente cobertura em geral, para o
conjunto da população e não em função das circunstâncias de um caso isolado;
desestímulo de pronunciamento sobre o desenvolvimento progressivo dos DESCA
pela Corte
- Caso Acevedo Buendía vs Peru (2009) – supera a jurisprudência anterior; art. 26
da CADH não é mera declaração de intenções

1 Interpretação histórica da CADH: art. 26 busca tornar possível a execução dos


DESCA mediante ação dos tribunais; interesse dos Estados, à época, pela inclusão
de disposição de obrigatoriedade jurídica para o cumprimento dos DESCA e de
mecanismos de promoção e proteção;

2 Interpretação sistemática da CADH: artigo se encontra no Capítulo III (Direito


econômicos, sociais e culturais), portanto, integra a Parte I, conjuntamente com os
capítulos I e II (Enumeração de Deveres e Direitos Civis e Políticos,
respectivamente), onde há previsão de obrigações gerais aos Estados

3 Diálogo com o Tribunal Europeu de Direitos Humanos: caso Airey vs Irlanda


(1979); interdependência e a indivisibilidade dos direitos civis e políticos e os
DESCA; entendidos integralmente, sem hierarquia entre si e exigíveis em todos os
casos ante autoridades por eles responsáveis

4 Diálogo com o sistema universal de direitos humanos: desenvolvimento


progressivo dos DESCA deve ser valorado com base dos pronunciamentos do
Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU; efetividade dos DESCA
não poderá ser dar-se num breve período; requerem um dispositivo de flexibilidade
que reflita as realidades e dificuldades de cada país ao assegurar efetividade

Flexibilidade enquanto prazo e modalidades: Estado terá obrigação de fazer; adotar


providências e oferecer meios e elementos para responder às exigências de
efetividade dos direitos, na medida do respectivo compromisso internacional firmado

A implementação progressiva de tais medidas poderá ser objeto de prestação de


contas e seu cumprimento poderá ser exigido nas instâncias respectivas

5 Conclusão: art. 26 da CADH permite justiciabilidade quanto à não


regressividade dos DESCA; o dever de não regressividade não deverá ser
entendido somente como uma proibição de medidas restritivas ao exercício de
algum direito; para avaliar se uma medida regressiva é compatível com a CADH,
deve-se determinar se é justificável por razões de peso

- Proteção indireta ou por conexão dos DESCA

2.2 Caso Lagos del Campo

- Primeira declaração de violação autônoma do art. 26 – direito à estabilidade no


trabalho é um direito trabalhista protegido pela norma

- Como o dispositivo não faz menção específica a nenhum DESCA, a Corte seguiu
quatro passos para determinar se o direito ao trabalho é por ele protegido:

1- Analisou se o direito em questão é um daqueles derivados da interpretação do art.


26 em relação às normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura,
contida na Carta da OEA;

2- Baseado na Opinião Consultiva 10/8936 e no art. 29.d da CADH, determinou se o


direito deriva do texto da DADDH que, segundo a jurisprudência interamericana,
constitui uma fonte de obrigações internacionais

3- Observou se o direito é reconhecido explicitamente em leis internas dos Estados


da região, assim como no corpus iuris internacional

4- Notou que as duas últimas constituições do Peru e a lei trabalhista do momento


dos fatos reconheciam explicitamente o direito à estabilidade no trabalho

- Corpus iuris internacional e nacional na matéria constituíram a base para


estabelecer o conteúdo e o alcance do referido direito, assim como obrigações
estatais específicas

Determinou as seguintes obrigações:


- Adoção de medidas para regulação e fiscalização do direito em questão
- Proteção do trabalhador(a), por órgãos competentes, contra a demissão
injustificada
- No caso de demissão injustificada, remediar a situação (reintegração, indenização
e outras prestações)
- Estado deve dispor de mecanismos de reclamação frente a situações de demissão
injustificada, garantir o acesso à justiça e à tutela judicial efetiva de direitos

- Decisão declarou a responsabilidade internacional do Estado pela violação ao


direito à estabilidade no trabalho, com base no art. 26 da CADH

- Primeira vez que se estabeleceu uma violação do art. 26 da CADH

- Caso Buendía: apenas apontava que o art. 26 continha um conteúdo de obrigação


estatal de não regressividade dos DESCA
- Caso Lagos: declarou violação direta, confirmando que tal norma protege os
DESCA autônomos, suscetíveis de justiciabilidade

- Críticas: falta de rigorosidade na argumentação; consequências em termos de


segurança jurídica para os estados-membros

- Outros casos em que foi decidida a violação do art. 26 quanto aos direitos
trabalhistas:
- Trabajadores Cesados de Petroperú y otros vs Perú (2017)
- San Miguel Sosa y otras vs Venezuela (2018)

- Em nenhum dos casos reconheceu a mudança jurisprudencial em relação ao caso


Buendía sobre o conteúdo e alcance do art. 26 da CADH e sua justiciabilidade, o
que aponta uma carência na argumentação

III Entre Poblete Vilches y Cuscul Pivaral: el “colofón” que exigía la


justiciabilidad directa del contenido y alcances del artículo 26 de la
Convención?

INDICAÇÕES
FERRER MAC-GREGOR, Eduardo. La exigibilidad directa del derecho a la salud y
la obligación de progresividad y no regresividad (a propósito del caso Cuscul Pivaral
y otros vs. Guatemala). Boletín Mexicano de Derecho Comparado, Ciudad de
México, v. 52, n. 154, p. 425-455, abr. 2019.

RONCONI, Liliana; BARRACO, María. La consolidación de los DESCA en la Corte


Interamericana de Derechos Humanos: reflexiones a propósito del caso Lhaka
Honhat vs. Argentina. Revista de la Facultad de Derecho, Montevideo, n. 50, e105,
jan. 2021.

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