Você está na página 1de 3

Resenha do documentário justiça

O sistema judiciário é o retrato da ineficiência, impunidade e desigualdades


existentes na sociedade Brasileira. Ao adentrar no interior de um Tribunal de Justiça
é possível constatar tal afirmação. O documentário, justiça, de Maria Augusta
Ramos tem como objetivo demonstrar a realidade social do Brasil através de tais
tribunais, visto que este, na teoria, deveria ser um ambiente no qual se impera a
justiça, mas que pela fala da defensora pública Maria Ignez, “Quem tá preso na
verdade, só tem pé de chinelo, ladrão pé de galinha, o povo mais miserável” resume
toda a obra que aponta a desigualdade que permeia a estrutura que vai desde o
sistema penal, os tribunais até o sistema carcerário.

As celas das delegacias superlotadas evidenciam o abismo estabelecido entre os


atores socias retratados no filme. A magnificência, do tribunal e o discurso de
combate a impunidade mostrados na cerimônia de posse da juíza ao cargo de
desembargadora contrapõem as cenas dos detentos aglomerados como animais,
em jaulas. Santana (2008), em “Crime e castigo”, destaca a situação de calamidade
das prisões brasileiras que segundo ele “se tornaram porões imundos, superlotados,
sanguinários e cheios de desordem, formando um caos criador de bichos humanos.”

De acordo com o princípio da igualdade todos são iguais perante a lei, mas ao se
deparar com um réu sentado na frente de um juiz responsável por condenar ou
libertar, é impossível não fazer alusão a imagem do opressor e oprimido. Longe de
querer tirar a responsabilidade do réu, afinal de contas se um crime foi cometido e
necessário a punição do culpado, o problema é que os culpados são sempre os
mais pobres e menos desfavorecidos, como se todos fossem iguais perante a lei,
entretanto alguns fossem mais iguais que outros e uma determinada classe mais
punida que a outra.

Parece existir uma espécie de seletividade ao se definir o que é o crime e quem o


comete, ou seja, criminoso não é quem pratica crime, mas sim quem leva o rótulo de
criminoso e no documentário percebe-se claramente o perfil dos indivíduos que
recebem esse rótulo. O jovem pobre, negro e morador da periferia.
Segundo Donald Black a condição social dos indivíduos determina o comportamento
do outro em relação ao Direito, Black define o Direito como uma variável
quantitativa, ele aumenta e diminui, e em um cenário em que um tem mais ou
menos direito que outro, a depender da condição em que vive na sociedade, o que
nos permite observar a condição desigual de existência dos personagens da vida
real apresentados na obra de Maria Ramos, e a partir disso percebe-se que o mais
forte e abastado está mais próximo da “justiça”, portanto, tem mais direito, e o mais
fraco e medíocre, tem menos direito.

Os diálogos entre juízes e réus mostram o tratamento desigual, desde de o modo de


falar dos magistrados com um tom elevado, frio e ríspido sentados em suas
poltronas confortáveis, peito estufado, enquanto o acusado de ombros contraídos,
cabeça e voz baixa, como se fosse uma ovelha encolhida em frente ao leão apenas
esperando o ataque. E quando acaba as audiências e cada um vai pra sua casa
temos uma melhor dimensão da desigualdade, desde o meio de transporte até os
lares no qual podemos ver de um lado conforto e famílias bem estruturadas e do
outro pobreza e famílias disfuncionais.

Em determinada cena o indiciado de nome Carlos Eduardo alega inocência perante


as acusações, mas numa conversa particular com sua advogada se declara culpado,
de acordo com a lei o réu tem o direito à ampla defesa, mas a conduta da defensora
pública levanta o questionamento, do que é ético ou não, pois se o réu é culpado
seria errado buscar sua liberdade, entretanto existe a justificativa da superlotação
dos presídios. A punição é justa, mas até que ponto? Esse é um questionamento
difícil de responder.

Como pensar em justiça no Brasil, sendo este um país em que a corrupção se


encontra enraizada em quase todos os setores. No documentário uma das
testemunhas chega a insinuar que as pessoas do local onde ela mora confiam mais
nos traficantes do que na polícia, ilustrando a forte descrença da população em seu
sistema judiciário e nos órgãos públicos.

Em virtude dos fatos mencionados, compreende-se a necessidade de uma reforma


no sistema judiciário brasileiro, entretanto tal reforma deve estar acompanhada por
uma mudança social, visto que para que a justiça cumpra seu papel e seja aplicada
de forma igualitária a todos primeiramente deve-se quebrar a barreira da
desigualdade e discriminação social. Assim como o sol é para todos a justiça
também deveria ser.

Referências

BLACK, D. 1976. The behavior of law. London: Academic Press.

SANTANA, Edilson. Crime e castigo: como cortar as raízes da criminalidade e reduzir a violência. São
Paulo: Golden books, 2008.

Você também pode gostar