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Estupro de vulnerável, a palavra

da vítima e os riscos da
condenação
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Publicado por Canal Ciências Criminais


há 6 anos
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Por Aphonso Vinicius Garbin


1. O estupro de vulnerável é uma espécie de crime clandestino,
tal como o delito de roubo, onde, geralmente, é praticado às
escuras, longe dos olhos de testemunhas, e raramente deixam
vestígios de sua ocorrência. Nestes delitos, via de regra, as
provas são poucas, trabalhando-se com o mínimo de elementos
para formalização da culpa.
O crime de estupro de vulnerável, que abrange além da
conjunção carnal, outros atos libidinosos diversos, em certas
conjecturas, é ainda mais carente de prova, posto que não
necessariamente restarão vestígios das ações lascivas.

Diante deste panorama, a palavra da vítima ganha especial


relevo, eis que, não raros casos, é a prova da ocorrência do
delito. A jurisprudência pátria, inclusive, não veda a
condenação baseada na palavra da vítima como prova, contudo
ela deve estar alinhava com outros elementos e indícios
coligidos no processos.

Entretanto, a questão que nos afeta são os riscos que se assume


ao tomar tal providência, não raro estampam as manchetes dos
folhetins casos em que inocentes, condenados e indiciados por
estes crimes, são presos indevidamente, linchados ou até
mesmo assassinados pela população ou parentes de vítimas
enfurecidos.

2. Ao condenar alguém por crime de estupro de vulnerável


baseando-se exclusivamente na palavra da vítima, assume-se
um dos maiores riscos no direito penal brasileiro.
Crianças e pré-adolescentes, menores de catorze anos, são
facilmente influenciáveis por palavras e pela situação que estão
vivendo. Postas em juízo, não querem desagradar quem lhes
pergunta (psicólogo, juiz ou promotor), e seu responsável que
lhe acompanha, pois depositam nela uma expectativa que ela
quer preencher, e tampouco tem coragem de desmentir o que
disseram, por temerem represálias (sejam quais for), não
sabendo quais as consequências de tais atitudes.

Doutro norte, a pena mínima cominada ao crime de estupro de


vulnerável é de 8 anos de reclusão (CP, art. 217-A), a ser
cumprida inicialmente em regime fechado (CP, art. 33, § 2ª, a).
Não bastando a pena extremamente alta (alguns casos
proporcionais ao delito, mas outros nem tanto), condenados
por crimes de estupro são estigmatizados em presídios e
penitenciárias, são frequentes vítimas de violência sexual e
física em geral dentro do ergástulo.

O erro da vítima, no reconhecimento do seu algoz é um risco


iminente[1], podendo apontar pessoas diversas como o agente
do crime, em razão da situação perniciosa que enfrentou, além
de falsas memórias que possa ter nutrido a partir da
experiência chocante, ou implantadas em si (aqui é importante
destacar elucidativo texto de Aury Lopes Junior, quando trata
das falsas memórias inseridas por familiares e as técnicas
terapêuticas com exercícios imagéticos).
Veja-se, trata-se de um crime hediondo (art. 1º, VI, da
Lei 8.072/90) que geralmente é resolvido com pouquíssimas
provas, especialmente pela palavra da vítima, que através desse
tipo penal e dessas providencias, em atitude de retaliação (seja
por motivos pessoais, picuinhas, buscas por vantagens
financeiras, etc.), pode se utilizar dele para destruir a vida de
um cidadão.
Sabemos que psicólogos e magistrados são capacitados para
extrair ao máximo as verdades e mentiras no relato da vítima,
contudo o risco da falsidade é eminente, pois uma pessoa pode
ser convincente, mesmo mentindo.
Ademais, os casos de erro em tais condenações são uma
realidade inafastável, bem como o mero indiciamento e
acusação, ou o disse-me-disse do populacho, que já são
instrumentos hábeis à destruição social do indiciado ou
acusado, tal como no emblemático caso da Escola Base, ou
como no trágico caso de Juvenal Paulino de Souza, e diversos
outros. É que
“A sociedade limita e delimita a capacidade de ação de um
sujeito estigmatizado, marca-o como desacreditado e
determina os efeitos maléficos que pode representar. Quanto
mais visível for a marca, menos possibilidade tem o sujeito de
reverter, nas suas inter-relações, a imagem formada
anteriormente pelo padrão social” (MELO, 2005, p. 03).
3. Por fim, temos que ter em mente que uma condenação
pautada exclusivamente na palavra da vítima, em crimes de
estupro contra vulnerável, exige uma segurança excepcional de
que se está indo pelo caminho certo.
Aqui, o princípio do in dúbio pro reo deve ser aplicado no seu
máximo aproveitamento, posto que qualquer resquício de
dúvida pode ser um fio solto que puxado leva à inocência do
réu.
Demais, as consequências da condenação nestes crimes, em
verdade, destroem a vida do condenado inocente, é o
falecimento da sua reputação, seu respeito social, seu conforto
em família, e é também a chancela para um longo sofrimento
dentro da prisão, com práticas que já conhecemos e ignoramos;
é ainda, e por fim, a sua pena de morte.

REFERÊNCIAS
MELO, Zélia Maria de. Os estigmas: a deterioração da
identidade social. PROEX, ano 2005. Disponível aqui.
LOPES JR., Aury; MORAIS DA ROSA, Alexandre. Memória
não é Polaroid: precisamos falar sobre reconhecimentos
criminais. Revista Consultor Jurídico, 07/09/2014.
Disponível aqui.

NOTAS
[1]“É o caso de Jennifer Thompson. Por volta das três da
madrugada teve a casa invadida e foi estuprada com uma faca
no pescoço, tendo a vítima se focado no rosto do agressor para
identifica-lo posteriormente, caso sobrevivesse. Saindo
correndo pela porta conseguiu se livrar do estuprador e foi ao
hospital, bem assim à polícia, elaborando um retrato falado.
No dia seguinte Ronald Cotton, que tinha ficha policial (por
invasão e agressão sexual) foi localizado, reconhecido por foto
e depois pessoalmente. Em julgamento o reconhecimento foi
confirmado. Cotton foi condenado ao cumprimento de prisão
perpétua e mais cinquenta anos. Já na prisão, Cotton conheceu
um homem parecido com sua descrição chamado Bobby Pool,
também condenado por estupro e invasão. Ciente de sua
inocência, Cotton pediu um novo reconhecimento, também na
presença de Pool, tendo Jennifer, com a falsa memória fixada,
novamente, afirmado ser Cotton o autor da agressão. Após
Cotton estar sete anos preso, com os avanços do exame de
DNA, foram feitos exames e se verificou que o verdadeiro autor
do crime era Pool. Mlodinow afirma: “Estudos experimentais
nos quais pessoas são expostas a falsos crimes sugerem que,
quando o verdadeiro culpado não está presente, mais da
metade das testemunhas faz exatamente o que Jennifer
Thompson: escolhem alguém de qualquer forma,
selecionando a pessoa que mais se aproxima da lembrança do
criminoso.” (LOPES JR.; MORAIS DA ROSA, 2014)
Fonte: Canal Ciências Criminais

Disponível em https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/326998811/estupro-de-
vulneravel-a-palavra-da-vitima-e-os-riscos-da-condenacao#:~:text=Ao%20condenar%20algu
%C3%A9m%20por%20crime,pela%20situa%C3%A7%C3%A3o%20que%20est%C3%A3o
%20vivendo. Acessado em março de 2022

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