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SINOPSE DO CASE: O processo de criminalização de Elson 1

Josué Felipe Bomfim Gouveia2


Gabriel Djalma Galvão Ferreira3
Me. Isabella Miranda4

1 DESCRIÇÃO DO CASO:

Elson de Jesus Pereira, um borracheiro, foi preso no dia 19 de setembro


de 2013, sobre o pretexto de ter cometido o tipo penal de receptação qualificada. No
julgamento, foram apresentados como prova a declaração do próprio Elson dizendo
afirmando não ter nota fiscal dos pneus e o reconhecimento dos pneus da borracharia
por pessoas que foram à delegacia e os reconheceram sem qualquer análise dos
números dos pneus.
A sentença dada foi de 6 anos de reclusão em Pedrinhas. Inicialmente
alocado no centro de triagem, Elson foi confundido com outro detento que teria
ligações com a facção criminosa bonde dos 40, sendo assim realocado para outro
bloco prisional. Durante uma rebelião, Elson foi decapitado, e somente depois que a
família reconheceu Elson sobre outro nome, foi que ficou evidenciado a troca.

2 INDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO:

2.1 Descrição das decisões possíveis:

A) É um processo de criminalização marcado pela seletividade e


aspectos estigmatizadores na atuação do sistema penal.

2.2 Argumentos capazes de fundamentar cada decisão:

A)
O que aconteceu com Elson foi um exemplo que contribui para as teorias
deslegitimantes do direito penal, como exprima Victor Bevilaqua (2015), a aplicação

1
Case apresentado à disciplina de Criminologia do Centro Universitário Unidade de Ensino Superior
Dom Bosco-UNDB.
2
Aluno do quinto período do curso de Direito da UNDB.
3
Aluno do quinto período do curso de Direito da UNDB.
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Professora, orientadora.
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das regras contribui para a perpetuação da dominação de classe e o racismo, dando


mais força ao estereótipo do criminoso ao olhar da sociedade e do sistema penal.
Zaffaroni (1999) explica que o discurso jurídico começou a se deslegitimar
quando empobreceu sua fala, revolvendo sobre antropologias anacrônicas, que há
muito despareceram do pensamento geral. Essa velha pretensão de coerência
filosófica fez com que houvesse uma junção de ideias incompatíveis. Em acréscimo a
isso, há também os jogos de ficção, se atendo de invenções para extrair
consequências assertivas e definitivas de uma realidade de que não se presta
atenção.
O caso também demonstra a realidade do direito penal do inimigo, tese que
Gunther Jakobs (1985) desenvolveu, que consiste em suspender as garantias, criando
um estado de exceção para o “inimigo”. Esta ideia majoritariamente contribui para a
teoria legitimante relativa de prevenção positiva afim de estabilizar o sistema,
mantendo-o funcional.
Contínuo a isso, é estabelecido o que Shecaira (2012) chama de reação
social que seria as agencias criando um rótulo para determinada conduta agregando
uma imagem especifica para o senso comum da sociedade, que dessa forma agiria
como uma polícia natural. O autor Zaffaroni (1999) complementa que, a
deslegitimação irreversível ocorreu com as pesquisas interacionistas e
fenomenológicas que reconheceram a seletividade do sistema penal e eficácia
deslegitimante.
Após a chamada “era de ouro da vítima” e o surgimento do liberalismo
moderno, ocorre a neutralização do poder da vítima, aliado a isso, a insurgência da
Escola Positivista reforça a ideia de legitimidade do Estado em monopolizar a reação
penal, através do confisco da vítima do conflito e da atuação ex officio em iniciar uma
ação penal pública. Nesse sentido, a criminologia crítica do mundo contemporâneo
busca revalorizar a vítima no processo penal (MACIEL, 2022).
Ademais, é possível identificar no caso de Elson os conceitos de
vitimização secundária e terciária, o primeiro corresponde a omissão por parte do
Estado no direito da vítima, o segundo se relaciona às ações diretas cometidas pelo
Estado em relação ao sujeito. De modo prático, a vitimização secundária é identificada
na falta de reconhecimento e apreciação da apelação tempestiva direcionada ao juízo
penal, ao passo que, a vitimização terciária é percebida na realocação de Elson para
a unidade prisional de pedrinhas, sem o mínimo cuidado, por partes dos agentes
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penitenciários, em colocá-lo em uma ala menos perigosa, caracterizando uma atitude


arbitrária que não só causou dor e sofrimento ao apenado, como também a sua morte
(COSTA; MODESTO, 2023).
Por fim, a criminologia crítica percebe que o processo de criminalização se
inicia de forma primária, com a identificação legal do tipo penal, e de maneira
secundária, com a aplicação e execução pelo sistema penal. O processo de
criminalização concebe injustiça em razão da seletividade, por meio de estereótipos
refletidos em verdadeiros filtros de criminalização para determinadas condutas. Além
disso, os aspectos social e étnico influenciam esse processo, por vezes, o poder de
polícia formal e o natural criminalizam atitudes de jovens negros, em detrimento de
crimes praticados por indivíduos de outras etnias, escancarando a presença de cifras
ocultas, ou seja, crimes que acontecem, mas que não há persecução pelo sistema
penal (DORNELLES, 2017).

2.3 Descrição dos critérios e valores:

- Confisco da Vítima do Conflito: Conceito que determina o poder inquisitorial do


Estado soberano em tomar as rédeas do conflito da vítima;
- Vitimização secundária: Corresponde ao impacto do sistema de justiça criminal na
vítima, bem como da má atuação dos órgãos estatais para persecução do crime;
- Vitimização terciária: É o impacto do crime na comunidade, ou seja, o autor do
crime sofre alguma violência em decorrência do processo penal.
- Processo de criminalização: Corresponde a atribuição à vítima pela
responsabilização penal, aumentando seu sofrimento com a intervenção do sistema
penal.
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REFERÊNCIAS

BEVILAQUA, Victor Matheus et al. Sistema penal e seletividade social: o sistema


penal como reprodutor da desigualdade social. Revista da Defensoria Pública do
Estado do Rio Grande do Sul, n. 15, p. 89-104, 2016.

COSTA, Everton da Silva; MODESTO, Thiago de Souza. VITIMIZAÇÃO


SECUNDÁRIA: A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA. Revista Científica do
UBM, p. 12-21, 2023. Disponível em:
https://revista.ubm.br/index.php/revistacientifica/article/view/1446. Acesso em: 23
set. 2023.

DORNELLES, João Ricardo. A atualidade da Criminologia Crítica e a exceção


permanente. METAXY: Revista Brasileira de Cultura e Políticas em Direitos
Humanos, v. 1, n. 1, p. 109-128, 2017. Acesso em: 23 set. 2023.

JAKOBS, Günther, MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo – Noções e


Críticas. 2ª ed. Trad. André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2007, p. 25.

MACIEL, Melissa Oliveira. Os reflexos do movimento vitimológico face à


racionalidade penal moderna: um estudo sobre a figura da vítima no cenário
punitivo brasileiro. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito)-
Faculdade Nacional de Direito, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro, 2022. Disponível em: https://pantheon.ufrj.br/handle/11422/20197.
Acesso em: 23 set. 2023.

SCHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. São Paulo: Revista dos Tribunais,


2012.

ZAFFARONI, Eugênio Raul. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade


do sistema penal. 4ª ed. Tradução: Vania Romano Pedrosa e Almir
Lopez da Conceição. Editora Revan: Rio de Janeiro: 1999

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