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Resumo
A proposta de trabalho visa a demonstrar como a utilização do arcaico arcabouço
teórico da Criminologia Positivista, desenvolvida em fins do século XIX, propicia um
racismo institucional nos atos de controle penal estatal hodierno.
Partindo de uma análise epistemológica crítica, objetiva-se demonstrar como o
Estado brasileiro ainda vincula-se, em teoria e prática, ao paradigma etiológico proposto
pela Escola Positivista italiana, para a qual a causa do crime encontra-se na natureza do
acusado, notadamente quando pertencente à categoria racial distinta da branca europeia ou
à categoria social vulnerável, definida pelo grau de pobreza. Nestes termos, intenta-se
averiguar a influência no sistema punitivo brasileiro atual de tais conclusões para a
definição de periculosidade e culpabilidade de um agente criminal.
Foca-se na análise da criminalização de acusados por tráfico de drogas, possível
graças à promulgação da Lei nº 11.343, de 2006 (Lei de Drogas), que despenalizou a
conduta do usuário, recrudesceu a pena para o traficante e deixou a critério do magistrado a
distinção entre usuário e traficante, pautando-se, geralmente, numa análise subjetiva acerca
do peso condenatório que possuem a quantidade de substância apreendida, o local do
cometimento do crime e as circunstâncias sociais e pessoais do acusado.
O trabalho analisa 90 ações constitucionais de habeas corpus impetradas no
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, entre janeiro e março de 2019, que
tiveram a ordem de concessão de liberdade a acusados por tráfico de drogas denegada, sob
argumentos pautados na ideologia da criminologia etiológica, retomando-se a categoria de
defesa social e do alegado perigo em abstrato na soltura dos pacientes, mesmo diante de
irrisórias quantidades de drogas apreendidas, baixos ou inexistentes riscos à ordem pública
ou à ordem judicial.
O método utilizado para o desenvolvimento do trabalho é o de Análise do Discurso
das decisões judiciais, conforme descrito por Dominique Maingueneau1, segundo o qual
1
MAINGUENEAU, Dominique. A análise do discurso e suas fronteiras. Matraga, Rio de Janeiro, v. 14, n.
20, p.13-37, jan/jun. 2007.
são cruzadas as ciências de linguagem e as humanas e sociais para revelar a
intencionalidade da mensagem difundida. Em outras palavras, analisamos o teor de cada
julgado para fins de enaltecer a influência do paradigma etiológico na manutenção da
prisão de acusados por tráfico de drogas, fortalecendo-se o racismo institucional por meio
da seletividade penal.
Como resultado esperado, pretende-se demonstrar a ocorrência de uma seletividade
penal marcada pelo racismo institucional e pela criminalização da pobreza.
2
LOLA, Aniyar de Castro. Criminologia da Libertação. Revan, Rio de Janeiro, p.45 2007.
3
LOMBROSO, César. O homem delinqüente. Porto Alegre: Rivardo Lens, 2001.
que a propensão à delinquência, existiria de forma natural e estaria vinculada às
características físicas e biologias do indivíduo.
“Para a defesa preventiva distinguem-se os cidadãos em perigosos e não perigosos: para a defesa
repressiva todos os delinquentes são perigosos, se bem que em grau diverso.”
5
FERRI, Enrico. Princípios de direito criminal... cit., p. 285.
6
FERRI, Enrico. Princípios de direito criminal... cit., p. 321.
7
FRAGOSO, Heleno. Lições de Direito Penal- Parte Geral. Forense, Rio de Janeiro, v. 1, p. 46, 1985.
Lombroso e Ferri, também foi influenciado pelas teorias do evolucionismo e do determinismo
elaboradas por Darwin e Spencer respectivamente.
Sua contribuição para a Criminologia ocorreu no estabelecimento da definição do
delito natural, no entendimento de que a pena teria como sua finalidade a prevenção
especial, na punição como agente promotor da Ideologia da Defesa Social.
Entendia que o crime era uma característica ontológica do homem e que de
acordo com a influência exercida pelo meio ambiente ao qual pertencia na degeneração
de seus valores, potencializaria sua índole delinquente e se tornaria uma ameaça mais
perigosa ao convívio em sociedade.
Sendo o crime uma deformação moral natural e incrustada no delinquente desde o
seu nascimento, Garófalo expõe assim a sua visão determinista e indica a adoção do
darwinismo social em sua teoria, uma vez que esta deformação seria passada de forma
hereditária e então a identificação do criminoso se faria de maneira simples, já que esta
anomalia hereditária se apresentaria em formas atávicas e deformadas, possibilitando ate
uma associação da forma atávica apresentada pelo agente com o possível crime a ser
cometido.
Desta forma, com os possíveis inimigos da sociedade física e psicologicamente
marcados, fica claro então contra quem a ação preventiva e o reforço da Ideologia da
Defesa Social seriam adotados. Garófalo aponta dois modos de prevenção do crime, a
uma a pena de morte e a duas a prevenção especial que acreditava na maldade da espécie
humana como sentido essencial de seu propósito de ser.
Ao classificar os criminosos e seus crimes, indicou a pena de morte deveria ser a
única punição possível para os que seriam os classificados como delinquentes natos. E os
inimputáveis, mas com caraterísticas atávicas latentes como os deficientes mentais ou
psiquiátricos, considerava a adoção da medida de segurança por tempo indeterminado.
Como podemos observar, estes três teóricos e suas formulações carecem
profundamente de cientificidade, mas transbordaram em possibilidades para o
desenvolvimento de engenharias de controle social punitivas e eugenistas que viabilizaram e
ainda viabilizam a exclusão e a eliminação de pessoas que não necessariamente cometeram um
ato criminoso, porém se adequam ao tipo físico, crescem em áreas de alto índice de miserabilidade
e/ou pobreza.
É nesta etapa evolutiva do pensamento criminológico que se delineia uma secção
fulcral da sociedade: a existência de classes delinquentes e classes não delinquentes. É
possível dizer que este é o momento da gênese da criminalização da pobreza, desta forma
há a aglutinação do consenso sobre quem é o inimigo a ser combatido, obtido com a
legitimação do discurso pseudocientífico8.
Esta visão positivista sobre a origem do crime e as supostas formas de prevenir e
eliminar o crime o e criminoso do convívio social, tem pavimentado ainda no século XXI
as diretrizes de códigos penais e constituições: quais seriam da marcação dos inimigos da
organização e da ordem social, e a sua devida exclusão.
9
BRASIL. Conselho Nacional de Justica. Banco Nacional de Monitoramento de Prisões. Brasília: Ministério
da Justiça e Segurança Pública, 2018. Disponível:
https://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2018/08/57412abdb54eba909b3e1819fc4c3ef4.pdf. Acesso
17.ago.2019.
10
ZAFFARONI, E. Raúl. Inimigo no Direito Penal, O. p.71, 2011
Desta maneira o recolhimento do agente às instituições penitenciarias, que deveria
ocorrer conforme comando constitucional, apenas após sentença transitada em julgado, ou
ser utilizada de maneira realmente excepcional vem tornando-se a regra do sistema
judiciário brasileiro. Recolhe-se ao sistema penitenciário e posteriormente apura-se a
culpa.
Em nome do combate de um mal maior, a guerra às drogas, criam-se interpretações
dos comandos legais de acordo com a ocasião e o agente envolvido, relativizam-se os
direitos e garantias fundamentais daqueles identificados como inimigos e responsáveis,
segundo esta visão, pela deteriorização moral e ética da sociedade. Desta forma, através de
um discurso oficial, vai sendo constituído e difundindo, entre aqueles diretamente ligados
ao Poder Judiciário e também entre os entes sociais, a ideia de que existem situações e
pessoas para as quais seria possível a mitigação de garantias ou até mesmo a aplicação de
um direito penal exclusivo para este inimigo social.
Vale ressaltar que o recolhimento preventivo está devidamente previsto no artigo
312 do Código de Processo Penal, assim como no artigo 313 e seus incisos do mesmo
diploma legal está descrito as condições em que este tipo de prisão pode ser decretada.
Cabe observar que este instituto permite à autoridade judicial a possibilidade da decretação
da prisão preventiva e não a vincula como uma norma cogente.
Conclusão
REFERÊNCIAS :
11
ZAFFARONI, E. Raúl. Inimigo no Direito Penal, O. p.71, 2011.
12
BRASIL. Conselho Nacional de Justica. Banco Nacional de Monitoramento de Prisões. Brasília: Ministério
da Justiça e Segurança Pública, 2018. Disponível:
https://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2018/08/57412abdb54eba909b3e1819fc4c3ef4.pdf. Acesso
17.ago.2019.
D’Oliveira. São Paulo: Saraiva, 1931.
MAINGUENEAU, Dominique. A análise do discurso e suas fronteiras. Matraga, Rio de Janeiro, v.
14, n. 20, , jan/jun. 2007.
BRASIL. Conselho Nacional de Justica. Banco Nacional de Monitoramento de Prisões.
Brasília: Ministério da Justiça e Segurança Pública, 2018. Disponível:
https://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2018/08/57412abdb54eba909b3e1819fc4c3e
f4.pdf. Acesso 17.ago.2019
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Disponivel:
http://www4.tjrj.jus.br/EJURIS/ConsultarJurisprudencia.aspx?Version=1.1.4.1 Acesso 01.
ago. 2019