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AULAS CAIO PAIVA – DIREITOS HUMANOS

Sumário
AULAS DO CURSO DE DIREITOS HUMANOS – PROFESSOR CAIO PAIVA..........................12
AULA 1: INTRODUÇÃO AO CONCEITO E À HISTÓRIA DA INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS
HUMANOS........................................................................................................................................ 12
- BLOCO I................................................................................................................................................12
1. INTRODUÇÃO AO CONCEITO.....................................................................................................................12
- O que são as técnicas GENERALISTA e ESPECÍFICA para conceituar direitos humanos?.............................12
2. TERMINOLOGIAS...................................................................................................................................13
- O que foi a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã?.....................................................................13
- BLOCO II...............................................................................................................................................14
3. INTRODUÇÃO À HISTÓRIA DA INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS..................................................14
A partir de qual momento houve a pretensão de universalidade dos direitos humanos? Ideia de que os
direitos humanos são para todos?...............................................................................................................15
AULA 2: FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS DOS DIREITOS HUMANOS.......................................................16
- BLOCO I................................................................................................................................................16
1. INTRODUÇÃO........................................................................................................................................16
Por que é possível afirmar que Norberto Bobbio é um negacionista no que diz respeito à fundamentação
filosófica dos Direitos Humanos?.................................................................................................................16
2. TEORIAS FILOSÓFICAS SOBRE A FUNDAMENTAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS......................................................17
3. JUSNATURALISMO..................................................................................................................................17
4. POSITIVISMO........................................................................................................................................18
5. FUNDAMENTAÇÃO ÉTICA OU MORAL.........................................................................................................18
6. FUNDAMENTAÇÃO EXISTENCIALISTA...........................................................................................................19
AULA 3: FONTES, CLASSIFICAÇÕES E CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS..............................19
- BLOCO I................................................................................................................................................19
1. FONTES...............................................................................................................................................19
- BLOCO II...............................................................................................................................................22
- BLOCO III..............................................................................................................................................24
2. CLASSIFICAÇÕES....................................................................................................................................24
3. CARACTERÍSTICAS..................................................................................................................................25
Universalidade.................................................................................................................................25
- O que é a hermenêutica diatópica?...........................................................................................................25
- O que é o universalismo de confluência ou de chegada?...........................................................................25
Indivisibilidade e interdependência.................................................................................................26
Indisponibilidade e inalienabilidade................................................................................................26
Imprescritibilidade...........................................................................................................................26
- Quais as principais características dos direitos humanos?.........................................................................28
AULA 4: INTRODUÇÃO AO DIREITO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS..........28
1. INTRODUÇÃO........................................................................................................................................28
2. CONCEITO............................................................................................................................................29
- Quais as diferenças entre os tratados gerais e os tratados de direitos humanos?.....................................29
3. CLASSIFICAÇÃO.....................................................................................................................................30
4. CAPACIDADE PARA CELEBRAR TRATADOS.....................................................................................................30
5. FORMALIZAÇÃO DO CONSENTIMENTO EM OBRIGAR-SE POR UM TRATADO.........................................................30
6. RESERVAS............................................................................................................................................31
- Qual o objetivo da reserva?.......................................................................................................................31
- Qual a relevância do instituto da reserva?.................................................................................................31
- O Brasil já se utilizou do instrumento da declaração interpretativa?.........................................................32
7. DENÚNCIA...........................................................................................................................................33
8. PRINCÍPIOS DE INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS............................................................36
- Princípio pro homine ou pro persona.............................................................................................36
- Princípio da interpretação autônoma............................................................................................36
- Princípio da interpretação evolutiva ou dinâmica.........................................................................37
- Teoria da margem de apreciação..................................................................................................37
AULA 5: PROCESSO DE INCORPORAÇÃO DOS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS E POSIÇÃO
NORMATIVA...................................................................................................................................... 38
1. INTRODUÇÃO........................................................................................................................................38
2. FASES DO PROCESSO DE INCORPORAÇÃO....................................................................................................38
2.1. Assinatura................................................................................................................................38
2.2. Apreciação legislativa...............................................................................................................39
2.3. Ratificação................................................................................................................................40
2.4. Promulgação............................................................................................................................40
3. POSIÇÃO NORMATIVA.............................................................................................................................42
4. COMENTÁRIOS SOBRE O PROCEDIMENTO DO ART. 5O, § 3O, DA CF................................................................43
5. TRATADOS JÁ APROVADOS PELO CONGRESSO NACIONAL CONFORME O PROCEDIMENTO DO ART. 5O, § 3O, DA CF...45
AULA 6: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO................................................................45
1. INTRODUÇÃO........................................................................................................................................45
2. ELEMENTOS..........................................................................................................................................45
3. IMPUTAÇÃO DA CONDUTA.......................................................................................................................45
4. DEVER DE REPARAR OS DANOS COMO CONSEQUÊNCIA..................................................................................46
AULA 7: CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE...................................................................................47
1. CONCEITO E HISTÓRICO...........................................................................................................................47
- No julgamento de qual caso a expressão “controle de convencionalidade” foi mencionada no corpo de
decisão da Corte IDH pela primeira vez?......................................................................................................47
2. FUNDAMENTO NORMATIVO.....................................................................................................................47
3. PRINCIPAIS OBJETIVOS............................................................................................................................48
4. MODALIDADES......................................................................................................................................49
5. PARÂMETRO.........................................................................................................................................50
6. OBJETO...............................................................................................................................................51
7. AUTORIDADES OBRIGADAS A EXERCER O CONTROLE......................................................................................51
8. DEVE SER EXERCIDO DE OFÍCIO.................................................................................................................52
9. MODELO.............................................................................................................................................52
- O que é o princípio da atipicidade dos meios do controle de convencionalidade?....................................52
10. EFEITOS.............................................................................................................................................52
- Concluindo pela inconvencionalidade da normativa nacional, o intérprete – seja nacional ou internacional
– deve proceder com a sua invalidação obrigatoriamente ex tunc ou pode adotar o efeito ex nunc e
modular os efeitos do controle de convencionalidade?...............................................................................52
AULA 8: INTRODUÇÃO AOS SISTEMAS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS.....53
1. CONCEITO............................................................................................................................................53
2. ELEMENTOS..........................................................................................................................................53
3. NASCIMENTO DE UM SISTEMA INTERNACIONAL...........................................................................................54
4. SISTEMAS INTERNACIONAIS EXISTENTES......................................................................................................54
5. ÓRGÃOS DOS SISTEMAS INTERNACIONAIS...................................................................................................54
6. CLASSIFICAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS........................................................................................................54
7. PRINCÍPIOS QUE REGEM OS SISTEMAS INTERNACIONAIS.................................................................................55
8. INTERAÇÃO ENTRE OS SISTEMAS...............................................................................................................55
AULA 9: SISTEMA GLOBAL: HISTÓRICO, ESTRUTURA ORGÂNICA E ESTRUTURA NORMATIVA...............56
- BLOCO I................................................................................................................................................56
1. HISTÓRICO...........................................................................................................................................56
2. O QUE É A ONU?.................................................................................................................................56
3. PROPÓSITOS DA ONU............................................................................................................................56
4. COMO FUNCIONA A ONU?.....................................................................................................................57
5. ESTRUTURA ORGÂNICA...........................................................................................................................57
- Quais os órgãos principais da ONU?..........................................................................................................57
5.1. Assembleia-Geral......................................................................................................................57
5.2. Conselho de Segurança.............................................................................................................58
5.3. Conselho Econômico e Social....................................................................................................58
5.4. Conselho de Tutela....................................................................................................................58
5.5. Corte Internacional de Justiça...................................................................................................58
5.6. Secretariado.............................................................................................................................59
- BLOCO II...............................................................................................................................................59
5.7. Órgãos de tratado....................................................................................................................59
5.8. Órgãos extraconvencionais.......................................................................................................59
5.9. Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH)...........................59
6. ESTRUTURA NORMATIVA.........................................................................................................................61
AULA 10: SISTEMA GLOBAL: ÓRGÃOS E MECANISMOS CONVENCIONAIS............................................63
- BLOCO I................................................................................................................................................63
1. INTRODUÇÃO CONCEITUAL.......................................................................................................................63
2. ÓRGÃOS CONVENCIONAIS.......................................................................................................................64
3. APOIO DO ACNUDH.............................................................................................................................65
4. UNIFORMIZAÇÃO DO TRABALHO...............................................................................................................65
5. CARACTERÍSTICAS GERAIS........................................................................................................................66
6. PARTICULARIDADE DO COMITÊ DESC........................................................................................................66
7. PARTICULARIDADE DO SUBCOMITÊ DE PREVENÇÃO DA TORTURA....................................................................67
- BLOCO II...............................................................................................................................................67
8. MECANISMOS CONVENCIONAIS DE PROTEÇÃO DO SISTEMA GLOBAL.................................................................67
RELATÓRIOS PERIÓDICOS.................................................................................................................67
COMUNICAÇÕES OU PETIÇÕES INDIVIDUAIS...................................................................................68
COMUNICAÇÕES OU PETIÇÕES INTERESTATAIS................................................................................69
INQUÉRITO......................................................................................................................................69
AÇÕES URGENTES............................................................................................................................70
COMENTÁRIOS GERAIS....................................................................................................................70
9. DIRETRIZES DE ADDIS ABEBA...................................................................................................................71
AULA 11: SISTEMA GLOBAL: ÓRGÃOS E MECANISMOS EXTRACONVENCIONAIS..................................71
- BLOCO I................................................................................................................................................71
1. INTRODUÇÃO CONCEITUAL.......................................................................................................................71
2. INTRODUÇÃO HISTÓRICA.........................................................................................................................71
3. DESENVOLVIMENTO...............................................................................................................................72
4. COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS..........................................................................................................72
5. CLASSIFICAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS EXTRACONVENCIONAIS NO ÂMBITO DA CIDH...........................................73
- BLOCO II...............................................................................................................................................74
6. CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS..........................................................................................................74
7. REVISÃO PERIÓDICA UNIVERSAL................................................................................................................75
AULA 12: SISTEMA GLOBAL: DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS..............................77
1. INFORMAÇÕES GERAIS............................................................................................................................77
2. CARACTERÍSTICAS..................................................................................................................................77
3. EFEITO VINCULANTE...............................................................................................................................77
4. DESTAQUES DO TEXTO............................................................................................................................79
5. A DUDH COMO UM “TEMPLO”...............................................................................................................79
AULA 13: SISTEMA GLOBAL: PIDCP.................................................................................................... 80
1. INFORMAÇÕES GERAIS............................................................................................................................80
2. ESTRUTURA..........................................................................................................................................80
3. PROTOCOLOS FACULTATIVOS.....................................................................................................................81
4. ÓRGÃO DE PROTEÇÃO............................................................................................................................81
5. MECANISMOS DE PROTEÇÃO....................................................................................................................81
6. O BRASIL E O PIDCP.............................................................................................................................81
7. ALGUNS DESTAQUES DO TEXTO.................................................................................................................82
AULA 14: SISTEMA GLOBAL: PIDESC................................................................................................... 82
1. INFORMAÇÕES GERAIS............................................................................................................................82
2. ESTRUTURA..........................................................................................................................................82
3. PROTOCOLOS FACULTATIVOS.....................................................................................................................82
4. ÓRGÃO DE PROTEÇÃO............................................................................................................................83
5. MECANISMOS DE PROTEÇÃO....................................................................................................................83
6. O BRASIL E O PIDESC...........................................................................................................................83
7. ALGUNS DESTAQUES DO TEXTO.................................................................................................................83
8. OUTRAS FONTES SOBRE AS OBRIGAÇÕES DOS ESTADOS EM RELAÇÃO AOS DESC................................................84
9. DESC NÃO SUBMETIDOS À PROGRESSIVIDADE.............................................................................................84
AULA 15 – SISTEMA INTERAMERICANO: HISTÓRICO, ESTRUTURA ORGÂNICA E ESTRUTURA
NORMATIVA...................................................................................................................................... 85
- BLOCO I................................................................................................................................................85
1. DESENVOLVIMENTO NO INÍCIO.................................................................................................................85
2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO SISTEMA INTERAMERICANO EM CINCO ETAPAS..........................................................85
2.1. ANTECEDENTES DA CRIAÇÃO (1826-1948).............................................................................................85
2.2. INAUGURAÇÃO E FORMAÇÃO DO SISTEMA (1948-1959)...........................................................................87
- BLOCO II...............................................................................................................................................88
2.3. INÍCIO DO PERÍODO DE MONITORAMENTO (1959-1969)...........................................................................88
2.4. INSTITUCIONALIZAÇÃO CONVENCIONAL DO SISTEMA (1969-1978)..............................................................88
2.5. CONSOLIDAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO DO SISTEMA (1979 - DIAS DE HOJE)....................................................88
3. DIVISÃO DO SISTEMA INTERAMERICANO EM DOIS SUBSISTEMAS......................................................................88
- O que significa o papel dúplice da CIDH?...................................................................................................88
- Quantos sistemas de proteção existem no âmbito do sistema americano?...............................................89
4. ESTRUTURA ORGÂNICA DO SUBSISTEMA DA OEA.........................................................................................89
5. ESTRUTURA NORMATIVA DO SIPDH..........................................................................................................90
- Existem mecanismos de defesa da democracia no sistema interamericano?............................................90
AULA 16 – SISTEMA INTERAMERICANO: CIDH....................................................................................91
- BLOCO I................................................................................................................................................91
1. O QUE É?............................................................................................................................................91
2. COMO FOI CRIADA?...............................................................................................................................91
3. COMO SE DESENVOLVEU A CIDH..............................................................................................................92
4. PAPEL DÚPLICE.....................................................................................................................................93
5. FUNÇÕES DA CIDH................................................................................................................................93
- BLOCO II...............................................................................................................................................94
6. COMPOSIÇÃO.......................................................................................................................................94
7. MANDATO E PROCESSO DE ESCOLHA..........................................................................................................94
8. REGIME DE INCOMPATIBILIDADES E DE IMPEDIMENTOS..................................................................................95
9. ORGANIZAÇÃO INTERNA..........................................................................................................................95
10. RELATORIAS E GRUPOS DE TRABALHO......................................................................................................96
11. INVESTIGAÇÃO IN LOCO.........................................................................................................................96
AULA 17 – SISTEMA INTERAMERICANO: CORTE IDH...........................................................................97
- BLOCO I................................................................................................................................................97
1. O QUE É?............................................................................................................................................97
- A Corte IDH é órgão da OEA? Qual a competência da Corte IDH?..............................................................97
2. COMO SURGIU?....................................................................................................................................97
3. SEDE E REGIME JURÍDICO........................................................................................................................98
4. COMPOSIÇÃO E REQUISITOS PARA O CARGO................................................................................................98
6. MANDATO...........................................................................................................................................99
- BLOCO II...............................................................................................................................................99
7. JUIZ AD HOC.........................................................................................................................................99
- Existe juiz ad hoc na Corte IDH? Em quais situações?..............................................................................100
8. FUNCIONAMENTO................................................................................................................................100
9. ESTRUTURA........................................................................................................................................100
AULA 18 – SISTEMA INTERAMERICANO: COMPETÊNCIA CONSULTIVA DA CORTE IDH........................101
- BLOCO I..............................................................................................................................................101
1. PREVISÃO NORMATIVA..........................................................................................................................101
2. FINALIDADE........................................................................................................................................101
3. ALCANCE...........................................................................................................................................102
- BLOCO II.............................................................................................................................................103
4. CARACTERÍSTICAS DO PROCEDIMENTO.....................................................................................................103
5. OBJETO DA CONSULTA..........................................................................................................................103
5.1. OPINIÃO CONSULTIVA DE INTERPRETAÇÃO..............................................................................................103
- A Corte IDH pode adotar uma opinião consultiva sobre a Convenção Europeia de Direitos Humanos?. .104
- A Corte IDH pode adotar uma opinião consultiva sobre a Carta Africana de Direitos Humanos e dos
Povos?....................................................................................................................................................... 104
- A Corte IDH pode adotar uma opinião consultiva sobre tratados do sistema global de proteção dos
Direitos Humanos, produzidos no contexto da ONU?................................................................................104
5.2. OPINIÃO CONSULTIVA DE COMPATIBILIDADE...........................................................................................105
6. REQUISITOS PARA A APRESENTAÇÃO DO PEDIDO DE OPINIÃO CONSULTIVA.......................................................105
7. PROCEDIMENTO PARA A EMISSÃO DA OPINIÃO CONSULTIVA..........................................................................105
8. EFEITO JURÍDICO.................................................................................................................................106
9. OPINIÕES CONSULTIVAS RELEVANTES.......................................................................................................106
- OC 22/2016 - TITULARIDADE DE DIREITOS DAS PESSOAS JURÍDICAS NO SISTEMA
INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS..................................................................................106
- OC 24/2017 – IDENTIDADE DE GÊNERO, IGUALDADE E NÃO DISCRIMINAÇÃO A CASAIS DO
MESMO SEXO................................................................................................................................106
OC 25-2018 – A INSTITUIÇÃO DO ASILO E SEU RECONHECIMENTO COMO DIREITO HUMANO NO
SISTEMA INTERAMERICANO DE PROTEÇÃO...................................................................................107
AULA 19 – SISTEMA INTERAMERICANO: COMPETÊNCIA CONTENCIOSA DA CORTE IDH.....................108
1. PREVISÃO NORMATIVA..........................................................................................................................108
2. COMPETÊNCIA FACULTATIVA...................................................................................................................108
- A jurisdição contenciosa da Corte IDH é obrigatória?..............................................................................108
3. CARACTERÍSTICAS DA ACEITAÇÃO............................................................................................................109
4. RETIRADA DA ACEITAÇÃO......................................................................................................................109
5. COMPETÊNCIA RATIONE PERSONAE.........................................................................................................110
6. COMPETÊNCIA RATIONE MATERIAE..........................................................................................................110
7. COMPETÊNCIA RATIONE TEMPORIS..........................................................................................................110
8. COMPETÊNCIA RATIONE LOCI.................................................................................................................110
AULA 20 – SISTEMA INTERAMERICANO: PROCESSO DE APURAÇÃO DA RESPONSABILIDADE
INTERNACIONAL DO ESTADO........................................................................................................... 110
- BLOCO I..............................................................................................................................................110
- BLOCO II.............................................................................................................................................111
1. INTRODUÇÃO......................................................................................................................................111
- Por que o processo de apuração da responsabilidade internacional do Estado, no sistema
interamericano é chamado de bifásico?........................................................................................111
2. PROCEDIMENTO DE PETIÇÕES INDIVIDUAIS PERANTE A CIDH NO SUBSISTEMA DA CADH...................................111
2.1. APRESENTAÇÃO DA PETIÇÃO...............................................................................................................111
- Pessoa jurídica pode peticionar perante a CIDH?....................................................................................112
2.2. ESTUDO E TRAMITAÇÃO INICIAL PELA SECRETARIA EXECUTIVA....................................................................113
- BLOCO III............................................................................................................................................115
- O que é a Fórmula ou Teoria da 4ª Instância?..........................................................................................115
- Qual o prazo para apresentação de petição de denúncia perante a CIDH? Qual o termo inicial?............116
2.3. ADMISSIBILIDADE COM PRÉVIO CONTRADITÓRIO PARA O ESTADO...............................................................117
2.4. MÉRITO COM MANIFESTAÇÕES ADICIONAIS DAS PARTES............................................................................117
2.5. DECISÃO DE MÉRITO.........................................................................................................................118
2.6. DELIBERAÇÃO SOBRE ENVIAR O CASO À CORTE IDH OU ADOÇÃO DO RELATÓRIO DE MÉRITO DEFINITIVO............119
- BLOCO IV............................................................................................................................................120
3. RELATÓRIOS DA CIDH..........................................................................................................................120
- O relatório de mérito da CIDH é vinculante?...........................................................................................120
4. PROCEDIMENTO DE PETIÇÕES INDIVIDUAIS NA CIDH NO SUBSISTEMA DA OEA................................................121
5. PROCEDIMENTO DE PETIÇÕES INTERESTATAIS PARA A CIDH NO SUBSISTEMA DA CADH.....................................121
6. PROCEDIMENTO PERANTE A CORTE IDH..................................................................................................122
6.1. SUBMISSÃO DO CASO E EXAME PRELIMINAR...........................................................................................123
- Há alguma exceção em que o relatório preliminar de mérito pode ser publicado?.................................123
6.2. NOTIFICAÇÃO DO CASO E APRESENTAÇÃO DO EPAP................................................................................123
6.3. EXERCÍCIO DO CONTRADITÓRIO PELO ESTADO.........................................................................................125
6.4. PROCEDIMENTO ORAL (AUDIÊNCIAS)....................................................................................................125
6.5. PROCEDIMENTO FINAL ESCRITO (ALEGAÇÕES FINAIS ESCRITAS)...................................................................126
6.6. SENTENÇA.......................................................................................................................................126
- Cabe recurso contra a sentença da Corte?..................................................................................126
6.7. SUPERVISÃO DE CUMPRIMENTO...........................................................................................................126
AULA 21 – SISTEMA INTERAMERICANO: MEDIDAS DE URGÊNCIA.....................................................127
- BLOCO I..............................................................................................................................................127
1. INTRODUÇÃO......................................................................................................................................127
2. OBJETO.............................................................................................................................................128
3. NATUREZA JURÍDICA.............................................................................................................................128
4. CLASSIFICAÇÃO DAS MEDIDAS DE URGÊNCIA..............................................................................................128
5. MEDIDAS URGENTES............................................................................................................................129
- BLOCO II.............................................................................................................................................129
6. MEDIDAS CAUTELARES – CIDH..............................................................................................................129
7. MEDIDAS PROVISÓRIAS – CORTE IDH.....................................................................................................130
8. DIFERENÇAS ENTRE AS MEDIDAS CAUTELARES E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS......................................................131
AULA 22 – SISTEMA INTERAMERICANO: DEFENSORIA INTERAMERICANA.........................................132
- BLOCO I..............................................................................................................................................132
1. INTRODUÇÃO......................................................................................................................................132
2. ESTABELECIMENTO...............................................................................................................................133
3. IMPLEMENTAÇÃO.................................................................................................................................133
4. FORMAÇÃO DO CORPO DE DEFENSORES INTERAMERICANOS.........................................................................134
5. REQUISITOS EXIGIDOS PARA A FUNÇÃO.....................................................................................................134
- BLOCO II.............................................................................................................................................134
6. DESIGNAÇÃO DOS DEFENSORES INTERAMERICANOS PARA ATUAR NA CIDH E NA CORTE IDH..............................134
7. EXTENSÃO DO MANDATO......................................................................................................................135
8. ATUAÇÃO PERANTE A CIDH E PERANTE A CORTE IDH................................................................................135
9. POSSIBILIDADE DE A VÍTIMA RECUSAR A ATUAÇÃO DE UM DEFENSOR INTERAMERICANO.....................................135
10. DEFENSORIA INTERAMERICANA E DEFENSORIAS NACIONAIS.......................................................................135
AULA 23 – SISTEMA EUROPEU......................................................................................................... 136
1. INTRODUÇÃO......................................................................................................................................136
2. CONVENÇÃO EUROPEIA SOBRE DIREITOS HUMANOS (CEDH)......................................................................136
3. OUTROS DOCUMENTOS DO SISTEMA EUROPEU..........................................................................................137
4. ESTRUTURA ORGÂNICA.........................................................................................................................137
AULA 24 – SISTEMA AFRICANO........................................................................................................ 138
1. INTRODUÇÃO......................................................................................................................................138
2. ESTRUTURA NORMATIVA.......................................................................................................................139
3. ESTRUTURA ORGÂNICA.........................................................................................................................139
AULA 25 – TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL..................................................................................140
- BLOCO I..............................................................................................................................................140
1. UMA BREVE INTRODUÇÃO AO DIREITO INTERNACIONAL PENAL.....................................................................140
2. ANTECEDENTES HISTÓRICOS DO TPI........................................................................................................141
3. ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DO TPI..................................................................................................143
3.1. Assembleia dos Estados Partes...............................................................................................143
3.2. Estrutura orgânica do Tribunal Penal Internacional propriamente dito..................................143
3.2.1. A Presidência.......................................................................................................................144
3.2.2. Divisões Judiciais..................................................................................................................144
3.2.3. Gabinete do Procurador......................................................................................................144
3.2.4. A Secretaria.........................................................................................................................145
3.3. Fundo Fiduciário para Vítimas................................................................................................145
- BLOCO II.............................................................................................................................................145
4. COMPOSIÇÃO, CANDIDATURA E ELEIÇÃO DOS JUÍZES...................................................................................145
5. CRIMES DE COMPETÊNCIA DO TPI..........................................................................................................146
6. CONDIÇÕES PARA O EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA PELO TPI..........................................................................148
7. DISPOSIÇÕES PENAIS APLICÁVEIS AO JULGAMENTO PELO TPI........................................................................149
8. PROCEDIMENTO DE INVESTIGAÇÃO, INSTRUÇÃO, JULGAMENTO E EXECUÇÃO DA PENA.......................................151
9. A RELAÇÃO DO BRASIL COM O TPI.........................................................................................................152
AULA 26 – ESTRUTURA INTERNA DE PROTEÇÃO...............................................................................153
- BLOCO I..............................................................................................................................................153
1. INTRODUÇÃO......................................................................................................................................153
2. PODER EXECUTIVO FEDERAL..................................................................................................................154
3. PODER LEGISLATIVO FEDERAL................................................................................................................156
4. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL...............................................................................................................156
5. DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO............................................................................................................156
- BLOCO II.............................................................................................................................................157
6. INSTITUIÇÃO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS.........................................................................................157
- O Brasil tem uma INDH?..........................................................................................................................159
AULA 27 – PROGRAMA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS.............................................................160
AULA 28 – INCIDENTE DE DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA..........................................................161
1. INTRODUÇÃO......................................................................................................................................161
2. HISTÓRICO.........................................................................................................................................161
3. OBJETIVOS E OBJETO............................................................................................................................161
4. REQUISITOS PARA CABIMENTO DO IDC....................................................................................................162
5. LEGITIMIDADE PARA AJUIZAR E COMPETÊNCIA PARA JULGAR.........................................................................163
6. PRÁTICA DO DESLOCAMENTO.................................................................................................................163
7. CRÍTICAS AO IDC.................................................................................................................................163
8. CONVENCIONALIDADE DO IDC...............................................................................................................163
- A Corte IDH já se manifestou sobre a convencionalidade do IDC?...........................................................163
9. ALGUNS DADOS IMPORTANTES...............................................................................................................164
10. ADI 3.493 E ADI 3.486...................................................................................................................164
AULA 29 – EXECUÇÃO DE DECISÕES INTERNACIONAIS......................................................................167
1. INTRODUÇÃO......................................................................................................................................167
2. AUSÊNCIA DE MEIOS COERCITIVOS..........................................................................................................167
3. EXECUÇÃO DAS SENTENÇAS DA CORTE IDH..............................................................................................168
4. SUPERVISÃO DE CUMPRIMENTO DAS SENTENÇAS DA CORTE IDH...................................................................169
AULA 30 – O BRASIL NA JURISPRUDÊNCIA DA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS
....................................................................................................................................................... 170
- BLOCO I..............................................................................................................................................170
1. INTRODUÇÃO..................................................................................................................................170
2. CASO OLAVO HANSEN (1974).........................................................................................................170
3. CASO CARANDIRU (2005)...............................................................................................................171
4. CASO MARIA DA PENHA (2001)......................................................................................................171
5. VÍTIMAS DO 42º DISTRITO POLICIAL – PARQUE SÃO LUCAS/SP (2003)...........................................172
6. CASO SIMONE ANDRÉ DINIZ (2006)................................................................................................172
7. CASO WALLACE DE ALMEIDA (2009)...............................................................................................173
- BLOCO II.............................................................................................................................................174
8. CASO ARISTEU GUIDA DA SILVA E FAMÍLIA (2016)..........................................................................174
9. CASO JOSÉ PEREIRA (2003).............................................................................................................175
10. CASO MENINOS EMASCULADOS DO MARANHÃO (2005).............................................................175
11. CASO LUIZA MELINHO (2016).......................................................................................................176
12. ALGUMAS MEDIDAS CAUTELARES................................................................................................177
AULA 31 – O BRASIL NA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS....178
- BLOCO I..............................................................................................................................................178
1. INTRODUÇÃO......................................................................................................................................178
2. ESTATÍSTICA ATUAL...............................................................................................................................178
3. CASOS PENDENTES DE JULGAMENTO........................................................................................................179
- Caso Tavares Pereira e outros (ingressou na Corte IDH em 06.02.2021):....................................179
- Caso Sales Pimenta (ingressou na Corte IDH em 04.12.2020): [JÁ NÃO ESTÁ MAIS PENDENTE]..179
- Caso Airton Honorato (ingressou na Corte IDH em 28.05.2021):.................................................179
- Caso Neusa dos Santos Nascimento e Gisele Ana Ferreira (ingressou na Corte IDH em agosto de
2021):............................................................................................................................................179
- Caso Manoel Luiz da Silva (ingressou na Corte IDH em novembro de 2021):..............................180
- Caso Comunidades Quilombolas de Alcântara (ingressou na Corte IDH em janeiro de 2022):....180
- Caso Cristiane Leite de Souza e outros (remetido para a Corte IDH pela CIDH em maio de 2022):
...................................................................................................................................................... 180
CASOS JÁ JULGADOS PELA CORTE IDH................................................................................................181
4. CASO XIMENES LOPES (2006)...............................................................................................................181
5. CASO NOGUEIRA DE CARVALHO (2006)..................................................................................................182
6. CASO ESCHER E OUTROS (2009)............................................................................................................182
7. CASO GARIBALDI (2009)......................................................................................................................182
8. CASO GOMES LUND E OUTROS (“GUERRILHA DO ARAGUAIA”) (2009)..........................................................183
9. CASO TRABALHADORES DA FAZENDA BRASIL VERDE (2016)........................................................................184
10. CASO FAVELA NOVA BRASÍLIA (2017)..................................................................................................184
11. CASO POVO INDÍGENA XUCURU E SEUS MEMBROS (2018).......................................................................185
12. CASO HERZOG E OUTROS (2018).........................................................................................................185
13. CASO EMPREGADOS DA FÁBRICA DE FOGOS DE SANTO ANTÔNIO DE JESUS (2020).......................................186
14. CASO BARBOSA E OUTROS (2021).......................................................................................................186
15. MEDIDAS PROVISÓRIAS.......................................................................................................................186
- BLOCO II.............................................................................................................................................187
16. CASO SALES PIMENTA VS. BRASIL (30.06.2022)....................................................................................187
1. Exceção preliminar da incompetência rationi temporis apresentada pelo Estado brasileiro.....188
2. Exceção preliminar do não esgotamento dos recursos internos apresentada pelo Estado
brasileiro somente perante a Corte IDH.........................................................................................188
3. Mérito........................................................................................................................................188
4. Algumas das medidas de reparação determinadas pela Corte IDH:..........................................190
AULA 32 – O BRASIL NA JURISPRUDÊNCIA DO SISTEMA GLOBAL......................................................190
1. JURISPRUDÊNCIA CONVENCIONAL............................................................................................................190
2. CASO S.C..........................................................................................................................................190
3. CASO ALYNE PIMENTEL........................................................................................................................191
4. CASO LULA........................................................................................................................................192
5. CASO DAVI FIÚZA................................................................................................................................194
6. JURISPRUDÊNCIA EXTRACONVENCIONAL...................................................................................................195
AULA 33 – MULHERES...................................................................................................................... 196
1. NORMATIVA DOS SISTEMAS INTERAMERICANO E GLOBAL.............................................................................196
2. ÓRGÃOS ESPECÍFICOS DE PROTEÇÃO INTERNACIONAL..................................................................................196
3. DESTAQUES DA NORMATIVA INTERNACIONAL.............................................................................................197
4. DESTAQUES DA JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL.......................................................................................197
AULA 34 – PESSOAS NEGRAS........................................................................................................... 199
1. NORMATIVA DOS SISTEMAS INTERAMERICANO E GLOBAL.............................................................................199
2. ÓRGÃOS ESPECÍFICOS DE PROTEÇÃO INTERNACIONAL..................................................................................199
3. DESTAQUES DA NORMATIVA INTERNACIONAL.............................................................................................199
A respeito da Convenção da ONU:.................................................................................................199
A respeito da Convenção da OEA:..................................................................................................200
4. DESTAQUES DA JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL.......................................................................................202
AULA 35 – CRIANÇAS....................................................................................................................... 203
1. NORMATIVA DOS SISTEMAS INTERAMERICANO E GLOBAL.............................................................................203
2. ÓRGÃOS ESPECÍFICOS DE PROTEÇÃO INTERNACIONAL..................................................................................203
3. DESTAQUES DA NORMATIVA INTERNACIONAL.............................................................................................203
A respeito da Convenção da ONU:.................................................................................................203
A respeito das Regras de Beijing:...................................................................................................204
A respeito das Diretrizes de Riad:..................................................................................................205
4. DESTAQUES DA JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL.......................................................................................205
AULA 36 – PESSOAS IDOSAS............................................................................................................. 206
1. NORMATIVA DOS SISTEMAS INTERAMERICANO E GLOBAL.............................................................................206
2. ÓRGÃOS ESPECÍFICOS DE PROTEÇÃO INTERNACIONAL..................................................................................206
3. DESTAQUES DA NORMATIVA INTERNACIONAL.............................................................................................206
A respeito da Convenção da OEA:..................................................................................................206
4. DESTAQUES DA JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL.......................................................................................207
AULA 37 – PESSOAS COM DEFICIÊNCIA............................................................................................207
1. NORMATIVA DOS SISTEMAS INTERAMERICANO E GLOBAL.............................................................................207
2. ÓRGÃOS ESPECÍFICOS DE PROTEÇÃO INTERNACIONAL..................................................................................207
3. DESTAQUES DA NORMATIVA INTERNACIONAL.............................................................................................208
A respeito da Convenção da OEA:..................................................................................................208
A respeito da Convenção da ONU:.................................................................................................208
CONVENÇÃO DA ONU – princípios gerais (art. 3º):........................................................................209
4. DESTAQUES DA JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL.......................................................................................209
- À luz da jurisprudência da Corte IDH, o fato de uma pessoa ser portadora do vírus HIV tem o efeito de
torná-la uma pessoa com deficiência?.......................................................................................................210
AULA 38 – PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA......................................................................................211
1. NORMATIVA DOS SISTEMAS INTERAMERICANO E GLOBAL.............................................................................211
2. ÓRGÃOS ESPECÍFICOS DE PROTEÇÃO INTERNACIONAL..................................................................................211
3. DESTAQUES DA NORMATIVA INTERNACIONAL.............................................................................................211
- A respeito do Relatório sobre moradia adequada como componente do direito a um padrão de
vida adequado e sobre o direito a não discriminação neste contexto (ONU, 2015):......................211
- A respeito do Decreto no 7.053/2009:.........................................................................................213
- A respeito da Resolução no 40/2020 do CNDH:...........................................................................213
4. DESTAQUES DA JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL.......................................................................................214
AULA 39 – PESSOAS PRIVADAS DE LIBERDADE..................................................................................214
1. NORMATIVA DOS SISTEMAS INTERAMERICANO E GLOBAL.............................................................................214
2. ÓRGÃOS ESPECÍFICOS DE PROTEÇÃO INTERNACIONAL..................................................................................214
3. PROBLEMAS MAIS GRAVES DA REGIÃO.....................................................................................................214
4. RELAÇÃO ENTRE A PESSOA PRESA E O ESTADO...........................................................................................215
5. DESTAQUES DA JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL.......................................................................................215
- Sobre a qualidade do serviço de saúde:.......................................................................................215
- O que significa o princípio da equivalência em matéria de saúde na jurisprudência do sistema
interamericano sobre pessoas privadas de liberdade?..............................................................................215
- Sobre o uso proporcional da força:..............................................................................................215
- Principais parâmetros sobre condições carcerárias definidos pela Corte IDH no julgamento do
Caso Pacheco Teruel e outros vs. Honduras:..................................................................................215
- Sobre a separação entre processados e condenados:..................................................................216
- Sobre a superlotação carcerária:.................................................................................................216
- Mais alguns pontos da jurisprudência internacional de direitos humanos das pessoas privadas de
liberdade:......................................................................................................................................217
- Sobre revistas íntimas:.................................................................................................................218
AULA 40 – POVOS INDÍGENAS.......................................................................................................... 219
1. NORMATIVA DOS SISTEMAS INTERAMERICANO E GLOBAL.............................................................................219
2. ÓRGÃOS ESPECÍFICOS DE PROTEÇÃO INTERNACIONAL..................................................................................219
3. DESTAQUES DA NORMATIVA INTERNACIONAL.............................................................................................219
A respeito da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas:...................219
Sobre a Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas:.........................................220
A respeito da Convenção no 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais:.....................................220
4. DESTAQUES DA JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL.......................................................................................221
- DANO ESPIRITUAL:.......................................................................................................................221
- SIGNIFICADO ESPECIAL DA CONVIVÊNCIA FAMILIAR:..................................................................221
- PROPRIEDADE COMUNAL:...........................................................................................................221
- DESNECESSIDADE DE TÍTULO FORMAL DE PROPRIEDADE:..........................................................221
- Compilação da jurisprudência da Corte IDH sobre a propriedade comunitária das terras indígenas
(Caso Povo Indígena Xucuru vs. Brasil):.........................................................................................222
- DIREITO A SE MANIFESTAR NO PRÓPRIO IDIOMA:......................................................................222
- DUPLA AFETAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS:................................................................................222
AULA 41 – POPULAÇÃO LGBT........................................................................................................... 223
1. SIGNIFICADO DA SIGLA LGBTQIA+.........................................................................................................223
2. NORMATIVA DOS SISTEMAS INTERAMERICANO E GLOBAL.............................................................................223
3. ÓRGÃOS ESPECÍFICOS DE PROTEÇÃO INTERNACIONAL..................................................................................224
4. DESTAQUES DA NORMATIVA INTERNACIONAL.............................................................................................224
Pontos importantes sobre os Princípios de Yogyakarta:.................................................................224
5. DESTAQUES DA JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL.......................................................................................225
Sistema Interamericano.................................................................................................................225
6. CORTE IDH, CASO PAVEZ PAVEZ VS. CHILE (2022)...................................................................................227
a. FATOS.........................................................................................................................................227
b. ENTENDIMENTO DA CORTE IDH................................................................................................227
c. MEDIDAS DE REPARAÇÃO..........................................................................................................229
AULA 42 – IMIGRANTES E REFUGIADOS........................................................................................... 230
1. INTRODUÇÃO......................................................................................................................................230
2. NORMATIVA DOS SISTEMAS INTERAMERICANO E GLOBAL.............................................................................230
3. ÓRGÃOS ESPECÍFICOS DE PROTEÇÃO INTERNACIONAL..................................................................................230
4. DESTAQUES DA NORMATIVA INTERNACIONAL.............................................................................................231
- Destaques sobre a CONVENÇÃO DA ONU RELATIVA AO ESTATUTO DOS REFUGIADOS:...............231
- Destaques sobre a CONVENÇÃO DA ONU sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores
Migrantes e dos Membros das suas Famílias:...............................................................................231
5. DESTAQUES DA JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL.......................................................................................232
AULA 43 – OBRIGAÇÕES PROCESSUAIS POSITIVAS............................................................................234
1. INTRODUÇÃO......................................................................................................................................234
2. OBRIGAÇÕES PROCESSUAIS POSITIVAS......................................................................................................235
3. CRÍTICA À JURISPRUDÊNCIA PUNITIVISTA...................................................................................................236
AULA 44 – COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE................................................................................237
1. CRIAÇÃO............................................................................................................................................237
2. DESTAQUES DA LEI 12.528/2011.........................................................................................................238
3. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES DA CNV...............................................................................................239
AULA 45 – JUDICIALIZAÇÃO DOS DESCA........................................................................................... 240
1. INTRODUÇÃO......................................................................................................................................240
2. SISTEMA INTERAMERICANO...................................................................................................................240
3. SISTEMA GLOBAL.................................................................................................................................242
4. SISTEMA EUROPEU...............................................................................................................................243
5. SISTEMA AFRICANO..............................................................................................................................244
AULA 46 – DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS...................................................................................244
1. INTRODUÇÃO......................................................................................................................................244
2. ABORDAGEM DO ASSUNTO NO SISTEMA GLOBAL........................................................................................245
3. DESTAQUES DOS PRINCÍPIOS DE RUGGIE..................................................................................................246
4. PRINCIPAIS ÂMBITOS DA RESPONSABILIDADE EMPRESARIAL...........................................................................246
5. EMPRESAS E DIREITOS HUMANOS NO SISTEMA INTERAMERICANO..................................................................246
6. ANOTAÇÕES FINAIS..............................................................................................................................246
- O Brasil já foi responsabilizado perante a Corte IDH por sua omissão em relação a atividades
empresariais?............................................................................................................................................247
AULA 47 – DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO........................................................................247
1. TRÊS EIXOS DA PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS..............................................................247
2. CONCEITO DE DIH...............................................................................................................................248
3. FONTES DO DIH..................................................................................................................................248
- FONTES CONVENCIONAIS............................................................................................................248
- FONTES CONSUETUDINÁRIAS......................................................................................................248
4. CRUZ VERMELHA INTERNACIONAL..........................................................................................................249
5. COMPETÊNCIA DA CORTE IDH...............................................................................................................249
AULA 48 – TEORIA CRÍTICA DOS DIREITOS HUMANOS......................................................................250
1. INTRODUÇÃO......................................................................................................................................250
2. A CONTRIBUIÇÃO DE HERRERA FLORES....................................................................................................250
3. A CONTRIBUIÇÃO DE DAVID SÁNCHEZ RUBIO............................................................................................251
4. A CONTRIBUIÇÃO DE BOAVENTURA DE SOUZA SANTOS...............................................................................251
5. CRÍTICA ÀS TEORIAS CRÍTICAS.................................................................................................................252
AULAS DO CURSO DE DIREITOS HUMANOS –
PROFESSOR CAIO PAIVA

AULA 1: INTRODUÇÃO AO CONCEITO E À HISTÓRIA


DA INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS
HUMANOS
- Bloco I

1. Introdução ao conceito

- Conceituar – também – significa reduzir um objeto de estudo.


- Conceituar direitos humanos é difícil, pois se trata de um objeto de estudo permeável
a contingências políticas, ideológicas e históricas.
- O que são as técnicas GENERALISTA e ESPECÍFICA para conceituar direitos
humanos?
- Identifico duas técnicas para conceituar direitos humanos.
- A primeira, que chamo de GENERALISTA, trabalha com um conceito de direitos
humanos material, no sentido de não separar – pelo menos de forma rígida – as ordens
jurídicas nacional e internacional, incluindo naquela categoria todos os direitos
essenciais à consecução de uma vida digna, estejam eles previstos em Constituições
nacionais ou em tratados internacionais.
A segunda, que chamo de ESPECÍFICA, trabalha com um conceito de direitos humanos
formal, no sentido de considerar como integrante deste catálogo de direitos essenciais
à consecução de uma vida digna somente aqueles previstos em instrumentos
internacionais, no que eles se diferenciam, portanto, dos direitos fundamentais, que
são assegurados e protegidos pela ordem jurídica interna.

- A técnica específica revela-se mais adequada porque favorece a compreensão do


DIDH como disciplina autônoma.
- Embora exista semelhança ou identidade no catálogo, são diversos os mecanismos e
os órgãos de proteção.
- CANÇADO TRINDADE estrutura um conceito bem completo de Direito Internacional
dos Direitos Humanos:
o “Entendo o Direito Internacional dos Direitos Humanos como o corpus juris de
salvaguarda do ser humano, conformado, no plano substantivo, por normas,
princípio e conceitos elaborados e definidos em tratados e convenções, e
resoluções de organismos internacionais, consagrando direitos e garantias que
têm por propósito comum a proteção do ser humano em todas e quaisquer
circunstâncias, sobretudo em suas relações com o poder público, e, no plano
processual, por mecanismos de proteção dotados de base convencional ou
extraconvencional, que operam essencialmente mediante os sistemas de
petições, relatórios e investigações, nos planos tanto global como regional.
Emanado do Direito Internacional, este corpus juris de proteção adquire
autonomia, na medida em que regula relações jurídicas dotadas de
especificidade, imbuído de hermenêutica e metodologias próprias” (Desafios e
conquistas do Direito Internacional dos Direitos Humanos no início do século
XXI).

2. Terminologias

- Direitos fundamentais: surgiu no contexto da proteção nacional dos direitos


essenciais do ser humano, não sendo adequada, portanto, para designar direitos
previstos em tratados.
- Direitos do homem: utilizada, por exemplo, na Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão (França, 1789) e na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do
Homem (Bogotá, 1948), foi cada vez menos utilizada após a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, considerado o seu caráter sexista.
- Liberdades públicas e liberdades fundamentais: muito utilizadas pela doutrina
francesa, devem ser evitadas atualmente por representarem mais os direitos de
liberdade.
- Direitos humanos fundamentais: utilizada, por exemplo, no preâmbulo da Declaração
Universal dos Direitos Humanos (DUDH) e por um setor da doutrina, segue a técnica
generalista.
- Conforme observa a historiadora Lynn Hunt:
o “(...) Ainda mais perturbador é que aqueles que com tanta confiança
declaravam no final do século XVIII que os direitos são universais vieram a
demonstrar que tinham algo muito menos inclusivo em mente.
Não ficamos surpresos por eles considerarem que as crianças, os insanos, os
prisioneiros ou os estrangeiros eram incapazes ou indignos de plena
participação no processo político, pois pensamos da mesma maneira.
Mas eles também excluíam aqueles sem propriedade, os escravos, os negros
livres, em alguns casos as minorias religiosas e, sempre e por toda parte, as
mulheres.
Em anos recentes, essas limitações a ‘todos os homens’ provocaram muitos
comentários, e alguns estudiosos até questionaram se as declarações tinham
um verdadeiro significado de emancipação. Os fundadores, os que
estruturaram e os que redigiram as declarações têm sido julgados elitistas,
racistas e misóginos por sua incapacidade de considerar todos verdadeiramente
iguais em direitos” (A invenção dos direitos humanos).
- O que foi a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã?
- Sobre a questão de gênero no DIDH, é importante lembrar que em 1791, OLYMPE DE
GOUGES, pseudônimo de Marie Gouze, que foi uma dramaturga, ativista, feminista e
abolicionista francesa, dirige uma carta à rainha, para ser apresentada à Assembleia
Nacional, com o título Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã. Ironicamente,
Olympe escreve no art. 1o: “A mulher nasce livre e permanece igual ao homem em
direitos (...)”.
- O texto foi rejeitado, mas ficou na história como o primeiro documento feminista que
buscou uma igualdade de direitos entre homens e mulheres.
- Mas isso cai em concurso? Vejamos a seguinte questão cobrada no concurso da
DPE/SP de 2015:
1. “Os direitos do homem, os direitos humanos, são diferenciados como tais dos
direitos do cidadão. Quem é esse ‘homem’ que é diferenciado do cidadão? Ninguém
mais ninguém menos que o membro da sociedade burguesa”.
2. “Mulher, desperta. A força da razão se faz escutar em todo o universo. Reconhece
teus direitos. O poderoso império da natureza não está mais envolto de preconceitos,
de fanatismos, de superstições e de mentiras. A bandeira da verdade dissipou todas as
nuvens da ignorância e da usurpação. O homem escravo multiplicou suas forças e teve
necessidade de recorrer às tuas, para romper os seus ferros. Tornando- se livre, tornou-
se injusto em relação à sua companheira”.
São autores, respectivamente, dos excertos críticos à Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão:
A) Karl Marx e Simone de Beuvoir.
B) Jen-Jacques Rosseau e Olympe de Gouges.
C) Karl Marx e Olympe de Gouges. [correta]
D) Jean-Jacques Rosseau e Simone de Beauvoir.
E) Robespierre e Hannah Arendt.

- Bloco II

3. Introdução à história da internacionalização dos direitos humanos

- Há duas formas de contar a história dos direitos humanos:


- HISTÓRIA SOCIAL OU POLÍTICA DOS DIREITOS HUMANOS, que consiste no resgate de
cada movimento social e político na luta por condições dignas de vida, partindo desde
documentos como o Antigo Testamento.
- HISTÓRIA NORMATIVA DOS DIREITOS HUMANOS, que consiste na identificação de
cada marco normativo que contribuiu para a criação de uma estrutura de proteção
internacional.
- Vamos tentar mesclar estas formas de contar a história dos direitos humanos, dando
uma ênfase na história normativa.
- A história dos direitos humanos não é linear. Vejamos, a respeito do assunto, a lição
de CANÇADO TRINDADE:
o “Constato hoje com nitidez que, laborar na proteção internacional dos direitos
humanos, é como o mito de Sísifo, uma tarefa que não tem fim. É como estar
constantemente empurrando uma rocha para o alto de uma montanha,
voltando a cair e a ser novamente empurrada para cima.
Entre avanços e retrocessos, desenvolve-se o labor da proteção. Ao descer da
montanha para voltar a empurrar a rocha para cima, toma-se consciência da
condição humana, e da tragédia que a circunda. Mas há que seguir lutando: na
verdade, não há outra alternativa” (Desafios e conquistas do Direito
Internacional dos Direitos Humanos no início do século XXI).
- A história da internacionalização dos direitos humanos é a história do nascimento e
do desenvolvimento de uma CONSCIÊNCIA JURÍDICA UNIVERSAL [Cançado Trindade],
responsável pela evolução do Direito para proteger de forma eficaz o ser humano em
todas e quaisquer circunstâncias.
A partir de qual momento houve a pretensão de universalidade dos direitos humanos?
Ideia de que os direitos humanos são para todos?
- 1948 – Declaração Universal dos Direitos Humanos.
- A formação da consciência jurídica universal capaz de afirmar, em 1948, que “Todos
os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos” (DUDH, art. 1o),
decorre de múltiplas fontes, como textos religiosos, políticos, filosóficos e,
principalmente, das lutas, batalhas e reivindicações por direitos humanos dos mais
diversos movimentos feministas, antidiscriminação etc.
- Há, inclusive, quem encontre nos romances uma fonte de mudança cerebral para
gerar mais empatia e vislumbre de novas formas de organização social (Lynn Hunt, A
invenção dos direitos humanos).
- Há fragmentos de LIMITAÇÃO DE PODER e, portanto, de DIREITOS HUMANOS, na
antiguidade oriental (Código de Hamurabi, século XVIII a.C.; Cilindro de Ciro, século XI
a.C.), na tradição grega, nos alicerces romanos, na tradição judaico-cristã, na tradição
inglesa dos direitos e da lei (início século XIII, com a Magna Carta), na filosofia do
contrato social a partir do século XVII (Locke, Hobbes e Rousseau), no Iluminismo, na
revolução americana, na revolução francesa, no sufrágio universal e começo do
feminismo, no movimento trabalhista, entre outros eventos históricos.
- Vejamos os precedentes históricos que mais de perto influenciaram na
internacionalização dos direitos humanos, superando-se, assim, a ideia de soberania
estatal absoluta, bem como projetando a ideia da pessoa como sujeito de direito na
ordem jurídica internacional:
- Direito Internacional Humanitário;
- Liga das Nações;
- Organização Internacional do Trabalho.
- O Direito Internacional Humanitário é conhecido como o componente de direitos
humanos no “direito de guerra”. Seu desenvolvimento remonta ao século XIX e
prossegue no século XX, por meio de uma série de tratados (como as Convenções de
Genebra e de Haia) que buscam proteger tanto os combatentes quanto os não
combatentes.
- Flávia Piovesan ressalta que “O Direito Humanitário foi a primeira expressão de que,
no plano internacional, há limites à liberdade e à autonomia dos Estados, ainda que na
hipótese de conflito armado”.
- A Liga das Nações foi uma organização internacional criada após a Primeira Guerra
Mundial, por meio do Tratado de Versalhes (1919), para assegurar a paz e a segurança
internacionais. Sua estrutura orgânica era semelhante à da ONU. A Liga fracassou e não
conseguiu evitar a Segunda Guerra Mundial e foi dissolvida, sendo substituída pela
ONU em 1945.
- A Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi criada no âmbito da Liga das
Nações, com o fim da Primeira Guerra Mundial, em 1919, como uma parte do Tratado
de Versalhes, tendo como objetivo estabelecer parâmetros mínimos para a proteção
do trabalhador, disciplinando a sua condição no plano internacional por meio de
diversas convenções. Com o fim da Liga, foi incorporada à ONU como uma de suas
agências especializadas [migrou para a estrutura da ONU].
- Finalmente, importante compreender que a história dos direitos humanos é cíclica e
que em diversos períodos a população esteve majoritariamente ao lado de ditadores e
políticos autoritários.

AULA 2: FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS DOS DIREITOS


HUMANOS
- Bloco I

1. Introdução

- Quando procuramos os fundamentos dos direitos humanos, estamos investigando a


sua fonte, origem ou razão justificativa. A palavra filosóficos, aqui, serve para
contextualizar que a procura por um fundamento dos direitos humanos é uma
investigação mais filosófica do que jurídica.
- As diversas concepções sobre a fundamentação filosófica representam uma história
de afirmação dos direitos humanos.
Por que é possível afirmar que Norberto Bobbio é um negacionista no que diz respeito
à fundamentação filosófica dos Direitos Humanos?
- Norberto Bobbio afirma que após a DUDH (1948) os Direitos Humanos estão
positivados, estabelecidos – não se há mais perquirir ou questionar a respeito de uma
fundamentação filosófica para os DH. Não é necessário buscar uma justificativa para
fundamentar a origem dos Direitos Humanos. Não se trata mais de uma questão de
fundamentar os DH, mas sim de assegurar a sua concretização e efetivação. É inviável
identificar um fundamento filosófico único para fundamentar os DH.
- ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS: Norberto Bobbio é um negacionista no que diz
respeito à fundamentação filosófica dos direitos humanos.
2. Teorias filosóficas sobre a fundamentação dos direitos humanos

- Jusnaturalismo;
- Positivismo;
- Ética ou moral;
- Existencialista.
3. Jusnaturalismo

Para o jusnaturalismo, os direitos humanos são naturais e, portanto, universais, eternos


e imutáveis. São descobertos da natureza.

- A natureza do jusnaturalismo recebeu diversos significados na história da


humanidade (neste sentido, Caio Granduque), influenciando, assim, para o surgimento
do jusnaturalismo cosmológico da Antiguidade, do jusnaturalismo teológico da Idade
Média e do jusnaturalismo antropológico da Modernidade.
- Jusnaturalismo cosmológico:
- Grécia Antiga
- Leis não escritas
- Direitos naturais que se opunham às regras positivas
- Tragédia de Sófocles, em Antígona, em que Antígona questiona um ato
normativo do tirano Creonte por meio do qual seu irmão, que morreu na luta
pelo trono de Tebas, não teria o direito de ser sepultado. Antígona defende,
então, o direito natural de todos terem sepultura, independentemente do
direito positivo.
- Jusnaturalismo teológico
- Idade Média
- A natureza era considerada o produto da inteligência e da potência criadora de
Deus.
- O jusnaturalismo assume uma perspectiva teológica.
- Jusnaturalismo antropológico
- Grandes contribuições de Hugo Grócio e Pufendorf
- Procurou laicizar o direito natural
- Também conhecido como jusracionalismo moderno
- Direitos naturais como decorrentes da própria natureza humana
- Ideia projetada nas Declarações de Direitos do século XVIII
- As Declarações do século XVIII declararam direitos e adotaram uma
formulação textual com o indicativo do verbo “ser” em vez de “dever ser”: os
seres humanos são, pela sua natureza [e não por um mandamento divino],
livres e independentes; os homens nascem e permanecem livres e iguais em
direitos.
- Vejamos a lição de Caio Granduque sobre o jusnaturalismo:
“(...) a concepção dos direitos do homem como direitos naturais, a- históricos,
dedutíveis da natureza humana, acaba por se revelar em um parapeito de
proteção contra a angústia do homem-jurista, que não terá de escolher os
valores e, logicamente, construir os direitos, já que eles se encontram prontos e
acabados na natureza humana, cabendo tão somente metafisicamente captá-
los ou descobri-los, o que se revela prejudicial à tutela dos direitos por duas
razões: a dissimulação da responsabilidade dos juristas na construção dos
direitos e ausência de proteção a direitos que supostamente seriam naturais
(argumentação de que se valem autores indiferentes aos direitos sociais)” (A
construção existencial dos direitos humanos).
- E ainda, para HANS KELSEN:
“(...) a decisão da questão de saber o que é justo e o que é injusto depende da
escolha da norma de justiça que nós tomamos para base do nosso juízo de valor
e, por isso, pode receber respostas muito diversas significa que esta opção
apenas pode ser feita por nós próprios, por cada um de nós, que nenhum outro
– nem Deus, nem a natureza, nem ainda a razão como autoridade objetiva –
pode fazê-la por nós. (...) Elas [as doutrinas jusnaturalistas] não poupam o
indivíduo, não o libertam da responsabilidade de escolha. Porém, cada uma
destas doutrinas jusnaturalistas dá ao indivíduo a ilusão de que a norma de
justiça que ele escolhe ou pela qual opta provém de Deus, da natureza ou da
razão” (O problema da justiça).
4. Positivismo

- O positivismo não admite qualquer manifestação de juridicidade suprapositiva e


surge com a formação do Estado moderno e com a monopolização da produção
jurídica por parte do Estado.
- O positivismo foi influenciado pelo movimento da codificação, destacando-se o
Código Civil francês de 1804 (Código de Napoleão).
- Para o positivismo, os direitos humanos seriam decorrência da força do Estado
através do processo de legitimação e reconhecimento normativo, e não produto de
uma força superior ao poder estatal.
5. Fundamentação ética ou moral

- Sustentada, com algumas diferenças de argumentos, por filósofos como Habermas,


Dworkin, Carlos Niño, Alexy, entre outros.
- Parte da tese de que a origem e o fundamento dos direitos humanos não pode ser a
norma positiva, sendo esta responsável não por criar direitos humanos, mas sim por
reconhecê-los e convertê-los em normas jurídicas.
- Não parte de elementos inerentes à pessoa, mas sim de construções dialógicas a
partir de processos de argumentação razoáveis, que buscam estabelecer as exigências
imprescindíveis da ideia de dignidade humana.
- Uma compreensão, portanto, mais historicista, que converge com a ideia da
construção da consciência jurídica universal.
6. Fundamentação existencialista

- Finalmente, sobre a fundamentação existencialista, vejamos o ensinamento de Caio


Granduque:
“(...) o direito e os direitos humanos não são um dado apreendido da ‘natureza
humana’ ou concedido pelo Estado, revelando-se absolutamente estéril a
oposição, comumente feita pelos adeptos das correntes tradicionais do
pensamento jurídico, entre os planos do ser e do dever ser. O direito e os
direitos humanos não são nem devem ser, mas são o que devem ser, ou melhor,
estão sendo conforme o agir e fazer humanos estão fazendo com que eles
sejam. (...) O direito e os direitos humanos são um produto do exercício da
liberdade humana em comunidade, assumindo atributos que o homem,
durante a sua livre construção, imprime-lhes por meio de suas escolhas. Dessa
forma, condenado à liberdade, o homem constrói livremente o direito e os
direitos humanos, sendo responsável pela maior ou menor tutela jurídica do
exercício da liberdade humana, através da normatização das mais diversas
situações em que os homens se inserem. Em suma, o homem é o responsável
pelo caráter mais libertário ou repressor da juridicidade ou, ainda, pela
afirmação ou restrição, em sede jurídica, do exercício da liberdade. (...) O direito
e os direitos humanos são, pois, uma construção existencial permanente” (A
construção existencial dos direitos humanos).

AULA 3: FONTES, CLASSIFICAÇÕES E


CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS
- Bloco I

1. Fontes

- FONTES MATERIAIS:
- As fontes materiais são aqueles fatores sociais e históricos que, em cada época,
contribuem para a criação das normas jurídicas.
Para Cançado Trindade, a CONSCIÊNCIA JURÍDICA UNIVERSAL é a fonte por excelência
do DIDH.
O professor Caio prefere associar o processo de lutas por dignidade como a fonte
material dos direitos humanos.
- FONTES FORMAIS:
As fontes formais dão forma às fontes materiais, fazendo com que elas se manifestem
em normas jurídicas. O DIDH é considerado um ramo – autônomo – do Direito
Internacional Público, aproveitando-se, assim, das suas fontes, previstas no art. 38.1 do
Estatuto da Corte Internacional de Justiça (CIJ).
Estatuto da CIJ, art. 38.1
A Corte, cuja função é decidir de acordo com o direito internacional as
controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará:
a) as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam
regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes;
b) o costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como
sendo o direito;
c) os princípios gerais de direito reconhecidos pelas Nações civilizadas;
d) sob ressalva da disposição do art. 59, as decisões judiciárias e a doutrina dos
publicistas mais qualificados das diferentes Nações, como meio auxiliar para a
determinação das regras de direito.

- O art. 38.1 do Estatuto da CIJ veicula um rol exemplificativo das fontes do DIDH,
podendo-se mencionar como fontes formais ali não previstas, por exemplo, os atos
jurídicos unilaterais dos Estados, as resoluções das organizações internacionais e as
normas soft law.
- São consideradas fontes formais principais os tratados, o costume e os princípios
gerais de direito, enquanto são consideradas como fontes formais auxiliares as
decisões judiciais e a doutrina dos publicistas reconhecidos.

- Convenções internacionais
- Fonte prioritária do DIDH
- Expressões sinônimas: tratado, convenção, pacto, protocolo, convênio etc.

Costume internacional
- Fonte mais antiga do Direito Internacional
- De acordo com o Estatuto da CIJ, consiste na prática generalizada dos Estados aceita
como direito. São elementos, portanto, um material, que é prática generalizada, e um
subjetivo, que é a crença de que esta prática é obrigatória.
- A prática generalizada pode se manifestar implícita ou expressamente.
- Objetor persistente: Estado que se opõe de maneira constante à prática generalizada
e que não a considera, portanto, obrigatória. Ônus do Estado em provar a sua objeção
persistente.

- Jus cogens
- Uma subcategoria do direito costumeiro ou consuetudinário que recebe os
atributos de ser imperativo e peremptório.
- Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (CVDT), art. 53: “É nulo um tratado
que, no momento de sua conclusão, conflite com uma norma imperativa de Direito
Internacional geral. Para os fins da presente Convenção, uma norma imperativa de
Direito Internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade
internacional dos Estados como um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é
permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional
geral da mesma natureza”.
- CVDT, art. 64: “Se sobrevier uma norma imperativa de Direito Internacional geral,
qualquer tratado existente que estiver em conflito com essa norma torna-se nulo e
extingue-se”.
- Caráter erga omnes: vinculam todos os Estados, sem nenhuma exceção. Não se
admite o Estado objetor persistente.

- Para a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH):


“O ius cogens se apresenta como a expressão jurídica da própria comunidade
internacional como um todo que, como decorrência de seu superior valor
universal, constitui um conjunto de normas indispensáveis para a existência
da comunidade internacional e para garantir valores essenciais ou
fundamentais da pessoa humana. Isto é, aqueles valores que se relacionam
com a vida e a dignidade humana, à paz e à segurança. As proibições acerca dos
atos de agressão, de genocídio, da escravidão e tráfico de escravos, da tortura,
da discriminação racial e do apartheid, dos crimes contra a humanidade, assim
como o direito à livre determinação, junto com as normas de direito
internacional humanitário básicas, foram reconhecidas como normas de ius
cogens, que protegem direitos fundamentais e valores universais sem os quais a
sociedade não prosperaria, pelo que produzem obrigações erga omnes”
(Opinião Consultiva no 26/2020).

- Nesta Opinião Consultiva (OC) no 26/2020, a Corte IDH indicou – de forma não
exaustiva – algumas normas de jus cogens já reconhecidas em sua jurisprudência:
“Ao largo da sua jurisprudência, a Corte Interamericana tem reconhecido, de
forma não exaustiva, as seguintes normas de ius cogens:
- Princípio de igualdade e proibição de discriminação;
- Proibição absoluta de todas as formas de tortura, tanto física como
psicológica;
- Proibição de tratamentos ou penas crueis, desumanos ou degradantes;
- Proibição do desaparecimento forçado de pessoas;
- Proibição da escravidão e outras práticas análogas;
- Princípio da não devolução (non refoulement), incluindo o não rechaço em
fronteira e a devolução indireta;
- Proibição de cometer ou tolerar graves violações de direitos humanos dentro
de um padrão massivo ou sistemático, entre elas execuções extrajudiciais,
desaparecimentos forçados e torturas;
- Proibição de cometer crimes contra a humanidade e a obrigação associada de
criminalizar, investigar e punir estes crimes”.

- Princípios gerais de Direito


- A expressão “nações civilizadas” é objeto de críticas.
- São princípios comuns a todos ou pelo menos aos mais significativos sistemas
jurídicos do mundo, incluindo os princípios do próprio Direito Internacional.
- São exemplos o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio pro persona, o
princípio da subsidiariedade, alguns princípios de Direito Penal acolhidos pelo Estatuto
de Roma do TPI, alguns princípios de Direito Ambiental Internacional como os da
prevenção e precaução etc.

- Para CANÇADO TRINDADE:


“Todo sistema jurídico tem princípios fundamentais, que inspiram, informam e
conformam suas normas. São os princípios que, evocando as causas primeiras,
fontes ou origens das normas e regras, conferem coesão, coerência e
legitimidade às normas jurídicas e ao sistema jurídico como um todo. São os
princípios gerais do direito que conferem ao ordenamento jurídico (tanto
nacional como internacional) sua inelutável dimensão axiológica; são eles que
revelam os valores que inspiram todo o ordenamento jurídico e que, em última
instância, fornecem seus próprios fundamentos” (voto na Opinião Consultiva no
18/2003).

Decisões judiciais
- Sentenças e resoluções emitidas por órgãos e tribunais internacionais de direitos
humanos.
- Também podem ser consideradas como fontes as decisões de tribunais nacionais de
maior hierarquia, como os tribunais constitucionais.

Doutrina dos publicistas mais qualificados


- São considerados tanto trabalhos doutrinários de autores internacionalmente
conhecidos como também estudos e publicações de órgãos internacionais como o
ACNUDH, a CIDH, o Instituto Interamericano de Direitos Humanos etc.

- Bloco II

Soft law internacional


- Soft law x Hard law  a diferença é o caráter vinculante dos documentos de hard law.
- Documentos normativos internacionais que não vinculam os Estados.
- Há uma resistência a normas soft law porque elas buscariam impor compromissos
políticos a Estados que não consentiram com a sua aprovação.
- O descumprimento de uma soft law não traz consigo – diferentemente do que ocorre
no descumprimento de uma hard law – consequências clássicas da responsabilidade
por atos internacionais ilícitos.
- São exemplos: DUDH, Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem
(DADDH – equivalente à DUDH no âmbito americano), Regras de Mandela (direito das
pessoas privadas de liberdade – homens), Regras de Bangkok (direito das pessoas
privadas de liberdade – mulheres), Regras Penitenciárias Europeias (direito das pessoas
privadas de liberdade), Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas,
Carta Democrática Interamericana, Princípios de Yogyakarta etc.
- OBS.: ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS  Afirma que a Declaração Universal Direitos
Humanos é norma de soft law, ou seja, a declaração, formalmente, é uma resolução e
não há como tentar mudar esse aspecto. Todavia, esse documento tem uma força
persuasiva muito grande, mesmo sendo uma norma soft law com grau reduzido de
cogência, em relação ao grau de imperatividade dos tratados internacionais. A
tendência da doutrina no Brasil é afirmar que a Declaração é vinculante, adotando a
ideia da interpretação autêntica da carta e o seu costume internacional. Essa
corrente é defendida por ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS e Flavia Piovesan.

- Classificação das normas soft law segundo Paulo Pinto de Albuquerque (voto no
Caso Mursic vs. Croácia, TEDH):
- Soft law onde há codificação: como um complemento, pode revelar a intenção
dos autores do tratado. Fortalece os compromissos normativos embutidos nos
aspectos vinculantes do tratado, aumenta sua densidade e coerência
normativa. Além disso, facilita a aplicação de instrumentos vinculativos ao
resolver questões técnicas complexas que não estavam previstas quando foram
aprovadas ou impasses não previstos.
- Soft law onde há pouca ou nenhuma codificação: conta como uma prática
relevante de organizações internacionais, Estados e operadores não estatais.
Abre caminho para um futuro direito internacional vinculativo com base no
consentimento do Estado.

- Em seu voto no Caso Mursic, Albuquerque ainda traz um conceito e formas de


aplicação da chamada soft law “endurecida”:
(...) Em poucas palavras, a relação entre hard law e soft law no direito europeu
dos direitos humanos é uma via de mão única: onde existe hard law, soft law
pode enriquecê-la, mas não pode enfraquecê-la. Se o soft law enfraquecesse o
hard law existente, seria fraudulento, uma violação do limite normativo
europeu dos direitos humanos e, portanto, um fenômeno patológico da
normatividade internacional. A soft law é uma das maneiras pelas quais o
desenvolvimento do direito europeu pode ocorrer, não uma forma pela qual ele
regride. Onde não há hard law, evidentemente não há relação entre dois polos,
e soft law pode exercer sozinha sua pretensão normativa, de acordo com os
fatores de endurecimento relevantes que apresenta”.

- Ainda sobre a soft law, o professor Caio classifica esta fonte do DIDH também da
seguinte forma:
- Soft law internacional estatal: Estados participam da produção da normativa, como
por exemplo a DUDH.
- Soft law internacional institucional: normativas produzidas por órgãos e tribunais
internacionais, como o Regulamento da Corte IDH e o Regulamento da CIDH.
- Soft law internacional não estatal: normativas produzidas por atores não estatais,
como especialistas independentes. Exemplo: Princípios de Yogyakarta.
- Soft law internacional semi-estatal: normativas produzidas por atores estatais relativa
ou totalmente independentes. Exemplo: 100 Regras de Brasília, elaborada por
associações de profissionais de carreiras jurídicas.

- Bloco III

2. Classificações

GERAÇÕES: É muito conhecida a classificação dos direitos humanos em gerações, uma


ideia concebida por Karel Vasak, em conferência proferida no Instituto Internacional de
Direitos Humanos de Estrasburgo, França, em 1979, quando, inspirado nos ideais da
Revolução Francesa, classificou os direitos humanos em três gerações.
- Primeira geração: direitos de LIBERDADE (civis e políticos).
- Segunda geração: direitos de IGUALDADE (DESC)
- Terceira geração: direitos de FRATERNIDADE (direitos difusos e coletivos, como o
meio ambiente equilibrado e a autodeterminação dos povos).
- Outros autores reconhecem mais gerações, como Bobbio (quarta geração – direitos
relacionados à bioética), Bonavides (quarta geração – direitos relacionados à
democracia, à informação e ao pluralismo político; quinta geração – direitos
relacionados à bioética e à paz).
- A classificação dos direitos humanos recebe algumas CRÍTICAS, tais como:
- Passa a ideia de que uma geração substitui a outra.
- Equívoco em relação à antiguidade ou posteridade de uma geração em relação a
outras (no DIDH, os direitos sociais foram positivados antes dos direitos de liberdade,
nas convenções da OIT).
- Fragmentação dos direitos humanos em ofensa à característica da indivisibilidade.
- Desconsidera novas interpretações sobre o conteúdo dos direitos (prestações
positivas em relação ao direito à vida e à integridade pessoal).
- Outra classificação separa os direitos humanos em direitos civis e políticos (DCP) e
direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais (DESCA).

3. Características

- As características dos direitos humanos foram e continuam sendo propostas e


modificadas por diversas fontes da matéria, como os tratados, a jurisprudência
internacional e também a doutrina.
- As características não nasceram todas de uma vez só, tendo sido resultado de um
processo histórico – ainda em curso – de afirmação e consolidação dos direitos
humanos nos mais diversos ambientes. Vejamos as principais características.
Universalidade
- Relativismo cultural x universalismo cultural.
- Grande desafio do DIDH: ser universal na diversidade.
- Os direitos humanos são universais ou compõem apenas um discurso ocidental ou
ocidentalizado? A universalização elimina a diversidade cultural? Disso resulta o
conhecido embate universalismo vs. Relativismo cultural.
- O universalismo é a “doutrina” acolhida pelo DIDH, havendo pelo menos três marcos
para ilustrar esse acolhimento, sendo eles a DUDH (1948) e as Conferências Mundiais
de Direitos Humanos de Teerã (1968) e de Viena (1993).
- Quando a DUDH foi aprovada, a ONU contava com apenas 58 Estados- membros. O
universalismo era, portanto, “instável”. Em 1993, na 2a Conferência Mundial de
Direitos Humanos, a ONU já contava com 170 Estados-membros, que aprovaram a
Declaração e Programa de Ação para a Promoção e Proteção de Direitos Humanos, cujo
art. 1o estabeleceu: “A natureza universal destes direitos [humanos] e liberdades é
inquestionável”.
- Há algumas propostas para superar o – possível ou suposto – conflito entre
universalismo e relativismo cultural.

- O que é a hermenêutica diatópica?


- Uma destas propostas consiste na chamada HERMENÊUTICA DIATÓPICA, apresentada
por Boaventura de Souza Santos. Traduz-se na ideia de que os valores de determinada
cultura são tão incompletos quanto a própria cultura considerada em si mesma. Para
que o diálogo intercultural possa ocorrer, é preciso que se tome consciência dessa
incompletude mútua. A hermenêutica diatópica – “aquilo que varia conforme a
geografia” – exige uma produção de conhecimento coletiva, participativa, interativa e
intersubjetiva, baseada em trocas cognitivas e afetivas que avançam por intermédio do
aprofundamento e da reciprocidade entre elas.

- O que é o universalismo de confluência ou de chegada?


- Outra proposta é apresentada por Joaquím Herrera Flores, que entende direitos
humanos como um processo de lutas por dignidade humana, que pode variar
conforme a cultura. Defende a ideia de UNIVERSALISMO DE CONFLUÊNCIA OU DE
CHEGADA, que é o universalismo produzido depois – e não antes – de um processo
cognitivo e discursivo de diálogo intercultural. Um universalismo impuro, de
contrastes, de intercruzamentos, que não inibe a diferença nem a supervaloriza.
Herrera Flores chama o universalismo adotado nas declarações e tratados de
universalismo de partida [universalismo imposto desde o início, antes de qualquer
processo cognitivo ou diálogo]. Herrera Flores também critica, porém, o que ele chama
de universalismo de retas paralelas, que seria uma vertente do multiculturalismo em
que o excesso de contexto absolutiza as culturas e prejudica o diálogo progressista.

Indivisibilidade e interdependência
- Todos direitos humanos devem ter a mesma proteção jurídica, pois todos são
essenciais para uma vida digna.
- Os direitos humanos são indivisíveis e interdependentes.
- Superação da ideia de que direitos civis ou de primeira geração exigem apenas uma
abstenção do Estado.
- Características adotadas na DUDH e reiteradas nas Conferências Mundiais.

Indisponibilidade e inalienabilidade
- Incidem apenas no que diz respeito ao domínio ou a algo permanente dos direitos
humanos.
- Uma pessoa não pode, portanto, dispor da liberdade de locomoção e se vender como
escrava.
- No entanto, alguns direitos humanos admitem a disposição ou mesmo a alienação
voluntária, desde que, repita-se, não viole o domínio da pessoa sobre si mesma.
Mesmo raciocínio aplicado aos direitos fundamentais.
- Assim, uma pessoa pode abrir mão temporariamente do seu direito à privacidade, à
liberdade de locomoção etc.

Imprescritibilidade
- Os direitos humanos não são perdidos como passar do tempo.
- Assim, o fato de o titular do direito humano à liberdade religiosa ou do direito à
liberdade de associação não os utilizar durante 30 anos não resulta na perda do direito.
- Essa característica não é absoluta e pode encontrar, portanto, relativização no
direito interno, como é o caso do direito à propriedade, que pode ser perdido com
fundamento no instituto da usucapião.
- Além disso, essa característica também pode encontrar alguma relativização quando
se tratar de pretensão indenizatória pela violação do direito: o fundo de direito
permanece intacto, mas a demanda de ressarcimento submete-se – em regra – a
prazos prescricionais.
- Corte IDH, Caso Órdenes Guerra e outros vs. Chile: ações cíveis de reparação em face
de graves violações de direitos humanos também são imprescritíveis. Não é qualquer
violação de direitos humanos que ensejará a imprescritibilidade da correspondente
ação cível de ressarcimento, mas apenas quando se tratar de crimes contra a
humanidade.
- STJ: não se aplica o prazo prescricional quinquenal estabelecido no Decreto no
20.910/1932 aos casos de violação de direitos humanos no contexto da ditadura
militar. Neste sentido, REsp 1.315.297.
- OU SEJA: há uma convergência de entendimento entre a jurisprudência da Corte IDH
e do STJ.
- Imprescritibilidade de crimes que violam direitos humanos: ER, art. 29. Corte IDH e
neopunitivismo (Daniel Pastor).

Limitabilidade ou relatividade
- Como regra, os direitos humanos são relativos e admitem a limitação, seja
abstratamente ou no caso concreto.
- Exceções: direito de não ser torturado e direito de não ser escravizado.
- Estado de emergência – art. 27 da CADH. Vamos ler:
CADH, art. 27 – Suspensão de garantias
1. Em caso de guerra, de perigo público, ou de outra emergência que ameace a
independência ou segurança do Estado-parte, este poderá adotar as
disposições que, na medida e pelo tempo estritamente limitados às exigências
da situação, suspendam as obrigações contraídas em virtude desta Convenção,
desde que tais disposições não sejam incompatíveis com as demais obrigações
que lhe impõe o Direito Internacional e não encerrem discriminação alguma
fundada em motivos de raça, cor, sexo, idioma, religião ou origem social.
2. A disposição precedente não autoriza a suspensão dos direitos determinados
nos seguintes artigos: 3o (personalidade jurídica), 4o (vida), 5o (integridade
pessoal), 6o (proibição da escravidão e da servidão), 9o (legalidade e
retroatividade), 12 (liberdade de consciência e religião), 17 (proteção da
família), 18 (nome), 19 (direitos da criança), 20 (nacionalidade, 23 (direitos
políticos), nem das garantias indispensáveis para a proteção de tais direitos.
3. Todo Estado-parte no presente Pacto que fizer uso do direito de suspensão
deverá comunicar imediatamente aos outros Estados-partes na presente
Convenção, por intermédio do Secretário-Geral da OEA, as disposições cuja
aplicação haja suspendido, os motivos determinantes da suspensão e a data em
que haja dado por terminada tal suspensão.

Abertura ou não tipicidade ou inexauribilidade


- Cláusula aberta: há sempre a possibilidade de surgirem novos direitos humanos ou
novas facetas na proteção de direitos humanos já existentes.
- CF, art. 5o, § 20; CADH, art. 29.c | o direito interno não exclui o direito internacional e
vice-versa.

Proibição do retrocesso
- Também conhecido como efeito cliquet, sendo vedado ao Estado diminuir a proteção
já conferida aos direitos humanos.
- Vários tratados possuem a cláusula do “desenvolvimento progressivo”.
- “Progressividade” possui dois sentidos: gradualidade e progresso. Nem tudo de uma
vez nem o regresso.
- O Estado pode adotar políticas públicas menos onerosas? Sim, desde que não
diminua a proteção ou a efetividade dos direitos humanos. Há entendimento neste
sentido em Comentários Gerais do Comitê DESC.
-- OBS.: nem toda reforma da previdência será, por si só, inconvencional. Ainda que,
em virtude de uma reforma da previdência, haja uma diminuição dos direitos da
população, não se há falar em uma inconvencionalidade, necessariamente. Se o Estado
conseguir demonstrar que uma reforma da previdência/tributária/administrativa é
absolutamente necessária, sob pena de atingir toda a outra parcela dos direitos sociais,
essa adoção de uma política pública menos onerosa para o Poder Público pode ser
justificada. É possível que restrinja direitos para que não seja necessário restringir
ainda mais direitos sociais no futuro.
- Abrange também os direitos civis e políticos. Há, neste sentido, um voto do juiz Piza-
Escalante, da Corte IDH, na Opinião Consultiva no 4/1984, a respeito da proibição do
retrocesso em matéria de direito à nacionalidade.

- Quais as principais características dos direitos humanos?


Universalidade; Indivisibilidade e interdependência; Indisponibilidade e
inalienabilidade; Imprescritibilidade; Abertura ou não tipicidade ou inexauribilidade;
Proibição do retrocesso.

AULA 4: INTRODUÇÃO AO DIREITO DOS TRATADOS


INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS
1. Introdução

- Os tratados são fonte do Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) de acordo
com o art. 38.a do Estatuto da Corte Internacional de Justiça (ECIJ).
- A disciplina geral sobre os tratados é encontrada na Convenção de Viena sobre
Direito dos Tratados (CVDT) adotada em 1969 e ratificada pelo Brasil em 2009, sendo
promulgada no mesmo pelo Decreto no 7.030.
- A CVDT é considerada a “lei geral” dos tratados.
- A CVDT se aplica a tratados celebrados entre Estados.
- Há outro tratado, a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados e Organizações
Internacionais ou entre Organizações Internacionais, adotada em 1986, que se aplica
a tratados entre um ou mais Estados e uma ou mais organizações internacionais e a
tratados entre organizações internacionais. O Brasil só assinou esse tratado.
2. Conceito
- De acordo com o art. 2.4.a da CVDT, “tratado significa um acordo concluído por
escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um
instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua
denominação específica”.
- São sinônimos de tratado as expressões pactos, convenções, protocolos etc.
- Os protocolos geralmente complementam um tratado-base, embora sejam
considerados tratados autônomos.
- Quais as diferenças entre os tratados gerais e os tratados de direitos humanos?

- DIFERENÇAS ENTRE OS TRATADOS GERAIS E OS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS:


Quando a CVDT foi adotada, em 1969, a situação específica dos tratados de direitos
humanos não foi levada em consideração. Tratados de direitos humanos possuem
peculiaridades que decorrem da ausência de reciprocidade e da incidência do chamado
regime objetivo.
- Conforme já advertiu a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH):
“(...) os modernos tratados sobre direitos humanos, em geral, e, em particular, a
Convenção Americana, não são tratados multilaterais de tipo tradicional,
concluídos em função de um intercâmbio recíproco de direitos, para o benefício
mútuo dos Estados contratantes. Seu objeto e fim são a proteção dos direitos
fundamentais dos seres humanos, independentemente de sua nacionalidade,
tanto frente a seu próprio Estado como frente aos outros Estados
contratantes. Ao aprovar estes tratados sobre direitos humanos, os Estados
submetem-se a uma ordem legal dentro da qual eles, pelo bem comum,
assumem várias obrigações, não em relação a outros Estados, mas sim aos
indivíduos sob sua jurisdição” (Opinião Consultiva no 2/1982).
No mesmo sentido, vejamos a lição de Buergenthal, Grossman e Nikken:
“Os tratados tradicionais, sejam multilaterais ou bilaterais, buscam um
intercâmbio recíproco de benefício e vantagens. Daí resulta uma correlação
entre os direitos e os deveres que foram convencionados. O mesmo não ocorre
com as convenções relativas aos direitos humanos, pois elas não são um meio
para equilibrar reciprocamente interesses entre Estados, mas sim para o
estabelecimento de uma ordem pública comum, cujos destinatários não são os
Estados, mas sim os seres humanos sujeitos à sua jurisdição” (Manual
Internacional de Derechos Humanos).
- Tratados de direitos humanos se submetem a um regime objetivo, não são tratados
sinalagmáticos, não há uma balança para equilibrar direitos e deveres entre as partes
envolvidas. Há somente obrigações impostas aos Estados.
3. Classificação

- UNIVERSAIS OU REGIONAIS: Os tratados podem ser classificados em universais,


adotados no âmbito do sistema global a partir da Assembleia-Geral das Nações Unidas
(AGNU), ou regionais, adotados no âmbito de cada organização intergovernamental
regional, como a Organização dos Estados Americanos (OEA).
- GERAIS OU ESPECÍFICOS: Os tratados também podem ser classificados em gerais
(dirigidos a todas as pessoas, como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos –
CADH e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos – PIDCP) ou específicos
(cuidam de determinados grupos vulneráveis ou de direitos humanos específicos).
4. Capacidade para celebrar tratados

- De acordo com o art. 7.2 da CVDT, possuem capacidade para celebrar tratados quem
apresenta plenos poderes apropriados ou quem a prática dos Estados interessados ou
outras circunstâncias indicarem como representantes dos Estados.
- O art. 2.1.c da CVDT estabelece que plenos poderes significa um documento expedido
pela autoridade competente de um Estado e pelo qual são designadas uma ou várias
pessoas para representar o Estado na negociação, adoção ou autenticação do texto de
um tratado, para manifestar o consentimento do Estado em obrigar-se por um tratado
ou para praticar qualquer outro ato relativo a um tratado.
- Nos termos do art. 7.2 da CVDT, algumas autoridades, como Chefes de Estado, Chefes
de Missões Diplomáticas etc., não precisam apresentar carta de plenos poderes.
- No Brasil, a CF/88 prevê que compete privativamente ao Presidente da República
celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do
Congresso Nacional (art. 84, XVIII).
5. Formalização do consentimento em obrigar-se por um tratado

- De acordo com o art. 11 da CVDT, “O consentimento de um Estado em obrigar- se por


um tratado pode manifestar-se pela assinatura, troca de instrumentos constitutivos do
tratado, ratificação, aceitação, aprovação ou adesão, ou por quaisquer outros meios, se
assim acordado”.
- E o art. 2.1.b esclarece que ratificação, aceitação, aprovação e adesão significam,
conforme o caso, o ato internacional assim denominado pelo qual um Estado
estabelece no plano internacional o seu consentimento em obrigar-se por um tratado.
- Interessante observar, ainda, que, nos termos do art. 18 da CVDT, com a assinatura,
antes de entrar em vigor um tratado, o Estado já se obriga a abster-se da prática de
atos que frustrariam seu objeto e a sua finalidade.
6. Reservas

- De acordo com o art. 19 da CVDT, “Um Estado pode, ao assinar, ratificar, aceitar ou
aprovar um tratado, ou a ele aderir, formular uma reserva, a não ser que: a) a reserva
seja proibida pelo tratado; b) o tratado disponha que só possam ser formuladas
determinadas reservas, entre as quais não figure a reserva em questão; ou c) nos casos
não previstos nas alíneas a e b, a reserva seja incompatível com o objeto e a finalidade
do tratado.
- Qual o objetivo da reserva?
- O art. 2.1.d da CVDT apresenta um conceito de reserva: “uma declaração unilateral,
qualquer que seja a sua redação ou denominação, feita por um Estado ao assinar,
ratificar, aceitar ou aprovar um tratado, ou a ele aderir, com o objetivo de excluir ou
modificar o efeito jurídico de certas disposições do tratado em sua aplicação em sua
aplicação a esse Estado”.
- Qual a relevância do instituto da reserva?
- Interessante pensar na reserva como uma compreensão pragmática – e não idealista
– do DIDH. Do ponto de vista ideal, tratados de direitos humanos não deveriam admitir
reserva. Isso porque se um dispositivo foi inserido em um tratado de direitos humanos,
é porque ele é importante. Esta compreensão idealista do DIDH, porém, poderia
prejudicar a sua efetividade ao distanciar ou afastar a adesão de muitos Estados.
Portanto, a compreensão pragmática olha para o DIDH “como ele é” e não “como
deveria ser”, fazendo admissível as reservas para possibilitar uma adesão de mais
Estados.
- RESERVA NÃO SE CONFUNDE COM DECLARAÇÃO INTERPRETATIVA: De acordo com a
Comissão de Direito Internacional da ONU (um órgão criado pela AGNU em 1947 para
auxiliar em estudos e elaboração de normativas), entende-se por declaração
interpretativa uma declaração unilateral, qualquer que seja a sua denominação, feita
por um Estado ou por uma organização internacional com o objetivo de precisar ou
esclarecer o sentido ou o alcance de um tratado ou de algumas de suas disposições.
- A qualificação como reserva ou declaração interpretativa depende dos efeitos
jurídicos que o autor se propõe a produzir.
- Vejamos o alerta do Comitê de Direitos Humanos da ONU:
“Nem sempre é fácil distinguir uma reserva de uma declaração interpretativa
sobre a maneira pela qual um Estado interpreta uma disposição (...). Deve-se
levar em consideração a intenção do Estado e não a forma do instrumento. Se
uma declaração, independentemente de como é designada, tem por objeto
excluir ou modificar o efeito jurídico de um tratado em sua aplicação ao Estado,
constituirá uma reserva. Pelo contrário, se uma chamada reserva se limita a
expor a maneira pela qual um Estado interpreta uma disposição, mas não exclui
nem modifica esta disposição em sua aplicação a esse Estado, não se trata na
verdade de uma reserva, mas sim de uma declaração interpretativa.”
(Comentário Geral no 24/1994).
- O Brasil já se utilizou do instrumento da declaração interpretativa?

- EXEMPLO DE DECLARAÇÃO INTERPRETATIVA DO BRASIL AO DISPOSITIVO DA CADH –


competência da CIDH para realizar visitas in loco: O Brasil apresentou uma declaração
interpretativa quando da ratificação da CADH, ocasião em que interpretou o art. 22 da
Convenção, apontando que estava de acordo com o dispositivo – e por isso não o
excluiu, o que seria uma reserva –, mas que o interpretava no sentido de condicionar
as visitas in loco da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) à sua
prévia anuência.
- RETIRADA DE RESERVA: ainda sobre a reserva, o art. 22 da CVDT estabelece que as
reservas podem ser retiradas a qualquer momento.
- COMPETÊNCIA PARA VERIFICAR SE A RESERVA OBSERVOU O OBJETO E A
FINALIDADE DO TRATADO: E de quem é a competência para verificar se a reserva
observou o objeto e a finalidade do tratado? Considerado o caráter contratual da CVDT,
poderia ser uma competência dos demais Estados-partes. No caso dos tratados de
direitos humanos, porém, a competência deve ser do respectivo órgão de proteção.
Vejamos o entendimento do Comitê de Direitos Humanos da ONU:
“Necessariamente recai sobre o Comitê a tarefa de determinar se uma reserva
específica é compatível com o objeto e as finalidades da Convenção. Isso é
assim, em parte, porque, como indicado acima, é uma tarefa inapropriada para
os Estados-partes em relação aos tratados de direitos humanos e, em parte,
porque é uma tarefa que o Comitê não pode evitar no desempenho de suas
funções. (...) Em razão do caráter especial dos tratados de direitos humanos, a
compatibilidade de uma reserva com o objeto e as finalidades da Convenção
deve ser estabelecida objetivamente, com referência a princípios jurídicos, e o
Comitê é particularmente bem colocado para desempenhar essa tarefa”
(Comentário Geral no 24/1994).
- Uma última pergunta sobre a reserva: quando um Estado formula reservas ao texto
de um tratado, quando este tratado entra em vigor?
 De acordo com o art. 25 da CVDT, “(...) a não ser que o tratado disponha
diversamente, uma reserva é tida como aceita por um Estado se este não
formulou objeção à reserva quer no decurso do prazo de 12 meses que se
seguir à data em que recebeu a notificação, quer na data em que se manifestou
o seu consentimento em obrigar-se pelo tratado, se este for posterior”.
 Para o Comitê de Direitos Humanos da ONU, “A consequência normal de
uma reserva inaceitável não é que a Convenção não entre em vigor como um
todo para o Estado que a formulou. De preferência, tal reserva geralmente será
afastável, no sentido de que a Convenção entrará em vigor para a parte que
formulou a reserva sem o benefício dela” (Comentário Geral no 24).
- Ainda sobre esta questão, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
formulou a seguinte pergunta à Corte IDH em se de solicitação de opinião consultiva:
desde qual momento se entende que um Estado é parte da CADH quando tenha
ratificado ou aderido à esta Convenção com uma ou mais reservas? Desde a data do
depósito do instrumento de ratificação ou ao cumprir-se o prazo previsto no art. 20 da
CVDT?
- Vejamos o entendimento da Corte IDH:
“(...) seria manifestamente irrazoável concluir que a referência ao artigo 75 da
CVDT obriga a aplicação do regime legal estabelecido pelo seu artigo 20.4,
segundo o qual a entrada em vigor de uma ratificação com reserva depende de
sua aceitação por outro Estado. Um tratado que dá tal importância à proteção
do indivíduo, que abre o direito de petição individual desde o momento da
ratificação, dificilmente pode receber a interpretação de que admita o
adiamento da sua entrada em vigor até que pelo menos outro Estado esteja
disposto a aceitar o Estado reservante como parte. Considerado o marco
institucional e normativo da Convenção, tal atraso não cumpriria nenhum
propósito útil. (...) Tendo concluído que as reservas expressamente autorizadas
pelo artigo 75, isto é, todas as compatíveis com o objeto e fim da Convenção,
não requerem aceitação dos Estados partes, a Corte opina que os instrumentos
de ratificação ou adesão que as contêm entram em vigor, de acordo com o
artigo 74, desde o momento de seu depósito” (Opinião Consultiva no 2/1982).
- Conclusões:
- A reserva deve ser compatível com o objeto e finalidade do tratado.
- Quem vai decidir se há tal compatibilidade é o respectivo órgão convencional (e não
algum outro Estado).
- Quando um Estado ratifica um tratado de DH com reserva, aquele tratado já entra em
vigor internacional com o ato da ratificação. Posteriormente, em um segundo
momento, num eventual contexto de análise em um caso concreto, aquela reserva
poderá ser objeto de análise discussão perante o respectivo órgão convencional.

7. Denúncia

- A denúncia consiste em um ato unilateral por meio do qual o Estado manifesta seu
desejo de não mais se vincular aos termos do tratado.
- Vamos ler alguns dispositivos importantes da CVDT sobre a denúncia:
“Art. 43. A nulidade de um tratado, sua extinção ou denúncia, a retirada de uma
das partes ou a suspensão da execução de um tratado em consequência da
aplicação da presente Convenção ou das disposições do tratado não
prejudicarão, de nenhum modo, o dever de um Estado de cumprir qualquer
obrigação enunciada no tratado à qual estaria ele sujeito em virtude do Direito
Internacional, independentemente do tratado.
Art. 44.1. O direito de uma parte, previsto num tratado (...), de denunciar,
retirar-se ou suspender a execução do tratado, só pode ser exercido em relação
à totalidade do tratado, a menos que este disponha ou as partes acordem
diversamente.
Art. 56.1. Um tratado que não contém disposição relativa à sua extinção, e que
não prevê denúncia ou retirada, não é suscetível de denúncia ou retirada, a não
ser que: a) se estabeleça terem as partes tencionado admitir a possibilidade da
denúncia ou retirada; ou b) um direito de denúncia ou retirada possa ser
deduzido da natureza do tratado.
Art. 56.2. Uma parte deverá notificar, com pelo menos 12 meses de
antecedência, a sua intenção de denunciar ou de se retirar de um tratado, nos
termos do parágrafo 1o”.
- Importantes compreender que, sim, tratados de direitos humanos podem veicular
disposições admitindo a denúncia.
- A CADH, por exemplo, veicula uma cláusula de denúncia em seu art. 78.
- Há alguns tratados de direitos humanos que não admitem denúncia, como o Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e o Pacto Internacional sobre
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC).
- Neste sentido, para o Comitê de Direitos Humanos da ONU, “É indiscutível que o
Pacto não é um tratado que, por sua natureza, contenha um direito de denúncia. Junto
com o PIDESC, que foi preparado e aprovado ao mesmo tempo que ele, o Pacto
codifica em forma de tratado os direitos humanos universais consagrados na
Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), instrumento este que, juntamente
com outros dois, configura o que se denomina ‘Carta Internacional de Direitos
Humanos’. Por isso, o Pacto carece do caráter temporal próprio dos tratados em que se
considera admissível o direito de denúncia”.
- Vejamos, agora, alguns questionamentos finais sobre a denúncia.
- O Estado que aceita a competência contenciosa da Corte IDH pode depois retirar
essa aceitação? Para a Corte IDH, de modo que a aceitação da competência
contenciosa se transforma numa cláusula pétrea do sistema interamericano, e assim,
para sair da competência contenciosa da Corte IDH, o Estado precisa denunciar a CADH
na íntegra (Caso Ivcher Bronstein vs. Peru).
- Obs.: De acordo com a Convenção de Viena sobre Tratados, alguns tratados
podem estabelecer a possibilidade de denúncia parcial. Não havendo alusão
específica à denúncia parcial, esta somente pode ser realizada de forma integral
(ou seja, em relação ao tratado por inteiro). Este é o caso da CADH, que não
permite denúncia parcial.
- Assim, embora a aceitação da competência contenciosa da Corte IDH seja
facultativa, para que haja denúncia dessa aceitação o Estado deverá denunciar a
CADH na íntegra.
- Diversa a situação da competência do Comitê de Direitos Humanos da ONU porque
estabelecida em protocolo facultativo que admite denúncia. Assim, o Brasil pode
denunciar o protocolo facultativo ao PIDCP, desvinculando-se do Comitê de DH da
ONU, mas permanecer vinculado ao texto do PIDCP.
Denúncia no âmbito do sistema interamericano e da ONU
competência contenciosa da Corte IDH competência do Comitê de Direitos
Humanos da ONU
embora a aceitação da competência estabelecida em protocolo facultativo
contenciosa da Corte IDH seja facultativa, que admite denúncia.
para que haja denúncia dessa aceitação o
Estado deverá denunciar a CADH na íntegra.

- A denúncia do tratado central implica na denúncia automática dos seus protocolos


facultativos?
- Ex 1.: Carta da OEA  se um Estado denuncia a Convenção Americana, ou se retira da
OEA, segue vinculado aos outros tratados a menos que denuncie cada um de maneira
individual. Ou seja, a denúncia deve ser específica em relação a cada um dos
protocolos.
- Ex 2.: CADH  2 protocolos facultativos: 1 relativo à pena de morte e 1 relativo aos
DESCA (Protocolo de San Salvador de 1989). Se o Brasil denunciar o texto do CADH, há
denúncia automática em relação aos protocolos facultativos? Ambos os protocolos
facultativos não têm cláusula de denúncia. Em relação a eles aplica-se o artigo 56 da
CVDT, no sentido de que, a princípio, não poderão ser objeto de denúncia. Se a CADH
for denunciada, os protocolos facultativos permanecem válidos, visto que não possuem
cláusula de denúncia.
- Na Opinião Consultiva no 26/2020, a Corte IDH esclareceu que “(...) apesar de sua
denominação, os referidos instrumentos [protocolos facultativos à CADH], por sua
natureza, constituem tratados em si mesmos, (...) que fazem parte da codificação
progressiva do direito internacional dos direitos humanos no continente americano e
que contêm seus próprios regimes de vigência, pelo que não são meramente
acessórios à Convenção Americana.
- Por outro lado, a Corte adverte que em todas as demais convenções interamericanas
foi previsto expressamente uma cláusula de denúncia. A formulação é praticamente
idêntica: (i) estabelece que a Convenção regerá indefinidamente, mas qualquer dos
Estados partes poderá denunciá-la; (ii) requer que o instrumento de denúncia seja
depositado na Secretaria Geral da OEA; (iii) estabelecem um período de transição de
um ano, contado a partir da data do depósito do instrumento de denúncia, para que
gere efeitos; e (iv) explicitam que, depois desse período, o tratado cessará seus efeitos
para o Estado denunciante e permanecerá em vigor para os demais Estados partes.
- Por isso, de acordo com o estabelecido na Convenção de Viena, resulta adequado
remeter-se às pautas estabelecidas em cada tratado a respeito da sua entrada em vigor
e os regimes de denúncia aplicáveis.
- Nesse sentido, a Corte conclui que, para que um Estado possa desvincular-se das
convenções interamericanas de direitos humanos que contêm expressamente uma
cláusula de denúncia, é requisito sine qua non a denúncia individual e autônoma de
cada tratado interamericano, nos termos de suas próprias disposições.
- Portanto, se um Estado denuncia a Convenção Americana, ou se retira da OEA,
segue vinculado aos outros tratados a menos que denuncie cada um de maneira
individual. No que diz respeito aos dois Protocolos à Convenção Americana, a falta de
cláusula específica torna aplicável o artigo 56 da Convenção de Viena, no sentido de
que, a princípio, não poderá ser objeto de denúncia. (...) Portanto, a denúncia da
Convenção Americana não deixa sem efeito a vigência das obrigações que surjam da
ratificação de outros tratados interamericanos de direitos humanos que se
encontrem vigentes para o Estado denunciante”.
8. Princípios de interpretação dos tratados de direitos humanos

- A CVDT apresenta uma regra geral de interpretação dos tratados, prevendo em seu
art. 31.1 que todo tratado deve ser interpretado:
a) de boa-fé; b) conforme o sentido comum atribuível aos seus termos (interpretação
gramatical ou semântica); c) levando-se em conta o seu contexto (interpretação
sistemática); e d) à luz do seu objetivo e da sua finalidade (interpretação teleológica).
- O art. 32 da CVDT ainda prevê meios suplementares de interpretação dos tratados a
fim de confirmar o sentido de suas disposições, como por exemplo o recurso aos
trabalhos preparatórios e às circunstâncias da sua conclusão.
- A partir desta regra geral, a doutrina e a jurisprudência internacional desenvolveram
princípios específicos para interpretação dos tratados de direitos humanos.
- Princípio pro homine ou pro persona
- Decorre do regime objetivo ou unilateral dos tratados de direitos humanos, em que
não vigora a lógica da reciprocidade entre Estados, mas sim a proteção dos direitos da
pessoa humana.
- A interpretação deve sempre ter como objetivo a proteção da pessoa.
- Dele decorre o subprincípio da primazia da norma mais favorável à vítima, seja
nacional ou internacional. Deve ser aplicada a norma mais favorável à vítima da
violação de DH no caso concreto – a análise é no caso concreto.
- Outro subprincípio decorrente é o da máxima efetividade ou do efeito útil. As normas
de Direitos Humanos devem ser aplicadas e interpretadas buscando-se a sua máxima
efetividade no caso concreto.
- Princípio da interpretação autônoma
- Tratados de direitos humanos são produzidos levando-se em conta distintas
realidades nacionais, o que pode fazer com que o resultado normativo alcance um
sentido próprio, nem sempre em conformidade com o direito interno de determinado
país.
- Tratados de direitos humanos devem ser interpretados de forma autônoma, e não
conforme o direito interno.
- Busca evitar a interpretação nacional de tratados internacionais de direitos humanos.
- ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS: interpretação nacionalista de tratados de direitos
humanos deve ser evitada.
- Exemplo do art. 8.2 da CADH: “comprovação legal da culpa”. Esta é uma expressão
com significado autônomo para o DIDH, que não se confunde, assim, com o trânsito
em julgado previsto na CF brasileira. Portanto, a CADH associa o termo final da
presunção de inocência à comprovação legal da culpa, ao passo que a Constituição
Federal associa o termo temporal final da presunção de inocência ao trânsito em
julgado.
- Princípio da interpretação evolutiva ou dinâmica
- Tratados de direitos humanos devem ser interpretados de acordo com a realidade e
com o sistema jurídico no momento da sua aplicação no caso concreto, e não,
portanto, segundo o que vigorava no momento de sua aprovação.
- Tratados de direitos humanos são instrumentos vivos.
- Princípio aplicado implicitamente no caso Escher e outros vs. Brasil. A CADH, quando
adotada em 1969, tinha o dispositivo que traz a proteção à intimidade e vida privada
interpretado a fim de proibir a devassa das comunicações telegráficas (por carta), mas
não havia menção expressa ao sigilo das comunicações telefônicas, que foram objeto
de violação intensa no âmbito do caso Escher e outros vs. Brasil. No julgamento do
caso, a Corte ponderou que a CADH deve ser interpretada evolutivamente, de forma
dinâmica, a fim de o dispositivo que protege a intimidade e a vida privada abarcar a
proteção ao sigilo das comunicações telefônicas.
- Teoria da margem de apreciação
- De acordo com o ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS, a teoria da margem de apreciação
“é baseada na subsidiariedade da jurisdição internacional e prega que determinadas
questões polêmicas relacionadas com as restrições estatais e direitos protegidos
devem ser discutidas e dirimidas pelas comunidades nacionais, não podendo o juiz
internacional apreciá-las.
- Assim, caberia, a princípio, ao próprio Estado estabelecer os limites e as restrições
ao gozo de direitos em face do interesse público” (Teoria geral dos direitos humanos
na ordem jurídica internacional).
- Nasce na jurisprudência do TEDH, que aplica com mais frequência.
- Recentemente, em 2021, entrou em vigor um protocolo facultativo que fez inserir no
preâmbulo da Convenção Europeia sobre Direitos Humanos (CEDH) a teoria da margem
de apreciação.
- A Corte IDH aplica excepcionalmente. São exemplos de aplicação da teoria para a
Corte: a Opinião Consultiva 24/2016 (margem de apreciação para os Estados definirem
qual será a natureza do procedimento destinado a possibilitar a alteração do
documento de identidade da pessoa para que se torne compatível com a identidade de
gênero autopercebida – se será judicial, administrativo, notarial, etc); a Opinião
Consultiva no 4/1984 (fixação dos requisitos para naturalização) e o Caso Castañeda
Gutman vs. México (candidatura avulsa/independente).

AULA 5: PROCESSO DE INCORPORAÇÃO DOS


TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS E POSIÇÃO
NORMATIVA
1. Introdução

- Das interações entre o Direito Internacional dos Direitos Humanos com o Direito
Constitucional no que diz respeito ao processo de incorporação dos tratados surge o
chamado Direito Constitucional dos Direitos Humanos ou Direito Constitucional
Internacional.
- Com a exceção da Constituição do Império, de 1824, que atribuía ao Imperador, como
regra, o poder absoluto para celebrar tratados, devendo apenas dar ciência à
Assembleia-Geral, todas as Constituições brasileiras seguintes, a partir da primeira
republicana, de 1891, adotaram um pressuposto constitucional que é comum em
países democráticos para a incorporação do tratado na ordem jurídica interna: a
autorização prévia do Poder Legislativo.
- O art. 84, VIII, da CF, dispõe que compete privativamente ao Presidente da República
celebrar tratados, convenções e atos internacionais. Enquanto o art. 49, I, da CF,
estabelece que compete exclusivamente ao Congresso Nacional resolver
definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem
encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.
- Francisco Resek sintetiza esta relação entre os poderes na formação da vontade do
Estado brasileiro de aderir a um tratado: “A vontade individualizada de cada um deles
[dos poderes Executivo e Legislativo] é necessária, porém não suficiente”.
- Temos assim, portanto, a chamada TEORIA DA JUNÇÃO DE VONTADES ou TEORIA
DOS ATOS COMPLEXOS.
2. Fases do processo de incorporação

- O processo de incorporação de um tratado de direitos humanos na ordem jurídica


interna compõe-se de quatro fases:
1) Assinatura
2) Aprovação legislativa
3) Ratificação
4) Decreto de promulgação
2.1. Assinatura
- A fase da assinatura compreende a negociação – quando ainda está aberta – até a
assinatura do texto do tratado pelo Estado.
- Trata-se de uma fase protagonizada pela Presidência da República, que pode atuar
diretamente, como Chefe de Estado, ou por representantes considerados capazes de
assinar tratados de acordo com a CVDT. Carta de plenos poderes – plenipotenciários.
- Importante compreender que o tratado não entra em vigor para o Estado com a
assinatura, embora, nos termos do art. 18 da CVDT, o Estado deva, pelo princípio da
boa-fé, abster-se da prática de atos que possam frustrar o objeto e a finalidade do
tratado.
- Com a assinatura, o Ministro das Relações Exteriores (MRE) prepara uma exposição
de motivos, na qual explica as razões que conduziram à assinatura do tratado e solicita
ao Presidente da República, por meio de uma mensagem, que envie o texto ao
Congresso Nacional.
- O ato de submeter o texto do tratado ao Congresso Nacional é discricionário,
podendo o Presidente da República efetuar um juízo de conveniência e oportunidade
sobre se e quando assim o fará.
- Uma exceção a esta regra é encontrada no art. 19.5.b da Constituição da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), que estabelece o prazo de um ano para que o Estado
proceda com o encaminhamento do texto do tratado ao órgão competente para
examiná-lo.
2.2. Apreciação legislativa
- Esta fase tem início na Câmara dos Deputados, observado por analogia o art. 64,
caput, da CF, que assim dispõe sobre os projetos de lei de iniciativa da Presidência da
República.
- Se aprovada na Câmara, a matéria segue para o Senado. Rejeitada a matéria, em
quaisquer das Casas Legislativas, basta comunicar a Presidência da República.
- Aprovada a matéria na Câmara e no Senado, a decisão é formalizada por meio de um
Decreto Legislativo, promulgado pela Presidência do Senado.
- Um único decreto legislativo pode aprovar mais de um tratado, como ocorreu com o
Decreto Legislativo no 186/2008, que aprovou a Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo.
- O Congresso Nacional pode se retratar da aprovação do tratado, desde que assim o
faça antes da ratificação pela Presidência da República.
- A doutrina discute se o Congresso Nacional teria competência para rejeitar
parcialmente os termos de um tratado ou se somente poderia aprovar ou rejeitar na
íntegra. O Professor Caio Paiva entende que resumir a fase da apreciação legislativa a
um contexto decisório de tudo ou nada não é a melhor interpretação do art. 49, I, da
CF. As ressalvas do Congresso Nacional sobre um ou mais dispositivos podem ser
consideradas como a manifestação da vontade de opor uma reserva ou declaração
interpretativa ao tratado (opinião do professor Caio Paiva).
- Vejamos, a respeito do assunto, a lição de ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS:
“i) Basta que não sejam aprovados determinados dispositivos, que ficam
ressalvados no texto do Decreto Legislativo: sem a aprovação do Congresso, o
Presidente não terá outra escolha a não ser impor reservas desses dispositivos
no momento da ratificação (a reserva é ato unilateral pelo qual o Estado, no
momento da celebração final, manifesta seu desejo de excluir ou modificar o
texto do tratado). Assim, as ressalvas do Congresso Nacional se tornam
vinculantes para o Presidente da República.
ii) Além disso, a emenda pode exigir a modificação de parte do texto do tratado,
cuja nova redação também consta do Decreto Legislativo, que também será
comunicada pelo Presidente aos demais parceiros internacionais sob a forma de
reservas.
iii) Caso o Presidente não concorde com tais reservas, sua única opção é não
ratificar o tratado” (Curso de Direitos Humanos).

- Com a inserção do § 3o ao art. 5o da CF pela EC 45/2004, o Congresso Nacional


passou a ter a opção de submeter o tratado a um procedimento qualificado para lhe
conferir status normativo equivalente ao de emenda constitucional.
2.3. Ratificação
- A ratificação é o ato praticado pelo Presidente da República, por meio do qual o
Estado consente em obrigar-se aos termos do tratado. É a exteriorização do
consentimento definitivo de um Estado em obrigar-se nos termos de um tratado.
- Com a ratificação, o tratado em vigor na ordem internacional, salvo disposição diversa
no sentido de se exigir uma data específica ou determinado número mínimo de
ratificações.
- Há uma discricionariedade para a Presidência da República sobre o ato de ratificar um
tratado.
- Neste momento da ratificação, a Presidência da República pode apresentar reservas,
que não precisam antes terem sido submetidas ao Congresso Nacional. Portanto,
quando o Presidente apresenta reservas no momento da assinatura do tratado, essas
reservas vinculam o Congresso Nacional. No entanto, quando a reserva é apresentada
no momento da ratificação, estas reservas não serão apreciadas pelo Congresso.
- RESUMO:
- Assinatura  apreciação legislativa: Se o Presidente fez alguma reserva na assinatura,
o Congresso Nacional está vinculado em relação a tal reserva no momento da
apreciação legislativa.
- Apreciação Legislativa  ratificação: o Congresso apresenta uma reserva a um
tratado, no ato da ratificação o Presidente da República está vinculado.
- Depósito do instrumento de ratificação: o Presidente da República pode trazer uma
nova reserva, ainda não suscitada nem na assinatura, nem na apreciação legislativa. O
Congresso Nacional não precisa ser consultado sobre tal reserva.
2.4. Promulgação

- Essa fase não conta com uma exigência expressa na normativa brasileira. Decorre de
uma prática chancelada e ratificada pela jurisprudência do STF.
- A promulgação exterioriza-se por meio de decreto da Presidência da República.
- Para a doutrina tradicional ou clássica, é o decreto de promulgação que provoca a
incorporação do tratado na ordem jurídica interna.
- Esta também é – ainda – o entendimento do STF. Vejamos:
- Precedente 01: “A Constituição brasileira não consagrou, em tema de
convenções internacionais ou de tratados de integração, nem o princípio do
efeito direto, nem o postulado da aplicabilidade imediata. Isso significa que
enquanto não se concluir o ciclo de sua transposição, para o direito interno, os
tratados internacionais e os acordos de integração, além de não poderem ser
invocados, desde logo, pelos particulares, no que se refere aos direitos e
obrigações nele fundados (princípio do efeito direto), também não poderão ser
aplicados, imediatamente, no âmbito doméstico do Estado brasileiro (postulado
da aplicabilidade imediata). O princípio do efeito direto (aptidão de a norma
internacional repercutir, desde logo, em matéria de direitos e obrigações, na
esfera jurídica dos particulares) e o postulado a aplicabilidade imediata (que diz
respeito à vigência automática da norma internacional na ordem jurídica
interna) traduzem diretrizes que não se acham consagradas e nem positivadas
no texto da Constituição da República, motivo pelo qual tais princípios não
podem ser invocados para legitimar a incidência, no plano do ordenamento
doméstico brasileiro, de qualquer convenção internacional (...)” (CF 8.279 AgR,
Rel. Min. Celso de Mello, Plenário, j. 17.06.1998).
- Precedente 02: “É na Constituição da República – e não na controvérsia
doutrinária que antagoniza monistas e dualistas – que se deve buscar a solução
normativa para a questão da incorporação dos atos internacionais ao sistema
de direito positivo interno brasileiro. O exame da vigente Constituição Federal
permite constatar que a execução dos tratados internacionais e a sua
incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo
Brasil, de um ato subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas
vontades homogêneas: a do Congresso Nacional (...) e a do Presidente da
República, que, além de poder celebrar esses atos de direito internacional (...),
também dispõe – enquanto Chefe de Estado que é – da competência para
promulgá-los mediante decreto. O iter procedimental de incorporação dos
tratados internacionais (...) conclui-se com a expedição, pelo Presidente da
República, de decreto, de cuja edição derivam três efeitos básicos que lhe são
inerentes: a) a promulgação do tratado internacional; b) a publicação oficial de
seu texto; e c) a executoriedade do ato internacional, que passa, então, e
somente então, a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno” (ADI
1.480 MC, Rel. Min. Celso de Mello, Plenário, j. 04.09.1997).

- Temos aqui a clássica questão envolvendo o embate dualismo vs. monismo a respeito
da relação entre os ordenamentos jurídicos interno e internacional.
- Para o DUALISMO (STF), os ordenamentos jurídicos interno e internacional são dois
sistemas separados, de modo que para a norma internacional ter validade no
ordenamento interno é necessário um ato de transposição legislativa, isto é, um ato
normativo que reproduza o conteúdo da norma internacional.
- Já para o MONISMO, ambos os ordenamentos – o interno e o internacional –
constituem um sistema normativo único, segundo o qual os tratados são incorporados
automaticamente logo após a ratificação e devem ser imediatamente aplicados.
- Assim, o dualismo pressupõe a incorporação legislativa do tratado, enquanto o
monismo admite a incorporação automática.
- O entendimento adotado no Brasil aumenta o risco de responsabilidade internacional
do Estado por uma questão formal totalmente desnecessária. A missão de conferir
publicidade ao tratado poderia ser perfeitamente cumprida mediante publicação de
mero aviso – de caráter declaratório – de ratificação e entrada em vigor para o Brasil.
- Vejamos, neste sentido, o ensinamento do professor ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS:
“Nossa posição é pela desnecessidade do Decreto de Promulgação, para todo e
qualquer tratado. A publicidade da ratificação e entrada em vigor internacional
deve ser apenas atestada (efeito meramente declaratório) nos registros
públicos dos atos do Ministério das Relações Exteriores (Diário Oficial da
União). (...) Esse aviso, de caráter declaratório, em nada afetaria o disposto no
art. 84, VIII, e ainda asseguraria publicidade – desejável em nome da segurança
jurídica – e sintonia entre a validade internacional e nacional interna dos
tratados.
- Para que essa seja a nova praxe na observância dos tratados, não é necessária
nenhuma alteração constitucional: (...) a Constituição é cumprida pela
observância das fases de formação de um tratado; a incorporação pelo Decreto
Executivo é reprodução de um costume analogicamente criado, sem apoio no
texto constitucional.
- A nova interpretação que se oferece aqui tem a vantagem de evitar a
responsabilização internacional do Brasil e ainda impedir que a desídia do
eventual responsável pelo setor de publicação dos avisos de ratificação reste
impune (...). Assim, a exigência do decreto de promulgação é supérflua e
perigosa, podendo ser eliminada” (Curso de Direitos Humanos).

- CONCLUSÃO: ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS defende que a fase do decreto de


promulgação deve ser suprimida. Essa fase não tem previsão constitucional; a
publicidade da incorporação do tratado pode se dar por outros meios, como inscrição
nos registros públicos do MRE pelo DOU; a supressão dessa fase tem a vantagem de
evitar a responsabilização internacional do Brasil e ainda impedir que a desídia do
eventual responsável pelo setor de publicação dos avisos de ratificação reste impune.
3. Posição normativa

- Incorporado na ordem jurídica interna, o tratado de direitos humanos assume qual


posição normativa? Vejamos algumas teorias.
- Supraconstitucional: tem como fundamento a origem internacional dos tratados e a
necessidade de se dar cumprimento a eles. Tese sustentada, entre outros, pelo
internacionalista Celso Albuquerque Mello.
- Constitucional: tem como fundamento o art. 5o, § 2o, da CF, segundo o qual “Os
direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do
regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a
República Federativa do Brasil seja parte”. Dispositivo idealizado por Cançado Trindade
na constituinte.
- Pelo menos materialmente constitucional: o art. 5o, § 3o, da CF, teria a utilidade de
conferir apenas a constitucionalidade formal. Tese sustentada, entre outros, por Flávia
Piovesan.
- Supralegal: entendimento atual do STF (até 2008 entendia pela natureza equivalente
à lei ordinária federal), adotado desde o RE 466.343. Temos aqui a TEORIA DO DUPLO
ESTATUTO, segundo a qual o tratado de direitos humanos terá a posição normativa
equivalente a de emenda constitucional somente quando submetido ao procedimento
do § 3o do art. 5o da CF, sendo que, aprovado por maioria simples, terá a posição
normativa de supralegal (abaixo da Constituição e acima da legislação federal).
4. Comentários sobre o procedimento do art. 5o, § 3o, da CF

- De acordo com o art. 5º, § 3º, da CF, “Os tratados e convenções internacionais sobre
direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em
dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes
às emendas constitucionais”.
- O Congresso Nacional NÃO É OBRIGADO a submeter o texto do tratado ao
procedimento do art. 5o, § 3o, da CF.
- O Presidente da República pode solicitar ao Congresso Nacional, quando encaminha
mensagem acompanhada da exposição de motivos, que seja adotado o procedimento
do § 3º. O Congresso não fica vinculado ao pedido.
- Uma questão interessante: o Congresso Nacional pode primeiro aprovar o tratado
pelo procedimento simples e depois, num segundo momento, submeter o texto do
tratado ao procedimento especial ou qualificado? A priori, não parece haver vedação.
- Vejamos a lição de Valério Mazzuoli sobre a questão:
“O que o parágrafo [3o do art. 5o] faz é tão somente autorizar o Congresso
Nacional a dar, quando lhe convier, a seu alvedrio e a seu talante, a
‘equivalência de emenda’ aos tratados de direitos humanos ratificados pelo
Brasil. Isso significa que tais instrumentos internacionais poderão continuar
sendo aprovados por maioria simples no Congresso Nacional (segundo a regra
do art. 49, I, da Constituição), deixando-se para um momento futuro (depois da
ratificação) a decisão do povo brasileiro em atribuir a equivalência de emenda a
tais tratados internacionais. Sequer de passagem a Constituição obriga o
Parlamento a dar cabo ao procedimento referendatório pela maioria qualificada
estabelecida no art. 5o, § 3o, sendo discricionariedade do Poder Legislativo a
aprovação do tratado com ou sem este quorum especial” (Curso de Direitos
Humanos).

- Consequências da aprovação do tratado de direitos humanos pelo procedimento do


art. 5o, § 3o:
- Passam a reformar a Constituição, incorporando-se formalmente ao seu texto e
revogando aquilo que lhes for contrário.
- Passam a ser paradigma do controle concentrado de constitucionalidade.
- Não podem ser denunciados porque passam a integrar o bloco das cláusulas pétreas
da CF.
- Sobre a denúncia de tratados de direitos humanos, até o momento admite-se que a
Presidência da República denuncie qualquer tratado. Está pendende de julgamento no
STF a ADI 1.625, por meio da qual se questiona uma denúncia pelo então Presidente
Fernando Henrique Cardoso de uma Convenção da OIT. Há votos favoráveis no STF à
tese que exige prévio aval do Congresso Nacional para que a Presidência da República
possa denunciar um tratado.
- ATUALIZAÇÃO  MAIO/2023: A denúncia de tratado internacional, feita pelo
presidente da República, exige a aprovação do Congresso Nacional. Sem isso,
os efeitos serão nulos.
- O STF validou a exclusão do Brasil da Convenção 158 da Organização
Internacional do Trabalho. Em 1996, o decreto 2.100, expedido pelo ex-
presidente Fernando Henrique Cardoso, permitiu que empresas dispensem
empregados sem justa causa.
- Por maioria de votos, o Supremo Tribunal Federal declarou válido o Decreto
presidencial 2.100/1996, que comunicava a retirada do Brasil do cumprimento
da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que proíbe
a demissão sem causa.  No caso concreto da Convenção 158, o Tribunal
decidiu manter válido o decreto que a denunciou, em nome da segurança
jurídica. A maioria do colegiado acompanhou a proposta do relator para aplicar
a tese da inconstitucionalidade da denúncia unilateral de tratados
internacionais apenas a partir da publicação da ata do julgamento da ação,
mantendo, assim, a eficácia de atos praticados até agora.
- Na mesma decisão, tomada no julgamento da ADC 39, contudo, a Corte
decidiu que a denúncia de tratados internacionais pelo presidente da República
exige a anuência do Congresso Nacional. Esse entendimento vigorará a partir de
agora, preservando os atos anteriores.

- Vide OC 26/2020. Recomenda o “paralelismo das formas”.


- Tendo o tratado de direitos humanos sido aprovado conforme o art. 5o, § 3o, da CF,
fica mais difícil sustentar a possibilidade de sua denúncia, que, inclusive, se feita
unilateralmente pela Presidência da República, pode resultar em crime de
responsabilidade por atentar contra a Constituição.
- Francisco Resek entende que, havendo denúncia de um tratado, para que ocorrer
nova ratificação, exige-se nova manifestação do Congresso Nacional. Cançado Trindade
entende pela desnecessidade.
- Um problema: quem define qual tratado é de direitos humanos? Não há uma
resposta pronta. Os tratados não vêm “catalogados” como sendo de direitos humanos
ou não.
5. Tratados já aprovados pelo Congresso Nacional conforme o procedimento
do art. 5o, § 3o, da CF

1 - Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência


2 - Protocolo Facultativo à Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência
3 - Tratado de Marraqueche para Facilitar o Acesso a Obras Publicadas à Pessoas Cegas,
com Deficiência Visual ou com outras Dificuldades para ter Acesso ao Texto Impresso
4 - Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas
Correlatas de Intolerância – incorporada pelo Decreto de promulgação no 10.932/2022

AULA 6: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO


ESTADO
1. Introdução

- A possibilidade de uma responsabilização internacional do Estado consiste na


obrigação de reparar os danos causados pela violação de direitos humanos.
- Isso decorre da força vinculante da normativa internacional.
- O processo de apuração da responsabilidade internacional do Estado desenvolve-se
em contraditório assim como ocorre na ordem jurídica interna.
2. Elementos

- São elementos da possibilidade de responsabilização internacional do Estado:


- um fato internacionalmente ilícito +
- um resultado lesivo e
- o nexo causal entre o fato e o resultado lesivo.
- A adoção de uma lei manifestamente inconvencional pelo Estado resulta
automaticamente na possibilidade de responsabilização internacional? A resposta é
não, e isso porque – conforme vimos no parágrafo anterior –, não basta o fato
internacionalmente ilícito, sendo exigidos os demais elementos para a configuração da
responsabilidade internacional do Estado.
- A Corte IDH abordou esse assunto na Opinião Consultiva no 14/1994, quando
estabeleceu que a adoção de uma lei manifestamente inconvencional constitui uma
violação da CADH e, no caso de essa violação afetar direitos protegidos de indivíduos
determinados, gera a responsabilidade internacional.
3. Imputação da conduta

- O Estado pode ser responsabilizado internacionalmente por ato de qualquer dos


Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário).
- Além disso, também pode ser responsabilizado internacionalmente por conduta
atribuída a instituições autônomas como a Defensoria Pública e o Ministério Público.
- No Caso Ruano Torres vs. El Salvador, a Corte IDH responsabilizou o Estado pela
atuação falha da sua instituição Defensoria Pública.
- O Estado também pode ser responsabilizado internacionalmente por conduta
atribuída à particular. Neste caso, porém, atenção: a responsabilização do Estado não
será pela conduta praticada pelo particular propriamente dita, mas sim pelo
descumprimento do dever de preveni-la ou de reprimi-la (movendo, por exemplo, a
adequada persecução penal sobre os fatos).
- Podemos usar o Caso Maria da Penha como exemplo, em que o Brasil foi
responsabilizado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) por ato
atribuído à particular. No entanto, o Brasil não foi responsabilizado por violar o direito
à integridade da vítima, mas sim por não oferecer a proteção judicial efetiva, já que
além de não contar, na época, com um marco normativo interno específico sobre
violência doméstica, descumpriu a obrigação processual positiva de investigar e punir.
- Finalmente, o Estado ainda pode ser responsabilizado internacionalmente por
condutas atribuídas a empresas. Na Opinião Consultiva no 23/2017 – sobre meio
ambiente e direitos humanos –, a Corte IDH esclareceu que no contexto da proteção
do meio ambiente, a responsabilidade internacional do Estado decorrente da conduta
de terceiros pode decorrer da falta de regulação, supervisão ou fiscalização das
atividades destes terceiros que causem um dano ao meio ambiente. Podemos
acrescentar, ainda, que o Estado também pode ser responsabilizado se não proceder
com a devida punição e reparação dos danos causados por empresas.
- O Brasil já foi condenado na Corte IDH por ato atribuído à empresa. Isso ocorreu no
julgamento do Caso Fábrica de Fogos Santo Antônio de Jesus vs. Brasil, em que o
Estado foi responsabilizado por não fiscalizar uma fábrica de fogos artificiais.
4. Dever de reparar os danos como consequência

- O dever de reparar os danos decorre da responsabilidade internacional.


- De acordo com o art. 63.1 da CADH, “Quando decidir que houve violação de um
direito ou liberdade protegidos nesta Convenção, a Corte determinará que se assegure
ao prejudicado o gozo do seu direito ou liberdade violados. Determinará também, se
isso for procedente, que sejam reparadas as consequências da medida ou situação que
haja configurado a violação desses direitos, bem como o pagamento de indenização
justa à parte lesada”.
- No âmbito da Corte IDH, vigora o SISTEMA DE REPARAÇÃO INTEGRAL OU
SATISFAÇÃO JUSTA, por meio do qual a Corte tem como objetivo restituir a vítima ao
estado anterior à violação de direitos humanos, valendo-se, para isso, de diversas
medidas de reparação, e não apenas da medida de natureza pecuniária.
- Já no âmbito do Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH), há uma
predominância maior da reparação financeira.

AULA 7: CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE


1. Conceito e histórico

- CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE: consiste no processo de verificação da


compatibilidade de uma norma ou prática interna em face do Direito Internacional dos
Direitos Humanos (DIDH), aqui compreendidas todas as suas fontes, e não somente os
tratados.
Parâmetro do controle de Parâmetro do controle de constitucionalidade
convencionalidade
O DIDH A CF
- Trata-se de um assunto que se insere no contexto da relação entre o direito interno e
o DIDH, viabilizando um exercício hermenêutico para tornar compatíveis as obrigações
assumidas internacionalmente com as normas e práticas internas.
- A doutrina ou teoria do controle de convencionalidade foi e continua sendo
desenvolvida – principalmente – pela Corte IDH ao longo de anos e dezenas de
manifestações em casos contenciosos e em opiniões consultivas.
- PRIMEIRA UTILIZAÇÃO DA EXPRESSÃO: A primeira vez que a expressão “controle de
convencionalidade” foi utilizada ocorreu no voto do juiz Sérgio García Ramírez no
julgamento do Caso Myrna Mack Chang vs. Guatemala, em 2003:
- “Para os fins da Convenção Americana e do exercício da jurisdição contenciosa
da Corte Interamericana, o Estado presta contas de forma integral, como um
todo. Nesta ordem, a responsabilidade é global, diz respeito ao Estado como
um todo e não pode estar sujeita à divisão de poderes estabelecida pelo direito
interno. Não é possível dividir internacionalmente o Estado, obrigar perante a
Corte somente um ou alguns dos seus órgãos, entregar a estes a representação
do Estado em juízo – sem que esta representação repercuta sobre o Estado em
seu conjunto – e subtrair os demais deste regime convencional de
responsabilidade, deixando suas atuações fora do controle de
convencionalidade que traz consigo a jurisdição da Corte Internacional”.
- No julgamento de qual caso a expressão “controle de convencionalidade” foi
mencionada no corpo de decisão da Corte IDH pela primeira vez?
- PRIMEIRA VEZ QUE A EXPRESSÃO APARECE NO CORPO DE UMA DECISÃO
COLEGIADA: Em 2006, encontramos o primeiro contorno jurisprudencial do controle
de convencionalidade pela Corte IDH – fora dos votos individuais – no julgamento do
Caso Almonacid Arellano vs. Chile, quando a Corte passa a desenvolver a interpretação
extensiva dos comandos normativos previstos nos artigos 1.1 e 2o da CADH (obrigação
de respeitar os direitos humanos e dever de adotar as disposições de direito interno).
2. Fundamento normativo

- O controle de convencionalidade é uma doutrina ou teoria que encontra respaldo


normativo consistente. Vejamos alguns dispositivos que sedimentam este dever de
submeter toda prática ou norma interna ao DIDH:
- CADH, art. 1.1 (obrigação de respeitar os direitos): “Os Estados Partes nesta
Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a
garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição,
sem discriminação alguma (...)”.
- CADH, 2o (dever de adotar disposições de direito interno): “Se o exercício dos
direitos e liberdades mencionados no artigo 1o não estiver garantido por disposições
legislativas ou de outra natureza, os Estados Partes comprometem-se a adotar, de
acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as
medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos
tais direitos e liberdades”.
- CADH, art. 29 (mais amplo possível exercício dos direitos estabelecidos na
Convenção ou em outros instrumentos nacionais ou internacionais): “Nenhuma
disposição desta Convenção pode ser interpretada no sentido de: a) permitir a
qualquer dos Estados Partes, grupo ou pessoa, suprimir o gozo e exercício dos direitos
e liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá-los em maior medida do que a nela
prevista; b) limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser
reconhecidos de acordo com as leis de qualquer dos Estados Partes ou de acordo com
outra convenção em que seja parte um dos referidos Estados; c) excluir outros direitos
e garantias que são inerentes ao ser humano ou que decorram da forma democrática
representativa de governo; e d) excluir ou limitar o efeito que possam produzir a
DADDH e outros atos internacionais da mesma natureza”.
- CVDT, art. 26 (pacta sunt servanda): “Todo tratado em vigor obriga as partes e deve
ser cumprido de boa-fé”.
- CVDT, art. 27 (direito interno e observância dos tratados): “Uma parte não pode
invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um
tratado”.
3. Principais objetivos

- O juiz da Corte IDH Eduardo Ferrer Mac-Gregor aponta como principais objetivos do
controle de convencionalidade:
I) Prevenir a aplicação de normas nacionais que sejam manifestamente incompatíveis
com os tratados e a sua respectiva interpretação pelos tribunais internacionais de
direitos humanos.
II) Servir como uma instituição que permita a todas as autoridades do Estado cumprir
adequadamente com sua obrigação de respeito e garantia dos direitos humanos.
III) Servir como um meio ou uma ponte para permitir o diálogo, especialmente o
diálogo jurisprudencial em matéria de direitos humanos, entre os tribunais nacionais e
os tribunais internacionais de direitos humanos, constituindo um elemento essencial
na formação e integração de um Direito Constitucional comum.
4. Modalidades

- O controle de convencionalidade pode ser classificado em internacional, como aquele


realizado por órgãos e tribunais internacionais de direitos humanos, e nacional, como
aquele realizado por órgãos e tribunais nacionais.
- ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS chama o controle de convencionalidade internacional
de autêntico ou original ou definitivo e o controle de convencionalidade nacional de
provisório ou preliminar.
- Professor Caio Paiva (opinião pessoal): “Não concordo com o adjetivo de
autêntico ou original para designar o controle de convencionalidade
internacional, e isso porque passa uma mensagem – ainda que implícita – de
que o controle nacional seria inautêntico ou não original.”
- Diversamente, a Corte IDH compreende o controle nacional como primário e o
controle internacional como secundário ou complementar:
- “Isso significa que tem sido instaurado um controle dinâmico e complementar das
obrigações convencionais dos Estados de respeitar e garantir direitos humanos,
conjuntamente entre as autoridades internas (primariamente obrigadas) e as instâncias
internacionais (de forma complementar), de modo que os critérios de decisão possam
ser conformados e adequados entre si” (Caso Massacre de Santo Domingo vs.
Colômbia).
- Ainda sobre as modalidades, controle de convencionalidade também pode ser
classificado em graus.
- Quando a Corte IDH estabelece que os órgãos estatais devem realizar o controle de
convencionalidade “efetivamente no contexto de suas respectivas competências e das
regulações processuais competentes”, isso não significa uma limitação absoluta ao
controle de convencionalidade, mas sim uma maneira de graduar a intensidade dele.
Para o juiz da Corte IDH Eduardo Ferrer Mac-Gregor, a graduação do controle de
convencionalidade pode ser classificada assim:
- GRAU BAIXO: o intérprete da norma realiza uma interpretação dos atos normativos
que seja conforme o Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH). No caso de
incompatibilidade absoluta, onde não exista interpretação convencional possível, se o
juiz não tem competência para deixar de aplicar a norma, deve pelo menos indicar a
sua inconvencionalidade e, se for o caso, também suscitar a dúvida de
inconvencionalidade perante outros órgãos competentes dentro do sistema jurídico
nacional que possam exercer o controle de convencionalidade com maior intensidade.
Esse grau baixo existirá, portanto, nos países em que os juízes não podem realizar um
controle difuso de constitucionalidade.
- GRAU INTERMEDIÁRIO: o intérprete considera que não há forma de compatibilizar,
por meio da interpretação conforme, a aplicação da norma interna com a norma
internacional. E assim, ele deixa de aplicar a norma interna inconvencional.
- GRAU MÁXIMO: realizado pelas altas jurisdições constitucionais, consiste na
declaração de inconvencionalidade com efeitos erga omnes, expulsando a norma
inconvencional do ordenamento jurídico interno.
- Já o argentino Nestor Pedro Sagües classifica assim a graduação do controle de
convencionalidade:
- CONSTRUTIVO: consiste basicamente no grau baixo segundo a classificação de Mac-
Gregor, em que o intérprete, a partir de uma reciclagem, adaptação, remodelação ou
atualização da normativa interna, constroi uma interpretação conforme o DIDH.
- DESTRUTIVO: pode consistir tanto no grau intermediário quanto no grau máximo
segundo a classificação de Mac-Gregor, a depender do órgão que realiza o controle e
da sua competência (se simplesmente deixará de aplicá-la no caso concreto ou se irá
extirpá-la do ordenamento jurídico). Aqui, portanto, o intérprete destroi a normativa
interna inconvencional, deixando de aplicá-la no caso concreto.
- Finalmente, para o chileno Pablo Contreras, a graduação do controle de
convencionalidade pode ser vista assim:
- FORTE: importa na obrigação do intérprete nacional de deixar de aplicar a norma
interna inconvencional, tratando-se, então, do grau intermediário ou máximo (a
depender da autoridade e da competência) na classificação de Mac-Gregor ou do
controle destrutivo na classificação de Sagües.
- FRACO: entendido como um mandado de interpretação das normas internas
conforme o disposto no DIDH. Trata-se da interpretação conforme o DIDH, do controle
baixo na classificação de Mac-Gregor ou do controle construtivo na classificação de
Sagües.
- COMO DIRETRIZ: surge das ampliações que a Corte IDH faz a respeito das autoridades
nacionais que estão obrigadas a efetuar o controle, em especial os órgãos políticos
democráticos (Poder Legislativo). Em supervisão de cumprimento do Caso Gelman vs.
Uruguai, a Corte IDH afirmou que o controle de convencionalidade deve ser realizado
por toda autoridade pública, inclusive pelo Poder Legislativo. Assim, o controle como
diretriz estabelece uma finalidade a ser alcançada pelo Legislativo, que possui, porém,
uma margem de discricionariedade sobre como cumpri-la.
5. Parâmetro

- O parâmetro do controle de convencionalidade é o BLOCO DE CONVENCIONALIDADE,


que inclui não apenas os tratados, mas também outras fontes do DIDH, como o
costume internacional e principalmente a jurisprudência tanto contenciosa quanto
consultiva dos tribunais internacionais de direitos humanos.
- FUNÇÃO CONSULTIVA  CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE PREVENTIVO: A
Corte IDH afirmou em sua Opinião Consultiva no 22/2016 que a sua competência
consultiva cumpre a função própria de um controle de convencionalidade preventivo.
- ATENÇÃO! DIMENSÕES DA COISA JULGADA INTERNACIONAL: A jurisprudência
contenciosa da Corte IDH também vincula os Estados que não foram partes materiais
no precedente, servindo, portanto, como parâmetro do controle de convencionalidade
(decisão de supervisão de cumprimento de sentença no Caso Gelman vs. Uruguai).
- Assim, conforme o entendimento da Corte IDH, teremos duas dimensões da coisa
julgada internacional: subjetiva e direta para as partes na controvérsia internacional e
objetiva e indireta para todos os Estados partes da CADH. Ou seja, inter partes no
primeiro caso e erga omnes no segundo caso.
- Tem-se, portanto, uma coisa julgada para as partes do caso e uma coisa interpretada
para os demais Estados partes da CADH.
- ENTRE AS PARTES DA CONTROVÉRSIA INTERNACIONAL: coisa julgada subjetiva e
direta  inter partes  “res judicata” (coisa julgada)
- PARA TODOS OS ESTADOS PARTES DA CADH: coisa julgada objetiva e indireta  erga
omnes  “res interpretata” (coisa interpretada)
- Daí a lógica de o art. 69 da CADH estabelecer que a sentença da Corte IDH seja
notificada não apenas às partes no caso, mas também aos Estados partes da CADH.
- Com este entendimento da Corte IDH, precisamos compreender, por exemplo, que o
Brasil, como Estado parte da CADH, não se submete somente às sentenças da Corte em
que ele for parte, mas a toda jurisprudência convencional (contenciosa e consultiva).
- CONCLUSÃO: Quando o Brasil é parte em um sentença condenatória da Corte IDH,
deve cumprir na íntegra a decisão. Já nos casos em que o Brasil não foi parte, ainda há
o dever de observar a jurisprudência contenciosa da Corte, somente podendo deixar
de aplicar o parâmetro convencional adotado pela Corte IDH em seus julgados quando
houver, no direito interno brasileiro, um parâmetro convencional mais benéfico à
vítima.
6. Objeto

- O objeto do controle de convencionalidade é toda prática ou normativa interna, o


que inclui as disposições do texto constitucional. Há, nesse sentido, pelo menos dois
precedentes da Corte IDH: Caso Boyce vs. Barbados e Caso “A última tentação de
Cristo” (Olmedo Bustos e outros) vs. Chile.
- Sobre o controle de convencionalidade de normas constitucionais, vejamos a lição de
Cançado Trindade:
- “Qualquer norma de direito interno, independentemente de sua hierarquia
(constitucional ou infraconstitucional), pode, pela sua própria existência e
aplicabilidade, por si só comprometer a responsabilidade de um Estado Parte em um
tratado de direitos humanos” (voto no Caso “A última tentação de Cristo”).
7. Autoridades obrigadas a exercer o controle

- Num primeiro momento, a Corte IDH fez menção apenas aos juízes. Depois, ampliou
para todos os órgãos vinculados à administração da justiça em todos os seus níveis, o
que abrange as Cortes Constitucionais.
- Finalmente, a partir do Caso Gelman vs. Uruguai, a Corte IDH ampliou a obrigação de
exercer o controle de convencionalidade para todos os órgãos do Estado, incluindo
seus juízes.
- Autoridades diversas daquelas que fazem parte do Poder Judiciário também devem
realizar o controle de convencionalidade. TODOS os órgãos devem exercer o controle
de convencionalidade.
- Exemplo: quando o Poder Executivo adota uma normativa interna no âmbito das
polícias afastando/excluindo os “autos de resistência à prisão”, cumprindo o
determinado pela Corte no Caso Favela Nova Brasília vs. Brasil, está exercendo o
controle de convencionalidade.
8. Deve ser exercido de ofício

- De acordo com a Corte IDH, “(...) os órgãos do Poder Judiciário devem exercer não
somente um controle de constitucionalidade, mas também de convencionalidade, de
ofício, entre as normas internas e a Convenção Americana, evidentemente no contexto
de suas respectivas competências e das regulações processuais competentes” (Caso
Trabalhadores Demitidos do Congresso vs. Peru).
- Em seu voto no Caso Cabrera García, o juiz Mac-Gregor alertou, portanto, para uma
nova vertente do princípio iuria novit curia: o juiz conhece o direito e a jurisprudência
convencional.
9. Modelo

- O que é o princípio da atipicidade dos meios do controle de convencionalidade?


- De acordo com a Corte IDH (Caso Liakat Ali Alibux vs. Suriname), a CADH não impõe
um modelo determinado de controle de convencionalidade. A discussão residia no
fato de a CIDH e os representantes da vítima terem apontado uma violação do direito à
proteção judicial decorrente da ausência de um tribunal constitucional.
- Embora reconhecendo a importância destes órgãos como protetores dos direitos
fundamentais, ressaltou que a CADH não impõe um modelo específico para realizar o
controle de convencionalidade, o qual compete a todos os órgãos.
- A partir deste cenário, podemos identificar um princípio da atipicidade dos meios do
controle de convencionalidade.
10. Efeitos

- Concluindo pela inconvencionalidade da normativa nacional, o intérprete – seja


nacional ou internacional – deve proceder com a sua invalidação obrigatoriamente ex
tunc ou pode adotar o efeito ex nunc e modular os efeitos do controle de
convencionalidade?

- Este é um tema pendente de definição na Corte IDH. O juiz da Corte IDH Mac- Gregor
assim afirmou em seu voto no Caso Cabrera García: “Estimamos que a Corte IDH terá,
no futuro, que definir com maior precisão este delicado aspecto sobre a temporalidade
dos efeitos da norma nacional inconvencional devido a que sua jurisprudência não o
esclarece”.
- Nas ocasiões em que se manifestou sobre o tema (envolvendo leis de anistia), a
Corte IDH adotou o entendimento de que as normas inconvencionais carecem de
efeitos jurídicos desde o início (Caso Gomes Lund, Caso Almonacid Arellano etc.).
- Vejamos, sobre o assunto, o entendimento de Valério Mazzuoli:
“(...) a inconvencionalidade produz um dever judicial concreto de inaplicação do
preceito objetado, uma vez carecer de efeitos jurídicos ab initio. Sendo assim, a
declaração de inconvencionalidade há de ter efeito ex tunc para a solução do
litígio em que se apresenta, pois se a norma inconvencional não tem valor
jurídico, sua invalidade se apresenta desde o momento em que foi editada. (...)
Destaque-se, por fim, que o controle de convencionalidade não atribui
(constitui) inconvencionalidade à norma, senão reconhece (declara) a
inconvencionalidade existente ab initio. Não há aqui modulação de efeitos para
o futuro (ex nunc). Quando se declara a inconvencionalidade de uma norma
interna se reconhece que nunca foi ela capaz de produzir efeitos jurídicos, pelo
que todos os atos que da sua aplicação decorreram serão também inválidos” (O
controle jurisdicional da convencionalidade das leis).

- No Brasil, a modulação dos efeitos do controle concentrado de constitucionalidade é


permitida nos termos do art. 27 da Lei 9.868/99: “Ao declarar a inconstitucionalidade
de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de
excepcional interesse social, poderá o STF, por maioria de dois terços de seus
membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia
a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”.
- Me parece que dependerá do caso concreto a possibilidade da utilização, por
analogia, da Lei 9.868/99.

AULA 8: INTRODUÇÃO AOS SISTEMAS


INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS
HUMANOS
1. Conceito

Os sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos podem ser conceituados


como sendo um conjunto de princípios, normas e procedimentos para adoção de
recomendações e decisões buscando orientar o comportamento do Estado, das
empresas e das pessoas na temática dos direitos humanos.

2. Elementos

Para que tenhamos um sistema internacional de proteção dos direitos humanos em


efetivo funcionamento, precisamos de pelo menos três elementos:
- NORMAS: uma estrutura normativa internacional.
- ÓRGÃOS: instâncias internacionais criadas para monitorar e aplicar as normas
internacionais em casos de violações. Órgãos de proteção.
- MECANISMOS DE PROTEÇÃO: meios pelos quais as pessoas acessam os sistemas
internacionais e estes realizam o controle internacional. Meio de acesso aos órgãos de
proteção.
3. Nascimento de um sistema internacional

- Os sistemas internacionais somente são concebidos no contexto do exercício – e não


da negação – da soberania dos Estados.
- As organizações internacionais intergovernamentais desempenham um papel
fundamental na criação e coordenação dos sistemas internacionais. Estas organizações
são criadas por meio de tratado.
4. Sistemas internacionais existentes

- SISTEMA GLOBAL OU UNIVERSAL: situado no âmbito da Organização das Nações


Unidas (ONU), criada pela Carta das Nações Unidas.
- SISTEMA INTERAMERICANO: situado no âmbito da Organização dos Estados
Americanos (OEA), criada pela Carta da OEA.
- SISTEMA EUROPEU: situado no âmbito do Conselho da Europa, criado pelo Tratado
de Londres.
- SISTEMA AFRICANO: situado no âmbito da União Africana, criada pela Carta
Consultiva da União Africana.
5. Órgãos dos sistemas internacionais

- POLÍTICOS ou GOVERNAMENTAIS: compostos por Estados, como o Conselho de


Direitos Humanos da ONU.
- QUASE-JUDICIAIS: compostos por especialistas independentes, que emitem
recomendações, e não sentenças propriamente ditas, como os órgãos de tratado do
sistema global e a CIDH.
- JUDICIAIS: tribunais compostos por juízes especialistas independentes, que emitem
sentenças vinculantes, como a Corte IDH, o TEDH e a Corte Africana dos Direitos
Humanos e dos Povos.
6. Classificação dos procedimentos

- Vejamos o ensinamento de ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS a respeito da classificação


dos procedimentos internacionais:
- ACR: “Diferenciamos esses processos em três modalidades, com base no tipo de
atividade desempenhada pelo órgão internacional de direitos humanos.
- A primeira modalidade é a da SUPERVISÃO, pela qual o órgão internacional visa
induzir os Estados a introduzir a garantia de determinado direito no ordenamento
interno e a efetivar tal garantia. Assim, o procedimento de supervisão constitui uma
forma de pressão sobre os Estados para a adoção ou modificação voluntária de
comportamentos. Seu término consiste na constatação de ilicitude e na elaboração de
uma recomendação não vinculante, formando um direito de observação da conduta
estatal em face dos direitos humanos protegidos.
- A segunda modalidade é o chamado CONTROLE ESTRITO SENSO, que averigua
possíveis violações e cobra dos Estados a reparação às vítimas de violação. Cite-se,
como exemplo, a atividade de processamento de petições individuais do Comitê de
Direitos Humanos, órgão de controle estrito senso do cumprimento pelos Estados do
PIDCP. (...)
- A última modalidade é a de TUTELA, que consiste na existência de uma jurisdição
internacional subsidiária e complementar, apta a atuar como verdadeiro juiz
internacional imparcial a zelar pelo respeito aos direitos humanos. Os procedimentos
de supervisão, controle e tutela interagem de modo a constituir, no seu conjunto, um
incipiente sistema interligado de julgamento internacional do Estado” (Processo
Internacional de Direitos Humanos).

7. Princípios que regem os sistemas internacionais

- Coexistência: devem coexistir harmonicamente, não havendo um sistema


hierarquicamente superior ao outro. O sistema global ocupa o mesmo nível hierárquico
que os sistema regionais.
- Livre escolha: a vítima tem liberdade para escolher em qual sistema denunciará o
Estado, observando, claro, a vinculação do Estado ao respectivo sistema internacional.
- Subsidiariedade ou complementariedade: os sistemas internacionais somente
podem ser acessados, como regra, após o esgotamento dos recursos da jurisdição
interna.
- Cooperação: os Estados e demais órgãos de proteção dos direitos humanos devem
cooperar com o funcionamento dos sistemas internacionais.

8. Interação entre os sistemas

- Diálogo entre tribunais internacionais de direitos humanos: permeabilidades e


aberturas mútuas por referências e influências recíprocas que permitem avançar em
temas centrais da agenda dos direitos humanos.
- Flávia Piovesan chama este diálogo de interamericanização do sistema europeu e
europeicização do sistema interamericano.

AULA 9: SISTEMA GLOBAL: HISTÓRICO, ESTRUTURA


ORGÂNICA E ESTRUTURA NORMATIVA
- Bloco I

1. Histórico

- 1945 – Pós 2ª Guerra Mundial – criação da ONU.


- 1948 – DUDH.
- 1966 – PIDCP (Comitê de DH – 1976) e PIDESC.

Havia um sentimento generalizado da comunidade internacional após a 2a Guerra


Mundial de que era necessário encontrar uma forma de manter a paz entre os países.
As discussões foram evoluindo até se chegar na ideia da criação de uma organização
internacional.
O nome Nações Unidas foi concebido pelo então Presidente dos EUA, Franklin
Roosevelt, em janeiro em 1942, quando os representantes de 26 países assumiram um
compromisso, com a assinatura da Declaração das Nações Unidas, de que seus
governos continuariam lutando contra as potências do Eixo durante a 2a Guerra
(Alemanha, Itália e Japão).
Entre 1943 a 1945, ocorreram debates em conferências e encontros
intergovernamentais sobre propostas de criação de uma organização internacional.
Em junho de 1945, reunidos em São Francisco, EUA, a Carta das Nações Unidas foi
elaborada por 50 países presentes na Conferência sobre Organização Internacional.
A ONU começou a existir, oficialmente, em 24.10.1945, após a ratificação da Carta das
Nações Unidas por China, EUA, França, Reino Unido e a ex-União Soviética, bem como
pela maioria dos signatários.
Uma curiosidade: a igualdade de gênero, de direitos de homens e mulheres, foi
incluída na Carta das Nações Unidas em razão da insistência de diplomatas latino-
americanas lideradas pela cientista e ativista feminista Bertha Lutz (1894-1976).

2. O que é a ONU?

Uma organização internacional intergovernamental formada por países que se


reuniram voluntariamente para trabalhar pela paz e pelo desenvolvimento
internacionais.

3. Propósitos da ONU

De acordo com o art. 1o da Carta das Nações Unidas:


- Manter a paz e a segurança internacionais;
- Desenvolver relações amistosas entre as nações;
- Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais
de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o
respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos;
- Ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações para a consecução desses
objetivos comuns.

4. Como funciona a ONU?

Regida pela Carta das Nações Unidas, que é um tratado, internalizado na ordem
jurídica brasileira pelo Decreto no 19.841/1945, pelo então Presidente Getúlio Vargas.
Sua sede principal fica em Nova Iorque, EUA, com escritórios em outros países
também, a exemplo da sede europeia em Genebra, na Suíça. A sede em Nova Iorque
foi projetada por uma equipe de arquitetos de diversos países, entre eles o brasileiro
Oscar Niemeyer.
São membros fundadores os países que assinaram a Declaração das Nações Unidas de
1942 ou que participaram da Conferência de São Francisco e assinaram e ratificaram a
Carta das Nações Unidas. Total de 51, entre eles o Brasil.
A ONU possui, atualmente, 193 países-membros.

Para se tornar membro, de acordo com o art. 4o da Carta das Nações Unidas, a
admissão de novo país membro se dá por decisão da Assembleia-Geral, mediante
recomendação do Conselho de Segurança.
Os artigos 5o e 6o da Carta tratam de suspensão e expulsão da ONU.
5. Estrutura orgânica

- Quais os órgãos principais da ONU?


De acordo com o art. 7.1 da Carta das Nações Unidas, “Ficam estabelecidos como
órgãos principais das Nações Unidas uma Assembleia-Geral, um Conselho de
Segurança, um Conselho Econômico e Social, um Conselho de Tutela, uma Corte
Internacional de Justiça e um Secretariado”.
E nos termos do art. 7.2, “Serão estabelecidos, de acordo com a presente Carta, os
órgãos subsidiários considerados de necessidade”.

5.1. Assembleia-Geral
Órgão representativo, normativo e deliberativo da ONU.
O único órgão que possui representação universal, uma vez que é composto por todos
os 193 Estados-membros. Eles se reúnem a cada ano em setembro durante a sessão
anual, que ocorre no salão da AGNU em Nova Iorque, para debates e tomada de
decisões.

5.2. Conselho de Segurança


Responsabilidade primária de manter a paz e a segurança internacionais. Ou seja: não
possui uma responsabilidade primária de proteção dos direitos humanos, embora
tenha essa função indiretamente.
Composto por 15 membros, sendo 5 permanentes (EUA, Rússia, Reino Unido, França e
China) e 10 não permanentes.
Os membros permanentes possuem poder de veto.
O CSNU dirige os trabalhos de apuração da existência de ameaças à paz ou atos de
agressão, solicita às partes envolvidas que cheguem a um acordo por meios pacíficos,
podendo, em alguns casos, recorrer à imposição de sanções e até mesmo ao uso da
força para manter ou restaurar a paz e a segurança internacionais.

5.3. Conselho Econômico e Social


- ECOSOC.
Possui competência para tratar de assuntos econômicos, sociais e ambientais, através
da revisão das políticas que se adaptem, da sua coordenação e da formulação de
recomendações.
Também garante o cumprimento dos objetivos de desenvolvimento acordados
internacionalmente. Além disso, atua como mecanismo central para as atividades do
sistema ONU e de suas agências especializadas nas áreas econômica, social e
ambiental, pois supervisiona os órgãos subsidiários e especializados.
Composto por 54 Estados-membros, eleitos pela AGNU, para um mandato de 3 anos.
5.4. Conselho de Tutela
Foi estabelecido em 1945 e tinha como missão supervisionar internacionalmente os 11
territórios tutelados, colocados sob a administração de 7 Estados-membros, para
assegurar o processo de autonomia de independência.
Em 1994, todos os territórios tutelados haviam obtido autonomia e independência. O
Conselho de Tutela encerrou suas atividades em 01.11.1994.

5.5. Corte Internacional de Justiça


Principal órgão judicial das Nações Unidas.
Sediado no Palácio da Paz, em Haia, na Holanda. Único dos seis órgãos da ONU que
não está localizado em Nova Iorque.
Sua função é resolver, de acordo com a legislação internacional, as controvérsias que
lhe sejam apresentadas pelos Estados e emitir pareceres consultivos sobre as
questões jurídicas que os órgãos competentes e especiais lhe proponham.
Funciona de acordo com o seu Estatuto (anexo à Carta das Nações Unidas).
Não é um tribunal primordialmente de Direitos Humanos, mas pode decidir sobre
Direitos Humanos primaria ou secundariamente.
Possui competência contenciosa e consultiva. O Brasil ainda não reconheceu a
competência contenciosa da CIJ.

5.6. Secretariado
Chefiado pelo Secretário-Geral, é composto por dezenas de milhares de funcionários
internacionais, que trabalham em vários postos de trabalho em todo o mundo,
realizando o trabalho estipulado pela AGNU e pelos outros órgãos principais. O
Secretário-Geral é o Diretor Administrativo da ONU, símbolo dos ideais das Nações
Unidas e o porta-voz dos interesses dos povos do mundo, especialmente dos pobres e
vulneráveis.

- Bloco II

5.7. Órgãos de tratado


Estudaremos na aula seguinte sobre órgãos e TRATADO mecanismos convencionais.

5.8. Órgãos extraconvencionais


Estudaremos na aula 11 sobre órgãos e mecanismos extraconvencionais, dirigindo
nossa atenção para o principal órgão extraconvencional: o Conselho de Direitos
Humanos.

5.9. Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH)

Vamos estudar agora apenas este órgão extraconvencional.


O ACNUDH não recebe petições individuais.
Foi criado por meio da Resolução no 48/141 da AGNU, em 20.12.1993. Este posto ou
cargo foi sugerido no documento resultante da 2a Conferência Mundial sobre Direitos
Humanos realizada em Viena, em 1993, com o título Declaração e Programa de Ação
de Viena:
Adaptação e reforço dos mecanismos das Nações Unidas para os Direitos
Humanos, incluindo a questão da criação de um Alto Comissariado das Nações
Unidas para os Direitos Humanos
§ 17. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos reconhece a necessidade
de uma adaptação contínua dos mecanismos das Nações Unidas para os
direitos humanos às necessidades presentes e futuras de promoção e proteção
dos direitos humanos, conforme refletidas na presente Declaração e no quadro
de um desenvolvimento equilibrado e sustentável para todos os povos.
Em particular, os órgãos das Nações Unidas para os direitos humanos deverão
fomentar a respectiva coordenação, eficiência e eficácia.
§ 18. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos recomenda à Assembleia-
Geral que, ao analisar o relatório da Conferência por ocasião da 48a sessão,
comece por considerar, com caráter prioritário, a questão da criação de um Alto
Comissariado para os Direitos Humanos para a promoção e proteção de todos
os direitos humanos.

- CARGO: O cargo deve ser ocupado por uma pessoa de irrefutável reputação moral e
integridade pessoal que tenha a experiência, inclusive na esfera dos direitos humanos,
e o conhecimento geral e a compreensão de diversas culturas necessárias para o
desempenho imparcial, objetivo, não seletivo e eficaz das funções. Integra a estrutura
do Secretariado-Geral da ONU. Cargo máximo na estrutura do sistema global no que
diz respeito à proteção dos Direitos Humanos.
- NOMEAÇÃO: A nomeação ocorre com indicação pelo Secretário-Geral, com aprovação
pela AGNU, levando-se em conta uma rotatividade geográfica.
- MANDATO: O mandato é de quatro anos, renovável por mais um mandato de igual
duração.
- STATUS: O status do cargo é de Secretário-Geral adjunto.
- RESPONSABILIDADE: É o funcionário das Nações Unidas responsável pelas atividades
da ONU em matéria de direitos humanos sob a direção e a autoridade do Secretário-
Geral. Vejamos as principais funções de acordo com a Resolução no 48/141 de 1994:
- Promover e proteger o desfrute efetivo de todos os direitos humanos.
- Desempenhar as tarefas que lhe incumbam os órgãos competentes do sistema
das Nações Unidas na esfera dos direitos humanos e formular-lhes
recomendações com o objetivo de melhorar a promoção e a proteção de todos
os direitos humanos.
- Desempenhar um papel ativo na tarefa de eliminar os atuais obstáculos e de
fazer frente aos desafios para a plena realização de todos os direitos humanos e
de prevenir a persistência de violações.
- Realizar um diálogo com todos os governos em exercício de seu mandato com
o objetivo de assegurar o respeito de todos os direitos humanos.

A sede do ACNUDH fica em Genebra, na Suíça, e também uma sede em Nova Iorque.

Para ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS, “O Alto Comissário deveria ser o ‘Secretário-


Geral’ dos direitos humanos na ONU, capaz de angariar recursos administrativos para
os demais órgãos de direitos humanos (por exemplo, os Comitês e relatorias especiais),
simplificar e obter eficiência na ação dos variados órgãos de direitos humanos da ONU,
bem como aumentar o engajamento dos Estados e ainda sinalizar os futuros passos
para a implementação dos direitos humanos”.
A atual ocupante do cargo é Michelle Bachelet, ex-Presidente do Chile.
Um brasileiro – Sérgio Vieira de Mello – já ocupou o cargo de ACNUDH.

6. Estrutura normativa

- O sistema global foi inaugurado em junho de 1945, com a adoção da Carta das
Nações Unidas, que constituiu a organização internacional chamada Organização das
Nações Unidas, a ONU.
- Embora a expressão direitos humanos apareça algumas vezes na Carta, esta não
estabeleceu um catálogo de direitos humanos nem os mecanismos e órgãos de
proteção, tendo apenas ressaltado que o respeito e a promoção destes direitos seriam
prioridade na ONU e dever dos Estados-membros.
- Durante a Conferência de São Francisco, foram apresentadas diversas propostas para
incorporar à Carta da ONU um capítulo reconhecendo direitos humanos, mas estas
propostas não foram acolhidas pela AGNU.
- Ainda que a Carta das Nações Unidas não tenha estabelecido um catálogo de direitos
humanos, foi ela que iniciou o processo de internacionalização dos direitos humanos,
projetando a mensagem de que a violação destes direitos não mais constituiria um
assunto exclusivo da jurisdição doméstica dos Estados.
- A próxima etapa consistiu na codificação geral do sistema global, tarefa que foi
incumbida à Comissão de Direitos Humanos, órgão subsidiário do Conselho Econômico
e Social, criado nos termos do art. 68 da Carta.
- Os Estados não alcançaram um consenso para aprovar um documento jurídico
vinculante com obrigações claras.
- Assim, em 1947, a Comissão de Direitos Humanos (CDH) submeteu à AGNU o projeto
de Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), tendo sido este aprovado no
ano seguinte, em 10.12.1948.
- Após a aprovação da DUDH, a CDH recebeu o encargo de criar um marco normativo
vinculante, ou seja, um Pacto Internacional de Direitos Humanos, com catálogo de
direitos humanos, mecanismos e órgãos de proteção.
- A Guerra Fria impediu a concretização deste objetivo, pois os blocos socialista e
capitalista não chegaram a um consenso sobre os direitos civis e políticos e os direitos
econômicos, sociais e culturais.
- Diante deste impasse, a CDH foi orientada a elaborar dois tratados, um de direitos
civis e políticos e outro de direitos econômicos, sociais e culturais.
- O PIDCP e o PIDESC foram aprovados pela AGNU em 12/1966, tendo ambos entrado
em vigor em 1976, após o depósito do 35o instrumento de ratificação. A principal
diferença entre os Pactos de 66 consiste justamente naquilo que ensejou a adoção de
dois documentos distintos, prevista nos respectivos artigos 2o: aplicabilidade imediata
para os DCP e progressiva para os DESC.
- Este modelo foi chamado pelo jurista francês René Cassin de pluralidade articulada,
que era um modelo intermediário entre a unidade e a pluralidade de pactos:
“Concebe-se um terceiro sistema transacional que poderia ser chamado o da
pluralidade articulada. Ele nunca foi proposto oficialmente. Nessa concepção,
reconhece-se que não há na Declaração direitos ou liberdades mais
fundamentais que outras e se aceita preparar não mais sucessivamente, mas
simultaneamente dois Pactos (um concernente aos direitos civis e cívicos e
outro aos direitos econômicos, sociais e culturais) que serão discutidos pela
Assembleia-Geral no curso da mesma sessão, em todo o caso oferecidos
simultaneamente para assinatura, para ratificação ou adesão dos Estados.
Mas esta pluralidade de Pactos, mantida para promover a ratificação por
numerosos Estados, não seria prejudicial à unidade do sistema global de
proteção dos direitos reconhecidos. Deve-se ligar os Pactos separados a um
tronco comum que contenha o essencial das medidas de aplicação comuns a
todos os direitos, e isso para não se atentar contra a unidade da própria
Declaração”.

- Finalmente, a última etapa da Carta Internacional dos Direitos Humanos foi concluída
com a criação dos mecanismos de proteção dos direitos humanos: em 1966, com o
Protocolo Facultativo ao PIDCP, e em 2008, com o Protocolo Facultativo ao PIDESC,
atribuindo aos respectivos Comitês competência para receber e processar petições
individuais.
- Não há um consenso sobre quais documentos compõem a denominada Carta
Internacional dos Direitos Humanos. Alguns incluem a Carta das Nações Unidas, outros
incluem o segundo protocolo ao PIDCP, relativo à pena de morte.
- O professor Caio prefere conceber a Carta Internacional dos Direitos Humanos como
a estrutura básica para funcionamento do sistema global, contemplando, assim, a
DUDH, os Pactos de 1966 e seus protocolos sobre mecanismos de proteção.
- A estrutura normativa do sistema global não se limita à Carta Internacional dos
Direitos Humanos. Há tratados temáticos aprovados tanto antes dos Pactos de 1966
(genocídio, refúgio, apátridas, discriminação racial etc.) quando posteriores a ele, que
especializam a proteção internacional. Há também uma extensa normativa soft law no
contexto do sistema global.

AULA 10: SISTEMA GLOBAL: ÓRGÃOS E


MECANISMOS CONVENCIONAIS
- Bloco I

1. Introdução conceitual

O subsistema convencional é assim chamado porque seus órgãos e mecanismos de


proteção encontram base ou respaldo normativo em tratados ou convenções
internacionais de direitos humanos, enquanto o subsistema extraconvencional ou não
convencional é assim denominado porque seus órgãos e mecanismos de proteção
encontram base em atos normativos criados pelos órgãos principais da ONU.
Subsistema convencional Subsistema extraconvencional
Os órgãos ou mecanismo de Os órgãos ou mecanismo de proteção NÃO são
proteção são criados criados diretamente por tratados ou convenções
diretamente por tratados internacionais de Direitos Humanos, mas sim por
ou convenções meio de atos normativos. São criados principalmente
internacionais de Direitos por resoluções dos órgãos principais do sistema
Humanos. global.

ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS critica a expressão “extraconvencional” porque este


subsistema também encontraria respaldo normativo num tratado, que é a Carta das
Nações Unidas.

2. Órgãos convencionais

- Não há um tribunal universal ou global de proteção dos direitos humanos no


sistema da ONU.
A Corte Internacional de Justiça (CIJ), embora eventualmente decida sobre causas
relacionadas aos direitos humanos, não é considerada um tribunal internacional de
direitos humanos, isso porque ela julga apenas demandas interestatais. Ou seja, julga
somente demandas estre Estados.
No âmbito do sistema global, o monitoramento da aplicação das normas de direitos
humanos previstas em tratados é realizado pelos órgãos que estes tratados criam,
chamados de comitês (treaty bodies – órgãos de tratado).

COMITÊ DE DESAPARECIMENTOS FORÇADOS

COMITÊ DOS DIREITOS DA CRIANÇA


CONVENCIONAL

COMITÊ PARA A ELIMINAÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO RACIAL


SUBSISTEMA

COMITÊ DE DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS

COMITÊ CONTRA A TORTURA

SUBCOMITÊ DE PREVENÇÃO DA TORTURA

COMITÊ DOS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

COMITÊ DOS TRABALHADORES MIGRANTES


Atualmente, existem nove grandes tratados de direitos humanos e um protocolo
facultativo no sistema global, a partir dois quais foram estabelecidos dez órgãos
convencionais:
- Comitê para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher: monitora a
implementação da Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de
Discriminação contra as Mulheres.
- Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial: monitora a implementação da
Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
Racial.
- Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais: monitora a implementação do
PIDESC.
- Comitê de Direitos Humanos: monitora a implementação do PIDCP (1976 – 1º órgão
convencional).
- Comitê contra a Tortura: monitora a implementação da Convenção contra a Tortura e
outros Tratamentos Crueis, Desumanos ou Degradantes.
- Subcomitê de Prevenção da Tortura: estabelecido pelo protocolo facultativo à
Convenção contra a Tortura, visita locais de privação de liberdade.
- Comitê de Desaparecimentos Forçados: monitora a implementação da Convenção
Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos
Forçados
- Comitê dos Direitos das Pessoas com Deficiência: monitora a implementação da
Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
- Comitê de Trabalhadores Migrantes: monitora a implementação da Convenção
Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e
Membros de suas Famílias.
- Comitê dos Direitos da Criança: monitora a implementação da Convenção sobre os
Direitos da Criança e seus protocolos facultativos.

3. Apoio do ACNUDH

Os órgãos de tratado reúnem-se periodicamente na sede da ONU em Genebra, Suíça, e


recebem apoio administrativo do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos
Humanos (ACNUDH).

4. Uniformização do trabalho

Embora a ONU se esforce para uniformizar os métodos de trabalho dos Comitês,


organizando, inclusive, uma reunião anual dos Presidentes dos Comitês, estes não são
vinculados entre si, o que favorece a possibilidade de decisões ou comentários
contraditórios (“suicidas”), considerada a interseccionalidade na proteção
internacional dos direitos humanos.

5. Características gerais

- Os Comitês são formados por especialistas independentes, que exercem suas


funções a título pessoal, e não como representantes dos Estados.
- A composição de cada Comitê varia conforme o disposto no respectivo tratado que o
criou. O Comitê de Direitos Humanos, p. ex., possui 18 membros, enquanto o Comitê
sobre os Direitos da Criança possui 10 membros. Alguns tratados, como a Convenção
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, preveem um número de membros
(neste caso, 12) que pode ser aumentado conforme o número de ratificações (até 18).
- De um modo geral, são requisitos para disputar uma vaga de membro de órgão de
tratado: a) ser nacional de um dos Estados partes do respectivo tratado; b) possuir
reconhecida integridade moral; e c) ter reconhecida competência na matéria objeto de
proteção do respectivo tratado. Não se exige formação jurídica. Porém, alguns
tratados estabelecem que deve ser levada em consideração a participação de pelo
menos algumas pessoas com experiência jurídica (PIDCP, art. 28.2).
- Como regra, o mandato dos membros dos órgãos de tratado é de quatro anos,
permitida uma reeleição.
- A eleição é organizada pelo Secretário-Geral das Nações Unidas, tendo legitimidade
para propor candidatos e também para votar apenas os Estados partes dos respectivos
tratados.
- No geral, os Comitês são autorizados pelos respectivos tratados a estabelecerem suas
Regras de Procedimento. O Comitê de Direitos Humanos, p. ex., as estabeleceu,
prevendo, inclusive, a competência para adotar medidas provisórias.

6. Particularidade do Comitê DESC

- Não foi criado pelo PIDESC de 1966, mas sim pela Resolução no 17/1985 do Conselho
Econômico e Social (ECOSOC), que transformou um Grupo de Trabalho criado em 1978
no Comitê DESC. O Comitê DESC é o único comitê que não foi criado pelo seu tratado
base (PIDESC).
- Quem propõe os candidatos são os Estados partes do PIDESC e quem escolhe os
membros do Comitê DESC é o Conselho Econômico e Social (ECOSOC), nos termos do
item c) da Resolução no 17/1985.
- Em 2008, a AGNU adotou o protocolo facultativo ao PIDESC, com o objetivo de
permitir a apresentação de comunicações/petições individuais e interestatais. A partir
desse momento, o Comitê DESC, que nasceu extraconvencional (criado por Resolução)
passa a ser um órgão convencional.
7. Particularidade do Subcomitê de Prevenção da Tortura

- Não foi criado pelo tratado central – a Convenção contra a Tortura –, mas sim pelo
seu protocolo facultativo. Ou seja: o Comitê contra a Tortura foi criado pelo tratado
base; o Subcomitê de Prevenção da Tortura foi criado pelo protocolo facultativo.
- Suas funções: 1) visitar os lugares de privação de liberdade e fazer recomendações
para os Estados-partes a respeito da proteção de pessoas privadas de liberdade; e 2)
auxiliar os mecanismos preventivos nacionais para a prevenção da tortura.
- Um órgão convencional sem competência para analisar relatórios periódicos ou para
tramitar petições individuais.
- IMPORTANTE: o subcomitê de prevenção da tortura NÃO precisa de autorização do
Estado para visitá-lo e averiguar seus espaços de privação de liberdade. [obs.: a CIDH
precisa de prévia anuência do Estado para ingressar no seu território]

- Bloco II

8. Mecanismos convencionais de proteção do sistema global

RELATÓRIOS PERIÓDICOS
- Mecanismo convencional mais antigo na esfera da proteção internacional dos direitos
humanos, sendo mais próximo do Direito Internacional clássico, e isso porque não
busca estabelecer a responsabilidade internacional dos Estados.
- Não possui natureza contenciosa.
- Possui uma dimensão essencialmente preventiva.
- Previsto nos nove grandes tratados de direitos humanos.
- Por meio deste procedimento, os Estados basicamente se obrigam a apresentar
periodicamente relatórios aos respectivos Comitês, informando as medidas
legislativas, judiciais, administrativas e de qualquer natureza que tenham adotado para
tornar efetivos os direitos humanos previstos no respectivo tratado.
- Os relatórios periódicos devem ser enviados ao Secretário-Geral das Nações Unidas,
que os transmitirá ao respectivo Comitê.
- Cada Comitê estuda os relatórios apresentados pelos Estados e transmite depois seu
próprio relatório com os comentários que julgar oportuno.
- Os Estados podem submeter ao Comitê̂ as observações que desejarem relativamente
aos comentários.
- A apresentação dos relatórios periódicos cumpre com as seguintes finalidades:
1) conduzir um exame exaustivo das medidas para harmonizar a legislação e a política
nacionais com as disposições dos tratados internacionais de direitos humanos nos
quais seja parte; 2) verificar os progressos alcançados na promoção do desfrute dos
direitos estabelecidos nos tratados, no contexto da promoção dos direitos humanos
em geral; 3) detectar problemas e deficiências em seu enfoque da aplicação dos
tratados; 4) analisar as necessidades futuras e os objetivos para uma aplicação mais
eficaz dos tratados; e 5) planejar e elaborar políticas apropriadas para alcançar esses
objetivos
- A consequência para o Estado que não apresentar relatórios periódicos é a seguinte:
o Comitê examinará a situação do país sem o relatório nacional, o que geralmente se
denomina “procedimento de exame”.

COMUNICAÇÕES OU PETIÇÕES INDIVIDUAIS


- Principal mecanismo convencional.
- Consiste na possibilidade de uma pessoa ou de um grupo de pessoas que se
considerem vítimas de uma violação de direitos humanos apresentar uma denúncia
contra o Estado perante o respectivo Comitê.
- Com a exceção do Subcomitê de Prevenção da Tortura, os demais nove órgãos
convencionais possuem competência para examinar esta modalidade de mecanismo
convencional.
- A competência de cada Comitê para receber e processar petições individuais não é
automática ou obrigatória, dependendo da aceitação do Estado. Pode estar prevista
tanto no texto da própria Convenção – como é o caso da Convenção sobre a Eliminação
de Todas as Formas de Discriminação Racial (art. 14) e da Convenção contra a Tortura
(art. 22) – , quando exigirá manifestação expressa do Estado no sentido da aceitação,
quanto no texto de protocolo facultativo, como é o caso, p. ex., do PIDCP, do PIDESC, da
Convenção sobre os Direitos da Criança etc., quando exigirá a adesão do Estado.
- Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial  o
Estado não precisa aderir a um protocolo facultativo para se submeter à competência
do Comitê sobre discriminação racial para fins de recebimento e tramitação de
petições individuais. Basta que o Estado manifeste sua vontade nesse sentido. Essa
manifestação de vontade do Estado precisa passar pelo mesmo procedimento de
incorporação de tratado internacional na ordem jurídica interna (entendimento
majoritário). Assim, para que o Brasil aceite a competência de um órgão convencional,
a manifestação de vontade demonstrando essa aceitação deve seguir o rito de
internalização de tratados internacionais.
- As petições individuais devem observar os requisitos de admissibilidade previstos nos
respectivos tratados, como o esgotamento dos recursos internos, a ausência de
litispendência ou coisa julgada internacional, entre outros requisitos.
- O procedimento deste mecanismo convencional em tudo se assemelha ao
procedimento judicial adotado por tribunais internacionais de direitos humanos,
tratando-se de um procedimento que se desenvolve em contraditório entre a vítima e
o Estado, encerrando-se com uma decisão do respectivo Comitê, que fixa as medidas
de reparação no caso de responsabilidade internacional do Estado.
- Modo de aceitação do Estado em relação à competência de petições individuais em
cada um dos Comitês do Sistema Global:
COMUNICAÇÕES OU PETIÇÕES INTERESTATAIS
- Consiste na possibilidade de um Estado demandar outro Estado perante os Comitês.
- Está previsto em diversos tratados do sistema global, sempre como um mecanismo
convencional facultativo, que depende de expressa aceitação do Estado. Exceção: este
mecanismo convencional de proteção é obrigatório na Convenção para a Eliminação da
Discriminação Racial (art. 11).
- Os Comitês atuam neste procedimento para buscar uma solução amigável entre os
Estados, fazendo ao final recomendações por meio de um relatório. Dependendo da
natureza da controvérsia, os Estados podem buscar a CIJ.

INQUÉRITO
- Consiste na possibilidade de os Comitês investigarem, de ofício, confidencialmente,
quando recebam informações fidedignas que indiquem existir um cenário de
violação sistemática de determinado direito protegido pelo respectivo tratado no
território do Estado parte.
- Exige expressa aceitação do Estado. Exceção: Comitê contra o Desaparecimento
Forçado (basta ratificar a Convenção).
- Um procedimento convencional dos seguintes Comitês: Tortura, Discriminação contra
a Mulher, Pessoas com Deficiência, Desaparecimento Forçado, DESC e Crianças.
- O procedimento funciona, em linhas gerais, assim:
1) o Comitê recebe informação confiável que indique que um Estado está violando
sistematicamente os direitos estabelecidos no tratado; 2) na sequência, o Comitê
convida o Estado parte para colaborar com o exame da informação apresentando suas
observações; 3) a partir desse “contraditório” estabelecido, o Comitê pode adotar a
decisão de designar um ou mais dos seus membros para que realizem uma
investigação confidencial e o informem com urgência; 4) quando a respectiva
Convenção permitir, os membros do Comitê podem realizar visitas no Estado parte,
com a anuência deste; 5) finalmente, as conclusões do Comitê são passadas ao Estado
com toda observação e recomendações pertinentes, solicitando-se ao Estado que
continue prestando informações sobre o cumprimento.

AÇÕES URGENTES

- Mecanismo convencional previsto na Convenção sobre Desaparecimento Forçado,


consistente no pedido de busca e localização de uma pessoa desaparecida, em
regime de urgência, que pode ser apresentado por familiares ou por representantes
legais da pessoa desaparecida ou por qualquer pessoa detentora de interesse
legítimo.
- Previsto no art.30 da Convenção sobre Desaparecimento Forçado.
- Não depende de aceitação do Estado.
- O Comitê recebe o pedido e solicita ao Estado informações, fazendo depois
observações e comentários.
- Se o Comitê identificar que se trata de uma prática generalizada, pode levar a questão
à AGNU (art. 34).

COMENTÁRIOS GERAIS
- Não é um mecanismo propriamente dito.
- Inicialmente elaborados com o objetivo de auxiliar os Estados na apresentação dos
relatórios periódicos – apontando, p. ex., como e quais informações deveriam ser
incluídas –, depois os comentários gerais evoluíram para um documento mais amplo,
por meio dos quais os comitês passaram a emitir uma espécie de interpretação
autêntica sobre o conteúdo e o alcance das obrigações dos Estados em relação ao
respectivo tratado.
9. Diretrizes de Addis Abeba

- Na 24a Reunião Anual de Presidentes dos Comitês, realizada em Addis Abeba, capital
da Etiópia, em junho de 2012, foi adotado um documento com diretrizes sobre a
independência e a imparcialidade dos membros dos órgãos de tratado.
- Este documento ficou conhecido como Diretrizes de Addis Abeba.
- O item 10.a estabelece que o membro do Comitê que for nacional do Estado
demandado no procedimento de petições não pode participar da deliberação sobre a
denúncia.

AULA 11: SISTEMA GLOBAL: ÓRGÃOS E


MECANISMOS EXTRACONVENCIONAIS
- Bloco I

1. Introdução conceitual

Vamos lembrar que o subsistema convencional é assim chamado porque seus órgãos e
mecanismos de proteção encontram base ou respaldo normativo em tratados ou
convenções internacionais de direitos humanos, enquanto o subsistema
extraconvencional ou não convencional é assim denominado porque seus órgãos e
mecanismos de proteção encontram base em atos normativos criados pelos órgãos
principais da ONU.

Subsistema convencional Subsistema extraconvencional


Os órgãos ou mecanismo de Os órgãos ou mecanismo de proteção NÃO são
proteção são criados criados diretamente por tratados ou convenções
diretamente por tratados internacionais de Direitos Humanos, mas sim por
ou convenções meio de atos normativos. São criados principalmente
internacionais de Direitos por resoluções dos órgãos principais do sistema
Humanos. global.

2. Introdução histórica

- 1945  criação da ONU   1976  criação do primeiro órgão convencional.


- O primeiro órgão convencional (Comitê de Direitos Humanos, do PIDCP) passou a
funcionar, com a possibilidade de receber petições individuais, somente em 1976, 31
anos após a adoção da Carta das Nações Unidas.
- O subsistema convencional foi fortalecido lentamente porque depende do
consentimento dos Estados em ratificar tratados e aceitar a competência dos Comitês.
- A partir da década de 60, começaram a surgir órgãos e mecanismos
extraconvencionais para buscar fortalecer o sistema global, oferecendo uma resposta
coletiva – ainda que imperfeita – a situações de extrema gravidade.
- A submissão ao subsistema extraconvencional não depende de uma manifestação de
vontade do Estado, depende apenas de se tratar de um Estado que faça parte da ONU.
Se o Estado ratificou a Carta da ONU, automaticamente se submete ao subsistema
extraconvencional.

3. Desenvolvimento

- Diversos órgãos principais da ONU possuem seus órgãos subsidiários, que são,
portanto, órgãos extraconvencionais. Assim, p. ex., a criação dos Tribunais Penais
Internacionais ad hoc pelo CSNU, o ACNUR, o ACNUDH e o Conselho de Direitos
Humanos da AGNU etc.
- O desenvolvimento mais amplo do subsistema extraconvencional, com uma
consolidação institucional mais organizada, deu-se no âmbito da Comissão de Direitos
Humanos.

4. Comissão de Direitos Humanos

- Criação: por meio de Resolução do Conselho Econômico e Social (ECOSOC), em 1946,


de acordo com o art. 86 da Carta das Nações Unidas.
- Natureza: órgão intergovernamental, composto por Estados, e não por especialistas
técnicos e independentes. Diferente, portanto, da CIDH.
- Mandato conferido pelo ECOSOC à CDH: elaborar a Carta Internacional de Direitos
Humanos, bem como apresentar propostas e relatórios sobre direitos humanos. A CDH
também foi autorizada a nomear grupos ad hoc de especialistas para auxiliá-la no seu
trabalho.
- Subcomissões: o ECOSOC autorizou a CDH a estabelecer subcomissões. Foram
estabelecidas algumas, como a Subcomissão para a Proteção de Minorias e uma
Subcomissão para a Prevenção da Discriminação. Em 1999, os trabalhos das
subcomissões foram unificados na Subcomissão para a Promoção e Proteção dos
Direitos Humanos.
- A respeito da história da CDH, vejamos a lição de José Augusto Lindgren Alves:
“Na literatura existente sobre a Comissão de Direitos Humanos das Nações
Unidas (CDH), a evolução de seus trabalhos costuma ser dividida em três fases:
a de redação de normas gerais, de 1947 a 1954; a de ‘promoção’ dos valores
(através de seminários, cursos, publicações etc.), de 1955 a 1966; a de
iniciativas para a proteção dos direitos, a partir de 1967. As duas primeiras
correspondem ao extenso período abstencionista; a terceira, que prossegue no
presente, constitui, em contraposição aos vinte primeiros anos, o período
intervencionista. Foi, contudo, apenas a partir de meados da década de 70 que
a CDH passou a utilizar mecanismos de controle com possibilidades de incidir
mais diretamente no mundo real” (Os direitos humanos como tema global).

- A fase abstencionista da CDH provavelmente esperava que surgisse um sistema


convencional com os Estados aderindo aos tratados e aceitando se submeterem a
órgãos e mecanismos de proteção.
- Conforme registra Lindgren Alves, “As preocupações com a intangibilidade das
respectivas soberanias ainda tendiam a sobrepor-se ao compromisso com a promoção
universal desses direitos”.
- A fase intervencionista começa em 1965, quando o Comitê Especial de
Descolonização, órgão subsidiário da AGNU criado em 1961, motivado por denúncias,
chamou a atenção do ECOSOC para as violações de direitos humanos que estavam
ocorrendo na África do Sul, em especial para as políticas de discriminação racial,
segregação e apartheid e suas consequências.
- O ECOSOC acolheu a manifestação do Comitê e reagiu recomendando à CDH a
consideração urgente do assunto.
- Em 1967, com base na recomendação da CDH, o ECOSOC adotou a Resolução no
1235, também conhecida como procedimento 1235, com natureza pública, para apurar
violações de direitos humanos, inclusive as que estavam ocorrendo na África do Sul.
- Com isso, a CDH passou a ter competência para examinar as informações recebidas e
a partir delas realizar estudo aprofundado das situações que revelam um padrão
sistemático de violações e relatá-lo, com recomendação, ao ECOSOC.
- Em 1970, o ECOSOC aprovou a Resolução no 1503, também conhecida como
procedimento 1503, de natureza privada, também para tratar de comunicações sobre
violações de direitos humanos.
- Problema: atuação de forma seletiva. Deixava de monitorar a situação da proteção
dos Direitos Humanos em países economicamente poderosos na geopolítica mundial.
SELETIVIDADE e POLITIZAÇÃO. Em 2006, a Comissão foi substituída pelo Conselho de
DH, como forma de resolver esse impasse. O Conselho teria a incumbência de
monitorar todos os países membro da ONU, não apenas alguns. Nesse contexto, surgiu
a Revisão Periódica Universal.

5. Classificação dos procedimentos extraconvencionais no âmbito da CIDH

- Público: Resolução no 1235 do ECOSOC


- Privado: Resolução no 1503 do ECOSOC
- Podem ser de natureza geográfica: relacionados a determinado Estado ou região
- Podem ser de natureza temática: lidam com fenômenos específicos
- Podem ter natureza unipessoal: relatores especiais
- Podem ter natureza coletiva: grupos de trabalho

- Bloco II

6. Conselho de Direitos Humanos

- Com a criação do Conselho de Direitos Humanos, em substituição à CDH em 2006, os


procedimentos público e privado foram mantidos com algumas adaptações.
- Motivo de substituição da Comissão de DH pelo Conselho de DH: Com o passar dos
tempos e com a proliferação de resoluções condenatórias a respeito de países menos
poderosos economicamente, e ainda, pelo fato de a CDH por vezes ter sido composta
por países reconhecidamente violadores de direitos humanos, a CDH foi desacreditada
e acusada de atuar de forma seletiva e política. Ocorreu neste cenário a chamada
politização da atuação da CDH.
- Benoni Belli, em seu livro A politização dos direitos humanos, lembra que essa
politização da CDH foi por subtração, e não por adição: os Estados monitorados
“mereceram”, os procedimentos não foram ineficazes; mas Estados igualmente
“merecedores” de monitoração ficaram de fora.
- O então Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan, afirmou em 2004 que “a consolidação
de padrões que reforcem os direitos humanos não pode ser realizada por Estados que
falham em demonstrar compromisso com sua promoção e proteção”.
- A partir deste impulso do Secretário-Geral, e também das diversas críticas externas,
decidiu-se por um novo começo no subsistema extraconvencional para evitar seu
descrédito e o retrocesso na matéria da proteção internacional.
- É assim que nasce, portanto, o Conselho de Direitos Humanos, criado pela
Resolução no 60/251 de 2006 da AGNU. Ou seja: Comissão de DH  ECOSOC;
Conselho de DH  AGNU.
- NATUREZA JURÍDICA: A natureza jurídica do Conselho é de órgão subsidiário da
Assembleia-Geral. A mudança no nome de Comissão para Conselho considerou uma
ideia que há ou havia na ONU de elevar o Conselho a um dos órgãos principais das
Nações Unidas – como o Conselho Econômico e Social e o Conselho de Segurança –, o
que demanda, porém, alteração na Carta.
- OBJETIVO: O objetivo do Conselho é ser um órgão intergovernamental no sistema das
Nações Unidas responsável por fortalecer a promoção e a proteção dos direitos
humanos em todo o mundo, bem como pela resolução de situações de violações de
direitos humanos.
- PRINCÍPIOS: São princípios do Conselho de Direitos Humanos a universalidade, a
imparcialidade, a objetividade e a não seletividade, diálogo internacional construtivo e
cooperação a fim de impulsionar a promoção e a proteção de todos os direitos
humanos.
- SEDE: A sede do Conselho fica em Genebra, na Suíça.
- COMPOSIÇÃO: O Conselho é composto por 47 Estados-membros da ONU, eleitos de
forma direta e individual em votação secreta pela maioria dos membros da AGNU. A
composição deve observar uma distribuição geográfica equitativa.
- MANDATO: Os membros do Conselho cumprem um mandato de três anos e não
podem ser reeleitos imediatamente após dois períodos consecutivos.
- SUSPENSÃO DO MANDATO: A AGNU, por maioria de 2/3 dos seus membros, pode
suspender os direitos inerentes a integrar o Conselho do Estado-membro que tenha
cometido graves e sistemáticas violações de direitos humanos.
- O Conselho assumiu os mandatos, os mecanismos, as funções e as responsabilidades
da antiga CDH, tendo, inclusive, mantido os procedimentos 1235 e 1503, com algumas
adaptações.
- CONSTRUÇÃO INSTITUCIONAL: Autorizado pela AGNU, o Conselho de Direitos
Humanos adotou, em 2007, por meio da Resolução no 5/1, o documento Conselho de
Direitos Humanos – construção institucional, no qual consta, inclusive, a
regulamentação dos seus procedimentos extraconvencionais.
- ÓRGÃO SUBSIDIÁRIOS: Mesmo sendo um órgão subsidiário da AGNU, o Conselho
também possui seus órgãos subsidiários [ou seja: um órgão subsidiário que pode criar
outros órgãos subsidiários], como aqueles temáticos ou geográficos, unipessoais ou
coletivos. E ainda, o Conselho conta com o Comitê Assessor, integrado por 18
especialistas independentes, funcionando como um grupo de reflexão do Conselho e
trabalhando sob a sua direção.
- O Comitê Assessor ocupa, portanto, o espaço deixado pela antiga e extinta
Subcomissão para a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos da CDH.
- Principais diferenças entre a CDH e o Conselho:
 A CDH era um órgão subsidiário do ECOSOC e o Conselho é um órgão
subsidiário da AGNU.
 Quando extinta, a CDH contava com 53 membro. O Conselho possui 47
membros.
 A eleição dos membros da CDH era menos democrática e ocorria por
“aclamação”. Era possível reeleições ilimitadas. Os membros do Conselho são
eleitos mediante votação e só podem ser reeleitos uma vez consecutiva.
 A CDH reunia-se uma vez por ano, durante seis semanas. O Conselho se reúne
periodicamente, no mínimo três vezes ao ano, incluindo um período de sessões
principal, que deve durar não menos do que 10 semanas.
 A CDH foi criticada pela seletividade e politização. O Conselho nasce com o
mandato da revisão periódica universal.

7. Revisão periódica universal

- A Resolução no 60/251, de 2006, da AGNU, ao criar o Conselho, atribuiu a ele o


seguinte mandato: “realizará um exame periódico universal, baseado em informação
objetiva e fidedigna, sobre o cumprimento por cada Estado de suas obrigações e
compromissos em matéria de direitos humanos de uma forma que garanta a
universalidade do exame e a igualdade de tratamento a respeito de todos os Estados; o
exame será um mecanismo cooperativo, baseado num diálogo cooperativo”.
- Em 2007, os membros do Conselho aprovaram, por meio da Resolução no 5/1, o texto
Conselho de Direitos Humanos – construção institucional, que regulamentou o
funcionamento da RPU.
- Em 2011, ao final do primeiro ciclo, o Conselho adotou a Resolução no 16/21, por
meio da qual aperfeiçoou algumas questões envolvendo a RPU e outros procedimentos
extraconvencionais.
- DEFINIÇÃO: Conforme a definição que consta no site da ONU, “a Revisão Periódica
Universal é uma avaliação entre Estados (governos), que se avaliam mutuamente
quanto à situação de direitos humanos, gerando um conjunto de recomendações. É
um processo único que compreende a avaliação periódica da situação de direitos
humanos de todos os Estados- membros das Nações Unidas”.
- PERIODICIDADE: Cada ciclo é de 4 anos e meio. No que diz respeito à periodicidade
da RPU, o primeiro ciclo foi de 4 anos, examinando-se 48 Estados por ano. Em 2011, a
partir do segundo ciclo, a RPU passou a ter periodicidade de 4 anos e meio,
examinando-se 42 Estados por ano.
- A RPU não tem como objetivo apurar a responsabilidade internacional do Estado, mas
sim verificar a situação geral dos direitos humanos no país.
- FONTES DE INFORMAÇÃO: Para proceder com a RPU, o Conselho de Direitos
Humanos utiliza essencialmente três fontes de informação: 1) relatório nacional do
Estado; 2) compilação preparada pelo ACNUDH; e 3) relatórios-sombra (shadow
report), produzidos por entidades da sociedade civil e também por instituições
autônomas como a Defensoria Pública.
- PROCEDIMENTO DA RPU:
- Envio do relatório nacional.
- Compilação de informações pelo ACNUDH.
- Oportunidade para apresentação de “relatórios-sombra”.
- Encaminhamento ao Estado revisado, por parte da “troika” (designa o grupo
de 3 Estados responsáveis por serem os relatores da RPU do Estado
examinado), de questões e temas específicos.
- Sessão do grupo de trabalho com a apresentação das respostas do Estado em
forma de relatório e diálogo interativo, com a formulação de recomendações.
- Adoção do relatório do grupo de trabalho, redigido pela troika em colaboração
com o Estado examinado.
- Manifestação do Estado acerca das recomendações formuladas, aceitando-as
ou recusando-as.
- Adoção do relatório final da revisão em sessão plenária do Conselho.
- Fase da implementação do relatório final pelo Estado, com possibilidade de
envio de relatório de acompanhamento ao Conselho.
- PONTO POSITIVO: Um ponto positivo da RPU é a sua cobertura universal e, portanto,
a ausência de seletividade.
- PONTO NEGATIVO: E um ponto negativo da RPU é o fato de se tratar de um
procedimento em que Estado examina Estado, faltando, assim, eficiência. Além disso,
importante lembrar que a RPU não gera responsabilidade internacional. Não possui a
mesma potencialidade que os mecanismos convencionais de proteção pois não resulta
em responsabilização do Estado nem em medidas de reparação executáveis.

AULA 12: SISTEMA GLOBAL: DECLARAÇÃO


UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS
1. Informações gerais

- A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) foi aprovada em 10.12.1948,


pela Assembleia-Geral das Nações Unidas. Como a Carta da ONU (Carta de São
Francisco - 1945) não estabeleceu um catálogo de Direitos Humanos, a DUDH cumpriu
essa função em 1948.
- Dos 58 países membros da ONU naquele momento, 48 votaram à favor, nenhum
votou contra, 8 se abstiveram (África do Sul, Arábia Saudita, Bielo-Rússia, Iugoslávia,
Polônia, Tchecoslováquia, Ucrânia e União Soviética) e 2 países não participaram da
votação (Honduras e Iêmen).
- O Brasil assinou a DUDH também em 10.12.1948.
2. Características

- A DUDH é o grande marco da universalidade e da inerência dos direitos humanos.


- Também é o primeiro instrumento universal que protege tanto os direitos civis e
políticos como também os direitos econômicos, sociais e culturais. OBS.: Ressalto a
expressão universal, que aqui não se confunde com simplesmente internacional. Isso
porque, com alguns meses de antecedência da DUDH, havia sido adotada a Declaração
Americana dos Direitos e Deveres do Homem (DADDH).
- A DUDH foi um modelo para a construção de outros documentos e sistemas
internacionais de proteção dos direitos humanos e também para a proteção nacional
dos direitos humanos ou fundamentais.
- NATUREZA JURÍDICA: A DUDH possui a natureza jurídica de resolução da AGNU, e
não de tratado.
3. Efeito vinculante

- Embora a DUDH não seja um tratado, mas sim uma resolução, há praticamente um
consenso na doutrina de que a DUDH consiste num instrumento normativo que cria
obrigações legais para os Estados membros da ONU, sendo, portanto, vinculante.
- Discute-se apenas se o texto é vinculante na íntegra ou somente algumas partes e
quais seriam.
- Dois argumentos embasam a natureza vinculante da DUDH: 1) caráter de norma
costumeira; e 2) representa a interpretação autêntica dos preceitos sobre direitos
humanos contidos na Carta das Nações Unidas.
- No documento que resultou da Conferência Mundial de Direitos Humanos de 1968, a
Proclamação de Teerã, consta que “A Declaração Universal dos Direitos Humanos
exprime uma concepção comum dos povos do mundo acerca dos direitos inalienáveis
e invioláveis de todos os membros da família humana e constitui uma obrigação para
os membros da comunidade internacional”.
4. Destaques do texto

- Menção a Deus: o redator Charles Malik, do Líbano, queria que constasse uma
referência explícita à Deus no primeiro artigo, mas René Cassin e outros não
concordaram porque isso poderia prejudicar a universalidade do documento. Uma
vitória da laicidade.
- Internacional ou universal? Inicialmente, internacional. René Cassin, durante a fase
final das negociações, conseguiu fazer com que o título fosse alterado para Universal.
- Herança parcial do jusnaturalismo: o art. 1o da Declaração dispõe que “Todos os
seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e de
consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”. Alguns
países queriam colocar “pela natureza” após “consciência”, mas a proposta foi
rejeitada.
- Direito de resistência: consta do preâmbulo da DUDH que “Considerando ser
essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo império da lei, para que o ser
humano não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a
opressão”.
- O art. 16 prevê a igualdade de direitos entre homens e mulheres no casamento.
- O art. 17 protege o direito à propriedade.
- O art. 26 prevê que a educação será gratuita pelo menos nos graus elementares e
fundamentais.
5. A DUDH como um “templo”

AULA 13: SISTEMA GLOBAL: PIDCP


1. Informações gerais

- O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP) foi adotado em 1966 pela
AGNU, tendo entrado em vigor em 1976, com o depósito do 35o instrumento de
ratificação.
- O objetivo do PIDCP é conferir natureza jurídica vinculante aos direitos civis e políticos
previstos na DUDH, assim como criar mecanismos de monitoramento internacional da
implementação destes direitos pelos Estados partes.

2. Estrutura

- Parte 1 (art. 1º): prevê o direito de todos os povos de dispor livremente de suas
riquezas e de seus recursos naturais e à autodeterminação.
- Parte 2 (arts. 2º ao 5º): estabelece as condições gerais de aplicação do Pacto
(obrigações dos Estados, suspensão de direitos etc).
- Parte 3 (arts. 6º ao 27): apresenta os direitos protegidos pelo Pacto.
- Parte 4 (arts. 28 ao 45): cuida dos mecanismos de proteção, especialmente com a
criação do Comitê de Direitos Humanos.
- Parte 5 (arts. 46 a 47): prevê a proteção a respeito da soberania dos recursos naturais
e a relação entre as obrigações dispostas no PIDCP e as previstas na Carta das Nações
Unidas.
- Parte 6 (arts. 48 ao 53): estabelece normas referentes à assinatura, ratificação e
entrada em vigor do Pacto.

3. Protocolos facultativos

- Primeiro protocolo facultativo (1966): atribuiu ao Comitê de Direitos Humanos


competência para processar petições individuais. [RATIFICADO PELO BRASIL]
- Segundo protocolo facultativo (1989): trata da abolição da pena de morte.
[RATIFICADO PELO BRASIL COM RESERVA – pode ser aplicada pena de morte para
crimes militares mais graves cometidos no contexto de guerra declarada]

4. Órgão de proteção

- O órgão convencional de proteção do PIDCP é o COMITÊ DE DIREITOS HUMANOS,


criado pelo PIDCP.
- COMPOSIÇÃO: O Comitê é composto por 18 membros, que exercem suas funções à
título pessoal. Não pode ter mais de um membro de um mesmo Estado (busca de uma
maior representatividade geográfica).
- REQUISITOS PARA DISPUTAR UMA VAGA: São requisitos para disputar uma vaga no
Comitê: elevada reputação moral e reconhecida competência em matéria de direitos
humanos, não se exigindo, portanto, formação jurídica, embora se considere útil a
participação de algumas pessoas com experiência jurídica.
- MANDATO: Os membros do Comitê cumprem um mandato de 4 anos e são
remunerados por honorários provenientes de recurso da ONU.
- O PIDCP autoriza o Comitê a estabelecer suas Regras de Procedimento, um
documento que aprofunda em questões procedimentais.

5. Mecanismos de proteção

- Relatórios periódicos: basta ratificar o PIDCP.


- Petição interestatal: necessário ratificar o PIDCP e aceitar esta competência do
Comitê nos termos do art. 41 do PIDCP. Não é necessário ratificar o protocolo
facultativo, contudo a submissão à competência para recebimento de petição
interestatal deve ser aceita expressamente. [BRASIL NÃO ACEITOU AINDA]
- Petições individuais: necessário ratificar o PIDCP e o primeiro protocolo facultativo.

6. O Brasil e o PIDCP

- Promulgou o PIDCP por meio do Decreto no 592/1992.


- Não fez a declaração especial no sentido de reconhecer a competência do Comitê
para receber petições interestatais.
- Ratificou ambos os protocolos facultativos, sem ter, ainda, procedido com a
promulgação. [FALTA O DECRETO DO PRESIDENTE]
- Fez a reserva do segundo protocolo facultativo sobre aplicar a pena de morte por
crime militar de gravidade extrema em tempo de guerra.
- Ainda não foi responsabilizado pelo Comitê de Direitos Humanos.
- Recebeu apenas medidas provisórias no Caso Lula.
7. Alguns destaques do texto

- O art. 9.3 prevê a garantia da audiência de custódia.


- O art. 8.3.b admite que os países estabeleçam que certos crimes sejam punidos com
prisão e trabalhos forçados. A CF (art. 5o, XLVII, c) proíbe a pena de trabalho forçado.
- Diferentemente da DUDH, não previu o direito de propriedade.

AULA 14: SISTEMA GLOBAL: PIDESC


1. Informações gerais

- O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) foi


adotado em 1966 pela AGNU, tendo entrado em vigor em 1976, com o depósito do
35o instrumento de ratificação.
- O objetivo do PIDESC é conferir natureza jurídica vinculante aos DESC previstos na
DUDH, assim como criar mecanismos de monitoramento internacional da
implementação destes direitos pelos Estados partes.
- No preâmbulo de ambos os Pactos de 1966 consta que “Reconhecendo que, em
conformidade com a DUDH, o ideal do ser humano livre, liberto do temor e da miséria,
não pode ser realizado a menos que se criem condições que permitam a cada um gozar
de seus DESC, assim como de seus direitos civis e políticos”. Temos aqui, portanto, as
características da interdependência e indivisibilidade.
2. Estrutura

Vejamos como está estruturado o PIDESC:


- Parte 1 (art. 1º): prevê o direito de todos os povos de dispor livremente de suas
riquezas e de seus recursos naturais e à autodeterminação.
- Parte 2 (arts. 2º ao 5º): estabelece as condições gerais de aplicação do Pacto
(obrigações dos Estados, suspensão de direitos, etc).
- Parte 3 (arts. 6º ao 15): apresenta os direitos protegidos pelo Pacto.
- Parte 4 (arts. 15 ao 25): cuidados mecanismos de proteção.
- Parte 5 (arts. 26 ao 31): normas de assinatura, ratificação e entrada em vigor do
Pacto.
3. Protocolos facultativos

- O PIDESC conta com apenas um protocolo facultativo, adotado em 2008 pela AGNU,
que entrou em vigor em 2013.
- O objetivo deste protocolo facultativo foi atribuir competência ao Comitê de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais (Comitê DESC) para receber e processar petições
individuais e interestatais, além de lhe ter conferido também a competência para
coordenar o mecanismo convencional da investigação ou de inquérito.

4. Órgão de proteção

- O órgão convencional de proteção do PIDESC é o Comitê DESC, criado pela Resolução


no 17/1985 do Conselho Econômico e Social, que transformou um Grupo de Trabalho
criado em 1978 no Comitê DESC. Ou seja: não foi criado pelo PIDESC, mas sim por uma
Resolução do ECOSOC. Sua origem é extraconvencional. Contudo, o professor Caio
Paiva defende que o Comitê DESC se tornou convencional a partir de
- A competência do Comitê DESC, de acordo com a Resolução no 17/1985, era apenas
auxiliar o ECOSOC no exame dos relatórios apresentados pelos Estados partes, emitir
recomendações aos Estados e elaborar comentários gerais.
- O Comitê DESC é composto por 18 membros, que exercem suas funções à título
pessoal. Os membros do Comitê DESC exercem um mandato de 4 anos, podendo
ocorrer reeleição.
- Os membros do Comitê DESC são remunerados por meio de honorários custeados
pela ONU.

5. Mecanismos de proteção

- Relatórios periódicos: basta ratificar o PIDESC.


- Petições interestatais: necessário ratificar o PIDESC e também o protocolo
facultativo, além de uma declaração adicional nos termos do art. 10 do protocolo
facultativo.
- Petições individuais: necessário ratificar o PIDESC e o protocolo facultativo.
- Inquérito: necessário ratificar o PIDESC e também o protocolo facultativo, além de
uma declaração adicional nos termos do art. 11 do protocolo facultativo.

6. O Brasil e o PIDESC

- O Brasil promulgou o PIDESC por meio do Decreto no 591/1992, mas ainda não
assinou o protocolo facultativo. Ou seja: o Brasil não pode ser demandado perante o
Comitê DESC.
7. Alguns destaques do texto

- O art. 2o do PIDESC realça a implementação progressiva – e não imediata – dos


direitos sociais em sentido amplo.
- O Comitê DESC explica o conceito de progressiva efetividade:

8. Outras fontes sobre as obrigações dos Estados em relação aos DESC


9. DESC não submetidos à progressividade

Há algumas medidas que os Estados devem adotar imediatamente,


independentemente dos recursos disponíveis:
- Eliminação da discriminação;
- DESC que não demandam recursos financeiros ou que demandam recursos
financeiros menores (são exemplos o direito de fundar sindicatos e afiliar-se a eles, o
direito de greve, obrigação de proteger as crianças contra a exploração econômica e
social, remuneração igual por trabalho igual, ensino primário gratuito e obrigatório
para todos, liberdade para a investigação científica, etc).
- Obrigação de adotar medidas.
- Proibição de medidas regressivas (como regra)
- Obrigações mínimas essenciais.

AULA 15 – SISTEMA INTERAMERICANO: HISTÓRICO,


ESTRUTURA ORGÂNICA E ESTRUTURA NORMATIVA
- Bloco I

1. Desenvolvimento no início

- Desenvolve-se de forma paralela ao princípio da solidariedade pan-americana,


remontando ao Congresso do Panamá, realizado em 1826, que, por sua vez, teve raízes
na Carta da Jamaica, de 1815, que apresentava a ideia original de Simón Bolívar, e na
Doutrina Monroe, anunciada pelo então Presidente dos EUA, James Monroe, em 1823.
- Tanto Bolívar quanto Monroe, cada um a seu modo, o primeiro pelo sul, e o segundo
pelo norte, lutaram pela independência dos Estados americanos contra ameaça de
recolonização por parte das agências europeias, em especial as que integravam a
Santa Aliança, uma coligação das monarquias do Império Russo, do Império Austríaco e
do Reino da Prússia.
2. Evolução histórica do Sistema Interamericano em cinco etapas

- Primeira etapa: antecedentes da criação (1826-1948)


- Segunda etapa: inauguração e formação do sistema (1948-1959)
- Terceira etapa: início do período de monitoramento (1959-1969)
- Quarta etapa: institucionalização convencional do sistema (1969-1978)
- Quinta etapa: consolidação e aperfeiçoamento do sistema (1978-dias de hoje).

2.1. Antecedentes da criação (1826-1948)

- CONGRESSO DO PANAMÁ: Houve o Congresso do Panamá, em 1826, como o primeiro


de uma série de encontros regionais para se discutir formas de cooperação entre os
Estados americanos. Durante esse Congresso, foi aprovado o Tratado de União
Perpétua, Liga e Confederação, no qual foram inseridos alguns pontos de Direito
Internacional.
Embora esse tratado não tenha entrado em vigor, pois foi ratificado apenas pela
Grande Colômbia, ele é apontado como o grande antecessor do sistema
interamericano.
- Outros congressos regionais foram realizados no decorrer do século XIX, a maioria
deles para responder a problemas específicos, até que, em 1889, inicia-se uma fase
importante, caracterizada por um ciclo de conferências internacionais americanas
realizadas a cada 4 anos, em diferentes capitais do continente.
- Essas conferências foram construindo o que viria a ser o sistema interamericano e
ocorreram regularmente até 1938, tendo sido interrompidas somente durante a
Primeira Guerra Mundial.
- Além destas conferências ordinárias, em virtude da Segunda Guerra Mundial, os
Estados americanos reuniram-se em seis ocasiões durante o período de 1936 a 1947
para examinar problemas sobre guerra, paz e segurança.
A primeira dessas conferências especializadas foi a Conferência Interamericana para a
Paz, realizada em Buenos Aires, quando se estabeleceu um novo mecanismo ou
procedimento, chamado de consulta, para responder a situações imprevistas e
urgentes.

- Ainda sobre essa etapa, em 1945 foi realizada a Conferência Interamericana de


Chapultepec, na Cidade do México, para discutir problemas da guerra e da paz, quando
se tem início o processo de institucionalização jurídica do sistema interamericano tal
como se conhece hoje.
- Durante essa conferência, foram aprovadas diversas resoluções, algumas delas sobre
proteção internacional dos direitos humanos, como a que tratava da reorganização,
consolidação e fortalecimento do sistema interamericano, fornecendo, portanto, as
bases para que fosse criada uma “organização” dos Estados americanos.
- Em 1947, no Rio de Janeiro, em conferência especializada sobre segurança coletiva, os
Estados americanos aprovaram o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca
(TIAR), formalizando e detalhando o mecanismo de consulta que havia sido discutido e
implementado na Conferência de Buenos Aires (1936).
- Finalmente, em 1948, na 9ª Conferência Internacional Americana, realizada em
Bogotá, na Colômbia, é inaugurado o sistema interamericano de proteção dos
direitos humanos (SIPDH) propriamente dito, com a aprovação de diversos
documentos, mas principalmente da Carta da OEA e da Declaração Americana dos
Direitos e Deveres do Homem (DADDH).
- A Carta da OEA entrou em vigor em 13.12.1951, tendo sido, posteriormente, objeto
de quatro importantes reformas introduzidas pelos protocolos de Buenos Aires (1967),
Cartagena das Índias (1985), Washington (1992) e Manágua (1993).

2.2. Inauguração e formação do sistema (1948-1959)

- A Carta da OEA, assim como a Carta da ONU, possuía poucas disposições sobre
direitos humanos, limitando-se a criar e a estruturar a OEA.
A referência mais importante – apesar de muito vaga – aos direitos humanos encontra-
se no art. 3.l da Carta, por meio do qual “Os Estados americanos proclamaram os
direitos fundamentais da pessoa humana, sem fazer distinção de raça, nacionalidade,
credor ou sexo”.
- A Carta não definiu quais eram esses direitos nem estabeleceu mecanismos de
proteção.
- E a DADDH, embora tenha tido – e ainda tenha – grande importância no SIPDH, além
de não ter estabelecido um mecanismo de proteção, não foi adotada na forma de
tratado, o que atenuou a sua força.
- Assim, inaugurado e formado o SIPDH, inclusive com a adoção de outros tratados
relativos aos direitos humanos no continente, ele só foi entrar em efetivo
funcionamento em 1959, data em que se produziu um fato que deu real começo ao
sistema: a criação da CIDH pela Resolução VIII da 5a Reunião de Consulta de
Ministros das Relações Exteriores.

- Bloco II

2.3. Início do período de monitoramento (1959-1969)

- Tem início com a criação da CIDH, em 1959, por meio da Resolução VIII da Reunião de
Consulta de Ministros das Relações Exteriores.
- A CIDH nasce sem base convencional e com poderes limitados. [A CIDH nasceu
extraconvencional]
- As suas atribuições foram ampliadas em 1965, por uma resolução adotada na 2a
Conferência Interamericana Extraordinária, que lhe conferiu competência para receber
petições ou comunicações sobre violações de direitos humanos.

2.4. Institucionalização convencional do sistema (1969-1978)

- Ocorre em 1969, quando é adotada, na Conferência Especializada sobre Direitos


Humanos, em San José, na Costa Rica, a Convenção Americana sobre Direitos
Humanos (CADH – ou Pacto de San Jose da Costa Rica).
- Essa etapa de institucionalização convencional se encerra em 1978, quando a CADH
entra em vigor, após o depósito do 11o instrumento de ratificação na Secretaria-Geral
da OEA.
- O Brasil somente ratificou a CADH em 1992. Aceitou a competência contenciosa da
Corte em 1998.
- A CADH previu a CIDH como um de seus órgãos e criou a Corte IDH.

2.5. Consolidação e aperfeiçoamento do sistema (1979 - dias de hoje)

- A última etapa da evolução histórica do SIPDH é a da sua consolidação, que vai de


1978, data em que a CADH entre em vigor, até os dias de hoje.
- Esta fase é marcada pelo início da construção jurisprudencial – primeiro consultiva e
depois contenciosa – da Corte IDH, pela ampliação da estrutura normativa e pelas
propostas ou implementação de medidas para aperfeiçoar o sistema.

3. Divisão do sistema interamericano em dois subsistemas

- Como resultado dessa evolução histórica, o SIPDH acabou se dividindo em dois


subsistemas: um mais geral e político, chamado de subsistema da OEA, que se baseia
na Carta da OEA, na DADDH e no Regulamento da CIDH, e outro mais exigente e
jurídico, chamado de subsistema da CADH, que se baseia nesta e se aplica somente
para os Estados que a tenham ratificado, tendo como órgãos de proteção a CIDH e a
Corte IDH.
- A CIDH atua em ambos os subsistemas.
- O que significa o papel dúplice da CIDH?

- Papel dúplice da CIDH: a CIDH atua em ambos os subsistemas – da OEA e da CADH.


Há dois subsistemas, mas uma única CIDH. No subsistema da OEA, a CIDH atua em
relação a todos os Estados-membros. No subsistema da CADH, ela atua apenas em
desfavor dos Estados que ratificaram a CADH. Além disso, se esses Estados também
aceitaram a competência contenciosa da Corte IDH, ao final do procedimento, no
subsistema da CADH, de apuração da responsabilidade internacional do Estado, a
CIDH pode submeter o caso à jurisdição contenciosa da Corte IDH.

- Quantos sistemas de proteção existem no âmbito do sistema americano?


- O sistema de proteção de direitos humanos nas Américas é formado por quatro
diplomas centrais: a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, a Carta
da Organização dos Estados Americanos, a Convenção Americana de Direitos Humanos
(Pacto de San Jose da Costa Rica) e finalmente o Protocolo de San Salvador, relativo aos
direitos sociais e econômicos.
- Neste contesto temos dois sistemas de proteção. O primeiro sistema é o da
Organização dos Estados Americanos (OEA), que utiliza os preceitos primários da Carta
da OEA e a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem. O segundo é o
sistema da Convenção Americana de Direitos Humanos, criado no bojo da própria OEA.
- A relação entre os dois sistemas é explorada por ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS como
a de dois círculos concêntricos: “um círculo amplo composto pelo sistema da Carta da
OEA, com 35 Estados dessa Organização; um círculo menor, composto por 24 Estados,
que ratificaram a Convenção Americana de Direitos Humanos. Então, os dois sistemas
comungam, na essência, da mesma origem, a OEA. A diferença está no compromisso
mais denso firmado pelos integrantes do segundo sistema, que conta inclusive com um
tribunal especializado em direitos humanos, a Corte Interamericana de Direitos
Humanos.”

4. Estrutura orgânica do subsistema da OEA

- De acordo com o art. 53 da Carta da OEA, a Organização realiza os seus fins por
intermédio: a) da Assembleia-Geral; b) da Reunião de Consulta dos Ministros das
Relações Exteriores; c) da Comissão Jurídica Interamericana; d) da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos; e) da Secretaria-Geral; f) das Conferências
Especializadas; e g) dos Organismos Especializados.
- O § único do art. 53 ainda prevê que podem ser criados órgãos subsidiários,
organismos e outras entidades.

5. Estrutura normativa do SIPDH

- Fazem parte da estrutura normativa do SIPDH:


- DADDH – soft law;
- CADH e seus dois protocolos facultativos (pena de morte e DESCA – Protocolo
de San Salvador);
- Convenção Interamericana para prevenir e punir a tortura;
Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a
mulher (Convenção de Belém do Pará);
- Convenção Interamericana sobre o desaparecimento forçado de pessoas;
- Convenção Interamericana para a eliminação de todas as formas de
discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência;
- Convenção Interamericana contra o racismo, a discriminação racial e formas
correlatas de intolerância;
- Convenção Interamericana contra toda forma de discriminação e intolerância;
- Convenção Interamericana sobre a proteção dos DH das pessoas idosas;
- Carta da OEA;
- Declaração de princípios sobre a liberdade de expressão;
- Princípios e boas práticas para a proteção das pessoas privadas de liberdade
nas américas;
- Carta democrática interamericana;
- Estatuto e regulamento da CIDH e da Corte IDH.
- Existem mecanismos de defesa da democracia no sistema interamericano?
- Como aponta ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS, a partir dos anos 90, o sistema
interamericano passou a focar na proteção também do sistema democrático,
compreendido aqui não apenas como o de eleições livres e periódicas, mas também
substantivamente e de forma preventiva.
- Alguns marcos importantes são o Protocolo de Washington (1992), que introduziu a
cláusula democrática, permitindo a suspensão de Estados-membros cujo governo
tenha sido destituído pela força, por maioria de dois terços. O membro suspenso, no
entanto, deverá continuar observando o cumprimento de suas obrigações junto à OEA.
- Em 2001 outro passo importante foi dado com a aprovação da Carta Democrática
Interamericana na forma de uma resolução da Assembleia Geral. Ela estabelece que a
democracia é um valor essencial para a estabilidade, a paz e o desenvolvimento na
América e que todos os Estados membros da OEA têm o dever de promover e defender
a democracia.
- A CDI também prevê medidas para lidar com situações de ruptura democrática,
incluindo a suspensão de Estados membros que não cumpram os padrões
democráticos.
- A CDI é um documento importante porque fornece um marco para a promoção e a
defesa da democracia na América. Ela também ajuda a garantir que todos os Estados
membros da OEA estejam comprometidos com os princípios da democracia e que
sejam responsabilizados por qualquer violação desses princípios.
- Algumas medidas previstas para promoção da democracia incluem: o apoio a eleições
livres e justas, o fortalecimento das instituições democráticas, a promoção da cultura
democrática, o combate à corrupção e ao crime organizado e o apoio ao
desenvolvimento econômico e social.

AULA 16 – SISTEMA INTERAMERICANO: CIDH


- Bloco I

1. O que é?

- A CIDH é um órgão de proteção dos direitos humanos no continente americano,


integrando a estrutura orgânica tanto da OEA quanto da CADH.
2. Como foi criada?

- Por meio da Resolução VIII da 5a Reunião de Consulta de Ministros das Relações


Exteriores, realizada em Santiago, Chile, em agosto de 1959.
- Cançado Trindade afirma que “(...) ao criar a CIDH, a Reunião de Consulta, concebida
originalmente como órgão de consulta para problemas de natureza urgente afetando a
paz e segurança continentais, de certo modo ampliava ela própria sua competência
ratione materiae, exercendo pela primeira vez desde a adoção da Carta de Bogotá um
poder de institucionalização, reservado pela Carta original da OEA à Conferência
Interamericana” (Tratado, vol. III, p. 35).
- Para Buergenthal, Grossman e Nikken, “Essa decisão foi objetada por alguns governos
que consideraram duvidoso que uma instituição como a Comissão pudesse ser criada
no marco de uma Reunião de Consulta, sem recorrer a uma reforma da Carta ou à
adoção de um tratado especial” (Manual, p. 92).
3. Como se desenvolveu a CIDH

- Agosto/1959: criação por meio da Resolução VIII da 5a Reunião de Consulta de


Ministros das Relações Exteriores, realizada em Santiago, Chile.

1965: Momento em
que a CIDH passa a
ter competência
para examinar
petições individuais

1967: Momento em
que a CIDH passa a
ter base
convencional.
4. Papel dúplice

- Como decorrência da divisão do SIPDH em dois subsistemas – da OEA e da CADH –, a


CIDH acabou acumulando atribuições para atuar em ambos, surgindo daí o seu papel
dúplice ou a sua dualidade de regime jurídico.
5. Funções da CIDH

- De acordo com a CADH (art. 41) e com o seu Estatuto (art. 18), a CIDH tem como
funções PROMOVER A OBSERVÂNCIA E A DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS E SERVIR
COMO ÓRGÃO CONSULTIVO DA OEA NESTA MATÉRIA.
- Vejamos as funções da CIDH elencadas em seu site:
- Bloco II

6. Composição

- A CIDH compõe-se de sete membros, chamados de comissionados.


- São requisitos para disputar uma vaga na CIDH: 1) alta autoridade moral; 2)
reconhecido saber em matéria de direitos humanos; e 3) ser nacional de um Estado
membro da OEA.
- Não se exige formação jurídica. Como exemplo de comissionado sem formação
jurídica da CIDH, cito o brasileiro Paulo Vannuchi (ex-membro), cuja formação se deu
na área de jornalismo.
- Não pode fazer parte da CIDH mais de um nacional do mesmo Estado.  Busca de
uma maior representatividade geográfica.
7. Mandato e processo de escolha

- O mandato dos membros da CIDH, de acordo com a CADH, é de 4 anos, podendo ser
reeleitos uma vez apenas.
- O processo de escolha funciona assim: cada Estado membro da OEA pode propor até
três candidatos, nacionais seus ou de qualquer outro Estado membro da OEA (se
propor três, um deve ser de outra nacionalidade) e, depois, a eleição ocorre na
Assembleia-Geral da OEA, em votação secreta, podendo votar todos os Estados
membros da OEA.
8. Regime de incompatibilidades e de impedimentos

- Ler o art. 4o do Regulamento (incompatibilidades) e o art. 17.2 do Regulamento


(impedimentos).
9. Organização interna

- De acordo com o art. 6o do Regulamento, a Comissão possui uma Diretoria que


compõe-se de um Presidente, um Primeiro Vice-Presidente e um Segundo Vice-
Presidente, que cumprem mandato de um ano, podendo ser reeleitos para seus
respectivos cargos apenas uma vez a cada quatro anos (Regulamento, art. 9.1).
- A organização interna da CIDH ainda conta com uma Secretaria Executiva, composta
por um Secretário Executivo, por pelo menos um Secretário Adjunto e pelo pessoal
profissional, técnico e administrativo necessário para o desempenho de suas atividades
(Regulamento, art. 11.1).
- De acordo com o art. 13 do Regulamento, “A Secretaria Executiva preparará os
projetos de relatórios, resoluções, estudos e outros trabalhos de que seja encarregada
pela Comissão ou o Presidente. Ademais, receberá e fará tramitar as correspondências
e as petições e comunicações dirigidas à Comissão. A Secretaria Executiva também
poderá solicitar às partes interessadas a informação que considere pertinente, de
acordo com o disposto no presente Regulamento”.
- O Secretário-Executivo deve ser uma pessoa com independência e alta autoridade
moral, com experiência e trajetória reconhecida na área de direitos humanos.
- As atribuições do Secretário-Executivo consistem, no geral, em assessorar o
Presidente e os membros da CIDH no desempenho de suas funções.
10. Relatorias e grupos de trabalho

- Para acompanhar o processo natural do DIDH de reconhecer as especificidades, os


desafios e as demandas de cada grupo de vulneráveis ou de direitos ou garantias que
demandavam uma atenção especial, a CIDH passou a criar, a partir de 1990, relatorias
temáticas para fortalecer, impulsionar e sistematizar o trabalho da própria CIDH.
- A previsão normativa das Relatorias e grupos de trabalho está no art. 15 do
Regulamento.
- Quando se tratar de apenas um membro, tem-se a Relatoria; quando houver mais de
um membro, tem-se um Grupo de Trabalho.
- Há tanto relatorias geográficas (por país ou região) quanto relatorias temáticas (por
temas).
- São designadas de relatorias especiais as relatorias temáticas ocupadas por pessoas
designas pela CIDH.  Relatorias especiais: temáticas ocupadas por pessoas
designadas pela CIDH (as relatorias temáticas admitem pessoas externas à CIDH)
11. Investigação in loco

- A CIDH pode realizar visitas ou investigação in loco para investigar um fato específico
ou para verificar a situação geral dos direitos humanos no país.
- A realização desta atividade depende do consentimento prévio do Estado, SEMPRE.
AULA 17 – SISTEMA INTERAMERICANO: CORTE IDH
- Bloco I

1. O que é?

- A Corte IDH é órgão da OEA? Qual a competência da Corte IDH?


- Uma instituição judicial do SIPDH que tem como objetivo aplicar e interpretar a
CADH e outros instrumentos internacionais.
- NATUREZA JURÍDICA: Tem natureza jurídica de instituição judicial autônoma,
conforme o seu Estatuto (art. 1o) e a sua jurisprudência (Opinião Consultiva no
1/1982).
- É um órgão da própria CADH, não integrando – diversamente da CIDH – a estrutura
da OEA. Não tem o caráter dúplice da CIDH.
- Importante compreender, porém, que autonomia, aqui, não significa uma completa
ausência de controle e de participação da OEA, que, manifestando-se pela vontade dos
Estados-Partes da CADH: 1) escolhe os juízes da Corte; 2) determina o lugar da sede da
Corte; 3) dirige – no que não for incompatível com a independência da Corte – a
Secretaria do tribunal; 4) aprova o Estatuto da Corte; 5) auxilia na supervisão do
cumprimento das decisões da Corte; 6) aprova o orçamento da Corte; e 7) exerce
poder disciplinar e sancionatório sobre os juízes da Corte.
- E ainda, a integração de um tribunal à estrutura de uma organização internacional
não implica em prejuízo para a independência judicial do tribunal. Basta lembrarmos
do exemplo da Corte Internacional de Justiça (CIJ), que integra a Organização das
Nações Unidas (ONU).

2. Como surgiu?

- Diferentemente da CIDH, a Corte IDH já nasceu com base convencional, pois foi
criada pela CADH (1969). De acordo com a doutrina, a história da criação da Corte IDH
pode ser dividida em quatro etapas:
- Primeira: adoção – durante conferências internacionais – de resoluções a respeito da
necessidade de criar uma Corte Interamericana de Direitos Humanos, que vai de 1948
a 1959.
- Segunda: elaboração dos diversos projetos sobre uma CADH, que vai de 1959 a 1969.
- Terceira: adoção da CADH até sua entrada em vigor, que vai de 1969 a 1978.
- Instalação: instalação da Corte IDH em 1979.
- Interessante anotar que embora tenha havido uma proposta da Costa Rica, em 1923,
para que fosse criado um tribunal internacional de direitos humanos no continente,
essa iniciativa não foi acolhida. Aponta-se como primeiro antecedente histórico exitoso
da criação da Corte IDH a 9a Conferência Internacional Americana, realizada em 1948,
em Bogotá, na Colômbia, quando foi aprovada a Resolução XXXI – Corte
Interamericana para proteger Direitos Humanos, que foi resultado de uma proposta
apresentada pelo Brasil.
- O Brasil, que propôs a criação da Corte IDH em 1948, veio a aceitar a competência
contenciosa do tribunal 50 anos depois, em 1998.
3. Sede e regime jurídico

- De acordo com o art. 58.1 da CADH, “A Corte terá sua sede no lugar que for
determinado, na Assembleia-Geral da Organização, pelos Estados Partes na Convenção,
mas poderá realizar reuniões no território de qualquer Estado membro da OEA em que
considerar conveniente pela maioria dos seus membros e mediante prévia
aquiescência do Estado respectivo. Os Estados Partes na Convenção podem, na
Assembleia-Geral, por dois terços dos seus votos, mudar a sede da Corte”.
- A escolha de San José decorreu, na verdade, de uma oferta do governo da Costa Rica,
o que foi aprovado pelos Estados Partes na Assembleia-Geral da OEA. Assim, a Corte foi
instalada em San José, em cerimônia realizada em 03.09.1979, no Teatro Nacional de
San José, lugar em que dez anos antes havia sido adotada a CADH.
- O regime jurídico da Corte IDH compreende os artigos 52 a 69 da CADH, o seu
Estatuto (elaborado pela Corte e aprovado pela Assembleia-Geral da OEA em 1979) e o
seu Regulamento (expedido pela própria Corte, sendo o primeiro aprovado em 1980,
seguido e substituído, depois, pelos Regulamentos de 1991, 1996, 2000, 2003 e 2009).
- Enquanto o Estatuto veicula disposições essencialmente orgânicas, que desenvolvem
e complementam a CADH, o Regulamento trata predominantemente de questões
procedimentais – assunto que a CADH não aprofunda muito –, contendo algumas
disposições de caráter orgânico.
4. Composição e requisitos para o cargo

- A Corte IDH compõe-se de sete juízes (CADH, art. 52.1). [CIDH: 7 comissionados]
- São requisitos para o cargo: 1) ter independência; 2) ser nacional de um dos Estados
membros da OEA; 3) ter a mais alta autoridade moral; 4) ser jurista que reúna as
condições requeridas para o exercício das mais elevadas funções judiciais, de acordo
com a lei do Estado do qual sejam nacionais ou do Estado que os propuser como
candidatos; e 5) ter reconhecida competência em matéria de direitos humanos.
- Não deve haver dois juízes da mesma nacionalidade (CADH, art. 52.2).
- PROCESSO DE ESCOLHA DOS JUÍZES: De acordo com o art. 53 da CADH: “1) Os juízes
da Corte serão eleitos, em votação secreta e pelo voto da maioria absoluta dos Estados
Partes na Convenção, na Assembleia Geral da OEA, de uma lista de candidatos
propostos pelos mesmos Estados; 2) Cada um dos Estados Partes pode propor até três
candidatos, nacionais do Estado que os propuser ou de outro Estado membro da
Organização dos Estados Americanos.
- Quando se propuser uma lista de três candidatos, pelo menos um deles deverá ser
nacional de Estado diferente do proponente”.
- Percebam, portanto, que, para propor candidato, o Estado precisa ter ratificado a
CADH, mas que o candidato pode ser de nacionalidade de qualquer Estado membro da
OEA, ainda que não tenha ratificado a CADH.

6. Mandato

- De acordo com o art. 54 da CADH: “1) Os juízes da Corte serão eleitos por um período
de seis anos e só poderão ser reeleitos uma vez. O mandato de três juízes na primeira
eleição expirará ao cabo de três anos. Imediatamente depois da referida eleição,
determinar-se-ão por sorteio, na Assembleia-Geral, os nomes desses três juízes; 2) O
juiz eleito para substituir outro, cujo mandato não haja expirado, completará o período
deste; e 3) Os juízes permanecerão em funções até o término dos seus mandatos.
Entretanto, continuarão funcionando nos casos de que já houverem tomado
conhecimento e que se encontrem em fase de sentença e, para tais efeitos, não serão
substituídos pelos novos juízes eleitos [PRORROGAÇÃO DO MANDATO]”.
- Prorrogação de mandato: o princípio ou garantia do juiz natural recebe um
tratamento mais amplo na normativa dos tratados que dispõe o funcionamento de
tribunais internacionais, projetando um vínculo do julgador com o caso que pode
superar o término do mandato nos termos do art. 54.3, apenas nos casos que já
tenham tomado conhecimento e que se encontrem em fase de sentença.
- Conforme prevê o art. 55 da CADH, “1) O juiz que for nacional de algum dos Estados
Partes no caso submetido à Corte conservará o seu direito de conhecer do mesmo; 2)
Se um dos juízes chamados a conhecer do caso for de nacionalidade de um dos Estados
Partes, outro Estado Parte no caso poderá designar uma pessoa de sua escolha para
fazer parte da Corte na qualidade de juiz ad hoc; 3) Se, dentre os juízes chamados a
conhecer do caso, nenhum for de nacionalidade dos Estados Partes, cada um destes
poderá designar um juiz ad hoc; 4) O juiz ad hoc deve reunir os requisitos indicados no
artigo 52; e 5) Se vários Estados Partes na Convenção tiverem o mesmo interesse no
caso, serão considerados como uma só parte, para os fins das disposições anteriores.
Em caso de dúvida, a Corte decidirá”.
- Bloco II

7. Juiz ad hoc

- A figura do juiz ad hoc tem origem no Direito Internacional para a resolução de


disputas clássicas entre Estados. O art. 31 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça
(ECIJ) estabelece expressamente essa figura. Foi concebido para manter o equilíbrio
processual entre Estados Partes. Havia, assim, uma motivação política e diplomática: se
os Estados não pudessem garantir sua representação no Tribunal, seria difícil obter seu
consentimento.
- Existe juiz ad hoc na Corte IDH? Em quais situações?
- A Corte IDH delimitou a atuação do juiz ad hoc em sua Opinião Consultiva no
20/2009, apontando que o juiz ad hoc somente deve ser admitido nas demandas
originadas de comunicações ou petições interestatais; logo, nas demandas iniciadas
pela CIDH, o Estado não possui o direito de indicar juiz nacional ad hoc. Além disso, na
mesma Opinião Consultiva, a Corte restringiu a possibilidade de o juiz que possuir a
mesma nacionalidade do Estado réu atuar no caso, somente a admitindo nas
demandas interestatais.
- Essa orientação jurisprudencial da Corte depois foi incorporada ao seu Regulamento.
- Conforme prevê o art. 55 da CADH, “1) O juiz que for nacional de algum dos Estados
Partes [Estado x Estado] no caso submetido à Corte conservará o seu direito de
conhecer do mesmo; 2) Se um dos juízes chamados a conhecer do caso for de
nacionalidade de um dos Estados Partes, outro Estado Parte no caso poderá designar
uma pessoa de sua escolha para fazer parte da Corte na qualidade de juiz ad hoc ; 3)
Se, dentre os juízes chamados a conhecer do caso, nenhum for de nacionalidade dos
Estados Partes, cada um destes poderá designar um juiz ad hoc; 4) O juiz ad hoc deve
reunir os requisitos indicados no artigo 52; e 5) Se vários Estados Partes na Convenção
tiverem o mesmo interesse no caso, serão considerados como uma só parte, para os
fins das disposições anteriores. Em caso de dúvida, a Corte decidirá”.  somente
demandas interestatais.
8. Funcionamento

- De acordo com o art. 22 do Estatuto, a Corte celebra sessões ordinárias e


extraordinárias. Os períodos ordinários de sessões são determinados no Regulamento
da Corte. Os períodos extraordinários são convocados pela Presidência por iniciativa
própria ou a pedido da maioria dos juízes.
- NÃO É UM TRIBUNAL PERMANENTE. É um Tribunal semipermanente (a Presidência
mantém um regime permanente)
- Os art. 23 do Estatuto prevê que o quórum para as deliberações é de cinco juízes, que
as decisões são tomadas pela maioria dos juízes presentes e que, no caso de empate, o
voto do Presidente decidirá.
- Nos termos do art. 24 do Estatuto, as audiências são públicas, salvo se a Corte
excepcionalmente decidir o contrário. A Corte delibera em privado.
- O regime financeiro da Corte, de acordo com o art. 26 do Estatuto, funciona assim: a
Corte elabora sua proposta orçamentária e a submete para aprovação da Assembleia-
Geral da OEA (com participação, porém, apenas dos Estados Partes da CADH).

9. Estrutura

- Uma presidência, uma Vice-Presidência, uma Comissão Permanente (bem como


outras Comissões que podem ser criadas para assuntos específicos) e uma secretaria.
- A Presidência e a Vice-Presidência são eleitas pela Corte para um período de 02 anos,
podendo ser reeleitas. A eleição é realizada por votação secreta dos juízes.
- A Comissão Permanente, integrada pela Presidência, pela Vice-Presidência e por
outros juízes que a Presidência designar, assistirá a Presidência no exercício de suas
funções.
- Secretaria: a Corte elege seu Secretário, que possui mandato de 05 anos, podendo ser
reeleito. O Secretário deve possuir os conhecimentos jurídicos requeridos para o cargo,
conhecer os idiomas de trabalho da Corte e ter a experiência necessária para o
exercício de suas funções.

AULA 18 – SISTEMA INTERAMERICANO:


COMPETÊNCIA CONSULTIVA DA CORTE IDH
- Bloco I

1. Previsão normativa

- De acordo com o art. 64 da CADH:


“1) Os Estados-Partes da Organização poderão consultar a Corte sobre a interpretação
desta Convenção ou de outros tratados concernentes à proteção dos direitos
humanos nos Estados americanos. Também poderão consultá-la, no que lhes
compete, os órgãos enumerados no capítulo X da Carta da OEA, reformada pelo
Protocolo de Buenos Aires;
2) A Corte, a pedido de um Estado-Membro da Organização, poderá emitir pareceres
sobre a compatibilidade entre qualquer de suas leis internas e os mencionados
instrumentos internacionais”.
- Além da CADH, encontramos também no Regulamento da Corte IDH (artigos 70 a 75)
uma disciplina procedimental mais minuciosa sobre a competência consultiva.
2. Finalidade

- A competência consultiva pode ser considerada um serviço que a Corte presta a


todos os Estados-membros da OEA com o objetivo de coadjuvar o cumprimento de
seus compromissos internacionais sobre direitos humanos (OC 1/1982).
- O propósito central da função consultiva é obter uma interpretação sobre tratados
concernentes à proteção dos direitos humanos nos Estados americanos, cumprindo,
portanto, a função própria de um controle de convencionalidade preventivo (OC
22/2016).
- A Corte também já ressaltou que a CADH, ao permitir aos legitimados solicitarem
opinião consultiva, cria um sistema paralelo ao do art. 62 e oferece um método
judicial alternativo de caráter consultivo, destinado a ajudar os Estados e órgãos a
cumprir e aplicar os tratados de direitos humanos, sem submetê-los ao formalismo e
ao sistema de sanções que caracteriza o processo contencioso (OC 3/1983).
3. Alcance

- Considerada a mais ampla função consultiva já confiada a um tribunal internacional,


seja pela quantidade de legitimados para solicitar a consulta, seja pelo alcance dos
tratados que podem ser objeto da consulta (OC 1/1982).
- A amplitude, porém, não se confunde com ausência de limites. Para a Corte IDH, o
pedido de opinião consultiva:
 Não pode ter como objetivo determinar o alcance dos compromissos
internacionais assumidos por Estados que não sejam membros do sistema
interamericano (OC 1).
 Não pode buscar a interpretação de normas que regulam a estrutura ou o
funcionamento de órgãos ou organismos internacionais alheios ao sistema
interamericano (OC 1).
 Não deve disfarçar um caso contencioso ou pretender de forma prematura um
pronunciamento sobre um tema ou assunto que poderá eventualmente ser
submetido à Corte através de um caso contencioso (OC 16 e OC 25).
 Não deve ser utilizada como um mecanismo para obter um pronunciamento
indireto sobre um assunto em litígio ou em controvérsia a nível interno (OC 25).
 Não deve ser utilizada como um instrumento de debate político interno (OC
25).
 Não deve abranger, exclusivamente, temas sobre os quais a Corte já tenha se
pronunciado em sua jurisprudência (OC 25).
 Não deve procurar a resolução de questões de fato, mas sim buscar o sentido, o
propósito e a razão das normas internacionais sobre direitos humanos e,
sobretudo, coadjuvar os Estados membros e os órgãos da OEA para que
cumpram de maneira efetiva suas obrigações internacionais (OC 25).
 Não deve partir de especulações abstratas, sem uma previsível aplicação a
situações concretas que justifiquem o interesse de que seja emitida uma
opinião consultiva (OC 25).

- Desde a sua instalação, a Corte IDH rejeitou apenas cinco opiniões consultivas.
Destaco a solicitação apresentada pelo Secretário-Geral da OEA, por meio da qual
pediu à Corte que indicasse os critérios limitadores dos juízos políticos, referindo-se
especificamente – para demandar mais urgência na apreciação – ao caso do
impeachment da então Presidente Dilma.
- A Corte IDH rejeitou o pedido, compreendendo que o assunto poderia ser submetido
depois no contexto de um caso contencioso. Afirmou, ainda, que uma resposta à
consulta apresentada poderia implicar pronunciar-se sobre um assunto que ainda não
estava resolvido a nível interno.
- Bloco II

4. Características do procedimento

- O procedimento consultivo tem características e lógicas próprias, distintas das que


vigoram no procedimento contencioso.
- Trata-se de uma competência obrigatória, ativada automaticamente com a
ratificação pelos Estados nos termos da CADH.
- Não há partes (demandante e demandado), sentença nem tampouco sanções e
reparações, mas apenas a emissão de uma opinião consultiva (OC 15 e OC 3).
- A Corte IDH também já precisou a natureza multilateral e não litigiosa da sua
competência consultiva (OC 15).
5. Objeto da consulta

- O pedido de opinião consultiva à Corte pode ter como objeto tanto:


1) a interpretação da CADH ou de outros tratados concernentes à proteção dos
direitos humanos nos Estados americanos, o que denomino de opinião consultiva de
interpretação, quanto
2) o exame de compatibilidade entre qualquer lei interna e os mencionados
instrumentos internacionais, o que denomino de opinião consultiva de
compatibilidade.
5.1. Opinião consultiva de interpretação

- Vamos recordar o disposto no art. 64.1 da CADH: “Os Estados membros da


Organização poderão consultar a Corte sobre a interpretação desta Convenção ou de
outros tratados concernentes à proteção dos direitos humanos nos Estados
americanos. Também poderão consultá-la, no que lhes compete, os órgãos
enumerados no capítulo X da Carta da OEA, reformada pelo Protocolo de Buenos
Aires”.
- LEGITIMADOS: São legitimados para pedir a opinião consultiva os Estados membros
da OEA (independentemente de terem ratificado a CADH – qualquer Estado-membro
da OEA pode pedir à Corte IDH uma opinião consultiva) e os órgãos da OEA.
- LEGITIMIDADE DOS ESTADOS-MEMBROS: A respeito da legitimidade dos Estados
membros, apenas o Chefe do Poder Executivo nacional ou quem ele designar, como,
por exemplo, o Ministro das Relações Exteriores, pode exercê-la, não havendo que se
falar em legitimidade de representantes do Poder Legislativo nem do Poder Judiciário
(OC 4/1984).
- Ainda sobre a legitimidade dos Estados membros, ela é compreendida como
absoluta, isto é, não se lhes exige uma pertinência temática ou um legítimo interesse
institucional.
- LEGITIMIDADE DOS ÓRGÃOS DA OEA: Os órgãos da OEA, sim, precisam demonstrar
um legítimo interesse institucional (OC 2/1982 e também artigos 70.3 e 71.2 do
Regulamento da Corte), salvo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH),
que, assim como os Estados, possui uma legitimidade absoluta (OC 2).
- EXCEÇÃO CIDH: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), assim como
os Estados, possui uma legitimidade absoluta.
- COMISSÃO INTERAMERICANA DE MULHERES: Importante lembrar, ainda, que a
Convenção de Belém do Pará atribui a legitimidade para solicitar opinião consultiva
sobre o seu texto à Comissão Interamericana de Mulheres, um organismo
especializado interamericano, de caráter permanente, criado de acordo com a Carta da
OEA.
- TRATADOS QUE PODEM SER OBJETO DE OPINIÃO CONSULTIVA: Quais tratados
podem ser objeto da opinião consultiva de interpretação? A CADH e qualquer outro
tratado concernente à proteção dos direitos humanos nos Estados americanos. A
Corte IDH abordou o assunto em sua primeira opinião consultiva, reconhecendo que
não há uma limitação geográfica sobre quais tratados podem ser objeto de opinião
consultiva.
- A Corte entende, porém, que não pode opinar sobre o alcance de compromissos
internacionais assumidos por Estados que não sejam membros do sistema
interamericano ou interpretar normas que regulam a estrutura ou o funcionamento de
órgãos internacionais alheios a ele (OC 1).
- Em seu repertório jurisprudencial consultivo, a Corte IDH já emitiu interpretação
sobre tratados internacionais produzidos fora do sistema interamericano, como a
Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (CVDT), a Convenção da ONU sobre
Direitos da Criança, o PIDCP, a Convenção da ONU contra a Tortura, a Convenção sobre
o Estatuto dos Refugiados etc.
- A Corte também admite sua competência para interpretar a Declaração Americana
dos Direitos e Deveres do Homem (DADDH) quando isso seja necessário para
interpretar disposições da CADH ou da Carta da OEA (OC 10).
- A Corte IDH pode adotar uma opinião consultiva sobre a Convenção Europeia de
Direitos Humanos?
o NÃO. A Convenção Europeia de Direitos Humanos NÃO é um tratado
concernente à proteção dos Direitos Humanos nos estados americanos. É um
tratado concernente à proteção dos Direitos Humanos para os estados
europeus. Portanto, não é cabível tal OC.
- A Corte IDH pode adotar uma opinião consultiva sobre a Carta Africana de Direitos
Humanos e dos Povos?
o NÃO. A Carta Africana NÃO é um tratado concernente à proteção dos Direitos
Humanos nos estados americanos. Portanto, não é cabível tal OC.
- A Corte IDH pode adotar uma opinião consultiva sobre tratados do sistema global de
proteção dos Direitos Humanos, produzidos no contexto da ONU?
o SIM. Tratados produzidos no sistema global são concernentes à proteção dos
Direitos Humanos globalmente, atingindo, também, os Estados americanos.
5.2. Opinião consultiva de compatibilidade

- Primeiro vamos relembrar o disposto no art. 64.2 da CADH: “A Corte, a pedido de um


Estado membro da Organização, poderá emitir pareceres sobre a compatibilidade
entre qualquer de suas leis internas e os mencionados instrumentos internacionais”.
- LEGITIMADOS: São legitimados para solicitar a opinião consultiva de compatibilidade
somente os Estados membros da OEA. E ainda, apenas o próprio Estado “proprietário”
da normativa interna.
- LEIS INTERNAS: A expressão “leis internas” abrange toda a legislação nacional,
incluindo disposições constitucionais (OC 4).
- PROJETO DE LEI OU DE EMENDA CONSTITUCIONAL: A Corte IDH já esclareceu que
um projeto de lei ou de emenda constitucional também pode ser objeto de opinião
consultiva (OC 4).
- PARÂMETRO: O parâmetro, aqui, é o mesmo da opinião consultiva de interpretação:
todos os tratados concernentes à proteção dos direitos humanos nos Estados
americanos.
6. Requisitos para a apresentação do pedido de opinião consultiva

- Tratando-se da opinião consultiva de interpretação, de acordo com os artigos 70 e


71 do Regulamento da Corte IDH, os requisitos são os seguintes: 1) formular com
precisão as perguntas; 2) especificar as disposições que devem ser interpretadas; 3)
indicar as considerações que a originaram; e 4) informar o nome e o endereço do
Agente ou dos Delegados que comparecerão no procedimento perante a Corte.
- Se o pedido de opinião consultiva é apresentado por outro órgão da OEA, diverso da
CIDH, há, conforme vimos anteriormente, um requisito adicional: indicar de que
maneira a consulta se refere à sua esfera de competência (o denominado legítimo
interesse institucional).
- Tratando-se da opinião consultiva de compatibilidade, de acordo com o art. 72 do
Regulamento da Corte IDH, os requisitos são os seguintes: 1) cópia das disposições
internas a que se refere a consulta; 2) indicar as disposições de direito interno, bem
como os da Convenção ou de outros tratados concernentes à proteção dos direitos
humanos que são objeto da consulta; 3) as perguntas específicas sobre os quais se
pretende obter o parecer da Corte; e 4) o endereço do Agente do solicitante.
- Sobre o requisito de formular as perguntas com precisão, a Corte entende que não
está adstrita aos termos literais empregados pelo solicitante, podendo esclarecer e
em alguns casos até mesmo reformular as perguntas apresentadas com o objetivo de
determinar com clareza o objeto substancial de seu trabalho consultivo (OC 25).
7. Procedimento para a emissão da opinião consultiva

- Previsto no art. 73 do Regulamento da Corte IDH, desenvolve-se em cinco fases: 1)


admissibilidade; 2) notificação da consulta; 3) observações escritas; 4) audiência
pública; e 5) pronunciamento da Corte.
- A fase de admissibilidade não consta expressamente do art. 73 do Regulamento, mas
integra o procedimento, podendo a Corte, de forma fundamentada, decidir – a
qualquer tempo – por não dar trâmite ao pedido de opinião consultiva (OC 25).
- Se o solicitante decide retirar o pedido de opinião consultiva, como a Corte IDH
deve proceder? Isso ocorreu no processamento da OC 15/1997, em que o solicitante
(Chile) decidiu retirá-la. A Corte IDH, porém, entendeu que o solicitante da OC não é o
único titular de um interesse legítimo no resultado do procedimento, assentando,
então, que a desistência ou retirada manifestada pelo solicitante não a impede de
exercer a sua competência consultiva.
8. Efeito jurídico

- Para a Corte IDH, embora as opiniões consultivas não tenham o mesmo efeito
vinculante reconhecido para suas sentenças em matéria contenciosa, elas possuem
efeitos jurídicos inegáveis (OC 15).

9. Opiniões consultivas relevantes

- OC 22/2016 - TITULARIDADE DE DIREITOS DAS PESSOAS JURÍDICAS NO SISTEMA


INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS

- O artigo 1.2 da Convenção Americana somente consagra direitos em favor de pessoas


físicas, razão pela qual as pessoas jurídicas não são titulares dos direitos consagrados
em tal tratado.
- As comunidades indígenas e tribais são titulares dos direitos protegidos na Convenção
e, portanto, podem ter acesso ao sistema interamericano.
- O artigo 8.1.a do Protocolo de San Salvador confere titularidade de direitos aos
sindicatos, às federações e às confederações, o que lhes permite se apresentar perante
o sistema interamericano na defesa de seus próprios direitos no âmbito do
estabelecido em tal artigo.
- As pessoas físicas em alguns casos podem chegar a exercer seus direitos através de
pessoas jurídicas, de forma que em tais situações poderão recorrer ao Sistema
Interamericano para apresentar as presumidas violações a seus direitos.
- As pessoas físicas em determinadas hipóteses podem esgotar os recursos internos
por
meio dos recursos interpostos pelas pessoas jurídicas.
- OC 24/2017 – IDENTIDADE DE GÊNERO, IGUALDADE E NÃO DISCRIMINAÇÃO A
CASAIS DO MESMO SEXO

 Obrigações estatais em relação à mudança de nome, à identidade de gênero e aos


direitos derivados de um vínculo entre casais do mesmo sexo.
- A mudança de nome e, em geral, a adequação dos registros públicos e dos
documentos
de identidade para que estes sejam conforme a identidade de gênero autopercebida
constitui um direito protegido pelos artigos 3°, 7.1, 11.2 e 18 da Convenção Americana,
em relação com o 1.1 e 24 do mesmo instrumento, pelo que os Estados estão
obrigados a reconhecer, regular e estabelecer os procedimentos adequados para tais
fins.
- Os Estados devem garantir que as pessoas interessadas na retificação da anotação do
gênero ou, se este for o caso, às menções do sexo, em mudar seu nome, adequar sua
imagem nos registros e/ou nos documentos de identidade, em conformidade com a
sua identidade de gênero autopercebida, possam recorrer a um procedimento ou um
trâmite: a) enfocado na adequação integral da identidade de gênero autopercebida; b)
baseado unicamente no consentimento livre e informado do requerente, sem exigir
requisitos como certificações médicas e/ou psicológicas ou outras que possam ser
irrazoáveis ou patológicas; c) deve ser confidencial. Além disso, mudanças, correções
ou adequações nos registros e nos documentos de identidade não devem refletir
mudanças de acordo com a identidade de gênero; d) deve ser expedito e, na medida
do possível, deve ser gratuito, e e) não deve exigir a acreditação de operações
cirúrgicas e/ou hormonais. O procedimento que melhor se adapta a estes elementos é
o procedimento ou trâmite materialmente administrativo ou cartorial. Os Estados
podem fornecer, ao mesmo tempo, um canal administrativo que permita a eleição da
pessoa.
- A Convenção Americana, em virtude do direito à proteção da vida privada e familiar
(artigo 11.2), assim como o direito à proteção da família (artigo 17), protege o vínculo
familiar que possa derivar de uma relação de um casal do mesmo sexo.
- O Estado deve reconhecer e garantir todos os direitos que se derivam de um vínculo
familiar entre pessoas do mesmo sexo.
- De acordo com os artigos 1.1, 2°, 11.2, 17 e 24 da Convenção, é necessário que os
Estados garantam o acesso a todas as figuras já existentes nos ordenamentos jurídicos
internos, incluindo o direito ao matrimônio, para assegurar a proteção de todos os
direitos das famílias formadas por casais do mesmo sexo, sem discriminação com
respeito às que estão constituídas por casais heterossexuais.
OC 25-2018 – A INSTITUIÇÃO DO ASILO E SEU RECONHECIMENTO COMO DIREITO
HUMANO NO SISTEMA INTERAMERICANO DE PROTEÇÃO

- O direito de buscar e receber asilo no âmbito do sistema interamericano configura-se


como um direito humano de buscar e receber proteção internacional em território
estrangeiro, inclusive com esta expressão a condição de refugiado, segundo os
instrumentos pertinentes das Nações Unidas ou legislação nacional correspondente, e
o asilo territorial, em conformidade com as diversas convenções interamericanas sobre
a matéria.
- O asilo diplomático não é protegido pelo Artigo 22.7 da CADH ou pelo Artigo XXVII da
DADDH, razão pela qual deve ser regido pelas convenções interestatais que o
regulamentam e as disposições da legislação nacional.
- O princípio da não devolução é exigível por qualquer pessoa estrangeira, incluindo
aquelas que procuram proteção internacional, sobre a qual o Estado em questão esteja
exercendo a autoridade ou que está sob o seu efetivo controle, independentemente de
estar no território terrestre, fluvial, marítimo ou aéreo do Estado.
- O princípio de não devolução não só exige que a pessoa não seja devolvida, mas
também impõe obrigações positivas aos Estados, nos termos dos parágrafos 194 a 199.
o 194. A Corte considera que, no âmbito da Convenção Americana, é necessária a
entrevista da pessoa e uma avaliação preliminar do risco de devolução.
o 195. Da mesma forma, o Comitê de Direitos Humanos considerou que uma
pessoa não pode ser extraditada, deportada, expulsa ou removida de qualquer
forma do território de um Estado, se houver motivos suficientes para acreditar
que existe um risco de dano irreparável a seus direitos, e sem primeiro levar em
consideração as alegações da pessoa sobre o risco existente.
o 197. O Tribunal considera também que a situação jurídica da pessoa não pode
permanecer no limbo ou prolongar-se indefinidamente.

AULA 19 – SISTEMA INTERAMERICANO:


COMPETÊNCIA CONTENCIOSA DA CORTE IDH
1. Previsão normativa

- De acordo com o art. 62 da CADH:


“1) Todo Estado Parte pode, no momento do depósito do seu instrumento de
ratificação desta Convenção ou de adesão a ela, ou em qualquer momento posterior,
declarar que reconhece como obrigatória, de pleno direito e sem convenção especial, a
competência da Corte em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação desta
Convenção;
2) A declaração pode ser feita incondicionalmente, ou sob condição de reciprocidade,
por prazo determinado ou para casos específicos. Deverá ser apresentada ao
Secretário-Geral da Organização, que encaminhará cópias da mesma aos outros
Estados membros da Organização e ao Secretário da Corte; e
3) A Corte tem competência para conhecer de qualquer caso relativo à interpretação e
aplicação desta Convenção que lhe seja submetido, desde que os Estados Partes no
caso tenham reconhecido ou reconheçam a referida competência, seja por declaração
especial, como preveem os incisos anteriores, seja por convenção especial.
2. Competência facultativa

- A jurisdição contenciosa da Corte IDH é obrigatória?


- A competência contenciosa da Corte IDH consiste em uma cláusula facultativa. O
Estado pode aceitá-la a qualquer momento, quando do depósito do instrumento de
ratificação ou em qualquer momento posterior.
- “Não exigir convenção especial” significa que a aceitação da competência
contenciosa da Corte IDH não se dá por meio de um tratado adicional como ocorre
em algumas matérias do sistema global (exemplo: o primeiro Protocolo Facultativo ao
PIDCP).
- O ato de declaração de reconhecimento da competência também é submetido ao
processo de incorporação, não havendo apenas a primeira fase da assinatura.

3. Características da aceitação

- A aceitação da competência contenciosa da Corte IDH pode se dar:


a) incondicionalmente;
b) sob condição de reciprocidade (só vale para casos ou demandas interestatais – no
caso do Brasil, o Brasil somente aceita ser demandado em processo contencioso
perante a Corte IDH por outro Estado que também tenha aceito a competência
contenciosa da Corte IDH);
c) por prazo determinado ou indeterminado; e
d) para casos específicos.
4. Retirada da aceitação

- O Estado que tenha aceitado a competência contenciosa da Corte IDH pode retirar
essa declaração posteriormente? Isso ocorreu, por exemplo, no Caso Ivcher Bronstein
vs. Peru, em que, durante o processamento do caso, o Peru comunicou à Corte IDH que
estava revogando a sua aceitação da cláusula de submissão à jurisdição contenciosa da
Corte.
- A Corte IDH não aceitou a retirada e afirmou que: 1) a aceitação da competência
contenciosa constitui uma cláusula pétrea que não admite limitações que não estejam
expressamente contidas no art. 62 da CADH; 2) a única via de que dispõe o Estado para
desvincular-se da competência contenciosa da Corte é denunciar a CADH como um
todo; e 3) se isso ocorrer, a denúncia ainda se submete às disposições do art. 78 da
CADH.
5. Competência ratione personae

- A legitimidade ativa é apenas da CIDH e dos Estados partes na CADH.


- A legitimidade passiva é apenas dos Estados.
6. Competência ratione materiae

- Não apenas a CADH atribui esta competência à Corte IDH, mas também outros
tratados do sistema interamericano, expressa ou implicitamente, exigindo ou não uma
declaração de vontade adicional, como o Protocolo de San Salvador, a Convenção
Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado, a Convenção Interamericana contra
a Tortura, a Convenção de Belém do Pará e a Convenção Interamericana contra o
Racismo.

7. Competência ratione temporis

- REGRA: Incide o princípio da irretroatividade. A Corte IDH somente tem competência


para conhecer dos casos de violações de direitos humanos que tenham ocorrido
posteriormente à entrada em vigor da CADH para o Estado e da aceitação da
competência contenciosa.
- EXCEÇÃO: A exceção ocorre quando se tratar de violações contínuas ou permanentes
de direitos humanos, ou seja, que persistem no tempo, como o desaparecimento
forçado e a obrigação de investigar e punir. Caso da Guerrilha do Araguaia (Caso Gomes
Lundi e outros v. Brasil)
8. Competência ratione loci

- Somente quando houver violação de direitos humanos no território de Estado parte


da CADH que tenha aceitado a competência contenciosa da Corte IDH.

- Prof. Caio Paiva: Considero possível sustentar também a competência da Corte IDH
em relação a atos praticados por agentes estatais no estrangeiro que possam ser
processados no Brasil.
AULA 20 – SISTEMA INTERAMERICANO: PROCESSO
DE APURAÇÃO DA RESPONSABILIDADE
INTERNACIONAL DO ESTADO
- Bloco I

- Panorama geral do procedimento perante a CIDH e Corte IDH.


- Bloco II

1. Introdução

- Vamos analisar três procedimentos:


1) petições individuais no subsistema da CADH; 2) petições individuais no subsistema
da OEA; e 3) petições interestatais no subsistema da CADH.
- Vamos analisar primeiro as petições individuais no subsistema da CADH porque é o
procedimento mais completo, também aplicável, no que couber, aos outros dois
procedimentos.
- Por que o processo de apuração da responsabilidade internacional do Estado, no
sistema interamericano é chamado de bifásico?
- O processo de apuração da responsabilidade internacional do Estado, no sistema
interamericano, desenvolve-se em duas fases, sendo, por isso, chamado de BIFÁSICO:
há uma primeira fase na CIDH e uma segunda fase na Corte IDH.
- Não é possível que um Estado renuncie a essa primeira fase perante a CIDH.
- Este modelo foi inspirado no sistema europeu, que, no entanto, com o Protocolo no
11 de reformas à CEDH, em vigor desde 1998, extinguiu a Comissão Europeia e
transformou o TEDH num tribunal permanente, tendo a vítima acesso direto a ele.
- O estudo do processo interamericano deve ser feito a partir de uma abordagem da
CADH, do Regulamento da CIDH, do Regulamento da Corte IDH e também da
jurisprudência da CIDH e da Corte IDH.
2. Procedimento de petições individuais perante a CIDH no subsistema da
CADH

Pode ser dividido em 6 fases:


- Apresentação da petição
- Estudo e tramitação inicial pela Secretaria Executiva
- Admissibilidade com prévio contraditório para o Estado
- Mérito com manifestações adicionais das partes
- Decisão de mérito
- Deliberação sobre enviar o caso à Corte IDH ou adoção do relatório de mérito
definitivo
2.1. Apresentação da petição

- De acordo com o art. 44 da CADH, “Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou


entidade não governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados
membros da Organização, pode apresentar à Comissão petições que contenham
denúncias ou queixas de violação desta Convenção por um Estado Parte”.
- Percebam que a legitimidade para iniciar uma demanda contra o Estado perante a
CIDH é de qualquer pessoa ou grupo de pessoas ou entidade não governamental
reconhecida em um ou mais Estados membros da OEA. De acordo, ainda, com o art.
24 do Regulamento da CIDH, “A Comissão poderá, motu próprio, iniciar a tramitação
de uma petição que reúna, a seu juízo, os requisitos para tal fim”.
- DISPENSABILIDADE DO CONSENTIMENTO DA VÍTIMA: Não se exige de quem
apresenta a petição que seja representante da vítima nem que conte com o seu
consentimento. A CIDH já decidiu que “Quem denuncia um fato violatório de direitos
humanos perante a CIDH não necessita de autorização da vítima” (Caso Pedro Cribari
vs. Uruguai).
- DISPENSABILIDADE DE REPRESENTAÇÃO LEGAL: Não se exige, ainda, representação
legal (advogado) para denunciar um caso à CIDH. Para a Corte IDH, “O acesso do
indivíduo ao sistema interamericano não pode ser restringido com base na exigência
de contar com representante legal” (Caso Yatama vs. Nicarágua).
- Pessoa jurídica pode peticionar perante a CIDH?
- LEGITIMIDADE ATIVA: Ainda sobre a legitimidade ativa, importante lembrar que,
como regra, apenas pessoas físicas podem peticionar perante o sistema
interamericano. A Corte IDH reconheceu, porém, duas exceções em sua OC 22/2016:
1) comunidades indígenas/tribais e 2) sindicatos/federações/confederações de
sindicatos.
REGRA EXCEÇÕES
Apenas pessoas físicas podem - Comunidades tribais: quando estiverem
peticionar perante o sistema organizadas por meio de um CNPJ.
interamericano. Pessoas jurídicas não - Sindicatos: principalmente para promover
podem ser vítimas de Direitos uma judicialização direta dos direitos
Humanos. sindicais, com exceção do direito de greve.

- VIOLAÇÃO CONCRETA: A denúncia perante a CIDH deve obrigatoriamente veicular


uma violação de direitos humanos, devendo existir, portanto, a figura de uma vítima
concreta, não sendo o bastante a informação de uma violação abstrata de direitos
humanos, como, p. ex., pela existência de uma lei incompatível com a CADH. E ainda, a
CIDH não admite o processamento de denúncia com apontamento de uma
coletividade de vítimas que não possam ser identificadas prontamente.
- Para a CIDH, “Um indivíduo não pode instituir uma actio popularis [ação popular] e
impugnar uma lei sem estabelecer certa legitimação ativa que justifique seu recurso à
Comissão. A peticionária deve se apresentar como vítima de uma violação da
Convenção ou deve comparecer perante a Comissão como representante de uma
vítima putativa de uma violação da Convenção por um Estado Parte. Não basta que
uma peticionária sustente a mera existência de uma lei violatória dos direitos que lhe
outorga a Convenção Americana, sendo necessário que a lei tenha sido aplicada em
seu detrimento” (Relatório no 48/1996).
- E ainda, conforme o entendimento da Comissão, “(...) a respeito do pedido geral
sobre ‘todas as pessoas idosas e mentalmente incapazes cuja vida e integridade
pessoal é colocada em perigo’, a CIDH determina que não tem competência ratione
personae para examinar o caso presente em conformidade com a jurisprudência do
sistema interamericano (...). Por certo, como já foi dito várias vezes no passado, a
Comissão Interamericana deve declarar inadmissível a presente denúncia, pois se trata
de uma representação em abstrato ou muito similar a uma actio popularis” (Relatório
no 79/2012. Admissibilidade. Ivete Jordani Demeneck e outros vs. Brasil).
2.2. Estudo e tramitação inicial pela Secretaria Executiva

- Esta segunda fase, chamada de estudo e tramitação inicial, é delegada pela CIDH ao
seu órgão chamado Secretaria Executiva. A disciplina desta fase se encontra nos artigos
26 a 29 do Regulamento da CIDH.
- Se uma petição não reunir os requisitos exigidos, a Secretaria Executiva pode solicitar
ao peticionário que a complete (art. 26.2). No caso de dúvida sobre o cumprimento dos
requisitos, a Secretaria Executiva pode consultar a CIDH (art. 26.3).
- Requisitos de admissibilidade da petição de denúncia conforme os artigos 46 da
CADH e 28 do Regulamento da CIDH:
 Nome da pessoa ou das pessoas denunciantes ou, no caso de o peticionário ser
uma entidade não governamental, seu representante ou seus representantes
legais e o Estado membro em que seja juridicamente reconhecida.
 Se o peticionário deseja que sua identidade seja mantida em sigilo frente ao
Estado e os motivos para isso.
 O endereço de correio eletrônico para recebimento de correspondência da
Comissão e, quando for o caso, número de telefone, fax e endereço.
 Um relato do fato ou da situação denunciada, com especificação de lugar e data
das violações alegadas.
 Se possível, o nome da vítima e de qualquer autoridade pública que tenha
tomado conhecimento do fato ou da situação denunciada.
 A indicação do Estado que o peticionário considera responsável, por ação ou
omissão, pela violação de algum dos direitos humanos consagrados na CADH e
outros instrumentos aplicáveis, embora sem referência específica aos artigos
supostamente violados.
 O cumprimento do prazo de seis meses, contados a partir da data em que a
presumida vítima haja sido notificada da decisão que esgota os recursos
internos.
 As providências tomadas para o esgotamento dos recursos da jurisdição interna
ou a impossibilidade de fazê-lo.
 A informação se a denúncia foi submetida a outro procedimento de natureza
internacional.

- O art. 29.2 prevê que a petição será estudada por sua ordem de entrada, mas que a
Comissão pode antecipar a avaliação de uma petição se presente uma das hipóteses
previstas neste dispositivo. Exemplos: vítima idosa, criança, doença terminal, objeto
de aplicação de pena de morte, petição com conexão com uma medida cautelar ou
provisória vigente, privados de liberdade etc.
- As petições que superam esta fase de revisão inicial são notificadas ao Estado, que
possui, nos termos do art. 30.3 do Regulamento da CIDH, três meses para apresentar
resposta, prazo este pode ser prorrogado pela Secretaria Executiva mediante pedido
fundamentado do Estado.
- Vejamos alguns pontos importantes sobre o requisito do prévio esgotamento dos
recursos da jurisdição interna:
- Uma regra que conta com as seguintes exceções, nos termos do art. 46.2 da CADH: 1)
não exista na legislação interna do Estado de que se trate o devido processo legal para
a proteção do direito ou dos direitos que se alegue tenham sido violados; 2) não se
tenha permitido ao suposto lesado em seus direitos o acesso aos recursos da jurisdição
interna, ou haja sido impedido de esgotá-los; ou 3) haja atraso injustificado na decisão
sobre os mencionados recursos.
- Exceção admitida pela CIDH: casos gerais em que há violação generalizada de direitos
humanos (décadas de 60 e 70 do século passado).  nesse caso, seria possível
denunciar o Estado diretamente à CIDH.
- Exceções admitidas pela Corte IDH: a) falta de defensores ou existência de barreiras
de acesso à justiça, como por exemplo o temor generalizado dos advogados e a
indigência da vítima (OC 11/1990); e b) inidoneidade do recurso.
- ÔNUS DA PROVA QUANTO AO ESGOTAMENTO DOS RECURSOS INTERNOS: nos
termos do Regulamento da CIDH (art. 31.1), “Quando o peticionário alegar a
impossibilidade de comprovar o requisito indicado neste artigo, caberá ao Estado em
questão demonstrar que os recursos internos não foram previamente esgotados, a
menos que isso se deduza claramente do expediente”. Assim, e também conforme a
Corte IDH (OC 11/1990), cabe ao Estado que apresenta a exceção de não esgotamento
provar que em seu sistema interno existem recursos cujo exercício não foi esgotado. Se
o Estado prova a disponibilidade dos recursos internos, o ônus da prova é transferido
para a vítima, que deve, então, demonstrar a aplicabilidade das exceções. [Ônus
dinâmico da prova]
- MOMENTO OPORTUNO PARA ALEGAR A EXCEÇÃO DO NÃO ESGOTAMENTO DOS
RECURSOS INTERNOS: “primeiras etapas do procedimento” perante a CIDH, o que,
para a Corte IDH (Caso Tibi vs. Equador), corresponde à fase de admissibilidade, antes
de qualquer consideração quanto ao mérito. A alegação extemporânea é interpretada
pela Corte IDH como uma renúncia tácita. Assim, se por negligência, descuido ou
desconhecimento dos advogados do Estado, a exceção não é apresentada
oportunamente, presume-se que não havia recursos adequados ou que, havendo,
eles foram esgotados pela vítima, não podendo o Estado arguir a exceção diretamente
perante a Corte. Princípio do estoppel (tradução em sentido técnico-jurídico:
impedimento  muito similar a uma preclusão do direito de alegar a exceção do não
esgotamento se não for apresentada na fase de admissibilidade). É possível renunciar
expressamente também: esgotamento como uma defesa do Estado.
- A CORTE IDH PODE REVISAR A DECISÃO DA CIDH SOBRE A EXCEÇÃO ARGUIDA PELO
ESTADO DE NÃO ESGOTAMENTO DOS RECURSOS INTERNOS? A Corte IDH analisou
essa questão nos três casos hondurenhos julgados em 1987 (Velásquez Rodríguez,
Godínez Cruz e Fairén Garbi e Solís Corrales). A CIDH sustentava que a Corte não é um
tribunal de “apelação” a respeito da atuação da CIDH e tem uma jurisdição limitada no
que diz respeito ao cumprimento dos requisitos de admissibilidade. A Corte não
acolheu o entendimento da CIDH. O entendimento da Corte IDH é criticado ANDRÉ DE
CARVALHO RAMOS e por Cançado Trindade, sob o argumento de que ele aprofunda a
desigualdade entre Estado e vítima.
- Bloco III

- REAPRESENTAÇÃO DA PETIÇÃO - POSSÍVEL: quando uma petição é declarada


inadmissível pela CIDH pela falta do esgotamento dos recursos internos, é sempre
possível à vítima apresentar uma outra petição posteriormente, com a comprovação do
esgotamento.
- TESTE DE EFICÁCIA DOS RECURSOS INTERNOS: não basta que os recursos existam;
devem ser adequados e eficazes para produzir o resultado esperado. Se o Estado não
oferece recursos adequados e eficazes, ele pode ser duplamente responsável no plano
internacional (pela violação inicial e também por não assegurar à pessoa os recursos
internos aptos a reparar os danos causados).
- Não interessa a natureza do recurso – se extraordinário ou ordinário: mas sim que
ele seja adequado e eficaz para buscar a reparação do dano alegado pela vítima. Em
regra e no geral, recursos de natureza extraordinária – seja pelos pressupostos de
admissibilidade mais rigorosos, seja pelo seu âmbito de discussão limitado –, não
precisam ser esgotados.
- Momento para avaliação do esgotamento dos recursos internos: para a CIDH, no
juízo de admissibilidade, de modo que nada impede que o esgotamento tenha se dado
após a apresentação da petição. CIDH: “A análise sobre os requisitos previstos nos
artigos 46 e 47 da Convenção deve ser feita à luz da situação vigente ao momento em
que se pronuncia sobre a admissibilidade ou inadmissibilidade da petição. É muito
frequente que, durante a tramitação, haja mudanças no estado de esgotamento dos
recursos internos. Não obstante, o sistema de petições e casos assegura que tanto o
Estado como o peticionário tenham a plena oportunidade para apresentar informação
e alegações a respeito” (Relatório no 35/2016. Admissibilidade. Carlos Manuel Veraza
Urtusuástegui vs. México).
- O que é a Fórmula ou Teoria da 4ª Instância?
- FÓRMULA OU TEORIA DA 4ª INSTÂNCIA: “Não corresponde à CIDH pronunciar-se
sobre a determinação de culpabilidade ou inocência de um imputado ou acusado em
processo penal. Porém, compete-lhe analisar se foram violadas as garantias do
devido processo na Convenção (...)” (Relatório no 65/2012. Admissibilidade).  A
CIDH e a Corte IDH não podem se converter em uma 4ª instância para além das
instâncias internas. Não podem se tornar um tribunal penal de sobreposição aos
tribunais penais internos.  Comumente apresentada pelos Estados como objeção
preliminar/defesa preliminar.
- E agora, alguns pontos importantes sobre o requisito do prazo para apresentação da
petição:
- Qual o prazo para apresentação de petição de denúncia perante a CIDH? Qual o
termo inicial?

- A petição deve ser apresentada dentro do prazo de seis meses, contados a partir da
data em que a presumida vítima tenha sido notificada da decisão definitiva que
esgota os recursos internos.
- Regulamento, art. 32.2: “Nos casos em que sejam aplicáveis as exceções ao requisito
de esgotamento prévio dos recursos internos, a petição deverá ser apresentada dentro
de um prazo razoável, a critério da Comissão. Para tanto, a Comissão considerará a data
em que haja ocorrido a presumida violação dos direitos e as circunstâncias de cada
caso”.
- Alguns pontos importantes sobre o requisito da ausência de litispendência e de
coisa julgada internacional:
- Fundamento: segurança jurídica, economia processual e coerência entre as decisões
de diversos órgãos internacionais de proteção dos direitos humanos.
- CADH, art. 46.1.c: a matéria objeto de petição submetida à CIDH não pode estar
pendente de outro processo de solução internacional.
- CADH, art. 47.d: a CIDH declarará inadmissível toda petição quando for
substancialmente reprodução de petição ou comunicação anterior, já examinada pela
Comissão ou por outro organismo internacional.
- Importante: haverá litispendência e coisa julgada somente quando a petição houver
sido primeiro apresentada ou julgada em procedimento convencional ou
extraconvencional, do sistema interamericano ou global, que permita uma decisão
específica sobre os fatos e que viabilize uma efetiva solução do caso.
- Não há litispendência entre petição na CIDH: a) relatório por país; b)
pronunciamento público da CIDH por meio de suas relatorias; c) procedimento na CIJ
[CIJ não é um tribunal internacional de Direitos Humanos]; d) procedimento da RPU do
Conselho de Direitos Humanos [RPU não conduz, ao final, à responsabilização
internacional do Estado]; e e) petições para as relatorias e grupos de trabalho do
Conselho de Direitos Humanos (buscam apenas estabelecer um canal de comunicação
entre a vítima e o Estado, não viabilizando uma efetiva decisão a respeito da denúncia).
- HÁ LITISPENDÊNCIA entre petição da CIDH e petição perante os órgãos de tratados
(comitês) do sistema global.
- Finalmente, a existência de litispendência entre petição na CIDH e peticionamento
junto ao Conselho de Direitos Humanos, nos procedimentos 1235 e 1503, ainda
aguarda um amadurecimento da jurisprudência internacional. Como regra, não
induzirá litispendência.
2.3. Admissibilidade com prévio contraditório para o Estado

- Uma fase disciplinada pelo art. 48 da CADH e pelos artigos 30, 35 e 36 do


Regulamento da CIDH, iniciando-se logo após a instauração do contraditório entre as
partes (vítima e Estado denunciado), com a denúncia da vítima e a resposta do Estado
denunciado.
- Como regra, a resposta do Estado nesta fase de admissibilidade discute apenas o
cumprimento dos requisitos de admissibilidade da petição, ficando a discussão sobre
o mérito para a próxima fase.
- Porém, nos termos do art. 30.7 do Regulamento da CIDH, em caso de gravidade ou
urgência, ou quando se considere que a vida ou a integridade pessoal de uma pessoa
corre perigo real e iminente, a CIDH pode solicitar ao Estado que apresente sua
resposta e observações sobre a admissibilidade e o mérito do assunto, para buscar um
julgamento mais célere.
- Analisadas as considerações das partes, a CIDH se pronuncia sobre a admissibilidade
da petição, relatório este, que conforme o art. 36.1 do Regulamento da CIDH, é público
e deve ser incluído no Relatório Anual da CIDH à Assembleia-Geral da OEA.
- Se a CIDH decidir pela inadmissibilidade da petição, a vítima dispõe de recurso contra
essa decisão? A resposta é negativa. Não há recurso contra essa decisão.
- Se a CIDH declara a petição inadmissível, ela pode se pronunciar sobre o mérito?
NÃO. Para a Corte IDH, “A declaração de inadmissibilidade de uma petição ou
comunicação impedirá, consequentemente, chegar a um pronunciamento sobre ela.
No sistema previsto pela Convenção para as comunicações individuais, a partir do
momento em que a Comissão declara inadmissível o assunto, esta carece de
competência para resolvê-lo” (OC 13/1993).
2.4. Mérito com manifestações adicionais das partes

- Se a CIDH pela admissibilidade do caso, é aberta fase seguinte, que é esta quarta
fase, FASE DE MÉRITO. Esta fase é disciplinada pelos artigos 50 e 51 da CADH, bem
como pelos artigos 37 a 44 do Regulamento da CIDH.
- É somente no ato da adoção do relatório de admissibilidade que a petição será
registrada como caso (art. 36.2).
- Nos termos do art. 37.1 do Regulamento da CIDH, aberto o caso, a CIDH deve fixar o
prazo de 4 meses para os peticionários apresentarem suas observações adicionais
sobre o mérito, tendo o Estado denunciado, depois, igual prazo para se manifestar.
- SOLUÇÃO AMISTOSA: O art. 37.4 do Regulamento da CIDH prevê a possibilidade da
celebração de um “acordo” chamado de solução amistosa: “Antes de se pronunciar
sobre o mérito, a Comissão fixará um prazo para que as partes se manifestem sobre
seu interesse em iniciar o procedimento de solução amistosa previsto no artigo 40
deste Regulamento”.
- E o art. 37.5 do Regulamento da Comissão esclarece que “A Comissão, caso considere
necessário para se avançar no conhecimento do caso, poderá convocar as partes para
uma audiência, nos termos estabelecidos no Capítulo VI deste Regulamento”.
- O art. 38 do Regulamento da CIDH estabelece uma presunção de veracidade
decorrente da inatividade processual do Estado denunciado: “Presumir-se-ão
verdadeiros os fatos relatados na petição, cujas partes pertinentes hajam sido
transmitidas ao Estado de que se trate, se este, no prazo máximo fixado pela Comissão
de conformidade com o artigo 37 do presente Regulamento, não proporcionar a
informação respectiva, desde que, de outros elementos de convicção, não resulte
conclusão diversa”.
- DESISTÊNCIA DA PETIÇÃO E SEUS EFEITOS: O art. 41 dispõe sobre a desistência da
petição: “O peticionário poderá desistir de sua petição ou caso a qualquer momento,
devendo para tanto manifestá-lo por instrumento escrito à Comissão. A manifestação
do peticionário será analisada pela Comissão, que poderá arquivar a petição ou caso,
se assim considerar procedente, ou prosseguir na sua tramitação no interesse de
proteger determinado direto”.
2.5. Decisão de mérito

- O art. 43 do Regulamento da CIDH trata da decisão quanto ao mérito, que deve ser
emitida na forma de um relatório que são examinadas as alegações e provas
apresentadas pelas partes, a informação obtida em audiências e em investigação in
loco, assim como informações de conhecimento público. As deliberações são privadas.
- RELATÓRIO  NÃO HÁ VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS: O art. 44 do
Regulamento da CIDH trata da forma do relatório quanto ao mérito. Concluindo que o
Estado não violou direitos humanos, a CIDH arquiva o caso.
- RELATÓRIO  HÁ VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS: Por outro lado, estabelecida a
existência de uma ou mais violações, a CIDH prepara um relatório preliminar com as
proposições e recomendações que considerar pertinentes e o transmite ao Estado,
fixando um prazo (3 meses, de acordo com o art. 51.1 da CADH e art. 47.1 do
Regulamento, mas a prática interamericana contempla prorrogação e o art. 46 do
Regulamento da CIDH também prevê a possibilidade de suspensão do prazo para a
submissão do caso à Corte) para que o Estado informe a respeito das medidas
adotadas em cumprimento a essas recomendações, não podendo o Estado publicar
este relatório enquanto a CIDH não tiver adotado uma decisão a respeito (art. 44.2).
- O peticionário também é notificado do relatório preliminar. E mais, nos termos do art.
44.3, tratando-se de Estado parte da CADH que tenha aceitado a jurisdição contenciosa
da Corte, a CIDH, ao notificar o peticionário, dar-lhe-á oportunidade de apresentar, no
prazo de um mês, sua posição a respeito do envio do caso à Corte.
- E o peticionário, se tiver interesse em que o caso seja levado à Corte, deve fornecer
os seguintes elementos: a) a posição da vítima ou de seus familiares, se forem
diferentes do peticionário (explicar); b) as bases em que se fundamenta a consideração
de que o caso deve ser submetido à Corte; e c) as pretensões em matéria de
reparações e custas.

2.6. Deliberação sobre enviar o caso à Corte IDH ou adoção do relatório de


mérito definitivo

- ESTADO DESCUMPRE AS RECOMENDAÇÕES FIXADAS PELA CIDH: Vamos considerar,


então, que o Estado descumpriu as recomendações fixadas pela CIDH em seu relatório
preliminar. De acordo com o art. 45.1 do Regulamento da CIDH, “(...) a Comissão
submeterá o caso à Corte, salvo por decisão fundamentada da maioria absoluta dos
seus membros”.
- Importante: até o ano de 2000, a CIDH deveria decidir pela submissão do caso à
Corte.
- A partir da alteração no Regulamento da CIDH de 12/2000, conforme vimos,
automaticamente a CIDH submete o caso à Corte, devendo apenas adotar uma decisão
se não for submeter o caso.
- De acordo com o art. 45.2 do Regulamento da Comissão, “A Comissão considerará
fundamentalmente a obtenção de justiça no caso em particular, baseada, entre outros,
nos seguintes elementos: 1) a posição do peticionário; 2) a natureza e a gravidade da
violação; 3) a necessidade de desenvolver ou esclarecer a jurisprudência do sistema; e
4) o efeito eventual da decisão nos ordenamentos jurídicos dos Estados membros”.
- Se a CIDH delibera, pela maioria absoluta de seus membros, a não submeter o caso à
jurisdição contenciosa da Corte IDH  a CIDH publica um relatório de mérito
definitivo.
- PUBLICAÇÃO DO RELATÓRIO DE MÉRITO DEFINITIVO: Regulamento da CIDH,
art. 47.1: “Se, no prazo de três meses da transmissão do relatório preliminar ao
Estado de que se trate, o assunto não houver sido solucionado ou, no caso dos
Estados que tenham aceito a jurisdição da Corte Interamericana, a Comissão ou
o próprio Estado não hajam submetido o assunto à sua decisão, a Comissão
poderá emitir, por maioria absoluta de votos, um relatório definitivo que
contenha o seu parecer e suas conclusões finais e recomendações.”
- REGULAMENTO DA CIDH, art. 47.3: “A Comissão avaliará o cumprimento se
suas recomendações com base na informação disponível e decidirá, por maioria
absoluta de votos de seus membros, a respeito da publicação do relatório
definitivo. Ademais, a Comissão disporá a respeito de sua inclusão no Relatório
Anual à Assembleia Geral da Organização ou em qualquer outro meio que
considerar apropriado.”
- Da mesma forma, sobre o relatório definitivo, o art. 51.2 da CADH estabelece que “A
Comissão fará as recomendações pertinentes e fixará um prazo dentro do qual o
Estado deve tomar as medidas que lhe competirem para remediar a situação
examinada”.
- E o art. 51.2: “Transcorrido o prazo fixado, a Comissão decidirá, pelo voto da maioria
absoluta dos seus membros, se o Estado tomou ou não medidas adequadas e se
publica ou não seu relatório”.
- Percebam, então, que o relatório definitivo não é obrigatoriamente ou
compulsoriamente público, dependendo a publicação de decisão da CIDH.
- Em outras palavras, o relatório de mérito definitivo PODE ser publicado, mas não é
automaticamente publicado. É uma questão a respeito da qual a CIDH deliberará, em
virtude do descumprimento das recomendações do relatório. A publicação do relatório
configura uma espécie de punição ao Estado que não cumpre as recomendações.

- Bloco IV

3. Relatórios da CIDH

- O processo decisório da CIDH exterioriza-se por meio dos relatórios. A CIDH pode
adotar:
a) relatório de admissibilidade: decisão da CIDH resolvendo tramitar uma petição de
denúncia;
b) relatório de inadmissibilidade: CIDH conclui que a petição de denúncia não preenche
um ou mais requisitos de admissibilidade;
c) relatório de mérito preliminar: relatório confidencial; e
d) relatório de mérito definitivo: relatório proferido quando a CIDH decide não
submeter o caso à jurisdição contenciosa da Corte IDH.
- O relatório de mérito da CIDH é vinculante?
- FORÇA VINCULANTE DOS RELATÓRIOS DE MÉRITO: A Corte IDH entendia que os
relatórios de mérito possuíam a natureza de meras recomendações (Caso Caballero
Delgado e Santana vs. Colômbia, 1995), tendo como argumento a expressão
“recomendações” usada pelo art. 51.2 da CADH, cujo sentido usual seria o de
“deliberação não obrigatória” ou de uma “censura moral”.
- A Corte mudou de entendimento a partir do Caso Loayza Tamayo vs. Peru, tendo
como argumento o princípio da boa-fé previsto na Convenção de Viena sobre Direito
dos Tratados. Porém, a Corte entende que apenas o relatório DEFINITIVO é
vinculante.
- A CIDH pode adotar um relatório único, unindo os relatórios preliminar e definitivo? A
Corte IDH entende que não: “(...) não podem ser tratados num mesmo relatório os dois
relatórios regulados de forma separada pelos artigos 50 e 51 da Convenção, já que
estes preceitos estabelecem duas etapas diversas, mesmo quando o conteúdo destes
documentos, de acordo com a conduta assumida pelo Estado afetado, possa ser
similar. - O documento preliminar e reservado do art. 50 não pode ser publicado. O
único que pode ser objeto de publicação é o relatório definitivo previsto no art. 51 da
Convenção, e isso por decisão da Comissão tomada posteriormente ao prazo fixado
para o Estado cumprir com as recomendações contidas no documento definitivo” (OC
13/1993).
- A CIDH PODE ALTERAR O CONTEÚDO DO RELATÓRIO DEFINITIVO? A Corte IDH
entende que não: “A CIDH, no exercício das atribuições conferidas pelo art. 51 da
CADH, não está autorizada a modificar as opiniões, conclusões e recomendações
transmitidas a um Estado membro, salvo em situações excepcionais, como o
cumprimento parcial ou total das recomendações e conclusões contidas nesse
relatório, existência de erros materiais no relatório sobre os fatos do caso ou, ainda, o
descobrimento de fatos que não foram conhecidos no momento de se emitir o
relatório e que teriam influência decisiva no conteúdo dele. A solicitação da
modificação somente pode ser promovida pelas partes interessadas, isto é, os
peticionários e o Estado, antes da publicação do próprio relatório, dentro de um prazo
razoável contado a partir de sua notificação. (...) Sob nenhuma circunstância a CIDH
está autorizada pela Convenção para emitir um terceiro relatório” (OC 13/1993).

4. Procedimento de petições individuais na CIDH no subsistema da OEA

- Diz respeito a petições de denúncias de violação de direitos humanos praticadas ou


toleradas por Estados que não ratificaram a CADH (ex.: EUA, Canadá) ou que tenham
ratificado a CADH, mas depois tenham a denunciado (ex.: Venezuela).
- De acordo com o art. 51 do Regulamento da CIDH, “A Comissão receberá e examinará
a petição que contenha denúncia sobre presumidas violações dos direitos humanos
consagrados na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem com relação
aos Estados membros da Organização que não sejam partes na CADH”.
- E o art. 52 dispõe que “O procedimento aplicável às petições referentes a Estados da
Organização que não sejam partes na CADH será o estabelecido nas disposições gerais
constantes do Capítulo I do Título II, nos artigos 28 a 44 e 47 a 49 do presente
Regulamento”.
- Trata-se de um procedimento idêntico ao das petições individuais no subsistema da
CADH, apenas não havendo a possibilidade de submeter o caso à Corte IDH, mas
somente de adotar o relatório definitivo.
5. Procedimento de petições interestatais para a CIDH no subsistema da CADH

- A competência da CIDH para tramitar petições individuais é automática a partir da


ratificação da CADH. A partir do momento que um Estado ratifica a CADH, ele
automaticamente aceita ser denunciado por pessoas físicas (e organizações
governamentais) perante a CIDH.
- Em se tratando de competência para tramitar petições interestatais perante a CIDH,
além de ratificar a CADH, o Estado deve manifestar uma declaração de vontade
adicional especificamente em relação às petições interestatais.
- O Brasil ainda não aceitou essa competência.
- Petições Estado x Estado para a CIDH – CADH, art. 45:
 1. Todo Estado-Parte pode, no momento do depósito do seu instrumento de
ratificação desta Convenção ou de adesão a ela, ou em qualquer momento
posterior, declarar que reconhece a competência da Comissão para receber e
examinar as comunicações em que um Estado-Parte alegue haver outro
Estado-Parte incorrido em violações dos direitos humanos estabelecidos nesta
Convenção.
 2. As comunicações feitas em virtude deste artigo só podem ser admitidas e
examinadas se forem apresentadas por um Estado-Parte que haja feito uma
declaração pela qual reconheça a referida competência da Comissão. A
Comissão não admitirá nenhuma comunicação contra um Estado-Parte que
não haja feito tal declaração.
 3. As declarações sobre reconhecimento de competência podem ser feitas para
que esta vigore por tempo indefinido, por período determinado ou para casos
específicos.
 4. As declarações serão depositadas na Secretaria-Geral da Organização dos
Estados Americanos, a qual encaminhará cópia das mesmas aos Estados-
Membros da referida Organização.

- Este procedimento de petições interestatais existe apenas no subsistema da CADH.


No subsistema da OEA, não há tal procedimento (possibilidade de um Estado processar
outro Estado).
- A competência da CIDH para apreciar petições interestatais é facultativa,
diferentemente da competência para examinar petições individuais, que é automática
e obrigatória. O Brasil ainda não aceitou. Mais de 10 países já aceitaram.
- A aceitação da competência da CIDH pode se dar tanto no momento da ratificação da
CADH quanto em qualquer momento posterior.
- Tanto o Estado denunciante quanto o Estado denunciado devem ter aceitado a
competência (reciprocidade).
- Interessante observar que, nos termos do art. 50.1 do Regulamento, a CIDH notifica o
Estado denunciado independentemente de ele ter aceitado esta competência da
Comissão, pois ele pode aceitar para o caso específico, conforme o art. 45.3 da CADH.
- PROCEDIMENTO APLICÁVEL: Sobre o procedimento aplicável, conforme vimos no art.
50.2 do Regulamento da CIDH, aplica-se, no que couber, as disposições do Capítulo II,
que já estudamos quando analisamos o procedimento das petições individuais.
- Atenção: para o caso ser submetido à Corte, o Estado denunciado deve ter aceitado
também a competência contenciosa da Corte. Não basta ter manifestado aceitação
apenas quanto à competência da CIDH para tramitar petições interestatais.
- E ainda, se o Estado demandado aceitou a competência contenciosa da Corte sob
condição de reciprocidade (ex.: Brasil), o Estado denunciante também deve ter
aceitado.
- Assim, é possível que o Estado tenha aceitado a competência da CIDH para processar
petições interestatais, mas não tenha aceitado a competência contenciosa da Corte.
- FIM DA AULA SOBRE PROCEDIMENTO PERANTE A CIDH.
6. Procedimento perante a Corte IDH

O procedimento de petições individuais perante a Corte IDH pode ser dividido em 7


fases:
- Submissão do caso e exame preliminar
- Notificação do caso e apresentação do EPAP
- Exercício do contraditório pelo Estado
- Procedimento oral (audiências)
- Procedimento final escrito (alegações finais escritas)
- Sentença
- Supervisão de cumprimento

6.1. Submissão do caso e exame preliminar

- De acordo com o art. 73 do Regulamento da CIDH, “Se a Comissão decide submeter


um caso à Corte, o Secretário Executivo notificará tal decisão de imediato ao Estado, ao
peticionário e à vítima. Com esta comunicação, a Comissão transmitirá ao peticionário
todos os elementos necessários para a preparação e apresentação da demanda”.
- O art. 74 do Regulamento da Corte IDH traz algumas informações importantes sobre a
submissão do caso pela CIDH à Corte IDH:
 Deve remeter cópia do relatório de mérito preliminar acompanhado de cópia
do expediente que tramitou perante a Comissão e de outros documentos que
considere úteis.
 Deve remeter uma nota de envio, que poderá conter:
a) os dados disponíveis das vítimas ou de seus representantes devidamente
acreditados, com a indicação de se o peticionário solicitou reserva de
identidade; b) sua análise do grau de cumprimento das recomendações
formuladas no relatório de mérito; c) o motivo pelo qual decidiu submeter o
caso à Corte; d) os nomes de seus delegados; e e) qualquer outra informação
que considere útil para o conhecimento do caso.
 Uma vez submetido o caso à Corte, a Comissão tornará público o relatório de
mérito preliminar e também a nota de envio do caso à Corte.

- Há alguma exceção em que o relatório preliminar de mérito pode ser publicado?

- Sim. Excepcionalmente, o relatório de mérito preliminar da CIDH será publicado


quando o caso for submetido à Corte IDH.

- De acordo com o art. 38 do Regulamento da Corte IDH, “Se no exame preliminar da


submissão do caso, a Presidência verificar que algum requisito fundamental não foi
cumprido, solicitará que seja sanado no prazo de 20 dias”.
6.2. Notificação do caso e apresentação do EPAP

- De acordo com o art. 39 do Regulamento da Corte IDH, recebido o caso na Corte, o


Secretário deve notificar a Presidência e os juízes, o Estado demandado, a CIDH (se não
foi ela que apresentou o caso), a suposta vítima, seus representantes ou o defensor
interamericano, se for o caso.
- O Secretário também informa sobre a apresentação do caso aos outros Estados
partes, ao Conselho Permanente da OEA por intermédio da sua Presidência e ao
Secretário Geral da OEA.
- Junto com a notificação, o Secretário solicita também que, no prazo de 30 dias, as
partes designem seus respectivos Agentes (Estado), Delegados (CIDH) ou
representantes (vítimas).
- Artigo 40, Regulamento da Corte IDH (EPAP – escrito de petições, argumentos e
provas):
 Notificada a apresentação do caso à suposta vítima ou aos seus representantes,
estes disporão de um prazo improrrogável de dois meses, contado a partir do
recebimento desse escrito e de seus anexos, para apresentar autonomamente
à Corte seu escrito de petições, argumentos e provas.
 O escrito de petições, argumentos e provas deverá conter:
a) a descrição dos fatos dentro do marco fático estabelecido na apresentação
do caso pela Comissão;
b) as provas oferecidas devidamente ordenadas, com indicação dos fatos e
argumentos sobre os quais versam;
c) a individualização dos declarantes e o objeto de sua declaração. No caso dos
peritos, deverão ademais remeter seu currículo e seus dados de contato;
d) as pretensões, incluídas as que concernem a reparações e custas.
- Aqui é importante reiterar e ressaltar que tanto a CIDH quanto a Corte IDH foram aos
poucos modelando o procedimento no sistema interamericano para ampliar a
participação da vítima ou de seus representantes. Essa ampliação se deu mediante
alterações significativas no Regulamento da CIDH e da Corte, elaborado por elas
próprias (mutação não convencional).
- Inicialmente, as únicas partes no litígio perante a Corte eram a CIDH e o Estado. A
partir da reforma regulamentar de 2001, foi conferido às vítimas o locus standi,
podendo as vítimas ou seus representantes se manifestarem em igualdade de
condições com a CIDH e o Estado-réu em todas as fases do processo judicial, como uma
espécie de assistente da CIDH.
- Com a reforma do regulamento em 2009, deu-se mais um passo neste processo de
fortalecimento da capacidade processual – autônoma – da vítima: a CIDH não
apresenta mais uma “petição inicial”, mas apenas envia o relatório de mérito
preliminar.
- Desde 2010, portanto, com a entrada em vigor das alterações de 2009, a vítima ou
seus representantes são notificadas para apresentar a “petição inicial” (EPAP).
- A Corte passou a considerar, então, a CIDH apenas como “fiscal da lei ou do SIPDH”,
reservando à vítima a condição de parte.

6.3. Exercício do contraditório pelo Estado

- De acordo com o art. 41 do Regulamento da Corte IDH, o Estado tem o prazo de 2


meses, contado a partir do recebimento do EPAP e de seus anexos, para apresentar a
sua contestação.
- Na contestação, o Estado deve indicar: a) se aceita os fatos e as pretensões ou se os
contradiz; b) as provas oferecidas devidamente ordenadas, com indicação dos fatos e
argumentos sobre os quais versam; c) a propositura e identificação dos declarantes e o
objeto de sua declaração. No caso dos peritos, deverá ademais remeter seu currículo e
seus dados de contato; d) os fundamentos de direito, as observações às reparações e
às custas solicitadas, bem como as conclusões pertinentes.
Nos termos do art. 41.3, “A Corte poderá considerar aceitos aqueles fatos que não
tenham sido expressamente negados e as pretensões que não tenham sido
expressamente controvertidas”.
- EXCEÇÕES PRELIMINARES: O art. 42 indica que as exceções preliminares devem ser
opostas no escrito de contestação. A apresentação de exceções preliminares não
suspende o procedimento em relação ao mérito. A CIDH, as supostas vítimas ou seus
representantes e, se for o caso, o Estado demandante, podem apresentar observações
às exceções preliminares no prazo de 30 dias, contado a partir da notificação com o
recebimento da contestação do Estado demandado.
- A Corte pode convocar audiência pública especial para as exceções preliminares. Por
fim, nos termos do art. 42.6, “A Corte poderá resolver numa única sentença as
exceções preliminares, o mérito e as reparações e as custas do caso”. Inicialmente, a
Corte adotava uma sentença para cada fase. Ultimamente, como regra, adota uma
sentença única.
6.4. Procedimento oral (audiências)

Estabelecido o contraditório por escrito entre as partes, nos termos do art. 45 do


Regulamento da Corte, a Presidência determinará a abertura do procedimento oral e
indicará as audiências necessárias.

6.5. Procedimento final escrito (alegações finais escritas)

Outros assuntos do procedimento final escrito:


- Prova (artigos 57 a 60): o art. 57.1 prevê que “As provas produzidas ante a Comissão
serão incorporadas ao expediente, desde que tenham sido recebidas em
procedimentos contraditórios, salvo que a Corte considere indispensável repeti-las”. O
art. 58 prevê que a Corte pode adotar diligências probatórias de ofício.
- Art. 61 (desistência), art. 62 (reconhecimento dos fatos ou acatamento total ou
parcial das pretensões) e art. 63 (solução amistosa): não vinculam a Corte, que deve
decidir sobre sua procedência e seus efeitos jurídicos.
6.6. Sentença

- O art. 65.1 indica os elementos que devem estar presentes na sentença da Corte IDH.
Basicamente, um acórdão de um órgão colegiado sem a figura do relator. O art. 65.2
prevê a possibilidade de os juízes acrescerem à sentença seu voto concordante ou
dissidente, que devem ser fundamentados.
- O art. 66 prevê a possibilidade de a Corte resolver o mérito e decidir especificamente
sobre as reparações e custas num segundo momento.
- O art. 67 trata do pronunciamento e da comunicação da sentença. A Corte delibera
em privado e aprova a sentença, que é notificada pela Secretaria à CIDH, às vítimas
ou a seus representantes, ao Estado demandado e, se for o caso, ao Estado
demandante.
- Cabe recurso contra a sentença da Corte?
- Apenas de interpretação. Uma espécie de embargos de declaração no processo
internacional, no prazo de 90 dias da notificação da sentença (CADH, art. 67).
6.7. Supervisão de cumprimento

Artigo 69, Regulamento Corte IDH. Supervisão de cumprimento de sentenças e outras


decisões do Tribunal
 A supervisão das sentenças e das demais decisões da Corte realizar-se-á
mediante a apresentação de relatórios estatais e das correspondentes
observações a esses relatórios por parte das vítimas ou de seus representantes.
A Comissão deverá apresentar observações ao relatório do Estado e às
observações das vítimas ou de seus representantes.
 A Corte poderá requerer a outras fontes de informação dados relevantes sobre
o caso que permitam apreciar o cumprimento. Para os mesmos efeitos poderá
também requerer as perícias e relatórios que considere oportunos.
 Quando considere pertinente, o Tribunal poderá convocar o Estado e os
representantes das vítimas a uma audiência para supervisar o cumprimento de
suas decisões e nesta escutará o parecer da Comissão.
 Uma vez que o Tribunal conte com a informação pertinente, determinará o
estado do cumprimento do decidido e emitirá as resoluções que estime
pertinentes.
 Essas disposições também se aplicam para casos não submetidos pela
Comissão.

- Diferença notável em relação ao sistema europeu. No sistema europeu, quando o


Tribunal Europeu de DH profere uma sentença, ele não supervisiona o cumprimento do
que foi determinado na sentença. Ele remete a decisão para um órgão chamado
“comitê de ministros do conselho da Europa”.
- No sistema interamericano, é a própria Corte IDH que supervisiona o cumprimento de
suas decisões a partir de informações encaminhadas pela CIDH, pelos Estados e pelas
vítimas e seus representantes.

AULA 21 – SISTEMA INTERAMERICANO: MEDIDAS DE


URGÊNCIA
- Bloco I

1. Introdução

- Assim como ocorre no Direito Processual nacional, também o Direito Processual


internacional conta com medidas de urgência para que danos irreparáveis às pessoas
possam ser evitados.
- Temos, assim, o Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) atuando não
apenas numa dimensão pós-violatória, mas também pré-violatória, seja para evitar
violações, seja – pelo menos – para fazê-las cessar.
- FINALIDADE: A finalidade das medidas de urgência é proteger os direitos humanos
contra as ameaças praticadas ou toleradas pelo Estado.
Sistema de petições e casos Medidas de urgência
Natureza pós-violatória. Natureza pré-violatória.
Exigem o esgotamento dos meios internos Não exige o esgotamento dos meios
como condição de admissibilidade. internos.

2. Objeto

- Não é apenas o direito à vida e à integridade pessoal, mas também outros direitos
humanos, como a propriedade indígena, a liberdade de expressão, o direito de
circulação e residência etc.
- Importante lembrar, por exemplo, do Caso Tavares Pereira vs. Brasil, ainda em
trâmite na Corte IDH, tendo esta determinado medidas provisórias (2021) para
proteger de forma imediata um monumento e de forma mediata o direito à memória.

3. Natureza jurídica

- A Corte IDH entende que elas possuem uma natureza não somente cautelar, no
sentido de preservar uma situação jurídica, mas também e fundamentalmente tutelar,
porquanto protegem direitos humanos, na medida em que buscam evitar danos
irreparáveis às pessoas.
- Quando reúnem os requisitos básicos de extrema gravidade e urgência e da
prevenção de danos irreparáveis às pessoas, transformam-se numa verdadeira garantia
jurisdicional de natureza coletiva.
- Neste sentido, vejamos a explicação da Corte IDH:
o “O caráter cautelar das medidas provisórias está vinculado ao contexto dos
contenciosos internacionais. Neste sentido, estas medidas têm por objetivo e
fim preservar os direitos em possível risco até que seja resolvida a
controvérsia. Seu objetivo e fim são os de assegurar a integridade e a
efetividade da decisão de mérito e desta maneira evitar que sejam violados os
direitos em litígio, situação que poderia tornar inócua ou desvirtuar o efeito útil
da decisão final. As medidas provisórias permitem, assim, que o Estado em
questão possa cumprir a decisão final e, no caso, proceder às reparações
ordenadas. Quanto ao caráter tutelar das medidas provisórias, a Corte tem
apontado que estas se transformam numa verdadeira garantia jurisdicional de
caráter preventivo, porquanto protegem direitos humanos, na medida em que
buscam evitar danos irreparáveis às pessoas” (Resolução de medidas
provisórias no Caso Carpio Nicolle e outros vs. Guatemala).
4. Classificação das medidas de urgência

- MEDIDAS URGENTES: são aquelas adotadas pela PRESIDÊNCIA DA CORTE IDH,


quando esta não se encontra em sessões.  EXTRACONVENCIONAIS.
- MEDIDAS PROVISÓRIAS: são aquelas adotadas pela CORTE IDH quando se encontra
em sessões ordinárias ou extraordinárias.  CONVENCIONAIS.
- MEDIDAS CAUTELARES: são aquelas adotadas pela CIDH.  EXTRACONVENCIONAIS,
salvo quando se trata de desaparecimento forçado de pessoas, caso em que a
Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas prevê essa
competência da Comissão
5. Medidas urgentes

- Não tem previsão na CADH. Está prevista no Regulamento da Corte IDH.


- De acordo com o art. 27.6 do Regulamento da Corte IDH, “Se a Corte não estiver
reunida, A PRESIDÊNCIA, em consulta com a Comissão Permanente e, se for possível,
com os demais juízes, requererá do Estado interessado que tome as providências
urgentes necessárias a fim de assegurar a eficácia das medidas provisórias que a Corte
venha a adotar depois, em seu próximo período de sessões”.
- Trata-se de uma modalidade de MEDIDA DE URGÊNCIA SEM BASE CONVENCIONAL,
que vincula, porém, os Estados, pois:
1) a Corte IDH não é um tribunal permanente e a qualquer momento podem surgir
situações de urgência; 2) embora o art. 63.2 da CADH mencione expressamente apenas
“a Corte”, isso não impede que sua Presidência possa resolver sobre as medidas quanto
a Corte está em recesso; e 3) a disposição do art. 63.2 da CADH não deve ser
interpretada restritivamente, mas sim buscando o seu efeito útil.
- Bloco II

6. Medidas cautelares – CIDH

- A CIDH já adotava medidas de urgência antes da autorização formal pelo seu


Regulamento em 1980.
- As medidas cautelares da CIDH NÃO CONTAM COM BASE CONVENCIONAL, salvo
quando se trata de desaparecimento forçado de pessoas, caso em que a Convenção
Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas prevê essa
competência da Comissão (art. 13).
- A competência da CIDH está prevista no art. 25 do seu Regulamento.
- A CIDH pode adotar medidas cautelares de ofício ou a pedido da parte interessada.
- Três hipóteses de medidas cautelares conforme o art. 25.1 do Regulamento da CIDH:
1) uma de CARÁTER GERAL, referente à prevenção de danos irreparáveis às
pessoas no contexto de casos em trâmite na CIDH;
2) uma para PROTEGER O OBJETO DE UM PROCESSO em trâmite na Comissão;
e
3) uma terceira relativa a EVITAR DANOS IRREPARÁVEIS independentemente do
sistema de casos [petição que denuncia um Estado perante a CIDH pela violação
de Direitos Humanos].
- De acordo com o Regulamento da CIDH, são requisitos que devem ser observados
na avaliação sobre a concessão das medidas cautelares:
1) gravidade;
2) urgência;
3) prevenir danos irreparáveis às pessoas ou ao objeto do processo (a depender
da hipótese);
4) os dados das pessoas propostas como beneficiárias ou informações que
permitam identificá-la;
5) uma descrição detalhada e cronológica dos fatos que sustentam a solicitação
e quaisquer outras informações disponíveis;
6) a descrição das medidas de proteção solicitadas;
7) se a situação foi denunciada às autoridades pertinentes ou se há motivos
para isso não poder ser feito;
8) a identificação individual dos beneficiários propostos das medidas cautelares
ou a determinação do grupo a que pertencem ou estão vinculados; e
9) a expressa conformidade dos potenciais beneficiários, quando a solicitação
for apresentada por terceiros, salvo em situação em que se justifique a
ausência de consentimento.
- MEDIDA CAUTELAR COLETIVA: Sobre a medida cautelar de natureza coletiva, o art.
25.3 dispõe que “As medidas cautelares poderão proteger pessoas ou grupos de
pessoas, sempre que o beneficiário ou os beneficiários puderem ser identificados ou
forem identificáveis por sua localização geográfica ou seu pertencimento ou vínculo a
um grupo, povo, comunidade ou organização”.
- CONTRADITÓRIO: Como regra, o Regulamento da CIDH estabelece o contraditório
pelo Estado antes de a Comissão avaliar sobre a concessão da medida cautelar (art.
25.5).
- E se a decisão da CIDH que indefere o pedido de medida cautelar não for
fundamentada? Não há recurso para a Corte IDH.
- Cançado Trindade, de forma minoritária, sustenta a possibilidade de a vítima recorrer
à Corte IDH nesta hipótese para buscar a concessão de medida provisória (voto na
resolução de medidas provisórias no Caso Mery Naranjo e outros vs. Colômbia).
7. Medidas provisórias – Corte IDH

- As medidas provisórias possuem base convencional.


- De acordo com o art. 63.2 da CADH, “Em casos de extrema gravidade e urgência, e
quando se fizer necessário evitar danos irreparáveis às pessoas, a Corte, nos assuntos
de que estiver conhecendo, poderá tomar as medidas provisórias que considerar
pertinentes. Se se tratar de assuntos que ainda não estiverem submetidos, poderá
atuar a pedido da Comissão”.
CASO JÁ ESTÁ INSTAURADO PERANTE A CORTE CASO AINDA NÃO ESTÁ
INSTAURADO PERANTE A CORTE
- Corte IDH pode adotar medidas provisórias de ofício. Somente a CIDH pode solicitar
- As vítimas ou as supostas vítimas, ou seus medida provisória.
representantes, poderão apresentar diretamente
uma petição de medidas provisórias.

- O art. 27 do Regulamento da Corte IDH disciplina o assunto:


o 1) Em qualquer fase do processo, sempre que se tratar de casos de extrema
gravidade e urgência e quanto for necessário para evitar danos irreparáveis às
pessoas, a Corte, de ofício, poderá ordenar as medidas provisórias que
considerar pertinentes, nos termos do art. 63.2 da Convenção;
o 2) Tratando-se de assuntos ainda não submetidos à sua consideração, a Corte
poderá atuar por solicitação da Comissão; e
o 3) Nos casos contenciosos que se encontrem em conhecimento da Corte, as
vítimas ou as supostas vítimas, ou seus representantes, poderão apresentar
diretamente àquela uma petição de medidas provisórias, as quais deverão ter
relação com o objeto do caso.

- INICIATIVA:
o A respeito da iniciativa, se o caso não está submetido ao conhecimento da
Corte, esta somente poderá atuar a pedido da CIDH.
o Se o caso está em tramitação na Corte, a iniciativa pode ser da Corte, de ofício,
a pedido da CIDH ou das vítimas ou seus representantes. Temos aqui o
chamado locus standi da vítima.
- As hipóteses para concessão de medidas provisórias são as seguintes:
o 1) caráter geral, referente à prevenção de danos irreparáveis às pessoas no
contexto de casos em trâmite na Corte;
o 2) proteção do objeto de um processo em trâmite na Corte; e
o 3) evitar danos irreparáveis independentemente do sistema de casos.
- REQUISITOS: São requisitos para a concessão das medidas provisórias: 1) extrema
gravidade; 2) urgência; e 3) propósito de evitar danos irreparáveis às pessoas.
- Lembrando que o Estado precisa ter ratificado a CADH e aceitado a competência
contenciosa da Corte IDH.
- A Corte IDH pode adotar medida provisória a qualquer momento de um caso que
esteja conhecendo, inclusive na fase de supervisão de cumprimento de sentença. Este
é o entendimento majoritário na Corte.
8. Diferenças entre as medidas cautelares e as medidas provisórias

- Nomenclatura: medidas cautelares da CIDH e medidas provisórias da Corte IDH.


- Status normativo: regulamentar no caso da CIDH e convencional no caso da Corte
IDH.
- Efeito jurídico: predomina o entendimento de que apenas as medidas provisórias da
Corte vinculam.
- Abrangência: a CIDH pode adotar medida cautelar em relação a qualquer Estado
membro da OEA, enquanto a Corte somente pode adotar medida provisória em
relação a (i) Estado parte da CADH que (ii) aceitou a sua competência contenciosa.

CIDH Corte IDH


Medidas de Expede medidas cautelares Expede medidas provisórias
urgência em situações de gravidade. em situações de extrema
gravidade.
Legitimados Indivíduos e organizações Depende de intermédio da
podem apresentar CIDH ou, se o caso estiver sob
solicitações diretamente à análise contenciosa da Corte
CIDH. IDH, pode se dar de ofício (ex
officio) ou a pedido da vítima.
Natureza Não tem natureza Por estar previsto na CADH
convencional convencional, pois sua base (art. 63.2), tem natureza
normativa está prevista convencional.
apenas no Regulamento da
CIDH (art. 25).
Efeito vinculante Sem efeito vinculante. Com efeito vinculante.
Estado membro A CIDH expede medidas A Corte IDH somente expede
demandado cautelares em face de medidas provisórias em face
qualquer Estado membro da de Estados que tenham
OEA, ainda que ocorra de o aderido à CADH e aceitado a
Estado não ter aderido à jurisdição contenciosa da
CADH. Corte IDH.

AULA 22 – SISTEMA INTERAMERICANO: DEFENSORIA


INTERAMERICANA
- Bloco I

1. Introdução

- O acesso à justiça é considerado um direito humano previsto em diversos tratados, a


exemplo do PIDCP (art. 14.1) e da CADH (art. 8.1).
- A OEA já emitiu algumas resoluções valorizando o trabalho da Defensoria Pública e
incentivando os Estados a adotarem o modelo público de assistência jurídica por meio
da criação e do fortalecimento da Defensoria Pública. A OEA também tem incentivado
os Estados a assegurarem autonomia às Defensorias: Resoluções no 2.656/2011,
2.714/2012, 2.821/2014, 2.887/2016 e 2.928/2018.
- A partir de alterações no Regulamento da Corte IDH a partir do ano de 2000 e
ampliadas em 2009, a CIDH perdeu a sua posição dual perante o sistema
interamericano, atuando a partir de então apenas como órgão do sistema, e não mais
como representante processual das vítimas.
- Ou seja: a partir de mutações extraconvencionais do sistema interamericano a vítima
foi alcançando a condição de parte perante a Corte IDH. Portanto, as alterações não se
deram diretamente no texto da CADH, mas sim no texto do Regulamento da Corte IDH
(que é alterada pela própria Corte).
- Essas alterações fizeram com que a vítima conquistasse a posição de parte no
processo judicial perante a Corte IDH.
- LOCUS STANDI: a vítima conquistou a posição de parte no processo mediante
alteração no Regulamento da Corte IDH.  comparecer e atuar como parte no bojo de
um processo já instaurado perante a Corte IDH.
- A CIDH, por sua vez, perde sua posição dual perante a Corte IDH. Quando vigorava a
posição dual da CIDH, ela atuava: (i) como representante processual do sistema
interamericano e (ii) como representante processual da vítima. Esta última atuação foi
suprimida a partir do momento em que a vítima passou a atuar como parte.
2. Estabelecimento

- Com o objetivo de evitar que dificuldades financeiras ou de outra natureza


impedissem as vítimas de contarem com a devida representação legal (defesa
técnica) no procedimento perante a Corte, surge, com o Regulamento de 2009 da
Corte, a figura do defensor interamericano.
- Vejamos a exposição de motivos da Reforma regulamentar: “Desta maneira, garante-
se que toda presumida vítima tenha um advogado que faça valer seus interesses
perante a Corte e se evita que razões econômicas impeçam as vítimas de contar com
representação legal. Por outro lado, evita-se que a Comissão tenha uma posição dual
ante a Corte, de representantes das vítimas e de órgão do sistema”.
- CONCEITO: De acordo com o Regulamento da Corte, a expressão defensor
interamericano significa a pessoa que a Corte designa para assumir a representação
legal de uma suposta vítima que não tenha designado um defensor de si mesma (art.
2.11). Portanto, somente se designa um defensor interamericano quando a vítima,
atuando perante a Corte IDH, não tenha designado um defenasor por si mesma.
- BASE NORMATIVA: A base normativa da Defensoria Interamericana é regulamentar,
e não convencional. Trata-se do Regulamento da Corte IDH.
- MODELOS DE AJG NO ÂMBITO DE TRIBUNAIS INTERNACIONAIS: Alguns modelos de
assistência jurídica gratuita no âmbito de tribunais internacionais: o primeiro, que o
professor Caio chama de sistema concentrado, prevê órgão de defesa pública dentro
da estrutura do próprio tribunal, como ocorre, por exemplo, com o Tribunal Penal
Internacional (TPI), que possui alguns escritórios semiautônomos. E o segundo, que o
professor Caio Paiva chama de sistema independente, que “terceiriza” a organização da
prestação e da designação específica do defensor a uma entidade independente, como
ocorre com o sistema adotado pela Corte IDH, com características inéditas no âmbito
internacional.
3. Implementação

- Para concretizar o ideal de uma assistência jurídica gratuita no processo perante a


Corte, esta celebrou um convênio com a Associação Interamericana de Defensorias
Públicas (AIDEF), atribuindo à AIDEF a competência para organizar e coordenar este
serviço no processo judicial perante a Corte.
- MODELO PÚBLICO: embora a Corte IDH não mencione a expressão “público” quando
se refere ao defensor interamericano, o modelo de uma defesa pública interamericana
restou acolhido quando a Corte resolveu celebrar o convênio com a AIDEF, em
25.09.2009. E ainda, o termo defensor público interamericano logo foi acolhido pela
Corte, conforme se vê no seu Relatório Anual de 2010. Nada impede, porém, que a
Corte ou a CIDH adotem novos convênios com outras instituições ou entidades.
4. Formação do corpo de defensores interamericanos

- O mesmo corpo de defensores interamericanos atua perante a Corte IDH e perante a


CIDH, conforme estabelece o Regulamento Unificado (RU) em seu art. 4o.
- Cada Defensoria Pública propõe até três candidatos membros da carreira. Após um
processo de avaliação e seleção, o Comitê Executivo da AIDEF aprova a lista definitiva.
- Mandato de 3 anos, podendo ser reeleitos mediante novo processo seletivo.

5. Requisitos exigidos para a função

- Requisitos – art. 6º:


- Ser defensor público de algum dos países que integram a AIDEF;
- Ter no mínimo 05 anos no cargo de Defensor Público;
- Ter formação acadêmica comprovável em DIDH;
- Serão valoradas outras capacidades como predisposição para trabalhar em equipe,
experiência prática em DIDH, experiência prática em assistência jurídica de grupos
vulneráveis.
- Bloco II

6. Designação dos defensores interamericanos para atuar na CIDH e na Corte


IDH

7. Extensão do mandato

- Art. 16, Regulamento Unificado:


- O mandato de 03 anos será estendido nos casos perante a CIDH até a adoção do
relatório de mérito definitivo na hipótese de o caso não ser remetido à Corte IDH;
- Se o caso foi submetido à Corte IDH ou se a atuação do DPI ocorreu nesta instância,
até a sentença final, incluída a etapa de supervisão de sentença;
- e, ainda, durante o tempo que se estenda a execução da sentença de mérito,
reparações e custas da Corte IDH.
8. Atuação perante a CIDH e perante a Corte IDH

- Para atuar perante a CORTE IDH, conforme o Acordo de Entendimento Corte- AIDEF, a
vítima deve carecer de recurso econômico ou de representação legal. Os requisitos
não são exigidos cumulativamente.
- Para atuar perante a CIDH, conforme o Acordo de Entendimento CIDH-AIDEF, (i) o
caso precisa estar na etapa de mérito e (ii) a vítima não deve ter representação legal e
(iii) carecer de recursos econômicos suficientes para isso. Ou seja, o defensor
interamericano não atua na fase de admissibilidade, somente na etapa de mérito.
- Além disso, de acordo com o Regulamento Unificado, o caso deve ser
complexo para a vítima ou referir-se a matéria inédita para a proteção de
direitos humanos na região, deve envolver possíveis violações a direitos
humanos de especial interesse para a AIDEF e deve, ainda, envolver uma ou
mais vítimas que pertençam a grupos em situação de vulnerabilidade.
9. Possibilidade de a vítima recusar a atuação de um defensor interamericano

- É possível que a vítima recuse.


- NÃO SE EXIGE REPRESENTAÇÃO LEGAL no sistema interamericano (CIDH e Corte
IDH).
- O Acordo de Entendimento CIDH-AIDEF dispõe, neste sentido, que a CIDH deve obter
da vítima seu consentimento expresso para que seja representada por um defensor
interamericano.
- No âmbito da Corte IDH, no primeiro caso em que se procedeu com a designação de
defensor interamericano – Caso Furlán e familiares vs. Argentina –, a Corte esclareceu
à vítima que não era obrigatória a aceitação e que ela poderia, inclusive, abster-se de
nomear um advogado, exercendo, assim, sua própria representação.
10. Defensoria Interamericana e Defensorias nacionais

- O surgimento da Defensoria Interamericana não prejudicou a atuação das


Defensoras nacionais perante o sistema interamericano.
- Somente é designado defensor interamericano se a vítima não contar com
representação legal.
- Neste sentido, dispõe o Acordo de Entendimento entre a Corte IDH e a AIDEF: “Este
convênio não impede a AIDEF nem a seus associados de levarem por si mesmos casos
ao sistema interamericano de direitos humanos”.
AULA 23 – SISTEMA EUROPEU
1. Introdução

- O sistema europeu de proteção dos direitos humanos também nasceu no pós-


Segunda Guerra Mundial, em 1949, com a criação do Conselho da Europa, por meio
do Tratado de Londres.
- Trata-se do primeiro sistema regional a entrar em funcionamento.
- O Conselho da Europa, com sede em Estrasburgo, na França, é uma organização
regional intergovernamental que tem como propósitos a defesa dos direitos humanos
e do Estado de Direito.
- O Conselho da Europa é composto por 47 países.
CONSELHO DA EUROPA CONSELHO EUROPEU
organização internacional voltada à instituição da União Europeia, que define a
promoção e proteção dos direitos agenda política desta organização mais voltada
humanos para assuntos econômicos, políticos e de
integração da comunidade europeia

- Como o Estatuto do Conselho da Europa continha apenas referências vagas sobre o


tema dos direitos humanos, foi adotada, em 1950, a Convenção Europeia sobre
Direitos Humanos (CEDH). Seu nome oficial é Convenção para a proteção dos direitos
do homem e das liberdades fundamentais.
- A CEDH entrou em vigor em 1953, após 10 ratificações, já tendo sido objeto de
diversos protocolos facultativos ou adicionais.
- Importante lembrar que a ratificação da CEDH é um pré-requisito para o Estado
integrar o Conselho da Europa, no que o sistema europeu se diferencia do sistema
interamericano, já que não se exige a ratificação da CADH para integrar a OEA.
2. Convenção Europeia sobre Direitos Humanos (CEDH)

- Trata-se do principal instrumento normativo do sistema europeu e tem como


inspiração a Declaração Universal de 1948.
- Foi o primeiro instrumento vinculante que superou a ideia de que a proteção dos
direitos humanos consistia em questão a ser resolvida tão somente pelos Estados.
- Abrange essencialmente direitos civis e políticos.
- A CEDH foi complementada por diversos protocolos facultativos, sendo que alguns
trataram de reformas substanciais e outros de reformas procedimentais.
- Protocolo 1/1952: adicionou a proteção dos direitos de propriedade e aspectos do
direito à educação e do direito a eleições livres.
- Protocolo 11/1994: extinguiu a Comissão Europeia e reformou o Tribunal Europeu de
Direitos Humanos (TEDH). Além disso, eliminou a duplicidade de procedimentos
realizados pela Comissão e pelo TEDH, estabelecendo a possibilidade de a vítima
levar o caso diretamente ao TEDH (jus standi). A competência contenciosa do TEDH e
o direito de petição das vítimas se tornaram cláusulas obrigatórias.
- Protocolo 15/2013: inseriu o princípio da subsidiariedade e o princípio da margem
de apreciação no preâmbulo da CEDH. Entrou em vigor em 2021.
3. Outros documentos do sistema europeu

- Convenção Europeia sobre Extradição (1957)


- Convenção Europeia sobre Assistência Mútua em Assuntos Criminais (1959)
- Convenção Europeia para a Prevenção da Tortura e de Tratamentos ou
Punições Desumanas ou Degradantes (1987)
- Convenção para a Proteção de Minorias Nacionais (1995)
- Carta Social Europeia (1961 e revisada em 1995)
Alguns pontos importantes sobre a Carta Social Europeia:
- Foi adotada em 1961 e entrou em vigor em 1965.
- Em 1968, recebeu um protocolo adicional que incorporou ao documento original
garantias relativas aos direitos trabalhistas, igualdade de gênero e direitos das pessoas
idosas.
- Foi revisada em 1995 para unir em texto único a primeira versão e o protocolo,
acrescentando, ainda, outros direitos.
- A Carta revisada conta com dois protocolos facultativos (1991 e 1998):
procedimentos que buscam conferir maior efetividade ao sistema de monitoramento
e implementação dos direitos.
- Importante compreender que os direitos sociais protegidos pela Carta Social Europeia
não podem ser levados ao TEDH. Seus mecanismos de proteção funcionam,
basicamente, pela apresentação de relatórios periódicos aos órgãos responsáveis
(Comitê Europeu de Direitos Sociais e Comitê de Ministros, este por seu Comitê
Governamental da Carta Social Europeia). Há, ainda, um sistema de denúncia coletiva
(introduzido pelo protocolo de 1998). Não é possível petição individual. A legitimidade
é conferida apenas a algumas organizações da sociedade civil (organizações
internacionais de empregadores e sindicatos, ONGs internacionais que tenham status
consultivo perante o Conselho da Europa e organizações nacionais representativas de
empregadores e sindicatos).
4. Estrutura orgânica

- Inicialmente, uma tríade formada pela Comissão, pelo TEDH e pelo Comitê de
Ministros do Conselho da Europa.
- Com o Protocolo no 11, a Comissão foi extinta e o TEDH passou a ser um órgão
permanente, tendo sido ampliada, ainda, a atuação do Comitê de Ministros.
- Alguns pontos importantes sobre o TEDH:
- É o órgão judicial ou jurisdicional responsável pela interpretação e aplicação dos
direitos previstos na CEDH e seus protocolos.
- Possui competências contenciosa e consultiva.
- Tornou-se um órgão permanente em 1998.
- Tem sede em Estrasburgo, na França.
- Compõe-se de número de juízes equivalente ao número de membros do Conselho da
Europa (47), que são eleitos a título pessoal pelo Conselho da Europa.
- O mandato dos juízes – não renovável – é de nove anos.
- Alguns pontos importantes sobre o Comitê de Ministros:
- Formado pelos Ministros das Relações Exteriores de cada Estado-membro do
Conselho da Europa.
- Órgão responsável pela execução das sentenças do TEDH. Após o TEDH proferir a
sentença, esta é encaminhada ao Comitê de Ministros, que fica competente para
supervisionar seu cumprimento, a exemplo de acompanhar o pagamento de
indenizações.
- Se o Comitê de Ministros considera que o Estado não cumpriu a decisão, remete-a
novamente ao TEDH, que, se concordar, remete novamente a questão ao Comitê de
Ministros para adotar as medidas cabíveis.

AULA 24 – SISTEMA AFRICANO


1. Introdução

- É o sistema regional mais recente em funcionamento.


- A internacionalização regional dos direitos humanos na África remonta à extinta
Organização da Unidade Africana (OUA), uma organização regional que foi criada em
1963 e tinha como objetivo o fortalecimento da soberania, a proteção da integridade
territorial e o desenvolvimento socioeconômico dos Estados recém-independentes da
colonização e exploração que marcaram a região.
- A Carta da instituição da OUA, tal como ocorreu nos demais sistemas internacionais,
não estabeleceu obrigações sobre direitos humanos para os Estados membros, mas foi
em seu âmbito que, em 1981, foi adotada a Carta Africana de Direitos Humanos e dos
Povos, também conhecida como CARTA DE BANJUL, por ter sido adotada em Banjul,
na Gâmbia, país que influenciou muito a sua adoção.
- A OUA foi extinta em 2011 e substituída por uma nova organização regional chamada
de União Africana. O ato constitutivo da União Africana, sim, contém previsões mais
específicas sobre os deveres dos Estados em relação aos direitos humanos.
- Uma preocupação do Ato Constitutivo da União Africana diz respeito à proteção do
regime democrático nos seus Estados-membros, tanto que seu art. 30 prevê a cláusula
democrática, segundo a qual a instauração de governos por meios inconstitucionais
acarretará a suspensão do direito de participação do Estado na União Africana.

2. Estrutura normativa

- Alguns pontos importantes sobre a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos
[Carta de Banjul]:
• Adotada em 1981 e entrou em vigor em 1986.
• Trata-se do documento regional mais importante em matéria de direitos humanos do
sistema africano.
• A Carta é dividida em três partes: a primeira trata dos direitos humanos e dos povos
e também dos deveres dos indivíduos; a segunda se refere aos mecanismos de
proteção; e a terceira contém disposições gerais.
- Pelo menos três características distinguem a Carta Africana das convenções
europeia e americana:
1) primeiro tratado internacional que reconhece a indivisibilidade dos direitos civis e
políticos e dos direitos econômicos, sociais e culturais, não fazendo qualquer distinção
sobre a implementação;
2) adotou uma perspectiva coletivista e não apenas individual ao se referir aos
“povos”, destacando-se a proteção do direito dos povos ao desenvolvimento
econômico; e
3) primeiro tratado regional a prever “deveres” para as pessoas, considerada a
perspectiva da vida em coletividade.
- Outros documentos importantes do sistema africano:
• Protocolo à Carta de 1998: instituiu a Corte Africana dos Direitos Humanos e dos
Povos;
• Protocolo à Carta de 2003: também chamado de Protocolo de Maputo, trata dos
direitos das mulheres na África;
• Carta Africana dos Direitos e Bem-Estar da Criança de 1990.
• Convenção da União Africana sobre a Proteção e Assistência às Pessoas Deslocadas
Internamente na África de 2009.
3. Estrutura orgânica

- Alguns pontos importantes sobre a Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos
Povos:
• Foi criada pela Carta Africana.
• Começou a trabalhar em 1987, com competência para promover os direitos humanos
e dos povos e assegurar sua respectiva proteção na África.
• Tem sede em Gâmbia.
• É órgão político ou quase-judicial, tal como a CIDH.
• Suas competências são muito parecidas com a da CIDH: relatorias temáticas, estudos
e pesquisas, análise de relatórios dos Estados, petições individuais e interestatais etc.
• Composta por 11 membros, eleitos a título pessoal.
• O mandato dos membros é de 6 anos, autorizada a reeleição.

- Alguns pontos importantes sobre a Corte Africana dos Direitos Humanos e dos
Povos:
• Não foi criada inicialmente pela Carta. Atribui-se isso tanto à ausência de suporte
para a criação de um tribunal internacional na época na região quanto também às
tradições africanas mais compatíveis com a conciliação e a negociação como métodos
para a solução de conflitos.
• Foi criada depois pelo Protocolo à Carta Africana em 1998, que entrou em vigor em
2004.
• Está em funcionamento desde 2006, sendo o órgão judicial do sistema africano.
• Possui competências contenciosa e consultiva.
- Procedimento de petições individuais no sistema africano:
- Podem submeter casos à Corte Africana a Comissão, os Estados e Organizações
Africanas Intergovernamentais.
Sistema africano Sistema interamericano Sistema europeu
Podem submeter casos à Corte Podem submeter casos As vítimas Podem
Africana a Comissão, os Estados à Corte IDH a Comissão submeter casos à Corte
e Organizações Africanas e os Estados. EDH diretamente.
Intergovernamentais

- EXCEÇÃO  SISTEMA AFRICANO: Indivíduos e ONGs podem submeter casos à Corte


apenas em relação a Estados que tenham feito uma declaração específica de aceitação
dessa possibilidade. Alguns Estados já fizeram.

AULA 25 – TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL


- Bloco I

1. Uma breve introdução ao Direito Internacional Penal

- Como resultado de um longo processo construído a partir de bases costumeiras,


lições doutrinárias e tratados esparsos chegou-se ao que se convencionou denominar
de Direito Internacional Penal, um ramo do Direito Internacional Público que tem como
objeto a) estabelecer os crimes internacionais, b) impor aos Estados a obrigação de
punir os autores destes crimes e c) criar a jurisdição penal internacional para atuar
diante da eventual ineficiência da jurisdição penal interna.
- Assim, o DIREITO INTERNACIONAL PENAL, segundo o entendimento majoritário,
diferencia-se do Direito Penal Internacional, já que este tem como objeto a) a aplicação
da lei penal no espaço, b) a cooperação penal internacional e c) a eficácia da sentença
penal estrangeira. Alguns temas, em razão da sua dupla normatização – na lei interna e
nos tratados internacionais –, como a extradição por exemplo, são objeto tanto do
Direito Internacional Penal quanto do Direito Penal Internacional.
- O Direito Internacional Penal, diferentemente do Direito Internacional dos Direitos
Humanos – que trata da responsabilidade internacional dos Estados –, baseia-se na
responsabilidade penal internacional dos indivíduos e traz consigo a superação de
dois dogmas: a) o abandono do mito do monopólio das jurisdições nacionais em
matéria penal e b) o rompimento da barreira de que apenas os Estados é que
poderiam ser responsabilizados na arena internacional.
- A ideia que fundamenta e alimenta o Direito Internacional Penal é a de que certos
crimes, em razão da sua gravidade, constituem uma ameaça à paz, à segurança e ao
bem- estar da humanidade, afetando a comunidade internacional no seu conjunto,
de modo que, conforme consta no preâmbulo do Estatuto de Roma do Tribunal Penal
Internacional (TPI), não devem ficar impunes e a sua repressão deve ser efetivamente
assegurada através da adoção de medidas em nível nacional e do reforço da
cooperação internacional.
- Atualmente, o Direito Internacional Penal encontra no TPI o seu órgão de
monitoramento.
2. Antecedentes históricos do TPI

- Vejamos quais foram os antecedentes históricos do TPI:


a) Tratado de Versailles (1919): tratado de paz que encerrou oficialmente a Primeira
Guerra Mundial e constituiu a Liga das Nações. O art. 227 do Tratado previa a criação
de um “tribunal especial”, composto por juízes das potências vencedoras, para julgar o
Kaiser (Imperador) Guilherme da Alemanha vencida. Como o Kaiser Guilherme havia
obtido asilo na Holanda, por não ter sido extraditado, acabou não sendo julgado. Ainda
assim, encontra-se no art. 227 e seguintes do Tratado de Versailles o embrião do
moderno Direito Internacional Penal, que permite a responsabilização do indivíduo por
crimes graves, superando a ideia de blindagem absoluta da proteção estatal (até então,
o julgamento penal de indivíduos era de atribuição exclusiva dos Estados).
b) Tribunal Internacional Militar de Nuremberg (1945 – Tribunal de Nuremberg):
estabelecimento do primeiro tribunal internacional com competência penal, tendo
como partes originais as potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial (Reino
Unido, EUA, União Soviética e França) e mais 19 Estados aderentes. Com sede em
Berlim, tinha competência para julgar crimes contra a paz, crimes de guerra e crimes
contra a humanidade praticados por oficiais do regime nazista. Possuía 4 juízes titulares
e 4 juízes suplentes, apontados por cada uma das potências vencedoras. Os acusadores
também eram nacionais destes países. Julgou os crimes nazistas mais importantes,
deixando os processos menores para os Estados em que tais crimes haviam sido
cometidos. No total, somam-se 12 condenações à morte por enforcamento, 3 de prisão
perpétua, 2 a 20 anos de prisão, 1 a 15 anos de prisão, 1 a 10 anos de prisão e 2
absolvições.
c) Tribunal Militar Internacional para o Extremo-Oriente (1946 – Tribunal de Tóquio):
estabelecimento do segundo tribunal internacional com competência penal, criado por
ato unilateral dos EUA, com competência para julgar integrantes do núcleo militar e
civil do governo japonês por crimes contra a paz, crimes de guerra e crimes contra a
humanidade. Ativado por um comandante dos EUA no Japão, que indicou seus 11
juízes. Foram pronunciadas seis condenações à morte.
d) Princípios de Nuremberg (ONU, 1946): no final de 1946, a Assembleia- Geral da ONU
consagrou os princípios de Direito Internacional acolhidos pelos Estatutos dos Tribunais
de Nuremberg e Tóquio, ficando conhecidos como Princípios de Nuremberg, sendo eles
os seguintes: 1) todo aquele que comete ato que consiste em crime internacional é
passível de punição; 2) lei nacional que não considera o ato crime é irrelevante; 3) as
imunidades locais são irrelevantes; 4) a obediência às ordens superiores não são
eximentes; 5) todos os acusados têm direito ao devido processo legal; 6) são crimes
internacionais os julgados em Nuremberg; e 7) conluio para cometer tais atos é crime.
e) Convenção para a Prevenção e a Punição do Crime de Genocídio (1948): a ONU
passou a codificar normas de direito internacional penal e de direito humanitário,
sendo exemplos a Convenção para a Prevenção e a Punição do Crime de Genocídio, de
1948, e as quatro convenções de Genebra, de 1949.
f) Resoluções no 827/1993 e 955/1994 do Conselho de Segurança da ONU criando,
respectivamente, o TPI para os crimes contra o Direito Humanitário cometidos na ex-
Iugoslávia e o TPI para os crimes ocorridos em Ruanda: o primeiro com sede em Haia,
na Holanda, e o segundo com sede em Arusha, na Tanzânia, tendo ambos contribuído
para a consolidação normativa e para a criação jurisprudencial do Direito Internacional
Penal.
g) Adoção do Estatuto do TPI (1998, em Roma): foi criado o TPI, uma instituição
permanente e independente (não é parte da estrutura da ONU, mas mantém com ela
uma relação de cooperação).
- Embora a competência do CSNU para constituí-los houvesse sido questionada, pois o
Capítulo VII da Carta das Nações Unidas conferem ao CSNU prerrogativas para a
manutenção ou restabelecimento da paz e segurança, e não para ações legais contra
indivíduos, criando, assim, tribunais penais internacionais. Além disso, considerado o
poder de veto dos 5 membros permanentes do CSNU (China, França, Rússia, Reino
Unido e EUA), a imparcialidade dos Tribunais ad hoc é questionada quando o CSNU
escolhe juízes e acusadores conforme a compreensão dos membros permanentes.
- A partir deste itinerário histórico, a doutrina passou a indicar algumas gerações de
tribunais penais internacionais, sendo elas as seguintes:
a) 1ª geração (tribunais precursores, com natureza militar): Tribunal de Nuremberg e
Tribunal de Tóquio.
b) 2ª geração (tribunais criados pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas): TPI
para a Ex-Iugoslávia e TPI para Ruanda.
c) 3ª geração (tribunal permanente): o TPI, conforme o Estatuto de Roma.
d) 4ª geração (tribunais penais internacionalizados ou híbridos): tribunais
internacionais híbridos são aqueles cuja formação é solicitada pelo governo do Estado
onde os crimes foram cometidos. Cite-se como exemplo – dentre outros que existiram
– o Tribunal Especial para Serra Leoa, que foi criado após a realização de um acordo
entre o governo local e a ONU. Nestes tribunais, há juízes do Estado requerente e
também juízes internacionais, aplicando-se tanto o direito interno quanto o direito
internacional, daí decorrendo a sua natureza híbrida.
3. Estrutura e funcionamento do TPI

- De acordo com o ER, o TPI se organiza a partir de três órgãos, sendo eles a
Assembleia dos Estados Partes, o Tribunal Penal Internacional propriamente dito e o
Fundo Fiduciário para Vítimas.
- Além disso, ainda integram a estrutura do TPI, embora sejam independentes, o
Gabinete do Procurador e o Gabinete do Conselho Público de Defesa. Vejamos nos
próximos tópicos as informações mais relevantes sobre estes órgãos.
3.1. Assembleia dos Estados Partes
- A Assembleia dos Estados Partes (AEP) é o órgão legislativo e de supervisão da
administração do TPI, sendo composta por representantes dos Estados que ratificaram
o ER. A AEP se reúne na sede do TPI em Haia ou na sede das Nações Unidas em Nova
York uma vez por ano e, quando as circunstâncias o exigirem, poderá realizar sessões
especiais.
- Cada Estado-Parte do ER tem um representante na AEP, que pode ser acompanhado
por substitutos e assessores (art. 112.1). O ER prevê que cada Estado-Parte tem direito
a um voto, embora devam ser envidados todos os esforços para chegar a decisões por
consenso (art. 112.7).
- O Presidente do TPI, o Procurador e o Secretário ou os seus respectivos
representantes poderão participar, sempre que julguem oportuno, nas reuniões da
Assembleia e da Mesa (art. 112.5).
- A AEP possui competências de natureza administrativa e normativa.
- Quanto à primeira, de acordo com o art. 112 do ER, a Assembleia está encarregada de
fornecer supervisão administrativa à Presidência, ao Procurador e ao Secretário sobre a
administração do Tribunal. A AEP também é encarregada da eleição e da destituição,
entre outros, dos juízes, do Procurador e dos Promotores adjuntos. Em suas sessões
anuais, a Assembleia ainda considera uma série de questões, incluindo o orçamento do
Tribunal, o status das contribuições e os relatórios de autoria.
- No que diz respeito à competência normativa, a AEP adota as Regras de
Procedimento e Prova (art. 51) e os Elementos do Crime (art. 9o), além de ser o órgão
responsável por analisar e implementar alterações no ER (art. 121).
- A disciplina específica sobre a AEP consta no art. 112 do ER.
3.2. Estrutura orgânica do Tribunal Penal Internacional propriamente dito

- De acordo com o art. 34 do ER, o TPI é composto pelos seguintes órgãos:


a) A Presidência; b) Três Divisões Judiciais, sendo uma Seção de Instrução, uma Seção
de Julgamento em Primeira Instância e uma Seção de Recursos; c) O Gabinete do
Procurador; e d) A Secretaria.
3.2.1. A Presidência

- A Presidência é um dos quatro órgãos do Tribunal. É composto pelo Presidente e pelo


Primeiro e Segundo Vice-Presidentes, todos eleitos pela maioria absoluta dos juízes do
Tribunal por um período de três anos ou até o término do seu mandato como juiz,
conforme o que expirar em primeiro lugar, podendo ser reeleitos uma única vez (ER,
art. 38.1).
- A Presidência tem três áreas principais de responsabilidade: a) funções judiciais, b)
administração e c) relações externas. No exercício de suas funções judiciais, a
Presidência constitui e atribui casos às Câmaras, realiza a revisão judicial de
determinadas decisões do Secretário e conclui acordos de cooperação com os Estados.
Com a exceção do Gabinete do Procurador, a Presidência é responsável pela boa
administração do Tribunal. Entre as responsabilidades da Presidência no domínio das
relações externas está a manutenção de relações com os Estados e outras entidades e
a promoção da conscientização e compreensão pública do TPI.
3.2.2. Divisões Judiciais

- O TPI possui três Divisões Judiciais, que trabalham em diferentes fases do processo:
instrução ou investigação (ou, ainda, pré-julgamento), julgamento e recursos. O ER
trata da composição das Divisões Judiciais em seu art. 39.
- Ainda de acordo com informações colhidas no site do TPI, são competências dos
juízes de julgamento: a) realizar julgamentos justos; b) decidir se há evidências
suficientes para provar, além de uma dúvida razoável, que o acusado é culpado; c)
julgar e pronunciar publicamente a sentença; e d) proceder com a reparação às vítimas,
incluindo restituição, compensação e reabilitação.
- Finalmente, são competências dos juízes de recurso: a) julgar os recursos
apresentados pelas partes; b) confirmar, reverter ou alterar uma decisão sobre culpa
ou inocência ou sobre a sentença e, se necessário, ordenar um novo julgamento
perante uma Câmara de Julgamento diferente; c) assegurar que a condenação não foi
materialmente afetada por erros ou por injustiça do processo; d) garantir que as penas
impostas na sentença sejam proporcionais aos crimes; e) confirmar, reverter ou alterar
um pedido de reparações; f) revisar o julgamento final da condenação quando, por
exemplo, novas evidências forem encontradas posteriormente; e g) julgar apelações
sobre os mais diversos temas.
3.2.3. Gabinete do Procurador
O Gabinete do Procurador (GdP) é um órgão independente do TPI, responsável por
examinar situações sob a jurisdição do Tribunal onde o genocídio, crimes contra a
humanidade, crimes de guerra e agressão parecem ter sido cometidos, e realizar
investigações e mover processos contra os indivíduos que são supostamente
responsáveis por esses crimes. Pela primeira vez na história, um procurador
internacional recebeu o mandato, por um número cada vez maior de Estados, de
selecionar e isolar, independentemente, situações de investigação em que crimes são
cometidos em seus territórios ou por seus nacionais.
Assim como os juízes do TPI, o Procurador e o Procurador Adjunto são eleitos pela
Assembleia dos Estados Partes para um mandado não renovável de nove anos.
O GdP é composto por três divisões principais: a) a Divisão de Jurisdição,
Complementaridade e Cooperação, responsável por realizar exames preliminares,
prestar assessoria em questões de jurisdição, admissibilidade e cooperação,
coordenando, ainda, a cooperação judiciária e as relações externas do Gabinete; b) a
Divisão de Investigação, encarregada de fornecer perícia e apoio de investigação,
coordenando o desdobramento de campo do pessoal e planos de segurança e políticas
de proteção, fornecendo, ainda, análise de crime, de informações e de evidências; e c)
a Divisão de Promotoria, que prepara as estratégias de litígio e conduz os processos,
inclusive por meio de apresentações escritas e orais aos juízes.
As principais disposições sobre o GdP estão no art. 42 do ER.
3.2.4. A Secretaria
A Secretaria está disciplinada no art. 43 do ER.
3.3. Fundo Fiduciário para Vítimas
- Embora o Fundo Fiduciário para Vítimas (FFV) seja separado do TPI, ele foi criado em
2004 pela Assembleia dos Estados Partes, de acordo com o art. 79.1 do ER: “Por
decisão da Assembleia dos Estados Partes, será criado um Fundo a favor das vítimas de
crimes da competência do Tribunal, bem como das respectivas famílias”.
- A missão do Fundo é apoiar e implementar programas que tratem de danos
resultantes de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e de agressão.
Para alcançar essa missão, o FFV tem um mandato duplo: a) implementar reparações
ordenadas pelo TPI e b) fornecer apoio físico, psicológico e material às vítimas e suas
famílias.
- Ao ajudar as vítimas a retornarem a uma vida digna e contributiva dentro de suas
comunidades, o FFV contribui para a realização de uma paz sustentável e duradoura,
promovendo a justiça restaurativa e a reconciliação.
- Em 2005, a AEP aprovou o Regulamento do FFV, sendo um documento importante,
pois detalha diversas questões a respeito das atribuições do Fundo.
- Os recursos do FFV podem ser originados de quatro tipos de fontes: 1) contribuições
voluntárias de governos, organizações internacionais, indivíduos, corporações e outras
entidades, de acordo com os critérios relevantes a serem estabelecidos pela AEP; 2)
somas e demais bens coletados por meio de multas ou sequestros transferidos ao
Fundo pelo TPI; 3) recursos coletados por meio de títulos de reparação determinados
pelo TPI; e 4) recursos que a AEP decida alocar no FFV.
- Bloco II

4. Composição, candidatura e eleição dos juízes

- De acordo com o ER, o TPI é composto por 18 juízes (art. 36.1), não podendo ter
mais de um juiz nacional do mesmo Estado-Parte (art. 36.7).
- Na seleção dos juízes, os Estados-Partes devem ponderar sobre a necessidade de
assegurar que a composição do Tribunal inclua a) a representação dos principais
sistemas jurídicos do mundo, b) uma representação geográfica equitativa e c) uma
representação justa de juízes do sexo feminino e do sexo masculino (art. 36.8.a).
- Além disso, os Estados-Partes devem levar igualmente em consideração a
necessidade de assegurar a presença de juízes especializados em determinadas
matérias, incluindo, entre outras, a violência contra mulheres e crianças (art. 36.8.b).
- Os candidatos a juízes do TPI devem possuir os seguintes requisitos (art. 36.4): a)
elevada idoneidade moral; b) imparcialidade e integridade; c) reconhecida
competência em Direito Penal e Direito Processual Penal e a necessária experiência
penais na qualidade de juiz, procurador, advogado ou outra função semelhante, ou,
ainda, reconhecida competência em matérias relevantes de Direito Internacional, tais
como o Direito Internacional Humanitário e os Direitos Humanos, assim como vasta
experiência em profissões jurídicas com relevância para a função judicial do Tribunal; d)
excelente conhecimento e serem fluentes em, pelo menos, uma das línguas de
trabalho do Tribunal6; e e) reunirem as condições para o exercício das mais altas
funções judiciais nos seus respectivos países.
- O processo de eleição dos juízes do TPI funciona basicamente da seguinte forma (ER,
art. 36.4 e seguintes): a) Os Estados-Partes do ER, querendo, apresentam seus
candidatos, que devem ser seus nacionais ou de outros Estados-Partes; b) são
estabelecidas duas listas com os nomes dos candidatos, separando-os entre as
especialidades Direito Penal e Direito Processual Penal de um lado e, do outro,
matérias relevantes para o Direito Internacional, assegurando-se uma proporção
equivalente na composição do Tribunal; c) os juízes são eleitos por votação secreta em
sessão da Assembleia dos Estados Partes.
- Uma brasileira já integrou o TPI como juíza: Sylvia Steiner (foi MPF e Desa. No TRF3).
- Os juízes do TPI são eleitos para um mandato não renovável de nove anos (art.
36.9.a). - No entanto, de acordo com o art. 38.10 do ER, um juiz afeto a um Juízo de
Julgamento em Primeira Instância ou de Recurso permanecerá no exercício de suas
funções até a conclusão do julgamento ou do recurso dos casos que tiver a seu cargo
[prorrogação/extensão do mandato  ocorre o mesmo na Corte IDH].
5. Crimes de competência do TPI

- O ER estabelece que a competência do TPI se restringe aos crimes mais graves, que
afetam a comunidade internacional no seu conjunto, sendo eles os crimes de
genocídio, contra a humanidade, de guerra e de agressão (art. 5.1).
- Sobre o crime de agressão, o ER prevê que “O Tribunal poderá exercer a sua
competência em relação ao crime de agressão desde que, nos termos dos artigos 121 e
123, seja aprovada uma disposição em que se defina o crime e se enunciem as
condições em que o Tribunal terá competência relativamente a este crime” (art. 5.2).
- O art. 121 do ER estabelece o procedimento para proposição e aprovação de reformas
ao ER, enquanto o art. 123.1 prevê que “Sete anos após a entrada em vigor do
presente Estatuto, o Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas convocará
uma Conferência de Revisão para examinar qualquer alteração ao presente Estatuto. A
revisão poderá incidir nomeadamente, mas não exclusivamente, sobre a lista de crimes
que figura no art. 5o. A Conferência estará aberta aos participantes na Assembleia dos
Estados Partes, nas mesmas condições”.
- Esta Conferência de Revisão do Estatuto de Roma foi realizada em Kampala, Uganda,
no período de 31.05 a 11.06 de 2010, quando foram adotadas, por meio da Resolução
no 6, as emendas sobre o crime de agressão. De acordo com a Res. no 6, o TPI
somente pode exercer a sua competência a respeito de crimes de agressão cometidos
um ano após a ratificação ou aceitação das emendas por trinta Estados-Partes (art.
15.1).
- Além disso, nos termos do art. 15.2 da Res. no 6, o exercício da competência do TPI
ainda ficou condicionado a uma decisão a ser tomada a partir de 01.01.2017 pela
mesma maioria de Estados-Partes exigida para a aprovação de uma emenda ao ER
(2/3, nos termos do art. 121.3 do ER).
- Em 29.06.2016, o Estado da Palestina foi o 30o Estado-Parte do ER a depositar o
instrumento de ratificação do acordo de emenda celebrado em Kampala. Em junho de
2017, portanto, o Acordo de Kampala estava em vigor, mas ainda faltava a decisão
exigida pelo art. 15.2 da Res. no 6, o que veio a ocorrer entre os dias 4 e 15.12.2017, na
16a Assembleia dos Estados Partes, quando se decidiu ativar a competência do TPI
para julgar o crime de agressão a partir de 17.07.2018.
- O Brasil ainda não ratificou o Acordo de Kampala, de modo que crime de agressão
ocorrido no território brasileiro não pode ser submetido a julgamento pelo TPI, e isso
porque o ER condiciona a entrada em vigor de alterações no seu texto a aceitação
pelos Estados-Partes quando se tratar de ampliação do rol de crimes de sua
competência (art. 121.5). A EXCEÇÃO à esta regra ocorre se o julgamento do crime for
adjudicado ao TPI pelo Conselho de Segurança da ONU.
- Vejamos a seguir, nos termos do Acordo de Kampala, o conceito e o alcance do
crime de agressão:
- Artigo 8o bis - Crime de agressão
1. Para os fins do presente Estatuto, uma pessoa comete um crime de agressão
quando, estando em condições de controlar ou dirigir efetivamente a ação política ou
militar de um Estado, esta pessoa planeja, prepara, inicia ou realiza um ato de agressão
que, por suas características, gravidade e escala constitua uma violação manifesta da
Carta das Nações Unidas.
2. Para os fins do parágrafo 1o, por “ato de agressão” se entenderá o uso da força
armada por um Estado contra a soberania, a integridade territorial ou a independência
política de outro Estado, ou em qualquer outra forma incompatível com a Carta das
Nações Unidas. Em conformidade com a resolução 3314 (XXIX) da Assembleia Geral
das Nações Unidas, de 14 de dezembro de 1974, qualquer dos seguintes atos,
independentemente de que haja ou não declaração de guerra, serão caracterizados
como ato de agressão:
a) A invasão ou o ataque pelas forças armadas de um Estado do território de
outro Estado, ou toda ocupação militar, ainda que temporária, que resulte desta
invasão ou ataque, ou toda anexação, mediante o uso de força, do território de
outro Estado ou de parte dele;
b) O bombardeio, pelas forças armadas de um Estado, do território de outro
Estado, ou o emprego de quaisquer armas por um Estado contra o território de
outro Estado;
c) O bloqueio dos portos ou das costas de um Estado pelas forças armadas de
outro Estado;
d) O ataque pelas forças armadas de um Estado contra as forças armadas
terrestres, navais ou aéreas de outro Estado, ou contra sua frota marcante ou
aérea;
e) A utilização de forças armadas de um Estado, que se encontrem no território
de outro Estado com a aceitação do Estado receptor, em violação das condições
estabelecidas no acordo ou toda prolongação de sua presença no referido
território depois de determinado o acordo;
f) A ação de um Estado que permite que seu território, colocado à disposição de
outro Estado, seja utilizado por este outro Estado para perpetrar um ato de
agressão contra um terceiro Estado;
g) O envio por um Estado, ou em seu nome, de bandos armados, grupos
irregulares ou mercenários que pratiquem atos de força armada contra outro
Estado de tal gravidade que sejam equiparáveis aos atos antes enumerados, ou
a sua substancial participação nestes atos.
- Para auxiliar o TPI na interpretação e aplicação dos artigos 6-8 do ER – assim como do
Acordo de Kampala –, que estabelecem os crimes da jurisdição do Tribunal, a
Assembleia dos Estados Partes, autorizada pelo ER (art. 9o), no exercício de sua
competência normativa, redigiu o documento Elementos de Crimes, fixando os
elementos que devem estar presentes para que uma pessoa seja considerada
criminalmente responsável pela prática daqueles crimes.
6. Condições para o exercício da competência pelo TPI

- TPI  sistema internacional que julga casos penais cujos réus sejam pessoas (e não
Estados).
- COMPLEMENTARIEDADE/SUBSIDIARIEDADE do TPI: O TPI somente pode ser
acionado quando esgotados os recursos da jurisdição interna. Ou seja: quando a
jurisdição penal interna não conseguir levar a cabo em toda sua extensão uma
persecução penal.
- De acordo com o ER, são estas as condições para o exercício da jurisdição pelo TPI:
a) as instâncias judiciais internas terem falhado na persecução penal do caso –
característica da complementariedade ou da subsidiariedade do TPI.
- Sobre esta condição, importante a leitura do art. 20 do ER, que trata da garantia do ne
bis in idem e da chamada COISA JULGADA FRAUDULENTA ou aparente. Consiste numa
relativização a coisa julgada penal contra o réu.
b) o crime ou os crimes devem ter sido cometidos após a entrada em vigor do Estatuto,
o que ocorreu em 01.07.2002 (art. 11.1) [Tribunal Penal Internacional de 3ª Geração –
permanente];
c) o crime ou os crimes devem ter sido cometidos (i) no território de um Estado Parte
(art. 12.2.a) ou (ii) por um nacional de um Estado Parte (art. 12.2.b), podendo, ainda,
esta aderência se dar mediante (iii) declaração específica por Estado não contratante
caso o crime tenha ocorrido em seu território ou for cometido por seu nacional (art.
11.2), ou ainda, (iv) ter o CSNU adotado resolução vinculante adjudicando o caso ao
TPI, independentemente de o Estado onde ocorreu o crime ou do qual o autor é
nacional ter ratificado o ER (art. 13.b), competência esta exercida de acordo com o
Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, referente à “ação relativa a ameaças à paz,
ruptura da paz e atos de agressão”.
- ATIVAÇÃO DA COMPETÊNCIA: A ativação da competência do TPI pode se dar
mediante a) denúncia por um Estado Parte ao Procurador, b) denúncia pelo CSNU ao
Procurador e c) de ofício pelo Procurador (ER, art. 13).
- INTERESSANTE: de acordo com o ER (art. 15), o Procurador solicita ao Juízo de
Instrução a abertura do inquérito. Se o Juízo de Instrução não autoriza, o Procurador
fica impedido de investigar, podendo, porém, apresentar novo requerimento com base
em novos fatos ou novas provas.
- INTERESSANTE (2): de acordo com o ER (art. 53.3.b), o Juízo de Instrução pode
divergir da decisão do Procurador de não proceder criminalmente, de modo que a
decisão do Procurador somente produzirá efeitos se confirmada pelo Juízo de
Instrução. Isso, porém, somente ocorre quando a decisão do Procurador tiver como
fundamentação argumentos mais subjetivos como a gravidade do crime, os interesses
das vítimas, o interesse da justiça etc.
7. Disposições penais aplicáveis ao julgamento pelo TPI

- O Capítulo III do ER trata dos princípios gerais de Direito Penal aplicáveis ao TPI.
Vejamos brevemente cada um deles.
1) Nullum crimen sine lege (não há crime sem lei). De acordo com o ER, “Nenhuma
pessoa será considerada criminalmente responsável, nos termos do presente Estatuto,
a menos que a sua conduta constitua, no momento em que tiver lugar, um crime da
competência do Tribunal” (art. 22.1), dispondo ainda que “A previsão de um crime será
estabelecida de forma precisa e não será permitido o recurso à analogia. Em caso de
ambiguidade, será interpretada a favor da pessoa objeto de inquérito, acusada ou
condenada”
2) Nulla poena sine lege (não há pena sem lei). Prevê o ER que “Qualquer pessoa
condenada pelo Tribunal só poderá ser punida em conformidade com as disposições do
presente Estatuto” (art. 23).
3) Não retroatividade para prejudicar. De acordo com o ER, “Nenhuma pessoa será
considerada criminalmente responsável, de acordo com o presente Estatuto, por uma
conduta anterior à entrada em vigor do presente Estatuto” (art. 24.1), prevendo ainda
que “Se o direito aplicável a um caso for modificado antes de proferida sentença
definitiva, aplicar-se-á o direito mais favorável à pessoa objeto de inquérito, acusada
ou condenada”.
4) Responsabilidade penal individual. De acordo com o ER, o TPI é competente para
julgar apenas pessoas físicas (art. 25.1). Prevê o ER que será considerado
criminalmente responsável quem: a) cometer o crime individualmente ou em conjunto
ou por intermédio de outrem, quer essa pessoa seja, ou não, criminalmente
responsável; b) ordenar, solicitar ou instigar à prática desse crime, sob a forma
consumada ou sob a forma de tentativa; c) com o propósito de facilitar a prática desse
crime, for cúmplice ou encobridor, ou colaborar de algum modo na prática ou na
tentativa de prática do crime, nomeadamente pelo fornecimento dos meios par a sua
prática; d) contribuir de alguma forma para prática ou tentativa de prática do crime por
um grupo de pessoas que tenha um objetivo comum. Esta contribuição deverá ser
intencional e ocorrer, conforme o caso, com o propósito de levar a cabo a atividade ou
o objetivo criminal do grupo, quando um ou outro impliquem a prática de um crime da
competência do Tribunal, ou com o conhecimento da intenção do grupo de cometer o
crime; e) no caso de crime de genocídio, incitar, direta e publicamente, a sua prática; e
f) Tentar cometer o crime mediante atos que contribuam substancialmente para a sua
execução, ainda que não se venha a consumar devido a circunstâncias alheias à sua
vontade. Porém, quem desistir da prática do crime, ou impedir de outra forma que este
se consuma, não poderá ser punido em conformidade com o presente Estatuto pela
tentativa, se renunciar total e voluntariamente ao propósito delituoso.
5) Exclusão da jurisdição relativamente a menores de 18 anos. De acordo com o ER, o
TPI somente possui jurisdição sobre pessoas que, na data da prática do crime, tenham
completado 18 anos de idade (art. 26).
6) Irrelevância da qualidade oficial. O ER prevê que as suas normas são aplicadas de
forma igual a todas as pessoas sem distinção alguma baseada na qualidade oficial, de
modo que em nada influencia imunidades ou normas especiais de procedimento
previstas no Direito interno ou no Direito Internacional (art. 27).
7) Responsabilidade dos Chefes Militares e outros superiores hierárquicos. Ver art.
28.
8) IMPRESCRITIBILIDADE. Prevê o ER que os crimes da competência do TPI não
prescrevem (art. 29).
9) Elementos psicológicos. De acordo com o ER, “Salvo disposição em contrário,
nenhuma pessoa poderá ser criminalmente responsável e punida por um crime da
competência do Tribunal, a menos que atue com vontade de o cometer e
conhecimento dos seus elementos materiais” (art. 30).
10) Causas de exclusão da responsabilidade criminal. Ver art. 31.
11) Erro de fato ou erro de direito. Ver art. 32.
12) Decisão hierárquica e disposições legais. Ver art. 33.
- Ainda sobre o assunto, o Capítulo VII do ER trata das penas no âmbito do TPI.
- PENAS: De acordo com o art. 77 do ER, o TPI pode impor à pessoa condenada as
seguintes penas: a) pena de prisão por um número determinado de anos, até ao limite
máximo de 30 anos; ou b) pena de prisão perpétua, se o elevado grau de ilicitude do
fato e as condições pessoais do condenado o justificarem; e ainda c) multa; e d) perda
de bens.
8. Procedimento de investigação, instrução, julgamento e execução da pena

- O procedimento no TPI se assemelha ao procedimento brasileiro para persecução


penal dos crimes de competência do Tribunal do Júri, pois se desenvolve a partir de
um inquérito e depois passa, se o Procurador oferecer a acusação, por uma etapa
judicial dividida em duas fases, sendo uma de pré-julgamento, onde são analisados os
requisitos para o julgamento (equivalente à “pronúncia” no Júri), e uma segunda fase
do julgamento propriamente dito, em que se analisa o mérito.
- Até a primeira fase, atua a Seção de Instrução. A segunda fase tramita perante a
Seção de Julgamento em Primeira Instância, que profere a sentença, que, sendo de
procedência, é acompanhada da fixação da pena e de medidas de reparação às vítimas.
- DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO: Tantos as decisões interlocutórias quanto as decisões
finais podem ser objeto de recurso para a Seção de Recursos.
- Sobre a execução da pena no âmbito do TPI, recomendo a leitura dos artigos 103 a
111 do ER.
- A pena é cumprida num dos Estados partes indicados pelo TPI a partir de uma lista
de Estados que tenham manifestado a sua disponibilidade para receber pessoas
condenadas.
- De acordo com o art. 110.3 do ER, “Quando a pessoa já tiver cumprido 2/3 da pena,
ou 25 anos de prisão em caso de pena de prisão perpétua, o Tribunal reexaminará a
pena para determinar se haverá lugar a sua redução. Tal reexame só será efetuado
transcorrido o período acima referido”.
- Sobre prisão preventiva, esta pode ser decretada, por razões cautelares, a pedido do
Procurador (ER, art. 58.1). O art. 59.2 prevê a realização de uma espécie de audiência
de custódia no Estado em que for realizado o cumprimento do mandado de prisão. O
art. 59.3 prevê que o detido pode solicitar liberdade provisória.
- O art. 81.3.a do ER estabelece que “Salvo decisão em contrário do Juízo de
Julgamento em Primeira Instância, o condenado permanecerá sob prisão preventiva
durante a tramitação do recurso”.
- Uma situação absurda é encontrada no art. 81.3.c.i, segundo o qual “Em
circunstâncias excepcionais e tendo em conta, nomeadamente, o risco de fuga, a
gravidade da infração e as probabilidades de o recurso ser julgado procedente, o Juízo
de Julgamento em Primeira Instância poderá, a requerimento do Procurador, ordenar
que o acusado seja mantido em regime de prisão preventiva durante a tramitação do
recurso”.
- Finalmente, o art. 84 do ER dispõe sobre o pedido de revisão: “O condenado ou, se
este tiver falecido, o cônjuge sobrevivo, os filhos, os pais ou qualquer pessoa que, em
vida do condenado, dele tenha recebido incumbência expressa, por escrito, nesse
sentido, ou o Procurador no seu interesse, poderá submeter ao Juízo de Recursos um
requerimento solicitando a revisão da sentença condenatória ou da pena pelos
seguintes motivos (...)”.
9. A relação do Brasil com o TPI

- O Brasil aderiu ao ER e o internalizou em 25.09.2002 por meio do Decreto no 4.388.


- Em 2004, a EC 45, para eliminar ou pelo menos atenuar as incompatibilidades – que
já veremos – entre o ER e a CF/88, inseriu no art. 5o da Constituição o novo § 4o, que
dispõe que “O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja
criação tenha manifestado adesão”.
- As INCOMPATIBILIDADES entre o ER e a CF/88 são as seguintes:
1) Entrega de brasileiro nato. O ER prevê que os Estados-partes devem entregar a
pessoa investigada ou condenada pelo TPI ao Tribunal para cumprir prisão preventiva
ou pena definitiva, assim como para comparecer a atos que exijam a sua presença
física. O 102 do ER faz a distinção entre entrega – Estado  Tribunal – e extradição –
Estado  Estado. A CF veda a extradição de brasileiro nato (art. 5o, LI).
2) Coisa julgada pro reo. O ER, conforme vimos anteriormente, não aceita a coisa
julgada “fraudulenta” e a supera, inclusive contra o réu.
3) Imunidades materiais e formais previstas na CF/88, para congressistas por exemplo,
NÃO SÃO ACEITAS pelo ER do TPI.
4) Imprescritibilidade. A CF contém rol taxativo – art. 5o, incisos XLII e XLIV (racismo,
ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado
Democrático de Direito). O ER generaliza a imprescritibilidade.
5) Pena de caráter perpétuo do ER. A CF veda (art. 5o, XLVII, b).
- DOUTRINA MAJORITÁRIA NO CONTEXTO DOS DIREITOS HUMANOS: Prevalece o
entendimento de que todas estas incompatibilidades devem ser resolvidas em favor do
Estatuto de Roma, e isso porque o Direito Internacional dos Direitos Humanos está
fundado na premissa de que o Estado, depois de aderir ao texto de um tratado, não
pode invocar disposições de direito interno para descumprir os termos daquele. Além
disso, o ER não admite reservas, de modo que, quando o Estado adere ao seu texto,
está concordando com a sua integralidade (art. 120).
- CASO AL-BASHIR: Ainda sobre a relação do Brasil com o TPI, considero importante
relembrar o Caso Al-Bashir, em que um pedido de cooperação internacional vertical
remetido pelo TPI ao Estado brasileiro foi encaminhado ao STF, instaurando-se uma
discussão a respeito do órgão competente para processar um pedido de cooperação
internacional vertical originado de tribunal internacional como o TPI.
- Sobre a cooperação internacional vertical – que não se confunde com a horizontal,
praticada entre Estados, e não entre Estado x tribunal internacional –, importante a
leitura de dois dispositivos do ER:
- ER, art. 86 (obrigação geral de cooperar): “Os Estados Partes deverão, em
conformidade com o disposto no presente Estatuto, cooperar plenamente com o
Tribunal no inquérito e no procedimento contra crimes de competência deste”.
- ER, art. 89.1 (entrega de pessoas ao TPI): “O Tribunal poderá dirigir um pedido de
detenção e entrega de uma pessoa, instruído com os documentos comprovativos
referidos no artigo 91, a qualquer Estado em cujo território essa pessoa se possa
encontrar, e solicitar a cooperação desse Estado na detenção e entrega da pessoa em
causa. Os Estados Partes darão satisfação aos pedidos de detenção e de entrega em
conformidade com o presente Capítulo e com os procedimentos previstos nos
respectivos direitos internos”.
- No Caso Al-Bashir, o TPI solicitou ao Estado brasileiro a detenção e a posterior entrega
do então ditador do Sudão, Al-Bashir, que, segundo informações obtidas pelo TPI, se
encontrava em território brasileiro. Recebido o pedido de cooperação do TPI, o Poder
Executivo o encaminhou para o STF, como se tratasse de um pedido de extradição. O
min. Celso de Mello, substituindo a Presidência do Supremo, fez um amplo estudo
sobre o TPI e as suas eventuais incompatibilidades com o Direito interno, mas
postergou a decisão, que ainda não foi proferida (Pet 4.625).
- Como a entrega é um ato de cooperação vertical entre TPI e Estado, e não uma
cooperação horizontal que se dá, por exemplo, na extradição, a doutrina majoritária
entende que o STF não teria competência para processar e julgar o pedido de
cooperação. Trata-se, portanto, de uma competência da Justiça Federal de 1o grau,
que, nos termos do art. 109, III, da CF, possui competência para processar e julgar as
causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou
organismo internacional.

AULA 26 – ESTRUTURA INTERNA DE PROTEÇÃO


- Bloco I

1. Introdução

- Como decorrência do PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE DOS SISTEMAS


INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS, os Estados devem criar e
fortalecer os órgãos e mecanismos nacionais de proteção, buscando, assim, prevenir e
reparar violações a direitos humanos, evitando, se possível, uma responsabilização
internacional.
- Vamos conferir, então, como está organizada a estrutura orgânica da proteção
nacional dos direitos humanos no Poder Executivo Federal, no Poder Legislativo
Federal, no MPF, na DPU e, finalmente, verificar se temos no Brasil uma Instituição
Nacional de Direitos Humanos.
2. Poder Executivo Federal

- No plano federal, o órgão especializado em Direitos Humanos é o Ministério dos


Direitos Humanos, que já possuiu diversas denominações.
- Até a década de 90 do século passado, a temática dos direitos humanos ficava sob a
responsabilidade do Ministério da Justiça. O crescimento da importância da matéria,
com a adesão pelo Brasil a diversos tratados de direitos humanos, fez com que o
assunto saísse da estrutura do MJ para alcançar uma estrutura própria.
- Vejamos como se deu a evolução do tratamento dos direitos humanos no âmbito
ministerial:
• 1997: criada, no governo FHC, a Secretaria Nacional de Direitos Humanos,
ainda vinculada ao MJ.
• 2003: no governo Lula, transformação na Secretaria Especial dos Direitos
Humanos, vinculada, agora, à Presidência da República. Pela primeira vez, esta
Secretaria foi equiparada a um Ministério e o titular da pasta a Ministro,
embora sem receber – explicitamente – esta denominação. No fim do governo
Lula, foi retirada a expressão “Especial”, revelando uma natureza mais
permanente.
• 2015: no governo Dilma, houve a unificação da Secretaria de Direitos
Humanos com as Secretarias de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e de
Políticas para as Mulheres, formando o Ministério das Mulheres, da Igualdade
Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos. Foi no governo Dilma, portanto,
que a pasta dos direitos humanos recebeu, pela primeira vez, o nome de
Ministério.
• 2016: o governo Temer extinguiu aquele Ministério do governo Dilma e
transferiu a competência para o reestruturado Ministério da Justiça e da
Cidadania. Assim, voltou a subordinação ao MJ. Neste período, houve uma
Secretaria de Direitos Humanos, vinculada ao MJ, cargo que a professora Flávia
Piovesan ocupou de 2016 a 2017.
• 2017: ainda no governo Temer, houve a recriação do Ministério dos Direitos
Humanos, agora com o nome apenas de Ministério dos Direitos Humanos.
• 2019: no governo Bolsonaro, alteração do nome para Ministério da Mulher, da
Família e dos Direitos Humanos. Conforme consta no site do Ministério da
Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), ele é responsável pela
articulação interministerial e intersetorial das políticas de promoção e proteção
aos direitos humanos no Brasil. Sua estrutura tem origem nas antigas
Secretarias Especiais da Presidência da República: Secretaria de Direitos
Humanos, Secretaria de Políticas para Mulheres, Secretaria Especial de Políticas
da Igualdade Racial e a Secretaria Nacional da Juventude.
- Para um aprofundamento sobre a estrutura do MMFDH, recomendo uma leitura dos
artigos 43 e 44 da Lei 13.844/2019, bem como da Portaria no 3.136/2019, que aprova
o regimento interno do MMFDH.
- Ainda no âmbito do Poder Executivo Federal, é importante destacar o papel
desempenhado pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH):
- É o órgão colegiado de composição paritária que tem por finalidade a promoção e a
defesa dos direitos humanos no Brasil através de ações preventivas, protetivas,
reparadoras e sancionadoras das condutas e situações de ameaça ou violação desses
direitos, previstos na CF e em tratados e atos internacionais ratificados pelo Brasil.
- Instituído inicialmente pela Lei 4.319/1964, que criou o Conselho de Defesa dos
Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), foi transformado no CNDH pela Lei 12.986/2014.
- Composto por representantes de órgãos públicos e por representantes da sociedade
civil.
• REPRESENTANTES DE ÓRGÃOS PÚBLICOS: a) Secretário Especial dos Direitos
Humanos (atual MMFDH); b) PGR; c) dois Deputados Federais; d) dois Senadores; e)
um indicado por entidade de magistrados; f) um indicado pelo MRE; g) um indicado
pelo MJ; h) um indicado da PF; e i) um indicado da DPU.
• REPRESENTANTES DA SOCIEDADE CIVIL: a) um indicado pelo CFOAB; b) nove
indicados por organizações da sociedade civil de abrangência nacional e com
relevantes atividades relacionadas à defesa dos direitos humanos; e c) um indicado
pelo Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais do MP dos Estados e da União.
- ATRIBUIÇÕES DO CONSELHO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS:
O art. 4o elenca as atribuições do CNDH, entre as quais destaco as seguintes: 1)
fiscalizar a política nacional de direitos humanos; 2) expedir recomendações a
entidades públicas e privadas envolvidas com a proteção dos direitos humanos, fixando
prazo razoável para o seu atendimento; 3) recomendar a inclusão da matéria específica
de direitos humanos nos currículos escolares, especialmente nos cursos de formação
das polícias e dos órgãos de defesa do Estado e das instituições democráticas; 4)
pronunciar-se, por deliberação expressa da maioria absoluta de seus conselheiros,
sobre crimes que devem ser considerados, por suas características e repercussão,
como violações a direitos humanos de excepcional gravidade, para fins de
acompanhamento das providências necessárias a sua apuração, processo e
julgamento; e 5) realizar procedimentos apuratórios de condutas e situações contrárias
aos direitos humanos e aplicar sanções de sua competência.
- PRERROGATIVAS:
• Prerrogativas do CNDH (art. 5o): 1) requisitar informações, documentos e provas
necessárias às suas atividades; 2) requisitar o auxílio da polícia federal ou de força
policial, quando necessário ao exercício de suas atribuições; e 3) requerer aos órgãos
públicos os serviços necessários ao cumprimento de diligências ou à realização de
vistorias, exames ou inspeções e ter acesso a bancos de caráter público ou relativo a
serviços de relevância pública.
- SANÇÕES:
• Sanções que o CNDH pode aplicar (art. 6o): 1) advertência; 2) censura pública; 3)
recomendação de afastamento de cargo, função ou emprego na Administração Pública;
e 4) recomendação de que não sejam concedidas verbas, auxílios ou subvenções a
entidades comprovadamente responsáveis por condutas ou situações contrárias aos
direitos humanos.
- Os artigos 7o a 10 tratam da estrutura organizacional do CNDH. E o art. 13 afirma que
o exercício da função de conselheiro do CNDH não será remunerado a qualquer título,
constituindo serviço de relevante interesse público.
• A criação do CNDH tinha como objetivo sua inscrição como INDH, mas sua
candidatura não obteve êxito em virtude da intensa participação do governo no seu
funcionamento.
3. Poder Legislativo Federal

- Temos a Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos


Deputados, uma das comissões permanentes da Câmara, composta por 18 deputados
e igual número de suplentes, apoiada por um grupo de assessores e servidores
administrativos.
- A CDHM foi criada em 1995, estando prevista no Regimento Interno da Câmara dos
Deputados.
- Tem como atribuições discutir e votar propostas legislativas referentes à temática dos
direitos humanos, bem como fiscalizar a atuação governamental na área, recebendo
notícias de violações de direitos humanos e também colaborando com entidades não
governamentais na elaboração dos “relatórios sombra” a serem encaminhados para
órgãos internacionais de direitos humanos.
4. Ministério Público Federal

- Além da atuação individual e coletiva dos membros, destaca-se a Procuradoria


Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), criada pela LC 75/1993, sendo o ocupante do
cargo designado pelo PGR dentre os Subprocuradores-Gerais da República mediante
prévia aprovação do nome pelo Conselho Superior. Há também um Procurador-
Regional dos Direitos do Cidadão em cada Estado e DF, com o trabalho coordenado
pela PFDC.
- E ainda, em 2017, foi criada a SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS E DEFESA
COLETIVA DA PGR, que tinha como missão atuar nas demandas de direitos humanos
sob atribuição da PGR, como, p. ex., processos no STF ou ainda IDCs no STJ. ANDRÉ DE
CARVALHO RAMOS foi o primeiro titular desta Secretaria de 2017 a 2019. O PGR
Augusto Aras depois escolheu para o cargo Ailton Benedito, mas, na sequência, em
abril de 2020, extinguiu a Secretaria.
5. Defensoria Pública da União

- A Resolução no 127/2016 do Conselho Superior da DPU, que regulamenta a tutela


coletiva de direitos e interesses pela DPU, criou os cargos de Defensor Nacional de
Direitos Humanos e Defensores Regionais de Direitos Humanos.
- A atuação como custus vulnerabilis também revela uma atuação mais voltada para a
proteção dos direitos humanos.
- Bloco II

6. Instituição nacional de direitos humanos

- Instituições nacionais de direitos humanos – INDH são organismos estatais


independentes criados por um mandato constitucional ou legislativo para promover
e proteger os direitos humanos.
- Para ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS, “As instituições nacionais de direitos humanos
são, grosso modo, órgãos públicos nacionais que agem com independência, com a
missão específica de proteger e promover os direitos humanos, recebendo notícias de
violações, recomendando ações e políticas de implementação de direitos. Embora a
composição e funções concretas de tais instituições possam variar consideravelmente
de país para país, elas compartilham a (i) natureza pública, esse (ii) objetivo comum e
essa (iii) característica de agir com independência, sendo por isso denominadas, no
plano onusiano, instituições nacionais de direitos humanos”.
- PRINCÍPIOS DE PARIS: Foi realizado, em Paris, em outubro de 1991, o primeiro
Workshop Internacional de Instituições Nacionais para a Promoção e Proteção dos
Direitos Humanos. As conclusões deste Workshop foram aprovadas pela Comissão de
Direitos Humanos (atual Conselho de Direitos Humanos) na Resolução no 54/1992,
contendo, assim, os Princípios relativos ao estatuto das instituições nacionais, que a
partir de então passaram a ser chamados de Princípios de Paris, em homenagem ao
Workshop de 1991.
- Depois, em 1993, a AGNU aprovou estes princípios por meio da Resolução no 48/134,
também recomendando a criação, em cada Estado, de uma INDH. Em junho de 1993,
houve expressa menção na Conferência Mundial de Viena para que os Estados
criassem uma INDH.
- Vejamos as atribuições de uma INDH conforme o item 3 dos Princípios de Paris:
- Apresentar ao Governo, Parlamento, ou outro órgão competente, em caráter
consultivo, opiniões, recomendações, propostas e relatórios.
- Promover e assegurar a harmonização entre preceitos nacionais e internacionais de
direitos humanos, e sua efetiva implementação.
- Encorajar a ratificação de instrumentos internacionais de direitos humanos e
assegurar sua implementação.
- Contribuir para os relatórios que os Estados têm de elaborar de acordo com os
tratados de direitos humanos.
- Cooperar com a ONU e seus órgãos, bem assim com instituições regionais e nacionais,
com atuação em direitos humanos, e participar de sua execução em escolas,
universidades e círculos profissionais.
- Dar publicidade aos direitos humanos e aos esforços de combater todas as formas de
discriminação, em particular de discriminação racial, aumentando a conscientização
pública, especialmente por meio da educação e de órgãos da imprensa.
- A respeito da composição e das garantias de independência e pluralismo das INDH:
- A INDH é uma instituição pública, não é privada nem é uma ONG. Deve, porém, ter
independência do Governo.
- De acordo com os Princípios de Paris: 1) deve ser estabelecida de acordo com um
procedimento que ofereça todas as garantias necessárias para assegurar a
representação pluralista da sociedade civil envolvida na promoção e proteção dos
direitos humanos; 2) deve cooperar efetivamente ou contar com a presença de
representantes de ONGs que atuam na área dos direitos humanos, sindicatos ou
organizações profissionais interessadas (de advogados p. ex.), correntes de
pensamento filosóficos ou religioso, universidades e peritos qualificados, Poder
Legislativo e de Departamentos do Governo; e 3) Se representantes do Governo forem
incluídos na composição da INDH, eles devem participar das deliberações apenas a
título consultivo (sem voto).
- Conforme bem resume ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS, “deve ser uma instituição
pública, de alcance nacional, com mandato claro e independente, com forte
representatividade social e autonomia política, dotada de orçamento próprio, apta a
atuar na prevenção e também nos casos de violação de direitos humanos sem ser
constrangida, impedida ou ameaçada. Caso cumpra esses requisitos de ser ao mesmo
tempo um órgão público, de âmbito de atuação geográfico nacional, independente,
plural e de atuação livre, a instituição nacional pode pleitear seu credenciamento
perante a Organização das Nações Unidas”.

- Prosseguindo, vejamos algumas informações importantes sobre o processo de


credenciamento como INDH:
- CREDENCIAMENTO: Considerando ter cumprido os requisitos previstos nos Princípios
de Paris, a instituição pode buscar seu credenciamento como INDH junto à ONU. O
órgão responsável pelo credenciamento é a Aliança Global de Instituições Nacionais
de Direitos Humanos, que possui personalidade jurídica de direito suíço (uma
associação civil sem fins lucrativos).
- Em 1993, numa Conferência de INDHs realizada na Tunísia, foi criado o Comitê
Internacional de Coordenação das INDH, com o objetivo principal de estabelecer uma
rede entre as INDH para troca de boas práticas. Em 1998, este Comitê decidiu criar um
procedimento para credenciamento de novas INDH e em 2008 o Comitê foi integrado
ao sistema global, sendo uma unidade autônoma que funciona na sede da Oficina da
ACNUDH, em Genebra, na Suíça. Em 2016, o Comitê mudou de nome para a Aliança
Global de INDH, retratando melhor a sua natureza associativa e não
intergovernamental.
- PRINCIPAIS FUNÇÕES DA ALIANÇA GLOBAL (CONFORME INFORMADO NO SEU SITE):
1) facilita e apoia o compromisso da INDH com o Conselho de Direitos Humanos da
ONU e os órgãos de tratado; 2) incentiva a cooperação e o compartilhamento de
informações entre as INDH, inclusive por meio de uma reunião anual e conferência
bienal; 3) realiza o credenciamento de novas INDH de acordo com os Princípios de
Paris; 4) promove o papel das INDH das Nações Unidas e com os Estados e outras
agências internacionais; 5) oferece capacitação em colaboração com o Escritório do
ACNUDH; 6) ajuda as INDH sob ameaça; e 7) se solicitado, pode ajudar o governo a
estabelecer as INDH.
- Para requerer o credenciamento, a INDH deve enviar uma solicitação à Presidência da
Aliança Global com os seguintes documentos: 1) uma cópia da legislação ou outro
instrumento em virtude do qual está estabelecida; 2) um esquema da sua estrutura
organizacional; 3) uma cópia de seu relatório anual mais recente ou outro equivalente;
e 4) uma descrição detalhada que demonstre a maneira que observa os Princípios de
Paris. O reconhecimento se dá pelo Subcomitê de Certificação.
- CATEGORIAS DE CREDENCIAMENTO: de acordo com o Estatuto da Aliança Global,
categoria A significa que uma INDH é membro da Aliança Global e, por preencher
integralmente os Princípios de Paris, tem direito a voto nas deliberações da Aliança,
enquanto a categoria B significa que a INDH cumpriu parcialmente os Princípios de
Paris e, portanto, é membro da Aliança Global sem direito a voto nas deliberações.
- UTILIDADE DO CREDENCIAMENTO: as INDH certificadas na categoria A podem
participar com direito a voz das sessões do Conselho de Direitos Humanos e, também,
dos órgãos de tratado do sistema global. No Conselho, as INDH podem, p. ex.,
participar dos debates plenários do Conselho sobre a RPU e de outros procedimentos
especiais, enviar documentos emitidos com o símbolo da ONU, tomar assento nas
sessões etc.
- MODELO DE INDH: não há um modelo específico, podendo ser comissões de direitos
humanos, provedorias de justiça, instituições híbridas, órgãos consultivos, institutos ou
centros de direitos humanos etc., desde que tenham independência do governo, com
mandato protegido, livre atuação, forte representatividade social e autonomia na
realização de seus objetivos de proteção de direitos humanos.
- O Brasil tem uma INDH?
- O PNDH 3, aprovado pelo Decreto no 7.037/2009, veiculou o compromisso do Estado
brasileiro e da sociedade civil organizada de instituir o Conselho Nacional de Direitos
Humanos (CNDH), informado pelos Princípios de Paris, a fim de buscar o seu
credenciamento junto à ONU como uma INDH.
- CNDH: não pode ser considerado uma INDH [OPINIÃO DO PROFESSOR CAIO PAIVA].
Há uma presença expressiva de diversos representantes do Governo como o Ministério
dos DH, Deputados Federais, Senadores, MRE e MJ. Além disso, os membros da DPU,
da PGR e da PF são escolhidos pelo Presidente da República e são eles que compõem o
CNDH. Estes membros possuem direito de voto no CNDH.
- DPU: também é uma instituição nacional. Não pode, porém, ser considerada uma
INDH, pois sua administração superior não contempla uma representação pluralista das
forças sociais, propiciando a estas o direito de votar sobre o planejamento da
instituição.
- PFDC: apresentou candidatura em 2018. O processo de credenciamento ainda está
em trâmite. Penso que é difícil se enquadrar como INDH, pois a PFDC é escolhida pelo
PGR, que é escolhido pelo Presidente da República, não havendo, portanto, uma
representação pluralista das forças sociais.

AULA 27 – PROGRAMA NACIONAL DE DIREITOS


HUMANOS
- Podemos compreender por política nacional de direitos humanos como a forma pela
qual o Estado planeja e executa a proteção nacional dos direitos humanos.
- O principal órgão incumbido de criar e implementar uma agenda de política nacional
de direitos humanos é o Ministério da Família, da Mulher e dos Direitos Humanos.
- Tratando-se da política nacional de direitos humanos, é importante estudarmos
principalmente os chamados programas nacionais de direitos humanos.
- Para se projetar uma política nacional de direitos humanos, a Declaração e Programa
de Ação de Viena, aprovada na Conferência Mundial sobre os Direitos Humanos em
1993, recomendou aos Estados que ponderassem sobre a elaboração de um plano
nacional que identificasse os passos através dos quais os Estados poderiam melhorar a
promoção e a proteção dos direitos humanos.
- No Brasil, a política nacional de direitos humanos é desenvolvida por meio dos
Programas Nacionais de Direitos Humanos (PNDH).
- O PNDH não possui força vinculante em si, pois é apenas um decreto presidencial
editado de acordo com o art. 84, IV, da CF, com o objetivo de promover a fiel
execução das leis e normas constitucionais.
- Para ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS, “A missão do PNDH é dar visibilidade aos
problemas referentes aos direitos humanos no Brasil e, simultaneamente, estipular e
coordenar os esforços para a superação das dificuldades e implementação dos direitos.
Assim, há uma dupla lógica: a lógica da identificação dos principais obstáculos à
promoção e defesa dos direitos humanos no Brasil, bem como a lógica da execução, a
curto, médio e longo prazos, de medidas de promoção e defesa desses direitos”.

- PNDH 1 (1996): voltou-se à proteção dos direitos civis, com especial foco no combate
à impunidade e à violência policial, adotando como meta, ainda, a adesão do Brasil a
tratados de direitos humanos. Além disso, inaugurou um processo de consulta e prévio
debate com a sociedade civil sobre direitos humanos.
- PNDH 2 (2002): revogou o PNDH-1, mantendo, no mais, a sua diretriz, mas agregando
os direitos sociais em sentido amplo. Em seus considerandos, foram identificados os
avanços alcançados com o PNDH-1, entre eles a transferência da competência da JM
para a Justiça Comum para julgar crimes dolosos contra a vida praticados por policiais
militares (Lei 9.299/96), a tipificação do crime de tortura (Lei 9.455/97) e a inserção da
federalização dos crimes contra os direitos humanos na PEC sobre a reforma do PJ.
- PNDH 3 (2009): ainda em vigor, revogou o PNDH-2. Entre as diferenças com seus
antecessores, destaca-se a adoção de eixos orientadores e diretrizes, colocando de
forma detalhada como deveria se dar a implementação. O PNDH-3 foi considerado
muito progressista por setores conservadores pelas suas diretrizes a respeito da
descriminalização do aborto. laicização do Estado, repressão política da ditadura militar
etc. O Governo Lula respondeu editando o Decreto no 7.177, suavizando e
neutralizando algumas diretrizes.
- Finalmente, importante lembrar que também há programas estaduais de direitos
humanos, sendo que o primeiro deles foi adotado em São Paulo, em 1997.

AULA 28 – INCIDENTE DE DESLOCAMENTO DE


COMPETÊNCIA
1. Introdução

- De acordo com o art. 109, § 5o, da CF, “Nas hipóteses de grave violação de direitos
humanos, o Procurador-Geral da República [único legitimado], com a finalidade de
assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de
direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o STJ, em
qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência
para a Justiça Federal”.
2. Histórico

- 1994: o então Deputado Federal Nelson Jobim sugeriu a inclusão na PEC 96/1992,
apresentada pelo então Deputado Federal Hélio Bicudo e conhecida como PEC da
Reforma do Poder Judiciário, da possibilidade de que graves violações de direitos
humanos fossem julgadas pela Justiça Federal.
- 1996: o então Presidente da República FHC apresenta o PNDH-1 (Decreto no
1.904/96), prevendo como proposta de ação governamental contra a impunidade
conferir à JF competência para julgar crimes graves contra os direitos humanos. No
mesmo ano, FHC apresentou a PEC 368, para atribuir competência à JF para julgar
graves violações de direitos humanos.
- 1997: a CIDH recomenda ao Brasil a atribuição à JF para julgar crimes que envolvam
violações aos direitos humanos.
- 2002: o PNDH-2 (Decreto no 4.229) prevê o apoio à proposta de garantir à JF a
competência para julgar graves crimes contra os direitos humanos.
- 2004: promulgação da PEC 45/2004, que fez incluir no art. 109 da CF o inciso V-A e o
§ 5o.
3. Objetivos e objeto

- São objetivos do IDC:


1) o combate à impunidade e 2) evitar a responsabilidade internacional do Estado
perante instâncias internacionais de direitos humanos.
- A respeito do objeto do IDC, de acordo com o art. 109, § 5o, da CF, são as graves
violações de direitos humanos, não se limitando, portanto, a crimes ou à matéria
penal.
- Tramita na Câmara o PL 6.647/2006, já aprovado no Senado (PLS 14/2006), que
pretende regulamentar o art. 109, § 5o, da CF, dispondo expressamente sobre o
cabimento do IDC também em matéria cível em sentido amplo.
- ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS: “A motivação para a criação do IDC foi o Direito
Internacional (o "cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais
de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte"), que não admite que o Estado
justifique o descumprimento de determinada obrigação em nome do respeito a
"competências internas de entes federados". O Estado federal é uno para o Direito
Internacional e passível de responsabilização, mesmo quando o fato
internacionalmente ilícito seja da atribuição interna de um Estado-membro da
Federação. Esse entendimento é parte integrante do Direito dos Tratados e do Direito
Internacional costumeiro.”
- A Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados estabelece em seu art. 27 que "uma
parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o
descumprimento de um tratado. Esta regra não prejudica o artigo 46". Ainda, estipula o
art. 29 que um tratado, em geral, é aplicável em todo o território de um Estado, o que
também é válido para os Estados Federais.
4. Requisitos para cabimento do IDC

- REQUISITOS:
O STJ estabeleceu os requisitos para cabimento do IDC no primeiro incidente julgado,
que foi o IDC no 1, referente ao Caso Dorothy Stang (julgado improcedente):
1) a grave violação a direitos humanos;
2) assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados
internacionais; e
3) incapacidade – oriunda de inércia, negligência, falta de vontade política, de
condições pessoais, materiais etc. – de o Estado membro, por suas instituições
e autoridades, levar a cabo, em toda a sua extensão, a persecução penal.
- Os dois primeiros requisitos constam expressamente da CF e o terceiro dele decorre
implicitamente.
- Para ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS, “A motivação para a criação do IDC foi o Direito
Internacional, que não admite que o Estado justifique o descumprimento de
determinada obrigação em nome do respeito a ‘competências internas de entes
federados’. O Estado Federal é uno para o Direito Internacional e passível de
responsabilização, mesmo quando o fato internacionalmente ilícito seja da atribuição
interna de um Estado- membro da Federação. Este entendimento é parte integrante do
Direito dos Tratados e do Direito Internacional costumeiro. Com isso, o IDC decorre da
internacionalização dos direitos humanos e, em especial, do dever internacional
assumido pelo Estado brasileiro de estabelecer recursos internos eficazes e de duração
razoável”.

- O Ministro Rogerio Schietti Cruz, do STJ, em seu voto no IDC 24 (Caso Marielle),
apontou o seguinte: “Certamente, esse instituto jurídico-processual assegura maior
proteção à vítima e fortalece o combate à impunidade; fortalece e dissemina a
responsabilidade internacional em matéria de direitos humanos nos diversos entes
federativos (particularmente, nos Estados); robustece a responsabilidade da República
Federativa do Brasil em matéria de direitos humanos no âmbito interno, em
consonância com sua responsabilidade internacional; aperfeiçoa a sistemática de
responsabilidade nacional em face de graves violações de direitos humanos”.

5. Legitimidade para ajuizar e competência para julgar

- COMPETÊNCIA PARA AJUIZAR O IDC: De acordo com a CF, apenas a PGR pode
ajuizar o IDC. Há algumas PECs tramitando no Congresso Nacional que pretendem
ampliar esta legitimidade, estendendo- a, p. ex., ao Defensor Público-Geral Federal.
- COMPETÊNCIA PARA JULGAR O IDC: De acordo com a CF, é o STJ o competente para
julgar o IDC. A Resolução no 6 do STJ atribui a competência à 3ª Seção [turmas
criminais].
- Em decisão monocrática, o Min. Luiz Fux, do STF, assentou que não compete ao STF,
como regra – salvo, portanto, situações teratológicas –, revisar a análise do STJ sobre o
preenchimento dos requisitos de cabimento do IDC (HC 131.036).
6. Prática do deslocamento

- O IDC pode ser ajuizado a qualquer momento, mesmo se o fato ainda estiver sob
investigação.
- Deslocado o processo ou a investigação, devem ser observadas as demais regras
constitucionais e legais de competência, como a competência do tribunal do júri e o
foro por prerrogativa de função.
7. Críticas ao IDC

- Tramitam no STF duas ADIs promovidas por entidades de classe de magistrados (ADI
3.493 e ADI 3.486).  Julgadas em 2023.
- As críticas e os argumentos giram em torno do amesquinhamento do pacto federativo
em detrimento do Poder Judiciário Estadual e, ainda, a violação do princípio do juiz
natural e do devido processo legal.
- Opinião Caio Paiva: Entendo que não há ofensa ao pacto federativo, que somente está
protegido da EC que tenda a aboli-lo, e não da emenda que apenas o redesenhe
conforme os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil em matéria de
proteção dos direitos humanos.
8. Convencionalidade do IDC

- A Corte IDH já se manifestou sobre a convencionalidade do IDC?


- No julgamento do Caso Favela Nova Brasília vs. Brasil, a Corte IDH manifestou- se
sobre o IDC, reconhecendo, assim, a sua convencionalidade, ao determinar que a PGR
analisasse o preenchimento dos critérios necessários para ajuizar o IDC perante o STJ.
- Importante lembrar que a Corte não acolheu o pedido dos representantes das vítimas
para que os casos de violência policial obrigatoriamente fossem deslocados para a JF,
fazendo menção aos três critérios adotados pelo STJ (grave violação, risco de
responsabilidade internacional e incapacidade das autoridades locais).
9. Alguns dados importantes

- O primeiro IDC julgado pelo STJ refere-se ao Caso Dorothy Stang, que foi, porém,
julgado improcedente (2005). [não foi constatada falha generalizada das autoridades
estatais]
- O primeiro IDC julgado procedente pelo STJ, em 2010, é o IDC 2, referente ao caso do
homicídio de Manoel Matos. [advogado ativista de Direitos Humanos]
- O IDC 5, sobre a morte do promotor de justiça Thiago Faria Soares, foi julgado
procedente, tendo como ponto central a falta de entendimento entre a Polícia Civil e o
MP estadual, o que poderia gerar uma investigação precária.
10. ADI 3.493 e ADI 3.486

- Atualização: setembro/2023. Artigo do ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS no Conjur.


- Foram propostas, em 2005, duas ações diretas de inconstitucionalidade: a ADI nº
3.486/DF e a ADI nº 3.493/DF. Após longo trâmite e depois da propositura de 12 IDCs
pela Procuradoria-Geral da República, o STF, por unanimidade, reconheceu que não
houve ofensa a cláusulas pétreas da CF/88.  IDC: instrumento imprescindível para o
respeito das obrigações internacionais de direitos humanos assumidas pelo Brasil
- Ausência de ofensa ao pacto federativo: o IDC meramente realiza modificação das
regras de competência jurisdicional. O Poder Judiciário nacional é uno, não existindo
diferentes "Judiciários estaduais ou federais", mas sim apenas uma diversidade
administrativa sujeita à coordenação do Conselho Nacional de Justiça (ADI nº 3.367/DF,
rel. min. Cezar Peluso).
- Não houve ofensa, por sua vez, ao devido processo legal e ao princípio do juiz
natural pelo "deslocamento", uma vez que o próprio texto constitucional convive com
tal instituto. Por exemplo, há a previsão de "deslocamento de competência" na
ocorrência de vício de parcialidade da magistratura: é o caso do artigo 102, I, n, da
CF/88, que permite deslocar ao STF processo no qual juízes de determinado tribunal
local sejam alegadamente suspeitos. No plano da legislação ordinária, o IDC também
não inova, existindo o desaforamento nos casos de competência do Tribunal do Júri.
- O deslocamento é, ainda, menos gravoso que a própria intervenção federal
motivada pela violação dos direitos da pessoa humana, que consta do texto original
da CF/88 (artigo 34, VII, "b"). Para o ministro Fachin, os entes federados detêm uma
autonomia funcionalizada, subordinada à realização dos direitos humanos, não
podendo nenhuma disposição da Constituição ser invocada para "justificar a
ineficiência estatal" (voto do min. Fachin, julgamento conjunto da ADI 3.486/DF e da
ADI 3.493/DF).
- O IDC apenas "distribui, por critérios assumidos pelo Texto Constitucional,
interpretados pelo STJ, a competência entre as justiças comum estadual e federal".
Trata-se, então, de modificação de competência pautada em regras abstratas e
prévias ao fato, o que respeita o princípio do juiz natural e a vedação ao juízo de
exceção (ex post facto).
- Dias Toffoli: destacou que as graves violações de direitos humanos anteriores à EC 45
não podem ser objeto do IDC, pois "houvesse tal possibilidade, aí, sim, se estaria
diante de nítido juízo ex post facto" (voto do ministro relator Dias Toffoli, julgamento
conjunto da ADI 3.486/DF e da ADI 3.493/DF).
- Crítica de indefinição da expressão "grave violação de direitos humanos", que
supostamente ofenderia o princípio da legalidade estrita: O uso do conceito
indeterminado "grave violação de direitos humanos" está sujeito ao crivo do STJ e,
posteriormente, ao do STF na via do recurso extraordinário. Além do crivo judicial, há
caso semelhante adotado pelo Poder Constituinte originário que é a autorização de
intervenção federal por violação dos "direitos da pessoa humana" (artigo 34, VII, b,
da CF): não se listou quais seriam esses "direitos da pessoa humana" e nunca houve
ameaça ao federalismo. Além disso, a expressão "grave violação de direitos humanos"
permite densificação, podendo se subsumir em ofensa de grande impacto a direitos
humanos previstos nas normas internacionais de direitos humanos vinculantes ao
Brasil.
- Certa indeterminação no IDC é incontornável, pois seria impossível o legislador
elencar "todas as situações concretas passíveis de ocorrência no mundo fenomênico e
que causem grave violação dos direitos humanos". Ou seja, o conceito é
indeterminado, não sendo parte de um rol taxativo, mas é determinável a partir da
baliza acima exposta. Já a atuação do procurador-geral da República não pode ser vista
como fonte de arbítrio, uma vez que seu poder-dever encontra balizas constitucionais,
que serão, depois, aferidas pelo STJ.
- "Sucessiva frustração institucional na apuração e na condenação dos autores de
ilícitos penais que atentavam gravemente contra os direitos humanos", como exemplo,
o caso Damião Ximenes Lopes, primeiro caso brasileiro julgado na Corte
Interamericana de Direitos Humanos.
- COMPROVAÇÃO DE INÉRCIA E NEGLIGÊNCIA – REQUISITO AFASTADO: O ministro
relator Dias Toffoli expressamente afastou, como requisito de deferimento do IDC, a
comprovação da inércia, negligência, falta de vontade política ou de condições das
instituições do sistema policial e de justiça do ente federado. Tal requisito não consta
da EC 45/04, mas foi imposto pela prática do STJ desde o IDC nº 01 ("Doutrina Stang").
- Tal requisito desconsidera que o risco de violação das obrigações internacionais possa
decorrer de outros fatores, como, por exemplo, a existência de caso na iminência de
ser apreciado em um Tribunal internacional. Nesse sentido, o ministro Toffoli apontou
que o IDC pode ser manejado de forma preventiva, ou seja, antes mesmo que haja a
constatação da ineficiência ou inércia das autoridades policiais, ministeriais ou judiciais
do ente federado. Em sentido oposto, a ministra Rosa Weber concordou com esse
requisito imposto pelo STJ, o qual seria fruto da observância do princípio da
proporcionalidade no uso do IDC.
- Essa modalidade de IDC (o IDC imediato ou preventivo) é hoje impossível. Desde o
Caso Dorothy Stang (IDC nº 1), o STJ indeferiu em vários casos o deslocamento
justamente por considerar que a PGR não havia provado a desídia ou incapacidade dos
órgãos do sistema policial ou de justiça do ente federado, como ocorreu no caso
Marielle Franco e Anderson Gomes (IDC nº 24). Porém, essa posição do ministro Toffoli,
em que pese não ser decisiva na afirmação da constitucionalidade do IDC e ter
recebido oposição no voto da ministra Rosa Weber, merece debate no futuro.
- Isso porque a "Doutrina Stang" exige que a PGR tenha que aguardar um lapso
temporal razoável para a comprovação da inércia, desídia ou falta de condições reais
do ente federado, mesmo quando haja forte prognose de ineficiência e risco de
impunidade (por exemplo, pela constatação comprovada de falta de investimento e
precariedade da força policial local, bem como falhas de apuração em casos similares
no passado). Após tal lapso temporal imprescindível a ser aguardado pela PGR, há de
ser provada tal inércia ou ineficiência depois no STJ. Finalmente, após anos da grave
violação de direitos humanos, pode existir o deslocamento.
- Contudo, esses anos de espera acarretarão — ironicamente — enorme risco de
fracasso das investigações futuras da Polícia Federal ou da persecução criminal do
Ministério Público Federal, pela dificuldade de obtenção das provas graças ao decurso
de tempo (o chamado "cold case"), frustrando a finalidade precípua do IDC de
promoção de direitos humanos e de afirmação dos direitos à verdade e à justiça.
- Assim, o IDC imediato ou preventivo proposto expressamente pelo ministro Toffoli
pode gerar uma mudança na jurisprudência do STJ. Uma alternativa seria, por
exemplo, exigir do autor (PGR) prognose razoável da melhor posição do sistema de
investigação e persecução federais para que sejam cumpridas as obrigações
internacionais de direitos humanos do Brasil, ao invés de se exigir a comprovação da
inércia e ineficiência no caso concreto após largo lapso temporal (em geral, anos).
- De qualquer modo, a confirmação da constitucionalidade do IDC por votação
unânime mostra a valorização do Direito Internacional dos Direitos Humanos na nossa
Corte Suprema. Devemos também aplaudir a inovação trazida pelo Poder Constituinte
Derivado, que reconheceu a fragilidade normativa anteriormente existente, na qual
atos de entes federados eram apreciados pelas instâncias internacionais de direitos
humanos sem que a União, em seu papel de representante do Estado Federal, pudesse
ter instrumentos para implementar as decisões internacionais ou mesmo para prevenir
que o Brasil fosse condenado internacionalmente.
- No voto da ministra Rosa Weber, ficou evidente a superioridade da proteção de
direitos humanos no nosso ordenamento jurídico, pois "[o]s valores constitucionais
em jogo — proteção aos direitos humanos, obrigações assumidas no plano
internacional pelo Brasil — justificam a excepcional medida de deslocamento de
competência para Justiça Federal" (voto da ministra Rosa Weber no julgamento
conjunto da ADI 3.486/DF e da ADI 3.493/DF).
- Como destacou o ministro Fachin, "havendo congruência entre a finalidade para a
qual foi estabelecida a competência e a opção constitucional pela prevalência absoluta
dos direitos humanos, não há como se declarar a inconstitucionalidade da emenda
constitucional que atribuiu a um órgão determinado — a Justiça Federal — a
competência para arrostar o grave desafio da impunidade no país".
- A reforma constitucional que criou o IDC não ofendeu o federalismo: simplesmente
assegurou que o Estado federal possua mecanismo para o correto cumprimento das
obrigações internacionais de direitos humanos contraídas.

AULA 29 – EXECUÇÃO DE DECISÕES


INTERNACIONAIS
1. Introdução

- Como decorrência da responsabilidade internacional do Estado surge a obrigação de


reparar a violação de direitos humanos.
- Vamos priorizar o estudo a partir das reparações que podem ser determinadas pela
Corte IDH e depois executadas no direito interno, e isso por pelo menos três motivos:
1) é o tribunal que mais de perto e com maior intensidade vincula o Brasil;
2) amplitude das medidas de reparação em comparação com outros órgãos e
tribunais internacionais; e
3) indefinição da natureza jurídica de outros órgãos internacionais como a CIDH
e os órgãos de tratado do sistema global, com a consequente discussão sobre a
vinculação das suas decisões/recomendações.
- De acordo com o art. 63.1 da CADH, “Quando decidir que houve violação de um
direito ou liberdade protegidos nesta Convenção, a Corte determinará que se assegure
o gozo do seu direito ou liberdade violados. Determinará também, se isso for
procedente, que sejam reparadas as consequências da medida ou situação que haja
configurado a violação desses direitos, bem como o pagamento de indenização justa à
parte lesada”.
2. Ausência de meios coercitivos

- A Corte IDH, diferentemente das autoridades judiciais nacionais, não possui meios
coercitivos para fazer com que o Estado cumpra as suas decisões, podendo, no
máximo, gerar um constrangimento político para o Estado, mediante a inclusão do seu
nome em parte especial do seu relatório anual à Assembleia-Geral da OEA.
- O art. 65 da CADH estabelece que “A Corte submeterá à consideração da Assembleia
Geral da Organização, em cada período ordinário de sessões, um relatório sobre suas
atividades no ano anterior. De maneira especial, e com as recomendações pertinentes,
indicará os casos em que um Estado não tenha dado cumprimento a suas sentenças”.
3. Execução das sentenças da Corte IDH

- Não havendo o cumprimento espontâneo da decisão pelo Estado, como executar as


medidas de reparação determinadas pela Corte IDH?
- De acordo com o art. 68 da CADH:
“1) Os Estados Partes na Convenção comprometem-se a cumprir a decisão da
Corte em todo caso em que forem partes; e 2) A parte da sentença que
determinar indenização compensatória poderá ser executada no país pelo
processo interno para a execução de sentenças contra o Estado”.

- NÃO PODEMOS CONFUNDIR SENTENÇA ESTRANGEIRA COM SENTENÇA


INTERNACIONAL:

o a primeira, para ser cumprida no Brasil, precisa passar por processo de


homologação pelo STJ, nos termos do art. 105, I, i, da CF, que analisará se a
sentença ofende ou não a ordem pública brasileira.  REGIME DE
COOPERAÇÃO JURÍDICA HORIZONTAL.
o A sentença internacional é proferida por tribunal internacional – e não por
tribunal estrangeiro –, não se submetendo, assim, ao processo de
homologação, pois o seu conteúdo já é presumidamente compatível com a
ordem jurídica interna a partir do momento em que o Estado aderiu ao
respectivo tratado.
- EXECUÇÃO DAS OBRIGAÇÕES DE FAZER: A respeito da execução das obrigações de
fazer (investigar e punir, aprovar ou revogar uma lei etc.), não há um procedimento
específico, havendo diversas formas de cumpri-la, como p. ex. o ajuizamento de ação
penal pelo MP. Um assunto complexo porque envolve uma compreensão adequada
sobre os limites da soberania de poderes independentes como o Poder Judiciário e o
Poder Legislativo.
- MEDIDAS DE REPARAÇÃO DE NATURZA PECUNIÁRIA: Sobre a medida de reparação
pecuniária (indenização), o Brasil, até agora, tem cumprido espontaneamente a
obrigação de indenizar. Num primeiro momento, o pagamento foi implementado a
partir da aprovação de uma lei. Como exemplo, temos a Lei 10.706/2003, que autoriza
a União a conceder indenização a José Pereira Ferreira (houve solução amistosa
perante a CIDH).
- A partir de 2004, a Lei Orçamentária Anual passou a prever uma destinação específica
para pagamento de indenização a vítimas de violação das obrigações contraídas pela
União por meio de adesão a tratados internacionais de proteção dos direitos humanos.
- Não havendo, porém, o cumprimento espontâneo, a decisão da Corte IDH, por se
tratar de um TÍTULO EXECUTIVO INTERNACIONAL, será executada de acordo com os
artigos 534 e 535 do CPC e com o art. 100 da CF, que estabelecem o procedimento de
execução da obrigação de pagar quantia certa pela Fazenda Pública.
- COMPETÊNCIA MATERIAL: A execução da sentença internacional deve ocorrer na
Justiça Federal, nos termos do art. 109, III, da CF.
- A doutrina discute se a execução forçada da sentença internacional acarreta a
submissão do crédito à ordem de precatório. ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS entende
que, considerada a demora do pagamento pela ordem dos precatórios, a sentença
internacional deveria ser equiparada com a obrigação alimentar prevista no art. 100,
§ 1o, CF, e, com isso, submeter-se a uma ordem própria e mais célere. Mazzuoli não
admite essa equiparação sem previsão constitucional/legal.
- Por isso, o Brasil precisa alcançar a experiência já colocada em prática por outros
países e adotar uma lei que discipline detalhadamente o procedimento de
cumprimento das sentenças internacionais.
- Há alguns projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional sobre o assunto. Um
destes projetos é o PL 220/2016, de autoria do Senador Randolfe Rodrigues, que, em
2017, recebeu um substitutivo do Senador Antônio Anastasia, que lhe altera para não
limitá-lo ao sistema interamericano.
- O PL 220 adota o entendimento da não exigência do precatório, autorizando o juiz a
determinar o sequestro da quantia suficiente se o Estado não pagar em 90 dias.
4. Supervisão de cumprimento das sentenças da Corte IDH

- Vejamos o disposto no art. 69 do Regulamento da Corte IDH, que atribui à Corte IDH
esse papel de supervisionar o cumprimento de suas próprias decisões:
- Artigo 69. Supervisão de cumprimento de sentenças e outras decisões do Tribunal
1. A supervisão das sentenças e das demais decisões da Corte realizar-se-á
mediante a apresentação de relatórios estatais e das correspondentes
observações a esses relatórios por parte das vítimas ou de seus
representantes. A Comissão deverá apresentar observações ao relatório do
Estado e às observações das vítimas ou de seus representantes.
2. A Corte poderá requerer a outras fontes de informação dados relevantes
sobre o caso que permitam apreciar o cumprimento. Para os mesmos efeitos
poderá também requerer as perícias e relatórios que considere oportunos.
3. Quando considere pertinente, o Tribunal poderá convocar o Estado e os
representantes das vítimas a uma audiência para supervisar o cumprimento
de suas decisões e nesta escutará o parecer da Comissão.
4. Uma vez que o Tribunal conte com a informação pertinente, determinará o
estado do cumprimento do decidido e emitirá as resoluções que estime
pertinentes.
5. Essas disposições também se aplicam para casos não submetidos pela
Comissão.
SISTEMA EUROPEU SISTEMA INTERAMERICANO
O Tribunal Europeu de DH não tem protagonismo A Corte IDH segue supervisionando o
na fase de supervisão de cumprimento de suas cumprimento da sua sentença até o
sentenças. Os autos são remetidos para o Comitê cumprimento integral das medidas de
de Ministros do Conselho da Europa. reparação estabelecidas.

AULA 30 – O BRASIL NA JURISPRUDÊNCIA DA


COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS
- Bloco I

1. INTRODUÇÃO

- A CIDH foi criada em 1959 e até 1969 trabalhou principalmente com base na DADDH.
A partir de 1969, com a sua integração ao subsistema da CADH, passa a trabalhar com
a CADH e diversos outros instrumentos normativos do sistema interamericano.
- A CIDH exerce um papel dúplice no sistema interamericano.
- A competência da CIDH para tramitar petições individuais, nos termos da CADH, é
automática.
- De outro lado, a competência da CIDH para tramitar petições interestatais não é
automática. Além da ratificação da CADH, é necessária uma manifestação de aceitação
adicional. O Brasil ainda não manifestou essa aceitação.
2. CASO OLAVO HANSEN (1974)

- Assassinato do dirigente sindical Olavo Hansen, dirigente dos trabalhadores têxteis de


São Paulo, em maio de 1970. Foi levado ao Departamento de Ordem Política e Social
(DOPS) e submetido a tortura, sendo, depois, assassinado.
- O caso foi levado à CIDH.
- O Brasil afirmou que a morte se tratava de suicídio.
- A CIDH concluiu pela responsabilidade do Brasil, determinando, entre as medidas
de reparação, a de investigar e punir os responsáveis.
- O Brasil recusou o cumprimento e a CIDH incluiu esta informação em seu relatório
anual à AGOEA.
- Primeira decisão no âmbito de um caso individual em que a CIDH declarou o Brasil
responsável pela violação de direitos humanos.
- A Comissão Estadual e a Comissão Nacional da Verdade reconheceram que Hansen foi
torturado e executado por agentes estatais.
- Em 2018, o MPF denunciou agentes estatais envolvidos no assassinato, mas a
denúncia foi rejeitada com base na decisão do STF sobre a Lei de Anistia (ADPF 153).
- Atuação parcial do comissionado Carlos Alberto Dunschee de Abranches, que esteve
na CIDH de 64 a 83.
3. CASO CARANDIRU (2005)

- Morte de 111 presos (entre eles, 84 sem condenação), assim como lesões sofridas
por outros presos durante controle de uma rebelião de presos pela PMSP em
02.10.1992.
- O caso foi submetido à CIDH considerando a impunidade dos envolvidos.
- O Brasil se defendeu alegando que, no geral, reconhece a existência de violações de
direitos humanos, mas afirma ter adotado as medidas para resolver a situação. Alega,
ainda, que os processos criminais estavam tramitando.
- A CIDH responsabilizou o Brasil pela violação dos direitos às garantias judiciais e ao
devido processo legal, chamando a atenção para a impunidade. Entre as medidas de
reparação, consta a de investigar e punir.
- Permanece o cenário de impunidade dos policiais envolvidos.

- É possível submeter o caso à jurisdição da Corte IDH, ainda que o fato tenha
ocorrido em 1992 (e o Brasil aceitado a competência contenciosa da Corte IDH
apenas em 1998), mas apenas em relação à obrigação de investigar e punir. Assim, o
Brasil não poderia ser responsabilizado perante a Corte IDH pela execução em massa,
pois isso já não pode ser objeto de discussão por ser fato ocorrido ANTES da aceitação
da competência contenciosa. Contudo, em relação à violação de natureza
permanente/contínua, que é a denegação de justiça decorrente do descumprimento
da obrigação de investigar e punir, o caso ainda pode ser submetido perante a Corte
IDH.

- A Corte IDH já ressaltou que o controle de rebelião deve ser feito com as estratégias e
ações necessárias para sufocá-lo com o mínimo de dano para a vida e a integridade
física dos reclusos e com o mínimo risco para as forças policiais (Caso Neira Alegria de
1995 e Caso Durand e Ugarte de 2000, ambos contra o Peru).
- Como o Coronel Ubiratan se tornou Deputado Estadual de SP, suas imunidades
parlamentares prejudicaram o andamento da investigação. A CIDH afirmou que,
embora relevante para a proteção do cargo de parlamentar, a imunidade não pode
obstar o cumprimento das obrigações processuais positivas.
4. CASO MARIA DA PENHA (2001)

- Tentativa de feminicídio pelo então marido, em 1983, na cidade de Fortaleza/CE.


- 15 anos após os fatos, a Justiça brasileira ainda não havia chegado à condenação
definitiva do réu, que ficou em liberdade durante todo esse tempo.
- O caso foi submetido à CIDH em 1998.
- Em 2001, a CIDH declarou o Brasil responsável pela violação do direito da vítima à
proteção judicial, já que a ineficiência e a tolerância do Brasil com a violência
doméstica contra a mulher não eram um evento isolado deste caso, mas sim uma
pauta sistemática, tratando-se de uma tolerância de todo o sistema.
- Foi a primeira vez que a CIDH aplicou a Convenção de Belém do Pará.
- Entre as recomendações da CIDH cumpridas pelo Brasil, destaca-se a aprovação da
Lei 11.340/2006, que recebeu o nome de Lei Maria da Penha, em homenagem à vítima
deste caso apreciado pela Comissão.
5. VÍTIMAS DO 42º DISTRITO POLICIAL – PARQUE SÃO LUCAS/SP (2003)

- Rebelião nas celas do Distrito Policial no 42 do Parque São Lucas, na Zona Leste da
cidade de São Paulo, em 1989, quando, com a intenção de controlar o motim, cerca de
50 presos foram colocados numa cela de isolamento de um metro por três na qual
foram jogados gases lacrimogêneos.
- 10 presos morreram por asfixia e 12 foram hospitalizados.
- O centro de detenção, que tinha capacidade para 32 pessoas em 4 celas, alojada no
momento 63 detidos.
- A CIDH declarou o Brasil responsável pela violação do direito à vida e à integridade
pessoal.
- A CIDH recomendou ao Brasil transferir a competência para julgar crimes comuns
cometidos por policiais militares contra civis da Justiça Militar para a Justiça Comum.
- Em 1996, o Brasil informou à CIDH sobre a aprovação da Lei 9.299/96, que, alterando
o Código Penal Militar e o Código de Processo Penal Militar, transferiu para a Justiça
Comum a competência para julgar crimes contra a vida praticados por policiais
militares contra civis.
- A CIDH compreendeu a importância do marco legislativo, mas ressaltou que ele se
revelou incompleto por abranger somente crimes dolosos contra a vida, ficando de fora
crimes como lesão corporal, tortura etc.

6. CASO SIMONE ANDRÉ DINIZ (2006)

- Uma mulher fez inserir na parte de classificados de um jornal de grande circulação (“A
Folha de São Paulo”) uma nota por meio da qual comunicava seu interesse em
contratar uma empregada doméstica de cor branca.
- Simone André Diniz, negra, apresentou-se para a vaga e foi recusada, denunciando a
situação às autoridades competentes.
- MPSP e TJSP não identificaram crime de racismo ou de injúria racial.
- A CIDH anotou que o caso não é isolado no Brasil, tratando- se de um padrão de
comportamento das autoridades brasileiras quando se veem diante de uma denúncia
de racismo.
- A CIDH declarou o Brasil responsável pela violação do art. 24 da CADH.
- Primeira vez que um Estado membro da OEA é responsabilizado na CIDH por racismo.
- O caso se tornou paradigma do chamado “RACISMO INSTITUCIONAL”. A CIDH
chamou a atenção do governo brasileiro que “a omissão das autoridades públicas em
efetuar diligente e adequada persecução criminal de autores de discriminação racial
e racismo cria o risco de produzir não somente um racismo institucional, onde o
Poder Judiciário é visto pela comunidade afrodescendente como um poder racista,
como também resulta grave impacto que tem sobre a sociedade na medida em que a
impunidade estimula a prática do racismo”.

- EXCLUSÃO DE UMA PESSOA NEGRA DO MERCADO DE TRABALHO COMO ATO DE


DISCRIMINAÇÃO RACIAL: a CIDH advertiu para a violação do art. 1o da Convenção
Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial”.
- MEDIDA DE REPARAÇÃO EDUCATIVA: “Adotar e instrumentalizar medidas de
educação dos funcionários de justiça e da polícia a fim de evitar ações que impliquem
discriminação nas investigações, no processo ou na condenação civil ou penal das
denúncias de discriminação racial e racismo”.
7. CASO WALLACE DE ALMEIDA (2009)

- Assassinato de Wallace de Almeida, jovem negro de 18 anos, soldado do Exército,


pela PMRJ, em 1998.
- O fato ocorreu no contexto de um aumento expressivo na violência da PMRJ, produto
da política empregada na matéria pelo Estado do RJ desde o fim de 1994.
- Impunidade verificada na ordem jurídica interna.
- A CIDH concluiu que o Brasil violou os direitos à vida, à integridade pessoal, às
garantias judiciais e à proteção judicial.
- VIOLÊNCIA E TRÁFICO DE DROGAS: “A CIDH considera evidente que a violência que
rodea todo âmbito relacionado com o tráfico de drogas constitui uma grave ameaça
para os habitantes do RJ e outras áreas do Brasil. Porém, as políticas criminais
contraofensivas que ataquem esta situação, sem observar um devido respeito e
aderência a parâmetros estabelecidos em tratados internacionais de direitos humanos
ratificados pelo Estado, subvertem a congruência que este consensualmente se obrigou
a respeitar em sua legislação ao não harmonizá-la com aqueles”.
- VIOLÊNCIA POLICIAL E RAÇA: “A quantidade desproporcionalmente alta de pessoas
com características próprias da raça negra entre as vítimas mortas nas ações policiais
constitui um claro indício de uma tendência racista nos aparatos de repressão do
Estado”.
- IMPUNIDADE, VIOLÊNCIA POLICIAL E INVESTIGAÇÃO: “A CIDH tem constatado
numerosas dificuldades para investigar a violência policial. Quando as autoridades
decidem investigar os casos concretos, em primeiro lugar, deve ressaltar-se que os
agentes de polícia são responsáveis pelas investigações iniciais dos crimes cometidos
por agentes da mesma força, que em raros casos investigam com diligência os
assassinatos cometidos por policiais. Uma vez transferidos a procuradores, a estes
casos pobremente documentados nunca se dá prioridade. Quando são apresentadas
provas, as Cortes brasileiras não cumprem com seu dever legal de condenar os policiais
violentos. Além disso, há enormes dificuldades para reunir provas que identifiquem os
responsáveis de violações de direitos humanos”.
- Bloco II

8. CASO ARISTEU GUIDA DA SILVA E FAMÍLIA (2016)

- Assassinato do jornalista Aristeu Guida da Silva em maio de 1995 por motivos


relacionados ao exercício do jornalismo, em particular pelas notícias e críticas que
publicava em relação à corrupção e outros atos ilícitos de membros da administração
pública e outras pessoas no município de São Fidélis/RJ.
- Alegação de que o Estado não adotou medidas para proteger a vida da vítima e que
falhou em investigar, julgar e punir os responsáveis pelo crime, o que inibiu o trabalho
de outros jornalistas na região onde ocorreram os fatos.
- O Estado alegou que o assassinato foi cometido por particulares, não sendo possível,
portanto, estabelecer a sua responsabilidade internacional pelo crime. Também
apontou que os órgãos judiciais internos atuaram com a devida diligência na
persecução penal.
- A CIDH declarou o Brasil responsável por não garantir os direitos à vida e à
liberdade de expressão do jornalista.
- EFEITO INIBIDOR DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO [chilling effect]: “a impunidade de
crimes contra jornalistas gera um forte efeito inibidor no exercício da liberdade de
expressão e suas consequências para a democracia, que depende de um intercâmbio
livre, aberto e dinâmico de ideias e informações, são particularmente graves. (...) O
assassinato de jornalistas e membros de meios de comunicação constitui a mais
extrema forma de censura”.
- OBRIGAÇÕES POSITIVAS DO ESTADO DIANTE DA VIOLÊNCIA COMETIDA CONTRA
JORNALISTAS:
1) obrigação de prevenir os crimes contra as pessoas por razão do exercício de
seu direito à liberdade de pensamento e expressão; 2) obrigação de proteger as
pessoas que se encontram em risco especial em razão do exercício de sua
profissão; e 3) obrigação de investigar, processar e punir criminalmente os
responsáveis.
- CARTILHA ARISTEU GUIDA DA SILVA – PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DE
JORNALISTAS E DE OUTROS COMUNICADORES E COMUNICADORAS: adotada em 2018
e atualizada em 2020, cumprindo com recomendação da CIDH, tendo como objetivos
1) difundir os padrões interamericanos e internacionais de direitos humanos de
jornalistas e outros comunicadores e comunicadoras; 2) expor quais são as obrigações
acerca da prevenção de crimes contra as pessoas que estavam no exercício de seu
direito de liberdade de pensamento e expressão; e 3) disseminar os canais de auxílio às
pessoas ameaçadas.

9. CASO JOSÉ PEREIRA (2003)

- José Pereira foi gravemente ferido quando tentou escapar, em 1989, da Fazenda
Espírito Santo, para onde tinha sido atraído com falsas promessas sobre condições de
trabalho, terminando submetido a trabalho forçado, sem liberdade para sair e sob
condições desumanas e ilegais, situação que agonizou juntamente com outras dezenas
de trabalhadores desta fazenda.
- A CIDH concluiu que o Brasil foi responsável pela violação das garantias judiciais da
vítima.
- No entanto, após o relatório de mérito preliminar, vítima e Estado celebraram
acordo de solução amistosa, que foi homologado pela CIDH.
- Primeira vez que o Brasil celebrou um acordo de solução amistosa: foi celebrado
após a aprovação do relatório de mérito.
- Regulamento da CIDH, art.40.1: “A Comissão se colocará à disposição das partes em
qualquer etapa do exame de uma petição ou caso, por iniciativa própria ou por
solicitação de qualquer delas a fim de chegar a uma solução amistosa do assunto
fundada no respeito dos direitos humanos estabelecidos na CADH, na DADDH e em
outros instrumentos aplicáveis”.
- Regulamento da CIDH, art. 40.5: o relatório que aprova a solução amistosa é
publicado.
- E se descumprir o acordo? O art. 48 do Regulamento prevê apenas medidas de
acompanhamento, sem possibilidade de submeter o caso à Corte IDH.
- O Brasil assumiu o compromisso de defender a competência da Justiça Federal para
julgamento do crime de redução a condição análoga a de escravo.  O STF tem
jurisprudência consolidada neste sentido.

10. CASO MENINOS EMASCULADOS DO MARANHÃO (2005)

- Uma série de homicídios contra meninos entre 8 a 15 anos de idade, no Estado do


Maranhão, sendo que a maioria dos corpos foi encontrada com os órgãos genitais
mutilados.
- Denunciado o caso à CIDH, o Brasil propôs um acordo de solução amistosa,
comprometendo-se a reconhecer a responsabilidade pelas mortes das vítimas e a
prover uma reparação para os familiares.
- O acordo de solução amistosa foi celebrado em 2005.
- Primeiro acordo de solução amistosa celebrado após a admissibilidade e antes do
relatório de mérito.
- PARADIPLOMACIA: o Presidente Lula autorizou o governo do MA a negociar no plano
internacional com as vítimas. Também chamada de cooperação descentralizada ou
diplomacia federativa, consistente na participação de governos subnacionais em
negociações internacionais.
- Na cena do Direito Internacional, somente a Presidência (na condição de Chefe de
Estado) pode comparecer para negociar em nome do Estado brasileiro. Os entes
subnacionais (estados e municípios) não são, como regra, pessoas jurídicas de direito
internacional ou pessoas jurídicas com capacidade de atuar perante o Direito
Internacional. CONTUDO, a autoridade competente central (o chefe de Estado – no
caso do Brasil, a Presidência da República) pode autorizar que entes subnacionais
representem o Estado brasileiro e atuem perante o Direito Internacional.
[paradiplomacia/cooperação descentralizada/diplomacia federativa]

11. CASO LUIZA MELINHO (2016)

- Negação de uma cirurgia de afirmação sexual através do sistema público de saúde ou


por hospital privado custeado pelo Estado.
- O Estado se defendeu alegando que os recursos internos não foram esgotados.
- O caso ainda está em tramitação, mas em 2016 a CIDH aprovou seu relatório de
admissibilidade.
- Esgotamento dos recursos internos: a CIDH constatou que o caso estava parado no
TJSP há quase 6 anos e reconheceu a exceção do art. 46.2.c da CADH. Para a CIDH, em
regra e no geral, seja pelos seus pressupostos de admissibilidade mais rigorosos, seja
pelo seu âmbito de discussão limitado, recursos de natureza extraordinária não
precisam ser esgotados.
- Oferecimento de cirurgia de afirmação sexual pelo SUS: para a Corte IDH, “O
reconhecimento da afirmação da identidade sexual e de gênero como uma
manifestação da autonomia pessoal é um elemento constituinte e constitutivo da
identidade das pessoas que se encontra protegido pela CADH” (OC 24/2017). Para a
CIDH, “A orientação sexual, a identidade de gênero e a não discriminação por motivos
de gênero são componentes fundamentais da vida privada das pessoas” (Caso Luiza
Melinho).
- Importante: a Corte IDH entendeu na OC 24 que o procedimento de alteração da
documentação de identidade para se adequar a identidade de gênero não exige
intervenção cirúrgica. Porém, quando a pessoa assim requer, deve ser uma obrigação
do Estado (é o que se discute no Caso Luiza Melinho).
- Prazo mínimo e prazo máximo de período pré-operatório para a realização da
cirurgia de afirmação sexual: um ponto importante que será objeto de decisão da
CIDH no Caso Luiza Melinho. A CIDH observou que “a resolução do CFM-BR estabelece
que a supervisão médica deve ser conduzida durante um período mínimo de dois anos,
sem estabelecer um prazo máximo para esta supervisão e sem permitir que o prazo
seja menor em circunstâncias particulares.
- Nesse sentido, a CIDH anota que no Caso Schlumpf vs. Suíça, o TEDH, ao analisar a
imposição de prazos para a realização de uma cirurgia de afirmação sexual sem levar
em conta as circunstâncias individuais de cada caso, afirmou que a imposição destes
prazos pode conduzir a uma violação do direito à vida privada”.

12. ALGUMAS MEDIDAS CAUTELARES

- Obs.: o regime jurídico das medidas cautelares da CIDH não tem base convencional.
Está previso apenas no Regulamento da CIDH.
- Membros dos Povos Indígenas Guajajara e Awá da Terra Indígena Araribóia
(04.01.2021)
- Povo Indígena Mundruku (11.12.2020)
- Membros dos Povos Indígenas Yanomami e Ye’kwana (17.07.2020)
- Medida cautelar concedida para que o Brasil, desde uma perspectiva culturalmente
adequada, adote medidas de prevenção frente à disseminação da COVID-19, assim
como proporcione aos membros da comunidade atenção médica adequada.
- Comunidade Remanescentes do Quilombo Rio dos Macacos (06.08.2019): contexto
de violência em disputa pelo reconhecimento do território. Única medida cautelar
envolvendo quilombolas.
- Membros da Comunidade Guyraroká do Povo Indígena Guarani Kaoiwá
(29.09.2019): ameaças, hostilização e fatos de violência no contexto de disputa pela
terra.
- Comunidade Indígena da Bacia Rio Xingu (01.04.2011): suspensão imediata do
processo de licenciamento do projeto da Usina Hidroelétrica Belo Monte que violava
direitos dos povos indígenas, a exemplo do dever de consulta. Em 29.07.2011, a CIDH
modificou o objeto da MC, agora apenas para solicitar ao Estado que proteja a vida, a
saúde e a integridade pessoal dos membros das comunidades indígenas afetadas.
- Pessoas Privadas de Liberdade na Penitenciária Pública Jorge Santana (05.02.2020)
- Penitenciária Evaristo de Moraes (07.08.2019)
- Adolescentes Privados de Liberdade no Centro de Atenção Socioeducativo do
Adolescente – CASA (21.07.2016)
- Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho (15.07.2016)
- Adolescentes Privados de Liberdade em Centros de Atenção Socioeducativa de
internação masculina no Estado do Ceará (31.12.2015)
- Pessoas Privadas de Liberdade no Presídio Central de Porto Alegre (30.12.2013)
- Pessoas Privadas de Liberdade no Complexo Penitenciário de Pedrinhas
(16.12.2013)
- Série de medidas cautelas da CIDH sobre violação de Direitos Humanos no interior de
estabelecimentos prisionais. Condições de encarceramento.
- Pessoas Privadas de Liberdade na Penitenciária Pública Jorge Santana (05.02.2020)
- Penitenciária Evaristo de Moraes (07.08.2019)
- Adolescentes Privados de Liberdade no Centro de Atenção Socioeducativo do
Adolescente – CASA (21.07.2016)
- Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho (15.07.2016)
- Adolescentes Privados de Liberdade em Centros de Atenção Socioeducativa de
internação masculina no Estado do Ceará (31.12.2015)
- Pessoas Privadas de Liberdade no Presídio Central de Porto Alegre (30.12.2013)
- Pessoas Privadas de Liberdade no Complexo Penitenciário de Pedrinhas
(16.12.2013)
- Pessoas Privadas de Liberdade na prisão Professor Aníbal Bruno
(04.08.2011)
- Pessoas Privadas de Liberdade no Departamento da Polícia
Judicial de Vila Velha (28.04.2010)
- Série de medidas cautelas da CIDH sobre violação de Direitos Humanos no interior de
estabelecimentos prisionais. Condições de encarceramento.
- Júlio Lancellotti e Daniel Guerra Feitosa (08.03.2019): ameaças e hostilização
relacionadas com o trabalho junto à população em situação de rua.
- André Luiz Moreira da Silva (31.12.2018): violências de milícias contra policiais.
- Joana D’arc Mendes (07.12.2018): situação de risco após receber uma série de
ameaças relacionadas com seu trabalho de defensora de direitos humanos e de buscar
justiça no caso do seu filho, supostamente assassinado por policiais.
- Jean Wyllys de Matos Santos e sua família (20.11.2018): situação de risco após
receber uma série de ameaças de morte em razão da sua orientação sexual e do seu
trabalho a favor da população LGBTI no Brasil.
- Mônica Tereza Azeredo Benício (01.08.2018): situação de risco por denunciar o
assassinato da sua companheira Marielle Franco.

AULA 31 – O BRASIL NA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE


INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS
- Bloco I

1. Introdução

- O Brasil ratificou a CADH em 1992 e aceitou a competência contenciosa da Corte IDH


para fatos posteriores a 10.12.1998 conforme o Decreto no 4.463/2002.
2. Estatística atual

- Casos com sentença de mérito: 11


- Condenação: 10
- Absolvição ou não responsabilização: 1
- Casos pendentes de julgamento: 7
- Medidas provisórias: concedidas em relação a 7 estabelecimentos prisionais e no
Caso Tavares Pereira; não concedidas no Caso Favela Nova Brasília e no Caso Gomes
Lund.
3. Casos pendentes de julgamento

- Caso Tavares Pereira e outros (ingressou na Corte IDH em 06.02.2021):


- Alega-se a responsabilidade do Estado pelo assassinato do trabalhador Antonio
Tavares Pereira e pelas lesões sofridas por outros 185 trabalhadores pertencentes ao
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MTST), por parte de agentes da PM.
- Os fatos ocorreram em 02.05.2000 no Estado do Paraná, durante uma marcha
realizada pelos trabalhadores pela reforma agrária.
- O caso se refere, assim, à suposta impunidade na qual permanecem os fatos e se
coloca num suposto contexto de violência vinculada a demandas por terra e por uma
reforma agrária no Brasil.
- Caso Sales Pimenta (ingressou na Corte IDH em 04.12.2020): [JÁ NÃO ESTÁ MAIS
PENDENTE]
- VER: CASOS JULGADOS PELA CORTE.
- Alega-se a responsabilidade do Estado pela suposta situação de impunidade em que
se encontram os fatos relacionados com a morte de Gabriel Sales Pimenta, advogado
do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Marabá.
- Como resultado do seu trabalho, teria recebido ameaças de morte, pelo que teria
solicitado proteção estatal em múltiplas ocasiões perante a Secretaria de Segurança
Pública de Belém, no Estado do Pará.
- Finalmente foi assassinado em 18.07.1982. A morte supostamente ocorreu num
contexto de violência relacionada com as demandas de terra e a reforma agrária no
Brasil. Em 2006, a ação penal para apuração do caso foi extinta pela prescrição.
- Caso Airton Honorato (ingressou na Corte IDH em 28.05.2021):
- Alega- se a responsabilidade do Estado pelo suposto homicídio de 12 pessoas pela
PMSP, em março de 2002. Os supostos assassinatos estariam inseridos numa operação
da PM, denominada “Castelinho”, contra o “Primeiro Comando da Capital” (PCC),
principal organização criminosa do Estado de São Paulo, nas proximidades da cidade de
Sorocaba.
- O caso também trata de uma série de atos ilegais supostamente praticados por
agentes estatais e que culminaram nos alegados assassinatos, como, p. ex., o
recrutamento de presos condenados através de promessas de proteção a suas famílias
ou de liberdade antecipada, que seriam libertados por decisões judiciais para atuar
como informantes em organizações criminosas, utilizando recursos proporcionados
pela própria Polícia.
- Caso Neusa dos Santos Nascimento e Gisele Ana Ferreira (ingressou na Corte IDH
em agosto de 2021):
- O caso diz respeito à discriminação racial no âmbito do trabalho sofrida por Neusa
dos Santos Nascimento e Gisele Ana Ferreira em 1998, bem como à situação de
impunidade por esses atos.
- Após um anúncio publicado no jornal Folha de São Paulo sobre uma vaga na empresa
Nipomed, as vítimas, ambas afrodescendentes, se apresentaram na empresa
manifestando interesse no cargo. A pessoa que as atendeu informou-lhes que as vagas
já haviam sido preenchidas. Horas depois, uma mulher branca esteve na mesma
empresa expressando interesse na vaga anunciada e foi recebida pela mesma pessoa,
que a contratou imediatamente.
- Houve um processo por discriminação racial, com absolvição do réu. Em recurso, a
condenação foi mantida, mas declarada a extinção da punibilidade pela prescrição.
- Em recurso do MP, foi acolhida a tese da imprescritibilidade do racismo, com a
imposição do cumprimento da pena em regime aberto. Um recurso da defesa ainda
estava pendente de exame.
- Uma ação cível de reparação proposta pela vítima foi rejeitada.
- Caso muito semelhante ao caso Simone André Diniz, que ficou na CIDH.
- Caso Manoel Luiz da Silva (ingressou na Corte IDH em novembro de 2021):
- O caso diz respeito à responsabilidade internacional do Estado pela falta de devida
diligência na investigação do assassinato do trabalhador rural e membro do
Movimento Sem Terra, Manoel Luiz da Silva, ocorrido em 1997, e pela situação de
impunidade.
- O assassinato foi cometido por agentes estatais e ocorreu num contexto de violações
vinculadas ao conflito pela terra, em prejuízo de trabalhadores rurais, assim como de
defensores de direitos humanos. Alegação de que o Estado descumpriu a obrigação de
investigar e punir.
- Caso Comunidades Quilombolas de Alcântara (ingressou na Corte IDH em janeiro de
2022):
- O caso diz respeito à violação da propriedade coletiva de 152 comunidades, devido à
falta da emissão de títulos de propriedade das suas terras, à instalação de uma base
aeroespacial sem a devida consulta e consentimento prévio, a expropriação das suas
terras e territórios, e a falta de recursos judiciais para remediar tal situação.
- Primeiro caso contra o Brasil na jurisdição contenciosa da Corte IDH envolvendo
quilombolas.
- Caso Cristiane Leite de Souza e outros (remetido para a Corte IDH pela CIDH em
maio de 2022):
- O caso diz respeito ao desaparecimento forçado de dez pessoas, algumas das quais
vítimas de violência sexual, e a falta de diligência na investigação e punição do
assassinato de Edméa da Silva Euzébio e Sheila da Conceição.
- As dez vítimas foram sequestradas em 1990 no município de Magé pela polícia civil e
militar – algumas delas sofreram violência sexual – e forma assassinadas e jogadas no
Rio Estrela. A investigação policial foi arquivada após vários anos devido à prescrição e
à falta de provas materiais do crime, uma vez que os corpos nunca foram encontrados.
- O caso também se refere ao assassinato da Sra. Edméa da Silva Euzébio e da Sra.
Sheila da Conceição, familiares de uma das vítimas, que ocorreu depois que a Sra.
Edméa testemunhou em tribunal sobre o envolvimento de policiais nos
desaparecimentos.
- A Comissão considerou suficientemente provado que as vítimas sofreram um
desaparecimento forçado, uma vez que este ocorreu nas mãos de agentes do Estado e
a falta de investigação por parte do Estado levou ao encobrimento dos responsáveis
pelos fatos; fatos que até o momento seguem sem explicação.
- O Estado não cumpriu sua obrigação de investigar, processar e punir os
desaparecimentos dentro de um prazo razoável e com diligência. A Comissão concluiu
que o Estado violou o direito às garantias e proteção judiciais e o direito de igualdade
perante a lei das vítimas, e descumpriu sua obrigação de adotar disposições de direito
interno, tais como a criminalização do desaparecimento forçado em sua legislação.
- A CIDH também considerou que havia uma ligação entre o assassinato de Edméa da
Silva e Sheila Conceição e o desaparecimento das vítimas e seu trabalho no movimento
“Mães de Acari”, um movimento de mães de vítimas de violência institucional.
CASOS JÁ JULGADOS PELA CORTE IDH

4. Caso Ximenes Lopes (2006)

- Trata-se de morte decorrente de maus tratos numa clínica de saúde vinculada ao SUS.
- Foi a primeira condenação do Brasil na Corte IDH.
- Foi o primeiro caso da Corte IDH sobre violação de direitos humanos de pessoa com
deficiência mental.
- RESPONSABILIDADE DO ESTADO DECORRENTE DE ATOS COMETIDOS POR
PARTICULARES: “a responsabilidade estatal também pode ocorrer por atos de
particulares em princípio não atribuíveis ao Estado (...). A ação de toda entidade,
pública ou privada, que está autorizada a atuar com capacidade estatal, se enquadra
no compromisso de responsabilidade por fatos diretamente imputáveis ao Estado, tal
como ocorre quando se prestam serviços em nome do Estado. Os Estados têm o dever
de regular e fiscalizar toda a assistência de saúde prestada às pessoas sob sua
jurisdição (...)”.
- Embora fosse uma clínica privada, ela prestava serviço público de saúde, em convênio
com o SUS. Assim, o Estado brasileiro devia ter fiscalizado as atividades da clínica.
- REPERCUSSÕES POSITIVAS DO CASO: mesmo antes da sentença, com a apresentação
da denúncia e tramitação na CIDH, o caso gerou repercussões positivas como
desativamento e descredenciamento da Casa de Repouso de Guararapes do SUS,
concessão de pensão vitalícia para a mãe da vítima por parte do Estado do CE,
inauguração de um novo centro de saúde chamado “Damião Ximenes Lopes” e
contribuição para acelerar o processo de aprovação da Lei 10.216/2001, que dispõe
sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e
redireciona o modelo assistencial em saúde mental. A lei já tramitava há 12 anos.
- OBRIGAÇÃO DE INVESTIGAR, PROCESSAR E PUNIR: o Brasil não cumpriu com esta
medida de reparação, pois ocorreu a prescrição no processamento do caso penal. Em
decisão de supervisão de cumprimento de sentença (28.01.2021), a Corte IDH,
reconhecendo que não se trata de tortura, mas sim de maus tratos seguido de morte,
que não é um crime muito grave contra os direitos humanos, assentou o
descumprimento da medida de reparação, mas não determinou a superação da
prescrição.
5. Caso Nogueira de Carvalho (2006)

- Atribuição ao Estado da responsabilidade pela morte de Gilson Nogueira de Carvalho,


um advogado ativista de direitos humanos, assassinado em outubro de 1996.
- Alegação de que o direito à vida não foi respeitado e que o Brasil não realizou uma
investigação séria sobre sua morte.
- O réu foi absolvido pelo Tribunal do Júri.
- A Corte IDH não responsabilizou o Brasil. Esta é a primeira – e até agora única –
“absolvição” do Brasil perante a Corte.
- A obrigação processual positiva de investigar e punir é considerada de meio e não de
resultado.
Atribuição ao Estado da responsabilidade pela morte de Gilson Nogueira de Carvalho,
um advogado ativista de direitos humanos, assassinado em outubro de 1996
6. Caso Escher e outros (2009)

- Interceptação e monitoramento das linhas telefônicas de membros de organizações


comunitárias que mantinham relação com o MTST, compartilhando com este o
objetivo comum de promover a reforma agrária.
- A interceptação se deu de forma ilegal e sem fundamentação. Fragmentos das
conversas foram divulgados para a imprensa a partir de autorização judicial.
- O Brasil foi responsabilizado pela violação do direito à privacidade e à liberdade de
associação.
- A Corte IDH compreendeu o sigilo das comunicações telefônicas a partir da
interpretação evolutiva.
- Juiz García Ramírez: “A finalidade de justiça que pudesse justificar a interceptação
[telefônica] – ou a ingerência, em geral, em espaços da vida privada – cessa quando
sobrevém a difusão ilícita de informação que devia ficar apenas sob conhecimento e
proteção da autoridade”. Afirmou, ainda, ser falsa a antinomia segurança pública vs.
direitos humanos para justificar tamanha ingerência na vida privada das pessoas.

7. Caso Garibaldi (2009)

- Fatos ocorridos em novembro de 1998 [ou seja, antes de 10/12/1998], no contexto de


um despejo extrajudicial na Fazenda São Francisco, situada na cidade de Querência do
Norte, no Estado do Paraná, que estava ocupada por 50 famílias. No dia do despejo,
um grupo encapuzado e armado atirou e matou Sétimo Garibaldi, membro do MTST.
- Não houve uma investigação séria do caso.
- A Corte IDH condenou o Brasil por não ter investigado e punido os responsáveis,
determinando a reabertura do caso na ordem jurídica interna.
- O Brasil não cumpriu com essa medida de reparação da Corte IDH. O STJ manteve o
arquivamento da investigação (REsp 1.351.177, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6a
Turma, j. 15.03.2016 – procurar voto do Min. Schetti).
8. Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) (2009)

- Detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de aproximadamente 70


pessoas, dentre elas integrantes do PCB – Partido Comunista Brasileiro e camponeses
da região do Araguaia, situada no Estado do TO, entre 1972 e 1975.
- A maioria das vítimas integrava (ou pelo menos havia suspeita neste sentido) o
movimento chamado “Guerrilha da Araguaia”, conhecido por atos de resistência e
oposição aos militares.
- A persecução penal foi interditada pela aprovação da Lei de Anistia em 1979,
considerada constitucional pelo STF.
- A Corte IDH declarou o Brasil responsável pelo desaparecimento forçado e por não
ter adequado o ordenamento jurídico interno à CADH.
- Imposição de obrigação de investigar e punir, de implementar um curso permanente
de direitos humanos para membros das Forças Armadas e tipificar o crime de
desaparecimento forçado.
  OBS.: ReSe / SP 5002674-87.2021.4.03.6181 (agosto/2023)
Relator(a) para Acórdão: Desembargador Federal ALI MAZLOUM
Relator(a): Desembargador Federal PAULO GUSTAVO GUEDES FONTES
o PAULO FONTES: (...) Primeiramente, penso não haver dúvidas de que o Brasil
está sujeito à jurisdição da Corte Interamericana, pelos atos de ratificação e
reconhecimento da competência da Corte acima mencionados.
Por outro lado, entendo que a decisão do STF na ADPF 153, que considerou ter
sido a lei de anistia recepcionada pela Constituição de 1988, não representa
óbice ao cumprimento da decisão da Corte Interamericana.
Isso porque cabe precipuamente à Corte Interamericana o chamado "controle
de convencionalidade" das leis e atos normativos que se mostrem
incompatíveis com a Convenção Americana, controle este que também pode e
deve ser exercido pela jurisdição nacional.
A necessidade de compatibilidade normativa tanto com a Constituição Federal
quanto com a Convenção Interamericana fica muito clara com a decisão do STF
no HC 90172/SP, que culminou na Súmula Vinculante nº 25, que veda a prisão
civil do depositário infiel. Tal modalidade de prisão foi considerada incompatível
com o Pacto de São José da Costa Rica, embora seja permitida pela Constituição
brasileira. Assim sendo, a lei de anistia pode igualmente mostrar-se compatível
com a Constituição e incompatível com a Convenção.
Ademais, a adesão à Convenção levou ao reconhecimento de uma regra de
competência - a da Corte Interamericana de Direitos Humanos - para apreciar
soberanamente casos em que se alegue o descumprimento da Convenção.
Ainda nessa linha de raciocínio, é mister salientar que o Supremo Tribunal
Federal reconhece aos tratados sobre direitos humanos, mesmo àqueles
previstos no artigo 5º, § 2º, da Constituição, hierarquia supralegal.
Por fim, os autores mais abalizados do Direito Internacional afirmam que a
obrigatoriedade de observância pelo Brasil ocorre tanto diante da coisa julgada
quanto da "coisa interpretada", ou seja, o país deve aplicar o entendimento
consagrado pela Corte a outros casos que envolvam a mesma matéria.
Desta feita, restam afastadas, de acordo com o entendimento da Corte
Interamericana, tanto a prescrição dos delitos quanto a eventual aplicação ao
caso da lei de anistia. (...)
9. Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde (2016)

- Trabalho escravo na Fazenda Brasil Verde, situada no Estado do Pará. Dois


trabalhadores negros desapareceram e nunca foram encontrados.
- O grupo de trabalhadores era formado majoritariamente por homens de 15 a 40 anos
de idade, negros e pardos, oriundos dos Estados mais pobres do país e, portanto, em
situações que lhe proporcionavam exíguas possibilidades de trabalho.
- A Corte IDH declarou o Brasil responsável pela violação, entre outros, do direito de
não ser submetido à escravidão, violação esta reconhecida como de caráter
estrutural em razão da posição econômica dos trabalhadores.
- O Brasil já havia celebrado um acordo de solução amistosa na CIDH em outro caso
sobre trabalho escravo – Jose Pereira.
- Imprescritibilidade do crime de escravidão no contexto de violação de direitos
humanos.  deve ser uma violação grave para ser imprescritível.
10. Caso Favela Nova Brasília (2017)

- Falhas na investigação e punição dos responsáveis pelo assassinato de 26 pessoas no


contexto de duas incursões policiais efetuadas pela Polícia Civil do Estado do RJ, em
1994 e 1995, na Favela Nova Brasília.
- As mortes haviam sido justificadas pelos policiais como autos de resistência à prisão.
- Na incursão policial de 1994, três mulheres, sendo duas delas menores de idade,
foram vítimas de tortura e atos de violência sexual por policiais.
- A Corte IDH considerou o Brasil responsável por não investigar adequadamente o
caso, violando, assim, o direito à proteção judicial.
- Repúdio aos autos de resistência à prisão, polícia não investiga polícia (ADPF 635 –
ADPF das favelas) e participação da vítima na investigação (CPP, art. 268).
11. Caso Povo Indígena Xucuru e seus membros (2018)

- Demora de mais de 16 anos para finalizar o procedimento de demarcação das terras


indígenas da comunidade Xucuru, incluindo o processo administrativo de
reconhecimento, titulação e delimitação de suas terras e territórios ancestrais.
- A Corte IDH condenou o Brasil pela violação do direito à propriedade e à proteção
judicial em razão da demora em reconhecer e demarcar as terras indígenas do Povo
Xucuru.
- INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DO ART. 21 DA CADH E RECONHECIMENTO DA
RELAÇÃO IMEMORIAL DAS COMUNIDADES INDÍGENAS E SEUS TERRITÓRIOS: “Entre
os povos indígenas e tribais existe uma tradição comunitária sobre uma forma comunal
da propriedade coletiva da terra, no sentido de que a posse desta não se centra em um
indivíduo, mas no grupo e sua comunidade. Essas noções de domínio e da posse sobre
as terras não necessariamente correspondem à concepção clássica de propriedade,
mas a Corte estabeleceu que merecem igual proteção do art. 21 da CADH. (...) Ao se
desconhecer o direito ancestral dos membros das comunidades indígenas sobre seus
territórios, se poderia afetar outros direitos básicos, como o direito à identidade
cultural e à própria sobrevivência das comunidades indígenas e seus membros”.
- CORPUS IURIS DEFINIDOR DAS OBRIGAÇÕES DOS ESTADOS EM RELAÇÃO À
PROTEÇÃO DOS DIREITOS DE PROPRIEDADE INDÍGENA: a Corte afirmou que o art. 21
da CADH deve ser interpretado à luz da Convenção 169 da OIT, da Declaração da ONU
sobre os Direitos dos Povos Indígenas, bem como dos direitos reconhecidos na ordem
jurídica interna dos Estados, o que contempla no Brasil, portanto, o Estatuto do Índio e
demais normas esparsas sobre povos indígenas, levando em consideração a
interpretação mais favorável ao indígena – IN DUBIO PRO INDÍGENA.
- REGIME JURÍDICO DAS TERRAS: nos termos do art. 20, XI, da CF/88, as terras
indígenas são bens da União, possuindo os indígenas apenas a posse (uma posse sui
generis, já que, ordinariamente, não se admite a posse de bem público); diversamente,
a CF atribui aos remanescentes de quilombos a propriedade definitiva de suas terras,
nos termos do art. 68 do ADCT.
12. Caso Herzog e outros (2018)

- Morte do jornalista Vladimir Herzog no dia 24.10.1975, quando compareceu ao


DOI/CODI de SP para prestar declarações.
- O Brasil se defendeu alegando que se tratava de suicídio.
- Ações penais interditadas pela Lei de Anistia.
- A Corte IDH declarou o Brasil responsável pela impunidade, e não pela morte, que
ocorreu antes de 1998. Foi determinada a reabertura do caso.

13. Caso Empregados da Fábrica de Fogos de Santo Antônio de Jesus (2020)

- Explosão de uma fábrica de fogos artificiais, com 64 pessoas mortas e outras feridas,
incluindo 22 crianças.
- Processos cíveis, trabalhistas e penais após a explosão sem atividade.
- A Corte IDH condenou o Brasil por não ter fiscalizado a atividade perigosa, violando,
assim, o direito a condições equitativas de trabalho.
- A explosão ocorreu um dia depois da data em que o Brasil reconheceu a competência
contenciosa da Corte IDH. Ou seja, fato ocorrido em 11.12.1998.
- Violação do art. 26 da CADH.
- Primeiro caso contra o Brasil de judicialização direta dos DESCA em que a Corte
aplica o precedente do caso Lagos del Campo v. Peru, no qual (i) se afasta a técnica da
judicialização indireta/por conexão com o direito à vida ou à integridade pessoal e (ii)
se supera as limitações do Protocolo de San Salvador (que somente admite
judicialização direta dos direitos sindicais, com exceção de greve, e direito à
educação). Assim, a Corte, com base no art. 26 da CADH, reconhece uma ampla
possibilidade de judicialização dos DESCA.
- Responsabilidade do Estado por ato cometido por empresa.
- PUBLICAÇÃO DO RELATÓRIO DE MÉRITO PRELIMINAR PELA CIDH QUANDO
SUBMETE O CASO À CORTE IDH: o Brasil sustenta frequentemente que “a publicação
do relatório dá conta de seu caráter definitivo, o que impede a submissão do caso à
Corte”. A CIDH alega que “a prática de publicação do relatório após submeter o caso à
Corte não viola nenhuma norma convencional ou regulamentar”. A Corte reiterou o
que já havia decidido em outros casos contra o Brasil, no sentido de que a publicação
do relatório de mérito preliminar pela CIDH não implica em preclusão para submeter
o caso à Corte nem viola norma convencional ou regulamentar.
14. Caso Barbosa e outros (2021)

- Feminicídio de Márcia Barbosa em junho de 1998, no Estado da Paraíba.


- Envolvimento de um Deputado Estadual. A imunidade parlamentar prejudicou a
celeridade da persecução penal.
- Em 2007, o Deputado foi condenado pelo Júri. Recorreu e, antes que o recurso fosse
examinado, faleceu em fevereiro de 2008.
- Em 2003, o MP havia se manifestado pelo arquivamento das investigações contra
suspeitos de participação por falta de provas.
- A Corte IDH condenou o Brasil por violar, entre outros, o direito à proteção judicial.
- Indenização em 150 mil dólares. Não foi determinada a reabertura do caso contra os
suspeitos.
15. Medidas provisórias

- Com exceção das medidas provisórias indeferidas nos casos Gomes Lund e Favela
Nova Brasília, todas as demais adotadas pela Corte IDH em relação ao Brasil referem-se
a violações de direitos humanos no interior de estabelecimentos prisionais. E mais
recentemente, temos também a medida provisória no Caso Tavares.
- ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS QUE JÁ FORAM OBJETO DE MEDIDA PROVISÓRIA:
Urso Branco (RO), Complexo do Tatuapé (SP), Penitenciária Dr. Sebastião Martins Vieira
(SP), Unidade de Internação Socioeducativa (PE), Complexo Penitenciário de Curado
(PE), Complexo Penitenciário de Pedrinhas (MA) e Instituto Penal Plácido de Sá
Carvalho (RJ)
- BREVE COMENTÁRIO DO CASO IPPSC: compensação de “pena ilícita”, computando-se
cada dia de pena ilícita como sendo dois dias de pena lícita. Decisão no sentido de
condicionar a compensação para autores de crimes graves contra os direitos humanos
à aprovação no exame de prognóstico de conduta.
- MEDIDAS PROVISÓRIAS EM 2021 – monumento:
- Caso Tavares.
- Proteção imediata de um monumento e mediata do direito à memória de Tavares e
da luta pela reforma agrária.

- Bloco II

16. Caso Sales Pimenta vs. Brasil (30.06.2022)

- Conforme apontado pela Comissão, o caso se refere à responsabilidade internacional


do Brasil pela situação de impunidade da morte de Gabriel Sales Pimenta, advogado do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Marabá.
- Devido ao seu trabalho, a vítima recebeu várias ameaças de morte, pelo que solicitou
proteção estatal em múltiplas ocasiões perante a Secretaria de Segurança Pública de
Belém, no Estado do Pará.
- Finalmente, Sales Pimenta foi assassinado em 18.06.1982, num contexto de violência
relacionada com as demandas por terra e reforma agrária no Brasil.
- A investigação do fato foi finalizada em 2006 com a declaração da prescrição, em
virtude de omissões do Estado.
Responsabilidade internacional do Brasil pela situação de impunidade da morte de
Gabriel Sales Pimenta, advogado do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Marabá
1. Exceção preliminar da incompetência rationi temporis apresentada pelo Estado
brasileiro.
- A Corte reiterou que "(...) em virtude do princípio da irretroatividade, não pode
exercer sua competência contenciosa para aplicar a Convenção Americana a respeito
de fatos ocorridos anteriormente ao reconhecimento de sua competência por parte do
Estado.
- Não obstante, este Tribunal entende que pode exercê-la quanto às violações de
direitos humanos de caráter contínuo ou permanente que tiveram início antes da data
do reconhecimento da sua competência contenciosa por parte de um Estado e que
continuam posteriormente ao dito reconhecimento".
- O Brasil aceitou a competência contenciosa da Corte Interamericana para fatos
posteriores ao dia 10.12.1998.
2. Exceção preliminar do não esgotamento dos recursos internos apresentada pelo
Estado brasileiro somente perante a Corte IDH.
- A Corte advertiu que o momento processual oportuno para que o Estado apresente
uma eventual objeção relativa à falta de esgotamento de recursos internos é o
procedimento de admissibilidade perante a Comissão Interamericana. Se não
apresentar a objeção no momento processual oportuno, o Estado perde a possibilidade
de fazer uso deste meio de defesa perante a Corte.
- Aplicação do princípio do estoppel, que impede o comportamento contraditório do
Estado no processo interamericano. Ao alegar uma exceção ou objeção preliminar, o
Estado deve fazê-lo na primeira oportunidade que tem para se manifestar no
procedimento perante a Comissão. A primeira oportunidade que o Estado tem para se
manifestar perante a Comissão quando é notificado pela CIDH para apresentar sua
defesa em relação à admissibilidade do caso. Se o Estado não levanta sua exceção ou
objeção preliminar já nesse momento, se aplicam os efeitos da preclusão  princípio
do estoppel. No caso Salles Pimenta, o Brasil somente mencionou o não esgotamento
dos recursos internos quando o caso já estava tramitando perante a Corte IDH, tendo
sido omisso perante a CIDH. Foi aplicado o estoppel.
3. Mérito
- Corte IDH: "Durante os anos do regime militar, as organizações camponesas,
sindicatos e outras formas de associação que procuraram uma reforma agrária foram
objeto da repressão política e social que buscava sua desarticulação, e foram
compreendidos coo 'comunistas' ou 'subversivos'. Entre 1979 e 1985, o movimento
repressivo se intensificou no campo, sendo esse um dos períodos com maior número
de mortes e desaparecimentos de trabalhadores rurais e de defensores de seus
direitos. Concretamente no Brasil, se conhece que, de 1961 a 1988, foram mortos 75
sindicalistas, 14 advogados, 7 pessoas religiosas, 463 lideranças de lutas coletivas,
entre outras. (...) O Estado do Pará, durante o período de 1961 a 1988, encabeçou o
ranking de mortes e desaparecimentos com 528 homicídios entre 1980 a 1993 e 772
entre 1971 a 2004, dos quais, respectivamente, 239 e 574 ocorreram no sul do Estado".
- Corte IDH: "Especificamente quanto à situação de violência contra defensores e
defensoras de direitos humanos no contexto de conflitos rurais, há distintas
reportagens que noticiam uma alta incidência de ameaças e homicídios. A organização
Global Witness possui um estudo realizado com dados de 2002 a 2013 de vários países
do mundo, indicando que o Brasil é o país mais perigoso para a defesa dos direitos
sobre a terra e o meio ambiente, com 448 casos dos 908 a nível mundial. No ano de
1982, 30 defensores de trabalhadores(a)s rurais foram mortos, além de Gabriel Sales
Pimenta".
- Anotação veiculada pela Corte IDH sobre a impunidade estrutural no Estado do Pará
no que diz respeito a homicídios de trabalhadores rurais e de seus defensores:
o "Neste contexto, há dados relativos à resposta judicial naqueles casos de
pessoas trabalhadoras rurais mortas entre o período de 1964 a 2013 no Estado
do Pará. A esse respeito, entre 1964 a 1998, dos 703 casos de trabalhadores
rurais vítimas de homicídio, 5,26% dos casos foram julgados e somente em 183
casos foi iniciada uma investigação, dentro dos quais, 113 deram origem a um
processo penal. Entre 1985 a março de 2001, dos 1.207 casos, 85 pessoas
acusadas tiveram uma sentença definitiva, resultando numa média de 95% sem
resposta judicial. Por sua vez, no sul e no sudeste do Estado do Pará, dos 340
trabalhadores rurais mortos no mesmo período de 1985 a março de 2001, duas
pessoas foram julgadas de forma definitiva, deixando uma média de 99,4% do
total dos homicídios sem nenhum tipo de resposta judicial, seja de condenação
ou absolvição no âmbito penal. (...) Quanto ao município de Marabá do Estado
do Pará, onde ocorreu a morte de Gabriel Sales Pimenta, a taxa de
impunidade foi de 100% entre 1975 a 2005".
- Para a Corte IDH:
o O dever de investigar é uma obrigação de meio e não de resultado, que deve
ser assumida pelo Estado como um dever jurídico próprio e não como uma
simples formalidade condenada de antemão a ser infrutífera.
o Em casos contra defensores e defensoras de direitos humanos, os Estados têm
o dever de investigar séria e eficazmente as violações cometidas, combater a
impunidade e assegurar uma justiça imparcial, oportuna e oficiosa.
o A violência contra pessoas defensoras de direitos humanos tem um efeito
amedrontador (chilling effect), especialmente quando os crimes permanecem
na impunidade.
- Conclusão da Corte IDH:
o "As graves falências do Estado nas investigações sobre a morte de Gabriel Sales
Pimenta identificadas neste capítulo implicaram no descumprimento do dever
de devida diligência reforçada para investigar os crimes cometidos contra
pessoas defensoras de direitos humanos, assim como a violação flagrante da
garantia do prazo razoável.
o (...) a Corte verifica que o caso se encontra em uma situação de absoluta
impunidade até o momento.
o (...) O Brasil foi incapaz de identificar o autor dos disparos contra o senhor Sales
Pimenta e também de punir todos os responsáveis.
o Com efeito, (...) a negligência grave dos operadores judiciais na tramitação do
processo penal, que permitiu operar a prescrição, foi o fator determinante para
que o caso permanecesse em uma situação de absoluta impunidade".
- A Corte IDH considerou o Brasil responsável por violar os direitos às garantias judiciais
e à proteção judicial (CADH, artigos 8.1 e 25), bem como o direito à verdade em
prejuízo dos familiares de Gabriel Sales Pimenta. A Corte também concluiu que o Brasil
é responsável pela violação do direito à integridade psicológica dos familiares de
Gabriel Sales Pimenta que convivem até hoje com o estado de impunidade.
4. Algumas das medidas de reparação determinadas pela Corte IDH:
- Criar um grupo de trabalho com a finalidade de identificar as causas e circunstâncias
geradoras da impunidade e elaborar linhas de ação que permitam saná-las. O grupo de
trabalho deve ser composto por cinco especialistas com a capacidade técnica, a
idoneidade moral e os conhecimentos específicos para realizar esse trabalho.
- Oferecer tratamento psicológico ou psiquiátrico aos irmãos de Sales Pimenta.
- Nomear uma praça com o nome de Gabriel Sales Pimenta no município de Marabá,
no Estado do Pará.
- Criar um espaço público de memória na cidade de Belo Horizonte/MG.
- Criar e implementar um protocolo para a investigação dos delitos cometidos contra
pessoas defensoras de direitos humanos.
- Revisar e adequar o programa de proteção de pessoas defensoras de direitos
humanos.
- Criar um mecanismo que permita a reabertura de processos judiciais quando há a
declaração da prescrição para se cumprir alguma determinação da Corte IDH.
- Pagar uma indenização na quantia fixada.

AULA 32 – O BRASIL NA JURISPRUDÊNCIA DO


SISTEMA GLOBAL
1. Jurisprudência convencional

- O Brasil registra, até o momento, apenas três casos contenciosos no subsistema


convencional do sistema global:
1) uma decisão de inadmissibilidade proferida pelo Comitê sobre os Direitos
das Pessoas com Deficiência;
2) uma decisão de mérito procedente do Comitê para a Eliminação da
Discriminação contra a Mulher; e
3) uma decisão de medida provisória do Comitê de Direitos Humanos.  CASO
LULA  Julgado em março de 2022.
- Há também, contra o Brasil, pedido(s) de ação urgente perante o Comitê contra o
Desaparecimento Forçado de Pessoas.
2. Caso S.C.

- Decisão de inadmissibilidade do Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência


de 02.04.2014.
- Contexto fático: a autora questiona uma política interna do Banco do Brasil que
permitia rebaixar a categoria do funcionário público que estivesse afastado por mais de
três meses devido ao caráter discriminatório desta política em relação às pessoas que
estavam afastadas por razões médicas.
- Decisão: o Comitê considerou a questão relevante, mas decidiu pela inadmissibilidade
da petição por conta da ausência do esgotamento dos recursos internos.
3. Caso Alyne Pimentel

- Contexto fático: alegação de que Alyne da Silva Pimentel, negra, pobre, não recebeu
o tratamento médico de qualidade durante o parto, tendo sido violados, assim, os
artigos 2o e 12 da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
contra a Mulher (direitos à vida e à saúde), pois não houve uma assistência
especializada durante o parto, incluindo a assistência em casos de emergências
obstétricas, o que seria essencial para impedir a morte materna.
- O COMITÊ CONDENOU O BRASIL E FEZ DIVERSAS RECOMENDAÇÕES: reparação
financeira; assegurar o direito das mulheres à maternidade segura e à assistência
médica emergencial adequada a preços acessíveis; proporcionar formação profissional
adequada para os trabalhadores da área de saúde, especialmente sobre os direitos
reprodutivos das mulheres, incluindo tratamento médico de qualidade durante a
gravidez e o parto, bem como assistência obstétrica emergencial adequada; reduzir as
mortes maternas evitáveis.
- INTERSECCIONALIDADE: o Comitê reconheceu a incidência de múltiplos fatores de
discriminação (mulher, negra e de baixa renda), o que é chamado de
interseccionalidade pela doutrina.
- Destaco o reconhecimento, pelo Comitê, do fator de discriminação racial.
- COMPETÊNCIA DO COMITÊ: o Brasil assinou – inicialmente com reservas, depois
retiradas –, ratificou e, no ano de 2002, internalizou a Convenção sobre a Eliminação de
todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Decreto no 4.377). No mesmo ano,
o Brasil também internalizou o Protocolo Facultativo à Convenção referida, aceitando a
competência do Comitê sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
contra a Mulher para receber petições individuais.
- O Caso Alyne Pimentel consiste na primeira – e única até agora – responsabilização
do Brasil perante o sistema global convencional, além de tratar-se da primeira
denúncia sobre mortalidade materna acolhida pelo Comitê.
- Cumprimento: em 2014, o Brasil indenizou a mãe da vítima falecida, na quantia de R$
131 mil reais, a título de reparação financeira (o valor foi fixado em acordo
extrajudicial).
- Além da indenização, o Brasil também realizou duas reparações simbólicas: a UTI da
Maternidade Mariana Bulhões, no Município de Nova Iguaçu, RJ, foi batizada com o
nome da vítima, tendo a homenagem sido oficializada com a inauguração de uma placa
no local no dia 03.04.2014; e ainda, no Município de Mesquita, RJ, foi inaugurado o
espaço de convivência “Alyne da Silva Pimentel” na Maternidade do Hospital Mãe de
Mesquita.
4. Caso Lula

- Julho de 2016: apresentação de petição de denúncia no Comitê de Direitos Humanos


da ONU, sustentando, em síntese, que a condução da persecução penal perante a 13a
Vara Federal de Curitiba/PR e que resultou na sua inelegibilidade ofendeu o art. 9.1
(prisão arbitrária), o art. 14.1 (julgamento imparcial), o art. 14.2 (presunção de
inocência) e o art. 17 (privacidade, honra e reputação), todos do PIDCP.
- Janeiro de 2017: o Brasil apresentou contestação defendendo que a petição
apresentada por Lula não poderia ser conhecida, pois não teria havido o esgotamento
dos recursos internos; no mérito, rebateu cada uma das alegações de Lula sobre as
violações ao PIDCP.
- Abril de 2018: transcorridos um ano e nove meses desde a apresentação da petição,
sem decisão de mérito do Comitê, Lula, na iminência de ser preso, requereu medida de
urgência, invocando o direito de ser candidato nas eleições de outubro de 2018.
- Maio de 2018: o Comitê indeferiu o pedido de medida de urgência.
- Julho de 2018: considerada a proximidade das eleições, já preso, Lula apresenta novo
pedido de medida de urgência, requerendo que fosse libertado e permitido fazer
campanha para as eleições de outubro e que não fosse desabilitado enquanto sua
condenação não fosse confirmada pelo STJ e pelo STF.
- Agosto de 2018: considerada a gravidade da situação, o Comitê acolheu parcialmente
a pretensão de Lula e deferiu o pedido de medida provisória, requisitando ao Brasil “a
adoção de todas as medidas necessárias para assegurar que o requerente usufrua e
exerça todos os seus direitos políticos enquanto está na prisão, na qualidade de
candidato nas eleições presidenciais de 2018, o que inclui o acesso adequado à
imprensa e aos membros de seu partido político; requisita também que o Estado-Parte
não impeça o autor de concorrer nas eleições presidenciais de 2018 até que todos os
recursos impetrados contra a sentença condenatória sejam julgados em processos
judiciais justos e a sentença esteja transitada em julgado”.
- MARÇO DE 2022: JULGADO.
- A respeito da competência do Comitê de Direitos Humanos para adotar medidas
provisórias:
- O PIDCP estabelece que o próprio Comitê deve estabelecer as suas “regras de
procedimento”.
- A Regra 92 das Regras de Procedimento do Comitê prevê o seguinte: “O Comitê pode,
antes de encaminhar sua decisão sobre a comunicação ao Estado parte interessado,
comunicar a esse Estado sua opinião sobre a conveniência de adotar medidas
provisórias para evitar um dano irreparável à vítima da violação denunciada. Neste
caso, o Comitê informará ao Estado interessado de que essa expressão de sua opinião
sobre as medidas provisórias não implica nenhum pré-julgamento sobre o mérito da
comunicação”.
- Podemos considerar a competência do Comitê para adotar medidas provisórias como
indiretamente convencional, pois decorre de uma competência atribuída ao Comitê
pelo PIDCP.
- O TSE descumpriu a decisão:
- “Em atenção aos compromissos assumidos pelo Brasil na ordem internacional,
a manifestação do Comitê merece ser levada em conta, com o devido respeito e
consideração. Não tem ela, todavia, caráter vinculante e, no presente caso,
não pode prevalecer, por diversos fundamentos formais e materiais. Do ponto
de vista formal, (i) o Comitê de Direitos Humanos é órgão administrativo, sem
competência jurisdicional, de modo que suas recomendações não têm caráter
vinculante; e (ii) o Primeiro Protocolo Facultativo ao PIDCP, que legitimaria a
atuação do Comitê, não está em vigor na ordem interna brasileira” – TSE, Rel.
Min. Roberto Barroso, j. 01.09.2018.

- Sobre o argumento do caráter não vinculante da decisão do Comitê:


- O Comitê não é um órgão administrativo. No máximo ou na pior das hipóteses, um
órgão quase-judicial.
- As decisões do Comitê não são meras recomendações e possuem, sim, natureza
vinculante.
- O Comitê de Direitos Humanos já afirmou que “Ainda que a função desempenhada
pelo Comitê de Direitos Humanos, ao examinar as petições individuais, não seja, em si
mesma, a de um órgão judicial, os pronunciamentos emitidos pelo Comitê (...)
apresentam algumas das principais características de uma decisão judicial. (...) O
caráter dos pronunciamentos do Comitê emana também da obrigação dos Estados
partes de atuar de boa-fé” (Comentário Geral no 33).
- Sobre o argumento da ausência de internalização:
- Ainda predomina o entendimento no STF de que, para um tratado entrar em vigor na
ordem jurídica interna, ele precisa passar por quatro fases: 1) assinatura; 2) aprovação
pelo Congresso Nacional; 3) ratificação; e 4) decreto de promulgação. Neste sentido:
AgR na CR 8.279, j. 17.06.2998; e MC na ADI 1.480, j. 04.09.1997.
- O Brasil realmente ainda não internalizou o protocolo facultativo ao PIDCP, que
confere competência ao Comitê de Direitos Humanos para examinar petições
individuais.
- No nosso livro Jurisprudência Internacional de Direitos Humanos, eu e Thim
afirmamos o seguinte: “No entanto, entendemos ser perfeitamente possível
realizarmos uma espécie de distinguishing nesta matéria para estabelecer o seguinte:
1) tratados que criam obrigações de respeitar e proteger direitos humanos, para
entrarem em vigor na ordem jurídica nacional, precisam passar também pela fase do
decreto de promulgação; e 2) tratados que apenas estabelecem mecanismos de
proteção, sem criar novas obrigações de respeitar e proteger direitos humanos, entram
em vigor, internacional e nacionalmente, com a sua ratificação, sendo desnecessário o
decreto de promulgação”.
- Para ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS, “Esses argumentos do voto vencedor (Relator)
mostram a resistência à interpretação internacionalista: não cabe ao Estado julgar a
sua própria conduta e afirmar, para não cumprir decisão internacional, que considera
sua conduta compatível com a proteção de direitos humanos. (...) Cria-se, assim, um
‘Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos nacional’, o que torna inútil,
obviamente, a internacionalização da temática. Essa conduta dos Estados consiste em
clara violação do tratado, ao qual eles voluntariamente aderiram”.

- Em março de 2022, o Comitê de Direitos Humanos julgou o caso no mérito:


- O Comitê de DH da ONU condenou o Brasil.
- O Comitê reconheceu que o Estado brasileiro violou:
1) o direito à liberdade de locomoção ao conduzir Lula coercitivamente para
interrogatório, 2) o direito à privacidade pela divulgação das interceptações
telefônicas (em diálogo jurisprudencial com a Corte IDH – Caso Escher vs.
Brasil), 3) o direito a um julgamento imparcial a partir de sete fatos
reconhecidos pelo STF sobre a parcialidade do juiz Moro, 4) o direito à
presunção de inocência pelas declarações do MP quando da apresentação da
denúncia em um coletiva de imprensa e 5) os direitos políticos pela
impossibilidade de ter participado das eleições presidenciais de 2018.

- Para o Comitê, “(...) o Estado Partes tem a obrigação de fornecer ao autor um recurso
efetivo. Isso requer que a reparação total seja feita aos indivíduos cujos direitos do
Pacto foram violados. Assim, o Estado Parte é obrigado, entre outras coisas, a
assegurar que o processo penal contra o autor cumpra todas as garantias do devido
processo previstas no artigo 14 do Pacto. O Estado Parte também tem a obrigação de
adotar todas as medidas necessárias para evitar que violações semelhantes ocorram
no futuro. (...) o Comitê deseja receber do Estado Parte, no prazo de 180 dias,
informações sobre as medidas adotadas para efetivar as opiniões do Comitê”.

5. Caso Davi Fiúza

- MECANISMO DAS AÇÕES URGENTES: mecanismo convencional previsto na


Convenção da ONU sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas, consistindo num
pedido de busca e localização de uma pessoa desaparecida, em pedido de urgência,
que pode ser apresentado por familiares, representantes legais ou qualquer pessoa
detentora de interesse legítimo.
- Previsto no art. 30 da referida Convenção, este mecanismo não depende de aceitação
específica do Estado, bastando a ratificação do tratado.
- O Comitê recebe o pedido e solicita informações ao Estado, fazendo depois
observações e comentários.
- Davi Fiúza desapareceu em 2014, quando tinha 14 anos, após uma abordagem
policial em Salvador.
- Em 2018, foram indiciados dois tenentes, dois sargentos e 13 alunos do curso de
formação da PM/BA pelo desaparecimento, morte e ocultação do cadáver do
adolescente.
- O MP não identificou provas de homicídio e o caso foi para a Justiça Militar.
- Em 2014, ano do desaparecimento, foi apresentado ao Comitê um pedido de ação
urgente.
- O Comitê, em observações sobre o caso, afirmou não estar satisfeito com a atuação
das autoridades brasileiras na apuração do caso.
- O Brasil, além de ser parte da Convenção da ONU sobre o Desaparecimento Forçado,
também ratificou a Convenção da OEA sobre o assunto, cujo art. 9o assim estabelece:
“Os suspeitos de atos constitutivos do delito do desaparecimento forçado de pessoas
só poderão ser julgados pelas jurisdições de direito comum competentes, em cada
Estado, com exclusão de qualquer outra jurisdição especial, particularmente a militar”.
6. Jurisprudência extraconvencional

- Não encontrei a base de jurisprudência do Conselho de Direitos Humanos no


procedimento de petições individuais, dos procedimentos público e privado, para
verificar se há casos contra o Brasil. Por isso, vamos verificar apenas quais foram as
recomendações recebidas pelo Brasil nos três ciclos de revisão periódica universal
(RPU) dos quais o país participou.
- O Brasil foi examinado em 2008 no primeiro ciclo (2008-2011), em 2012 no segundo
ciclo (2012-2016) e em 2017 no terceiro ciclo (2017-2022).
- Destaques do PRIMEIRO CICLO – 2008 (foram 15 recomendações e o Brasil aceitou
todas): 1) incrementar as iniciativas para velar pela segurança dos defensores dos
direitos humanos e reforçar a cooperação com todos os interessados, em particular
com os Estados e com a Polícia Militar (Bélgica); 2) criar uma instituição nacional
conforme os Princípios de Paris (México); e 3) adotar medidas para melhorar as
condições nas prisões e seguir as recomendações formuladas pelo Comitê contra a
Tortura e o Comitê de Direitos Humanos (Alemanha).
- Destaques do SEGUNDO CICLO – 2012 (foram 170 recomendações e o Brasil aceitou
159 na íntegra, 10 parcialmente e recusou apenas 1 por considerar incompatível com o
ordenamento interno): 1) Santa Sé recomendou “Proteger a família natural e o
casamento, formado por um marido e uma mulher, como célula base da sociedade,
tendo em vista que essa união permite as melhores condições para a criação dos
filhos”.
- O Brasil expressou concordância parcial, afirmando que as instituições brasileiras
reconhecem que outros modelos de família também têm direito à proteção, como as
mulheres que criam sozinhas seus filhos; 2) Portugal recomendou ratificar o mais
rápido possível o protocolo facultativo ao PIDESC; 3) Dinamarca recomendou
“Trabalhar para acabar com o sistema separado da polícia militar através da
implementação de medidas mais eficazes para vincular o financiamento estatal ao
cumprimento das medidas destinadas a reduzir a incidência de execuções extrajudiciais
pela polícia”. Brasil recusou; 4) Ainda no segundo ciclo, a Holanda recomendou
aumentar o número total de defensores públicos e assegurar uma presença constante
da Defensoria Pública em todas as instituições de detenção. 5) E o Canadá recomendou
garantir a disponibilidade de defensores públicos em todos os locais de detenção a fim
de reforçar as garantias do devido processo legal.
- Destaques do TERCEIRO CICLO – 2017 (foram 246 recomendações e o Brasil rejeitou
apenas 4, tendo feito, ainda, algumas considerações sobre algumas recomendações
que aceitou): o Brasil recusou as recomendações para 1) Selecionar candidatos
nacionais para as eleições dos órgãos de tratado das Nações Unidas por meio de um
processo aberto, baseado no mérito (Reino Unido); 2) Continuar a proteger a família e
o casamento, formados por um marido e uma esposa, como a unidade fundamental da
sociedade, bem como os nascituros (Santa Sé); 3) Restaurar a democracia e o Estado de
Direito, indispensáveis para o pleno gozo dos direitos humanos, que foram violados
pelo golpe de Estado parlamentar contra a Presidenta Dilma (Venezuela); e 4) Barrar os
planos de congelamento de despesas sociais nos próximos 20 anos, que são
inconsistentes com as obrigações internacionais do país, que possui mais de 16 milhões
de pessoas em extrema pobreza (Venezuela).
- Entre outras, o Brasil aceitou as recomendações para 1) Ratificar as emendas de
Kampala ao Estatuto de Roma; 2) Várias recomendações para transformar o CNDH
conforme os Princípios de Paris; 3) Desenvolver um plano de ação nacional sobre
empresas e direitos humanos; 4) Assegurar que a Lei Antiterrorista combata apenas
grupos terroristas e não englobe defensores de direitos humanos; e 5) Desenvolver
programas de audiência de custódia para atender todos os presos provisórios.

AULA 33 – MULHERES
1. Normativa dos sistemas interamericano e global

- SISTEMA GLOBAL: Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de


Discriminação contra a Mulher (1979) e seu Protocolo Facultativo (1999) sobre
ampliação dos mecanismos convencionais, como, p. ex., o mecanismo de petições
individuais.
O Brasil internalizou tanto a Convenção (Decreto no 4.377/2002) quanto o Protocolo
Facultativo (Decreto no 4.316/2002). Podemos citar, ainda, a Declaração e Plataforma
de Ação da IV Conferência Mundial sobre a Mulher de 1995 (soft law).
- SISTEMA INTERAMERICANO: Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência contra a Mulher (1994), também conhecida como Convenção de
Belém do Pará. Internalizada pelo Decreto no 1.973/1996.
2. Órgãos específicos de proteção internacional

- SISTEMA INTERAMERICANO: Relatoria sobre os Direitos das Mulheres e a Comissão


Interamericana de Mulheres (criada em 1928, depois se tornou um organismo
especializado da OEA), que tem como missão, de acordo com o seu Estatuto, “como
foro político hemisférico para os direitos das mulheres e a igualdade de gênero, apoiar
os Estados Membros da Organização em seus esforços para cumprir com seus
respectivos compromissos adquiridos a nível internacional e interamericano em
matéria de direitos humanos das mulheres e equidade e igualdade de gênero, para que
estes se convertam em políticas públicas efetivas, contribuindo para a plena e
igualitária participação das mulheres nos âmbitos civil, político, econômico, social e
cultural”.
- SISTEMA GLOBAL: Comitê para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher, criado
pela respectiva Convenção temática, e a ONU Mulheres, criada em 2010.
3. Destaques da normativa internacional

- ABRANGÊNCIA: diferentemente da Lei Maria da Penha, que trata apenas de violência


doméstica, a Convenção da OEA trata da violência num sentido mais amplo e a
Convenção da ONU trata de “todas as formas de discriminação contra a mulher”.
- MANDADO INTERNACIONAL DE CRIMINALIZAÇÃO: ambas as Convenções (da OEA e
da ONU) veiculam a obrigação dos Estados de punir a violência contra a mulher.
- INTERSECCIONALIDADE: o art. 9o da Convenção da OEA estabelece que os Estados
partes devem levar em consideração a multiplicidade de fatores de vulnerabilidade
(como raça, origem étnica ou condição de migrante) na adoção de medidas de
proteção.
- LEGITIMIDADE PARA PEDIR OPINIÃO CONSULTIVA: o art. 11 da Convenção da OEA
confere à Comissão Interamericana de Mulheres legitimidade para pedir OC à Corte
IDH para interpretação desta Convenção.
- MONITORAMENTO NO SISTEMA INTERAMERICANO: petição para a CIDH (Convenção
de Belém do Pará, art. 12) e possibilidade de encaminhamento do caso à Corte IDH.
- CONCEITO DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER DE ACORDO COM A
CONVENÇÃO DA ONU (art. 1o): “toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no
sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo
ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na
igualdade do homem, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos
político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo”.
- COMBATE À VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA NO ART. 12.2 DA CONVENÇÃO DA ONU: “(...) os
Estados-partes garantirão à mulher assistência apropriada em relação à gravidez, ao
parto e ao período posterior ao parto, proporcionando assistência gratuita quando
assim for necessário, e lhe assegurarão uma nutrição adequada durante a gravidez e a
lactância”.
- PROBLEMAS ESPECÍFICOS ENFRENTADOS PELA MULHER RURAL: Convenção da ONU,
art. 14.
4. Destaques da jurisprudência internacional

- LEGÍTIMA DEFESA DA HONRA: a CIDH já se manifestou em relação ao contexto


brasileiro, apontando que “Em algumas áreas do país, o uso da ‘defesa da honra’
persiste e, em algumas áreas, a conduta da vítima continua a ser um ponto central no
processo judicial de um delito sexual. Em vez de centrarem na existência dos
elementos jurídicos do delito, as práticas de alguns advogados defensores – toleradas
por alguns tribunais – têm o efeito de requerer que a mulher demonstre a santidade de
sua reputação e sua inculpabilidade moral a fim de poder utilizar os meios judiciais à
sua disposição. As iniciativas tomadas tanto pelo setor público como pelo setor privado
para fazer frente à violência contra a mulher começaram a combater o silêncio que
tradicionalmente a tem ocultado, mas ainda têm de superar as barreiras sociais,
jurídicas e de outra natureza que contribuem para a impunidade em que amiúde
enlanguescem” (CIDH, relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil,
1997). O STF, em ADPF, acatou o entendimento da CIDH e proibiu a invocação da
legítima defesa da honra.
- CONDENAÇÕES DO BRASIL NO SISTEMA INTERAMERICANO sobre violência contra a
mulher: Caso Maria da Penha (CIDH) e Caso Barbosa (Corte IDH).
- Principais parâmetros que os Estados devem adotar na investigação de violência
sexual contra a mulher:
1) a declaração da vítima deve se realizar num ambiente cômodo e seguro, que lhe
ofereça privacidade e confiança; 2) a declaração da vítima deve ser registrada de forma
tal que se evite ou se limite a necessidade de sua repetição; 3) se ofereça atenção
médica, sanitária e psicológica à vítima, tanto de emergência como de forma
continuada se assim requer, mediante um protocolo de atenção cujo objetivo seja
reduzir as consequências da violação; 4) se realize imediatamente um exame médico e
psicológico completo e detalhado por pessoal idôneo e capacitado, se possível do sexo
que a vítima indique, oferecendo-lhe que seja acompanhada por alguém de sua
confiança se assim desejar; 5) se documentem e coordenem os atos investigativos e se
maneje diligentemente a prova, tomando amostras suficientes, realizando estudos
para determinar a possível autoria do fato, assegurando outras provas como roupa da
vítima, investigando de forma imediata o lugar dos fatos e garantindo a correta cadeia
de custódia; e 6) se ofereça acesso à assistência jurídica gratuita durante todas as
etapas do processo (Caso Fernández Ortega e outros vs. Médico, Corte IDH).
- PERSPECTIVA DE GÊNERO NA INVESTIGAÇÃO: para a Corte IDH, em crimes violentos
contra mulheres a investigação deve se iniciar com uma perspectiva de gênero, isto é,
deve adotar uma linha investigativa para apurar as possíveis consequências do
machismo estrutural e da vulnerabilidade da mulher, contribuindo, assim, para o êxito
da determinação da autoria do fato e principalmente para a qualificação jurídico-penal
da conduta. A Corte IDH abordou esse assunto, p. ex., no Caso Veliz Franco e outros vs.
Guatemala.
- Caso González e outros (“Campo Algodoeiro”) vs. México: primeira vez em que um
tribunal internacional de direitos humanos reconheceu a existência de feminicídio
como um crime específico, tratando-se da conduta de matar alguém dirigida à mulher
pela sua própria condição de mulher, no que veicula, portanto, uma violência de
gênero.
- PALAVRA DA VÍTIMA EM CRIMES COM VIOLÊNCIA SEXUAL: a Corte IDH considera
uma prova fundamental sobre o fato, possuindo, então, um peso diferenciado para a
formação da culpa do réu. Neste sentido, p. ex., o Caso Espinoza González vs. Peru.
- VIOLÊNCIA SEXUAL COMO ATO DE TORTURA: não foi reconhecido no Caso Campo
Algodoeiro, mas sim depois, em diversos casos, como o Caso Presídio Miguel Castro
Castro vs. Peru e o Caso Favela Nova Brasília vs. Brasil.
- CRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO: o DIDH não incentiva a criminalização do aborto. Pelo
contrário, há jurisprudência dos sistemas interamericano e global no sentido da
descriminalização.
o Corte IDH, Caso B. vs. El Salvador (feto anencéfalo e aborto para proteger
também a vida da gestante).
o CIDH, Caso Baby Boy vs. EUA (a DADDH não adotou uma redação clara – “em
geral a vida é protegida desde o momento da concepção”).
o Corte IDH, Caso Artavia Murillo vs. Costa Rica (a CADH também não adotou
uma redação clara – “em geral a vida é protegida desde o momento da
concepção”.
o Além disso, há posicionamentos dos comitês – órgãos de tratado – do sistema
global pela descriminalização do aborto.

AULA 34 – PESSOAS NEGRAS


1. Normativa dos sistemas interamericano e global

- SISTEMA INTERAMERICANO: Convenção Interamericana contra o Racismo, a


Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, adotada em 2013 (Brasil
internalizou em 2022 pelo Decreto no 10.932).  status de Emenda Constitucional.
- SISTEMA GLOBAL: Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de
Discriminação Racial, adotada em 1969 (Brasil internalizou em 1969 pelo Decreto no
65.810); Declaração e Programa de Ação de Durban, adotada em 2001.
2. Órgãos específicos de proteção internacional

- SISTEMA INTERAMERICANO: CIDH, Corte IDH e Comitê Interamericano para


Prevenção e Eliminação do Racismo, Discriminação Racial e todas as Formas de
Discriminação e Intolerância [vinculado à Convenção Interamericana contra o Racismo,
a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância].
o Há, no sistema interamericano, no âmbito da CIDH, a Relatoria dos Direitos das
Pessoas Afrodescendentes e contra a Discriminação Racial.
- SISTEMA GLOBAL: Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial.
3. Destaques da normativa internacional

A respeito da Convenção da ONU:


- PREÂMBULO da Convenção da ONU: “Convencidos de que qualquer doutrina
baseada em diferenças raciais é cientificamente falsa, moralmente condenável,
socialmente injusta e perigosa, em que, não existe justificação para a discriminação
racial, em teoria ou na prática, em lugar algum”.
- CONCEITO DE DISCRIMINAÇÃO RACIAL (art. 1.1): “qualquer distinção, exclusão,
restrição ou preferência baseadas em raça, cor, descendência ou origem nacional ou
étnica que tem por objetivo ou efeito anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou
exercício num mesmo plano, em igualdade de condição, de direitos humanos e
liberdades fundamentais no domínio político, econômico, social, cultural ou em
qualquer outro domínio de vida pública”.
- CONVENCIONALIDADE DAS AÇÕES AFIRMATIVAS (art. 1.4): “Não serão consideradas
discriminação racial as medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar
progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que
necessitem da proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos ou
indivíduos gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais, contando
que, tais medidas não conduzam, em consequência, à manutenção de direitos
separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem alcançados os
seus objetivos”.
- MANDADO INTERNACIONAL DE CRIMINALIZAÇÃO (art. 4.a): os Estados partes se
comprometem a declarar puníveis lei qualquer ato de discriminação racial.
- CRIAÇÃO DO RESPECTIVO ÓRGÃO CONVENCIONAL (art. 8o): Comitê para a
Eliminação da Discriminação Racial, composto por 18 membros. Lembrando: os órgãos
de tratado não constituem um grande tribunal internacional de direitos humanos. São
“órgãos quase judiciais”. Compostos por especialistas independentes, que exercem
suas funções a título pessoal e não como representantes dos Estados (os membros da
CIDH também).
- MECANISMOS CONVENCIONAIS DE PROTEÇÃO: relatórios periódicos, petições
interestatais (não depende de aceitação adicional! – a Convenção Internacional sobre a
Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial é o único tratado internacional
de direitos humanos [tanto no sistema onusiano quanto interamericano] que não exige
manifestação expressa e adicional dos Estados para tramitar petições interestatais) e
petições individuais (precisa de aceitação adicional e o Brasil já aceitou e internalizou
pelo Decreto no 4.738/2003).

A respeito da Convenção da OEA:


- PREÂMBULO: “Conscientes de que o fenômeno do racismo demonstra uma
capacidade dinâmica de renovação que lhe permite assumir novas formas pelas quais
se dissemina e se expressa política, social, cultural e linguisticamente”.
- CONCEITO DE DISCRIMINAÇÃO RACIAL: “é qualquer distinção, exclusão, restrição ou
preferência, em qualquer área da vida pública ou privada, cujo propósito ou efeito seja
anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em condições de igualdade,
de um ou mais direitos humanos e liberdades fundamentais consagrados nos
instrumentos internacionais aplicáveis aos Estados Partes. A discriminação racial pode
basear-se em raça, cor, ascendência ou origem nacional ou étnica”.
- DISCRIMINAÇÃO RACIAL INDIRETA: “é aquela que ocorre, em qualquer esfera da vida
pública ou privada, quando um dispositivo, prática ou critério aparentemente neutro
tem a capacidade de acarretar uma desvantagem particular para pessoas pertencentes
a um grupo específico, com base nas razões estabelecidas no artigo 1.1, ou as coloca
em desvantagem, a menos que esse dispositivo, prática ou critério tenha um objetivo
ou justificativa razoável e legítima à luz do Direito Internacional dos Direitos Humanos”.
- DISCRIMINAÇÃO MÚLTIPLA OU AGRAVADA: “é qualquer preferência, distinção,
exclusão ou restrição baseada, de modo concomitante, em dois ou mais critérios
dispostos no artigo 1.1, ou outros reconhecidos em instrumentos internacionais, cujo
objetivo ou resultado seja anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em
condições de igualdade, de um ou mais direitos humanos e liberdades fundamentais
consagrados nos instrumentos internacionais aplicáveis aos Estados Partes, em
qualquer área da vida pública ou privada”.
- RACISMO: “consiste em qualquer teoria, doutrina, ideologia ou conjunto de ideias
que enunciam um vínculo causal entre as características fenotípicas ou genotípicas de
indivíduos ou grupos e seus traços intelectuais, culturais e de personalidade, inclusive
o falso conceito de superioridade racial. O racismo ocasiona desigualdades raciais e a
noção de que as relações discriminatórias entre grupos são moral e cientificamente
justificadas. Toda teoria, doutrina, ideologia e conjunto de ideias racistas descritas
neste Artigo são cientificamente falsas, moralmente censuráveis, socialmente injustas e
contrárias aos princípios fundamentais do Direito Internacional e, portanto, perturbam
gravemente a paz e a segurança internacional, sendo, dessa maneira, condenadas
pelos Estados Partes”.
- AÇÕES AFIRMATIVAS NÃO CONSTITUEM DISCRIMINAÇÃO RACIAL (ART. 1.5).
- INTOLERÂNCIA: “é um ato ou conjunto de atos ou manifestações que denotam
desrespeito, rejeição ou desprezo à dignidade, características, convicções ou opiniões
de pessoas serem diferentes ou contrárias. Pode manifestar-se como a marginalização
e a exclusão de grupos em condições de vulnerabilidade da participação em qualquer
esfera da vida pública ou privada como violência contra esses grupos”.
- AÇÕES AFIRMATIVAS NOS SISTEMAS POLÍTICOS E JURÍDICOS (art. 9º): “Os Estados
Partes comprometem-se a garantir que seus sistemas políticos e jurídicos reflitam
adequadamente a diversidade de suas sociedades, a fim de atender às necessidades
legítimas de todos os setores da população, de acordo com o alcance desta
Convenção”.
- MECANISMO DE PETIÇÃO INDIVIDUAL PARA A CIDH: qualquer pessoa, grupo de
pessoas ou entidade não governamental juridicamente reconhecida em um ou mais
Estados membros da OEA (art. 15.i). Disposição idêntica à da CADH.
- MECANISMO DE PETIÇÃO INTERESTATAL PARA A CIDH: depende de aceitação
adicional pelo Estado (art. 15.i). Disposição idêntica à da CADH.
- COMPETÊNCIA DA CORTE IDH: depende de aceitação adicional pelo Estado (art.
15.iii). Brasil ainda não aceitou. O Brasil ainda não aceitou essa competência.
- CRIAÇÃO DE MAIS UM ÓRGÃO CONVENCIONAL (art. 15.iv): será criado um Comitê
Interamericano para a Prevenção e Eliminação do Racismo, Discriminação Racial e
Todas as Formas de Discriminação e Intolerância, composto por um perito nomeado
por cada Estado Parte, que exercerá suas funções de forma independente e cuja tarefa
será monitorar os compromissos assumidos pelo Estado. O Comitê também possui
competência para receber e examinar relatórios periódicos.
- Admite-se reservas (art. 19).
- Admite-se denúncia (art. 21).
- Instituição nacional: de acordo com o art. 13 da Convenção, “Os Estados Partes
comprometem-se a estabelecer ou designar, de acordo com sua legislação interna,
uma instituição nacional que será responsável por monitorar o cumprimento desta
Convenção, devendo informar essa instituição à Secretaria-Geral da OEA”. Em
20.01.2022, o Brasil informou que a instituição nacional será o Ministério da Mulher, da
Família e dos Direitos Humanos (MMFDH). O México informou como instituição
nacional o Conselho Nacional para Prevenir a Discriminação.
4. Destaques da jurisprudência internacional

- CIDH, Caso Wallace de Almeida vs. Brasil (2009): assassinato de jovem negro pela
PMRJ. Considerações importantes sobre violência policial e raça e também sobre
impunidade e violência policial.
- CIDH, Caso Simone André Diniz vs. Brasil: racismo em seleção para vaga de emprego
em ambiente doméstico. Responsabilização do Brasil pela prática do racismo
institucional.
- Corte IDH, Caso Martínez e outros vs. Argentina (2020): “No caso concreto, os
agentes policiais justificaram a detenção do senhor Acosta Martínez em seu suposto
estado de embriaguez. Desta forma, ao utilizar uma normativa tão ampla como os
decretos contra a embriaguez, em realidade se encobriu a utilização de um perfil racial
como motivo principal para sua detenção e, por isso, a privação de liberdade foi
manifestamente arbitrária”. De acordo com o Programa de Ação de Durban (2001), os
perfis raciais consistem “na prática dos agentes de polícia e outros funcionários
encarregados de fazer cumprir a lei de basear- se, em menor ou maior grau, na raça,
cor, ascendência ou origem nacional ou étnica como motivo para submeter as pessoas
a atividades de investigação ou para determinar se uma pessoa realiza atividades
delitivas”.
- Caso Neusa dos Santos Nascimento e Gisele Ana Ferreira (ingressou na Corte IDH em
agosto de 2021: o caso diz respeito à discriminação racial no âmbito do trabalho
sofrida por Neusa dos Santos Nascimento e Gisele Ana Ferreira em 1998, bem como à
situação de impunidade por esses atos. Após um anúncio publicado no jornal Folha de
São Paulo sobre uma vaga na empresa Nipomed, as vítimas, ambas afrodescendentes,
se apresentaram na empresa manifestando interesse no cargo. A pessoa que as
atendeu informou-lhes que as vagas já haviam sido preenchidas. Horas depois, uma
mulher branca esteve na mesma empresa expressando interesse na vaga anunciada e
foi recebida pela mesma pessoa, que a contratou imediatamente. Houve um processo
por discriminação racial, com absolvição do réu. Em recurso, a condenação foi mantida,
mas declarada a extinção da punibilidade pela prescrição. Em recurso do MP, foi
acolhida a tese da imprescritibilidade do racismo, com a imposição do cumprimento da
pena em regime aberto. Um recurso da defesa ainda estava pendente de exame. Uma
ação cível de reparação proposta pela vítima foi rejeitada.

AULA 35 – CRIANÇAS
1. Normativa dos sistemas interamericano e global

- SISTEMA INTERAMERICANO: não há um tratado específico.


- SISTEMA GLOBAL: Convenção sobre os Direitos da Criança, internalizada em 1990
pelo Decreto no 99.710. Esta Convenção conta com três protocolos facultativos, sendo
o primeiro relativo ao envolvimento de crianças em conflitos armados (internalizado
pelo Decreto no 5.006/2004), o segundo relativo à venda de crianças, prostituição
infantil e pornografia infantil (internalizado pelo Decreto no 5.007/2004) e o terceiro
relativo à ampliação de mecanismos convencionais para o Comitê sobre os Direitos da
Criança (o Brasil ratificou em 2017, mas ainda não internalizou).
Envolvimento de crianças em conflitos internalizado pelo Decreto no
armados 5.006/2004
Venda de crianças, prostituição infantil e internalizado pelo Decreto no
pornografia infantil 5.007/2004
Ampliação de mecanismos convencionais o Brasil ratificou em 2017, mas ainda
para o Comitê sobre os Direitos da não internalizou
Criança

- Temos ainda, no sistema global, os documentos soft law Regras Mínimas das Nações
Unidas para a Administração da Justiça, da Infância e da Juventude – Regras de Beijing
e as Diretrizes das Nações Unidas para Prevenção da Delinquência Juvenil – Diretrizes
de Riad.
2. Órgãos específicos de proteção internacional

- SISTEMA INTERAMERICANO: CIDH e Corte IDH. Há, no sistema interamericano, no


âmbito da CIDH, a Relatoria sobre os Direitos da Infância.
- SISTEMA GLOBAL: Comitê para os Direitos da Criança.
3. Destaques da normativa internacional

A respeito da Convenção da ONU:

- Conceito de criança (art. 1o): “Para efeitos da presente Convenção considera-se


criança todo ser humano com menos de dezoito anos de idade, a não ser que, em
conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes”.
- Liberdade de associação e direito de reunião (art. 15.1): “Os Estados Partes
reconhecem os direitos da criança à liberdade de associação e à liberdade de realizar
reuniões pacíficas”.
- Direito à educação (art. 28): o ensino primário deve ser obrigatório e gratuito para
todos.
- Ensino de direitos humanos (art. 29.1.b.d): “imbuir na criança o respeito aos direitos
humanos e às liberdades fundamentais, bem como aos princípios consagrados na Carta
das Nações Unidas”; “preparar a criança para assumir uma vida responsável numa
sociedade livre, com espírito de compreensão, paz, tolerância, igualdade de sexos e
amizade entre todos os povos, grupos étnicos, nacionais e religiosos e pessoas de
origem indígena”.
- Idade mínima para trabalhar (art. 32.2): Estados devem estabelecer.
- Excepcionalidade da prisão (art. 37.b): em conformidade com a lei e apenas como
último recurso, e durante o mais breve período de tempo que for apropriado.
- Serviço às forças armadas (art. 38.3): os Estados devem abster-se de recrutar pessoas
menores de 15 anos de idade para servirem em suas forças armadas e caso recrutem
maiores de 15 anos e menores de 18 anos de idade, devem procurar dar prioridade aos
de mais idade.
o Atenção! O protocolo facultativo relativo ao envolvimento de crianças em
conflitos armados eleva essa idade de 15 para no mínimo 18 anos, salvo no
caso em que o recrutamento seja voluntário, com o consentimento informado
dos pais, com informação devida aos menores sobre as responsabilidades
envolvidas no serviço militar e, ainda, seja comprovada a idade.
- Garantias do processo penal juvenil: ler art. 40.
- Criação do Comitê para os Direitos da Criança, formado por 10 especialistas.
- Mecanismos convencionais: relatórios periódicos (texto base da Convenção). E de
acordo com o terceiro protocolo facultativo – que o Brasil ratificou –, tem-se ainda as
petições individuais, as petições interestatais (necessitam de declaração adicional de
aceitação) e o procedimento de inquérito.
- Medidas provisórias: previstas no art. 6o do terceiro protocolo facultativo.
- Diferença com o sistema interamericano: têm legitimidade para apresentar petição
individual a vítima e terceiros. Se a petição individual for apresentada por terceiro,
deve contar com o consentimento da vítima, salvo hipótese excepcional.
o SISTEMA INTERAMERICANO: De outro lado, no sistema interamericano, se
assegura uma ampla legitimidade ativa. Qualquer grupo de pessoas ou
entidade não governamental inscrita e reconhecida juridicamente em um ou
mais Estados americanos tem legitimidade ativa.
- Crianças indígenas: de acordo com o art. 30 da Convenção da ONU sobre Direitos da
Criança, devem viver de acordo com a sua própria cultura, sua própria religião e seu
próprio idioma.
A respeito das Regras de Beijing:

- Jovem é toda criança ou adolescente que, de acordo com o sistema jurídico


respectivo, pode responder por uma infração de forma diferente do adulto.
- Os Estados devem adotar um sistema normativo autônomo para a justiça criminal
juvenil.
- Estabelece garantias processuais no contexto do processo penal juvenil.
- Previsão de possibilidade de remissão, sem, portanto, processar integralmente o ato
infracional.
- Excepcionalidade da prisão preventiva.
- Proibição absoluta da pena de morte e de penas corporais.
- Item 21.2: “os registros dos jovens infratores não serão utilizados em processos de
adultos em casos subsequentes que envolvam o mesmo infrator”.
A respeito das Diretrizes de Riad:
- Item I.4.e): “reconhecimento do fato de que o comportamento dos jovens que não se
ajustam aos valores e normas gerais da sociedade são, com frequência, parte do
processo de amadurecimento e que tendem a desaparecer, espontaneamente, na
maioria das pessoas, quando chegam à maturidade”.
- Item I.4.f): “consciência de que, segundo a opinião dominante dos especialistas,
classificar um jovem de ‘extraviado’, ‘delinquente’ ou ‘pré-delinquente’ geralmente
favorece o desenvolvimento de pautas permanentes de comportamento indesejado”.
- Item I.5: “devem ser desenvolvidos serviços e programas com base na comunidade
para a prevenção da delinquência juvenil. Só em último caso recorrer-se-á a
organismos mais formais de controle social”.
4. Destaques da jurisprudência internacional

- CRIANÇAS COMO VÍTIMAS: o Caso dos “Meninos de Rua” (Villagrán Morales e


outros vs. Guatemala), da Corte IDH, merece ser lembrado. A Corte IDH reconheceu, a
partir do art. 19 da Convenção da ONU sobre Direitos da Criança, uma dupla violação, e
isso porque o Estado, além de não evitar que as crianças fiquem em situação de rua,
ainda atenta contra sua integridade física, psíquica e moral.
- CRIANÇAS COMO VÍTIMAS (2): o Caso “Instituto Reeducação do Menor” vs.
Paraguai, da Corte IDH, também merece ser lembrado. Violação de direitos humanos
de crianças privadas de liberdade. Sobre o assunto, importante lembrar também das
medidas provisórias da Corte IDH no Caso das Crianças e Adolescentes Privadas de
Liberdade no Complexo do Tatuapé da FEBEM a respeito do Brasil.
- ENFOQUE INTERSECCIONAL: no Caso V.R.P., V.P.C. e outros vs. Nicarágua, a Corte
IDH adotou um enfoque interseccional porque uma das vítimas – de violência sexual –
era criança e mulher.
- Opinião Consultiva no 17/2002: sobre condição jurídica e direitos humanos da
criança. - Opinião Consultiva no 21/2014: sobre direitos e garantias de crianças no
contexto da migração e/ou necessidade de proteção internacional.
- Princípios reitores: no Caso Ramírez Escobar e outros vs. Guatemala, de 2018, a
Corte IDH reiterou sobre o respeito aos princípios a) da não discriminação, b) do
interesse superior da criança, c) do direito de ser ouvido e de participar e d) do direito
à vida, à sobrevivência e ao desenvolvimento.
- CONCEITO DE INTERESSE SUPERIOR: em diálogo com o Comitê de Direitos da Criança
da ONU (Comentário Geral no 14), a Corte IDH ressaltou que o conceito de interesse
superior da criança é garantir o desfrute pleno e efetivo de todos os direitos
reconhecidos na Convenção dos Direitos da Criança.
- E recordou que se trata de um conceito triplo: a) um direito substantivo, no sentido
de que a criança tem o direito a que seu interesse superior seja uma consideração
primordial que se deve colocar em prática quando se adote uma decisão que afete
uma criança; b) um princípio jurídico interpretativo fundamental, de modo que as
normas sejam interpretadas de forma que satisfaça o interesse superior da criança; e c)
uma norma de procedimento, que requer que sempre que se adote uma decisão que
afete crianças sejam levadas em conta as repercussões que podem ter sobre eles.
- DIREITO AO NOME E À IDENTIDADE DE GÊNERO: a Corte IDH afirmou, na Opinião
Consultiva no 24/2017, que menores de 18 anos podem buscar o procedimento de
alteração do documento de identidade para que fique compatível com a identidade de
gênero autopercebida, conforme sua autonomia progressiva da criança.
- TRABALHO INFANTIL: Brasil condenado duas vezes (Caso Trabalhadores da Fazenda
Brasil Verde e Caso dos Empregados da Fábrica de Fogos de Santo Antônio de Jesus e
seus familiares).

AULA 36 – PESSOAS IDOSAS


1. Normativa dos sistemas interamericano e global

- SISTEMA INTERAMERICANO: Convenção Interamericana sobre a Proteção dos


Direitos Humanos das Pessoas Idosas, adotada em 2015.
o O Brasil somente assinou em 2015 – ou seja, não completou o procedimento de
incorporação deste tratado à ordem jurídica interna, de modo que as
disposições deste tratado temático do sistema interamericano a respeito das
pessoas idosas ainda não estão em vigor no Brasil.
- SISTEMA GLOBAL: não há um tratado específico. Há alguns documentos soft law,
como os Princípios das Nações Unidas a favor das Pessoas Idosas (1991).
2. Órgãos específicos de proteção internacional

- SISTEMA INTERAMERICANO: CIDH, Corte IDH e Comitê de Especialistas. Há, no


sistema interamericano, no âmbito da CIDH, a Relatoria sobre os Direitos das Pessoas
Idosas.
- SISTEMA GLOBAL: não há um órgão convencional específico.
3. Destaques da normativa internacional

A respeito da Convenção da OEA:


- CONCEITO DE DISCRIMINAÇÃO POR IDADE NA VELHICE (art. 2o): qualquer distinção,
exclusão ou restrição baseada na idade que tenha como objetivo ou efeito anular ou
restringir o reconhecimento, gozo ou exercício em igualdade de condições dos direitos
humanos e liberdades fundamentais na esfera política, econômica, social, cultural ou
em qualquer outra esfera da vida pública e privada.
- PESSOA IDOSA: aquela de 60 anos ou mais, salvo se a lei interna determine uma
idade base menor ou maior, sempre que esta não seja superior aos 65 anos.
o Se uma normativa interna considerar pessoa idosa somente aquela com mais
de 66 anos, será inconvencional.
- Direito a receber consentimento livre e informado no âmbito da saúde (art. 11).
- MEIOS DE PROTEÇÃO: estabelecimento de um Mecanismo de Seguimento integrado
por uma Conferência de Estados Partes e um Comitê de Especialistas. O Comitê de
Especialistas deve ser integrado por especialistas designados por cada um dos Estados
Partes na Convenção. O Comitê tem competência para receber e examinar relatórios
periódicos dos Estados. Além disso, há petição individual para a CIDH e petição
interestatal para a CIDH (depende de aceitação adicional). A competência contenciosa
da Corte IDH também depende de aceitação do Estado.
4. Destaques da jurisprudência internacional

- Corte IDH, Caso Poblete Vilches vs. Chile: primeiro precedente da Corte IDH sobre
judicialização direta do direito à saúde de forma autônoma e independente, fora,
portanto, do contexto da judicialização indireta, mediata ou por conexão com o direito
à integridade pessoal e à vida. Este caso tratou também do direito ao consentimento
informado das pessoas idosas em procedimentos relacionados à sua saúde.

AULA 37 – PESSOAS COM DEFICIÊNCIA


1. Normativa dos sistemas interamericano e global

- SISTEMA INTERAMERICANO: Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas


as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, internalizada
pelo Decreto no 3.956/2001.
- SISTEMA GLOBAL: Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência e seu Protocolo Facultativo sobre ampliação de mecanismos convencionais
de proteção, internalizados pelo Decreto no 6.949/2009.
2. Órgãos específicos de proteção internacional

- SISTEMA INTERAMERICANO: CIDH, Corte IDH, Comissão para a Eliminação de Todas


as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência. Há, no
sistema interamericano, no âmbito da CIDH, a Relatoria sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência.
- SISTEMA GLOBAL: Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
3. Destaques da normativa internacional

A respeito da Convenção da OEA:

- O termo DEFICIÊNCIA significa uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza


permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades
essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social.
- O termo “DISCRIMINAÇÃO CONTRA AS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA”
significa toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, antecedente
de deficiência, consequência de deficiência anterior ou percepção de deficiência
presente ou passada, que tenha o efeito ou propósito de impedir ou anular o
reconhecimento, gozo ou exercício por parte das pessoas portadoras de deficiência de
seus direitos humanos e liberdades fundamentais.
- Pessoas com deficiência devem participar na elaboração, execução e avaliação de
medidas e políticas para aplicar a Convenção.
- CRIAÇÃO DE UM ÓRGÃO: nos termos do art. 6o, para dar acompanhamento aos
compromissos assumidos na Convenção, deve ser estabelecida uma Comissão para a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de
Deficiência, constituída por um representante designado por cada Estado parte. A
Comissão tem competência para examinar relatórios periódicos.
A respeito da Convenção da ONU:

- STATUS DE EMENDA CONSTITUCIONAL: Ingressou na ordem jurídica interna –


juntamente com seu protocolo facultativo – com status normativo equivalente ao de
emenda constitucional.
- O termo discriminação por motivo de deficiência significa qualquer diferenciação,
exclusão ou restrição baseada em deficiência, com o propósito ou efeito de impedir ou
impossibilitar o reconhecimento, o desfrute ou o exercício, em igualdade de
oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades
fundamentais nos âmbitos político, econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro.
Abrange todas as formas de discriminação, inclusive a recusa de adaptação razoável.
- O termo ADAPTAÇÃO RAZOÁVEL significa as modificações e os ajustes necessários e
adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos
em cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou
exercer, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos
humanos e liberdades fundamentais.
- O termo DESENHO UNIVERSAL significa a concepção de produtos, ambientes,
programas e serviços a serem usados, na maior medida possível, por todas as pessoas,
sem necessidade de adaptação ou projeto específico. O “desenho universal” não
excluirá as ajudas técnicas para grupos específicos de pessoas com deficiência, quando
necessárias.

CONVENÇÃO DA ONU – princípios gerais (art. 3º):


a) O respeito pela dignidade inerente, independência da pessoa, inclusive a liberdade
de fazer as próprias escolhas, e autonomia individual.
o O conceito de dignidade humana implica no respeito e reconhecimento de
nobreza a toda e qualquer pessoa, simplesmente por existir. O reconhecimento
da dignidade da pessoa com deficiência é fundamental, por opor-se à idéia de
que a deficiência rebaixa esse ser a uma condição sub-humana ou a uma
anomalia que “danifica” a sua condição de pertencer à humanidade.
b) A não-discriminação.
c) A plena e efetiva participação e inclusão na sociedade.
d) O respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como parte
da diversidade humana e da humanidade.
e) A igualdade de oportunidades.
f) A acessibilidade.
o A acessibilidade aqui precisa ser compreendida em seu sentido amplo, como
ingresso e permanência aos meios físicos e aos de comunicação (desenho
universal) e aos sistemas, políticas, serviços e programas implementados pela
comunidade.
g) A igualdade entre o homem e a mulher.
o Apesar de haver um princípio de não discriminação é interessante explicitar a
necessidade de igualdade de gêneros, uma vez que na área das deficiências a
condição feminina torna a mulher com deficiência particularmente vulnerável e
em condições de desvantagem social, havendo uma sobre-marginalização.
h) O respeito pelas capacidades de desenvolvimento de crianças com deficiência e
respeito pelo seu direito a preservar sua identidade.
- PESSOA COM DEFICIÊNCIA PRIVADA DE LIBERDADE (art. 14.2): “Os Estados Partes
assegurarão que, se pessoas com deficiência forem privadas de liberdade mediante
algum processo, elas, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, façam
jus a garantias de acordo com o direito internacional dos direitos humanos e sejam
tratadas em conformidade com os objetivos e princípios da presente Convenção,
inclusive mediante a provisão de adaptação razoável”.
- SOBRE O DIREITO À EDUCAÇÃO: ler o art. 24 com atenção.
- MECANISMOS CONVENCIONAIS DO COMITÊ: 1) relatórios periódicos (automático
com a ratificação da Convenção); 2) petições individuais (depende de ratificação do
protocolo – BRASIL RATIFICOU E INTERNALIZOU COM STATUS DE EC); e 3) inquérito
(depende de ratificação do protocolo – BRASIL RATIFICOU E INTERNALIZOU COM
STATUS DE EC).
4. Destaques da jurisprudência internacional

- Caso Furlán e familiares vs. Argentina, Corte IDH, 2012: criança que se acidentou em
uma área de treinamento militar abandonada e ficou com deficiência física. A Corte
IDH abordou o assunto relativo ao dever do Estado de incluir a pessoa com deficiência
na sociedade e adotar medidas positivas para eliminar as barreiras impostas pela
sociedade majoritária.
- Caso Gonzales Lluy e outros vs. Equador, Corte IDH, 2015: suspensão pelo Estado do
comparecimento de criança com HIV a uma escola pública. Reconhecimento da
interseccionalidade (criança, mulher, pobreza e com HIV). Superação do modelo
médico pelo modelo de direitos humanos para abordar a deficiência: “Como parte da
evolução do conceito de deficiência, o modelo social de deficiência entende a
deficiência como o resultado da interação entre as características funcionais de uma
pessoa e as barreiras em seu entorno. Esta Corte estabeleceu que a deficiência não se
define exclusivamente pela presença de uma deficiência física, mental, intelectual ou
sensorial, mas que também se interrelaciona com as barreiras ou limitações que
socialmente existem para que as pessoas possam exercer seus direitos de maneira
efetiva”.
- À luz da jurisprudência da Corte IDH, o fato de uma pessoa ser portadora do vírus
HIV tem o efeito de torná-la uma pessoa com deficiência?
- NÃO.
- Ainda sobre o Caso Gonzales Lluy e outros vs. Equador, Corte IDH, 2015: a Corte IDH
advertiu que o fato de determinado indivíduo possuir o vírus HIV não é, por si só, uma
situação geradora de uma deficiência. No entanto, “em algumas circunstâncias, as
barreiras atitudinais que enfrenta uma pessoa vivendo com HIV e as circunstâncias
geradas pelo seu ambiente de convívio podem lhe colocar em uma situação de
deficiência. Em outras palavras, a situação médica de viver com HIV pode
potencialmente ser desativada por gerar as barreiras comportamentais e sociais.
Assim, a determinação de se alguém pode ser considerada uma pessoa com deficiência
depende de sua relação com o ambiente em que vive, e não apenas a uma lista de
diagnósticos. Portanto, em algumas situações, as pessoas que vivem com HIV/AIDS
podem ser consideradas deficientes sob a conceituação da Convenção sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência”.
- Considerações do Professor Caio Paiva: “É comum que pessoas portadoras do vírus
HIV ajuízem ação previdenciária pleiteando a concessão do benefício BPC/LOAS,
destinado a pessoas com deficiência. Nessa espécie de litígio, não se deve focar
somente nos laudos médicos – eles não são suficientes. São relevantes laudos sociais,
depoimento da parte autora, oitivas de testemunhas, etc. Fontes de prova que
elucidem as barreiras sociais enfrentadas pela pessoa com HIV. Nesse contexto, é
possível que o indivíduo seja considerado pessoa com deficiência ainda que o vírus HIV
não lhe cause um sofrimento físico, mas um sofrimento emocional como decorrência
do preconceito e das inúmeras barreiras sociais enfrentadas”.
- Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, Comentário Geral no 6/2018:
o “Os modelos médico ou individual de deficiência impedem que se aplique o
princípio de igualdade às pessoas com deficiência. No modelo médico de
deficiência não se reconhece as pessoas com deficiência como titulares de
direitos, reduzindo-as às suas deficiências. (...) Os modelos médico ou individual
foram utilizados para determinar as primeiras leis e políticas internacionais
relacionadas com a deficiência, inclusive depois das primeiras tentativas de se
aplicar o conceito de igualdade ao contexto da deficiência. (...)
o O modelo de deficiência baseado nos direitos humanos reconhece que a
deficiência é uma construção social e que as deficiências não devem ser
consideradas um motivo legítimo para denegar ou restringir os direitos
humanos. Segundo este modelo, a deficiência é um dos diversos estratos da
identidade. Portanto, as leis e políticas de deficiência devem ter em conta a
diversidade de pessoas com deficiência. Este modelo também reconhece que os
direitos humanos são interdependentes, indivisíveis e estão relacionados entre
si”.
- Caso Ximenes Lopes vs. Brasil, Corte IDH, 2006: primeiro caso envolvendo violações
de direitos humanos de pessoa com deficiência.

AULA 38 – PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA


1. Normativa dos sistemas interamericano e global

- Não há um tratado específico sobre esse grupo vulnerável.


- Um documento importante do sistema global: Relatório da Relatoria Especial sobre
moradia adequada como componente do direito a um padrão de vida adequado e
sobre o direito a não discriminação neste contexto (2015).
- No direito interno, temos o Decreto no 7.053/2009, que institui a Política Nacional
para a População em Situação de Rua e seu Comitê de Acompanhamento e
Monitoramento e dá outras providências.
- Ainda temos, no direito interno, a Resolução no 40/2020, do Conselho Nacional de
Direitos Humanos, que dispõe sobre pessoas em situação de rua.
2. Órgãos específicos de proteção internacional

- SISTEMA INTERAMERICANO: CIDH e Corte IDH genericamente.


- SISTEMA GLOBAL: especialmente o Comitê DESC, sem prejuízo da atuação setorial de
outros órgãos de tratado.
3. Destaques da normativa internacional

- A respeito do Relatório sobre moradia adequada como componente do direito a um


padrão de vida adequado e sobre o direito a não discriminação neste contexto (ONU,
2015):
- UMA CRISE GLOBAL: “a situação de rua é uma crise global de direitos humanos que
requer uma resposta global urgente. Vem afetando todos os contextos
socioeconômicos – as economias desenvolvidas, emergentes e em desenvolvimento,
na prosperidade e austeridade. Trata-se de um fenômeno diverso, que afeta diferentes
grupos de pessoas de diferentes maneiras, mas com características comuns. É um
sintoma da incapacidade dos governos de reagir às crescentes desigualdades entre as
rendas, a riqueza e o acesso à terra e à propriedade, bem como incapacidade de dar
uma resposta efetiva aos problemas da migração e da urbanização. A situação de rua
se produz quando a moradia é tratada como uma mercadoria e não como um direito
humano”.
- Uma experiência individual: “ao mesmo tempo, a situação de rua é uma experiência
individual de alguns dos membros mais vulneráveis da sociedade, caracterizada por
abandono, desespero, baixa autoestima e negação da dignidade, consequências graves
para a saúde e para a vida. O termo ‘situação de rua’ não só descreve a carência de
moradia, como também identifica um grupo social. O estreito vínculo entre a negação
de direitos e uma identidade social distingue a falta de moradia da privação de outros
direitos socioeconômicos. (...) As pessoas em situação de rua são objeto de
estigmatização, exclusão social e criminalização”.
- Uma definição flexível e contextual de situação de rua a partir de um enfoque
tridimensional baseado nos direitos humanos: 1) a primeira dimensão se refere à
ausência de moradia – a ausência tanto do aspecto material de uma habitação
minimamente adequado quanto do aspecto social de um lugar seguro, para
estabelecer uma família ou relações sociais, e participar da vida em comunidade; 2) a
segunda dimensão considera a situação de rua como uma forma de discriminação
sistêmica e de exclusão social, e reconhece que a privação de um lar dá lugar a uma
identidade social através da qual as pessoas em situação de rua formam um grupo
social sujeito à discriminação e estigmatização; e 3) a terceira dimensão reconhece as
pessoas em situação de rua como titulares de direitos que são resilientes na luta pela
sobrevivência e dignidade. Deve-se reconhecer as pessoas em situação de rua como
agentes centrais da transformação social necessária para a realização do direito a uma
moradia adequada.
- ELIMINAR EXPLICAÇÕES “MORAIS”: “uma definição da situação de rua baseada nos
direitos humanos tende a eliminar as explicações ‘morais’ da situação de rua como
fracassos pessoais que devem ser resolvidos com atos de caridade e, em contrapartida,
revela padrões de desigualdade e injustiça que negam às pessoas em situação de rua
seus direitos a serem membros da sociedade em pé de igualdade”.
- CAUSAS INTERRELACIONADAS: “a situação de rua é causada pela interação entre
circunstâncias individuais e fatores sistêmicos mais amplos. Uma resposta de direitos
humanos à situação de rua ocupa de ambas as questões. Entende-se que a situação de
rua pode estar relacionada com dinâmicas individuais como a incapacidade
psicossocial, a perda inesperada de emprego, vícios ou escolhas complexas
relacionadas com a rua, e que uma das principais causas da situação de rua é o
fracasso dos governos em dar uma resposta a circunstâncias individuais únicas com
compaixão e respeito à dignidade individual. Contudo, um enfoque de direitos
humanos também deve abordar as causas estruturais e institucionais gerais da situação
de rua (...)”.
- VULNERABILIDADE ACENTUADA DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: “as pessoas com
deficiência são especialmente vulneráveis à situação de rua. Em todo mundo, a
deficiência psicossocial pode impedir as pessoas de obter um emprego e ganhar a vida
de maneira que possam pagar por moradia. Ao mesmo tempo, muitos Estados não
facilitam o acesso ao apoio comunitário que as pessoas com deficiência necessitam”.
- Algumas obrigações dos Estados: 1) adotar e aplicar estratégias para erradicar a
situação de rua; 2) lutar contra a discriminação, o estigma e os estereótipos negativos
das pessoas em situação de rua com urgência; 3) os despejos nunca devem fazer com
que pessoas fiquem em situação de rua; 4) zelar para que toda decisão ou política
pública seja coerente com o objetivo da erradicação da situação de rua; e 4) regular e
colaborar com os órgãos não estatais a fim de assegurar que todas suas ações e
políticas estejam de acordo com o direito a uma moradia adequada e a prevenção e
alívio da situação de rua.
- A respeito do Decreto no 7.053/2009:
- Institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua e seu Comitê
Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento e dá outras providências.
- Considera-se POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA o grupo populacional o grupo
populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos
familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional
regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de
moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades
de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória (art. 1o, §
único).
- De acordo com o art. 3o, “Os entes da Federação que aderirem à Política Nacional
para a População em Situação de Rua deverão instituir comitês gestores intersetoriais,
integrados por representantes das áreas relacionadas ao atendimento da população
em situação de rua, com a participação de fóruns, movimentos e entidades
representativas desse segmento da população”.
- Princípios da política nacional para a população em situação de rua além da
igualdade e equidade (art. 5o): respeito à dignidade da pessoa humana; direito à
convivência familiar e comunitária; valorização e respeito à vida e à cidadania;
atendimento humanizado e universalizado; e respeito às condições sociais e diferenças
de origem, raça, idade, nacionalidade, gênero, orientação sexual e religiosa, com
atenção especial às pessoas com deficiência.
- No art. 6o vamos encontrar as diretrizes da política nacional para a população em
situação de rua e no art. 7o os seus objetivos.
- A respeito da Resolução no 40/2020 do CNDH:
- Art. 23, § único: é vedada a remoção de pessoas em espaços públicos pelo fato de
estarem em situação de rua.
- Art. 24: o domicílio improvisado da pessoa em situação de rua é equiparado à
moradia para garantia de sua inamovibilidade.
- Art. 64: a situação de rua por si só não configura fundada suspeita para justificar a
abordagem e busca pessoal.
- Art. 66: a prisão para averiguação é ilegal e a situação de rua não pode ser utilizada
como fundamento para sua realização.
4. Destaques da jurisprudência internacional

- Corte IDH, Caso dos Meninos de Rua (Villagrán Morales e outros) vs. Guatemala:
considerações sobre a vulnerabilidade acentuada de crianças em situação de rua.
- CIDH, Medidas cautelares em favor do Padre Júlio Lancellotti e de Daniel Guerra
Feitosa: o primeiro, responsável pela Pastoral do Povo de Rua em São Paulo e defensor
dos direitos humanos das pessoas em situação de rua, e o segundo, uma pessoa em
situação de rua. Proteção contra ameaças por parte de agentes estatais de segurança
pública.

AULA 39 – PESSOAS PRIVADAS DE LIBERDADE


1. Normativa dos sistemas interamericano e global

- SISTEMA INTERAMERICANO: CADH, art. 5o (integridade pessoal); Convenção


Interamericana contra a Tortura (1985) e Princípios e Boas Práticas para a Proteção das
Pessoas Privadas de Liberdade (CIDH, 2008).
- SISTEMA GLOBAL: Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos (ONU, 1955;
revisadas em 2015, agora com o título Regras de Mandela); Regras Mínimas das
Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas não Privativas de
Liberdade para Mulheres Infratoras (ONU, 2015; também conhecidas como Regras de
Bangkok); Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966); Convenção contra
a Tortura; Princípios Básicos para o Tratamento de Presos (ONU, 1990); Regras das
Nações Unidas para a Proteção dos Menores Privados de Liberdade (ONU, 1990).
2. Órgãos específicos de proteção internacional

- SISTEMA INTERAMERICANO: CIDH e Corte IDH genericamente, além da Relatoria


para os Direitos Humanos das Pessoas Privadas de Liberdade.
- SISTEMA GLOBAL: Comitê e Subcomitê da ONU contra a Tortura, Comitê de Direitos
Humanos e, a depender da identificação do assunto, também os demais órgãos de
tratado.
3. Problemas mais graves da região

- Relatório da CIDH sobre 2011 sobre direitos das pessoas privadas de liberdade:
1) superpopulação carcerária; 2) deficientes condições de reclusão, tanto físicas como
relativas à falta de oferecimento de serviços básicos; 3) altos índices de violência
carcerária e falta de controle efetivo das autoridades; 4) emprego da tortura com fins
de investigação criminal; 5) uso excessivo da força por parte dos funcionários de
segurança dos centros penitenciários; 6) uso excessivo da prisão preventiva, que
repercute diretamente na superpopulação carcerária; 7) ausência de medidas efetivas
para a proteção de grupos vulneráveis; 8) falta de programas laborais e educativos e a
ausência de transparência nos mecanismos de acesso a estes programas; e 9)
corrupção e falta de transparência na gestão penitenciária.
4. Relação entre a pessoa presa e o Estado

- O principal elemento que define a privação de liberdade é a relação de sujeição


especial entre a pessoa presa e o Estado.
- As autoridades estatais exercem um controle total sobre a pessoa presa que se
encontra sujeita à sua custódia.
- Essa relação de sujeição especial faz com que o Estado se torne garante de todos
aqueles direitos não restringidos pelo ato de privação de liberdade.
- Desta posição de garante decorrem todas as medidas que o Estado deve adotar com o
objetivo de respeitar e garantir os direitos das pessoas privadas de liberdade.
5. Destaques da jurisprudência internacional

- Sobre a qualidade do serviço de saúde:


- O que significa o princípio da equivalência em matéria de saúde na jurisprudência do
sistema interamericano sobre pessoas privadas de liberdade?

- Os serviços de saúde devem manter um nível de qualidade equivalente a respeito de


quem não está privado de liberdade” (Corte IDH, Caso Chinchilla Sandoval e outros vs.
Guatemala. Sentença de 29.02.2016).
- PRINCÍPIO DA EQUIVALÊNCIA: “No que diz respeito ao direito à saúde das pessoas
presas, o Estado deve respeitar o princípio da equivalência, segundo o qual, dentro dos
recintos de privação de liberdade os serviços de saúde organizados nas prisões devem
prover tratamento médico e de enfermagem em condições comparáveis com aquelas
desfrutadas por pacientes na comunidade exterior” (CIDH, Caso Thomas Scot Cochran
vs. Costa Rica).
- TEDH: não se exige o mesmo nível de cuidado médico que o existente fora das prisões
(Caso Cara-Damiano vs. Itália; Caso Wenner vs. Alemanha).
- Sobre o uso proporcional da força:
- O Estado deve procurar preservar tanto a segurança pública quanto os direitos
humanos das pessoas presas. O poder estatal, portanto, não é absoluto. Assim, os
Estados podem usar da força, desde que de forma excepcional e proporcional.
- Corte IDH, Assunto da Prisão de Urso Branco a respeito do Brasil. Resolução de
medidas provisórias de 07.06.2004.
- TEDH, Caso Artyomov vs. Rússia. 1a Seção, j. 04.10.2010.
- Lembrar da responsabilização do Brasil no Caso Carandiru na CIDH.
- Principais parâmetros sobre condições carcerárias definidos pela Corte IDH no
julgamento do Caso Pacheco Teruel e outros vs. Honduras:
- Caso Pacheco Teruel e outros vs. Honduras.
- A superlotação constitui por si só uma violação à integridade pessoal.
- A separação por categorias deve ser realizada entre processados e condenados e
entre os menores de idade dos adultos, com o objetivo de que os privados de
liberdade recebam o tratamento adequado à sua condição.
- Todo privado de liberdade deve ter acesso à água potável para seu consumo e à água
para sua higiene pessoal.
- A alimentação oferecida nos centros penitenciários deve ser de boa qualidade e deve
possuir um valor nutritivo suficiente.
- A atenção médica deve ser proporcionada regularmente, oferecendo o tratamento
adequado.
- A educação, o trabalho e a recreação são funções essenciais dos centros
penitenciários.
- As visitas devem ser garantidas nos centros penitenciários.
- Todas as celas devem contar com suficiente luz natural ou artificial, ventilação e
adequadas condições de higiene.
- Os serviços sanitários devem contar com condições de higiene e privacidade.
- Os Estados não podem alegar dificuldades econômicas para justificar condições de
detenção que não cumpram os parâmetros mínimos internacionais na matéria e que
não respeitem a dignidade inerente do ser humano.
- As medidas disciplinares que constituam um tratamento cruel, desumano ou
degradante, incluídos os castigos corporais, a reclusão em isolamento prolongado,
assim como qualquer outra medida que possa colocar em grave perigo a saúde física
ou mental do recluso, são estritamente proibidas.
- Sobre a separação entre processados e condenados:
- CADH, art. 5.4: “Os processados devem ficar separados dos condenados, salvo em
circunstâncias excepcionais, a ser submetidos a tratamento adequado à sua condição
de pessoas não condenadas”.
- Corte IDH, Caso Yvon Neptune vs. Haiti: “A separação dos processados e condenados
requer não somente mantê-los em diferentes celas, mas também que estas celas
estejam localizadas em diferentes seções dentro de um determinado centro de
detenção ou em diferentes estabelecimentos se for possível”.
- Sobre a superlotação carcerária:
- O Conselho da Europa considera que a partir de 110% da taxa de ocupação prisional
tem-se uma superpopulação que viola o direito humano de não ser submetido a
tratamento degradante.
- CIDH, Relatório sobre os direitos humanos das pessoas privadas de liberdade
(2011): a criação de novas vagas – seja por meio da construção de novas instalações ou
da modernização e ampliação de outras – é uma medida essencial para combater a
superpopulação e adequar os sistemas penitenciários às necessidades presentes;
porém, somente esta medida não representa uma solução sustentável no tempo.
- COMPENSAÇÃO POR PRISÃO EM CONDIÇÕES DEGRADANTES: a Corte IDH adotou
uma medida de compensação na resolução de medidas provisórias no caso do
Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho (IPPSC) e também no Complexo Penitenciário
do Curado, estabelecendo que, como havia uma taxa de ocupação equivalente a 200%,
para cada dia de pena ilícita, deveriam ser contados dois dias de pena lícita.
o A Corte IDH ressalvou, porém, a situação das pessoas presas por crimes graves
contra os direitos humanos, exigindo delas a aprovação em exame de
prognóstico de conduta para que possam alcançar o benefício da compensação.
o Há alguns desdobramentos da decisão da Corte IDH no STJ. Vejamos:
o - STJ, RHC 136.961: a decisão da Corte IDH aplica-se para todo o período de
privação de liberdade no IPPSC.
o - STJ, HC 706.115, decisão monocrática do Min. Reynaldo Soares da Fonseca: a
decisão da Corte IDH sobre o IPPSC NÃO pode ser aplicada em outros
estabelecimentos prisionais.
- Mais alguns pontos da jurisprudência internacional de direitos humanos das
pessoas privadas de liberdade:

- MULHER LÉSBICA E RESTRIÇÃO À VISITA ÍNTIMA: “A negativa de visita íntima a


mulher presa com base em sua orientação sexual (lésbica), assim como a associação do
direito à visita íntima a fins reprodutivos e de planejamento familiar, não cumpre com
os requisitos da idoneidade, necessidade e proporcionalidade. A Comissão considera
que o direito à visita íntima não pode ter a reprodução humana como único objetivo,
deixando de lado o exercício da sexualidade em si mesma, independente de fins
reprodutivos. Isso tem uma particular relevância em relação aos estereótipos negativos
sociais associados ao exercício da sexualidade por parte das mulheres, por um lado, e
das mulheres lésbicas, por outro. (...) A Comissão destaca que a orientação sexual de
uma pessoa constitui um componente fundamental da vida privada de uma pessoa,
que deve estar livre de ingerências arbitrárias e abusivas pelo exercício do poder
público” (CIDH, Caso Marta Lúcia Álvarez Giraldo vs. Colômbia. Relatório de mérito de
05.10.2018).
- DIREITO DE SE MANIFESTAR NO PRÓPRIO IDIOMA: “A observância de regras no
tratamento coletivo dos detidos dentro de um estabelecimento prisional não concede
ao Estado, no exercício de sua faculdade de punir, o poder de limitar de forma
injustificada a liberdade das pessoas de expressarem-se por qualquer meio e no idioma
que escolham. A proibição adquire uma especial gravidade, já que o idioma materno
representa um elemento de identidade. Os Estados devem levar em consideração os
dados que diferenciam os membros de povos indígenas da população em geral, que
conformam a identidade cultural daqueles. A língua é um dos mais importantes
elementos de identidade de um povo, precisamente porque garante a expressão,
difusão e transmissão de sua cultura” (Corte IDH, Caso López Álvarez vs. Honduras.
Sentença de 01.02.2006).
- LIBERDADE DE EXPRESSÃO: É ilegal, por violar o direito à liberdade de expressão e
por não cumprir com um fim legítimo nem ser necessária ou proporcional numa
sociedade democrática, a decisão que concede livramento condicional mediante a
restrição da liberdade de expressão do apenado, proibindo-lhe de dar declarações a
meios de comunicação e de assistir manifestações” (Corte IDH, Caso Usón Ramírez vs.
Venezuela).
- LOCALIZAÇÃO DO ESTABELECIMENTO PRISIONAL: “Os Estados devem, na medida do
possível, facilitar o traslado dos reclusos a centros penitenciários mais próximos da
localidade onde residam seus familiares” (Corte IDH, Caso Norín Catrimán e outros vs.
Chile); “A Convenção não concede aos presos o direito de escolher seu local de
detenção e o fato de os presos serem separados de suas famílias por alguma distância
é uma consequência inevitável da sua prisão. No entanto, deter um indivíduo em uma
prisão que está tão longe de sua família que as visitas se tornam muito difíceis ou
mesmo impossíveis pode, em algumas circunstâncias, significar uma interferência na
vida familiar, já que a oportunidade de os familiares visitarem o prisioneiro é vital para
manter a vida familiar. É, portanto, uma parte essencial do direito à vida familiar que as
autoridades prisionais ajudem os presos a manter contato com sua família por perto”
(TEDH, Caso Vintman vs. Ucrânia).
- Sobre revistas íntimas:
- Corte IDH: “O Estado deve eliminar a prática das revistas humilhantes que afetam a
intimidade e a dignidade dos visitantes de estabelecimentos prisionais” (Caso do
Complexo Penitenciário de Curado. Resolução de medidas provisórias adotada em
22.05.2014).
- CIDH: “A Comissão opina que, para estabelecer a legitimidade excepcional de uma
revista ou inspeção vaginal, num caso em particular, é necessário que se cumpram
quatro condições: 1) deve ser absolutamente necessária para alcançar o objetivo de
segurança no caso específico; 2) não deve existir qualquer alternativa; 3) deveria, em
princípio, ser autorizada por ordem judicial; e 4) deve ser realizada unicamente por
profissionais da saúde” (Caso X e Y vs. Argentina).
- REGRAS DE MANDELA: não proíbem totalmente. A Regra 60.2, por exemplo, indica
que “Revistas em partes íntimas devem ser evitadas e não devem ser utilizadas em
crianças”.
- A questão está em debate no STF no ARE 959.620.
o Para o Ministro Fachin, “É inadmissível a prática vexatória da revista íntima em
visitas sociais nos estabelecimentos de segregação compulsória, vedados sob
qualquer forma ou modo o desnudamento de visitantes e a abominável
inspeção de suas cavidades corporais, e a prova a partir dela obtida é ilícita, não
cabendo como escusa a ausência de equipamentos eletrônicos e
radioscópicos”.
o Já para o Min. Alexandre de Moraes, que abriu a divergência, “A revista íntima
para ingresso em estabelecimentos prisionais será excepcional, devidamente
motivada para cada caso específico e dependerá da concordância do visitante,
somente podendo ser realizada de acordo com protocolos preestabelecidos e
por pessoas do mesmo gênero, obrigatoriamente médicos na hipótese de
exames invasivos.
o O excesso ou abuso da realização da revista íntima acarretarão
responsabilidade do agente público ou médico e ilicitude de eventual prova
obtida. Caso não haja concordância do visitante, a autoridade administrativa
poderá impedir a realização da visita”.

AULA 40 – POVOS INDÍGENAS


1. Normativa dos sistemas interamericano e global

- SISTEMA INTERAMERICANO: não há um tratado específico. Há um documento de


natureza soft law, aprovado pela OEA em 2016, com o título Declaração Americana
sobre os Direitos dos Povos Indígenas.
- SISTEMA GLOBAL: não há um grande tratado específico. Há um documento de
natureza soft law, aprovado pela ONU em 2007, com o título Declaração das Nações
Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.
Há, ainda, a Convenção sobre os Povos Indígenas e Tribais, também conhecida como
Convenção nº 169/1989 da OIT, que trata de algumas questões sobre povos indígenas.
2. Órgãos específicos de proteção internacional

- SISTEMA INTERAMERICANO: CIDH e Corte IDH. Há na CIDH uma Relatoria sobre os


Direitos dos Povos Indígenas.
- SISTEMA GLOBAL: não há um órgão convencional específico. Há uma Relatoria para
os Direitos dos Povos Indígenas (ou seja, faz parte do subsistema extraconvencional).
3. Destaques da normativa internacional

A respeito da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas:
- Art. 6o: Todo indígena tem direito a uma nacionalidade.
- Art. 8.1: Os povos e pessoas indígenas têm direito a não sofrer assimilação forçada ou
a destruição de sua cultura.
- Art. 24.1: Os povos indígenas têm direito a seus medicamentos tradicionais e a
manter suas práticas de saúde, incluindo a conservação de suas plantas, animais e
minerais de interesse vital do ponto de vista médico. As pessoas indígenas têm
também direito ao acesso, sem qualquer discriminação, a todos os serviços sociais e de
saúde.
- Art. 30.1: Não se desenvolverão atividades militares nas terras ou territórios dos
povos indígenas, a menos que essas atividades sejam justificadas por um interesse
público pertinente ou livremente decididas com os povos indígenas interessados, ou
por estes solicitadas.
- Art. 34: Os povos indígenas têm o direito de promover, desenvolver e manter suas
estruturas institucionais e seus próprios costumes, espiritualidade, tradições,
procedimentos, práticas e, quando existam, costumes ou sistemas jurídicos, em
conformidade com as normas internacionais de direitos humanos.
o IMPORTANTE – universalismo cultural: essa última parte significa que alguns
costumes e tradições de algumas comunidades indígenas que se revelam
violadoras dos direitos humanos não são admitidos. Isso não representa uma
violação ao direito à cultura, mas sim uma compreensão de que o relativismo
cultural não mais subsiste (desde 1948 perdeu sua posição).
o Trata-se de uma declaração universal dos direitos humanos, que abarca
também povos tradicionais e indígenas. Essa compreensão é importante para a
proteção dos indígenas perante a sociedade hegemônica, mas também para as
relações entre os próprios indígenas.
Sobre a Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas:
- Art. 1.2: A autoidentificação como povo indígena será um critério fundamental para
determinar a quem se aplica a presente Declaração.
- Art. 7.1: As mulheres indígenas têm direito ao reconhecimento, proteção e gozo de
todos os direitos humanos e liberdades fundamentais constantes do Direito
Internacional, livres de todas as formas de discriminação.
- Art. 10.1: Os povos indígenas têm o direito de manter, expressar e desenvolver
livremente sua identidade cultural em todos os seus aspectos, livre de toda intenção
externa de assimilação.
- Art. 22.1: Os povos indígenas têm direito a promover, desenvolver e manter suas
estruturas institucionais e seus próprios costumes, espiritualidade, tradições,
procedimentos, práticas e, quando existam, costumes ou sistemas jurídicos, em
conformidade com as normas internacionais de direitos humanos.
- Art. 26.1: Os povos indígenas em isolamento voluntário ou em contato inicial têm
direito a permanecer nessa condição e a viver livremente e de acordo com suas
culturas.
A respeito da Convenção no 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais:
- DISTINÇÃO ENTRE POVOS TRIBAIS E POVOS INDÍGENAS NO ART. 1º:
o povos tribais são aqueles cujas condições sociais, culturais e econômicas os
distingam de outros setores da coletividade nacional e que estejam regidos,
total ou parcialmente, por seus próprios costumes ou tradições ou por
legislação especial;
o povos indígenas são aqueles que descendem de populações que habitavam o
país ou uma região geográfica pertencente ao país na época da conquista ou da
colonização ou do estabelecimento das atuais fronteiras estatais e que, seja
qual for sua situação jurídica, conservam todas as suas próprias instituições
sociais, econômicas, culturais e políticas, ou parte delas.
- Art. 6º: trata do direito de consulta prévia, livre e informada sobre decisões que
possam afetar os povos tribais e indígenas.
- Art. 8.2: os povos indígenas e tribais têm o direito de conservar seus costumes e
instituições próprias, desde que eles não sejam incompatíveis com os direitos
fundamentais definidos pelo sistema jurídico nacional nem com os direitos humanos
internacionalmente reconhecidos.
- Art. 9º: Na medida em que isso for compatível com o sistema jurídico nacional e com
os direitos humanos internacionalmente reconhecidos, deverão ser respeitados os
métodos aos quais os povos interessados recorrem tradicionalmente para a repressão
dos delitos cometidos pelos seus membros.
- Art. 10: quando forem impostas sanções penais aos povos indígenas e tribais, deve-se
dar preferência a tipos de punição outros que o encarceramento.
- Art. 14: Dever-se-á reconhecer aos povos interessados os direitos de propriedade e de
posse sobre as terras que tradicionalmente ocupam.
- Art. 15.1: Os direitos dos povos interessados aos recursos naturais existentes nas suas
terras deverão ser especialmente protegidos. Esses direitos abrangem o direito desses
povos a participarem da utilização, administração e conservação dos recursos
mencionados.
- Art. 15.2: Em caso de pertencer ao Estado a propriedade dos minérios ou dos
recursos do subsolo, ou de ter direitos sobre outros recursos, existentes nas terras, os
governos deverão estabelecer ou manter procedimentos com vistas a consultar os
povos interessados, a fim de se determinar se os interesses desses povos seriam
prejudicados, e em que medida, antes de se empreender ou autorizar qualquer
programa de prospecção ou exploração dos recursos existentes nas suas terras. Os
povos interessados deverão participar sempre que for possível dos benefícios que
essas atividades produzam, e receber indenização equitativa por qualquer dano que
possam sofrer como resultado dessas atividades.
4. Destaques da jurisprudência internacional

- DANO ESPIRITUAL:
a Corte IDH reconheceu no Caso Comunidade Moiwana vs. Suriname (2005), pois a
comunidade indígena foi atacada e os restos mortais de alguns dos seus membros
desapareceram ou foram incinerados em uma funerária. A Comunidade Moiwana
adotava rituais específicos e complexos após a morte de um membro da comunidade.
- SIGNIFICADO ESPECIAL DA CONVIVÊNCIA FAMILIAR:
a Corte IDH anotou que a convivência familiar no contexto da família indígena possui
um significado especial, não se limitando ao núcleo familiar, incluindo as distintas
gerações que a compõem e também a comunidade da qual faz parte (Corte IDH, Caso
Chitay Nech e outros vs. Guatemala, 2010).
- PROPRIEDADE COMUNAL:
por meio de uma interpretação evolutiva dos instrumentos internacionais de proteção
dos direitos humanos, a Corte IDH considera que o art. 21 da Convenção protege o
direito à propriedade num sentido que compreende, entre outros, os direitos dos
membros das comunidades indígenas no marco da propriedade comunal, que não se
concentra numa pessoa específica, mas sim num grupo (Caso Comunidade Mayagna
Sumo Awas Tingni vs. Nicarágua, 2001).
- DESNECESSIDADE DE TÍTULO FORMAL DE PROPRIEDADE:
a Corte IDH entende que, no caso de comunidades indígenas que ocupam suas terras
ancestrais de acordo com suas práticas consuetudinárias – mas que carecem de um
título formal de propriedade –, a posse da terra deve bastar para que obtenham o
reconhecimento oficial da propriedade e o consequente registro (Caso Comunidade
Moiwana vs. Suriname).
- Compilação da jurisprudência da Corte IDH sobre a propriedade comunitária das
terras indígenas (Caso Povo Indígena Xucuru vs. Brasil):
1) a posse tradicional dos indígenas sobre suas terras tem efeitos equivalentes ao título
de pleno domínio que outorga o Estado; 2) a posse tradicional outorga aos indígenas o
direito a exigir o reconhecimento oficial de propriedade e seu registro; 3) os membros
dos povos indígenas que por causas alheias à sua vontade tenham saído ou perdido a
posse de suas terras tradicionais mantêm o direito de propriedade sobre elas, ainda
que sem título legal, salvo quando as terras tenham sido legitimamente transferidas a
terceiros de boa-fé; 4) o Estado deve delimitar, demarcar e outorgar título coletivo das
terras aos membros das comunidades indígenas; 5) os membros dos povos indígenas
que involuntariamente tenham perdido a posse de suas terras, e estas tenham sido
transferidas a terceiros de boa-fé, têm direito a recuperá-las ou de obter outras terras
de igual extensão e qualidade; 6) o Estado deve garantir a propriedade efetiva dos
povos indígenas e abster-se de realizar atos que possam levar a que os agentes do
próprio Estado ou terceiros que atuem com sua aquiescência ou tolerância afetem a
existência, o valor, o uso ou o gozo do seu território; 7) o Estado deve garantir o direito
dos povos indígenas de controlar efetivamente e ser proprietários de seu território sem
nenhum tipo de interferência externa contra terceiros; e 8) o Estado deve garantir o
direito dos povos indígenas ao controle e uso do seu território e recursos naturais.
- DIREITO A SE MANIFESTAR NO PRÓPRIO IDIOMA:
o Estado de Honduras havia proibido os indígenas privados de liberdade de se
expressarem em seu idioma materno. Para a Corte IDH, os Estados devem levar em
consideração os dados que diferenciam os membros de povos indígenas da população
em geral, advertindo que “A língua é um dos importantes elementos de identidade de
um povo, precisamente porque garante a expressão, difusão e transmissão de sua
cultura. (...) um dos pilares da liberdade de expressão é precisamente o direito a falar e
que este implica necessariamente no direito das pessoas a utilizarem o idioma de sua
eleição na expressão de seu pensamento” (Caso López Álvarez vs. Honduras).
- DUPLA AFETAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS:
a Corte IDH tratou do assunto referente à dupla afetação das terras indígenas no
julgamento do Caso Povos Kaliña e Lokono vs. Suriname. A dupla afetação das terras
indígenas consiste em compatibilizar a proteção, em uma mesma propriedade, de
interesses e direitos ambientais e direitos das comunidades indígenas. A Corte
ressaltou que “Em princípio, existe uma compatibilidade entre áreas ambientais
protegidas e o direito dos povos indígenas e tribais na proteção dos recursos naturais
em seus territórios, notando que os povos indígenas e tribais, por sua interação com a
natureza e os modos de vida, podem dar um importante contributo para essa
conservação”.
Para viabilizar o fenômeno da dupla afetação das terras indígenas, a Corte fixou alguns
parâmetros, sendo eles: a) a participação efetiva; b) o acesso e o uso dos territórios
tradicionais; e c) o reconhecimento de benefícios resultantes da conservação.

AULA 41 – POPULAÇÃO LGBT


1. Significado da sigla LGBTQIA+

- L (LÉSBICAS) = mulheres que sentem atração afetiva/sexual pelo mesmo gênero.


- G (GAYS) = homens que sentem atração afetiva/sexual pelo mesmo gênero.
- B (BISSEXUAIS) = homens e mulheres que sentem atração afetiva/sexual pelos
gêneros masculino e feminino.
- T (TRANS) = refere-se à identidade de gênero, sendo pessoas que não se identificam
com o gênero atribuído em seu nascimento.
- Q (QUEER) = pessoas que transitam entre as noções de gênero. Em tradução livre,
significa “estranho”, tendo sido usada como ofensa durante um tempo. A comunidade,
porém, se apropriou do termo, utilizando-o, assim, para designar as pessoas que não
se encaixam na heterocisnormatividade, que consiste na imposição compulsória da
heterossexualidade e da cisgeneridade.
- I (INTERSEXO) = ocorre quando as combinações biológicas e desenvolvimento
corporal – cromossomos, genitais, hormônios etc. – não se enquadram em
características binárias.
- A (ASSEXUAL) = pessoas que não sentem atração sexual por outras pessoas, havendo
aqui diversos níveis.
- + = usado para incluir outros grupos e variações de sexualidade e gênero, como, p.
ex., pansexuais, que sentem atração por outras pessoas independentemente do
gênero, e não binários, que não se percebem como pertencentes a um gênero
exclusivamente.
2. Normativa dos sistemas interamericano e global

- SISTEMA INTERAMERICANO: não há um tratado específico sobre a matéria, que


costuma ser abordada no sistema interamericano a partir da proibição de
discriminação por “qualquer outra condição sexual” conforme o art. 1.1 da CADH.
- SISTEMA GLOBAL: não há um tratado específico sobre a matéria.
- PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA: documento internacional de natureza soft law,
elaborado por um grupo de especialistas e adotado em encontro realizado entre os
dias 6 e 9 de novembro de 2006, em Yogyakarta, na Indonésia. Seu nome completo é
Princípios sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação
à orientação sexual e identidade de gênero. Em 2017, o documento foi atualizado por
meio do texto - Princípios de Yogyakarta mais 10, quando foram adicionados mais 10
princípios aos 29 previstos no texto original.
o Os Princípios de Yogyakarta não compõem o sistema global.
o São norma internacional de soft law de natureza não estatal.
3. Órgãos específicos de proteção internacional

- SISTEMA INTERAMERICANO: CIDH e Corte IDH. Há na CIDH uma Relatoria sobre os


Direitos das Pessoas LGBTI.
- SISTEMA GLOBAL: não há um órgão convencional específico.
4. Destaques da normativa internacional

Pontos importantes sobre os Princípios de Yogyakarta:

- “Os Princípios de Yogyakarta afirmam normas jurídicas internacionais vinculantes


(...)”. Este trecho do preâmbulo não pode ser interpretado no sentido de compreender
o documento em si como vinculante.
- CONCEITO DE IDENTIDADE DE GÊNERO: “experiência interna, individual e
profundamente sentida que cada pessoa tem em relação ao gênero, que pode, ou não,
corresponder ao sexo atribuído no nascimento, incluindo-se aí o sentimento pessoal do
corpo (...) e outras expressões de gênero, inclusive o modo de vestir-se, o modo de
falar e maneirismos”.
- Os Estados devem assegurar, na medida do possível, que pessoas detidas participem
de decisões relacionadas ao local de detenção adequado à sua orientação sexual e
identidade de gênero.
o STF tem decisões sobre o assunto que fazem menção aos Princípios de
Yogyakarta (Relator: ministro Barroso).
- Os Estados devem assegurar que as visitas conjugais, onde são permitidas, sejam
concedidas na base de igualdade a todas as pessoas aprisionadas ou detidas,
independente do gênero de sua parceira ou parceiro.
o Marta Alvarez vs. Colômbia.
o O mais antigo caso apreciado pela Relatoria LGBTTI da CIDH foi apresentado em
18 de maio de 1996 por Marta Lucía Álvarez Giraldo face às violações de
direitos humanos que foi submetida pelo Estado colombiano.
- Os Estados devem rever, emendar e aprovar leis para assegurar que o temor
fundamentado de perseguição por motivo de orientação sexual ou identidade de
gênero seja aceito para reconhecimento do status de refugiado ou asilado.
- Não deve haver impunidade para pessoas que violam os direitos humanos
relacionados à orientação sexual ou identidade de gênero.
- Todas as pessoas têm direito ao reconhecimento legal sem referência ou exigência de
atribuição ou divulgação de sexo, gênero, orientação sexual, identidade de gênero,
expressão de gênero ou características sexuais. Todos têm direito a obter documentos
de identidade, inclusive certidões de nascimento, independentemente de orientação
sexual, identidade de gênero, expressão de gênero ou características sexuais. Todos
têm o direito de alterar as informações de gênero em tais documentos enquanto as
informações de gênero estiverem incluídas neles.
5. Destaques da jurisprudência internacional

Sistema Interamericano

- Corte IDH, Caso Atala Riffo vs. Chile: 1) a orientação sexual dos pais da criança não
pode ser levada em consideração em ações de guarda; 2) a CADH não acolheu um
conceito fechado ou tradicional de família; e 3) a orientação sexual e identidade de
gênero são categorias protegidas pela CADH na expressão “outra condição social”
prevista no art. 1.1.
- Corte IDH, Caso Duque vs. Colômbia: não se pode negar a concessão de benefício
previdenciário de pensão por morte em uniões homoafetivas.
- Corte IDH, Caso Flor Freire vs. Equador: a orientação sexual não deve ser fator
determinante para selecionar quem deve ou não ser membro das Forças Armadas.
- Corte IDH, Caso Rojas Marín e outra vs. Peru: a) violência física e psicológica contra
um homem gay; b) no caso de violência contra gay, a abertura de linhas de investigação
sobre comportamento social e/ou sexual da vítima configura ação baseada em
estereótipo de gênero, o que viola o DIDH; e c) obrigação de investigar a violência
contra LGBT.
- Corte IDH, Caso Vicky Hernández vs. Honduras (2021): a) pela primeira vez a Corte
IDH reconheceu a responsabilidade do Estado na morte de uma pessoa trans; e b)
aplicação da Convenção de Belém do Pará para mulher trans. Houve um voto
dissidente nesse ponto.
o Vejamos: “A Corte recorda que a Convenção de Belém do Pará é um
instrumento que foi adotado ante a necessidade de proteger de forma
reforçada o direito da mulher a uma vida livre de violência e eliminar todas as
situações de violência que possam afetá-las tanto no âmbito público como no
privado. (...) A Convenção de Belém do Pará, em seu artigo 1o, faz referência à
violência contra a mulher baseada em seu gênero. (...) A violência contra as
pessoas fundamentada na identidade de gênero, e especificamente contra as
mulheres trans, também se encontra baseada no gênero, enquanto construção
social de identidades, funções e atributos designados socialmente à mulher e
ao homem. (...)
o Além disso, o art. 9º da Convenção de Belém do Pará insta os Estados para que,
no momento de adotar medidas para prevenir, punir e erradicar a violência
contra a mulher, levem em conta a situação de vulnerabilidade à violência que
possa sofrer a mulher em razão, entre outras, de sua raça ou de sua condição
étnica, de migrante, refugiada ou deslocada.
o Esta lista de fatores não é numerus clausus, como o indica a utilização da
expressão ‘entre outras’. Desta forma, é possível considera que a identidade de
gênero em determinadas circunstâncias como a presente, que se trata de uma
mulher trans, constitui um fator que pode contribuir de forma interseccional à
vulnerabilidade das mulheres à violência baseada em seu gênero. (...)
o Assim e atendendo a uma interpretação evolutiva, a Corte estima que o âmbito
de aplicação da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência contra a Mulher se refere também a situações de violência baseada
em seu gênero contra as mulheres trans, como ocorreu neste caso”.
- Corte IDH, Opinião Consultiva no 24/2017: 1) a mudança de nome e em geral a
adequação dos registros públicos e dos documentos de identidade para que estes
sejam conformes à identidade de gênero autopercebida constitui um direito protegido
pela CADH, de modo que os Estados estão na obrigação de reconhecer, regular e
estabelecer os procedimentos adequados para tais fins; 2) os Estados devem garantir
que as pessoas interessadas na retificação da anotação do gênero ou no caso as
menções do sexo, sem mudar seu nome, adequar sua imagem nos registros e/ou nos
documentos de identidade de conformidade com sua identidade de gênero
autopercebida, possam acessar um procedimento i) focado na adequação integral da
identidade de gênero autopercebida; ii) baseado unicamente no consentimento livre e
informado do solicitante sem que sejam exigidos requisitos como certificações médicas
e/ou psicológicas ou outros que possam resultar irrazoáveis ou patologizantes; iii) deve
ser confidencial e as mudanças ou adequações nos registros e documentos de
identidade não devem refletir as mudanças em conformidade com a identidade de
gênero; iv) deve ser rápido e na medida do possível gratuito; e v) não deve exigir
operações cirúrgicas e/ou hormonais; o procedimento que melhor se adequa é o
materialmente administrativo ou notarial; 4) a CADH, em virtude do direito à proteção
da vida privada e familiar, assim como do direito à proteção da família, protege o
vínculo familiar que possa derivar de uma relação de um casal do mesmo sexo; 5) o
Estado deve reconhecer e garantir todos os direitos que decorram de um vínculo
familiar entre pessoas do mesmo sexo; e 6) estes entendimentos se aplicam a pessoas
menores de 18 anos conforme sua autonomia progressiva.
- CIDH, Caso Martha Álvarez vs. Colômbia: violação do direito à igualdade e à não
discriminação pelo indeferimento de visita íntima para mulher presa que mantinha
relacionamento homossexual.
- CIDH, Caso Luiza Melinho vs. Brasil: caso já estudado na aula da jurisprudência da
CIDH a respeito do Brasil. Discute-se a responsabilidade do Estado pela não realização
célere de uma cirurgia de redesignação sexual.
6. Corte IDH, Caso Pavez Pavez vs. Chile (2022)

a. FATOS

- A senhora Sandra Cecilia Pavez Pavez foi declarada inabilitada, com base na sua
orientação sexual, para o exercício do ensino religioso em uma escola pública. De
acordo com um decreto do Ministério da Educação, professore(a)s de educação
religiosa precisavam de um certificado de idoneidade expedido por uma autoridade
eclesiástica. Pavez Pavez obteve esse certificado desde 1985, com várias renovações.
- Em 2007, denúncias anônimas chegaram à instituição de ensino para denunciar que
Pavez Pavez era lésbica. A autoridade eclesiástica exortou Pavez Pavez a terminar sua
“vida homossexual” e também que, para continuar no cargo, deveria submeter-se a
terapias de ordem psiquiátrica.
- Em julho de 2007, a autoridade eclesiástica revogou o certificado de idoneidade de
Pavez Pavez, a impedindo de exercer a profissão de professora de educação religiosa.
- O Poder Judiciário chileno, provocado pela senhora Pavez Pavez, manteve a revogação
do seu certificado de idoneidade, compreendendo que o ato da autoridade eclesiástica
não poderia ser considerado ilegal ou arbitrário.
b. ENTENDIMENTO DA CORTE IDH

- ORIENTAÇÃO SEXUAL E IDENTIDADE SEXUAL COMO MANIFESTAÇÃO DO DIREITO À


INTIMIDADE: “Em relação à orientação sexual e à identidade sexual, a Corte reitera
que se encontram ligadas ao conceito de liberdade e à possibilidade de todo ser
humano de autodeterminar-se e escolher livremente as opções e circunstâncias que
dão sentido à sua existência, conforme suas próprias convicções, assim como ao direito
à proteção da vida privada. (...) a vida afetiva com o cônjuge ou companheira
permanente, dentro da qual se encontram, logicamente, as relações sexuais, é um dos
aspectos principais desse âmbito ou círculo da intimidade, no qual também influi a
orientação sexual da pessoa”.
- OBRIGAÇÃO DE NÃO DISCRIMINAR: “(...) em virtude da obrigação de não discriminar,
os Estados estão obrigados, ainda, a adotar medidas positivas para reverter ou mudar
situações discriminatórias existentes em suas sociedades em prejuízo de determinado
grupo de pessoas. Isso implica o dever especial de proteção que o Estado deve exercer
a respeito de atuações e práticas de terceiros que, sob sua tolerância ou aquiescência,
criam, mantém ou favoreçam as situações discriminatórias. (...) A Corte Interamericana
reconhece que muitas pessoas têm sido vítimas de discriminação estrutural,
estigmatização, diversas formas de violência e violações de seus direitos fundamentais
pela sua orientação sexual”.
- EDUCAÇÃO BASEADA NO RESPEITO AOS DIREITOS HUMANOS: “(...) a Declaração
Universal dos Direitos Humanos estipula em seu art. 26.2 de forma similar à Declaração
Americana que a ‘educação terá por objeto o pleno desenvolvimento da personalidade
humana e o fortalecimento do respeito aos direitos humanos e às liberdades
fundamentais; favorecerá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as
nações e todos os grupos étnicos ou religiosos’. (...) uma educação que se compartilha
violando direitos humanos não permite cumprir os referidos propósitos, resulta
frontalmente contrária a eles e, por isso, viola o direito à educação. Os Estados devem
adotar ações adequadas para prevenir violações aos direitos humanos no decorrer do
processo educacional de crianças.
- COMPREENSÃO DO ÂMBITO DA “EXCEÇÃO MINISTERIAL”: “Este Tribunal entende
que a chamada ‘exceção ministerial’ opera em atos que se relacionam com o
funcionamento da comunidade religiosa como por exemplo a determinação de quem
são os membros desta igreja, quem são seus ministros, quais são suas hierarquias.
Porém, quando se projeta em outros âmbitos essa exceção ministerial fica debilitada e
menos robusta, em particular no âmbito educativo em estabelecimentos públicos onde
os princípios e valores de tolerância, de pleno respeito dos direitos humanos, as
liberdades fundamentais e da não discriminação são de imperioso cumprimento pelo
Estado. Para esta Corte, embora a designação de professores de uma crença religiosa
particular por parte das comunidades religiosas interessadas possa compreender certa
margem de autonomia, a qual estaria em conformidade com o direito à liberdade
religiosa, esta liberdade não pode ser absoluta. Isso ocorre porque as aulas de religião
católica como parte de um plano de educação pública, em estabelecimentos
educacionais públicos, financiados pelos cofres públicos, não se encontram dentro dos
âmbitos da liberdade religiosa que devem estar livres de toda ingerência do Estado,
pois não estão claramente relacionadas com as crenças religiosas ou com a vida
organizacional das comunidades”.
o As instituições religiosas, de modo geral, possuem âmbitos nos quais o Estado
não deve intervir. A Igreja, como instituição, possui uma discricionariedade
bastante ampla para exercer seus costumes, usos, tradições.
o No entanto, quando esta cultura da Igreja se projeta para espaços externos –
sobretudo uma escola pública – observa-se um conflito, uma problemática.
- “De acordo com isso, as autoridades religiosas chilenas contam com uma autonomia
ampla no momento de outorgar um certificado de idoneidade para ensinar religião,
porém, por se tratar de um ensino que faz parte dos planos de educação de crianças,
essas faculdades que derivam diretamente do direito à liberdade religiosa devem se
adequar aos outros direitos e obrigações vigentes em matéria de igualdade e não
discriminação”.
- VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS DA SENHORA PAVEZ PAVEZ: “(...) os direitos à
liberdade pessoal e à vida privada de Sandra Pavez Pavez se viram afetados de distintas
formas. (...) O âmbito íntimo de Sandra Pavez Pavez relacionado à sua orientação
sexual se viu exposto na resolução de revogação do certificado de idoneidade (...). (...)
sua vida sexual também foi objeto de intromissões por parte da autoridade eclesiástica
que havia a exortado a terminar sua vida homossexual e condicionou sua permanência
no cargo de professora de religião católica à submissão a terapias médicas ou
psiquiátricas, conduta que desde uma perspectiva de um estado de direito no qual
devem ser respeitados os direitos humanos resulta totalmente inaceitável. (...)
- (...) Desse modo, ainda que tenha seguido realizando atividades relacionadas com a
educação, não pôde seguir trabalhando na qualidade de professora de religião católica
porque foi objeto de um tratamento discriminatório, e, nesse sentido, se viu afetado
seu direito à estabilidade laboral e, por isso, o direito ao trabalho”.
o A escola pública não demitiu a Sra. Sandra Pavez Pavez de seus quadros, mas a
realocou em uma atividade mais administrativa. Tendo em vista que a Sra.
Sandra atuava, originalmente, como professora, a Corte IDH entendeu essa
conduta como uma violação ao direito ao trabalho - direito previsto no
Protocolo de San Salvador.
- DISCRIMINAÇÃO: “(...) Com efeito, em nenhum momento foi levado em conta o
impacto da medida na vida pessoal de Sandra Pavez Pavez ou em sua vocação docente.
Tampouco queda claro a existência de uma violação real ou potencial para a autonomia
da comunidade religiosa nem para o direito à religião ou o direito dos pais e tutores de
que seus filhos recebam educação religiosa que seja conforme suas crenças. Pelo
contrário, a vítima declarou sem que tenha sido contestado pelo Estado que recebeu
apoio que se materializou através de 700 assinaturas de alunos para que pudesse
continuar ensinando religião. (...) Pelos motivos expostos, a Corte considera que a
decisão das autoridades do colégio público (...) não cumpriu com o teste estrito de
igualdade e violou o princípio da igualdade e não discriminação em seu prejuízo”.
c. MEDIDAS DE REPARAÇÃO
- Publicação da sentença.
- Ato público de reconhecimento da responsabilidade internacional.
- Criação e implementação de um plano de capacitação permanente das pessoas
encarregadas de avaliar a idoneidade dos professores.
- Adequação do procedimento para impugnação de decisões dos estabelecimentos
educacionais.
- Pagamento de quantia fixada para reparar os danos materiais e imateriais.
- Oferecimento de tratamento psicológico e/ou psiquiátrico para a vítima.
- A Corte IDH indeferiu a medida de reparação consistente na reincorporação da
vítima ao cargo de professora de religião.
o Este ponto da decisão foi criticado pelo Prof. Caio Paiva.

AULA 42 – IMIGRANTES E REFUGIADOS


1. Introdução

- IMIGRANTE: “pessoa nacional de outro país ou apátrida que trabalha ou reside e se


estabelece temporária ou definitivamente no Brasil” (Lei de Migração, art. 1o, II).
- EMIGRANTE: “brasileiro que se estabelece temporária ou definitivamente no
exterior” (Lei de Migração, art. 1o, III).
- REFUGIADO: “todo indivíduo que I) devido a fundados temores de perseguição por
motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se
fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de
tal país; II) não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua
residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das
circunstâncias descritas no inciso anterior; ou III) devido a grave e generalizada violação
de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio
em outro país” (Lei 9.474/1997, art. 1o).
2. Normativa dos sistemas interamericano e global

- Sistema interamericano: não há um tratado específico.


- Sistema global: Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de todos os
Trabalhadores Migrantes e de suas Famílias (1990), Convenção sobre o Estatuto dos
Refugiados (1951) e o seu Protocolo (1967), além de outros documentos soft law.
- ATENÇÃO  O Brasil ainda não assinou a Convenção Internacional sobre a Proteção
dos Direitos de todos os Trabalhadores Migrantes e membros de suas Famílias (1990),
tendo, porém, encaminhado o texto para o Congresso Nacional, sinalizando, portanto,
aparentemente querer “pular” a fase da assinatura para já ratificar diretamente o
tratado caso o Congresso Nacional o aprove antes.
- Na aula o professor afirmou que o Brasil assinou, mas essa é a informação corrigida.
3. Órgãos específicos de proteção internacional

- Sistema interamericano: além da CIDH e da Corte IDH, especificamente a Relatoria da


CIDH sobre os Direitos das Pessoas Migrantes.
- Sistema global: Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR),
Comitê para a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos
membros das suas Famílias, além de relatorias.
4. Destaques da normativa internacional

- Destaques sobre a CONVENÇÃO DA ONU RELATIVA AO ESTATUTO DOS REFUGIADOS:


- A redação originária continha duas limitações, sendo uma de natureza temporária
(vigorando apenas para fatos ocorridos antes de 1951) e outra de natureza geográfica
(apenas para o continente europeu).  A convenção originária se destinava aos
refugiados da 2ª Guerra Mundial.
- Um protocolo adotado 1967 quebrou esse paradigma eurocêntrico e superou as
referidas limitações.
- O Brasil internalizou esse tratado por meio do Decreto no 50.215/1961, com reserva
de dois artigos (15 e 17), e internalizou o protocolo por meio do Decreto no
70.946/1972.
- O art. 15 dispõe sobre tratamento mais favorável aos refugiados do que os demais
estrangeiros no que diz respeito ao direito de associação.
- O art. 17 dispõe sobre tratamento mais favorável aos refugiados do que os demais
estrangeiros sobre o exercício de atividade profissional assalariada.
- Art. 31: “Os Estados Contratantes não aplicarão sanções penais em virtude da sua
entrada ou permanência irregulares, aos refugiados que, chegando diretamente do
território no qual sua vida ou sua liberdade estava ameaçada no sentido previsto pelo
artigo 1o, cheguem ou se encontrem no seu território sem autorização, contanto que
se apresentem sem demora às autoridades e lhes exponham razões aceitáveis para a
sua entrada ou presença irregulares”.
- Art. 33 (proibição de expulsão ou de rechaço – princípio do non refoulement): “1.
Nenhum dos Estados Contratantes expulsará ou rechaçará, de maneira alguma, um
refugiado para as fronteiras dos territórios em que a sua vida ou a sua liberdade seja
ameaçada em virtude da sua raça, da sua religião, da sua nacionalidade, do grupo
social a que pertence ou das suas opiniões políticas; 2. O benefício da presente
disposição não poderá, todavia, ser invocado por um refugiado que por motivos sérios
seja considerado um perigo para a segurança do país no qual ele se encontre ou que,
tendo sido condenado definitivamente por crime ou delito particularmente grave,
constitui ameaça para a comunidade do referido país”.

- Destaques sobre a CONVENÇÃO DA ONU sobre a Proteção dos Direitos de Todos os


Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias:

- O Brasil ainda não assinou a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos
de todos os Trabalhadores Migrantes e membros de suas Famílias (1990), tendo,
porém, encaminhado o texto para o Congresso Nacional, sinalizando, portanto,
aparentemente querer “pular” a fase da assinatura para já ratificar diretamente o
tratado caso o Congresso Nacional o aprove antes.
- De acordo com o art. 3o, a Convenção não se aplica: a) às pessoas enviadas por
organizações internacionais ou por um Estado para desempenharem funções oficiais
ou participarem de programas de desenvolvimento e de cooperação; b) às pessoas que
se instalam num Estado diferente do seu Estado de origem na qualidade de
investidores; c) aos refugiado e apátridas, salvo disposição em contrário da legislação
nacional ou de instrumento internacional em vigor para o Estado; d) aos estudantes e
estagiários; e e) aos marítimos que não tenham sido autorizados a residir ou exercer
atividade remunerada no Estado de emprego.
- Art. 4o: “Para efeitos da presente Convenção, a expressão "membros da família"
designa a pessoa casada com o trabalhador migrante ou que com ele mantém uma
relação que, em virtude da legislação aplicável, produz efeitos equivalentes aos do
casamento, bem como os filhos a seu cargo e outras pessoas a seu cargo, reconhecidas
como familiares pela legislação aplicável ou por acordos bilaterais ou multilaterais
aplicáveis entre os Estados interessados”.
- Art. 25: igualdade de direitos e condições em matéria de direitos trabalhistas em
relação aos nacionais.
- Art. 27.2: “Se a legislação aplicável privar de uma prestação os trabalhadores
migrantes e os membros das suas famílias, deverá o Estado de emprego ponderar a
possibilidade de reembolsar o montante das contribuições efetuadas pelos
interessados relativamente a essa prestação, na base do tratamento concedido aos
nacionais que se encontrem em circunstâncias idênticas”.
- Art. 72: institui o Comitê para a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores
Migrantes e dos Membros das suas Famílias.
- Mecanismos convencionais do Comitê (art. 73 e seguintes): relatórios periódicos,
petições interestatais (exige manifestação adicional) e petições individuais (exige
manifestação adicional).
5. Destaques da jurisprudência internacional

- Política migratória e direitos trabalhistas: “não é admissível que um Estado de


emprego proteja sua produção nacional (...) fomentando ou tolerando a contratação
de trabalhadores migrantes indocumentados com fins de exploração laboral,
prevalecendo-se da condição de vulnerabilidade destes trabalhadores frente ao
empregador no Estado ou considerando-lhes como oferta laboral menos custosa, seja
pagando-lhes salários mais baixos, negando-lhes ou limitando o gozo ou exercício de
um ou mais direitos laborais, ou negando-lhes a possibilidade de reclamar a violação
dos mesmos ante a autoridade competente” (Corte IDH, OC 18).
- Ou seja, os imigrantes – inclusive os indocumentados – não podem receber uma
estrutura de direitos trabalhistas inferior à dos trabalhadores nacionais.
- Controle de ingresso e saída: “no exercício de sua faculdade de fixar políticas
migratórias, os Estados podem estabelecer mecanismos de controle de ingresso no seu
território e saída dele a respeito de pessoas que não sejam seus nacionais, sempre que
estas políticas sejam compatíveis com as normas de proteção dos direitos humanos
estabelecidas na Convenção Americana” (Corte IDH, Caso Vélez Loor vs. Panamá).
- Situação de vulnerabilidade dos migrantes: “Geralmente os migrantes se encontram
em uma situação de vulnerabilidade como sujeitos de direitos humanos, em uma
condição individual de ausência ou diferença de poder a respeito dos não migrantes
(nacionais ou residentes). Esta condição de vulnerabilidade tem uma dimensão
ideológica e se apresenta em um contexto histórico que é distinto para cada Estado,
sendo mantida por situações de jure (desigualdades entre nacionais e estrangeiros nas
leis) e de fato (desigualdades estruturais). Esta situação conduz ao estabelecimento de
diferenças no acesso de uns e outros aos recursos públicos administrados pelo Estado”
(Corte IDH, OC 18).
- Determinação de quem é considerado nacional: “A determinação de quem é nacional
segue sendo competência interna dos Estados. Porém, sua discricionariedade nesta
matéria sofre um constante processo de restrição conforme a evolução do direito
internacional, com vistas a uma maior proteção da pessoa frente à arbitrariedade dos
Estados. Assim que na atual etapa de desenvolvimento do DIDH, esta faculdade dos
Estados está limitada, por um lado, por seu dever de assegurar aos indivíduos uma
proteção igualitária e efetiva da lei e sem discriminação, e, por outro lado, por seu
dever de prevenir, evitar e reduzir a apatridia” (Corte IDH, Caso das Meninas Yean e
Bosico vs. República Dominicana).
- Princípio do non refoulement: a primeira vez que a Corte IDH apreciou um caso sobre
o assunto ocorreu no julgamento do Caso Família Pacheco Tineo vs. Bolívia.
- Extradição: a primeira vez que a Corte IDH se manifestou sobre as obrigações dos
Estados em processo de extradição ocorreu no julgamento do Caso Wong Ho Wing vs.
Peru.
- Local de detenção de pessoas em situação migratória: “os migrantes devem ser
detidos em estabelecimentos especificamente destinados a tal fim que sejam
compatíveis com sua situação legal e não em prisões comuns, cuja finalidade é
incompatível com a natureza de uma possível detenção de uma pessoa por sua
situação migratória, ou em outros lugares onde possam estar junto com pessoas
acusadas ou condenadas por crimes” (Corte IDH, Caso Vélez Loor vs. Panamá).
- “Asilo em sentido amplo”: embora no DIDH asilo e refúgio integrem uma categoria
única e mais ampla chama de “asilo em sentido amplo” ou “direito ao acolhimento”
(Corte IDH, OC 25), ainda prevalece na ordem jurídica brasileira que esses institutos
não se confundem, sendo as principais diferenças as seguintes:
1) Enquanto asilo é ato constitutivo e discricionário, o refúgio é ato vinculado e
declaratório;
2) Enquanto o asilo busca acolher perseguido político, o refúgio contempla vários tipos
de perseguição;
3) Enquanto o asilo não conta com uma organização internacional de supervisão, o
refúgio é supervisionado pelo ACNUR;
4) Enquanto o asilo exige atualidade e uma situação de urgência, o refúgio exige
apenas o fundado temor;
5) Não há direito subjetivo de ingresso no território nacional tratando-se de asilo,
diferentemente do que ocorre com o refúgio; e
6) Enquanto o asilo é regido precipuamente pelo costume internacional, o refúgio é
regido precipuamente por tratados internacionais.

AULA 43 – OBRIGAÇÕES PROCESSUAIS POSITIVAS


1. Introdução

- Primeiro vamos lembrar que o DIDH não acolhe uma perspectiva abolicionista do
Direito Penal. Pelo contrário, emite mandados de criminalização e impõe obrigações
processuais positivas para os Estados (investigar, processar e punir).
- Considero que existe um pecado original do DIDH, que consiste na reação a crimes
muitos graves contra os direitos humanos por meio de um poder penal absoluto
(Daniel Pastor).
- Assim, portanto, o Tribunal de Nuremberg, os Tribunais ad hoc criado pelo CSNU e,
em alguma medida, também o Estatuto de Roma do TPI, com crimes imprescritíveis,
prisão perpétua etc.
- No sistema interamericano, a Corte IDH, desde o julgamento do primeiro caso
contencioso – Caso Velásquez Rodríguez vs. Honduras (1988) –, já estabeleceu a
obrigação dos Estados de investigar, processar e punir toda violação de direitos
humanos, o que consiste nas chamadas obrigações processuais positivas (que nem
sempre são, porém, associadas a persecução penal, mas também a deveres dos
Estados na proteção, p. ex., de pessoas privadas de liberdade).
- “(...) A segunda obrigação dos Estados Partes é a de "garantir" o livre e pleno exercício
dos direitos reconhecidos na Convenção a toda pessoa sujeita à sua jurisdição. Esta
obrigação [de garantia dos direitos humanos] implica o dever dos Estados Partes de
organizar todo o aparato governamental e, em geral, todas as estruturas através das
quais se manifesta o exercício do poder público, de maneira tal que sejam capazes de
assegurar juridicamente o livre e pleno exercício dos direitos humanos. Como
consequência desta obrigação, os Estados devem prevenir, investigar e punir toda
violação dos direitos reconhecidos pela Convenção e procurar, ademais, o
restabelecimento, se possível, do direito violado e, se for o caso, a reparação dos danos
produzidos pela violação dos direitos humanos”.
- A Corte IDH entende que, em relação aos crimes mais graves contra os direitos
humanos (como tortura, desaparecimento forçado, execuções extrajudiciais etc.), o
Estado não pode alegar nenhum obstáculo de direito interno, tais como disposições de
anistia, prescrição e demais excludentes de responsabilidade.
- Neste sentido, p. ex., e em especial a partir do Caso Barrios Altos vs. Peru (2001).
Primeira decisão da Corte IDH envolvendo lei de anistia. Há quem considere correta ou
natural essa jurisprudência da Corte IDH.
2. Obrigações processuais positivas

- Podemos compreender como OBRIGAÇÕES PROCESSUAIS POSITIVAS o dever do


Estado de organizar todo o aparato normativo e estrutural para impedir impunidade
de crimes que resultam em violação de direitos humanos, havendo, assim, a
obrigação – compartilhada entre os agentes estatais responsáveis por conduzir a
persecução penal – de investigar, processar e, se for o caso, punir os autores.
- Trata-se de uma obrigação de meio, e não de resultado: “O dever de investigar é uma
obrigação de meio, não de resultado. Essa obrigação deve ser assumida pelo Estado
como um dever jurídico próprio e não como uma simples formalidade condenada de
antemão a ser infrutífera ou como uma mera gestão de interesses particulares, que
dependa da iniciativa processual das vítimas ou de seus familiares ou da aportação
privada de elementos probatórios” (Corte IDH, Caso Presídio Miguel Castro Castro vs.
Peru).

3. Crítica à jurisprudência punitivista

- A Corte IDH entende como IMPUNIDADE “a falta, em seu conjunto, de investigação,


persecução, captura, processo e condenação dos responsáveis das violações dos
direitos protegidos pela CADH, pois o Estado tem a obrigação de combater tal situação
por todos os meios legais disponíveis, já que a impunidade propicia a repetição crônica
das violações de direitos humanos e a total indefesa das vítimas e de seus familiares”
(Caso Bulacio vs. Argentina).
- Compreendo por jurisprudência punitivista uma legitimação de um poder penal
absoluto, em que aparentemente vale tudo – do ponto de vista processual – para evitar
a impunidade.
- Duplo equívoco desta jurisprudência punitivista: (i) a Corte IDH atua sem respaldo
convencional suficiente para legitimar um poder penal absoluto e (ii) não oferece as
garantias necessárias para evitar sua extensão a outros crimes.
- Assim, quando a Corte IDH busca diferenciar o regime processual dos crimes graves
contra os direitos humanos – uma categoria indefinida – e a criminalidade comum,
como o fez nos casos Bámaca Velásquez vs. Guatemala (supervisão) e Albán Cornejo e
outros vs. Equador, inevitavelmente acaba incorporando em sua jurisprudência o
Direito Penal do inimigo.
- Para Günther Jakobs, “(...) frente aos autores de violações dos direitos humanos,
quem por sua parte tampouco oferece uma segurança suficiente de serem pessoas,
está permitido então tudo o que seja necessário para assegurar o âmbito comunitário-
legal (...). Como é evidente, não me dirijo contra os direitos humanos como vigência
universal, mas é que seu estabelecimento é algo distinto de sua proteção. Se serve ao
estabelecimento de uma Constituição mundial comunitário-legal, haverá que se
castigar os que violam os direitos humanos; mas isso não é uma pena contra pessoas
culpáveis, mas sim contra inimigos perigosos, e por isso deveria chamar-se essa coisa
pelo seu nome: Direito Penal do inimigo”.
- A Corte IDH já se manifestou no sentido de que a prescrição, bis in idem, coisa
julgada, anistia, abuso do direito de recorrer não podem ser alegados pelo Estado para
fins de descumprir as obrigações processuais positivas de investigar e punir. CRÍTICA do
professor Caio: Quais serão os próximos “obstáculos de direito interno” que não
poderão ser opostos pelos Estados? Presunção de inocência, falta de provas?
- Daniel Pastor identifica aqui um “efeito metástase” e Mariângela Gomes fala em
“efeito contágio”.
- Pastor identifica aqui também o chamado neopunitivismo, que inspira o chamado
Direito Penal dos direitos humanos, resultando num poder penal absoluto.
- Para Jesus Maria Silva-Sánchez, “A expressão nullum crimen sine poena pode ser de
algum modo contraposta à clássica nullum crimen sine lege e vincula-se ao direito
penal autoritário. A ideia que a inspira é a de que nenhum delito deve ficar impune.
Segundo ela, haveria que prescindir das garantias formais vinculadas ao princípio de
legalidade quando estas se opõem à sanção de uma conduta considerada
materialmente merecedora de pena. Após a queda dos totalitarismos, tanto a ideia
inspiradora da máxima nullum crimen sine poena como as consequências a ela
associadas permaneceram em um relativo segundo plano. (...) Em compensação, ao
longo da última década, e em particular nos últimos anos, têm aparecido duas
doutrinas que, à primeira vista, poderiam guardar certa proximidade com alguns dos
critérios subjacentes à máxima nullum crimen sine poena. Estas são, por um lado, a
doutrina da luta contra a impunidade ou de impunidade zero. Por outro lado, a
doutrina do direito da vítima à punição do autor”.
- Reflexões trazidas pelo Professor Caio Paiva:
- A Corte IDH precisa dialogar mais com a doutrina penal crítica produzida na região.
- A jurisprudência punitivista da Corte IDH pode contribuir para um descrédito do
sistema interamericano e até mesmo para a saída (denúncia) de Estados do subsistema
da CADH.
- A passagem do Zaffaroni pela Corte IDH não contribuiu para uma reflexão do Tribunal
a respeito desta jurisprudência punitivista.
- A Corte IDH pode responsabilizar o Estado internacionalmente pela impunidade sem
necessariamente determinar a reabertura do caso no direito interno.

AULA 44 – COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE


1. Criação

- “A criação de uma Comissão Nacional da Verdade com o objetivo estratégico de


promover a apuração e o esclarecimento público das graves violações de direitos
humanos praticadas no Brasil no período fixado pelo art. 8o do ADCT da CF, em
sintonia com uma das diretrizes constantes do 3o PNDH publicado no final de 2009,
responde a uma demanda histórica da sociedade brasileira. (...) A criação da CNV
assegurará o resgate da memória e da verdade sobre as graves violações de direitos
humanos ocorridas no período anteriormente mencionado [1946-1988], contribuindo
para o preenchimento das lacunas existentes na história de nosso país em relação a
esse período e, ao mesmo tempo, para o fortalecimento dos valores democráticos” -
mensagem do então Presidente Lula, de 12.05.2010, ao Congresso Nacional,
encaminhando o projeto de lei de criação da CNV).
- A instalação da Comissão Nacional da Verdade, com a aprovação da Lei 12.528/2011,
ocorreu em cerimônia realizada no Palácio do Planalto, em 16.05.2012, contando com
a participação da atual Presidente Dilma e dos ex-presidentes Lula, FHC, Collor e José
Sarney.
- MISSÃO PRINCIPAL DA COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE: investigar e dar resposta
a familiares e à sociedade que sofre com a ausência de informações, verdade e
memória de tempos mais obscuros da história brasileira.
2. Destaques da Lei 12.528/2011

- Vinculação orgânica (art. 1o): Casa Civil da Presidência da República.


- Finalidade (art. 1o): examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos
praticadas no período fixado no art. 8o do ADCT (1946-1988), a fim de efetivar o direito
à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional.
- Composição (art. 2o): sete membros designados pela Presidência da República,
dentre brasileiros, de reconhecida idoneidade e conduta ética, identificados com a
defesa da democracia e da institucionalidade constitucional, bem como com o respeito
aos direitos humanos. O mandato dos membros tinha duração até o término dos
trabalhos da CNV.
- Objetivos (art. 3o): 1) esclarecer os fatos e as circunstâncias dos casos de graves
violações de direitos humanos; 2) promover o esclarecimento circunstanciado dos
casos de torturas, mortes, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres e sua
autoria, ainda que ocorridos no exteriores; 3) identificar e tornar públicos as
estruturas, os locais, as instituições e as circunstâncias relacionados à prática de
violações de direitos humanos e suas eventuais ramificações nos diversos aparelhos
estatais e na sociedade; 4) encaminhar aos órgãos públicos competentes toda e
qualquer informação obtida que possa auxiliar na localização e identificação de corpos
e restos mortais de desaparecidos políticos; 5) colaborar com todas as instâncias do
poder público para apuração de violação de direitos humanos; 6) recomendar a adoção
de medidas e políticas públicas para prevenir violação de direitos humanos, assegurar
sua não repetição e promover a efetiva reconciliação nacional; e 7) promover, com
base nos informes obtidos, a reconstrução da história dos casos de graves violações de
direitos humanos, bem como colaborar para que seja prestada assistência às vítimas de
tais violações.
- Prerrogativas para executar seus objetivos (art. 4o): 1) receber testemunhos,
informações, dados e documentos que lhe forem encaminhados voluntariamente,
assegurada a não identificação do detentor ou depoente, quando solicitada; 2)
requisitar informações, dados e documentos de órgãos e entidades do poder público,
ainda que classificados em qualquer grau de sigilo; 3) convocar, para entrevistas ou
testemunho, pessoas que possam guardar qualquer relação com os fatos e
circunstâncias examinados; 4) determinar a realização de perícias e diligências para
coleta ou recuperação de informações, documentos e dados; 5) promover audiências
públicas; 6) requisitar proteção aos órgãos públicos para qualquer pessoa que se
encontre em situação de ameaça em razão de sua colaboração com a Comissão
Nacional da Verdade; 7) promover parcerias com órgãos e entidades, públicos ou
privados, nacionais ou internacionais, para o intercâmbio de informações, dados e
documentos; e 8) requisitar o auxílio de entidades e órgãos públicos.
- Natureza das atividades (art. 4o, § 4o): As atividades da Comissão Nacional da
Verdade não terão caráter jurisdicional ou persecutório.
- Publicidade (art. 5o): As atividades desenvolvidas pela Comissão Nacional da Verdade
serão públicas, exceto nos casos em que, a seu critério, a manutenção de sigilo seja
relevante para o alcance de seus objetivos ou para resguardar a intimidade, a vida
privada, a honra ou a imagem de pessoas.
- Remuneração dos membros (art. 7o): valor mensal de R$ 11.179,36.
- Conclusão dos trabalhos (art.11): A Comissão Nacional da Verdade terá prazo até 16
de dezembro de 2014, para a conclusão dos trabalhos, e deverá apresentar, ao final,
relatório circunstanciado contendo as atividades realizadas, os fatos examinados, as
conclusões e as recomendações.
3. Conclusões e recomendações da CNV
Vejamos as principais recomendações:
- Reconhecimento, pelas Forças Armadas, de sua responsabilidade institucional pela
ocorrência de graves violações de direitos humanos durante a ditadura militar (1964 a
1985).
- Proibição da realização de eventos oficiais em comemoração ao golpe militar de 1964.
- Reformulação dos concursos de ingresso e dos processos de avaliação contínua nas
Forças Armadas e na área de segurança pública, de modo a valorizar o conhecimento
sobre os preceitos inerentes à democracia e aos direitos humanos.
- Modificação do conteúdo curricular das academias militares e policiais, para
promoção da democracia e dos direitos humanos.
- Retificação da anotação da causa de morte no assento de óbito de pessoas mortas em
decorrência de graves violações de direitos humanos.
- Criação de mecanismos de prevenção e combate à tortura.
- Fortalecimento das Defensorias Públicas.
- Revogação da Lei de Segurança Nacional.
- Aperfeiçoamento da legislação brasileira para tipificação das figuras penais
correspondentes aos crimes contra a humanidade e ao crime de desaparecimento
forçado.
- Desmilitarização das polícias militares estaduais.
- Extinção da Justiça Militar estadual.
- Exclusão de civis da jurisdição da Justiça Militar federal.
- Alteração da legislação processual penal para eliminação da figura do auto de
resistência à prisão. [Caso Favela Nova Brasilia]
- Introdução da audiência de custódia, para prevenção da prática da tortura e de
prisão ilegal.
- Prosseguimento das atividades voltadas à localização, identificação e entrega aos
familiares ou pessoas legitimadas, para sepultamento digno, dos restos mortais dos
desaparecidos políticos.

AULA 45 – JUDICIALIZAÇÃO DOS DESCA


1. Introdução

- A principal razão para que os Estados dificultem a judicialização dos DESCA é o


“CUSTO” dos direitos humanos, tratando-se, portanto, de uma IMPLEMENTAÇÃO
PROGRESSIVA. - Assim, tem-se que “PROGRESSIVA EFETIVIDADE” indica que a
proteção deve sempre ser ampliada e medidas retroativas devem ser rigorosamente
justificadas.
- PRINCIPAIS TEXTOS INTERNACIONAIS QUE PROTEGEM OS DESCA: DUDH (1948),
algumas Convenções da OIT, Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as
Formas de Discriminação Racial, PIDESC, Declaração sobre o Progresso e o
Desenvolvimento Social, Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher, Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento,
Convenção sobre os Direitos da Criança, Convenção Internacional sobre a proteção de
todos os trabalhadores migrantes e de seus familiares, Carta Africana dos Direitos
Humanos e dos Povos, Protocolo de San Salvador e Carta Social Europeia.
2. Sistema interamericano

- CADH: reconhece a interdependência e a indivisibilidade no preâmbulo (“Reiterando


que, de acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, só pode ser
realizado o ideal do ser humano livre, isento do temor e da miséria, se forem criadas
condições que permitam a cada pessoa gozar dos seus direitos econômicos, sociais e
culturais, bem como dos seus direitos civis e políticos”), mas protege essencialmente
direitos civis e político.
- A CADH veicula uma cláusula de progressividade no art. 26: “Os Estados-partes
comprometem-se a adotar providência, tanto no âmbito interno como mediante
cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir
progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas
econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da OEA,
(...), na medida dos recursos disponíveis (...)”.
- Assim, o art. 26 da CADH não estabelece um catálogo de DESCA nem faz menção à
judicialização destes direitos.
- PROTOCOLO ADICIONAL E FACULTATIVO À CADH EM MATÉRIA DE DESCA
(“PROTOCOLO DE SAN SALVADOR”): adotado em 1998. Possui como mecanismos
convencionais os relatórios periódicos para o Secretário-Geral da OEA, que os
transmitirá ao Conselho Interamericano Econômico e Social e ao Conselho
Interamericano de Educação, Ciência e Cultura, com cópia para a CIDH; e também as
petições individuais no caso dos direitos à educação e sindicais (com a exceção do
direito de greve).
- Judicialização direta conforme o Protocolo de San Salvador: apenas os direitos à
educação e sindicais (com a exceção do direito de greve).
- Judicialização indireta dos DESCA: indireta, mediata ou por conexão com direitos civis
como os direitos à vida e à integridade pessoal.
o GREENING: Em relação ao meio ambiente, tinha-se, portanto, o greening ou
esverdeamento dos direitos humanos.
- Judicialização direta conforme a jurisprudência da Corte IDH a partir do julgamento
do Caso Lagos del Campo vs. Peru (2017): pela primeira vez, houve o reconhecimento
de uma densidade normativa autônoma do art. 26 da CADH (cláusula de
progressividade).
ARGUMENTOS FAVORÁVEIS: ARGUMENTOS CONTRÁRIOS
1) interpretação evolutiva do art. 1) os Estados ratificaram a CADH se submetendo
26 da CADH; 2) indivisibilidade e tão somente ao monitoramento dos DCP e não
interdependência dos DCP e houve nos debates entre os Estados quando da
DESCA; 3) o Protocolo de San adoção da Convenção nenhuma proposta para
Salvador não veda a Corte de incluir os DESCA no regime de proteção previsto
decidir sobre violação ao art. 26 para os DCP; 2) os Estados ratificaram o
da CADH; e 4) a mera existência Protocolo de San Salvador aceitando a
do art. 19.6 do Protocolo de San judicialização direta de apenas alguns direitos
Salvador não permite limitar a sociais; e 3) o art. 26 da CADH não reconhece
competência da Corte IDH. direitos, mas apenas a obrigação dos Estados de
desenvolver progressivamente os DESCA.

- ARGUMENTOS FAVORÁVEIS ao entendimento da Corte IDH de judicialização direta


dos DESCA: 1) interpretação evolutiva do art. 26 da CADH; 2) indivisibilidade e
interdependência dos DCP e DESCA; 3) o Protocolo de San Salvador não veda a Corte
de decidir sobre violação ao art. 26 da CADH; e 4) a mera existência do art. 19.6 do
Protocolo de San Salvador não permite limitar a competência da Corte IDH.
- ARGUMENTOS CONTRÁRIOS – interpretação mais preocupada com a manifestação
de vontade dos Estados quando aderiram aos instrumentos normativo do sistema
interamericano (juízes Vio Grossi e Humberto Sierra Porto): 1) os Estados ratificaram a
CADH se submetendo tão somente ao monitoramento dos DCP e não houve nos
debates entre os Estados quando da adoção da Convenção nenhuma proposta para
incluir os DESCA no regime de proteção previsto para os DCP; 2) os Estados ratificaram
o Protocolo de San Salvador aceitando a judicialização direta de apenas alguns direitos
sociais; e 3) o art. 26 da CADH não reconhece direitos, mas apenas a obrigação dos
Estados de desenvolver progressivamente os DESCA.
- RESUMO: a partir do caso Lagos del Campo, que tratou do direito à estabilidade no
emprego (prevista no Protocolo de San Salvador), a Corte IDH admitiu a ampla e
irrestrita judicialização direta dos DESCA, tendo como base normativa independente,
autônoma e suficiente o art. 26 da CADH.
- VANTAGENS EM RELAÇÃO À JUDICIALIZAÇÃO INDIRETA: 1) clareza da possibilidade
de judicializar os DESCA; 2) possibilidade de a Corte IDH analisar de forma mais
detalhada os direitos das pessoas e as obrigações dos Estados em matéria de DESCA; 3)
desenvolvimento de parâmetros que abordem de forma mais clara os assuntos de
impacto profundo na vigência dos direitos humanos na região.
3. Sistema global

- O PIDESC é considerado um dos documentos internacionais mais importantes em


matéria de direitos sociais em sentido amplo.
- O PIDESC tem como mecanismos de proteção os relatórios periódicos (basta a
ratificação do PIDESC), as petições interestatais (depende de ratificação do PIDESC e do
seu protocolo facultativo, além de declaração especial), as petições individuais
(depende de ratificação do PIDESC e do seu protocolo facultativo) e inquérito (depende
de ratificação do PIDESC e do seu protocolo facultativo, além de declaração especial).
- Órgão de proteção: Comitê DESC.
- Criação do Comitê DESC: diferentemente do Comitê de Direitos Humanos – órgão de
monitoramento do PIDCP, por este criado –, o Comitê DESC não foi criado pelo tratado
objeto da sua monitoração – o PIDESC –, mas sim por meio de uma resolução do
ECOSOC (Resolução 17/1985). Sua função era basicamente auxiliar o ECOSOC no exame
dos relatórios periódicos. Em 2018, a AGNU adotou o Protocolo Facultativo ao PIDESC,
atribuindo ao Comitê DESC os demais mecanismos de proteção já mencionados.
- Cenário para o Brasil: embora tenha ratificado e internalizado o PIDESC (Decreto no
591/1992), o Brasil ainda não assinou o Protocolo Facultativo, não se submetendo,
portanto, aos mecanismos de proteção sob a coordenação do Comitê DESC. Mas
atenção! O Brasil pode ser demandado em relação à matéria dos DESC nos respectivos
comitês de tratados temáticos para grupos vulneráveis que também protegem direitos
sociais em sentido amplo, como as Convenções sobre mulher, criança, discriminação
racial e pessoas com deficiência.
o Comitê DESC: O Brasil não pode ser demandado perante o Comitê DESC pois
não ratificou seu protocolo facultativo, de modo que não aceitou a
competência do Comitê DESC para tramitar petições individuais.
o CONTUDO, o Brasil PODE ser demandado em relação à matéria dos DESC nos
respectivos comitês de tratados temáticos.
o O Brasil também PODE ser demandado no Comitê de Direitos Humanos,
mediante uma judicialização indireta que conecte a violação de um direito
social à sua consequência em relação ao direito à vida ou ao direito à
integridade pessoal.
4. Sistema europeu

- O sistema europeu de proteção dos direitos humanos nasceu também no pós-


Segunda Guerra Mundial, em 1949, com a criação do Conselho da Europa, por meio do
Tratado de Londres. Trata-se do primeiro sistema regional.
- Como o Estatuto do Conselho da Europa continha apenas referências vagas sobre o
tema dos direitos humanos, foi adotada, em 1950, a Convenção Europeia sobre
Direitos Humanos (CEDH). Seu nome oficial é Convenção para a Proteção dos Direitos
do Homem e das Liberdades Fundamentais.
- A CEDH entrou em vigor em 1953, após 10 ratificações, já tendo sido objeto de 16
protocolos facultativos ou adicionais.
- A CEDH trata essencialmente de direitos civis e políticos. No entanto, alguns direitos
sociais (ou, ao menos, alguns de seus componentes) acabaram se incorporando,
mediante protocolos facultativos, ao texto da CEDH.
- CARTA SOCIAL EUROPEIA: adotada em 1961, entrou em vigor em 1965. Em 1968,
recebeu um protocolo adicional que incorporou ao documento original garantias
relativas aos direitos trabalhistas, igualdade de gênero e direitos das pessoas idosas.
- Em 1996, foi revisada para unir em um texto único sua primeira versão e seu
protocolo, além de acrescentar outros direitos e garantias.
- A atual Carta Social Europeia revisada entrou em vigor em 1999, com a 3a ratificação.
Conta com dois protocolos adicionais (1991 e 1998), que tratam de procedimentos que
buscam conferir maior efetividade ao sistema de monitoramento e implementação dos
direitos protegidos.
- Importante: os direitos protegidos pela Carta Social Europeia não podem ser levados
ao TEDH. Seus mecanismos de proteção funcionam, basicamente, pela apresentação
de relatórios periódicos aos órgãos responsáveis (Comitê Europeu de Direitos Sociais e
o Comitê de Ministros, este por seu Comitê Governamental da Carta Social Europeia).
- Há, ainda, um sistema de denúncia coletiva (introduzido pelo protocolo adicional de
1998).
- Não é possível levar a estes órgãos de monitoramento petições individuais, sendo que
esta legitimidade foi conferida apenas a algumas organizações da sociedade civil
(organizações internacionais de empregadores e sindicatos, ONGs internacionais que
tenham status consultivo perante o Conselho da Europa e organizações nacionais
representativas de empregadores e sindicatos).
- Quem apresenta a denúncia coletiva, portanto, não são as vítimas diretamente.
Somente é possível a denúncia coletiva feita pelos legitimados perante o Comitê
Europeu de Direitos Sociais.
5. Sistema africano

- É o sistema mais recente – e incipiente – quando comparado com os demais sistemas


internacionais, estando ainda em processo de consolidação e construção.
- Assim como os demais sistemas internacionais, o sistema africano também nasceu no
âmbito de uma organização internacional, a Organização da Unidade Africana, criada
em 1963, e substituída em 2001 pela atual União Africana.
- O principal instrumento normativo deste sistema é a Carta Africana dos Direitos
Humanos e dos Povos, adotada em 1981, em Banjul, na Gâmbia, tendo entrado em
vigor em 1986.
- A Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos se diferencia dos demais
tratados “centrais” dos outros sistemas internacionais – como a CADH, a CEDH e os
Pactos de 1966 – por proteger e permitir a judicialização não apenas dos direitos
civis, mas também dos DESC.
- O sistema africano conta com dois órgãos de proteção, sendo eles a Comissão
Africana dos Direitos Humanos e a Corte Africana dos Direitos Humanos e dos Povos.
- Possível a judicialização dos DESC perante a Comissão e, com a concordância do
Estado, aceita ainda pela Corte, diretamente perante a Corte Africana.
AULA 46 – DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
1. Introdução

- Das 100 maiores economias mundiais, 31 são Estados e 69 são multinacionais, cujo
faturamento anual excede o PIB de Estados (dados de 2015).
- John Ruggie ressalta que “as empresas multinacionais estão ultrapassando economias
meramente ‘nacionais’ e suas transações internacionais. (...) desde a década de 1990 –
considerada ‘época de ouro’ para a mais recente onda de globalização corporativa – as
empresas multinacionais emergiram de forma robusta, em maiores quantidade e
escala, tecendo núcleos de atividade econômica transnacionais, sujeitos a uma única
visão global estratégica, operando em tempo real, conectadas e de forma
concomitante” (Quando negócios não são apenas negócios: as corporações
multinacionais e os direitos humanos).
- Para Flávia Piovesan, “Neste contexto, indaga-se: Qual é o alcance da
responsabilidade das empresas em matéria de direitos humanos sob a ótica do DIDH?
Quais são os limites e as potencialidades da arquitetura protetiva internacional ao
enfrentar o desafio de impulsionar o papel das empresas no campo dos direitos
humanos? Qual deve ser a responsabilidade do Estado na relação empresas e direitos
humanos? Qual há de ser o alcance dos direitos e das garantias das vítimas na hipótese
de violação perpetrada por empresas? Quais são as estratégias para fortalecer a
proteção e a promoção dos direitos humanos, bem como a prevenção de violações por
parte das empresas?” (no artigo Empresas e direitos humanos: desafios e perspectivas
à luz do DIDH, em coautoria com Victoriana Gonzaga)”.
2. Abordagem do assunto no sistema global

- O DIDH foi concebido para tratar de conflitos entre o Estado, de um lado, e da vítima
singularmente considerada, de outro (excepcionalmente também para tratar de
conflitos interestatais).
- Surge, porém, este novo ator no contexto do DIDH: as empresas, que podem violar
direitos humanos de pessoas, coletividades e grupos vulneráveis.
- Vejamos como a questão foi e continua sendo discutida no âmbito das Nações
Unidas:
- Conforme explica Flávia Piovesan, “Os Princípios Orientadores constituem o primeiro
marco normativo internacional a identificar e a aclarar a responsabilidade das
empresas e dos Estados em matéria de direitos humanos; objetificando aprimorar
padrões e práticas em relação aos direitos humanos e empresas, de forma a alcançar
resultados tangíveis para indivíduos e comunidades afetadas, contribuindo, assim,
para uma globalização socialmente sustentável. (...) Os Princípios Orientadores são
estruturados em 3 pilares: proteger, respeitar e remediar. Abrangem um total de 31
princípios endereçados aos Estados e às empresas, com o objetivo de esclarecer o
alcance de sua responsabilidade em matéria de proteção e respeito aos direitos
humanos no contexto das atividades empresariais, prevendo, ainda, acesso a um
remédio eficaz para as vítimas e comunidades afetadas por tais atividades. Os três
pilares destinam-se a desempenhar funções de fortalecimento mútuo”.
3. Destaques dos Princípios de Ruggie

- Princípio 1: Os Estados devem proteger contra violações dos direitos humanos


cometidas em seu território e/ou sua jurisdição por terceiros, inclusive empresas. Para
tanto, devem adotar as medidas apropriadas para prevenir, investigar, punir e reparar
tais abusos por meio de políticas adequadas, legislação, regulação e submissão à
justiça.
- Princípio 6: Os Estados devem promover o respeito aos direitos humanos por parte
das empresas com as quais realizam transações comerciais.
- Princípio 11: As empresas devem respeitar os direitos humanos. Isso significa que
devem se abster de infringir os direitos humanos de terceiros e enfrentar os impactos
negativos sobre os direitos humanos nos quais tenham algum envolvimento.
- Princípio 14: A responsabilidade das empresas de respeitar os direitos humanos
aplica-se a todas as empresas independentemente de seu tamanho, setor, contexto
operacional, proprietário e estrutura.
4. Principais âmbitos da responsabilidade empresarial

- Para Flávia Piovesan, “Revisitar o alcance do pilar ‘respeitar’ no que se refere às


empresas sob o prisma do DIDH demanda identificar o alcance da responsabilidade
empresarial em direitos humanos ao menos em 5 âmbitos: relativamente aos
trabalhadores; à cadeia produtiva; ao entorno (envolvendo a proteção às comunidades
e vítimas afetadas pela atividade empresarial); ao Estado; bem como à
responsabilidade extraterritorial (envolvendo os riscos de violação em outros países)”.
5. Empresas e direitos humanos no sistema interamericano

- Corte IDH: Opinião Consultiva no 23/2017 (meio ambiente e direitos humanos).


o A Corte IDH apontou que os Estados podem ser responsabilizados
internacionalmente quando houver uma violação do direito ao meio ambiente
praticada por empresas, desde que o Estado tenha falhado com sua obrigação
de inspecionar, regulamentar e fiscalizar tal atividade.
- CIDH: Liberdade de expressão e internet (2013); Parâmetros para uma internet livre,
aberta e inclusiva (2017) e Empresas e Direitos Humanos – parâmetros
interamericanos (2019).
6. Anotações finais

- Os Princípios de Ruggie consistem em normativa soft law.


- Há discussões razoavelmente bem avançadas na ONU para a adoção de um tratado
sobre a matéria.
- Discute-se uma possível superação do dogma estatocêntrico na matéria, buscando-se
meios para a responsabilização das empresas perante o DIDH.
- Por enquanto, apenas os Estados podem ser responsabilizados pela atuação omissa
diante da conduta de empresas.
- O Brasil já foi responsabilizado perante a Corte IDH por sua omissão em relação a
atividades empresariais?
- O Brasil já foi responsabilizado por sua omissão em relação a atividades empresariais:
Caso Trabalhadores da Fábrica de Fogos Santo Antônio de Jesus e Caso Trabalhadores
da Fazenda Brasil Verde (Corte IDH).

AULA 47 – DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO


1. Três eixos da proteção internacional dos direitos humanos

- A proteção internacional dos direitos humanos se desenvolve a partir de três eixos:


Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH), Direito Internacional Humanitário
(DIH) e Direito Internacional dos Refugiados (DIR).
- Para ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS:
o “(...) ao DIDH incumbe a proteção do ser humano em todos os aspectos,
englobando direitos civis e políticos e também direitos sociais, econômicos e
culturais; já o DIH foca na proteção do ser humano na situação específica dos
conflitos armados (internacionais e não internacionais); finalmente, o DIR age
na proteção do refugiado, desde a saída do seu local de residência, trânsito de
um país a outro, concessão de refúgio no país de acolhimento e seu eventual
término.
o Os dois últimos ramos [DIH e DIR] são lex specialis em relação ao DIDH, que é
lex generalis, e aplicável subsidiariamente a todas as situações, na ausência de
previsão específica. (...)
o Também é constatada uma relação de complementariedade. Tanto o DIH
quanto o DIR não excluem a aplicação geral das normas protetivas do DIDH. (...)
Também a relação de complementariedade se dá no uso do DIDH para suprir
eventuais insuficiências dos demais, uma vez que somente no DIDH é que
existem sistemas de acesso das vítimas a órgãos judiciais e quase judiciais (o
que não ocorre no DIR ou no DIH)”.
- No julgamento do Caso Irmãs Serrano Cruz vs. El Salvador, a Corte IDH decidiu que
“A respeito da complementariedade do Direito Internacional dos Direitos Humanos
com o Direito Internacional Humanitário, a Corte estima necessário destacar que toda
pessoa, durante um conflito armado interno ou internacional se encontra protegida
tanto pelas normas do DIDH, como por exemplo a CADH, como pelas normas
específicas do DIH, pelo qual se produz uma convergência de normas internacionais
que amparam as pessoas que se encontram nesta situação. Neste sentido, a Corte
destaca que a especificidade das normas de proteção dos seres humanos sujeitos a
uma situação de conflito armado consagradas no DIH não impede a convergência e
aplicação das normas do DIDH consagradas na CADH e em outros tratados
internacionais”.
2. Conceito de DIH

- Conforme ensina Elizabeth Salmon, “O DIH ou ius in bello não permite nem proíbe os
conflitos armados, tanto internacionais como internos, senão que, frente à sua
ocorrência, procura humanizá-los e limitar seus efeitos ao estritamente necessário.
Trata- se de um conjunto de normas, de origem convencional ou consuetudinário, cuja
finalidade específica é solucionar os problemas de índole humanitária diretamente
derivados dos conflitos armados e que, por razões humanitárias, restringe a utilização
de certos métodos ou meios de combate. Assim entendido, o DIH pretende um
equilíbrio entre as necessidades militares e o princípio da humanidade, isto é, entre o
que é necessário para vencer o adversário e o que simplesmente denota crueldade.
(...) O vasto número de normas que conformam o DIH protege, de um lado, as vítimas
dos conflitos armados e, de outro, limita os meios e métodos de combate, isto é, busca
proteger a dignidade e a integridade das pessoas no contexto de enfrentamentos
armados”.
3. Fontes do DIH

- São de origem consuetudinária e também convencionais, já que muitos costumes


foram amplamente codificados durante o século XX.
- FONTES CONVENCIONAIS
- A respeito das fontes convencionais, há aproximadamente 30 textos internacionais
sobre o DIH, podendo ser citados, entre eles, 15 Convenções da Haia de 1899 até 1907,
o Protocolo de Genebra de 1925, as 4 Convenções de Genebra de 1949, a Convenção e
o Protocolo da Haia de 1954, os 2 Protocolos Adicionais de 1977, a Convenção das
Nações Unidas de 1981, o Tratado de Paris de 1993 e a Convenção de Ottawa de 1997.
- De um modo geral, embora a classificação já não seja muito apropriada em
decorrência do conteúdo dos Protocolos Adicionais, costuma-se distinguir assim o
Direito da Haia e o Direito de Genebra:
- Direito da Haia – 1899 a 1907: atua no contexto da limitação dos direitos dos
combatentes, indicando, assim, que mesmo na guerra deve-se observar alguns limites.
- Direito de Genebra – 1949 a 1977: atua no contexto da proteção dos direitos dos não
combatentes.
- Direito de Nova York: possível indicar, ainda, o Direito de Nova York, como sendo
normas que orientam a adoção de mecanismos efetivos para punir o descumprimento
das normas do DIH.
- FONTES CONSUETUDINÁRIAS
- Agora, a respeito das fontes consuetudinárias, foram os costumes que possibilitaram
a codificação das fontes convencionais e eles permanecem importantes no caso de
lacunas, de não ratificação por alguns Estados ou mesmo em casos de denúncias dos
tratados do DIH.
- Cláusula Martens – idealizada por Fréderic de Martens, representante da Rússia em
Conferências do século XIX sobre guerra: “Nos casos não previstos nas disposições
escritas do Direito Internacional, as pessoas civis e os combatentes ficam sob a
proteção e o regime dos princípios do direito das gentes, derivados dos usos
estabelecidos, dos princípios da humanidade e dos ditames da consciência pública”.
- Elizabeth Salmon: “A finalidade da cláusula Martens era cobrir juridicamente aquelas
situações que pudessem surgir no curso das hostilidades e não estivessem
contempladas pelas normas convencionais. (...) A cláusula Martens evidencia,
portanto, que os Estados codificavam normas consuetudinárias, já existentes, fundadas
em princípios gerais que manteriam sua validade fora do contexto convencional”.
4. Cruz Vermelha Internacional

- O DIH não conta com órgãos convencionais ou extraconvencionais de proteção, não


havendo, ainda, uma estrutura intergovernamental específica para a monitoração das
suas normas.
- Cruz Vermelha Internacional: movimento criado em 1863 pelo suíço Henry Dunant,
após uma viagem de negócios para a Itália, quando se deparou com cenário da Batalha
de Solferino, com milhares de soldados – de diversas nações – feridos e sem nenhum
tratamento. Ao retornar para a Suíça, Dunant escreveu o livro Lembrança de Solferino,
em que denunciou a situação dos soldados feridos e chamou a atenção de
personalidades do continente europeu. Em 1863, junto com outros cidadãos, criou a
Cruz Vermelha Internacional, que tem como objetivo garantir assistência e proteção às
pessoas que sofrem com as consequências dos conflitos armados, atuando, também,
em outras situações de emergência, como as causadas por desastres.
- No âmbito da Cruz Vermelha Internacional, uma instituição privada com sede na
Suíça, surgiu o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, uma organização humanitária
cujos integrantes são de nacionalidade suíça, que acabou alcançado um implícito
reconhecimento de personalidade jurídica internacional. Suas competências, de acordo
com o seu site, inserem-se no contexto de “responder de maneira rápida e eficiente às
necessidades das pessoas afetadas pelos conflitos armados, prestando ajuda também
em casos de desastres em zonas de conflitos, já que os efeitos dos primeiros são piores
em um país que já está em guerra”.
- O Comitê Internacional da Cruz Vermelha não busca nem tem competência para
responsabilizar pessoas ou Estados, mas tão somente para prestar ajuda humanitária
para as vítimas de conflito armado interno ou internacional.
5. Competência da Corte IDH

- “Há efetivamente equivalência entre o conteúdo do artigo 3o comum das Convenções


de Genebra de 1949 e o das disposições da Convenção Americana e de outros
instrumentos internacionais acerca dos direitos humanos inderrogáveis (tais como o
direito à vida e o direito de não ser submetido a torturas nem a tratamentos cruéis,
desumanos ou degradantes). Esta Corte entende que as disposições relevantes das
Convenções de Genebra podem ser levadas em conta como elementos de
interpretação da própria Convenção Americana” (Corte IDH, Caso Bámaca Velásquez
vs. Guatemala).

AULA 48 – TEORIA CRÍTICA DOS DIREITOS HUMANOS


1. Introdução

- O termo teoria crítica foi elaborado por Max Horkheimer, por volta de 1930, na
conhecida Escola de Frankfurt, e tinha como objetivo criticar a teoria científica
tradicional, que se apresentava ou era concebida – pelos entusiastas da teoria crítica –
como neutra, descolada da realidade, sem correspondência empírica.
- Adaptada ao contexto jurídico, a teoria crítica pretende questionar a teoria tradicional
da dogmática jurídica que, tal como a teoria tradicional da ciência, se apresentaria de
forma despolitizada, pretensamente neutra e distante da comprovação empírica.
- A teoria crítica, em resumo, questiona a potencialidade do discurso dogmático-
jurídico-positivo para solucionar problemas sociais.
- Para Antonio Carlos Wolkmer, “No interregno de rupturas paradigmáticas e de novos
horizontes abertos pelo globalismo neoliberal e pelo sistema-mundo capitalista,
importa avançar na direção de uma concepção de direitos humanos não mais
meramente formalista, estatística e monocultural. Para isso, a adesão é com um
referencial crítico dos direitos humanos em sua dimensão de resistência, de libertação
e de interculturalidade”.

2. A contribuição de Herrera Flores

- Não rechaça todo o conjunto de boas intenções dos que lutam por direitos humanos
seguindo as pautas da teoria tradicional. Considera a luta jurídica também importante,
mas rechaça a pretensão intelectual da sua neutralidade.
- Afirma que o conteúdo básico dos direitos humanos não é o direito a ter direitos, mas
sim o conjunto de lutas pela dignidade, cujos resultados devem ser garantidos por
normas jurídicas, por políticas públicas e por uma economia aberta às exigências da
dignidade.
- Defende um universalismo a posteriori, um universalismo de chegada – e não de
partida –, em que todas as culturas possam oferecer suas opções.
o Ou seja: não se deve partir de uma concepção universal, ele não deve ser
imposto no início (universalismo de partida). Deve-se chegar ao universalismo a
partir de um intercruzamento de culturas. O universalismo deve ser construído
até que se possa eventualmente chegar em uma perspectiva
fundamentalmente universal.
- Defende uma concepção intercultural para superar o embate universalismo vs.
localismo ou relativismo cultural. Opõe-se ao que chama de universalismo de retas
paralelas, que seria um excesso de contexto local, que rejeita o diálogo universalista
sem experimentá-lo. Defende uma racionalidade de resistência ou um
multiculturalismo crítico ou de resistência.
- “Nossa racionalidade de resistência conduz, então, a um universalismo de contrastes,
de entrecruzamentos, de mesclas. Um universalismo impuro que pretende a
interrelação mais que a superposição e que não aceita a visão microscópica de nós
mesmos que é imposta pelo universalismo de partida ou de retas paralelas. Um
universalismo que nos sirva de impulso para abandonar todo tipo de posicionamento,
cultural ou epistêmico, a favor de energias nômades, migratórias, móveis, que permita
nos deslocarmos pelos diferentes pontos de vista sem pretensão de negar-lhes, nem de
negar-nos, a possibilidade de luta pela dignidade humana. (...) Por isso, propomos uma
prática não universalista nem multicultural, mas sim intercultural. (...)” – A
(re)invenção dos direitos humanos.
Concepção para Herrera Flores
INTERCULTURALISMO MULTICULTURALISMO
As culturas partem de linhas de Cultura ocidental “tolerando” outras
igualdade para dialogarem entre si. linhas culturais.

3. A contribuição de David Sánchez Rubio

- “A dimensão encantadora se une com o potencial emancipador e o horizonte de


esperança que possibilita a existência de condições de autoestima, responsabilidade e
autonomia diferenciadas e plurais. A dimensão que desencanta pode aparecer no
instante em que os direitos humanos se fixam em discursos e teorias, instituições e
sistemas estruturais que sociocultural e sociomaterialmente não permitem que estes
sejam factíveis e nem possíveis devido às assimetrias e hierarquias desiguais sobre os
quais se mantêm. Além disso, através de diversos mecanismos de ocultação, pode se
construir um imaginário aparentemente emancipador, e, por isso, com um encanto
sedutor, falsamente universal” – Encantos e desencantos dos direitos humanos.
4. A contribuição de Boaventura de Souza Santos

- “Para poderem operar como forma de cosmopolitismo, como globalização debaixo-


para-cima ou contra-hegemônica, os direitos humanos têm de ser reconceitualizados
como multiculturais. O multiculturalismo, tal como eu entendo, é pré-condição de uma
relação equilibrada e mutuamente potencializadora entre a competência global e a
legitimidade local, que constituem os dois atributos de uma política contra-
hegemônica de direitos humanos no nosso tempo. É sabido que os direitos humanos
não são universais na sua aplicação. Atualmente, são consensualmente identificados
quatro regimes internacionais de aplicação de direitos humanos: o europeu, o
interamericano, o africano e o asiático. Mas serão os direitos humanos universais
enquanto artefato cultural, um tipo de invariante cultural, parte significativa de uma
cultura global? Todas as culturas tendem a considerar os seus valores máximos como
os mais abrangentes, mas apenas a cultura ocidental tende a formulá-los como
universal” – Por uma concepção multicultural de direitos humanos.
- Hermenêutica diatópica: “diatópica” se refere àquilo que varia conforme a geografia.
A hermenêutica diatópica se aproxima com a perspectiva de Herrera Flores de um
universalismo de chegada, que promove um intercruzamento de culturas.
5. Crítica às teorias críticas

- “Torna-se, pois, contraditória e anacrônica a massa de discussões acadêmicas,


seminários e ensaios teóricos que continuam a abordar a ‘ocidentalidade’ dos direitos
humanos. Que a origem do conceito está na história do Ocidente ninguém jamais
duvidou. Insistir, contudo, ainda hoje, em questionar os direitos humanos postulados
pela ONU como um valor exclusivo do Ocidente intransponível para outras áreas, ou
afirmar que eles não têm viabilidade em culturas distintas, isto sim é assumir um
ocidentalismo eurocêntrico pouco condizente com atitudes de esquerda. Ela evidencia
um desconhecimento ideológico dos fatos, ignorando os clamores das vítimas e
desconsiderando particularistas de atendê-los. Além de corresponder aos argumentos
particularistas de que se valem regimes arbitrários e culturas opressivas para justificar
práticas abusivas, tal insistência num alegado ‘exclusivismo’ ocidental não deixa de
ostentar o mesmo tipo de arrogância etnocêntrica que os pensadores pós-modernos
tanto criticam no universalismo iluminista” – Lindgren Alves em É preciso salvar os
direitos humanos.

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