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Direito Internacional Humanitário

UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro

IRID - Instituto de Relações Internacionais e Defesa

Curso: Defesa e Gestão Estratégica Internacional

Prof. Pedro G. G. Andrade


prof.pgga@gmail.com
Tópicos da Aula

1) Definição de “conflito armado”


2) Distinção entre conflitos armados
“internos” e “internacionais”
3) Conflitos armados internacionais
4) Regras aplicáveis aos territórios ocupados
5) Conflitos armados não-internacionais
6) Conflitos armados internos
internacionalizados
1. Definição de conflito armado
- Importância da definição
• O DIH existe para regular os conflitos armados
• Sempre que houver um “conflito armado”, haverá
a aplicação do DIH
• Esse conflito, contudo, não precisa ser
internacional, podendo ser de natureza doméstica
• Se não se enquadrar no conceito de “conflito
armado”, aplica-se o direito vigente em tempos de
paz (ex.: direitos humanos, direito penal)
1. Definição de conflito armado
- Conceito:
• “Um conflito armado existe sempre que houver o
recurso ao uso da força ou uma ocupação
beligerante entre Estados (conflitos armados
internacionais), ou quando houver o uso
prolongado da força entre autoridades
governamentais e grupos armados organizados,
ou entre esses grupos entre si (conflitos armados
não-internacionais).
1. Definição de conflito armado
- Elemento de intencionalidade
• Somente ataques armados “voluntários” serão
considerados “conflitos armados”
• Erros, acidentes, ou atos de indivíduos sem o
aval do Estado não enquadram no conceito
• Mas, se presente a intencionalidade, mesmo
pequenos atos podem ser considerados (ex.:
morte de um único indivíduo)
1. Definição de conflito armado
- Escopo ampliado
• Se não se enquadrar no conceito de “conflito
armado”, aplica-se o direito vigente em tempos de
paz (ex.: direitos humanos, direito penal, etc.)
• Casos de extensão dos efeitos das normas
humanitárias mesmo em tempos de paz (ex.:
armazenamento e comércio de armas proibidas,
investigação de crimes de guerra, etc.)
2. Distinção: conflitos internos e
internacionais
- Por que diferenciar?
• Contexto político e histórico das Ris;
• Resistência dos Estados de regular conflitos
domésticos;
- Mudança:
• Art. 3º comum das Convenções de Genebra
(1949)
• Grupos armados se tornam “partes” do conflito
2. Distinção: conflitos internos e
internacionais
- Diferentes exigências quanto ao nível de
violência
• Conflitos internacionais: qualquer uso da força é
proibido (ius ad bellum);
• Conflitos internos: a princípio, os Estados podem
se utilizar da força para garantir a lei
• Uso da força por agentes privados é crime
• Direito Humanitário ≠ Direito Penal Doméstico
2. Distinção: conflitos internos e
internacionais
- O que NÃO é um “conflito armado” interno:
• Atos de violência isolados e esporádicos;
• Prática regular de crimes;
• Revoltas e protestos;
• Tensões e outros distúrbios
Convenções de Genebra (1949)

Artigo 2º (comum)

(...)
Afora as disposições que devem vigorar em tempo de paz, a
presente Convenção se aplicará em caso de guerra declarada ou
de qualquer outro conflito armado que surja entre duas ou
várias das Altas Partes Contratantes, mesmo que o estado de
guerra não seja reconhecido por uma delas.
(...)
I Protocolo adicional às
Convenções de Genebra (1977)
ARTIGO 1 - Princípios Gerais e Campo de Aplicação
(...)

3. O presente Protocolo, que completa as Convenções de Genebra de 12


de agosto de 1949 para proteção das Vítimas da Guerra, aplicar-se-á nas
situações previstas no artigo 2 comum às Convenções.

4. As situações a que se refere o parágrafo precedente compreendem os


conflitos armados nos quais os povos lutam contra a
dominação colonial e a ocupação estrangeira e contra os
regimes racistas, no exercício do direito de livre determinação
dos povos, consagrado na Carta das Nações Unidas e na Declaração
sobre os Princípios de Direito Internacional referente às Relações de
Amizade e Cooperação entre os Estados, em conformidade com a Carta
das Nações Unidas.
3. Conflitos Armados
Internacionais
- Depende do “status” das partes combatentes
- “Internacionais”: exige Estados
- Diferentes conceitos:
• Guerra
• Conflito armado
• Ocupação militar
3. Conflitos Armados
Internacionais
- O uso “histórico” da Guerra
• Ex.: “Declarações formais de Guerra”
- Evolução no Direito Internacional moderno
• Substituição do conceito de “guerra” pelo
conceito de “conflitos armados”
• Sempre que um Estado se utilizar da força,
teremos um confito armado
3. Conflitos Armados
Internacionais
- “Direito Humanitário” x “Direito da Guerra”
- Direito da Guerra é mais amplo. Envolve:
• Jus ad bellum
• Relações entre Estados beligerantes
• Regras diplomáticas, econômicas e de
tratados
• “Direito da Neutralidade”
3. Conflitos Armados
Internacionais
- O uso “histórico” da Guerra
• Ex.: “Declarações formais de Guerra” (são
prova do elemento da “intencionalidade”)
- Evolução no Direito Internacional moderno
• Substituição do conceito de “guerra” pelo
conceito de “conflitos armados”
• Sempre que um Estado se utilizar da força,
teremos um conflito armado
3. Conflitos Armados
Internacionais
- Escopo temporal
• Conflitos se iniciam com declaração de guerra
ou com ato dotado de intencionalidade (ex.:
ocupação do território de outro Estado)
• Têm fim com os tratados de paz, armistício ou
declaração unilateral
➢ Capitulação, rendição, retirada total,
permanente e incondicional do território
3. Conflitos Armados
Internacionais
- Escopo temporal
• Conflitos modernos: fim por meio de missões
de paz
• DIH continuará a ser aplicado mesmo após o
fim do conflito (ex.: prisioneiros de guerra)
3. Conflitos Armados
Internacionais
- Escopo territorial
• Aplica-se em qualquer local onde ocorram
combates ou hostilidades
➢ Obs.: contudo, o direito da neutralidade proíbe
ações armadas em determinados locais (ex.:
espaço aéreo de Estados neutros)
Convenções de Genebra (1949)
Artigo 2º (comum)
A Convenção se aplicará igualmente, em todos os casos de
ocupação da totalidade ou de parte do território de uma Alta
Parte Contratante, mesmo que essa ocupação não encontre
resistência militar.

Regulamentos de Haia (1907)


Artigo 42
“O território é considerado ocupado quando ele se encontrar
sob a autoridade de um exército hostil. A ocupação se estende
somente até o território onde a autoridade for estabelecida e
puder ser exercida”.
4. Territórios ocupados
- Ocupação beligerante
• Qualquer caso de ocupação total ou parcial
do território de um Estado por outro
• Acarreta em obrigações humanitárias por
parte da potência ocupante
• Conceito de “controle efetivo”: não exige
controle direto (ex.: governos e autoridades
colaboracionistas: França de Vichy)
• Fase de invasão x Fase de controle (teoria de
Jean Pictet)
“Territórios Palestinos Ocupados”
(OPT, sigla em inglês)
4. Territórios ocupados
- Fim da ocupação
1) Retirada ou perda de controle efetivo
➢ Obs.: continuidade da autoridade mantém as
obrigações (ex.: faixa de gaza)
2) Consentimento genuíno à presença militar
estrangeira
➢ Ex.: transferência de autoridade (Japão, 1952;
Alemanha, 1955; Iraque, 2004)
3) Resolução política do status territorial
➢ Anexação, cessão, reconhecimento de
independência, etc.
4. Territórios ocupados
- Ocupação por missões de paz
• Ex.: Timor Leste (UNTAET), Kosovo
(UNMIK), Haiti (MINUSTAH)
• Exercício direto de autoridade pela própria
ONU (ex.: reconstrução do país)
• Se enquadram no conceito de “ocupação
beligerante”?
➢ Obs.: missões realizadas com o
consentimento de Indonésia e Yugoslávia
➢ Aplicação por analogia?
Timor Leste
5. Conflitos Internos
- Trata-se da maior parte dos conflitos
armados na atualidade
- Já eram regulados pelo art. 3º comum das
Convenções de Genebra
- Posteriormente, regulados pelo II Protocolo
Adicional de 1977
Convenções de Genebra (1949)
Artigo 3º

No caso de conflito armado sem caráter internacional e que surja


no território de uma das Altas Partes Contratantes, cada uma das Partes
em luta será obrigada a aplicar pelo menos, as seguintes disposições:

1) As pessoas que não participem diretamente das hostilidades, inclusive


os membros de fôrças armadas que tiverem deposto as armas e as pessoas
que tiverem ficado fora de combate por enfermidade, ferimento, detenção,
ou por qualquer outra causa, serão, em qualquer circunstância, tratadas
com humanidade sem distinção alguma de caráter desfavorável baseada
em raça, côr, religião ou crença, sexo, nascimento, ou fortuna, ou
qualquer outro critério análogo.
Convenções de Genebra (1949)
Artigo 3º

Para esse fim estão e ficam proibidos, em qualquer momento e lugar, com
respeito às pessoas mencionadas acima:

a) os atentados à vida e à integridade corporal, notadamente o homicídio


sob qualquer de suas formas, as mutilações, os tratamentos cruéis, as
torturas e suplícios;

b) a detenção de reféns;

c) os atentados à dignidade das pessoas, especialmente os tratamentos


humilhantes e degradantes;

d) as condenações pronunciadas e as execuções efetuadas e sem


julgamento prévio proferido por tribunal regularmente constituído, que
conceda garantias judiciárias reconhecidas como indispensáveis pelos
povos civilizados.
Convenções de Genebra (1949)
Artigo 3º

2) Os feridos e enfermos serão recolhidos e tratados.

Um organismos humanitário imparcial, tal como o Comitê Internacional


da Cruz Vermelha, poderá oferecer os seus serviços às Partes em luta.

As partes em luta esforçar-se-ão, por outro lado, para pôr em vigor, por
meio de acordos especiais, o todo ou partes das demais disposições da
presente Convenção.

A aplicação das disposições precedentes não terá efeito sôbre o estatuto


jurídico das Partes em luta.
II Protocolo adicional às
Convenções de Genebra (1977)
ARTIGO 1 - Campo Material de Aplicação
1. O presente Protocolo, que desenvolve e completa o Artigo 3 comum às
Convenções de Genebra de 12 de agosto de 1949, sem modificar suas
condições de aplicação, atuais, se aplica a todos os conflitos armados que
não estiverem cobertos pelo Artigo 1 do Protocolo Adicional às
Convenções de Genebra de 12 de agosto de 1949, relativo à proteção das
vítimas dos conflitos armados internacionais (Protocolo I) e que ocorram
no território de uma Alta Parte Contratante entre suas Forças Armadas e
Forças Armadas dissidentes ou grupos armados organizados que, sob a
direção de um comando responsável, exerçam sobre uma parte desse
território um controle tal que lhes permita realizar operações militares
contínuas e concentradas e aplicar o presente Protocolo.
2. O presente Protocolo não se aplica às situações de tensões
internas e distúrbios internos, tais como os motins, os atos
esporádicos e isolados de violência e outros atos análogos, que
não são considerados conflitos armados.
5. Conflitos Internos
- Requisitos para reconhecimento:
1) Organização e comando
➢ Existência de cadeia de comando e regras
disciplinares
➢ Recrutamento e treinamento militar
➢ Planejamento e logística
➢ Capacidade de acesso a armamentos
convencionais
➢ Capacidade de definição de estratégias militares
➢ Poder de representação e negociação
5. Conflitos Internos
- Requisitos para reconhecimento:
2) Intensidade do uso da força
➢ Como distinguir o uso de força armada de meros
distúrbios, sublevações ou crimes?
➢ Hostilidades em níveis que não podem ser
repelidos pela mera força policial
➢ Conflito de natureza prolongada no tempo
➢ Grande número de combatentes
➢ Influência de fatores políticos (ex.: querem
derrubar o governo?)
5. Conflitos Internos
- Conflitos armados internos internacionalizados
• Se iniciam como conflitos internos, mas
posteriormente envolvem outros Estados
• A intervenção de terceiros Estados modifica o
escopo de aplicação do DIH
• Conflito passará a ser tratado como conflito
armado internacional
• Ex.: Guerra Civil da Iugoslávia

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