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A Proteção do Ser Humano

em Conflitos Armados

Mateus Kowalski
2020-21
3. A PROTEÇÃO DO SER HUMANO EM CONFLITOS ARMADOS
3.1. Conflitos armados, sua tipologia e atores.
3.2. A relação entre o Direito Internacional dos Direitos Humanos e o Direito
Internacional Humanitário.
3.3. Princípios fundamentais e fontes jurídicas. A aplicação do DIH aos conflitos
armados contemporâneos; desafios e dificuldades.
3.4. Em especial: a proteção de civis em conflito armado.
3.5. Estudo de caso: a guerra urbana.
Direito Internacional Humanitário

• Convenções de Genebra de 1949 + Protocolos Adicionais de 1977


• Outras Convenções específicas
• Direito Internacional consuetudinário
• Aplica-se a conflitos armados (internacionais e não-internacionais)
• Proteção dos que não participam nas hostilidades / não-combatentes ativos (civis, POWs, pessoal
médico, feridos, jornalistas...)
• Restrição no uso de meios (armas – v.g. minas, armas químicas, lasers que provoquem cegueira,
armas nucleares?) e métodos de guerra (táticas militares – v.g. inanição, pilhagens)
• Proibidos atos indiscriminados; que causem sofrimento desnecessário e/ou desproporcional);
que causem danos graves e permanentes ao ambiente
• Difícil de aplicar em situações de extrema violência -> Prevenção em tempo de paz é importante
3.1. Conflitos Armados, sua tipologia e atores

Conflitos Armados (ICTY, Prosecutor vs. Tadić , 1995) :

“Um conflito armado existe quando há recurso à força armada entre Estados
ou violência armada duradora entre autoridades governamentais e grupos
armados organizados ou entre grupos armados organizados no seio de um
Estado.”
3.1. Conflitos Armados, sua tipologia e atores

Conflitos Armados Internacionais: Conflitos Armados Não-Internacionais:


ü Força armada entre Estados, ü Nível mínimo de intensidade da
independentemete da intensidade violência (número, intensidade e
duração dos confrontos; tipo de
armamento utilisado; número de
vítimas e grau de destruição
material; frequência dos combates
no tempo e espaço;…)
ü Pelo menos uma das partes é um
grupo armado organizado (comando
e controlo; capacidade logística e
operacional; hierarquia e disciplina
interna; unidade e representação;…)
3.1. Conflitos Armados, sua tipologia e atores
Evolução Histórica: Jus ad bellum e Jus in bello

• Jus ad bellum: limitação do recurso à força entre Estados (artigo 2(4) CNU)

• Jus in bello (DIH): Direito que regula a forma como as hostilidades são conduzidas. É
puramente humanitário e tem como objetivo limitar o sofrimento causado. É
independente da legalidade do uso da força e da sua justificação
Evolução Histórica: Jus ad bellum e Jus in bello

Hugo Grócio (1583-1645)


• De jure belli ac pacis

ü Direito Natural (moral laica)

ü A guerra é legítima desde que seja justa

É justa quando é resposta a uma injustiça

v Justa segundo quem?


Evolução Histórica: Jus ad bellum e Jus in bello

Emer de Vattel (1714-1767)


• Droit des gens ou principes de la loi naturelle
appliquée à la conduite et aux affaires des nations
et des souverains

ü O Direito Natural é uma noção subjectiva

ü A guerra é legítima desde que seja justa

v O Direito não qualifica se uma guerra é ou não justa


Evolução Histórica: Jus ad bellum e Jus in bello

• Convenções de Haia (1899 e 1907) Article 1


The Contracting Powers agree not to have
recourse to armed force for the recovery of
• Tratados Bryan (desde 1913) contract debts claimed from the Government of
one country by the Government of another
country as being due to its nationals.
• Pacto da Sociedade das Nações (1919) This undertaking is, however, not applicable
when the debtor State refuses or neglects to
reply to an offer of arbitration, or, after accepting
• Pacto Briand-Kellog (1928) the offer, prevents any compromise from being
agreed on, or, after the arbitration, fails to submit
to the award.
• Carta das Nações Unidas (1945)
Evolução Histórica: Jus ad bellum e Jus in bello

• Convenções de Haia (1899 e 1907)

• Tratados Bryan (desde 1913)

• Pacto da Sociedade das Nações (1919)

• Pacto Briand-Kellog (1928)

• Carta das Nações Unidas (1945)


Evolução Histórica: Jus ad bellum e Jus in bello
Article 10
The Members of the League undertake to
• Convenções de Haia (1899 e 1907) respect and preserve as against external
aggression the Articleterritorial
12 integrity and
existing
The Members political
of theindependence
League agree of that, all
if
Members of the
there should League.
arise between them any dispute
• Tratados Bryan (desde 1913)
likely to lead to a rupture they will submit
In
thecase of any
matter suchtoaggression
either arbitrationor or
in case of
judicial
any threat or
settlement or danger
to enquiryof such
by theaggression the
Council, and
• Pacto da Sociedade das Nações (1919) Council
they agreeshall advise
in no case upon thetomeans
to resort by
war until
which
three this obligation
months aftershall
thebe award
fulfilled.by the
arbitrators or the judicial decision, or the
• Pacto Briand-Kellogg (1928) report by the Council.

In any case under this Article the award of


the arbitrators or the judicial decision shall
• Carta das Nações Unidas (1945) be made within a reasonable time, and the
report of the Council shall be made within six
months after the submission of the dispute.
Evolução Histórica: Jus ad bellum e Jus in bello

• Convenções de Haia (1899 e 1907)

• Tratados Bryan (desde 1913)

Article 1
• Pacto da Sociedade das Nações (1919) The High Contracting Parties solemnly declare
in the names of their respective peoples that
they condemn recourse to war for the
solution of international controversies, and
• Pacto Briand-Kellogg (1928) renounce it, as an instrument of national
policy in their relations with one another.

• Carta das Nações Unidas (1945)


Evolução Histórica: Jus ad bellum e Jus in bello

• Convenções de Haia (1899 e 1907)

• Tratados Bryan (desde 1913)

• Pacto da Sociedade das Nações (1919)


Artigo 2.º, n.º 4
Os membros deverão abster-se nas suas
• Pacto Briand-Kellogg (1928) relações internacionais de recorrer à
ameaça ou ao uso da força, quer seja
contra a integridade territorial ou a
• Carta das Nações Unidas (1945) independência política de um Estado, quer
seja de qualquer outro modo incompatível
com os objectivos das Nações Unidas
Evolução Histórica: Jus ad bellum e Jus in bello

ü Antiguidade: Código de Hammourabi, bem como outras manifestações na


China, Índia, Pérsia, Grécia, mundo muçulmano

ü Idade Média: Princípios de cavalaria; cristianismo

ü Iluminismo: Rousseau; Vattel

ü Convenção para Melhorar a Situação dos Militares Feridos, 1864

ü Declaração de São Petersburgo, 1868

ü Convenções da Haia, 1899 e 1907

ü Convenções de Genebra de 1949 e os Protocolos Adicionais I e II de 1977

ü Outras convenções especializadas


3.2 Direitos Humanos e Direito Internacional Humanitário

DIDH DIH
• Área DIP recente, direitos dos indivíduos • Área clássica DIP, tradicionalmente aplica-
face aos Estados se na relação entre Estados (mas hoje
• Codificação dispersa em múltiplos Indivíduo-Estado; Estado-Estado;
instrumentos universais/regionais, Indivíduo-Indivíduo)
gerais/especializados + soft-law • Codificação geral e universal
• Aplicam-se a todos em qualquer lugar, • Aplica-se em conflitos armados
aplicando-se a todos os aspetos da vivência • Aplica-se em especial às “pessoas
humana protegidas”
• Direitos não-derrogáveis não podem ser • Aplicação extraterritorial
suspendidos • Aplica-se a grupos armados-não estaduais
• Aplicação extraterritorial (CANI)
• Grupos armados não-estaduais (CANI)? • Específicos: direito à vida na condução de
• Maior concretização: garantias em caso de hostilidades; proibição de tratamento
internamento/cativeiro; garantias de inhumano e degradante; direito à saúde;
julgamento justo; uso de armas por forças direito à alimentação; direito à liberdade
policiais; ética médica; definição de tortura individual; proteção do ambiente
3.2 Direitos Humanos e Direito Internacional Humanitário

DIDH DIH

Principais desafios:
ü Direito à vida de combatentes em CANI
ü Fundamento e procedimentos no caso de detenção / prisão de combatentes em CANI
ü Implementação

Diferenças?
ü Tradicionalmente: DIDH controlo à posteriori, por queixa, por procedimento quase-
judicial; DIH permanente, preventivo, controlo corretivo no terreno e no momento
ü Atualmente: Órgãos DIDH adotam abordagem semelhante à do sistema DIH

Convergências?
ü Implementação de DIH por órgãos DIDH
ü Implementação de DIDH pelo CICV
ü Cooperação entre órgãos DIDH e CICV
3.3. Princípios fundamentais e fontes jurídicas

Em especial: Convenções de Genebra

v Convenção I de Genebra para Melhorar a Situação dos Feridos e Doentes das Forças
Armadas em Campanha

v Convenção II de Genebra para Melhorar a Situação dos Feridos, Doentes e Náufragos das
Forças Armadas no Mar

v Convenção III de Genebra relativa ao Tratamento dos Prisioneiros de Guerra

v Convenção IV de Genebra relativa à Proteção das Pessoas Civis em Tempo de Guerra

v Protocolo I Adicional relativo à Proteção das Vítimas dos Conflitos Armados Internacionais

v Protocolo II Adicional relativo à Proteção das Vítimas dos Conflitos Armados Não-
Internacionais

v Protocolo III Adicional relativo à Adoção de Um Emblema Distintivo Adicional


3.3. Princípios fundamentais e fontes jurídicas

Âmbito

q O DIH aplica-se automaticamente a partir do momento que se verifiquem os


seus pressupostos de aplicação – não é necessário uma declaração formal

ü Conflito armado internacional

ü Guerra de Libertação Nacional

ü Conflito armado internacionalizado

ü Conflito armado não-internacional

X Tensões e distúrbios internos

ü Tempo de Paz
3.3. Princípios fundamentais e fontes jurídicas

Combatentes

ü Artigo 43.º PI – critério lato pertença a “forças armadas”

ü Obrigações do atacante: proibição de atacar não-combatentes;


proibição de atacar pessoas que já não combatem

ü Obrigações das vítimas dos ataques: proibição da utilização de não-


combatentes para fins militares; tomar precauções contra os efeitos
dos ataques
3.3. Princípios fundamentais e fontes jurídicas

Objetivos militares

ü Proibição de atacar bens de natureza civil: bens culturais e locais de culto;


bens indispensáveis à sobrevivência das populações; órgãos de proteção civil;
instalações com materiais perigosos e/ou suscetíveis de criar dano; ambiente

ü Proibição de atacar certos locais: localidades não-defendidas; zonas e


localidades sanitárias e de segurança; zonas neutralizadas e desmilitarizadas;
estabelecimentos ou unidades sanitárias fixas ou móveis
3.3. Princípios fundamentais e fontes jurídicas

Armas

q A guerra visa unicamente o enfraquecimento do potencial do inimigo. Logo


são proibidas ou de uso limitado as armas que ultrapassem as exigências de
humanidade face às perdas inúteis, males supérfluos e aos sofrimentos
excessivos (Jean Pictet)

ü Restrições genéricas: armas irremediavelmente letais; armas que produzem


efeitos traumáticos excessivos; armas com efeitos indiscriminados

ü Restrições específicas: v.g. são proibidas projéteis de estilhaços não


localizáveis por raios X, armas bacteriológicas, de toxinas e químicas; armas a
laser que provocam cegueira; minas antipessoal; armas nucleares (?); novas
armas (LAWS…)
3.3. Princípios fundamentais e fontes jurídicas

Métodos

ü São proibidos os procedimentos de perfídia, recusa de quartel, recrutamento


forçado e deportação da população civil

ü São proibidos os ataques indiscriminados, as destruições sem necessidade


militar, atos terroristas, a tomada de reféns, as represálias armadas
3.3. Princípios fundamentais e fontes jurídicas

Não combatentes ou fora de combate

ü Inviolabilidade dos feridos, doentes e náufragos

ü Prisioneiros de Guerra:
• Nos CAI a Convenção de Genebra III aplica-se a partir do momento em que o
combatente caem em poder do inimigo (os parlamentares, pessoal sanitário e
religioso, crianças soldado têm direito ao tratamento mas não ao estatuto de PdG);
• Nos CANI existe uma lacuna (apenas artigo 3.º comum e extensão voluntária)

ü População civil: os não-combatentes e que não são membros forças armadas


A Proteção do Ser Humano
em Conflitos Armados

Mateus Kowalski
2020-21

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