Você está na página 1de 28

MÓDULO 3: ANÁLISE PSICOLÓGICA

DO COMPORTAMENTO CRIMINOSO

OBJETIVOS

Estudar o perfil do comportamento


criminoso, o delito sob o ponto de vista
psicológico e seus tipos.

Analisar o criminoso do ponto de vista


das escolas penais, com vitimologia, seus
tipos e controle social
Psicologia Jurídica – 3º Módulo:

1. Análise Psicológica do comportamento criminoso

Segundo Penteado (2010), Um indivíduo que possui boa formação e princípios


pode ter seu equilíbrio rompido e cometer um delito por reação. Essa conduta é psicologi-
camente atípica, chamado de crime eventual.

A periculosidade ou personalidade perigosa apresentada é aquela que possui


propensão para o delito por ser o indivíduo incapaz de assimilar as regras comportamen-
tais e os padrões sociais. O delinquente que, do ponto de vista criminológico, reincide em
seus crimes no mínimo 3 vezes e com certo intervalo de tempo entre cada crime, este é
conhecido como assassino em série (serial killer).

Nestor Sampaio Penteado (2014, p.172) afirma ainda que:

A diferença entre o assassino em massa, que mata várias pessoas de


uma só vez sem se preocupar com a identidade destas e o assassino em série, é
que este elege cuidadosamente suas vítimas, selecionando na maioria das vezes
pessoas do mesmo tipo e características.

A análise de perfil de personalidade estabelece como estereótipos dos assas-


sinos em série, na sua maioria, homens jovens de cor branca que atacam preferencial-
mente mulheres e cujo primeiro crime se deu antes dos 30 anos. Alguns possuem históri-
co de uma infância traumática devido a maus tratos físicos ou psíquicos, motivando os
delinquentes a isolar-se da sociedade ou vingar-se dela. Tais frustrações induzem os de-
linquentes a um mundo imaginário, melhor que o real, onde eles revivem os maus tratos
sofridos, identificando-se desta vez com o agressor. Por essa razão, sua forma de matar
normalmente é através do contato direto com a vítima, utilizando armas brancas, estran-
gulamentos e golpes, quase nunca usando arma de fogo.

Os crimes obedecem a uma série de rituais nos quais se misturam fantasias


pessoais com a morte. Devido à capacidade do assassino de fingir emoções e de se
apresentar extremamente sedutor, consegue sempre enganar as suas vítimas.

Conforme reportagem feita no Manicômio Judiciário de Franco da Rocha


(TAVOLARO, 2004, p. 76):

Há alguns traços característicos entre os pacientes. Um deles é referir-se aos deli-


tos pelo artigo do Código penal em que foram processados ou para os quais apre-
sentam sua versão. Outro sintoma da doença é figurar como vítima. A maioria, po-
rém, foi condenada como medida de segurança, por ser considerada inimputável
pela Justiça. O laudo de insanidade mental, nesses casos, comprovou que o preso
teve a capacidade de entendimento e determinação abolida no momento do crime.
Outra parte enlouqueceu enquanto cumpria pena nas cadeias do sistema penitenci-
ário.

Pode-se usar como exemplo, muitos crimes cometidos por pacientes detidos no
Manicômio Judiciário Franco da Rocha, todos com justificativas alucinantes dos mesmos,
mas sem sentirem qualquer culpabilidade:

Muitos pacientes andam na cela por 24 horas, inquietos, indo e vindo, reproduzindo
a agitação dos funcionários fora das grades. Sacodem as mãos em conversas ima-
ginárias, intercaladas de risinhos nervosos. Outros permanecem agachados, estáti-
cos, em absoluto silêncio. O psicótico conhecido como ““ Furador de olhos “”, é as-
sim: pacato, pouco conversa ou reclama, mas, quando começa a divagar sobre as-
suntos de japonês e ouro, o perigo torna-se iminente. Utiliza como forma de defesa
para sua alucinação, a mania de furar os olhos das pessoas. Não importa quem es-
teja por perto, paciente, funcionário, ou visitante. Certa vez de traz da grade, roubou
a caneta do bolso da camisa de um enfermeiro que se distraiu e por pouco não per-
furou-lhe o olho. O dissimulado J.P. C é alto e raquítico. Diz ouvir vozes de três ja-
poneses que o mandam matar para “recuperar o ouro”. E diz: Matei um, Não, matei
dois... Matei cinco. Eu mato por causa do ouro. Os japoneses me mandam matar
pelo ouro que tem no largo do Arouche[...]. (TAVOLORO, 2004, p.93-94).

Dessa forma, apesar de alguns comportamentos se mostrarem comuns em mui-


tos criminosos, Para Bonger (apud in LEAL,p.174, 2008), não existe uma tipologia psico-
lógica específica do delinquente, pois é possível encontrarmos entre os delinquentes to-
dos os tipos humanos possíveis.

2. PSICOLOGIA DO DELITO

Para o jurista, um delito é todo ato (negativo ou positivo) de caráter voluntário,


que descumpre normas estabelecidas pela Legislação do Estado, transgredindo-as, fi-
cando a mercê do julgamento das leis de caráter penal.

Segundo Lopes (2003, p.131) “Não é possível julgar um delito sem compreendê-
lo”, pois delitos aparentemente iguais podem apresentar significados distintos e devem
ser julgados e condenados de formas completamente diferentes.
Dessa forma, BONGER (apud in LEAL, p.174, 2008) explicita a importância de
se conhecer as formas de delito e de delinquente quando afirma que: “para a polícia é útil
saber quais são os tipos psicológicos mais suscetíveis ao cometimento de determinado
tipo de delito. Também é importante que os promotores e juízes conheçam o grau de peri-
go para a segurança pública que é inerente a certos tipos de delinquentes, a fim de fixa-
rem as penas e demais medidas corretivas”.

3. O delito

Há uma diferenciação no conceito do delito, pois não é o mesmo para o Direito


Penal e para a Criminologia. Para o Direito Penal “delito é a ação ou omissão típica, ilícita
e culpável”. Ao dar este conceito o legislador teve uma visão do crime centrada no com-
portamento do individuo, ou seja, a exteriorização da conduta por meio de uma ação ou
omissão no mundo concreto, por meio de um comportamento positivo, ou seja, uma ação
“fazer”, ou de uma inatividade indevida, ou seja, a omissão de um “não fazer” o que era
preciso fazer.

Já para a Criminologia, o crime deve ser visto como um problema comunitário e


social. E embora tanto o direito penal quanto a criminologia tem por objetivo o estudo do
crime, ambos se diferenciam em relação ao fenômeno criminal.

No que se refere ao delito, à criminologia tem toda uma atividade investigativa,


analisando suas causas, a conduta antissocial, o efetivo tratamento dado ao delinquente,
que observa como um problema social, buscando sua não reincidência, ou seja, um tra-
tamento para que ele não venha praticar infrações penais.

Há várias posições e divergências acerca da noção do delito. O delito é um fe-


nômeno de delinquência em que é seu objeto de estudo pela Criminologia. Diante deste
conceito que diz o delito um fenômeno de delinquência é pacifico o entendimento que
neste conceito envolve certos aspectos morais, religiosos, econômicos, filosóficos, políti-
cos, jurídicos, históricos, biológicos, psicológicos e outros.
3.1 Motivações e tipos de delito

A maioria dos teóricos da área, afirmam que grande parte dos delinquentes so-
fre de perturbações afetivas. Ao nascer, todo indivíduo possui em si tendências delituosas,
visto que procura satisfazer as suas necessidades sem dar importância ao que as pesso-
as ao seu redor pensam ou fazem. Conforme o tempo vai passando, ele vai sendo edu-
cado e instruído a repartir brinquedos e comida, respeitar os demais, etc. Consequente-
mente, todo o indivíduo que não recebe essa instrução, ou se esta for insuficientemente
ensinada, poderá sucumbir à delinquência.

As motivações do delito podem ser exógenas ou endógenas. Chamamos de


motivação exógena aquela que é alheia ao ser individual e atua sobre ele. Encontramos
mais comumente esse tipo de delito em casos de guerrilheiros, espiões, justiceiros que
acreditam ter sido chamados para aplicar a justiça com as próprias mãos (LOPES,2003).

Já as motivações endógenas do delito correspondem aos fatores congênitos da


delinquência mencionada e estudada pela escola Lambrosiana. Como se sabe, as rea-
ções emocionais primárias: medo, ira, atração amorosa possessiva; pode não ser eficaz
na tarefa inibidora ou educativa – repressão, derivação ou sublimação social – e pode
levar muitos indivíduos à delinquência em grandes níveis, como no caso de delitos contra
a integridade física ou psíquica pessoal, contra conceitos, valores e objetos. Conforme foi
a gravidade do delito (crime, roubo, violação) a origem endógena do indivíduo aparecerá
menos ou mais claramente.

Lopes (2003, p.147) apresenta alguns tipos delitógenos, os quais possuem mo-
tivações exógenas e endógenas de um modo interessante, particularmente, para o jurista,
que continua os classificando por suas consequências e não por sua significação psicoló-
gica. Senão vejamos:

Delito Profilático: É o delito em que o autor sabe que está infringindo a lei, mas
comete o delito mesmo assim por estar convencido que o que está fazendo é para um
bem maior. Suas principais características são: inexistência de remorso, mesmo tendo
consciência do ato que cometeu; possibilidade de ser praticado por pessoas inteligentes,
sensíveis e cultas; plena responsabilidade do ato cometido, passividade no cumprimento
da sanção e passividade na defesa.

Delito Simbólico: O que torna esse delito típico é que quem sofre as conse-
quências não está ligado diretamente ao delinquente. Pode ser cometido tanto por indiví-
duos selvagens como por indivíduos cultos e intelectuais. Esse mecanismo mental opera
nos casos em que o indivíduo consegue inibir o impulso delitógeno direto, mas não con-
segue o suprimir por completo, fazendo com que um ato absurdo ocorra, longe da primei-
ra intenção.

Delito Reivindicador: Esse tipo de delito possui duas características essenci-


ais: primeiramente, seu autor não se acha implicado diretamente no assunto; em segun-
do, costuma ser agressivo, e essa agressividade só se intensifica, aumentando inclusive o
motivo do ato em si. Esse tipo de indivíduo nunca assume que cometeu o delito para des-
carregar a sua raiva, nem por ódio ou vingança. Quase sempre afirma que fez por gene-
rosidade social ou por cumprir um dever.

Delito Libertador ou de “Aventura”: Esse tipo de delito ocorre justamente quan-


do o indivíduo está na companhia de outras pessoas, muitas vezes sob influencia do ál-
cool, sexo e farra. Quase sempre o álcool leva a culpa, porem isso não passa de um pre-
texto e não uma causa. Isso prova que o indivíduo atua dessa forma no intuito de libertar-
se de uma angústia interior.

Delito de Expiação (Autopunitivo): Trata-se de delitos cometidos por certos in-


divíduos que procuram merecer a repulsa da sociedade, só assim satisfazem a sua ne-
cessidade de expiar uma culpabilidade inconsciente. Tais indivíduos cometem delito para
serem castigados como se pudessem apagar atos anteriores. Costumam estar entre es-
tes delinquentes, pessoa que sentem um ódio intenso por seus pais (ou um deles), ou que
foram reprimidas por eles na infância, sentem-se culpados por tudo o que passaram e o
fato de cometerem delito seria, nada menos que uma fuga ou uma forma de aliviar o seu
próprio remorso interior já existente há muito tempo. Seu lema parece ser: “Eu sozinho
contra todo o mundo”.
Até agora abordamos o conflito legal de indivíduos isolados, mas não podemos
ignorar os delitos decorrentes do “grupo”. Esse grupo constitui uma nova entidade psico-
lógica, este é capaz de praticar também, delitos que adquirem características de estilo e
gravidade tais quais os indivíduos isoladamente. Cada indivíduo possui a sua particulari-
dade, porem como fazem parte do mesmo grupo, tudo indica que tem os mesmos objeti-
vos, ideais e características em comum.

Ainda, LOPES (2003, p. 304-306) apresenta os delitos em grupo da seguinte


forma:
Delitos de grupo contra a propriedade: Geralmente dá-se o nome de “bando”
ao grupo de malfeitores que comete roubo. Esse bando sempre tem um chefe ou líder,
reconhecido pelos colegas por sua experiência e inteligência. Conforme o líder vai au-
mentando e o grupo se expandindo, há a necessidade desse líder comandar sem apare-
cer, porem isso pode ocasionar rebeliões mais corriqueiras e frequentemente pode acar-
retar em formas mais brutais de comportamento.

Delitos de grupo contra a vida: o ataque do grupo a uma ou várias pessoas,


tem geralmente um motivo de vingança ou satisfação compensadora de frustrações ante-
riores. Um exemplo desse tipo de delito é o linchamento à negros, judeus, espancamen-
tos aferidos à mendigos, índios e pessoas indefesas.

Psicologia delinquencial da “patota”: Esse tipo de grupo reúne-se, geralmente,


para beber e destruir objetos alheios, agindo como vândalos à noite, adquirindo algumas
coisas e se livrando de outras. Mas qual a razão dessa conduta? Elencaremos três moti-
vos: a coletividade diminui o sentido de responsabilidade; possibilidade de cada membro
do grupo demonstrar a sua “valentia” aos amigos próximos; as conversas desencadeiam
impulsos agressivos que até então estavam inibidos.

Assim, percebe-se que o delito é algo não só individual como também de grupo
e que suas motivações são as mais variáveis possíveis, ficando o indivíduo sujeito ao
ambiente em que se desenvolve e aos estímulos que recebeu durante sua vida.

4. O Criminoso:
Ao fazer uma abordagem no módulo anterior sobre as escolas sociológicas do
crime aprendemos que para a Escola Clássica, o criminoso era um ser que cometeu al-
gum pecado, que era voltado para a prática de maldades e que se tratava de uma opção
dele, pois ele podia ter escolhido o bem e assim não o fez. Já para a Escola Positiva en-
tendia que o criminoso era um ser que tinha desviou de caráter, e que tinha deformação
patológica, ou seja, muita das vezes nascia assim.

Não se pode deixar de registrar que o marxismo, entendia que o criminoso era
a própria vítima das estruturas econômicas, ou seja, quem era culpável era a própria so-
ciedade. Marx não tinha sua visão sobre a matéria jurídica e sim sua atenção era extre-
mamente ligada ao modo de produção capitalista. Concluindo a abordagem ao criminoso
este assim como qualquer cidadão tem vontades próprias, tem vontade de ir além, de su-
perar, de construir seu próprio futuro, de ter sua própria opinião, é uma pessoa como ou-
tra qualquer, contudo, sujeito a influências do próprio meio em que vive.

5. A vítima:

A vítima é aquela que sofre com a prática do ato delitivo, causados tanto pelos
próprios atos quanto pelos atos de outrem ou até mesmo do acaso. Há muitos séculos, o
direito penal desprezava a vítima e colocava como sendo seu foco principal o criminoso,
colocando-a em uma posição insignificante para a participação na existência do delito.

Nestor Sampaio salienta que: Foi a partir dos estudos criminológicos é que sua
participação foi ganhando destaque para o direito penal. Três foram às grandes fases da
vítima nos estudos penais: a “idade de ouro”; a neutralização do poder da vítima e a reva-
lorização de sua importância.

Na idade de ouro começa desde os primórdios da civilização até o fim da Alta


Idade Média, com a autotutela, lei de Talião entre outros. O processo era inquisitivo, ou
seja, sigiloso era considerado monopólio da jurisdição, a vítima perdia seu papel principal
no processo passando a ser mais um complemento. Com o fim da autotutela, da pena de
talião, da composição, nasce então o processo acusatório, havendo então certa perda do
papel da vítima no processo.

Na segunda fase, tem-se uma neutralização do poder da vítima, o poder de re-


ação ao fato delituoso, é assumido pelo Poder Público. Foi somente após o pensamento
da Escola Clássica, porém houve um importante estudo, com o primeiro Seminário Inter-
nacional de Vitimologia em 1973.

Com o estudo da vitimologia permite a estudar verdadeiramente a criminalida-


de, pois irá colher informações das vítimas fundamentais para esclarecimentos de crime
como acontece com a violência e a grave ameaça, sem a participação da vítima nesses
crimes seria impossível colher informações claras e reais.

O Estudo da vitimologia se dá através de duas Escolas importantes que influ-


enciaram a nossa história: A Escola Clássica e a Escola Positiva. No Brasil o estudo da
vitimologia se dá mediante a superpopulação urbana, descaso dos governantes, pois a
sociedade cria uma expectativa de melhora o que não acontece.

O Código penal de 1940, na aferição do crime e do delinquente, com vistas à


aplicação da pena, não fazia referência ao comportamento da vítima, mas o estudo da
vitimologia veio despertar o legislador para a importância da aferição do comportamento
da vítima para aplicação da pena, tanto que na parte Geral Do Código Penal, promulgado
pela Lei 7.209, de 11.07.84, em seu artigo 59, a vítima passa a ser elemento de peso
nessa aferição.

Existem crimes em que não há vítimas como por exemplos àqueles que atin-
gem apenas entidades, ou a ordem moral ou a ordem econômica ou jurídica. Há, portan-
to, uma classificação de vitimas, pois, não existe apenas um tipo de vitima e sim diversos
tipos, conforme a seguir exposto:

Segundo, Roque de Brito Alves, classifica de maneira ampla os tipos de viti-


mas:

a) Vítimas natas; são aquelas que já nascem para ser vítimas, tudo fazendo cons-
ciente ou inconscientemente para produzir o crime, como se fossem tipos humanos viti-
mológicos predestinados ou tendentes a ser tornarem vítimas causadoras dos delitos de
que elas próprias se tornam vítimas.
b) Vítimas potenciais; os de personalidades insuportáveis, criadoras de casos e
que levam ao desespero aqueles com quem convivem.
c) Vítimas inocentes; são as verdadeiras ou realmente vítimas, que são aquelas
que podem ser definidas como vítimas de si próprias. Não dão causa e nem fator, não
tendo culpa alguma na realização do delito.
d) Vítimas provocadoras; são aquelas que, devido à ação de alguém que ela pró-
pria originou, provocou, causou, como que obrigando alguém ou o agente do delito a atu-
ar contra a pessoa.
e) Vítimas falsas (simuladoras e imaginárias); São aquelas que induzem, urdem,
instigam e provocam o agente a ponto de este não suportar mais e praticar o delito. (com
duas espécies vítimas simuladoras e as imaginárias); Por sua vez, as vítimas simuladoras
são aquelas que estão conscientes de que não foi vítima de delito algum, do indivíduo a
quem acusa, porém age geralmente por razões de vingança ou buscando obter alguma
vantagem material ou não. As vítimas imaginárias são aquelas que estão conscientes de
que não foi vítima de delito algum, do indivíduo a quem acusa, porém age geralmente por
razões de vingança ou buscando obter alguma vantagem material ou não.
f) Vítimas voluntárias: Concretamente existem como nas hipóteses do denominado
homicídio eutanásico e no par suicida ou suicídio a dois.
g) Vítimas Alternativas: São aquelas que, tanto podem ser vítimas como delinquen-
tes ou se tornam conhecidas com o desfecho do fato, uma vez que antes do fato não se
sabe quem vai ser a vítima ou quem vai ser o delinquente.

6. O controle social

Desde os tempos mais remotos a história do homem em sociedade, é marcada


por conflitos, podendo ser solucionados das mais variadas formas. Alguns desses confli-
tos são resolvidos entre os envolvidos, e outros, conforme as circunstancias do gravame
que apresentem para os valores sociais da época, acabam por receber a mão forte do
estado que irá intervir no conflito e dar a melhor solução ao caso valorizando o interesse
ameaçado.
Quando o estado intervém nos conflitos para a pacificação e melhor valoriza-
ção do interesse ameaçado, verifica-se, portanto que há uma forma de controle social ins-
titucionalizada passando para o Estado o direito de punir, o qual foi legitimado pelas teori-
as contratualistas e se efetivou através do Direito Penal.

Verifica-se dessa forma, o controle social, por meio de instrumentos utilizados


pelo Estado, e que necessita ser abordada antes de quaisquer considerações sobre as
sanções penais, pois o controle social nasce da intervenção estatal constituindo a origem
e a fundamentação dessas.

Para que o homem tenha uma convivência harmônica na sociedade, a própria


sociedade estabeleceu normas de conduta. Sabemos que a vida em sociedade não é fá-
cil, e que precisamos agir de modo em que todos se comportem conforme as normas para
que possa haver um equilíbrio e se caso essas normas não forem cumpridas da forma
como esperamos, estabelece-se uma sanção para ser aplicada àqueles que não se com-
portarem conforme os preceitos estabelecidos.

De modo geral, todas as sociedades, por mais primitivas que sejam, existem
regras a serem cumpridas e sanções para quem descumprir tais regras, assim a socieda-
de mantém a ordem social.

Segundo Francisco Muñoz Cond diz que:

O controle social é a condição básica da vida social. Com ele se asseguram o


cumprimento das expectativas de conduta e o interesse das normas que regem a convi-
vência, conformando-os e estabilizando-os contrafaticamente, em caso de frustração ou
descumprimento, com a respectiva sanção imposta por uma determinada forma ou proce-
dimento.
O controle social determina, assim, os limites da liberdade humana na socieda-
de, constituindo, ao mesmo tempo, um instrumento de socialização de seus membros.

Nessa mesma linha de raciocínio Antônio Pablos de Molina entende o controle


social como o: Conjunto de instituições, estratégias e sanções sociais que pretendem
promover e garantir referido subentendimento do indivíduo aos modelos e normas comu-
nitários.

Essa forma de intervenção na conduta individual pode ser exercida por di-
versos meios, a exemplo da família, da escola, da religião, dos meios de comunicação, da
policia, além dos meios especializados, como é o sistema penal. O Direito Penal e a pena,
por exemplo, são formas pelas quais se efetiva o controle social praticado pelo Estado,
pois este através dessas normas trazidas pelo Direito Penal poderá agir.

Assim, podemos afirmar que o controle informal atua a partir do início da vida
de cada pessoa, no caráter de cada um, para que possa agregar valores comuns em sua
comunidade para que sinta incluídas as normas dessa comunidade. Para que esse pro-
cesso de socialização possua eficácia o controle informal tem que estar presente na vida
do indivíduo, mas, quando esse controle informal fracassa, ou seja, quando um indivíduo
age em confronto com as normas estabelecidas, então, temos o que chamamos de con-
trole formal que se dá através de aplicação de sanções. Dentre as instâncias formais, es-
tão as policias o ministério público, e o Direito Penal, que abrange um conjunto de nor-
mas, e que não seguidas há uma punição.

Segundo Antônio Pablos de Molina:

É inegável que o Direito Penal simboliza o sistema normativo mais formalizado,


com uma estrutura mais racional e com o mais elevado grau de divisão do trabalho e de
especialidade funcional dentre todos os subsistemas normativos. O controle social penal é
um subsistema dentro do sistema global do controle social; difere deste último por seus
fins (prevenção ou repressão do delito), pelos meios dos quais se serve (penas ou medi-
das de segurança) e pelo grau de formalização que exige.

A função do controle social tanto em sua atividade formal como em sua ativida-
de informal possui duas funções: a prevenção de comportamentos desviantes e a puni-
ção, e que será aplicada quando a primeira falhar.

Ao falar em que toda vez que ocorrer um delito, sempre haverá uma punição, o
que não é verdade, pois a depender do caso poderão existir outras formas de solução dos
conflitos. Se todos os casos desviantes permitissem uma punição estaríamos banalizando
o controle informal, a fim de evitar a utilização do Direito Penal, pois o mesmo traz normas
de caráter punitivo e tem efeito seletivo e condenatório sobre aqueles contra quem é apli-
cado.

Complicado é traçar um limite sobre a origem do controle social, visto que, es-
se controle é fundamental à organização do homem em sociedade. Em razão dessa de-
pendência mutua entre controle e organização social, os fundamentos do controle social
penal e da organização poderiam ser encontrados na Teoria do Contrato Social;

Para Marquês de Beccaria:

O homem tem natureza mordaz sem piedade e no estado natural vivia em


guerra, primeiramente entre um e outro homem, e, após, entre os bandos formados para
melhor garantir sua sobrevivência. Assim, o ius puniendi teve origem quando os homens
se esgotaram de viver em beligerância e tendo sua liberdade ameaçada constantemente,
decidiram abdicar de parte desta liberdade irrestrita para dispor do restante com seguran-
ça. A soma dessas parcelas de liberdade originou a soberania da nação. Neste ínterim, foi
o soberano (rei) encarregado de sua administração, cabendo-lhe proteger as liberdades
de usurpações. Os instrumentos jurídicos adotados, para tanto, foram as penas estabele-
cidas para aqueles que desrespeitassem as leis.

Esse pacto de submissão teria originado a sociedade civil e o controle social


formal, de modo que o direito de punir que o estado detém em mãos foi concebido como
fundamental à organização social, devendo ser exercido pelo Estado, que tem a legitimi-
dade, uma vez que, como portador das vontades individuais e representante da vontade
geral, teria o dever de garantir a convivência pacífica.

Contudo, assevera Marquês de Beccaria que:

Neste pacto social não estaria apenas à origem do Direito Penal, mas também
seu limite, posto que somente a necessidade obriga os homens a ceder uma parcela de
sua liberdade; disso advém que cada qual apenas concorda em por no depósito comum a
menor porção possível dela, quer dizer, exatamente o que era necessário para empenhar
os outros em mantê-lo na posse do restante. A reunião de todas essas pequenas parcelas
de liberdade constitui o fundamento do direito de punir. Todo exercício do poder que deste
fundamento se afastar constitui abuso e não justiça; é um poder de fato e não de direito;
constitui usurpação e jamais um poder legítimo.

Como exposto acima por Beccaria, o controle social penal não surgiu apenas
para punir aquele que causasse algum mal ou infringissem as normas da sociedade. E
sim, como forma de evitar a aplicação das sanções por parte de outros então veio a deli-
mitar us puniendi por parte do Estado.

Como observa não somente o crime, a vítima e o criminoso é objeto de estudo


da criminologia, mas também o controle social acima exposto, pois também é preciso
analisar a relação de causa e efeito entre o controle social e a criminalidade em si.
Referências Bibliográficas:

ALVES, Roque de Brito. Estudos de Ciência Criminal. Editora CEPE. Recife-PE. 1993.

BECCARIA, Marquês Cesare. Dos delitos e das penas. Ed. Martins Claret. São Paulo,
2003.p.18-19.

BRASIL. Código Penal.Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940.

LEAL, Liene. Psicologia jurídica: história, ramificações e áreas de atuação. Revista


Diversa. Ano I, nº2, jul.-dez, p. 171-185, 2008.

MUÑOZ CONDE, Francisco. Direito penal e controle social. Trad. Cíntia Toledo Miranda
Chaves. Ed. Forense. Rio de Janeiro ,2005.p.22.

PABLOS DE MOLINA, Antônio Garcia. Criminologia: uma introdução a seus funda-


mentos teóricos. Tradução de: Luiz Flávio Gomes. 3ª. ed. Revista dos tribunais. São
Paulo, 2002.p.133-134

PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual Esquemático de Criminologia. 3ªed. Sa-


raiva. São Paulo, 2013.p.32.

TAVOLARO, Douglas. A casa do delírio: Reportagem do Manicômio Judiciário de Franco


da Rocha. 3ª edição. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2004.
Psicologia Jurídica – 4º Módulo:

1- A NARRATIVA JUDICIAL/PROCESSUAL SOBRE OS FATOS

O Caso Richthofen refere-se ao crime de homicídio cometido, em 2002, por


Suzane Louise Von Richthofen, seu namorado Daniel Cravinhos e Christian Cravinhos
causando grande comoção na sociedade brasileira e ganhando ampla repercussão na
mídia, uma vez que escapam à compreensão leiga as motivações que levariam uma jo-
vem de boa aparência, rica, estudada, a tramar a execução dos próprios pais.

Inicialmente, as suspeitas da investigação recaíram sobre os empregados e ex-


empregados da família, já que a residência não apresentava sinais de arrombamento,
indicando que somente uma pessoa que conhecesse a rotina da casa, bem como os deta-
lhes de acesso, poderia ter executado tal crime. Por outro lado, as declarações prestadas
por Suzane passam a entrar em conflito com os apontamentos da perícia realizada no
caso, que apontava para o fato de que tal prática se deu com a facilitação de acesso à
residência.

Outro aspecto considerado comprometedor foi o fato de os investigadores te-


rem descoberto que Christian Cravinhos havia comprado no dia seguinte ao crime, uma
motocicleta, quitando-a com o pagamento em dólar. A suspeita aumentava em razão da
condição de desemprego do jovem, que não conseguia declarar como havia conseguido o
dinheiro.

Todos esses fatos, somado com a confissão dos três suspeitos, levaram o De-
partamento de Homicídios a anunciar, em 08 de novembro de 2002, que o crime havia
sido planejado e executado por Suzane e pelos irmãos Cravinhos. Desse modo, concluí-
das as investigações, em 19 de novembro de 2002 Suzane Louise Von Richthofen, Daniel
Cravinhos de Paula e Silva e Christian Cravinhos de Paula e Silva são denunciados pelo
Ministério Público do Estado de São Paulo, iniciando-se assim a Ação Penal Pública con-
tra os três réus.

Segundo o que consta na Denúncia, os irmãos Cravinhos desferiram diversos


golpes que causaram ferimentos suficientes para causar a morte das vítimas, conforme os
laudos necroscópicos. Contudo, tal êxito só foi possível pela participação decisiva da filha
das vítimas, Suzane Louise Von Richthofen. Relata-se ainda, na Denúncia, que Daniel e
Suzane eram namorados, à época dos fatos, sendo que esse relacionamento não era
aceito por parte das vítimas. O relato afirma ainda que os pais de Suzane se colocavam
hostis à relação e passaram a exercer um rígido controle sobre o casal. As decorrentes
tensões geradas por essa forma de controle e a decisão de ambos em manter o relacio-
namento, levaram os namorados a planejarem a morte das vítimas. Daniel cuidou de fa-
bricar porretes e Suzane de guardar luvas cirúrgicas com a intenção de munir-se dos
aprovisionamentos capazes de não deixar vestígios.

Após firmarem o plano, integrou-se ao conjunto, Christian, irmão de Daniel, a


quem foi prometido, pela participação no crime, pagamento em dinheiro.

Segundo informações da investigação realizada e a correspondente Denúncia


do Ministério Público do Estado de São Paulo, no dia dos fatos, chegaram os três à resi-
dência da família Richthofen, já sabendo que, por força de uma rotina doméstica, os pais
de Suzane dormiam. Ela franqueou, então, o acesso dos irmãos Cravinhos à casa e ao
quarto de seus pais, momento em que o grupo se dividiu, pois, enquanto Daniel e Christi-
an, munidos de porretes, desferiam sucessivos golpes nas vítimas, que não tiveram ne-
nhuma possibilidade de reação, Suzane se dirigia ao escritório da casa para simular um
cenário de roubo, abrindo uma valise da mãe, em que era guardado dinheiro.

Conforme os laudos, a execução do crime, pelos irmãos Cravinhos, incluiu ain-


da práticas de asfixia das vítimas, pois enquanto Christian tentava estrangular Marísia –
enfiando-lhe uma toalha na boca e um saco plástico na cabeça – Daniel ensopava uma
toalha e jogava-a sobre a cabeça de Manfred, dificultando-lhe a respiração.

Finda a execução, os três trocaram de roupas e saíram de casa. Christian foi


deixado nas proximidades de sua casa, tendo Suzane e Daniel seguido para um motel,
onde permaneceram por pouco mais de uma hora.

Depois desse intervalo de tempo, Suzane retorna a sua casa, na companhia de


seu irmão, procurando agir como se nada tivesse acontecido. Ao entrar na casa Suzane
chama a atenção de seu irmão para notar as “evidências” de roubo, assim, liga para o seu
namorado que vai imediatamente para a sua casa e ambos chamam a policia ao local.

A investigação concluiu pela oferta de denúncia contra Suzane Louise Von


Richthofen, Daniel Cravinhos e Christian Cravinhos, sendo todos acusados da prática de
homicídios dolosos contra as vidas de Manfred Richthofen e Marisia Richthofen, sendo
levados, portanto, ao crivo do respectivo juízo natural.

2- Análise do interrogatório de Suzane Von Richthofen.

Pêcheux & Fuchs (1971), ao desenvolverem a teoria materialista do discurso,


consideraram que a constituição de sentido não se desprende da interpelação ideológica
do sujeito. De outro modo, as palavras, expressões, proposições etc., não possuem senti-
do literal ou mesmo inerentes, já que o sentido muda segundo as posições sustentadas
por aqueles que as empregam, adquirindo seu sentido em referência a essas posições,
ou seja, às formulações ideológicas nas quais essas posições se inscrevem. Assim, as
mesmas palavras, expressões, proposições mudam de sentido ao passar de uma forma-
ção discursiva a outra ou têm sentidos diferentes dentro de uma mesma Formação Dis-
cursiva (FD), assim, palavras literalmente diferentes podem, no interior de uma formação
discursiva dada, ter o mesmo sentido.

São, pois, às condições de produção do dizer, às posições que os sujeitos to-


mam ao enunciar de um modo e não de outro e aos efeitos de sentido que esses dizeres
produzem que se volta a nossa análise.

Condições de Produção: a instalação de relações hierarquizadas por um po-


der/saber. A referência às condições de produção nos processos discursivos estabelece a
existência de uma determinação exterior ao discurso, sendo revelado por meio da análise
discursiva do texto.

Nesse sentido, a teoria do discurso, proposta por Michel Pêcheux (1988), con-
sidera que um discurso é sempre atravessado pelo “já ouvido” e pelo “já dito”, enredando
o sujeito falante nessa memória discursiva.
Portanto, existe uma relação de dominância derivada das condições de produ-
ção que fixam o lugar do sujeito no discurso.

No caso em questão, a posição sujeito-juiz inscreve-se discursivamente, en-


quanto sujeito interpelado na/ pela história, colocando-se em condição de confronto com a
posição sujeito-acusada. Essas posições em confronto instalam, no processo, os modos
de apuração da verdade.

3-DISCURSIVIDADES EM MOVIMENTO NO INTERROGATÓRIO DE SUZANE


RICHTHOFEN

No contexto imediato temos a audiência de interrogatório em que a acusada


presta declarações ao Poder Judiciário sobre o crime cometido, o que estabelece entre o
juiz e a ré uma relação desigual, pois o direito de punir do Estado, representado pela figu-
ra do juiz de direito, é hegemônico em detrimento das declarações prestadas pela acusa-
da em questão. Há aí, em funcionamento, um saber/poder que, de início, coloca as duas
partes do confronto em desigualdade.

Desse modo, tem-se, de um lado, o Juiz dispondo-se pela persecução da ver-


dade real, para instrução de referido processo criminal e, de outro, a acusada, que deve
responder aos questionamentos formulados pelo juiz, fornecendo-lhe elementos de prova
que constituirão sua consequente condenação.

Ao buscar compreender o funcionamento dessas estruturas institucionais, de-


temo-nos, inicialmente, no pensamento foucaultiano, que dá visibilidade aos modelos de
apuração de verdade, constituintes das práticas jurídicas.

É necessário, contudo, empreender um breve recuo histórico buscando de-


monstrar que a apuração da verdade está presente no próprio âmago da Instituição Jurí-
dica.

Sabemos que o condicionamento do sujeito ao submeter-se a um poder exteri-


or a ele, ou seja, à instituição jurídica, deve-se às transformações advindas do Estado
burguês, que reelaborou o Direito e constituiu novas formas de justiça, configurando o
reflexo de uma nova estrutura econômica nascente e, de certo modo, da produção da ri-
queza, da manifestação organizada de poder e das representações ideológicas adapta-
das às exigências da época. Esses modos de produção fizeram surgir, nessa ocasião, um
personagem totalmente novo, o Procurador, que se apresentava como representante do
soberano para mediar os conflitos da sociedade, já que a infração não era mais um dano
cometido por um indivíduo contra o outro, mas uma ofensa à ordem, ao Estado, à lei, à
sociedade.

Dessa maneira, inúmeros procedimentos foram sendo instituídos pelo aparelho


jurídico para se obter a verdade real, com a correspondente produção de saberes basea-
da nas práticas sociais, que geraram modelos de estabelecimento da verdade:

A verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a múltiplas coerções e


nele produz efeitos regulamentados de poder. Cada sociedade tem seu regime de verda-
de, sua “política geral” de verdade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funci-
onar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enun-
ciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os
procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que
tem o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro. (FOUCAULT 2007: 12)

Tal funcionamento da verdade judiciária, bem como sua administração pelo di-
reito penal do século XVIII, suscitou algumas críticas, especialmente à espécie escolásti-
ca e aritmética de prova judiciária, denominada prova legal, que distinguia toda uma hie-
rarquia de provas que eram quantitativa e qualitativamente ponderadas
.
Os elementos de demonstração eram combinados e sobrepostos para se che-
gar a certa quantidade de provas que a lei, ou antes, o costume, definia como mínimo ne-
cessário para obter a condenação. Nesse momento, o cálculo de prova embasava a deci-
são que o tribunal tinha de tomar.

Além dessa definição legal da natureza e quantificação de provas, havia o prin-


cípio segundo o qual as punições seriam proporcionais à quantidade de provas reunidas.
Desse modo, o direito clássico reconhecia que ninguém seria suspeito impunemente, mas
o mais ínfimo elemento de demonstração já bastaria para acarretar certo elemento de pe-
na (FOUCAULT 2001: 9).

Como podemos perceber, estabelece-se, pela intervenção judicial, uma relação


que atesta a supremacia do exercício do direito/poder de punir do Estado.

Nessa relação, dispõe-se das regras ou determinações processuais /legais,


através do contrato verbal onde se admoesta a acusada sobre as implicações do seu si-
lêncio, podendo este ser interpretado em seu prejuízo, uma vez que o fato da acusada
calar-se concorre para a formação de convicção íntima de culpabilidade, por parte do juiz,
ao qual é facultado, no ato do pronunciamento processual, tomar o silêncio como assun-
ção de culpa, mesmo que o dispositivo não obrigue a acusada a responder às perguntas
que lhe são formuladas.

A hierarquização de poder, presente na inquirição da acusada, retrata a deter-


minação do próprio dispositivo legal, que estabelece a obrigatoriedade da prestação das
informações requisitadas, sob pena da sua opção pelo silêncio causar-lhe prejuízos no
momento da formulação de convicção íntima, por parte do juiz.

Dessa maneira, o dispositivo legal funciona como um mecanismo de coação,


pois se, de um lado, a lei faculta ao acusado o direito de calar-se, de outro, essa mesma
lei, através do artigo 186 vigente à época, impõe-lhe a fala, pois o silêncio implica a for-
mação de convicção de culpa, por parte do juiz, como se ele tivesse alcançado um nível
de isenção tal, que a sua convicção só se formasse naquele momento, ou seja, como se
na formação de convicção ele já não se afetasse pelo conjunto de provas que instruem o
processo.
Na sequência, contudo, ao narrar a situação de conflito, Mas o Daniel, para
mim, começou a ser uma coisa... de uma coisa normal começou a virar uma obsessão,
queria estar sempre com ele, o tempo todo, o dia inteiro; minha mãe era contra isso e co-
meçou a impor limites, não querendo que passasse o tempo inteiro ao lado dele.

Vejamos, então, que ao situar o conflito – minha mãe era contra isso e come-
çou a impor limites – a acusada apresenta uma questão que foge ao puro efeito de domi-
nação exercida pela mãe, deparando-se com dificuldades graves, com situações de
opressão inesperadas ou injustas, a que deve reagir. Em síntese, em sua narrativa Suza-
ne, assim como nos contos de fada, é convocada a cumprir o ciclo de “provação e supe-
ração de um problema”, revelando a vivência desse processo, justamente por sua inscri-
ção em um determinado modo de dizer a memória discursiva funcionando na língua.

Assim, identificando-se com o herói, por sentir nele a própria personalização de


seus problemas, de seus medos e anseios e principalmente a sua necessidade de prote-
ção e de segurança, faz dessa identificação um caminho para resolver, inconscientemen-
te, seus conflitos na medida em que auxilia a enfrentar os perigos e as ameaças.

Essa identificação passou a ser assumida até mesmo em sua própria aparên-
cia, pois, se compararmos as fotografias, de antes e após a sua confissão e consequente
imputação do assassinato de seus pais, vemos que há um processo de infantilização na
própria imagem.

Esse funcionamento dá visibilidade aos efeitos do que o namorado passou a


significar na vida da acusada – uma coisa – que era normal e que se tornou anormal. Es-
sa coisa que se tornou anormal, que começou a virar uma obsessão.

No entanto, diferentemente dos contos de fada, cuja situação final estabelece o


retorno ao equilíbrio, através da célebre frase – e foram felizes para sempre –, o desfecho
da história contada por Suzane tem um fim trágico, se assemelhando às grandes tragé-
dias13, uma vez que a própria heroína contribui para a morte de seus pais.

Nas estruturas de conto de fadas há uma tensão entre os personagens, mar-


cada pelo enfrentamento do Bem contra o Mal, da qual, invariavelmente, o bem prevale-
ce. Mas, no caso em questão, é o mal que prevalece, e prevalece, pelo efeito que a acu-
sada produz, em razão daquele que se transformou em uma Coisa, daquele que não
permitiu que o desfecho da estória fosse outro que não a morte de seus pais.

O efeito que o depoimento de Suzane produz é, então, o de que ela foi sendo
envolvida por uma pessoa má, por uma coisa, por um monstro, que, aos poucos, foi fa-
zendo-a imitá-lo na própria maldade.
O efeito que a acusada produz, então, é o de que a mãe sabia que o namorado
era má influência, uma vez que Suzane só passou a mentir, a esconder, depois de conhe-
cê-lo. Foi, então, por essa razão que a mãe proibiu, afastou, impediu que ele continuasse
a frequentar sua casa, que lhe telefonasse ou lhe visse.

Observemos que os verbos utilizados para referir à ação da mãe são sempre
aqueles que cerceiam a liberdade de Suzane – proibir, afastar, impedir – ou seja, em ne-
nhum momento ela formula a ação da mãe como algo que decorresse de uma orientação,
de um diálogo. Ou dito de outro modo, ela poderia dizer que a mãe conversou, comentou,
explicou, alertou, mas, a adoção de verbos que traduzem a ação da mãe como opressiva
não é trivial nesses modos de formulação, pois, dado o efeito de tirania que Suzane pro-
duz sobre a ação da mãe, torna a ação de matá-la menos grave, ou seja, atenua o desfe-
cho da estória.

Pelo depoimento, Suzane produz efeitos que instalam sentidos de que sua mãe
era uma opressora e, ao mesmo tempo, coloca em funcionamento sentidos de que ela era
uma boa menina que foi, aos poucos, se tornando má, em razão da influência de Daniel.

Esse funcionamento se marca na formulação – eu não costumava fazer aquele


tipo de coisa (mentir, esconder). Ou seja, se ela passou a mentir (que ia dormir na casa
de uma amiga), a esconder (que foi de fato para um motel) foi em razão da má influência
de Daniel, e não porque fazia/faz parte da sua índole mentir, enganar, dissimular.

Os efeitos que a narrativa produz, então, juntamente com essa formulação da


depoente, é a de torná-la uma menina boa, inocente, que aos poucos vai se transforman-
do em decorrência da convivência com Daniel. Ou seja, a maldade não está nela, mas no
namorado, na mãe, no pai, no outro.

Suzane aponta os pais como razão da sua infelicidade, pois era bom estar ao
lado dele [Daniel], só que meus pais estavam vivos, estavam só viajando. Ora, se os pais
estavam vivos e só estavam viajando, era preciso afastá-los permanentemente, assim, a
materialização do desejo de afastá-los faz-se pelo emprego da expressão só que. Nessa
direção, a expressão – só que – funciona restritivamente à condição de felicidade, sendo
a presença dos pais, a vida deles, o fato de só estarem viajando o empecilho para a felici-
dade plena, então, era preciso matá-los. O efeito dessa formulação é do tipo se ~ então,
pois: Se os pais estão vivos, se estão só viajando ~ então infelicidade. Se os pais estão
mortos, permanentemente fora ~ então felicidade.

Suzane formula o seu desejo – na verdade eu queria ficar perto dele e que
meus pais aceitassem, mas era uma coisa que não podia acontecer – e culpabiliza Dani-
el, pois ela era que tinha a vontade contrariada pelos pais, mas era ele que ia aos poucos
plantando a ideia de matá-los – E ele foi mostrando dia após dia que não tinha opção: ou
era ele ou meus pais. Ela produz o efeito tanto de ser a vítima da intolerância dos pais
quanto da indução de Daniel ao assassinato de seus algozes (pais). Nessa direção, a sua
formulação produz o sentido de isenção total nos fatos, pois, apesar das limitações impos-
tas por eles, o desejo de mata-los não nasce nela, mas no namorado que vai lentamente
convencendo-a. Assim, o que a formulação produz é um efeito de coação, de indução, de
convencimento da ‘menina boazinha’ a se tornar má.

Há análises de peritos forenses que afirmam que o indivíduo com propensão


ao crime entra em um estado de compulsão para matar, que o excita e o coloca em um
estado de permanente de ansiedade, que só minimiza após o cometimento do crime. Pa-
rece, pois, ser esse o efeito que a formulação de Suzane produz, pois a sua ansiedade
pode ser visível no modo como ela fecha o seu relato no recorte, ao demonstrar a ansie-
dade que lhe causava o fato de não ter ainda noticias sobre a arma que mataria seus
pais, uma vez que havia dado dinheiro para Daniel adquiri-la – e a arma que o irmão dele
tinha prometido não vinha.

Desse modo, Suzane relata que seu “desespero”: a sua ansiedade por não ter
notícias da arma que havia sido encomendada para assassinar seus pais e também, con-
flitivamente, o temor, o medo de não ter paz após o cometimento do delito. Ou seja, em
nenhum momento ela formula o desespero como vinculado à possibilidade da perda de
seus genitores.

4- O PLANEJAMENTO DO CRIME: O EMBATE ENTRE O BEM E O MAL

Então, no dia 30 de outubro, à tarde, depois de voltar da faculdade, eu fui com


o Andréas e o Daniel no shopping; quando voltou do shopping ele [Daniel] falou que ia ser
naquele dia e que era para pegar eu pegar as luvas e deixar separadas. Eu fiz isso, pe-
guei as luvas quando cheguei em casa, as levei junto. Ai, eu fui para do Daniel e fiquei lá
com ele, mais tarde, por volta das 10:00 horas o Andréas ligou e o Daniel foi buscar ele foi
para ir a RedPlay. O Andréas foi comigo, passamos na casa do Daniel, o Daniel pegou, eu
estava lá, deixamos o Andréas da RedPlay, fumei maconha naquela noite porque eu não
agüentaria, estava desesperada, o Daniel falando: “fica fria e não deixa transparecer ne-
nhuma emoção, se mantenha fria”; eu estava desesperada, com o coração apertado. Aí, o
Christian estava esperando a gente perto da RedPlay [...]

Esse funcionamento pode ser observado pela formulação: quando voltou do


shopping Daniel disse que ia ser naquele dia e que era para eu pegar as luvas e deixar
separadas. Eu fiz isso, peguei as luvas quando cheguei em casa, as levei junto. Ou seja,
a acusada, nos seus modos de dizer, se isenta totalmente, pois é Daniel quem diz que o
crime ia acontecer naquele dia e é também ele quem lhe pede para pegar as luvas e dei-
xar separadas. Vejamos que o que é lhe atribuído por Daniel é a ação de pegar as luvas e
deixá-las separadas, mas o que Suzane formula, marcando aí o lugar da sua ansiedade
compulsiva, é que ela pega as luvas imediatamente quando chega em casa e as leva jun-
to consigo: Eu fiz isso, peguei as luvas quando cheguei em casa, as levei junto. Ou seja, a
excitação com a possibilidade da morte de seus pais não lhe deixa um só instante.

A acusada se isenta, pois, a fabulação, a fantasia, a inconsequência para com


o depois dos assassinatos não é naturalmente dela, uma vez que foi também plantada
pelo seu namorado: o Daniel conseguiu colocar em mim que tudo ia ser um mundo perfei-
to, que era um príncipe encantado, que ia dar tudo certo, ia ser perfeito.

Desse modo, a palavra plano recebe seu sentido de cada formação discursiva
que cada posição sujeito (juiz e acusada) se inscreve, retomando, em cada dizer, as for-
mações ideológicas correspondentes.
REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Eliana de. “Discurso Religioso: Um espaço simbólico entre o céu e a terra”. In:

DI RENZO [et al]. Sociedade e Discurso. Campinas: Pontes, 2001.

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula inaugural no Collége de France (1970).


Trad. Bras. Laura Fraga de Almeida Sampaio. São Paulo: Loyola,
1996.

______. A verdade e as formas jurídicas. 3 ed. Rio de Janeiro: NAU Editora, 2002.

______.Verdade e Poder. In: Microfísica do Poder. 23 ed. São Paulo: Graal, 2007.

LAGAZZI, Suzy. O desafio de dizer não. Campinas: Pontes, 1988.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 9 ed. rev., atual e ampl. São Pau-
lo: Revista dos Tribunais, 2013.

ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 9 ed. Campi-


nas: Pontes Editores, 2010.
_________. Discurso em Análise: sujeito, sentido, ideologia. Campinas: Pontes Editores,
2012.

PÊCHEUX, Michel. Discurso :Estrutura ou Acontecimento. Trad. Bras. Eni Puccinelli Or-
landi. 5 ed. Campinas: Pontes Editores, 2008.

______. Semântica e discurso : uma afirmação do óbvio. Trad. Eni Puccinelli Orlandi et al.
4 ed.Campinas: Editora da Unicamp, 2009.

Você também pode gostar