Você está na página 1de 19

1

PSICOPATAS SERIAL KILLERS E O DIREITO PENAL BRASILEIRO: UM


ESTUDO SOBRE A IMPUTABILIDADE. 1
SERIAL KILLER PSYCHOPATH AND THE BRAZILIAN CRIMINAL LAW: A
STUDY ON IMPUTABILITY

Pedro Samuel De Morais Silva2


Saulo Guilherme Freitas Gomes Miranda3
Gercina Alves Moraes Cavalcante4

RESUMO: O presente trabalho busca contribuir com o debate acerca da imputabilidade penal
adequada ao psicopata serial killer à luz do direito penal brasileiro. Analisa o que é um
psicopata e suas características comportamentais, ponderando acerca de sua falta de
sentimentos nobres e dos fatores que podem desencadear comportamentos reprováveis.
Discorre acerca do conceito de serial killer e o que os difere dos demais homicidas, descreve o
conceito analítico de crime, com enfoque especial na culpabilidade e na imputabilidade,
demonstrando quais as possibilidades aceitas no ordenamento jurídico brasileiro e qual o real
impacto desta classificação para o agente que praticou o delito. Apresenta o emblemático caso
de Francisco de Assis Pereira, conhecido como o “maníaco do parque”, que cometeu diversos
crimes na década de 90, entre os quais estupros e homicídios, analisando sua vida, seus crimes,
o julgamento e a sentença a ele imposta. Por fim, busca colaborar com a discussão apresentando
o resultado da pesquisa nas considerações finais.

Palavras-chave: Psicopata. Serial Killer. Imputabilidade. Maníaco do Parque.

ABSTRACT: The present work contributes to the search for the debate about the appropriate
criminal imputability to the serial killer psychopath in the light of Brazilian criminal law. To
analyze what a psychopath is and its behavioral characteristics, pondering about its lack of
feelings and the factors that may present reprehensible nobles. It discusses the concept of serial
killer and what makes it different from other murderers, describes the analytical concept of

1
Artigo apresentado à Universidade Potiguar – UnP como parte dos requisitos para obtenção do título de Bacharel
em Direito, 2022.
2
Graduando em Direito pela Universidade Potiguar – UnP - samuelrox254@gmail.com
3
Graduando em Direito pela Universidade Potiguar – UnP - Saulo_freitas23@hotmail.com
4
Professor-Orientador Professora no curso de Direito da Universidade Potiguar. Especialista em Direito
Constitucional (Damásio Educacional) e Direito Penal e Processo Penal (Universidade Potiguar). Extensão em
Direitos Fundamentais pela Universidade Católica Portuguesa do Porto (Portugal). – E-mail:
gercina.cavalcante@unp.br
2

crime, with a special focus on culpability and imputability, demonstrating what are the accepted
possibilities in the Brazilian legal system and what is the real impact of this classification for
the agent who committed the crime. the case of Francisco de Assis Pereira, known as the
“maníaco do parque”, who committed several crimes in the 90s, among which he presents his
rape and homicides, analyzing his life, his crimes, the trial and the sentence imposed on him.
Finally, seek to collaborate with the discussion of the research result in the final considerations.
Keywords: Psycho. Serial killer. Imputability. Maníaco do Parque.

1 INTRODUÇÃO
Este trabalho discorrerá acerca da psicopatia e o tratamento que a ela é dado no Direito
Penal brasileiro, com enfoque especial nas penas cominadas aos crimes cometidos por estes
indivíduos. Dissertará sobre aspectos característicos da personalidade psicopata, com intuito de
entender o que os caracteriza. Buscará entender o que é um Serial Killer, também chamado de
assassino em série, demonstrando o que os define, além de compreender seu elevado grau de
periculosidade.
Após entender o que é um psicopata serial killer, abordará o conceito analítico de crime,
que se divide em fato típico, ilícito e culpável, com enfoque na imputabilidade, que é parte
integrante da culpabilidade, e sua abordagem no direito brasileiro. Buscará entender qual a
imputabilidade adequada para um psicopata serial killer, dentro das possibilidades existentes
no ordenamento jurídico brasileiro.
Será analisado o caso de Francisco de Assis Pereira, conhecido como Maníaco do
Parque, realizando uma análise acerca das sanções a eles aplicadas, qual seu possível
diagnóstico e a imputabilidade aplicada ao seu caso. Discorrerá sobre a pertinência e eficácia
destas sanções, buscando compreender se estas auxiliaram no processo de ressocialização e
prevenção de reincidência.
O presente artigo busca contribuir com a discussão ainda pouco explorada acerca da
psicopatia no Direito Penal brasileiro, apoiando-se na ciência através de aspectos psicológicos
e psiquiátricos integrados ao direito para proposição de uma solução para a imputabilidade de
psicopatas.
O método de pesquisa é de caráter exploratório e descritivo, posto que, por meio da
legislação, da doutrina jurídica e da análise de caso concreto buscará descrever e explicar as
formas mais adequadas de aplicação da imputabilidade aos psicopatas assassinos em série. O
presente trabalho foi elaborado, no que diz respeito à coleta de dados, utilizando o procedimento
bibliográfico, de modo a serem usadas tanto fontes primárias (legislação vigente, doutrina e
3

projetos de lei que tratem do tema), bem como, fontes secundárias (livros, artigos, publicações
especializadas e entrevistas).

2 ASPECTOS PSICOLÓGICOS E JURÍDICOS DA PSICOPATIA E DOS


ASSASSINOS EM SÉRIE
Para o melhor entendimento acerca do tema apresentado neste trabalho é necessário
trazer ao conhecimento do leitor alguns conceitos que embasaram a discussão aqui apresentada.
Serão a seguir apresentados os conceitos da psicopatia, em seu aspecto psicológico e
comportamental, do serial killer, definindo-o e diferenciando-o de outras espécies de
assassinatos, apresentando por fim o conceito analítico de crime, com especial atenção a
culpabilidade, onde estará presente a imputabilidade.

2.1 DA PSICOPATIA

Para conceituar de forma satisfatória a psicopatia é necessário debruçar-se por diversas


áreas do conhecimento, visto que se trata de um assunto complexo. Entre as diversas áreas de
estudos envolvidas nesta discussão se destaca a Psicopatologia, que estuda os estados psíquicos
relacionados ao sofrimento e as doenças mentais, bem como as suas formas de manifestação,
sendo um conhecimento semiológico da psiquiatria.
A Psicopatologia descritiva organiza os transtornos psíquicos em diversas categorias,
dentre as quais pode-se encontrar os chamados transtornos de personalidade. De acordo com o
Psiquiatra Forense Guido Arturo Palomba (2003) tem o psicopata como um indivíduo com
transtorno de personalidade, sendo suas principais características o egoísmo exacerbado,
narcisismo, ausência de remorso, valores morais distorcidos e prazer ou indiferença ao
sofrimento alheio.
Não há consenso quanto à classificação do psicopata como uma doente mental. A
Organização Mundial da Saúde (OMS) tem seu conceito mais próximo da psicopatia no
Transtorno de Personalidade Dissocial (CID-10), entendido como

distúrbios graves da constituição caracterológica e das tendências comportamentais


primários do indivíduo, i.e., não derivados diretamente de uma doença, lesão ou outra
afecção cerebral ou a outro transtorno psiquiátrico (OMS, 1997, p. 603).
4

Já a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa (2012) explica que a psicopatia não é uma doença,
é uma maneira de ser. Por estas características singulares Palomba (2003) os classifica como
condutopatas e fronteiriços, tidos como

Indivíduos que ficam na zona fronteiriça entre a normalidade mental e a doença


mental. (...) O condutopata é um indivíduo que apresenta comprometimento da
afetividade (insensibilidade, indiferença, inadequada resposta emocional, egoísmo),
comprometimento da conação (intenção mal dirigida) e da volição (movimento
voluntário sem crítica). A sua capacidade de autocrítica e de julgamento de valores
ético-morais está sempre anormalmente estruturada, pois se estivesse boa haveria
inibição da intenção, não dando origem ao movimento voluntário em direção ao ato.
E, como dito, o restante do psiquismo não se apresenta comprometido, ou, se há
comprometimentos (por uso de drogas, bebidas, intoxicação etc.), não são esses os
responsáveis pelo transtorno do comportamento; possa isto sim, ser coadjuvantes.
(PALOMBA, 2003, p. 515-516).

Observa-se que o indivíduo nesta condição mostra um comprometimento afetivo grave,


uma intenção mal dirigida com baixa ou nenhuma inibição crítica e senso moral em suas ações.
Entretanto, não há nenhum outro comprometimento psíquico que retire de si a percepção do ato
que está praticando, ele apenas não possui freios morais.
As origens deste comportamento podem, de acordo com o psiquiatra Santos Júnior
(2015), envolver diversos elementos complexos, entre os quais destacam-se as origens
biológicas e fatores sociais, como crescer em ambientes socialmente disfuncionais, com
convivência e normalização da criminalidade e da violência, tornando a normalização destas
condutas uma adaptação natural ao comportamento anormal.
Por conta da falta de afetividade combinada com o alto grau de egoísmo e com a
ausência de remorso, pessoas com essa condição são incapazes de aprender com a punição, o
que torna quase inexistente a possibilidade de recuperação do comportamento desviante.
Suas características de saúde mental ou de personalidade tornam um desafio aplicar a
correta imputabilidade, a analogia de Palomba (2003) ilustra esta dificuldade:

É necessário estabelecer os limites onde termina a noite e onde começa o dia, onde
não é mais doença mental e é normalidade mental. Sucede que entre a noite e o dia há
a aurora, que não é nem dia nem noite, mas é aurora, que começa com o sol a dezoito
graus abaixo da linha do horizonte, cuja luminosidade já se pode notar na parte da
Terra que estava em sombras. Em psiquiatria forense também termina a alienação
mental quando se observam os raios da razão iluminarem o livre-arbítrio, e termina
essa ‘aurora’ quando razão de livre arbítrio se fazem totalmente presentes, que é a
normalidade mental. (PALOMBA, 2003, p. 155).

Observa-se que a psique destes indivíduos transita em uma zona cinzenta. Estão na
divisa entre a sanidade e a insanidade, não sendo consensual nem sequer se seu estado é de
enfermidade ou apenas um distúrbio de comportamento.
5

2.2 DO SERIAL KILLER

O termo Serial Killer ou Assassino em Série, foi criado na década de 1970 por Robert
Ressler, um ex-agente de investigação aposentado do Federal Bureau of Investigation (FBI) ou
Departamento Federal de Investigação norte-americano, com notável contribuição para o tema.
O conceito mais difundido de Serial Killer segundo Pereira e Russi (2016) o caracteriza
como um agente que comete dois ou mais assassinatos, com um perfil de vítima ideal criado
por ele, geralmente com semelhança de faixa etária, sexo, raça, profissão, escolhidas ao acaso
dentro do perfil criado por ele, e sem razão aparente são mortas para satisfação de sua fantasia.
Conforme Pereira e Russi (2016) o intervalo de tempo que separa os crimes, pode variar
de horas, dias ou até mesmo anos, por motivos desconhecidos, ou até que sejam presos ou
mortos.
Observa-se, portanto, que o número de assassinatos cometidos por si só não caracteriza
o agente como um assassino serial, deve-se examinar o modus operandi, o perfil de vítima, a
frequência destes atos e a necessidade de satisfação que este busca em seus atos criminosos.
Constatada essa diferença, cumpre salientar que o assassino serial não se confunde com
o homicida comum, mesmo que este tenha mais de uma vítima. Bem como não se confunde
com o assassino em massa, que se caracteriza por um grande número de mortes em um único
ato, que geralmente termina com a morte do próprio delinquente, a exemplo do crime ocorrido
em março de 2019, na Escola Estadual Professor Raul Brasil no município de Suzano, no estado
de São Paulo.
O elo entre a psicopatia e os assassinatos seriais está na busca pela satisfação de seus
desejos e fantasias, pela ausência de sentimentos e de remorso, o alto grau de egoísmo e
indiferença ou prazer com o sofrimento alheio, o psicopata não encontra freios morais ao
concretizar seus desejos, mesmo que estes envolvam a morte, a tortura e o abuso de outras
pessoas.
Os psicopatas assassinos em série conseguem facilmente dissimular esta condição, posto
que seu distúrbio está ligado à falta dos chamados sentimentos nobres, não lhe faltando, via de
regra, deficiência de cognição.
Segundo Silva (2004) estes indivíduos geralmente não são descuidados com sua
aparência, adaptando-se facilmente a comunidade e aos costumes locais, possuem família,
filhos e um emprego. Apesar de executar seus crimes de forma violenta e cruel, a aparência de
vida comum os torna acima de qualquer suspeita, dificultando sua captura.
6

O fato de aparentarem uma vida normal, escondendo seus atos criminosos, demonstra,
consoante Silva (2004), que eles compreendem que o seu comportamento é rejeitado pela
sociedade e tem total consciência do fato criminoso que comete.
Menciona-se o caso de Dennis Lynn Rader, serial killer norte-americano conhecido
como BTK ou Estrangulador BTK, um indivíduo aparentemente normal, casado e pais de dois
filhos, assassinou 10 pessoas no período compreendido entre 1974 e 1991, enquanto ostentava
o cargo de presidente da igreja luterana local.

3 CONCEITO ANALÍTICO DE CRIME E IMPUTABILIDADE NO DIREITO PENAL


BRASILEIRO

Para compreender a atividade criminosa dos assassinos em série se faz necessário


entender o conceito analítico de crime, que ultrapassa o senso comum do que vem a ser um
crime, bem como supera as esferas do delito em seus aspectos formal, realização de conduta
proibida por lei, e material, violação de bem penalmente protegido, conforme prescreve
Andrenucci (2010).
O conceito analítico busca propiciar o desenvolvimento de um raciocínio por etapas na
busca de determinar se houve um fato criminoso e seu possível autor, apresentando a chamada
Teoria Tripartite, abrangendo o crime como um fato típico, ilícito e culpável. Observa-se o
conceito dado por Rogério Greco:
A função do conceito analítico é a de analisar todos os elementos ou características
que integram o conceito de infração penal sem que com isso se queira fragmentá-lo.
O crime é, certamente, um todo unitário e indivisível. Ou o agente comete o delito
(fato típico, ilícito e culpável), ou o fato por ele praticado será considerado um
indiferente penal. O estudo estratificado ou analítico permite-nos, com clareza,
verificar a existência ou não da infração penal; daí sua importância. (GRECO.2009,
p.142).

Apesar de uno e indivisível, na prática, é possível analisar uma conduta delituosa de


forma fragmentada, fato típico ilícito e culpável, para concluir acerca da existência da infração
penal.
A análise do crime inicia com a existência de um fato típico, que é uma conduta contrária
à norma penal, composto por quatro elementos, quais sejam a conduta, o resultado, o nexo de
causalidade e a tipicidade.
A conduta é, de forma sucinta, uma ação ou omissão humana, voluntária e consciente,
que produz efeitos contrários à norma penal. Existem hipóteses de exclusão da conduta, tais
como a inconsciência, atos reflexos, coação física irresistível, o caso fortuito e a força maior.
7

Ao verificar a existência da conduta o próximo passo, dentro do fato típico, é analisar o


resultado, que segundo Alexandre Salim (2012) é a modificação no mundo exterior causada
pela conduta. A modificação citada pelo autor não necessariamente deverá ser física, podendo
haver apenas uma modificação jurídica causada pela conduta.
Superado o exame da conduta e do resultado deve ser observado o nexo de causalidade,
que, segundo Rogério Greco (2009, p. 217) é
aquele elo necessário que une a conduta praticada pelo agente ao resultado por ela
produzido. Se não houver esse vínculo que liga o resultado à conduta levada a efeito
pelo agente, não se pode falar em relação de causalidade e, assim, tal resultado não
poderá ser atribuído ao agente, haja vista não ter sido ele o seu causador.

Em síntese para haver nexo causal o resultado deve ser fruto da conduta praticada, não
podendo ser imputado a um agente um resultado que não tem ligação com a conduta praticada.
A teoria adotada no sistema penal brasileiro para determinar o nexo de causalidade é a da
equivalência dos antecedentes causais, também conhecida como conditio sine qua non,
conforme o art. 13 do Código Penal (BRASIL, 1940), o resultado, de que depende a existência
do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão
sem a qual o resultado não teria ocorrido.
A teoria supracitada encontra fortes críticas no tocante a possibilidade de regressão
infinita da causa que deu origem ao fato, como por exemplo responsabilizar uma mãe por ter
dado a luz a um assassino, ou a avó deste por ter dado a luz a mãe do assassino, por este motivo
surge a ideia da teoria da Conditio sine qua non.
Esta teoria possibilita a análise de dolo e culpa, não bastando que uma conduta seja a
causa ao resultado de uma determinada atividade criminosa, é necessário que o agente tenha
dolo ou culpa em sua ação. Retornando ao exemplo anterior, uma mãe, ao dar a luz ao seu filho,
não tem dolo ou culpa em um crime que seu filho cometeu anos após seu nascimento.
Superadas todas as etapas anteriores, mas ainda dentro do fato típico, procede-se a
análise da tipicidade, material e formal. Entende-se a tipicidade formal como a simples
subsunção do fato à norma, enquanto a tipicidade material é a efetiva lesão ao bem jurídico
tutelado, lesão esta que deve ser penalmente relevante para que a tipicidade material esteja
caracterizada.
Após verificada a existência do fato típico haverá a análise de ilicitude, também
conhecida como antijuridicidade, que é a contrariedade entre o fato e o ordenamento jurídico
vigente.
Via de regra a ilicitude é presumida quando está configurado o fato típico, entretanto,
pode ser relativizada de acordo com a teoria da indiciariedade ou ratio cognoscendi. A
8

relativização da ilicitude se dá através das causas legais de exclusão da ilicitude, havendo a


possibilidade de o agente praticar um fato típico e, amparado por uma excludente de ilicitude,
este ser considerado lícito. As causas de exclusão da ilicitude podem ser gerais ou específicas,
estando as gerais elencadas no art. 23 do CP (BRASIL, 1940).

Exclusão de ilicitude
Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:
I – em estado de necessidade;
II – em legítima defesa;
III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
Excesso punível
Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo
excesso doloso ou culposo.

A ilicitude, que é presumida, sustenta-se até o momento que o acusado faz a prova da
existência da excludente. Portanto, para facilitar o entendimento, a aplicação da ilicitude induz
ao seguinte raciocínio: o indivíduo pratica um fato típico, presume-se este fato como
antijurídico, que é a regra, verifica-se a existência de uma causa de exclusão da ilicitude, que é
tratada como exceção. Superada a análise da antijuridicidade o exame do crime passa a sua
última fase, que é a culpabilidade.

3.1 CULPABILIDADE
A culpabilidade pode ser entendida, de forma sucinta, como “o juízo de reprovação
pessoal que se realiza sobre a conduta típica e ilícita praticada pelo agente.” GRECO (2009).
No ordenamento jurídico brasileiro foi adotada a teoria da culpabilidade limitada.
Esta fase da análise do crime tem em seu escopo três elementos básicos, segundo a
doutrina majoritária, que são a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a
exigibilidade de conduta diversa.
A potencial consciência da ilicitude trata acerca da ciência ou da potencial ciência do
autor de que o ato por ele praticado é contrário à legislação vigente. A simples alegação de
desconhecimento da lei não é motivo para afastar a culpabilidade do agente, esta deve ser
valorada de acordo com o contexto social do agente e sua real possibilidade de acesso a este
conhecimento, conforme art. 13 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB),
“art. 3º Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece” (BRASIL, 2002).
A previsão legal supracitada não tem caráter absoluto, a valoração acerca da potencial
consciência da ilicitude deve ser amparada nas circunstâncias pessoais e sociais do indivíduo.
Ao proceder este exame há a possibilidade de redução ou isenção de pena, conforme o art. 21
do CP:
9

Erro sobre a ilicitude do fato


Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se
inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço.
Parágrafo único. Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a
consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou
atingir essa consciência. (BRASIL, 1940).

Aduz-se do texto legal que se era impossível que o indivíduo tivesse o conhecimento da
lei ele estará isento de pena, enquanto o agente que, dadas as suas circunstâncias pessoais e
sociais, deveria ter a consciência da ilicitude de seu ato terá um quantum reduzido de sua pena.
Há também a inexigibilidade de conduta diversa como uma excludente de culpabilidade,
trata-se de uma previsão lega, conforme o art. 22 do CP, “se o fato é cometido sob coação
irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior
hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem.” (BRASIL, 1940).
Estando o agente sob ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico este
não responde pelo possível crime, apenas respondendo quem deu a ordem. Por sua vez, quanto
a coação irresistível, esta deve ser de caráter moral, posto que a coação física irresistível exclui
a conduta.
Entende-se como coação moral irresistível tem-se um coator, que usa o emprego de
grave ameaça para obrigar um indivíduo a fazer ou deixar de fazer algo, sendo esta ameaça
grave de tal maneira que não haja juízo de reprovabilidade da conduta do agente que se viu
obrigado a realizá-la. A exemplo, pode citar o caso de uma pessoa que, com seus parentes
sequestrados e ameaçados de morte, foi coagida a roubar uma joalheria.
Por fim, dentro da culpabilidade, há o elemento da imputabilidade, que é cerne central
do debate proposto pelo presente trabalho e que será discorrido a seguir, trazendo sua definição,
possibilidades e critérios de aplicação.

3.2 IMPUTABILIDADE NO DIREITO PENAL BRASILEIRO

No direito penal brasileiro, conforme prescreve NUCCI (2017) a imputabilidade é


presumida. Tem-se como imputável no direito penal brasileiro aquele que é capaz de responder
criminalmente por seus atos, estando ao tempo do crime totalmente capaz de entender o caráter
ilícito da ação e de determinar-se de acordo com esse entendimento. Em resumo é a capacidade
do autor do delito entender que está praticando um ilícito penal.

Sob uma ótica penal temos que: Imputabilidade penal é o conjunto de condições
pessoais que dão ao agente capacidade para lhe ser juridicamente imputada a prática
de um fato punível. (DAMÁSIO, 1998, p.465).
10

Se o indivíduo é capaz de entender a ilicitude do fato que está praticando deve ser
considerado apto a responder por ele. Entretanto, se o agente era totalmente incapaz de
compreender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com este entendimento deve
ser considerado inimputável, conforme prescreve o art. 26 do CP (BRASIL, 1940):
Inimputáveis
Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental
incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz
de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento.
Observa-se que o inimputável é o oposto do imputável, ao tempo da ação ou omissão
este é totalmente incapaz de compreender que está praticando um fato ilícito, estando este isento
de pena. Cumpre ressaltar que o art. 26 dá a entender que há isenção de pena, enquanto parte
da doutrina entende que a inimputabilidade exclui o crime.
Há critérios claros para a definição da imputabilidade do agente, conforme explica
Guilherme de Souza Nucci (2017) o binômio necessário para a formação das condições pessoais
do imputável consiste em sanidade mental e maturidade.
Há diferentes critérios de definição da imputabilidade, o adotado no direito penal pátrio
é o critério misto ou biopsicológico, que abrange o critério biológico acerca da existência de
doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, bem como o critério
psicológico com a ausência, no momento da prática do crime, de compreensão do caráter ilícito
do fato e da possibilidade de comportar-se de acordo com esse entendimento.
As causas que excluem a imputabilidade são a doença mental, a menoridade penal e a
embriaguez completa acidental A embriaguez deve ser acidental, fruto de caso fortuito ou força
maior, além de completa, retirando totalmente a capacidade de julgamento do indivíduo.
Conforme preceitua o Código Penal (BRASIL, 1940):

Art.28, II, § 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente
de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente
incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento.

Cumpre salientar que a emoção, a paixão e a embriaguez voluntária ou culposa não


excluem a imputabilidade. Sendo a embriaguez incompleta, oriunda de caso fortuito ou de força
maior, uma causa de redução de pena, enquanto a embriaguez preordenada para cometimento
de crime uma causa de aumento de pena.
Quanto a exclusão da imputabilidade por menoridade penal, tem-se os menores de 18
anos como absolutamente incapazes, por força normativa, presente na Constituição Federal de
1988 (BRASIL, 1988) e no Código Penal (BRASIL, 1940):
11

CP - Art. 27 - Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando


sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.
CF88 - Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos
às normas da legislação especial.

A idade como um balizador de imputabilidade atende a um critério puramente biológico,


bastando a mera comprovação de idade para afastar a incidência de crime, atraindo a
competência do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), respondendo por atos
infracionais. Portanto, ao menor de 18 anos não há que se falar em crime, posto que são
inimputáveis, logo não há culpabilidade e por fim não completa os requisitos necessários do
conceito analítico de crime.
A exclusão da imputabilidade por doença mental, que é um critério biopsicológico, está
prevista no art. 26 do CP, já anteriormente citado. O legislador não deixou claro no texto legal,
qual o conceito de doença mental para fins de imputabilidade, entretanto a doutrina discute o
tema, de acordo com Mirabete o texto legal

abrange todas as moléstias que causam alterações mórbidas à saúde mental. Entre elas,
há as chamadas psicoses funcionais: a esquizofrenia; a psicose maníaco-depressiva;
paranoia etc. É também doenças mentais a epilepsia; a demência senil; a psicose
alcóolica; a paralisia progressiva; a sífilis cerebral, a arteriosclerose cerebral; a histeria
etc. (MIRABETE, 2004, p. 211).

Em regra, a inimputabilidade por enfermidade mental não se efetua pelo simples


diagnóstico da moléstia mental, deve-se buscar entender se o agente, no momento da ação ou
omissão, era totalmente capaz de entender o caráter ilícito do fato, bem como determinar-se de
acordo com esse entendimento.
Portanto ao analisar a inimputabilidade do fato se deve percorrer o seguinte raciocínio:
há uma doença mental ou desenvolvimento mental ou retardado, tal condição se manifesta
durante a ação ou omissão praticada, bem como durante o ato o agente era inteiramente incapaz
de entender o caráter ilícito do fato ou inteiramente incapaz de determinar-se de acordo com
esse entendimento.
É possível, por previsão legal, a ocorrência da semi-imputabilidade, quando o sujeito
era ao tempo do crime parcialmente capaz de entender o caráter ilícito ou de determinar-se de
acordo com esse entendimento, conforme preceitua parágrafo único do art. 26 do CP (BRASIL,
1940):
Art. 26 - [...]
Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude
de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou
12

retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de


determinar-se de acordo com esse entendimento.

O agente nesta condição tem uma redução da pena, posto que tem ciência, mesmo que
reduzida, que o fato é ilícito ou pode determinar-se de acordo com esse entendimento, entretanto
por suas condições pessoais não se espera dele total discernimento em suas ações.
A semi-imputabilidade pode ser tida como uma reduzida capacidade de entendimento e
autodeterminação, havendo ainda domínio da lucidez sobre a demência. Deve o agente
responder com um quantum de redução de pena proporcional a sua limitação de discernimento.
Mirabete trata os psicopatas, livres de outras moléstias da mente, como semi-
imputáveis, entendendo que estes não são portadores de doença mental, mas de uma
perturbação mental, que não lhes tira a razão nem a capacidade de discernir o certo e o errado,
o legal e o ilegal.
Os psicopatas, por exemplo, são enfermos mentais, com capacidade parcial de
entender o caráter ilícito do fato. A personalidade psicopática não se inclui na
categoria das moléstias mentais, mas no elenco das perturbações da saúde mental
pelas perturbações da conduta, anomalia psíquica que se manifesta em procedimento
violento, acarretando sua submissão ao art. 26, parágrafo único. Estão abrangidos
também portadores de neuroses profundas (que têm fundo problemático por causas
psíquicas e provocam alteração da personalidade), sádicos, masoquistas, narcisistas,
pervertidos sexuais, além dos que padecem de alguma fobia. (Mirabete, 2004, p. 213-
214).

A consequência jurídica prática do reconhecimento da semi-imputabilidade, que deve


ser atestado por laudo de perícia médico-legal, é a submissão a pena privativa de liberdade, com
redução de pena, ou medida de segurança, de caráter preventivo, em conformidade com o art.
98 do CP.
A aplicação da medida de segurança, por força do art. 96 do CP, deve se dar em hospital
de custódia e tratamento ou tratamento ambulatorial, a depender da pena cominada e do regime
inicial. A medida, para os semi-imputáveis, tem prazo mínimo de 1 a 3 anos, podendo ser por
tempo indeterminado enquanto perdurar a periculosidade do agente.
Entretanto conforme entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal (STF),
proferido pelo Relator do HC 107432 Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 24/05/2011, a
prescrição ocorrerá com base na pena em abstrato cominada ao crime, enquanto o período
máximo de internação deverá observar o disposto no art. 75 do CP: O tempo de cumprimento
das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 (trinta) anos. Cumpre salientar que
à época que foi firmado o entendimento, com base no 75 do CP, o prazo máximo era de 30
anos, porém com a reforma legislativa promovida pela Lei nº 13.964, de 2019 houve o aumento
13

para 40 anos, não havendo até o presente momento nenhuma manifestação quanto a esta
alteração no prazo máximo do art. 75.

4 ESTUDO DE CASO - FRANCISCO DE ASSIS PEREIRA (MANÍACO DO PARQUE)

Francisco de Assis Pereira, posteriormente conhecido como “maníaco do parque”,


nasceu em 29 de novembro de 1967, uma criança aparentemente normal, sendo o filho do meio
de uma família com três filhos, na sua infância suas atividades preferidas eram andar de
bicicleta e patins.
Segundo documentário Investigação Criminal – Maníaco do Parque, ainda novo
Francisco se mostrou muito habilidoso ao andar de patins, participando de vários eventos,
logrando êxito na conquista de várias medalhas, ganhando o apelido de “Chico Estrela”, por
sua grande perícia com os patins. (INVESTIGAÇÃO, 2021)
Ainda enquanto criança ocorreram fatos que possivelmente o abalaram, e que podem
ser a causa dos seus desejos sombrios. Quando criança com toda sua habilidade Francisco certa
vez ao patinar sofreu um grave acidente, tendo que ser submetido a uma cirurgia de urgência
para a retirada de um graveto que quase perfurou seu tímpano. Alguns especialistas apontam
esse fato como uma das possibilidades de causa de seu distúrbio de personalidade. Segundo
documentário Investigação Criminal – Maníaco do Parque (INVESTIGAÇÃO, 2021).
Outro fato que ocorreu com Francisco, ainda durante sua infância, foi o abuso por parte
de sua tia “Diva”, que o molestou sexualmente durante um longo período de tempo. É atribuído
a este fato, por alguns psicólogos, a causa para seu elevado grau de insegurança ao se relacionar
com mulheres e seu entendimento deturpado acerca da sexualidade e da necessidade do
consentimento para tal.
Francisco sofreu de um elemento chamado “homicídio sexual por fatores
inconscientes”, influenciado pelos abusos e maus-tratos sofridos na infância; raiva
inconsciente; disfunções sexuais; impulsos sádicos e sentimentos de insuficiência.
(CAIXETA E COSTA, 2009).

Francisco cresceu e começou a trabalhar de motoboy na cidade de São Paulo, era


querido por todos e considerado uma pessoa calma e de bom convívio, era um trabalhador
exemplar e todos da sua empresa o adoravam, não havendo qualquer queixa do comportamento.
Ainda segundo relatos do documentário (INVESTIGAÇÃO, 2021), já na vida adulta
Francisco volta a ser abusado, desta vez por seu patrão, que o seduziu e o abusou. O fato foi
relatado por ele em uma entrevista, que desde então descobriu que poderia sentir prazeres ao se
relacionar com pessoas do mesmo sexo, nunca tendo feito nenhuma menção a sua orientação
14

sexual. Em certo período após o acontecido com seu patrão, começou a se relacionar com uma
mulher transexual, durante um período de 14 meses, a moça chamada Tainá Rodrigues, na
época com 22 anos de idade.
De acordo com a reportagem Crime no parque – Folha de São Paulo, depois das
descobertas das mortes das mulheres, Tainá Rodrigues foi chamada para ser ouvida na
delegacia, em seu depoimento relatou que Francisco era muito agressivo, a espancava com
diversos socos sempre que era contrariado ou se aborrecia de qualquer outro modo. Além do
acima relatado a depoente arguiu que no dia terminaram seu relacionamento, após uma relação
sexual, ele declarou que “um dia seria famoso, mesmo que fosse nas páginas policiais dos
jornais”, demonstrando o caráter narcisista de Francisco, além de expor sua insegurança e
necessidade de autoafirmação. (CRIME, 1998).

4.1 CRIMES E INVESTIGAÇÃO

O psiquiatra forense Guido Palomba afirma que todo crime é a fotografia exata e em
cores do comportamento do indivíduo. Não se sabe ao certo até hoje o porquê de Francisco
matar suas vítimas da forma como fazia, se há um motivo específico que desencadeou essa sua
vontade de matar, espancar, torturar fisicamente e mentalmente, praticar necrofilia e em alguns
casos a prática de canibalismo.
O seu modus operandi era simples, porém muito eficaz, ficava observando suas
potenciais vítimas, por vezes o fazia por horas, percebendo, segundo o próprio, a linguagem
corporal, em busca de mulheres tristes e frágeis, com baixa autoestima.
Após escolher a vítima, se aproximava e se identificava como fotógrafo, a chamava para
uma sessão de fotos experimental de alguma marca famosa, nem todas aceitavam, mesmo assim
ele continuava a insistir, com a ideia de torná-la famosa.
Quando havia o aceite por parte de alguma mulher, os dois partiam em sua moto até o
parque onde Francisco dizia que seria a suposta sessão dela, chegando lá, com sua ótima lábia
convencia as vítimas a entrar no parque com ele, falando que a equipe estava logo ali perto, só
a alguns metros dentro do parque.
Chegando ao local, segundo as vítimas que conseguiram escapar, Francisco mudava,
daquele carismático fotógrafo para um maluco descontrolado e muito agressivo, xingando e
narrando os terríveis atos que iria praticar com elas, por vezes ele mostrava os corpos em
decomposição de suas outras vítimas.
15

Sua primeira vítima a jovem “Pituxa” está viva, Pereira colocou esse nome nela não se
sabe o porquê, mas seu nome real é outro, “M.F.T”., a empregada doméstica falou um pouco
de como que foi sua abordagem e dos seus momentos de terror.

Ela contou que no dia 18 de fevereiro de 1996 estava patinando no Parque do


Ibirapuera, na zona sul, e Pereira ficou impressionado com sua habilidade. Os dois
começaram a conversar e ele a convidou para patinar no Golden Shopping, em São
Bernardo do Campo, na região do ABC paulista, onde seria realizado um concurso
cujo prêmio era um par de patins. M. revelou que eles foram para o ABC na moto de
Pereira. Na rodovia dos imigrantes, ele entrou na mata, amarrou uma corda no pescoço
de M. e a obrigou a despir-se. O maníaco praticou atos libidinosos, espancou a
doméstica e apertou cada vez mais a corda no pescoço dela, M. desmaiou e, quando
acordou, Pereira não estava mais lá. (FOLHA DE LONDRINA, 1999).

Suas vítimas sempre eram moças, geralmente menores de 24 anos, o maníaco as


escapava, estuprava e depois matava asfixiadas, com cinto, cadarço ou outro objeto que tivesse
a sua disposição. Após a morte as colocava em posições sexualmente sugestivas, como um
modo de continuar as humilhando após a morte. Foram no total 23 vítimas, sendo 11 mortas, e
outras 12 estupradas.
Francisco Pereira, que logo mais carregaria consigo a alcunha de “maníaco do parque”,
entrou no radar da polícia quando foram achados 6 corpos no parque do estado, todos do sexo
feminino, com diferentes estados de decomposição, alguns restando apenas as ossadas.
O caso ganhou notoriedade quando a imprensa começou a veicular diversas matérias
sobre o caso. As vítimas sobreviventes foram fonte essencial para a captura do assassino, posto
que ligações e depoimentos contribuíram para a confecção de seu retrato falado. As atenções
começaram a se voltar para Francisco quando ele utilizou dos cheques de uma de suas vítimas,
a jovem Isadora, afirmando ser o namorado dela, usou dois cheques da vítima para comprar um
capacete, que passou a utilizar no seu trabalho como motoboy.
Em Investigação Criminal – Maníaco do Parque (2021), é citado que foi ele comprou o
capacete, com os cheques da vítima Isadora, Francisco deixou na loja o número do telefone da
empresa na qual trabalhava. Com o comunicado do desaparecimento da vítima em questão a
polícia, iniciaram as investigações. Não demorou até que a polícia chegasse até a loja em
questão para buscar informações acerca de quem usou os cheques para fazer compras. O
vendedor que atendeu o maníaco do parque prontamente explicou a situação e passou o número
do telefone que ele havia informado à loja.
Em posse do telefone da empresa que Francisco prestava serviço como motoboy, a
polícia recebeu a informação que um dos prestadores de serviço havia abandonado seu posto
16

de trabalho e sumido, informando inclusive que este funcionário já foi procurado outras vezes
pelo desaparecimento de outra pessoa, de um antigo relacionamento.
Fato interessante é que nesse mesmo dia que sumiu, ele deixou uma carta dizendo que
seu tempo ali teria acabado, e precisava partir, ao lado deixou uma matéria do jornal, na qual
falava do desaparecimento de jovens e um retrato falado.
No dia que desapareceu uma privada do seu local trabalho entupiu, ao realizarem o
reparo perceberam alguns objetos obstruindo os canos por onde deveria passar a água, esses
objetos eram de suas vítimas, em uma tentativa frustrada se desfazer de seus troféus, que
poderiam constituir prova contra ele, entre eles foi encontrado o documento de identidade da
jovem Isadora.
De acordo com Alves e Godoy (1998), não havia dúvida quanto a identidade do maníaco
do parque, era Francisco Pereira, iniciou-se uma caçada nacional, com duração de 23 dias,
ocorrendo a prisão no dia 04 de agosto de 1998, no município de Itaqui/RS, fronteira com o
Uruguai.

4.2 JULGAMENTO
De acordo com Kleber Tomaz (2018), Francisco Pereira foi julgado por diversos crimes,
entre eles atentado ao pudor, estrupo, assassinato, ocultação de cadáver, vilipendio a cadáver e
estelionato. Passou por quatro julgamentos entre 2001 e 2002, totalizando uma pena de 285
anos de prisão.
No primeiro julgamento, em 2001, Francisco assumiu a autoria do crime e foi
condenado a 16 anos de prisão, por assassinato. No segundo, já em 2002, negou a autoria dos
fatos e foi condenado a 107 anos de prisão, por estupro, roubo e atentado violento ao pudor
contra 9 vítimas. O terceiro julgamento ocorreu também em 2002 e culminou na condenação
de 24 anos e 6 meses por assassinato, estelionato e ocultação de cadáver da vítima Isadora. Por
fim seu último julgamento resultou na condenação de 121 anos, 6 meses e 20 dias por
assassinato, ocultação de cadáver e atentado violento ao pudor contra 5 vítimas. Conforme
reportagem de Kleber Tomaz (2018).
Em seus julgamentos Francisco foi considerado imputável pelos jurados, apesar de ser
apontado como semi-imputável pelos laudos médicos, que afirmavam que ele conseguia
compreender que estava cometendo crime, porém não conseguia controlar sua agressividade e
suas emoções. Durante seu julgamento, Francisco Pereira assumiu os crimes cometidos contra
as vítimas mortas, negando os cometidos contra as que sobreviveram. Psiquiatras avaliam que
essa negação pode ser fruto de medo de rejeição.
17

Preso desde 1998, Francisco alega que cometeu seus crimes por conta de uma “coisa
maligna" e que hoje se considera uma pessoa normal. O “maníaco do parque” deve ganhar
liberdade em 2028, quando terá cumprido 30 anos de prisão, tempo máximo de encarceramento
permitido à época de seus crimes, segundo Kleber Tomaz (2018).
O Ministério Público tenta a instauração de um incidente de insanidade mental como
solução para a iminente volta de Francisco as ruas, segundo a promotora Giovana Marinato
Godoy
Nesse caso específico do Francisco, que cometeu crimes bárbaros com muitas vítimas
e recebeu pena altíssima, a volta dele à sociedade poderia colocar em risco a vida de
outras pessoas. (TOMAZ, 2018)

Em entrevista o próprio afirmou que não conseguiu se controlar ao ver as vítimas e que
sua primeira intenção era de matar, nunca foi para estuprar. É inegável que Francisco, quando
liberto, poderá representar um risco, posto que sua condição é incurável.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho discorreu acerca dos conceitos necessários para o entendimento da


psicopatia, do serial killer e da imputabilidade, bem como apresentou um estudo de um caso de
grande repercussão.
Observa-se que não há, até o presente momento, legislação específica para tratar de
casos singulares como estes. O que jus puniendi do Estado deve estar amparado na estrita
legalidade, posto que para fazer cumprir a lei não pode o Estado descumprir a lei. Nos casos
que envolvem os psicopatas por sua condição incomum há dificuldade de entender de forma
clara sua imputabilidade.
Ante o exposto se observa que a psicopatia não é consolidada como uma moléstia
mental, tratando-se de um distúrbio comportamental, privando o detentor dessa condição de
sentimentos nobres, tais como a remorso, a empatia e altruísmo.
Isto por si só não retira do indivíduo sua total capacidade de entendimento do caráter
ilícito dos fatos que pratica, nem a capacidade de se determinar de acordo com esse
entendimento. Pelo contrário, no caso do serial killer, este busca de todas as formas esconder
seus atos, posto que tem conhecimento da ilegalidade destes e das consequências advindas.
Há nestes indivíduos uma redução da capacidade de se determinar de acordo com o
entendimento do caráter criminoso de suas ações. A falta de remorso e empatia, oriundas de seu
18

distúrbio de comportamento, cumuladas com a falta de controle de seus desejos e emoções


desencadeiam no cometimento de crimes das mais perversas naturezas e formas de execução.
Portanto, pode-se concluir que os psicopatas serial killers, desde que não acometidos
de outras doenças mentais, enquadram-se como semi-imputáveis, tendo como solução
adequada a medida de segurança, não havendo cura, enquanto perdurar sua periculosidade.

REFERÊNCIAS

ALVES, GODOY; Crispim, Marcelo. Preso acusado de ser o maníaco do parque. Folha de
São Paulo. São Paulo, 05 de agosto de 1998. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff05089801.htm Acesso em: 21 de maio 2022.

ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Manual de Direito Penal. 6. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2010.
BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da
União, Rio de Janeiro, 31 dez.

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral: (arts. 1° a 120). 16. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012. v.1.

DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais. 2 ed.


Porto Alegre: Artmed, 2008.

DAMÁSIO. Evangelista de Jesus. Direito Penal: Parte Geral. 21° edição: Editora Saraiva,
1998;

DOS SANTOS, Bruna Gabriela Batista. A inimputabilidade por doença mental.


Jus.com.br, [S. l.], p. 1-3, 21 maio 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66379/a-
inimputabilidade-por-doenca-mental/3. Acesso em: 23 maio 2022.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal interpretado. São Paulo: Atlas, 1999.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 10. ed. São Paulo: RT, 2010.

NUNES, Rafaela Pacheco; SILVA, Roberta Cristiane P. da; LIMA, Érica Fontenele Costa;
JESUÍNO, Felipe de Menezes. A psicopatia no direito penal brasileiro: respostas
judiciais, proteção da sociedade e tratamento adequado aos psicopatas – uma análise
interdisciplinar. Revista Acadêmica Escola Superior do Ministério Público do Ceará, [s. l.],
1 jul. 2019. Disponível em: http://www.mpce.mp.br/wp-content/uploads/2019/07/ARTIGO-
9.pdf. Acesso em: 20 set. 2021.
19

OLIVEIRA, Valéria Santos de. O Psicopata frente ao Código Penal brasileiro. [S. l.], 4
ago. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60016/o-psicopata-frente-ao-codigo-
penal-brasileiro. Acesso em: 20 set. 2021.

PALOMBA, Guido Arturo. Tratado de psiquiatria forense – Civil e penal. São Paulo:
Atheneu, 2003.

PEREIRA, Littiany Sartori; RUSSI, Leonardo Mariozi. O SERIAL KILLER E O


PSICOPATA. Revista Científica Eletrônica de Ciências Aplicadas da FAIT, [s. l.], 1 nov.
2016. Disponível em:
http://fait.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/SVz2AtUnIU1Soee_2020-7-23-
17-42-34.pdf. Acesso em: 10 nov. 2021.

PITUXA 1ª vitima do maniaco do parque esta viva. In: DESCONHECIDO, . Pituxa 1ª


vitima do maniaco do parque esta viva. [S. l.], 17 jun. 1999. Disponível em:
https://www.folhadelondrina.com.br/geral/pituxa-1-vitima-do-maniaco-do-parque-esta-viva-
166738.html. Acesso em: 23 maio 2022.

RIBEIRO, Beto. Investigação Criminal – Maníaco do Parque. Youtube, 04 de julho de


2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Ngl5VQDT1As). Acesso em: 23 de
maio 2022.

CRIME NO PARQUE. Folha de São Paulo, São Paulo, 20 de julho de 1998. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff20079821.htm. Acesso em: 23 de maio 2022.

SALIM, Alexandre. Direito Penal: parte geral. Salvador: Jus Podivum, 2012

SANTOS JÚNIOR, Amílton dos. Discussões Sobre a Sociopatia. In: Revista de Psicologia
Especial: conhecendo psicopatas. n. 18. São Paulo: Mythos Editora, 2015.
SILVA, M. P. Serial Killer: um psicopata condenado à custódia perpétua. Presidente
Prudente, 2004.

TOMAZ, KLEBER. MP quer novo exame de sanidade para Maníaco do Parque não ser
solto em 2028. [S. l.], 23 set. 2018. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-
paulo/noticia/2018/09/23/mp-quer-novo-exame-de-insanidade-para-maniaco-do-parque-nao-
ser-solto-em-2028.ghtml. Acesso em: 23 maio 2022.

TOMAZ, Kleber. Vídeo inédito mostra último júri que condenou Maníaco do Parque em
SP, G1, São Paulo, 26 de agosto de 2018, Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-
paulo/noticia/2018/08/26/video-inedito-mostra-ultimo-juri-que-condenou-maniaco-do-
parque-em-sp.ghtml Acesso em: 23 de maio 2022.

Você também pode gostar