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A questão da imputabilidade do psicopata no Direito Penal DURAN, R. S.; BORGES, S. A. R.; GOUVEIA, W. C.

A QUESTÃO DA IMPUTABILIDADE DO PSICOPATA NO DIREITO PENAL

THE IMPUTABILITY ISSUE OF PSYCHOPATH IN CRIMINAL LAW

*Este artigo foi premiado como o melhor trabalho do GT 07

Ricardo dos Santos Duran 1


Silvana Amneris Rôlo Pereira Borges 2
Wagner Camargo Gouveia3

Resumo
Este estudo tem por objetivo analisar a responsabilidade de criminosos
diagnosticados com psicopatia, tema que revela divergência doutrinária e
jurisprudencial à vista das disposições do artigo 26 do Código Penal. A questão que
se pretende discutir diz respeito à sanção penal a ser imposta ao psicopata que
comete infração penal, abordando-se o conceito de crime e aspectos relacionados à
culpabilidade, à imputabilidade, à semi-imputabilidade e à inimputabilidade.
Trataremos da conceituação de medida de segurança, da cessação da periculosidade
e aspectos da ressocialização. Por fim, faremos referência a um caso concreto, de
repercussão internacional, com exposição de decisões de nossos tribunais.
Concluímos que o criminoso diagnosticado com transtorno antissocial, agravado pela
psicopatia, deve ter sua conduta analisada criteriosa e individualmente, impondo-se a
ele pena privativa de liberdade, sem qualquer redução, uma vez que se trata de
imputável.
Palavras-chave: Direito Penal. Psicopata. Imputabilidade. Medida de Segurança.

Abstract
This study aims to analyze the responsibility of criminals diagnosed with psychopathy,
a topic that reveals doctrinal and jurisprudential divergence in view of the provisions of
article 26 of the Criminal Code. The issue to be discussed concerns the criminal
penalty to be imposed on the psychopath who commits a criminal offense, approaching
the concept of crime and aspects related to guilt, imputability, semi-imputability and
non-imputability. We will deal with the conceptualization of safety measures, the
cessation of dangerousness and aspects of resocialization. Finally, we will refer to a
1
Advogado, Mestrando em Direito da Saúde na Universidade Santa Cecília – UNISANTA
(Santos/SP). E-mail: ricardoduran@terra.com.br.
2 Juíza de Direito, Professora universitária, Mestranda em Direito da Saúde na Universidade Santa

Cecília – UNISANTA (Santos/SP). E-mail: silvanaborges@tjsp.jus.br.


3 Delegado de Polícia Civil, Professor universitário, Mestrando em Direito da Saúde na Universidade

Santa Cecília – UNISANTA (Santos/SP). E-mail: wagner.camargogrupo@yahoo.com.br.

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concrete case of international repercussion, with an exposition of decisions of our


courts. We conclude that the criminal diagnosed with antisocial disorder, aggravated
by psychopathy, should have his conduct analyzed carefully and individually, imposing
a custodial sentence without any reduction, since it is imputable.
Keywords: Criminal Law. Psycho. Imputability. Security Measure.
1 INTRODUÇÃO

As teorias e a conceituação da culpabilidade são fundamentais para delimitar e


caracterizar a questão relacionada à imputabilidade, semi-imputabilidade ou
inimputabilidade do autor de infração penal. Os transtornos mentais, notadamente a
psicopatia, constituem constante desafio à Psiquiatria e à Psicologia e, desde os
primórdios da civilização organizada são objeto de estudo científico, especialmente
em razão dos avanços da Medicina.
Temática deveras controversa, revela incógnitas que geram divergências
doutrinária e jurisprudencial sobre a imputabilidade do autor de delito. Dentre as
divergências, destaca-se o entendimento que recai sobre a adequação da aplicação
da disposição prevista no parágrafo único do artigo 26 do Código Penal, que prevê a
redução da pena ao acusado que for considerado semi-imputável. É de se destacar,
também, o entendimento daqueles que sustentam a possibilidade de enquadramento
legal diverso, cabendo ao juiz a análise do caso concreto. (BRASIL, 1940).
Essa discussão ganha relevo em razão dos reflexos que o enquadramento legal
acarreta como, por exemplo, a obrigatoriedade de redução da pena, a possibilidade
de caracterização de reincidência, aplicação de institutos específicos da lei de
execução penal, dentre outros. Além disso, há de se destacar o conflito que envolve
a ressocialização do infrator e o direito fundamental à segurança social, em especial
quando se coloca em discussão a liberdade do criminoso psicopata e o risco possível
à segurança pública.
Assim, o ponto nuclear abarcará a seguinte questão: increpados com
diagnóstico de psicopatia devem ser considerados imputáveis, semi-imputáveis ou
inimputáveis?

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Objetiva-se aqui a demonstração de conceitos doutrinários, posicionamento


jurisprudencial, destacando-se um caso real analisado pela justiça brasileira e as
consequências que perduram nos dias atuais.

2 MÉTODO
O método dedutivo será utilizado no desenvolvimento dessa reflexão a respeito
da imputabilidade do psicopata à luz das regras do Direito Penal, amparando-se a
pesquisa em referencial bibliográfico e documental publicados em meios escritos e
eletrônicos.

3 A PSICOPATIA

Psicopatia vem do grego psyche (mente) e pathos (doença), significando


“doença da mente”. O conceito sobre essa disfunção comportamental ainda é
controverso, ocasionando diversos debates entre pesquisadores e profissionais da
saúde, sendo muitas vezes citado como sinônimo de transtorno de personalidade
antissocial.
Parte dos psicopatas preenche os requisitos do transtorno de personalidade
antissocial. Em contrapartida, nem todas as pessoas que apresentam tais requisitos
são consideradas psicopatas.
Indubitavelmente, a psicopatia tem sido objeto de maior atenção da
comunidade científica em face do impacto negativo que os comportamentos
criminosos ligados a essa perturbação possuem no meio social no qual vive e interage
o psicopata.
Ao discorrer a respeito do tema, Nestor Sampaio Penteado Filho afirma que:
Esse tipo de transtorno específico de personalidade é sinalizado por
insensibilidade aos sentimentos alheios. Quando o grau de insensibilidade se
apresenta extremado (ausência total de remorso), levando o indivíduo a uma
acentuada indiferença afetiva, este pode assumir um comportamento
delituoso recorrente, e o diagnóstico é de psicopatia. (PENTEADO FILHO,
2016, p.166.

Há posicionamento doutrinário afirmando que as pessoas podem apresentar


características de psicopatia em um momento da vida. O enleio se inicia quando estas

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peculiaridades se tornam repetitivas e inflexíveis durante o cotidiano, causando


perturbações para a própria pessoa e para toda a sociedade (MECLER, 2015).
Em sua obra “Psicopatologia Forense”, Garcia (1979) descreve os principais
tipos de psicopatas, dentre os quais vale a citação de alguns, a saber:
Psicopatas Amorais, indivíduos perversos, insensíveis e destituídos de
compaixão, de vergonha, de sentimentos de honra e conceitos éticos. Não sentem
simpatia pelas pessoas de seu grupo social e têm conduta lesiva ao bem-estar e à
ordem estabelecida. Seu campo de ação antissocial é o das ofensas contra as
pessoas e a propriedade, reincidindo frequentemente nos delitos contra a vida.
A designação de loucura moral, moral insanity – expressão na língua inglesa,
convém a esses psicopatas e criminosos recidivistas. Seus crimes ocupam todos os
registros, tais como roubo, furto, estelionato, homicídio, prostituição, escândalos
públicos e de imprensa, fatos esses que revelam comportamento revestido de
insensibilidade ou vaidade, uma vez que são absolutamente infensos ao pundonor e
à opinião pública.
Inútil se mostra qualquer tentativa de reeducação ou regeneração desse
psicopata, pois não há em sua personalidade o móvel ético que possa ser
influenciado. Ao contrário, toda medida correcional ou carcerária tende a aumentar e
requintar as técnicas de delinquência e de escape à ação da Justiça. Garcia conclui
que, bem caracterizado esse tipo de psicopata, deve ele se sujeitar às mais rigorosas
medidas de segurança manicomial (GARCIA, 1979).
Psicopatas Astênicos são divididos em três subgrupos, embora possam
assinalar todas as misturas.
O primeiro subgrupo abarca o sensitivo e assustadiço, que se põe em fuga ao
menor incidente, que desmaia ao ver sangue, de extrema labilidade emocional e
incapaz de inibição. Teme todas as provações, vive à procura de penumbra e de uma
escora em possa apoiar. Por timidez ou incapacidade, leva vida celibatária ou se
submete à gerência feminina de uma tia, irmã ou avó e, quando se casa ou amasia,
deixa-se tutelar espiritual e sexualmente.

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No segundo subgrupo encontra-se aquele psicopata cuja personalidade é


dominada pelo sentimento de incapacidade e de inferioridade, que se queixa de toda
sorte de distúrbios de atenção, da memória, da produtividade e sentimento do
incompleto. Chama-se este psicopata de “insatisfeito”.
No terceiro subgrupo encontram-se os sujeitos a perturbações das funções
orgânicas, registrando fadiga, cefaleia, insônia, distúrbios circulatórios -
especialmente a taquicardia -, insuficiência sexual ou menstrual. A estes fronteiriços
designa-se a nomenclatura de cenestopatas frustos.
O psicopata astênico, enfim, é aquele sempre pronto a obedecer e agir por
indução, incapaz de resistência, embora consciente de sua situação de inferioridade
e de autômato. Ressalta-se que esta sugestibilidade desempenha importante papel
na gênese de certos delitos.
Os Psicopatas Explosivos, por seu turno, são indivíduos irritáveis e coléricos,
do tipo que ouvem uma palavra e, antes que tenham entendido o seu exato
significado, reagem de maneira explosiva, desabrida e violenta. Exibem ainda certa
preguiça ou lentidão (bradipsiquia) e, ante os estímulos afetivos, explodem com maior
brutalidade e injustiça. Em regra, não guardam lembrança do fato, dada a turbação da
consciência no momento da refrega. Esses psicopatas revelam tais características
somente durante a embriaguez e, por outro lado, frequentemente chegam aos delitos
de sangue imotivados ou insuficientemente imotivados.
Psicopatas Fanáticos são aqueles que se caracterizam pela extrema
importância que concedem à certas constelações ideacionais relacionadas com a
própria personalidade, ligadas a determinados sistemas religiosos, filosóficos ou
políticos.
Psicopatas Hipertímicos caracterizam-se por seu humor alegre e vivo,
havendo aqueles mais ou menos equilibrados, porém inquietos, irritáveis, rabugentos,
egocêntricos, discutidores, sem peias de conveniências sociais, e até descorteses.
Por vezes convivem amigavelmente, aparentam placidez e felicidade, e subitamente
explodem em fúria desproporcionada em relação ao estímulo.

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Psicopatas Sexuais caracterizam-se pelos desvios instintivos ou


constitucionais e adscritos às personalidades psicopáticas. Exemplos deles são os
onanistas, feiticistas, necrófilos, eróticos, masoquistas e sádicos.

4 CULPABILIDADE

No momento em que ocorre lesão a um bem tutelado pela norma penal, há um


fator típico e antijurídico que envolve a conduta do agente, caracterizando o “juízo de
censura, de reprovabilidade que se faz sobre a conduta típica e ilícita praticada pelo
agente”, juízo relacionado à concepção da vontade do agente (GRECO, 2008, p.89).
Paralelamente, a doutrina jurídica aponta que o crime tem dois requisitos: fato
típico e ilicitude. Ambos, por si só, indicam a existência de uma infração penal. Fato
típico é um fato humano descrito abstratamente na lei como infração a uma norma
penal. São elementos do fato típico penal a conduta, o resultado e o nexo causal,
sendo todos imprescindíveis para sua caracterização. Na falta de algum deles, o fato
torna-se atípico, descaracterizando o crime.
A ilicitude, por sua vez, é a conduta contrária ao Direito, ou seja, a prática de
uma ação ou uma omissão ilegal. A princípio, todo fato descrito na norma penal é
ilícito. Porém, a lei enumera algumas situações que permitem o exercício do fato
típico, de modo a tornar a ilicitude inexistente. São essas causas denominadas de
excludentes de ilicitude: legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento
de dever legal e exercício regular do direito.
A culpabilidade, portanto, não é requisito do crime, como o fato típico e a
ilicitude o são; aquela se revela como pressuposto do delito. A culpabilidade é, pois,
espécie de juízo de censurabilidade, no qual cabe verificar se o autor da conduta típica
é responsável pela infração penal. Nessa seara valorativa, deve-se aferir se o agente
responderá ou não pelo crime, provocando a penalização da conduta.

4.1 Teorias da culpabilidade

As teorias a respeito da culpabilidade se dividem em psicológica, psicológica-


normativa e normativa pura. A teoria psicológica baseia-se na relação psíquica entre

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o autor e o resultado. Atualmente, essa doutrina se diz ultrapassada pelos erros


encontrados em seu desenvolvimento. Vejamos:
O erro dessa doutrina consiste em reunir como espécies fenômenos
completamente diferentes: dolo e culpa. Se o dolo é caracterizado pelo querer
e a culpa pelo não querer, conceitos positivo e negativo, não podem ser
espécies de um denominador comum, qual seja, a culpabilidade. Não se pode
dizer que entre ambos o ponto de identidade seja a relação psíquica entre
autor e resultado, uma vez que na culpa não há esse liame, salvo a culpa
consciente. (JESUS, 2003, p. 460).

Na esteira desse raciocínio nasceu a teoria psicológico-normativa, defendida


por diversos penalistas. Para esses teóricos, a culpabilidade não seria apenas um
liame psicológico entre o agente e o resultado, mas, sim, um juízo de valoração. O
julgamento seria referente aos elementos dolo (psicológico) e culpa (normativo),
sendo, portanto, a culpabilidade a junção deles. Assim, a culpabilidade tem como
características fundamentais: a imputabilidade, elemento psicológico-normativo (dolo
ou culpa) e a exigibilidade de conduta diversa. Embora grande seja a sua contribuição,
referida teoria apresentou alguns defeitos, dando lugar a uma nova perspectiva melhor
estruturada.
A teoria normativa pura da culpabilidade mais aceita nos dias de hoje está
relacionada à teoria finalista da ação. Exclui fatores psicológicos e deixa apenas juízos
de valor como elementos da culpabilidade. São eles: imputabilidade, potencial
consciência de ilicitude e exigibilidade de conduta diversa.
As pessoas são presumidamente culpáveis, presunção que deixa de existir
se estiver presente alguma circunstância que exclua a culpabilidade
(chamadas também de dirimentes). As excludentes de culpabilidade
expressamente previstas no Código Penal dizem respeito ao agente que
realiza a conduta desconhecendo seu caráter criminoso (erro de proibição -
art. 21), ao sujeito de quem não se pode exigir outra conduta (inexigibilidade
de conduta diversa nos casos de coação moral irresistível e obediência
hierárquica - art. 22) e àqueles que não tem capacidade de entendimento e
autodeterminação (inimputabilidade – arts. 26 a 28). Daí por que se pode
concluir que nosso legislador optou pela teoria normativa pura.
(GONÇALVES, 1999, p. 87).

Após, surgiu a teoria limitada da culpabilidade, uma ramificação do princípio


anterior. Basicamente, concorda com a grande maioria dos ideais da teoria normativa
pura, diferenciando-se, apenas, na suposição de causa de excludente de ilicitude.

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4.2 Imputabilidade, inimputabilidade e semi-imputabilidade

Imputabilidade vem do latim imputabilis, de imputare – atribuir ato ou qualidade


negativos a uma pessoa. De in – em, mais putare – pensar, calcular, deduzir.
Naturalmente, imputar também se origina de IMPUTARE. (ORIGEM DA PALAVRA,
2018).
Consoante Júlio Fabbrini Mirabete, para que haja culpabilidade, faz-se
necessário:
[...] indagar se o agente quis o resultado (dolo) ou ao menos podia prever que
esse evento iria ocorrer (culpa em sentido estrito), com isso se chegou à
teoria psicológica da culpabilidade, pois ela reside numa ligação de natureza
psíquica entre o sujeito e o fato criminoso. (MIRABETE, 2001, p. 196).

Para o mesmo autor, existem elementos que averiguam a culpabilidade,


devendo, primeiro, saber se:
O agente tem capacidade psíquica que lhe permitia ter consciência e vontade
dentro do que se determina autodeterminação, diante de suas condições
psíquicas, a antijuridicidade de sua conduta de adequar essa conduta à sua
compreensão, essa capacidade psíquica denomina-se a imputabilidade.
(MIRABETE, 2001, p. 196).

Imputabilidade ou inimputabilidade estão presentes quando não se pode


atribuir ao sujeito a culpa e, evidentemente, o dolo. Para Delmanto (2000), essa
situação diz respeito ao agente que não tem condições de discriminar a natureza ilícita
de uma ação, ou seja, não tem consciência plena do que está praticando ou não tem
nenhum tipo de domínio sobre sua vontade, como ocorre com o indivíduo que possui
o transtorno de personalidade psicopática.
Segundo conceitua Fernando Capez:
Imputabilidade é a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de
determinar-se de acordo com esse entendimento. O agente deve ter
condições físicas, psicológicas, morais e mentais de saber que está
realizando um ilícito penal. Mas não é só. Além dessa capacidade plena de
entendimento, deve ter totais condições de controle sobre sua vontade. Em
outras palavras, imputável é não apenas aquele que tem capacidade de
intelecção sobre o significado de sua conduta, mas também de comando da
própria vontade, de acordo com esse entendimento. (CAPEZ, 2005, p. 306)

O Código Penal não conceitua imputabilidade, mas em seu artigo 26 dispõe


sobre a inimputabilidade, prevendo que:

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Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou


desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou
da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento (BRASIL, 1940, meio
digital).

Assim, conclui-se que imputável é aquele que tem a capacidade de


compreender a ilicitude do ato cometido, sendo o sujeito totalmente desenvolvido e
mentalmente são. A imputabilidade se distancia da responsabilidade penal, que indica
o dever de um sujeito de arcar com as consequências de seu ato. Essa apenas tem
laço de dependência com aquela pois, para a pessoa sofrer as consequências, deve
ter a consciência da antijuridicidade do delito.
Em suma, a imputabilidade circunda a ideia segundo a qual o indivíduo deve
entender e querer o crime, sendo essencial sua existência no momento da ação
delituosa.
A inimputabilidade, por seu turno, se traduz nas causas de exclusão da
imputabilidade. Prevista no artigo 26 do Código Penal, reside na incapacidade de
apreciação da antijuridicidade. É a exceção, em discordância da regra, que é a
imputabilidade.
São causas que remetem à inimputabilidade, ou seja, que excluem a
culpabilidade: doença mental, desenvolvimento mental incompleto, desenvolvimento
mental retardado e embriaguez completa, esta proveniente de caso fortuito ou força
maior. Relevante anotar, entretanto, que não apenas a ocorrência de algum desses
fatos direciona a conclusão da inimputabilidade do agente. É preciso que essas
deficiências acarretem ausência de entendimento do autor do delito.
Assim, se o indivíduo, por sua própria vontade, dá causa a uma situação de
inimputabilidade, apenas para realizar a conduta e não sofrer sanção penal, tem-se
caracterizada a actio libera in causa. A atitude, determinada por seu próprio desejo,
leva a um resultado que não mais está em seu poder de manipulação.
Entre a imputabilidade e a inimputabilidade situa-se a semi-imputabilidade,
referida no parágrafo único do artigo 26 do Código Penal:
Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente,
em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental
incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter

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ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento


(BRASIL, 1940, meio digital).

Desta forma, as pessoas que apresentam alguma perturbação mental podem


ser consideradas semi-imputáveis. O indivíduo é parcialmente apto a entender o
caráter ilícito da ação delituosa.
Examinando essas premissas basilares do Direito Penal, cabível expor a
complexidade desse tema e a dificuldade que os operadores de Direito enfrentam, na
medida em que se averigua a subjetividade deste campo.
Em qual destas classificações os psicopatas se enquadram?
Essa indagação traz à tona divergências doutrinária e jurisprudencial ainda não
superadas, motivo pelo qual devem ser melhor expostas e discutidas.

4.3 A divergência sobre a responsabilidade do indivíduo

A problemática permeia discussões e dá ensejo a algumas correntes


doutrinárias, levando em consideração as possibilidades de seu enquadramento
jurídico.
Cabe relembrar que a imputabilidade significa que o paciente com transtorno
mental está plenamente ciente da ilicitude de sua conduta, sendo considerado
totalmente responsável. Na inimputabilidade, a doença e/ou o transtorno mental torna
o agente incapaz de compreender a antijuridicidade de sua conduta, levando à
ausência de responsabilidade pelo crime. A semi-imputabilidade enxerga o agente
como relativamente culpado, já a doença e/ou o transtorno mental influi em sua
consciência, porém permite a percepção do conhecimento da ilicitude.
O enfoque, neste estudo, será dirigido aos criminosos diagnosticados com
transtorno de personalidade antissocial, agravada e transformada em psicopatia.
O Manual de Perturbações Mentais (2002), desenvolvido pela Associação
Americana de Psiquiatria, dispõe que:
Cada uma das perturbações mentais é concebida como uma síndrome e um
padrão comportamental ou psicológico, clinicamente significativo, que se
manifesta numa pessoa e que está associado com mal-estar atual (sintoma
doloroso) ou incapacidade (impedimento de funcionar em uma ou mais áreas
importantes) ou ainda com um aumento significativo do risco de se verificar

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morte, dor, debilitação ou uma perda importante de liberdade (ASSOCIAÇÃO


AMERICANA DE PSIQUIATRIA, 2002).

Em decorrência de alguns estudos, verifica-se que os psicopatas não se


encaixam no perfil de doentes mentais, pois para isso seria necessária a apresentação
de sofrimento emocional ou perda de consciência; ao invés disso, são eles dotados
de desprezo pelas obrigações sociais e sentimentos alheios. Relacionam a psicopatia
a um transtorno de personalidade, o qual não provoca alteração na saúde mental do
indivíduo.
Para essa vertente, o psicopata é capaz de entender o caráter ilícito do fato e
neste momento, conseguiria agir de outra forma, afastando-se do crime. Sendo assim,
seria considerado imputável e responderia pelo ato delituoso praticado como qualquer
outro indivíduo.
Posicionamento totalmente oposto ao anterior conclui pela ocorrência de
inimputabilidade. Nesta direção, reside o entendimento de que os psicopatas se
inserem nas disposições do artigo 26 do Código Penal. Por conseguinte, estão
impossibilitados de realizar um ato com pleno discernimento, ou seja, com consciência
ou juízo de valor. Em sua obra, Fernando Capez afirma que:
Doença mental pode ser compreendida como a perturbação mental ou
psíquica de qualquer ordem, capaz de eliminar ou afetar a capacidade de
entender o caráter criminoso do fato ou a de comandar à vontade de acordo
com esse entendimento e engloba uma infindável gama de moléstias
mentais, tais como epilepsia condutopática, psicose, neurose, esquizofrenia,
paranoias, psicopatia, epilepsias em geral, etc. (CAPEZ, 2011, p. 333).

Deste modo, a inimputabilidade englobaria a psicopatia. Constatada a doença,


seria determinada a absolvição do increpado, aplicando-se a medida de segurança, a
ser fixada por tempo indeterminado, até a efetiva constatação da cessação de
periculosidade mediante perícia médica.
Esse entendimento (pouco adotado) enfrenta barreiras e questionamentos
sociais. Em alguns casos, o acolhimento desse posicionamento pode transparecer de
todo injusto, pois a sociedade, diante do julgamento de criminoso a quem se impõe
como sanção penal uma medida de segurança, interpreta o julgado como ultraje à
justiça.

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Entretanto, esse sentimento não condiz com a realidade, pois a imposição de


medida de segurança pode ser mais gravosa que o cumprimento da pena privativa de
liberdade. De acordo com as nossas normas penais, o tempo de cumprimento das
penas privativas de liberdade não poderá exceder trinta anos (art. 75 do Código
Penal), sendo necessário considerar a possibilidade de beneplácitos legais que
poderão reduzir a pena e possibilitar a progressão de regime prisional (BRASIL, 1940).
Por outro prisma, o paciente sujeito à medida de segurança será submetido à
avaliação de experts, sobretudo em psiquiatra forense; essa perícia permitirá, ou não,
a aferição de cessação de sua periculosidade, para fim de ser posto em liberdade. E,
devido a diversas deficiências, o Estado lida com óbices para realização de avaliações
e reavaliações.
Por fim, tem-se a minoritária corrente que conclui pela semi-imputabilidade do
agente.
Este enquadramento legal tem esteio no parágrafo único do artigo 26 do Código
Penal, que elege a redução da pena de um a dois terços, quando detectada a
perturbação e/ou doença mental (BRASIL, 1940).
Em casos tais, o infrator é parcialmente imputável, lastreando-se no fato que
há consciência de ilicitude na mente do psicopata, bem como preservação da
capacidade cognitiva. Por outro lado, entende-se que não conseguiria o controle de
seus estímulos naturais que o impelem à prática de fato delituoso, o que acarreta o
comprometimento de sua liberdade no momento da ação. Em suma, o infrator possui
capacidade de entendimento, mas há dúvida quanto à capacidade de determinação.
Nesse sentido, a lição de Hilda Clotilde Penteado Morana:
Em relação à capacidade de determinação, ela é avaliada no Brasil e
depende da capacidade volitiva do indivíduo. Pode estar comprometida
parcialmente no transtorno antissocial de personalidade ou na psicopatia, o
que pode gerar uma condição jurídica de semi-imputabilidade. Por outro lado,
a capacidade de determinação pode estar preservada nos casos de
transtorno de leve intensidade e que não guarda nexo causal com o ato
cometido. Na legislação brasileira, a semi-imputabilidade faculta ao juiz a
pena ou enviar o réu a um hospital para tratamento, caso haja recomendação
médica de especial tratamento curativo (MORANA, 2003, doutorado/USP).

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Desse posicionamento, seguido pela maioria, extrai-se a ideia de equidistância


dos extremos, posição vital ante a complexidade do assunto. A própria Psiquiatria, por
exemplo, não afirma pacificação ao tema. Alguns doutrinadores se esquivam do
conteúdo, não adentrando nele e adotando uma ideia superficial. A jurisprudência não
é unânime, acarretando maior acirramento dos debates. Desse modo, cabe ao juiz a
reponsabilidade de apreciar cada caso e decidir qual solução adotar com a prestação
jurisdicional.

4.4 Efeitos jurídicos na pena: reincidência, liberdade condicional e redução

Na esfera penal, e para cada classificação, ter-se-á um efeito jurídico diferente.


Se imputável, o agente se submeterá ao processo penal como sujeito comum, sendo-
lhe imposta a pena prevista no preceito secundário da norma penal infringida. Se
considerado inimputável, ao contrário do que ocorre na esfera extrapenal, o próprio
agente responde pelo ato, mas a ele não será imposta pena, mas, sim, medida de
segurança, porquanto para aquela, necessária se faz a caracterização de
culpabilidade. Na semi-imputabilidade - que tem como essência a redução da
capacidade de compreensão e vontade, sem excluir a imputabilidade -, o juiz pode
reduzir a pena de um a dois terços, conforme o grau de perturbação e/ou doença
mental, e ainda, se o caso, impor alternativamente a medida de segurança, que
somente será aferida caso o laudo de insanidade mental a indique como melhor opção
de tratamento.
Relevante destacar as hipóteses de reincidência e liberdade condicional.
Dispõe o artigo 63 do Código Penal que “verifica-se a reincidência quando o agente
comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no
estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior” (BRASIL, 1940, meio digital).
Muito já se estudou sobre a mente dos psicopatas, como a impulsividade,
escassez de empatia, ausência de remorso, entre outras características, que podem
levar o agente ao cometimento de condutas criminosas subsequentes, dando ensejo
à verificação de reincidência.

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A questão da imputabilidade do psicopata no Direito Penal DURAN, R. S.; BORGES, S. A. R.; GOUVEIA, W. C.

No estudo realizado em 2003, Hilda Morana contribuiu para o aperfeiçoamento


deste tema, constatando que no Brasil a reincidência criminal é 4,52 vezes maior em
psicopatas que em não psicopatas. Essa afirmação relaciona-se intimamente à
impossibilidade de cura.
Já foram observados meios para amenizar e tentar controlar tais instintos, mas
exterminá-los é conquista ainda não alcançada. O que se constata é que, apesar do
portador de transtorno antissocial compreender o caráter de suas ações, ele não
consegue controlar sua vontade. Dessa maneira, seu índice de periculosidade é
incontestável, acarretando alta probabilidade de reincidência.
A liberdade condicional representa uma das formas de o condenado ser posto
em liberdade, ao invés de cumprir toda a pena privativa de liberdade na prisão. Sua
concessão é condicionada ao preenchimento de condições legais, previstas no artigo
83 do Código Penal, a saber: cumprimento de um terço da pena, desde que se trate
de condenado não reincidente em crime doloso; cumprimento de mais da metade da
pena, se o condenado for reincidente em crime doloso; bom comportamento durante
a execução da pena; reparação do dano e cumprimento de mais de dois terços da
pena, em casos de condenação por crime hediondo e equiparados (BRASIL, 1940).
É sabido que pelo fato de serem inteligentes, organizados e manipuladores, a
grande maioria desses infratores apresentam comportamento satisfatório enquanto
encarcerados, sendo, portanto, postos em liberdade antecipadamente. A sociedade
se inflama ao saber que a liberdade desses infratores coloca em risco a paz social.

5 EFEITOS SOCIAIS: O CONFLITO ENTRE A RESSOCIALIZAÇÃO E A


SEGURANÇA SOCIAL

Conceitua Damásio Evangelista de Jesus:


A pena é uma “sanção aflitiva imposta pelo Estado, mediante ação penal, ao
autor de uma infração (penal), como retribuição de seu ato ilícito, consistente
na diminuição de um bem jurídico, e cujo fim é evitar novos delitos (JESUS,
2011, p. 563).

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A pena possui natureza retributiva e preventiva. A primeira característica tem


como finalidade retribuir a ameaça de um mal causado pelo infrator. A segunda, tem
como fulcro a prevenção de novas práticas delitivas. Esta se subdivide em prevenção
geral e prevenção especial. A prevenção geral destina-se a todos os membros da
sociedade, a fim de intimidá-los, desestimulando o cometimento de crimes. A
prevenção especial tem caráter mais intimista, dirigindo-se apenas ao autor do delito,
visando corrigi-lo e evitando a realização de mais uma ação ilegal. Em uma de suas
vertentes, na chamada prevenção especial positiva, encontra-se a ideia de
ressocialização.
A ressocialização é meio de suporte ao preso, para que seja possível a sua
reintegração à sociedade. Por meio da educação, permite-se que ele compreenda as
razões que o levaram à ilegalidade, mostrando a possibilidade de mudança para uma
vida melhor. Tem como foco uma pena dirigida ao tratamento do próprio infrator, com
o objetivo de transformar sua personalidade e mostrar os malefícios da reiteração
criminosa. Essa forma de tratamento enfrenta diversos óbices relativamente a
criminosos com transtorno mental antissocial, à vista das dificuldades de alcance de
cura.
Deve se estar ciente que, ao cumprir a pena imposta, o criminoso que padece
de transtorno mental antissocial deverá ser reinserido socialmente, cabendo ao
Estado solucionar de maneira eficiente esse conjunto de contratempos.
Mas como ressocializar o criminoso que padece de mal incurável?
Esse questionamento aflige juízes, doutrinadores, psicólogos e psiquiatras.
Enquanto não há resposta capaz de acabar com essa adversidade, procura-se
encontrar formas de amenização e controle, como já verificado em alguns casos reais.
Ao se reinserir esse infrator na sociedade, primeiramente deve-se aferir se há
perigo à segurança daqueles que o circundam. Como proceder se, cumprida a pena,
a ocorrência de periculosidade persistir?
Segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5°, inciso XLVII, são
vedadas a pena de morte, salvo no caso de guerra declarada, e a pena de caráter
perpétuo (BRASIL, 1988). Assim, se cessada sua pena pelo cumprimento, deverá ser

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A questão da imputabilidade do psicopata no Direito Penal DURAN, R. S.; BORGES, S. A. R.; GOUVEIA, W. C.

posto em liberdade. O infrator cumpriu seu dever perante o Estado, considerando-se


eventual permanência no sistema prisional verdadeira afronta às disposições
constitucionais, ferindo direitos basilares e fundamentais, como a liberdade de ir e vir.
Encontramos, assim, uma lacuna legal que enseja controvérsias. Sobre essa
questão, cabe aqui destacar evento passado, de repercussão nacional e internacional,
que exigiu detida análise da comunidade jurídico-científica.

5.1 Caso real: Francisco Costa Rocha

Durante esses últimos anos, os noticiários nacionais chocaram a população,


reportando as mais brutais fatalidades. Interessa enfatizar um dos casos mais
marcantes de serial killers brasileiros, sua história e o procedimento ao final adotado
pelo judiciário.
Um dos mais célebres assassinos das décadas de 60 e 70 foi Francisco Costa
Rocha, conhecido como “Chico Picadinho”. Consta que teve uma infância conturbada,
marcada pela ausência do pai. Aos quatro anos de idade, foi levado para morar com
casal de empregados do pai em um sítio, onde viveu infância solitária. Depois de dois
anos, sua mãe retornou para buscá-lo e juntos foram para Vitória. Durante a vida
escolar, sempre se mostrou briguento, desatento e indisciplinado. Em 1965 residia em
São Paulo, dividindo apartamento com o amigo Caio, médico-cirurgião. Sem se fixar
por muito tempo em um emprego, Francisco divertia-se na vida boêmia,
experimentava todo tipo de drogas e participava de orgias noturnas. Culto,
frequentava teatros e lia Nietzsche e Dostoievski.
Ele matou e esquartejou duas mulheres e foi submetido a dois julgamentos em
razão dos crimes perpetrados, sendo ao final condenado a cumprir pena privativa de
liberdade.
De grande interesse para este estudo é o fato que no ano de 1994, ainda
cumprindo a pena imposta em sede processual penal, Francisco foi submetido a
exame psiquiátrico detalhado, por determinação do juízo cível, que culminou com a
instauração de incidente de insanidade mental e consequente remoção do preso para

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a Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, com o intuito de obter tratamento


médico.
Em 2017, entretanto, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, junto ao
DEECRIM 9ª RAJ (Departamento Estadual das Execuções Criminais e Corregedoria
dos Presídios da 9ª. Região Administrativa Judiciária), intentou pedido de soltura em
favor de Francisco Costa Rocha, uma vez que ele estava preso há mais de trinta anos.
Em razão desse fundamento, a Vara de Execuções Criminais de Taubaté/SP
determinou a libertação de Francisco. Entrementes, indigitada decisão foi combatida
pelo Juiz de Direito Jorge Alberto Passos Rodrigues, da Vara de Família e Sucessões,
nos autos do processo nº 0005327-65.1998.8.26.0625 (625.01.1998.005327), que
versa sobre Interdição - Capacidade – Francisco Costa Rocha, cujo posicionamento
transcreve-se em parte:
Ciente, de forma oficial, do expediente, de natureza administrativa, que
resultou na decisão da lavra da MM. Juíza Sueli Zeraik de Oliveira Armani,
que determinou a libertação de Francisco Costa Rocha do local, ainda que
gradativa, em sistema de desinternação progressiva, no prazo de 120 dias,
com o concurso de universidade da região, por meio de psicólogos. Acerca
do ocorrido, com o registro de que esta unidade judiciária em momento algum
foi cientificada da instauração do procedimento e, mais, do seu deslinde,
manifestou-se o Ministério Público, através de Sua Excelência o Dr. Darlan
Dalton Marques, pelo reconhecimento da incompetência do Juízo das
Execuções Criminais e, assim, pela insubsistência do quanto decidido (TJ-
SP, 2017, meio digital).

E continua:
Que pena não poder acompanhar a r. decisão proferida pelo Juízo de Direito
de Execuções Penais! Justifico: no caso presente, sempre respeitosamente,
forçoso reconhecer que a r. decisão referida, afastou-se relevantemente do
bom direito conquanto, em primeiro plano, deliberou acerca de matéria para
a qual é absolutamente incompetente dado que a pessoa referida, Francisco
Costa Rocha, de epíteto “Chico Picadinho” não está cumprindo qualquer pena
corporal, lá se encontrando para interdição com internação compulsória, nada
obstante esteja em estabelecimento com natureza de nosocômio
penitenciário. Como cediço, e de largo conhecimento público, a pena corporal
foi encerrada há anos atrás, mais precisamente em 1.998 quando, aí sim, foi
atingido o limite de 30 anos de pena corporal, com natureza detentiva,
conforme o artigo 75 do Código Penal (TJ-SP, 2017, meio digital).

Mais adiante:

Assim, para evitar qualquer crise de certeza, Francisco Costa Rocha não está
sob a jurisdição da referida unidade judiciária, nem mais cumpre pena (tanto
que não há mais guia de recolhimento!), muito menos a perpétua, pelo que

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A questão da imputabilidade do psicopata no Direito Penal DURAN, R. S.; BORGES, S. A. R.; GOUVEIA, W. C.

não pode ser adjetivado como reeducando e, assim, estar sob os ditames da
Lei Federal n. 7.210/1984 (a Lei de Execuções Penais), mantendo-se distante
dos institutos da progressão de regime e de outros benefícios estabelecidos
no referido diploma legal. Seu regime jurídico, com clareza solar, é outro, e
de natureza bem distinta! Encontra-se fisicamente em estabelecimento
psiquiátrico penitenciário, mas ali não está juridicamente (como apenado),
sendo que a importante função exercida por Sua Excelência de cunho
meramente administrativo não lhe permite intervir na situação que aqui se
apresenta, com o registro de que a solidariedade que a referida autoridade
judiciária possa prestar não passa por competência para libertar a
mencionada pessoa (TJ-SP, 2017, meio digital).

E por fim conclui:

Vale dizer, não é o tempo que o soltará, mas a sua cura! Sua subtração social
era e é necessária, em razão de intensa periculosidade, também para que
outros súditos do estado não tenham sua dignidade humana afetada. Ante o
exposto e o mais que dos autos consta, sempre respeitosamente, repisa-se,
não há como subsistir a r. decisão oriunda da Vara das Execuções de
Taubaté, unidade judiciária absolutamente incompetente para decidir a
respeito do futuro de Francisco Costa Rocha, subsistindo a interdição com
internação compulsória, somente havendo falar em desinternação se ocorrer
cura [...] (TJ-SP, 2017, meio digital).

6 JURISPRUDÊNCIA

Oportuno destacar a ementa do recurso especial nº 1.533.802/TO


(2015/0123231-4), que teve como relatora a Ministra Maria Thereza de Assis Moura,
publicada em 22 de junho de 2017.
APELAÇÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO CONSUMADO E
HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO. ALEGAÇÃO DE VEREDICTO
MANIFESTAMENTE CONTRÁRIO À PROVA DOS AUTOS. NÃO
RECONHECIMENTO DA SEMI-IMPUTABILIDADE PELOS JURADOS. RÉU
DIAGNOSTICADO COMO PSICOPATA. IRRELEVÂNCIA. EXISTÊNCIA DE
LAUDO PSIQUIÁTRICO INDICANDO QUE O RÉU TINHA CAPACIDADES
COGNITIVA E VOLITIVA PRESERVADAS. VEREDICTO DOS JURADOS
AMPARADO EM PROVA CONSTANTE DOS AUTOS. VEREDICTO
MANTIDO.
1. A doutrina da psiquiatria forense é uníssona no sentido de que, a despeito
de padecer de um transtorno de personalidade, o psicopata é inteiramente
capaz de entender o caráter ilícito de sua conduta (capacidade cognitiva).
2. Amparados em laudo psiquiátrico atestando que o réu possuía, ao tempo
da infração, a capacidade de entendimento (capacidade cognitiva) e a
capacidade de autodeterminar-se diante da situação (capacidade volitiva)
preservadas, os jurados refutaram a tese de semi-imputabilidade,
reconhecendo que o réu era imputável (STJ, 2015, meio digital).

7 CONCLUSÃO

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A questão da imputabilidade do psicopata no Direito Penal DURAN, R. S.; BORGES, S. A. R.; GOUVEIA, W. C.

Este estudo proporcionou breve análise de institutos que tangenciam a


Psicologia e a Psiquiatria, identificando transtornos de personalidade, com enfoque
na psicopatia. Foram expostos conceitos basilares extraídos de institutos relacionados
ao Direito Penal, como a culpabilidade.
A questão relativa a criminosos que padecem da psicopatia foi analisada,
buscando-se trazer à lume a solução mais adequada para esse enleio, porquanto o
ordenamento jurídico brasileiro não oferece intelecção no que concerne a esses
casos. Ao contrário, remete o juiz, forçosamente, à minuciosa e individualizada
avaliação do fato delituoso e do comportamento do infrator, para a prolação de decisão
que esteja em consonância com a justiça.
Verificamos que os casos levados a julgamento devem ser submetidos a
acuradíssima avaliação técnica, dotada de análise especialíssima no tocante à sua
individualização, e o reconhecimento da imputabilidade do agente revela a melhor
solução para a problemática analisada, sem perder de vista a submissão do infrator à
intensivo tratamento psiquiátrico, psicológico e das demais ciências afins.
O cenário exibido também traz à tona maior probabilidade de reincidência para
criminosos com esse tipo de transtorno, já que são identificados fatores cruciais em
seu comportamento, como a ausência de remorso e o desejo de repetição. Essas
características dificultam a ressocialização do condenado, tendo em vista o risco à
segurança social.

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