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TREINAMENTO EM DIREITOS HUMANOS - 2021

2ª FASE DO CONCURSO PARA DEFENSORIA PÚBLICA DO RIO DE JANEIRO


ESPELHO - GABARITO
1) Disserte sobre os conceitos de discriminação direta e discriminação indireta
correlacionando-os com as acepções tradicional e sociológica do princípio da
Igualdade. Nesse âmbito, analise, especificamente qual o papel que as cotas para
pessoas negras, pessoas com deficiência e pessoas hipossuficientes do XXVII
Concurso Público para a DP RJ desempenha.

DIRECIONAMENTO DA RESPOSTA – ESPELHO:


Nesta questão exige-se que a/o/e candidata/o/e domine o princípio da igualdade em suas
acepções tradicional (princípio da igualdade como não discriminação) e estrutural ou sociológica
(princípio da igualdade como não submissão), assim como identifique as soluções complementares
que esses princípios oferecem para as hipóteses de discriminação direta e discriminação indireta de
segunda e de terceira ordem.
Ao final, se exige uma análise da aplicação dos conceitos no XXVII concurso público para a
Defensoria Pública do Rio de Janeiro, demonstrando de que modo se enfrentou a discriminação
indireta de terceira ordem, que exige medidas afirmativas tendentes a desmantelar a situação de
desvantagem estrutural que compartilham os membros dos grupos de pessoas com deficiência, de
pessoas negras e de pessoas que sofrem discriminação socioeconômica.
Conceitos-chave:
Discriminação direta ou de primeira ordem é qualquer distinção, exclusão, restrição ou
preferência, em qualquer área da vida pública ou privada, cujo propósito ou efeito seja anular ou
restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em condições de igualdade, de um ou mais direitos
humanos e liberdades fundamentais consagrados nos instrumentos internacionais aplicáveis aos
Estados Partes. A discriminação pode basear-se em raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou
de qualquer outra natureza, origem nacional, social ou étnica, posição econômica, nascimento ou
qualquer outra condição social.
Discriminação indireta, que pode ser de segunda ou de terceira ordem, é aquela que ocorre,
em qualquer esfera da vida pública ou privada, quando um dispositivo, prática ou critério
aparentemente neutro tem a capacidade de acarretar uma desvantagem particular para pessoas
pertencentes a um grupo específico, com base nas razões já indicadas, ou as coloca em desvantagem,
a menos que esse dispositivo, prática ou critério tenha um objetivo ou justificativa razoável e legítima
à luz do Direito Internacional dos Direitos Humanos.
O princípio da igualdade visa o enfrentamento das situações discriminatórias, no sentido de
promoção da igualdade material, seja na acepção tradicional, seja na acepção estrutural ou
sociológica.

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ESPELHO - GABARITO
Em uma acepção tradicional ou individualista, o princípio da igualdade como não
discriminação significa que se proíbe o tratamento preferencial, porque o Estado precisa ser razoável
nas distinções realizadas em prol da igualdade material, sem se ocupar com eventuais diferenças entre
os membros do grupo a que se destinam as normas. O critério de razoabilidade nas distinções
aplicadas em prol de uma igualdade material exige que sejam observados alguns elementos, dentre
os quais a proporcionalidade estrita entre a medida de distinção e o fim ao qual se destina; esse fim
precisa ser legítimo e em conformidade com o DIDH; assim como a medida de distinção precisa ser (i)
idônea, (ii) a única alternativa possível, (iii) e a menos lesiva para o fim almejado. Nesse sentido, o
teste de razoabilidade realizado em abstrato preocupa-se, especialmente, com algumas categorias
suspeitas, tais como gênero, raça, classe, havendo suspeita de que alguma norma utilize esses critérios
como de diferenciação sejam profundamente analisadas.
Em conformidade com a acepção estrutural ou sociológica, o princípio da igualdade como não
submissão exige que o Estado adote políticas especiais e ações afirmativas necessárias para assegurar
o gozo ou exercício de direitos e liberdades fundamentais das pessoas ou grupos sujeitos a
desvantagens sociais, com o propósito de promover condições equitativas para a igualdade de
oportunidades, inclusão e progresso para essas pessoas ou grupos.
Tratam-se de pessoas que pertencem a grupos sociais em desvantagem social, conforme
ensina Owen Fiss e aos quais se aplica a Teoria da Igual Proteção que exige 03 elementos: (i) relação
de interdependência entre a pessoa e o grupo, sendo certo que o conjunto de pessoas compõe uma
entidade autônoma; (ii) o grupo precisa ter estado em situação de subordinação prolongada ou, na
dicção da CIDH, no alvo de discriminação histórica e estrutural; (iii) o poder político do grupo deve se
encontrar severamente limitado. Uma vez que se verifique essas características, não basta que o
Estado seja razoável em distinções individualmente consideradas. Faz-se necessário que promova
medidas de distinção ou de preferência para promoção da inclusão social para a igualdade de direitos
das pessoas pertencentes a grupos historicamente excluídos.
Retome-se o tema da discriminação indireta e suas duas espécies, para ser verificado se há
soluções diversas de acordo com a acepção da igualdade aplicada.

LEITURA RECOMENDADA: CADH, 1.1. + Convenção Interamericana Antirracismo, 1 + Saba, 2004.


(https://www.patriciamagno.com.br/wp-content/uploads/2014/08/PM_Des_igualdad_Estructural-Saba.pdf)

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2) “Eu achei que tinha sofrido algumas violências. Só que eu descobri que eu sofri o combo
violência obstétrica, porque o meu parto foi tudo que a Dra. Denise [Souza Leite] narrou para
gente do que é a violência obstétrica. Então eu vou narrar mais ou menos o que aconteceu.
Eu fui mãe aos 15 anos, engravidei aos 14. E a minha gravidez, meu parto foi preparado pela
minha mãe e minhas tias, porque elas passaram minha gravidez inteira falando assim: “no dia
não grita, não chora, você tem que ficar quietinha porque senão eles vão te maltratar”. Então
eu já passei a gravidez com esse pensamento, já não posso gritar, ao chegar lá, não posso
sofrer.
E aí eu passei mal no domingo de Carnaval (...). Chegando lá, 22h, foi feito o toque, e eu já
estava com 3 cm de dilatação. Ali já começou meu sofrimento porque eu achei que minha mãe
fosse ficar comigo e ela não pôde ficar. E eu só tinha 15 anos, e eu fiquei sozinha. Aí fui
encaminhada para a sala de pré-parto e ali começou todo o processo. A questão da violência,
que eu acho maior mesmo, é que nada é informado. Ali você é só um corpo e vai passando
por todo o processo e eles determinam pra você sem nada ser explicado. E aí tira roupa, bota
a roupa do hospital (...) e eu tive que falar 2 vezes que não precisava, que já estava raspada.
E aí começou o processo da lavagem. Aí perguntou a última vez que eu comi e eu disse que
apenas no almoço, que não tinha comido nada além disso porque estava enjoada naquele dia.
Aí ela disse que tinha que fazer a lavagem, e foi feita 2 vezes porque ela não acreditava que
não tinha nada dentro de mim, por aí.
Assim que eu cheguei no hospital eu já fui colocada no tal do sorinho, e ali a noite inteira (...),
eu adormeci. Eu tava muito cansada e adormeci. E quando eu acordei, eu acordei com o
médico já me dando o toque, e eu levei um susto porque tinham mais de 6 ou 7 homens
envolta da minha cama, e devia ter uma menina, uma médica, eu ganhei meu filho num
hospital maternidade e tinham mais de 6 homens parados, todos olhando a minha vagina, e
ele dando o toque. “Olha, já está com não sei quanto de dilatação”. Cara, eles não me
acordaram, vocês têm noção? Eles viram que eu tava cochilando e não me acordaram, já
foram fazendo o procedimento. E aí ele falou: “´é, não vai estourar” e pegou tipo uma espécie
de agulha de tricô, um troço gigante, e começou enfiando. E todo esse procedimento sem
dizer uma palavra pra mim, nada.
E aí o auge da minha violência foi quando eu fui pra sala de parto e o médico disse: “olha,
quando você sentir dor, faz força” e eu fiz. Gente, eu sinto que não tinha necessidade da
episiotomia porque tava saindo, eu não tava sentindo uma dor sufocante e aí ele me cortou e
fez um corte em L, eu lembro perfeitamente em forma de L. E ali começou o meu sofrimento
porque ele nasceu muito rápido. Meu filho era gigante, 51cm, 3,8kg. E aí ele começou a me
costurar. E pra mim foi pior que o parto. Ele começou a me costurar, eu sentia cada ponto,
dizia que tava doendo muito e ele aplicava uma injeção que eu não sei se era anestesia ou não,
porque não pegava aquilo de jeito nenhum e eu adormeci depois que ele acabou. E quando
eu acordei, (...) em relação ao pós-operatório e assim, pra mim foi horrível, porque eu tive que
tomar banho sozinha, as enfermeiras não me ajudavam, eu desmaiei no chuveiro e quando
desmaiei as outras mães me colocaram numa cadeira. Eu fiquei muito tempo embaixo do
chuveiro em cima de uma cadeira e sangrando desesperadamente, muito mole e sonolenta e
aí veio uma enfermeira me ajudar a tirar e aí soube que eu tinha desmaiado, e aí por conta
deste corte, meu filho nasceu em fevereiro, estava um calor infernal na Baixada Fluminense,
todos os meus pontos inflamaram, muitos arrebentaram e os 15 primeiros dias do meu filho
eu fiquei tomando banho de assento. Eu não conseguia andar, não conseguia sentar, (...). E o
que aconteceu foi absurdo. Foi uma coisa muito...”
(TAVARES et al, Histórias De Violência Obstétrica Na Baixada Fluminense: “Para mudar o
mundo, é preciso mudar a forma de nascer”, no prelo)

A partir do relato acima, traga o conceito de violência obstétrica, situe-o no


Direito Internacional dos Direitos Humanos, relacione-o com o direito à saúde sexual

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e reprodutiva da mulher. Na sequência, aponte, fundamentadamente, ao menos,
uma medida de natureza judicial e uma medida de natureza extrajudicial que você
adotará quando estiver empossada/o como defensor/a pública/o.

DIRECIONAMENTO DA RESPOSTA:
Nesta questão exige-se que a/o/e candidata/o/e domine o conceito de violência obstétrica e o
situe no corpus iuris do DIDH para, na sequência, identificar sua relação com a promessa constitucional
de acesso à justiça insculpida no artigo 134 da C.R.F.B e com o rol de atribuições da LC 80/94, seja no
âmbito judicial, seja no plano extrajudicial.

Exertos do Corpus Iurus do DIDH

I) Cairo, 1994 – Relatório da CIPD (CONFERÊNCIA INTERNACIONAL SOBRE POPULAÇÃO E


DESENVOLVIMENTO)
Princípio 8: Toda pessoa tem direito ao gozo do mais alto padrão possível de saúde física e mental. Os
estados devem tomar todas as devidas providências para assegurar, na base da igualdade de homens
e mulheres, o acesso universal aos serviços de assistência médica, inclusive os relacionados com saúde
reprodutiva, que inclui planejamento familiar e saúde sexual. Programas de assistência à saúde
reprodutiva devem prestar a mais ampla variedade de serviços sem qualquer forma de coerção. Todo
casal e indivíduo têm o direito básico de decidir livre e responsavelmente sobre o número e o
espaçamento de seus filhos e ter informação, educação e meios de o fazer.
Capítulo VII - DIREITOS DE REPRODUÇÃO E SAÚDE REPRODUTIVA
7.1 Este capítulo baseia-se especialmente nos princípios contidos no Capítulo II e, em particular, nos
parágrafos introdutórios
A. Direitos de reprodução e saúde reprodutiva
Justificativa de ação
7.2 A saúde reprodutiva é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não simples a
ausência de doença ou enfermidade, em todas as matérias concernentes ao sistema reprodutivo e a
suas funções e processos. A saúde reprodutiva implica, por conseguinte, que a pessoa possa ter uma
vida sexual segura e satisfatória, tenha a capacidade de reproduzir e a liberdade de decidir sobre
quando, e quantas vezes o deve fazer. Implícito nesta última condição está o direito de homens e
mulheres de serem informados e de ter acesso a métodos eficientes, seguros, permissíveis e aceitáveis
de planejamento familiar de sua escolha, assim como outros métodos, de sua escolha, de controle da
fecundidade que não sejam contrários à lei, e o direito de acesso a serviços apropriados de saúde que
dêem à mulher condições de passar, com segurança, pela gestação e pelo parto e proporcionem aos
casais a melhor chance de ter um filho sadio. De conformidade com definição acima de saúde
reprodutiva, a assistência à saúde reprodutiva é definida como a constelação de métodos, técnicas e
serviços que contribuem para a saúde e o bem-estar reprodutivo, prevenindo e resolvendo problemas
de saúde reprodutiva. Isto inclui também a saúde sexual cuja finalidade é a intensificação das relações
vitais e pessoais e não simples aconselhamento e assistência relativos à reprodução e a doenças
sexualmente transmissíveis.
7.3 Tendo em vista a definição supra, os direitos de reprodução abrangem certos direitos humanos já
reconhecidos em leis nacionais, em documentos internacionais sobre direitos humanos e em outros
documentos de acordos. Esses direitos se baseiam no reconhecido direito básico de todo casal e de
todo indivíduo de decidir livre e responsavelmente sobre o número, o espaçamento e a oportunidade
de seus filhos e de ter a informação e os meios de assim o fazer, e o direito de gozar do mais alto
padrão de saúde sexual e de reprodução. Inclui também seu direito de tomar decisões sobre a
reprodução, livre de discriminação, coerção ou violência, conforme expresso em documentos sobre
direitos humanos. No exercício desse direito, devem levar em consideração as necessidades de seus
filhos atuais e futuros e suas responsabilidades para com a comunidade. A promoção do exercício

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responsável desses direitos por todo indivíduo deve ser a base fundamental de políticas e programas
de governos e da comunidade na área da saúde reprodutiva, inclusive o planejamento familiar. Como
parte de seus compromissos, toda atenção deve ser dispensada à promoção de relações mutuamente
respeitosas e equitativas entre os sexos, particularmente, à satisfação de necessidades educacionais
e de serviço de adolescentes para capacitá-los a tratar sua sexualidade de uma maneira positiva e
responsável. A saúde reprodutiva é motivo de frustração de diversos povos do mundo por causa de
fatores tais como: níveis inadequados de conhecimento da sexualidade humana e informação e
serviços inadequados ou de pouca qualidade na área da saúde reprodutiva; a predominância de um
comportamento sexual de alto risco; práticas sociais discriminatórias; atitudes negativas com relação
à mulher e à jovem; o limitado poder que têm muitas mulheres e moças sobre suas próprias vidas
sexuais e reprodutivas. Os adolescentes são particularmente vulneráveis por causa de sua falta de
informação e de acesso a serviços pertinentes na maioria dos países. Homens e mulheres mais idosos
têm diferentes problemas de saúde reprodutiva e sexual, muitas vezes tratados de maneira
inadequada.
7.4 A implementação do presente Programa de Ação deve ser orientada pela supramencionada
definição global de saúde reprodutiva, que inclui saúde sexual.

II) Pequim, 1995 - IV CMSM (Conferência Mundial Sobre a Mulher)


96. Os direitos humanos das mulheres incluem os seus direitos a ter controle sobre as questões
relativas à sua sexualidade, inclusive sua saúde sexual e reprodutiva, e a decidir livremente a respeito
dessas questões, livres de coerção, discriminação e violência. A igualdade entre mulheres e homens
no tocante às relações sexuais e à reprodução, inclusive o pleno respeito à integridade da pessoa
humana, exige o respeito mútuo, o consentimento e a responsabilidade comum pelo comportamento
sexual e suas consequências.
223. Tendo em mente o Programa de Ação da Conferência Internacional de População e
Desenvolvimento e a Declaração e o Programa de Ação adotados em Viena pela Conferência Mundial
sobre Direitos Humanos, a Conferência Mundial sobre a Mulher reafirma que os direitos reprodutivos
dependem dos direitos básicos de todos os casais e indivíduos a decidir livre e responsavelmente o
número, a frequência e o momento para terem seus filhos e de possuir as informações e os meios para
isso, bem como do direito a alcançar o mais elevado nível de saúde sexual e reprodutiva. Isso também
inclui o seu direito de adotar decisões relativas à reprodução livres de discriminação, coerção e
violência, conforme expresso nos documentos de direitos humanos.

Conceitos-chave:
Violência Obstétrica é um conceito ainda não previsto na legislação brasileira, mas foi
construído com base em compromissos internacionais e de diversos tratados de direitos humanos dos
quais o Estado Brasileiro é parte. Insere-se no campo do direito à saúde sexual e reprodutiva da mulher
e o debate ganhou internacionalização em 1994, durante a Conferência sobre População e
Desenvolvimento (CIPD) das Nações Unidas, ocorrida no Cairo em 1994, tendo sido reforçado em 1995,
em plena IV Conferência Mundial sobre a Mulher: Igualdade, Desenvolvimento e Paz (CMSM).

Caracteriza-se a violência obstétrica como a apropriação do corpo e dos processos naturais


relacionados a gestação, pré-parto, perda gestacional, parto e puerpério pelos(as) profissionais de
saúde, por meio do tratamento desumanizado, abuso da medicalização e patologização dos processos
naturais, que cause a perda da autonomia e capacidade das mulheres de decidir livremente sobre seus
corpos e sua sexualidade, impactando negativamente na qualidade de vida das mulheres.

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Tratamento desumanizado é todo ato praticado pelo(a) profissional da equipe de saúde que
ofenda, de forma verbal ou física, as mulheres gestantes em trabalho de parto, e no pós-
parto/puerpério.

Dentre as recomendações da CIDH para o Brasil, publicitadas no Relatório sobre Direitos


Humanos, de fevereiro de 2021, sobre o tema da violência obstétrica: vide parágrafos 458, 464, 465,
466, 470 e 513.

Destacar a leitura tridimensional do acesso à justiça, decorrente da Declaração de Brasília,


itens 9 e 12, que o compreende não só como acesso aos tribunais (em conformidade com o princípio
da inafastabilidade do controle jurisdicional), e aos meios alternativos de solução de conflitos de
interesse (conciliação, mediação e arbitragem), mas também como exercício pleno dos direitos e
garantias previstos no ordenamento jurídico (dimensão promocional de direitos humanos).

LEITURA RECOMENDADA: Declaração e Programa de Ação de Pequim (1995) + Declaração e Programa


de Ação do Cairo (1994) + Relatório CIDH DH no Brasil, parágrafos 458, 464, 465, 466, 470 e 513 + tese
premiada CONADEP. (https://www.patriciamagno.com.br/wp-content/uploads/2021/04/violencia-
obstetrica_tese-exitosa-CONADEP-2019.pdf)

3) Jorge, funcionário da Ricardo Eletro, furtou 1 aparelho celular daquela loja e o


revendeu. Chegou-se à autoria do crime no bojo de inquérito policial, a denúncia foi
oferecida imputando-lhe o crime de furto qualificado pelo abuso de confiança e
regularmente recebida em 28.02.2018. Jorge ostenta apenas a anotação desse fato
na sua FAC. Ele tem 36 anos, é casado, tem um filho de 06 anos, sua esposa ficou
desempregada durante a pandemia e ainda cuida do pai de 72 anos, que se recupera
de fratura no fêmur, em sua casa. Trabalha há 04 anos com carteira assinada em
empresa de venda de materiais de construção, percebendo ganhos médios no
montante de R$ 1.800,00. No dia 05.07.2021, você, Defensor Público participa da AIJ.
À luz do artigo 9º, da CADH, produza a argumentação jurídica sobre a possibilidade
de ANPP no curso deste processo. Discorra se há meios de compatibilizar o controle
de constitucionalidade emitido pelas Cortes internas brasileiras com o controle de
convencionalidade?

DIRECIONAMENTO DA RESPOSTA:

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Nesta questão exige-se que a/o/e candidata/o/e domine os conceitos de controle de
convencionalidade, de controle de constitucionalidade e demonstre de que modo a teoria do duplo
grau ou duplo controle opera no sentido de estimular a compatibilização do controle de
constitucionalidade com os parâmetros internacionais do controle de convencionalidade, sob pena de
– por ato judicial – o Estado Brasileiro ser responsabilizado internacionalmente.

Ainda, há de ser demonstrada a aplicação desse arcabouço teórico de DIDH no âmbito do


processo penal, produzindo argumentação jurídica sobre a retroatividade da lex mellius seja norma
jurídica de natureza material seja norma jurídica de natureza híbrida, como é o ANPP.

No marco da jurisprudência do SIDH, há apenas 20 julgados que analisam o artigo 9º, da CADH,
sendo certo que dois deles: Caso Ricardo Canese vs. Paraguai e Caso Baena Ricardo vs. Panamá
especificamente enfrentam o tema da retroatividade da lex mellius.

Portanto, há de ser articulado o controle judicial interno ou esgotados os meios de fazê-lo


para que se inaugure a possibilidade de apresentar um caso individual perante o sistema
interamericano de direitos humanos.

LEITURA RECOMENDADA: DH em pauta


(https://www.instagram.com/p/CRjfT_ODiq9/?utm_source=ig_web_copy_link) e DH na Corte

(https://www.instagram.com/p/CRoZ0OUj-80/?utm_source=ig_web_copy_link)

4) Considerando os padrões interamericanos dos direitos humanos das pessoas


moradoras de favela, explique em que consiste a noção de segurança cidadã e a de
violência seletiva, e qual sua relação com o tema da justiça transicional, assim como
em que medida dialogam com a ADPF 635 (ou ADPF pela vida nas favelas).
DIRECIONAMENTO DA RESPOSTA:
Esta é uma questão teórica que exige da/o/e candidata/o/e o domínio dos conceitos de
segurança cidadã, de violência seletiva, da teoria da justiça transicional assim como sua capacidade de
articular as permanências autoritárias de uma transição democrática sem justiça transicional com o
caso da ADPF 635, que tem como referência a sentença da Corte IDH no Caso Favela Nova Brasília.

Conceitos-chave:
Conceito de Violência Seletiva (RELATÓRIO CIDH SOBRE DH 2021): é indispensável que essa
noção conectada seja com a análise imbricada da taxa de homicídios por mil habitantes com a parcela
da pop. exposta à DISCRIMINAÇÃO ESTRUTURAL e os grupos expostos a situações de especial
vulnerabilidade.
Vide Relatório DH Brasil, CIDH, parágrafos 275, 276, 277, 278

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Conceito de Segurança Cidadã: “A segurança cidadã é uma das dimensões da segurança


humana e, portanto, do desenvolvimento humano e envolve a inter‐relação de múltiplos atores,
condições e fatores, entre eles, a história e estrutura do Estado e da sociedade; as políticas e
programas dos governos; a vigência dos direitos econômicos, sociais e culturais; e o cenário regional
e internacional. A segurança cidadã se vê ameaçada quando o Estado não cumpre com a sua função
de oferecer proteção contra o crime e contra a violência social, o que interrompe a relação básica entre
governantes e governados.”
Chave analítica: CADH, 7 (dir. liberdade e segurança pessoal), CADH, 4 (vida), CADH, 5 (integridade) +
Obrigações internacionais, frente às atuais ameaças derivadas dos fatos de violência e criminalidade.
Em um sentido amplo, a segurança cidadã também pode incorporar medidas de garantia dos direitos
à educação, à saúde, à previdência social e ao trabalho, entre outros DESCA.
Vide Relatório da CIDH sobre Segurança Cidadã: https://www.patriciamagno.com.br/wp-
content/uploads/2021/04/CIDH_Informe-Seguranca-Cidada-e-DH.pdf
Justiça Transicional: é um conjunto de esforços e estratégias adotado pelas sociedades que
saem de ditaduras ou guerras, para reparar os direitos das vítimas das graves violações de DH.

Considerando que no Brasil a transição democrática foi realizada sem justiça transicional, há
incontáveis permanências autoritárias, especialmente identificadas nas forças de repressão estatal,
que tem dirigido seu arsenal especialmente para a contenção das classes em situação de discriminação
estrutural de natureza socioeconômica e em razão do pertencimento étnico-racial, como deflui da
sentença condenatória proferida pela Corte IDH contra o E. Brasileiro no Caso Favela Nova Brasília e
se verifica na ADPF 635 pela vida nas favelas.

5) “Com a prática “Defesa das garantias pré-processuais dos detidos em flagrante no âmbito da
Delegacia de Polícia”, a Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul (DPE/RS) foi a
vencedora da 17ª edição do Prêmio Innovare, na categoria Defensoria Pública. (...) A prática
foi inscrita pelos defensores públicos Alessandra Quines Cruz, Felipe Kirchner, Igor Menini da
Silva e Sabrina Hofmeister Nassif, e consiste na disponibilização de uma equipe de defensores
para atendimento, em regime de plantão, dos presos em flagrante em três delegacias de
Porto Alegre. Atuando com dedicação exclusiva e presencialmente, os profissionais visam a
preservar as garantias pré-processuais dos detidos. Os defensores acompanham todo o

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processo, observando os autos de prisão em flagrante, as entrevistas reservadas com os
detidos, interlocução com familiares e autoridades policiais, e identificando prisões
desnecessárias e abusivas.” (Disponível em: https://www.defensoria.rs.def.br/equipe-do-
plantao-criminal-da-defensoria-publica-vence-o-17-premio-innovare Acesso aos 06.07.2021)

A partir dos padrões internacionais de direitos humanos, especialmente


estabelecidos no caso Ruano Torres vs. El Salvador, analise a atuação da Defensoria
Pública do Rio de Janeiro, no seguinte caso concreto:
Arnaldo, que teve diversas passagens criminais, está preso desde o flagrante
por crime de tentativa de furto de um rádio de carro, em concurso de agentes (mas
nenhum deles teria sido preso). O vidro foi quebrado. Foi levado à audiência de
custódia para verificar se foi submetido à tortura e se cabia alguma medida cautelar
alternativa à prisão. Foi convertida a prisão em flagrante em preventiva.
Antes da AIJ começar, você, Defensor/a Público/a, se entrevista com o preso.
Ele relata que estava saindo com uma profissional do sexo, com blusa de botão e
sapatos novos e que o carro em questão estava abandonado, e já tinha sido
depredado por algumas pessoas que nitidamente faziam uso abusivo de álcool e
outras drogas. Arnaldo explica que a polícia o abordou e verificou que ele estava em
gozo de livramento condicional. E lhe exigiu dinheiro para não o prender. Ele não
sucumbiu à pressão, porque confiava na justiça, especialmente, porque o local era
público (bairro da Lapa) e dotado de várias câmeras de vigilância pública. O Delegado
de Polícia lavrou o flagrante apenas com o relato dos policiais e não requisitou as
alegadas filmagens.
Na AIJ os policiais militares sustentam a descrição dos fatos da denúncia. MP
sustenta a condenação. A versão do preso, em interrogatório, pareceu descolada da
prova produzida pela acusação. Todas as tentativas de localizar a profissional do sexo
são em vão. Não obstante saber-se que o COR (Centro de Operações da Prefeitura
do Rio), a cada 10 dias, inutiliza as filmagens, você requer seja expedido ofício ao COR
para que venha a informação aos autos, sustentando que ali estaria a única prova que
poderia corroborar as alegações defensivas. É indeferido sob o argumento de sua
inutilidade. Alegações finais oferecidas, a sentença é condenatória.
Pergunta-se: quais os contornos da Investigação Criminal Defensiva e de que
modo ela poderia ter modificado o rumo dessa sentença condenatória?

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DIRECIONAMENTO DA RESPOSTA:
A questão exige que a-o-e candidata-o-e demonstre domínio sobre o caso Ruano Torres e os
elementos que compõem o direito humano à defesa diligente e eficaz, assim como a responsabilidade
da Defensoria Pública no controle de convencionalidade sobre sua atuação, para ser capaz de refletir
sobre medidas de não-repetição a serem adotadas institucionalmente pela DP para evitar que casos
como o de Arnaldo não mais aconteçam, POR EXEMPLO, COM A IMPLEMENTAÇÃO, NO RIO DE
JANEIRO, DA PRÁTICA PREMIADA PELA DEFENSORIA PÚBLICA DO RS mencionada na questão.
É necessário destacar os elementos da Investigação Criminal Defensiva (ICD), o tema das
garantias pré-processuais, porque a OBRIGAÇÃO DE MEIO quanto à atuação de qualidade se INICIA
desde que alguém é apontado como suposto autor de um delito.
Foram fixados no Caso Ruano Torres parâmetros para a defesa ser considerada eficaz, dentre
os quais se destacam: (a) desenvolver atividade probatória mínima; (b) não deixar de apresentar
argumentos em favor dos interesses do acusado; (c) não apresentar falta de conhecimento técnico
e jurídico do processo penal; (d) não deixar de interpor recursos em detrimento dos direitos do
acusado; (e) apresentar fundamentação adequada aos recursos interpostos; (f) não abandonar a
defesa. O ato formal da designação de defesa técnica não basta, pq a pessoa tem de ser formada em
Direito e diferente da acusação.

LEITURAS RECOMENDADAS:
Texto Carla Vianna e Livia França sobre Sumula 70: https://www.patriciamagno.com.br/wp-
content/uploads/2021/04/Ruano-Torres-e-Sumula-70_artigo-Carla-Vianna-e-Livia-Franca.pdf
Texto Renata Tavares sobre Ruano Torres: https://www.patriciamagno.com.br/wp-
content/uploads/2021/04/Padroes-de-Defesa-Eficaz_artigo-Renata.pdf

6) Tendo em conta a ADPF 779, que discute a (i)legítima defesa da honra em casos de
feminicídio, discuta sobre os efeitos da liminar proferida no que tange aos limites
éticos para a defesa pública e o papel institucional da Defensoria Pública na
promoção de direitos humanos.

DIRECIONAMENTO DA RESPOSTA:
Nesta questão é necessário que seja apresentada a discussão sobre os limites éticos da defesa
pela instituição da Defensoria Pública, para evitar que seja praticada violência institucional de gênero,

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que precisa assumir seu compromisso no tocante ao papel do Defensor Público que subjaz em duas
premissas: (i) uma obrigação positiva de assegurar o exercício e pleno gozo desses direitos através do
exercício de suas atribuições, (ii) mas também uma negativa - de abster-se de adotar determinadas
atitudes que visem aprofundar o manter uma situação de discriminação perpétua, especificamente no
caso de violência contra a mulher, mais ainda no caso de feminicídio onde persiste até os dias atuais a
tese da legitima defesa da honra do homem.
A ADPF 779 funda-se no pedido declaratório de não-recepção constitucional sem redução de
texto da tese jurídica da “ilegítima defesa da honra” em face dos artigos 23, II e 25, caput e §Ú do
Código Penal + CPP, 65. Foi proferida liminar para (i) firmar o entendimento de que a tese da legítima
defesa da honra é inconstitucional, por contrariar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa
humana (art. 1º, III, da CF), da proteção à vida e da igualdade de gênero (art. 5º, caput, da CF); (ii)
conferir interpretação conforme à Constituição aos arts. 23, inciso II, e 25, caput e parágrafo único, do
Código Penal e ao art. 65 do Código de Processo Penal, de modo a excluir a legítima defesa da honra
do âmbito do instituto da legítima defesa e, por consequência; (iii) obstar à defesa, à acusação, à
autoridade policial e ao juízo que utilizem, direta ou indiretamente, a tese de legítima defesa da honra
(ou qualquer argumento que induza à tese) nas fases pré-processual ou processual penais, bem como
durante julgamento perante o tribunal do júri, sob pena de nulidade do ato e do julgamento, nos
termos do voto do Relator.
É necessário enfrentar o tema da ampla defesa x limites éticos.

LEITURA RECOMENDADA: Tese CONADEP da Renata Tavares https://www.patriciamagno.com.br/wp-


content/uploads/2015/10/Tese-2015.pdf

7) Você, defensor/a pública/o em atuação na Vara de Família de Itaperuna, atende a ré


para contestar uma ação de inversão de guarda proposta pelo pai das suas duas
filhas. A ação foi proposta após sua defendida ter assumido sua lesbianidade e,
dentre os argumentos expendidos, está especificamente a péssima influência que a
orientação sexual da genitora pode produzir nas duas filhas. Como você refutaria
esse argumento? Articule os padrões interamericanos estabelecidos pela Corte no
caso Atala Riffo e na Opinião Consultiva n. 24, assim como indique, ao menos 02
práticas, que devem ser adotadas pelo Estado Brasileiro para proteger os direitos das
pessoas em situação de vulnerabilidade em razão da orientação sexual.

DIRECIONAMENTO DA RESPOSTA:

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Nesta questão é necessário que sejam articulados os controles de convencionalidade e o de
constitucionalidade, a fim de utilizar a jurisprudência internacional e a soft law sobre direitos das
pessoas LGBTI como parâmetro de interpretação das obrigações estatais em relação à igualdade e não
discriminação, assim como ao direito à família do artigo 17 da CADH.
Dentre as obrigações legais dos estados em relação à proteção dos direitos humanos de
pessoas LGBT, insere-se a de proibir discriminação baseada em orientação sexual ou identidade de
gênero, sendo certo que lhes são estendidos os mesmos direitos usufruídos por todos para pessoas
lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT), o que não é radical e nem complicado.
Há de ser destacado que a proteção de pessoas baseada na orientação sexual e identidade de
gênero não requer a criação de novas leis ou direitos especiais para pessoas LGBT. Em vez disso, requer
a garantia da não discriminação no gozo de todos os direitos. A proibição contra a discriminação com
base na orientação sexual e identidade de gênero não está limitada ao regime internacional de direitos
humanos

LEITURA RECOMENDADA: Documento Nascidos Livres e iguais; Princípios de Yogyakarta; Caso

Atala Riffo; OC 24

PEÇA 1:
Você, defensor/a pública/o, atuando em regime de plantão na Cidade da Polícia, na
comarca da capital, toma conhecimento da prisão em flagrante de uma mulher pelo
crime do artigo 124, do CP. Assim que ela descobriu a gestação, por ser indesejada,
utilizou o medicamento citotec e passou muito mal. Foi levada ao hospital, onde foi
atendida por um médico que realizou o procedimento de curetagem. Esse mesmo
médico chamou a polícia militar que a levou presa. O delegado de polícia estipulou fiança
que foi paga pelas enfermeiras daquele mesmo hospital, que se cotizaram para levantar
o dinheiro.
Elabore o recurso simples, rápido e efetivo (CADH, 25) para discutir os direitos dessa
pessoa em situação de vulnerabilidade em razão do gênero, manejando o controle de
convencionalidade nos fundamentos da peça, assim como as discussões que tem sido
aventadas na ADPF 442.

DIRECIONAMENTO DA RESPOSTA:

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A peça é um habeas corpus, no qual o Delegado figurará como autoridade coatora. Vide modelo de
São Paulo, que deve ser acrescido de fundamentação internacional, trazendo o Caso Artavia Murillo ()
e o questionamento da ilegitimidade da criminalização do aborto induzido e voluntário (CP, art. 124 e
126) do Código Penal de 1940 que tem sido formulada na ADPF 442.
Aborto é fato da vida reprodutiva das mulheres; âmbito de sua decisão reprodutiva.
ADPF sobre aborto: Preceitos fundamentais violados CRFB, art. 1º, incisos I e II (dignidade da
pessoa humana, da cidadania/autonomia); art. 3º, inciso IV (da não discriminação); art. 5º, caput e
incisos I, III (da inviolabilidade da vida, da liberdade, da igualdade, da proibição de tortura ou
tratamento desumano ou degradante); art. 6º, caput e art. 196 (da saúde); e art. 226, § 7º (do
planejamento familiar de mulheres, adolescentes e meninas) + teste de razoabilidade + questão de
saúde pública
Caso Artavia Murillo vs Costa Rica e o debate sobre o início da vida humana. Discutir que a Corte
IDH enfrentou a questão e estabeleceu Interpretação do artigo 4.1 da CADH e o presente caso!!! § 163
+ 173
➢ Análise arts 1.2 (“pessoa”, “ser humano”) e 4.1 (“concepção” e “em geral”)
➢ § 181. “A concepção ou gestação é um evento da mulher, não do embrião”
➢ § 185. inexiste uma definição precisa sobre o direito à vida
➢ § 223. Portanto, a Corte conclui que a interpretação histórica e sistemática
dos antecedentes existentes no Sistema Interamericano confirma que não
é procedente conceder o status de pessoa ao embrião.
➢ § 228 O Comitê expressou, além disso, sua preocupação pelo potencial que
as leis antiaborto têm de atentar contra o direito da mulher à vida e à saúde.
O Comitê estabeleceu que a proibição absoluta do aborto, bem como sua
penalização sob determinadas circunstâncias, viola o disposto na CEDAW.
➢ § 233 Comitê para os Direitos da Criança não emitiu nenhuma observação da
qual se possa deduzir a existência de um direito à vida pré-natal.
➢ § 292 Toda pessoa que se encontre em uma situação de vulnerabilidade é
titular de uma proteção especial, em razão dos deveres especiais cujo
cumprimento por parte do Estado é. Toda pessoa que se encontre em uma
situação de vulnerabilidade é titular de uma proteção especial, em razão dos
deveres especiais cujo cumprimento por parte do Estado é necessário para
satisfazer as obrigações gerais de respeito e garantia dos direitos humanos.

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PEÇA 2:
Você tem atribuição coletiva em sede de execução penal e, durante uma ação de
monitoramento de um dos locais de privação de liberdade, identifica que se trata de
unidade penitenciária com ala de mulheres e ala de homens. A estrutura física é precária,
com inúmeros pontos de infiltração, pouco arejada e quase sem luz solar. O espaço
destinado ao banho de sol é muito pequeno e é usufruído pelos presos e presas em
regime de rodízio. Considerando que as mulheres são em número inferior ao de homens,
elas têm menos acesso aos espaços coletivos, com o de banho de sol e, segundo relatos
colhidos, passam – por vezes, meses sem acessá-lo. A superlotação é um problema.
Presos dividem a mesma comarca (nome da cama) e alguns dormem em redes
improvisadas, assim como outros dormem no chão. Foi descrito pelos entrevistados, que
alguns homens solicitam serem amarrados nas grades, com lençóis fornecidos por suas
famílias para dormirem em pé, devido à superlotação.
Foram relatadas violências especialmente sofridas por mulheres trans que estavam com
os homens, de acordo com seu nome de registro.
Inexiste espaço para visita íntima.
O acesso à água é limitado, porque o registro só é aberto 2 vezes ao dia. Uma vez pela
manhã e outra às 18horas. As mulheres, em período de menstruação, sofrem mais com o
inacesso à água, assim como recebem uma cota de 03 absorventes por mês. A água
potável tem um sabor ruim, sendo certo que os bebedouros estão em constante
manutenção.
O material de higiene e limpeza é irregularmente fornecido pelo Estado, de modo que as
pessoas presas dependem do que é trazido pelos parentes e visitas.
O boi (buraco no chão onde as pessoas presas fazem suas necessidades) estava
entupido. As pessoas idosas sofriam mais com a posição necessária para evacuar ou
urinar.
Inexiste acessibilidade para cadeirantes.
Não há psiquiatra lotado na unidade, nem psicólogo. Apenas uma assistente social
trabalha em escala, comparecendo duas vezes por semana no local. Inexiste serviço
médico e odontológico regular oferecido institucionalmente pelo estado, o que coloca
em risco o pré-natal das presas em situação de gestação.

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As 4 refeições – café da manhã, almoço, lanche e a janta ficam a cargo de empresa privada
que ganhou processo de licitação. A Direção relata não haver problemas coma qualidade
das refeições servidas. Os presos reclamaram do sabor e da repetição dos pratos, com
muita salsicha e macarrão. Inexiste dieta diferenciada de acordo com o quadro médico.
A educação formal é fornecida apenas para uma turma de presos porque só há 01
professora. Não há turma de mulheres.
Diante desses fatos, com base na normativa de direitos humanos e na jurisprudência da
Corte IDH em sede de medidas provisórias ditadas em face do Estado Brasileiro, elabore
a peça relativa à atribuição extrajudicial indicada na questão.

A peça é um relatório de inspeção. Vide modelos enviados.

PEÇA 3:
É absolutamente notória a situação de marginalização social e econômica a qual são
submetidas as centenas de indivíduos em situação de rua em todo o Brasil, implicando
sua invisibilidade perante o poder público. A chamada ilegibilidade da população de rua
– isto é, o conhecimento dos sujeitos, sua localização, métricas e padrões - lhes limita de
forma direta o acesso ao registro, monitoramento e fazer estatal.
Considerando este panorama, foi instituída, através do Decreto nº 7053/09, a Política
Nacional para a População em Situação de Rua. Dentre seus objetivos foi estabelecida
uma contagem oficial da população em situação de rua (art. 7º, III) e a produção,
sistematização e disseminação de dados e indicadores sociais, econômicos e culturais
sobre a rede existente de cobertura de serviços públicos à população em situação de rua
(art. 7º, IV).
A última pesquisa, datada de 2008, coordenada pelo Ministério do Desenvolvimento
Social, envolveu apenas 71 cidades com mais de 300 mil habitantes e as capitais,
apontando 31.922 pessoas nesta situação. Questionado, o IBGE se limitou a dizer que a
infraestrutura técnico-administrativa da instituição é própria à população domiciliada,
não dispondo atualmente de metodologia definida para recenseamento da população de
situação de rua (Doc. 3: Ofício IBGE/PR nº226).

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Como defensor/a público/a, tendo em vista os elementos que subsidiam uma atuação
estratégica e a lógica da ultima ratio da judicialização de demandas estruturais, decida o
que fazer e elabore a peça pertinente.

A peça é uma Recomendação. Vide ACP enviada, de onde devem ser retirados os
“Considerandos” para fundamentar a notificação ao poder público, no sentido de determinar
que a partir do Censo de 2020 não mais faça distinção entre pessoas domiciliadas e não
domiciliadas em seus assentamentos e que o faça tão somente para indicação de vetores
para a realização de políticas públicas; incluindo, em definitivo, as populações em situação
de rua de todo o Brasil no Censo 2022.

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