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Perfil de adoecimento dos homens privados de

liberdade no sistema prisional

Health profile of freedom-deprived men in the prison system

Perfil de salud de los hombres privados de libertad en cárceles

Marília Cléssia Pinheiro1; Janieiry Lima de Araújo2; Renata Borges de


Vasconcelos3; Ellany Gurgel Cosme do Nascimento4

INTRODUÇÃO

Discutir a garantia do direito à saúde no Brasil tem tornado-se sinônimo da luta pela
solidificação dos direitos humanos, haja vista sua dignidade e competência cidadã. Em
especial destaca-se o caso das pessoas privadas de liberdade, percebidas por uma
parcela da sociedade como "não cidadãos", indivíduos que perdem seus direitos diante
da entrada no mundo do crime. Estes homens e mulheres são vistos como não
portadores de direitos humanos e sociais, os quais não devem ser assistidos pelos
serviços de saúde.1 O Brasil possui a quarta maior população carcerária do mundo, com
cerca de 500 mil presos e um sistema prisional superlotado². A população carcerária é
de aproximadamente 31 mil mulheres e mais de 442 mil homens, distribuídos em
diferentes estabelecimentos que compõem o Sistema Prisional.3 Entretanto temos um
déficit de vagas (quase 200 mil), sendo um dos principais focos das críticas da
Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o desrespeito aos direitos humanos no
país.2 Tal conformação reflete a circunstância atual de vida e saúde das pessoas
privadas de liberdade, caracterizada pela insalubridade, superlotação e precariedade
das celas, pelas ações violentas constantes, negação do direito à saúde e/ou pela
carência de ações pelos serviços de saúde, apesar de existir diversos tratados, códigos
e leis que orientem melhores condições de vida e saúde no ambiente prisional.4

A pessoa que encontra-se privada de liberdade não submerge somente ao direito de


livre-arbítrio, mais inicia um processo de despersonalização, exclusão do eu não
possuindo domínio sobre si mesmo, sendo manejado pelo sistema prisional em meio a
grades e altos muros.5 Desde muito tempo, a atenção à saúde da população privada de
liberdade restringe-se àquela direcionada às doenças infecciosas, que são impactadas
por sua proliferação pelo confinamento e as condições das prisões brasileiras.4 No
Brasil, em 2003 através da Portaria Interministerial (MS/MJ) nº 1.777, institui-se o
Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário (PNSSP) que presume a inclusão das
pessoas privadas de liberdade no Sistema Único de Saúde (SUS), tendo em vista a
garantia de seus direitos enquanto cidadãos.4 Por conseguinte, as equipes de saúde
necessitariam compreender as representações sociais do adoecimento (morbidade) e
seus fatores sociais determinantes, pois só assim poderiam ser responsáveis por
transformações salutares nos espaços sociais (aqui destacado, as prisões brasileiras).6

Entretanto apesar das tentativas de garantir o direito à saúde ainda há pouco impacto
no cenário do sistema prisional brasileiro. Haja vista que se aclara cotidianamente nos
jornais impressos, revistas e mídia televisiva uma população privada de liberdade
submetida a condições desumanas, verdadeiros cenários de exclusão social e
preconceitos.7 Atualmente existe a Politica Nacional de Atenção Integral à Saúde das
Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP), instituída pela Portaria
Interministerial (MS/MJ) nº 1, em 2014. Até então apenas aquelas pessoas que se
encontram sob custódia, em qualquer regime tinham direito ao atendimento à saúde.
Com a política em prática, os beneficiários também serão aqueles em cumprimento de
medida de segurança que para isso, tem na rede de atenção à saúde, o responsável
direto para realizar ações primárias de saúde, com especial atenção, as assistências aos
portadores de transtornos mentais. Os trabalhadores do sistema prisional, os familiares
e demais pessoas que se relacionam com as pessoas privadas de liberdade, devem ser
envolvidas em ações de promoção da saúde e prevenção de agravos. Para isso, será
imprescindível à introdução de serviços e equipes multiprofissionais em todo o sistema
de saúde segundo as diretrizes do SUS.8 Pesquisar com vistas a compreender como
organiza-se a assistência à saúde a essa população na cidade de Pau dos Ferros/RN é
para enfermagem, a forma de melhor reconhecer o seu espaço de atuação e possibilitar
elaboração de ações especificas. Assim o estudo objetivou identificar as necessidades de
saúde e o perfil de adoecimento de homens privados de liberdade que cumprem pena
no Complexo Penal Regional (CPR) de Pau dos Ferros/RN.

O adoecer no mundo da prisão: vivências e sentimentos

Evidencia os relatos sobre suas necessidades e problemas de saúde. As falas remetem


ao processo de adoecimento e sua relação com o viver no mundo da prisão. Alguns
depoentes se referem ao adoecer como algo repentino, de início súbito e geralmente só
mencionam os sintomas apresentados, desconhecendo, na maioria das vezes, a
existência de uma etiologia ou doença de base. Mencionando ter adoecido de: Dor de
ouvido, dor de cabeça, pressão baixa e diarréia. Fiquei doente de repente (Apenado
03); [...] Tenho um problema no olho, quando fui preso [...] levei muita pancada na
cabeça, acho que esse problema vem desde esse tempo, tenho que operar, pois atingiu
uma veia, mas faz tempo que tento e não consigo, eu quero sair pra rua pra operar
esse olho e voltar a trabalhar (Apenado 07).

Os Apenados 05 e 07 descrevem as circunstâncias do ocorrido, mas não reconhecem o


determinante do seu adoecimento, o fato de estar encarcerado de não ter boas
condições de vida e saúde dentro da prisão, já lhe é motivo para adoecer, além de
apontar o descaso e/ou desassistência ao seu problema de saúde. Há ainda os que
conseguem interligar o seu processo de saúde-doença ao meio em que vivem, quer seja
quanto à higiene, à alimentação ou ao ambiente em si, mas fazem a associação,
entendendo as más condições de estadia e alimentação como risco à sua
saúde: Diarréia, problemas de pressão, depressão e alergia, são as doenças que eu
lembro. Eu adoeci de repente, nunca tinha sentindo algum problema desses. Acho que
começou com a alimentação daqui que não é boa (Apenado 06); Cansaço, asma e dor
no estômago me perturbam direto. Eu percebo que vou adoecer porque me dá um suor
frio, falta de fôlego, aí noto que não estou normal, que vem uma crise por aí. O
problema é a água quente, as paredes, a cela abafada, ansiedade... (Apenado 14).

Os participantes revelam esgotos a céu aberto, condições de higiene precária,


convivência com materiais tóxicos sem presença de equipamentos de proteção, celas
pouco ventiladas, alimentação de péssima qualidade entre outras coisas, negando-lhes
condições de vida saudáveis. Ratifica-se que a alimentação oferecida é feita por um
grupo de Apenados que sem capacitação para desempenhar essa função. Fazem-na
porque têm remissão de suas penas a cada dia trabalhado, de forma que labutando três
dias diminuem um dia de reclusão, além disso, "ganham" o direito de transitar
livremente em alguns horários entre o pátio e a cozinha. Ao mesmo tempo, alguns
afirmaram não adoecer na prisão, como pode ser observado no conjunto de
depoimentos que se seguem: Eu não adoeci, sou muito forte (Apenado 17); Não
adoeci (Apenados 18 e 30).

As doenças sexualmente transmissíveis, com foco HIV/AIDS, mesmo em pequenos


índices, com 3.33% dos Apenados, apareceram e precisam ser objeto de uma
apreciação reflexiva: Tenho soro positivo, mas acho que não peguei aqui dentro, deve
ter sido quando eu viajava pelo Brasil, lá pras bandas do Sul. Comprovei que tinha HIV
em 2006 aqui no presídio, vieram fazer uns exames e eu pedi pra fazer e em 2009 fiz
outro exame e deu de novo a mesma coisa, positivo. De vez em quando aparecem
feridas na pele que coçam muito, dor em todo corpo, dor de cabeça, febre, dor de
barriga, no estômago e estresse (Apenado 12). Assim, os sintomas que apontam para o
surgimento de adoecimento psicológico merecem cuidado especial. Três reclusos
assinalam em suas falas: Sou depressivo com sistema nervoso alterado. Eu tenho crises
nervosas desde o tempo que eu era solto, mas aqui dentro tive piora (Apenado
09); Peguei depressão, eu tenho muito medo e a impressão que vou morrer aqui
dentro, sempre que vou ter crise sinto falta de fôlego, vontade de fugir, correr, me
esconder (Apenado 20).

Os depoimentos consentem claramente que os modos de viver dentro da prisão


agravam os sintomas psicológicos existentes e/ou os fazem emergir. Encontram-se
análogas concepções sobre as vivências e sentimentos do homem privado de liberdade
diante do adoecimento e da assistência à saúde prisional prestada pelos serviços de
saúde. Quando os Apenados adoecem comunicam inicialmente aos agentes
penitenciários e posteriormente ao diretor do Complexo, propendendo à resolubilidade
dos seus problemas de saúde. Alguns comunicam também as famílias: Comunico pra
família e pros agentes. É muita gente na unidade, fica fácil adoecer, aí eles fazem
praticamente nada. Eles num tem o que fazer, não tem escolta e nem carro pra levar
pro hospital. A verdade é que depois que a gente entra aqui é mesmo que nada,
ninguém se importa. Se ficar bom, boa sorte, se não ficar, só Jesus (Apenado
10); Chego junto dos agentes e do diretor pra ele autorizar a saída pro hospital quando
as coisas apertam. Gosto de ligar pra minha família avisando e pedindo pra não deixar
faltar o medicamento. Quando eles podem, levam a gente pro hospital, quando num
podem, não tem o que fazer (Apenado 21).

Um problema comum diz respeito à falta de transporte (viaturas) para locomover os


Apenados a um centro de atendimento de saúde em busca de assistência, tornando-se
corriqueira a ausência dos veículos, prevalecendo medidas paliativas ou até
desassistência: [...] Às vezes chamo os agentes, mas eles não podem fazer nada,
dizem que vão levar tal dia e não levam, falta carro. Dão os remédios que têm aqui,
geralmente é anti-inflamatório, mas nunca levam para o hospital, nunca dá
certo (Apenado 05). Dentre as medidas há a solicitação (empréstimo) dos carros de
terceiros, em casos mais graves, medicação por parte dos agentes para com os
Apenados exercendo ilegalmente práticas que não lhes são autorizadas, como a
prescrição de medicamentos e a automedicação – o preso guarda alguns tipos de
medicamentos em sua cela e os usa de acordo com o senso comum, sem saber o risco
a que está se submetendo. Conforme os depoimentos que seguem: Se num tem como
levar, tem que aguentar por aqui mesmo. Mas se for uma doença que não precisa ir pro
hospital aqui tem medicamento, aí dão pra gente ir aliviando as dores. Às vezes falta,
mas quando tem, eles (agentes penitenciários) dão (Apenado 01); Os agentes me dão
uns comprimidos pra dormir, durmo de dia e de noite e se num melhorar ou acabar o
remédio me levam pro hospital, porque eu fico doido, fico acordado andando dentro da
cela, preciso do remédio, com ele eu até esqueço que estou preso. Eles não tava
levando ninguém porque o Governo não tinha mandado carro, mas agora mandou aí
eles vão levar pro hospital (Apenado 11).

Não se pode esquecer outro obstáculo, a insuficiência de recursos humanos para


realizar as escoltas, principalmente, agentes penitenciários, já que os mesmos não
podem abandonar seu posto e sair em busca de atendimento ao Apenado. Em casos de
urgência, por mais que a organização seja feita entre quem sai da unidade e quem fica,
quase sempre a segurança do presídio não permanece como deveria.

Assistência à saúde penitenciária

Compreendem as percepções dos homens privados de liberdade sobre a assistência de


saúde prestada no sentido de responder as suas necessidades e problemas de saúde,
tanto por parte dos profissionais do presídio, quanto por parte dos profissionais de
saúde. Uma parcela dos Apenados acreditam que o atendimento de saúde prestado é
feito de acordo com as possibilidades do CPR e dos centros de saúde a que são levados,
demonstrando parcial conformismo com as situações de descaso. Como se receber
alguma assistência já fosse benefício e não direito garantido: O atendimento segue
aquele ditado: quando pode fazer, faz. A gente entende, são muitos presos pra atender,
uns tem uns problemas, outros tem outros. [...] o atendimento no hospital é bom,
sempre fui bem atendido porque preso não fica na fila, chega e vai logo resolvendo o
caso (Apenado 07).

Geralmente se referem ao atendimento nas unidades de saúde como sendo efetivo e de


qualidade, mas sempre associam o bom atendimento à rapidez e por receberem
medicações. O assistencialismo hospitalocêntrico e biologicista, prevalece em suas falas,
enxerga-se como "corpos doentes" que carecem de medicamentos, desconhecendo sua
coparticipação no processo saúde doença. O atendimento no presídio é bom, se
puderem levar eles não se negam. O atendimento no hospital é bom, a gente não pega
nem fila, porque eles têm medo de preso, atendem logo (Apenado 08). Outros
ultrapassam essas concepções e se atentam para o fato de que a assistência oferecida
carece de aprimoramento e demonstram conhecimento dos seus direitos enquanto
pessoa humana de usufruir da saúde. Independente da razão de seus delitos preservam
os demais direitos humanos inerentes à sua cidadania. O atendimento aqui no presídio
é péssimo, realmente é péssimo. No hospital o atendimento é péssimo também, porque
na última vez que eu fui ao hospital sentindo dor no peito e catarro de muitos dias o
médico só passou uma injeção e mandou voltar pro presídio, tentei falar sobre o caso e
ele nem ouviu, passou a injeção e me mandou de volta. A assistência poderia ser bem
melhor (Apenado 06).

O cenário relatado é de ausência na garantia da assistência as necessidades de saúde


dos reclusos. Em seu discurso, o Apenado 13 dirige-se a uma questão importante: a
saúde bucal. De modo que o tratamento odontológico é minimizado à ação de
extração: Quando vamos pro dentista ele vai logo arrancando o dente, nem trata, acho
que ele quer ver a gente "banguelo" [pessoa sem dente], não quer perder tempo com
preso e é mais rápido arrancar. O atendimento precisa melhorar mil por cento. O
Estado do Rio Grande do Norte precisa melhorar a saúde (Apenado 13). Entretanto isso
inexiste nesta realidade e a responsabilidade fica a cargo da equipe de saúde da família
responsável pela área de abrangência que engloba o complexo: O atendimento aqui é
quase igual a todas as cadeias que eu fui, mas quando eu tirei cadeia em outro estado
achava bom porque tinha enfermaria dentro do presídio, evitava de no caso de uma
doença simples ir parar no hospital. Aqui eles dão remédio e num sabem nem o que é a
doença, vai que é dengue e o cara tá é piorando tomando remédio à toa. Só que eu sei
que aqui num tem nem estrutura pra colocar uma enfermaria. A assistência precisa ser
melhor, mesmo sendo para os presos, se bem que pela condição desse presídio já tem
assistência até demais... (Apenado 15).

A educação em saúde como processo do cuidar no adoecimento na prisão

No sistema prisional a situação é dada por um cenário de exclusão social. Os Apenados


sentem a necessidade de tais práticas, dão importância a sua existência e
compreendem-na como promotora de saúde sofrendo com a ausência das mesmas.
Enfáticos, todos respondem que não tiveram ações de educação em saúde durante sua
permanência no CPR: Não tem. Veio um médico duas vezes fazer consulta, logo no
início do ano, mas não veio mais e também não eram palestras, só passando remédio
mesmo. Os presos que estavam doentes iam para uma sala, consultava e pronto. É
importante que tivesse palestras, que falassem sobre a saúde e o que fazer pra não
ficar doente (Apenado 01); Não, nunca teve. O pessoal da saúde só deixa camisinhas
pra prevenir AIDS e uma vez entregaram panfletos, aí quem não sabe ler olha as
figurinhas, tenta entender e não consegue, aí joga fora o papel. Se tivesse palestras ou
um projeto ia ser muito gratificante para a gente, porque nós estamos aqui, mas temos
os mesmos direitos dos cidadãos da rua. Queria aula de pintura, de artesanato ou de
música porque pode até ressocializar o preso. Então fica difícil sair e fazer diferente já
que não tem, não foi ressocializado (Apenado 06).
DISCUSSÃO

Quase a totalidade dos apenados reclusos já adoeceram no presídio, os dados obtidos


assemelham-se ao perfil nacional de adoecimento em outros cárceres. Situação
demonstrativa de uma negatividade no processo saúde-doença dos apenados. A
capacidade excedida das celas, a má estruturação das mesmas, o confinamento em si e
a higiene deficitária favoreceram ou se tornaram motivo para tal desequilíbrio entre
saúde e doença nos presídios.11 Essa situação contribui para o agravamento da condição
de saúde dessa população, constitui sério risco à saúde dos homens privados de
liberdade, seus contatos e nas comunidades nas quais irão se inserir após o
livramento.12 Após dar entrada no CPR notaram que adoeceram mais, entretanto um
percentual significativo não percebeu diferença entre o adoecimento dentro e fora do
mundo da prisão. Esse achado pode está interligado ao perfil socioeconômico desses
homens, que em sua maioria são procedentes de estratos sociais de populações pobres,
pouco alfabetizada, geralmente vindoura de comunidades marginalizadas, com serviços
de saúde precários sem profissão definida, vivendo em situação de exclusão social
anterior à sua admissão no Sistema Prisional.4

Quanto às morbidades um percentual significativo afirma ter adoecido das mesmas


doenças que tinham antes da reclusão e um alto percentual percebeu que as doenças
não são as mesmas do mundo fora da prisão. As condições de confinamento promovem
semelhanças no perfil de adoecimento dos presidiários, mesmo estes formando um
grupo social diversificado/heterogêneo. Percebe-se que os discursos sobre início súbito
vão ao encontro do pensamento de Polak13 "doença é um acontecimento imprevisível
que exerce impacto na homeostasia e na sensação de bem estar pessoal. [...] as
pessoas enfermas geralmente são sensíveis e vulneráveis; ao adoecer toda a sua vida
muda, pelo menos temporariamente." Existem homens que não associaram seu
processo de adoecimento a nenhum fator biológico ou ambiental. O assistencialismo
hospitalocêntrico e biologicista, prevalece em suas falas, enxerga-se como "corpos
doentes" que carecem de medicamentos, desconhecendo sua coparticipação no
processo saúde doença.4

Essa realidade é compartilhada em diversos estabelecimentos prisionais, com atenção à


saúde bucal precária, quase inexistência de proteção, diagnóstico prévio ou mesmo
reabilitação dental. Na Resolução n.° 07 de 2003, do CNPCP [Conselho Nacional de
Política Criminal e Penitenciária], prevê que as ações de saúde bucal devem ser
desenvolvidas levando em consideração proteção da saúde, proteção específica,
diagnóstico precoce e tratamento imediato, limitação do dano e reabilitação. No
entanto, constatou-se que os reclusos não recebem assistência odontológica. Quando
fornecida, destina-se unicamente à extração dos dentes. A quantidade de presos
banguelas (pessoas sem dentes), ou com dentes estragados são enormes.14

Não podemos esquecer que estamos lidando da saúde dos homens e que estes possuem
um perfil diferenciado, marcado por legados sociais de gênero que cria o estereotipo
"machista". O imaginário de ser homem pode aprisiona-o em amarras culturais,
dificultando práticas de autocuidado, pois o homem é visto como viril, invulnerável e
forte. Os homens que se sentem invulneráveis estão em maior exposição, pois adoecem
em segredo e demoram a procurar assistência adequada, tornando-se mais vulneráveis.
São dois lados da mesma moeda.15 A disseminação de doenças contagiosas,
principalmente o HIV/AIDS estabelecem sérios risco à saúde dos homens privados de
liberdade, bem como os seus contatos e a comunidade em si.12 Outro perfil de
adoecimento merece realce, àquele ligado aos transtornos mentais, afinal o ambiente
da prisão é um meio promissor ao aparecimento de psicoses carcerárias e transtornos
mentais diversos, "muitas vezes causadas pela atmosfera opressiva e por doenças
existentes em razão das más condições de higiene, alimentação e vestuário".14
Apesar de se ter ciência das situações supracitadas, a atitude tomada pelos presos é
apropriada, pois uma vez estando desprovido de sua liberdade, cabe ao Estado a
obrigação de prover as condições mínimas, pois a custódia dos reclusos está sob sua
responsabilidade. O encarceramento não lhe tira os direitos promotores de sua
integridade física e moral.16 Alguns apenados possuem essa concepção e se atenta para
o fato de que a assistência oferecida carece de aprimoramento e demonstram
conhecimento dos seus direitos enquanto pessoa humana de usufruir da saúde.
Independente da razão de seus delitos preservam os demais direitos humanos inerentes
à sua cidadania.17 Entretanto, Diuana12 esclarece que: "muitas vezes são os agentes de
segurança penitenciária que julgam a necessidade de atendimento a partir do pedido do
preso e atuam facilitando ou dificultando este acesso". Partindo do pressuposto de que
as condições de vida e saúde são importantes, afetando seus comportamentos e sua
inserção na sociedade, sabe-se que o confinamento em prisões por si só, já afeta a
estabilidade do homem, quiçá quando a assistência à saúde perpassa por cenários de
descaso e exclusão social. Assim, é necessário compreender os relatos dos homens que
se encontram encarcerados para então aproximar-se da sua realidade demonstrando
parcial conformismo com a situação de descaso.

Aspráticas de educação em saúde como tecnologia do cuidado demonstram sua eficácia


na autonomia do sujeito, assim a necessidade dessas ações no mundo da prisão, de
modo a possibilitar a consciência do homem privado de liberdade, sobre as
determinações do seu processo saúde-doença.Considerando educação em saúde como
recurso que pode atingir a vida dos sujeitos, pois compreendem os condicionantes do
processo saúde-doença e oferecem subsídios para a adoção de novos hábitos e
condutas de saúde.18

Conforme, Alves e Aerts19, a educação em saúde como instrumento de repensar o


processo capaz instituir reflexão e consciência crítica nas pessoas sobre as causas de
seus problemas de saúde, de modo que se passe a trabalhar com as pessoas e não mais
para as pessoas. Existem inúmeros meios e estratégias capazes de minimizar o
adoecimento destas pessoas através da educação em saúde, bastam desenvolvê-la.
Cabe ressaltar que trabalhar a educação em saúde somente com os apenados não é
suficiente, é preciso envolver todos os que compõem o sistema penal, entre eles
gestores e agentes penitenciários, para que juntos compreendam a relevância deste
mecanismo na vida e saúde da população apenada. Assim, o perfil de adoecimento é
resultado das condições de vida deficitárias anterior ao regime de reclusão, e
potencializadas na prisão em condições precárias, desumanas, compondo um cenário de
exclusão e desassistência quando inseridos no sistema prisional. Caso as legislações
sanitárias e de direitos existentes vigorassem ter-se-iam melhoras significativas no
atendimento às necessidades de saúde, bem como um perfil de adoecimento menos
danoso à vida humana. As necessidades de saúde são tratadas com paliativos e/ou com
desassistência por parte dos responsáveis legais por sua tutela; nem todos os apenados
reconhecem os motivos de seu adoecimento; poucos recursos humanos e financeiros
existem para garantir ações de promoção à saúde dos apenados e inexistem
intervenções potencializadoras de ações de promoção à saúde e prevenção aos agravos
e doenças. Os resultados geram reflexão e revisão por parte dos profissionais de saúde,
dos profissionais das unidades prisionais e sociedade civil. Quanto a integridade física e
moral dos detentos; os problemas e necessidades de saúde que precisam de
resolubilidade.

Mediante esses pontos faz-se importante reconhecer necessidades em saúde deste


público, para assim poderem atuar de modo mais resolutivo, a partir da discussão e
proposição de opções para que os homens privados de liberdade consigam atender suas
reais necessidades de saúde e modificarem o seu perfil de adoecimento. Enquanto o
sistema prisional brasileiro tiver caráter meramente punitivo acareando os princípios de
direitos constitucionais, o respeito à vida e à dignidade da pessoa humana possibilitará
poucas mudanças no mundo da prisão. É preciso recuperar urgentemente o ideário
ressocializador do sistema prisional, para que o tempo de reclusão possa servir como
reflexão dos homens sobre seus delitos, reestruturando suas vidas com dignidade e
saúde.

Reconheceram-se as necessidades de saúde dos homens privados de liberdade do


Complexo Penal Regional de Pau dos Ferros, a partir da necessidade de garantir a
integridade física e moral dos detentos que estão comprometidas pela vida nas prisões;
os apenados possuem problemas e necessidades de saúde diferenciadas da população
em geral, que precisam de resolubilidade; os apenados diante da vida na prisão têm o
seu processo saúde-doença deteriorado pela simples situação de adentrar no sistema
prisional; os problemas e as necessidades de saúde dos apenados são tratados com
paliativos e/ou com desassistência por parte dos responsáveis legais por sua tutela;
poucos recursos humanos e financeiros existem para garantir ações de saúde dos
apenados; inexistem intervenções e ações de prevenção aos agravos e promoção à
saúde.

A Equipe de Saúde da Família, em especial a enfermagem deve através do cuidado,


assumir um papel transformador e desafiador na vida das pessoas privadas de
liberdade. Podem estar realizando visitas às celas onde moram os apenados a fim de
captar as necessidades individuais e coletivas destes usuários e atuar conjuntamente
com os demais profissionais da equipe de saúde da família na tentativa de satisfazer as
necessidades sociais e de saúde dos apenados. Atentar que atuar na assistência à saúde
do apenado envolve demais pessoas do seu círculo de contatos: agentes, familiares e
comunidade. A enfermagem deve promover ações proteção a saúde, reabilitação do
corpo doente e de promoção à saúde, por meio das atividades educativas junto aos
apenados, ao abordar diversos temas dentre eles, os que envolvem as questões de
saúde. Faz-se necessário que os apenados compreendam as questões que envolvem o
processo adoecer dentro do sistema carcerário. A participação da família é de extrema
importância para o processo de ressocialização, e a enfermagem pode ser um elemento
fundamental de articulação entre o apenado a família e a CPR.É salutar que a
enfermagem precisa romper com os estigmas sociais que envolvem os sujeitos em
cárceres privados, para que ela consiga realizar o cuidado isenta de preconceito, medo,
e de desejo de justiça. Faz-se importante que a enfermagem não negligencie a situação
de precariedade e desassistência vivenciada na realidade da CPR Pau dos Ferros/RN.

As limitações vivenciadas foram conseguir adentra no CPR de Pau dos Ferros/RN, com
necessidade de readequar o cronograma de pesquisa. A coleta de dados ocorreu com o
acompanhamento do agente penitenciário, o que pode ter influenciado os depoimentos
dos apenados ao discorrerem sobre suas necessidades e problemas de saúde. Os
sujeitos pesquisados possuem dificuldades em se expressar. Outros, notadamente
evidenciavam desconforto pelo uso das algemas, que não podiam ser retiradas sequer
no momento da assinatura do TCLE, de acordo com as normas de segurança do
Complexo Prisional.

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