Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Atenção à saúde
DE EDUCAÇÃO da pessoa privada
PERMANENTE de liberdade
EM SAÚDE
DA FAMÍLIA
UNIDADE
Saúde mental de
4
pessoas privadas de
liberdade
Chegamos a última unidade deste módulo e esperamos que você esteja aproveitando até
aqui. Nessa unidade abordaremos um assunto de grande relevância epidemiológica e social:
a saúde mental das pessoas privadas de liberdade. Esse assunto já foi suscitado em outras
aulas neste módulo, mas considerando as especificidades no cuidado em saúde mental,
optamos por detalhá-lo melhor nesta unidade.
Nesse contexto, pesquisas demonstram que as taxas de transtornos mentais são mais ele-
vadas em pessoas privadas de liberdade, quando comparados com a comunidade em geral
(AUDI et al., 2016). No Brasil, o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias não
oferece informações acerca do número de pessoas privadas de liberdade diagnosticadas
com transtornos mentais, limitando-se ao número de internos nos Institutos de Psiquiatria
Forense. Todavia, um estudo desenvolvido por Andreoli et al. (2012) projetou que existem
aproximadamente 60 mil presidiários com transtornos mentais graves no Brasil.
Para facilitar sua compreensão sobre os transtornos mentais que acometem as pessoas em
privação de liberdade segue o quadro abaixo:
Quadro 1 – Demonstrativo com alguns dados epidemiológicos sobre a saúde mental de pessoas
privadas de liberdade.
Como você pode observar no quadro acima, as mulheres encarceradas são mais vulneráveis
aos transtornos mentais que os homens. Mas, você sabia que tanto os fatores que predispõe
o surgimento desses transtornos, quanto os protetores divergem entre homens e mulheres?
FATORES PROTETORES AO
FATORES QUE PREDISPÕEM O
SURGIMENTO DE TRANSTORNOS
SURGIMENTO DE TRANSTORNOS MENTAIS
MENTAIS
HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES
– Tempo de pena* – Ruptura dos vínculos – Trabalho na prisão – Manutenção dos
familiares vínculos familiares
– Ruptura do vínculo – Possuir uma religião
familiar
– Ambiente insalubre
Quadro 2 – Fatores que predispõem e que protegem quanto ao surgimento dos transtornos mentais.
É possível inferir que a ruptura ou a manutenção dos vínculos familiares sejam tão impac-
tantes para mulheres privadas de liberdade, em decorrência do histórico de abandono
vivenciado pela grande maioria delas. Você recorda que fizemos essa discussão na Unidade
III desse módulo?
No campo dos estudos sobre a saúde mental de pessoas privadas de liberdade, destaca-se
o estudo de Coelho (2009), o qual traz como contribuição a representação social e o signifi-
cado da normalidade/ saúde mental e da anormalidade/doença mental na perspectiva das
pessoas em conflito com a lei. Esses achados são relevantes para os profissionais de saúde
e podem contribuir para o delineamento das propostas terapêuticas para esses indivíduos.
Outro aspecto importante suscitado pelo estudo de Coelho (2009) é a associação entre violên-
cia e anormalidade, o que nos remete a um antigo e recorrente questionamento: o ambiente
prisional propicia o surgimento dos transtornos mentais ou as pessoas que acabam por
transgredir as leis o fazem em decorrência de transtornos mentais pregressos?
A resposta é afirmativa para ambas as opções, inclusive a seguir discutiremos acerca dos
espaços de custódia e tratamento ofertados as pessoas que cometem delitos associados
a transtornos mentais. Vamos lá?!
Finalizamos essa aula lembrando que a equipe da situação problema deste módulo deverá
ter a percepção acerca da saúde mental dos indivíduos do ambiente prisional, inclusive pode
buscar parcerias junto a outros pontos da Redes de Atenção à Saúde, como o CAPS e o NASF.
Agora que você já conhece as principais demandas de saúde mental das pessoas privadas de
liberdade, seguiremos nossos estudos conhecendo um espaço de interseção entre a peni-
tenciária e o hospital psiquiátrico: o Instituto de Psiquiatria Forense. Inicialmente, é preciso
pontuar que dentre a população prisional, historicamente estigmatizada, destacam-se os
excluídos dentre os excluídos, a saber: as pessoas com transtorno mental autoras de delitos
(SILVA; BRANDI, 2014).
Sob a ótica jurídica, a pessoa com transtorno mental que comete um crime não pode ser
considerada autora do ato, pela incapacidade de distinguir o caráter ilícito das próprias
ações. Nessas circunstâncias, determina-se a absolvição com aplicação de Medida de Segu-
rança (MS) de prazo indeterminado, que possui caráter preventivo e assistencial, podendo
ser cumprida em regime ambulatorial ou internação em manicômio judiciário, para pro-
teção da sociedade e do próprio indivíduo contra a ameaça presumida da doença mental
(SANTANA; CHIANCA; CARDOSO, 2011).
Desse modo, a MS difere da pena (medida imposta pela justiça para indivíduos que se encon-
tram em cadeias comuns) por alguns motivos: a pena tem caráter punitivo, enquanto a medi-
da de segurança tende a se apresentar de forma mais preventiva; a aplicação da pena dá-se
por meio da culpa, enquanto a medida de segurança opera em função da periculosidade,
pela falta de entendimento que a pessoa tem em relação ao caráter ilícito do seu ato crimino-
so; e por fim, a pena tem uma duração preestabelecida e não modificável, enquanto a medi-
da de segurança tem seu tempo indeterminado, pois depende da evolução do tratamento
da pessoa; portanto é passível de renovação anual (MARAFIGA; COELHO; TEODORO, 2009).
O nascimento do manicômio judiciário remonta do final do século XIX, na Inglaterra, por meio
da intersecção entre a psiquiatria, o direito positivo e antropologia criminal na busca por uma
tipologia para o louco que pudesse servir de prevenção para violência (FOUCAULT, 2002).
Outrora, havia apenas anexos especiais a alguns presídios para a reclusão e tratamento dos
No Brasil, desde 1890, o Código Penal previa que as pessoas com transtorno mental eram
penalmente irresponsáveis e deveriam ser entregues às suas famílias ou internadas nos hos-
pícios públicos, se assim “exigisse” a segurança dos cidadãos. Porém, apenas em 1921 é inau-
gurado o Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro – a primeira instituição do gênero no país
– servindo de modelo para construção de outros estabelecimentos semelhantes em todo
território nacional (SANTOS; SEGUNDO, 2014). A partir de 1984, em cumprimento a Reforma
da Legislação Penal brasileira, os então manicômios judiciários passaram a ser designados
Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP). Posteriormente, em 2002, passaram
a ser chamados de Institutos de Psiquiatria Forense (VALENTE; SANTOS, 2014).
No Brasil, segundo dados do Infopen (BRASIL, 2014b), aproximadamente 2864 pessoas estão
privadas de liberdade por medida de segurança. E, apesar do quantitativo relativamente
pequeno, quando comparado ao total de pessoas privadas de liberdade em penitenciarias
no país, tal realidade configura-se em um híbrido do “pior da prisão com o pior do hospital”,
contrariando frontalmente as demais políticas de saúde brasileiras, bem como os direitos
humanos (BRASIL, 2014a, 2015).
Vamos agora refletir sobre as divergências entre os Institutos de Psiquiatria Forense e a RP.
De acordo com Silva (2010), a manutenção das pessoas com transtornos mentais autoras de
delitos em instituições manicomiais viola frontalmente os direitos a eles garantidos constitu-
cionalmente por meio da Lei 10.216/01, além de descumprir o modelo assistencial apregoado
pela RP. Ademais, pode ser considerado crime de tortura, pois ser inimputável, não ter direito
de autoria das próprias palavras e ações, é ser condenado ao sepulcro do silêncio no exílio
social eterno, o que descumpre as exigências impostas pelos direitos humanos: dar direito
de responder pelos crimes e receber tratamento (SANTANA; CHIANCA; CARDOSO, 2011).
Você já havia pensado sobre essa realidade? Sigamos nossos estudos e até a próxima aula!
Vamos iniciar essa aula refletindo sobre o papel da equipe da nossa situação problema.
Ressaltamos que toda equipe precisa conhecer o perfil epidemiológico da população do seu
território, bem como, reconhecer as necessidades de saúde mental, e não é diferente com
a população privada de liberdade inserida em determinado território. Partindo da compre-
ensão de que os espaços de confinamento tanto predispõem, quanto potencializam o sur-
gimento dos transtornos mentais, emerge, em meados da década de 1970, o movimento da
Reforma Psiquiátrica Brasileira, com o propósito de substituir os manicômios, por uma rede
de cuidado de atenção psicossocial, de base comunitária (OLIVEIRA; PADILHA; OLIVEIRA, 2011).
Nesse contexto, os Institutos de Psiquiatria Forense têm sido alvo de críticas e, notoriamen-
te, não têm alcançado os propósitos de tratamento e ressocialização a que se propõem,
como já foi apresentado na aula anterior. Atento a tais demandas, o Ministério da Saúde
propôs a criação do Serviço de Avaliação e Acompanhamento das Medidas Terapêuticas
Aplicáveis à Pessoa com Transtorno Mental em Conflito com a Lei (EAP).
Desse modo, cabe aos profissionais da ESF prestar assistência as pessoas privadas de liber-
dade de seu território de abrangência. Ressaltamos a necessidade da adequação entre o pro-
cesso de trabalho dos profissionais de saúde e a logística do sistema prisional, para garantir
a resolutividade das ações, sem prejuízos aos envolvidos, e em cumprimento às políticas
públicas vigentes.
Você deve lembrar que o cuidado em saúde mental estendido às pessoas privadas de liber-
dade deve fundamentar-se em três potentes ferramentas: o Projeto Terapêutico Singular;
Matriciamento em Saúde Mental e Estratégias de Redução de Danos (BRASIL, 2013a).
Figura 4 – Ferramentas de cuidado em saúde mental utilizadas com pessoas privadas de liberdade.
Conclui-se que a assistência em saúde mental é urgente no ambiente prisional, tanto pela
alta prevalência desses transtornos em indivíduos encarcerados, quanto pelo fato das pou-
cas estratégias de cuidado limitarem-se a medicalização com psicotrópicos (VILARINS, 2014).
Você recorda que na situação problema nenhuma estratégia de saúde mental foi menciona-
da pelos profissionais da ESF?
Por fim, esperamos que ao final dessa breve discussão você se sinta mais instrumentali-
zado para acolher as demandas de saúde mental das pessoas privadas de liberdade sob
seu cuidado.
Boa sorte!