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PROGRAMA Módulo:

Atenção à saúde
DE EDUCAÇÃO da pessoa privada
PERMANENTE de liberdade
EM SAÚDE
DA FAMÍLIA

UNIDADE
Saúde mental de
4
pessoas privadas de
liberdade

Lannuzya Veríssimo e Oliveira


Mayara Lima Barbosa
Saúde mental de pessoas privadas de
liberdade

Caro (a) aluno (a),

Chegamos a última unidade deste módulo e esperamos que você esteja aproveitando até
aqui. Nessa unidade abordaremos um assunto de grande relevância epidemiológica e social:
a saúde mental das pessoas privadas de liberdade. Esse assunto já foi suscitado em outras
aulas neste módulo, mas considerando as especificidades no cuidado em saúde mental,
optamos por detalhá-lo melhor nesta unidade.

Você concorda que o ambiente reconhecidamente insalubre do cárcere, favorece não só o


adoecimento físico, mas também mental das pessoas privadas de liberdade? E que por sua
vez o adoecimento mental pode interferir negativamente no processo de ressocialização
desses sujeitos?

Acreditando que você respondeu positivamente aos questionamentos anteriores, te convida-


dos a conhecer as principais demandas de saúde mental das pessoas privadas de liberdade;
em seguida, apresentaremos alguns aspectos importantes sobre o Instituto de Psiquiatria
Forense. Por fim, refletiremos sobre o papel da equipe da ESF no acolhimento e cuidado as
demandas de saúde mental de pessoas privadas de liberdade. Vamos lá?

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UNIDADE 4
Aula 1 – Principais demandas de saúde
mental de pessoas privadas de liberdade

Como já discutimos anteriormente, as prisões brasileiras são marcadas por um conjunto de


carências de natureza estrutural e processual que afetam de forma direta os resultados pro-
duzidos em relação à pretendida ressocialização dos reclusos e à sua saúde. Estudos mos-
tram que aspectos como ócio, superlotação, pouca quantidade de profissionais dedicados
à saúde, ao serviço social e à educação, além de arquitetura precária e ambiente insalubre,
alimentam o estigma e atuam como potencializadores de diferentes iniquidades e enfermi-
dades (CONSTANTINO; ASSIS; PINTO, 2016).

Nesse contexto, pesquisas demonstram que as taxas de transtornos mentais são mais ele-
vadas em pessoas privadas de liberdade, quando comparados com a comunidade em geral
(AUDI et al., 2016). No Brasil, o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias não
oferece informações acerca do número de pessoas privadas de liberdade diagnosticadas
com transtornos mentais, limitando-se ao número de internos nos Institutos de Psiquiatria
Forense. Todavia, um estudo desenvolvido por Andreoli et al. (2012) projetou que existem
aproximadamente 60 mil presidiários com transtornos mentais graves no Brasil.

Para facilitar sua compreensão sobre os transtornos mentais que acometem as pessoas em
privação de liberdade segue o quadro abaixo:

Assunto Principal Dados epidemiológicos


Prevalência de transtornos Um estudo em penitenciárias da região sul do Brasil
mentais: comparativo entre identificou que a maioria dos transtornos mentais é
homens e mulheres mais prevalente em mulheres, do que em homens,
exceto transtorno do pânico e ideação suicida. Sendo
os transtornos mais comuns entre homens e mulheres:
transtornos por uso de substâncias psicotrópicas (90%),
transtornos de humor (54%), transtornos psicóticos (35%),
transtorno de personalidade antissocial (35%) e atenção e
hiperatividade (22%) (SILVA et al., 2011).
Medicação Psicotrópica Nas penitenciárias femininas, do Estado da Paraíba, 40,7%
das apenadas fazem uso de medicação psicotrópica
(OLIVEIRA et al., 2013).
Transtornos Mentais Comuns Um estudo realizado sobre as condições de saúde em
(TMC) penitenciárias femininas, identificou que os Transtornos
Mentais Comuns (depressão não-psicótica, ansiedade
e sintomas somatoformes) foram os mais prevalentes
nessa população, superando inclusive as doenças
infectocontagiosas (AUDI et al., 2016).

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UNIDADE 4
Transtornos de Estresse Pós- São altas as taxas de Transtorno de Estresse Pós-Traumático
Traumático (TEPT) na população encarcerada, acrescente-se que os traumas
relatados ocorreram no ambiente prisional, relacionados
principalmente à violência institucional (QUITETE et al., 2012).
Transtornos relacionados ao São frequentes os transtornos relacionados ao uso de
álcool e outras drogas drogas dentre as pessoas privadas de liberdade. Destaca-se
que, comumente, o início do uso de álcool e outras drogas
precede o aprisionamento. Um estudo realizado em Porto
Alegre, com pacientes psiquiátricos que já tiveram passagem
por instituições prisionais, identificou que a porcentagem
de uso drogas no cárcere chega a 40% (LERMEN, DATORA,
CAPRA-RAMOS, 2014). Tais dados coadunam com estudo
de Almeida et al. (2016), o qual sinaliza a relevância das
condições biopsicossociais pré- encarceramento e a situação
de saúde da população carcerária.

Quadro 1 – Demonstrativo com alguns dados epidemiológicos sobre a saúde mental de pessoas
privadas de liberdade.

Como você pode observar no quadro acima, as mulheres encarceradas são mais vulneráveis
aos transtornos mentais que os homens. Mas, você sabia que tanto os fatores que predispõe
o surgimento desses transtornos, quanto os protetores divergem entre homens e mulheres?

FATORES PROTETORES AO
FATORES QUE PREDISPÕEM O
SURGIMENTO DE TRANSTORNOS
SURGIMENTO DE TRANSTORNOS MENTAIS
MENTAIS
HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES
– Tempo de pena* – Ruptura dos vínculos – Trabalho na prisão – Manutenção dos
familiares vínculos familiares
– Ruptura do vínculo – Possuir uma religião
familiar

– Ambiente insalubre

*Penas muito longas estão associados à prevalência de transtornos mentais

Quadro 2 – Fatores que predispõem e que protegem quanto ao surgimento dos transtornos mentais.

Fonte: Adaptado de Constantino, Assis e Pinto (2016).

É possível inferir que a ruptura ou a manutenção dos vínculos familiares sejam tão impac-
tantes para mulheres privadas de liberdade, em decorrência do histórico de abandono
vivenciado pela grande maioria delas. Você recorda que fizemos essa discussão na Unidade
III desse módulo?

No campo dos estudos sobre a saúde mental de pessoas privadas de liberdade, destaca-se
o estudo de Coelho (2009), o qual traz como contribuição a representação social e o signifi-
cado da normalidade/ saúde mental e da anormalidade/doença mental na perspectiva das
pessoas em conflito com a lei. Esses achados são relevantes para os profissionais de saúde
e podem contribuir para o delineamento das propostas terapêuticas para esses indivíduos.

Segundo a investigação supracitada, as pessoas em conflito com a lei associaram a anorma-


lidade e doença mental à violência criminal. Todavia, embora estivessem presos por terem
cometido atos violentos, afirmaram possuir saúde mental. Você ficou curioso para entender

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UNIDADE 4
as concepções desses sujeitos sobre saúde/doença mental? Então, veja as figuras a seguir:

Figura 1 – Concepções de anormalidade e doença mental.

Fonte: adaptado de Coelho (2009).

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Figura 2 – Concepções de normalidade e saúde mental.

Fonte: adaptado de Coelho (2009).

Outro aspecto importante suscitado pelo estudo de Coelho (2009) é a associação entre violên-
cia e anormalidade, o que nos remete a um antigo e recorrente questionamento: o ambiente
prisional propicia o surgimento dos transtornos mentais ou as pessoas que acabam por
transgredir as leis o fazem em decorrência de transtornos mentais pregressos?

A resposta é afirmativa para ambas as opções, inclusive a seguir discutiremos acerca dos
espaços de custódia e tratamento ofertados as pessoas que cometem delitos associados
a transtornos mentais. Vamos lá?!

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Quer saber mais sobre as demandas de saúde mental nas penitenciá-
rias? Sugerimos a reportagem “Assistência Psiquiátrica nos presídios”.
Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=b63RnXNVFTY>

Finalizamos essa aula lembrando que a equipe da situação problema deste módulo deverá
ter a percepção acerca da saúde mental dos indivíduos do ambiente prisional, inclusive pode
buscar parcerias junto a outros pontos da Redes de Atenção à Saúde, como o CAPS e o NASF.

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UNIDADE 4
Aula 2 – O Instituto de Psiquiatria
Forense

Agora que você já conhece as principais demandas de saúde mental das pessoas privadas de
liberdade, seguiremos nossos estudos conhecendo um espaço de interseção entre a peni-
tenciária e o hospital psiquiátrico: o Instituto de Psiquiatria Forense. Inicialmente, é preciso
pontuar que dentre a população prisional, historicamente estigmatizada, destacam-se os
excluídos dentre os excluídos, a saber: as pessoas com transtorno mental autoras de delitos
(SILVA; BRANDI, 2014).

Sob a ótica jurídica, a pessoa com transtorno mental que comete um crime não pode ser
considerada autora do ato, pela incapacidade de distinguir o caráter ilícito das próprias
ações. Nessas circunstâncias, determina-se a absolvição com aplicação de Medida de Segu-
rança (MS) de prazo indeterminado, que possui caráter preventivo e assistencial, podendo
ser cumprida em regime ambulatorial ou internação em manicômio judiciário, para pro-
teção da sociedade e do próprio indivíduo contra a ameaça presumida da doença mental
(SANTANA; CHIANCA; CARDOSO, 2011).

Desse modo, a MS difere da pena (medida imposta pela justiça para indivíduos que se encon-
tram em cadeias comuns) por alguns motivos: a pena tem caráter punitivo, enquanto a medi-
da de segurança tende a se apresentar de forma mais preventiva; a aplicação da pena dá-se
por meio da culpa, enquanto a medida de segurança opera em função da periculosidade,
pela falta de entendimento que a pessoa tem em relação ao caráter ilícito do seu ato crimino-
so; e por fim, a pena tem uma duração preestabelecida e não modificável, enquanto a medi-
da de segurança tem seu tempo indeterminado, pois depende da evolução do tratamento
da pessoa; portanto é passível de renovação anual (MARAFIGA; COELHO; TEODORO, 2009).

A medida de segurança, desse modo, configura-se como um instrumento legal, imposto


ao indivíduo considerado inimputável, a saber, aquele que, em função de doença mental,
desenvolvimento mental incompleto ou retardado, ou mesmo por perturbação da saúde
mental, não responde judicialmente pelos seus atos (BRASIL, 1984). Tal procedimento pas-
sou a ocorrer a partir do entendimento que a pessoa com transtorno mental delituosa não
poderia ser considerada culpada pelos seus atos criminosos em função de sua psicopato-
logia, acrescido da constatação de que esses indivíduos não poderiam receber tratamento
adequado para seus casos na convivência com criminosos em cadeias comuns, surgindo,
dessa maneira, locais específicos para custodiar/tratar esse segmento da população:
os manicômios judiciários (MARAFIGA; COELHO; TEODORO, 2009).

O nascimento do manicômio judiciário remonta do final do século XIX, na Inglaterra, por meio
da intersecção entre a psiquiatria, o direito positivo e antropologia criminal na busca por uma
tipologia para o louco que pudesse servir de prevenção para violência (FOUCAULT, 2002).
Outrora, havia apenas anexos especiais a alguns presídios para a reclusão e tratamento dos

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“delinquentes loucos” ou dos condenados que enlouqueciam nas prisões (SANTOS; FARIAS,
2014; SANTOS; SEGUNDO, 2014).

No Brasil, desde 1890, o Código Penal previa que as pessoas com transtorno mental eram
penalmente irresponsáveis e deveriam ser entregues às suas famílias ou internadas nos hos-
pícios públicos, se assim “exigisse” a segurança dos cidadãos. Porém, apenas em 1921 é inau-
gurado o Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro – a primeira instituição do gênero no país
– servindo de modelo para construção de outros estabelecimentos semelhantes em todo
território nacional (SANTOS; SEGUNDO, 2014). A partir de 1984, em cumprimento a Reforma
da Legislação Penal brasileira, os então manicômios judiciários passaram a ser designados
Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP). Posteriormente, em 2002, passaram
a ser chamados de Institutos de Psiquiatria Forense (VALENTE; SANTOS, 2014).

No Brasil, segundo dados do Infopen (BRASIL, 2014b), aproximadamente 2864 pessoas estão
privadas de liberdade por medida de segurança. E, apesar do quantitativo relativamente
pequeno, quando comparado ao total de pessoas privadas de liberdade em penitenciarias
no país, tal realidade configura-se em um híbrido do “pior da prisão com o pior do hospital”,
contrariando frontalmente as demais políticas de saúde brasileiras, bem como os direitos
humanos (BRASIL, 2014a, 2015).

Vamos agora refletir sobre as divergências entre os Institutos de Psiquiatria Forense e a RP.

Figura 3 – Divergências entre os Institutos de Psiquiatria Forense e a RP.

Tais instituições, historicamente negligenciadas e esquecidas, tornaram-se alvo de críticas


com o advento da Reforma Psiquiátrica (RP) ocorrida no Brasil em meados da década de
1980, quando emergiu a proposta de substituição do modelo manicomial por uma rede de
serviços territoriais de atenção psicossocial de base comunitária, capaz de superar a dico-
tomia do binômio indivíduo/sociedade, salvaguardando os direitos humanos por meio
da desinstitucionalização (BARROS-BRISSET, 2010; OLIVEIRA; PADILHA; OLIVEIRA, 2011).
Direitos esses que devem ser assegurados independentemente de ser paciente e/ou autor
de delitos (SILVA; BRANDI, 2014).

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A Reforma Psiquiátrica Brasileira consiste em um amplo e progres-
sivo deslocamento do centro do cuidado para fora do hospital, em
direção à comunidade. Trata-se de um movimento social deflagrado
em 1978 sob o lema “Por uma sociedade sem manicômios”, que para
além de denunciar os manicômios como instituições de violências,
propõe a construção de uma rede de serviços e estratégias territoriais
e comunitárias, profundamente solidárias, inclusivas e libertárias.

De acordo com Silva (2010), a manutenção das pessoas com transtornos mentais autoras de
delitos em instituições manicomiais viola frontalmente os direitos a eles garantidos constitu-
cionalmente por meio da Lei 10.216/01, além de descumprir o modelo assistencial apregoado
pela RP. Ademais, pode ser considerado crime de tortura, pois ser inimputável, não ter direito
de autoria das próprias palavras e ações, é ser condenado ao sepulcro do silêncio no exílio
social eterno, o que descumpre as exigências impostas pelos direitos humanos: dar direito
de responder pelos crimes e receber tratamento (SANTANA; CHIANCA; CARDOSO, 2011).

Todavia, contrariando a desinstitucionalização apregoada pela RP, verifica-se o crescente


processo de “psiquiatrização” dirigido, sobretudo, a jovens infratores com diagnóstico de
transtornos mentais, o que fomenta a construção e/ou manutenção de manicômios judiciá-
rios no Brasil (VICENTIN; GRAMKOW; ROSA, 2010).

Assim, os Institutos de Psiquiatria Forense são, notoriamente, instituições complexas, que


conseguem articular, de um lado, duas das realidades mais deprimentes das sociedades
modernas – o asilo de alienados e a prisão – e, de outro, dois dos fantasmas mais trágicos
que “perseguem” a todos: o criminoso e o louco (VENTURI; CASAGRANDE; TORESINI, 2012).
A superação dessa realidade nefasta requer mudanças estruturais e culturais de caráter
intersetorial, que têm sua base primária na reestruturação da assistência em saúde mental
aos portadores de transtorno autores de delitos, bem como a suas famílias (VENTURI, 2010).

Reconhecendo as dificuldades em assegurar os direitos à saúde dessa população, o Sis-


tema Único de Saúde (SUS) instituiu, em 2014, o serviço de avaliação e acompanhamento
de medidas terapêuticas aplicáveis à pessoa com transtorno mental em conflito com a Lei,
vinculado à Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade
no Sistema Prisional (PNAISP) (BRASIL, 2014a). Todavia, estudos apontam que a proposta da
RP, no tocante a desconstrução do agir institucional e da segregação, não tem alcançado os
indivíduos que estão sob custódia do Estado nessas instituições (OLIVEIRA; ARRAES, 2011).
Até porque tais instituições possuem, em sua essência, características paradoxais e incom-
patíveis, uma vez que agrupam não só características hospitalares como equipe de saúde,
enfermarias, postos de enfermagem, salas de atendimento médico e proposta terapêutica,
mas também características de presídio, simbolizadas pelo sistema de segurança composto
de equipe de guardas, muros altos com arame, portões de ferro, grades em portas, janelas
e cadeados (VALENTE; SANTOS, 2014).

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O descumprimento das propostas terapêuticas dos institutos de psiquiatria forense é sina-
lizado em estudo de Coelho (2009) que, ao descrever o perfil dos internos suicidas do Ins-
tituto Psiquiátrico Forense (IPF) de Porto Alegre, entre os anos de 1985 a 2004, identifica a
falta de suporte social e familiar, o sentimento de rejeição, tristeza, a desesperança e a falta
de perspectivas futuras como principais motivadores do suicídio. Soma-se a esse contexto
o estudo desenvolvido por Moscatello (2001), que encontrou uma taxa de 59% de recidiva
criminal em população de um Instituto de Psiquiatria Forense, essa taxa associa-se, dentre
outros fatores, à ausência de suporte psiquiátrico adequado em rede ambulatorial e hospi-
talar, à rejeição familiar e ao abuso de álcool e/ou outras drogas.

É válido ressaltar que apesar da existência de profissionais de saúde nos Institutos de


Psiquiatria Forense, tais profissionais não conseguem garantir a oferta de cuidados inte-
grais aos internos. Assim, faz-se necessário reforçar o comprometimento de outros pontos
da RAS, dentre esses a ESF, na corresponsabilização pelo cuidado dessa clientela.

Você já havia pensado sobre essa realidade? Sigamos nossos estudos e até a próxima aula!

Para melhor compreender como vivem os internos em um


Instituto de Psiquiatria Forense, assista ao Documentário “ A
casa dos Mortos”. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?time_continue=2&v=noZXWFxdtNI>.

Sobre a crítica Prisão Perpétua no Brasil, assista ao trecho do docu-


mentário “Exército de um homem só”. Disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?time_continue=13&v=HaYuwylx1x8>.

Para mais informações sobre os Manicômios Judiciários, consultar


o livro “Inspeção aos Manicômios – Relatório Brasil 2015/Conselho
Federal de Psicologia – Disponível em: <http://pfdc.pgr.mpf.
mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude-mental/
inspecoes-aos-manicomios-cfp-2015>.

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Aula 3 – O papel da equipe da ESF no
acolhimento e cuidado as demandas de
saúde mental de pessoas privadas de
liberdade

Vamos iniciar essa aula refletindo sobre o papel da equipe da nossa situação problema.
Ressaltamos que toda equipe precisa conhecer o perfil epidemiológico da população do seu
território, bem como, reconhecer as necessidades de saúde mental, e não é diferente com
a população privada de liberdade inserida em determinado território. Partindo da compre-
ensão de que os espaços de confinamento tanto predispõem, quanto potencializam o sur-
gimento dos transtornos mentais, emerge, em meados da década de 1970, o movimento da
Reforma Psiquiátrica Brasileira, com o propósito de substituir os manicômios, por uma rede
de cuidado de atenção psicossocial, de base comunitária (OLIVEIRA; PADILHA; OLIVEIRA, 2011).

Nesse contexto, os Institutos de Psiquiatria Forense têm sido alvo de críticas e, notoriamen-
te, não têm alcançado os propósitos de tratamento e ressocialização a que se propõem,
como já foi apresentado na aula anterior. Atento a tais demandas, o Ministério da Saúde
propôs a criação do Serviço de Avaliação e Acompanhamento das Medidas Terapêuticas
Aplicáveis à Pessoa com Transtorno Mental em Conflito com a Lei (EAP).

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Pautar a saúde mental no sistema prisional no país implica redire-
cionar os modelos de atenção à saúde, resgatando os princípios
do SUS, a partir da substituição das atuais modalidades de medida
de segurança, como as alas de tratamento psiquiátrico em presídios
e/ou hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico, por medidas
terapêuticas de bases comunitárias, de modo a evitar o tratamento
em meio fechado e garantir o retorno à liberdade. Considerando essa
premissa, o Ministério da Saúde trabalhou na construção de normas
próprias para a atenção às pessoas com transtorno mental em conflito
com a lei e, em 14 de janeiro de 2014, instituiu o Serviço de Avaliação
e Acompanhamento das Medidas Terapêuticas Aplicáveis à Pessoa
com Transtorno Mental em Conflito com a Lei (EAP).

O referido serviço é composto por equipes que cumprirão carga


horária de 30 horas semanais e serão compostas por cinco profis-
sionais: enfermeiro, médico psiquiatra ou médico com experiência
em saúde mental, psicólogo, assistente social e um profissional com
formação em ciências humanas, sociais ou da saúde, como advo-
gado, pedagogo, farmacêutico, pesquisador em ciência da saúde,
pesquisador em ciências sociais e humanas, sociólogo, terapeuta
ocupacional e antropólogo. As equipes deverão realizar suas ati-
vidades em unidades básicas de saúde, policlínica, unidade móvel
fluvial, centro especializado, unidade móvel terrestre, hospital dia,
secretaria de saúde ou centro de atenção psicossocial, não podendo
ser desenvolvidas nas unidades prisionais.

Esse serviço tem como função garantir a individualização das medi-


das terapêuticas, de acordo com as singularidades e as necessidades
de cada caso, viabilizando o acesso e a qualidade do tratamento, assim
como o acompanhamento da sua execução em todas as fases do
processo criminal. Não se trata de uma equipe assistencialista ou de
perícia, sua incumbência reside na realização de ações de fechamento
da “porta de entrada” dos espaços manicomiais judiciários e no pro-
cesso de desinstitucionalização das pessoas com transtorno mental
em conflito com a lei, tendo o judiciário como principal demandante
e a saúde como gestora desse serviço (BRASIL, 2014a).

Porém, é preciso considerar que as equipes dos Serviços de Avaliação e Acompanhamento


das Medidas Terapêuticas Aplicáveis à Pessoa com Transtorno Mental em Conflito com a Lei
(EAP) serão responsáveis unicamente por pessoas consideradas inimputáveis. Então, quem
se responsabiliza pelo cuidado em saúde mental das pessoas em privação de liberdade,
durante o cumprimento da pena? Você já pensou sobre isso? Recordemos que a saúde men-
tal das pessoas privadas de liberdade durante o cumprimento da pena é responsabilidade
de todos os profissionais da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) (BRASIL, 2011c).

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A Rede de Atenção Psicossocial, ou RAPS foi instituída com a Portaria
nº 3088 de 23 de dezembro de 2011, com republicação em 21 de maio
de 2013. E dispõe sobre a criação, ampliação e articulação de pontos
de atenção à saúde para pessoas com sofrimento ou transtorno men-
tal e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras
drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde. A RAPS é dividida
pelos seguintes componentes: Atenção Básica em Saúde; Atenção
Psicossocial Estratégica; Atenção de Urgência e Emergência; Atenção
residencial de caráter transitório; Atenção hospitalar; Estratégias
de desinstitucionalização; Estratégias de reabilitação psicossocial
(BRASIL, 2011c).

Desse modo, cabe aos profissionais da ESF prestar assistência as pessoas privadas de liber-
dade de seu território de abrangência. Ressaltamos a necessidade da adequação entre o pro-
cesso de trabalho dos profissionais de saúde e a logística do sistema prisional, para garantir
a resolutividade das ações, sem prejuízos aos envolvidos, e em cumprimento às políticas
públicas vigentes.

Você deve lembrar que o cuidado em saúde mental estendido às pessoas privadas de liber-
dade deve fundamentar-se em três potentes ferramentas: o Projeto Terapêutico Singular;
Matriciamento em Saúde Mental e Estratégias de Redução de Danos (BRASIL, 2013a).

Vamos ver mais detalhadamente cada uma dessas três ferramentas?

Figura 4 – Ferramentas de cuidado em saúde mental utilizadas com pessoas privadas de liberdade.

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UNIDADE 4
Agora vamos discutir um pouco sobre cada um:

• Notas sobre o Projeto Terapêutico Singular (PTS)


O PTS pode ser definido como uma estratégia de cuidado que articula
um conjunto de ações resultantes da discussão e da construção coletiva
de uma equipe multidisciplinar e leva em conta as necessidades, as
expectativas, as crenças e o contexto social da pessoa ou do coletivo
para o qual está dirigido (BRASIL, 2013a).

• Notas sobre Redução de Danos


A redução de danos é uma estratégia utilizada no tratamento de usu-
ários de álcool e outras drogas, cujo objetivo é minimizar os danos
que essas produzem. Essa abordagem reconhece cada indivíduo em
suas singularidades, e exige do profissional de saúde habilidades e
competências para que possa traçar, juntamente com os usuários de
álcool e outras drogas, estratégias para melhoria de sua qualidade de
vida, estimulando-os a tornarem-se protagonistas dos seus projetos
terapêuticos (DIAS; PASSOS; SILVA, 2016; GRYSCHEK; PINTO, 2015).
Evidentemente, por questões jurídicas algumas estratégias de RD
não são exequíveis no âmbito prisional, mas o exercício da escuta
qualificada e cuidado integral proposto pela RD se estende às pessoas
privadas de liberdade.

• Notas sobre Matriciamento


Matriciamento ou apoio matricial é um novo modo de produzir saúde
em que duas ou mais equipes, num processo de construção compar-
tilhada, criam uma proposta de intervenção pedagógico-terapêutica
(BRASIL, 2013a).

Conclui-se que a assistência em saúde mental é urgente no ambiente prisional, tanto pela
alta prevalência desses transtornos em indivíduos encarcerados, quanto pelo fato das pou-
cas estratégias de cuidado limitarem-se a medicalização com psicotrópicos (VILARINS, 2014).
Você recorda que na situação problema nenhuma estratégia de saúde mental foi menciona-
da pelos profissionais da ESF?

Por fim, esperamos que ao final dessa breve discussão você se sinta mais instrumentali-
zado para acolher as demandas de saúde mental das pessoas privadas de liberdade sob
seu cuidado.

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Algumas considerações finais
Chegamos ao final do módulo Atenção à Saúde da Pessoa Privada de Liberdade, cientes
de que essa temática requer aprofundamento constante, mas esperançosos de que os
conhecimentos aqui abordados contribuirão com sua prática profissional, e consequente-
mente com a consolidação da cidadania no contexto da estrutura jurídico-policial e do SUS.
Desejamos que você continue empenhado nos estudos!

Boa sorte!

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