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ISSN: 1981-8963 https://doi.org/10.

5205/1981-8963-v12i8a234776p2089-2098-2018

Silva TCMF, Marcolan JF. Preconceito aos indivíduos com transtorno mental...

ARTIGO ORIGINAL
PRECONCEITO AOS INDIVÍDUOS COM TRANSTORNO MENTAL COMO AGRAVO
DO SOFRIMENTO
PREVENTING INDIVIDUALS WITH MENTAL DISORDERS AS A GRIEVANCE OF SUFFERING
PERJUICIO A LOS INDIVIDUOS CON TRANSTORNO MENTAL COMO AGRAVO DEL SUFRIMIENTO
Talita Cristina Marques Franco Silva1, João Fernando Marcolan2
RESUMO
Objetivo: analisar a percepção dos indivíduos com transtornos mentais sobre o preconceito, fatores,
sofrimento psíquico gerado e o enfrentamento. Método: estudo qualitativo, exploratório e descritivo. Foram
entrevistados, com a aplicação de questionário semiestruturado, 21 participantes atendidos em uma Unidade
Básica de Saúde. O processamento e a análise de dados se deram a partir da pré-análise, exploração do
material, tratamento dos resultados, inferência e interpretação. Resultados: o preconceito e o estigma
vieram dos diversos atores e contextos sociais, sendo que o advindo do meio familiar causou maior sofrimento
ou agravo ao quadro instalado. Conclusão: os participantes relataram o sofrimento causado pelo preconceito.
A falta de conhecimento sobre o transtorno mental foi a principal causa do preconceito e o enfrentamento
ocorreu por meio de isolamento social, atividades laborais ou cotidianas. Este estudo traz à luz dados acerca
da temática do preconceito e sofrimento mental e contribui para formular mudanças na formação e na prática
dos profissionais envolvidos no atendimento com a finalidade de diminuição do preconceito, do estigma e do
sofrimento psíquico. Descritores: Transtornos Mentais; Preconceito; Estigma Social; Saúde Mental; Saúde
Coletiva; Enfermagem.
ABSTRACT
Objective: to analyze the perception of the individuals with mental disorders on the prejudice, factors,
psychic suffering generated and the confrontation. Method: qualitative, exploratory and descriptive study. A
total of 21 participants were interviewed using a semi-structured questionnaire. Data processing and analysis
were based on pre-analysis, material exploration, treatment of results, inference and interpretation. Results:
prejudice and stigma came from the various actors and social contexts, and the coming from the family
environment caused greater suffering or aggravation to the installed picture. Conclusion: participants
reported the suffering caused by prejudice. Lack of knowledge about mental disorder was the main cause of
prejudice and confrontation occurred through social isolation, work or daily activities. This study brings to
light data on the subject of prejudice and mental suffering and contributes to formulate changes in the
training and practice of the professionals involved in care for the purpose of reducing prejudice, stigma and
psychological distress. Descriptors: Mental Disorders; Preconception; Social Stigma; Mental health; Collective
Health; Nursing.
RESUMEN
Objetivo: analizar la percepción de los individuos con trastornos mentales sobre el perjuicio, factores,
sufrimiento psíquico generado y el enfrentamiento. Método: estudio cualitativo, exploratorio y descriptivo.
Se entrevistaron, con la aplicación de cuestionario semiestructurado, 21 participantes atendidos en una
Unidad Básica de Salud. El procesamiento y el análisis de datos se dieron a partir del pre-análisis, explotación
del material, tratamiento de los resultados, inferencia e interpretación. Resultados: el Perjuicio y el estigma
vinieron de los diversos actores y contextos sociales, siendo que el proveniente del medio familiar causó
mayor sufrimiento o agravo al cuadro instalado. Conclusión: los participantes relataron el sufrimiento
causado por el prejuicio. La falta de conocimiento sobre el trastorno mental fue la principal causa del
prejuicio y el enfrentamiento ocurrió por medio de aislamiento social, actividades laborales o cotidianas. Este
estudio trae a la luz datos sobre la temática del prejuicio y sufrimiento mental y contribuye a formular
cambios en la formación y en la práctica de los profesionales involucrados en la atención con la finalidad de
disminución del prejuicio, del estigma y del sufrimiento psíquico. Descritores: Trastornos Mentales; Prejuicio;
Estigma Social; Salud Mental; Salud Colectiva; Enfermeria.
1
Mestra, Universidade do Oeste Paulista/UNOESTE. Presidente Prudente (SP), Brasil. E-mail: tali.franco2000@gmail.com ORCID iD:
https://orcid.org/0000-0001-8625-2468; 2Doutor (Pós-Doutor), Universidade Federal de São Paulo/UNIFESP. São Paulo (SP), Brasil. E-mail:
jfmarcolan@uol.com.br ORCID iD: https://orcid.org/0000-0001-8881-7311

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contato pessoal, momento em que se analisou


INTRODUÇÃO
a questão cognitiva e os sujeitos foram
Sabe-se que os indivíduos com transtornos informados sobre o estudo e como se daria a
mentais foram e são vistos pela sociedade participação.
como anormais, alienados, pessoas especiais Utilizou-se um questionário
ou fora da realidade, transgressores sociais, semiestruturado, confeccionado pelos
agressivos, perigosos e incapazes e, desde a pesquisadores, com as seguintes questões
antiguidade, são vitimados pelo preconceito e norteadoras: Relate sobre a sua percepção
pelo estigma. Essa mentalidade indiretamente quanto ao preconceito por ter transtorno
contribui para que esses indivíduos não mental; Fale a respeito do preconceito da
recebam os devidos cuidados e atenção e, por sociedade para os indivíduos com transtornos
conseguinte, atrapalha o exercício pleno do mentais; Descreva fatores que levam ao
direito maior de cidadania, tirando-lhes o preconceito; Fale a respeito de haver
direito de serem vistos como alguém que pode sofrimento psíquico gerado pelo preconceito e
exteriorizar o seu sofrimento psíquico.1 a forma de enfrentamento do mesmo.
Entende-se que na mesma via do Entrevistaram-se os participantes em data,
preconceito caminha o estigma, que se local e horário de suas preferências e em sala
caracteriza pelas marcas, sinais e traços privativa. A entrevista foi gravada em áudio e
visíveis ou imaginários que distinguem e transcrita na íntegra.
delimitam o campo de atuação do “eu e do Procederam-se ao processamento e à
outro” e podem impor atenção ou afastar os análise de dados a partir da Análise de
que estão ao seu entorno.2 Conteúdo, sendo respeitadas as fases de pré-
Compreende-se que o preconceito social se análise, exploração do material, tratamento
faz de forma mais forte e intensa nos dos resultados, inferência e interpretação.
pequenos municípios onde a cultura das Construíram-se três categorias e suas
comunidades é propensa a difundir unidades temáticas: Preconceito por ter
preconceitos sobre os indivíduos com transtorno mental; Fatores que levam ao
transtornos mentais e, com isso, a aumentar a preconceito ao indivíduo com transtorno
carga de sofrimento dos mesmos. mental e Sofrimento psíquico causado pelo
Revela-se que os males produzidos pelo preconceito e o enfrentamento.
preconceito e estigma no meio social são Evidencia-se que a realização deste estudo
também detectados no ambiente de foi autorizada pela Secretaria Municipal de
tratamento, pois esses indivíduos, Saúde e aprovada pelo parecer de número
dependentes do SUS, nem sempre são tratados 1.061.910 do Comitê Permanente de Ética em
como desejam. Essa situação é produzida Pesquisa envolvendo Seres Humanos (CEP), da
pelos próprios profissionais que, em sua Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP),
maioria, estão despreparados para atendê-los. com o CAAE nº 43873015.6.0000.5505.
OBJETIVO RESULTADOS
● Analisar a percepção dos indivíduos com Entrevistaram-se vinte e um participantes,
transtornos mentais sobre o preconceito, sendo dezenove mulheres e dois homens, que
fatores, sofrimento psíquico gerado e o estavam na faixa etária de dezoito e setenta
enfrentamento. anos de idade. Quanto ao diagnóstico, a
MÉTODO maioria o tinha para depressão, por vezes
associada a outro quadro, e somente quatro
Trata-se de estudo qualitativo, exploratório receberam outros diagnósticos como
e descritivo,3 com 21 indivíduos cadastrados e epilepsia, esquizofrenia e transtorno de
atendidos na linha de especialidade de personalidade bordeline.
Psiquiatria da Unidade Básica de Saúde Maria Ressalta-se que todos os participantes
Maia. relataram que estavam em tratamento no
Consideram-se, como critérios de inclusão, momento da entrevista, sendo a maioria há,
ser maior de 18 anos de idade, ter condição pelo menos, cinco anos e outros variavam
cognitiva para participar da entrevista e ser entre seis a vinte anos de tratamento. A
atendido pela área de Saúde Mental na maioria não deu continuidade ao tratamento,
Unidade Básica há, pelo menos, seis meses. O apresentou quadro depressivo e dificuldades
trabalho para o recrutamento dos para se adaptar aos medicamentos. Alguns
participantes teve início na própria unidade apresentaram comportamento suicida e uma
de atendimento e foram realizados a consulta parcela sofreu com as crises violentas.
ao fichário, a análise de prontuário e o

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Nota-se que todos sofreram algum tipo de Percebe-se que o desenvolvimento do


preconceito: social, familiar, religioso, transtorno mental e o agravo do quadro
profissional e somente uma participante devido à falta de apoio familiar levaram
sofreu com o preconceito no ambiente alguns indivíduos a entenderem o suicídio
escolar. Muitos afirmaram que o preconceito, como alternativa para o fim do sofrimento. O
vindo do ambiente familiar, foi o mais desespero, as perdas materiais e afetivas, a
prejudicial e difícil de ser enfrentado. Para baixa autoestima e as expectativas negativas
grande parcela de participantes, o quanto às melhoras aumentaram o desejo
preconceito é fruto da falta de conhecimento suicida.
e desinformação sobre o transtorno mental. [...] Tinha certeza que ia me matar porque
Apresentam-se os dados obtidos alinhados tinha comprado uma corda de seis
em três categorias e suas respectivas unidades metros...Tinha pesquisado sobre o peso e
tamanho da corda, o jeito correto de
temáticas a seguir.
morrer... Me lembro de uma vez que me
 Categoria 1 – Preconceito por ter sentei na calçada e peguei pedaço de vidro
transtorno mental de lona de ferro vermelho e me cortei
Destaca-se que os participantes relataram tudinho, tinha muita idealização suicida.
ter transtorno mental devido a diversos (E2)
fatores que proporcionaram sofrimento Minaram-se as expectativas de melhora do
psíquico e, com o passar do tempo, receberam quadro psicopatológico por causa dos
o preconceito advindo pelo fato de terem o problemas gerados pelo preconceito que
transtorno e isso agravou ainda mais o resultaram em sentimento de culpa e
sofrimento. autopunição que, tendenciosamente, guiou
 Unidade temática 1 - Problemas, alguns dos participantes à tentativa de
preconceito e sofrimento suicídio.
Salienta-se que alguns participantes Foi no casamento, meu ex-marido era um
homem bom para todo mundo, no bar, na
começaram a perceber e enfrentar os
rua, mas, dentro de casa, era violento....
problemas ainda na adolescência no ambiente
Depois de uns tempos, meu filho entrou nas
familiar, que foram acumulados com os que se drogas, ele ficou cinco anos nas drogas,
seguiram na vida escolar e nas relações depois de ter sido agredida pelo meu
afetivas inadequadas perdurando até a vida marido, foi meu filho também, tentou me
adulta. Alguns desses problemas foram matar... foi aonde me afundei. (E11)
originados por perdas financeiras, materiais   Unidade temática 2 – O preconceito
ou de entes queridos, por dificuldades em se advindo dos diversos setores sociais
adaptarem ao meio social, pela pressão no
Acentua-se que os participantes sofreram
ambiente de trabalho e pelo afastamento ou
preconceito e exclusão no ambiente de
distanciamento da família.
trabalho, foram discriminados e privados de
[...] as pessoas não estão nem aí para nada, oportunidades. Os que conseguiram manter
elas acham que são superiores, fico
seus empregos sofreram com o preconceito
incomodada...isso também faz a gente
tanto quanto os que perderam. Os
sofrer...porque, quando se tem preconceito,
a pessoa se afunda mais, ela não quer sair participantes se sentiram ignorados,
de casa por medo do que as pessoas possam desprezados e isolados, devido à exclusão
falar...isso atrapalha muito porque, se não sofrida ao não se permitir o ingresso no
existisse preconceito, a pessoa sairia mais, mercado de trabalho.
seria inserida no meio social, não teria Nota-se que o preconceito também foi
tanto desprezo e, assim, não sentiria manifesto no meio religioso onde esses
inferior a ninguém. (E1)
indivíduos foram taxados de serem possuídos
O preconceito que a gente recebe ajuda em por demônios ou vítimas de manifestações
agravar ainda mais o problema, você se
sobrenaturais, fato que gerou revolta, medo e
sente incompreendido e você busca, tipo,
insegurança.
uma fuga em drogas, bebidas...Acho que
acontece muito com as pessoas que têm Sofri preconceito até mesmo dentro da
transtorno, elas tentam se passar por igreja; eles, quando souberam do meu
pessoas normais e começam a beber, fumar, problema, automaticamente me excluíram.
usar drogas, neste caso, usei droga...é uma Eles foram tirando os cargos que tinha como
dor que não se descreve, é uma rejeição, se não tivesse a capacidade de desenvolver.
uma dor na alma, isso reflete em tudo na (E13)
sua ideia de futuro, na sua ideia na área de Tenho uma amiga que me disse: “Acho que
trabalho, em relacionamento, você se sente esta sua doença é do demônio”. Nossa! Isso
muito mal, não sei dizer muito. (E2) me magoou demais. (E21)

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Perceberam-se o preconceito e o estigma o seu microcosmo, a família, a agirem com


também no próprio ambiente de tratamento preconceito, pois não consegue compreender
quando da assistência psiquiátrica ou nas o transtorno mental e, em virtude desse
perícias médicas. Como resultado, os preconceito, os indivíduos são excluídos e
pacientes começaram a recusar o tratamento estigmatizados, o que causa sofrimento maior,
e a ajuda médica, pois sofreram com o além de atrapalhar o tratamento.
preconceito por parte de profissionais Acho que é muita falta de informação, de
despreparados para assisti-los. empatia e, também, falta de sensibilidade
Mas a gente percebe que, quando é o dia da de se colocar no lugar do outro porque são
psiquiatra no posto, os próprios funcionários pessoas que têm uma certa limitação,
olham para gente com indiferença, não são dificuldade...talvez, um pouco de
todos...porque, no meu caso, quando vou ignorância no assunto porque nunca passou
passar pelas perícias, a gente chega até ser pelo problema. (E2)
humilhada, perguntam coisas que não têm As pessoas são preconceituosas, pois falta
como, perguntas não cabíveis, então, os conhecimento da situação, falta de amor
próprios profissionais que estão ali eles pelo próximo, talvez, por não terem
perguntam coisas para gente como se a enfrentado estes tipos de problemas ou por
gente já fosse, assim, decretado “você é nunca ter acontecido com elas. (E5)
louca”, vêm com perguntas absurdas como  Categoria 3- Sofrimento psíquico causado
que se a gente não soubesse o que a gente pelo preconceito e o enfrentamento
sente, o que a gente está fazendo, são
Acentua-se que o preconceito vindo do
muitos morosos em readaptação e
aposentadoria. (E13) meio social, principalmente o da família,
causou sofrimento na vida dos participantes.
Deparou-se também no ambiente escolar
Boa parte deles se isolou para fugir do
com a manifestação do preconceito, que levou
problema como tentativa de enfrentamento.
à marginalização e à segregação dos que
Muitos procuraram outras atividades, nos
tinham transtorno mental.
campos sociais ou profissionais, para amenizar
Estudava, mas é a pior escola que tem em
o sofrimento. O tratamento foi relatado, por
relação a pessoas que têm transtorno
mental, eles não se importam com o aluno, alguns, como a única solução para os
eles não me ajudavam...É onde mais recebo problemas. A expectativa pela mudança de
também, sofro bullying na faculdade, tem atitude da sociedade foi nutrida por alguns.
uma menina que fala que quer me bater, Para outros, o tempo se tornou grande aliado
ela me ameaça todos os dias; outro dia para aprenderem a lidar com o preconceito e
destes, ela arrancou o chinelo para me o sofrimento.
bater...as pessoas me chamam de louca...
 Unidade temática 1 – Sofrimento
mas as pessoas rejeitam a gente mesmo.
(E21)
psíquico causado pelo preconceito
Percebeu-se preconceito também, pelos Relataram-se internações, automedicação,
indivíduos com transtornos mentais, nos medo, choro, tentativas de suicídio, agressões
veículos midiáticos, por não se permitirem à físicas, brigas com familiares, medo de chefes
exposição desses casos. ou encarregados, entre outras situações que
deprimiram ainda mais os participantes e
Você pode notar que não tem ninguém com
aumentaram o sentimento de inferioridade e
estes problemas fazendo nada na TV ou no
incapacidade, pois se sentiram desvalorizados
rádio, como disseram, eles não querem
e rejeitados com a certeza de que realmente
pessoas que faltam parafusos e estão loucos,
estavam com problemas. Muitos se isolaram e
eles querem pessoas normais. (E1)
pararam de frequentar os mesmos lugares de
Eles fazem campanhas para não discriminar
antes. Quase todos se sentiram tristes pelo
outros grupos como os negros, síndrome de
Down, homossexuais, mas nunca vi uma
preconceito recebido até mesmo dos
campanha para não discriminar os com familiares. Alguns participantes chegaram a
transtornos mentais, para você saber como pensar que realmente eram desequilibrados e
lidar com esta pessoa, acho que só o fato de se sentiram envergonhados ou com medo do
não fazer campanhas já é um preconceito, que as outras pessoas pudessem pensar ou
pois eles escondem. (E2) falar. A incompreensão, a não aceitação do
 Categoria 2 - Fatores que levam ao problema, por parte dos familiares, e a falta
preconceito ao indivíduo com transtorno de apoio foram apontados como fatores
mental basilares para o sofrimento.
Sabe-se que, para os participantes, a falta Ressalta-se que faltou também, aos
de conhecimento e informação sobre o participantes, o apoio familiar após o
transtorno mental é a principal causa do adoecimento e durante o tratamento, pois
preconceito e esse fato conduz a sociedade e algumas famílias agiram de forma

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preconceituosa, não aceitaram o transtorno opinião dos outros...não faz diferença para
mental ou fingiram que nada acontecia ao seu mim, não sofro com isso não, sei lidar como
redor. tudo isso hoje. (E2)
[...] sentia, assim, rejeição de família, sei Procurou-se a religião, pelos participantes,
que sempre existem os mais prediletos; como meio para o aumento da esperança em
sentia que só era útil trabalhando, uma possível cura e para o alívio do
limpando, se não tivesse fazendo nada, não sofrimento.
presto, não tenho valor...acho que família
Levanto a cabeça e vou para igreja, escuto a
foi uma causadora, acho, dos meus
palavra de Deus no rádio durante a semana
problemas. (E11)
e é difícil. Às vezes, fico também limpando
A gente fica muito triste, se sente inferior,
as coisas, mesmo tendo limpado antes, fico
fico pensando que queria voltar igual era
limpando de novo. (E7)
antes porque, se tudo voltasse ao normal...,
O único lugar que não parei de ir foi na
não receberia preconceito de ninguém, o
igreja....a melhor atitude que tomei é ir
preconceito prejudica muito mais no
para igreja e ocupar a cabeça para tentar
tratamento. (E15)
ter uma vida melhor, é isso. (E8)
Rejeitada, diminuída, desprezada e muito
Vou à igreja e procuro muito Deus porque,
triste viu saber que a própria família tem
se não fosse minha fé em Deus, não sei o
preconceito da gente. (E21)
que seria, então, minha fé me ajudou
  Unidade temática 2 – Enfrentamento do muito. (E13)
sofrimento promovido pelo preconceito Afirma-se, por fim, que alguns
Lembra-se que a maioria dos participantes participantes entenderam o tratamento
afirmou que acreditava na fuga e isolamento médico como solução e enfrentamento dos
como alternativa para não se expor ao problemas, apesar de que alguns somente
preconceito. Alguns afirmaram, ainda, que procuraram ajuda médica nos momentos de
essa foi a atitude correta e o único mecanismo crise. Ainda, que alguns participantes
para o enfrentamento do preconceito, uma sentiram a expectativa pela mudança de
vez que não estariam a se expor ainda mais conceitos por parte da sociedade e outros
para o sofrimento. gostariam que ocorresse o fim do preconceito
Fico só dentro de casa sem passeio, sem sair e ansiavam por programas de socialização e
na rua; se eu ver gente, já fujo, fecho a inserção no mercado de trabalho.
porta do meu quarto, ali não quero nem os
Posso até ter uma revolta...de querer que a
filhos...Me escondo, fico dentro de casa,
sociedade seja um pouquinho mais
fico no meu quarto, evito visitas, já cheguei
inteligente ou pouquinho...mais
ao extremo de expulsar gente para fora da
observadora e deixar de ser um pouco
minha casa...não quero ver ninguém...fujo
ignorante. (E9)
das pessoas o tempo todo. (E4)
As pessoas são muito egoístas, deveriam
Não frequento mais os lugares pelo mudar este comportamento. (E16)
desprezo, exclusão e pelo medo de ser
Porque as pessoas tinham que ajudar mais
zombada pelas pessoas; a gente sente muita umas às outras, entendeu, e não ficar
vergonha da gente mesmo e, também, da zombando, criticando, é muito frustrante a
doença. (E6) gente ficar vendo isso, é muita falta de
Evidencia-se, ainda, que outros afirmaram compreensão mesmo com o próximo. (E 10)
que aprenderam a lidar com a situação e não Tornou-se o tempo aliado, para alguns
se preocupavam mais com os comentários e participantes, para o enfrentamento ao
olhares maldosos. Outra forma encontrada preconceito recebido e para aliviar as dores.
pelos participantes para enfrentarem o Dessa forma, relataram que a reação da
preconceito foi o envolvimento em trabalhos e sociedade não interferia mais no seu
atividades sociais ou a participação em grupos cotidiano, ou seja, viviam da maneira que
sociais ou religiosos. achavam melhor sem dar atenção ao que a
Agora, comecei a participar de um grupo de sociedade falava ou pensava a seu respeito.
mulheres que pintam telas e lá sou muito Agora, o preconceito já sofro faz muito
bem tratada, as professoras são carinhosas, tempo, então, sei lidar com
me sinto bem...mas tento buscar a Deus e isso...incomodou bastante antigamente,
estou me dando bem... faço também
mas, hoje em dia, não me incomoda
trabalho de pet shop, daí, me distraio e
não...agora, sofrimento psíquico gerado
procuro não ficar remoendo muito, também
procuro evitar lugares que não me faz bem pelo preconceito não, nem ligo para
e pessoas que não gostam de mim. (E1) isso, deixa as pessoas pensarem o que
Mas, com o tempo, você cria modos de quiser, não ligo que não trabalho, não
lidar com as coisas, depois que comecei a ligo que acham que sou louco,
tomar os remédios, não ligo muito para entendeu. (E14)

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saúde mental contribuindo para os casos de


DISCUSSÃO
internações.
Sabe-se que a exclusão fez com que os Deflagram-se momentos de exclusão e
indivíduos com transtornos mentais se violência, nos períodos de internações a que
sentissem inferiorizados e envergonhados de si são submetidos os indivíduos com transtornos
mesmos. Alguns participantes tentaram aliviar mentais, causando sofrimento psíquico, pois
o sofrimento pelo isolamento como tentativa se trata de formas de repressão e
de se evitar contato ou situações. O segregação.10
preconceito sofrido provocou agravo do Entende-se que isso pode se tornar o ponto
quadro psicopatológico devido ao aumento da negativo do processo de tratamento, pois, ao
carga emocional resultante dos traumas. longo da evolução da assistência psiquiátrica
Entende-se que o ser humano não levou a no país, verifica-se que o hospital psiquiátrico
sério a questão do transtorno mental, pois não foi o equipamento adequado e promoveu
sempre tratou o assunto de forma ignorante, muito sofrimento e exclusão.11
fechando os olhos, não dando o adequado Promoveu-se, por meio dos hospitais
tratamento e nada fazendo em prol dos psiquiátricos como modelo hegemônico, o
indivíduos com transtornos mentais.4 isolamento social dos indivíduos que se
Infere-se que, ao longo da história, os encontravam intramuros, pois, nesses
indivíduos com transtornos mentais sempre hospitais, não se atuou na reinserção social
foram vistos como anormais, diferentes, dos mesmos e, comumente, comprometeram-
indesejáveis no meio social e totalmente se os direitos humanos e de cidadania de seus
passíveis de exclusão. Consequentemente, internos, provocando mais sofrimento e
esses indivíduos reagem em relação ao seu mortes.
meio social, na maioria das vezes, de forma Comprova-se que a perda e/ou a
negativa, se isolando.5 impossibilidade do emprego causam
Percebe-se que o desejo suicida foi sentimento de culpa nos indivíduos com
motivado por uma gama de fatores, entre transtornos mentais, insegurança, depressão,
eles: o desemprego, a baixa escolaridade, humilhação, discriminação, vergonha e abrem
relações afetivas inadequadas, conflitos caminho para o isolamento.12
familiares, isolamento social, preconceito, Identifica-se que o ambiente religioso
estigma, depressão, esquizofrenia, vícios, deveria ser o local propício para a convivência
entre outros fatores, corroborando o adequada e interlocução entre a sociedade e
encontrado na literatura.6 os indivíduos com transtornos mentais, porém,
Encontram-se também, neste estudo, dados verificou-se realidade completamente
confirmando a literatura que apontam para os diferente, pois alguns religiosos se portaram
problemas originados durante o casamento, como agentes perturbadores da saúde mental
como mudanças de moradias, doenças, perdas seja pelo fanatismo, tradicionalismo,
familiares, agressões físicas, verbais e opressão, falta de diálogo ou pelo
separações, como fatores a influenciar o entendimento errado sobre o transtorno
adoecimento mental e potencializar o agravo mental ou dos comportamentos desviantes,
do quadro psíquico.7 como também encontrado na literatura.13
Percebe-se que outro fator, que também Deveria-se, nesse ambiente, proporcionar
culminou com o agravamento do quadro de condições para auxiliar na reestruturação
saúde dos participantes, diz respeito aos psíquica dos indivíduos com transtornos
problemas enfrentados no ambiente de mentais e, nos tempos atuais, com o
trabalho tais como os conflitos com colegas e desenvolvimento científico e conhecimentos,
encarregados, repetição do trabalho, cansaço, é inadmissível que possessões demoníacas
o medo pelas crises financeiras, medicações, sejam associadas ao transtorno mental.
sobrecarga de horas trabalhadas, falta de Promove-se intenso sofrimento psíquico,
autonomia, problemas de ergonomia, por meio do preconceito e estigma associados
cobrança pelo aumento da produção e aos momentos difíceis da vida da pessoa, o
qualidade e afastamento por motivos de saúde que pode estimular a procura por sacerdotes,
corroborando o que se tem na literatura.8-9 santuários e divindades, pois, de alguma
Verifica-se serem muitas as dificuldades forma, os participantes acreditavam que o
que se apresentam aos indivíduos com ambiente religioso pudesse contribuir para
transtornos mentais para o acesso ao mercado auxiliar.
de trabalho, para que consigam empregos ou Sabe-se que a recusa dos indivíduos com
retomem suas carreiras. Essa situação transtornos mentais, em relação a receberem
desestabiliza e traz consequências danosas à o tratamento, também tem por base

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justamente a ausência da atenção que deveria ser fator decisivo na diminuição e erradicação
ser melhor e mais humana por parte dos do preconceito em relação aos indivíduos com
profissionais responsáveis pelo tratamento.14 transtornos mentais. Para tanto, são
Considera-se que o trabalho em saúde necessários investimentos e conscientização.
mental deve resultar no atendimento às Mostra-se, por meio do sofrimento psíquico
principais necessidades do indivíduo. O relatado, que o alvo dos preconceituosos e dos
processo de atendimento à saúde mental não estigmatizadores não é propriamente a
pode ficar restrito a procedimentos técnicos, pessoa, mas, sim, as características que essas
mas deve atingir quesitos sobre prevenção, deixam evidenciar. Nada de se estranhar, pois
promoção, reabilitação, socialização e se está diante de uma sociedade
proteção. Tais profissionais devem atuar com contraditória, alvo fácil do preconceito, um
criticidade e inovação e ser agentes fenômeno que tem suas raízes alocadas nos
transformadores. No entanto, essa situação férteis solos sociais e psicológicos.20
está longe do desejado, pois se trata de Percebe-se que a sociedade se esquiva dos
momento de transição entre o que se assuntos relativos ao transtorno mental e não
considera a especificidade do agir técnico há iniciativa dos gestores públicos em
para o que se entende como satisfação das trabalhar no imaginário das pessoas para que
necessidades do indivíduo com transtorno as ideias estigmatizadoras do passado não
mental.15 venham resultar em preconceito e estigma.21
Requere-se, dos profissionais, ética no Adverte-se que há inúmeras dificuldades
cuidado e tratamento. No entanto, é comum enfrentadas por esses indivíduos,
esses profissionais cobrarem, da família, o principalmente quando desejavam ajudar nas
envolvimento e a aceitação do transtorno despesas da casa, pois se sentiam incapazes,
mental, mas eles mesmos não compreendem o demonstravam alterações de ânimo e humor,
sofrimento psíquico, muitas vezes, pela falta acusavam a baixa autoestima e sofriam com o
de capacitação, informação ou insegurança. estresse, a ansiedade e a vergonha de si
Muitos profissionais encontram dificuldades mesmos.22
devido à formação insuficiente e Destaca-se que algumas famílias não estão
16
inadequada. preparadas para protagonizar papéis no
Aponta-se que a escolarização é fase de processo de reabilitação dos indivíduos com
vital importância, pois serve de indicador de transtornos mentais e, em vez de ajudarem,
saúde mental, de desenvolvimento e aumentam o sofrimento e favorecem a
socialização, a ver a importância da escola no manifestação do preconceito e estigma.23
fator relacional e no desenvolvimento Entende-se, no entanto, que a família não
cognitivo e pedagógico. Nos casos dos pode ser culpabilizada pelos casos de
indivíduos com transtornos mentais, que manifestação de transtorno mental, pois
apresentaram algum tipo de transtorno deve-se levar em conta os contextos histórico,
mental em que houve a exclusão intelectual e social e cultural dessas famílias para que esse
social no ambiente escolar, sem o devido equívoco não seja cometido. Portanto, as
acompanhamento ou tratamento, os famílias também necessitam de ajuda para
problemas relativos à inserção na escola enfrentar essa situação, que sobrecarrega
foram se agravando, fato que deflagrou as toda essa estrutura social. Apoio é dado aos
diferenças e originou o preconceito e a indivíduos acometidos pelo transtorno mental,
discriminação.17 mas pouco ou nada de cuidado eficaz é
Entende-se que a escola deveria ser o local destinado às famílias desses indivíduos para
ideal para se explorar a diversidade, eliminar lidarem com a carência de recursos materiais,
a segregação e o preconceito. É espaço as dificuldades psicossociais, educacionais,
propício para a promoção e articulação, por financeiras, emocionais, de saúde e a
meio de ações que envolvam educação, mudança de rotina de toda a família.24
saúde, assistência social, para a Sabe-se que o preconceito piora a situação
conscientização a fim de antever e resolver os e, infelizmente, alguns familiares agem de
conflitos.18 forma preconceituosa, pois se furtam do dever
Compreende-se que a mídia é forte de ajudar. No entanto, as famílias sofrem
instrumento que move e molda a opinião devido às dificuldades materiais que se
pública, portanto, as informações em massa apresentam e ao despreparo e
podem contribuir para a manifestação do desconhecimento sobre o transtorno mental.
estigma e do preconceito.19 Considera-se que o autoisolamento é um
Propõe-se, por outro lado, que campanhas mal cronificador que piora a situação dos
em meios de comunicação de massa podem indivíduos com transtornos mentais, pois essa

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prática evidencia as fragilidades e o medo Orienta-se, porém, que somente isso não
pela reação da sociedade diante de sua garantirá o sucesso do processo, pois outras
situação. O constrangimento e o desconforto mudanças devem ocorrer, principalmente, no
são sentidos por esses indivíduos. O temor que tange aos profissionais envolvidos.
pela desmoralização leva esses indivíduos a se Julga-se que a criação dos serviços
esquivar de situações ou ambientes substitutivos surgiu como produto de algumas
provocando estresse ou comorbidade que dessas mudanças propostas pela Reforma
agravam ainda mais o quadro psicopatológico. Psiquiátrica, porém, mesmo consolidadas, elas
Portanto, o autoisolamento prejudica as ações não garantiram ainda a superação dos ideais e
de enfrentamento que poderiam ser colocadas práticas manicomiais que somente será
em prática pelos indivíduos com transtornos possível a partir do momento em que houver o
mentais.25 comprometimento dos profissionais, a
Valida-se, portanto, a tentativa dos participação mais efetiva e afetiva das
indivíduos com transtornos mentais em famílias e a destituição do legado manicomial
adaptarem-se ao meio em que vivem por meio por meio da urgente desconstrução do saber
de estratégias e ações de enfrentamento, social sobre a forma de ver e entender o
porém, verifica-se que o isolamento que os transtorno mental.28
indivíduos se propuseram a realizar e outras Tornar-se-á possível o efetivo combate ao
atitudes de enfrentamento não surtiram estigma e ao preconceito a partir do momento
efeito. Para alguns, isso ocorreu no curto em que houver a maior incidência de
prazo e o isolamento, por um lado, os afastou campanhas de informação e conscientização e
dos agentes estressores levando à piora do políticas públicas a fim de educar e informar a
quadro quanto à afetividade gregária. sociedade quanto à natureza, ao grau e ao
Aponta-se que as atividades desenvolvidas impacto dos males que o estigma e o
pelos participantes são importantes, pois preconceito provocam nos indivíduos com
contribuem para a melhora na qualidade de transtornos mentais, a dissipar mitos e
vida desses, para a reinserção psicossocial e incentivar atitudes e comportamentos mais
reconstrução de sua rede social. Por si só, positivos.29
podem auxiliar no alívio das perdas e Acredita-se que conceitos e preconceitos
prejuízos psíquicos gerados pelo preconceito e devem sofrer alterações drásticas por parte da
estigma. sociedade e do sistema de saúde mental. O
Informa-se que os indivíduos com pensar e a forma de cuidar os indivíduos com
transtornos mentais também fazem uso do transtornos mentais devem passar por
coping como estratégia para o enfrentamento transformações. Somente assim esses
dos eventos produtores de estresse, por indivíduos serão vistos como seres humanos
atitudes propositais, flexíveis e que levam em dignos de respeito e merecedores de viver
conta as aplicações e experiências que já integrados em sociedade tendo suas
foram bem-sucedidas.26 limitações respeitadas pelos seus
Adverte-se, porém, que o autoisolamento semelhantes.30
impede o uso do coping, pois essa prática Evidencia-se que falta vontade política dos
evidencia as fragilidades dos indivíduos com gestores para desenvolver campanhas para
transtornos mentais e os seus medos pela diminuir com o preconceito e estigma
reação da sociedade.25 relativos aos indivíduos com transtorno mental
Lembra-se que alguns participantes buscam na linha de investimento utilizado em
alívio por meio da fé como uma tentativa de campanhas de conscientização sobre
valorização e respeito e resgate da prevenção a outras doenças.
autoestima.27 Elencam-se, como limitações do estudo, as
Percebe-se, no entanto, que as práticas e o dificuldades para a coleta de dados derivadas
convívio no ambiente religioso não surtiram o do quadro de cronificação de alguns
efeito desejado, pois o preconceito também participantes.
foi sentido nesse contexto social.
CONCLUSÃO
Defende-se que o tratamento é
imprescindível para a estabilização do quadro Revela-se que todos os participantes
dos indivíduos com transtornos mentais e é relataram o sofrimento causado pelo
importante que esses indivíduos desejem o preconceito e estigma recebidos por parte dos
acompanhamento e a participação de seus grupos sociais nos diferentes contextos tais
familiares, o que dará segurança durante o como o familiar, o religioso, o laboral, o
processo proporcionando um ambiente de escolar e no ambiente de tratamento. Todos
confiança. relataram que se sentiram inferiorizados,

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Bairro Cidade Universitária
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