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cartilha para

intervenção
em catástrofes
Prevenção em
saúde mental
Treinar lideranças comunitárias e equipes de saúde para
prevenir, identificar e encaminhar problemas relacionados
à saúde mental. Essa é a característica principal do projeto
de intervenção proposto pela Associação Brasileira de Psi-
quiatria, através de sua Comissão Técnica de Intervenção
em Desastres e Catástrofes.

O grupo, ligado ao projeto ABP Comunidade, é o represen-


tante local da secção de intervenção em desastres da Asso-
ciação Mundial de Psiquiatria, que desenvolve protocolos
de atuação referendados pela ONU e Unesco. O principal
objetivo é aumentar o índice de resiliência (capacidade de
vencer obstáculos e superar traumas) em populações afeta-
das por desastres de origem natural.

É um trabalho feito de acordo com experiências interna-


cionais de eficiência comprovada. Por isso, os especialistas
trabalham com líderes comunitários e profissionais de saú-
de, com orientações sobre a maneira correta de lidar com o
sofrimento causado pela exposição a situações que podem
desencadear o surgimento de transtornos mentais.

João Alberto Carvalho, presidente da ABP.


Dedicado à
comunidade
O Espaço ABP Comunidade – informações para
pacientes e familiares tem o objetivo de oferecer infor-
mações breves e claras sobre as principais doenças mentais.

A comunidade pode, a partir destas informações, identi-


ficar os principais sintomas, esclarecer o tratamento e até
mesmo conhecer a origem e características importantes de
cada doença.

Este projeto foi idealizado dentro da Home-Page da ABP


em 2004 graças aos esforços e colaboração dos psiquiatras
que participaram da força tarefa de sua criação.

A ABP se propõe a discutir os temas mais importantes da


psiquiatria e da saúde mental como fator social e cultural,
esclarecer dúvidas e publicar notícias que possam ajudar
as pessoas, combater o preconceito contra os doentes e
promover ainda a prevenção e o bem-estar.

Consultas e dúvidas sobre os transtornos e doen-


ças mentais, bem como orientação sobre locais
públicos de atendimento, podem ser encaminha-
das aos psiquiatras do ABP Comunidade pelo
e-mail: comunidade@abpbrasil.org.br.
*Solicitamos que, em caso
de publicação do conteúdo,
seja observado os créditos. Visite: www.abpcomunidade.org.br.
Cartilha para a
Intervenção
em Catástrofes
Comissão Técnica sobre Intervenção em Desastres e
Catástrofes da ABP
Coordenação: José T. Thomé

ABP Comunidade
Coordenação: Marco Antonio Brasil

Esta cartilha não tem como finalidade ser um modelo


padrão de como atuar, classificar sintomas de transtor-
nos ou prescrever, mas busca desenvolver o raciocínio a
partir da compreensão de dados conceituais sobre saú-
de e saúde mental contextualizadas na área de interven-
ção em desastres e catástrofes naturais e/ou provocadas
pela ação do homem.
casos, ocorrem situações que obrigam a
OBJETIVOS reconsiderar alguns princípios da ética
da compreensão e do atendimento.
• Apresentar conceitos teóricos
básicos. Situações de catástrofe exigem respostas
• Oferecer suporte teórico aos cuida- humanas organizadas que refletirão a
dores em instituições psicossociais, consciência alcançada pelos profissionais
profissionais de saúde e de saúde de saúde/saúde mental e pelas autori-
mental, educadores e lideranças. dades em geral sobre a complexidade
• Promover a saúde e prevenir o adoe- específica da situação e sobre a necessi-
cimento individual e social. dade de abordá-la na maior quantidade
de aspectos possíveis das áreas do conhe-
cimento humano.
INTRODUçÃO
Desastres e catástrofes são ocorrências A necessidade de atenção à saúde mental
que atingem uma população de maioria aumenta durante catástrofes e desastres.
saudável que passa a vivenciar na reali- Aqui, saúde mental é compreendida com
dade uma situação repentina desorgani- base no eixo Eco-Bioético, pois consi-
zadora ou desruptiva que desestrutura dera o meio ambiente. Trata-se, então,
sua vida, de forma violenta e traumati- de atenção à saúde mental dirigida para
zante. pessoas sãs, que vivem situação de anor-
malidade desorganizadora ou desesta-
Em situações deste tipo passa-se a viver
bilizadora dos seus universos materiais,
em um mundo que desestabiliza o equi-
físicos e emocionais.
líbrio emocional e/ou psíquico, gerando
sentimentos de insegurança, descrença e
Em resposta às solicitações próprias ao
desamparo. Este sentimento se desen-
desastre e a limitações da capacidade
volve também com as duplas mensagens
de adaptação pode surgir a Síndrome
e as inverdades que banalizam padrões
e valores antigos e estabelecidos para Desruptiva, termo cunhado por Moty
amenizar o fato inesperado. Benyakar, na qual o fator patogênico
se encontra no “entorno”, ou seja, no
Os desastres são desafios; exigem repen- evento, sendo o psiquismo humano
sar o modo como o ambiente irrompe afetado de forma direta ou indireta, e
no psiquismo humano, devendo ser caracterizado pela presença da angústia.
analisados em termos das reações das No quadro de transtorno de estresse
pessoas que sofreram danos e do seu im- pós-traumático, o psiquismo afetado se
pacto psicológico. Muitas vezes, nesses caracteriza pela presença da ansiedade.
Conceito
Psicodinâmico
sobre adoecer
Desastres e catástrofes podem acontecer
a qualquer momento. Desastres defini-
dos em termos sociais, físicos e sanitários conseqüências e a tomada de decisões
se transformam, por sua vez, em catás- apropriadas.
trofes subjetivas, uma vez que a vivência
dá especificidade à subjetividade. São desadaptadas quando resultam
em reações emocionais efêmeras e/ou
Em todos os estudos atuais, a gran- patológicas (reações neuróticas, psicos-
de preocupação que surge, além das somáticas, psicóticas, uso abusivo de
causas de violência em qualquer âmbito substâncias psicoativas), que por sua vez
(natural, antropogênica, política, social, podem levar a comportamentos anti-so-
econômica, terrorismo de grupos ou de ciais, aumento de problemas familiares,
Estado, entre outros), é com a necessida- suicídios e marginalidade/criminalidade.
de de tratamento voltado para a home-
ostase psíquica, baseado em melhor Os afetos decorrentes das experiências
preparo e defesa diante destas ameaças desestabilizadoras não se caracterizam
que levam a conviver com o sofrimen- por serem novos ou nunca experimen-
to emocional perante a impotência, o tados. O novo aqui é reduzido a uma
desamparo e a exclusão. O desafio será experiência altamente desestabilizadora
lidar e tentar elaborar os afetos gerados que até então podia ser conhecida, mas
por estas situações. nunca vivenciada em termos psíquicos/
emocionais.
É difícil antecipar o impacto no psiquis-
mo das pessoas que vivem a experiência Já os afetos por elas desencadeados –
de uma situação desruptiva. As respostas perplexidade, medo da morte, senti-
individuais são singulares, mas estão mentos de desamparo, vulnerabilidade,
sempre integradas em um contexto de impotência, sentimentos decorrentes de
reações coletivas que são recorrentes luto, desesperança e descrença – pro-
e relativamente indiferentes ao tipo de vavelmente já foram vivenciados em
fenômeno acontecido. outros momentos. São vivências que
desenvolvem angústia, primitivamente
São adaptadas quando permitem ava- vivida pelo ser humano como angústia
liação correta do perigo, a previsão de de aniquilamento.
dronização dos quadros clínicos seria
Síndrome necessário substituir a categoria Trans-

Disruptiva torno de Estresse Pós-Traumático por


Transtornos por Estresse e Transtornos
Trauma, estresse, e estresse pós- Pós-Traumáticos, ou Transtornos por
traumático são os conceitos usados na Estresse e por Trauma, e o mais adequa-
clínica para abordar os pacientes com do seria chamá-los de transtornos por
a sintomatologia do que se denominou desrupção.
“patologias por desrupção”.

Estresse é a reação normal de tensão e


ansiedade que o ser humano vive diante Sintomas
de qualquer situação real e/ou fantasiosa iniciais dos
inesperada. É uma resposta do organis-
mo frente a um perigo, que prepara o
quadros
corpo para fugir ou lutar. Está presente desruptivos
nos animais com a finalidade de preser- Reações emocionais de raiva, irritabi-
vação da espécie, como para fugir de um lidade, ataques de ansiedade, insônia,
predador. pesadelos e tendência ao isolamento
caracterizam as pessoas que passam por
Sente-se estresse tanto em situações usu- situações desruptivas e que não conse-
ais (casamento, separação ou mudanças guiram manter sua capacidade de adap-
de escola, emprego, cidade ou país) tação após o fato. Estes quadros, em sua
quanto frente a eventos desestabilizado- grande maioria, apresentam-se no início
res como mortes, assaltos, seqüestros e através de queixas clínicas (somatiza-
desastres, entre outros. ções), para em seguida evoluírem para
queixas emocionais.
Trauma – Trauma Psíquico – é o colapso
da estrutura da MENTE em todos os A intensidade do quadro varia em função
seus planos referenciais, como resultado da experiência vivida. Crianças, idosos,
do encontro com uma ameaça catastró- mulheres e incapacitados são os que
fica (real e/ou fantasiosa) e uma reação apresentam maiores níveis de reações
caótica que produz vivência traumática emocionais. Como já dissemos, na gran-
(psicótico). de maioria são reações normais diante de
experiências anormais. A diferenciação
O diagnóstico de quadro estressogêni- entre reações normais e as patológicas é
co e traumatogênico não se estabelece nossa função e requer o conhecimento
de início. Para a manutenção da pa- especializado para diagnosticá-las.
Características
dos Sintomas
Sintomas com repercussão na
conduta: perda de interesse na vida, di-
minuição da atividade e falta de energia,
hiperatividade e incapacidade para rela-
separação da família ou do grupo de
xamento, dificuldade de concentração,
sustentação, perdas pessoais (familiares,
transtornos do sono, opressão precordial
propriedade, meio de vida, mutilações
e na garganta, flashbacks, abuso de
substâncias. físicas).

Sintomas físicos: dores de cabeça,


cansaço, dor e tensão muscular, dores
abdominais, taquicardia, extrasístoles, RESiliência
perda de apetite, náuseas. As adversidades contêm a possibilidade
de efeitos patogênicos, mas também po-
Sintomas emocionais: raiva, irritabi- dem ser a oportunidade para progresso e
lidade, tristeza, sentimentos de vergo- crescimento. Da mesma forma, eventos
nha, medos, sustos, ansiedade, sensação desruptivos têm efeitos nocivos, porém
de desamparo, pensamentos recorrentes também podem ser ponto de partida
sobre o mesmo fato, mudanças rápidas para desenvolvimentos saudáveis.
de emoções, ideias suicidas.
A capacidade de, como uma fênix, renas-
Sintomas nas relações interpes- cer das “cinzas” (da perda, da tristeza e
soais: discussões, tensões nas relações, da morte) é denominada Resiliência. O
falta de emoções, perda de interesse pelo termo vem das ciências físicas e refere-se
entorno, dependência para tomar deci- à capacidade observada nos metais de
sões, falta de motivação e/ou incapacida- resistência ao choque de recuperação a
de para reintegração social e profissional. um estado inicial. Resiliência pode ser
definida como “a capacidade humana
Fatores que influenciam as rea- de enfrentar, sobrepujar e ser fortaleci-
ções nas pessoas: fatores qualitativos do e transformado por experiências de
e de intensidade do desastre, tempo de adversidade”.
exposição ao mesmo, existência de ade- Então, se desruptivo é um rompimento
quada sustentação social, idade, gênero, do funcionamento mental, resiliência
estado civil, deslocamento do habitat, seria a capacidade de suportar limites
desorganizadores e reorganizar-se após
esta vivência específica. Acolhimento
É o ato de estar junto com a pessoa que
Hoje a resiliência costuma ser apre- sofre o fato desruptivo oferecendo-lhe
sentada como contrapartida da vulne- o amparo através de abrigo, atenção ou
rabilidade. A vulnerabilidade pode ser cuidado nos primeiros momentos.
definida, nas ciências da saúde, “como
uma categoria que alude à probabilida- Primeiro momento
de de respostas disfuncionais somáticas Em nosso trabalho com trauma e
ou comportamentais frente a determi- estresse pós-traumático, observamos
nados desencadeadores. Isto significa que muitas vezes atuar no momento da
que existem sujeitos que adoecem mais latência, antes da síndrome traumáti-
facilmente que outros, ou que, padecen- ca se estabelecer (antes do desruptivo
do da mesma enfermidade, têm mais transformar-se em traumático), pode
complicações ou respondem pior às impedir a formação dessa síndrome
intervenções terapêuticas”. traumática.

A vulnerabilidade é um conceito que Alguns autores apresentam este acolhi-


depende de três fatores: história pessoal mento inicial como debriefing. De acordo
de situações desruptivas (precoces e/ com a classificação comum, debriefing é
ou cumulativas); condição de qualidade “uma conversa única, semi-estruturada,
de vida alcançada e rede de vínculos com um indivíduo que apenas vivenciou
interpessoais. uma situação estressante ou traumática”.

A seqüência lógica: encontro / organi- Isso significa acolher o indivíduo logo no


zação / transformação é alterada pela primeiro momento pós-trauma, permi-
adversidade e torna-se necessário outro tindo que ele compreenda e dê um sig-
encontro para produzir esta seqüência. nificado ao que vivenciou. Visa auxiliar
Mesmo considerando a existência de o processo de representação mental do
potenciais organizadores, é o encontro que acabou de acontecer. O importante
que os ativa. nesse momento é saber ouvir, oferecer
um contato que pode ser físico, corporal,
Vincular-se é um processo reflexivo. Não através de um toque ou de um abraço,
é um movimento que parte apenas de por exemplo. Abrir espaço para que a
um lado do par envolvido (o cuidador e a pessoa represente a situação e possa
pessoa que sofreu o dano). É necessário sair da angústia de aniquilamento que o
que exista em ambos disposição, abertu- desampara.
ra, aproximação e aceitação.
Se bombeiros, policiais, médicos de
emergência e enfermeiros puderem
oferecer esse tipo de ajuda aos que
sofreram essa experiência traumática,
talvez o número de casos de pacientes
que venham a desenvolver algum tipo de
estresse pós-traumático diminua.

Esses profissionais devem ser treinados


para saber como agir nesse momento,
devem ser preparados para acolher e
amparar, mesmo que seja apenas visan-
do não “piorar” o quadro.

Durante a intervenção
De forma diferente do que no contato
logo após uma situação de estresse e/ou
trauma, aqui o acolhimento se desen-
volve com ênfase no diálogo, ou seja, no
verbal.

Através desta aliança de trabalho, o


cuidador vai buscar formas de acolher
a pessoa, criando com ele o vínculo que
possibilitará a melhora, a identificação
de vulnerabilidades e o desenvolvimento
de resiliência.

Cartilha elaborada por:


José Toufic Thomé
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Graniza.2001
www.abpcomunidade.org.br

Procure um médico psiquiatra.

www.abpbrasil.org.br

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