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Revista Multidisciplinar da Saúde (RMS), v.04, n.02, ano 2022, p.

12-28

ISSN online: 2176-4069 Centro Universitário Padre Anchieta

____________________________________________________________ RMS – UniAnchieta

Transtorno de estresse pós-traumático e depressão à luz do


filme as vantagens de ser invisível
Amanda Rayra Dias Campos¹, Gilson Gomes Coelho¹*

¹ Faculdade Católica Dom Orione, (FACDO), Rua Santa Cruz, 557, Setor Central, Araguaína,
Tocantins, Brasil.

*Autor para correspondência: Gilson Gomes Coelho. Faculdade Católica Dom Orione, rua Santa Cruz,
557, Setor Central, Araguaína, Tocantins, Brasil. (63) 3413-0500. E-mail: gilsonpsico@gmail.com

Todos os autores deste artigo declaram que não há conflitos de interesses

Artigo Original: Psicologia

Resumo
O presente artigo foi desenvolvido com o intuito de analisar a relação comórbida entre Depressão e
Transtorno de Estresse Pós-Traumático, quando este vem como consequência de abuso sexual no
período da infância, tendo como pano de fundo o filme “As vantagens de ser invisível”. Para tal,
utilizando-se dos pressupostos e conhecimentos dispostos pela Psicopatologia para estabelecer
considerações sobre as vivências que o protagonista experienciou como fatores que determinaram o seu
quadro psicopatológico. A metodologia empregada foi a de estudo de caso, realizando o levantamento
das informações e fundamentação teórica a partir do filme e de artigos científicos.

Palavras-chave: Psicopatologia; Depressão; Transtorno de Estresse pós-traumático; Abuso sexual;


Adolescência;

Post-traumatic stress disorder and depression in the light of the film the
advantages of being invisible
Abstract

This article was developed with the objective of analyzing the comorbid relationship between
Depression and Post Traumatic Stress Disorder, when it arises as a consequence of childhood sexual
abuse, against the backdrop of the movie “The advantages of being invisible”. Therefore, using the
assumptions and knowledge provided by Psychopathology to establish considerations about the
experiences that the protagonist lived as determining factors of his psychopathological condition. The
methodology used was the case study, collecting information and theoretical foundations from films

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Campos ARD, Coelho GG

and scientific articles.

Keywords: Psychopathology; Depression; Post Traumatic Stress Disorder; Sexual abuse; Adolescence.

Introdução
Há em todos os seres humanos uma suscetibilidade em vivenciar situações estressoras
que podem causar-lhes danos permanentes ou temporários, assim como, levá-los a quadros de
transtornos psicológicos e/ou psiquiátricos. E embora a infância seja tida como o período da
vida no qual se é feliz e sem preocupações, a criança, semelhantemente, está exposta a eventos
que trazem consigo uma carga de angústia muito superior ao que elas conseguem processar,
ocasionando traumas que podem comprometer todo o seu desenvolvimento posterior,
aplacando suas potencialidades e funcionalidades. Nessas condições, faz-se necessário um
acompanhamento especializado com o intuito de acabar ou diminuir com o sofrimento
vivenciado, possibilitando uma melhora no desenvolvimento pessoal do indivíduo acometido.
Sendo assim, o campo da ciência psicológica que se volta para o estudo e análise da doença
mental, tanto quanto, suas causas, natureza, mudanças estruturais e funcionais, e tipos de
manifestação, é denominada Psicopatologia¹.
Segundo Schneider2, a história da psicopatologia se vincula diretamente com a história
da psiquiatria, a qual passou a ser reconhecida a partir do séc. XVIII, sendo Pinel, Tuke e Rush,
os nomes mais associados a esse marco inicial, por terem realizado as primeiras classificações
do que era chamado loucura. Dessa forma, reinava o que se chamou de “clínica dos casos”, na
qual a doença era descoberta pela descrição de sinais e sintomas, segundo o empirismo que
predominava durante aquele século².
O corte epistemológico, ou seja, o rasgo que mudou essa condição, deu-se com o
desenvolvimento e progresso da ciência, e, assim, no nascimento do método anátomo-
patológico, com autópsias e dissecações que promoveram um conhecimento pautado no
comportamento desregrado vinculado a uma alteração em algum dos órgãos do indivíduo.
Assim, o tratamento das doenças alcançou um nível mais seguro e rigoroso. Indo para além da
classificação, passou-se a ser possível fazer inferências sobre as prováveis causas que enfermou
o corpo, possibilitando, ainda, métodos de prevenção².
Nesse processo de conhecimento do corpo doente, a psiquiatria buscou sair do método
anátomo-patológico, e para isso transportou a lógica da medicina para as psicopatologias,
buscando explicá-las a partir de lesões orgânicas. Entretanto uma causa externa não explicava
as dificuldades psíquicas, e essas passaram, inicialmente, a serem classificadas como doenças

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sem causa conhecida, chegando a serem explicadas como fenômenos imutáveis e de cunho
hereditário. A autora ainda acrescenta que os primeiros estudiosos da psiquiatria também deram
ênfase às doenças de ordem mental e estabeleceram as primeiras classificações de cunho
psicopatológico. Essa atividade influenciou na formação dos mais famosos manuais de doenças
e transtornos mentais, o DSM-V e CID-10, que tem por objetivo uma espécie de uniformização
dos diagnósticos e facilidade da comunicação clínica entre profissionais de todo o mundo².
No final do século XIX, o psiquiatra francês Jean-Martin Charcot teve uma grande
participação na mudança conceitual de doença mental. Por meio de suas análises com mulheres
histéricas, abriu caminho para o desenvolvimento da abordagem psicanalítica, a qual aponta
que a fonte dos transtornos psíquicos está nas fantasias inconscientes, e que a doença mental
se configura como resultado de um conflito psíquico².
Contudo foi só com a publicação de Karl Jasper sobre Psicoterapia geral, que tinha por
intuito descrever e classificar as doenças mentais minuciosa e sistematicamente, que a
Psicopatologia se estabeleceu como disciplina organizada. Atualmente, o termo psicopatologia
é utilizado por disciplinas que se voltam para o sofrimento psíquico. E as manifestações do
pathos concebem as noções presentes nos estudos e tratamentos, sejam eles feitos pela
psicologia ou pela psiquiatria³.
E assim, a psicopatologia se estabelece como um campo com primícias e pontos
centrais para o conhecimento de doenças e transtornos que acometem a psique humana, tais
quais: o estudo das semiologias, semiogêneses, entidades nosológicas, forma e conteúdo dos
sintomas. Para além disso, estabelecendo-se como uma ciência que não adiciona critérios de
valor ou aceita dogmas e verdades a priori, e assim, sendo definida como um sistema de
conhecimentos concernentes ao adoecimento mental do ser humano⁴.
Dessa forma, a presente pesquisa tem como foco contextualizar e analisar o filme “As
vantagens de ser invisível", o qual discorre sobre o universo adolescente e trata sobre temas
como depressão, suicídio e abuso sexual. Tendo como objetivo analisar, à luz da
Psicopatologia, a possível relação existente entre o TEPT - Transtorno de Estresse Pós-
Traumático e o Transtorno Depressivo, vivenciados pelo protagonista, à discussão será
acrescentado o abuso sexual na infância como um dos diversos fatores que conseguem
desencadear o desenvolvimento desses quadros psicológicos, conceituando-o, sobretudo, a
partir do DSM-5. Assim, o trabalho divide-se em: TEPT - Transtorno de estresse pós-
traumático e o abuso sexual; Modo de funcionamento do adolescente abusado sexualmente;
Transtorno depressivo; Tratamento e Considerações finais.
Campos ARD, Coelho GG

Assim, a relevância científica e social deste debate, visa a contribuir para um


entendimento mais claro sobre a relação entre TEPT e a Depressão no período da adolescência,
suas fontes e consequências, e os métodos para um tratamento eficaz que auxiliem na
possibilidade de oferecer uma melhor qualidade de vida ao indivíduo. Deste modo, agregando
às literaturas existentes que se interessam por esses fenômenos, a possibilidade de uma atuação
conjunta para o entendimento acerca dos quadros de depressão fomentados por vivências
traumáticas, sobretudo na infância, das quais o próprio sujeito já não se lembra mais.

Método
A análise em questão caracteriza-se como um estudo de caso, este que se define por
uma investigação minuciosa acerca de um objeto, possibilitando um intenso e amplo
aprofundamento no conhecimento sobre este; sendo, também, um elemento que pretende
organizar dados e informações que preserve o seu caráter unitário enquanto objeto tomado
como foco de análise. Ainda, configura-se como um método de pesquisa e investigação
empírica, que tem sua fonte em fatos reais que permitem a explicação, descrição e compreensão
de determinados fenômenos⁵.
Partindo disso, o filme foco do estudo, “As vantagens de ser invisível” de 2002, conta
com Stephen Chbosky como diretor e roteirista e com Logan Lerman interpretando o jovem
protagonista Charlie. Nesse sentido, os passos para a construção da pesquisa se deram em duas
etapas, sendo a primeira voltada para escolha e análise do filme, e as demandas trazidas por
ele, e a segunda focada na seleção dos materiais científicos para a fundamentação teórica.
As pesquisas foram realizadas em artigos científicos, utilizando como critério de
escolha textos escritos a partir dos anos 2000 que tratam sobre o TEPT e a Depressão, sobretudo
no período da adolescência e que não violassem o proposto no Código de Ética da Psicologia.
O método de leitura aplicada foi o de base analítica, que descreve uma leitura compassada, que
visa à absorção total do conteúdo, isto é, um entendimento sobre aquilo que o autor se propõe
a explanar⁶.

Resultados e Discussão
TEPT e abuso sexual
O filme “As vantagens de ser invisível” ocorre na década de 90 e retrata a história de
Charlie, um adolescente de 15 anos de idade que está por entrar no ensino médio, que sofre de
depressão e ansiedade desde sua infância. Charlie passou por grandes aflições e situações

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traumáticas que o levaram a esses quadros, como a perda sua amada tia Helen em um acidente
de carro, quando ela estava a caminho para buscar um presente para ele; quando seu melhor
amigo comete suicídio; e depois, quando descobre que na sua infância sua mesma tia o
assediava sexualmente. Por ter, então, vivenciado essas questões, seu quadro de depressão e
ansiedade podem ser comórbidos ao TEPT⁷.
É perceptível a presença de um ciclo de relações traumáticas e abusivas na constituição
familiar de Charlie. Além da vivência do abuso sexual entre ele e sua tia, sua irmã Candace
está em um relacionamento com um garoto que lhe agride física e psicologicamente. Uma cena
retrata tal condição quando Charlie consegue ver seu cunhado dando um tapa no rosto de sua
irmã, e ao vê-la sendo agredida tenta intervir na situação, mas é impedido por ela, que afirma
que a culpa foi sua, fechando a porta e ficando a sós com o namorado. Nesse momento
acompanhamos a aflição do garoto temendo que algo pior pudesse ocorrer⁷.
Charlie tem um outro irmão mais velho que só aparece em visitas periódicas, em razão
de estudar em uma faculdade que se localiza em outra cidade, assim, o garoto demonstra ter
saudade da presença contínua do seu irmão em casa. Seus pais são retratados como
compreensíveis e presentes, demonstrando preocupação acerca do bem-estar de seus filhos,
entretanto, há um déficit no que diz respeito à confiança e comunicação entre os membros de
sua família, pois assim como a irmã não consegue se abrir com seus pais sobre as violências
que sofre, Charlie também esconde sua dificuldade em fazer amigos na escola e que isso o está
afetando profundamente. De modo geral, a família de Charlie se classifica como família nuclear
ou tradicional, por ser constituída por mãe, pai e filhos, e se encontra na posição de classe
média⁷.
O filme não retrata claramente a natureza dos assédios que o garoto sofria, porém ao
longo da obra, em alguns flashbacks, é possível perceber uma fala de sua tia: “Será nosso
segredinho”, e durante outro momento de reminiscência ele percebe que viveu momentos nos
quais a tia lhe acariciava perto de suas partes íntimas e, sequencialmente, outra memória lhe é
destravada e o rosto de sua assediante surge outra vez lhe dizendo, enquanto tocava em suas
coxas: “Não acorde sua irmã” ⁷.
Após esses incidentes (assédio e morte de sua tia) não é retratado fatos de como foi sua
infância, a trama se inicia apresentando Charlie no início do seu semestre letivo como um
garoto bem introspectivo, retraído, sem amigos, que se isola, não consegue iniciar ou manter
um diálogo e passa a maior parte do tempo sozinho em seu quarto com a rara companhia de
livros.
O DSM-5 apresenta critérios de diagnóstico que se aplicam a adultos, adolescentes e
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crianças acima de 6 anos, para se estabelecer o diagnóstico de Transtorno de Estresse Pós-


Traumático. No caso de Charlie, os principais critérios em que ele se engrada, segundo traz a
narrativa do filme, são: o critério A, o qual aponta que a exposição do indivíduo ao incidente
concreto ou ameaçador de morte, lesão grave ou violência sexual, deve se dar diretamente. O
critério B, que aponta a presença de lembranças da situação angustiante recorrentes e
involuntárias; sofrimento psicológico e reações fisiológicas intensas ante estímulos que
simbolizam ou se assemelham aos sinais do evento traumático. No caso de Charlie é possível
analisar que ele já tinha algumas lembranças perturbadoras sobre a morte de sua tia, porém nas
celebrações de natal (pois foi nessa data que ocorreu o acidente com Helen), o insight dos
abusos realizados por ela e a mudança de seus amigos para outra cidade, potencializaram em
um nível altíssimo suas lembranças, levando-o a um episódio de perda de consciência
precedido por uma crise de ansiedade⁸. Critério C, que aborda sobre esforços para evitação de
pensamentos relacionados ao conflito vivido, e, neste caso, para além da repressão que Charlie
viveu ao bloquear de sua consciência as lembranças dos abusos sexuais, quando essa memória
veio à tona ele relutou de todas as formas para não pensar na situação vivida, negando para si
que o fato tivesse ocorrido. E ainda o critério D, que descreve as alterações cognitivas de cunho
negativo que Charlie sofreu, entre as quais, a já citada, incapacidade de lembrar-se dos abusos
a que era introduzido; suas crenças a respeito de si mesmo colocando-se como o causador do
acidente que resultou na morte de sua tia; o distanciamento social com dificuldades
interpessoais bastante evidente, por ele não ter amigos e apresentar dificuldades e resistência
em relacionar-se com outras pessoas; o que, porém, começa a mudar, quando por um modo de
busca por melhoria no seu quadro, Charlie passa a esforçar-se para fazer amizades, passando a
se relacionar com os chamados “desajustados”, os quais tornam-se seus amigos.
Borges e Dell’Aglio ao citarem Ehlers e Clark, afirmam que o TEPT abrange em seu
modelo conceitual, tanto falhas no que diz respeito ao processamento da memória traumática,
quanto na avaliação persistente da ameaça. Esse traço é bem visível em Charlie com relação a
sua tia, na qual as únicas recordações que ficaram em sua mente foram do quanto ele a admirava
e que ele próprio tinha sido o responsável pelo acidente que resultou na morte dela, o que
caracteriza sua falha de processamento⁹.
Um ponto importante a ser destacado diz respeito às lembranças intrusivas e
recorrentes, que fazem parte do processo de “reexperiência” que o indivíduo geralmente sofre,
o qual pode ocorrer sob a forma de pesadelos e comporta em seu conteúdo componentes
afetivos ligados ao sofrimento e angústia que o paciente está vivenciando. A manifestação de
flashbacks, bastante comum nesses casos, tem por característica a sensação de se estar

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revivendo o trauma passado, mas no momento atual em que se está¹⁰. Essa condição é
livremente observada quando as memórias do abuso que sofreu foram destravadas e seu
sentimento de culpa, por ter causado a morte de sua abusadora, se transforma em sofrimento
por entender que ele queria que essa morte tivesse ocorrido e, então, seus flashbacks passam a
portar uma carga ainda maior de angústia.
Essa repressão traumática se deu em razão de o TEPT ser também compreendido como
um distúrbio da memória. Segundo McNally, esse transtorno causa falhas na organização das
informações advindas do evento traumático, isso pode ocorrer devido: (a) ao processamento
seletivo do conteúdo do evento traumático; (b) à generalização dos estímulos explícitos e
implícitos da memória traumática; (c) a problemas para o esquecimento direto do conteúdo
traumático da memória e (d) a problemas na recuperação das memórias autobiográficas¹¹.
Sobre o abuso sexual, Dalgalarrondo4 contribui, afirmando que, quando ocorrido na
infância, essa condição torna-se um dos maiores fatores que determinam transtornos
depressivos na adolescência. Ele acrescenta que:

O abuso sexual e o estupro são fenômenos trágicos e dolorosos que integram


a vida diária da maioria das sociedades atuais (OMS, 2005). Por parte do
agressor, é uma forma de descarregar a tensão, a agressividade ou o sadismo
sobre uma vítima que não pode lhe oferecer resistência. A maioria das vítimas
são mulheres adolescentes ou jovens, sendo os agressores às vezes homens
conhecidos das vítimas, às vezes parentes (pais, padrastos, tios, etc)⁴.

Por sua vez, quando o abuso é de cunho intrafamiliar, pode ser percebido como
“Síndrome conectora de segredo e adição”. A condição de segredo está relacionada às ameaças,
promessas de recompensas por uma garantia de silêncio que o abusador oferece à criança. A
parte da síndrome referente à adição diz respeito ao aumento intenso das formas do abuso
sexual, indo de carícias no corpo da criança até o intercurso completo, e, assim, se torna mais
difícil sua descoberta, visto que a criança é coagida e sente medo de contar o que lhe está
ocorrendo⁹.
Lima e Diolina acreditam que conforme for o grau de relação que a criança tem com o
abusador, por mais tempo durará o abuso, visto que qualquer pessoa pode se incorporar nessa
posição pedofílica, homens ou mulheres, adultos e mesmo crianças mais velhas, não raramente
- um dos pais, um parente, vizinho, amigo da família, etc. E assim, em diversas figurações, os
indivíduos que abusam de crianças estão entre aqueles que se encontram cotidianamente com
elas¹².
Fato este visto e vivido em Charlie, que estando submetido a essa situação tão
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perturbadora e trágica, não contou com qualquer tipo de interrompimento até o acidente fatal
que acometeu sua assediante, e nem que sua família chegasse a cogitar sobre a possibilidade
do ocorrido. O filme não relata sobre a descoberta pelos pais e irmãos de Charlie, e nem quantas
vezes o episódio ocorreu, porém não lhes adveio a percepção que alguém de “confiança” - tia
Helen - tão amada por todos, poderia estar cometendo tamanha violência contra seu sobrinho.

Implicações
A criança que sofre abuso sexual pode ser considerada uma prisioneira do sofrimento,
não podendo sobreviver sozinha e ligando-se profundamente àquele que lhe oferece cuidados
e atenção e, ainda, apresentam sintomas do transtorno de estresse pós-traumático. Pode-se
observar de maneira efetiva, que é na adolescência que esse sofrimento se sobressai¹³.
As consequências para quem passou por esse infortúnio dependerão do modo de
funcionamento psíquico, que em cada um se dá de um jeito específico. Entretanto não é preciso
nenhuma pesquisa qualitativa ou quantitativa para constatar que essa situação gera um grande
impacto e sofrimento. Lima e Diolina ponderam ao citarem Tilman que essa condição
desequilibra o “[...] desenvolvimento normal da personalidade, comprometendo, assim, as
funções do nível afetivo, comportamental e nas inter-relações”¹².
Uma das consequências que se pode observar em um adolescente, que na infância foi
abusado sexualmente, é o medo de intimidade. Nas relações interpessoais desses indivíduos há
uma recusa em estabelecer alguma ligação ou intimidade com pessoas do sexo oposto. Essa
condição é comprovada em Charlie, pois o rapaz nunca havia conseguido se relacionar antes
ou estabelecer vínculos afetivos, seja em relação à amizade ou de cunho amoroso, somente
depois que passou por algum tratamento inicial não retratado, e quando conheceu Sam e seus
amigos, que Charlie se abriu para relacionamentos íntimos¹⁴.
A essa indiferença em relacionar-se, entende-se que:

O medo da intimidade é caracterizado pela impossibilidade de estabelecer


uma ligação afetiva, com confiança e atenção recíproca. Esse medo está
relacionado à possibilidade de reviver experiências traumáticas vividas com
o agressor e também ao sentimento de desconfiança, por ter sido, no caso do
incesto, abusada pelo pai e nem sempre protegida pela mãe¹⁴.

Uma das áreas que parece ser bem mais atingida é a da sexualidade, entretanto as
consequências do abuso sexual atingirão como um todo a vida e o modo de funcionamento que
o adolescente ou o adulto terão, dessa forma, classificam-se em consequências de curto e longo
prazo, as demandas que esses indivíduos podem apresentar. As evidências manifestas em curto

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prazo são: Físicas: pesadelos e problemas com o sono, mudanças de hábitos alimentares, perda
do controle de esfíncteres. Comportamentais: consumo de drogas e álcool, fugas, condutas
suicidas ou de autoflagelo, hiperatividade e diminuição do rendimento acadêmico. Emocionais:
medo generalizado, agressividade, culpa e vergonha, isolamento, ansiedade, depressão, baixa
autoestima e rejeição ao próprio corpo (sente-se sujo). Sexuais: conhecimento sexual precoce
e impróprio para a sua idade, masturbação compulsiva, exibicionismo e problemas de
identidade sexual. E por fim, sociais: com déficit em habilidades sociais, retração social e
comportamentos antissociais¹².
Esses resultados podem piorar com o tempo, levando a patologias definidas. Seriam
elas o motivo das consequências de longo prazo, as quais podem se manifestar diferentemente
em cada indivíduo, são elas: Físicas: dores crônicas gerais, hipocondria ou transtornos
psicossomáticos, alterações do sono e pesadelos constantes, problemas gastrointestinais e
desordem alimentar. Comportamentais: tentativa de suicídio, consumo de drogas e álcool e
transtorno de identidade. Emocionais: depressão, ansiedade, baixa autoestima e dificuldade
para expressar sentimentos. Sexuais: fobias sexuais, disfunções sexuais, falta de satisfação ou
incapacidade para o orgasmo, alterações da motivação sexual, maior probabilidade de sofrer
estupros e de entrar para a prostituição e dificuldade de estabelecer relações sexuais. Sociais:
com problemas de relação interpessoal, isolamento e dificuldades de vínculo afetivo com os
filhos¹².
Especialmente em Charlie, antes de ele saber que era abusado, já demonstrava ser
introvertido em excesso, tinha medo e apesentava comportamentos agressivos, o que é
demonstrado na cena em que ele perde o controle dos próprios atos e agindo impulsivamente
agride um garoto que está batendo em seu amigo Patrick, porém depois não lembra do ocorrido.
Concomitantemente, já apresentava grande parte dos sintomas citados, com uma afetação
intensa que o transformou em um adolescente deprimido, sozinho e portador de ansiedade e
depressão, o que, posteriormente, foi profundamente potencializado.
Francischi em sua análise do filme, aponta que em razão da morte de sua tia, a qual
julga ser o culpado, ele se diminui e acredita que jamais será feliz. Ele vê apenas o lado bom
das pessoas, desdobrando-se para fazer bem aos outros e evitando dar sua opinião ou se expor.
A todo instante, Charlie se anula por causa dos outros, e quando as coisas não saem como
planejado, ele volta a se culpar e a sentir-se como um peso para as pessoas à sua volta¹⁵.

Depressão e TEPT
Ao passar por uma situação traumática, as chances de desenvolvimento de outro
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transtorno psicológico se tornam altíssimas, principalmente, no que diz respeito a problemas


ligados aos transtornos de humor, desta forma, indivíduos com TEPT apresentam duas ou três
vezes mais chances de apresentar quadros ligados a transtornos afetivos de depressão e
distimia, que indivíduos sem TEPT¹⁶.
A maioria dos estudos e trabalhos realizados apontam a depressão maior como um
desenvolvimento secundário ao TEPT. Há uma quantidade significativa de sintomas comuns
entre o TEPT e a depressão maior, e por mais que estejam correlacionados, suas respostas são
consideradas independentes ao trauma¹⁷.
O DSM-5 aponta o Transtorno Depressivo Maior como a condição clássica ligada aos
transtornos depressivos. Ele é caracterizado por episódios constantes com no mínimo duas
semanas de duração. Com alterações nítidas no afeto, na cognição, em funções
neurovegetativas, e remissões interepisódicas. Os critérios para o diagnóstico são cinco ou mais
dos seguintes sintomas: 1- humor deprimido na maior parte do dia; 2- interesse ou prazer
acentuadamente diminuído por todas ou quase todas as atividades na maior parte do dia; 3-
perda ou ganho significativo de peso sem estar em dieta; 4- distúrbio do sono (insônia ou
hipersonia); 5- agitação ou letargia; 6- fadiga ou perda de energia quase todos os dias. Outros
critérios ainda são citados, tais como: os sintomas não satisfazem os critérios para um episódio
misto; os sintomas devem causar sofrimentos clinicamente significativos ou prejuízo no
funcionamento social ou ocupacional; estes não se devem aos efeitos fisiológicos diretos de
uma substância ou de uma condição médica geral; os sintomas não são mais bem explicados
por luto⁸.
O perfil depressivo de Charlie é retratado quando ele já está em processo de melhora e
reabilitação social - isso fica claro nas primeiras cenas do filme. É conhecido que o seu melhor
amigo se matou com um tiro na cabeça, o que potencializou sistematicamente seu quadro de
depressão, resultando em crises. O quadro dele piorou e retrocedeu em uma noite antes de seus
amigos irem embora, quando Charlie estava com Sam, a garota que ele amava, e em um
momento de intimidade entre os dois, algumas memórias de sua infância são destravadas e ele
se recorda que a tia que ele tanto amava e se lamentava pela perda, na verdade, o abusava
sexualmente. Quando, então, ele se encontra sozinho em casa, sem seus amigos e família,
Charlie tem todos os seus quadros piorados, principalmente, o ligado à depressão. Esses pontos
são bem confirmados por Bahls e Bahls os quais apontam que:

Já existem alguns fatores de risco para depressão em adolescentes


razoavelmente bem definidos. O mais importante é a presença de depressão

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em um dos pais, pois sabe-se que a existência de história familiar para


depressão aumenta o risco em pelo menos três vezes. Outros fatores
importantes de risco são os estressores ambientais como abuso físico e sexual
e a perda de um dos pais, irmão ou amigo íntimo¹⁸.

Tanto o TEPT quanto uma depressão trazem consigo, de maneira independente, riscos
para comportamentos suicidas, quando, então, esses dois transtornos unem-se por
comorbidade, o risco do paciente que porta esse diagnóstico simultâneo é também sinérgico
para tentativas suicidas.
Por análises do comportamento de Charlie - começar a dar aos seus amigos seus livros
preciosos e seus objetos mais importantes, tanto quanto, por estar escrevendo uma carta - pode-
se inferir que ele poderia estar planejando se suicidar. Porém uma tentativa real, embora
frustrada, é notável; esta ocorre quando ele se encontra sozinho em casa, após seus amigos se
mudarem para outra cidade. Charlie começa a se lembrar da sua tia e do que ela fez contra ele
e, ainda, muitas outras lembranças de sofrimentos que as pessoas que ele ama passaram,
começaram a entrar em seus pensamentos, e por estar em crise, ele anda pelos cômodos de sua
casa até chegar na cozinha onde encontra uma faca, nesse momento, felizmente, a polícia chega
e o impede.
As manifestações depressivas no adolescente costumam assemelhar-se com as
apresentadas em adultos. Diferenciando-se, entretanto, porque no primeiro é mais agravado
sintomas como: perda de energia, apatia, desinteresse, sentimento de culpa e alterações no
sono. Também é notável que entre meninos e meninas consta uma diferença nas manifestações
clínicas. Nas meninas é mais comum sentimentos como: tristeza, vazio, raiva, ansiedade e
preocupação com aparência. Enquanto nos meninos, é mais frequente o sentimento de
desprezo, desafio e problemas de conduta, tais como: violência, falta nas aulas e fugas de casa¹⁹.
É bem visível a comorbidade existente entre esses dois transtornos na vida de Charlie,
em que um trauma vivido na infância fomentou todo o seu aparato cognitivo e emocional,
levando-o a apresentar sintomas depressivos e ansiosos. Este infortúnio lhe impedia de
relacionar-se e ter prazer na vida, moldando-o a uma condição na qual suas respostas eram
humor rebaixado, rememorações dolorosas, sintomas e crises de ansiedade, conflitos consigo
mesmo e desprazer em viver; o que o faziam ser visto como o “diferente”, em virtude de ele
não se portar como é esperado para um adolescente. Assim, entendemos que o abuso sexual se
transformou em um estresse traumático, o qual, por sua vez, resultou em um quadro de
depressão.
Campos ARD, Coelho GG

Tratamento
Em razão da falta de pesquisas e dados sobre o tratamento do TEPT comórbido, a
depressão maior, o tratamento - quando há uma operação dos dois simultaneamente - segue a
mesma forma do tratamento ofertado nos casos de TEPT puro¹⁷.
Knapp e Caminha descrevem o TEPT como “[...] uma psicopatologia que se desenvolve
como resposta a um estressor traumático, real ou imaginário, de significado emocional
suficiente para desencadear uma cascata psicológica e neurobiológica relacionadas"²⁰. Para se
pensar, então, em uma possível resolução dessa problemática, deve-se saber que cada
abordagem dentro da ciência psicológica se fomenta com métodos diferentes para o tratamento
de uma mesma demanda.
Nas terapias cognitivo-comportamentais, por exemplo, pode-se utilizar o “treinamento
de inoculação de estresse” desenvolvido por Meichenbaum. Essa técnica divide-se em duas
partes, a primeira se restringe ao mapeamento da gravidade do impacto causado pelo problema,
como um modo de preparar o paciente para o tratamento, e a segunda fase busca treinar o
indivíduo com habilidade de manejo para o enfrentamento da situação, com orientações para
soluções de problemas racionais¹⁶.
Outra técnica dentro dessa abordagem é a “terapia de processamento cognitivo”,
desenvolvida por Austin e Resick, que sustenta a efetividade que há na ressignificação das
memórias traumáticas, em razão de propor que as emoções, além de surgirem do trauma, se
intensificam com as interpretações atribuídas pelo próprio indivíduo, dessa forma, o terapeuta
se coloca como mediador para transformar essas interpretações. Por fim, a “técnica do mapa
da memória traumática”, a qual leva o paciente a uma reavaliação e descrição de suas memórias
do trauma nos mais diversos níveis de percepção: sentimentais, comportamentais, fisiológicas,
perceptuais, visuais, táteis, gustativas, olfativas, sonoras e auditivas¹⁶.
A abordagem Psicanalítica, por sua vez, em sua base teórica, relaciona o trauma a um
despreparo psicossexual no indivíduo, de absorver ou integrar uma excitação. Meshulam-
Werebe et al., menciona que o espaço entre o acidente e a primeira aparição do sintoma,
segundo Freud, é chamado de “período de incubação”, quando, porém, essa situação ultrapassa
a barreira do recalque, emergindo a consciência, o aparelho psíquico, por meio da compulsão,
à repetição, com influência de um masoquismo operando sobre o ego, faz com que na mente
do indivíduo as imagens violentas do incidente retornem como alucinações e pesadelos. Os
mesmos autores trazem a psicanálise como a mais indicada em casos de traumas psíquicos.
Segundo eles, ela oferece ao paciente um espaço terapêutico seguro para que ele consiga falar
sobre seus sofrimentos, com uma maior possibilidade de explorar seus sentimentos,

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Transtorno de estresse pós-traumático e depressão à luz do filme as vantagens de ser invisível

considerando as configurações latentes do indivíduo, como sua infância, estrutura psíquica e


as questões que emergiram em razão do trauma que desestabilizaram o equilíbrio pregresso²¹.
Sobre o tratamento voltado para os Transtornos Depressivos, a literatura demonstra que
a utilização de medicações, a psicoterapia e, principalmente, a utilização dos dois
simultaneamente, são as formas mais eficazes e efetivas. A duração do tratamento é ajustada e
mediada segundo a necessidade e o quadro de cada paciente. Se porventura o paciente não
apresentar resposta ao tratamento, a recomendação é revisar o caso e as questões como: se o
diagnóstico foi correto, se há uma doença médica ou psiquiátrica concorrente, a duração da
doença, se existem dificuldades crônicas ou sintomas psicóticos¹⁹.
Por sua vez, a psicoterapia é o tratamento mais escolhido em grande parte dos casos
depressivos, e deve se estabelecer como uma consulta contínua para auxiliar o indivíduo a
desmembrar seus sentimentos e percepções patológicas. A psicoterapia auxilia na elaboração
de conteúdos e sentimentos ambivalentes como: amor e ódio, medo, culpa, alegria, tristeza,
onipotência, indiferença e insegurança²².
É relevante frisar a possibilidade do uso de tratamentos farmacológicos, pois o filme
em questão, em várias cenas mostra que Charlie usa medicamentos provindos de seu tratamento
para a depressão. E para além disso, uma melhora significativa, também, é possível de ser vista:
Charlie passa a se interessar por livros, faz amizades e se abre para relações mais íntimas.
O uso de fármacos tem por objetivos principais a redução da rigidez dos sintomas
centrais da doença e suas incapacidades congruentes, ainda, o progresso e aperfeiçoamento do
desempenho psicossocial e da qualidade de vida, como também, elevar a capacidade de ser
resiliente e habilidoso para lidar com o estresse. Alguns ISRS - Inibidores Seletivos da
Recaptação de Serotonina utilizados no tratamento do TEPT comórbido com Depressão Maior,
são: Sertralina, Fluoxetina, Paroxetina, Fluvoxamina e Citalopram. Deve-se incrementar a dose
gradualmente ao longo de um período de 6 a 12 semanas. Por sua vez, os antidepressivos mais
frequentemente usados são: Imipramina, Desipramina, Amitriptilina e Nortriptilina¹⁷.
Para o tratamento específico de abuso sexual na infância, a psicologia e suas diversas
abordagens se dispõem de métodos eficazes e efetivos que garantem ao paciente e à sua família
uma redução completa ou diminuição dos pensamentos e sentimentos conflitantes. Sobre isso,
Habigzang destaca que:

A psicologia tem contribuído para a compreensão do abuso sexual infantil,


através de estudos sobre dinâmica familiar, incidência epidemiológica,
conseqüências do trauma para o desenvolvimento e intervenções clínicas. A
efetividade de métodos de avaliação tem sido um importante desafio para
Campos ARD, Coelho GG

psicólogos clínicos e pesquisadores, uma vez que aspectos teóricos,


metodológicos, éticos e técnicos devem estar coordenados, visando à
proteção e à promoção de saúde e qualidade de vida das vítimas e suas
famílias²³.

Uma das principais abordagens terapêuticas no campos da ciência psicológica é o


Psicodrama, que oferece múltiplos formatos de elaboração de intervenções individuais e
grupais com pessoas que sofreram abusos sexuais, pode-se destacar entre suas estratégias: a
técnica do duplo, que visa a auxiliar na externalização dos sentimentos que o(s) indivíduo(s)
guarda(m) sobre o ocorrido; técnica do espelho, a qual pode auxiliar essas pessoas a se verem
e se reconhecerem e, ainda, a técnica da inversão de papéis, no qual coloca-se uma pessoa no
lugar de outra para que haja uma compreensão recíproca das diferenças e vivências de ambas.
De modo geral, o psicodrama ajuda as vítimas na liberação de emoções presas que a sufocam,
auxiliando-as, assim, no desenvolvimento de sua criatividade e espontaneidade como modo de
conseguir seguir em frente²⁴.
Charlie passou por um tratamento inicial, acredita-se que foi nesse período que ele
conheceu seu amigo, que também sofria de depressão, e no último ano do ensino fundamental
suicidou-se. Ele volta a ser internado em um hospital psiquiátrico e começa a trabalhar suas
emoções com uma médica profissional e remédios, que o ajudaram a ressignificar seus
sofrimentos e traumas, aceitar a realidade que lhe aconteceu, como também, a trabalhar seus
sentimentos com relação a sua tia. Assim, ele dá início a tarefa de gostar e prezar mais de si
mesmo e de “se sentir infinito”, como ele mesmo fala²⁵.
Podemos citar como um componente importante para o tratamento do adolescente
vítima de depressão e TEPT, o apoio e cuidado, a partir de sua família e amigos. Charlie começa
a demonstrar alegria e prazer em viver e na realização de algumas atividades, sobretudo quando
ele conhece Sam e Patrick, o que pela primeira vez lhe traz a sensação de pertencer a um grupo,
e assim, ele começa a sair, até passa a conhecer novas pessoas, ajudando-o a lidar com a solidão
e com o retraimento, tão presentes em sua vida desde o ocorrido. Outro personagem importante
é o seu professor de inglês, que lhe incentiva a entrar no mundo da leitura, atividade que
também lhe proporciona ajuda e lhe provoca interesse²⁵.

Conclusão
Com o desenvolvimento e conclusão deste trabalho, podemos constatar a relação
intensa que há entre o Transtorno de Estresse Pós-Traumático e o quadro expressivo de
Depressão. Quando essa situação traumática é um abuso sexual na infância, o indivíduo

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Transtorno de estresse pós-traumático e depressão à luz do filme as vantagens de ser invisível

acometido sofre intensamente com angústia e um modo reprimido, retraído e limitado de viver
e estar no mundo. Dessa forma, as crianças que vivenciam tal experiência, quase
unanimemente, enfrentam o mesmo clico de agravamento, pois o que ocorre se assemelha em
quase todos os casos registrados, isto é, o abuso sexual desenvolve o TEPT - que é o transtorno
psicológico mais associado ao abuso sexual na infância - e esse, por sua vez, atrai o transtorno
depressivo como comorbidade.
É importante que tanto os pais quanto os professores se atentem à manifestação de
quaisquer um dos comportamentos citados acima, os verbais e não verbais, visto que, a maneira
de ser de um adolescente vítima de tal malefício pode estar fomentado por intenso sofrimento
psíquico, sentimentos profundos de tormenta, culpa, depressão, ansiedade e medo.
Infelizmente, vários garotos e garotas se encontram nessa situação, enfrentando alguma dessas
problemáticas, talvez não sendo abusados por tias como foi o caso do nosso protagonista
Charlie, mas por tios, primos ou primas, vizinhos ou estranhos, pais ou mães.
Hodiernamente, para esses casos a psicologia e seu vasto campo teórico e metodológico
são a esperança de uma reestruturação e reabilitação desse(a) adolescente que não tem amigos
e vive isolado(a), que não tem interesse por nada ou desenvolve uma compulsão, que apresenta
dificuldades de se relacionar ou explosões de raiva e crise de choro, que é oprimido(a) por
alucinações e pensamentos disfuncionais durante o dia, e por pesadelos durante a noite, ou que
desenvolve depressão e ansiedade, e até pensamentos e/ou comportamentos suicidas.
Tais pacientes precisam de uma ajuda especializada, porém é também, indispensável a
tolerância, paciência e cuidado de seus familiares e amigos, e, para isso, os que fazem parte da
rede de apoio destes, precisam ser instruídos a como se portarem diante de possíveis crises
ansiosas, comportamentos e pensamentos disfuncionais, sentimentos de apatia e desprazer,
visto que assim como é retratado no filme em questão, os grandes apoios de Charlie são sua
família e seus amigos de escola.
Torna-se relevante apontar que o filme “As vantagens de ser invisível” se tornou um
emblema para o Setembro Amarelo, o mês de prevenção ao suicídio. Por retratar a história de
um adolescente deprimido e introvertido, que sofria de TEPT e depressão, mas que encontra
amigos que lhe acolhem e, isso, juntamente com o acompanhamento psiquiátrico, proporciona-
lhe uma melhora significativa.
Campos ARD, Coelho GG

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25. As vantagens de ser invisível. Direção de Stephen Chbosky. EUA: Paris Filmes, 2012.
103 min, colorido, dublado.

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