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12-28
¹ Faculdade Católica Dom Orione, (FACDO), Rua Santa Cruz, 557, Setor Central, Araguaína,
Tocantins, Brasil.
*Autor para correspondência: Gilson Gomes Coelho. Faculdade Católica Dom Orione, rua Santa Cruz,
557, Setor Central, Araguaína, Tocantins, Brasil. (63) 3413-0500. E-mail: gilsonpsico@gmail.com
Resumo
O presente artigo foi desenvolvido com o intuito de analisar a relação comórbida entre Depressão e
Transtorno de Estresse Pós-Traumático, quando este vem como consequência de abuso sexual no
período da infância, tendo como pano de fundo o filme “As vantagens de ser invisível”. Para tal,
utilizando-se dos pressupostos e conhecimentos dispostos pela Psicopatologia para estabelecer
considerações sobre as vivências que o protagonista experienciou como fatores que determinaram o seu
quadro psicopatológico. A metodologia empregada foi a de estudo de caso, realizando o levantamento
das informações e fundamentação teórica a partir do filme e de artigos científicos.
Post-traumatic stress disorder and depression in the light of the film the
advantages of being invisible
Abstract
This article was developed with the objective of analyzing the comorbid relationship between
Depression and Post Traumatic Stress Disorder, when it arises as a consequence of childhood sexual
abuse, against the backdrop of the movie “The advantages of being invisible”. Therefore, using the
assumptions and knowledge provided by Psychopathology to establish considerations about the
experiences that the protagonist lived as determining factors of his psychopathological condition. The
methodology used was the case study, collecting information and theoretical foundations from films
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Campos ARD, Coelho GG
Keywords: Psychopathology; Depression; Post Traumatic Stress Disorder; Sexual abuse; Adolescence.
Introdução
Há em todos os seres humanos uma suscetibilidade em vivenciar situações estressoras
que podem causar-lhes danos permanentes ou temporários, assim como, levá-los a quadros de
transtornos psicológicos e/ou psiquiátricos. E embora a infância seja tida como o período da
vida no qual se é feliz e sem preocupações, a criança, semelhantemente, está exposta a eventos
que trazem consigo uma carga de angústia muito superior ao que elas conseguem processar,
ocasionando traumas que podem comprometer todo o seu desenvolvimento posterior,
aplacando suas potencialidades e funcionalidades. Nessas condições, faz-se necessário um
acompanhamento especializado com o intuito de acabar ou diminuir com o sofrimento
vivenciado, possibilitando uma melhora no desenvolvimento pessoal do indivíduo acometido.
Sendo assim, o campo da ciência psicológica que se volta para o estudo e análise da doença
mental, tanto quanto, suas causas, natureza, mudanças estruturais e funcionais, e tipos de
manifestação, é denominada Psicopatologia¹.
Segundo Schneider2, a história da psicopatologia se vincula diretamente com a história
da psiquiatria, a qual passou a ser reconhecida a partir do séc. XVIII, sendo Pinel, Tuke e Rush,
os nomes mais associados a esse marco inicial, por terem realizado as primeiras classificações
do que era chamado loucura. Dessa forma, reinava o que se chamou de “clínica dos casos”, na
qual a doença era descoberta pela descrição de sinais e sintomas, segundo o empirismo que
predominava durante aquele século².
O corte epistemológico, ou seja, o rasgo que mudou essa condição, deu-se com o
desenvolvimento e progresso da ciência, e, assim, no nascimento do método anátomo-
patológico, com autópsias e dissecações que promoveram um conhecimento pautado no
comportamento desregrado vinculado a uma alteração em algum dos órgãos do indivíduo.
Assim, o tratamento das doenças alcançou um nível mais seguro e rigoroso. Indo para além da
classificação, passou-se a ser possível fazer inferências sobre as prováveis causas que enfermou
o corpo, possibilitando, ainda, métodos de prevenção².
Nesse processo de conhecimento do corpo doente, a psiquiatria buscou sair do método
anátomo-patológico, e para isso transportou a lógica da medicina para as psicopatologias,
buscando explicá-las a partir de lesões orgânicas. Entretanto uma causa externa não explicava
as dificuldades psíquicas, e essas passaram, inicialmente, a serem classificadas como doenças
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Transtorno de estresse pós-traumático e depressão à luz do filme as vantagens de ser invisível
sem causa conhecida, chegando a serem explicadas como fenômenos imutáveis e de cunho
hereditário. A autora ainda acrescenta que os primeiros estudiosos da psiquiatria também deram
ênfase às doenças de ordem mental e estabeleceram as primeiras classificações de cunho
psicopatológico. Essa atividade influenciou na formação dos mais famosos manuais de doenças
e transtornos mentais, o DSM-V e CID-10, que tem por objetivo uma espécie de uniformização
dos diagnósticos e facilidade da comunicação clínica entre profissionais de todo o mundo².
No final do século XIX, o psiquiatra francês Jean-Martin Charcot teve uma grande
participação na mudança conceitual de doença mental. Por meio de suas análises com mulheres
histéricas, abriu caminho para o desenvolvimento da abordagem psicanalítica, a qual aponta
que a fonte dos transtornos psíquicos está nas fantasias inconscientes, e que a doença mental
se configura como resultado de um conflito psíquico².
Contudo foi só com a publicação de Karl Jasper sobre Psicoterapia geral, que tinha por
intuito descrever e classificar as doenças mentais minuciosa e sistematicamente, que a
Psicopatologia se estabeleceu como disciplina organizada. Atualmente, o termo psicopatologia
é utilizado por disciplinas que se voltam para o sofrimento psíquico. E as manifestações do
pathos concebem as noções presentes nos estudos e tratamentos, sejam eles feitos pela
psicologia ou pela psiquiatria³.
E assim, a psicopatologia se estabelece como um campo com primícias e pontos
centrais para o conhecimento de doenças e transtornos que acometem a psique humana, tais
quais: o estudo das semiologias, semiogêneses, entidades nosológicas, forma e conteúdo dos
sintomas. Para além disso, estabelecendo-se como uma ciência que não adiciona critérios de
valor ou aceita dogmas e verdades a priori, e assim, sendo definida como um sistema de
conhecimentos concernentes ao adoecimento mental do ser humano⁴.
Dessa forma, a presente pesquisa tem como foco contextualizar e analisar o filme “As
vantagens de ser invisível", o qual discorre sobre o universo adolescente e trata sobre temas
como depressão, suicídio e abuso sexual. Tendo como objetivo analisar, à luz da
Psicopatologia, a possível relação existente entre o TEPT - Transtorno de Estresse Pós-
Traumático e o Transtorno Depressivo, vivenciados pelo protagonista, à discussão será
acrescentado o abuso sexual na infância como um dos diversos fatores que conseguem
desencadear o desenvolvimento desses quadros psicológicos, conceituando-o, sobretudo, a
partir do DSM-5. Assim, o trabalho divide-se em: TEPT - Transtorno de estresse pós-
traumático e o abuso sexual; Modo de funcionamento do adolescente abusado sexualmente;
Transtorno depressivo; Tratamento e Considerações finais.
Campos ARD, Coelho GG
Método
A análise em questão caracteriza-se como um estudo de caso, este que se define por
uma investigação minuciosa acerca de um objeto, possibilitando um intenso e amplo
aprofundamento no conhecimento sobre este; sendo, também, um elemento que pretende
organizar dados e informações que preserve o seu caráter unitário enquanto objeto tomado
como foco de análise. Ainda, configura-se como um método de pesquisa e investigação
empírica, que tem sua fonte em fatos reais que permitem a explicação, descrição e compreensão
de determinados fenômenos⁵.
Partindo disso, o filme foco do estudo, “As vantagens de ser invisível” de 2002, conta
com Stephen Chbosky como diretor e roteirista e com Logan Lerman interpretando o jovem
protagonista Charlie. Nesse sentido, os passos para a construção da pesquisa se deram em duas
etapas, sendo a primeira voltada para escolha e análise do filme, e as demandas trazidas por
ele, e a segunda focada na seleção dos materiais científicos para a fundamentação teórica.
As pesquisas foram realizadas em artigos científicos, utilizando como critério de
escolha textos escritos a partir dos anos 2000 que tratam sobre o TEPT e a Depressão, sobretudo
no período da adolescência e que não violassem o proposto no Código de Ética da Psicologia.
O método de leitura aplicada foi o de base analítica, que descreve uma leitura compassada, que
visa à absorção total do conteúdo, isto é, um entendimento sobre aquilo que o autor se propõe
a explanar⁶.
Resultados e Discussão
TEPT e abuso sexual
O filme “As vantagens de ser invisível” ocorre na década de 90 e retrata a história de
Charlie, um adolescente de 15 anos de idade que está por entrar no ensino médio, que sofre de
depressão e ansiedade desde sua infância. Charlie passou por grandes aflições e situações
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Transtorno de estresse pós-traumático e depressão à luz do filme as vantagens de ser invisível
traumáticas que o levaram a esses quadros, como a perda sua amada tia Helen em um acidente
de carro, quando ela estava a caminho para buscar um presente para ele; quando seu melhor
amigo comete suicídio; e depois, quando descobre que na sua infância sua mesma tia o
assediava sexualmente. Por ter, então, vivenciado essas questões, seu quadro de depressão e
ansiedade podem ser comórbidos ao TEPT⁷.
É perceptível a presença de um ciclo de relações traumáticas e abusivas na constituição
familiar de Charlie. Além da vivência do abuso sexual entre ele e sua tia, sua irmã Candace
está em um relacionamento com um garoto que lhe agride física e psicologicamente. Uma cena
retrata tal condição quando Charlie consegue ver seu cunhado dando um tapa no rosto de sua
irmã, e ao vê-la sendo agredida tenta intervir na situação, mas é impedido por ela, que afirma
que a culpa foi sua, fechando a porta e ficando a sós com o namorado. Nesse momento
acompanhamos a aflição do garoto temendo que algo pior pudesse ocorrer⁷.
Charlie tem um outro irmão mais velho que só aparece em visitas periódicas, em razão
de estudar em uma faculdade que se localiza em outra cidade, assim, o garoto demonstra ter
saudade da presença contínua do seu irmão em casa. Seus pais são retratados como
compreensíveis e presentes, demonstrando preocupação acerca do bem-estar de seus filhos,
entretanto, há um déficit no que diz respeito à confiança e comunicação entre os membros de
sua família, pois assim como a irmã não consegue se abrir com seus pais sobre as violências
que sofre, Charlie também esconde sua dificuldade em fazer amigos na escola e que isso o está
afetando profundamente. De modo geral, a família de Charlie se classifica como família nuclear
ou tradicional, por ser constituída por mãe, pai e filhos, e se encontra na posição de classe
média⁷.
O filme não retrata claramente a natureza dos assédios que o garoto sofria, porém ao
longo da obra, em alguns flashbacks, é possível perceber uma fala de sua tia: “Será nosso
segredinho”, e durante outro momento de reminiscência ele percebe que viveu momentos nos
quais a tia lhe acariciava perto de suas partes íntimas e, sequencialmente, outra memória lhe é
destravada e o rosto de sua assediante surge outra vez lhe dizendo, enquanto tocava em suas
coxas: “Não acorde sua irmã” ⁷.
Após esses incidentes (assédio e morte de sua tia) não é retratado fatos de como foi sua
infância, a trama se inicia apresentando Charlie no início do seu semestre letivo como um
garoto bem introspectivo, retraído, sem amigos, que se isola, não consegue iniciar ou manter
um diálogo e passa a maior parte do tempo sozinho em seu quarto com a rara companhia de
livros.
O DSM-5 apresenta critérios de diagnóstico que se aplicam a adultos, adolescentes e
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Transtorno de estresse pós-traumático e depressão à luz do filme as vantagens de ser invisível
revivendo o trauma passado, mas no momento atual em que se está¹⁰. Essa condição é
livremente observada quando as memórias do abuso que sofreu foram destravadas e seu
sentimento de culpa, por ter causado a morte de sua abusadora, se transforma em sofrimento
por entender que ele queria que essa morte tivesse ocorrido e, então, seus flashbacks passam a
portar uma carga ainda maior de angústia.
Essa repressão traumática se deu em razão de o TEPT ser também compreendido como
um distúrbio da memória. Segundo McNally, esse transtorno causa falhas na organização das
informações advindas do evento traumático, isso pode ocorrer devido: (a) ao processamento
seletivo do conteúdo do evento traumático; (b) à generalização dos estímulos explícitos e
implícitos da memória traumática; (c) a problemas para o esquecimento direto do conteúdo
traumático da memória e (d) a problemas na recuperação das memórias autobiográficas¹¹.
Sobre o abuso sexual, Dalgalarrondo4 contribui, afirmando que, quando ocorrido na
infância, essa condição torna-se um dos maiores fatores que determinam transtornos
depressivos na adolescência. Ele acrescenta que:
Por sua vez, quando o abuso é de cunho intrafamiliar, pode ser percebido como
“Síndrome conectora de segredo e adição”. A condição de segredo está relacionada às ameaças,
promessas de recompensas por uma garantia de silêncio que o abusador oferece à criança. A
parte da síndrome referente à adição diz respeito ao aumento intenso das formas do abuso
sexual, indo de carícias no corpo da criança até o intercurso completo, e, assim, se torna mais
difícil sua descoberta, visto que a criança é coagida e sente medo de contar o que lhe está
ocorrendo⁹.
Lima e Diolina acreditam que conforme for o grau de relação que a criança tem com o
abusador, por mais tempo durará o abuso, visto que qualquer pessoa pode se incorporar nessa
posição pedofílica, homens ou mulheres, adultos e mesmo crianças mais velhas, não raramente
- um dos pais, um parente, vizinho, amigo da família, etc. E assim, em diversas figurações, os
indivíduos que abusam de crianças estão entre aqueles que se encontram cotidianamente com
elas¹².
Fato este visto e vivido em Charlie, que estando submetido a essa situação tão
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perturbadora e trágica, não contou com qualquer tipo de interrompimento até o acidente fatal
que acometeu sua assediante, e nem que sua família chegasse a cogitar sobre a possibilidade
do ocorrido. O filme não relata sobre a descoberta pelos pais e irmãos de Charlie, e nem quantas
vezes o episódio ocorreu, porém não lhes adveio a percepção que alguém de “confiança” - tia
Helen - tão amada por todos, poderia estar cometendo tamanha violência contra seu sobrinho.
Implicações
A criança que sofre abuso sexual pode ser considerada uma prisioneira do sofrimento,
não podendo sobreviver sozinha e ligando-se profundamente àquele que lhe oferece cuidados
e atenção e, ainda, apresentam sintomas do transtorno de estresse pós-traumático. Pode-se
observar de maneira efetiva, que é na adolescência que esse sofrimento se sobressai¹³.
As consequências para quem passou por esse infortúnio dependerão do modo de
funcionamento psíquico, que em cada um se dá de um jeito específico. Entretanto não é preciso
nenhuma pesquisa qualitativa ou quantitativa para constatar que essa situação gera um grande
impacto e sofrimento. Lima e Diolina ponderam ao citarem Tilman que essa condição
desequilibra o “[...] desenvolvimento normal da personalidade, comprometendo, assim, as
funções do nível afetivo, comportamental e nas inter-relações”¹².
Uma das consequências que se pode observar em um adolescente, que na infância foi
abusado sexualmente, é o medo de intimidade. Nas relações interpessoais desses indivíduos há
uma recusa em estabelecer alguma ligação ou intimidade com pessoas do sexo oposto. Essa
condição é comprovada em Charlie, pois o rapaz nunca havia conseguido se relacionar antes
ou estabelecer vínculos afetivos, seja em relação à amizade ou de cunho amoroso, somente
depois que passou por algum tratamento inicial não retratado, e quando conheceu Sam e seus
amigos, que Charlie se abriu para relacionamentos íntimos¹⁴.
A essa indiferença em relacionar-se, entende-se que:
Uma das áreas que parece ser bem mais atingida é a da sexualidade, entretanto as
consequências do abuso sexual atingirão como um todo a vida e o modo de funcionamento que
o adolescente ou o adulto terão, dessa forma, classificam-se em consequências de curto e longo
prazo, as demandas que esses indivíduos podem apresentar. As evidências manifestas em curto
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Transtorno de estresse pós-traumático e depressão à luz do filme as vantagens de ser invisível
prazo são: Físicas: pesadelos e problemas com o sono, mudanças de hábitos alimentares, perda
do controle de esfíncteres. Comportamentais: consumo de drogas e álcool, fugas, condutas
suicidas ou de autoflagelo, hiperatividade e diminuição do rendimento acadêmico. Emocionais:
medo generalizado, agressividade, culpa e vergonha, isolamento, ansiedade, depressão, baixa
autoestima e rejeição ao próprio corpo (sente-se sujo). Sexuais: conhecimento sexual precoce
e impróprio para a sua idade, masturbação compulsiva, exibicionismo e problemas de
identidade sexual. E por fim, sociais: com déficit em habilidades sociais, retração social e
comportamentos antissociais¹².
Esses resultados podem piorar com o tempo, levando a patologias definidas. Seriam
elas o motivo das consequências de longo prazo, as quais podem se manifestar diferentemente
em cada indivíduo, são elas: Físicas: dores crônicas gerais, hipocondria ou transtornos
psicossomáticos, alterações do sono e pesadelos constantes, problemas gastrointestinais e
desordem alimentar. Comportamentais: tentativa de suicídio, consumo de drogas e álcool e
transtorno de identidade. Emocionais: depressão, ansiedade, baixa autoestima e dificuldade
para expressar sentimentos. Sexuais: fobias sexuais, disfunções sexuais, falta de satisfação ou
incapacidade para o orgasmo, alterações da motivação sexual, maior probabilidade de sofrer
estupros e de entrar para a prostituição e dificuldade de estabelecer relações sexuais. Sociais:
com problemas de relação interpessoal, isolamento e dificuldades de vínculo afetivo com os
filhos¹².
Especialmente em Charlie, antes de ele saber que era abusado, já demonstrava ser
introvertido em excesso, tinha medo e apesentava comportamentos agressivos, o que é
demonstrado na cena em que ele perde o controle dos próprios atos e agindo impulsivamente
agride um garoto que está batendo em seu amigo Patrick, porém depois não lembra do ocorrido.
Concomitantemente, já apresentava grande parte dos sintomas citados, com uma afetação
intensa que o transformou em um adolescente deprimido, sozinho e portador de ansiedade e
depressão, o que, posteriormente, foi profundamente potencializado.
Francischi em sua análise do filme, aponta que em razão da morte de sua tia, a qual
julga ser o culpado, ele se diminui e acredita que jamais será feliz. Ele vê apenas o lado bom
das pessoas, desdobrando-se para fazer bem aos outros e evitando dar sua opinião ou se expor.
A todo instante, Charlie se anula por causa dos outros, e quando as coisas não saem como
planejado, ele volta a se culpar e a sentir-se como um peso para as pessoas à sua volta¹⁵.
Depressão e TEPT
Ao passar por uma situação traumática, as chances de desenvolvimento de outro
Campos ARD, Coelho GG
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Transtorno de estresse pós-traumático e depressão à luz do filme as vantagens de ser invisível
Tanto o TEPT quanto uma depressão trazem consigo, de maneira independente, riscos
para comportamentos suicidas, quando, então, esses dois transtornos unem-se por
comorbidade, o risco do paciente que porta esse diagnóstico simultâneo é também sinérgico
para tentativas suicidas.
Por análises do comportamento de Charlie - começar a dar aos seus amigos seus livros
preciosos e seus objetos mais importantes, tanto quanto, por estar escrevendo uma carta - pode-
se inferir que ele poderia estar planejando se suicidar. Porém uma tentativa real, embora
frustrada, é notável; esta ocorre quando ele se encontra sozinho em casa, após seus amigos se
mudarem para outra cidade. Charlie começa a se lembrar da sua tia e do que ela fez contra ele
e, ainda, muitas outras lembranças de sofrimentos que as pessoas que ele ama passaram,
começaram a entrar em seus pensamentos, e por estar em crise, ele anda pelos cômodos de sua
casa até chegar na cozinha onde encontra uma faca, nesse momento, felizmente, a polícia chega
e o impede.
As manifestações depressivas no adolescente costumam assemelhar-se com as
apresentadas em adultos. Diferenciando-se, entretanto, porque no primeiro é mais agravado
sintomas como: perda de energia, apatia, desinteresse, sentimento de culpa e alterações no
sono. Também é notável que entre meninos e meninas consta uma diferença nas manifestações
clínicas. Nas meninas é mais comum sentimentos como: tristeza, vazio, raiva, ansiedade e
preocupação com aparência. Enquanto nos meninos, é mais frequente o sentimento de
desprezo, desafio e problemas de conduta, tais como: violência, falta nas aulas e fugas de casa¹⁹.
É bem visível a comorbidade existente entre esses dois transtornos na vida de Charlie,
em que um trauma vivido na infância fomentou todo o seu aparato cognitivo e emocional,
levando-o a apresentar sintomas depressivos e ansiosos. Este infortúnio lhe impedia de
relacionar-se e ter prazer na vida, moldando-o a uma condição na qual suas respostas eram
humor rebaixado, rememorações dolorosas, sintomas e crises de ansiedade, conflitos consigo
mesmo e desprazer em viver; o que o faziam ser visto como o “diferente”, em virtude de ele
não se portar como é esperado para um adolescente. Assim, entendemos que o abuso sexual se
transformou em um estresse traumático, o qual, por sua vez, resultou em um quadro de
depressão.
Campos ARD, Coelho GG
Tratamento
Em razão da falta de pesquisas e dados sobre o tratamento do TEPT comórbido, a
depressão maior, o tratamento - quando há uma operação dos dois simultaneamente - segue a
mesma forma do tratamento ofertado nos casos de TEPT puro¹⁷.
Knapp e Caminha descrevem o TEPT como “[...] uma psicopatologia que se desenvolve
como resposta a um estressor traumático, real ou imaginário, de significado emocional
suficiente para desencadear uma cascata psicológica e neurobiológica relacionadas"²⁰. Para se
pensar, então, em uma possível resolução dessa problemática, deve-se saber que cada
abordagem dentro da ciência psicológica se fomenta com métodos diferentes para o tratamento
de uma mesma demanda.
Nas terapias cognitivo-comportamentais, por exemplo, pode-se utilizar o “treinamento
de inoculação de estresse” desenvolvido por Meichenbaum. Essa técnica divide-se em duas
partes, a primeira se restringe ao mapeamento da gravidade do impacto causado pelo problema,
como um modo de preparar o paciente para o tratamento, e a segunda fase busca treinar o
indivíduo com habilidade de manejo para o enfrentamento da situação, com orientações para
soluções de problemas racionais¹⁶.
Outra técnica dentro dessa abordagem é a “terapia de processamento cognitivo”,
desenvolvida por Austin e Resick, que sustenta a efetividade que há na ressignificação das
memórias traumáticas, em razão de propor que as emoções, além de surgirem do trauma, se
intensificam com as interpretações atribuídas pelo próprio indivíduo, dessa forma, o terapeuta
se coloca como mediador para transformar essas interpretações. Por fim, a “técnica do mapa
da memória traumática”, a qual leva o paciente a uma reavaliação e descrição de suas memórias
do trauma nos mais diversos níveis de percepção: sentimentais, comportamentais, fisiológicas,
perceptuais, visuais, táteis, gustativas, olfativas, sonoras e auditivas¹⁶.
A abordagem Psicanalítica, por sua vez, em sua base teórica, relaciona o trauma a um
despreparo psicossexual no indivíduo, de absorver ou integrar uma excitação. Meshulam-
Werebe et al., menciona que o espaço entre o acidente e a primeira aparição do sintoma,
segundo Freud, é chamado de “período de incubação”, quando, porém, essa situação ultrapassa
a barreira do recalque, emergindo a consciência, o aparelho psíquico, por meio da compulsão,
à repetição, com influência de um masoquismo operando sobre o ego, faz com que na mente
do indivíduo as imagens violentas do incidente retornem como alucinações e pesadelos. Os
mesmos autores trazem a psicanálise como a mais indicada em casos de traumas psíquicos.
Segundo eles, ela oferece ao paciente um espaço terapêutico seguro para que ele consiga falar
sobre seus sofrimentos, com uma maior possibilidade de explorar seus sentimentos,
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Transtorno de estresse pós-traumático e depressão à luz do filme as vantagens de ser invisível
Conclusão
Com o desenvolvimento e conclusão deste trabalho, podemos constatar a relação
intensa que há entre o Transtorno de Estresse Pós-Traumático e o quadro expressivo de
Depressão. Quando essa situação traumática é um abuso sexual na infância, o indivíduo
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Transtorno de estresse pós-traumático e depressão à luz do filme as vantagens de ser invisível
acometido sofre intensamente com angústia e um modo reprimido, retraído e limitado de viver
e estar no mundo. Dessa forma, as crianças que vivenciam tal experiência, quase
unanimemente, enfrentam o mesmo clico de agravamento, pois o que ocorre se assemelha em
quase todos os casos registrados, isto é, o abuso sexual desenvolve o TEPT - que é o transtorno
psicológico mais associado ao abuso sexual na infância - e esse, por sua vez, atrai o transtorno
depressivo como comorbidade.
É importante que tanto os pais quanto os professores se atentem à manifestação de
quaisquer um dos comportamentos citados acima, os verbais e não verbais, visto que, a maneira
de ser de um adolescente vítima de tal malefício pode estar fomentado por intenso sofrimento
psíquico, sentimentos profundos de tormenta, culpa, depressão, ansiedade e medo.
Infelizmente, vários garotos e garotas se encontram nessa situação, enfrentando alguma dessas
problemáticas, talvez não sendo abusados por tias como foi o caso do nosso protagonista
Charlie, mas por tios, primos ou primas, vizinhos ou estranhos, pais ou mães.
Hodiernamente, para esses casos a psicologia e seu vasto campo teórico e metodológico
são a esperança de uma reestruturação e reabilitação desse(a) adolescente que não tem amigos
e vive isolado(a), que não tem interesse por nada ou desenvolve uma compulsão, que apresenta
dificuldades de se relacionar ou explosões de raiva e crise de choro, que é oprimido(a) por
alucinações e pensamentos disfuncionais durante o dia, e por pesadelos durante a noite, ou que
desenvolve depressão e ansiedade, e até pensamentos e/ou comportamentos suicidas.
Tais pacientes precisam de uma ajuda especializada, porém é também, indispensável a
tolerância, paciência e cuidado de seus familiares e amigos, e, para isso, os que fazem parte da
rede de apoio destes, precisam ser instruídos a como se portarem diante de possíveis crises
ansiosas, comportamentos e pensamentos disfuncionais, sentimentos de apatia e desprazer,
visto que assim como é retratado no filme em questão, os grandes apoios de Charlie são sua
família e seus amigos de escola.
Torna-se relevante apontar que o filme “As vantagens de ser invisível” se tornou um
emblema para o Setembro Amarelo, o mês de prevenção ao suicídio. Por retratar a história de
um adolescente deprimido e introvertido, que sofria de TEPT e depressão, mas que encontra
amigos que lhe acolhem e, isso, juntamente com o acompanhamento psiquiátrico, proporciona-
lhe uma melhora significativa.
Campos ARD, Coelho GG
Referências
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