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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE JOÃO PESSOA – UNIPÊ

PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO


CURSO DE PSICOLOGIA

INGRID MARIA MELQUIADES JUREMA

CRIANÇAS QUE MATAM: UM BREVE ESTUDO SOBRE AS IMPLICAÇÕES


DIAGNÓSTICAS NA INFÂNCIA

João Pessoa
2019
INGRID MARIA MELQUIADES JUREMA

CRIANÇAS QUE MATAM: UM BREVE ESTUDO SOBRE AS IMPLICAÇÕES


DIAGNÓSTICAS NA INFÂNCIA

Monografia apresentada a Coordenação do Curso


de Psicologia do Centro Universitário de João
Pessoa – UNIPÊ, como requisito parcial para a
obtenção do título de Bacharel em Psicologia sob
orientação da Prof.ª Dra. Maria das Mercês Maia
Muribeca.

João Pessoa
2019
J91c Jurema, Ingrid Maria Melquiades.
Crianças que matam: um breve estudo sobre as implicações
diagnósticas na infância.

Ingrid Maria Melquiades Jurema. João Pessoa, 2019.


45f.

Orientador (a): Profa. Dra. Maria das Mercês Maia Muribeca.


Monografia (Curso de Psicologia) –
Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ

1.Infância. 2. Perversão. 3. Psicopatia. 4. Transtornos de conduta.


I.Título

UNIPÊ / BC CDU – 616.89


CRIANÇAS QUE MATAM: UM BREVE ESTUDO SOBRE AS IMPLICAÇÕES
DIAGNÓSTICAS NA INFÂNCIA

INGRID MARIA MELQUIADES JUREMA

Monografia apresentada ao Curso de Psicologia do Centro Universitário de João


Pessoa – UNIPÊ, como requisito parcial para a obtenção do título de Psicóloga,
obtendo Conceito _____

Data: ________________

( ) Aprovada
( ) Reprovada

BANCA AVALIADORA

________________________________________________________________
Profa. Dra. Maria das Mercês Maia Muribeca.
(Orientadora - UNIPÊ)

________________________________________________________________
Profa. Esp. Monica Domingos Bandeira
(Membro – UNIPÊ)

________________________________________________________________
Prof. Esp. Cristóvão de Melo Goes Júnior
(Membro – UNIPÊ)
AGRADECIMENTOS

À minha mãe, por ser meu porto seguro e minha maior fonte de admiração.

Ao meu pai, por custear minha graduação e acreditar em meu potencial.

À minha orientadora, que atenciosamente me auxiliou na construção e concretização


deste trabalho.
“Se não vejo na criança uma criança, é porque
alguém a violentou antes, e o que vejo é o que
sobrou de tudo que lhe foi tirado.’’

Hebert de Souza
RESUMO

O presente trabalho teve como principal objetivo compreender a psicopatia,


abordando como a mesma era entendida ao longo da história até os dias de hoje,
clarificando também sua visão sob um enfoque psicanalítico, que incorpora sua
terminologia, explicitando as instâncias psíquicas, bem como a estrutura de
personalidade envolvidas na caracterização desta patologia. Entende-se que a
psicopatia é uma temática que gera controvérsias, pois a mesma não se encontra
inserida em livros médicos de patologias, como o DSM-5, que foram citados neste
trabalho. Assim, esta pesquisa também investigou as consequências de transtornos
de conduta, mais especificadamente o transtorno de personalidade antissocial e o
transtorno opositor desafiante, no desenvolvimento de um comportamento infantil
desviante, na ótica da psiquiatria. Ademais, abarcou-se a compreensão da psicopatia
no âmbito forense, assim como fez-se uma análise de algumas cenas do filme O Anjo
Malvado e de casos reais que ilustram a conduta perversa de uma criança, buscando
verificar a correlação destas condutas com as patologias acima citadas. Em sua
elaboração, a metodologia utilizada tratou-se de uma pesquisa bibliográfica onde
foram explorados teóricos, artigos científicos e livros que englobam a temática em
questão. Com isso, visou-se integrar maior conhecimento sobre esta temática pouco
abordada que é a perversão infantil, para assim compreender suas implicações em
um futuro diagnóstico de psicopatia em sua fase adulta.

Palavras chave: Infância. Perversão. Psicopatia. Transtornos de Conduta.


ABSTRACT

The main objective of the present work was to understand psychopathy, addressing
how it was understood throughout history to the present day, also clarifying its vision
under a psychoanalytic approach, which incorporates its terminology, explaining the
psychic instances as well as the structure characterization of this pathology. It is
understood that psychopathy is a topic that generates controversy, since it is not
included in medical books of pathologies, such as DSM-5, which were cited in this
study. Thus, this research also investigated the consequences of behavioral disorders,
more specifically antisocial personality disorder and challenging oppositional disorder,
in the development of deviant child behavior from the point of view of psychiatry. In
addition, the understanding of psychopathy was included in the forensic context, as
well as an analysis of some scenes from the film The Evil Angel and of real cases that
illustrate the perverse conduct of a child, seeking to verify the correlation of these
conducts with the pathologies mentioned above. In its elaboration, the methodology
used was a bibliographical research where theoretical, scientific articles and books that
explored the subject in question were explored. With this, it was aimed to integrate
more knowledge about this little topic that is the child perversion, in order to understand
its implications in a future diagnosis of psychopathy in its adult phase.

Keywords: Childhood. Conduct Disorders. Perversion. Psychopathy.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.........................................................................................................5

2 A PSICOPATIA: DE OUTRORA À ATUALIDADE ................................................7

2.1. PERVERSÃO: A PSICOPATIA SOB A ÓTICA PSICANALÍTICA........................9


2.1.1. Do Ego, do Superego e do Id............................................................................9
2.1.2. Neurose, psicose e perversão ........................................................................11
2.1.3. A perversão infantil..........................................................................................14

2.2. NARCISISMO MALIGNO: UM POSSIVEL DIAGNÓSTICO PARA A


PSICOPATIA.............................................................................................................15
3 TRANSTORNOS DE PERSONALIDADE E DE CONDUTA SEGUNDO A
PSIQUIATRIA............................................................................................................17

3.1. A PERSONALIDADE E TRANSTORNOS ASSOCIADOS A MESMA ...............17


3.1.1. Os Transtornos da Personalidade...................................................................18
3.2. TRANSTORNO DE PERSONALIDADE ANTISSOCIAL E TRANSTORNO OPOSITOR
DESAFIANTE E SUAS RELAÇÕES COM A PERVERSÃO INFANTIL.....................20

4 A PSICOPATIA NO ÂMBITO FORENSE...............................................................26

4.1. CRIANÇAS PERVERSAS: VIDA E ARTE SE ENTRELAÇAM...........................30


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................37
REFERÊNCIAS.........................................................................................................39
5

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tratou-se da temática da Psicopatia Infantil, que é um


assunto de relevância no que concerne à saúde pública, especialmente devido ao fato
de ser uma patologia pouco explorada até o presente momento. Segundo Bittencourt
(1981), o conceito da Psicopatia gera polêmica por causa da multiplicidade de fatores
envolvidos nesta desordem, tais como morais, sociais, criminais, dentre outros,
principalmente se tratando da Psicopatia Infantil.

Ao longo da história, o conceito da Psicopatia evoluiu consideravelmente, um


dos primeiros registros a respeito desta temática advém do professor de medicina
Girolano Cardamo (1501-1596), que descreveu comportamentos relacionados a
personalidade psicopática. Nos anos de 1800, Pinel e Prichard defendiam a teoria da
existência de insanidades que não comprometiam o intelecto do indivíduo acometido,
o qual Prichard nomeou de insanidade moral, em sua obra de 1835. No ano de 1904,
Kraepelin, em sua classificação das doenças mentais, utilizou-se da nomenclatura de
personalidade psicopática para retratar indivíduos que não são neuróticos ou
psicóticos, ele alegava que as personalidades psicopáticas eram formas frustradas de
psicose, ordenadas por um preceito essencialmente genético, considerando que suas
falhas eram limitadas sobretudo a vida afetiva e a vontade. O psiquiatra alemão Kurt
Schneider, em 1923, abarcou na definição de personalidade psicopática todos os
desvios da normalidade que não podiam ser considerados como doenças mentais
concretas. Em seu livro de 1941, The Mask of Sanity, Cleckley descreve as
características mais frequentes dos psicopatas, bem como alguns critérios para o
diagnóstico desta patologia, tornando-se base da ciência moderna para o
entendimento da mesma. Apenas em 1966, a partir do psiquiatra Robbins, a
psicopatia foi entendida como um transtorno de personalidade, tal como é
compreendida pelo DSM até os dias de hoje. (BRUNO; TÓRTORA, 1996).

Então, entende-se que esta pesquisa é fundamental no âmbito acadêmico para


clarificar os comportamentos desviantes que se relacionam com a conduta de crianças
perversas, que são capazes de cometer atrocidades com animais, de praticar bullying
com outras crianças, podendo inclusive, como demonstram alguns casos reais, matar.
Assim, visou-se produzir mais saber científico a ser agregado a este tema.
6

Com isso, tendo como objetivo principal trazer esclarecimentos acerca desta
temática, no primeiro capítulo poder-se-á observar como inicialmente surgiram os
primeiros estudos sobre a psicopatia, bem como a mesma é compreendida sob o
contexto psicanalítico. No segundo capitulo, tratou-se de elucidar a respeito da
psicopatia, tomando como base sua visão no aspecto da psicopatologia, clarificando
os transtornos de conduta, presentes no DSM-5, tais como o Transtorno de
Personalidade Antissocial e o Transtorno Opositor Desafiante, que podem estar
relacionados a mesma, para assim verificar suas correlações com a perversão infantil.
Dentro do terceiro capitulo, abordou-se sobre a psicopatia no âmbito forense,
especificando comportamentos de indivíduos que podem ser considerados psicopatas
de acordo com este contexto. Ademais, foram trazidas cenas do filme O Anjo Malvado,
bem como exemplos de casos reais de crianças perversas que cometeram crimes
com requintes de crueldade, que foram analisados no presente trabalho, para assim
averiguar a possível presença de um diagnóstico de psicopatia nesta precoce fase de
desenvolvimento biopsicossocial, com base nos comportamentos apresentados pelas
mesmas.

Após os aspectos citados, chegou-se às considerações finais, com o olhar


voltado para a existência ou não da psicopatia no âmbito da infância, pôde-se
compreender que os comportamentos apresentados por crianças perversas
demonstram a presença de transtornos de conduta que podem estar influenciados
pelo ambiente prejudicial no qual as mesmas foram criadas. Notou-se também que
tais transtornos, se não tratados a tempo, podem de fato culminar em um diagnóstico
de psicopatia em sua fase adulta.

A metodologia utilizada no referido trabalho tratou-se de uma pesquisa


bibliográfica, no qual adotou o referencial teórico de livros, revistas e artigos científicos
de diversos autores, como Freud, Cleckley, Dolto, Stone, dentre outros, que já
exploraram a temática da Psicopatia de maneira geral, bem como da perversão
infantil. A pesquisa bibliográfica é realizada com o objetivo de investigar um
conhecimento disponível sobre teorias, com o intuito de analisar, produzir ou explicar
um objeto sendo pesquisado. Portanto, ela propõe-se a analisar as principais teorias
de um conteúdo, podendo ser desempenhada com distintos propósitos. (CHIARA,
KAIMEN, et al., 2008).
7

2 A PSICOPATIA: DO SURGIMENTO À ATUALIDADE

Para entender a controversa questão da psicopatia infantil faz-se necessário


ter conhecimento de como se deu o surgimento da Psicopatia, sua história e as visões
de diferentes teóricos ao seu respeito, desde as primeiras descrições de sua
existência até os dias atuais. A partir disso, este capítulo abordará como a Psicopatia
era entendida desde seus primórdios, clarificando também como a mesma é
compreendida atualmente.
O psiquiatra Pinel, em 1809, desenvolve o primeiro conceito de perturbação
moral, utilizando-se do termo mania sem delírio. Assim como ele, durante o século
XIX, muitos teóricos acreditavam que tal perturbação era de caráter hereditário. No
ano de 1835, Prichard nomeia a psicopatia como uma insanidade moral, descrevendo
os indivíduos acometidos por esse transtorno como pessoas comuns, aproximando-
se da doença mental, porém com um grau diferente, que possuíam características
como: ausência de sentimentos, incapacidade de autocontrole, bem como destituídos
do mais rudimentar senso ético. (BRUNO; TÓRTORA, 1996)
O autor alemão Koch, em 1891, é o primeiro a empregar a terminologia
psicopático seu livro As inferioridades psicopáticas, nesta obra ele descreve diversos
desvios comportamentais que não eram considerados como doenças mentais. Porém,
é no ano de 1904 que Kraepelin faz menção a existência da personalidade
psicopática, afirmando que “a psicopatia é um campo intermediário entre os estados
patológicos manifestos e os estados no limite das neuroses’’ (ZAC, 1977 apud
BITTENCOURT, 1981, p. 22), relacionando este tipo de personalidade a uma maneira
frustrada de psicose.
Outro teórico que deu importantes contribuições para o entendimento da
psicopatia foi Kurt Schneider, propondo, no ano de 1923, um conceito da etiologia
constitucional no desencadeamento da psicopatia, desmistificando antigas teorias de
seus fatores hereditários, degenerativos, bem como sua ligação com a psicose,
compreendendo-a assim, como resultado de uma relação entre uma estruturação
inerente ao indivíduo e suas experiências vividas e classificando-a como uma
anormalidade que incide sobre valores, tendências, sentimentos e volições (ZAC,
1977).
No ano de 1941, com sua obra Mask of Sanity, Cleckley descreve de forma
mais completa e detalhada o que vem a ser um comportamento psicopático. Ele afirma
8

que, diferente de pacientes clínicos portadores de psicoses, os psicopatas não


demonstram seu distúrbio em situações clinicas, mas sim no dia-a-dia, devido ao fato
de passarem uma boa impressão inicialmente, “uma aparência de sanidade’’
(BITTENCOURT, 1981).
Segundo Cleckley (1941/1976 apud HAUCK; TEXEIRA; DIAS, 2009), um
psicopata apresenta os seguintes comportamentos: charme superficial e boa
inteligência, ausência de delírios e outros sinais de pensamento irracional, ausência
de nervosismo e manifestações psiconeuróticas, não-confiabilidade, tendência à
mentira e insinceridade, falta de remorso ou vergonha, comportamento antissocial
inadequadamente motivado, juízo empobrecido e falha em aprender com a
experiência, egocentrismo patológico e incapacidade para amar, pobreza
generalizada em termos de reações afetivas, perda específica de insight, falta de
reciprocidade nas relações interpessoais, comportamento fantasioso e não-
convidativo sob influência de álcool e às vezes sem tal influência, ameaças de suicídio
raramente levadas a cabo, vida sexual impessoal, trivial e pobremente integrada e
ainda falha em seguir um plano de vida.
Com isso, o autor compara o indivíduo psicopata a um mecanismo perspicaz
que finge emoções, mas não tem capacidade de alcançar juízos de valor através de
um raciocínio genuíno, chegando somente a uma racionalização. Por isso, o mesmo
não consegue aproximar-se de uma dimensão notadamente humana. Dessa maneira,
observa-se que a obra de Cleckley forneceu importante aporte teórico para a
compreensão da psicopatia.
Contudo, em meados do século XX, notou-se a necessidade de estudar a
psicopatia a partir de uma abordagem empírica, permitindo assim que a mesma fosse
explorada além de estudos com criminosos e pacientes psiquiátricos, estendendo-se
a população em geral. (HAUCK; TEXEIRA; DIAS, 2009). Entre as décadas de 60 e
70, teóricos como Ey, Robbins, Kolb e Liberman buscavam mudar a etiologia de
constituição psicopática, proposta por Schneider, para personalidade psicopática,
objetivando trazer mais clareza quanto a sua classificação e entendimento,
destacando sempre as características mais marcantes que estes indivíduos
apresentam, tais como a impulsividade e a tendência a condutas antissociais
(BRUNO; TÓRTORA, 1996).
Tomando como base este contemporâneo entendimento da psicopatia como
um transtorno de personalidade, na década de 90, o psicólogo canadense Robert
9

Hare elabora uma escala, revisada e validada no Brasil nos anos 2000, denominada
Escala Hare PCL-R (Psycopathy Checklist Revised), o teste tem por finalidade
mensurar os graus de psicopatia de um indivíduo para verificar o risco de reincidência
criminal do mesmo (HARE,2004). Esta escala analisa de maneira precisa várias
características da personalidade psicopática, desde os relacionados aos sentimentos
e relacionamentos interpessoais até o modo de viver dos psicopatas, bem como seus
comportamentos explicitamente antissociais e transgressores (SILVA, 2008). Os
critérios adotados por Hare para diagnosticar este transtorno de personalidade são
globalmente aceitos até hoje.
Atualmente a nomenclatura da psicopatia não está inserida no DSM-5, porém
ela pode ser relacionada ao Transtorno de Personalidade Antissocial (TPAS).
Entretanto, alguns autores entendem a psicopatia como uma co-mordidade do TPAS,
associada a comportamentos antissociais mais violentos. Com isso, concebe-se que
o TPAS envolve indivíduos com personalidade psicopática, bem como com
comportamento antissocial, no entanto, em alguns casos há a ausência dos demais
atributos interpessoais e afetivos da psicopatia, considerados fundamentais para a
classificação do diagnóstico (MARTENS, 2000 apud HAUCK; TEXEIRA; DIAS, 2009).

2.1.PERVERSÃO: A PSICOPATIA SOB A ÓTICA PSICANALÍTICA

Como visto anteriormente, embora a psicopatia propriamente dita não seja


abarcada na CID-10, bem como no DSM-5, no entanto, a abordagem psicanalítica a
entende como pertencente a indivíduos que possuem estrutura de personalidade
perversa.
Para entender este contexto, faz-se necessário explicar as três estruturas de
personalidade elencadas pela psicanálise: a neurose, a psicose e a perversão, bem
como, compreender o conceito de instâncias psíquicas como Superego, Id e Ego para
que se possa observar a correlação dos mesmos no desenvolvimento de tais
estruturas.

2.1.1. Do Ego, do Superego e do Id


Em sua obra intitulada O Ego e o Id, Freud (1923), conceitua estas estruturas
como pertencentes ao aparelho psíquico do indivíduo, que dizem respeito ao
consciente e inconsciente, respectivamente. Segundo o mesmo, elas seriam ainda
10

responsáveis pela regulação dos nossos conteúdos mentais, tais como pensamentos
e sentimentos, através de mecanismos de defesa, bem como, por suprir ou motivar
nossos desejos e prazeres.
Sendo assim, Freud (1923, p. 11), descreve o Ego da seguinte forma:
Formamos a idéia de que em cada indivíduo existe uma organização coerente
de processos mentais e chamamos a isso o seu ego. É a esse ego que a
consciência se acha ligada: o ego controla as abordagens à motilidade - isto
é, à descarga de excitações para o mundo externo. Ele é a instância mental
que supervisiona todos os seus próprios processos constituintes e que vai
dormir à noite, embora ainda exerça a censura sobre os sonhos. Desse ego
procedem também as repressões, por meio das quais procura-se excluir
certas tendências da mente, não simplesmente da consciência, mas também
de outras formas de capacidade e atividade.

Com isso, entende-se que o Ego diz respeito a nossa experiência consciente e
a autorregulação de nossos instintos, ele é o nosso Eu, a “camada’’ do nosso aparelho
psíquico que podemos acessar mais facilmente.
Ainda nesta obra, Freud se refere a instância psíquica denominada Superego
que, tal qual o Id, age no inconsciente do indivíduo, porém é entendido como um
‘’sentimento inconsciente de culpa’’ (1923, p. 16) e descrito pelo mesmo como o ideal
do Ego. Assim, compreende-se que o Superego corresponde aos aspectos morais da
personalidade, agindo como o algoz do Ego (Freud, 1923).
Partindo deste pressuposto, Freud (1923, p. 21) distingue o Ego e o Superego
da seguinte maneira:
Enquanto que o ego é essencialmente o representante do mundo externo, da
realidade, o superego coloca-se, em contraste com ele, como representante
do mundo interno, do id. Os conflitos entre o ego e o ideal, como agora
estamos preparados para descobrir, em última análise refletirão o contraste
entre o que é real e o que é psíquico, entre o mundo externo e o mundo
interno.

A partir disso, entende-se que as experiências vivenciadas por um indivíduo no


âmbito social serão, julgadas, observadas de maneira crítica, aprovadas ou
desaprovadas pelo Superego afim de moldá-lo para que o mesmo haja de forma
moralmente aceita.
Também faz-se necessário mencionar a respeito do que Freud (1923) traz em
sua obra sobre como se dá a formação do Superego, ainda na infância, por volta dos
cinco anos de idade, e suas consequências. Assim, o mesmo atua em conjunto com
o Ego cerceando os desejos e ímpetos do Id, coibindo os instintos da criança que julga
socialmente incabíveis, isto pode levar a criança a experienciar sentimentos de culpa
11

e insegurança no futuro, inconscientemente ligados a lembrança da repressão que


sofreu.
Com relação ao Id, diferentemente do Ego e concomitantemente ao Superego,
o mesmo está ligado ao nosso inconsciente, no entanto, ele corresponde aos nossos
desejos mais ocultos, muitas vezes reprimidos pelo Ego, e por estarem em uma área
mais profunda de nossa mente, seu teor é mais difícil de ser acedido. Contudo, faz-se
importante destacar que ambas as estruturas não se encontram totalmente
separadas, devido ao fato de que o conteúdo reprimido pelo Ego se liga ao Id,
tornando-se parte dele e fazendo assim, com que haja resistências a tal repressão,
portanto, este conteúdo ainda pode estabelecer uma comunicação com o Ego por
intermédio do Id (FREUD, 1923).
Assim, para Freud, o Id é regido pelo princípio do prazer, ao passo que o Ego
é guiado pelo princípio da realidade. Desta forma, Freud (1923, p. 90) afirma que o
Ego age de maneira a regular Id, pois “o Ego procura aplicar a influência do mundo
externo ao Id e às tendências deste, e esforça-se por substituir o princípio de prazer,
que reina irrestritamente no Id, pelo princípio de realidade’’. Ele ainda destaca que um
conflito entre o consciente e o inconsciente, ocasionado por meio deste processo de
regulação é responsável pelo surgimento da neurose, que será abordada no próximo
tópico do presente trabalho.

2.1.2. Neurose, psicose e perversão


A terminologia da neurose foi mencionada pela primeira vez pelo médico
escorces Cullen (1769 apud CARDOSO,2007, p. 9), ele afirmava que a mesma
compreendia:
Todas as afecções naturais do sentido e do movimento, em que a hipertimia
não faz parte, e todas aquelas que não dependem de uma afecção local dos
órgãos, mas sim de uma afecção mais geral do Sistema Nervoso [...]

No entanto, Freud (1923), em seu artigo Neurose e Psicose, entendia a neurose


como um conflito ocasionado por traumas psicossociais acarretados em períodos
precoces da vida. Com isso, Freud constatou que a neurose se dava através de
processos que indicam o desenvolvimento da personalidade, constituindo um
encadeamento entre as perturbações da personalidade e a clínica neurótica. Sendo
assim, atualmente a neurose não é mais entendida como uma patologia de origem
orgânica como em outrora, mas sim como psicogênica.
12

Contudo, para compreender o que Freud postula a respeito da neurose, deve-


se atentar para a definição de pulsões, trazida pelo mesmo em seu artigo Instinto e
suas Vicissitudes (1916), como um preposto psíquico dos estímulos que se emanam
no corpo, internamente, atingindo a mente, como uma forma de imposição feita a
mesma, trabalhando através da ligação destes estímulos com o corpo.
A partir disso, a teoria psicanalítica entende a neurose como uma patologia
psicogênica, na qual sua sintomatologia consiste em uma representação simbólica de
um conflito psíquico que está enraizado na infância do indivíduo e integra uma
combinação entre o desejo e a defesa. Os obstáculos da vida são insatisfatórios,
gerando a necessidade de um conflito interno recalcado no passado, pois o Eu da
infância é fraco e inapto para conduzir as pulsões libidinosas e agressivas,
estabelecendo-se assim, a ansiedade, que é uma característica notória em indivíduos
que possuem essa estrutura de personalidade (CARDOSO, 2007).
A psicose é entendida por Freud (1923 apud SANTOS; ANDRADE, 2016),
como um resultado das tensões entre o Eu e o mundo externo, enquanto na neurose
o Eu tenta lutar contra o sintoma, reprimindo suas pulsões, na psicose o Eu cria um
mundo externo e interno de forma desmedida e convencionada ao seu inerente anseio
ocasionado por uma frustração de tal anseio por uma realidade vista como intolerável.
Com isso, a respeito das semelhanças e diferenças entre a neurose e psicose,
segundo Santos e Andrade (2016, p. 232), entende-se que:
Desta maneira, nota-se uma etiologia comum nas duas categorias, que é a
frustração de um desejo não realizado ocasionando uma retirada da libido do
mundo externo. Em ambas há uma perda da realidade, todavia, na neurose
se faz uma tentativa de reconstruir a realidade que causa desprazer por outra
mais próxima dos desejos do sujeito através da fantasia. Enquanto isso, na
psicose a realidade é rejeitada, o eu se afasta, transforma a realidade a partir
de traços de memória e são acrescentados outros elementos.

Sendo assim, Freud (1923, p. 89), também diferencia estas duas estruturas de
personalidade, indagando que “a neurose é o resultado de um conflito entre o Ego e
o Id, ao passo que a psicose é o desfecho análogo de um distúrbio semelhante nas
relações entre o Ego e o mundo externo’’.
Com base nisto, pode-se compreender que a neurose é normalmente abordada
como uma contraposição à psicose, pois ambas divergem na forma como geram a
perda da realidade bem como o adoecimento psíquico.
Portanto, a partir do exposto acima percebe-se que a neurose e a psicose são
estruturas de personalidade que podem ocasionar patologias ligadas a sentimentos
13

traumáticos experienciados por um indivíduo, que podem advir tanto do seu mundo
externo quanto do seu mundo interno, porém, em indivíduos com a estrutura de
personalidade perversa, os sentimentos são empobrecidos, devido à ausência de
moral e de culpa.
No entanto, Freud (1905), em seu artigo Fragmento da Análise de um Caso de
Histeria, descreveu a perversão como um desvio de personalidade de indivíduos que
apresentavam conduta sexual atípica, que estava ligada as pulsões, bem como
postulava que nem todo indivíduo que apresenta perversão sexual possui uma
estrutura de personalidade perversa propriamente dita. Ainda de acordo com o mesmo
(1905, p. 53-54):
Todos os psico-neuróticos são pessoas de inclinações perversas fortemente
acentuadas, mas recalcadas e tornadas inconscientes no curso do seu
desenvolvimento. Por isso suas fantasias inconscientes exibem um conteúdo
idêntico ao das ações documentadas nos perversos [...]

Com isso, compreende-se que apesar do neurótico apresentar pulsões e


fantasias em seu íntimo que se assemelham as do perverso, ele nunca terá coragem
de colocá-las em prática devido aos sentimentos de culpa, vergonha e o medo de ser
julgado perante a sociedade, exercendo assim controle sobre as mesmas, em
detrimento ao perverso que não busca controlar suas pulsões, buscando sempre
realizar seus desejos mais sórdidos em nome de seu gozo.
Ainda, em sua obra, Freud (1905, p. 55-56) reforça a relação da perversão com
a sexualidade, afirmando que:
As perversões não são bestialidades nem degenerações no sentido patético
dessas palavras. São o desenvolvimento de germes contidos, em sua
totalidade, na disposição sexual indiferenciada da criança, e cuja supressão
ou redirecionamento para objetivos assexuais mais elevados — sua
“sublimação” — destina-se a fornecer a energia para um grande número de
nossas realizações culturais.

A partir disso, também pode-se observar que Freud não se utiliza do termo
psicopatia, tema central deste trabalho, para designar estes tipos de indivíduos
mencionados acima, classificando-os como perversos, assim, para o mesmo, a
perversão pode ser entendida como uma categoria particular de base subjetiva,
anseio e desvario (ROUDINESCO, 2011).
Ainda a respeito da estrutura de personalidade perversa, Aulagnier-Spairani
(1967 apud MENESES; FERREIRA, 2011) afirma que estes possuem uma formatação
de seu aparelho psíquico distinta dos neuróticos e dos psicóticos, pelo fato de que no
perverso o Ego barganha suas condições com as vontades do Id, bem como com a
14

realidade. Com isso, estes indivíduos realizam os anseios que os neuróticos não
conseguem externar, ou seja, o perverso consegue de modo simultâneo reflexionar
as exigências do Id e do Ego, sem que as mesmas entrem em conflito. Assim, não há
a repressão dos anseios, presente no neurótico, nem mesmo a negação da realidade,
presente no psicótico.
Por conseguinte, embora muitos teóricos da abordagem psicanalítica não se
utilizem da nomenclatura da psicopatia, pode-se perceber que existem pontos comuns
entre esta e a perversão, como o fato de não reprimirem os seus desejos e serem
regidos pelo princípio do prazer.
Ainda de acordo com Carvalho (1996), Freud diferencia determinados números
de pulsões, constantemente relacionadas as pulsões sexuais que rememoram o
desenvolvimento do processo de perversão. Porém, a noção de pulsão parcial é
trazida por Freud após suas comparações entre a neurose e a psicose.
Com isso, compreende-se que a sexualidade perversa está relacionada a este
tipo de pulsão, descrevendo assim, segundo Carvalho (1996, p. 36), “a perversidade
polimorfa, no centro da organização sexual infantil’’. Sendo assim, faz-se importante
elucidar como se entende a perversão no âmbito da infância, tema de interesse do
presente trabalho.

2.1.3. A perversão infantil


Dolto (1985 apud CARVALHO, 1996) sugeriu uma explicação sobre o processo
da perversão infantil, no qual afirmava que o papel do adulto responsável por sua
criação exerce grande influência no surgimento de tal comportamento, pois a
perversão é originada a partir do momento que o adulto que pratica a castração na
criança, o faz para satisfazer seu próprio narcisismo, determinando assim, para a
criança a abdicação ao prazer, a contenção do prazer, que o obedece por ter nele um
espelho, um vínculo de confiança.
Com isso, Dolto (1985 apud CARVALHO, 1996) também afirma que o anseio
de uma criança perversa é continuamente estável, pois a mesma reprisa algo que
necessita ser debelada, devido ao fato disto a fazer sofrer.
Assim, Dolto (1985 apud CARVALHO, 1996, p. 38) destaca que:
Uma criança que é cruel com as outras crianças, com animais, repete alguma
coisa da qual ela tem a solução, mas a criança, sem dúvida encontrou o
exemplo dessa coisa em alguém que tem valor para ela, ou então, ela sofreu
isso da parte de alguém que ela considerava um modelo. Todavia, não quer
15

renunciar a essa pessoa ou à lembrança dessa pessoa, associadas, para a


criança, a seu próprio narcisismo.

Esta asserção reforça como o meio externo no qual a criança se desenvolve é


um fator preponderante para que a mesma desenvolva uma estrutura de
personalidade perversa, tal qual já mencionado anteriormente.
Outro ponto que também se faz importante ressaltar a respeito da perversão
no âmbito da infância é que, sob a ótica psicanalítica, há um entendimento de que a
sexualidade infantil apresenta uma natureza perversa, por ser considerada, como já
mencionado anteriormente, segundo Freud, polimorfa, ou seja, ela se permite possuir
diversas formas, se aproveitando, avultando e infringindo para obter prazer. Assim,
podemos perceber que perversão no adulto se distingue da perversão infantil pelo fato
de ser fixa, bem como, pela característica subjetiva da desobediência as leis. Portanto,
de acordo com a visão psicanalítica, a perversão no adulto pode ser compreendida
como uma rejeição ou uma contestação da castração, acrescido de uma fixação do
mesmo na sexualidade infantil (ROUDINESCO, 2011).

2.2. NARCISISMO MALIGNO: UM POSSIVEL DIAGNÓSTICO PARA A PSICOPATIA

Como visto previamente, a perversão, a partir do pressuposto da psicanálise, é


entendida como uma estrutura de personalidade usualmente relacionada a
sexualidade, embora demonstre características em comum com a psicopatia, no
entanto, como também já mencionado, não se pode afirmar que todo indivíduo que
possua uma personalidade de base perversa seja um psicopata.
Desta forma, sabe-se que é de comum acordo entre os teóricos a demasiada
dificuldade em se diagnosticar um indivíduo como sendo um psicopata. Entretanto, o
psicanalista Otto Kernberg (1995) cunhou o termo Narcisismo Maligno, na tentativa
de propor um diagnósticos distinto da psicopatia, classificou-a em três categorias de
conjunturas antissociais, são elas: a síndrome do narcisismo maligno, a estrutura
antissocial propriamente dita e a personalidade narcisistica com conduta antissocial.
Sendo assim, a síndrome do narcisismo maligno corresponde ao psicopata que
tem sua sociopatia em decorrência do meio, bem como de componentes
psicodinâmicos, nesta patologia, o comportamento antissocial tem seu início no
narcisismo maligno, pois existe a inaptidão do indivíduo em constituir vínculos sem
16

que haja algum interesse por trás, bem como incapacidade de reconhecer valores
morais, de cumprir com suas obrigações, apresentando também a ausência de culpa.
Na estrutura antissocial propriamente dita, o indivíduo também possui as
mesmas condutas antissociais descritas anteriormente, porém sem a presença do
narcisismo maligno. Já na personalidade narcisistica com conduta antissocial, além
deste comportamento desviante, o indivíduo tem uma estruturação de personalidade
narcisistica, embora também não haja o narcisismo maligno nesta conjuntura e o
indivíduo apresente as características comportamentais descritas anteriormente,
nesta categoria o mesmo é capaz de sentir culpa (KERNBERG, 1995).
Ainda de acordo com Kernberg (1995), os sintomas mais presentes nestes
indivíduos são: encanto superficial e manipulação, mentiras sistemáticas e
comportamento fantasioso, ausência de sentimentos afetuosos, amoralidade,
impulsividade, incorrigibilidade e falta de adaptação social.
Fundamentado nestas características, Kernberg buscou obter uma melhor
compreensão da personalidade de um psicopata, de acordo com a abordagem
psicanalítica, para assim relacionar o tipo de narcisismo que está vinculado a essa
patologia, com o intuito de obter um diagnóstico mais preciso da mesma.
17

3 TRANSTORNOS DE PERSONALIDADE E DE CONDUTA SEGUNDO A


PSIQUIATRIA

A partir do exposto anteriormente, viu-se a compreensão da psicopatia desde


suas origens e historicidade até seu entendimento através de um viés psicanalítico,
que fornecem importante subsidio para esclarecer os aspectos envolvidos em sua
conceituação. No entanto, neste capítulo se aborda a patologia em questão do ponto
de vista clinico da psiquiatria, no qual a psicopatia pode ser correlacionada com o
transtorno de personalidade antissocial, devido as semelhantes características que os
manuais psiquiátricos elencam a respeito deste transtorno.
Assim, busca-se aprofundar a respeito do que se entende por personalidade,
clarificando como ela se desenvolve, bem como as consequências ocorridas caso este
desenvolvimento não ocorra normalmente, para assim, melhor compreender a
classificação dos transtornos de personalidade, destacando-se sobre o transtorno de
personalidade antissocial, conjuntamente com o transtorno de conduta opositor
desafiante, segundo o DSM-5. Com isso, espera-se que haja um maior entendimento
a respeito da relação destes transtornos com o comportamento transgressor de uma
criança.

3.1.A PERSONALIDADE E TRANSTORNOS ASSOCIADOS A MESMA

Os estudos mais relevantes na área da Psicologia a respeito da personalidade


tiveram início na década de 1930, com o psicólogo norte-americano Gordon Allport.
Sua obra intitulada Personality: a psychological interpretation (1937) foi considerada
referência preambular nos estudos científicos voltados a temática da personalidade
sob o aspecto psicológico (CARVALHO et al., 2017).
Sendo assim, Allport (1937, p.48) conceituou a personalidade como ‘’ uma
organização dinâmica, dentro do indivíduo, dos sistemas psicofísicos, que determina
seu ajuste único ao ambiente’’. O teórico também afirmou que tal organização
dinâmica correspondia aos chamados traços de personalidade, que eram entendidos
pelo mesmo como ‘’ estruturas neuropsíquicas capazes de incorporar diversos
estímulos funcionalmente equivalentes e para iniciar e guiar equivalentes formas de
comportamento adaptativo e expressivo’’ (ALLPORT, 1937, p. 347).
18

A partir disso, tomando como base referencial a definição dos traços de


personalidade de Allport, diferentes teóricos, como Cattel, Goldberg, McCrae e Costa
Junior, buscaram estruturar estes traços em diversas extensões da personalidade,
criando assim, a teoria dos cinco grandes fatores da personalidade (CGF). Desta
forma, os cinco fatores são: o neuroticismo (se refere a instabilidade emocional), a
extroversão (diz respeito ao bem-estar, nível de energia e habilidade nas relações
interpessoais), a abertura a novas experiências (gostar de novidades e tendência a
criatividade), a simpatia (modo como se relaciona com os outros) e a
conscienciosidade (se refere ao grau de concentração). Esta é atualmente a teoria
mais aceita cientificamente para investigar e avaliar a personalidade dos indivíduos
(CARVALHO et al., 2017).
Todavia, o DSM-5 (2014, p.647) também traz em sua literatura uma definição
do que se entende por traços de personalidade, afirmando que os mesmos se referem
a ‘’ padrões persistentes de percepção, relacionamento com e de pensamento sobre
o ambiente e si mesmo que são exibidos em uma ampla gama de contextos sociais e
pessoais’’. O manual ainda destaca que tais traços de personalidade apenas serão
considerados como patológicos quando são inexoráveis e mal-adaptativos,
ocasionando agravos funcionais, bem como consternações subjetivas expressivas.
Com isso, entende-se que a personalidade se desenvolve e é moldada de
acordo com nossas interações com ambiente, bem como, a partir das relações que
construímos com o outro, ou seja o meio externo exerce grande influência na
construção da mesma. No entanto, ao falarmos em transtornos de personalidade,
além dos fatores externos que podem corroborar para seu surgimento, os fatores
internos também devem ser observados, tais como predisposição genética, dentre
outros.
Portanto faz-se necessário aprofundar sobre a conceituação e classificação dos
transtornos de personalidade e seus subtipos, sob a ótica da psiquiatria, tomando
como base no DSM-5, para assim melhor compreender os aspectos envolvidos no
transtorno de personalidade antissocial, que será abordado mais adiante.

3.1.1. Os transtornos da personalidade


Segundo o DSM-5 (2014, p. 645), os transtornos de personalidade se definem
como ‘’ um padrão persistente de experiência interna e comportamento que se desvia
acentuadamente das expectativas da cultura do indivíduo, começa na adolescência
19

ou no início da fase adulta, é estável ao longo do tempo e leva a sofrimento ou


prejuízo’’. Desta maneira, entende-se que estes transtornos afetam todas as áreas da
vida de uma pessoa.
Ainda de acordo com o DSM-5 (2014), os transtornos de personalidade se
subdividem em três grupos, são eles: o Grupo A (corresponde a indivíduos estranhos
ou esdrúxulos), que diz respeito aos transtornos de personalidade esquizoide,
esquizotípica e paranoide; o Grupo B (se refere a indivíduos pungentes, emotivos ou
erradios) , no qual se inserem os transtornos de personalidade borderline, histriônica,
antissocial e narcisista e o Grupo C (engloba indivíduos ansiosos e espantadiços), que
corresponde aos transtornos de personalidade obsessivo-compulsiva, evitativa e
dependente.
Para se diagnosticar um indivíduo com algum tipo de transtorno de
personalidade, deve-se atentar aos seguintes critérios elencados no DSM-5 (2014, p.
646):
A. Um padrão persistente de experiência interna e comportamento que se
desvia acentuadamente das expectativas da cultura do indivíduo. Esse
padrão manifesta-se em duas (ou mais) das seguintes áreas:
1.Cognição (i.e., formas de perceber e interpretar a si mesmo, outras
pessoas e eventos)
2.Afetividade (i.e., variação, intensidade, labilidade e adequação da
resposta emocional)
3.Funcionamento interpessoal
4.Controle de impulsos
B. O padrão persistente é inflexível e abrange uma faixa ampla de situações
pessoais e sociais.
C. O padrão persistente provoca sofrimento clinicamente significativo e
prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas
importantes da vida do indivíduo.
D. O padrão é estável e de longa duração, e seu surgimento ocorre pelo
menos a partir da adolescência ou do início da fase adulta.
E. O padrão persistente não é mais bem explicado como uma manifestação
ou consequência de outro transtorno mental.
F. O padrão persistente não é atribuível aos efeitos fisiológicos de uma
substancia (p. ex., droga de abuso, medicamento) ou a outra condição
médica (p. ex., traumatismo craniencefálico).

A partir da observação desses critérios, nota-se a complexidade de fatores


envolvidos para se obter um diagnóstico preciso de um transtorno de personalidade.
O DSM-5 (2014) ainda ressalta que a análise pode ser dificultosa quando o próprio
paciente não julga problemáticos os aspectos que estipulam estes transtornos.
Portanto, para que não haja equívocos quanto ao diagnóstico da patologia em
enfoque, deve-se observar aspectos como questões diagnósticas relativas a cultura,
para que a mesma não seja confundida com dificuldades associadas a aculturação
20

posterior a imigração ou a demonstração de hábitos, valores, crenças e costumes


inerentes a cultura originária do indivíduo, bem como é importante atentar-se as
questões diagnósticas relativas ao gênero, para que os estereótipos sociais entre
mulheres e homens não exerçam influencia neste diagnóstico (DSM-5, 2014).
Sendo assim, compreende-se que os transtornos de personalidade constituem
modulações mal adaptativas dos traços de personalidade, que se incorporam
impercebivelmente com o habitual, bem como entre si (DSM-5, 2014). Por isso, é
imprescindível avaliar minunciosamente cada um dos aspectos que englobam um
diagnóstico diferencial de cada subtipo desta patologia.
Desta forma, a partir do conhecimento do que se tratam os transtornos de
personalidade, o tópico a seguir irá destacar a respeito do transtorno de personalidade
antissocial, assim como no transtorno opositor desafiante, visto que se faz necessário
o aprofundamento nestes conteúdos para compreender, no ponto de vista clínico, a
temática principal abordada no presente trabalho, a psicopatia infantil.

3.2.TRANSTORNO DE PERSONALIDADE ANTISSOCIAL E TRANSTORNO


OPOSITOR DESAFIANTE E SUAS RELAÇÕES COM A PERVERSÃO INFANTIL

Como exposto anteriormente, um indivíduo só pode ser considerado portador


de um transtorno de personalidade a partir dos 18 anos de idade, entretanto, o mesmo
possivelmente pode ter apresentado comportamentos desviantes desde a infância,
perdurando até a adolescência e se intensificando na fase adulta. Sabe-se também
que o ambiente é um fator que exerce forte influência sobre a formação da consciência
e do comportamento.
Contudo, os transtornos de conduta, que também serão discutidos neste
tópico, podem ser diagnosticados na infância, sendo assim, quanto mais cedo se
identificar o transtorno de conduta, maior será a eficácia do seu tratamento para que
no futuro a criança não venha a se tornar um psicopata de fato.
A partir disso, iremos tratar do transtorno de personalidade antissocial (TPA),
tipo de transtorno de personalidade que mais se relaciona com as características de
um comportamento transgressor. No DSM-5, esta patologia está inserida nos
transtornos de personalidade do Grupo B e já foi mencionado como psicopatia,
sociopatia ou até mesmo transtorno da personalidade dissocial, antes de receber a
nomenclatura atual.
21

Ainda de acordo com DSM-5 (2014, p.659), para haver um diagnóstico preciso
de transtorno de personalidade antissocial devem ser considerados os seguintes
critérios:
A. Um padrão difuso de desconsideração e violação dos direitos das outras
pessoas que ocorre desde os 15 anos de idade, conforme indicado por
três (ou mais) dos seguintes:
1. Fracasso em ajustar-se as normas sociais relativas a comportamentos
legais, conforme indicado pela repetição de atos que constituem motivos
de detenção.
2. Tendência a falsidade, conforme indicado por mentiras repetida, uso
de nomes falsos ou de trapaça para ganho ou prazer pessoal.
3. Impulsividade ou fracasso em fazer planos para o futuro.
4. Irritabilidade e agressividade, conforme indicado por repetidas lutas
corporais ou agressões físicas.
5. Descaso pela segurança de si ou de outros.
6. Irresponsabilidade reiterada, conforme indicado por falha repetida em
manter uma conduta consistente no trabalho ou honrar obrigações
financeiras.
7. Ausência de remorso, conforme indicado pela indiferença ou
racionalização em relação a ter ferido, maltratado ou roubado outras
pessoas.
B. O indivíduo tem no mínimo 18 anos de idade.
C. Há evidências de transtorno de conduta com surgimento anterior aos 15
anos de idade.
D. A ocorrência de comportamento antissocial não se dá exclusivamente
durante o curso de esquizofrenia ou transtorno bipolar.

Assim, entende-se que as principais características de pessoas que possuem este


transtorno são a falsidade e a manipulação, por isso para se obter um diagnóstico
efetivo, além de realizar avaliações clinicas com estes indivíduos, faz-se necessário
recolher também dados de terceiros que convivem com o mesmo.
No que se refere ao desenvolvimento e curso do transtorno, o DSM-5 (2014, p.
661) preconiza que:
O transtorno de personalidade antissocial tem um curso crônico, mas pode
se tornar menos evidente ou apresentar remissão conforme o indivíduo
envelhece, em particular por volta da quarta década de vida. Embora essa
remissão tenda a ser especialmente evidente quanto a envolvimento em
comportamento criminoso, é possível que haja diminuição no espectro total
de comportamentos antissociais e uso de substancias [...]

Com isso, compreende-se que embora não haja cura para esta patologia, com o
passar do tempo indivíduos que a apresentam tendem a diminuir a incidência de seus
comportamentos desviantes
Em crianças, este tipo de transtorno é entendido como um transtorno de conduta,
no qual obedece um parâmetro de comportamento recorrente e perseverante,
22

infringindo os direitos dos outros sem se importar com as consequências de seus atos
na vida dos mesmos, pois não sentem culpa em desobedecer as normas sociais
pertinentes a idade (DSM-5, 2014).
O DSM-5 (2014) também destaca que a possibilidade de desenvolvimento de
um transtorno de personalidade antissocial na fase adulta pode ser ampliada se o
transtorno de conduta teve seu surgimento ainda na infância, antecedendo os 10 anos
de idade, bem como, a presença de déficit de atenção e hiperatividade interligada a
este aspecto.
O referido manual (2014, p. 661) ainda afirma que “abuso ou negligencia
infantil, paternidade/maternidade instável ou errática ou disciplina parental
inconsistente podem aumentar a probabilidade de o transtorno de conduta evoluir para
transtorno da personalidade antissocial’’. Isto reafirma a persuasão que os fatores
externos tem na construção da personalidade de uma pessoa.
No entanto, fatores internos, como os genéticos e fisiológicos também podem
ser correlacionados com o desenvolvimento desta patologia, visto que a mesma é
mais frequente em indivíduos que possuem familiares biológicos de primeiro grau que
também tem este transtorno (DSM-5, 2014).
No que se refere ao transtorno de conduta propriamente dito, o DSM-5 (2014)
o aborda na categoria de transtornos disruptivos, do controle de impulsos e da
conduta, no qual abarca circunstâncias ligadas a dificuldades de autocontrole de
emoções, bem como de comportamentos. Ainda faz-se importante ressaltar que
embora o transtorno de personalidade antissocial esteja inserido na categoria de
transtornos de personalidade, ele também é considerado um transtorno de conduta,
devido ao fato de ambos estarem relacionados a comportamentos transgressores.
Sendo assim, são extensos os critérios para diagnosticar o transtorno de
conduta, com isso, das características de comportamentos exibidos por um indivíduo
que possui esta patologia, estão: a agressão a pessoas e animais, destruição de
propriedade, falsidade ou furto e violações graves de regras (DSM-5, 2014).
O presente manual (2014, p. 470) ainda traz os seguintes subtipos deste
transtorno, que são primordiais para se obter um diagnóstico do mesmo:
312.81 (F91.1) Tipo com início na infância: Os indivíduos apresentam pelo
menos um sintoma característico de transtorno de conduta antes dos 10 anos
de idade.
312.82 (F91.2) Tipo com início na adolescência: Os indivíduos não
apresentam nenhum sintoma característico de transtorno de conduta antes
dos 10 anos de idade.
23

312.89 (F91.9) Início não especificado: Os critérios para o diagnóstico de


transtorno de conduta são preenchidos, porém não há informações
suficientes disponíveis para determinar se o início do primeiro sintoma
ocorreu antes ou depois dos 10 anos.

Com isso, percebe-se que é importante se atentar para a idade na qual os


sintomas deste transtorno surgem, bem como a gravidade dos mesmos, que podem
ser: leves, que provocam prejuízos parcialmente pequenos a terceiros, como mentir,
faltar aula, dentre outras insubordinações as regras; moderados, que causam danos
ponderados entre leves e graves a terceiros, como vandalismo ou furto sem emprego
de violência e graves, que acarretam prejuízos consideráveis a outros, como sexo
forçado e crueldade física (DSM-5, 2014).
Sendo assim, um transtorno de conduta comumente associado a crianças com
comportamentos desviantes é o transtorno opositor desafiante. Conforme o DSM-5
(2014, p. 462), o mesmo deve apresentar os seguintes critérios para se obter seu
diagnóstico:
A. Um padrão de humor raivoso/irritável, de comportamento
questionador/desafiante ou índole vingativa, com duração de pelo menos seis
meses, como evidenciado por pelo menos quatro sintomas de qualquer de
qualquer das categorias seguintes e exibido na interação com pelo menos um
indivíduo que não seja o irmão [...]
B. A perturbação no comportamento está associada a sofrimento para o
indivíduo ou para os outro em seu contexto social imediato (p. ex. família,
grupo de pares, colegas de trabalho) ou causa impactos negativos no
funcionamento social, educacional, profissional ou outras áreas importantes
da vida do indivíduo.
C. Os comportamentos não ocorrem exclusivamente durante o curso de um
transtorno psicótico, por uso de substancia, depressivo ou bipolar. Além
disso, os critérios para transtorno disruptivo da desregulação do humor não
são preenchidos.

Com isso, entende-se que o transtorno opositor desafiante se trata de um


transtorno disruptivo, em que o indivíduo age desobedientemente, apresentando
hostilidade, desentendendo-se frequentemente com os adultos a sua volta,
importunando-os intencionalmente, também não gostam de ter responsabilidades
nem de seguir regras, perdendo prontamente o controle quando as coisas não saem
com eles querem, devido a isso seu comportamento lhe prejudica em variados
âmbitos de sua vida.
Geralmente esta patologia tende a aparecer nos anos escolares iniciais da
criança, no entanto, eventualmente, também pode se desencadear na adolescência,
frequentemente precedendo o surgimento de um transtorno de conduta,
24

principalmente em pessoas nas quais o transtorno de conduta se emergiu durante a


infância (DSM-5, 2014).
Segundo o DSM-5 (2014), também faz-se imprescindível se observar os
aspectos de risco que precedem ao surgimento do transtorno opositor desafiante, tais
como: temperamentais, ligados a problemas de controle emocional; ambientais, como
atitudes agressivas, negligentes ou incoerentes na forma de criar os filhos, o referido
manual (p.464) ainda frisa que “essas práticas parentais desempenham papel
importante em muitas teorias causais do transtorno’’, e por fim, aspectos genéticos e
fisiológicos, relacionados a variados marcadores neurobiológicos, embora reconheça-
se que não há uma comprovação da existência de marcadores precisos para a
patologia em questão.
Quanto a gravidade deste transtorno, os mesmo podem ser classificados como:
leve, quando o indivíduo manifesta suas predições em somente um âmbito no qual
está introduzido, ou seja, ou na escola, ou no ambiente familiar, ou no trabalho, dentre
outros; moderado, quando tais sintomas são apresentas em ao menos dois ambientes
se grave, quando seus sintomas se externam em três ou mais âmbitos de sua vida
(DSM-5, 2014).
No que tange aos aspectos funcionais do transtorno em questão, o DSM-5
(2014, p. 465) traz a seguinte asserção:
Quando o transtorno de oposição desafiante é persistente ao longo do
desenvolvimento, os indivíduos com o transtorno vivenciam conflitos
frequentes com os pais, professores, supervisores, pares e parceiros
românticos. Com frequência, tais problemas resultam em prejuízos
significativos no ajuste emocional, social, acadêmico e profissional do
indivíduo.

Isso mostra a importância de se tratar este transtorno para que o indivíduo


acometido por ele consiga estabelecer um equilíbrio psíquico afim de prevenir a
intensificação destes prejuízos.
Contudo, de acordo com as características diagnósticas apresentadas por
indivíduos com transtorno opositor desafiante, o DSM-5 (2014, p. 464) destaca que
“os sintomas desafiantes, questionadores e vingativos respondem pela maior parte do
risco para transtorno da conduta, enquanto os sintomas de humor raivoso/irritável
respondem pelo maior risco para transtornos emocionais’’.
Todavia, é importante ressaltar que apesar de ser considerado um transtorno
de conduta, o transtorno opositor desafiante, em alguns casos não progride para
comportamentos violentos mais graves, por haver uma considerável comorbidade
25

com o TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade), bem como com o


transtorno bipolar pediátrico devido ao fator da irritabilidade ser frequente no mesmo
(SERRA-PINHEIRO et al., 2004).
Além disso, o DSM-5 (2014, p. 466) também afirma que:
As taxas do transtorno de oposição desafiante são muito mais altas em
amostras de crianças, adolescente e adultos com TDAH [...] Indivíduos com
transtorno de oposição desafiante também tem risco aumentado de
transtornos de ansiedade e transtorno depressivo maior, e isso parece ser,
em grande medida, atribuível a presença de sintomas de humor
raivoso/irritável.

Então, pode-se observar que este transtorno geralmente aparece como uma
comorbidade de outros transtornos, como o transtorno depressivo maior e transtornos
de ansiedade. Assim como é importante destacar que fatores ambientais e sociais
também podem colaborar para o aparecimento deste transtorno em crianças, como
experienciar interações problemáticas, frequentemente relativas ao convívio com pais
hostis, tal qual mencionado anteriormente.
Devido a isso, é imprescindível identificar a existência de outros transtornos por
trás deste, bem como averiguar a influência do ambiente familiar na formação de sua
conduta para que haja maior êxito em seu diagnóstico e tratamento.
A partir dos conteúdos explanados no presente capítulo, podemos observar
como transtornos que se caracterizam por comportamentos transgressores são
entendidos através de um contexto clínico, assim, percebe-se que tais aspectos
podem possuir uma relação direta com a conduta perversa de uma criança.
Com isso, no capítulo a seguir, estas condutas serão abordadas sob a visão
forense, fazendo uma análise da ligação da psicopatia com a execução de delitos
impudicos, bem como exemplificadas de acordo com a ficção, além de casos verídicos
de crianças que exibiram desvios de comportamento que as levaram ao limite, afim
de compreender a relação entre estes transtornos com sua motivação para matar.
26

4 A PSICOPATIA NO ÂMBITO FORENSE

Até o presente momento, foi discutido o conceito e a origem da psicopatia e


como a mesma é entendida sob o viés clinico, bem como na abordagem psicanalítica,
através da estrutura de personalidade perversa, adentrando a respeito da perversão
infantil. Porém, a psicopatia também é um importante objeto de estudo na psicologia
forense, que se dedica a estudar esta condição para melhor compreender a motivação
por trás de crimes hediondos cometidos por indivíduos ditos psicopatas.
Faz-se importante entender que nem todo psicopata é um assassino, bem
como, nem todas as pessoas que cometem crimes são necessariamente psicopatas,
existem subtipos de psicopatia que vão do grau mais leve até o mais alto nível de
periculosidade. Para ilustrar isso, o psiquiatra forense americano Michael Stone criou
o índice de maldade, com o intuito de auxiliar a ciência a apreender e precaver este
padrão comportamental. Este índice elenca níveis de maldade que vão do 1 ao 22,
através da avaliação de três fatores: o motivo, o método e a crueldade utilizadas pelos
criminosos na execução de seus atos (CABRAL, 2018).
Com base nisso e visando entender o papel da psicopatia na prática de crimes
hediondos, faz-se imprescindível discorrer sobre a classificação destes índices, que
estão ordenados da seguinte forma: o nível 1 compreende pessoas que matam em
legitima defesa, praticando o homicídio para se salvaguardar, no nível 2 estão os
parceiros que matam movidos pelo ciúme doentio, incorrendo em crimes passionais
que ocorrem somente uma vez, o nível 3 diz respeito a indivíduos manipuladores que
matam, bem como encorajam terceiros a matar em seu nome sob o argumento de
autodefesa se apoiando em fatos distorcidos, geralmente são indivíduos que
apresentam um agravado distúrbio de personalidade limítrofe.
No nível 4 do presente índice, estão as pessoas que matam para se
autodefender, porém levam seu algoz ao limite, provocando-o até serem atacados e
assim poderem mata-lo apoiados na desculpa da autodefesa, no nível 5 se encontram
as pessoas abaladas e atormentadas que matam mas se arrependem em seguida,
sentindo remorso após praticar o homicídio e são frequentemente instigadas por
experiências traumáticas, o nível 6 diz respeito aos assassinos pujantes, mas que
ainda não são classificados como psicopatas, pois apesar de matarem com intensa
violência, não apresentam traços de psicopatia em seu comportamento.
27

Ainda de acordo com o índice de maldade de Stone, o nível 7 corresponde a


pessoas totalmente narcisistas, que cometem o homicídio instigadas por ciúmes,
idealizando um delírio passional, indicando frequentemente que estão a ponto de
surtar, no nível 8 se classificam os indivíduos que não são considerados psicopatas,
mas que, devido a raiva reprimida, matam quando chegam ao ápice ocasionado por
uma descarga de estresse, geralmente possuem traços depressivos. Estes são os
primeiros graus da escala de Stone, percebe-se que até então não se fala em
psicopatia, pois é a partir do nível 9 que a malignidade na qual os indivíduos comentem
seus crimes já dá vestígios notórios de um comportamento psicopático assíduo e que
só tende a se elevar (CABRAL, 2018).
Sendo assim, no nível 9 estão os criminosos passionais com traços de
psicopatia, que matam movidos por sentimentos de raiva e de vingança, o nível 10
corresponde a indivíduos que não são notadamente psicopatas, mas matam quem
considerarem um obstáculo na concretização de seus objetivos, motivados por seu
egocentrismo exacerbado. No nível 11 se localizam os psicopatas propriamente ditos,
que matam aqueles que estiverem em seu caminho para alcançar seus objetivos, o
nível 12 diz respeito aos psicopatas com sede de poder, que matam quando se sentem
intimidados, geralmente também são megalomaníacos, o nível 13 está relacionado a
assassinos psicopatas que cometem o homicídio instigados pela raiva, são
egocêntricos e matam de maneira cruel, sem qualquer tipo de remorso por suas
vítimas
Por conseguinte, no nível 14 temos os psicopatas frios e egocêntricos que
matam para sua própria conveniência, são atrozes e autocentrados, o nível 15
corresponde aos psicopatas que cometem matanças infrenes ou múltiplos homicídios
em um mesmo momento, no nível 16 estão aqueles psicopatas que matam com
requintes de crueldade, mas em intervalos mais longos de tempo. O nível 17 diz
respeito aos assassinos serial killers, que também apresentam perversões sexuais, o
estupro é seu impulso primordial e o homicídio é cometido para acobertar as provas,
no nível 18 desta extensa escala, estão os assassinos torturadores, que tem por
principal motivação cometer o assassinato, porém após sofrer uma tortura não muito
prolongada.
No nível 19 são descritos os psicopatas que fazem terrorismo, subjugação,
intimidação e estupro, mas que, no entanto, não cometem homicídios, já no nível 20
são classificados os assassinos cuja principal motivação é a tortura, neste nível o
28

indivíduo já é encarado como doente, não tendo capacidade de responder por seus
atos. O nível 21 corresponde aos psicopatas que não comentem o homicídio de fato,
mas coloca suas vítimas sob intensa tortura e por fim, no nível 22, estão os psicopatas
que torturam suas vítimas por um longo tempo e por fim, as matam, o principal
estimulo destes indivíduos é a tortura, porém na maioria dos casos o homicídio tem
uma justificativa sexual, mesmo que inconscientemente (CABRAL, 2018).
Assim, a partir dessa escala, pode-se observar que a maldade não é um
atributo pertencente somente a indivíduos psicopatas, bem como percebe-se que
existem vários níveis de psicopatia. Deve-se salientar também que é importante
conhecer estes graus de maldade para estabelecer uma análise do comportamento
das crianças que cometeram crimes hediondos, que serão mencionadas no presente
trabalho, para assim verificar se as mesmo podem ser classificadas como possíveis
psicopatas ou se trataria apenas de transtornos de conduta, que também serão
discutidos neste estudo.
Entretanto, no tocante ao tipos de psicopatia, como já mencionado
anteriormente, existem aqueles psicopatas que não incorrem necessariamente em
homicídios, devido a isso, eles se misturam dentro da sociedade facilmente, por serem
hábeis manipuladores, conseguem passar uma falsa imagem de credibilidade e com
isso adquirindo tudo que almejam, isto dificulta o reconhecimento destes predadores
sociais no meio em que vivemos.
Com isso, pode-se mencionar o psicopata subclinico que, como dito
anteriormente, é aquele que está integrado na sociedade, passando despercebido
pela mesma. Este tipo de indivíduo possui uma vida aparentemente perfeita, porém
trata-se de um predador emocional, que age causando intenso sofrimento psicológico
aqueles que lhe rodeiam, provocando uma violência invisível e, portanto, de difícil
detecção. Por vezes, este tipo de psicopata ocupa grandes cargos em empresas,
tendendo a levar seus funcionários ao limite do esgotamento e obtendo prazer com
isso, porém seu comportamento é visto como aceitável devido ao mercado de trabalho
atual enxergar este indivíduo como alguém competitivo e de ambição, características
valorizadas neste meio (VELASCO, 2015).
Com isso, Velasco (2015) afirma que, de acordo com o âmbito forense, a
principal distinção entre psicopatas criminosos e psicopatas subclínicos, integrados a
sociedade, reside no fato de que os psicopatas criminosos transgridem as leis de fato,
cometendo atos ilícitos, tais como roubo, prevaricação, delito fiscal, homicídio,
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agressão sexual, dentre outros, enquanto que os subclínicos não praticam tais ações.
Portanto, embora ambos compartilhem de igual estrutura básica de personalidade e
emoções, há uma diferença em seus aspectos comportamentais que faz com que
alguns apresentem atitudes antissociais e delinquentes e outro não.
A partir disto, tendo em vista a dificuldade de reconhecer e de se estudar
indivíduos com psicopatia, a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva (2008, p. 74) traz a
seguinte explicação:
Um grande e limitante problema em realizar pesquisas sobre os psicopatas é
que elas, em geral, só podem ser feitas em penitenciárias, e isso é
perfeitamente compreensível, afinal é muito difícil um psicopata
‘’subcriminal’’, ou seja, aquele que nunca foi preso ou internado em
instituições psiquiátricas, falar espontaneamente sobre seus atos ilícitos. Na
grande maioria das vezes, eles não possuem nenhum interesse em revelar
algo significativo para os pesquisadores ou mesmo para os funcionários do
presidio e quando o fazem tentam manipular a verdade somente para obter
vantagens, como a redução da pena por ‘’ bom comportamento’’ e
‘’colaborações de cunho social’’ [...]

Esta indagação confirma a complexidade que existe para se identificar um


psicopata que ainda não cometeu delitos graves, bem como demonstra que até
mesmo quando são apanhados e estão pagando por seus crimes, os psicopatas ainda
encontram maneiras de obter algum tipo de vantagem nas situações, sem qualquer
vestígio de culpa.
A psiquiatra ainda reforça que só se pode ser obtido um diagnóstico de
psicopatia de fato quando o indivíduo se insere de maneira expressiva neste perfil,
apresentando a maior parte das características preponderantes de um psicopata.
Além das características citadas por Cleckley (1941) para classificar um
psicopata, Silva (2008), também elenca as características utilizadas atualmente para
categorizar o mesmo, destacando os aspectos ligados aos seus sentimentos e
relacionamentos interpessoais, tais como: superficialidade e eloquência, são sempre
articulados, contam histórias inusitadas e não ficam minimamente preocupados ou
sentem vergonha ao serem desmascarados; egocentrismo e megalomania, pois
possuem uma visão narcisista e supervalorizada de seus valores e importância;
ausência de empatia, pois para um psicopata o outro é visto como um objeto que pode
ser usado e abusado apenas para seu próprio prazer; mentiras, trapaças e
manipulação, para conseguirem o que querem.
Por fim, outras duas características frequentemente enaltecidas a respeito da
figura do psicopata, ainda segundo Silva (2008), são: a pobreza de emoções, sendo
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incapazes de sentir alguns tipos de sentimentos como o amor, compaixão e respeito


ao próximo e a ausência do sentimento de culpa, demostrando total falta de remorso
pelos efeitos nocivos que seus atos podem causar no outro.
Com isso, faz-se essencial salientar que estas características também são
apontadas no transtorno de personalidade antissocial (TPA), e, novamente
recapitulando, embora haja muitos pontos em comum entre ambos os desvios
comportamentais, não se pode afirmar um indivíduo com TPA seja necessariamente
um psicopata.

4.1.CRIANÇAS PERVERSAS: VIDA E ARTE SE ENTRELAÇAM

Com base nos capítulos anteriores, na conceituação da psicopatia, bem como


dos transtornos de conduta antissocial e opositor desafiante e suas características e
influencias no comportamento desviante infantil, este capitulo irá abordar algumas
cenas do filme O Anjo Malvado e também casos reais que elucidam as características
comportamentais de crianças que cometeram crimes hediondos, e assim analisar a
presença de psicopatia, bem como de transtornos de conduta nas mesmas.
O filme O Anjo Malvado, do ano de 1993, narra a história de Mark, um menino
que vai morar temporariamente com seus tios após a perda mãe e uma repentina
viagem de negócios do pai, lá, ele se depara com seu primo Henry, que apesar da
pouca idade, demonstra um comportamento perverso. Com seu semblante inocente
e conduta manipuladora, Henry consegue enganar todos os adultos a sua volta,
constumando sempre escapando ileso das consequências de seus transgressores
atos.
Devido ao fato de terem a mesma idade, Henry e Mark se aproximaram
rapidamente, foi aos poucos que Henry foi mostrando quem verdadeiramente era. A
intolerância a frustração, que é uma característica preponderante em indivíduos com
transtorno de personalidade antissocial assim como em psicopatas, foi o primeiro sinal
que fez Mark começar a perceber o lado obscuro de seu primo. No decorrer do filme,
há uma cena em que Henry dá um tiro em um cachorro e não esboça remorso algum,
enquanto Mark fica desolado com o ocorrido, aqui pode-se identificar a ausência de
culpa e a agressão a animais, dois aspectos inerentes a patologia em questão.
Outra cena que ilustra de forma precisa a conduta impulsiva, egocêntrica e
enganadora e o descaso com sua segurança e a de outros, indicadores de transtorno
31

de conduta, de acordo com o DSM-5 (2014), e presentes no comportamento de Henry


se dá quando ele convence seu primo a ajudá-lo a carregar um boneco até a ponte
para jogá-lo na rodovia, causando caos e gerando sérios acidentes de trânsito
somente por diversão. Ao descobrir as reais intenções dele e ver o que o mesmo
ocasionou, Mark o indaga o porquê disso, ao passo que Henry responde “Quando
você percebe que pode fazer qualquer coisa, você é livre. Você pode voar. Ninguém
pode te tocar. Ninguém. Não tenha medo de voar”.
Com esta fala do antagonista, pode-se verificar novamente a presença desta
característica fundamental de um psicopata, a ausência de sentimento de culpa, é em
razão disto que Henry se sente livre para fazer o que quiser, pois não sente remorso
por seus atos, tampouco medo de ser descoberto, pois um psicopata acredita estar
sempre à frente dos outros e que ninguém nunca vai conseguir apanhá-lo. É assim
que Mark percebe o quão doentio é seu primo e passa a evitá-lo, se negando a
participar de suas brincadeiras cruéis, o que provoca a ira de Henry, que passa a
ameaçar fazer mal a sua própria família, apenas com o intuito de atingir Mark.
Neste contexto, pode-se visualizar mais uma característica da psicopatia,
elencada por Cleckley, dentre outros teóricos que abordam o tema, demonstrando que
um psicopata não apresenta sentimentos genuínos por ninguém, vendo as pessoas a
sua volta, até mesmo sua família, como meros objetos, que podem ser utilizados
apenas para satisfazer suas vontades ou alcançar seus objetivos.
Assim, com o passar do filme, em uma tentativa desesperada de proteger a
família de Henry dele mesmo, Mark busca desmascará-lo, mas seu poder de
manipulação faz com que Mark seja entendido como o vilão. Isto fica visível na cena
em que Henry sugere a Mark que pode ter envenenado os alimentos da casa, fazendo
com que ele jogue fora todos os itens da geladeira para proteger a família, quando na
verdade não havia nada que oferecesse perigo, era apenas uma armadilha de Henry
para fazer seus pais pensarem que Mark era a verdadeira criança problema.
No entanto, após provocar um acidente com sua irmã, alegando não ter sido
proposital, a mãe de Henry passa a desconfiar da índole do filho, passando até mesmo
a cogitar seu envolvimento na morte de seu irmão mais novo. Assim, ao confrontá-lo,
a mesma recebe uma demonstração de sua ira, tal qual psicopatas agem quando não
obtêm êxito através da manipulação de suas vítimas, o mesmo tenta empurrá-la de
um penhasco localizado perto da casa, ao passo que Mark chega a tempo para salvá-
la e então se desenrola um conflito físico entre os dois garotos, que chega ao seu
32

ápice quando a mãe de Henry se vê tendo que fazer uma difícil escolha, com cada um
de seus braços segurando os dois, sem forças para puxá-los conjuntamente, larga o
próprio filho, que depois de tudo ainda lhe suplicava cinicamente para soltar o primo
e lhe ajudar, e opta por salvar o sobrinho. E assim se dá o término do filme.
Neste contexto, pode-se perceber que Henry era um garoto de personalidade
deformada, que apesar de crescer em um lar estruturado e amoroso, não suportava
dividir a atenção dos pais com os irmãos, não por amor excessivo, mas pelo
sentimento de posse que tinha sob ambos, de ter a necessidade de ser o único na
vida deles.
Nota-se também que seus pais eram relativamente omissos, pois nunca se
deram conta do comportamento transgressor do garoto, talvez devido ao seu alto
poder de persuasão ou até mesmo por se negarem a acreditar que o próprio filho era
perverso, precisando chegar alguém de fora (Mark) para reconhecer que tais atitudes
não eram compatíveis com o comportamento típico de um garoto da sua idade. O fato
é que Henry pode ser considerado o exemplo autentico de uma criança psicopata.
Ao indagar estas cenas, pode-se pensar que se trata apenas de ficção, porém
existem casos reais de crianças com condutas tão perversas quanto as descritas
anteriormente. Assim, dentre os casos mais conhecidos de crimes cometidos por
crianças, destacam-se os cometidos por Mary Bell, que aos 10 anos de idade fez suas
duas primeiras vítima e aos 11 sua terceira vítima, ambos meninos de 3 e 4 anos de
idade, respectivamente. Desde mais nova, Mary já apresentava sinais de um possível
transtorno de personalidade antissocial, maltratando animais, surrando suas bonecas
e até mesmo treinando estrangulamento em outras crianças de sua escola e
cometendo roubos e depredações.
No ano de 1968, Mary foi suspeita de empurrar o próprio primo, sua primeira
vítima, de uma escada, causando-lhe sérios ferimentos na cabeça. Ainda no mesmo
ano, com a ajuda de uma amiga, Mary fez sua segunda vítima em uma casa
abandonada, ambas só foram descobertas porque após vandalizar uma creche,
escreveram em uma parede a confissão do assassinato de sua segunda vítima, bem
como, logo em seguida ao ocorrido cometeram outro estrangulamento, fazendo assim,
sua terceira vítima (RANGEL, 2017).
O que impressionou a polícia foram os requintes de crueldade utilizador para
assassinar a criança, que foi encontrada com as genitais despeladas e com a letra M
talhada em sua barriga, bem como sua indiferença e ausência de remorso pelo que
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havia feito. Mary foi declarada culpada por seus crimes e levada a uma clínica
psiquiátrica judiciária, em 1973, sendo solta em 1980 por não ser mais considerada
como um perigo para a sociedade (RANGEL, 2017).
Entretanto, ao analisarmos a infância e o ambiente familiar no qual Mary
cresceu, observa-se que ela se tomou um produto do meio em que viveu, um lar
marcado por constantes agressões e abusos físicos e psicológicos provocados por
sua própria mãe, uma mulher de sanidade mental duvidosa, que a rejeitava e cometia
diversos tipos de negligencia com a mesma. Isso fez com que Mary desenvolve-se
uma conduta transgressora como forma de descontar toda a raiva que tinha dentro de
si, por tudo que já havia sofrido.
Este caso exemplifica claramente como fatores ambientais e sociais podem
influenciar no surgimento de um transtorno de personalidade antissocial infantil, como
mencionado nos capítulos anteriores do presente trabalho, isto pode ser averiguado
ao notar que a partir do momento que Mary foi retirada do ambiente nocivo no qual
vivia e colocada em outro ambiente completamente diferente de sua antiga realidade,
seu comportamento mudou, levando a mesma hoje em dia uma vida normal.
Outro caso verídico de crianças que cometeram crimes perversos que deve-se
destacar, se refere ao caso ocorrido no ano de 1993 e que impactou a sociedade na
época, onde os dois garotos Jon Vernables e Robert Thompson, de apenas 10 anos
de idade, sequestraram, violentaram, torturaram e mataram o pequeno James Bulger,
de apenas 3 anos de idade.
No dia do crime, os garotos se encontravam desacompanhados em um
shopping de sua cidade já cometendo pequenos delitos como cabular aula e furto de
doces, ao passo que a futura vítima dos mesmos passeava pelas imediações com sua
mãe, quando por apenas alguns minutos de distração ela lhe perdeu de vista.
Sendo assim, os dois garotos, que como mostraram as filmagens de câmeras
localizadas nos arredores de onde tudo aconteceu naquela época, que já estavam
espreitando crianças pequenas por lá, provavelmente buscando possíveis vítimas,
encontraram o pequeno James ali desacompanhado e viram nele a oportunidade de
executarem suas atrocidades. Então, atraíram a criança para acompanhá-los em uma
caminhada a aproximadamente quatro quilômetros de distância do local de origem e
exatamente ali ele encontrou seu fim. Os garotos o apunhalaram com uma barra de
metal e o violentaram sexualmente, por cerca de 45 minutos e posteriormente,
arrastaram seu corpo já sem vida para os trilhos de um trem que havia nas
34

imediações, onde a criança acabou sendo atropelada e partida ao meio (APRENDIZ,


2015).
Após intensas investigações, bem como através das filmagens identificando a
presença dos garotos no local do crime, a polícia constatou o envolvimento dos
mesmos neste homicídio, que teve grande repercussão mundial, devido à pouca idade
que tinham para praticar um ato tão cruel quanto este. Assim Jon Vernables e Robert
Thompson foram condenados pelo júri e ficaram conhecidos como os assassinos mais
jovens do século XX (APRENDIZ, 2015).
No entanto, depois de cumprirem uma pena de oito anos, ambos foram soltos,
no ano de 2001, e adquiriram novas identidades para que pudessem prosseguir com
suas vidas. Atualmente, não se tem mais notícias de Robert Thompson, porém no ano
de 2010, Jon Vernables foi detido novamente pela polícia por posse de conteúdo
pornográfico infantil em seu computador, sendo outra vez liberado no ano de 2014
(APRENDIZ, 2015).
A partir disso, ao analisarmos este caso, pode-se observar que se tratavam de
dois indivíduos que provavelmente possuíam um sério transtorno de conduta, que não
foi observado precocemente, por advirem de lares desajustados, de pais divorciados,
onde a mãe de Thompson era alcoolista e a mãe de Vernables sofria de depressão
(CRUZ, 2001). Portanto, sem a orientação devida em suas criações, desenvolveram
comportamentos tão desviantes que culminaram na execução de um homicídio.
Além disso, ao nos depararmos com a segunda incidência de Vernables em
crime, nota-se que o sistema falhou em sua ressocialização, pois apesar de ter
cometido um crime hediondo, se tratava de uma criança, com sua personalidade ainda
em formação, que apesar de submetida a tratamentos terapêuticos de recuperação,
não se obteve êxito em sua perspectiva de reabilitação. Com isso, este
comportamento que Vernables exibe hoje em dia possivelmente pode ser o reflexo de
um transtorno de conduta que não foi adequadamente tratado e acarretou em índicos
de desenvolvimento de uma personalidade antissocial.
Mais um caso que deve-se destacar é o caso de Alyssa Bustamante, uma
adolescente, que no ano de 2009, no auge de seus 15 anos, que atraiu sua vizinha,
de apenas 9 anos de idade para uma floresta perto de onde moravam e a degolou,
depois lhe enterrou em uma cova que havia feito previamente, o que mostra que o
crime foi planejado. Ao se tornar suspeita, após uma busca em sua casa, foi
encontrada em seu diário a motivação do homicídio, ela tinha curiosidade a respeito
35

da sensação de matar alguém, nele ela confessa que estrangulou sua vítima e depois
cortou sua garganta, afirmando ainda que foi incrível. Assim, embora sua defesa
alegasse que a garota possuía problemas psiquiátricos, ela foi julgada como adulta e
recebendo a pena de prisão perpetua (SODRÉ, 2015).
No caso em questão, pode-se então observar evidências de um possível
transtorno de conduta, com tendências antissociais, visto que a adolescente
premeditou o crime, bem como se vangloriou de seu feito, sem remorso algum, tal
qual um psicopata. Entretanto, também faz-se importante ressaltar que, assim como
nos outros casos acima citados, a garota advinha de um lar desestruturado, com pais
divorciados e ausentes, este fator também pode ter contribuído para desencadear sua
conduta digressiva.
Por fim, como último caso que faz-se relevante mencionar no presente trabalho,
é o caso Graham Young, que desde muito jovem já demonstrava interesse assíduo
pela química, principalmente sobre venenos e seus impactos. Assim, aos 14 anos de
idade deu início aos seus experimentos. Alegando se tratar de trabalhos escolares, o
garoto consegui ter acesso as substâncias e com isso, começou a fazer suas primeiras
vítimas, que foram sua família e amigos, dentre eles, seu próprio pai foi o primeiro
familiar que o garoto começou a envenenar e posteriormente, sua mãe e sua irmã,
todos exibiam os mesmos sintomas: diarreia, vômitos e fortes dores no estomago
(SODRÉ, 2015).
Por conseguinte, no ano de 1962, sua madrasta faleceu vítima de
envenenamento, mas até então ninguém suspeitava do garoto, até que seu professor
começou a perceber atitudes suspeitas advindas de Graham, como por exemplo, os
experimentos que ele sugeria em sala. Sendo assim, ao examinar sua carteira,
descobriu venenos, estudos a respeito da utilização de tais substancias, bem como
desenhos de pessoas mortas. Com isso, o garoto foi condenado a cumprir pena em
um hospital de segurança máxima (SODRÉ, 2015).
Mas sua conduta criminosa não parou por ai, durante sua permanência no
hospital, Graham envenenou outros internos e até mesmo a equipe médica. Contudo,
aos 23 anos de idade, foi liberado, indo viver com sua irmã. No entanto, ele ainda não
estava reabilitado e continuou a envenenar as pessoas, tais como seus colegas de
trabalho. Isto fez com que o mesmo voltasse para a prisão, onde permaneceu até o
ano de sua morte, em 1990 (SODRÉ, 2015).
36

Ao analisarmos o caso em enfoque, nota-se que desde a infância, Graham já


apresentava comportamentos perversos, tendo provavelmente demorado a ser
descoberto devido a sua perspicácia e capacidade de manipulação. Possivelmente,
ele apresentava transtornos de conduta na infância, que com o tratamento ineficaz
que recebeu em sua estadia no hospital de segurança máxima, se agravou em um
provável surgimento de um transtorno de personalidade antissocial em sua vida
adulta, ou até mesmo de uma psicopatia, devido ao fato de que o mesmo continuou a
exibir condutas delituosas nesta fase de sua vida.
Ainda pode-se entender que sua história parece ter semelhança com histórias
fictícias dignas de filmes, pelo fato de seu precoce dom para arquitetar seus crimes.
Em vista disso, ele pode ser considerado o retrato de uma criança com tendências
psicopáticas da vida real, que se tornou um adulto sem possibilidade de recuperação,
que oferecia risco a sociedade.
Com isso, de acordo com a análise dos casos explanados neste tópico,
compreende-se que a infância é uma fase crucial no desenvolvimento da
personalidade, bem como da formação da consciência de um indivíduo.
Além disso, outro aspecto que faz-se necessário ressaltar é que conviver em
um ambiente desfavorável, onde não haja bons modelos de conduta a se seguir,
também pode ser um fator que contribui para que a criança esteja mais suscetível a
desenvolver comportamentos desviantes.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos conteúdos abordados ao longo desta pesquisa bibliográfica, pode-


se entender que a psicopatia, apesar de não ser considerada uma patologia, do ponto
de vista psiquiátrico, é uma condição de difícil diagnóstico, devido à complexidade de
fatores que envolvem a identificação de um indivíduo como sendo um psicopata de
fato.
Percebe-se também que a psicologia forense é uma das ciências que mais
aborda sobre esta temática, tendo como objetivo melhor compreender estes
indivíduos na esfera criminal, ainda assim, entende-se que a psicopatia não tem cura
ou tratamento, efetivamente.
Com isso, nota-se que, apesar de já existirem escalas e critérios para mensurar
o nível de maldade de pessoas que incorrem em crimes hediondos e assim melhor
reconhecer indivíduos que possuem um perfil que abarca as características
primordiais de um psicopata, ainda necessita-se de mais estudos acerca desta
temática, para que se possa desenvolver alguma forma de tratamento para estes,
além de somente a punição na esfera criminal para os que transgridem as leis, visto
que existem sociedade afora muitos indivíduos com personalidades psicopáticas, mas
que, no entanto não chegam ao ponto de cometer crimes de natureza perversa,
apenas pequenos delitos, porém, também causam sofrimento psicológico aos que
com ele convivem, como é o caso dos psicopatas subclínicos, conforme foram
mencionados no presente trabalho.
No que se refere a psicopatia infantil e como explicar o comportamento de
crianças que são capazes de matar, observa-se que o meio em que a criança se
desenvolve e estrutura sua personalidade é um fator que exerce importante
contribuição no desenvolvimento ou não de um comportamento transgressor. Assim,
a partir da exploração dos casos reais de crianças que cometeram homicídios com
requintes de crueldade, elencados neste trabalho, nota-se que em sua maioria,
advinham de lares de pais ausentes ou até mesmo negligentes e abusivos.
Deste modo, isso culminou no desencadeamento de um transtorno de conduta
por parte destas crianças, que por terem sido ignoradas, negligenciadas ou
violentadas de maneira física ou psicológica, incorreram em crimes, como forma
transferir toda a raiva que tinham dentro de si em atos execráveis para com suas
vítimas.
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Portanto, tomando como embasamento teórico os conteúdos presentes no


trabalho em questão, faz-se importante recapitular que não se pode haver um
diagnóstico de transtorno de personalidade na infância, visto que nessa fase o
indivíduo ainda se encontra em uma etapa de desenvolvimento na qual a
personalidade está sendo moldada de acordo com as vivências experienciadas ao
longo de seu amadurecimento. Entretanto, pode-se elucubrar que crianças que
matam, do ponto de vista de um diagnóstico clinico, são entendidas clinicamente como
psicopatas, embora apenas em sua vida adulta este diagnóstico possa ser efetivado
de fato.
Todavia, é necessário salientar que é primordial investigar a existência de
algum transtorno de conduta por trás de um comportamento desviante de uma
criança, pois, se tratado a tempo, pode auxiliar a mesma a obter uma melhora
significativa de seu desempenho, bem como, poderá prevenir a possibilidade do
desencadeamento de transtornos de personalidade ou até mesmo do
desenvolvimento de uma personalidade com características psicopáticas na fase
adulta.
Desta forma, este estudo se faz relevante para a área da psicologia, devido ao
fato de estarmos entrepostos em uma sociedade cada vez mais adoecida, na qual os
índices de violência crescem constantemente. Com isso, este trabalho pode contribuir
na compreensão de como o ambiente em que a criança está inserida obtêm forte
correlação com o surgimento de uma conduta violenta nesta fase de sua vida.
Assim, ressalta-se a importância que crescer em um lar saudável pode
influenciar positivamente na formação da personalidade e do caráter de um indivíduo.
Por conseguinte, acredito que esta é a chave para quebrar este ciclo de violência
enraizado em nossa sociedade.
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