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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Psicologia

Flávia Costa Tótoli

DO ENLACE ENTRE TOXICOMANIA E PSICOSE:


Os usos do objeto droga

Belo Horizonte
2012
Flávia Costa Tótoli

DO ENLACE ENTRE TOXICOMANIA E PSICOSE:


Os usos do objeto droga

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Psicologia da
Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais, como requisito parcial à obtenção
do título de Mestre em Psicologia.

Orientadora: Cristina Moreira Marcos

Belo Horizonte
2012
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Tótoli, Flávia Costa


T717e Do enlace entre toxicomania e psicose: os usos do objeto droga / Flávia
Costa Tótoli. Belo Horizonte, 2012.
102f.: il.

Orientadora: Cristina Moreira Marcos


Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Psicologia.

1. Psicoses. 2. Toxicomania. 3. Drogas. 4. Gozo. I. Marcos, Cristina Moreira.


II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-
Graduação em Psicologia. III. Título.

CDU: 616.895
Flávia Costa Tótoli
DO ENLACE ENTRE TOXICOMANIA E PSICOSE:
Os usos do objeto droga

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Psicologia da
Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais, como requisito parcial à obtenção
do título de Mestre em Psicologia.

_____________________________________
Profa. Dra. Cristina Moreira Marcos (Orientadora) – PUC Minas

_____________________________________
Prof. Dr. Musso Gracia Greco – UFMG

_____________________________________
Prof. Dr. Luis Flávio Silva Couto – PUC Minas

Belo Horizonte, 15 de Junho de 2012


À Laura com todo carinho, pois todo meu esforço é por ela.
AGRADECIMENTOS

À minha família, que direta ou indiretamente me apoiou durante meu tempo de


dedicação e estudo.

À minha avó, que me deu o suporte que eu precisava neste intento.

Aos amigos queridos, que relevaram o meu status ocupado e sempre


estiveram presentes durante esses anos.

À Roberta Borato, companheira de jornada e de estrada, que em meio a


conversas e engarrafamentos viu e ajudou na evolução do trabalho, assim
como na sua finalização.

À Suzana Barroso, Eliane Mussel e Henri Kaufmanner que viram o surgimento


do tema apresentado ainda na graduação e deram elementos fundamentais
para a elaboração desta dissertação.

À minha orientadora Cristina Marcos que com seu conhecimento e paciência


me guiaram teoricamente.

Aos leitores Musso Garcia Greco e Luis Flávio Silva Couto que acolheram meu
tema e foram guias fundamentais na finalização deste trabalho.
“Na verdade, minhas memórias mais antigas são coloridas com
o medo de pesadelos. Eu tinha medo de ficar sozinho, medo do
escuro, e medo de ir para a cama, por causa dos sonhos em
que um terror sobrenatural parecia sempre a ponto de se
materializar. Tinha medo de que um dia o sonho ainda
estivesse ali quando eu acordasse. Lembro-me de escutar uma
empregada falar sobre ópio, sobre como fumar ópio trazia
belos sonhos, e falei: “Vou fumar ópio quando crescer”.
Quando criança, era sujeito a alucinações. Uma vez acordei
com a luz da manhã bem cedo e vi homenzinhos brincando
numa casa de tijolinhos que eu havia construído. Não tive
medo, só uma sensação de imobilidade e assombro. Outra
alucinação recorrente, ou pesadelo, era sobre “bichos na
parede”, e começou com o delírio de uma febre estranha, não
diagnosticada, que eu tive aos quatro ou cinco anos.
(...) A droga é uma equação celular que ensina fatos de
validade geral ao usuário. Aprendi muito usando a droga: vi a
medida da vida em gotas de solução de morfina. Experimentei
a agoniante privação da doença da droga, e também o prazer
do alívio, quando as células sedentas de droga beberam da
agulha. Talvez todo prazer seja alívio. Aprendi o estoicismo
celular que a droga ensina ao usuário. Já vi um quarto cheio de
viciados em abstinência, silenciosos e imóveis, num sofrimento
solitário. Eles sabiam da falta de sentido em reclamar ou em se
mover. Sabiam que, basicamente, ninguém pode ajudar
ninguém. Não existe chave nem segredo que alguém seja
capaz de lhe dar.
(...) Aprendi a equação da droga. A droga pesada não é, como
o álcool ou a erva, um meio de obter um aumento de prazer na
vida. A droga não é um barato. É um estilo de vida.”

William S. Burroughs, Junky, 1977.


RESUMO

Este trabalho tem como objeto de pesquisa o enlace entre a toxicomania e a


psicose. A clínica atual nos mostra cada vez mais psicóticos que fazem uso de
drogas, o que nos leva a problematizar a questão da toxicomania na
contemporaneidade. Vivemos em uma época onde o Outro não existe, a
chamada modernidade líquida, que é marcada pelo declínio da função paterna,
o que modifica a relação do sujeito com o gozo. É a partir dessas
considerações que nos propomos a pensar a relação do sujeito psicótico com o
objeto droga. Partimos da hipótese de que o uso de droga na psicose não pode
ser pensado pelo mesmo prisma do uso de droga na neurose. Enquanto os
neuróticos são considerados os verdadeiros toxicômanos, pela busca do
consumo como uma forma de ruptura com o gozo fálico levando-os a um uso
desregulado da substância, o uso na psicose se pauta por um outro olhar. Na
psicose a ruptura com o falo é dada de antemão, pela foraclusão do Nome-do-
Pai, isso faz com que o uso da substância tóxica tenha um caráter de tratar o
gozo sem significação, que invade o sujeito. Partindo de pressupostos teóricos
de Freud e Lacan, pretendemos demonstrar, através do estudo borromeano de
casos clínicos encontrados na literatura, os diversos usos que o sujeito
psicótico pode fazer do objeto droga.

Palavras-chave: Psicose. Toxicomania. Droga. Objeto. Gozo. Sinthoma.


ABSTRACT

This work focuses in the link between drug addiction and psychosis. The current
clinical practice shows an increase numbers of psychotics who are users of
drugs, which makes us reflect about the drug addiction in the modern times. We
live in a time of the Other who doesn’t exist, the so called liquid modernity, that
is labeled by the decline of the paternal function, what changes the relationship
of the individual in regards to the jouissance. It is from these considerations
that we propose to think the relationship of the psychotic with the drug object.
We start from the hypothesis that the drug use in psychosis can not be thinked
as the same use in the neurosis. While the neurotics are considered the true
junkies, because of the pursuit of consumption as a way to break with the
phallic jouissance, that takes them to an unregulated use of the substance, the
use in psychosis is guided by a different view. In psychosis, the rupture with the
phallus is given in advance, because of the foreclosure of the Name-of-the-
Father, and that makes that the use of toxic substances has a character of
treatment of the jouissance without signification, that invades the individual.
Starting of the theoretical assumption of Freud and Lacan, we intend to show,
through the borromean study of clinical cases found in literature, the various
uses to which the psychotic individual can take advantage of the drug object.

Keywords: Psychosis. Drug addiction. Drug. Object. Jouissance. Sinthome.


LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 - Esquema L ................................................................................................ 27


FIGURA 2 - Discurso capitalista ................................................................................... 29
FIGURA 3 - Fórmula da metáfora ................................................................................. 33
FIGURA 4 - Fórmula da metáfora paterna..................................................................... 33
FIGURA 5 - Triângulo Imaginário e Triângulo Simbólico............................................ 35
FIGURA 6 - O esquema R ............................................................................................. 37
FIGURA 7 - Esquema I .................................................................................................. 37
FIGURA 8 - Três anéis RSI separados e depois o nó borromeano de quatro aros com
reforço (Sinthoma).......................................................................................................... 46
FIGURA 9 - O momento do lapso de Ricardo ............................................................... 69
FIGURA 10 - Manifestação do delírio ........................................................................... 70
FIGURA 11 - A suplência pela via da metáfora delirante ............................................. 70
FIGURA 12: O lapso promovido pela queda do pai ideal ............................................. 74
FIGURA 13 - Manifestação dos sintomas da psicose .................................................... 74
FIGURA 14 - A identificação do sujeito emerge no espaço entre o Simbólico e o
Imaginário ....................................................................................................................... 75
FIGURA15 - A droga como substituto da função do gozo fálico .................................. 75
FIGURA 16 - Lapso pela queda da identificação viril ................................................... 78
FIGURA 17 - Surgimento das alucinações auditivas e do delírio .................................. 79
FIGURA 18 - Tentativa de reconstrução pela via do delírio .......................................... 79
FIGURA 19 - Início da estabilização ............................................................................. 80
FIGURA 20 - A droga como um estabilizador precário ................................................ 80
FIGURA 21 - O lapso de Armando ................................................................................ 82
FIGURA 22 - Irrupção dos fenômenos elementares ...................................................... 83
FIGURA 23 - Tentativa de estabilização pela via da droga ........................................... 83
FIGURA 24 - O desenho como suplência ...................................................................... 84
FIGURA 25 - A dificuldade de adaptação ao idioma provoca o lapso .......................... 87
FIGURA 26 - Episódios alucinatórios ........................................................................... 87
FIGURA 27 - A droga como resposta à alucinação ....................................................... 88
FIGURA 28 - Surgimento do delírio .............................................................................. 88
FIGURA 29 - Intento efêmero de estabilização pela passagem ao ato juntamente com a
droga ............................................................................................................................... 89
FIGURA 30 - A metáfora delirante como suplência através do significante “homem
eleito” ............................................................................................................................. 90
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 21

2 A PSICANÁLISE NA CONTEMPORANEIDADE E O CONCEITO DE PSICOSE . 25


2.1 A psicose: Desencadeamento e estabilização na obra lacaniana ................ 32
2.2 A psicose no último ensino lacaniano ............................................................ 39
2.4 A suplência ........................................................................................................ 44

3 A TOXICOMANIA .................................................................................................. 48
3.1 A toxicomania e sua relação com a psicanálise............................................. 49
3.2 A toxicomania e as funções do objeto droga ................................................. 51
3.3 O gozo do toxicômano ...................................................................................... 52

4 O SUJEITO PSICÓTICO E OS USOS DO OBJETO DROGA............................... 61


4.1 Os usos do objeto droga na psicose: Uma teorização borromeana............. 63
4.2 O lugar do caso clínico na pesquisa em psicanálise ..................................... 64
4.2.1 Caso clínico: O lapso do sujeito, entre o significante e a droga ............... 68
4.2.1.1 O nó de Ricardo: Um estudo borromeano ................................................ 69
4.2.2 Caso clínico: A droga como substituto da função do gozo fálico ............. 71
4.2.2.1 O nó de Alberto: Um estudo borromeano ................................................. 73
4.2.3 Caso clínico: Uma estabilização precária através do objeto droga ........... 76
4.2.3.1 O nó de Miguel: um estudo borromeano................................................... 78
4.2.4 Caso clínico: uma tentativa de estabilização pela via da droga ................ 81
4.2.4.1 O nó de Armando: um estudo borromeano .............................................. 82
4.2.5 Caso clínico: Os muros da linguagem, um caso de psicose associado ao
uso de drogas .......................................................................................................... 84
4.2.5.1 O nó de Pr: Um estudo borromeano .......................................................... 86

5 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 91

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 96
21

1 INTRODUÇÃO

A partir de experiência prática na área da saúde mental no Hospital Raul


Soares, localizado na cidade de Belo Horizonte, surgiu o interesse pelo tema
proposto neste trabalho. Nesta experiência foi possível constatar que grande parte
dos pacientes com diagnóstico de psicose fez uso de drogas ilícitas em algum
momento de sua vida. A partir de suas histórias clínicas era possível localizar o uso
da droga como parte importante do curso de sua enfermidade mental, em especial
no que concerne ao desencadeamento e estabilização da psicose. Fato que a teoria
veio a confirmar por meio de diversos autores da atualidade que exploram o enlace
entre toxicomania e psicose e o localizam como tema cada vez mais presente no
cotidiano da clínica contemporânea.
Tais constatações despertaram a demanda de transformá-las em pesquisa
teórica, e o tema se tornou a principal questão da minha monografia de conclusão
de curso, intitulada: “Do enlace entre toxicomania e psicose: Desencadeamento e
estabilização”. Esse trabalho se focava no desnudamento da psicose como estrutura
clínica, no estudo da toxicomania através da visão psicanalítica e no enlaçamento
existente entre as duas, em especial o uso de drogas como fator desencadeador e
estabilizador da psicose. Para isso foram usados como exemplo dois casos clínicos
encontrados na literatura, casos esses que são trazidos à tona neste trabalho,
porém com uma nova leitura.
À medida que as questões foram se tornando mais complexas, o estudo
aprofundando acerca do tema se fez imprescindível, e é esta a principal proposição
desta dissertação. É importante ressaltar que o uso que o psicótico faz da droga não
é o mesmo do uso toxicômano da neurose. Enquanto na neurose o uso da droga é
desregulado, seu uso na psicose parece ocupar um lugar bem específico para cada
sujeito.
A hipótese de Beneti (1998) de que a toxicomania pode se configurar nos dias
de hoje como uma “solução psicótica contemporânea” nos faz considerar que o
papel da droga na psicose vai muito além do desencadeamento e da estabilização.
A partir do paradigma Joyce1, vimos com Lacan (1975-1976b/2005) uma outra
perspectiva da psicose, abordada sob o viés do sinthoma. Através disso,

1
Este paradigma será explicitado ao longo do texto.
22

abordaremos neste trabalho como o sujeito psicótico se vale da oferta


contemporânea da droga para fazer a sua solução sinthomatica. Cada sujeito terá
sua solução peculiar e será explorado o uso singular que se faz desse objeto.
Este trabalho foi dividido em três capítulos. O primeiro capítulo, intitulado “A
psicanálise na contemporaneidade e o conceito de psicose”, se propõe a discutir o
conceito de sociedade em psicanálise, que perpassa pelo laço social estabelecido
pelo sujeito. Na pós-modernidade os laços sociais sofrem uma transformação. O
sujeito dessa era se encontra sem o norte do pai e isso diz respeito às novas
relações que ele estabelece com o gozo. O caráter permissivo do mundo atual faz
com que o funcionamento do agente paterno seja captado de uma outra maneira, a
partir do gozo. A relação do sujeito contemporâneo com o objeto droga se pauta
pelo estabelecimento dessas relações.
Explicaremos neste capítulo como se dão essas relações do sujeito,
esquadrinhando as diferentes fases do ensino de Lacan, desde sua primeira
formulação do inconsciente até a pluralização dos Nomes-do-Pai e a subversão do
conceito de desejo pelo conceito de gozo. Assim, estabelecemos o tema do gozo na
contemporaneidade, onde o sujeito se pauta pela mais valia do gozo, pela busca do
mais-de-gozar. O discurso capitalista é discutido para dizer da posição em que se
encontram os sujeitos hipermodernos – em alusão à Lypovetsky. O consumo
exagerado e a busca por um gozo sem limites estão diretamente ligados à questão
da toxicomania na atualidade.
Pensar a toxicomania como um novo sintoma na atualidade nos leva
diretamente ao papel exercido pela droga nas psicoses. Assim é teorizado o
conceito de psicose e apontado o papel exercido pelo uso de drogas na cena
psicótica desses sujeitos. Abordamos a psicose a partir da teoria lacaniana em seus
diversos momentos, desde a diferenciação de foraclusão e recalque até o último
ensino, onde o autor introduz a teoria dos nós. A partir daí, explicitaremos, neste
capítulo ainda, os conceitos de desencadeamento, estabilização e suplência na
teoria lacaniana.
No segundo capítulo, “A toxicomania”, será abordado o conceito de
toxicomania para a psicanálise. Para concluir tal intento, iniciaremos explicitando a
posição do sujeito em relação ao Outro, através das operações de alienação e
separação. Utilizaremos a fórmula proposta por Massimo Recalcati para as
patologias de dependência, para formular a posição do sujeito toxicômano em
23

relação ao Outro. Em seguida, localizaremos a toxicomania na teoria psicanalítica


como efeito de um discurso. O que importa para a psicanálise não é tanto a
teorização da toxicomania, mas, sim, uma definição da droga enquanto tal e suas
relações com o sujeito. A toxicomania não pode ser considerada como exclusividade
de uma só estrutura clínica, podemos encontrar o uso de drogas na neurose,
psicose ou perversão. Assim, discorreremos sobre o gozo do toxicômano, fazendo
um percurso do uso de drogas na neurose, onde ocorre a chamada toxicomania
verdadeira, até alcançarmos a questão do gozo ligada ao uso de drogas na psicose.
Estabelecemos, nesse capítulo, a teorização lacaniana a respeito da
toxicomania para em seguida discutir sua validade para definir a droga em seu uso
na psicose. Desse modo, concluímos que a abordagem lacaniana da droga como
aquela que permite ao sujeito o rompimento do casamento com o gozo fálico não
tem valia para a psicose, na medida em que essa ruptura já existe e é dada pela
foraclusão do Nome-do-Pai.
No terceiro e último capítulo, intitulado “O sujeito psicótico e os usos do objeto
droga”, abordaremos a tese lacaniana sobre a droga e discutiremos sua validade em
relação à psicose, por meio de teorizações de autores como Laurent e Zaffore.
Assinalamos, então, as vertentes possíveis para o uso de drogas na psicose: a
identificação pelo significante toxicômano, que permite ao sujeito localizar o gozo no
campo do Outro, podendo promover o lapso do desencadeamento; o uso de drogas
como uma possibilidade de apaziguamento do gozo sem limites do sujeito psicótico,
se relacionando com a suplência psicótica com o intento de regulação do gozo.
Em uma tentativa de exemplificar as várias vertentes possíveis do uso de
drogas pelo sujeito psicótico, escolhemos a teoria dos nós, onde por meio de casos
clínicos encontrados na literatura, representaremos o enodamento próprio de cada
sujeito, com a proposta de interrogar a psicanálise a respeito do tema e seguir o
caminho proposto por Freud e Lacan. Na medida em que partimos da hipótese de
que o uso que o sujeito psicótico faz do objeto droga é singular, nos valemos da
teoria lacaniana dos nós, que nos permite abordar esta singularidade através da
amarração única de cada sujeito.
A vocação científica da psicanálise tem como seu maior prisma a afirmação
de que a psicanálise está internamente condicionada pelo discurso da ciência e, por
isso mesmo, opera sobre um sujeito instituído pela ciência moderna. É esse sujeito
que estrutura a experiência analítica e confere a ela a sua cientificidade. O uso do
24

caso clínico como objeto de estudo na psicanálise foi inicialmente feito por Freud, na
escrita de suas monografias clínicas. Assim, partimos do pressuposto que o estudo
de caso pode tanto confirmar o universal da teoria, quanto a exceção a ela. A
utilização do caso clínico para o psicanalista pesquisador se desdobra na
possibilidade de ir além da corroboração em direção à investigação.
Por fim, discorremos a respeito da importância do caso clínico para a
pesquisa em psicanálise, e em seguida apresentamos cinco casos de sujeitos
psicóticos e as funções exercidas pelo objeto droga em cada um deles, através de
um estudo borromeano.
25

2 A PSICANÁLISE NA CONTEMPORANEIDADE E O CONCEITO DE PSICOSE

Na clínica contemporânea é possível encontrar um grande número de


psicóticos, assim como toxicômanos. A toxicomania pode ser considerada como
marca de nossa sociedade atual não somente por sua grande incidência, mas
também porque ela parece surgir como um modo do sujeito contemporâneo lidar
com o mal-estar decorrido da queda do pai simbólico. O uso que os sujeitos
psicóticos fazem da oferta contemporânea da substância pode ser pensado sob
esse mesmo prisma. É válido enfatizar que cada sujeito vai se valer do objeto droga
de uma maneira única e individual, que será discutida caso a caso ao final da
dissertação.
Para delinear o conceito de sociedade em psicanálise é imprescindível que
façamos referência ao laço social. Freud (1929-1930/1969) em O Mal-estar na
civilização formula que o agente que orienta o trabalho da civilização é o pai. O
sujeito da era industrial, da chamada modernidade, fazia laço social orientado pelo
que Forbes (2010) chama de eixo vertical, onde o pai2 se fazia presente na
sociedade e era aquele que guiava o sujeito. O conceito de sociedade atual alude à
nova era da globalização, da chamada pós-modernidade, onde acontece uma
transformação do laço social. Era onde o homem se encontra desbussolado3, sem o
norte da mão do pai, sem bússola. Era esta diferente da anterior por não ser mais
pai-orientada. Para dizer como a psicanálise se insere no contexto atual da
civilização, Lacan formula em O Seminário, Livro 17: O avesso da Psicanálise, uma
nova edição implícita do “Mal-estar”, o que nos dá uma medida do deslocamento
operado por ele na década de sessenta a setenta, no que diz respeito às novas
relações do sujeito com o gozo.

O movimento no qual é arrastado o mundo em que vivemos promovendo


até às suas últimas conseqüências a instalação do serviço dos bens, implica
uma amputação, sacrifícios, a saber, este estilo de puritanismo na relação
com o desejo que se instalou historicamente. (LACAN, 1968-1969, p.364)

A diferenciação e o avanço feito por Lacan em relação a Freud é acerca do


caráter permissivo do mundo atual, resultante de um movimento onde o capitalismo

2
A figura do pai aqui tem sentido de metáfora, aquele que dita a lei e não somente o sentido de pátrio
poder familiar.
3
Expressão utilizada por Jorge Forbes em seu texto “A psicanálise do Homem Desbussolado” (2010).
26

separou-se do puritanismo e se instalou uma época onde “não há mais vergonha”,


frase formulada enfaticamente pelo próprio Lacan (1969-1970), no fim de seu
Seminário 17.
Pois bem, se Freud propôs o complexo de Édipo como uma estrutura capaz
de esquadrinhar a experiência humana nesse mundo orientado pelo pai, Lacan nos
apresenta uma psicanálise para além do Édipo, onde a sociedade capta o
funcionamento do agente paterno de uma outra maneira, a partir do gozo. O primeiro
Lacan formalizou o inconsciente baseado no conceito Saussuriano do signo e
elaborou os conceitos de Nome-do-Pai e metáfora enunciando o fundamental, que o
inconsciente é estruturado como linguagem. A segunda fase do ensino de Lacan é
considerada por Jacques-Alain Miller (2001-2002/s.d.) como de transição, pois ele
subverte o Nome-do-Pai por uma pluralização e considera a operação de
recalcamento não mais como atribuída à interdição paterna, mas à ação da
linguagem. Lacan destaca então o fim do Nome-do-Pai, o substituindo por sua
pluralização, os Nomes-do-Pai. A reviravolta decisiva desse segundo momento é a
subversão do conceito de desejo pelo conceito de gozo. “Agora, ao invés de
ressaltar a falta, Lacan vai enfatizar o que preenche a falta.” (MOTTA, 2003, p.5).
Há por fim o que Miller chamou de último ensino, cuja elaboração cobre a
década de setenta e na qual o conceito principal é o do gozo, na medida em que ele
não tem contrário. Nessa fase, a própria linguagem torna-se aparelho de gozo e o
significante é um operador de gozo. Antes o conceito de gozo opunha-se ao de
prazer, nessa nova proposição a oposição se dissolve, o prazer se transforma em
um regime de gozo.

Lacan pensa agora ao nível da pulsão. Diferentemente do desejo, a pulsão


não está articulada a uma defesa. Ele a resumiu numa fórmula, num
aforismo de “Televisão”: “o sujeito é feliz”, que J.-A. Miller nos explicou. Ao
nível da pulsão, o sujeito está sempre feliz. (MOTTA, 2003,p.6)

Torna-se imprescindível realizar esse percurso na obra de Lacan para se


referir ao gozo na época atual. Como já dito, a globalização é marcada pelo declínio
generalizado da função paterna e a época atual é descrita por Jacques-Alain Miller e
Éric Laurent como a época do “Outro que não existe”, em seu texto O Outro que não
existe e seus comitês de ética (1998). Se vivemos em uma época da inexistência do
Outro, Miller (1998) a destaca como a época lacaniana da psicanálise, a psicanálise
27

da época da errância, da época dos não-tolos. A expressão “não-tolos” vem do


seminário “Le non-dupes errent”, de Lacan, proferido em 1973. Os não-tolos não são
tolos quanto ao Nome-do-Pai, quanto à existência do Outro. “Eles sabem,
explicitamente, implicitamente, desconhecendo-o, inconscientemente, mas eles
sabem que o Outro não é senão um semblante.” (MILLER, 1998, p.05). Segundo o
autor, nos tempos de hoje, se há crise, há uma crise do real, e a inexistência do
Outro é correlativa a esse real. Com relação ao simbólico, o simbólico
contemporâneo não realiza mais o atravessamento dialético do imaginário, como no
esquema L de Lacan. Hoje ele se submete à imagem, ao semblante.

Figura 1 - Esquema L

Fonte: LACAN, 1958a/1998, p.555

Ainda segundo Miller (1998), a civilização saiu da época do mal-estar para


entrar na época do impasse, da falência do humanitarismo, da mais-valia, do mais-
de-gozar. É um sistema de distribuição do gozo a partir dos semblantes, uma
repartição sistematizada dos meios e das maneiras de gozar. Devido à inexistência
do Outro, o sujeito sai à caça do mais-de-gozar. “O supereu lacaniano, aquele que
Lacan ressaltou em Mais, Ainda, produz um imperativo totalmente diferente – Gozar.
Esse supereu é o supereu de nossa civilização.” (MILLER, 1998, p.11). Ele traduz a
passagem a um novo regime da civilização contemporânea.
De acordo com Lypovetsky (2004), em seu livro Os tempos hipermodernos, a
sociedade inteira se reestruturou segundo a lógica da moda, da sedução e da
renovação permanente, instaurando o reinado do efêmero e a cultura hedonista
típica do nosso tempo. Aguiar se apóia em Lypovetsky para salientar:

Hoje é a mais-valia de gozo ou de eficiência que procuramos extrair não


tanto das nossas profundezas, mas da superfície corporal sempre
conectada aos gadgets e às drogas inventadas pela aliança do capitalismo
com a ciência. (AGUIAR, 2006, p.6)
28

Segundo J.-A. Miller, gadgets são objetos nascidos da indústria, que


incorporam o cálculo. São objetos nascidos do simbólico, construídos, deduzidos,
calculados, produzidos maciçamente, em numerosos exemplares. Os gadgets são
um novo tipo de real que surgiu na revolução industrial, um real que é produto da
medida e do número. São os subprodutos do discurso científico e operam por meio
do cálculo. “Foi isso que Lacan visava, num tempo de seu trabalho, quando ele
evocava a invasão da vida pelo real, e este real, tornou-se para nós um verdadeiro
incômodo.” (MILLER, 2004 (2005-2006), p.11).
Vivemos então uma época em que o real do gozo predomina sobre o ideal. O
Nome-do-Pai entra em declínio e vemos a ascensão do objeto a ao zênite social. “O
esfacelamento dessa função de exceção que constituía o Nome-do-Pai implica
numa transformação da estrutura do Outro social.” (AGUIAR, 2006, p.7).
Freud, em Totem e Tabu, teorizou sobre a função do pai na sociedade a partir
da referência ao assassinato do pai da horda primitiva, o que cria uma exceção
fundadora e constitui o Outro como limitado e delimitado, furado pela exceção. A
função do pai faz então um limite e constitui um todo, organizado e estável.
Lacan (1972-1973) retoma a lógica freudiana da exceção no Seminário 20:
Mais, ainda, para dar conta do gozo feminino, subvertendo a lógica clássica para
dizer que não havendo exceção, há não-todo. O Outro que se materializa nos
tempos hipermodernos apresenta essa estrutura de não-todo por se tratar
justamente de um Outro constituído a partir do declínio da função de exceção dada
pelo Nome-do-Pai. Miller (2003a), em Uma partilha sexual, diz que o verdadeiro
sentido desse não-todo lacaniano não é de um Outro incompleto ou limitado, mas
antes de um Outro não furado e por isso mesmo disforme, disperso, inconsistente,
sem limites e sem fronteiras. Dizer, como Miller em seu título, que o Outro não existe
é caracterizar a materialização na sociedade contemporânea – ou hipermoderna,
aludindo a Lypovetsky – de um outro Outro, um Outro não-todo. É a partir dessa
mudança de perspectiva, do Outro não-todo, que Lacan propõe sua problematização
da droga. A questão da toxicomania se insere nesse lugar do não-todo.
Vieira (2008) refere-se ao Outro dos tempos de hoje como correspondente ao
mercado, aludindo aos objetos, gadgets, encontrados no capitalismo vigente.
Sinaliza que nos tempos atuais “não há objeto que nosso capitalismo tardio não
tenha, ou não possa prover. Nada se furta a ele.” (VIEIRA, 2008, p.32).
29

Lacan reformula o Édipo Freudiano para dar conta do resto de real, e desta
forma surge o discurso capitalista, o discurso do mestre atual:

Figura 2 - Discurso capitalista

Fonte: QUINET, 2006a, p. 38

Com o surgimento do capitalismo se opera uma mutação radical do discurso


do mestre (...) O que Lacan dá a entender quando fala de mutação do
discurso do mestre é que a partir de determinado momento da história dos
seres falantes do ocidente, surge o capitalismo, se produz uma mutação
que vai afetar todas as gerações seguintes, e a partir de então, algo do
estatuto do sujeito vai mudar. Este sujeito barrado do discurso do
capitalismo não será o mesmo que o sujeito dividido do discurso do mestre
4
clássico, que é o sujeito do inconsciente. (DAFUNCHIO, 2008, p.44,
tradução nossa.)

O discurso do capitalismo na realidade não é um discurso, porque infringe as


regras do discurso, começa a funcionar de uma outra maneira, que desarma a dupla
barra da impossibilidade e entra em um funcionamento autônomo que está a todo
tempo retroalimentando-se. É nesse ponto que se diz que o capitalismo é um
pseudo-discurso. No discurso capitalista, o mestre é um sujeito, não o Nome-do-Pai
ou o S1. A barra que afeta a esse sujeito é o que Lacan vai chamar, em Radiofonia
(1970), da falta-de-gozar. É um sujeito que não é completo, falta-lhe um gozo
absoluto. Esses sujeitos estão na posição de mestre, porém movidos por uma falta
de gozo, falta-lhes um gozo que os complete, que lhes baste (DAFUNCHIO, 2008).
Na contemporaneidade o objeto droga entra na série dos bens de consumo
que são oferecidos em excesso pelo Outro do mercado ou pelos objetos ofertados
pelo discurso da ciência. O excesso provoca no sujeito uma busca pelo consumo
ilimitado prometido por esse mercado, levando-o a uma produção de insatisfação, de
constante incompletude, o que “realimenta a busca de satisfação no consumo

4
“Con el surgimiento del capitalismo se opera una mutación radical del discurso del amo(...) Lo que
Lacan está dando a entender cuando habla de la mutación del discurso del amo es que a partir de
determinado momento de la historia de lós seres hablantes de occidente surge el capitalismo, se
produce uma transfornación que va a afectar a todas las generaciones subsiguientes, y a partir de
entonces algo del estatuto del sujeto va a cambiar. Este sujeto barrado del discurso del capitalismo
no será ya el mismo que el sujeto dividido del discurso del amo clásico, que es el sujeto del
inconsciente.”
30

extasiado, seja de bens de consumo, seja de drogas.” (CRUZ E FERREIRA, 2001,


p.99).
Ainda segundo Dafunchio (2008), é precisamente isto que encontramos no
cerne da questão da toxicomania na atualidade. Se o consumidor é aquele que quer
consumir, o toxicômano atual também se encontra na posição de mestre e exige do
objeto droga que faça-o crer, ao menos por um momento, que não está dividido,
que é um mestre.

No discurso capitalista encontramos uma inversão da seta, pela qual o


sujeito consumidor na realidade faz um uso desses significantes
fundamentais que o determinam. Por exemplo, podemos localizar nesse
lugar o toxicômano, que é o consumidor ideal, que está buscando esse
objeto químico que não o faz duvidar da sua falta de gozar, que lhe permite
5
entrar no sonho de uma completude eterna. (DAFUNCHIO, 2008, p.46,
tradução nossa.)

Ao tecer considerações sobre o consumo exagerado na atualidade, Recalcati


(2004) lembra do que os historiadores do consumo chamam de “uma convulsão do
lado da demanda” e diz que ela não responde ao objeto metonímico do desejo como
resto. “A demanda convulsiva enlouquece o poder do objeto de consumo, a moldura
do objeto-gadget.” (RECALCATI, 2004, p.09). Assim, esclarece que o discurso do
capitalista opera “uma dissolução permanente do próprio objeto de consumo quando
o configura como solução de todo mal, criando o pressuposto estrutural para uma
torção da demanda sobre si mesma.” (RECALCATI, 2004, p.08). O autor então
destaca a prevalência do objeto sobre o sujeito, destacando que o discurso
capitalista, ao lado do discurso da ciência, promove o excesso de consumo que
transforma o sujeito em sujeito-gadget, produzindo uma expulsão-anulação do
sujeito do inconsciente, e, consequentemente, os novos sintomas.

Os novos sintomas configuram-se efetivamente como um efeito desta


expulsão, sendo produtos específicos do discurso capitalista em seu
enredamento espectral com o discurso da ciência. Dentre eles, o fenômeno
clínico da toxicomania poderia ilustrar paradigmaticamente como o
“sintoma” seria, ao mesmo tempo, o efeito de uma oferta de mercado e o
efeito de um avanço do saber científico-tecnológico (produção industrial da
substância droga). (RECALCATI, 2004, p.01)

5
“Em el discurso capitalista encontramos una inversión de la flecha por la que el sujeto consumidor
en realidad hace un uso de estos significantes amos, de esos significantes fundamentales que ló
determinan. Por ejemplo, podemos ubicar em este lugar al toxicômano, que es el consumidor ideal,
que está buscando esse objeto químico que ló haga olvidar de su falta de gozar, que le permita entrar
en el sueño de uma completud eterna.”
31

Assim se dá a ideia de que há um objeto que possa preencher a falta de gozo


do sujeito capitalista. Por isso Lacan (1970) diz que o discurso do capitalismo
foraclui a castração, foraclui a impossibilidade de acomodação entre o sujeito e o
objeto ao crer que o objeto possa desinscrever-lhe a barra do sujeito. É possível
então dizer que esse sujeito muda a clínica, muda os quadros clínicos, tanto no
campo das neuroses, como no campo das psicoses (DAFUNCHIO, 2008).
Sobre a problematização da toxicomania na sociedade contemporânea,
utilizando o viés do sintoma, Melman (1992) aborda a questão da toxicomania como
sintoma social pelo modo como esta prática passa a ser inscrita nos discursos
vigentes, explicitando um sintoma que vem dizer sobre uma verdade. Essa verdade
revela-se muito mais pelo excedente de gozo produzido pelo mercado da ciência,
que padroniza e reduz os saberes ao discurso do consumo, o que vai gerar uma
mudança de posição do sujeito. “Essa nova forma de sintoma, resulta, pois, de uma
transformação substancial da relação com o saber, na medida em que este é
determinante para a posição do sujeito” (SANTIAGO, 2001, p.61).
Assim, a toxicomania entra em cena na atualidade tendo algo peculiar, sendo
para o sujeito uma solução rápida na busca de um gozo que preencha a falta sofrida
pelo sujeito capitalista, uma vez que os discursos dominantes mudam a cada época
e consequentemente os laços se caracterizam de uma outra forma, marcados hoje
pela vulnerabilidade, fragilidade e esfacelamento das sustentações simbólicas. Tal
conformação contribui para um esvaziamento da culpa, levando o sujeito a um mais-
de-gozar, proporcionado pelo uso da substância.
O sujeito faz laço social através da linguagem, de um agente, o Outro. Esse
grande outro, com ‘o’ maiúsculo, é o lugar em que se situa a cadeia significante que
comanda tudo que vai poder presentificar-se do sujeito. O toxicômano reduz a
relação de alienação do sujeito em relação ao Outro, a uma relação com o outro,
com ‘o’ minúsculo, a droga. Esta questão será retomada mais adiante na
dissertação, quando explicitarmos o sujeito toxicômano.
Teorizar a toxicomania como um novo sintoma, como uma forma encontrada
pelo sujeito contemporâneo de lidar com o mal-estar produzido pelo declínio do
Nome-do-Pai, se faz pertinente na atualidade, como uma maneira de pensar os
impasses aos quais o sujeito contemporâneo se vê confrontado. “Falar das formas
atuais do sintoma é, por sua vez, tentar situar a dimensão do sofrimento na época
32

de J.-A. Miller denominou como do Outro que não existe.6” (VASCHETTO, 2005,
p.279, tradução nossa). Segundo Vaschetto, tanto na neurose quanto na psicose
temos no sintoma uma dupla vertente, uma parte variável e outra constante.
Ao teorizarmos acerca do papel exercido pela droga na cena psicótica de
alguns sujeitos, podemos considerar os estudos de Vaschetto (2007) sobre as
“psicoses atuais”. O autor denomina as chamadas psicoses ordinárias de psicoses
atuais como uma maneira de problematizar certas manifestações das psicoses na
chamada época do Outro que não existe. Pois, se a psicose não é justamente um
exemplo de que “não há Outro do Outro”, “as psicoses atuais implicam em uma
clínica pós-psicopatológica” (VASCHETTO, 2007, p.184).

Há um enxame de significantes-mestre (S1, S1, S1...) que são propostos ou


impostos ao sujeito ($) como classes, como transtornos, e um retorno
interativo que se produz no sujeito deixado cair como causa ou como caso
(a) o que não ingressa na classe, e isso retorna ao impossível de suportar
pela paixão nominalista do Manual de Classificações. (VASCHETTO, 2007,
p.196).

Portanto, no estudo das psicoses atuais, onde o objeto droga se faz presente
em sua conjuntura, devem ser levados em consideração todos os elementos
concernentes à contemporaneidade e às formas atuais dos sintomas.
Trata-se então, neste trabalho, de discutir os enlaçamentos possíveis entre a
psicose e a toxicomania, buscando investigar a função da droga para o sujeito
psicótico, a partir das contribuições teóricas da psicanálise lacaniana, em especial
da sua produção dos últimos 15 anos. Serão abordados os conceitos de psicose,
desencadeamento, estabilização e suplência, a toxicomania e suas relações com a
psicose, o sujeito toxicômano e suas relações com o objeto droga, bem como os
diversos usos que o sujeito psicótico pode fazer desse objeto.

2.1 A psicose: Desencadeamento e estabilização na obra lacaniana

O psicótico é definido por Lacan como aquele sujeito que se encontra


foracluído do discurso, onde não há barras para o Outro, que é consistente, e há a
exclusão do Outro da Lei. Lacan (1958b/1999) em seu Seminário 5: As formações

6
“Hablar de formas actuales del sintoma es, a la vez, intentar situar la dimensión del sufrimiento en la
época que J.-A. Miller denomino como del Outro que no existe”.
33

do inconsciente, diferencia a Verwerfung (foraclusão) da Verdrängung (recalque). O


recalque é aquilo que está no Outro como significante, já a foraclusão é a falta que
se dá na cadeia de significantes, a falta do Nome-do-Pai, o que caracteriza a
psicose. Seguindo adiante, o autor pensa em três pólos para se falar do Édipo. No
primeiro pólo encontramos o questionamento do supereu. Ele é unicamente de
origem paterna? O Édipo então falta no sujeito normal? No segundo pólo o autor nos
diz que o que se passa no período anterior ao Édipo, período pré-edipiano é também
importante no Nachträglichkeit – a posteriori do sujeito. Já no terceiro pólo, é
discutida a relação do complexo de Édipo com a genitalização. O Édipo tem uma
função normativa quanto à assunção do sexo do sujeito. A função propriamente
genital é objeto de uma maturação, primeiramente orgânica e só em seguida ocorre
a assunção do próprio sexo pelo sujeito.
É introduzida então a função paterna como metáfora. A fórmula da metáfora
ou da substituição significante é demonstrada por Lacan (1958a/ 1998) na p. 563 de
seu texto De uma questão preliminar da seguinte forma:

Figura 3 - Fórmula da metáfora

Fonte: LACAN, 1958a/1998, p. 6563

Nesta fórmula os S são significantes, x é a significação desconhecida e s é


o significado induzido pela metáfora, que consiste na substituição, na cadeia
significante, de S’ por S. A elisão de S’, representada por $’, é a condição de
sucesso da metáfora.
Isso se aplica, assim, à metáfora do Nome-do-Pai, ou seja, à metáfora que
coloca esse nome em substituição ao lugar primeiramente simbolizado pela
operação da ausência da mãe. (LACAN, 1958a/1998, p. 563).

Figura 4 - Fórmula da metáfora paterna

Fonte: Elaborada pelo autor


34

Retornamos então ao Seminário 5, onde Lacan pretende nos mostrar que é


no nível do Outro como tal que se situa a dialética do significante, e por ele será
abordada “a função, a incidência, a pressão exata, o efeito indutor do Nome-do-Pai,
igualmente como tal.” (LACAN, 1958b/1999, p.184). Na estrutura promovida como
sendo a da metáfora residem todas as possibilidades de articular claramente o
complexo de Édipo e o que Lacan chama de seu móbil, o complexo de castração.
Nesta estrutura há a colocação substitutiva do pai como símbolo, ou significante, no
lugar da mãe, no que foi constituído por uma simbolização primordial entre a criança
e a mãe. O triângulo instituído filho-pai-mãe nos esclarece, então, sobre uma relação
simbólica instituída no real. A primeira relação de realidade acontece entre mãe e
filho.
Para desenhar objetivamente essa situação é feita a entrada do pai nesse
triângulo, embora, para a criança, ele ainda não tenha entrado. O pai para nós é
real, mas a posição do Nome-do-Pai se situa no nível simbólico, é uma necessidade
da cadeia significante. Pelo simples fato da instituição da ordem simbólica pelo
sujeito, alguma coisa corresponde ou não à função definida pelo Nome-do-Pai, e no
interior dessa função, são colocadas significações que podem ser diferentes,
conforme os casos, mas que de modo algum dependem de outra necessidade que
não a necessidade da função paterna, à qual corresponde o Nome-do-Pai na cadeia
significante. “É isso, portanto, que podemos chamar de triângulo simbólico, como
instituído no real a partir do momento em que há uma cadeia significante, a
articulação de uma fala.” (LACAN, 1958b/1999, p. 187).
A partir deste momento, se faz necessário explicitar a relação da criança com
a mãe, na medida em que a criança revela depender do desejo da mãe, da primeira
simbolização da mãe como tal – ainda que a mãe já esteja submetida ao pai.
Através dessa simbolização a criança desvincula sua dependência efetiva do desejo
materno, da simples vivência dessa dependência e alguma coisa se institui,
subjetivada. Essa subjetivação consiste em instaurar a mãe como um ser primordial
que pode ou não estar presente. Por causa dessa primeira simbolização é que se
esboçam todas as complicações, na medida em que o desejo da criança é o desejo
do desejo da mãe, o que, segundo o autor, poderíamos chamar de desejo de Outra
coisa. Pois então, o que o sujeito deseja do Outro? Essa simbolização se efetua de
maneira falha, no sentido de que o sujeito precisa de um pouco mais do que essa
simbolização primordial da mãe, que vai e vem, lhe dá, necessita de um “algo mais”,
35

de um objeto de desejo, do falo. Assim, Lacan estabelece uma relação de simetria,


uma ligação metafórica entre o falo, que se encontra no vértice superior do ternário
imaginário, e o pai, que se encontra no vértice inferior do ternário simbólico.

Figura 5 - Triângulo Imaginário e Triângulo Simbólico

φ M

C P
Fonte: Elaborada pelo autor

No primeiro momento do Édipo, a criança se encontra então, em um


questionamento de ser ou não ser o falo. Nesse momento, a instância paterna se
introduz de forma velada. Por causa disso, a questão do falo já está colocada em
algum lugar da mãe, onde a criança tem de situá-la. Em um segundo momento, o
pai intervém efetivamente como privador da mãe. O pai se afirma como aquele que
é suporte de lei, e isso agora é feito de modo mediado pela mãe, que é quem o
instaura como aquele que faz a lei. No terceiro momento acontece o declínio do
complexo de Édipo, é aí que o pai intervém como aquele que tem o falo, e a criança
se identifica a ele. Essa identificação é o que Lacan chama de Ideal do eu. O menino
renuncia a ser o falo materno e se engaja na dialética do ter, e a menina depara-se
com a dialética do ter, sob a forma de não ter. Assim é colocada a importância do
segundo momento do Édipo para o seu declínio, pois um desfecho favorável ou
desfavorável gira em torno de três planos: a castração, a frustração e a privação,
exercidas pelo pai.
O primeiro plano desse segundo momento é a castração. A castração é uma
falta simbólica de um objeto imaginário. A ameaça de castração sofrida pelo sujeito
é a intervenção real do pai no que concerne a uma ameaça imaginária. Ou seja, o
pai real não castra no Real o filho. Ela é um ato simbólico, cujo agente é alguém
real, e o objeto é imaginário, o menino se sente castrado por imaginá-la. Nesse
plano, o pai efetivamente frustra o filho da posse da mãe.
Assim surge o segundo plano – o da frustração. O pai aí intervém como
detentor de um direito, a mãe. Assim a ameaça é real e o agente é a mãe simbólica.
36

Por que a mãe? Porque se o pai sustenta a lei, ela é mediada pela mãe, que é
quem, como já foi dito, coloca o pai como aquele que lhe dita a lei. Por isso a
frustração se caracteriza como a falta imaginária de um objeto real. O ato do pai é
imaginário e frustra a criança da posse da mãe real.
Por fim, vem o terceiro plano, o da privação. Nesse plano o pai se faz preferir
em lugar da mãe, ocupa o lugar anteriormente ocupado por ela. Na medida em que
isso acontece é que se torna possível estabelecer a identificação final, aquela que
leva à formação do Ideal do eu. Para o menino, a proibição do pai, e sua
identificação como Ideal do eu, faz com que ele se identifique como aquele que tem
o falo. Já na menina, o pai como Ideal do eu produz o reconhecimento de que ela
não tem o falo. A saída do Édipo para o menino seria então não ter aquilo que
realmente tem, o falo da mãe, que é o pai e para a menina não ter aquilo que
realmente não tem. Por isso a privação se caracteriza pela falta real do objeto
simbólico. O agente é o pai imaginário e a ameaça é simbólica. A privação é feita
então pelo pai, que priva a mãe do que ela não tem, o falo.
No plano da privação da mãe, o sujeito tem então a opção de aceitar ou
recusar, assumir ou não essa privação exercida pelo pai, ou seja, aceitar ou não o
Nome-do-Pai. Esse ponto é o que Lacan chama de Ponto Nodal e nele quem é
castrado não é o sujeito, mas sim a mãe. Quando a criança não ultrapassa esse
Ponto Nodal, ela mantém certa forma de identificação com o objeto da mãe. Para
essa identificação existem graus, e é precisamente ela que leva o sujeito à neurose,
psicose ou perversão. O sujeito psicótico é então aquele onde o Nome-do-Pai é
foracluído e permanece identificado ao objeto da mãe.
No ensino de Lacan, podemos encontrar dois grandes paradigmas para
abordar a clínica das psicoses: O presidente Schreber, no Seminário 3 (1956) e no
texto “De uma questão preliminar” (1958) – o paradigma de uma psicose
francamente desencadeada; e o escritor Joyce, no Seminário 23 (1975-1976b/2005)
– onde Lacan deduz nele uma estrutura psicótica, sem desencadear. Utilizaremos
da abordagem destes dois paradigmas de acordo com a diacronia apresentada por
Dafunchio (2008) para o ensino lacaniano.
Iniciaremos pelo primeiro paradigma lacaniano da psicose, o paradigma
Schreber. Dois anos depois do Seminário 3, no texto “De uma questão preliminar”,
contemporâneo ao Seminário 5, Lacan lança a luz do que seria sua doutrina a
respeito da psicose. Concebe uma primazia do simbólico sobre o imaginário, através
37

da qual vai se deter nos restos simbólicos da estrutura e como estes afetam o
imaginário. Para isso, usa o texto de Freud sobre o caso Schreber e se dedica a
matematizá-lo (DAFUNCHIO, 2008). Para este intento, cria inicialmente o esquema
R, que retrata como se constrói o campo da realidade em um sujeito neurótico.

FIGURA 6 - O esquema R

Fonte: LACAN, 1958a/1998, p.559

O esquema R consiste em dois grandes triângulos, o S e o I. O campo da


realidade está inserido no triângulo I, na área que intercepta o registro S. Esse
esquema será o ponto de partida para estudar o que ocorre na estrutura psicótica,
ilustrando no desencadeamento o declínio do campo da realidade, sobrevivendo a
catástrofe imaginária. Lacan indica que as memórias de Schreber são o testemunho
de um trabalho de reconstrução do campo da realidade que havia sido perdido no
desencadeamento psicótico. Assim concebe o esquema I, onde tenta mostrar como
se reconstrói o campo da realidade através do delírio.

FIGURA 7 - Esquema I

Fonte: LACAN, 1958a/1998, p.578

Nesse esquema Lacan tem uma concepção deficitária da psicose, déficit esse
simbólico. A psicose se desencadeia quando o sujeito requer o Nome-do-Pai no
lugar do Outro, chamado este que não encontra resposta, tornando presente o furo
38

no simbólico. Uma leitura possível do desencadeamento do Schreber, através do


Seminário 3, seria sua nomeação como presidente da corte, que o leva a uma
posição simbólica de pai. Já em “De uma questão preliminar” a leitura é feita a partir
da presença de Fleshsig como Um-pai no real.

O encontro com este furo no simbólico, P0, vai abrir por sua vez um furo no
imaginário. Desta maneira o triângulo imaginário se desarma ao ser
habitado por um furo, aí se faz presente a foraclusão do falo. É então que o
7
significante fálico se faz presente para o psicótico. (DAFUNCHIO, 2008,
p.25, tradução nossa.)

Lacan faz a apresentação do Esquema I de Schreber da seguinte maneira:


Como lhe falta o Nome-do-Pai, Schreber o substitui alongando o vértice do Ideal
(esquema R), fazendo-o vir no lugar no Nome-do-Pai. Assim o Ideal vai cumprir a
função que não cumpre o Nome-do-Pai. Encontramos então o limite do paradigma
de Schreber: sua estabilização se dá através do trabalho do delírio, da metáfora
delirante. Esta solução não recobre totalmente o furo que o psicótico vivencia e o
sujeito pode voltar a desencadear, como aconteceu ao Presidente. Segundo
Dafunchio (2008), havia a ideia da direção da cura do psicótico se pautar por uma
estabilização pela via de alguma metáfora delirante, mas na clínica encontramos
vários casos onde os delírios não chegam a uma formulação metafórica, além da
grande quantidade de psicóticos que não deliram. É este então, o limite do
paradigma Schreber.
O segundo paradigma lacaniano sobre a psicose é o paradigma Joyce.
Através das fórmulas de sexuação, Lacan faz a equivalência entre os três registros:
real, simbólico e imaginário. A partir do último ensino o registro real sustenta uma
existência própria e não é um produto da operação simbólica, como se teorizava no
tempo anterior de seu ensino. Para explorarmos este paradigma, falaremos da
psicose no chamado último ensino lacaniano.

7
“El encuentro com este agujero em ló simbolico, P0 , va a abrir a su vez um agujero em lo
imaginario. De esta manera El triángulo imaginario se desarma al ser habitado por um agujero, en el
que se hace presente la forclusión del falo. Es entonces que el significante fálico se demuestra
inexistente para el psicótico.”
39

2.2 A psicose no último ensino lacaniano

Em seu chamado último ensino, Lacan nos introduz à teoria dos nós, em seus
Seminários 22 (1974-1975/s.d.) e 23 (1975-1976b/2005). No início do Seminário 23:
O Sinthoma, Lacan explica que retomou a antiga grafia da palavra symptôme –
sintoma, e diz que essa maneira marca uma data, da injeição no grego do que ele
chama de lalíngua. Relata que utilizou o brasão dos Borromeu para estabelecer a
condição de sua teoria dos nós, a de que, a partir de três anéis, se fizesse uma
cadeia tal que o rompimento de apenas um, o do meio, tornasse os outros dois livres
um do outro. Estabelece então que o pai é um sinthoma que cria o laço enigmático
do imaginário, do simbólico e do real. Designa também que o Complexo de Édipo é,
enquanto tal, um sintoma. “É na medida em que o Nome-do-Pai é também Pai do
Nome, que tudo se sustenta, o que não torna o sintoma menos necessário.”
(LACAN, 1975-1976b/2005, p.23).
Segundo o autor, o nó borromeano consiste na relação que faz com que tudo
que é envolvido em um de seus círculos acabe envolvendo o outro. Sobre o caráter
fundamental da utilização do nó borromeano, Lacan destaca:

O caráter fundamental dessa utilização do nó é ilustrar a triplicidade que


resulta de uma consistência que só é afetada pelo imaginário, de um furo
como fundamental proveniente do simbólico, e de uma ex-sistência que, por
sua vez, pertence ao real e é inclusive sua característica fundamental.
(LACAN, 1975-1976b/2005, p.36).

Segundo o autor, o corpo do sujeito, do falasser só tem estatuto respeitável,


graças ao nó. É estudando o caso de James Joyce que Lacan ilustra sua teoria do
nó borromeano e aborda seu quarto termo, o sinthoma, uma vez que no caso do
escritor ele completa o nó do imaginário, do simbólico e do real. Assim estabelece
que quando se passa do nó de três para o de quatro, em que o sinthoma é
introduzido, o nó de três enquanto tal desaparece, não há mais um nó, ele fica
sustentado apenas pelo sinthoma. O mínimo em uma cadeia borromeana é, então,
sempre constituído por um nó de quatro.
Podemos salientar então, que há uma dinâmica dos nós. O nó de trevo,
deduzido do nó borromeano não é um nó, mas uma cadeia.
40

Ele tem o sentido que permite situar o sentido em algum lugar da cadeia
borromeana. [...] O nó é deduzido do fato de que essas três rodinhas de
barbante do imaginário, do real e do simbólico fazem nó. [...] basta que haja
um erro nesse nó de três para que ele se reduza à rodinha. (LACAN, 1975-
1976b/2005, p.89).

Sempre há um lapso do nó, e o nó de três fracassa sempre, inclusive na


neurose. Então no paradigma Joyce o déficit é generalizado. “Com o lapso
generalizado do nó cai em evidência que estamos todos em déficit, que todos
viemos com o nó mal feito, com lapso do nó.” (DAFUNCHIO, 2008, p.65).
Neste momento do ensino, o que fará diferença entre as estruturas clínicas é
de que maneira se soluciona o lapso do nó. É uma clínica diferencial da solução. De
acordo com a solução que o sujeito encontra para o lapso do nó é que a estrutura se
vislumbra. “Nesta clínica da solução, o que se inverte a respeito do paradigma
Schreber é que a mesma não é a neurose, mas a psicose. A estrutura é pensada a
partir da psicose, por isso Lacan pensa o nó a partir do caso Joyce.” (DAFUNCHIO,
2008, p.65).
Considerar os três registros e seus enodamentos permite pensar nas
psicoses não desencadeadas, nos desencadeamentos e nas soluções. Passa-se de
‘a psicose’, do paradigma Schreber, para a pluralização de ‘as psicoses’, com a
possibilidade de pensar diferentes enodamentos de acordo com o tipo de psicose.
Schejtman (2000) discorre sobre uma questão fundamental, a diferença entre
neurose e psicose no ensino do Seminário 23, na qual as psicoses implicam
reparações do lapso do nó que não são borromeanas. Na neurose, o lapso estrutural
do nó faz com que os três se soltem e são reestabelecidos por um quarto, o
sinthoma ou Nome-do-Pai, que os enodam borromeanamente. Ao passo que na
psicose isso não ocorre, o enodamento possível não faz com que ao cortar um aro
se soltem os demais.
Podemos acompanhar com Dafunchio (2008) uma teoria sobre os nós de
diferentes tipos de psicose. Na esquizofrenia o lapso faz com que se solte o
imaginário. O simbólico e o real continuam amarrados, o que localizamos como uma
interpenetração entre o simbólico e o real. Isto explicaria as alucinações verbais e
todos os fenômenos elementares das psicoses, como o desenlace do imaginário
daria conta do desastre imaginário.
Podemos deduzir, a partir do Seminário 23, que Lacan diagnostica Joyce
como um esquizofrênico não desencadeado. No caso do escritor o desenlace do
41

imaginário não se produz porque ele o evita por meio de uma suplência, de um
sinthoma que reparará o lapso do nó. O sinthoma é o que repara a cadeia, no caso
dela não mais existir, ou seja, se em dois pontos forem cometidos o que Lacan
chamou de erro. O lapso pode ser corrigido no ponto exato onde ele se produz ou
nos outros dois pontos que têm como consequência. A solução de Joyce para o
lapso é uma reparação sinthomática do mesmo. O que Lacan vai nos mostrar é que
Joyce se faz um Nome Próprio às custas do Nome-do-Pai, se faz um Nome Próprio
através de sua escrita, de seu desejo de ser famoso e de ser estudado pelos
universitários.
Desde o paradigma Joyce não se trata de apontar apenas a construção da
metáfora delirante como solução para a psicose, abriram-se novos caminhos. Com a
perspectiva dos nós abrem-se novos recursos e outras muitas soluções possíveis. É
nesta perspectiva que iremos também considerar a droga, como um recurso possível
encontrado pelo sujeito para fazer suplência em sua psicose. Essa perspectiva nos
permite ainda interrogar qual uso o sujeito faz da droga - um recurso para a
suplência, um elemento do desencadeamento, um modo de gozo, uma significação
entre outras.

2.3 O desencadeamento

O termo “desencadeamento” aparece inicialmente na tese de doutoramento


de Lacan (1932/1987), quando o autor se dedica ao caso Aimèe abordando a
passagem ao ato e a maternidade diretamente ligadas à estabilização e ao
desencadeamento de sua psicose. Ganha força conceitual em sua obra quando
Lacan se dedica ao estudo das psicoses em seu Seminário 3 (1955-1956/1997) e
em seu escrito De uma questão preliminar (1958a/1998). Nesses textos Lacan
discorre sobre a conjuntura dramática envolvida na cena do desencadeamento das
psicoses, exemplificada por ele como diversas situações que podem ocorrer na vida
de um sujeito, como o nascimento de um filho, a perda de um ente querido ou até
uma promoção profissional. Faz-se importante salientar aqui que qualquer tentativa
de se obter um sentido ou uma lógica nesses acontecimentos é arriscada
(MALEVAL, 1992).
42

Por falta da referência simbólica do Nome-do-Pai, o sujeito psicótico funciona


no registro imaginário, onde a relação especular é a regra. Segundo Quinet (2006b),
o psicótico encontra-se muitas vezes, antes de um primeiro surto, numa relação dual
com o duplo imaginário, e o pai, sem função simbólica, é apreendido apenas como
uma imagem.

O registro imaginário que dá forma à realidade do sujeito psicótico apresenta


três tempos, o primeiro chamado de Pré-psicose, onde o sujeito se vale das
bengalas imaginárias; o segundo tempo do desencadeamento, onde há a queda
dessa identificação e como consequência a dissolução imaginária; e um terceiro
tempo, o da estabilização, da restauração do imaginário, que será explanado adiante
neste trabalho.

O desencadeamento da psicose é, de acordo com Lacan (1958a/1998), efeito


do encontro do sujeito com Um-pai. Um sujeito estruturalmente foracluído do Nome-
do-Pai e Um-pai, que pode ser uma pessoa ou situação que de uma outra cena se
interpõe e se impõe ao sujeito, “interpelando-o no cerne de suas relações com o
outro, exigindo-lhe uma resposta no plano significante, aí mesmo onde ele se
encontra sem prumo.” (SOUZA, 1991, p.38). Ainda sobre a desestabilização com
referência à falta do Nome-do-Pai, Lacan nos diz: “(...) pelo furo que abre no
significado, dá início à cascata de remanejamentos do significante de onde provém o
desastre crescente do imaginário.” (LACAN,1958a/1998, p.584).
A cena do desencadeamento é composta, segundo Lacan (1958a/1998), de
algumas condições. A primeira condição a que ele se refere é aquela de ordem
estrutural, a saber, a foraclusão do Nome-do-Pai no lugar do Outro.

É num acidente desse registro [da linguagem] e do que nele se realiza, a


saber, na foraclusão do Nome-do-Pai no lugar do Outro, e no fracasso da
metáfora paterna, que apontamos a falha que confere à psicose sua
condição essencial, com a estrutura que a separa da neurose.
(LACAN,1958a/1998,p.582)

A segunda condição a que Lacan se refere concerne ao abalo das


identificações que sustentam o sujeito em sua vivência anterior ao
desencadeamento. É por meio dessas identificações que o sujeito elabora as
compensações imaginárias, as chamadas “bengalas”. A terceira condição refere-se,
no caso do desencadeamento clássico a uma situação específica que invoca no
43

sujeito o Nome-do-Pai, que lhe é faltante e como já dito anteriormente, “(...) dá início
a uma cascata de remanejamentos do significante, de onde provém o desastre
crescente do imaginário.” (LACAN, 1958a/1998,p. 584).
O conceito de desencadeamento que nos importa neste trabalho é aquele do
último ensino. Se a cadeia borromeana é um nó feito de buracos, os elos são vazios
e contornados por uma borda. O registro Imaginário é aquele que, articulado com os
registros Real e Simbólico, forma o nó responsável pela organização do mundo
exterior e do mundo interno do sujeito e segundo Souza (1991) sem o qual a
realidade psíquica não poderia se constituir. O Nome-do-Pai é aquele que permite
que os três registros – Simbólico, Imaginário e Real – permaneçam atados.
Assim, Lacan localiza o desencadeamento como algo que desata o nó. Se o
nó é composto pelos registros Real, Simbólico e Imaginário, amarrados e
sustentados por algo, no caso da psicose esse “algo”, antes do desencadeamento,
são as bengalas imaginárias que na ocasião do mesmo não bastam na chamada ao
Nome-do-Pai e deixam os registros soltos, à mercê do Imaginário.
Se os registros RSI precisam de algo que os amarre e não fazem essa
amarração por si mesmos, é necessário que algo a faça. É preciso uma ação
suplementar, que, no caso da psicose, não é feita pelo Nome-do-Pai, como na
neurose, mas sim por algum outro significante que sustenta o sujeito antes do
desencadeamento. A ruptura do significante que faz essa amarração é uma resposta
do sujeito frente ao gozo fálico: como é o caso do recurso à droga, que em alguns
casos pode levar o sujeito ao desencadeamento.
Soler (2007) diz que a psicose apresenta constantemente casos de
desencadeamentos repentinos, inesperados, e os chama de desencadeamentos-
surpresa. A autora afirma que para se pensar ao nível da causação da psicose é
preciso não levar em conta só o Nome-do-Pai foracluído, pois a foraclusão por si só
não é causa suficiente da psicose. Segundo a autora “é preciso uma causa adjunta
para que se desencadeie a psicose, é preciso uma causa complementar, a qual é
ocasional.” (SOLER, 2007, p.200). É essa causa ocasional que produz um apelo ao
Nome-do-Pai e torna sua falta eficiente, e esse apelo se produz pelo encontro de
Um pai real. Um com letra maiúscula, como escreve o próprio Lacan.
44

2.4 A suplência

Para aludir à suplência psicótica, precisamos primeiramente nos debruçar


sobre o termo estabilização. Para Colette Soler, estabilização não é um termo do
vocabulário psicanalítico, mas sim de “(...) uma palavra que constitui uma imagem e
que, convém dizer, presta-se a todas as confusões e também a todas as
imprecisões.” (SOLER, 2007, p.193). Segundo a autora, a psiquiatria se utiliza do
termo estabilização por não ousar dizer de uma “cura” para a psicose ou até mesmo
dizer de “efeito terapêutico” como fazem em relação à neurose.
Para adotarmos a noção de estabilização é preciso então que façamos a
diferenciação do mesmo no vocabulário psiquiátrico e no psicanalítico. “Decerto é
preciso distinguir uma estabilização, no sentido estrito do termo, de uma
organização dos distúrbios da psicose.” (SOLER, 2007, p.207-208). É do
vocabulário Lacaniano que se extraem os termos de metáfora e suplência, a partir
dos quais tentamos dar um sentido ao termo estabilização.
O termo metáfora aparece em relação à psicose primeiramente no Seminário
3, em relação à ambigüidade do significante e do significado. Lacan distingue então
a metáfora paterna: o Nome-do-Pai que substitui o Desejo da Mãe faz surgir no lugar
do significado a significação do falo. Tem como efeito separar o sujeito da vacilação
inerente à relação especular com a mãe. No texto “A instância da letra no
inconsciente”, redigido por Lacan em Maio de 1957, pouco antes da “Questão
preliminar”, Lacan conclui que o sintoma é uma metáfora, partindo assim para a
definição diferencial da psicose: os fenômenos psicóticos têm uma estrutura de
linguagem, mas o sintoma psicótico não é uma metáfora, mas sim a ausência dela.
“A metáfora é um princípio de estabilização. Ela cria um ponto de parada no
deslizamento do significado sob o significante”. (SOLER, 2007, p.196). Ou seja, a
Metáfora Paterna estabiliza no sujeito o significante e o significado. Estabelecendo
uma ligação entre metáfora e estabilização, a autora nos coloca então a tese de que
uma metáfora8 pode substituir outra como princípio de estabilização.

8
Colette Soler utiliza o exemplo da metáfora delirante de Schreber, que através de sua transformação
na mulher de Deus, consegue se situar diante de sua psicose. A ver mais na página 202 do livro O
inconsciente a céu aberto da psicose.
45

O que interessa é a problemática do ponto de basta em seus efeitos


estabilizadores. A questão é saber como é possível restaurar aquilo que é
desatrelado na perseguição e no desastre do imaginário pelo deslocamento
das identificações, de tal sorte que o gozo entre na dialética do discurso.
Fazer o gozo entrar nos limites do discurso e do vínculo social, essa é a
questão, com efeito. (SOLER, 2007, p. 203).

De todas as consequências que o Nome-do-Pai foracluído determina e que


constituem a estruturação da experiência psicótica, advém um trabalho de
reconstrução. Este trabalho vem para criar um novo mundo de significações para o
sujeito psicótico, sistematizando o delírio, a metáfora delirante, ou, como destaca
Souza (1991), a teia de palavras e imagens, substituindo o Nome-do-Pai, ou mais do
que isso, sendo um dos Nomes-do-Pai.
Segundo Soler (2007), as soluções mais identificáveis da psicose “são as que
se servem de um simbólico de suplência, que consiste em construir uma ficção
diferente da ficção edipiana e em levá-la a um ponto de estabilização, obtida pela
metáfora delirante” (SOLER, 2007, p.187). Essa metáfora é bem exemplificada no
caso de Schreber.
Isso significa que existe uma clínica dos substitutos do Nome-do-Pai que
exercem a função do que Lacan (1975-1976b/2005) chamou em seu último ensino
de reparação sinthomática.
A metáfora paterna é então, um conceito utilizado por Lacan na década de 50,
para identificar a metáfora delirante como tentativa de solução para o sujeito
psicótico, ou seja, como um meio de estabilização da psicose. Ao passarmos para o
conceito de suplência, será necessário localizá-lo no ensino lacaniano da década de
70, onde o termo é utilizado.
A possibilidade de outros significantes ocuparem a função de Nome-do-Pai
levou Lacan (1963/2005) em seu seminário Nomes do pai, a postular sua
pluralização, os Nomes-do-Pai, conceituação relativa à idéia de suplência. No
Seminário 23, Lacan (1975-1976b/2005) inaugura uma quarta instância responsável
por enodar os registros RSI de modo borromeano, fazendo uma suplência, instância
à qual dá o nome de Sinthoma.
O Sinthoma não é sintoma-metáfora, não é sintoma-letra e não se confunde
com os três registros, Real, Imaginário e Simbólico. Ele é uma quarta consistência,
que enoda os três registros.
46

FIGURA 8 - Três anéis RSI separados e depois o nó borromeano de quatro


aros com reforço (Sinthoma)

Fonte: LACAN, 1975-1976b/2006, p. 21

No enodamento pelo Sinthoma, os registros Real, Simbólico e Imaginário se


encontram enlaçados de modo borromeano e o Sinthoma é aquele que faz a
amarração dos mesmos. Nesta cadeia de quatro registros não há nenhuma
interpenetração. “Aqui este Sinthoma com ‘formato de orelha’ repara de modo
borromeano e simultâneo, os dois lapsos produzidos, impedindo que os três
registros possam ir cada um para seu lado.” (Schejtman, 2008, p.43, tradução
nossa)9. Essa amarração feita pelo Sinthoma é chamada por Lacan de reparação
sinthomática. Um exemplo de reparação sinthomática é mostrado por Lacan (1975-
1976b/2005) no caso de James Joyce, onde o escritor encontra no ego o seu
Sinthoma, uma suplência para a falha de seu enodamento.
O nó borromeano clássico corresponde na realidade a um sujeito ideal, e este
não existe. No que concerne às três estruturas possíveis de lapsos de enodamento,
neurose, psicose e perversão, o Sinthoma é aquele que repara esses lapsos. No
lapso será feito um Sinthoma que o amarre para que os registros não fiquem soltos
e ocorra a reparação – ou suplência.
O sujeito na psicose é então obrigado a fazer uma suplência do Nome-do-Pai
para se manter na realidade. Essa suplência é o trabalho da psicose, que será
sempre uma maneira de o sujeito tratar os retornos no real do que é foracluído do
simbólico, de efetuar conversões que civilizem o gozo até torná-lo suportável.
O delírio é uma auto-elaboração, na qual se manifesta de maneira evidente o
que Lacan (1958a/1998) chama de “eficácia do sujeito”, mas não constitui,
evidentemente, sua única expressão:

9
“Aquí este sinthome con “forma de oreja” repara de modo borromeo y al mismo tiempo los dos
lapsus producidos, impidiendo que los tres registros se vayan cada uno por su lado.”
47

O delírio é claro, não constitui a única manifestação: o fato de falarmos de


pré-psicose, antes do desencadeamento, e de eventuais estabilizações,
depois dele, indica bem que a foraclusão é passível de ser compensada
em seus efeitos, sob formas que não se reduzem unicamente à elaboração
delirante. (SOLER, 2007, p. 185)

Soler (2007) aponta ainda que podem existir diversos tipos de solução para a
psicose. A solução que consiste em cobrir a coisa com uma ficção apensa a um
significante ideal funciona em muitos casos, mas não exige forçosamente a
inventividade delirante do sujeito. Um tipo de solução pode ser aquela que permite
ao sujeito novamente deslizar sobre o significante que fazia seu mundo sustentar-se,
e pode vir de um encontro que vem corrigir o da perda desencadeadora. De acordo
com a autora, nesta solução o sujeito não inventa, mas toma emprestado do Outro
um significante que lhe permite, pelo menos por algum tempo, cobrir com um ser de
pura conformidade o ser imundo que ele tem a certeza de ser.
A solução que a autora coloca como civilizadora da coisa pelo simbólico é
também via de sublimações criacionistas, e a mesma cita como exemplo
sublimações convocadas na psicose por nomes conhecidos como Joyce, Rousseau
e Van Gogh, e diz que elas têm uma função análoga a que é o delírio para
Schreber.10
Existem ainda outros tipos de solução que não usam o simbólico, mas
procedem de uma operação real sobre o real do gozo não aprisionado na rede da
linguagem. Assim pode ser considerada a obra, onde se deposita um gozo que é
transformado até se tornar estético, enquanto o objeto produzido impõe-se ao real.
Vimos, então, considerações a respeito da modernidade líquida e como essa
perspectiva traz um outro olhar para os estudos a respeito do enlace entre
toxicomania e da psicose. A partir da leitura da teoria lacaniana a respeito da
psicose concluímos que desde o paradigma Joyce novos caminhos podem ser
traçados no que se concerne ao seu estudo e ao lugar que o objeto droga ocupa
para os sujeitos psicóticos.

10
Ver mais na página 188 do livro O inconsciente a céu aberto na psicose de Colette Soler.
48

3 A TOXICOMANIA

Lacan afirma, na década de 50, em seu Seminário 3 que o inconsciente é


estruturado como linguagem, que é a condição do mesmo. Essa idéia lacaniana de
primazia do simbólico – e, portanto do significante, nos mostra que o sujeito é
submetido à ordem simbólica, que por sua vez tem seu esteio original na metáfora
do Nome-do-Pai.
O sujeito faz laço social através do discurso, da linguagem, de um agente, um
Outro, que é produto do endereçamento da palavra e tem a função de dar
significados a esse sujeito. Assim, no Seminário 11: Os quatro conceitos
fundamentais da psicanálise, Lacan (1964/1998) define a posição do sujeito em
relação ao Outro a partir das operações de alienação e separação, fundamentais na
constituição do sujeito. A alienação é exemplificada por meio da operação relativa à
teoria dos conjuntos, a saber, a união do sujeito com o Outro, que deixa uma perda:
o sujeito é produzido pela ação da linguagem que o aguarda e é inscrito no lugar do
Outro; o sujeito alienado é aquele que se identifica com o Outro cheio de
significantes. Essa alienação pode ter consequências ao nível do gozo e da relação
do toxicômano com a droga, como veremos a diante.
A separação requer que o sujeito se relacione com o Outro através da falta –
para que haja a falta é necessária a presença do desejo - que ele consiga se
separar da cadeia de significantes, ir além daquilo inscrito no Outro.
Em seu livro Clínica del Vacío, o psicanalista Massimo Recalcati (2003)
trabalha as patologias de dependência, incluindo a toxicomania. Recalcati revisita a
perspectiva de Lacan de que o sujeito e o Outro não podem ser autônomos. O
sujeito está submetido ao Outro na forma de uma dependência simbólica
fundamental e é nesse sentido que “a condição do sujeito depende do que tem no
lugar no Outro.” (RECALCATI, 2003, p.148, tradução nossa) 11.
“Antiamor” é uma expressão usada por J.A. Miller para definir a posição do
sujeito toxicômano, no que diz respeito ao seu vínculo com o Outro. O ódio, segundo
Freud, chega antes do amor e assume a forma de recusa do Outro como
perturbador do estado de ser do sujeito. É, pois, uma declinação do antiamor, a
recusa de todo vínculo com o Outro.

11
“la condición del sujeto depende de lo que tiene lugar en el Outro”
49

A relação do toxicômano com o objeto-substância se impõe sobre a relação


simbólica entre o sujeito e o Outro, e é precisamente isso que confere ao sujeito
uma ilusão de estar completo, de se realizar sem a intervenção do Outro simbólico.
A fórmula proposta por Recalcati (2003) para a dependência patológica é a de que a
dependência do objeto - no caso da toxicomania, a droga – é que tende a recusar a
dependência estrutural do sujeito em relação ao Outro.
O ódio do toxicômano é o ódio pelo Outro, que ele pretende destruir através
da droga. É o ódio mortal pela castração. A toxicomania é uma das novas formas de
ódio contra o Outro, uma forma radical de antiamor.

3.1 A toxicomania e sua relação com a psicanálise

De acordo com Gianesi (2005), para localizar a toxicomania na teoria


psicanalítica é necessário verificar a plausibilidade da inclusão do fenômeno no
próprio campo da psicanálise. Comecemos por buscar a origem dessa terminologia.
Segundo Santiago (2001), o termo toxicomania advém do discurso proferido pela
psiquiatria, que em meados do século XIX passa a considerá-lo como categoria
clínica específica, relacionada à inclinação impulsiva e aos atos maníacos. O autor
postula então que a toxicomania, sob o ponto de vista psicanalítico, é efeito de um
discurso.
Podemos constatar, através de sua obra, que Freud nunca se dedicou
diretamente às adições e às toxicomanias. Apesar de trabalharmos com algumas
referências freudianas à droga, como em o “Mal estar na cultura”, para ele as
adições se apresentavam como algo que não entrava diretamente na psicanálise,
talvez porque, neste momento, não tinham o mesmo lugar que ocupam atualmente.

Em relação à sua atividade clínica, a psicanálise vê-se assegurada de que a


manifestação toxicomaníaca não é exclusiva de qualquer uma das três
estruturas propostas. Um psicótico, um neurótico ou um perverso podem
fazer uso problemático de drogas, e então serem classificados, a partir da
referência médica, como quem sofre de transtorno de dependência de
substâncias psicoativas. A estrutura, entretanto, é logicamente anterior a
qualquer manifestação e surge do momento fundante do sujeito. Assim
sendo, o psicanalista autoriza-se a afirmar que cada sujeito, estruturado
segundo sua já constituída forma de organização do desejo, possui sua
peculiar relação com as drogas – esta sempre amarrada ao modo estrutural.
(GIANESI, 2005, p.127)
50

O toxicômano é então, para a psicanálise, um significante identificatório do


sujeito. Posicionar a toxicomania no campo da psicanálise é admitir a existência de
um fenômeno bem caracterizado, sem no entanto caracterizá-la como um conceito.
J-A. Miller (1995) ao comentar as definições da toxicomania pela psicanálise nos diz:

Não é uma definição da toxicomania, e sim uma tentativa de definição da


droga enquanto tal. Talvez há que lhe dar todo o seu valor. Talvez na
experiência analítica nos perguntemos menos pela toxicomania que pela
droga em sua relação com o sujeito. (MILLER, 1995, p.16)

Miller nos diz ainda que a afirmação lacaniana da droga como o que permite
romper o casamento do sujeito com o pequeno-pipi12 não é uma definição própria
para a toxicomania, mas uma definição a respeito da droga e seus usos. Através
disso podemos inferir que, para a psicanálise, é mais importante a relação que o
sujeito estabelece com a droga do que conceituar a toxicomania em si.
Assim, inferimos que o relevante nesse contexto é estabelecer as relações
entre o objeto droga e o sujeito, e não um esforço em construir uma definição
psicanalítica própria para a toxicomania.
Santiago (2001) afirma sobre as relações do objeto droga e seus efeitos, que
estão vinculadas às particularidades do sujeito. Segundo o autor, para a psicanálise
o sujeito faz a droga e não o contrário. O recurso à droga não é então exclusividade
do fenômeno descrito pela psiquiatria, a toxicomania. Por isso é importante frisar
que cada sujeito denominado toxicômano possui sua relação singular com o objeto
droga.
Parece-nos ainda necessária uma ressalva sobre a questão do sujeito que faz
uso de drogas, bem exemplificada por Gianesi: “Quando se fala sobre o discurso em
análise e sobre essa função atribuída ao objeto droga, relativa ao seu efeito de
prazer ou até de gozo, pressupõe-se a castração, a insígnia fálica, (...) supõe-se o
sujeito neurótico.” (GIANESI, 2005, p.128). Santiago (2001) afirma sobre essa
mesma questão, que o psicótico busca algo diverso na droga, busca a anexação do
significante.
A psicose também não entrou classicamente na psicanálise. Freud
contraindicava o tratamento psicanalítico para as psicoses, dentro das premissas
fundamentais da psicanálise, como associação livre, interpretação e outras. “É dizer
12
Expressão usada por Lacan para dizer do encontro do sujeito com o falo, que será desdobrada
mais a frente, neste mesmo capítulo.
51

que há algo na estrutura da psicose que não entra facilmente no dispositivo


analítico, que resiste, assim como na clínica com toxicômanos.” (ZAFFORE, 2005, p.
92).

Nem a psicose nem a toxicomania têm sido fáceis para a psicanálise [...].
Tanto o campo das psicoses como o campo das toxicomanias tem
requerido uma abordagem teórica e clínica que se renova constantemente e
que têm sido arduamente trabalhadas pelos psicanalistas que seguem a
Freud e Lacan. (ZAFFORE, 2005, p. 93).

Fica claro então, que para a psicanálise a toxicomania não está ligada a
nenhuma estrutura clínica especificamente, pois segundo Laurent (1994), o uso de
drogas introduz a noção de ruptura com o gozo fálico, o que é insuficiente para
definir ou conecta-la a uma estrutura clínica. “O uso da droga aponta, portanto, para
a possibilidade de uma ruptura com o gozo fálico, sem que haja necessariamente a
foraclusão do Nome-do-Pai, desvinculando, assim, a noção de toxicomania da de
estrutura clínica.” (LISITA E ROSA, 2011, p.267).

3.2 A toxicomania e as funções do objeto droga

Segundo Recalcati (2003) existem dois tipos de dependência: a constituinte -


estrutural, simbólica - do sujeito em relação ao Outro frente ao roubo-doação desse
Outro; e a relação patológica do sujeito em relação ao objeto-substância onde,
justamente pelo gozo imediato, não filtrado pelo Outro, o sujeito tende a recusar a
dependência estrutural desse.

Neste sentido as dependências promovem em geral o divorcio entre o


sujeito e o Outro e a eleição do objeto no lugar vazio deixado no Outro pelo
naufrágio histórico do ideal, segundo uma lógica que Jacques-Alain Miller
explicou em L’Autre qui n’existe pás. (RECALCATI 2003, p.152, tradução
13
nossa.).

A primeira forma de dependência a que se refere o autor, a estrutural do


Outro simbólico, supõe a existência do objeto como extraído pelo Outro, o que
conseqüentemente produz o desejo do Outro, como um desejo de recuperar no

13
“ En este sentido las dependencias promueven en general el divorcio entre el sujeto y el Outro y la
elección del objeto en el lugar vacío dejado en el Otro por el naufragio histórico del ideal, según una
lógica que Jacques-Alain Miller há explicado en L’Autre qui n’existe pás.”
52

Outro aquilo que foi perdido, roubado dele. A dependência estrutural do Outro
simbólico designa exatamente a alienação do sujeito em relação ao Outro.
Já a segunda forma de dependência, a patológica, implica ao contrário da
primeira, na existência do objeto-substância. A força desse objeto se dá porque
implica um não à castração, o que o deixa demasiadamente próximo do sujeito. É
esse excesso de proximidade que exclui o Outro, e sinaliza problemas de separação
do sujeito em relação ao Outro já mencionado.
O objeto-substância promete ao sujeito uma felicidade absoluta, pois se
configura como uma substância real, que se pode encontrar no mercado, ao
contrário do objeto causa do desejo, que não se pode encontrar senão como forma
de resto da Coisa que incita o desejo. Por isso a dependência patológica não tem a
ver com o amor pelo Outro, mas sim com o ódio mortal desse Outro, pois o amor
requer a perda do objeto para que se possa buscá-lo no Outro. O objeto que
escraviza o toxicômano é “(...) um objeto mais Coisa que objeto.” (RECALCATI,
2003, p.153, tradução nossa)14. A substância faz com que o objeto perdido esteja
sempre presente, mesmo quando ausente. “Na verdade, enquanto o símbolo se
baseia na ausência da Coisa, no assassinato da Coisa, a dependência da presença
e do consumo infinito do objeto mata o símbolo.” (RECALCATI, 2003, p.154,
tradução nossa).15
A análise dos casos clínicos nos permitirá abordar as diversas funções
exercidas pelo objeto droga na psicose, casos esses que serão apresentados no
próximo capítulo.

3.3 O gozo do toxicômano

Como já explicitado, a definição de toxicomania para a psicanálise não está


ligada a nenhuma estrutura clínica em particular. Diante disso, podemos encontrar o
uso de drogas na neurose, psicose e até perversão. Para nos referirmos ao gozo do
toxicômano, levamos em conta a chamada “toxicomania verdadeira” – expressão
utilizada por Laurent (1994), que entende o verdadeiro toxicômano como alguém

14
“Es un objeto más Cosa que objeto”.
15
“En efecto, mientras el símbolo se funda sobre la ausencia da la Cosa (Bion), en el asesinato de la
Cosa (Lacan), la dependencia de la presencia y del consumo infinito del objeto mata al símbolo”
53

que rompe absolutamente com o Outro –, e esta só é possível na neurose. Assim,


faremos o percurso do gozo do toxicômano para em seguida discutirmos a questão
do gozo ligado ao uso de drogas na psicose.
Segundo Recalcati (2003), nas patologias de dependência, o Outro sexo é
substituído pela assexualidade da substância e do gozo. O sujeito descarta o
encontro com o Outro para, no consumo solitário do objeto, se assegurar da
anulação da falta que o Outro introduz inevitavelmente. O ódio ocupa o lugar do
amor de transferência e assume a forma extrema de recusa desta dependência
constituinte do sujeito a respeito do Outro.

Esta posição de antiamor do sujeito acusa uma prática pulsional – como a


do toxicômano – que se consuma como o empuxo do sujeito para alcançar
um gozo puro, não falhado pelas leis do significante, um gozo absoluto, um
16
gozo do ser. (RECALCATI, 2003, p.156, tradução nossa).

Se a mediação do Outro é negada, o empuxo ao gozo corre o risco de se


tornar destrutivo, então aparece em cena o que Freud chamou de pulsão de morte.
De acordo com Maurício Tarrab (2004) em seu artigo Mais-além do consumo, a
paixão pela droga é uma figura de gozo encontrado no mundo contemporâneo, e
essa paixão se faz pulsão de morte. Essa pulsão habita o gozo do sujeito,
parasitado por um excesso desse gozo.
É essa, segundo Recalcati (2003), a condição de fundo da psicose e também
da toxicomania: o ódio recusa a mortificação exigida pelo Outro e mantém o sujeito
desesperadamente vivo, cheio de gozo. Na toxicomania não existe alteridade, o
gozo é sempre idêntico a si mesmo, só há a demanda infinita pelo objeto de
consumo. A prática de gozo é uma mera prática pulsional.
O gozo toxicômano da seringa, da substância química, são modos
diferenciados de reintroduzir no corpo, o gozo exteriorizado pelo significante. O gozo
do Outro é o gozo do corpo. Segundo Valas (2001), o Outro do significante é
definido como aquele que comporta uma falta radical, pois a lei do prazer, que é
uma lei reflexa do corpo, torna esse gozo impossível. “Nesse aspecto, o sujeito só
pode gozar do corpo do Outro tomado como objeto, se ele poupa esse corpo.”
(VALAS, 2001, p.46). O gozo do Outro é então, impossível, pois o Outro da

16
“Esta posicíon de antiamor del sujeto da cuenta de uma práctica pulsional – como lê del
toxicômano – que se consuma como empuje del sujeto por alcanzar um goce puro, no mellado por las
leyes del significante, um goce absoluto, um goce del ser.”
54

linguagem se caracteriza por ser, segundo a expressão de Lacan, o “aterro limpo” do


gozo. “O gozo é foracluído do lugar do Outro e retorna para o real. O Outro é
barrado, separado do gozo pelo significante. O Outro é inconsistente, porque é o
lugar de uma falta radical.” (VALAS, 2001, p.49). Por isso, só se pode gozar do
Outro fantasísticamente.
Assim, posteriormente, Lacan articula o gozo foracluído do lugar do Outro ao
falo simbólico significante do gozo. Começa então a desenhar uma linha divisória
entre o gozo do Outro, o gozo do corpo, e a conceituação do gozo fálico. O gozo
fálico se determina pelo significante e se manifesta como o que Valas chama de
gozo parasitário, acrescido ao do corpo. O significante então separa o que é do
registro do corpo do que é do registro do gozo propriamente dito, e introduz no
sujeito a dimensão de um gozo que é distinta da funcionalidade do corpo. O gozo
fálico é então, aquele acessível ao sujeito e isso só é possível devido à interdição da
Lei.

Precisando que o gozo do Um, distinto do gozo do Outro, se encarna no


órgão masculino, Lacan pode mostrar que a detumescência deve ter uma
função de apelo à palavra, tornando possível a articulação linguajeira.
Efetivamente, parece que o processo da significância é subtraído a esse
gozo do Um. A renúncia ao gozo fechado e estranho da Coisa permite ao
sujeito que aceita a Lei de interdição do incesto ter acesso à função
simbólica da fala no campo da linguagem. Com isso, o gozo fálico se abre
para ele, pelo meio da fala e do discurso. (VALAS, 2001, p.62-63)

Assim, há primeiro o gozo do Outro antes da Lei, depois a Lei que o interdita
e enfim o gozo fálico depois da Lei, resultado da cifragem do gozo corporal pelo
significante. Então, a linguagem incide sobre o corpo, implicando em um vazio, e
essa “dupla operação”, diz Espinha (2004) “é a produção de ‘um furo’17 nesse real”.

De um lado o significante engendra o gozo, o que faz de sua marca o


significante traumático que produz uma irrupção de gozo; de outro, o
significante esvazia o gozo do corpo. O gozo se introduz desde que, pelo
traço do significante, o corpo natural, o organismo vivente se separa do que
Freud deu o nome de libido. O significante introduz um gozo correlacionado
a um sujeito de um inconsciente. (ESPINHA, 2004, p. 2)

Portanto o gozo do toxicômano é um modo de o sujeito anular sua divisão,


mas que na realidade se reproduz de outra forma, - como por exemplo o toxicômano

17
Em “O nó do trauma, da linguagem e do sexo” Sandra Espinha se refere ao vazio deixado no real
do corpo pelo significante como sendo “um vazio”, que tem a consistência de um Um.
55

que tenta controlar sua dependência da substância – essa mesma divisão em uma
forma menos subjetivada.
Segundo Recalcati (2003), em concordância com Lacan, o Outro extrai algo
do sujeito ao mesmo tempo em que lhe doa algo. Rouba o gozo e lhe doa um duplo
consolo, o consolo do símbolo na condição de eliminar a Coisa do Gozo pela ação
do Outro18, e o consolo do desejo, que só existe devido à falta, ao vazio.
Nas patologias da dependência falham tanto o consolo do símbolo como o do
desejo. No lugar da metáfora simbólica se apresenta a Coisa como tal, e no lugar da
metonímia do desejo se impõe o gozo sempre igual, da mesma Coisa. “Ao se
rebelar perante o roubo do Outro o sujeito não pode se valer sequer da doação
desse Outro: o símbolo é assassinado pela Coisa, e o desejo é inundado pelo gozo.”
(RECALCATI, 2003, p.151, tradução nossa) 19. Por isso no objeto droga sobrevive a
Coisa, e o sujeito tenta preservá-la como propriedade sua. A droga seria, segundo o
autor, um nome da Coisa e não do objeto perdido.
A causa da dependência é então a transformação da mesma na ‘Coisa objeto
de desejo’, que inundado pelo gozo, posiciona o sujeito no círculo vicioso de desejar
a Coisa/droga para alcançar tal gozo.
No que diz respeito às teorizações acerca da toxicomania no ensino
Lacaniano, Hugo Freda (1997/2005) em intervenção feita no Seminário de Miller O
Outro que não existe e seus comitês de ética, aponta que existem exatamente seis
referências à toxicomania. Aponta que ainda que essas referências não constituam
uma teoria, oferecem certa concepção do fenômeno que deverá ser extraída pelos
psicanalistas com o objetivo de orientar sua prática.

É preciso constatar também que Lacan nunca fala do toxicômano, mas sim
de intoxicação, de toxicomania, de droga, de haxixe, de experiência vivida
por alucinógenos. Deve postular-se, pois, que o toxicômano se encontra no
interior desses termos, que há que construí-lo, inventa-lo, deixa-lo apto à
20
psicanálise, o que implica de alguma maneira abrir-lhe nossa prática.
(FREDA, 1997/2005, p. 304, tradução nossa).

18
“Cosa del goce por obra del Outro” expressão utilizada por Recalcati na página 151.
19
“Al rebelarse ante el robo del Outro el sujeto no puede valerse siquiera de la donación del Outro: el
simbolo es asesinado por la Cosa, el deseo es inundado por el goce.”
20
“Es preciso constatar además que Lacan nunca habla del toxicômano, pero si de intoxicación, de
toxicomanía, de droga, de hachís, de experiencia vivida por alucinógenos. Debe postularse, pues,
que el toxicômano se encuentra en el interior de estos términos, que hay que construirlo, inventarlo,
volverlo apto al psicoanálisis, ló que implica de alguna manera abrirle nuestra práctica.”
56

Para o autor, Freud e Lacan concordam em um ponto: que a toxicomania é


uma solução feliz, nunca um sintoma. Fato corroborado nas três últimas referências
lacanianas em torno da droga e da toxicomania. A toxicomania é talvez uma nova
forma de sintoma e o toxicômano um dos principais representantes dessa novas
formas de sintoma que a modernidade apresenta ao mundo, e nesse sentido é, sem
sabê-lo, um protótipo da modernidade.
A primeira referência de Lacan à toxicomania data de 1938, em Os
complexos familiares, e trata de uma saída oral como efeito de um traumatismo
psíquico, onde o sujeito tende a reconstruir a harmonia perdida, e esta busca aponta
à assimilação perfeita da totalidade do ser. Enfatiza a resposta do sujeito frente à
experiência de separação, a divisão que o desmame inscreve na existência.
Em Formulações da causalidade psíquica, 1946, encontramos a segunda
referência de Lacan, e novamente se põe em primeiro plano a separação. Segundo
o autor, a intoxicação orgânica pode ser um intento ilusório de resolução para a
questão da discordância primordial entre o eu e o ser. Nesta referência
compreendemos que a decisão da intoxicação só pode ser explicada na relação com
o significante e na ordem da determinação, sem minimizar o desconhecimento que
implica esta resolução.
A terceira referência é encontrada em Subversão do sujeito e a dialética do
desejo no inconsciente freudiano, de 1960. Através da experiência freudiana, Lacan
propõe a noção do sujeito como tal, que põe em tensão com os estados de
conhecimento, que tendem a recuperar a unidade do sujeito perante a constatação
do abismo da divisão. Lacan formula que a experiência do alucinógeno ocupa um
lugar ao lado do entusiasmo platônico e do samadhi21 budista.
Para Freda (1997/2005), estas três primeiras referências constituem um
conjunto muito preciso, definem um tipo de resposta do sujeito perante o
reconhecimento da existência do inconsciente. Sobre a toxicomania, cabe concluir
que a intoxicação em todas as suas formas é uma resposta não sintomática que
tenta anular a divisão do sujeito, a marca de uma posição subjetiva caracterizada
por um “não querer saber nada do inconsciente”. É uma eleição entre a afânise e o
significante, e o sujeito opta pela primeira.

21
Samadhi é para o budismo o estado de controle completo das funções da consciência.
57

As três últimas referências lacanianas se centram em torno de noções acerca


da droga e da toxicomania. Em 1966, no artigo O lugar na psicanálise na medicina,
encontramos a quarta referência. Lacan diz que o destino que o discurso da ciência
reserva para a toxicomania gera uma nova definição desta e do estatuto dos novos
produtos deste mercado, os tranquilizantes e os alucinógenos, ordenando novas
práticas de cuidados aos médicos, como o uso controlado dos tóxicos e uma
dimensão ética que se desdobra em direção ao gozo. Nesta referência, se trata de
um processo de deslocamento do gozo. “A função e o novo estatuto dessas
substâncias fazem com que se tenha modificada a noção de toxicomania: o caráter
policial original se transforma em orientação epistemossomática e redefine a noção
da droga como produto da ciência.22” (FREDA, 1997/2005, p.306).
A quinta referência é retirada de Le non-dupes errent, (1973-1974), onde
surge uma nova era, a partir da clínica dos nós. Lacan faz a equivalência dos três
registros, real, simbólico e imaginário, e assinala o final da concepção do
inconsciente centrada no império do significante. Para que o sujeito siga este
caminho, segundo Lacan, não há necessidade de “haxixe”. “Ainda que em tom de
brincadeira, se faz sentir, se produz, contudo, um esvaziamento de sentido: a droga
não é uma fonte de saber.23” (FREDA, 1997/2005, p.306)
Em um de seus textos apresentados na Escola Freudiana de Paris intitulado
Clôture aux Journées d’Études des Cartels, Lacan trata da relação de angústia com
o descobrimento do pequeno pipi, da relação com a castração. “Daí a fórmula: Tudo
o que permite escapar deste matrimônio é evidentemente bem vindo, o que explica,
por exemplo, o êxito da droga.”24 (FREDA, 1997/2005, p.306). Assim, podemos
supor uma aproximação entre a droga e “o que permite romper o casamento do
sujeito com o pequeno pipi.” (LACAN, 1975-1976a, p.268), que caracterizaria a
função separadora da droga, no sentido de que o toxicômano não se deixa seduzir
pelo gozo fálico, sexual, mas sim pelo gozo absoluto que a droga proporciona. Essa
frase de Lacan constituiu-se como verdadeiro norte na abordagem da toxicomania

22
“La función y el nuevo estatuto de estas sustâncias hacen que se haya modificado la noción de
toxicomania: el carácter policial original se transforma en orientación epistemosomática y redefine la
noción de la droga como producto de la ciência.”
23
“Aunque el tono de broma se hace sentir, se produce, sin embargo, um vaciado del sentido: la
droga no es una fuente de saber.”
24
“De allí la fórmula: todo lo que permite escapar a este matrimonio es evidentemente bienvenido, ló
que explica, por ejemplo, el éxito de la droga.”
58

pela psicanálise. Ao interpretá-la, não definimos a toxicomania, mas sim a questão


da droga e seus usos.
Se a droga é aquilo que permite romper o matrimônio com o falo, é
necessário nos debruçarmos sobre o que Naparstek (2008) chama de momento de
solda, o momento de inscrição do falo. Chamamos atenção para a tese lacaniana do
falo.
No Seminário 23 o autor nos diz que é necessário mais do que um
“pedacinho de pau” para se crer macho. O falo é a conjunção desse pedacinho de
pau com a função da fala. Para que ocorra a inscrição do falo, é preciso “fazer de
um órgão um instrumento” (LACAN, 1975-1976b/2005), fazer com que o órgão
comece a responder à palavra. Neste sentido Lacan concorda com a tese freudiana
da diferenciação de órgão e instrumento, pênis e falo. “A possibilidade de ser um
órgão que tem capacidade de ereção é crucial para que o pênis se ligue ao falo.”
(NAPARSTEK, 2008, p.95).
No Seminário 4, Lacan (1956-1957/1995) indica que o falo é a imagem ereta
do pênis, sendo o falo mais importante por sua ausência que por sua presença. O
complexo de castração tem um papel crucial na inscrição fálica. Quando o sujeito se
encontra na premissa universal de “todos têm o falo”, a castração ainda não está
instalada ali, mas essa premissa é básica para sua instalação. Se a ausência se dá,
a castração se instala enquanto tal. A característica essencial do falo é a de indicar,
em termos simbólicos, sua ausência. A presença e ausência simbólica do falo é
vivida no real da tumescência e detumescência do pênis. Isso também se dá na
articulação com os três registros. Se no Real há um órgão que tenha a alternância
real da detumescência e tumescência, isso se encaixa muito bem imaginariamente
com a alternância simbólica da presença e da ausência (NAPARSTEK, 2008).
O caso do Pequeno Hans ilustra a tese de que o que teria que estar enodado
pelo falo irrompe como real, através da pulsão, e produz angústia. A inscrição do
falo não consegue dar ao pênis real um envoltório, não realiza a fusão, o
enodamento. Assim o sujeito toxicômano pode fazer a tentativa de sair do
“casamento” pela via da passagem ao ato, que não implica metabolizar o gozo e
fazer do órgão algo que lhe faça aceder ao Outro, ao Outro sexo. Por isso não
consegue separar o gozo do seu corpo.
59

De acordo com Naparstek (2008) se o sujeito está casado com seu órgão em
detrimento do Outro sexo, ele faz a fuga do gozo fálico, e pode encontrar dois
caminhos para sair dessa posição: pela via do significante no campo fálico – o que
possibilitaria uma análise – ou pelo caminho do real, como tentativa de se enfrentar
com a pulsão, subtrair-se do órgão quando ele se apresenta como insuportável,
traumático.
A droga tem seu lugar em alguns casos aí, quando o sujeito toxicômano
rejeita o gozo fálico, que é castrado e repleto de falta, para em seu lugar colocar a
droga, que supostamente o aliviaria dessa falta. Lacan (1976a) explica essa
afirmação dizendo que tudo que permite escapar desse casamento é evidentemente
bem vindo, pois ele causa uma angústia, daí a droga como aquela que rompe com o
casamento do sujeito com o falo. Por este motivo o recurso à droga torna tão difícil o
diagnóstico diferencial da toxicomania para a psicanálise, pois esse recurso camufla
a relação do sujeito com o falo.
A droga seria um tipo de resposta a um momento lógico do sujeito, o
momento da castração, da angústia. Ao invés de haver o caminho da formação do
sintoma que faria um laço simbólico - como uma fobia no caso de Hans – o sujeito
faz, como diz Grossi (2000), o curto-circuito – que é o caminho mais rápido - da
droga.
Essa elaboração nos leva diretamente à problematização lacaniana da droga,
pois se a droga é o que permite romper o casamento com o “pequeno-pipi”, é então
o que promove um rompimento do sujeito com o gozo fálico. Ainda que a afirmação
lacaniana seja levada em conta como um norte no estudo das toxicomanias, Miller
(1995) atenta que ela não serve como definição para a toxicomania, mas sim para
definir a droga em seu uso.
É importante ressaltar que o recurso à droga tanto na neurose quanto na
psicose se refere à posição do sujeito com relação ao Outro e ao gozo, mas a
função do objeto droga se difere nas duas estruturas, pois o gozo extraído do objeto
não é o mesmo. Na neurose a droga pode promover uma ruptura com o gozo fálico,
sem que haja a foraclusão do Nome-do-Pai, permitindo ao sujeito experimentar um
novo tipo de gozo, um gozo cínico que rechaça o Outro, que recusa que o próprio
gozo do corpo seja metaforizado. É uma forma de desviar o desejo do Outro, da
castração do Outro, através de um curto-circuito (MILLER,1995). Na psicose a droga
não promove essa ruptura com o gozo fálico, na medida que ela é dada de antemão,
60

pois já existe a foraclusão. É fundamental ressaltar que a direção dada por Lacan a
respeita da ruptura do casamento do sujeito com o pequeno-pipi não permite
abordar o uso da droga na psicose.
Existe então uma diferença entre o uso da droga na neurose e na psicose.
Acerca desta discussão, Laurent (1991) em seu texto Estabilizaciones en las
psicosis, questiona a definição de Lacan de que a droga seria aquilo que permite
romper o matrimônio do sujeito com o falo, para apontar seu uso na psicose, porque
não seria possível localizar a droga como ruptura, uma vez que esta já está dada
estruturalmente. Isto permite pensar que o gozo do psicótico com a droga se faz de
maneira diferente do neurótico. A droga, na psicose, parece exercer uma função
bem específica, a de tratar o gozo sem significação que invade o sujeito.
Santiago (1992), no livro O homem embriagado, ao falar do valor
identificatório do significante na toxicomania, diz que esse significante pode tornar-
se para certos sujeitos, objeto de uma escolha. Ser toxicômano seria um recurso em
face do impasse de uma neurose ou mesmo de uma psicose. Segundo o autor, “o
traço clínico marcante do fenômeno toxicomaníaco traduz-se na tentativa do sujeito
em obter a produção, mais ou menos regulada, de sua separação dos efeitos da
alienação significante.” (SANTIAGO, 1992, p.8).
O real do corpo se situa em torno do gozo fálico. Os toxicômanos esbarram
com o casamento que todo sujeito deve contrair, do gozo fálico com o seu corpo.
Segundo Santiago (1992), o recurso imperioso à droga é apenas um pretexto para
fazer prevalecer a vontade de infidelidade do toxicômano em face dessa
acomodação do gozo fálico, que o incomoda. Como já explicitado, essa
acomodação se dá na verdadeira toxicomania, aquela encontrada na neurose. Na
psicose isto não é pertinente. O sujeito psicótico pode se valer da droga para vários
usos.
Se a tese da ruptura com o gozo fálico não autoriza abordar o uso da droga
na psicose, a teoria dos nós o permite, e explora o uso que este sujeito faz do
objeto. É com o objetivo de ilustrar alguns desses usos que apresentaremos no
capítulo seguinte uma discussão através do modelo borromeano, de casos clínicos
de psicóticos e os usos que cada um faz do objeto droga.
61

4 O SUJEITO PSICÓTICO E OS USOS DO OBJETO DROGA

A toxicomania e a psicose não podem, de maneira alguma, ser situadas no


mesmo nível, pois a adição não pode ser considerada uma estrutura. O que não
quer dizer que as adições não constituam uma categoria para o discurso social.
Carolina Zaffore (2008), no capítulo Toxicomanía y Psicosis, propõe colocar a
prova à teoria de Lacan da droga em relação à psicose, em particular. O
questionamento da autora é se essa perspectiva lacaniana da droga, do rompimento
com o falo, seria válida tanto para o campo da neurose como para o campo das
psicoses. Pois bem, se a toxicomania depende da relação do sujeito com o objeto
droga, esses não formam um grupo homogêneo, portanto não partilham
necessariamente a mesma estrutura. “Um psicótico que se drogue não vai ser, de
modo algum, o mesmo que um neurótico – ainda que consumam a mesma
substância e as mesmas quantidades.”25 (ZAFFORE, 2008, p.94).
Laurent (1994) localiza como a ideia de Lacan, da função do tóxico como o
que permite romper o matrimônio com o falo, não é válida para a psicose, pois a
proposta de Lacan está diretamente ligada à formação de uma ruptura.

Nos casos de psicóticos que consomem, essa ruptura com o Outro não se
verifica. Não se verifica que a droga venha a romper com o falo, a romper
com o Outro, senão o contrário. São encontrados casos onde os psicóticos
consomem, mas mais como um modo de enlaçar-se ao Outro e não de
romper com o Outro. Por excelência, na psicose se vê que não há inscrição
do falo, não há falha senão a ausência da inscrição fálica, a consequência
da ausência do significante do Nome-do-Pai. Na psicose há uma ruptura
26
radical com o falo. (ZAFFORE, 2008, p. 96, tradução nossa)

A citação de Zaffore vem para corroborar a teorização de Laurent (1994), que


sustenta que a droga não pode romper com o falo na psicose, pois a ruptura se dá
de antemão. Na psicose não se requer a droga para que haja uma ruptura, ela é
estrutural e o objeto droga pode vir como uma abertura ao desencadeamento,

25
“Un psicótico que se drogue no va a ser para nada ló mismo que un neurótico – aunque consuman
incluso la misma sustancia y las mismas cantidades.”
26
“ En los casos de psicóticos que consumen, esta ruptura con el Otro no se verifica. No se verifica
que la droga venga a romper con el falo, a romper con el Otro, sino ló contrario. Él há encontrado
casos donde lós psicóticos consumen, pero, más bien, como un modo de enlazarse al Otro y no de
romper con el Otro. Por excelencia, na las psicosis se ve que no hay inscripción del falo, no hay falla
sino ausencia de inscripción fálica, a consecuencia de la ausencia del significante del Nombre del
Padre. En las psicosis hay uma ruptura radical con el falo.”
62

promovendo o acesso a um gozo sem limites, ou como tentativa de remendar essa


ruptura.
Segundo Naparstek (2005), é possível pensar em duas vertentes para o uso
de drogas na psicose. Apesar de assinalar essas duas, o autor deixa claro que
embora sejam frequentemente observadas na clínica, não são únicas ou
inesgotáveis. O psicótico faz uso do objeto droga para tratar os efeitos da invasão do
gozo, mais especificamente para tratar dois modos do retorno desse gozo: a
identificação do gozo no lugar do Outro e o retorno do gozo no próprio corpo.
Existe então, uma via identificatória, onde a droga permite um enlace com o
Outro, no nível imaginário. Essa identificação se dá pelo significante toxicômano,
que de alguma forma estabelece esse laço com o Outro. É uma tentativa de localizar
o gozo no campo do Outro, o que permite apaziguá-lo, assim essa identificação, via
consumo, pode ter função de produzir um enlaçamento.
Para Galante e Naparstek (2008) a outra via se sustenta pelos efeitos
químicos produzidos pela droga. O uso de drogas na psicose, ao invés de produzir
um excesso de gozo, pode também ser uma forma de limitar o gozo que invade o
corpo do sujeito, produzindo, também por esta via, um enlaçamento com o Outro,
mesmo que precário. Como a invasão de gozo não supõe um trabalho simbólico, o
que resta é um “tratamento do real pelo real” (GALANTE E NAPERSTEK, 2008,
p.146) por meio da droga.
Assim, a droga pode ser pensada com relação à suplência psicótica. Em
determinados casos de psicose, a substância tóxica vem para ordenar, o que abre a
perspectiva de um intento de enodar, estabilizar, com todos os perigos que isso traz,
porque, sem dúvida, não é o mesmo uma suplência delirante que a ingestão real de
uma droga (ZAFFORE, 2008).
Se é o falo que permite localizar e regular o gozo, como o psicótico vai regular
ou fazer algo com esse gozo sem o instrumento fálico? Muitas vezes a relação com
uma substância é um intento de regular, sem o falo, o gozo que o invade: “A adição
para um psicótico poderia ser perfeitamente uma resposta, um modo de nomear-se,
um modo de outorgar-se um ser (...) Ser adicto pode ser perfeitamente um modo de
metaforizar o gozo.”27 (ZAFFORE, 2008, p.106, tradução nossa).

27
“La adicción para un psicótico podría ser perfectamente una respuesta, un modo de nombrarse, un
modo de otorgarse un ser(...) Ser adicto puede ser perfectamente un modo de metaforizar el goce.”
63

Para a autora, em alguns casos onde a toxicomania se apresenta na psicose,


podemos pensar no conceito de psicose ordinária, na definição de Miller (2003b).
Assim podemos considerar uma outra vertente, em que a droga se apresenta como
uma suplência química, que mais além de uma moderação do gozo, funciona como
uma “autopreservação do delírio” (BENETI, 1998, p. 219), impedindo o
desencadeamento da psicose.
A clínica com toxicômanos se insere nesse contexto, no sentido de verificar
um diagnóstico, não como a droga, que tampona a estrutura, mas nos levando a
poder localizar um diagnóstico nesta vertente da ampliação do campo da psicose.
Assim surge a elaboração de uma clínica dos “enganches y desenganches del Otro”,
para poder diferenciar a ideia de um desencadeamento, de um antes e um depois. A
questão seria perguntar-se, caso a caso, que modos tem cada sujeito de reenlaçar-
se ao Outro.

4.1 Os usos do objeto droga na psicose: Uma teorização borromeana

Schjetman, no prólogo do livro de Nieves Soria Dafunchio, “Confines de las


Psicosis” (2008), aponta que frente à nossa modernidade líquida se faz decisivo
retomar a orientação de Lacan, que não vacilou em fazer a clínica da psicanálise a
partir de um apoio real. “A gradual mas firme incorporação do nó na última parte de
seu ensino encontra nele, nos parece, sua razão mais relevante.”28 (SCHJETMAN in
DAFUNCHIO, 2008, prólogo, tradução nossa).
Seguindo Freud, assim como o sintoma obsessivo não é o sintoma da
histérica, o nó da histeria não é o nó da obsessão. E mais drasticamente, o nó do
neurótico não é o nó do psicótico.
Em seu livro, Dafunchio faz uma escritura nodal das diversas formas clínicas
da psicose. Ao abordarmos a questão da droga como parte da cena da psicose,
vamos nos deter em questões mais além da estrutura psicopatológica. Cada sujeito
vai fazer um uso particular do objeto droga, que não se reduz a uma suplência ou ao
desencadeamento. O intento neste trabalho é representar o enodamento próprio de
cada sujeito, através dos relatos clínicos escolhidos, com o objetivo de promover o
uso da escritura nodal para fazer avançar a clínica da psicanálise. Se a clínica

28
“La gradual pero firme incorporación del nudo en la última parte de su enseñanza encuentra en ello,
nos parece, su razón más relevante.
64

psicanalítica não consiste unicamente em interrogar a psicanálise, mas sobretudo


interrogar os psicanalistas para que, de sua prática, declarem suas razões, lançamo-
nos no desafio de seguir o mesmo caminho que Freud e Lacan.

4.2 O lugar do caso clínico na pesquisa em psicanálise

Localizar o procedimento de pesquisa em psicanálise no discurso científico


foi, em princípio, tarefa árdua para os pesquisadores pois “o mundo acadêmico
costuma ignorar que a práxis da psicanálise implica um certo savoir-faire , julgando-
a uma prática intuitiva, cujos efeitos poderiam ser atribuídos apenas a uma
inspiração artística ou literária.” (PINTO, 2001, p. 78).
A psicanálise é e deve ser considerada um método de pesquisa, e não se
restringe à teoria ou a uma prática terapêutica. Para o autor, é o manejo da
transferência que sustenta o percurso do analisante diante da causa e essa é a
postura científica trazida pelo método da psicanálise, além de ser sua baliza ética. É
isso que faz com que a psicanálise se configure como uma disciplina especial do
campo científico, pois faz incidir o sujeito da enunciação dentro do saber que,
inevitavelmente, o exclui como singularidade (PINTO, 2001).
A vocação científica da psicanálise é formalizada pelo discurso do analista, ou
seja, a partir da instalação da causa do desejo como agente de um laço social que
produz um significante mestre. Pinto (2001) utiliza os argumentos de Lacan para
evidenciar essa vocação científica: a afirmação de que a psicanálise está
internamente condicionada pelo discurso da ciência e, por isso mesmo, opera sobre
um sujeito instituído pela ciência moderna. É esse sujeito que estrutura a
experiência analítica e confere a ela a sua cientificidade. Assim, a psicanálise
assume a postura científica mais radical da ciência moderna, a proposição do
inconsciente como objeto de estudo científico.
O procedimento metodológico do estudo de caso surgiu no campo da
antropologia cultural e posteriormente foi importado por outros campos da ciência,
como a sociologia, a medicina e a psicologia. Por se sustentar em fragmentos de
casos clínicos articulados com a escrita do pesquisador ou analista, tende à
incompletude. “Ele não pretende esgotar a história do sujeito, nem tampouco as
explicações acerca do caso clínico, mas ser testemunho de uma mudança de
65

posição do sujeito em relação ao desejo e ao gozo.” (CASTRO, 2010, p.27). Assim o


estudo de caso pode tanto confirmar o universal da teoria, quanto a exceção a ela.
O uso do caso clínico como objeto de estudo na psicanálise é utilizado
inicialmente por Freud em suas monografias clínicas. Segundo Vorcaro (2010), a
escassez de recomendações técnicas é imanente ao método psicanalítico, pois não
corre o risco de reduzi-lo à técnica, o que o tornaria passível de aplicabilidade.

A preservação de manifestações do inconsciente nas monografias de Freud


testemunha sua incidência mesmo quando tal registro ultrapassa a condição
de abordá-lo ou quando dissipa sua opacidade. Essa característica intima a
responsabilização do analista quanto ao seu ato e à transmissão de sua
prática clínica, obrigando cada analista, em cada caso, a recriar o método,
constituindo um estilo. (VORCARO, 2010, p.11).

Freud foi o responsável por decantar a clínica e transmitir o caso através dela.
O caso clínico não se limita ao paciente, mas refere-se ao encontro que a clínica
promove.
Os casos clínicos podem estar presentes em uma pesquisa como exemplo ou
problema. São escolhidos pelo autor de uma pesquisa como método e sua aceitação
é justificada além da exemplificação quando assumem um conjunto suficiente do
que Vorcaro apud Kuhn (2010) chama de “exemplos tipo” que podem modelar sobre
eles sua pesquisa ulterior, sem precisar haver acordo sobre o conjunto das
características que fazem deles exemplos tipo.
As monografias clínicas de Freud constituem por si só um método científico e
essa afirmação é explicitada por Allouch (1995) por meio de três justificativas: O
caso histórico delimita um campo cujo método não cessa de se significar na
abordagem do caso; O caso provoca uma transmissão feita do exercício subjetivo
que o ato de relatar o caso faz valer, o método é o relato do caso; O caso aparta o
saber adquirido de casos precedentes, inscrevendo o que há de traço propriamente
metódico, o saber adquirido, em vez de ser aplicado, deve ser recusado. Esta última
nos leva diretamente à especificidade de cada caso clínico, do mesmo modo como
utilizaremos o caso clínico para indicar a especificidade do papel da droga na
história clínica de cada sujeito.
Se a maior preocupação no estudo de caso é a objetividade e a empiria, no
caso da pesquisa psicanalítica essa preocupação deve ser relativizada, afinal Lacan
(1960-1961/1992) no Seminário 8 nos diz que o objeto da psicanálise não é
66

objativável, mas objetalizável, é insólito e, como tal, traz a marca de um lugar vazio
que faz existir o sujeito. Podemos encontrar a continuação do pensamento de Lacan
acerca da distinção entre objetividade e objetalidade no Seminário 10 (1962-
1963/2005). É devido a essa distinção que a empiria do estudo de caso em
psicanálise não deve ser usada somente para confirmar ou refutar a teoria, mas para
fazê-la evoluir. Para Castro (2010), é nessa conexão que o psicanalista pesquisador
pode fazer do estudo de caso algo além de uma metodologia usual de pesquisa.
“Para problematizar o lugar do caso clínico na pesquisa em psicanálise, é
preciso considerar que a importância do caso clínico é a de permitir recolher nele,
inicialmente, a função da literalidade do escrito.” (VORCARO, 2010, p.14). A
utilização do caso clínico em uma pesquisa produz interrogações não só relativas à
operacionalidade da psicanálise para o tema escolhido, mas também para o sujeito
ao qual a clínica se dirige.
O que faz do caso clínico um método de problematização dentro da
psicanálise é a função de transbordar o saber adquirido com os ensinamentos do
caso, tornando-o capaz de ultrapassar o que já foi explicitado pela teoria
psicanalítica.

A interposição da atividade de escrita situa o Outro do escritor: o sujeito,


suposto saber a quem este se remete. E nessa dobradiça em que se
identifica, num só tempo, o clínico e o pesquisador, interessa localizar, nos
traços depositados da escrita literal, como o pesquisador ultrapassa sua
transcrição. Afinal, um saber se deposita em seu escrito, a despeito da
consciência do autor. É o que permite ao pesquisador, ao retornar outras
vezes mais sobre a transcrição feita do caso, situar propriamente o que o
caso fisga de interesse investigativo. (VORCARO, 2010, p.15).

Se cabe ao autor da pesquisa situar no caso clínico o que ele suscita de


interesse investigativo, é também igualmente importante que ele não se restrinja a
confirmar afirmações teóricas já feitas, pois assim o caso se torna uma mera
exemplificação, fugindo do que é mais essencial à psicanálise: a investigação.
A utilização do caso clínico em psicanálise também nos leva a problematizar
algumas situações. O próprio Freud (1912/1980) recomendou ao psicanalista que
não ansiasse escrever e publicar apressadamente estudos de casos clínicos:

Casos que são dedicados, desde o princípio, a propósitos científicos, e


assim tratados, sofrem em seus resultados; enquanto os casos mais bem
sucedidos são aqueles em que se avança, por assim dizer, sem qualquer
intuito em vista, em que se permite ser tomado de surpresa por qualquer
67

nova reviravolta neles, e sempre se os enfrenta com liberalidade, sem


quaisquer pressuposições. A conduta correta para um analista reside em
oscilar, de acordo com a necessidade, de uma atitude mental para outra,
em evitar especulação ou meditação sobre os casos, enquanto eles estão
em análise, e em somente submeter o material obtido a um processo
sintético de pensamento após a análise ter sido concluída. (FREUD,
1912/1980, p.152-153).

A escrita do caso deve então ser feita após o término da análise do sujeito,
pelo risco da busca de reconhecimento científico funcionar para o analista como
uma resistência à cura. A função da escrita na clínica psicanalítica é interrogar o que
ela tem de imaginário e de aleatório com o objetivo de transmitir o singular do sujeito
e do ato psicanalítico.
Castro (2010) aponta que essa recomendação freudiana indica a existência
de uma tensão entre a condução do tratamento e a pesquisa científica. O tratamento
psicanalítico é praticado a partir do método da associação livre, o mais
desprendidamente possível das resistências do eu. Já o estudo de caso é marcado
pela escrita e se enquadra na maior parte das vezes no discurso científico-
universitário.
O caso clínico cobra da psicanálise duas funções caras, a função da
literalidade do escrito e a função de exponenciar o saber adquirido com os
ensinamentos do caso, tornando-o um problematizador da carga imaginária presente
na generalização teórica da doutrina psicanalítica (VORCARO, 2010). Se tal função
é cara à psicanálise, ela se justifica, pois só na literalidade da narrativa escrita do
caso podemos reconhecer o que há de singular na clínica. O método clínico torna-se
tributário da consideração de cada caso como constituindo um método próprio de
inscrição do sujeito no laço social.
A utilização do caso clínico para o psicanalista pesquisador se desdobra na
possibilidade de ir além da corroboração em direção à investigação. Se é no estilo
da escrita que o psicanalista pesquisador tem chance de dar cor ao caso clínico
(CASTRO, 2010), é no estilo da escrita lacaniana dos nós que daremos nossa cor
aos casos relatados na literatura.
68

4.2.1 Caso clínico: O lapso do sujeito, entre o significante e a droga

No livro Psicóticos e Adolescentes: por que se drogam tanto? Machado


(2000) faz o relato de um caso de uso de drogas por um sujeito psicótico. O caso
clínico relata a história de Ricardo, um paciente do Centro Mineiro de Toxicomania
(CMT), e é através dele, entre outros, que faremos a tentativa de desnudar uma das
funções do objeto droga na psicose.
Ricardo tem o diagnóstico de psicose. Em certo momento de sua vida
conhece Paulo, de quem se torna amigo. Paulo representava para Ricardo a figura
de um líder, e ele o descrevia como “muito carismático”, “meio psicólogo”. Segundo
relato do caso, o desencadeamento de sua psicose se dá no encontro com Paulo,
que o apresenta para as drogas e para o livro A arte de amar. A partir daí surgem os
fenômenos elementares, Ricardo dá uma significação delirante ao significante “a
arte de amar”: o mundo se divide em um jogo entre o bem e o mal. O lapso do
registro imaginário se dá pelo encontro com a droga, juntamente com o significante
“a arte de amar”. A droga representa para o sujeito, assim como Paulo e seu
significante a possibilidade de um gozo que não passe pela via do falo, e, devido à
sua estrutura psicótica, isso se dá sem limites, promovendo o encontro do sujeito
com o Outro gozador, não barrado.
Ricardo começa a se perceber como cobaia do grupo, o que pode ser
explicado pelo desenlace do imaginário, e se vê como objeto do gozo do Outro.
Paulo representa para o sujeito esse Outro onipotente, que goza abusivamente dele.
Assim começa sua construção delirante. Através do significante “a arte de amar” –
cuja história apresenta um sádico que mandava e um masoquista que era explorado
e humilhado –, sente-se ameaçado por Paulo, por esse Outro completo e autoritário.
“Começa a pensar que Paulo traria a sua desgraça e a de toda a sua família.”
(MACHADO, 2000). Este é o primeiro momento de sua construção delirante, onde “a
luta entre o bem e o mal” (MACHADO, 2000) permeia todas as suas relações de
significação.
Ricardo encontra uma estabilização através da metáfora delirante, em um
segundo momento da construção de seu delírio. Segundo o relato do caso, a
estabilização do paciente “se deu de maneira solitária, sem a ajuda de profissionais
ou medicamentos.” (MACHADO, 2000). Se em um primeiro momento da sua
construção delirante o mundo era dividido entre o bem e o mal, nesse segundo
69

momento Ricardo se diz curado por um “milagre”. Nas suas significações, na luta
entre o bem e o mal, o bem triunfa na figura de um Deus que o curou: “(...) Deus
entrou na minha barriga e atingiu minha consciência, me curou.” (MACHADO, 2000).
A partir da metáfora delirante o paciente consegue uma estabilização pela via
do significante, faz uma espécie de remendo na malha significante onde havia um
furo, produzido pelo desencadeamento, quando alcança uma estabilização entre o
significante “a arte de amar”, que o desestabilizou, e o significado do “Deus que
cura”, do delírio. A metáfora delirante funciona para esse sujeito como algo que
amarra novamente o registro Imaginário aos outros dois, o Simbólico e o Real.

4.2.1.1 O nó de Ricardo: Um estudo borromeano

1º momento: O lapso se dá pelo encontro com a droga, juntamente com o


significante “a arte de amar”. O registro imaginário se solta e há uma interpenetração
entre o simbólico e o real:

FIGURA 9 - O momento do lapso de Ricardo

Fonte: Elaborada pelo autor


70

2º momento: Manifestação dos fenômenos elementares da psicose. Em um


primeiro momento do delírio se vê como objeto de gozo do Outro. A falta de
significações decorrente da queda do imaginário retorna no real:

FIGURA 10 - Manifestação do delírio

Fonte: Elaborada pelo autor

3º momento: Através da metáfora delirante faz uma suplência pela via do


significante:
FIGURA 11 - A suplência pela via da metáfora delirante

Fonte: Elaborada pelo autor


71

4.2.2 Caso clínico: A droga como substituto da função do gozo fálico

Antônio Beneti, no capítulo Toxicomania e Suplência do livro O brilho da in-


felicidade, levanta a hipótese de que a toxicomania pode se constituir como uma
solução psicótica contemporânea, uma “suplência química”, uma verdadeira
estabilização pela droga para o mal-estar decorrente, no sujeito psicótico, do gozo
do Outro. “O uso de drogas pelo psicótico estaria colocado em muitos casos como
uma ‘auto-prevenção’ ao delírio, impedindo seu desencadeamento.” (BENETI, 1998,
p.219). Segundo o autor, mais do que uma simples moderação de gozo, o uso do
objeto droga na psicose pode se localizar no nível de uma suplência estabilizadora,
mesmo que mortífera para o indivíduo.
Laurent (1994) diz que a definição que Lacan nos dá do objeto droga, como o
que permite romper o matrimônio do sujeito com o falo, coloca em questão a própria
teoria lacaniana dos gozos. Lacan abre a possibilidade de que outras soluções que
não a metáfora delirante possam ser encontradas ou construídas pelos sujeitos
psicóticos, quando acrescenta à solução de Schreber a passagem ao ato e a obra
como moderadores de gozo estabilizantes.
Para Beneti, a droga tem essa função de moderar, apaziguar o gozo na
psicose “no sentido de um ‘auto drogar-se’ em busca de um alívio afetivo ao
sofrimento decorrente desse gozo do Outro.” (BENETI, 1998, p. 223). Ainda
segundo o autor essas soluções decorrem do Outro da lei, que fazem com que o
psicótico esteja à mercê do Outro do significante, como objeto de gozo desse Outro.
Beneti propõe ainda, em consonância com o que é discutido neste trabalho,
pensar a droga na teoria dos nós para o sujeito psicótico como sendo o quarto
termo, assim o nó de um psicótico usuário de drogas teria no primeiro termo
(Simbólico), o significante S¹; no segundo termo (Real), os efeitos de fato ao nível do
corpo biológico; no terceiro termo (Imaginário), os efeitos supostos a partir da droga
como objeto causa de gozo, suposto-saber-fazer-gozar; e o quarto termo seria,
segundo o autor, a suplência toxicomaníaca. Para o autor, esta suplência funcionaria
como uma auto-prevenção ao delírio, equivalente à solução sinthomática proposta
por Lacan.
Depois de todo o trabalho explicitado acima podemos concluir que a droga
pode entrar para moderar esse gozo que invade o sujeito psicótico - esse gozo do
Outro, que foge da significação fálica – tornando-se a causa de gozo desse sujeito,
72

colocando-se no lugar desse Outro como suplente, e fazendo-se um dos Nomes-do-


Pai. Isso possibilita que o sujeito se signifique perante o mundo como um
toxicômano, encontrando uma maneira de ex-sistir fora da norma fálica, solução esta
mortífera e avassaladora para o sujeito.
Uma tentativa de ilustrar o que acaba de ser dito pode ser feita pelo Caso
Alberto, apresentado por Bahia (2000) no livro Psicóticos e Adolescentes: por que se
drogam tanto?, onde as drogas parecem ter uma função de estabilização para o
sujeito.
Alberto tem o diagnóstico de esquizofrenia. Até os 12 anos vivia em uma
família dita perfeita, quando descobre a infidelidade do pai. No momento dessa
descoberta, a palavra do pai se mostra frágil e sem valor, não sustenta mais nada.
Alberto então demonstra ódio pelo pai e se identifica com a dor da mãe, mostrando-
se silencioso e triste. A tentativa de identificar-se imaginariamente com a mãe,
através de uma relação especular, tem o intuito de tentar cobrir o furo deixado
estruturalmente pelo Nome-do-Pai e, em seguida, por seu próprio pai. Identificação
esta que não se faz possível, pois a mãe “(...) está às voltas com sua dor ou, num
outro momento, longe dos filhos, que deixara ao se mudar com o pai para outra
cidade” (BAHIA, 2000).
Alberto então procura outros relacionamentos sociais e inicia o uso de drogas,
maconha e cocaína, principalmente. Mostra-se taciturno, não toma banho e não se
alimenta, fala em matar a mãe e se matar. Poderíamos supor que com o fracasso da
tentativa de identificação com a mãe, o sujeito recorre à droga como uma tentativa
de atravessamento do plano do espelho.
Já aos 23 anos, em sua primeira entrevista no Centro Mineiro de
Toxicomania, CMT, quase não consegue falar, as palavras saem arrastadas e os
significantes não fluem (BAHIA, 2000). A falta de significações decorrente da queda
do imaginário retorna no real, através da indiferença afetiva e das alterações do
curso do pensamento. Fica então internado por 15 dias e é medicado com
antipsicóticos, tornando-se mais comunicativo e retomando contato telefônico com
familiares e amigos antigos. Faz elaborações influenciadas pelas reuniões em grupo
de usuários e palestras sobre drogas e credita a causa de seus problemas ao uso.
“Procura compreender isso, fazer ligações entre o uso de drogas e os problemas da
adolescência – a droga como fuga” (BAHIA, 2000).
73

Faz uma construção significante, com a “ideia de tirar o atraso”, de retomar


suas atividades cotidianas normais. Tentativa de uma construção simbólica para se
haver com a vida adulta, ou para reparar a ferida narcísica pela via do simbólico.
Tentativas essas que fracassam, pois ao modo fálico não é possível que Alberto a
faça, devido à foraclusão do Nome-do-Pai. Não dá continuidade ao curso de violão,
ao pré-vestibular, à ginástica na academia. Não consegue encontrar um lugar na
relação com o semelhante, sair da instabilidade imaginária. Falham as tentativas de
apropriação de um simbólico que não seja através da droga, como as aulas de
violão ou o curso pré-vestibular, e a de um tratamento do corpo imaginário, como a
ginástica na academia. Alberto então continua com o uso de drogas e interrompe o
tratamento.
“O lugar que as drogas ocupam, nesse caso, é importante; e sua importância
é dada pelo próprio sujeito, que passou a maior parte da sua juventude sob o efeito
delas.” (Grossi, 2000). Alberto não consegue interromper o uso de drogas, pois ela
funciona para ele como a ilusão momentânea de recuperação da estabilidade
imaginária perdida, na impossibilidade de uma construção delirante ou outro objeto
que faça novamente a amarração de seus registros.
O caso de Alberto nos mostra que a formulação de Lacan sobre a ruptura do
casamento do sujeito com o gozo fálico não é por si só suficiente para o uso que o
psicótico faz da droga. Demonstra a necessidade de nos interrogarmos sobre o uso
que o sujeito faz desse objeto pra entender sua relação com o Outro.

4.2.2.1 O nó de Alberto: Um estudo borromeano

1º momento: O lapso se dá pela palavra do pai, que não mais sustenta o


sujeito. O registro imaginário se solta e há uma interpenetração entre o simbólico e o
real:
74

FIGURA 12: O lapso promovido pela queda do pai ideal

Fonte: Elaborada pelo autor

2º momento: Manifestação dos sintomas da psicose: indiferença afetiva e


alterações do curso do pensamento:

FIGURA 13 - Manifestação dos sintomas da psicose

Fonte: Elaborada pelo autor


75

3º momento: A identificação com o sofrimento da mãe e o ódio pelo pai


emergem no espaço do Imaginário que se solta do Simbólico:

FIGURA 14 - A identificação do sujeito emerge no espaço entre o Simbólico e o


Imaginário

Fonte: Elaborada pelo autor

4º momento: Alberto encontra na droga um substituto da função do gozo


fálico. Assim ela funciona como um remendo imaginário, possibilitando, ainda que
precariamente, a recuperação do tempo perdido, que ele deseja em sua construção
significante:

FIGURA15 - A droga como substituto da função do gozo fálico

Fonte: Elaborada pelo autor


76

4.2.3 Caso clínico: Uma estabilização precária através do objeto droga

Nicolas Bousoño (2009), no livro Introducción a la clínica con toxicomanias y


alcoholismo II, discorre sobre a função do tóxico em um caso de psicose. Relata o
caso de Miguel, um paciente com diagnóstico de psicose que encontra uma
estabilização precária na relação com a função que tem para ele o consumo de
drogas.
Miguel inicia o curso de sua doença internado em instituições psiquiátricas,
com alucinações auditivas, que na época são atribuídas pelos médicos ao uso de
cocaína. Tinha dificuldade de aceitar o uso de medicações psiquiátricas, pois,
segundo relato, não podia caminhar ou falar, elas “lhe atacavam os nervos”, “eram
como a morte” (sic), mas as aceita depois de alguma resistência. Segundo Bousoño
(2009), chega ao tratamento verborrágico e confuso, dizendo-se sem recursos,
“isolado do que foi ou do que poderia ser” (sic). Justifica tais sentimentos como
causa da separação de sua mulher, D. Neste contexto é internado logo após tentar
agressivamente obter uma resposta de D. sobre a separação. Essa internação o
surpreende e assusta, e é a partir desse episódio que começa a frequentar
regularmente suas entrevistas com o psicanalista. Esta internação põe fim a um
tempo que Miguel descreve como de “verdadeiro descontrole”.
Durante o tratamento, o psicanalista localiza o início do delírio do paciente.
Um dia estava dormindo com sua esposa e desperta com a certeza de que lhe
tinham esmagado um testículo. Não sabe dizer quem o fez ou como isso ocorreu,
mas suspeita que sua ex-mulher tenha algo com o assunto. O delírio então se
desenvolve e Miguel se dá conta de que nunca havia vivido só, que escutava vozes
desde os 25/26 anos de idade. Tem a percepção delirante de que tudo o que vive
“sabem em algum lugar” e desconfia viver em uma realidade falsa. Acreditava ser
capaz de prever desastres, por isso se sentia culpado e o torturava pensar como
podia dar utilidade ao que ele acreditava ser um dom. “Essa inquietude o levou a
estudar computação para tratar de entender como lhe transmitiam a informação,
77

supondo ter algum tipo de aparato eletrônico instalado em sua cabeça.29” (Bousoño,
2009, p.79, tradução nossa).
Relata o autor que durante muito tempo Miguel dependia dos movimentos de
D., achando que poderia retornar ao convívio familiar. Como D. lhe cobrava
constantemente a pensão de seus filhos, as preocupações por sua situação
econômica e por sua realização pessoal foram ganhando protagonismo, no lugar da
busca por uma resposta. Assim inicia sua estabilização, começa a delimitar a
questão do tratamento, que se converte em um lugar onde deposita e dialetiza o que
constrói. Verifica sua potência sexual em outras relações e reduz a dimensão desse
dano a uma ameaça com a qual agora consegue conviver e não o assusta como
antes.
A princípio, seu consumo de álcool é regular e frequente, ainda que moderado
e consome cocaína esporadicamente. Esses consumos constituem uma parte
importante de seus conflitos com as mulheres que o cercam, sua mãe, sua ex-
mulher e sua atual parceira. Em certa ocasião retoma descontroladamente o
consumo de álcool e cocaína, retornando ao “verdadeiro descontrole”. Aceita com
dificuldade o retorno do uso da medicação quando verifica que ela não mais provoca
o mesmo efeito de antes.
Recorda que inicia o uso de drogas na adolescência, logo quando uma
namorada termina com ele por outro homem que consumia substâncias tóxicas. Em
uma tentativa de recuperar sua masculinidade, recorre às drogas para tentar
responder virilmente ao rompimento. A droga neste primeiro momento funciona para
o sujeito como uma tentativa de substituição do acesso ao gozo fálico que não podia
ter, dada a foraclusão do Nome-do-Pai, fornecendo a ele uma identificação viril.
“Durante os anos que se seguem à sua separação, o consumo de tóxicos de
Miguel passou por diferentes etapas com relação à intensidade, mas a função que
ele dá a esse consumo mantém uma regularidade.”30 (BOUSOÑO, 2009, p.81,
tradução nossa). Utiliza a droga em saídas com os amigos, que diz escolher para
seu deleite, e elas têm para ele uma função social, ou de deixá-lo mais desperto no

29
“Esta inquietud lo llevó a ponerse a estudiar computación para tratar de entender cómo le
transmitían la información, suponiendo que tenia algum tipo de aparato eletrónico instalado en su
cabeza.”
30
“Durante lós años que siguen a su separación, el consumo de tóxicos de Miguel pasó por diferentes
etapas en relación a la intensidad, pero la función que el da a ese consumo mantiene uma
regularidad.”
78

trabalho. Verbaliza que sem o consumo não encontra sequer um pouco de prazer
que sente merecer, e necessita dele para não se sentir abatido.
Miguel dá uma função social ao consumo das drogas e encontra nelas uma
estabilização precária de sua psicose. O uso de drogas parece cessar o delírio, onde
não conseguiu uma metaforização. Se o trabalho do delírio, a metáfora delirante não
lhe foi viável, utiliza-se do objeto droga para fazer uma amarração, ainda que
precária, de seus registros e enlaçá-los novamente.

4.2.3.1 O nó de Miguel: um estudo borromeano

1º momento: Miguel chega à internação confuso e sem recursos, após a


separação da mulher. A identificação viril que ele consegue através da droga se
desfaz com a vigência da separação. O registro imaginário se solta e há uma
interpenetração entre o simbólico e o real:

FIGURA 16 - Lapso pela queda da identificação viril

Fonte: Elaborada pelo autor

2º momento: Manifestação dos fenômenos elementares. O autor localiza o


surgimento de alucinações auditivas coincidentes com a primeira internação de
79

Miguel em instituição psiquiátrica. A certeza de que seus testículos teriam sido


esmagados, quando desperta de uma noite em que dormia com a mulher, revela a
queda da identificação com a virilidade e questiona o sujeito em sua posição de
homem:

FIGURA 17 - Surgimento das alucinações auditivas e do delírio

Fonte: Elaborada pelo auto

3º momento: Delírio e tentativa de reconstrução pela metáfora delirante. O


delírio se desenvolve, mas não chega a metaforizar e não consegue apaziguar o
gozo sem limites do sujeito:

FIGURA 18 - Tentativa de reconstrução pela via do delírio

Fonte: Elaborada pelo autor


80

4º momento: Início da estabilização. Miguel começa a delimitar a questão do


tratamento e verifica sua potência sexual:

FIGURA 19 - Início da estabilização

Fonte: Elaborada pelo autor

5º momento: Consegue uma estabilização precária na relação que tem para o


sujeito o consumo da droga. Miguel é capaz de localizar o uso da substância e
significar sua relação com o objeto. A droga funciona como um estabilizador, ainda
que precário, que permite ao sujeito retomar suas funções sociais:

FIGURA 20 - A droga como um estabilizador precário

Fonte: Elaborada pelo auto


81

4.2.4 Caso clínico: uma tentativa de estabilização pela via da droga

Na 1ª Jornada do Centro Mineiro de Toxicomania, 1988, Raquel Martins


Pinheiro relata um caso de psicose relacionada à toxicomania. Utilizaremos este
caso no intento de ilustrar o uso de drogas, que funciona para o sujeito como uma
tentativa de estabilização mal sucedida. Armando chega ao CMT encaminhado por
um hospital psiquiátrico devido ao uso de drogas, com o diagnóstico de psicose.
Teve sua primeira internação aos 15 anos de idade e apresenta os fenômenos
elementares da psicose, fica várias horas parado, olhando para o nada. Faz uso de
drogas com sua companheira e durante o tratamento tem momentos de crise, onde
o consumo aumenta.
Pinheiro (1988) menciona que durante o tratamento foi proposto a Armando a
realização de uma atividade e ele escolhe desenhar. Produz mais de 200 desenhos
neste percurso e, em um dado momento, consegue interromper o uso de
medicamentos e não mais volta a se internar. Depois de desenhar, Armando sempre
falava sobre assuntos de seu cotidiano, principalmente da droga, e a relacionava
com a sexualidade: “tenho medo de ficar homossexual por causa da droga”,
relacionava “vacilo no sexo” com o “vacilo de ser pego com a droga” (sic). Segundo
a autora, a droga entra nesse momento em articulação com a sexualidade “no lugar
do saber que, segundo ele, deveria ser passado pelo pai.” (PINHEIRO, 1988, s/p).
Se a droga pode ser pensada nesse caso como uma tentativa de suplência, a
articulação com o “saber” faltoso do pai se faz conveniente, uma vez que pode ser
indício de uma tentativa do sujeito de suprir o Nome-do-Pai foracluído e amarrar
novamente seus registros.
Armando segue, então, desenhando, e Pinheiro se questiona sobre a função
que teriam esses desenhos para o sujeito, assim como a escrita: poderiam ter a
função de uma suplência que estabiliza o delírio. Aponta que nas últimas sessões
Armando não desenhou, mas falou.
Diante dos questionamentos da autora, podemos pensar que as drogas foram
para o sujeito uma tentativa fracassada de suplência e os desenhos ocuparam esse
lugar. Ao parar com o uso de drogas, Armando consegue dar um limite ao seu gozo
através do desenho, e quando este cumpre sua função de suplência, ele fala.
82

4.2.4.1 O nó de Armando: um estudo borromeano

1º momento: O registro imaginário se solta e há uma interpenetração entre o


simbólico e o real. A autora não localiza o momento do desencadeamento, mas
devido ao diagnóstico de psicose podemos representar o lapso do nó característico
da estrutura:

FIGURA 21 - O lapso de Armando

Fonte: Elaborada pelo autor

2º momento: Irrupção dos fenômenos elementares. Tem crises durante o


tratamento: “ficava horas parado, olhando para o nada”:
83

FIGURA 22 - Irrupção dos fenômenos elementares

Fonte: Elaborada pelo autor

3º momento: A droga como tentativa de estabilização. Em uma articulação


com o saber faltoso do pai, indica uma tentativa do sujeito de suprir o Nome-do-Pai e
amarrar novamente os registros:

FIGURA 23 - Tentativa de estabilização pela via da droga

Fonte: Elaborada pelo autor


84

4º momento: O desenho faz suplência do Nome-do-Pai foracluído. Ao parar


com o uso das drogas, Armando consegue dar um limite ao seu gozo através do
desenho, que assume assim uma função de suplência:

FIGURA 24 - O desenho como suplência

Fonte: Elaborada pelo autor

4.2.5 Caso clínico: Os muros da linguagem, um caso de psicose associado ao


uso de drogas

No livro Sujeto, goce y modernidad: Fundamentos de la clínica, 1995, Viviana


Fanés apresenta um caso clínico de psicose associada ao uso de drogas e álcool. O
sujeito que chamaremos de Pr, tem o diagnóstico de psicose e apresenta duas
internações em sua história clínica. Na primeira apresenta síndrome maníaca, e na
segunda, idéias paranóides e de autorreferência.
Pr é um estrangeiro que se radicou em Buenos Aires e lá inicia seu
atendimento com a psicanalista. Marca como motivo de sua enfermidade a
dificuldade de se adaptar ao idioma. Esclarece que fala e lê três idiomas desde
criança, mas aprender o castelhano, em especial o lunfardo – espécie de linguagem
dos guetos – lhe é um sacrifício, o que o deixa fora dos intercâmbios sociais.
Segundo Fanés (1995), Pr faz uso de anfetamina e álcool, e utiliza essa via
para marcar todas as suas entradas nos grupos sociais com que se conecta: faz uso
de anfetamina na universidade, de vinho com os amigos e de cuba libre nos
85

cabarés. Destaca também que o sujeito dá um significante especial às anfetaminas,


que chama de “antifetaminas”: davam-lhe força, deixavam-no acordado, sem apetite
e o faziam sentir mais viril, com ela podia aceder às mulheres.
Em meio ao tratamento, Pr consegue localizar o surgimento de seu delírio.
Relata ouvir vozes em seu idioma materno que lhe diziam ser o “homem eleito”. Era
vigiado por uma estrela artificial, que por meio de raios eletromagnéticos causavam
efeitos em seu corpo. “Esta estrela era emanada por um Organismo especial
chamado ‘O Heptágono’, através do qual se informavam de todos os seus
movimentos.”31 (FANÉS, 1995, p.113).
O aumento de seu consumo de anfetamina e álcool está sempre relacionado
com a saída de suas internações. Com a saída das instituições, aumenta o consumo
de pastilhas de anfetamina, o que faz aparecer sérias dificuldades para dormir e o
levam a aumentar o consumo de álcool.
A psicanalista consegue localizar outro episódio delirante na história do
sujeito. Após se envolver com uma bailarina e com marinheiros em um episódio de
contrabando, a bailarina é assassinada. Pr tem temores de ser culpabilizado pelo
assassinato por uma polícia secreta. Essa situação se torna intolerável e ele passa
ao ato, protagonizando em um bar uma briga que o leva ao encarceramento. Só
assim se tranquiliza. A passagem ao ato é, segundo a autora, um intento de
estabilização efêmero. Quando interrogado pelo policial, Pr tira um frasco de
anfetamina do bolso, “o que conduz o oficial a reproduzir – sem saber – as vozes
que o atormentavam, acusando-o de drogadito e recordando-lhe que ‘há uma polícia
civil que o vigia!’. É este o momento de sua segunda internação, que gira em torno
da ideia: ‘o selo do passaporte’.”32 (FANÉS, 1995, p.114, tradução nossa).
Pr recorda que, ao sair de seu país, colocam em seu passaporte um selo que
diz “Paso Stalen”, que traduz como passe permanente. Localiza que no momento de
sua descompensação pensou que por homofonia poderiam ler como “Paso Stalin” e
esta marca que o designa como o “homem eleito”.

31
“Esta estrella era comandada por un Organismo especial llamado ‘el Heptágono’ a través del cual
se informaban de todos sus movimientos.”
32
“lo que conduce al oficial a reproducir – sin saberlo- las voces que lo atormentaban, acusándolo de
drogadicto y recordándole que ‘hay policía civil que te vigila!’. Es este el momento de su segunda
internación, que gira en tomo a una idea: ‘el sello del pasaporte’.”
86

Podemos reconhecer ali um automatismo mental, onde a significação está


colocada e confirmada no Outro, armadilha da homofonia pela qual aquilo
que é omitido reaparece nos signos da linguagem: ele sabe que não é
Stalin, mas sua certeza sustenta que são os outros que podem tomar-lo
33
como tal. (FANÉS, 1995, p. 114, tradução nossa).

A partir desse momento, começa a formular teorias acerca de sua


enfermidade. O significante “homem eleito” lhe permite elaborar essas formulações.
As anfetaminas têm a função de possibilitar a entrada no laço social,
permitindo ao sujeito se adaptar à linguagem, ao idioma, principalmente uma parte
dele que escapa ao dicionário, o dizer popular portenho, o lunfardo, que é o jargão
dos delinquentes portenhos, e, portanto se situa fora do conjunto de palavras oficiais
do idioma castelhano. Junto com a droga, o álcool o aproxima dos grupos sociais e
são aquilo que o anestesia e o faz sentir mais viril. Eis outra função: dão um efeito
de encantamento, são uma espécie de “anti-minas”, evitando o confronto com o
sexo feminino e invocando a irrupção de um gozo que tomaria o seu corpo,
femininizando-o.
As anfetaminas, o sujeito as toma há mais de dez anos e elas mantém a sua
eficácia:
“Antifetaminas não são a causa de minha enfermidade, já escutei as vozes
antes, estava em um ônibus. Foi a primeira vez que as escutei e desmaiei.”
Podemos confirmar as anfetaminas como uma forma de resposta ao
34
episodio alucinatório. Uma solução ao processo de sua enfermidade.
(FANÉS, 1995, p. 116, tradução nossa).

Relata que as vozes voltam, mas consegue estabelecer um diálogo entre


elas, que lhe dizem: “Chegamos a um arranjo, dizem que foi uma piada”. Assim o
sujeito se tranquiliza.

4.2.5.1 O nó de Pr: Um estudo borromeano

1º momento: O lapso se dá no momento em que o sujeito encontra dificuldade


de se adaptar ao idioma. O encontro com essa dificuldade faz com que o sujeito não

33
“Podemos reconocer allí un automatismo mental, donde la significación está planteada y
confirmada en el Otro, trampa de la homofonia mediante, aquello de ló que viene escapando
reaparece en los signos del lenguaje: él sabe que no es Stalin, pero su certeza sostiene que son los
otros los que pueden tomarlo como tal.
34
‘Antifetaminas no son la causa de mi enfermar, ya antes escuché las vocês, iba em colectivo. Fue
la primera vez que las escuché y me desmayé’. Podemos confirmar las antifetaminas como una forma
de respuesta al episodio alucinatório. Una solución al proceso de su enfermedad.
87

consiga responder ao apelo do Nome-do-Pai inexistente. O registro imaginário se


solta e há uma interpenetração entre o simbólico e o real:

FIGURA 25 - A dificuldade de adaptação ao idioma provoca o lapso

Fonte: Elaborada pelo autor

2º momento: Manifestação dos fenômenos elementares da psicose,


localizados pela autora como episódios alucinatórios:

FIGURA 26 - Episódios alucinatórios

Fonte: Elaborada pelo autor


88

3º momento: Uso da droga e do álcool como uma forma de resposta


aos episódios alucinatórios, proporcionando uma espécie de estabilização que
amarra os registros simbólico e imaginário, ainda que de maneira frouxa:

FIGURA 27 - A droga como resposta à alucinação

Fonte: Elaborada pelo autor

4º momento: Quando os episódios alucinatórios cessam acontece o


surgimento do delírio e o início de sua significação como “homem eleito”:

FIGURA 28 - Surgimento do delírio

Fonte: Elaborada pelo autor


89

5º momento: A passagem ao ato vem como um intento de estabilização


efêmero, fazendo a tentativa de amarração do real e do imaginário, juntamente com
a droga e o álcool, que fazem a amarração pela via significante da antifetamina:

FIGURA 29 - Intento efêmero de estabilização pela passagem ao ato


juntamente com a droga

Fonte: Elaborada pelo autor

6º momento: Quando o delírio se desenvolve o sujeito encontra a significação


para o significante de “homem eleito”, que exerce a função de nomeação para Pr.
Esta metáfora delirante lhe permite estabelecer um diálogo com as vozes delirantes
e se tranquilizar:
90

FIGURA 30 - A metáfora delirante como suplência através do significante


“homem eleito”

Fonte: Elaborada pelo autor


91

5 CONCLUSÃO

O tema investigado neste trabalho surgiu, como mencionado, de indagações


a partir de experiência clínica onde foi constatado um grande número de pacientes
psicóticos que fazem uso da droga na atualidade. A partir dessa constatação se fez
pertinente algumas questões sobre como pensar o uso de droga na psicose, sua
diferenciação do uso na neurose, a função do objeto droga nessas estruturas e a
utilização do termo toxicomania para designar o uso nas diferentes estruturas.
A partir do que foi discutido neste trabalho fica claro que a toxicomania para a
psicanálise não se configura como estrutura clínica, portanto podemos encontrar seu
uso na neurose, psicose ou perversão. O estudo da toxicomania para a teoria
psicanalítica se faz possível na investigação das funções exercidas pelo objeto
droga na vida do sujeito, seja ele neurótico ou psicótico. É a relação que esse
sujeito estabelece com o uso da substância, se tornando objeto de gozo privilegiado,
que toma destaque na condução clínica.
Por esse motivo é possível afirmar que o uso de drogas na neurose é
diferente do uso de drogas na psicose. Na neurose podemos encontrar o uso do
termo toxicomania verdadeira, pois permite a fuga do matrimônio estabelecido pelo
sujeito com o gozo fálico, prescindindo da relação com o Outro, e permitindo a ele o
acesso a um gozo sem limites, sem significação fálica, ex-sexo.
Verificamos que na psicose o uso de drogas tem particularidades, pois a
ruptura do sujeito com o gozo fálico já é dada de antemão, pela condição estrutural
dada pela foraclusão do Nome-do-Pai. Concluímos assim, que a tese lacaniana da
droga, que se fez norte para o estudo das toxicomanias, não se valida para a
psicose, pois a proposta da droga como aquela que permite ao sujeito o rompimento
do casamento com o pequeno-pipi, está diretamente ligada à formação da
mencionada ruptura com o gozo fálico. Assim, o uso de drogas na psicose pode ser
pensado sob algumas vertentes, como uma abertura ao desencadeamento ou como
tentativa de remendar essa ruptura.
Com Naparstek (2005) encontramos a verificação de duas vertentes para o
uso de drogas na psicose, que apesar de identificadas, não são inesgotáveis. O
psicótico faz uso do objeto droga para tratar os efeitos da invasão do gozo, mais
especificamente a dois modos do retorno desse gozo: a identificação do gozo no
92

lugar do Outro e o retorno do gozo no próprio corpo. Na primeira via identificatória, a


droga permite um enlace em um nível imaginário com o Outro. Essa identificação se
dá pelo encontro com o significante toxicômano, que permite ao sujeito localizar o
gozo no campo do Outro promovendo um apaziguamento.
Assim, a identificação pela via do consumo pode ter a função de reproduzir
um enlaçamento. A segunda via se sustenta pelos efeitos químicos produzidos pela
substância toxica. O uso do objeto, em vez de produzir um excesso de gozo, pode
ser uma maneira de limita-lo, produzindo também uma espécie de enlaçamento com
o Outro. Seria uma espécie de tratamento pela via do real do gozo que o invade e
não supõe um trabalho simbólico. O autor não localiza em sua teoria a via que
localizamos neste estudo – a da droga como algo que vem como parte da cena do
desencadeamento do sujeito psicótico, promovendo um acesso do sujeito ao gozo
do Outro, pela via da substância, e provocando em associação a outros eventos, o
lapso do desencadeamento – mas deixa em aberto a possibilidade de outras
vertentes se abrirem.
Para alcançarmos nosso intento de discorrer sobre os usos do objeto droga
na psicose, elegemos a teoria lacaniana dos nós. A partir dela foi possível que nos
detivéssemos em questões mais além da estrutura psicopatológica. Escolhemos
então, casos clínicos encontrados na literatura e a partir deles conseguimos
representar o enodamento próprio de cada sujeito e o uso que cada um fez do
objeto droga, através da escritura nodal.
No primeiro caso clínico, o caso de Ricardo, verificamos a função do objeto
droga como aquele que na conjuntura do desencadeamento, junto com outro
significante, possibilita o encontro com o sujeito com um gozo que não passe pela
via do falo, o encontro do sujeito com um Outro gozador, sem limites. A droga
promove então para esse sujeito, em conjunto com o significante “a arte de amar”, o
lapso de seus registros, desencadeando a psicose. Seguindo a história clínica do
sujeito, foi possível localizar sua estabilização pela via da metáfora delirante, que faz
uma suplência em seus registros pela via do significante.
No segundo caso clínico relatado pudemos localizar a droga como um
substituto da função do gozo fálico, em consonância com a teoria apresentada
anteriormente. No caso de Alberto encontramos a corroboração da hipótese de
Beneti (1998) de que a droga pode funcionar como uma solução psicótica
93

contemporânea, através da suplência química. Neste caso a droga é pensada no nó


como um quarto termo, equivalente à solução sinthomatica pensada por Lacan. O
objeto entra, no caso de Alberto com a função de moderar o gozo sem limites do
sujeito psicótico e proporciona a ele uma maneira de ex-sistir fora da norma fálica. O
lapso de Alberto se dá pela queda do pai ideal, quando a palavra de seu pai perde a
importância e não sustenta mais o sujeito.
Por meio da identificação com a mãe no ódio pelo pai, é feita uma tentativa
fracassada de amarração no espaço imaginário que se solta no real. Por fim, o
sujeito consegue encontrar na droga um substituto da função do gozo fálico,
funcionando como um remendo imaginário possibilitando sua construção
significante.
No terceiro caso, o caso de Miguel, verificamos uma outra função do objeto
droga: a de uma estabilização precária, que não funciona perfeitamente como um
remendo, assim como no caso de Alberto, mas que o permite retomar suas funções
sociais. Miguel chega à internação confuso e sem recursos, após a separação da
mulher. A identificação viril que ele consegue através da droga se desfaz com a
vigência da separação, provocando o lapso de seus registros. O autor localiza o
surgimento de alucinações auditivas coincidentes com a primeira internação de
Miguel em instituição psiquiátrica. A certeza de que seus testículos teriam sido
esmagados, quando desperta de uma noite em que dormia com a mulher, aponta
para a queda da identificação com a virilidade e questiona o sujeito em sua posição
de homem.
Assim, ele faz uma tentativa fracassada de reconstrução pela via do delírio.
Fracassada porque ele não chega a metaforizar e não consegue apaziguar seu gozo
sem limites. O início da estabilização se dá quando o sujeito verifica sua potência
sexual e consegue delimitar as questões do tratamento evoluindo para o significado
que Miguel dá ao seu uso das drogas. Essa significação é a que permite, ainda que
de maneira precária, uma estabilização, mas não necessariamente uma suplência.
No quarto caso abordado nesta dissertação, fizemos o estudo da história
clínica de Armando. Verificamos que a droga ocupa para o sujeito uma tentativa de
estabilização, quando esta tentativa fracassa, o significante do desenho trabalhado
durante o tratamento ocupa o lugar da droga, fazendo a suplência de seus registros.
Neste caso vemos um outro lugar ocupado pelo objeto droga na psicose, de acordo
com o que nos propusemos trabalhar. Armando não tem o lapso de sua estrutura
94

bem localizado no caso clínico escrito, mas da mesma maneira de Miguel, podemos
supô-lo em vista de seu diagnóstico de psicose. Após a aparição dos fenômenos
elementares característicos da psicose, a droga entra como uma tentativa de
estabilização.
Em uma articulação com o saber faltoso do pai, indica uma tentativa do
sujeito de suprir o Nome-do-Pai e amarrar novamente os registros. Tentativa essa
que fracassa e é substituída pelo simbólico do desenho, que no trabalho com a
psicanalista que o atende faz a suplência do Nome-do-Pai foracluído, estabelecendo
um limite para o seu gozo.
No quinto e último caso abordado nesta dissertação, mostramos Pr, um
quadro de psicose relacionado ao uso de drogas. Nesse caso, o uso de drogas
associado ao álcool possibilita ao sujeito a entrada no laço social, proporcionando
uma espécie de estabilização. O encontro com a dificuldade de se adaptar ao idioma
é o que faz ao sujeito não conseguir responder ao Nome-do-Pai faltoso e assim
produz um lapso em seu nó. Em seguida surgem os episódios alucinatório, e Pr
utiliza-se das drogas como uma espécie de resposta a esses fenômenos.
O uso do objeto proporciona uma espécie de estabilização que amarra os
registros real e imaginário, ainda que de maneira frouxa. Quando os episódios
alucinatórios cessam, acontece o surgimento do delírio e o início de sua significação
como “homem eleito”. A passagem ao ato vem então, como um intento de
estabilização efêmero, fazendo a tentativa de amarração do real e do imaginário,
juntamente com a droga e o álcool. A partir do desenvolvimento do delírio, dá-se a
metáfora delirante e o sujeito encontra a significação para o significante de “homem
eleito”, que lhe permite estabelecer um diálogo com as vozes delirantes e se
tranquilizar.
Ao fim desse estudo pudemos confirmar a hipótese de que o objeto droga tem
funções diferentes para o sujeito psicótico, funções essas que se revelam na
maneira como ele lida com o gozo sem limites, fora da significação fálica. Vimos
através do estudo borromeano dos casos diversos exemplos dessas funções.
Mas as questões suscitadas ao longo da construção deste trabalho não
acabam aqui. Não se pode ignorar que o uso da droga e suas diversas funções na
psicose trazem consigo consequências não menos devastadoras para o sujeito. Que
consequências são essas? Se a droga pode funcionar como um sinthoma, como
aquilo que faz novamente a amarração dos registros soltos do sujeito psicótico, isso
95

significa uma suplência mais devastadora que a metáfora delirante? Ou mais


devastadora que outras soluções? Quais são as implicações dos diversos usos que
o psicótico faz da droga nas suas relações com o laço social? O que isso implica, se
pensarmos no sujeito contemporâneo, inserido na chamada modernidade líquida,
pautada pelo excesso de gozo e do consumo como resposta a esse acesso ao gozo
imediato? Por fim, na época em que vivemos, do Outro que não existe, o consumo
exagerado nos coloca um impasse na clínica, que só poderá ser ultrapassado no
estudo caso a caso, na singularidade dos sujeitos da clínica psicanalítica.
96

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