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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E CIENTÍFICA


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM
CIÊNCIAS E MATEMÁTICAS

ELIANA RUTH SILVA SOUSA

ETNOMATEMÁTICA: SABERES MATEMÁTICOS NO


COTIDIANO DE ESTUDANTES RIBEIRINHO

BELÉM
2010
ELIANA RUTH SILVA SOUSA

ETNOMATEMÁTICA: SABERES MATEMÁTICOS NO


COTIDIANO DE ESTUDANTES RIBEIRINHO

Dissertação apresentada junto ao Programa de


Pós-Graduação em Educação em Ciências e
Matemáticas, do Instituto de Educação Matemática
e Científica, da Universidade Federal do Pará como
requisito parcial à obtenção do título de Mestre em
Educação em Ciências e Matemáticas.
Área de concentração: Educação Matemática.
Orientadora: Profª. Drª. Isabel Cristina Rodrigues
de Lucena

BELÉM
2010
ETNOMATEMÁTICA: SABERES MATEMÁTICOS NO
COTIDIANO DE ESTUDANTES RIBEIRINHO

Este exemplar corresponde à redação final da


dissertação defendida por Eliana Ruth Silva Sousa
e aprovada pela comissão julgadora.

Área de concentração: Educação Matemática.

Orientadora: Profª. Drª. Isabel Cristina Rodrigues


de Lucena

Data de Defesa: 20/05/2010.

COMISSÃO EXAMINADORA:

___________________________________
Profª. Drª. Isabel Cristina Rodrigues de Lucena
Doutora em educação Matemática/ UFRN
Orientadora – Membro Interno / IEMCI - UFPA

___________________________________
Profª. Drª. Gelsa Knijnik
Doutora em Educação / UFRGS
Membro Externo / UNISINOS

___________________________________
Profº Dr. Erasmo Borges de Souza Filho
Doutor em Comunicação e Semiótica / PUC – SP
Membro Interno / UFPA

Belém
2010
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) –
Biblioteca do IEMCI, UFPA

Sousa, Eliana Ruth Silva.

Etnomatemática: saberes matemáticos no cotidiano de


estudantes ribeirinhos / Eliana Ruth Silva Sousa, orientadora
Profa. Dra. Isabel Cristina Rodrigues de Lucena. – 2010.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Pará,


Instituto de Educação Matemática e Científica, Programa de Pós-
Graduação em Educação em Ciências e Matemáticas, Belém,
2010.
Aos meus queridos avôs Marcos Sousa (In memorian) e Gregória Dias
(In memorian). Ao meu pai Raimundo Dias (In memorian)
Sei que continuam olhando por mim.
A todos da minha família, a união faz a força!
Agradecimentos

Esta dissertação é fruto de uma luta que se eu lutasse sozinha,


fatalmente, não conseguiria. Por isso agradeço com toda sinceridade...

Ao ser divino que nos deu a vida para que pudéssemos buscar pelos
nossos sonhos.

Aos meus familiares, minha mãe, irmãos e irmãs, minha tia e meus
padrinhos, por todo esforço e confiança em mim depositados.

Ao Franciney, esposo e amigo querido maior incentivador para minha


entrada no mestrado e grande parceiro nas discussões em Educação.

À professora Isabel Lucena, orientadora e educadora, pelas conversas


enriquecedoras durante as orientações.

Aos colegas e amigos do Programa de Pós-Graduação em Educação em


Ciências e Matemáticas, em especial a turma do mestrado 2008, pelas trocas
de conhecimentos em muitas de nossas discussões.

Aos amigos do GEMAZ, pelas grandiosas contribuições em minha


formação profissional e pessoal.

Aos alunos, professores e funcionários da Escola Edgar Pinheiro Porto,


em especial aos alunos ribeirinhos.

A professora Gelsa Knijnik, pelas contribuições valiosas enquanto


membro da banca de qualificação.

Ao professor Erasmo Borges de Souza Filho, pelo olhar semiótico que


muito me inspirou durante esta pesquisa.
Aos funcionários do IEMCI pela competência com que encaminham todas
as atividades.

Ao CNPq pelo apoio financeiro.

Enfim, a todas as pessoas que de alguma maneira ajudaram a construir


esta pesquisa.
RESUMO

Nesta dissertação encontram-se os caminhos e descaminhos, possibilidades e


resultados da pesquisa intitulada Etnomatemática: saberes matemáticos no
cotidiano de estudantes ribeirinhos que teve como objetivo analisar como o
aluno faz a apreensão do conceito matemático e percebe/usa esse conceito na
sua prática e, como ele articula os saberes e fazeres do cotidiano ribeirinho na
sala de aula. As características de ação em campo desenvolvidas nesta
pesquisa podem ser abarcadas por uma abordagem etnográfica, assim, esta
pesquisa desenvolveu-se em dois momentos empíricos: observações em sala
de aula da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Edgar Pinheiro
Porto, realizada no segundo semestre de 2008, junto aos alunos do ensino
médio que moravam na Ilha do Combu em que procurei possíveis espaços de
expressão da matemática ribeirinha; o outro momento ocorreu no primeiro
semestre de 2009 em que ocorreram as observações na Ilha do Combu, com
visitas aos estudantes em seu ambiente familiar e comunitário, lá observei as
atividades cotidianas de quatro estudantes. Concomitante a esses momentos
ocorreu estudos bibliográficos do referencial teórico. No âmbito das pesquisas
que englobam o cenário da diversidade ribeirinha das Ilhas de Belém, cito cinco
pesquisas que têm como ambientes de pesquisa a Ilha do Combu (BRITO,
2008; MATTA, 2006; DERGAN, 2006, CANTO, 2001) e a Ilha Grande
(QUEIROZ, 2009). Daqueles que abordam a Etnomatemática cito D’Ambrosio
(1993, 2001, 2002), Vergani (2002, 2007), Barton (2004), Bishop (1999); sobre
a Educação Matemática Crítica convido Skovsmose (2001, 2007) e Passos
(2008); para falar de cultura e tradição trago novamente Vergani (1995) e ainda
Hobsbawn (2002), Georges Balandier (1997) e Cuche (2002). A partir das
análises dos saberes e fazeres vivenciados pelos alunos foi possível perceber
as possibilidades de mudança em dois ambientes vividos pelos alunos em
questão. Essa mudança poderia ser iniciada/efetivada/desenvolvida pela
proposta de uma educação Matemática que envolva/considere o caráter
transdisciplinar do conhecimento, assim, o conhecimento matemático escolar
deveria estar entrelaçado por outros saberes, que estão ausentes do ambiente
da sala de aula, os saberes matemáticos do cotidiano de estudantes
ribeirinhos.

Palavras-chave: Etnomatemática. Cultura Amazônica. Comunidades


Ribeirinhas.
ABSTRACT

In this thesis are the ups and downs, opportunities and research findings
entitled Ethnomatematics: mathematical daily knowledge of riverine students
aimed to examine how the student makes the apprehension of a mathematical
concept and understands/uses this concept in their practice and how they
articulate the knowledge and their daily river performance in classroom. The
action characteristics in field developed in this research can be embraced by an
ethnographic approach, thus, this research became developed in two empirical
moments: observations in the classroom of Escola Estadual de Ensino
Fundamental e Médio Edgar Pinheiro Porto, held in the second half of 2008,
along with high school students who lived on Ilha do Combu looked possible
spaces in which expression of riverine mathematics, the other time was in the
first half of 2009 which included the comments about Ilha do Combu, with visits
to students in their home environment and community, there I observed the
daily activities of four students. Concomitant to these moments there occurred
bibliographical studies of the theoretical. As part of research that encompass
the diversity of the riverside scenery of Belem, I quote five research
environments of Ilha do Combu (BRITO, 2008; MATTA, 2006; DERGAN, 2006,
CANTO, 2001) and Ilha Grande (QUEIROZ, 2009). Those that address
Ethnomatematics I quote D'Ambrosio (1993, 2001, 2002), Vergani (2002,
2007), Barton (2004), Bishop (1999); on the Critical Mathematics Education I
invite Skovsmose (2001, 2007) and Passos (2008 ), to speak about culture and
tradition I bring back Vergani (1995) and also Hobsbawm (2002), Georges
Balandier (1997) and Kush (2002). From the analysis of knowledge and
performance experienced by students that was possible to realize the
possibilities of change in two environments experienced by students in
question. This change could be initiated / effected / proposal developed by a
Mathematics education that involves / considers the interdisciplinary nature of
knowledge, so the school mathematical knowledge should be interwoven with
other knowledge, which are absent from the classroom environment, everyday
riverside students’ mathematical knowledge.

Keywords: Ethnomathematics. Amazon Culture. Riverine Communities.


ÍNDICE DE FIGURAS

FIGURA 1- Mapa da cidade de Belém. 27

FIGURA 2 - Vista aérea mostrando a Escola Edgar Pinheiro Porto e o 35


caminho percorrido pelos alunos ribeirinhos até o Porto da Palha.

FIGURA 3 - Fotos do Porto da Palha sob o prisma de quem chega via 37


fluvial e via terrestre, respectivamente.

FIGURA 4 - Vista aérea da Ilha do Combu e da margem sul da cidade 39


de Belém.

FIGURA 5 - Perspectiva da Ilha do Combu com destaque para o 87


Igarapé Combu (verde), Periquitaquara (azul) e o Furo da Paciência
(vermelho).

FIGURA 6 - Rasas confeccionadas na Ilha do Combu. 92

FIGURA 7- rasas utilizadas durante a venda do açaí em Abaetetuba. 94

FIGURA 8 - rasas utilizadas no Porto da Palha pelos ribeirinhos da Ilha 94


do Combu.

FIGURA 9 - Venda do açaí em basquetas no Porto da Palha. 95

FIGURA 10: Peconha feita da folha do galho da palmeira do açaí. 96


Fonte: www.ufpa.br/ppgecm/dissertações

FIGURA 11 - Palmeira do açaí com os frutos ainda verdes 100


SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO................................................................................. 12
PRIMEIRAS REFLEXÕES.................................................................... 14
Antes do mestrado.............................................................................. 14
Agora, mestranda................................................................................ 22
DA METODOLOGIA AO MÉTODO....................................................... 27
Os caminhos da pesquisa................................................................... 28
A Escola e os Alunos.......................................................................... 34
A Ilha e os Ribeirinhos........................................................................ 38
TEORIZANDO A PRÁTICA DA PESQUISA......................................... 42
Contribuições para o desenvolvimento das pesquisas em
Etnomatemática..................................................................................... 45
Etnomatemática sob a perspectiva D’ambrosiana.............................. 49
Etnomatemática e linguagens............................................................. 58
Os movimentos da Cultura e a Tradição Ribeirinha........................... 63
Educação Matemática Crítica............................................................. 68
OLHANDO E VENDO ETNOMATEMÁTICA......................................... 74
Educação Escolar............................................................................... 74
Etnomatemática da/na Escola............................................................ 81
Etnomatemática da/na Ilha................................................................. 86
Conhecimentos, estratégias e instrumentos no processo de
colheita e venda do açaí........................................................................ 90
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................. 104
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................... 109
ANEXO................................................................................................... 115
APRESENTAÇÃO

Esta pesquisa a nível de mestrado intitulada Etnomatemática: saberes


matemáticos no cotidiano de estudantes ribeirinhos procura os entrelaces possíveis
entre a matemática escolar e os saberes ausentes da sala de aula, representados
pelos estudantes ribeirinhos.
Os conceitos matemáticos comunicados em sala de aula parecem não estar
relacionados aos conceitos matemáticos de outros contextos, bem como a
existência de outras maneiras de saber e fazer não são muitas vezes consideradas
no âmbito escolar. As reflexões sobre essas problemáticas estão em todo corpo
desta dissertação.
No âmbito teórico as discussões presentes nesta pesquisa encaminharam-se
para os referenciais em Etnomatemática e Educação Matemática Crítica. As
indagações surgidas durantes a parte empírica do estudo inspiraram a seleção do
aporte teórico.
Etnomatemática trata da geração, transmissão, institucionalização e difusão do
conhecimento e fundamenta esta pesquisa nos aspectos pedagógicos, culturais e
das linguagens. Para tanto os principais autores selecionados foram D’Ambrósio
(2001; 2005; 2009), Vergani (2002; 2007; 2009).
Educação Matemática Crítica (SKOVSMOSE 2001; 2007) discute a
necessidade de uma postura crítica frente ao papel desempenhado pela Matemática
na sociedade e nessa direção motiva esta pesquisa nos aspectos da matemática
como a linguagem standard de explicar o mundo.
Assim, no primeiro capítulo intitulado Primeiras Reflexões lanço as bases
iniciais que marcaram meu caminho rumo a esta pesquisa. Dividido em duas fases,
uma antes e outra depois do mestrado. Procuro esclarecer que esta pesquisa está
baseada e significada em minha vida acadêmica e pessoal. Destaco a importância
do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Matemática e Cultura Amazônica e
de algumas reflexões surgidas durante a elaboração da monografia de graduação
para as discussões aqui presentes. Apresento também nesse capítulo os objetivos
iniciais desta pesquisa.

12
No segundo capítulo que chamei Da Metodologia ao Método descrevo os
caminhos metodológico planejados e os percorridos durante a pesquisa. Assim,
apresento de forma breve quais foram os referenciais teóricos necessários e faço
uma descrição dos dois ambientes de pesquisa, a Escola Edgar Pinheiro Porto, na
região urbana de Belém, e a Ilha do Combu, mais precisamente o Igarapé
Periquitaquara, região das Ilhas de Belém. Também apresento os alunos partícipes
deste estudo, estudantes do ensino médio moradores da Ilha. Problematizo as
questões de pesquisa representadas pelas questões como o aluno faz a apreensão
do conceito matemático e percebe/usa esse conceito na sua prática. E, como ele
articula os saberes e fazeres do cotidiano ribeirinho na sala de aula.
Os caminhos metodológicos foram acompanhados do referencial teórico que
aprofundei no capítulo intitulado Teorizando a Prática da Pesquisa. Nesta fase do
texto procurei me apoiar principalmente nos referenciais da Etnomatemática e da
Educação Matemática Crítica.
No capítulo intitulado Olhando e vendo Etnomatemáticas procurei ver nos dois
ambientes de pesquisa possíveis respostas às problematizações propostas. Assim,
as aulas de matemática e a atividade de extração e venda do açaí receberam um
olhar mais aprofundado.
Na última fase desta pesquisa trago as Considerações Finais em que exponho
as limitações encontradas nos caminhos da pesquisa e levanto algumas idéias e
conclusões acerca do que foi exposto nos capítulos anteriores.

13
PRIMEIRAS REFLEXÕES

Ao iniciarmos uma pesquisa, geralmente planejamos e refletimos nossos


objetivos, as metodologias e os possíveis resultados. Mas, nem sempre lembramos
dos percalços que podemos encontrar no caminho dos estudos, ou seja, as
mudanças causadas por emergências surgidas durante o percurso de investigação.
São essas questões presentes neste texto que marcam o início de minha escrita,
mas

‘Começar’ a dizer nunca é tarefa simples. E ‘começar’ a escrever


torna-se trabalho árduo e duplamente complexo. Com efeito, se, ao
falar, estamos aprisionados pela ilusão da completude, ao escrever
ficamos presos em uma contradição, que tem a ver com a linearidade
do pensamento (e da transparência da linguagem) e a necessidade
de imaginar um interlocutor ausente, muitas vezes fantasmático e
idealizado, para o qual precisamos ‘planejar’ e ‘organizar’ o nosso
discurso. (TFOUNI, p. 29, 2006)

Então começo a dizer de dois momentos que marcam significativamente o


processo contínuo de me construir como professora de matemática e educadora.

Antes do mestrado...
mestrado...

No segundo grau, escolhi o Ensino Técnico na área da construção civil na


tentativa de garantir minha formação profissional já preocupada com o mercado de
trabalho. Nesse período descobri que poderia ser professora. Foi no segundo ano
nas aulas de matemática, a professora pediu que formássemos grupos e
escolhêssemos um dos assuntos listados no quadro para estudarmos e depois nós
ensinaríamos sobre aquele assunto.
Recordo das reuniões com o grupo em que discutíamos qual seria a melhor
maneira de ensinar cada assunto e dos momentos em que estudava sozinha os
conceitos matemáticos. Eram momentos gratificantes principalmente quando
conseguia descobrir algo que não estava explícito no assunto.

14
No dia da minha aula estava um pouco nervosa, porém consegui fazer o que
me propunha, lembro claramente o elogio da professora em relação ao meu
desempenho, foi um gesto que pode parecer insignificante, mas,

Às vezes, mal se imagina o que pode passar a representar na vida


de um aluno um simples gesto do professor. O que pode um gesto
aparentemente insignificante valer como força formadora ou como
contribuição à do educando por si mesmo. (FREIRE, 1996, p. 42).

Hoje percebo a importância desta atitude da professora em valorizar nossos


conhecimentos e ajudar a compor nossa autonomia e confiança, desta forma
contribuiu ao meu desenvolvimento pessoal e profissional.
Ao concluir o curso técnico não estava estimulada a trabalhar na área, então,
em 2002, fiz a prova do vestibular para o curso de licenciatura em matemática na
Universidade Federal do Pará - UFPA, imaginando que seria mais fácil me empregar
como professora do que como engenheira e também seguindo a minha intuição que
dizia ser esse o melhor caminho, ser professora.
Ouvi no rádio meu nome1. Foi um dos momentos mais felizes em minha vida.
Refletia muito sobre as dificuldades que passei até conseguir chegar à universidade
e acreditava ter conseguido o mais difícil de todos os desafios: passar no vestibular
sem ter cursado nenhum curso preparatório como a maioria dos estudantes fazia.
No primeiro semestre o entusiasmo foi acompanhado pelo impacto com a
reprovação em uma disciplina, percebi naquele momento o quanto foi insuficiente a
formação no ensino médio, por ser um curso técnico priorizavam as disciplinas
técnicas.
Até o sexto semestre do curso de Licenciatura me sentia meio decepcionada
com o curso, pois acreditava que fosse aprender as metodologias para ensinar de
maneira diferente e melhor os conteúdos. Ao contrário, as disciplinas eram
matemática pura, Álgebra, Análise, Cálculo, teoremas e fórmulas na maioria das
vezes sem significado. Eu estava disposta a aprender a resolver os teoremas e

1
Em Belém do Pará em meados dos anos de 2002 ainda era comum entre vestibulandos, familiares e amigos
ouvirem a leitura da lista dos aprovados no processo seletivo do vestibular, pelo rádio e então, comemorar nas
ruas com músicas, banhos de amido de milho e pinturas corporais. Após o uso da internet para a divulgação da
lista dos aprovados essa tradição ficou sem sentido. A partir de 2010, por força dos pedidos das emissoras de
rádio e da população em geral, a lista dos aprovados no vestibular da UFPA volta a ser divulgada em primeira
mão pelos locutores de rádios de Belém.
15
problemas propostos, mas acreditava que poderia ter outras formas de ensinar e
aprender com significado, sendo que

Aprender significativamente implica atribuir significados e estes têm


sempre componentes pessoais. Aprendizagem sem atribuição de
significados pessoais, sem relação com o conhecimento
preexistente, é mecânica, não significativa. (MOREIRA, 1997, p.07).

Nas aulas de matemática não percebia preocupação por parte dos


professores em estabelecer conexões entre os conteúdos e as outras matérias ou
mesmo com nossos conhecimentos prévios, havia predominância do ensino
mecanicista. Vale ressaltar que não estou afirmando a existência de uma categoria
de ensino em detrimento do outro, mas sim que podem ser complementares e que a
exclusividade na aprendizagem mecânica em matemática causa prejuízos.
Era perceptível a falta de conhecimento, por parte de alguns professores, das
teorias de ensino e aprendizagem, principalmente quando se tratava de utilizar
nossos conhecimentos anteriores e relacioná-los aos novos conteúdos.
Nas disciplinas pedagógicas foi possível aprender muitos conceitos da
filosofia, da sociologia, das metodologias entre outras, para poder ser uma
professora envolvida com as conseqüências dos atos de ensinar e aprender e
competente como profissional.
Durante a disciplina Metodologia Específica do Ensino da Matemática,
ofertada no sexto semestre, tive a oportunidade de estudar com a professora Isabel
Lucena, as aulas eram estimulantes com freqüentes discussões e diálogo entre a
professora e os alunos. Foi por meio desta professora que conheci a
Etnomatemática e percebi a importância da cultura e do social para a aprendizagem
significativa. A princípio nem imaginava o quanto a etnomatemática poderia
influenciar minha vida acadêmica, profissional e pessoal.
Próximo do fim desta disciplina surgiu a oportunidade de concorrer a uma
bolsa de Iniciação Científica (IC). Obtive aprovação e iniciei atividades em pesquisas
em Educação Matemática a partir dessa oportunidade. Entre as responsabilidades

16
de bolsista estavam: a criação de um banco de dados com teses, dissertações e
artigos de Etnomatemática publicados na página GEMAZ2.
Além do Trabalho de Pesquisa da Iniciação Científica que ficou como meu
próprio Trabalho de Conclusão de Curso (TCC)3 através da experiência da iniciação
obtive três publicações divulgadas na 59º Reunião Anual da Sociedade Brasileira
para o Progresso da Ciência (59º SBPC), no IV Encontro Paraense de Educação
Matemática (IV EPAEM) e no X Encontro Latino Americano de Iniciação Científica
(X INIC).
Meu primeiro encontro formal com a Etnomatemática se deu no
desenvolvimento do TCC intitulado “Etnomatemática sob o olhar de futuros
professores de Matemática” concluído em dezembro de 2006. Versa sobre
concepções de Etnomatemática expressas em TCC’s de graduandos da UFPA.
Nesse sentido a perspectiva foi de refletir sobre as discussões acerca do tipo de
caracterização dada para a matemática própria do cotidiano de cada localidade e as
possíveis relações com a matemática da escola e ainda, analisar a compreensão de
Etnomatemática evidenciada nesses trabalhos.
Dentre os resultados das análises dos TCC’s destacamos professores que
expressam a necessidade de verificar as matemáticas presentes nas práticas
profissionais dos colonos como um encaminhamento metodológico da
Etnomatemática. Outros usam a contextualização no cotidiano do aluno, apoiados
na etnomatemática, para mudar suas aulas e torná-las mais interessante e com
sentido para os alunos, pois acreditam que a matemática que não está presente no
dia a dia do aluno não deve ser ensinada.
Porém penso que o ensino baseado no contexto local deva ser complementado
com outros contextos de acordo com as necessidades das comunidades, todo
conhecimento científico produzido até hoje não pode ser deixado de lado e sim
utilizados de acordo com a situação e ajudar na criação e ampliação de novos
conhecimentos.

2
Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Matemática e Cultura Amazônica, coordenado pela Profa. Dra.
Isabel Lucena e vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemáticas do Instituto
de Educação Matemática e Científica da Universidade Federal do Pará.
3
O TCC é atividade obrigatória prevista no Programa Curricular do Curso de Matemática da UFPA.
17
Estar inserida num contexto onde há pesquisa e produção cientifica, que
considera a importância de relacionar Educação Matemática e Cultura Amazônica,
ajudou - e muito - a entender e ver o papel do professor na sociedade.
Ao concluir a graduação estava consciente da necessidade de continuar
sempre estudando e pesquisando, pois

o professor nessa perspectiva de educação contínua, constitui-se


num agente reflexivo de sua prática pedagógica, passando a buscar,
autônoma e / ou colaborativamente, subsídios teóricos e práticos que
ajudem a compreender e a enfrentar os problemas e desafios do
trabalho docente. (FIORENTINI; NACARATO, 2005, p. 09).

A pretensão de fazer uma pós-graduação era grande, porém a escolha pelo


campo profissional pesou mais. Fui aprovada no concurso público da prefeitura de
Parauapebas, cidade paraense distante 543 km de Belém, via terrestre. Trabalhei
durante pouco tempo neste lugar devido a vários fatores desfavoráveis a minha
continuação de moradia lá.
Saí de Parauapebas e fui lecionar em Paragominas, distante 202 km, agora um
pouco mais perto de Belém. Lecionava na escola municipal Belarmina Fernandes
nos horários da manhã e tarde, eram sete turmas todas de quinta série, mas cada
uma com suas peculiaridades.
Foi um período marcante, aprendi que “os saberes da atividade profissional
adquirem sentido na própria prática docente e que esta é complexa e plural,
envolvendo múltiplos sujeitos e experiências” (Fiorentini e Gonçalves, 2005, p. 84)
percebi isto durante minha permanência na cidade onde lecionava para sete turmas
de quinta série e cada turma tinha um perfil diversificado, fosse pela idade ou pelo
número de repetência dos alunos, então percebi na prática pedagógica os conceitos
estudados na teoria, por exemplo, a valorização dos saberes dos alunos como
prática do ensino da matemática.
Enquanto professora de matemática buscava trabalhar de maneira
contextualizada na intenção de provocar nos alunos interesse e curiosidade em
relação à matemática. Mas no início não foi fácil e muitas vezes me via “ensinando”
apenas algoritmos e esquecia que para os alunos tudo parecia novidade e nem tudo
tinha significado e precisava fazer parte dos interesses deles. Precisamos estar
atentos às vozes dos alunos e aos conteúdos que estamos comunicando.

18
Lembro que no início ensinava todos os alunos da mesma forma, sem lembrar
das diferenças de faixa etária e cognitiva. Até que percebi, pelas conversas com os
alunos e pelos resultados dos exames, que essa maneira de formar não estava
tendo rendimento, então refletia sobre minha forma de ensinar. Lembrando Freire
(1996, p. 39) quando afirma que

na formação permanente dos professores, o momento fundamental é


o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a
prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática.

Assim, refletir é diferente de pensar e quando reflito criticamente estou à


procura de atitudes que mudem meu antigo modo de pensar e fazer, procuro “saber
que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua
própria produção ou a sua construção” (idem, p. 47).
Como conseqüência da reflexão, voltei o olhar para a Etnomatemática como
referencial que discute as ferramentas para trabalhar de forma diferenciada com
meus alunos, respeitando os saberes que trazem para a escola e a partir desses
saberes construir os conceitos matemáticos. Então percebi que “o educador que
escuta aprende a difícil lição de transformar o seu discurso, às vezes necessário, ao
aluno, em uma fala com ele” (FREIRE, 1996, p. 113). Aprendi a escutá-los e
reconhecer em suas falas as minhas falhas
O não reconhecimento da legitimidade de outras maneiras de expressarem-
se, diferentes da matemática escolar é uma barreira aos processos de ensino-
aprendizagem e uma forma de exclusão cultural e social. Para D’ Ambrósio (2005) a
dignidade do indivíduo é coagida pela exclusão social que se dá muitas vezes por
ele não passar pelas barreiras estabelecidas pelo sistema escolar.
Aprendi a respeitar a diversidade e a considerar a escola como ambiente de
múltiplos aprendizados, não tratar apenas os conteúdos disciplinares, mas também
relacionar ao político, social e cultural.
Nesse sentido mudei também a maneira de avaliar meus alunos, mesmo a
escola impondo algumas condições como o ponto pela freqüência, pelo
comportamento, por trabalhos, entre outros. Procurava ser coerente e avaliar de
acordo com o que ensinava e como ensinava.

19
No período que lecionava não deixei de lado as pesquisas e leituras
referentes à educação matemática e sempre mantive presente o anseio de continuar
as pesquisas em etnomatemática. Assim,

o professor é sujeito de sua formação, o que possibilita conjeturar


sobre a importância que a perspectiva experiencial adquire no
processo de desenvolvimento profissional [...] A transformação se
faz presente, permanente e incorporada como modo de ser, parte
integrante e natural num processo de desenvolvimento profissional.
(GUÉRIOS, 2005, p. 137)

Então, em meados de 2007 resolvi voltar a Belém e fazer especialização em


Educação Matemática na UFPA na intenção de complementar os estudos da
graduação.
Nesse curso de pós-graduação chamou-me atenção, na disciplina Linguagem
Matemática, os textos sobre regras matemáticas, comunicação da matemática, os
aspectos sintáticos e semânticos da linguagem matemática, os símbolos e os
significados e as discussões acerca das Linguagens Matemáticas no mundo e na
história da humanidade. Então escrevi minha monografia discutindo a importância da
comunicação e de interpretações da linguagem Matemática e a sua pretensa
universalidade.
Hoje, nas salas de aula, não é difícil observar as dificuldades dos alunos em
compreender as fórmulas e a abstração matemática. A ambigüidade ou
desconhecimento dos símbolos contribui para o desentendimento entre aluno e a
matemática. Repetem-se discursos como “a matemática é muito difícil e chata” ou
“para que vou aprender essa matéria?”, que são ressonados há tempos por pais,
professores e alunos. Segundo Gómez-Granell (2000, p. 258) “a matemática
aparece como algo denso e enigmático até mesmo para pessoas cultas e
instruídas”.
Nesse sentido a Etnomatemática pode instigar problemas do tipo: Como os
conhecimentos etnomatemáticos podem ser utilizados em sala de aula na busca por
uma educação com significado? Como interligar este conhecimento e o
conhecimento escolar institucionalizado? Talvez o que falta é a integração dos

20
saberes que estão ausentes com o conhecimento escolar para formar o que
D’Ambrosio (2001) denomina de literacia, materacia e tecnoracia4.
Percebi que esses termos eram usados por outros autores, porém com
tratamentos diferentes e normalmente não havia relação entre eles. Assim, literacia
ou letramento (SOARES, 2006) é geralmente tema de discussão para lingüistas e
materacia ou matemácia (SKOVSMOSE, 2007) para educadores matemáticos.
Porém, para Gadotti (2005, p. 01) esse jogo de tradução de palavras

trata-se de uma posição ideológica que busca negar toda a tradição


freiriana. A palavra alfabetização tem um peso, uma tradição, no
contexto do paradigma da educação popular que é a maior
contribuição da América Latina à história universal das idéias
pedagógicas [...] A alfabetização não pode ser reduzida a uma
tecnologia ou técnica de leitura e de escrita. Ser uma pessoa letrada
não significa ser alfabetizada, no sentido que Paulo Freire dava ao
termo.

Para D’Ambrósio (2009) literacia e letramento aparecem como análogos, porém


este autor afirma ampliar o modo como esses neologismos aparecem, mas não
percebo que diferencie de alfabetização no sentido dado por Paulo Freire, “apoiado
em Paulo Freire, podemos dizer que a literacia, além de possibilitar a participação
atuante do indivíduo no dia-a-dia, dá a ele consciência de sua humanidade e da sua
autonomia.” (D’AMBROSIO, 2009, p. 03).
Assim, assumimos os termos propostos por D’Ambrosio para iluminar nossas
discussões, pois vemos que suas explicitações coadunam com os objetivos deste
estudo. Porém, concordamos com Vergani (2002, p. 167) quando afirma que

A obra realizada por Paulo Freire no campo da “alfabetização”


corresponde hoje a obra implantada por Ubiratan D’Ambrosio no
domínio da “matematização”: a mesma consciência crítica, o mesmo
carisma criador de vias alternativas, o mesmo corajoso desejo de
justiça (abrangente e simultaneamente alicerçada no meio
sociocultural concreto).

Ou seja, podemos dizer que D’Ambrosio re-significou a alfabetização idealizada


e praticada por Paulo Freire no âmbito da leitura e escrita para a matemática.

4
Tradução das palavras matheracy, literacy e technoracy.
21
A partir desses referenciais, reconhecendo nosso contexto amazônico e
apoiada pelas discussões no GEMAZ foi possível realizar um levantamento junto à
comunidade do Igarapé do Combu, em que busquei relacionar letramento e
etnomatemática, identificando, entre os ribeirinhos, na atividade de extração e venda
do açaí um conhecimento local, o uso das rasas. Esse conhecimento considerado
na sala de aula pode servir para caminhar rumo à educação multicultural. Esta
relação dos saberes iniciou uma discussão teórica que resultou em um artigo
intitulado “A medida da rasa: um encontro entre Letramento e Etnomatemática”
(SOUSA; PALHETA, 2008) apresentado no 3º Congresso Brasileiro de
Etnomatemática.
Das primeiras conclusões sobre o artigo acima dei início a proposta de
Pesquisa para entrada no mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação
em Ciências e Matemáticas do então Núcleo Pedagógico de Apoio ao
Desenvolvimento Matemático e Científico5, sob o título “Letramento e
Etnomatemática: saberes matemáticos no cotidiano dos ribeirinhos”.

Agora, Mestranda...

Creio que se for feita uma pesquisa para verificar qual foi a disciplina mais
marcante durante o Mestrado, grande parte dos alunos responderão que foi a
disciplina Bases Epistemológicas da Ciência, seja pela professora ou pela disciplina
em si. Creio que a intenção da professora era abalar nossas bases, nossas
verdades e nossos paradigmas, no meu caso, ela conseguiu em vários aspectos.
No que se refere às discussões desenvolvidas na disciplina em questão posso
afirmar que foram essenciais ao meu olhar sobre o conhecimento científico e me
ajudaram a corroborar algumas convicções sobre os saberes caracterizados como
não científicos e a ampliar a importância de conhecer outros saberes e conviver com
opiniões diferentes das nossas, assim como a olhar a produção e transmissão do
conhecimento científico de maneira mais crítica e responsável.
Não quero dizer com isto que as outras disciplinas foram menos ou mais
importantes, ao contrário, tive a felicidade de estar junto a excelentes professores

5
A partir de julho de 2009 o NPADC passou a ser IEMCI – Instituto de Educação Matemática e Científica.

22
com disciplinas que só enriqueceram minha trajetória acadêmica. Poderia falar de
cada uma e da contribuição delas em minha vida pessoal e acadêmica, mas penso
que não é o momento, porém preciso citar duas disciplinas que estão diretamente
ligadas a esta pesquisa: Matemática Crítica que me ajudou a dar um novo olhar para
Matemática ocidental (escolar ou acadêmica) e; Pesquisa em Etnomatemática que
contribui nas discussões referentes às relações entre cultura e matemática.
No meu projeto de mestrado a intenção inicial era verificar o letramento
presente na vida escolar e comunitária dos estudantes ribeirinhos, considerando o
uso de medidas praticadas entre eles no processo de venda do fruto açaí. Mas, após
algumas orientações e reflexões percebi que poderia ampliar este objetivo tornando-
o mais próximo das discussões em Etnomatemática.
Assim, procurei olhar mais para os ribeirinhos em dois de seus ambientes de
convivência, nessa direção procuro identificar e compreender como o aluno
operacionaliza os conhecimentos escolares em seu ambiente cotidiano? Como o
estudante operacionaliza os conhecimentos do cotidiano no ambiente escolar?
Assim, a pesquisa procura relações ou interseções entre esses saberes
matemáticos praticados no cotidiano dos estudantes e os ensinados na escola.
Na busca por esses objetivos analiso os principais aspectos da cultura
ribeirinha, tendo como foco os saberes e os fazeres presentes na extração do açaí.
Outros elementos do cotidiano ribeirinho como a pesca, a fabricação artesanal ou
ainda os saberes demonstrados sobre os problemas sociais presentes na vida
escolar e comunitária dos estudantes ribeirinhos me ajudaram na compreensão dos
objetivos.
A especialização do conhecimento é uma herança, levada ao extremo, do
método de Descartes em que propõe “dividir cada uma das dificuldades que eu
examinasse em tantas parcelas quantas possíveis e quantas necessárias fossem
para melhor resolvê-las” (1987, p. 38). O conhecimento foi dividido em Ciências,
Artes, Religião e Filosofia; as Ciências em Exatas, Sociais, Humanas, etc. As Exatas
em Matemática, Física, Química, etc. A Matemática foi subdividida em outras áreas
como, por exemplo, Álgebra, Aritmética e Análise e cada uma destas pode ser
compartimentada à medida que o conhecimento avança. Ao transpor estes
conhecimentos em saberes escolares, possíveis de serem ensinados, esquece-se
que um dia eles formavam um único corpo de conhecimento e estão interligados.

23
Desta maneira os professores das disciplinas não interagem entre si e
acreditam, muitas vezes, não ser possível tal conexão. Na própria Matemática vê-se
total desarticulação entre os conceitos ensinados, chegando a existir, na mesma
série, dois ou três professores trabalhando os conteúdos de forma fragmentada.
As funções da matemática, comunicar e socializar, parece ter sido substituída
pela atual desinformação da produção de conhecimento por grande parte da
população e por conseqüência, ao invés de ter uma função social exclui os que não
têm acesso a ela. Esse fato pode ser observado nas avaliações nacionais e pelo alto
índice de reprovação e evasão escolar.
Talvez uma das razões para os baixos resultados nas provas do PISA6 (2003),
seja a disparidade da realidade das questões dessa avaliação com o praticado em
nosso país, em que predomina o uso excessivo de algoritmos sem significados e
não considera outras maneiras de construir conhecimentos, outros saberes,
diferentes dos livros didáticos.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 2000) apontam como um dos
caminhos para fugir do ensino puramente conteudista a interdisciplinaridade entre os
conhecimentos. Para que possa haver a interdisciplinaridade é possível que se
tenham também disciplinas, ou seja, não é preciso acabar com as matérias ou criar
outras e sim articular as áreas de conhecimentos.
No artigo três da Carta da Transdisciplinaridade os editores expõem que

a transdisciplinaridade é complementar à abordagem disciplinar; ela


faz emergir novos dados a partir da confrontação das disciplinas que
os articulam entre si; oferece-nos uma nova visão da natureza da
realidade. A transdisciplinaridade não procura a mestria de várias
disciplinas, mas a abertura de todas as disciplinas ao que as une e
as ultrapassa. (1994, não paginado).

A abordagem transdisciplinar do conhecimento visa complementaridades entre


as disciplinas, no sentido de ampliá-las, articulando-as por meio de conversas sem
hierarquias com a finalidade de nos mostrar uma nova maneira de ver e interferir na
realidade, pois não desconsidera as diferentes formas de expressão de
conhecimento.

6
Sigla, em inglês, de Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, realizado a cada três anos, desde 2000
nesse ano o foco era na Leitura; em 2003, a área principal foi a Matemática; em 2006, a avaliação teve ênfase em
Ciências.
24
Considero que a matemática, tanto dos manuais didáticos quanto dos saberes
da tradição das populações, devam ser valorizadas no ensino escolar, pois, acredito
que o aluno se identifica, reafirma e amplia conhecimentos quando estes são
constituídos por meio de incentivos e articulações culturais. Um dos objetivos desta
pesquisa é relacionar os componentes literacia, materacia e tecnoracia
(D’AMBROSIO, 2009) com a etnomatemática destacando a matemática escolar e a
cultura local.
Desta maneira procuramos entender e relacionar os saberes encontrados, dos
estudantes ribeirinhos e dos livros didáticos, com linguagem clara e inteligível; pois
“o mundo dos intelectuais, escritores ou universitários, que deveria ser mais
compreensivo, é o mais gangrenado sob o efeito da hipertrofia do ego, nutrido pela
necessidade de consagração e de glória” (MORIN, 2002, p. 97) e diria também que
pela busca de um título se esquecem que antes de qualquer coisa somos todos
seres humanos e planetários.
Boaventura de Sousa Santos, sociólogo que discute sobre os paradigmas da
ciência, nos oferece seu projeto de uma pedagogia do conflito, que se caracteriza
pelo inconformismo frente às discrepâncias de realidades, sociais e educacionais, às
desigualdades culturais e cognitivas.

Trata-se de um projeto orientado para combater a trivialização do


sofrimento, por via da produção de imagens desestabilizadoras a
partir do passado concebido não como fatalidade, mas como
produto da iniciativa humana. Um passado indesculpável
precisamente por ter sido produto de iniciativa humana que, tendo
opções, podia ter evitado o sofrimento causado a grupos sociais e à
própria natureza. (SANTOS, 1996, p. 17).

Assim, a reflexão sobre os saberes que estão ausentes do ambiente escolar,


neste caso os saberes dos ribeirinhos, e os porquês dos saberes que estão
presentes, os saberes matemáticos, poderá contribuir um futuro com menos
indiferenças e desigualdades e mais oportunidades e escolhas.
Ao tratar do multiculturalismo, Santos (1996, p. 30) expõe que “o modelo
dominante, do imperialismo cultural, não reconhece outro tipo de relações entre
culturas senão a hierarquização segundo critérios que são tidos como universais
ainda que sejam específicos de um só universo cultural, a cultura ocidental”. Neste
ponto, observamos relações entre as idéias de Santos e de D’Ambrosio, ambos
25
criticam a imposição da superioridade ocidental frente às outras culturas. No caso,
Etnomatemática como programa de pesquisa conduz a uma “revisão crítica de
teorias correntes de cognição, epistemologia, história e política” (D’AMBROSIO,
2002, p. 10); também está presente o inconformismo com a fragmentação do
conhecimento e com a determinação da matemática ocidental como verdade
universal.
Estas reflexões marcam as primeiras escritas desta pesquisa e me ajudam a
caminhar nas discussões seguintes.

26
DA METODOLOGIA AO MÉTODO

Nada mais distante de nossa concepção do método do que aquela


visão composta por um conjunto de receitas eficazes para chegar a
um resultado previsto.
Edgar Morin

FIGURA 1- Mapa da cidade de Belém. Fonte: www.tre-


pa.gov.br/.../zonas.htm&titulo=tribunal

27
O mapa acima revela a predominância de ilhas na formação do espaço
geográfico da cidade de Belém. Mas para a maioria das pessoas, inclusive as que
moram aqui, a cidade está concentrada nos bairros. A maioria da população está
concentrada na zona urbana da cidade, essa é uma característica das sociedades
ditas modernas.
Como já foi afirmado anteriormente, os planejamentos estão submetidos às
emergências surgidas durante a pesquisa. Nessa direção é pertinente a explicação
dos termos metodologia e método, utilizados no título do capítulo.
A intenção foi de explicar os caminhos planejados por meio das idéias iniciais
do projeto de pesquisa (metodologia) e os efetivamente percorridos (o método).
Para Morin (2003, p. 20) “o método não precede a experiência, o método
emerge durante a experiência e se apresenta ao final, talvez para uma nova viagem”
O caminho pensado necessitava de uma estratégia para a busca do
conhecimento.Assim, a metodologia seria o planejamento a priori e método o
pensamento em ação.
A busca pelas respostas às problematização proposta nesta pesquisa exigiu
ações que se dividiram em leituras, viagens à Ilha, visitas à escola, discussões no
Grupo de Estudos e conversas com orientadora.
Estas ações podem ser divididas em pesquisa/trabalho de campo em que me
inseri nos ambientes dos alunos ribeirinhos e pesquisa bibliográfica na qual
estabeleci momentos de diálogos com teóricos da Educação Matemática.
Nesta fase do texto descrevo os caminhos metodológicos planejados e os
efetivamente percorridos. Também apresento os dois ambientes de trabalho de
campo, a Escola e a Ilha, e os participantes/sujeitos que foram observados nesses
ambientes.

Os Caminhos da Pesquisa

Esta pesquisa foi pensada, inicialmente, com objetivo de identificar e analisar o


letramento matemático de estudantes ribeirinhos, porém percebi que o tema
letramento poderia reduzir as possibilidades de criação e descoberta deste estudo.
Percebi isto quando estudava mais a fundo o tema letramento, nesse ponto comecei
a olhar para a pergunta surgida na busca destes objetivos (Qual o nível de

28
letramento dos estudantes ribeirinhos?) entendi que não era essa a questão de meu
interesse, não queria saber dos níveis de letramento em matemática, mas sim das
relações entre os saberes dos ribeirinhos e o saber escolar institucionalizado.
Desse momento de reflexão florescem as seguintes indagações: o
conhecimento adquirido na escola é utilizado no cotidiano do aluno? E o
conhecimento que o aluno trás é levado em consideração na escola? Como isso
acontece? Destas problematizações emergiram as seguintes questões que
orientaram as primeiras ações desta pesquisa: como o aluno operacionaliza os
conhecimentos escolares em seu ambiente cotidiano? Como o estudante
operacionaliza os conhecimentos do cotidiano no ambiente escolar?
Posteriormente, durante minha qualificação apresentei a conclusão de que não
foi possível ver a operacionalização dos conhecimentos do cotidiano no ambiente
escolar, houve sugestões de mudanças ou esclarecimentos sobre a questão da
operacionalização dos conceitos matemáticos.
Então explico que quando proponho os objetivos acima, pretendo ver as
interseções/conexões/articulações entre os saberes/conceitos. Ou seja, como o
aluno faz a apreensão do conceito matemático e percebe/usa esse conceito na
sua prática. E, como ele articula os saberes e fazeres do cotidiano ribeirinho
na sala de aula.
Na busca pela compreensão traçamos alguns caminhos metodológicos que
iniciam pelas leituras de referencial teórico que desse o arcabouço necessário ao
desenvolvimento da pesquisa, sem esquecer os movimentos próprios dos fatos
ocorridos durante a pesquisa que também pediram outros referenciais.
Caminhei tentando fazer meu próprio caminho, mas também olhando outros já
construídos. Os referencias foram lidos, estudado e discutidos.
Daqueles que abordam a Etnomatemática cito D’Ambrosio (1993, 2001, 2002),
Vergani (2002, 2007), Barton (2004), Bishop (1999) e ainda a Tese de Santos
(2007); sobre a Educação Matemática Crítica convido Skovsmose (2001, 2007) e
Passos (2008); para falar de cultura e tradição trago novamente Vergani (1995) e
ainda Hobsbawn (2002), Georges Balandier (1997) e Cuche (2002).
No âmbito das pesquisas que englobam o cenário da diversidade ribeirinha das
Ilhas de Belém, citamos cinco pesquisas que têm como ambientes de pesquisa a
Ilha do Combu (BRITO, 2008; MATTA, 2006; DERGAN, 2006, CANTO, 2001) e a

29
Ilha Grande (QUEIROZ, 2009). Sendo que em Brito (2007) e Queiroz (2009) a
temática da relação entre Educação Matemática e Cultura Ribeirinha está presente,
com enfoque nas discussões em Etnomatemática. Matta (2006) pesquisa a relação
existente entre o urbano, representado por Belém, e o insular representado pela Ilha
do Combu. Canto (2001) analisou aspectos posturais dos trabalhadores extrativistas
da Ilha do Combu na fase de coleta dos frutos. Dergan (2006) objetivava
compreender as mudanças e permanências das relações das comunidades da Ilha
do Combu com os recursos naturais na atualidade.
Em sua pesquisa Brito (2008) observou de perto a prática pedagógica de uma
professora que abordava diversos conteúdos matemáticos contextualizados na
Cultura Amazônica em uma escola de ensino fundamental (séries iniciais) situada na
Ilha do Combu. Lá analisou a trajetória de uma professora na construção de uma
didática da Matemática com base na cultura local. Tinha como foco saber se “A
Cultura Amazônica relacionada com a prática pedagógica favorece a aprendizagem
dos conteúdos curriculares desenvolvidos na escola da ilha do Combu? De que
maneira?”.
Nesse sentido Brito (2008) conclui que o respeito ao tempo de aprendizagem, o
respeito ao aluno como ser humano, a formação para além de aprender Matemática,
a criatividade na organização dos conteúdos (não linear religando contexto
intradisciplinar), a criatividade na construção de materiais didáticos, a atenção à
cognição e afetividade do aluno com a Matemática presentes na prática da
professora na Ilha do Combu contribui para a valorização e responsabilidade dos
alunos em conhecer, proteger e valorizar a cultura local e que isto se aprende dentro
e fora da sala de aula.
Queiroz (2009) pesquisou junto a alunos de 5ª série que estudam em Belém e
moram na Ilha Grande. Seu intuito foi identificar quais saberes matemáticos podem
ser encontrados nas práticas tradicionais dos alunos ribeirinhos que não aparecem
no tratamento da matemática escolar e refletir sobre as possibilidades de (re) ligação
desses saberes em sala de aula e/ou fora dela. Para isto investigou as
potencialidades matemáticas evidenciadas nos saberes/fazeres desses ribeirinhos,
identificando um artefato - a rasa – construído artesanalmente e utilizado
matematicamente por eles como instrumento de medida. Conclui que a
Etnomatemática pode ser um diálogo capaz de possibilitar a (re)ligação entre os

30
saberes tradicionais dos alunos ribeirinhos e o saber matemático escolar e para que
ocorra essa (re)ligação o professor deve conhecer esses saberes.
Cito apenas essas pesquisas feitas nas Ilhas de Belém, pois elas foram as que
mais contribuíram em minhas reflexões, mas preciso dizer que existem muitos outros
estudos desenvolvidos e em desenvolvimento nessa região nas áreas da Educação,
Biologia, Antropologia, História, Geografia, só para citar algumas. Isso demonstra a
existência de riquezas de todos os tipos, biológica, cultural, humana, etc. presentes
nas Ilhas de Belém. Por exemplo, atualmente no PPGECM/UFPA temos uma
pesquisa em desenvolvimento que propõe investigar aspectos dos conhecimentos
matemáticos presentes nos artefatos produzidos pelos moradores da Ilha do Combu,
em que tem o objetivo analisar as idéias matemáticas presentes na produção e
utilização destes artefatos pelos moradores em suas atividades diárias,
considerando os vínculos destes com o ambiente (DIAS, 2009).
Percebo a importância das abordagens nas pesquisas citadas anteriormente
para o reconhecimento e valorização da tradição amazônica e do povo ribeirinho,
pois dão vez e voz ao que antes nem existia aos olhos da sociedade moderna.
Também entendemos que pela sabedoria cultural das tradições ribeirinhas e pela
necessidade de mudanças na exclusividade do pensamento capitalista, muitas
outras pesquisas cabem nesse contexto. Assim, acreditamos estar contribuindo para
as discussões em Educação Matemática e para ações que vislumbrem essa
mudança.
Tentando elucidar as indagações sobre os saberes e fazeres dos estudantes
ribeirinhos e sobre quais saberes e fazeres considerar nesta pesquisa fui observá-
los em seus ambientes de convivência a escola e a Ilha.

Somos levados a identificar técnicas ou mesmo habilidades e


práticas utilizadas por diferentes grupos culturais na sua busca de
explicar, de conhecer, de entender o mundo que os cerca, a
realidade a eles sensível, e de manejar essa realidade em seu
benefício e em benefício de seu grupo. Naturalmente, assim nos
situamos no contexto etnográfico. (D’AMBROSIO, p. 91, 1993).

Assim, as características de ação em campo desenvolvidas nesta pesquisa


podem ser abarcadas por uma abordagem etnográfica, mas não se resumem a ela.
Nessa direção, D’Ambrosio (2002) afirma que

31
Para se levar então o Programa Etnomatemática às suas amplas
possibilidades de pesquisa e ação pedagógica um passo essencial é
liberar-se do padrão eurocêntrico e procurar entender, dentro do
próprio contexto cultural do indivíduo, seus processos de
pensamento e seus modos de explicar, de entender e de se
desempenhar na sua realidade. (p.11)

Neste caso nossa preocupação com a aprendizagem não estava limitada à


escola nem ao ambiente escolar, pois acreditamos que os ambientes extra-
escolares estão entrelaçados à construção de conhecimentos na sociedade.
Os tipos de ambientes que os alunos vivenciam influenciam diretamente em
seus comportamentos e atitudes. Nesta pesquisa consideramos como os dois
principais espaços de convivência a escola e a comunidade, neste caso a Ilha do
Combu, mais especificamente o Igarapé do Periquitaquara.
Assim, pretendemos refletir sobre as possibilidades de uma Educação
Matemática que considere outros saberes construídos pelo homem, nossa cultura
amazônica é abundante de saberes e fazeres milenares que poderiam ser
problematizados na escola.
Entendemos a escola como espaço de formação cultural no sentido de que

Embora cultura escolar não seja um conceito simples de delimitar,


considera-se que na escola foram sendo historicamente construídas
normas e práticas definidoras dos conhecimentos que seriam
ensinados e dos valores e comportamentos que seriam inculcados,
gerando o que se pode chamar de cultura escolar. (PESANHA et al,
2004, p. 57).

Assim, a escola reproduz o modelo de sociedade, podendo também reproduzir


as desigualdades, o ensino escolar

pode tomar os mesmos homens, das mesmas idades, para ensinar


uns a serem senhores e outros, escravos, ensinando-os a pensarem
dentro das mesmas idéias e com as mesmas palavras, uns como
senhores e outros, como escravos. (BRANDÃO, 1995, p. 34)

Nesse sentido, a formação do sujeito pela escola não é isenta de ideologias e


dogmatismos. Mas, devemos lembrar que ela é invenção do homem e, se em algum

32
momento foi feita de um modo, poderá ser refeita ou reinventada de outro.
(BRANDÃO, 1995).
Os sujeitos sociais e históricos que receberam nossa atenção mais detalhada
foram os estudantes do Ensino Médio matriculados na Escola Estadual Edgar
Pinheiro Porto que moram nas ilhas situadas nos arredores de Belém. São
localidades separadas da região insular pelo Rio Guamá e compõem a paisagem de
nossa região.
Estas localidade são as Ilhas do Murutucu, Grande e do Combu. Devido as
condições de acesso a estas localidades serem difíceis e o período limitado que
dispunha para a realização desta pesquisa, não foi possível estar em todas elas,
assim, foquei meu olha em apenas uma das Ilhas, a Ilha do Combu.
Meu olhar estava voltado à problemática da operacionalização de conceitos
matemáticos, às linguagens da escola e da Ilha além do entrelace possível entre os
saberes presentes nos dois ambientes pesquisados. Pelas observações feitas em
sala de aula escolhi a Ilha do Combu, mais precisamente o Igarapé Periquitaquara,
pois lá moravam quatro alunos que se mostraram interessados em ajudar na
pesquisa e possuíam algumas características que contribuiriam à qualidade das
informações e ações a serem realizadas em tempo hábil.
Este estudo foi realizado a partir das observações das aulas e do cotidiano dos
alunos. O período de observações ocorreu no segundo semestre de 2008 na escola
e no primeiro semestre de 2009 na Ilha. Sendo que na Ilha as visitas não eram
freqüentes quanto na escola, devido a dificuldade de disponibilidade e acesso a Ilha.
Nestas observações utilizei caderno de anotações, gravador de voz e câmera
fotográfica.
A escola Edgar Pinheiro Porto foi selecionada por concentrar a maior parte dos
alunos originários das ilhas e foi influenciada pela pretensão de observar os
moradores das ilhas em ambiente de diversidades sócio-cognitivas. As visitas de
pesquisa às comunidades em que moram os alunos ribeirinhos têm como objetivo
identificar através de observações e diálogos, as atividades comuns ao seu dia-a-
dia. Chamo de visitas de pesquisa aquelas feitas aos estudantes ribeirinhos com a
intenção e conhecer seu cotidiano e iniciavam com a ida à Ilha saindo do Porto da
Palha às 12:30h aproximadamente e terminavam ao final da tarde.

33
Olhar a Escola e a Ilha sem esquecer de olhar o todo. Precisávamos estar lá e
estar aqui, então, estabelecer um referencial e nos posicionar foi necessário. O lá e
o aqui são relativos a quem está olhando. Imagine uma pessoa que chegando a uma
margem de um rio perguntando onde fica o outro lado (a ilha), tem como resposta “é
do lado de lá!” (referindo-se à margem oposta). Essa mesma pessoa dirige-se então
ao outro lado do rio, lá chegando pergunta ao morador da ilha “aqui é o outro lado?”
e a resposta não poderia ser outra: “Não, o outro lado é lá (a cidade)”.
Esta história, aparentemente, simples está carregada de significados quando
precisamos olhar para as duas margens de um rio.

No processo do ir-e-vir importa muito a escolha de pontos de vista


ou referenciais de observação e o modo como os especialistas os
utilizam em suas leituras do mundo e na relação dialógica, tanto
com os “outros” das sociedades pesquisadas, como também com
seus pares. (D’OLNE CAMPO, p. 1, 2000).

Quem são os outros nesta pesquisa? Ora estudante e noutra ribeirinhos?


Mesmo sabendo que atuam de acordo com o ambiente, para nós são estudantes
ribeirinhos, pois parece impossível tal separação de fato. São meninos, meninas,
homens, mulheres, jovens e adolescentes. Muitas identidades podem ser dadas,
mas não podemos esquecer que são também seres humanos e pertencem a um
único planeta.
Apenas para efeito de melhor nos situarmos no texto escrito, nosso referencial
ao falar do aluno é a escola e ao citar ribeirinho referimos ao ambiente da ilha.

A Escola e os Alunos

Para conhecer os alunos no contexto escolar iniciamos a pesquisa de campo


em Agosto de 2008. Através de levantamento anterior na SEDUC-PA7 tomamos
conhecimento de que a maioria dos alunos oriundos das Ilhas estavam alocados na
Escola Estadual Edgar Pinheiro Porto devido sua localização geográfica próxima às
margens do rio Guamá, no bairro do Condor, região periférica de Belém.

7
Secretaria de Estado de Educação / Pará.
34
FIGURA 2: Foto aérea mostrando a Escola Edgar Pinheiro Porto e o caminho percorrido pelos alunos
ribeirinhos até o Porto da Palha. Fonte: Google Earth

O primeiro contato foi com a Diretora da Escola que me apresentou os


professores e os funcionários. Em um breve diálogo me contou sobre o tratamento
diferenciado que os alunos moradores das Ilhas recebem. Por exemplo, horário
diferenciado dos demais alunos para a Educação Física. Este fato me surpreendeu,
pois acreditava não haver sensibilidade ao contexto diferenciado dos alunos
ribeirinhos.
A relação inicial com o Professor de matemática foi bem agradável. Ele se
mostrou receptivo com o problema de pesquisa e estava disposto a ajudar no que
fosse preciso. Desta conversa foram marcados dias e horários para as primeiras
observações nas salas de aula.
A Escola estadual de Ensino Fundamental e Médio Edgar Pinheiro Porto
funcionava em 2008 em três turnos, divididos em manhã, tarde e noite. São 746
alunos distribuídos em 25 turmas. No turno da manhã eram três turmas do primeiro
ano, três no segundo ano e duas turmas no terceiro ano e mais uma turma de oitava
série.
Das primeiras impressões da Escola percebemos que segue os padrões
arquitetônicos das escolas públicas em geral, e após algumas observações mais
detalhadas surgiram questionamentos sobre o espaço físico da escola. Por que a

35
maioria das escolas são prédios sem riqueza estética, pintada com cores neutras e
sem vida? A quem serve esse tipo de organização física da escola?
Para Dayrell (1996) a arquitetura e a ocupação do espaço físico da escola não
são neutras, são pensadas para definir as ações e comportamentos das pessoas,

Um primeiro aspecto, que chama a atenção, é o seu isolamento do


exterior. Os muros demarcam claramente a passagem entre duas
realidades: o mundo da rua e o mundo da escola, como que a tentar
separar algo que insiste em se aproximar. A escola tenta se fechar
em seu próprio mundo, com suas regras, ritmos e tempos. O
território é construído de forma a levar as pessoas a um destino:
através dos corredores, chega-se às salas de aula, o "locus" central
do educativo. Assim, boa parte da escola é pensada para uma
locomoção rápida, contribuindo para a disciplinação. (DAYRELL,
1996, p. 13)

Assim, a escola disciplina em todos os sentidos possíveis, no saber


institucionalizado e nos comportamentos ajustados.
A escola Edgar Pinheiro Porto segue os padrões das estruturas da maioria das
escolas em Belém, apesar da falta de itens importantes como quadra de esporte, é
composta por 9 salas de aula, 2 laboratórios (um de informática e um
multidisciplinar), biblioteca, secretaria, sala de serviço técnico, diretoria, sala de
professores, banheiros. Por ser uma escola do ensino médio, não oferece merenda
gratuita aos estudantes.
As aulas iniciam às 07h30min, com intervalo às 9h45min e terminam 12h00min.
É neste horário que os alunos ribeirinhos dirigem-se ao Porto da Palha8 para
embarcarem no transporte disponibilizado pelo Governo do Estado.

8
O Porto da Palha é o local destinado ao embarque e desembarque de pessoas e produtos como, açaí, palha,
madeira, farinha, carvão, dentre outras coisas, localizado as margens do rio Guamá, pertencente ao bairro do
Guamá.

36
9
FIGURA 3 : Fotos do Porto da Palha sob o prisma de quem chega via fluvial e via terrestre,
respectivamente.

No primeiro dia de observação em sala de aula pretendia conhecer os alunos e


me apresentar como uma pesquisadora que estava ali com intenção de ajudá-los e
ser ajudada por eles. Não entrei em detalhes sobre o problema da pesquisa, pois
estava em dúvidas sobre a reação dos alunos. Como deveria ser o tratamento com
os alunos ribeirinhos? Eles poderiam sentir-se discriminados em relação aos outros
alunos?
Assim, decidimos continuar as observações sem fazer distinções diretas entre
os alunos. Fiquei ali apenas observando, mas sem esquecer que também era
observada. Percebi que alguns alunos estranhavam minha presença na sua sala de
aula.
Estava ali na tentativa de compreender a relação entre o aluno e os saberes, no
caso da escola o saber matemático escolar. Ao olhar e ver os alunos em sala de
aula e nos outros ambientes da escola percebemos a individualidade e a
coletividade, suas identidades são mostradas por meio de suas roupas, gestos e
atitudes. Podemos percebê-los enquanto indivíduos que possuem uma historicidade,
com visões de mundo, valores, sentimentos, emoções, desejos e hábitos que lhe são
próprios.
Esta pesquisa prevê olhar e ver os estudantes oriundos das ilhas, mas como
não é possível essa separação na sala de aula, observava a tudo e a todos. Após,
um mês de observação iniciada em setembro, pensamos na ferramenta questionário

9
Todas as fotografias apresentadas nesta pesquisa são da autora.Salvo exceções com as devidas fontes.
37
para conhecermos um pouco dos fazeres extra-escolares dos alunos. Construímos
um questionário10 na tentativa de conhecer melhor o cotidiano dos alunos fora do
contexto escolar, seus desejos em relação à escola e seus planos para o futuro, este
questionário foi aplicado em períodos diferentes de acordo com a disponibilidade do
professor em doar um tempo em sua aula.
Por estar na sala de aula apenas observando os alunos e como não dispunha
de tempo para conhecer cada aluno, os questionários foram construídos no sentido
de conhecer, em um primeiro momento e de forma breve, as atividades
desenvolvidas pelos alunos fora do ambiente escolar bem como suas expectativas
quanto aos planos após concluírem o ensino médio.
Também foram questionados sobre suas preferências de disciplinas escolares.
Assim, as questões estavam relacionadas ao fazeres dos dia-a-dia fora da escola e
às suas ambições no campo profissional. O questionário foi aplicado em três turmas,
uma em cada ano do ensino médio. Dos questionários foi possível traçar, qualitativa
e quantitativamente, um perfil desses alunos.
Diferente do que ocorreu na pesquisa de Queiroz (2009) com alunos da 5ª
série, no ensino médio os ribeirinhos estão em minoria em todas as turmas. Em cada
turma tem no máximo cinco alunos ribeirinhos.

10
Em anexo
38
A Ilha e os Ribeirinhos

Belém

Ilha do Murutucu

Ilha Grande
Ilha do Combu

FIGURA 4: Vista aérea da Ilha do Combu e da margem sul da cidade de Belém

A cotidianidade na Ilha do Combu é um conjunto complexo de relações


estabelecidas com outras ilhas e com Belém. As relações sociais estabelecidas fora
da escola complementam a formação humana dos alunos, homens e mulheres que
têm um papel importante a ser desenvolvido na sociedade.
A pesquisa no ambiente extra-escolar buscou possíveis respostas ao problema
proposto: como ele percebe/usa os conceitos matemáticos da escola na sua
prática.
Uma das motivações para esta pesquisa decorre do fato de ser professora em
Belém-PA, incomodada com a falta do uso de regionalismo e valores culturais locais
na maior parte dos livros didáticos de matemática usados na cidade e pelos
professores. Assim, tenho a intenção de compreender os elementos da cultura
ribeirinha. Isto pode despertar novas práticas no ensino da matemática, que
valorizem a cultura local.
Por meio dos questionários constatei que os alunos ribeirinhos também são
vindos de ilhas que não fazem parte da cidade de Belém, como a Ilha de Boa Vista,
parte do município de Acará. Mas a maioria é oriunda da Ilha do Combu.
Assim, das conversas na sala de aula me aproximei mais dos alunos ribeirinhos
e por meio de um deles estabeleci contato com o barqueiro que faz o transporte dos
alunos no percurso ilha-escola-ilha.

39
O local de onde os estudantes partem de Belém é o Porto da Palha, local onde
funciona uma feira, onde também é feito o comércio do fruto açaí.
Um episódio recorrente, de acordo com os relatos dos alunos e que eu mesma
pude presenciar, é o atraso do barqueiro que faz o transporte deles. Esse fato faz
com que os alunos, não agüentando a espera, peguem carona com seus
conhecidos. Todas as vezes que fui para a Ilha sempre ia de carona com os
conhecidos ou parentes de um dos alunos. Este fato afastou a possibilidade de
conversas entre os alunos partícipes da pesquisa.
Do Porto partimos rumo à outra margem do rio Guamá, seguimos de barco uma
viagem que dura aproximadamente 30 minutos, relativamente curta, mas que
encanta pela paisagem das Ilhas. Estas idas começaram no primeiro semestre de
2009, com a volta às aulas dos alunos.
A Ilha do Combu está nos limites da cidade de Belém desde o ano de 1938,
situada na margem do rio Guamá a 1,5 km do sul da cidade. Antes desta data a Ilha
fazia parte do território do município do Acará. Esta decisão foi referendada através
da Lei nº 158, de 31 de dezembro de 1948 ao estabelecer os limites municipais de
Belém. A Ilha é formada por furos e Igarapés, sendo os de maior densidade
populacional são os igarapés do Combu e do Periquitaquara. (DERGAN, 2006).
No Igarapé do Periquitaquara moram os quatro alunos partícipes da pesquisa.
Sendo que três são da mesma família (a mãe, um filho e uma filha). Moram todos do
mesmo lado da margem do Igarapé. Com exceção da mãe que tinha 38 anos os
outros eram todos adolescentes.
A atividade extrativista comanda a base de subsistência dos moradores da Ilha,
mas é acompanhada pela pesca e outras atividades. Hoje com o maior
estreitamento dos laços com Belém surgiu a necessidade de transportar os
estudantes às escolas, assim, muitos donos de barco trabalham para o Governo do
Estado do Pará ou para a Prefeitura de Belém fazendo esse tipo de transporte.
Percebemos que a dinâmica do cotidiano da ilha é influenciada por hábitos que
não existiam antes. Assim, a história da Ilha pode ser contada sob as óticas dos
mais velhos que estão lá desde o início e fazem parte dos processos de mudanças.
Durante as visitas à Ilha foi possível conhecer o cotidiano dos moradores, seus
labores diários, a convivência em família e na comunidade. Nestes momentos
algumas questões relativas à pesquisa afloraram: O que focar nesse cenário tão

40
diversificado? Que atividade escolher para aprofundar meu olhar? Que saberes
seriam significativos aos dois contextos, escola e Ilha?
Para Bishop (1999, p. 43) existem atividades matemáticas universais, para este
autor “todas as atividades estão motivadas por necessidades relacionadas com o
entorno e, ao mesmo tempo, ajudam a motivar estas necessidades” 11.
É interessante destacar que o caráter de universalidade é dado às atividades
matemáticas. Não é a linguagem ou representação que seriam universais, mas sim
o fato de que todas as culturas participam em atividades matematizantes. Os
universais seriam as similitudes entre as culturas.
As atividades de contar, medir, localizar, desenhar, jogar e explicar seriam as
raízes comuns a todas as culturas do mundo, segundo Bishop (1999).
O contato entre culturas contribui para a ampliação da diversidade cultural, este
fato é possível de ser verificado quando ouvimos algumas histórias de moradores
antigos da Ilha. Antes a Ilha tinha vida própria e estabelecia relações com outras
ilhas, depois do Decreto que englobava a ilha ao território de Belém, começaram a
aumentar os contatos entre ribeirinhos e citadinos. Hoje alguns moradores são
usuários de eletrodomésticos, eletroeletrônicos, artefatos que influenciam no
cotidiano e nas mudanças de hábitos dos ribeirinhos.
Dentre as atividades mais antigas na Ilha do Combu está a extração do fruto
açaí. O processo extrativista é uma atividade complexa que carrega artefatos e
mentefatos característicos da cultura ribeirinha. É partindo do olhar desta atividade
que buscaremos possibilidades de entrelaçamento entre os saberes da cultura
ribeirinha e o saber escolar.

11
Todas estas actividades están motivadas por necesidades relacionadas com el entorno y, al mismo tempo,
ayudan a motivar estas necesidades.
41
TEORIZANDO A PRÁTICA DA PESQUISA

Uma teoria não é uma chegada, é a possibilidade de uma partida.


Uma teoria não é uma solução, é a possibilidade de tratar um
problema. Uma teoria só cumpre seu papel cognitivo, só adquire
vida, com o pleno emprego da atividade mental do sujeito.
Edgar Morin

O ingresso na universidade tem se tornado a grande meta colocada para a


maioria dos alunos, pela maioria das escolas. Sendo assim, é comum ser
considerado um fracassado o aluno que não cursa uma universidade. E ainda, o
conteúdo da grade curricular termina por obedecer exaustivamente ao programa
exigido pelas universidades, aos moldes de “preparação para concurso”. O tempo e
atenção para o desenvolvimento de temas importantes como ética, cidadania,
democracia, economia e até mesmo relativos ao aprofundamento da matemática
viva no cotidiano das pessoas são relegados ao segundo plano. Mas de acordo com
os Parâmetros Curriculares Nacionais.

O novo ensino médio, nos termos da lei, de sua regulamentação e


de seu encaminhamento, deixa de ser, portanto, simplesmente
preparatório para o ensino superior ou estritamente
profissionalizante, para assumir necessariamente a
responsabilidade de completar a educação básica. Em qualquer de
suas modalidades, isso significa preparar para a vida, qualificar para
a cidadania e capacitar para o aprendizado permanente, em
eventual prosseguimento dos estudos ou diretamente no mundo do
trabalho. (PCN +, 2002, p. 08)

É preciso tomar consciência do impasse: os dados educacionais mostram a


impossibilidade, hoje, de universidade pública para todos. O Censo da Educação
Superior referente ao ano de 2006 mostra claramente este fato no estado do Pará,
que pode ser estendido para os anos seguintes sem grandes diferenças, conforme o
seguinte gráfico:

42
Número de Vagas Oferecidas, Candidatos Inscritos e
Ingressos, Por Vestibular e Outros Processos Seletivos

70.000
58.663
60.000
50.000 46.664

40.000 Pública
30.000 Privada
22.120
20.000 13.820
8.141 7.789
10.000
0
Vagas Oferecidas Candidatos Inscritos Ingressos

Fonte: Secretaria Estadual de Educação, Censo 2006


É difícil aceitar que um ensino voltado exclusivamente para os exames de
vestibulares seja coerente com nossa realidade educacional e social. Não há vagas
para todos! E mesmo que houvesse, é possível inferir que muitos querem o ensino
superior não pelos objetivos propostos pelos cursos oferecidos, mas para melhorar
em termos de concorrência salarial, em termos de chances de emprego, muitas
vezes sem conexão alguma com os propósitos do curso selecionado. Com isto
quero salientar que o valor do saber não está só no saber acadêmico, talvez o que
esteja faltando é a justa valorização dos saberes ditos não acadêmicos.
No ensino da matemática, além do que foi exposto, o ensino geralmente é
voltado apenas ao desenvolvimento de técnicas e memorização de algoritmos como
se ao aluno não fosse permitido pensar crítica e criativamente. Assim, a matemática
é apresentada como uma matéria em que não há reflexão, e segundo Bishop,
desenvolver técnicas “não pode ajudar a compreender, não pode desenvolver
significados, não pode capacitar o aluno para que adote uma postura crítica dentro e
fora da matemática”. (1999, p. 26)
Esse mesmo modo de ensino é responsável pela eliminação da autonomia, das
raízes culturais, da autenticidade que toda criança carrega quando entra no espaço
formal da escola.
Neste capítulo trago para dialogar com as problematizações emergidas durante
observações, alguns teóricos que nos ajudaram a refletir acerca dos conhecimentos
produzidos na sociedade.
Na sala de aula o mote foi a matemática escolar enquanto saber
institucionalizado e internacionalizado, comandando nossas ações no mundo. Nesse
momento surgem algumas indagações: De que maneira a matemática está presente
no desenvolvimento tecnológico e social? Por que e para que ensinar e aprender a
43
matemática? Que medidas tomar rumo às mudanças necessárias? Quais as
conseqüências de possuir o conhecimento matemático escolar? Estas questões nos
fazem pensar na importância de saber utilizar, interpretar e analisar a matemática
ensinada na escola.
Na Ilha as questões estavam relacionadas aos saberes presentes nas práticas
do cotidiano. Qual a importância para a sociedade em geral de valorizar os saberes
da tradição? A linguagem da matemática escolar tem relações com a linguagem do
cotidiano? A tradição ribeirinha está morrendo ou se adaptando? O que os
ribeirinhos pensam sobre seus conhecimentos?
Assim, o entrelaçamento das questões me levou na direção alguns referenciais
que discutiremos em seguida. As ações e reflexões estão entrelaçadas por
teorizações que precedem e/ou acompanham esta pesquisa. Abordo aqui aqueles
que, com maior intensidade, estão contribuindo aos objetivos deste estudo.
Assim, a Etnomatemática pode destacar a relação entre matemáticas e culturas
além de valorizar a diversidade de nossa região e resgatar a autenticidade e
autonomia dos alunos. A Educação Matemática Crítica enfatiza o caráter político da
matemática para esses alunos, possibilitando atitudes crítico - reflexivas frente às
realidades sociais.
As interpretações das relações entre Etnomatemática e Educação Matemática
Crítica (EMC) dependem dos referenciais utilizados. Para esta pesquisa
abordaremos a Etnomatemática na perspectiva D’Ambrosiana e a EMC sob o olhar
de Ole Skovsmose, a partir das leituras desenvolvidas foi possível encontrar
conexões entre os temas. Posteriormente tivemos contato com a dissertação de
Passos (2008) que contribuiu, em suas discussões, para corroborar algumas idéias
acerca das conexões entre os temas.
A ruptura aos modelos standartizados defendida pela Etnomatemática nos
impulsiona a questionar a linguagem matemática disseminada na escola enquanto a
linguagem universal, essa discussão é intermediada principalmente por Teresa
Vergani, que mostra sua visão transdisciplinar e holística da educação
etnomatemática. Suas reflexões abarcam os saberes e as culturas dos povos em
todo o mundo e no decorrer da história da humanidade. Falar de outros saberes e
fazeres em comunidades ribeirinhas nos levou a refletir sobre a tradição e os

44
saberes produzidos no seio desses grupos. Nesse sentido convido Georges
Balandier e Eric Hobsbawm para me acompanhar nessas discussões.
Percebe que as teorias podem ser articuladas no sentido de que uma não
exclui a outra, ao contrário, acredito nas conexões entre elas.

Contribuições para o desenvolvimento das pesquisas em Etnomatemática.

Mais vale possuir um nome do que não ser nomeada e permanecer


inexistente aos olhos dos que traçam hoje os grandes rumos das
mudanças educacionais exigidas por uma sadia integração na
contemporaneidade
Teresa Vergani

Qual a primeira noção que nos vem à cabeça ao ouvir a palavra


etnomatemática? Por ser uma palavra formada por um prefixo sugestivo (etno) e
uma palavra muito conhecida (matemática) a maioria das pessoas associa aquela
palavra aos conhecimentos matemáticos de alguma etnia ou grupo étnico.
Os caminhos que a Etnomatemática tem percorrido estiveram quase sempre
ligados ao reconhecimento de práticas culturais de matematização, assim

a maioria das investigações e pesquisas em etnomatemática têm se


preocupado em demonstrar que existem várias e diferenciadas
formas de se fazer matemática e que estas são baseadas em
contexto culturais próprios, sendo, dessa maneira, diferentes da
matemática dominante, padronizada, acadêmica e institucionalizada.
A partir dessa idéia, diversas abordagens investigativas baseadas
numa perspectiva antropológico-etnográfica têm sido desenvolvidas.
(OREY; ROSA, 2005, p. 125-126)

Com o desenvolvimento das pesquisas em etnomatemática e sua íntima


relação com a Educação Matemática, as discussões sobre a necessidade de uma
ação pedagógica ganharam destaque. De acordo com Orey e Rosa (2005, p. 129) “a
etnomatemática deve evoluir naturalmente de uma perspectiva antropológico-
etnográfica para assumir uma dimensão voltada para a ação pedagógica”. Porém

45
penso que uma dimensão não deveria excluir outra, pois ambas contribuem ao
sucesso da Etnomatemática.
A etnomatemática como campo de investigação e pesquisa pode ter diversas
abordagens investigativas, de acordo com Bishop (apud OREY; ROSA, 2005) essas
abordagens teriam três focos:

• O conhecimento matemático em culturas tradicionais; esta investigação


possui uma abordagem antropológica, dando ênfase aos conhecimentos
e práticas experimentadas no cotidiano de diferentes culturas. Nestes
estudos, a linguagem, os valores e os hábitos dos grupos sociais são
muito significativos.
• Conhecimento matemático nas sociedades não-ocidentais; é uma
investigação histórica que baseia-se em valores históricos que
fundamenta-se em documentos antigos e não nas práticas matemáticas
de cada grupo cultural. A prática investigatória nesta abordagem tem
uma preocupação em contrastar as informações coletadas nos
documentos pesquisados com a prática atual de cada grupo.
• Conhecimentos matemáticos de diversos grupos numa sociedade; esta é
uma investigação com ênfase sócio-psicológica. Nesta perspectiva, o
conhecimento matemático é construído socialmente pelos grupos
culturais que estão envolvidos em práticas matemáticas específicas.

Considero de grande importância as pesquisas em etnomatemática que


valorizam povos de diferentes regiões, épocas e culturas. No entanto acredito que
devemos nos perguntar quais as possibilidades de contribuição dessas pesquisas ao
campo educacional. D’Ambrosio nos dá uma pista ao afirmar que

quando ensinamos a matemática de outras culturas, perseguimos


dois objetivos: desmistificar uma forma de saber, retirando sua aura
de conhecimento definitivo, absoluto e único; e ilustrar sucessos
intelectuais de diferentes civilizações, culturas, profissões, gêneros.
(D’AMBROSIO, 2005 p. 09)

46
Esses são os primeiros caminhos quando queremos abordar etnomatemática
na sala de aula. Outras maneiras de abordá-la são propostas por vários
pesquisadores na área, por exemplo, os trabalhos de Knijnik (1996), Lucena (2005),
Santos (2008), Ossofo (2006), Souza (2008), para estes pesquisadores a
etnomatemática pode contribuir, entre outros fatores, para a incorporação de outras
práticas matemáticas aos saberes escolares, diminuir a evasão escolar, fortalecer os
conhecimentos de grupos minoritários.
Outra noção é proposta por Barton (2004, p.53), “Etnomatemática é um
programa de pesquisa do modo como grupos culturais entendem, articulam e usam
os conceitos e práticas que nós descrevemos como matemáticos, tendo ou não o
grupo cultural um conceito matemático”. Este sentido é importante para encaminhar
as pesquisas que desejam caracterizar-se como etnomatemática.
Segundo o Barton (2004) um problema importante a ser abordado nas
pesquisas da área é a possibilidade de existência de outros conceitos matemáticos
que não estejam subordinados aos já existentes, ou seja, geração de novas idéias
que transformem a maneira como a matemática é concebida.

Se esta possibilidade não for admitida, então a etnomatemática


reduz-se ao estudo de práticas culturais particulares do ponto de
vista de um matemático, (oposta à idéia de um estudo do modo pelo
qual outras pessoas concebem suas próprias práticas). A
etnomatemática torna-se assim uma parte (não muito importante) da
matemática. (...) Se existe somente uma única visão do fenômeno
matemático, então por que tentar e encontrar um outro? (p. 58)

Percebo que ao considerar os ribeirinhos como um grupo cultural, descrevo


todos os aspectos de seu contexto para poder caracterizar/encontrar atividades
matemática presente em suas práticas. Vale lembrar que nem sempre (quase
nunca) são consideradas matemáticas pelo grupo.
O diálogo entre os grupos que utilizam cada um sua própria linguagem, neste
caso me refiro ao diálogo entre ribeirinhos e matemática escolar, é almejado de
maneira que haja respeito mútuo. A tentativa é de entender os saberes e fazeres
que estão ausentes do ambiente escolar e propor discussões para as causas dessas
ausências.

47
As atividades de contar, medir, localizar, desenhar, jogar e explicar são
similitudes consideradas universais, pois de acordo com os estudos antropológicos
seriam encontradas em todas as sociedades. (Bishop, 1999)
Todas as sociedades teriam desenvolvido atividades que podemos chamar de
matemáticas, porém as maneiras de abstração e representação diferem em cada
cultura. Esse caráter universal é explicado por Bishop (1999)

se realmente são universais e se tenho argumentado com êxito que


são atividades importantes para o desenvolvimento dos aspectos
matemáticos da cultura, então o corolário deve ser que todas as
culturas desenvolvem matemáticas: que as matemáticas são um
fenômeno pancultural”12 (p. 79).

Nesse sentido temos que ter cuidado ao ressonar este discurso, pois pode ser
confundido com o sentido de universalidade dado à matemática ocidental. A
matemática que hoje é conhecida e difundida mundialmente não é universal no
sentido de suas origens.
As civilizações Inca, Maia, Chinesa e Africana são apenas alguns exemplos de
sociedades que ao responder às suas necessidades desenvolveram maneiras
diferentes de medir, contar, jogar, explicar, desenhar e localizar.
Para Vergani (2007) as pesquisas em etnomatemática encontram-se no que ela
denominou fase de Lua Cheia, que significa ter a consciência de que a
etnomatemática tem uma missão que vai além do interconhecimento das diferenças
culturais. A ela cabe apontar possibilidades de transformações críticas em nossa
sociedade ocidental, solidária às outras maneiras de refletir, saber, sentir e agir.
No que concerne à educação etnomatemática devemos ser

Consciente de que a produção/difusão de conhecimentos é um


processo que envolve a transformação dos mesmos, apela para a
liberdade solidária, criativa e crítica que torna o indivíduo um
interveniente socialmente ativo no domínio da construção evolutiva
dos saberes. (VERGANI, 2007, p. 13)

12
Si realmente son universales y si he argumentado com éxito que son actividades importantes para el desarrollo
de los aspectos matemáticos de la cultura, entonces el corolario debe ser que todas lãs culturasdesarrollan
matemáticas: que lãs matemáticas son um fenómeno pancultural. (BISHOP, 1999, p. 79). Tradução minha.
48
Assim, a crítica social na educação deveria estar presente nos planejamentos
curriculares e pedagógicos. Reconhecendo a ciência ocidental e as tradições
socioculturais mais diversas. (VERGANI, 2007).

Etnomatemática sob a perspectiva


perspectiva D’ambrosiana

Por que insistirmos em Educação e Educação Matemática e


no próprio fazer matemático, se não percebemos como nossa
prática pode ajudar a atingir uma nova organização da
sociedade, uma civilização planetária ancorada em respeito,
solidariedade e cooperação?

Ubiratan D’Ambrosio

A história da Educação Matemática no Brasil está intimamente ligada à vida


pessoal e profissional de Ubiratan D’Ambrosio. Sua formação acadêmica parecia
não estar ligada aos problemas do ensino da Matemática, a exemplo de seu
doutorado na área de matemática pura com a tese intitulada “Superfícies
generalizadas e conjuntos de perímetro finito”.
Mas, as experiências de vida como pesquisador e professor só enriqueceram
suas discussões posteriores acerca da matemática usada em benefício das
comunidades. Dentre os trabalhos desenvolvidos como professor em vários países,
foi na África que despertou para outras maneiras de saber,

D’Ambrosio comenta que foi extremante importante aquela


experiência na África, porque teve oportunidade de conhecer e
vivenciar outras experiências culturais diferentes daquelas de
origem européia; de conhecer cidades com traçados diferentes, com
outros sistemas de construção; outros conhecimentos de metalurgia,
geometria, além de possuírem tradições diferentes daquelas
européias; enfim, todo aquele quadro chama a sua atenção para os
conhecimentos de física, matemática e ciências em geral, que
davam suporte às técnicas, à agricultura, à arquitetura daqueles
povos. (SANTOS, 2007, p. 263)

Ao perceber outros mundos possíveis D’Ambrosio começou a questionar tanta


pesquisa de alto nível sendo produzida em matemática pura, porém sem nenhuma

49
(ou quase) relação ou influência positiva junto aos povos africanos excluídos dos
benefícios do capitalismo. Nesse sentido, suas idéias voltam-se para a

Preocupação com os excluídos, com a busca pela paz, de modo


relacionado com a construção de um ensino de matemática que
relevasse as questões locais da comunidade e que não estivesse
preocupada unicamente com o desenvolvimento da matemática em
si. (SANTOS, 2007, p. 264)

Já de volta ao Brasil, D’Ambrosio dirige suas pesquisas a alguns pontos que


abalaram os pilares da matemática e no mínimo incomodou o grupo que dominava
as pesquisas em matemática no Brasil. Questões do tipo “Por que ensinar
matemática?” ou “A matemática é universal?” discutidas em congressos
internacionais passam a transitar no meio acadêmico e influenciar diretamente o
movimento da Educação Matemática.
Foi em 1984, no 5º Congresso Internacional de Educação Matemática/ ICME 5,
que D’Ambrosio propôs a etnomatemática como um campo fértil para pesquisas,
firmando internacionalmente esta nova proposta para o ensino

A etnomatemática revelou-se algo muito controvertido. Certos


educadores e matemáticos rejeitaram, e alguns ainda rejeitam,
totalmente a idéia. Eu ter ficado identificado com a palavra
etnomatemática deve ter causado algum desconforto e muitos
colegas, de várias partes do mundo, têm proposto nomes diferentes
para a mesma idéia. O fato inegável é que a etnomatemática tornou-
se uma direção de crescente importância na história, educação e
filosofia matemática. (D’Ambrosio, 2004)

Sua intenção era de começarmos a entender a aventura da espécie humana


que na pulsão de sobrevivência e transcendência desenvolveu modos, estilos, artes,
técnicas de explicar, aprender, conhecer e lidar com o ambiente natural, social,
cultural e imaginário (D’AMBROSIO, 2001).
Assim, o termo etnomatemática foi considerado mais abrangente que
Matemática Antropológica, ou Etnografia Matemática, ou Matemática Cultural ou
outras tantas propostas que as pesquisas antropológicas vinham destacando para
os aspectos matemáticos nas culturas dos povos colonizados. (D’AMBROSIO,
2002).

50
As pesquisas antropológicas que destacavam os aspectos matemáticos nas
culturas dos povos colonizados muitas vezes usavam a matemática ocidental como
parâmetro, este fato foi motivo para as críticas iniciais à etnomatemática. Mas,
podemos dizer que estas críticas serviram também ao fortalecimento da
etnomatemática enquanto um programa de pesquisa. A seguir dissertaremos sobre
a idéia de D’Ambrosio para o que denominou Programa Etnomatemática.
A idéia de programa de pesquisa é também uma proposta para as futuras
pesquisas em etnomatemática, não é um encaminhamento metodológico com
métodos pré-definidos, mas sim se devem levar em consideração três perguntas
diretrizes:

1. como práticas ad hoc e soluções de problemas se


desenvolvem em métodos?
2. como métodos se desenvolvem em teorias?
3. como teorias se desenvolvem em invenções?

Tendo estas perguntas em mente nas pesquisas diminuiremos o risco de


transformar a etnomatemática em mais uma disciplina engaiolada e submetida ao
caráter estritamente disciplinar do conhecimento acadêmico (D’AMBROSIO, 2001)
Ao tratar da Etnomatemática como um programa de pesquisa D’Ambrosio
“procura evidenciar que não se trata de uma outra epistemologia, mas sim de
entender a aventura da espécie humana na busca de conhecimento e na adoção de
comportamentos” (2001, p. 17).
D’Ambrosio não pretende conceber a etnomatemática como uma teoria, pois
nesse caso o foco seria o conhecimento já estabelecido em acordo com paradigmas
aceitos. Então, ao falar em Programa Etnomatemática indica a permanente evolução
deste programa.
Assim a Etnomatemática não está presa, congelada, está em constante
transformação. Nesse sentido é que D’Ambrosio propõe várias dimensões da
Etnomatemática: a dimensão conceitual, dimensão histórica, dimensão cognitiva,
dimensão epistemológica, dimensão política e a dimensão educacional.
Para esta pesquisa faz-se importante detalhar a dimensão cognitiva, política e a
educacional.

51
A Dimensão Cognitiva está associada à idéia de sobrevivência e
transcendência, estas necessidades geram pensamentos [mentefatos] que resultam
em práticas [artefatos].
Na nossa espécie existem diferentes formas de pensar e expressar estes
pensamentos “as idéias matemáticas, particularmente comparar, classificar,
quantificar, medir, explicar, generalizar, inferir e, de algum modo, avaliar, são formas
de pensar presentes em toda espécie humana” (D’AMBROSIO, 2002, p. 30).
As atividades cotidianas dos ribeirinhos são exemplos de necessidade de
sobrevivência e transcendência. Estas necessidades são observadas pelos desafios
enfrentados no cotidiano que são diferentes dos desafios enfrentados na cidade. E
“naturalmente, em todas as culturas e em todos os tempos, o conhecimento, que é
gerado pela necessidade de uma resposta a problemas e situações distintas, está
subordinado a um contexto natural, social e cultural” (Idem, 2002, p. 60).
Nesta dimensão olha-se o homem como indivíduo participante, integrado na
realidade social e cultural em permanente interação com o meio. Assim, o
conhecimento é compartilhado entre pessoas, comunidades, culturas. D’Ambrosio
(2002, p. 32) entende a cultura como um “conjunto de conhecimentos compartilhado
e comportamentos compatibilizados”.
São vários os sistemas de explicação existentes para os fenômenos que
cercam a humanidade assim, os povos aqui da Amazônia (indígenas, quilombolas,
ribeirinhos, etc.) desenvolveram meios de conhecer e lidar com o ambiente, mas a
maneira ocidental de ver o mundo é privilegiada em todas as instituições da
sociedade, especialmente na escola. Na dimensão cognitiva são privilegiadas todas
as formas de expressão do pensamento que incorpora o sensorial, o intuitivo, o
emocional e o racional. O pensamento do homem deve caminhar para além da
sobrevivência.
Essa sobrevivência esteve durante a história da humanidade submetida à
relação entre dominador e dominado nos processos de conquistas, aqui surge a
dimensão política do Programa Etnomatemática. Para o próprio D’Ambrósio falar do
conceito de política é complicado, ele fala de política “como um fato histórico-
filosófico que tem sido o substrato do exercício do poder. A dimensão política é
entender como a matemática tem servido ao poder, como um instrumento muito
eficiente” (D’Ambrosio, 2009, por e-mail).

52
Na Dimensão Política as relações entre culturas são de extrema importância
para o desenvolvimento destas. Mas estas relações quase nunca são harmoniosas,
as conquistas do Novo Mundo foram acompanhadas pela imposição cultural e
social. É uma estratégia de manter o conquistado inferiorizado e uma maneira de
manter os indivíduos inferiorizados é arrancando suas raízes históricas e fincando as
do dominador.

A remoção da historicidade implica na remoção da língua, da


produção, da religião, da autoridade, do reconhecimento, da terra e
da natureza e dos sistemas de explicação em geral [...] Ao ver
destruído ou modificado o sistema de produção que garante seu
sustento, o dominado passa a comer e a gostar do que o dominado
come. (D’AMBROSIO, 2002, p. 40).

A linguagem é um meio muito eficiente de seleção, podemos perceber isto nas


aulas de matemáticas. Os alunos não têm oportunidade de comunicar seus pontos
de vista, ou se tem não o fazem por vergonha de falar errado. Ainda, a linguagem
que a matemática utiliza para se expressar é bem diferente de qualquer linguagem
usada no cotidiano, por isto assume o caráter seletista. O aluno é muitas vezes
excluído pelo próprio professor, quando este se considera o detentor do saber e
exerce esse poder sobre o aluno. Mais adiante retomaremos as discussões acerca
da linguagem matemática.
A Etnomatemática tem sua vertente mais importante na busca do
reconhecimento e respeito pelas raízes do indivíduo, o que não quer dizer que
vamos ignorar outras formas de conhecimento, mas sim criar um ambiente de
respeito mútuo entre os diferentes.

A existência de diferenças é natural e o encontro com o diferente é,


em todas as espécies vivas, essencial para a continuidade da
espécie. Mas é incrível como, num curto tempo de sua presença
neste planeta, a espécie humana tornou esse encontro um ato
sujeito à arrogância, à inveja, à prepotência, à ganância e à
agressividade. A ética tem como objetivo transcender esse
comportamento. (D’Ambrosio, p. 13 2007).

O caráter político da matemática esteve sempre presente na história da


humanidade, servindo aos que estavam no poder

53
Na história moderna e contemporânea, os vários "ismos" tem
desenvolvido uma matemática que serve aos objetivos desses
"ismos". Assim, houve uma matemática perfeitamente adequada
para os objetivos do mercantilismo, outra eficiente para o
colonialismo, uma matemática adequada para os objetivos do
capitalismo, outra muito conveniente para o comunismo.
(D’Ambrosio, 2009, por e-mail).

E a escola é o principal meio de divulgação da matemática que serve ao poder


desses “ismos”. Por isso é de grande relevância a Dimensão educacional discutida
no Programa Etnomatemática.
Na Dimensão Educacional da etnomatemática percebemos não haver um
desprezo pela matemática acadêmica, não há negação sobre as maravilhas
tecnológicas possíveis graças a essa matemática, mas a etnomatemática quer
evidenciar que alguns valores de humanidade, como ética e solidariedade, estão
ausentes no processo de divulgação da matemática ocidental.

De um ponto de vista utilitário, que não deixa de ser muito


importante como uma das metas da escola, é um grande equívoco
pensar que a etnomatemática pode substituir uma boa matemática
acadêmica, que é essencial para um indivíduo ser atuante no mundo
moderno. (D’Ambrosio, 2001, p. 43)

A matemática acadêmica pode ser considerada uma etnomatemática dos


povos que se originaram dos povos do Mediterrâneo. E hoje, com a sociedade
altamente tecnológica não podemos desprezar a matemática que está por trás de
todo esse desenvolvimento tecnológico. Assim, “na sociedade moderna, a
etnomatemática terá utilidade limitada, mas, igualmente muito da matemática
acadêmica é absolutamente inútil nessa sociedade” (D’AMBROSIO, 2001, p. 43).
Conhecer e assimilar a cultura do dominador se torna positivo desde que as
raízes do dominado sejam fortes. Na educação matemática a etnomatemática pode
fortalecer essas raízes.
O estudante ribeirinho precisa conhecer e entender a matemática acadêmica,
mas para isto não precisa esquecer e tomar como inválido todo conhecimento
aprendido na Ilha. É interessante ressaltar aqui que muitos estudantes têm vergonha

54
de dizer que são moradores das Ilhas, pois, passariam a ser motivo de gozação para
alguns alunos e até para professores.
O contato entre culturas requer uma concepção de escola multicultural, pois o
encontro entre culturas inevitavelmente gera conflitos. Estes poderão ser
estabelecidos por meio do diálogo e do respeito entre as culturas
Outra proposição desta dimensão é a predominância da abordagem qualitativa
sobre a quantitativa, a valorização de outros focos que vão além do conteúdo
científico. Este seria o caminho para uma nova organização da sociedade. Assim, a
etnomatemática não se separa de outras manifestações culturais, “a etnomatemática
se enquadra perfeitamente numa concepção multicultural e holística da educação”
(Idem, 2001, p. 44).
Quando valorizamos o qualitativo damos espaço para o ser humano se
manifestar, percebemos que o importante não é forçar os alunos a aprender
determinados conteúdos, mas sim proporcionar a eles a opção de escolher por um
futuro menos violento, que valorize a vida de toda a humanidade da forma mais
igualitária possível.
As informações adquiridas fora do contexto escolar devem fazer parte das
discussões, o conhecimento aprendido em outros ambientes pode ser relacionado
ao conhecimento escolar. A concepção de currículo difundida na escola está
relacionada apenas a escolha dos conteúdos a serem ensinados pelos professores.
Nesse sentido, “espera-se que a educação possibilite, ao educando, a aquisição e
utilização dos instrumentos comunicativos, analíticos e materiais que serão
essenciais para o seu exercício de todos os direitos e deveres intrínsecos à
cidadania” (D’AMBROSIO, 2001, p. 66).
Nesta proposta pedagógica a matemática deve estar ligada às situações reais e
por meio da crítica seríamos capazes de analisar, questionar e mudar nossa
realidade presente e futura.
Nossa sociedade, apesar das desigualdades sociais, é muito evoluída
tecnologicamente. Hoje é possível a comunicação instantânea entre pessoas de
qualquer parte do mundo, desde que possuam o ferramental para isto. Todo
conhecimento científico e tecnológico proporcionou maravilhas antes presentes
apenas nas mentes dos cientistas.

55
E hoje, na maior parte dos casos, temos escolas que priorizam conteúdos
desvinculados de qualquer realidade cultural vivida pelos alunos, seja a cultura
ribeirinha, seja a cultura tecnológica.
Tomando como base a concepção de currículo proposta por D’Ambrosio,
pensamos ser possível mudanças no currículo tradicional. Em acordo com as
discussões acerca da organização e difusão de conhecimento, propõe um trivium a
partir dos conceitos de literacia, materacia e tecnoracia.
A idéia de literacia está historicamente ligada às habilidades de ler, escrever e
contar e fazem parte das preocupações curriculares ligadas à tradição norte-
americana representada pelos “three R’s: readind, ‘riting and ‘rithmetic”.
Porém, na proposta de D’Ambrosio (no prelo)

Literacia deve ser entendida em uma multiplicidade de dimensões.


Dentre estas destaco o que poderíamos chamar ‘literacias
escolares’ e ‘literacias comunitárias’. Na primeira categoria estão as
habilidades de ler, escrever e contar e os estudos sociais. Na
segunda está a capacidade de apreciar e entender as tradições
comunicativas da comunidade.

As “literacias” fazem parte da formação da personalidade do aluno/indivíduo,


implicando em uma percepção crítica dos vários contextos culturais. Às habilidades
de ler, escrever e contar deve-se associar a interpretação. Assim,

Deve-se dar menos atenção com o ler e escrever formais e mais


com as interpretações. Da mesma maneira, os estudos sociais
devem começar com a história pessoal e comunitária de cada
indivíduo e com a busca de identificações culturais. (Idem)

Percebemos o caráter de interação entre os saberes escolares e os saberes


desenvolvidos em comunidades, isto contribui para a formação de uma consciência
crítica, fato que não ocorre quando priorizamos apenas a aprendizagem de técnicas
e habilidade.
Materacia está associada à capacidade de manejar, entender e sequenciar
códigos e símbolos para elaborar modelos com vistas à aplicação no cotidiano, sem
esquecer sua nascente crítica. Teorizar sobre fatos passados e lidar com fatos
novos é a essência da capacitação de indivíduos. (D’Ambrosio, no prelo).

56
Construir e refletir sobre modelos requer conhecimento de códigos e símbolos
e a matemática escolar pode ajudar na compreensão e na utilização desses
símbolos.

A materacia permite ao aluno adquirir os instrumentos intelectuais


necessários para a análise simbólica. Um código ou um resultado
diz muito mais que o próprio código ou resultado. A crítica dos
códigos e resultados permite reconhecer implicações e
interpretações e analisar conseqüências e possibilidades futuras.
(D’AMBROSIO, no prelo).

A materacia é um caminho para fugir do ensino conteudista e sem significado


além de contribuir na formação crítica dos alunos e está relacionado não apenas à
aquisição do conhecimento como também à análise sobre esse conhecimento.
As críticas proporcionadas pela materacia aos sistemas de conhecimento que
geram artefatos/tecnologias ajudam nas análises do uso dessa tecnologia, a
tecnoracia. Como mencionado anteriormente, nossa sociedade é altamente
tecnológica, porém, na escola não há discussão acerca dos objetivos dessa
tecnologia.
Não podemos negar os benefícios que as tecnologias nos proporciona, porém,

É responsabilidade da educação a preparação do futuro consumidor


de tecnologia, convidando-o a refletir, holisticamente, sobre as
conseqüências do uso de determinadas tecnologias. Essa
responsabilidade no consumo é o único caminho que se pode
apontar para escapar ao problema crescente de poluição urbana
(lixo alimentar e industrial) e ambiental (ar, águas e solos). (Idem).

Pensar sobre os problemas ambientais e urbanos é um ponto de partida


prático, pois são questões presentes em nosso cotidiano. É também essencialmente
urgente, pois já conhecemos na prática algumas das conseqüências da poluição e
do desmatamento desenfreado e também começamos a ter de nos preocupar com
um novo tipo de lixo, o tecnológico.

57
Etnomatemática e Linguagens

Os seres vivos possuem diferentes maneiras de se comunicar. E mesmo a


comunicação humana pode ser feita das mais diversas formas, sendo algumas mais
naturalmente adquiridas como a língua materna e outras mais construídas como a
linguagem matemática. Nós possuímos diferentes habilidades e preferências e
podemos desenvolver e utilizar diferentes linguagens para interpretar, explicar e
analisar o mundo.
A história da humanidade nos mostra a importância da linguagem matemática
na comunicação entre os povos antigos, “a matemática começa, assim, por
promover a solidariedade humana ao induzir um método de comunicação que
ultrapassa o bloqueio criado pelo uso de diferentes línguas” (Vergani, 2002, p.14).
A linguagem é ao mesmo tempo produção de pensamento e capacidade de
comunicá-lo, a língua é o componente social da linguagem e a fala o seu
componente individual. Tentar entender estes componentes é essencial para que
alcancemos a compreensão coletiva e intersubjetiva. (Vergani, 2002).
O rebuscamento da linguagem, juntamente com a abstração matemática, retira
os aspectos mais intuitivos do conceito e terminam por criar insucessos ou erros na
aprendizagem. Na sala de aula a forma de comunicar o conceito matemático influi
diretamente na formação e interpretação desse conceito pelo aluno, ou seja, como o
aluno vê a matemática.

Antes da interpretação, o conceito apresenta-se como uma idéia já


existente e aceita pela comunidade matemática, adequando-se aos
princípios da disciplina. Após ser interpretado pelo aluno, este
conceito sofre modificações decorrentes da interpretação. O aluno
experimenta o conceito e o transforma, cria outro conceito para si,
obedecendo ou não às necessidades da matemática. (Silveira, p.
13, 2005)

Assim, os conceitos matemáticos são muitas vezes comunicados ou


interpretados de acordo com a linguagem matemática escolar, deixando de lado
outras linguagens nascidas e significadas no seio da comunidade onde vive o aluno.

Um conceito se constrói quando se remaneja conceitos anteriores


que o preparam, mas que não passam a constituí-lo. Para o sujeito
interpretante, os conceitos antigos fundidos num novo podem
58
transformá-lo ou impedir a criação de outro. O conceito está sempre
num estado de devir a ser, ele não é absoluto no sentido de
encontrar-se pronto. Ele é fragmentário, pois está sempre se
renovando, na medida em que o sujeito projeta nele sentidos novos.
(SILVEIRA, 2005, P. 124)

Aqui cabe uma questão importante para as análises futuras: o que vem a ser
conceito? E conceito matemático? Uma discussão acerca do conceito matemático
nos ajudará a interpretar as observações acerca das linguagens nos ambientes
pesquisados.
Para isto, cabe outra pergunta: Os conceitos são entidades abstratas e
independentes da mente, ou dependem desta para existirem?
No primeiro caso vemos que os conceitos existem independentes de uso que
possamos fazer, está no mundo das idéias e nesse sentido poderá ser universal.
Mas, se olharmos para o segundo caso percebemos a necessidade do contexto na
sua existência. Penso isso, porque as discussões que englobam a matemática
enquanto uma atividade universalmente praticada por todas as sociedades crêem na
universalidade dos conceitos matemáticos, por exemplo, os conceitos de medir e
contar. Mas nesse ponto reflito sobre quem identificou uma atividade envolvendo a
comparação e caracterizou com o conceito de medir? Esses conceitos não seriam
na verdade o olhar ocidental dos pesquisadores sobre as diversas culturas que
desenvolvem atividades que caracterizamos como matemáticas?
Quando afirmamos que todos os povos mediram, talvez estejamos deixando de
lado a questão do contexto, eles não mediram no sentido que conhecemos, o que
estavam fazendo era resolvendo um problema surgido da sua prática cotidiana.
Segundo Silveira (2005, p. 128)

Na sala de aula, o conceito de “três quintos” é um; no restaurante, o


conceito é outro. Os três quintos representados em linguagem
codificada demandam significação. O pagamento de três quintos de
uma conta de restaurante é vivenciado.

Assim, pode-se concluir que não existe o conceito sem o uso e por
conseqüência não existe conceito definitivo, acabado.
Nesta pesquisa os conceitos matemáticos a que nos referimos são aqueles
citados por Bishop (1999), mas isto não quer dizer que não estamos levando em

59
consideração que não existem conceitos acabados e que estes adquirem significado
no seu uso. (SILVEIRA, 2005).
A etnomatemática ao discutir a pretensa universalidade do pensamento
matemático dominante, questiona também universalidade da linguagem matemática,
esta proposta corrobora com as idéias da filosofia de maturidade de Wittgenstein
que, segundo Wanderer (2008), coloca sob suspeição a noção de uma linguagem
universal. Não queremos com isto lançar as bases filosóficas ou criar “gaiolas
epistemológicas” para a etnomatemática, mas sim ampliar os horizontes de
discussão para as pesquisas em etnomatemática.
Na Etnomatemática em suas várias perspectivas podemos perceber a
preocupação com as diversas formas de expressar os conhecimentos e
comportamentos construídos pela humanidade. Os estudos em Educação
Intercultural Bilíngüe reforçam essa afirmativa.

A educação intercultural toma como ponto de partida do trabalho


pedagógico o fato de que vivemos em uma sociedade caracterizada
pela diversidade cultural, social e lingüística, diversidade que deve
precisamente servir ao processo de aprendizagem.
(SCHOROEDER, 2006, p. 159).

A diversidade linguística discute os problemas do ensino da matemática em


comunidades em que coexistem duas ou mais línguas, por exemplo, nas
comunidades indígenas.
A história da humanidade conta que o oral veio muito antes da escrita, o
mesmo acontece hoje com nossas crianças que antes de aprender a escrever já
sabem falar e contar (Vergani, 2002). O surgimento da escrita deu-se quando o
homem sentiu necessidade de registrar informações difíceis de serem memorizadas,
assim, “a matemática foi a ciência a qual devemos o nascimento da escrita”
(Vergani, 2002, p. 11) a partir daí esta linguagem passou a ser usada como
facilitadora de comunicação e socialização entre povos.
A linguagem matemática é necessária, entre outros motivos, devido ao poder
de concisão, que é capaz de expressar ou traduzir problemas que na língua materna
tornar-se-iam extensos dificultando sua possível solução. Além de estar presente em
vários setores da sociedade como informática, economia e política.

60
A língua materna, no nosso caso a língua portuguesa, também possui regras,
símbolos, formas, etc. e não é considerada a “a mais difícil” entre as disciplinas.
Qual seria o motivo? Klüsener (2006, p. 182) nos lembra que “a linguagem
matemática não se adquire de maneira natural, não é utilizada constantemente e
necessita ser aprendida e praticada em diferentes contexto” em contrapartida a
língua materna é falada desde nossa infância, e todas as informações que obtemos
e passamos no nosso cotidiano são transmitidas e recebidas através dela.
Uma característica da linguagem matemática é “tentar abstrair o essencial
das relações matemáticas, eliminando qualquer referencia ao contexto ou à
situação” (Gómez-Granell, 2000, p. 260). Então o papel do professor é “traduzir” a
abstração dando referências e contextualizando.
Dentro da história da matemática temos vários exemplos que mostram a
importância dos símbolos ao traduzir um problema e facilitar seu cálculo.
Arquimedes propôs um problema a seu amigo Eratóstenes, vejamos um trecho da
carta redigida por Arquimedes:

Mande-me, amigo, se possuis o dom da sabedoria e uma aplicação


persistente, o número de bois de Hélio que outrora pastavam nas
planícies da Sicília repartidos em quatro manadas de cores variadas.
Uma delas branca como o leite, a segunda de um negro brilhante, a
terceira loira e a quarta malhada. Em cada manada havia um número
considerável de touros nas seguintes proporções: (...) os brancos em
número igual à metade aumentada do terço dos touros negros e
aumentada de todos os loiros; e o número dos negros igual ao quarto
e ao quinto do número dos malhados e ao número de todos os loiros.
Por outro lado, tem em conta que o número dos malhados restantes
é igual ao sexto, aumentado do sétimo, do número de touros brancos
e ao número de todos os brancos.
As proporções das vacas eram as seguintes: o número das brancas
era exatamente igual à soma do terço e do quarto de toda a manada
negra, enquanto as negras igualavam em número a soma do quarto
e do quinto do número do número das malhadas quando elas vinham
pastar todas com os touros. Por outro lado, as malhadas tinham um
número igual à soma da quinta parte e da sexta parte de toda a
manda das loiras, e as loiras eram em número igual à metade do
terço, aumentada do sétimo, da manada branca. (Archimède, 1971
apud Vergani, 2002, p. 69)

O problema era encontrar o número de bois, precisando o número de touros


robustos e o número de vacas de cada cor. Este é um exemplo de um texto muito

61
longo que “exprime em linguagem verbal – morosa e extensa – o que a linguagem
matemática traduziria de forma notavelmente concisa” (Vergani, 2002, p. 69).
Dando “nomes” aos bois e vacas as equações do problema seriam:

 A = (1/ 2 + 1/ 3)B + D
B = (1/ 4 + 1/ 5)C + D

C = (1/ 6 + 1/ 7) A + D

a = (1/ 3 + 1/ 4)(B + d )
b = (1/ 4 + 1/ 5)(C + c)

c = (1/ 5 + 1/ 6)(D + d )
d = (1/ 6 + 1/ 7)( A + a)

Outro exemplo nos é dado por Gómez-Granell (2000), são duas formulações
análogas, mas refere-se a distintos momentos históricos, a primeira aos dias atuais e
a segunda à época grega.
“Resolver a equação x + ax = b onde a é um segmento dado e b é o lado de
2 2

um quadrado”
“Encontrar um segmento tal que, se ao quadrado construído sobre ele se
somar um retângulo construído sobre o mesmo segmento, e sobre um segmento
dado a , obtemos um retângulo de área igual à de um quadrado dado”
Nos dois exemplos, a formalização da linguagem matemática possibilita
converter os conceitos matemáticos em objetos mais facilmente de manipular e
calcular (Gómez-Granell, 2000). Mas estes fatos históricos não garantem o sucesso
da educação matemática baseada apenas na sua função formal.
Assim, a matemática formal desconsidera qualquer referencia ao contexto do
problema, abstrai apenas os dados e trabalha com os símbolos e suas regras. Mas
segundo Gómez-Granell (2000, p. 264) os símbolos têm dois significados,

Um deles estritamente formal, que obedece a regras internas do


próprio sistema e se caracteriza pela sua autonomia do real, pois a
validade de suas determinações não está determinada pelo exterior.
E outro significado, que poderíamos chamar de “referencial”, que
permite associar os símbolos matemáticos às situações reais e torná-
los úteis para, entre outras coisas, resolver problemas.

62
Então, podemos observar que, o fato de os símbolos serem essenciais ao
bom desenvolvimento da matemática não elimina a necessidade de algum grau de
contextualização ou significação. Devendo haver comunicação entre os símbolos e
os significados. Ou seja, a linguagem matemática opera em dois níveis: o semântico
e o sintático.
No contexto da etnomatemática teria também o nível cultural, pois todo
conhecimento matemático do nível básico de ensino tem um contexto cultura em
que foi desenvolvido. E todo aluno antes de fazer parte da escola, faz parte de uma
comunidade e esta possui uma tradição.

Os Movimentos da Cultura e a Tradição Ribeirinha

A intenção de observar alunos pertencentes a uma comunidade ribeirinha


trouxe algumas indagações que foram crescendo nos momentos de visitas à Ilha do
Combu.
Ao me deparar com um cotidiano diferente do citadino percebi se tratar de outro
contexto. Então as idas e vindas da Ilha me proporcionaram problematizar e tentar
elucidar os conceitos de cultura e tradição, pois a cada travessia percebia traços,
atitudes e costumes que pertenciam exclusivamente aos ribeirinhos, à sua cultura ou
à sua tradição?
O mesmo ocorreu no ambiente da escola, pois existem alguns hábitos que
pertencem exclusivamente à escola. Neste caso podemos pensar na matemática
escolar como um conhecimento tradicional? Mas tradicional de que sociedade?
Tradição e cultura são termos frequentemente utilizados nas pesquisas que
abordam a temática da Etnomatemática, cada pesquisador procura um enfoque para
esses termos, não há consenso sobre seus significados. Na tentativa de baixar a
neblina entre os conceitos de tradição e cultura começo por falar acerca das
tradições, para isto dois autores irão me ajudar, Eric Hobsbawn (2002) e Georges
Balandier (1997).
Hobsbawn (2002) está interessado em estudar o modo como as tradições
surgiram e se estabeleceram, para isto, utiliza o conceito de “tradição inventada”
para dizer de
63
um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácitas
ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou
simbólica, visam inculcar certos valores e normas de
comportamentos através da repetição, o que implica,
automaticamente, uma continuidade em relação ao passado. (p. 09)

Com isto não pretende dizer que não existam tradições genuínas, mas que não
precisamos recuperar nem inventar tradições quando os velhos usos ainda se
conservam. (Idem, 2002).
Balandier (1997, p. 95) estuda a tradição a partir do conceito de desordem,
para este autor, a tradição “é a soma de saberes acumulados pela coletividade a
partir de acontecimentos a princípios fundadores. Exprime uma visão do mundo e
uma forma específica de presença no mundo”.
É importante compreender um conceito amplamente, e às vezes abusivamente,
usado por todas as esferas acadêmicas de produção de conhecimento.

A noção de cultura, compreendida em seu sentido vasto, que remete


aos modos de vida e de pensamento, é hoje bastante aceita, apesar
da existência de certas ambigüidades. Esta aceitação nem sempre
existiu. (Cuche, 2002, p. 11)

Cultura é uma antiga palavra do vocabulário latino, usado também na França


antiga para significar cuidado dispensado ao campo, este conceito sofreu mudanças
e chegou aos nossos dias carregado de significado, variando de acordo com a
aplicação em determinado ramo do conhecimento. Na Antropologia, nas Ciências
Sociais, na Sociologia ou na Biologia, cada campo de conhecimento assume um
conceito de cultura conveniente.
No século XVIII, na língua francesa, a palavra cultura é “associada às idéias de
progresso, de evolução, de educação, de razão que estão no centro do pensamento
da época” (CUCHE, 2002, p. 21), no século XIX, esta noção

se enriqueceu com uma dimensão coletiva e não se referia mais


somente ao desenvolvimento intelectual do indivíduo. Passou a
designar também um conjunto de caracteres próprios de uma
comunidade, mas em um sentido geralmente vasto e impreciso.
(Idem, p. 29)
64
Mas foi o antropólogo britânico Edward Burnett Tylor quem cunhou a primeira
definição de cultura para ele “a cultura é a expressão da totalidade da vida social do
homem. Ela se caracteriza por sua dimensão coletiva. Enfim, a cultura é adquirida e
não depende da hereditariedade biológica” (Ibidem, p. 35).
Os estudos de Tylor foram dirigidos no sentido de provar que o homem evoluiu
culturalmente, era contra a ruptura entre o primitivo e o civilizado estabelecida pelos
teólogos da época. Assim, concluiu que

a cultura dos povos primitivos contemporâneos representava


globalmente a cultura original da humanidade: ela era uma
sobrevivência das primeiras fases da evolução cultural, fases pelas
quais a cultura dos povos civilizados teria passado
necessariamente. (CUCHE, 2002, p.37).

A idéia de evolução cultural, hoje, pode soar estranha aos ouvidos dos
etnomatemáticos, mas não podemos negar as contribuições de Tylor para as
pesquisas de cunho antropológico.
As pesquisas dirigidas para a formação de um conceito de cultura seguiram nos
séculos seguintes, chegando aos vários conceitos de cultura que temos hoje.
Pesquisadores americanos do século XX continuaram as discussões. Segundo
Cuche (2002, p. 77) Ruth Benedict (1887-1948) afirmava que “toda cultura é
coerente, pois está de acordo com os objetivos por ela buscados, ligados a suas
escolhas, no conjunto das escolhas culturais possíveis”, já Margaret Maed (1901-
1978) “preferiu orientar suas pesquisas em direção à maneira como um indivíduo
recebe sua cultura e as conseqüências que isto provoca na formação de sua
personalidade” (p. 79).
Outro antropólogo que contribuiu para uma conceituação de cultura foi Claude
Lévi-Strauss, ele afirmava que

Toda cultura pode ser considerada como um conjunto de sistemas


simbólicos. No primeiro plano destes sistemas colocam-se a
linguagem, as regras matrimoniais, as relações econômicas, a arte,
a ciência, a religião. Todos estes sistemas buscam exprimir certos
aspectos da realidade social, e mais ainda, as relações que estes
dois tipos de realidade estabelecem entre si e que os próprios

65
sistemas simbólicos estabelecem uns com os outros (LÉVI-
STRAUSS apud CUCHE, 2002, p. 95)

Lévi-Strauss buscava em suas pesquisas provar a existência de invariantes


universais, ou seja, fazer um repertório das regras presentes em todas as
sociedades. Um dos invariantes estudado pelo antropólogo foi a proibição do
incesto.
Segundo Vergani (1995, p. 20) existem algumas noções-chave que estariam
ligadas aos conceitos de Cultura e Tradição.
Assim, “Cultura é tudo o que me leva a considerar-me diferente do outro” e está
ligada a comportamentos, atitudes, saberes/conhecimentos, valores, costumes,
hábitos, partilha, criação, imaginação, modificação, renovação. E “Tradição é tudo o
que me leva a poder conviver com o outro” e está ligada a noções de herança,
transmissão, perpetuação, referências/vivências pessoais (valores, costumes,
hábitos), coerência, estabilidade.
A tradição pode ser entendida como uma maneira de compreender e interpretar
a natureza, tal como a ciência tem seus métodos e suas teorias, o conhecimento
adquirido por meio dos saberes repassados de geração em geração pela
comunicação oral também possui seus métodos de ver e se relacionar com a
natureza. Assim, “a ciência é uma maneira de explicar o mundo, mas existem outras
produções de conhecimento, outras formas de saber e de conhecer que se perdem
no tempo e no anonimato porque não encontram espaços e oportunidades de
expressão” (SILVA, SILVA, ALMEIDA, p. 107). Assim, concordamos/confirmamos a
fala de que “todas as culturas são igualmente estrangeiras, incluindo a nossa.”
(VERGANI, 1995, p. 24).
Todos os pesquisadores citados e muitos outros contribuíram para termos
senão um conceito, ao menos uma noção de cultura e tradição. Hoje sabemos que
cultura não é algo palpável ou materializável, não existe sem o homem e “envolve
não só uma concepção do mundo que se traduz em conhecimentos e configurações
de acção, mas o travejamento de um pensar e de um sentir articulado num sistema
dinâmico de significações simbólicas” (VERGANI, 1995, p. 24).
Também vemos os vários sentidos atribuídos à cultura: cultura popular, cultura
erudita, cultura de massa, cultura escolar, cultura paraense, cultura hightech, dentre

66
outras. a lista pode ser prolongada. A impressão é que há um exagero no uso dessa
palavra.
Nas últimas décadas está sendo muito discutida a valorização das culturas que
foram desfavorecidas e marginalizadas desde o ‘descobrimento’ do Brasil, essas
discussões se refletem em ações públicas com a intenção de “corrigir injustiças,
eliminar discriminações e promover inclusão social e a cidadania para todos no
sistema educacional brasileiro” (Brasil, 2004) como a criação de órgãos de proteção
aos índios (FUNAI), bolsa escola, cota nas universidades e em documentos
destinados à educação como os PCN’s (Parâmetros curriculares nacionais) onde se
destaca o documento Pluralidade Cultural (Brasil, 1996) como tema a ser discutido
pelos educadores.
Mas o panorama não é tão simples assim, como abarcar todas as culturas num
país que recebeu povos de todos os continentes, desde a vinda dos portugueses
que encontraram milhares de índios e depois ‘importaram’ outros milhares de
negros, essa poderia ser a base do povo brasileiro, no entanto não tardaram a
chegar os espanhóis, italianos, franceses, alemães, chineses e árabes, entre outros.
Assim, “as nações são sempre compostas de diferentes classes sociais e
diferentes grupos étnicos e de gênero” (Hall, 2001, p. 60) e como o Brasil foi
colonizado, foi também subjugado em sua cultura, língua e costumes em favor de
uma hegemonia cultural ocidental, as culturas consideradas inferiores foram
englobadas e muitas não resistiram, sendo eliminadas por completo, as que
resistiram sofreram e sofrem até hoje todos os tipos de discriminação. E o que se
busca hoje é reparar esses danos, compreendendo a formação da nação brasileira
por pessoas que pertencem a grupos étnico-raciais distintos que juntos constituem a
nossa nacionalidade.
A pluralidade cultural vem sendo muito discutida em todos os âmbitos na
educação, muitas pesquisas (MOREIRA, 2005; CANEN, 2000; ORTIGÃO, 2005)
relacionam educação multicultural ao campo do currículo, analisando a importância
das concepções de identidade e diferença. E o que vem ser identidade e diferença?
Identidade seria o conjunto das relações que estabelecemos e firmamos na
vida social, política e pessoal, não necessariamente imutável ela nos confirmaria em
algum grupo presente na sociedade. Por diferença entendo como um conjunto de
atitudes que selecionam, incluem e excluem considerando esses processos, o

67
resultado seria a “distribuição desigual de pessoas na organização social”
(MOREIRA, 2005).
Observando o ribeirinho fui levada a identificar nos saberes da tradição, sua
identidade. As relações estabelecidas por eles junto àqueles que não são ribeirinhos
e junto à natureza definem sua identidade e sua diferença. Percebemos que toda
tradição está incluída em determinada cultura.
A educação se manifesta nas culturas de diferentes maneiras, na família ou na
comunidade ela existe em todas as práticas de aprender. Em um momento sem
alunos, livros ou professores especializados, em outro, com escolas, salas,
professores e métodos pedagógicos. (BRANDÃO, 1995).

Educação
Educação Matemática Crítica

Almejar uma educação matemática democrática é considerado por muitos


como uma utopia, neste texto propomos essa possibilidade por meio dos estudos do
movimento da Educação Matemática Crítica (EMC), surgido durante a década de
1980. As raízes deste movimento estão na Educação Crítica (EC) que por sua vez
bebeu nas fontes da Teoria Crítica (TC).

O axioma básico da EC é que a educação não deve servir como


reprodução passiva de relações sociais existentes e de relações de
poder. Esse axioma faz sentido quando falamos sobre competência
crítica, distância crítica e engajamento crítico. A educação tem de
desempenhar um papel ativo na identificação e no combate de
disparidades sociais. (SKOVSMOSE, 2001, p. 32).

Percebemos a intenção de Skovsmose em trazer as questões da EC para a


Educação Matemática. Então podemos perguntar: Quais as contribuições dessa
interação na formação de uma sociedade mais democrática? Quais seriam as
características de uma EMC?
É o próprio autor que nos ajuda a responder essas questões ao propor o
postulado em que diz ser

necessário intensificar a interação entre a EM e a EC, para que a


EM não se degenere em uma das maneiras mais importantes de
68
socializar os estudantes em uma sociedade tecnológica e, ao
mesmo tempo, destruir a possibilidade de se desenvolver uma
atitude critica em direção a essa sociedade tecnológica.
(SKOVSMOSE, 2001, p. 14)

Para esse autor, a Educação Matemática necessita de um caráter mais crítico


se desejar mudanças efetivas na sociedade, pois, “a comunidade de educação
matemática manifesta ignorância de aspectos da vida social, política e cultural da
vida dos estudantes” (BOURDIE apud SKOVSMOSE, 2007). A EMC estaria
preocupada com algumas questões centrais para a reflexão sobre o papel da
matemática na sociedade: O Poder Formatador da Matemática; Competência
Democrática e Ideologia da Certeza. Discutiremos estes conceitos destacando a
importância de reflexão sobre eles e as conexões com a Etnomatemática.
Ver o mundo com as lentes da Matemática parece ser algo imprescindível em
nossa sociedade altamente tecnológica, mas ao colocar tais lentes o que
perceberíamos? Teríamos mais sucesso como cidadãos? Poderíamos lutar com
mais força por nossos direitos?
Primeiro devemos discutir sobre a necessidade de saber usar as lentes da
Matemática. Esse imperativo está relacionado ao que Skovsmose (2007) denominou
Poder Formatador da Matemática. A matemática pode ser considerada uma forma
de interpretação ou modelação da realidade que utiliza uma linguagem neutra e
objetiva. Mas será que todas as coisas podem ser interpretadas pela linguagem
matemática?
Para o autor supracitado, nem tudo pode ser expresso pela linguagem, os
sentimentos, as emoções não poderiam ser introduzidos em um modelo matemático,
além disto, cada grupo tem seu próprio sistema de interpretação e desenvolve suas
próprias linguagens. (PASSOS, 2008).
As discussões acerca desse poder passam por questões do tipo “que visões de
mundo podem ser discursivamente construídas por meio da matemática? O que é o
mundo de acordo com a matemática?” (SKOVSMOSE, 2007, p. 130). Teria a
matemática o poder de controlar decisões sociais e políticas? Nossas ações
estariam sendo controladas pela matemática? Ou existem pessoas que, de posse
desse conhecimento matemático, o utilizam como forma de poder e dominação?
A educação matemática crítica problematiza estas questões no sentido de
refletirmos sobre o uso de modelos matemáticos como forma de tomar decisões
69
sobre situações que envolvem fatores que vão além dos símbolos e códigos usados
nas fórmulas.

A tese que iremos discutir afirma que a Matemática tem uma


intervenção real na sociedade, não apenas no sentido de que novas
ideias podem alterar interpretações, mas também no sentido de que
a Matemática coloniza e reorganiza parte da realidade.
(SKOVSMOSE, 1992, p. 12)

Nesse sentido é proposta a idéia de Matemática em Ação (SKOVSMOSE, 2007,


p. 122) em que o objetivo está concentrado em “ver como as concepções
matemáticas são projetadas na realidade”, é possível percebermos a matemática
aplicada em diferentes áreas da ciência e sociedade.
Os exemplos de modelos matemáticos em ação podem ser observados nas
eleições, por exemplo, em que o candidato a vereador mais votado nem sempre é
eleito dependendo de variáveis como a legenda partidária a que pertence.
Outro exemplo mundialmente conhecido é a prática do overbooking que
consiste na reserva de passagens acima do possível, visando maximizar os lucros.
O que pode parecer uma atitude desonesta, por que as companhias aéreas fazem
isso?
O que está por trás dessa prática é justificado pelo fato de que “os custos
associados com vôos de um avião lotado e vôos com lugares vazios são
aproximadamente os mesmo” (SKOVSMOSE, 2007, p. 116). Assim, cria-se um
complexo modelo em que muitas variáveis devem ser consideradas: horário, dia,
freqüência de viagem do passageiro, destino, tipo de bilhete, limite de excedente,
etc.

A Matemática intervém na realidade ao criar uma “segunda


natureza” em nosso redor, oferecendo não apenas descrições dos
fenómenos mas também modelos para a alteração de
comportamentos. Não nos limitamos a “ver” de acordo com a
Matemática; nós “agimos” de acordo com a Matemática.
(SKOVSMOSE, 1992, p. 14)

O modelo matemático isenta o homem das conseqüências das decisões


tomadas baseadas nos modelos, “o construtor do modelo parece esclarecer
algumas conexões, mas poderia afirmar nada ter a ver com as decisões políticas

70
tomadas com referencia ao modelo” (Idem, p. 133). É mais cômodo tomar decisões
quando o responsável é um modelo matemático.
Um outro exemplo vivenciado no momento do financiamento de um carro são
as fórmulas por eles utilizadas para justificar a cobrança de juros sobre juros, uma
prática considerada ilegal na justiça brasileira. Uma análise mais detalhada desses
modelos evidenciaria várias “manobras” que de tão bem justificadas por modelos e
fórmulas convence qualquer um que não possua os argumentos necessários para
tal.
Questionar os modelos matemáticos requer o desenvolvimento de uma
Competência Democrática. E que seria tal categoria de competência?
Democracia pode ter vários sentidos, Skovsmose (2007) elege quatro aspectos
presentes nos conceitos de democracia: Procedimentos formais para eleger um
governo; Distribuição justa de serviços sociais e bens na sociedade; Iguais
oportunidades, direitos e obrigações para todos os membros da sociedade; A
possibilidade e a capacidade dos cidadãos participarem na discussão e avaliação
das condições e consequências da governação.
Todas essas abordagens para a democracia devem ser discutidas na escola,
pois é por meio desta que é feita a “reprodução das estruturas sociais, incluindo a
divisão do trabalho, a distribuição do poder entre o indivíduo e o estado e entre
grupos sociais e, finalmente, parece reproduzir os valores tradicionais da cultura”
(SKOVSMOSE, 1992, p. 04).

A democracia não é simplesmente uma questão de adotar atitudes


apropriadas, mas tem também a ver com competências que se
referem à participação nos processos democráticos. A educação
deve tentar prover os estudantes com competências que os tornem
capazes de identificar e reagir às repressões sociais.
(SKOVSMOSE, 1994 apud PASSOS, 2008, p. 68).

Faz-se necessário discutir a relação entre o conteúdo da educação matemática


e a Competência Democrática necessária ao cidadão reflexivo. As conseqüências
dessas discussões poderão oportunizar a todos, capacidade de lutar por direitos
humanos, sociais e políticos. Um primeiro passo nessa direção é a reação à
Ideologia da Certeza.

71
A afirmação de que a Matemática está formatando a sociedade pode ser uma
conseqüência da Ideologia da Certeza, que está relacionada ao respeito exagerado
dado aos resultados baseados em números. O discurso “está matematicamente
comprovado” ou “é matematicamente impossível” são bons exemplos dessa
Ideologia.

A ideologia afirma que a matemática, mesmo quando aplicada,


apresentará soluções corretas asseguradas por suas certezas. A
precisão da matemática (pura) é como que transferida para a
precisão das soluções aos problemas. (SKOVSMOSE, 2007, p. 81).

Assim, o conhecimento matemático aplicado é visto como sinônimo de


verdade, parece ser possível matematizar todas as coisas do mundo. Sabemos dos
benefícios que a matemática proporciona à sociedade, porém é necessária a critica
à Ideologia da Certeza, pois esta contribui para a exclusão das idiossincrasias.
A busca por relacionar Etnomatemática e EMC não se deu pelo olhar de falta
em cada uma, mas sim pela possibilidade de entrelace entre as duas vertentes e
ampliação de seus objetivos.
Pelo exposto neste capítulo e embasadas em outros estudos (PASSOS,
2008; PAIS, GERALDO, LIMA, 2003) que abordaram os entrelaces possíveis entre
esses temas, vejamos algumas dessas relações.
Para Passos (2008), existem conexões representadas por consonâncias e
complementaridades. As consonâncias estão relacionadas às raízes históricas
comuns entre Etnomatemática e EMC; nas duas perspectivas é possível considerar
a matemática como um tipo de linguagem que influencia nossa maneira de ver e agir
no mundo; também buscam destacar os aspectos positivos que a linguagem
matemática pode desempenhar na sociedade. As complementaridades estão nas
maneiras que as duas perspectivas lidam com a questão da política, mesmo com
abordagens diferenciadas ambas fornecem subsídios para a critica à Matemática
que é supervalorizada na sociedade.
No ambiente educacional, tanto a EMC como a Etnomatemática, criticam o
currículo escolar baseado em conteúdos ensinados e avaliados por meio de provas
e testes. D’Ambrosio propõe um currículo dinâmico a partir dos conceitos de
literacia, materacia e tecnoracia. Skovsmose sugere um currículo crítico baseados
nos conceitos de competência crítica, distância crítica e engajamento crítico.

72
Em ambas as propostas, estão presentes a idéia de ir além dos conteúdos e
capacidades básicas, buscando a transformação da sociedade por meio da
construção do cidadão crítico-reflexivo frente às verdades ditas absolutas.

73
OLHANDO E VENDO (ETNO)MATEMÁTICAS

O verbo olhar designa o ato de fixar os olhos em


alguma coisa ou situação, quando olhamos agimos
mecanicamente sem objetivo de desvendar a
realidade mirada, apenas orientamos nossos olhos
para imagem. Quando utilizamos o verbo ver, em
sentido próprio, queremos expressar além do ato de
fitarmos uma miragem, mas de estabelecer uma
relação de conhecimento por meio do sentido da
visão.

Juliano Moreno.

Os ambientes observados nesta pesquisa despertaram bem mais que o sentido


da visão. A audição, o olfato, o tato e o paladar me ajudaram a ver etnomatemáticas
em cada ambiente que presenciei. É uma mistura de sensações o ronco do motor do
barco queimando o óleo diesel, as conversas sobre a extração do açaí, os almoços
na Ilha, os intervalos entre as aulas, entre outras.
Neste capítulo apresento os resultados das observações na Escola Edgar
Pinheiro Porto e no Igarapé do Periquitaquara, analisando as práticas dos alunos em
cada ambiente tendo em mente ver como ele faz a apreensão do conceito
matemático e percebe/usa esse conceito na sua prática. E como ele articula os
saberes e fazeres do cotidiano ribeirinho na sala de aula.
Analiso, principalmente, a atividade de extração e venda do fruto açaí, sem
esquecer dos outros fazeres e saberes do cotidiano do Igarapé. Na escola o foco
foram as aulas de matemática.

Educação escolar
escolar

O axioma moderno está fundamentado nos princípio da dualidade, da


simplificação e da concepção de matematização da natureza. Esses modos de
pensar e agir estão impregnados em nossa sociedade e são difundidos por meio,
principalmente, das instituições educacionais. Assim,

74
A educação ocidental, que é praticada agora quase universalmente,
pretende cuidar prioritariamente do intelecto, como nada tendo a ver
com as funções vitais. E, graças a isso, que se firmou na filosofia
ocidental desde Descartes, dicotomiza-se o comportamento do ser
humano entre corpo e mente, entre matéria e espírito, entre saber e
fazer, entre trabalho intelectual e manual. (D’AMBROSIO, 2004, p.
40)

Na sociedade capitalista estas dicotomias parecem bem definidas e diríamos


até que são pré-definidas em função da classe social onde o sujeito nasce e muitas
das vezes a escolarização é vista como a única esperança de mudança no quadro
social. É como se quem soubesse não precisasse fazer e quem fizesse não
precisasse saber. Assim, o engenheiro teria o domínio nas teorias da construção
civil e o pedreiro dominaria apenas a prática de construir edifícios. Mas para
D’Ambrosio

As distintas maneiras de fazer [práticas] e de saber [teorias], que


caracterizam uma cultura, são partes do conhecimento
compartilhado e do comportamento compatibilizado. Assim como
comportamento e conhecimento, as maneiras de saber e fazer estão
em permanente interação. São falsas as dicotomias entre saber e
fazer, assim como entre teoria e pratica. (2001, p. 19)

Mas na escola, essa dicotomia pode ser exemplificada pela preocupação com o
conteúdo, sem se preocupar com as práticas que utilizam ou que deram origem às
teorias. As conseqüências do ensino conteudista podem ser claramente
evidenciadas pelas crises em nosso sistema educacional.
Vemos a importância de entender a escola como uma instituição social, com
papel bem definido hoje, local para se promover a educação.

A palavra escola em grego significa o lugar do ócio e surge, na


Idade Média, para atender a demanda de uma nova classe social
que não precisava trabalhar para garantir a sua sobrevivência, mas
que necessitava ocupar o seu tempo ocioso de forma nobre e digna.
Este lugar é a escola, que inicialmente se instaura como um espaço
para o lazer e consequentemente o prazer. (ALVES; PRETTO,
1999, p. 01)

75
O conceito de escola, surgido na Grécia Antiga, não mudou muito até os dias
de hoje (Brandão, 1995), a escola continua sendo, em resumo, o lugar onde vamos
aprender disciplinas e a sermos educados. É o lugar onde buscamos informações
necessárias para nos tornarmos cidadãos críticos e atuantes na sociedade. Enfim é
o lugar onde buscamos conhecimento.
As afirmações acima a respeito do papel da escola são impregnadas de um
discurso que enfatiza o poder do saber acadêmico. Se, é na escola que aprendemos
tudo, qual o valor dos outros saberes, aqueles produzidos e difundidos fora da
escola?
Ao tentar responder esta questão percebemos que estamos ressaltando um
discurso onde só o que aprendemos dentro da escola é valorizado, aquilo que é
aprendido fora é visto com desconfiança, marcando a hierarquização dos saberes e
fazeres. Esta é uma característica marcante do pensamento moderno.

Surgindo praticamente ao mesmo tempo que as grandes


navegações, a conquista e a colonização, a ciência moderna se
impôs como uma forma de conhecimento racional, originado das
culturas mediterrâneas e substrato da eficiente e fascinante
tecnologia moderna. Definiram-se, a partir das nações centrais, uma
conceituação de saber [conhecimento] e uma conceituação de fazer
[habilidades], dicotômicas e estruturadas. (D’AMBROSIO, 2004, p.
35).

Em nossa sociedade, a escola deveria ser um lugar de ação para a formação


social e humana. Em que as diversidades de nossa região também estivessem
presentes nas práticas assim como estão nas Bases Legais dos PCN do Ensino
Médio (2000, p. 63).
O trabalho por mim desenvolvido durante a iniciação científica (SOUSA, 2006),
oportunizou-me a análise de trabalhos de conclusão de curso que abordavam a
Etnomatemática como um dos focos de pesquisa, os autores desses TCC’s
expressavam expectativas de abordagens diversificadas. Alguns autores
acreditavam que ir a campo e verificar as matemáticas presentes nas práticas
profissionais é um encaminhamento metodológico da etnomatemática. Outros
usavam a contextualização no cotidiano do aluno, apoiados na etnomatemática,
para mudar suas aulas e torná-las mais interessante e com sentido para os alunos,

76
pois acreditavam que a matemática que não está presente no dia a dia do aluno não
deve ser ensinada a eles.
Porém penso que o ensino baseado no local deva ser complementado com o
global de acordo com as necessidades das comunidades, todo conhecimento
científico produzido até hoje não pode ser deixado de lado e sim utilizado de acordo
com a situação e a necessidade e ajudar na criação de novos conhecimentos
(SOUSA, 2006).
Na lei de diretrizes e bases da educação (LDB / 1996) dentre os princípios que
regem o ensino estão: “II -liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a
cultura, o pensamento, a arte e o saber; III -pluralismo de idéias e de concepções
pedagógicas; X -valorização da experiência extra-escolar; XI -vinculação entre a
educação escolar, o trabalho e as práticas sociais”.
De acordo com a LDB os currículos do ensino fundamental e médio
obedecerão a uma base nacional comum (abordando, obrigatoriamente, estudos da
matemática, língua portuguesa, conhecimento do mundo físico e natural e da
realidade social e política, especialmente do Brasil) que respeite os princípios
mencionados acima, ou seja, a diversidade cultural de cada região.
Disto e das experiências lidas e vividas, é possível perceber que a educação
escolar da matemática não está “amarrada” em determinados assuntos podemos
discutir, junto com a escola e autoridades, o porquê deste ou daquele assunto e
assim estaremos contribuindo a uma formação que respeite as diversidades de
nossa região e contribua na constituição do cidadão crítico-reflexivo.
Talvez a escola seja o principal meio reprodutor do conhecimento científico
moderno e por conseqüência reproduz também sua maneira de pensar.
Acreditamos que esta forma de pensar e agir são insuficientes ao momento social
em que vivemos não podemos continuar ensinando nossos alunos um conhecimento
de mundo apenas disciplinar.
Não cabe mais olhar a escola apenas como uma instituição administrativa, um
espaço físico em que o aluno entra para obter o conhecimento institucionalizado,
pois nessa lógica não há espaço para relações com outros saberes, outras formas
de conhecer e aprender. Os jovens aprendem muitas coisas antes mesmo de
entrarem na escola. Nesse contexto ela precisa estabelecer conexões entre teorias

77
e práticas, refletir sobre a construção de conhecimentos necessários para as
mudanças no mundo.
O que vemos muitas vezes é o discurso do conformismo, refletido em atitudes
conformistas com a realidade social. É um dos deveres da escola a formação de
cidadãos críticos, mas a preocupação, geralmente, é com o cumprimento dos
conteúdos.
Estas questões emergem com mais intensidade quando me insiro no ambiente
escolar da pesquisa. A escola Estadual de Ensino Médio Edgar Pinheiro Porto.
No âmbito escolar senti necessidade de conhecer um pouco mais os alunos
para além das poucas conversas iniciadas em sala de aula ou mesmo nos horários
de intervalos. O tempo era escasso e o grande número de alunos me fez pensar na
construção do questionário.
A seguir faremos uma descrição de cada pergunta, com as primeiras
elucubrações das respostas dadas.
Com a primeira pergunta procurava saber o que os alunos faziam quando não
estavam na escola, se tinham emprego, tempo pra estudar, etc. Pedi para que
escrevessem “as cinco principais atividades que você costuma fazer fora do horário
escolar”.
Na turma R04 dos 18 alunos que responderam, 11 alunos disseram “estudar”
ou “fazer os trabalhos do colégio”. Ou seja, a maioria diz reservar um tempo aos
estudos escolares.
Na turma R22 dos 13 alunos, 8 responderam “faço os trabalhos da escola”,
“estudo um pouco” ou ainda “gosto de estudar nas horas vagas”.
Já na turma R31, dos 17 alunos, 6 responderam “estudar”.
O fenômeno que observamos nas respostas é condizente com a realidade
social dos alunos. Se no primeiro ano do ensino médio não “precisam trabalhar”,
este fato vai mudando à medida que os anos passam e no terceiro ano a maioria
está mais preocupada em ter um emprego ou um curso profissionalizante.
As condições financeiras os empurram ao mercado de trabalho obrigando-os
esquecer dos estudos. A escola entra como local onde conseguirão concluir o nível
médio e por conseqüência alcançar um bom emprego.
Em relação à segunda pergunta “Em que a escola é importante na sua vida
hoje? Comente.”. Em todas as três turmas a importância da escola na vida dos

78
alunos está relacionada à formação para enfrentar o mercado de trabalho e realizar
seus sonhos.
Nas respostas dos alunos na R04 percebemos respostas pouco objetivas,
talvez pela pouca experiência. Temos respostas do tipo
“Bom em 1º lugar é importante pra que eu possa ter uma boa educação, entre
outros”; “Em várias coisas”; “Em muita coisa, nos precisamos conhecer as coisas
aprender, ela é importante em muita coisa”; “Em importante no meu
desenvolvimento físico e mental”; “Eu acredito que em tudo, pois é através dela e do
meu esforço que vou conseguir realizar meu sonho!”. Todas as respostas seguiram
nessa direção com exceção de um aluno que expressou sua opinião sobre o papel
da escola na formação do cidadão: “Além de passar de ano, a escola nada mais é
que a porta pro meu futuro, e na minha opinião, as escolas não deviam ensinar os
alunos a tirarem 10, e sim a serem pessoas de bem, cidadãos que cumprem seus
deveres e reivindiquem seus direitos”.
Vale ressaltar as respostas dadas pelos alunos ribeirinhos desta turma:

É muito importante na minha educação, apesar que a educação


começa na nossa casa mas a escola também vai nos ajudar, e nos
meus conhecimentos, pois foi na escola que aprendi a ler e
escrever. (Aluno(a) ribeirinho(a))

Na aprendizagem, pois é na escola que aprendemos muitas coisas,


como: nos relacionar melhor com as pessoas, sobre ética etc., enfim
aprendemos tantas coisas que são boas e fundamentais para
nossas vidas (Aluno(a) ribeirinho(a))

Na minha aprendizagem para que no futuro eu possa ser uma


pessoa bem sucedida, com boa educação e por que estou sendo
preparada para continuar aprendendo. Para poder fazer o vestibular
e faculdade futuramente (Aluno(a) ribeirinho(a))

Percebemos maior maturidade nas falas dos alunos ribeirinhos em perceber


que educação não é um privilégio obtido apenas na escola e que nela aprendemos
também outras habilidades além dos conteúdos disciplinares.
Em relação à terceira pergunta “você pretende concluir o ensino médio? Por
quê?” e à quarta pergunta “o que você pretende fazer ao concluir o ensino médio?”.
Em todas as turmas a conclusão do ensino médio é colocada como uma etapa
importante a ser cumprida, pois assim conseguirão um bom emprego, é uma
79
garantia na melhoria da qualidade de vida ou mais um degrau para se chegar à
universidade. Este é o pensamento expresso pela maioria dos alunos em relação
aos planos após concluir o ensino médio. Os outros optam por um curso
profissionalizante.
Quanto à quinta pergunta “Se você pudesse descrever a escola dos seus
sonhos como ela seria?”, as respostas refletem o anseio por uma escola melhor
estruturada, com educação informatizada, laboratórios e bons professores.

Uma escola que pudesse dar conforto: salas climatizadas,


laboratórios de informática poderia ser liberado para os alunos
pesquisarem trabalhos escolares. (Aluno da turma R04)

Na sala iam ter ar-condicionado, bibliotecas grandes, laboratórios,


quadra esportiva, sala de computação, ia ser tão bom, mas não tem
tudo isso. (Aluna da turma R22)

Seria uma escola com profissionais realmente capacitados, com


uma boa estrutura, tanto de lazer quanto para o ensino propriamente
dito e que só estudasse alunos que realmente queiram aprender.
(Aluno da turma R31)

Estas respostas refletem o desejo de uma escola que parece distante da


realidade social dos alunos, mas o que eles querem não é algo impossível ou
mirabolante. A educação é uma área que recebe uma razoável quantidade de
investimentos por parte do Governo Federal, que podem ser observados por meios
de projetos e programas de melhorias da qualidade da educação.
Um exemplo que pode ser citado é o Projeto Alvorada, Criado em 2000 como
uma ação coordenada de vários ministérios e órgãos públicos federais, utilizando
recursos exclusivos do Tesouro Nacional. Sua missão foi reforçar e intensificar o
gerenciamento de ações para reduzir as desigualdades regionais por meio da
melhoria das condições de vida da população dos estados que apresentavam Índice
de Desenvolvimento Humano – IDH inferior a 0,5.
Dentre outros, o estado do Pará foi um dos beneficiados com este projeto. Nele
estava previsto investimentos em construção, reforma e ampliação de escolas de
ensino médio, aquisição de equipamentos, mobiliários e material didático além da
capacitação de docentes. Segundo dados do Ministério da Educação, atualmente,
há 25 convênios vigentes, envolvendo cerca de R$ 96 milhões que devem ser
executados até o final do primeiro semestre de 2009.
80
Este é só um exemplo que cito muitos outros projetos e programas de
investimento na melhoria da qualidade da educação no Brasil podem verificados.
Assim, corroboro a afirmação anterior sobre a possibilidade de escolas com
estruturas físicas e pedagógicas com qualidade para todos. Precisamos desfazer o
paradigma de que pobre tem que ter escola de pobre. Que não há recurso para
escola de pobre por que não há mensalidade para pagar. É necessária uma maior
fiscalização na administração desses recursos desde a esfera federal até a gestão
escolar.
A sexta questão objetivou saber dos alunos suas preferências em relação às
disciplinas. Ocorreu uma coincidência das respostas nas três turmas, apenas quatro
alunos escolheram Matemática entre as três preferidas, o restante classificou-a entre
os três últimos lugares.
As respostas a esta última pergunta vão ao encontro dos resultados de
avaliações realizadas em todos os âmbitos. Como se sair bem em uma disciplina
que não me relaciono muito bem? Vale ressaltar que não estamos procurando
culpados para esse fracasso e nem estamos dizendo que todo mundo deve gostar
de matemática, mas que devemos abrir espaço para discutir os possíveis motivos e
soluções desse fracasso.
É preciso estar atento para não fazer do fracasso um discurso inerente à
matemática, como se a ela só fosse possível alcançar aqueles dotados de uma
inteligência enorme.
Um dos fatores apontados pelos alunos para a ojeriza à matemática é a
linguagem que ela possui. Acreditamos que um dos problemas não seja a linguagem
em si, mas o abuso no uso de símbolos sem a explicação devida dos significados.

Etnomatem
Etnomatemática
atemática na/da
na/da Escola

Na sala de aula minhas observações estavam direcionadas a todos os alunos,


mas estava mais atenta às atitudes e às falas dos estudantes ribeirinhos na tentativa
de ver como ele articularia os saberes da tradição ribeirinha na sala de aula.
Deparamos-nos em sala de aula com o modelo de ensino tradicional da
matemática marcado por um padrão de comunicação e por uma seqüência de
ensino. Skovsmose e AlrO (2006) sugerem que o ensino de matemática tradicional

81
possui algumas características, na maioria das vezes está dividido em duas partes,
uma inicial de apresentação do conteúdo e em seguida os exercícios de aplicação.
Skovsmose nos faz refletir ao questionar “como poderia ser, então, que essa
tradição tenha se desenvolvido com uma ‘tradição’?” nos direciona para o fato de
que “as funções políticas e sociais reais de uma educação matemática não
dependem, diretamente, da parte oficial do currículo, mas também do contexto social
e político em que a escolaridade tem lugar” e nesse sentido “a educação matemática
poderia não apenas designar a ‘nobreza de estado’, mas também ajudar a
identificarmos ‘funcionários de estado’. Fazer isso poderia ser o grande sucesso do
ensino tradicional da matemática” (2007, p. 36-37)
No exemplo desta pesquisa, observamos que primeiro o professor escreve no
quadro os conceitos retirados diretamente do livro didático, explica em conformidade
com o que está no livro e em seguida os alunos deveriam resolver os exercícios do
livro, mas somente os selecionados pelo professor, e este por sua vez depois de
algum tempo respondia às questões. Mas, grande parte dos alunos não fazia os
exercícios e aguardavam a solução do professor.
A comunicação professor-aluno é escassa quando se refere ao conteúdo
matemático. Vale salientar que em outros momentos existe certa amizade entre
professor e alunos observada pelas conversas nos intervalos.
Em alguns momentos durante as aulas não era raro os alunos exclamarem não
em forma protesto direto, mas como se verbalizassem um pensamento: “professor!
Eu não to entendendo nada!”, porém não havia o retorno por parte do professor.
Para uma boa parcela dos alunos observados, a linguagem matemática
funcionava como um entrave à aprendizagem dos conceitos, torna-se necessária
uma espécie de interpretação de algumas palavras do vocabulário da matemática. A
explicação dos conceitos não vem acompanhada do sentido das palavras que não
faziam parte do cotidiano dos alunos assim como também dos significados dos
símbolos matemáticos.
Em seguida descrevo uma aula sobre função em uma turma do primeiro ano,
nesse dia me posicionei como aluna junto à turma e me propus a copiar e ver a
explicação do professor. O conteúdo foi copiado no quadro pelo professor da
seguinte maneira:

82
Função Quadrática ou Polinomial do 2º grau.
Definição: chama-se função quadrática ou polinomial do 2º grau qualquer função ƒ de R em R dada
por uma lei da forma:
ƒ(x) = ax² + bx + c , em que a, b e c são números reais e a ≠ 0.

Exemplos de funções quadráticas:

a) ƒ(x) = 2x² + 3x + 5 , sendo que a = ______ , b = ________, c = __________.

b) ƒ(x) = 3x² - 4x + 1 , sendo que a = ______ , b = ________, c = __________.

c) ƒ(x) = x² + 2x , sendo que a = ______ , b = _________, c = __________.

d) ƒ(x) = - 4x² , sendo que a = ______ , b = _________, c = __________.

* Gráfico

O gráfico de uma função quadrática y = ax² + bx + c é uma curva chamada de parábola.


Para construirmos o gráfico desta função, primeiro atribuímos a x alguns valores, depois calculamos o
valor correspondente de y para cada valor de x, e, em seguida, ligamos os pontos obtidos.
Exemplo:
1) Construir o gráfico da função ƒ(x) = x² - 6x + 8
X Y = x² - 6x + 8 Y (X, Y)
1 Y = 1² - 6.1 + 8 3 (1, 3)
2 Y = 2² - 6.2 + 8 0 (2, 0)
3 Y = 3² - 6.3 + 8 -1 (3, -1)
4 Y = 4² - 6.4 + 8 0 (4, 0)
Y = 5² - 6.5 + 8 3 (5, 3)

A aula seguiu nesse formato com apresentação do Zero ou Raiz utilizando a


fórmula de Bhaskara para achar a raiz, também tratou do crescimento e
decrescimento da função e das coordenadas do vértice da parábola. Foi dado algum
tempo para copiarem e em seguida passou exercícios de aplicação.
D’Ambrosio sinaliza sobre a necessidade de mudanças no ensino de funções
dado como exemplificamos acima.

O ensino distingue entre, por um lado, funções elementares e


especiais – isto é, aquelas funções tabeladas do século XVII ao XIX
– e por outro lado, o conceito geral de função introduzido por Dirichlet
em 1830. (...) Entretanto o que está envolvido em equações
83
funcionais é o cálculo efetivo e o estudo qualitativo de soluções. As
funções em que se está interessado, portanto, são funções
calculáveis e não mais apenas aquelas que estão tabeladas.
(D’AMBROSIO, 1986, p. 104)

Em alguns momentos durante a explicação do conteúdo o professor perguntava


“vocês estão entendendo?”. As respostas não eram muito firmes, percebia que os
alunos não estavam seguros quanto aos conceitos. Durante o tempo dado pelo
professor para que os alunos resolvessem os exercícios, me propunha a ajudá-los,
nesse momento percebia a falta de clareza em relação aos conteúdos.
Assim, a matemática, da maneira que é ensinada na escola não responde às
necessidades da sociedade em transição que incluem a capacitação para o uso
aplicado de conceitos matemáticos em diversos contextos, a crítica às verdades
universais e a capacidade de conviver com as diversidades. Nesse sentido,
acreditamos que

A educação nessa transição não pode focalizar a mera transmissão


de conteúdos obsoletos, na sua maioria desinteressantes e inúteis, e
inconseqüentes na construção de uma nova sociedade. O que
podemos fazer para nossas crianças é oferecer a elas os
instrumentos comunicativos, analíticos e materiais para que elas
possam viver, com capacidade de crítica, numa sociedade
multicultural e impregnada de tecnologia. (D’AMBROSIO, 2001, p.
46)

Certo dia um aluno do segundo ano exclamou em forma de protesto: “Não sei
pra quê eu preciso aprender isso, não vou usar no meu trabalho, vou ser
advogado!”. A resposta dada pelo professor direcionou-se na justificativa do
vestibular. Percebemos aí que o conhecimento pouco aprofundado do professor em
relação à importância da(s) matemática(s) na sociedade contribui para a
perpetuação do discurso da matemática como disciplina sem significado para o
aluno.

A matemática escolar é o substrato formal de uma reunião de


modelos do mundo real, originados de situações e problemas
concretos de antanho, e que, ao longo da história, foram estruturados
em sistemas de códigos e métodos próprios à disciplina. Operar e
interpretar esses códigos e métodos, o único de que dispomos, é
importante para propor modelos que serão utilizados para lidar com
situações novas. Por isso ainda se estuda Matemática. Mas os
84
códigos e métodos são parte do contexto cultural e, portanto, não
são universais nem permanentes. (D’AMBROSIO, 2009, p. 9)

Não estou afirmando que a culpa por todos os problemas com a matemática é
do professor, mas este tem um papel fundamental/importante na proposta da
etnomatemática para mudar a maneira como é entendida/compreendida e difundida
a matemática na sociedade. O professor teria de

Procurar aprender dos alunos a sua Matemática -- entendida


principalmente como maneiras de lidar com relações e comparações
quantitativas e com as formas espaciais do mundo real e de fazer
classificações e inferências. Infelizmente, os professores passam
demasiado tempo tentando ensinar o que sabem, que é muitas vezes
desinteressante e obsoleto, para não dizer chato e inútil, e pouco
tempo ouvindo e aprendendo dos alunos. (D’AMBROSIO, 2008, p.
12)

É por meio do professor que os alunos têm o contato com os conceitos


matemáticos formalizados que são utilizados em vários ramos da sociedade.
Espera-se com isso que seja possível o desenvolvimento da materacia, ou seja, “o
desenvolvimento da criatividade e da capacidade de se desempenhar em situações
novas, analisando essas situações e as conseqüências de nossa atuação”
(D’AMBROSIO, 2009, p. 3).
No contexto da sala de aula não é possível afirmar se houve ou não apreensão
dos conceitos por parte dos alunos, mas podemos inferir pelos resultados das
avaliações e pelas observações durantes as aulas que não houve entendimento
suficiente sobre os conceitos matemáticos trabalhados em sala de aula.
A metodologia usada pelo professor, a predominância da linguagem
matemática e creio que uma certa acomodação por parte dos alunos (que foram
educados assim) contribui para a não manifestação dos saberes ribeirinhos na sala
de aula. Assim, usando apenas as observações, não foi possível afirmar se houve
ou não articulação dos saberes do cotidiano ribeirinho na sala de aula, para isto
seria necessário um estudo mais aprofundado junto a cada aluno ribeirinho.
No decorrer das aulas observei a necessidade de maior explicação das
palavras e dos símbolos do vocabulário matemático, desta maneira o aluno poderá
compreender melhor os conceitos sem se atrapalhar com os símbolos.
85
O professor ao falar do objeto matemático utiliza a linguagem matemática para
comunicá-lo e o aluno por sua vez não compreende, assim falha a comunicação
entre a matemática, o professor e o aluno. Percebemos neste ponto o papel de
interlocutor do professor entre aluno e matemática.
Do ponto de vista da etnomatematica os saberes extra-escolares dos alunos
poderiam ser complementados e complementar o sentido dos conceitos
matemáticos, assim como introduzir outros conhecimentos que normalmente não
estão relacionados à matematica, como ética, respeito, solidariedade e cooperação.
Ouvir os alunos, conhecer seus planos e suas raízes é um passo importante na
proposta pedagógica da etnomatematica.

Etnomatemática na/da Ilha

Durante o processo de pesquisa sempre inquietou-me a questão de como ver


o entrelace entre os saberes presentes na cultura ribeirinha e a matemática escolar.
Nesta seção nos debruçamos sobre a questão de como o aluno faz a apreensão do
conceito matemático e percebe/usa esse conceito na sua prática.
Das conversas com os estudantes ribeirinhos e das visitas à Ilha foi possível
pensar nas atividades de produção artesanal e no processo extrativista do açaí
como motes para esta pesquisa.
Na Ilha do Combu são confeccionados alguns artefatos que são utilizados
pelos próprios moradores. O tipiti13, o matapi14 e a rasa15 são alguns exemplos de
objetos confeccionados e utilizados pelos ribeirinhos. Conhecer estes objetos, sua
confecção e seus usos foram de grande importância no aprofundamento do contexto
ribeirinho.
É outra linguagem. São outras noções de espaço e tempo que respeita e vive
a natureza, outras maneiras de medir, a exemplo da rasa, enfim outras
etnomatemáticas. E diferentemente do que ocorre na escola, é por meio da
oralidade que esses saberes são repassados de geração em geração.

13
Tipiti é um artefato parecido com uma prensa ou espremedor de palha trançada usado para escorrer e secar a
mandioca ralada.
14
Instrumento em formato cilíndrico de palha utilizado para a pesca de camarão.
15
Cesto de palha utilizada para transporte de materiais diversos.
86
A confecção de cada artefato é influenciada pelas necessidades básicas de
subsistência, assim, do que pude observar, cada fazer é acompanhado pela
necessidade de sobrevivência, mas não se resume a ela.
A atividade de extração do açaí é a base de subsistência dos ribeirinhos da
Ilha do Combu, assim, praticamente todos os moradores conhecem o processo que
envolve a colheita do açaí.
Neste momento da dissertação trazemos os alunos moradores do Igarapé do
Periquitaquara para nos ajudar a refletir e analisar sobre os saberes presentes em
seu cotidiano para que pudéssemos ver como os conceitos são significados ou
construídos na prática.
Foram quatro os alunos acompanhados em seus fazeres no Igarapé, mas
sempre estavam presentes os parentes, assim, as conversas foram enriquecidas
pelos pais ou avós nos momentos em que os alunos se viam sem resposta às
minhas indagações.
A análise das atividades desenvolveu-se à medida que fui extraindo dos
saberes e fazeres presentes no cotidiano ribeirinho os conceitos matemáticos
observados. Não estabeleci quais conceitos olhar, optei por vê-los surgir/emergir em
cada prática e assim tentar interpretá-los.

FIGURA 5: Perspectiva da Ilha do Combu com destaque para o Igarapé Combu (verde),
Periquitaquara (azul) e o Furo da Paciência (vermelho)

87
Contar a historia de uma comunidade que sempre usou a oralidade para
comunicar suas tradições não é tarefa fácil, mas justifica-se pela necessidade de
conhecer e compreender o presente que é construído ao longo da história de um
grupo social.
Os fatos aqui contados foram relatados pelos estudantes moradores do Igarapé
e por seus avós e pais, alguns dados foram obtidos junto a outras pesquisas feitas
na Ilha do Combu.
Para se chegar ao Igarapé do Periquitaquara, só pela via fluvial. Ele está
situado à margem do Furo da Paciência. Lá moram aproximadamente cinquenta
famílias segundo uma das alunas. Possui uma escola de ensino fundamental menor,
anexo da Escola Municipal Sílvio Nascimento, que foi inaugurada em 2007 e atende
alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental.
Segundo dona Cleunice, mãe de Rosiane e avó de Jéssica (Alunas da Escola),
sua avó foi uma das primeiras moradoras da localidade que teve sua povoação
iniciada com três famílias. Estas famílias deram origem à praticamente toda
população que hoje mora no Igarapé.

Primeiro foram meus avós lá... no final, aí mais aqui era outro senhor
chamado Benedito e lá na Boca era seu Duca que a gente chamava
tio Duca. Foram os primeiros moradores daqui. (Dona Cleuza, 2009)

A aluna Rosiane me explicava as combinações entre esses vizinhos, fazendo


com que todos tenham algum grau de parentesco,

Aqui todo mundo é parente, só quem veio de fora foi meu pai e meu
marido, o resto tudo é parente. Meus bisavós tiveram filhos, que
tiveram filhos e assim a comunidade foi crescendo. Hoje em dia é
que já tem mais dois que vieram de fora. Mas, também teve muitos
que foram embora pra Belém. A minha avó, que ficou viúva e com
nove filhos pra cuidar, foi embora pra Belém tentar a vida, lá ela
lavava roupa e vendia açaí que o meu tia mandava daqui pra ela.
(Aluna Rosiane)

Segundo essa aluna, o crescimento populacional no Igarapé contribuiu para


que muitas famílias passem por dificuldades para se manterem. Percebemos que as
mudanças nos hábitos e na paisagem do Igarapé foram significativas, antes eram

88
poucas famílias, os açaizais eram grande. Hoje com o aumento no número de
moradores, muitas famílias têm dificuldades em manter o básico para subsistencia.
Sobre as mudanças com o crescimentos populacional e o aumento de contato
com pessoas de outras localidades, inclusive Belém, D. Cleunice comenta que

até a época que eu casei, quando era sexta-feira santa e dia de


finados era triste, triste, triste, porque eram poucas casas, agora não,
agora já é barulho até demais. (...) Naquela época a gente trancava
bem a casa com medo de visagem (risos). Hoje em dia tem é pirata!

A base de subsistência na Ilha sempre foi o extrativismo do açaí, mas era


acompanhado pelo extrativismos de cacau, seringa, pupunha e cupuaçu, criavam
animais de pequeno porte como galinhas, patos e porcos, também pescavam peixes
e camarão.
As falas dos alunos e de outros moradores em relação às mudanças, como era
e como é morar no Igarapé, é um misto de sensações e lembranças. O “progresso”
evidenciado pelos eletrodomésticos, equipamentos eletrônicos e motores de barco
vem acompanhado pela sensação de melhora na qualidade de vida. Porém,
reclamam não terem acesso à outras consequências do “progresso” que seriam
saneamento básico, água tratada, segurança e energia elétrica.
O contato mais íntimo com Belém e a falta de uma perspectiva melhor de vida
na Ilha, faz com que dois dos alunos não queiram morar lá, são os filhos de Rosiane,
Jefferson e Jéssica. Ambos afirmam que seus planos são fazer vestibular e morar
em Belém e voltar à Ilha só para passeio.
Essa perspectiva é confirmada por Rosiane ao afirmar que “aqui é muito bom
pra morar, já foi bom de sobreviver, mas, hoje em dia até peixe pro cara pegar não
tá fácil”. Ela justifica me contando que seu mato(terreno) é pequeno e não dá para
sustentar bem uma família, o que ajuda é o trabalho do marido no barco fazendo
transporte de alunos. Também diz que o crescimento populacional contribuiu para a
escasses de peixe e camarão. “Por exemplo, assim...tem uma família que tem um
terreno aí eles tem uns sete filhos, aí cada filho casa e fica com um pedaço do
terreno, e assim vai...e todo mundo vivendo do açaí, do peixe, do camarão chega
uma hora que não dá!” (Rosiane).

89
Essa visão de Rosiane está baseda em sua experiência de vida em família e
em comunidade, ela deixa claro que existem moradores que vivem só do açaí, mas
são poucos, “só quem tem mato muito grande”.
As atividade desenvolvidas pelos alunos na Ilha dividem-se em estudo e
trabalho. A extração do açaí está presente no dia-a-dia direta ou indiretamente, pois
tem dois alunos que não trabalham diretamente na colheita do fruto apenas ajudam
nos fazeres domésticos ou no transporte do açaí.
O crescente interesse mundial pelo consumo do açaí está motivado pelas
pesquisas feitas com o fruto e os excelentes resultados para suas aplicações na
culinária, medicina ou cosmética. Tudo isto contribui para o crescimento das
exportações do açaí, o que afeta a economia local tendo como consequência o
aumento do preço do açaí.
Vale destacar que quando falo do açaí estou me referindo ao fruto e não à
polpa que é extraída e vendida em litros por toda cidade em estabelecimentos
especializados.

Conhecimentos, estratégias e instrumentos no processo de colheita e venda


venda do açaí

Os relatos dos moradores do Igarapé expressam bem o momento de transição


que vivenciamos hoje, de um lado o discurso dos mais velhos que respeitam e
cuidam da natureza, que sempre foi a fonte de sua sobrevivência. De outro lado, os
mais novos que por seu maior contato com a região urbana diminuem a relação com
a natureza. Mas isto não impede o aprendizado dos saberes da tradição ribeirinha,
fato observado no fazer e no dizer daqueles alunos que afirmam não querer viver do
açaí.
De todas as informações coletadas no Igarapé organizamos os saberes e
fazeres envolvidos na colheita do açaí, não de maneira segmentada como ocorre
com a matemática escolar, mas procuramos respeitar as articulações presentes na
complexidade inerente ao dia-a-dia.

Os artefatos construídos e utilizados


Existe uma íntima relação entre o processo de colheita do açaí e os artefatos
conhecido como a rasa e a peconha.

90
As rasas são cestos fabricados em toda ilha do Combu, no Igarapé
Periquitaquara Dona Cleunice é uma das pessoas que trabalha confeccionando
esse artefato. Ela conta que aprendeu com sua avó a confeccionar a rasa e outros
artefatos como o matapi e a peneira.
As rasas são feitas com ramos de Guarumã (Ischinasiphon obliquus (Rud.)
Koern) para tecer o cesto e a jacitara (Desmoncus polyacanthus Mart.) nas bordas,
que são escolhidas criteriosamente e depois colocadas para secar. Quando estão no
ponto certo a artesã usa uma técnica em que une, entrelaçando vários ramos, para
começar a fazer a base do cesto e iniciar o processo. Atualmente, utiliza-se também
um tipo de fita plástica na confecção da borda da rasa substituindo a jacitara.
Atualmente, o principal uso é acondicionar, transportar e medir o fruto do açaí.
De acordo com Canto (2001) a palavra rasa tem origem no latim, designa uma
antiga medida de capacidade que equivale, aproximadamente, ao alqueire16 (Figura
3). Segundo Canto (2001) no Pará as rasas grandes têm aproximadamente a
mesma medida, em torno de 30kg ou 36 litros, o mesmo foi observado em SOUSA e
PALHETA (2008).

16
Do árabe al kayl, usada originalmente como medida, equivalente a cestas de carga que se colocava, atadas,
sobre o dorso e pendente em ambos os lados dos animais no transporte de carga. No Brasil colonial o alqueire
passou a ser uma cesta bastante robusta, em que se transportava principalmente cereais (milho e feijão). Por
diversas razões o nome caiu em desuso.

91
FIGURA 6: Rasas confeccionadas na Ilha do Combu

Dos alunos, nenhum sabia como confeccionar a rasa, disseram que nunca se
interessaram em confeccionar porque já havia alguém que fazia, mas sabem me
explicar como se faz o artefato. Dona Cleunice explica que já houve uma iniciativa
de ministrar cursos para ensinar aos mais novos a fazer os artefatos utilizados na
Ilha, mas fala com tristeza que os mais novos não querem aprender. “Daqui a mais
algum tempo...Olha, aqui ano passado como teve curso pra os jovens aprender a
fazer a rasa que é pra não morrer a tradição, mas... não querem”. Para D’Ambrosio a
pouca investida nas raízes culturais dos estudantes nas escolas estaria contribuindo
para a não continuação desse saber fazer.
Na sua forma final as rasas para a comercialização do açaí têm dois tamanhos
(medidas). A rasa menor tem o volume de aproximadamente uma ‘lata’. A lata é uma
unidade de medida bastante utilizada na região amazônica que corresponde à lata
de margarina, cuja capacidade é de 18 litros. A rasa maior, segundo os ribeirinhos,
tem o dobro do volume, ou seja, duas latas. Mas também encontramos a rasa que é
confeccionada especialmente para a coleta do fruto, ela é maior e não serve como
medida para venda. É utilizada apenas para o transporte do açaizal até as casas dos
ribeirinhos.
Em SOUSA e PALHETA (2008) foi observado que

Os ribeirinhos dizem que uma ‘lata’ tem 20 ‘litros’. No entanto, a lata


que eles usam como capacidade de um ‘litro’ tem volume de 900 ml.
92
Este é um ‘sistema de unidades’ de senso comum entre os
ribeirinhos, em especial, para os negociadores de açaí. O que
demonstra uma transposição de um saber do povo desta região que
o utiliza em seu comércio.

Essa resignificação de um instrumento de fora da Ilha para ser utilizado de


acordo com suas necessidades demonstra uma estratégia de trasnposição das
regras de uso de um objeto.
Em um dos diálogos, com familiares ao redor, sobre a confecção da rasa
perguntei aos alunos como era confeccionada a rasa, eles responderam haver uma
medida, um modelo, ou seja, a rasa é confeccionada sobre outra rasa. Mas quando
perguntei sobre os primeiros modelos, sobre as origens das primeiras rasas, todos
pareceram meio intrigados com a pergunta, mesmo assim responderam

Ah! Isso já é difícil de saber! (Cleunice)


Já vem de muitos anos, de herança de mãe, de avó. (Rosiane)
A pessoa sempre aprende vendo o outro fazendo. Isso não é a gente
que fez, isso é coisa de índio, é herança de índio. Nessa região tem
muita descendência de índio. (Marido)
Sempre foi assim, desde quando nasci já tinha a rasa. (David)

Nesse momento podemos refletir sobre a história da matemática que é


ensinada nas escolas, nas aulas de matemática. Normalmente o que aprendemos é
sobre a história do dominador, as medidas padrão aceitas como universais têm
grande número de livros e estudos desenvolvidos, nos livros didáticos aprendemos
como os egípcios e romanos contavam e mediam e como isso contribuiu para que
chegássemos ao conhecimento que temos hoje, mas não tomamos conhecimento
de nossas raízes indígenas, nossas tradições, nossa herança cultural.

Essas questões permitem repensar o processo educativo em nossos


dias, no que diz respeito à transmissão da história do conhecimento
e das culturas. A transmissão do conhecimento do conhecimento tem
sido redutora e mutilante. De um lado, o saber científico fracionado,
não comunicante; de outro, o saber tradicional entendido como
“popular”, tratrado como filho bastardo e excluído do âmbito da
socialização e da trasmissão oficial. (SILVA, SILVA, ALMEIDA, P.
114).

93
Assim, todo conhecimento transmitido hoje pela escola é apenas uma pequena
mostra da história da humanidade. Não abarca as diversas maneiras de explicar
presentes nos saberes da tradição.
A rasa é um artefato amplamente utilizado em toda região norte, porém há
grande diversidade de tamanhos, formas e usos. Ou seja, mesmo afirmando haver
um padrão nas rasas, esse padrão é construído de acordo com cada localidade. Em
algumas oportunidades de conhecer alguns municípios paraense podemos observar
essas diversidades. Assim, em Cametá a rasa possui um design que difere da rasa
encontrada em Abaetetuba que por sua vez não é igual a rasa confeccionada na
Ilha. Mesmo na Ilha do Combu, se olharmos em cada Igarapé a confecção desse
artefato podemos observar algumas particularidades.

À esquerda rasas
utilizadas durante a
venda do açaí em
Abaetetuba. À
direita rasas
utilizadas no Porto
da Palha pelos
ribeirinhos da Ilha
FIGURA 7 do Combu. FIGURA 8

Um outro diferencial entre esse porto em Abaetetuba e o Porto da Palha é o


fato de que no primeiro há a pesagem da rasa fato que não ocorre no segundo. E
Segundo David todo açaí que vem de Abaetetuba ao ser vendido em Belém é
medido novamente na lata.
Esse fato foi comentado por um dos alunos quando perguntei sobre como eles
aprenderam as equivalencias da rasa com a lata. “a aqui a gente não mede assim
(...) todo açaí do ribeirinho daqui do Combu dá mais de uma lata (a rasa menor)”.
Percebemos nessa fala que a preocupação com a exatidão do sistema métrico
decimal não é relevante durante a venda do açaí, para eles é a rasa a medida
padrão. O mais importante é não sair perdendo e ainda agradar o freguês.

94
Nesse caso percebemos que o artefato adquiriu significado que vai além do
conceito de medida difundido nas escolas, que está baseado na exatidão. Lá na Ilha
o conceito de volume explicado pelos alunos parece não ter relação com o ensinado
na escola, pois na escola a medida padrão é o metro e na Ilha é a rasa. E mesmo
sendo padrão a quantidade de açaí em cada rasa não é igual à outra aos olhos
daqueles que obedecem ao S.I.
Recentemente, no primeiro semestre de 2007, o Ministério Público Estadual, a
Secretaria de Comércio do Município de Belém - SEICOM, a Secretaria de Saúde do
Estado do Pará - SESPA realizaram uma reunião com vários representantes de
associações e comunidades extrativistas do açaí para exigir adequação às normas
sanitárias.
Várias normas foram discutidas, entre elas a substituição da rasa pela
basqueta, que segundo os órgãos públicos seria mais higiênica e fácil de empilhar,
isto resolveria os problemas de contaminação dos frutos.
A basqueta foi introduzida nas comunidades e hoje observamos entre as rasas
o crescente uso desse objeto.

FIGURA 9: Venda do açaí em basquetas no Porto da Palha

No Igarapé Periquitaquara, nas três famílias que visitei a quantidade de


basqueta ainda é menor que a quantidade de rasas, mas sempre tem para o caso
de o freguês não querer açaí na rasa.
Em um diálogo com Rosiane ela explica porque prefere a rasa à basqueta

Primeiro que é minha mãe que faz, segundo que pra carregar do
açaizal a basqueta não serve. E ainda tem mais! A rasa é mais
barata que a basqueta e ainda tem muita gente que vive só de
fabricar a rasa.
95
Dentre esse fatores citados existe o fato de que a rasa ao ser inutilizada se
integra com mais facilidade à natureza, o que contribui para a preservação
ambiental, pois o plástico demora aproximadamente 400 anos para se decompor.
Mas, aparentemente, não houve uma pesquisa junto às comunidades para saber o
que eles pensavam sobre isso. O que existiu foi uma imposição externa aos
costumes e tradição do ribeirinho.

Logo que falaram que não ia ser mais a rasa, eu não fiquei tão triste
por mim, mas tem muitas pessoas...Deus o livre...que só vive disso,
rasa, matapi... antes eu fazia era muito, hoje em dia já não faço
tanto, antigamente tinha época que eu nem dava conta das
encomendas, mas hoje tem essas basquetas... (Cleunice)

O uso da basqueta representa o fim de uma tradição dos artesãos ribeirinhos,


além de representar o fim da única fonte de renda de muitos ribeirinhos que não têm
açaizais.
A rasa está sempre presente na extração, no transporte e na venda do açaí.
Durante a colheita outro artefato também está presente, é a peconha. É com ela que
o apanhador do açaí sobe com mais facilidade a palmeira, é uma espécie de argola
que entrançada entre os pés ajuda na subida para o corte do cacho. Ela pode ser
feita da própria fibra do açaizeiro ou ainda de algum material sintético resistente.

FIGURA 10: Peconha feita da folha do galho da palmeira do açaí. Fonte:


www.ufpa.br/ppgecm/dissertações/Maria%20Augusta%20Raposo%20de%20Barros%20Brito

96
Quando questionei sobre a confecção da peconha, travamos o seguinte diálogo

- Como tu sabes o tamanho da peconha? (pesquisadora)


- Ah! Depende do tamanho da pessoa! (David)
- Como assim? Me explique.
- É assim. Cada um faz a sua porque cada um sabe do seu peso e
sua medida. É melhor assim porque cada um tem a sua
responsabilidade. Já pensou? Alguém pode cair! (David)
- Mas, tu sabes me dizer o tamanho da tua, o comprimento?

Ele riu e pareceu refletir um pouco, depois pegou a peconha, que é flexível, e
então esticou em forma de reta, espalmou e estimou um metro de comprimento.
Pedi a ele que me explicasse como fez.

Foi assim...estiquei pra ficar mais fácil de medir com o palmo, porque
eu sei que um palmo tem mais ou menos uns vinte centímetros,
então...deu isso.

Perguntei se ele lembrava como aprendeu a calcular o comprimento de uma


circunferência na escola. Afirmou que não lembrava e naquele momento pareceu ter
um insigth sobre a relação da peconha com uma circunferência.
A maneira de resolver o problema proposto na hora por mim representa uma
maneira de medir na prática o comprimento de uma circunferência. Ele usou as
ferramentas mentais que dispunha para calcular o comprimento de uma figura
circular. Na escola, o conceito matemático geralmente é dado como um ente
abstrato para ser utilizado nas avaliações bimestrais. E o aluno que vai mal nas
provas é taxado de incapaz, mas

Não se podem avaliar habilidades cognitivas fora do contexto


cultural. Obviamente, a capacidade cognitiva é própria de cada
indivíduo. Há estilos cognitivos que devem ser reconhecidos entre
culturas distintas, no contexto intercultural e, também, na mesma
cultura, num contexto intracultural. (D’AMBROSIO, 2005, p. 117)

No contexto intracultural da sala de aula da escola isso não é levado em


consideração e D’Ambrosio expõe como um desafio para educação formal

97
reconhecer que o indivíduo é um todo integral e integrado, e que
suas práticas cognitivas e organizativas não são desvinculadas do
contexto histórico no qual o processo se dá, contexto esse em
permanente evolução. (2005, p. 118).

Os artefatos confeccionado e utilizados no cotidiano do ribeirinho poderiam


contribuir para um maior significado dos conceitos nas aulas de matemática, além de
proporcionar articulação, diálogo e complementaridade entre as diversas maneiras
de explicar, compreender e transformar o mundo.

A coleta, seleção e planejamento na venda do fruto

Aqui todo mundo tira, aqui nossa vida é essa, é o açaí!


Rosiane

A frase acima retrata bem a realidade das Ilhas de Belém conversar sobre açaí
com qualquer morador da Ilha é tão natural/comum como conversar sobre
construção de casa com um pedreiro ou engenheiro.
Nas observações feitas junto aos alunos e seus familiares vimos que os
conceitos eram utilizadados articuladamente nas atividades de coleta, seleção e
planejamento para a venda do açaí.
É importante lembrar que na Ilha o ano é dividido em função da safra e
entresafra do açaí. São dois períodos que mudam bastante o cenário e a economia
das famílias ribeirinhas. Na safra, que coincide com o verão amazônico, é tudo mais
fácil os terrenos ficam mais enxutos e fáceis de andar, é mais fácil de entrar no
açaizal e subir na palmeira, tem mais açaí para vender. Na entresafra, que acontece
durante o inverno amazônico, o cenário é o contrário. Rosiane nos conta que

Nesse tempo que não tem açaí, tu tem de tirar palmito, tirar cacau,
ou tu vai pra dentro do Igarapé pescar, colocar a malhadeira pra ti
pegar um peixinho pra ti jantar é assim que é.

98
A aluna também enfatiza que o camarão é outra fonte de renda, porém,
atualmente, está mais difícil pescar o crustáceo no Igarapé, pois, segundo ela, a
pesca desregrada está acabando com essa possibilidade de alimento e renda.
Durante nossas conversas, ela explica que extrair o açaí é uma arte que se
aprende vendo o outro fazer para depois tentar sozinho, comenta que não sobe mais
no açaizeiro. Jéssica diz que não sabe subir, mas Jefferson sabe apesar de dizer
que não gosta de subir para extrair o açaí. Assim, eles contratam um peconheiro
para fazer o serviço.
Na casa de David, ele e os próprios familiares tiram o açaí, ele explica sobre
esse processo

Cedo, seis horas, quanto mais cedo melhor porque o açaizal tá frio,
chega lá faz uma peconha pra subir no açaizeiro, escolhe os que tão
bem pretinhos, sobe o açaizeiro com a peconha nos pés, tira o cacho
e debulha. Às vezes de uma subida dá pra tirar cinco ou mais
cachos, depende da habilidade do peconheiro e da safra, noutras
vezes tem de tirar um por um, cada subida traz um cacho.

Perguntei como é feita a escolha do açaí ainda na palmeira, ele respondeu que

A gente sabe olhando para o açaí, se o cacho tiver todo ou quase


todo pretinho a gente já pode tirar, é melhor ainda se o açaí tiver
tuíra, que é o melhor! aí escolhe o tronco mais forte pra subir e cortar
os cachos.

Os apanhadores de açaí levam sempre uma faca, uma rasa maior que as
utilizadas na venda com capacidade de aproximadamente 45 litros e algum material
para forrar o chão onde são colocados os cachos.
Após a colheita dos cachos, é feita a debulha, que consiste na retirada dos
frutos dos cachos. Em seguida há a seleção do açaí é outro momento em que a
visão é utilizada para separar em categorias o açaí. O açaí parol ou paral não está
qualificado para a venda pois não tem boa aparência e sabor, não está totalmente
maduro e tem tons esverdeados. O açaí preto, fruto maduro pronto para consumo. E
o açaí tuíra, o fruto está bastante maduro e tem tom acinzentado, este é o
considerado por muitos o melhor açaí.

99
FIGURA 11: Palmeira do açaí com os frutos ainda verdes

Essa seleção do fruto está relacionada ao planejamento para a venda no Porto


da Palha, pois segundo Rosiane “tu não pode levar o açaí parol para vender em
Belém porque senão tu não vende. O que vai pra Belém é aquele bem pretinho ou o
tuíra”. Para vender o açaí no Porto colocam os melhores frutos nas rasas e a
acomodam no barco.
Foi bastante enfatizado, por todos com quem conversei no Igarapé, a
necessidade que o ribeirinho tem de planejar suas vendas na safra para não sofrer
na entressafra, principalmente aqueles que não tem açaizal grande. Pois na
entressafra a retirada do palmito não é tão lucrativa quanto o açaí e é dificultada
pela presença de grande quantidade de mosquitos (carapanã).

um palmito pequeno custa de 15 a 30 centavos cada, é um real se tu


tirar palmito de primeira que são aquelas árvores mais grossas...mas
tu não pode tirar só palmito de primeira senão tu vai acabar com teu
açaizal. Tem de tirar uns 100 palmitos para ganhar 20 reais!
(Rosiane)

Em seu modo de ver não vale a pena derrubar uma palmeira para tirar um
palmito, então, na casa de Rosiane não há a extração do palmito, mas nem todos no
Igarapé têm essa escolha. No caso desta família eles tem outra fonte de renda além
do açaí que é o transporte fluvial de alunos ribeirinhos e um pequeno comércio de
alimentos.
Questionei como ela fazia para planejar sua venda de açaí, relatou-me o
seguinte:

100
A gente faz um plano...assim... se a gente tirar tantas latas em tanto
tempo quanto a gente vai ganhar naquela safra...aí quanto tu vai
ganhar? Aí tu faz aquela conta... eu tirei 10 latas de açaí vou vender
a 20 reais cada rasa...aí tu faz a conta! A gente faz tudo para não
sair perdendo, porque tem muita coisa que se a gente não souber
raciocinar, colocar tudo no bico do lápis, a gente vai perder! Porque
tu tem de trabalhar de uma forma que tu ganhe e do jeito que a
situação tá, se tu for pagar transporte, pagar carregador e se tu
chegar lá e vender teu açaí muito barato, tu não vai ganhar nada! Ao
invés de ganhar perde né!? Porque tu tem de pagar o frete pra levar
o açaí, tu tens de pagar o carregador, por exemplo, se eu tiro duas
latas por semana aí eu pago para o carregador lá no Porto da Palha
1 real por rasa pra ele carregar.

Observa-se nessa fala as matemáticas que os ribeirinhos precisam e utilizam


para vender o açaí, não é uma matemática rasteira como muitos podem pensar.
Existem conceitos como probabilidades, função e matemática financeira, que estão
presentes no Ensino Médio e poderiam ser relacionados ao cotidiano ribeirinho.

Uma das grandes competências propostas pelos PCNEM diz


respeito à contextualização sócio-cultural como forma de aproximar
o aluno da realidade e fazê-lo vivenciar situações próximas que lhe
permitam reconhecer a diversidade que o cerca e reconhecer-se
como indivíduo capaz de ler e atuar nesta realidade. (PCN+, 2002,
126)

Em poucos momentos, durante os questionamentos sobre as atividades do


cotidiano, foi possível perceber alguma articulação entre a matemática ensinada na
escola e a descrição/explicação dessas atividades. Porém quando indagados mais
especificamente sobre as possíveis matemáticas que eles utilizam em seu cotidiano,
foram unânimes em responder que tem muita matemática em tudo que fazem,
mesmo não conseguindo expressarem bem argumentam que

a matemática é uma matéria...sei lá...a gente não sabe nem explicar


como mas, tu aprende muita coisa, por exemplo, tem coisas que eu
raciocinava de um jeito e agora eles estão te ensinando uma outra
forma. (Rosiane)
Mais fácil ou mais difícil? (Pesquisadora)
Eu acho que é mais fácil que antigamente. Tem coisas mais fáceis
mas tem coisas mais difíceis. Tem coisas que passam no colégio que

101
não vai influenciar em nada na nossa vida, mas tem coisas que a
gente precisa. A matemática pra usar no dia-a-dia... eu uso, eu uso
constantemente a matemática porque a gente tem esse
comerciozinho e constantemente a gente tem de tá fazendo conta.
Tu precisa diariamente, eu pelo menos preciso diariamente. É o
tempo todo tu fazendo conta, então eu penso assim, no ensino médio
tem tudo a ver e ajudou muito, não sei te explicar...(Rosiane)

Mesmo acreditando que não consegue/conseguiu explicar, nas falas anteriores


percebemos o uso de diversos conceitos matemáticos que foram explicados em
linguagem própria e dentro do contexto da atividade que desenvolvem, quando
afirma que não sabe explicar, talvez esteja se referindo aos conceitos da matemática
explicados em linguagem matemática escolar.

Na perspectiva do aluno, o conceito construído num contexto não é o


mesmo em outro contexto. O aluno reinterpreta o conceito, quando
projeta nele novos sentidos. O ato de criar conceitos, que obedece à
lógica do aluno, nem sempre está associado ao automovimento da
matemática. O conceito muda de acordo com o contexto, porque o
aluno produz sentidos diferentes, mas o conceito continua o mesmo,
já que ele deve obedecer às exigências da matemática. (SILVEIRA,
2005, p. 165)

Assim, conhecer as diversas maneiras de articular um conceito, seja na escola


ou em qualquer outro ambiente, é uma proposta que garantiria o diálogo entre as
culturas e aumentaria as possibilidades de resolver os problemas em cada contexto.

O acesso a um número maior de instrumentos materiais e


intelectuais dão, quando devidamente contextualizados, maior
capacidade de enfrentar e de resolver problemas novos, de modelar
adequadamente uma situação real, para, com esses instrumentos,
chegar a uma possível solução ou curso de ação. (D’AMBROSIO,
2001, p. 81)

Foi possivel observar que na época da safra a venda é um pouco mais


demorada e o preço oferecido pela rasa grande fica em torno de R$ 30, 00 (rasa
maior) na época da pesquisa. Na entressafra a negociação é rápida e sai por um
preço em torno de R$ 60,00 duas latas, podendo chegar a R$100,00 como foi
confirmado pelos alunos.
102
Alguns ribeirinhos já têm cliente certo e quando isto acontece é mais fácil a
venda em qualquer época, como é explicado por Rosiane

Chegando lá (Porto da Palha) quem já é conhecido é bem mais fácil,


mas, por exemplo, ele (marido) que vende, no caso se eu for, pra
mim já é mais difícil. Aí ele chega lá, ele vende, ele já tem o freguês.
Aí o preço varia, se uma rasa de duas latas ta dando vinte a de uma
lata vai dar dez reais.

A venda obedece à lei da oferta e da procura e o local de venda, o Porto, nos


faz lembrar os pregões da bolsa de valores. Por exemplo, na safra os vendedores
chegam cedo, mas só conseguem vender sua colheita no final da manhã. Pois os
compradores provocam a queda do preço ao demonstrarem falta de interesse pelo
produto. Na necessidade de fechar o negócio, vendem a um preço baixo. Já na
entressafra, os apanhadores levam o açaí em rasas menores. É o momento em que
há uma disputa entre os compradores, a venda é rápida e por um preço maior.
Assim, saber planejar inclui saber investir e guardar o dinheiro ganho durante a
safra para que na entressafra as perdas provocadas pelo inverno não sejam tão
prejudiciais ao cotidiano do ribeirinho.

103
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não há utopia verdadeira fora da tensão entre a


denúncia de um presente tornando-se cada vez mais
intolerável e o anúncio de um futuro a ser criado,
construído, política, estética e eticamente, por nós,
homens e mulheres.

Paulo Freire

Neste momento da pesquisa dou continuidade às reflexões pensadas


inicialmente e efetivadas no decorrer dos estudos, não no sentido de tentar concluir
uma realidade tão complexa como a do ribeirinho, mas na direção de indicar
caminhos e possibilidades para outras abordagens do conhecimento humano.
Os problemas enfrentados por estudantes ribeirinhos em uma sala de aula
urbana serviram de mote a esta pesquisa. Mais precisamente a maneira como é
ensinada a Matemática acadêmica estaria contribuindo para alguns dos fracassos
no âmbito escolar. Nesta pesquisa buscou-se analisar as articulações/conexões de
conceitos matemáticos construídos e utilizados por estudantes do ensino médio em
seu contexto ribeirinho.
Para que as pretensões da pesquisa fossem alcançadas foi necessário inserir-
me nos contexto escolar e ribeirinho, isto foi encaminhado por meio de visitas ao
Igarapé Periquitaquara e à Escola Estadual Edgar Pinheiro Porto, onde foquei meu
olhar nos alunos ribeirinhos. O que foi visto resultou no capítulo onde procurei
mostrar a realidade da comunidade ribeirinha e da escola.
Para refletir sobre o que foi visto necessitava de alguns pensadores mais
experientes, assim D’Ambrosio, Vergani, Skovsmose, Cuche, entre outros, nos
auxiliaram nas análises dos saberes e fazeres dos estudantes ribeirinhos.
Os saberes das práticas ribeirinhas não são óbvios, assim não tenho a
pretensão nesta pesquisa sobre o contexto captar todos os seus significados e seus
sentidos.
Assim, nesta pesquisa, trouxe a realidade dos estudantes ribeirinhos
representadas por suas falas e pela minha curta vivência em seu cotidiano
observando os conceitos matemáticos no processo de extração e venda do açaí e
na confecção de alguns artefatos discuti as possibilidades e conseqüências de

104
transferência dos saberes da cultura ribeirinha ao espaço da sala de aula de
matemática e o movimento contrário também, no sentido de articular/fazer interagir
os conceitos matemáticos aprendidos na escola e na comunidade ribeirinha.
As articulações propostas são subsidiadas principalmente pela proposta do
Programa Etnomatemática e pela teoria da Educação Matemática Crítica. Percebi o
importante papel da linguagem na articulação entre os conceitos da matemática
escolar e os conceitos matemáticos ribeirinhos.
Assim, uma primeira reflexão que se pode fazer é sobre a linguagem da
matemática escolar e a linguagem do cotidiano do estudante ribeirinho. As
dificuldades em sala de aula para compreender os conceitos matemáticos estão
relacionadas à maneira como é comunicado, por meio da linguagem matemática,
muitas vezes são sinais sem significado para o aluno, mas, poderiam adquirir
sentido caso fossem feitas as devidas conexões entre os contextos em que são
utilizados.
No cotidiano ribeirinho a linguagem matemática aprendida na escola, com seus
algoritmos pré-definidos, é deixada de lado em favor de uma linguagem que trabalha
seu significado no uso, ou seja, no lugar da exatidão almejada pelas fórmulas
matemáticas aparecem as estimativas, o mais ou menos, as aproximações.
Dar espaço às vozes dos alunos e conhecer seus contextos, deixar que falem
ou escrevam com suas próprias palavras sobre o que compreenderam de
determinado conceito seria uma maneira de acompanhar o desenvolvimento da
aprendizagem dos alunos as possibilidades de uso dos conceitos. Nesse sentindo, a
quantidade de conteúdo a ser ensinado em um curto espaço de tempo não teria
mais lugar de destaque, pois, como foi afirmado por VERGANI (1993) a matemática
surgiu/nasceu quando o homem teve tempo para olhar o mundo a sua volta e pensar
sobre ele. Ou seja, matematizar exige tempo para observar, conhecer, questionar e
validar.
Nos saberes da tradição ribeirinha percebemos que o tempo dado à maturação
das idéias é diferente ao da sala de aula, na Ilha as falas dos moradores apontam
que a aprendizagem dos costumes e da tradição está pautada no olhar e ver as
práticas cotidianas. Percebemos que essas práticas não são ausentes de métodos e
lógicas, mas por não seguirem as práticas acadêmicas são consideradas

105
secundárias, marginais e impróprias para fazer parte do corpo conhecimento
validado pela ciência.
A ciência com seu método e sua lógica tem o poder de formatar a sociedade e
comandar decisões políticas e sociais, podemos ver esse poder sendo colocado em
prática com a imposição do uso das basquetas pelos ribeirinhos, as explicações
para a substituição das rasas seguiu a lógica das pesquisas acadêmicas e estas não
deram espaço para as explicações dos ribeirinhos. Não estamos afirmando que a
basqueta não deva ser utilizada, mas sim enfatizar a falta de diálogo entre o poder
público e as comunidades ribeirinhas nesse tipo de tomada de decisão.
Na proposta da EMC a matemática também possui seu poder de formatar a
sociedade, seus modelos e algoritmos são considerados verdades absolutas, assim,
outros modelos de matematizar a realidade, como no caso da rasa, não são
considerados válidos para a sociedade, pois não estariam contribuindo ao
desenvolvimento tecnológico presente na sociedade dita moderna.
A sala de aula poderia ser um lugar para discutir a matemática formatando a
sociedade, as fórmulas, modelos e algoritmos matemáticos devem ser discutidos por
meio da visão crítica do conhecimento. Quando afirmamos que a matemática está
em todo lugar não podemos considerar apenas a matemática pura, aplicada, a
matemática da engenharia, mas também as matemáticas imersas em diversas
culturas, a matemática da rua, da feira, dos artesãos e dos ribeirinhos.
Como já foi afirmado anteriormente não foi possível ver espontaneamente
como o aluno articula os saberes e fazeres do seu cotidiano na aula de matemática.
Um dos fatores que contribuíram para isto foi a escassez de comunicação entre
professor e alunos. Do que pude observar nas idas à Ilha, os alunos possuem uma
experiência de vida rica em conceitos matemáticos, como probabilidade e função,
provenientes/oriundos de suas práticas cotidiana, mas que na sala de aula são
silenciados pelo discurso de Ideologia da Certeza (Skovsmose, 2007) da
Matemática.
Nesse sentido ao professor de matemática cabe assumir um papel sensível aos
saberes de outros contextos, perceber que para o aluno é necessário aprender a
matemática escolar, mas sem desvalorizar seus conhecimentos e conceitos
aprendidos na prática.

106
Na prática de extração e venda do açaí, percebemos os conceitos matemáticos
sendo utilizados. Nas falas dos alunos não foi possível perceber a
adaptação/transposição dos conceitos aprendidos em sala de aula, mas podemos
inferir que existe uma construção conceitual enraizada na prática de extração do
açaí. Das falas dos alunos percebi que a articulação entre esses saberes ainda não
está presente na sala de aula de matemática do ensino médio.
A matemática escolar poderia ajudar os ribeirinhos na comercialização e
planejamento da venda do açaí, não porque é melhor, mas por ter sido uma
reclamação a necessidade de aprender a planejar a venda para não sofrer na
entressafra. E de acordo com algumas falas dos estudantes a matemática ajudaria
muito nesse planejamento.
A matemática do ribeirinho percebida como uma etnomatemática poderia
contribuir para ampliar a visão dada à matemática standartizada à medida que não
separa ação e pensamento, teoria e prática e que valoriza o qualitativo ao invés do
quantitativo. A literacia comunitária apareceria como um componente no ensino da
matemática.
As tensões emergidas durante esta pesquisa nos permitem refletir sobre a
complexidade e o inacabamento das coisas e das pessoas. Refletindo sobre os
caminhos podemos pensar em um novo recomeço uma nova viagem.
As lições aprendidas no caminhar desta pesquisa me ajudaram a ver que
educar é um ato político, pois toda tomada de posição tem intrínseca uma ideologia,
não há educação neutra ou universal, ela está sempre ligada a atender
determinados objetivos. Acredito na Paz como um dos objetivos para a educação,
não como a inexistência de divergências e conflitos, mas no sentido de não
reconhecer o outro apenas como uma ameaça. As diferenças e, conseqüentemente,
as divergências e conflitos, são parte da diversidade que caracteriza todas as
espécies, e são, portanto, intrínsecas ao fenômeno vida (D’Ambrosio, 2007).
Por meio deste estudo foi possível perceber as possibilidades de mudança em
dois ambientes vividos pelos alunos em questão. Essa mudança poderia ser
iniciada/efetivada/desenvolvida pela proposta de uma educação Matemática que
envolva/considere o caráter transdisciplinar do conhecimento, assim, o
conhecimento matemático escolar deveria estar entrelaçado por outros saberes, que

107
estão ausentes do ambiente da sala de aula, os saberes matemáticos do cotidiano
de estudantes ribeirinhos.
Pensar nesse entrelace, refletir sobre suas possibilidades e dificuldades nos
ajudou a ver que a Educação Matemática pode ser crítica e engajada em ajudar na
orientação da formação dos alunos para a vida, e que esta não pode ser resumida
ao trabalho. A Etnomatemática é crítica em sua essência, pois nasce da reflexão
sobre a hegemonia da matemática ocidental em todo mundo. Assim, esse tipo de
reflexão nos ajudou a perceber outros saberes sendo construídos e praticados,
neste caso os saberes e fazeres ribeirinhos contribuíram como fonte de reflexão.
Esta pesquisa permite afirmar a possibilidade de uma proposta de efetivação
da articulação entre os saberes ribeirinhos e a matemática escolar mediados por
uma escola e por professores que considerem a diversidade da região nas ações
didático-pedagógicas. Assim, uma proposta de ação nesse sentido requer um
projeto que integre professores da escola, pesquisadores acadêmicos e os
intelectuais da tradição.

108
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114
ANEXO

115

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