Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
BELÉM
2010
ELIANA RUTH SILVA SOUSA
BELÉM
2010
ETNOMATEMÁTICA: SABERES MATEMÁTICOS NO
COTIDIANO DE ESTUDANTES RIBEIRINHO
COMISSÃO EXAMINADORA:
___________________________________
Profª. Drª. Isabel Cristina Rodrigues de Lucena
Doutora em educação Matemática/ UFRN
Orientadora – Membro Interno / IEMCI - UFPA
___________________________________
Profª. Drª. Gelsa Knijnik
Doutora em Educação / UFRGS
Membro Externo / UNISINOS
___________________________________
Profº Dr. Erasmo Borges de Souza Filho
Doutor em Comunicação e Semiótica / PUC – SP
Membro Interno / UFPA
Belém
2010
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) –
Biblioteca do IEMCI, UFPA
Ao ser divino que nos deu a vida para que pudéssemos buscar pelos
nossos sonhos.
Aos meus familiares, minha mãe, irmãos e irmãs, minha tia e meus
padrinhos, por todo esforço e confiança em mim depositados.
In this thesis are the ups and downs, opportunities and research findings
entitled Ethnomatematics: mathematical daily knowledge of riverine students
aimed to examine how the student makes the apprehension of a mathematical
concept and understands/uses this concept in their practice and how they
articulate the knowledge and their daily river performance in classroom. The
action characteristics in field developed in this research can be embraced by an
ethnographic approach, thus, this research became developed in two empirical
moments: observations in the classroom of Escola Estadual de Ensino
Fundamental e Médio Edgar Pinheiro Porto, held in the second half of 2008,
along with high school students who lived on Ilha do Combu looked possible
spaces in which expression of riverine mathematics, the other time was in the
first half of 2009 which included the comments about Ilha do Combu, with visits
to students in their home environment and community, there I observed the
daily activities of four students. Concomitant to these moments there occurred
bibliographical studies of the theoretical. As part of research that encompass
the diversity of the riverside scenery of Belem, I quote five research
environments of Ilha do Combu (BRITO, 2008; MATTA, 2006; DERGAN, 2006,
CANTO, 2001) and Ilha Grande (QUEIROZ, 2009). Those that address
Ethnomatematics I quote D'Ambrosio (1993, 2001, 2002), Vergani (2002,
2007), Barton (2004), Bishop (1999); on the Critical Mathematics Education I
invite Skovsmose (2001, 2007) and Passos (2008 ), to speak about culture and
tradition I bring back Vergani (1995) and also Hobsbawm (2002), Georges
Balandier (1997) and Kush (2002). From the analysis of knowledge and
performance experienced by students that was possible to realize the
possibilities of change in two environments experienced by students in
question. This change could be initiated / effected / proposal developed by a
Mathematics education that involves / considers the interdisciplinary nature of
knowledge, so the school mathematical knowledge should be interwoven with
other knowledge, which are absent from the classroom environment, everyday
riverside students’ mathematical knowledge.
APRESENTAÇÃO................................................................................. 12
PRIMEIRAS REFLEXÕES.................................................................... 14
Antes do mestrado.............................................................................. 14
Agora, mestranda................................................................................ 22
DA METODOLOGIA AO MÉTODO....................................................... 27
Os caminhos da pesquisa................................................................... 28
A Escola e os Alunos.......................................................................... 34
A Ilha e os Ribeirinhos........................................................................ 38
TEORIZANDO A PRÁTICA DA PESQUISA......................................... 42
Contribuições para o desenvolvimento das pesquisas em
Etnomatemática..................................................................................... 45
Etnomatemática sob a perspectiva D’ambrosiana.............................. 49
Etnomatemática e linguagens............................................................. 58
Os movimentos da Cultura e a Tradição Ribeirinha........................... 63
Educação Matemática Crítica............................................................. 68
OLHANDO E VENDO ETNOMATEMÁTICA......................................... 74
Educação Escolar............................................................................... 74
Etnomatemática da/na Escola............................................................ 81
Etnomatemática da/na Ilha................................................................. 86
Conhecimentos, estratégias e instrumentos no processo de
colheita e venda do açaí........................................................................ 90
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................. 104
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................... 109
ANEXO................................................................................................... 115
APRESENTAÇÃO
12
No segundo capítulo que chamei Da Metodologia ao Método descrevo os
caminhos metodológico planejados e os percorridos durante a pesquisa. Assim,
apresento de forma breve quais foram os referenciais teóricos necessários e faço
uma descrição dos dois ambientes de pesquisa, a Escola Edgar Pinheiro Porto, na
região urbana de Belém, e a Ilha do Combu, mais precisamente o Igarapé
Periquitaquara, região das Ilhas de Belém. Também apresento os alunos partícipes
deste estudo, estudantes do ensino médio moradores da Ilha. Problematizo as
questões de pesquisa representadas pelas questões como o aluno faz a apreensão
do conceito matemático e percebe/usa esse conceito na sua prática. E, como ele
articula os saberes e fazeres do cotidiano ribeirinho na sala de aula.
Os caminhos metodológicos foram acompanhados do referencial teórico que
aprofundei no capítulo intitulado Teorizando a Prática da Pesquisa. Nesta fase do
texto procurei me apoiar principalmente nos referenciais da Etnomatemática e da
Educação Matemática Crítica.
No capítulo intitulado Olhando e vendo Etnomatemáticas procurei ver nos dois
ambientes de pesquisa possíveis respostas às problematizações propostas. Assim,
as aulas de matemática e a atividade de extração e venda do açaí receberam um
olhar mais aprofundado.
Na última fase desta pesquisa trago as Considerações Finais em que exponho
as limitações encontradas nos caminhos da pesquisa e levanto algumas idéias e
conclusões acerca do que foi exposto nos capítulos anteriores.
13
PRIMEIRAS REFLEXÕES
Antes do mestrado...
mestrado...
14
No dia da minha aula estava um pouco nervosa, porém consegui fazer o que
me propunha, lembro claramente o elogio da professora em relação ao meu
desempenho, foi um gesto que pode parecer insignificante, mas,
1
Em Belém do Pará em meados dos anos de 2002 ainda era comum entre vestibulandos, familiares e amigos
ouvirem a leitura da lista dos aprovados no processo seletivo do vestibular, pelo rádio e então, comemorar nas
ruas com músicas, banhos de amido de milho e pinturas corporais. Após o uso da internet para a divulgação da
lista dos aprovados essa tradição ficou sem sentido. A partir de 2010, por força dos pedidos das emissoras de
rádio e da população em geral, a lista dos aprovados no vestibular da UFPA volta a ser divulgada em primeira
mão pelos locutores de rádios de Belém.
15
problemas propostos, mas acreditava que poderia ter outras formas de ensinar e
aprender com significado, sendo que
16
de bolsista estavam: a criação de um banco de dados com teses, dissertações e
artigos de Etnomatemática publicados na página GEMAZ2.
Além do Trabalho de Pesquisa da Iniciação Científica que ficou como meu
próprio Trabalho de Conclusão de Curso (TCC)3 através da experiência da iniciação
obtive três publicações divulgadas na 59º Reunião Anual da Sociedade Brasileira
para o Progresso da Ciência (59º SBPC), no IV Encontro Paraense de Educação
Matemática (IV EPAEM) e no X Encontro Latino Americano de Iniciação Científica
(X INIC).
Meu primeiro encontro formal com a Etnomatemática se deu no
desenvolvimento do TCC intitulado “Etnomatemática sob o olhar de futuros
professores de Matemática” concluído em dezembro de 2006. Versa sobre
concepções de Etnomatemática expressas em TCC’s de graduandos da UFPA.
Nesse sentido a perspectiva foi de refletir sobre as discussões acerca do tipo de
caracterização dada para a matemática própria do cotidiano de cada localidade e as
possíveis relações com a matemática da escola e ainda, analisar a compreensão de
Etnomatemática evidenciada nesses trabalhos.
Dentre os resultados das análises dos TCC’s destacamos professores que
expressam a necessidade de verificar as matemáticas presentes nas práticas
profissionais dos colonos como um encaminhamento metodológico da
Etnomatemática. Outros usam a contextualização no cotidiano do aluno, apoiados
na etnomatemática, para mudar suas aulas e torná-las mais interessante e com
sentido para os alunos, pois acreditam que a matemática que não está presente no
dia a dia do aluno não deve ser ensinada.
Porém penso que o ensino baseado no contexto local deva ser complementado
com outros contextos de acordo com as necessidades das comunidades, todo
conhecimento científico produzido até hoje não pode ser deixado de lado e sim
utilizados de acordo com a situação e ajudar na criação e ampliação de novos
conhecimentos.
2
Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Matemática e Cultura Amazônica, coordenado pela Profa. Dra.
Isabel Lucena e vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemáticas do Instituto
de Educação Matemática e Científica da Universidade Federal do Pará.
3
O TCC é atividade obrigatória prevista no Programa Curricular do Curso de Matemática da UFPA.
17
Estar inserida num contexto onde há pesquisa e produção cientifica, que
considera a importância de relacionar Educação Matemática e Cultura Amazônica,
ajudou - e muito - a entender e ver o papel do professor na sociedade.
Ao concluir a graduação estava consciente da necessidade de continuar
sempre estudando e pesquisando, pois
18
Lembro que no início ensinava todos os alunos da mesma forma, sem lembrar
das diferenças de faixa etária e cognitiva. Até que percebi, pelas conversas com os
alunos e pelos resultados dos exames, que essa maneira de formar não estava
tendo rendimento, então refletia sobre minha forma de ensinar. Lembrando Freire
(1996, p. 39) quando afirma que
19
No período que lecionava não deixei de lado as pesquisas e leituras
referentes à educação matemática e sempre mantive presente o anseio de continuar
as pesquisas em etnomatemática. Assim,
20
saberes que estão ausentes com o conhecimento escolar para formar o que
D’Ambrosio (2001) denomina de literacia, materacia e tecnoracia4.
Percebi que esses termos eram usados por outros autores, porém com
tratamentos diferentes e normalmente não havia relação entre eles. Assim, literacia
ou letramento (SOARES, 2006) é geralmente tema de discussão para lingüistas e
materacia ou matemácia (SKOVSMOSE, 2007) para educadores matemáticos.
Porém, para Gadotti (2005, p. 01) esse jogo de tradução de palavras
4
Tradução das palavras matheracy, literacy e technoracy.
21
A partir desses referenciais, reconhecendo nosso contexto amazônico e
apoiada pelas discussões no GEMAZ foi possível realizar um levantamento junto à
comunidade do Igarapé do Combu, em que busquei relacionar letramento e
etnomatemática, identificando, entre os ribeirinhos, na atividade de extração e venda
do açaí um conhecimento local, o uso das rasas. Esse conhecimento considerado
na sala de aula pode servir para caminhar rumo à educação multicultural. Esta
relação dos saberes iniciou uma discussão teórica que resultou em um artigo
intitulado “A medida da rasa: um encontro entre Letramento e Etnomatemática”
(SOUSA; PALHETA, 2008) apresentado no 3º Congresso Brasileiro de
Etnomatemática.
Das primeiras conclusões sobre o artigo acima dei início a proposta de
Pesquisa para entrada no mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação
em Ciências e Matemáticas do então Núcleo Pedagógico de Apoio ao
Desenvolvimento Matemático e Científico5, sob o título “Letramento e
Etnomatemática: saberes matemáticos no cotidiano dos ribeirinhos”.
Agora, Mestranda...
Creio que se for feita uma pesquisa para verificar qual foi a disciplina mais
marcante durante o Mestrado, grande parte dos alunos responderão que foi a
disciplina Bases Epistemológicas da Ciência, seja pela professora ou pela disciplina
em si. Creio que a intenção da professora era abalar nossas bases, nossas
verdades e nossos paradigmas, no meu caso, ela conseguiu em vários aspectos.
No que se refere às discussões desenvolvidas na disciplina em questão posso
afirmar que foram essenciais ao meu olhar sobre o conhecimento científico e me
ajudaram a corroborar algumas convicções sobre os saberes caracterizados como
não científicos e a ampliar a importância de conhecer outros saberes e conviver com
opiniões diferentes das nossas, assim como a olhar a produção e transmissão do
conhecimento científico de maneira mais crítica e responsável.
Não quero dizer com isto que as outras disciplinas foram menos ou mais
importantes, ao contrário, tive a felicidade de estar junto a excelentes professores
5
A partir de julho de 2009 o NPADC passou a ser IEMCI – Instituto de Educação Matemática e Científica.
22
com disciplinas que só enriqueceram minha trajetória acadêmica. Poderia falar de
cada uma e da contribuição delas em minha vida pessoal e acadêmica, mas penso
que não é o momento, porém preciso citar duas disciplinas que estão diretamente
ligadas a esta pesquisa: Matemática Crítica que me ajudou a dar um novo olhar para
Matemática ocidental (escolar ou acadêmica) e; Pesquisa em Etnomatemática que
contribui nas discussões referentes às relações entre cultura e matemática.
No meu projeto de mestrado a intenção inicial era verificar o letramento
presente na vida escolar e comunitária dos estudantes ribeirinhos, considerando o
uso de medidas praticadas entre eles no processo de venda do fruto açaí. Mas, após
algumas orientações e reflexões percebi que poderia ampliar este objetivo tornando-
o mais próximo das discussões em Etnomatemática.
Assim, procurei olhar mais para os ribeirinhos em dois de seus ambientes de
convivência, nessa direção procuro identificar e compreender como o aluno
operacionaliza os conhecimentos escolares em seu ambiente cotidiano? Como o
estudante operacionaliza os conhecimentos do cotidiano no ambiente escolar?
Assim, a pesquisa procura relações ou interseções entre esses saberes
matemáticos praticados no cotidiano dos estudantes e os ensinados na escola.
Na busca por esses objetivos analiso os principais aspectos da cultura
ribeirinha, tendo como foco os saberes e os fazeres presentes na extração do açaí.
Outros elementos do cotidiano ribeirinho como a pesca, a fabricação artesanal ou
ainda os saberes demonstrados sobre os problemas sociais presentes na vida
escolar e comunitária dos estudantes ribeirinhos me ajudaram na compreensão dos
objetivos.
A especialização do conhecimento é uma herança, levada ao extremo, do
método de Descartes em que propõe “dividir cada uma das dificuldades que eu
examinasse em tantas parcelas quantas possíveis e quantas necessárias fossem
para melhor resolvê-las” (1987, p. 38). O conhecimento foi dividido em Ciências,
Artes, Religião e Filosofia; as Ciências em Exatas, Sociais, Humanas, etc. As Exatas
em Matemática, Física, Química, etc. A Matemática foi subdividida em outras áreas
como, por exemplo, Álgebra, Aritmética e Análise e cada uma destas pode ser
compartimentada à medida que o conhecimento avança. Ao transpor estes
conhecimentos em saberes escolares, possíveis de serem ensinados, esquece-se
que um dia eles formavam um único corpo de conhecimento e estão interligados.
23
Desta maneira os professores das disciplinas não interagem entre si e
acreditam, muitas vezes, não ser possível tal conexão. Na própria Matemática vê-se
total desarticulação entre os conceitos ensinados, chegando a existir, na mesma
série, dois ou três professores trabalhando os conteúdos de forma fragmentada.
As funções da matemática, comunicar e socializar, parece ter sido substituída
pela atual desinformação da produção de conhecimento por grande parte da
população e por conseqüência, ao invés de ter uma função social exclui os que não
têm acesso a ela. Esse fato pode ser observado nas avaliações nacionais e pelo alto
índice de reprovação e evasão escolar.
Talvez uma das razões para os baixos resultados nas provas do PISA6 (2003),
seja a disparidade da realidade das questões dessa avaliação com o praticado em
nosso país, em que predomina o uso excessivo de algoritmos sem significados e
não considera outras maneiras de construir conhecimentos, outros saberes,
diferentes dos livros didáticos.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 2000) apontam como um dos
caminhos para fugir do ensino puramente conteudista a interdisciplinaridade entre os
conhecimentos. Para que possa haver a interdisciplinaridade é possível que se
tenham também disciplinas, ou seja, não é preciso acabar com as matérias ou criar
outras e sim articular as áreas de conhecimentos.
No artigo três da Carta da Transdisciplinaridade os editores expõem que
6
Sigla, em inglês, de Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, realizado a cada três anos, desde 2000
nesse ano o foco era na Leitura; em 2003, a área principal foi a Matemática; em 2006, a avaliação teve ênfase em
Ciências.
24
Considero que a matemática, tanto dos manuais didáticos quanto dos saberes
da tradição das populações, devam ser valorizadas no ensino escolar, pois, acredito
que o aluno se identifica, reafirma e amplia conhecimentos quando estes são
constituídos por meio de incentivos e articulações culturais. Um dos objetivos desta
pesquisa é relacionar os componentes literacia, materacia e tecnoracia
(D’AMBROSIO, 2009) com a etnomatemática destacando a matemática escolar e a
cultura local.
Desta maneira procuramos entender e relacionar os saberes encontrados, dos
estudantes ribeirinhos e dos livros didáticos, com linguagem clara e inteligível; pois
“o mundo dos intelectuais, escritores ou universitários, que deveria ser mais
compreensivo, é o mais gangrenado sob o efeito da hipertrofia do ego, nutrido pela
necessidade de consagração e de glória” (MORIN, 2002, p. 97) e diria também que
pela busca de um título se esquecem que antes de qualquer coisa somos todos
seres humanos e planetários.
Boaventura de Sousa Santos, sociólogo que discute sobre os paradigmas da
ciência, nos oferece seu projeto de uma pedagogia do conflito, que se caracteriza
pelo inconformismo frente às discrepâncias de realidades, sociais e educacionais, às
desigualdades culturais e cognitivas.
26
DA METODOLOGIA AO MÉTODO
27
O mapa acima revela a predominância de ilhas na formação do espaço
geográfico da cidade de Belém. Mas para a maioria das pessoas, inclusive as que
moram aqui, a cidade está concentrada nos bairros. A maioria da população está
concentrada na zona urbana da cidade, essa é uma característica das sociedades
ditas modernas.
Como já foi afirmado anteriormente, os planejamentos estão submetidos às
emergências surgidas durante a pesquisa. Nessa direção é pertinente a explicação
dos termos metodologia e método, utilizados no título do capítulo.
A intenção foi de explicar os caminhos planejados por meio das idéias iniciais
do projeto de pesquisa (metodologia) e os efetivamente percorridos (o método).
Para Morin (2003, p. 20) “o método não precede a experiência, o método
emerge durante a experiência e se apresenta ao final, talvez para uma nova viagem”
O caminho pensado necessitava de uma estratégia para a busca do
conhecimento.Assim, a metodologia seria o planejamento a priori e método o
pensamento em ação.
A busca pelas respostas às problematização proposta nesta pesquisa exigiu
ações que se dividiram em leituras, viagens à Ilha, visitas à escola, discussões no
Grupo de Estudos e conversas com orientadora.
Estas ações podem ser divididas em pesquisa/trabalho de campo em que me
inseri nos ambientes dos alunos ribeirinhos e pesquisa bibliográfica na qual
estabeleci momentos de diálogos com teóricos da Educação Matemática.
Nesta fase do texto descrevo os caminhos metodológicos planejados e os
efetivamente percorridos. Também apresento os dois ambientes de trabalho de
campo, a Escola e a Ilha, e os participantes/sujeitos que foram observados nesses
ambientes.
Os Caminhos da Pesquisa
28
letramento dos estudantes ribeirinhos?) entendi que não era essa a questão de meu
interesse, não queria saber dos níveis de letramento em matemática, mas sim das
relações entre os saberes dos ribeirinhos e o saber escolar institucionalizado.
Desse momento de reflexão florescem as seguintes indagações: o
conhecimento adquirido na escola é utilizado no cotidiano do aluno? E o
conhecimento que o aluno trás é levado em consideração na escola? Como isso
acontece? Destas problematizações emergiram as seguintes questões que
orientaram as primeiras ações desta pesquisa: como o aluno operacionaliza os
conhecimentos escolares em seu ambiente cotidiano? Como o estudante
operacionaliza os conhecimentos do cotidiano no ambiente escolar?
Posteriormente, durante minha qualificação apresentei a conclusão de que não
foi possível ver a operacionalização dos conhecimentos do cotidiano no ambiente
escolar, houve sugestões de mudanças ou esclarecimentos sobre a questão da
operacionalização dos conceitos matemáticos.
Então explico que quando proponho os objetivos acima, pretendo ver as
interseções/conexões/articulações entre os saberes/conceitos. Ou seja, como o
aluno faz a apreensão do conceito matemático e percebe/usa esse conceito na
sua prática. E, como ele articula os saberes e fazeres do cotidiano ribeirinho
na sala de aula.
Na busca pela compreensão traçamos alguns caminhos metodológicos que
iniciam pelas leituras de referencial teórico que desse o arcabouço necessário ao
desenvolvimento da pesquisa, sem esquecer os movimentos próprios dos fatos
ocorridos durante a pesquisa que também pediram outros referenciais.
Caminhei tentando fazer meu próprio caminho, mas também olhando outros já
construídos. Os referencias foram lidos, estudado e discutidos.
Daqueles que abordam a Etnomatemática cito D’Ambrosio (1993, 2001, 2002),
Vergani (2002, 2007), Barton (2004), Bishop (1999) e ainda a Tese de Santos
(2007); sobre a Educação Matemática Crítica convido Skovsmose (2001, 2007) e
Passos (2008); para falar de cultura e tradição trago novamente Vergani (1995) e
ainda Hobsbawn (2002), Georges Balandier (1997) e Cuche (2002).
No âmbito das pesquisas que englobam o cenário da diversidade ribeirinha das
Ilhas de Belém, citamos cinco pesquisas que têm como ambientes de pesquisa a
Ilha do Combu (BRITO, 2008; MATTA, 2006; DERGAN, 2006, CANTO, 2001) e a
29
Ilha Grande (QUEIROZ, 2009). Sendo que em Brito (2007) e Queiroz (2009) a
temática da relação entre Educação Matemática e Cultura Ribeirinha está presente,
com enfoque nas discussões em Etnomatemática. Matta (2006) pesquisa a relação
existente entre o urbano, representado por Belém, e o insular representado pela Ilha
do Combu. Canto (2001) analisou aspectos posturais dos trabalhadores extrativistas
da Ilha do Combu na fase de coleta dos frutos. Dergan (2006) objetivava
compreender as mudanças e permanências das relações das comunidades da Ilha
do Combu com os recursos naturais na atualidade.
Em sua pesquisa Brito (2008) observou de perto a prática pedagógica de uma
professora que abordava diversos conteúdos matemáticos contextualizados na
Cultura Amazônica em uma escola de ensino fundamental (séries iniciais) situada na
Ilha do Combu. Lá analisou a trajetória de uma professora na construção de uma
didática da Matemática com base na cultura local. Tinha como foco saber se “A
Cultura Amazônica relacionada com a prática pedagógica favorece a aprendizagem
dos conteúdos curriculares desenvolvidos na escola da ilha do Combu? De que
maneira?”.
Nesse sentido Brito (2008) conclui que o respeito ao tempo de aprendizagem, o
respeito ao aluno como ser humano, a formação para além de aprender Matemática,
a criatividade na organização dos conteúdos (não linear religando contexto
intradisciplinar), a criatividade na construção de materiais didáticos, a atenção à
cognição e afetividade do aluno com a Matemática presentes na prática da
professora na Ilha do Combu contribui para a valorização e responsabilidade dos
alunos em conhecer, proteger e valorizar a cultura local e que isto se aprende dentro
e fora da sala de aula.
Queiroz (2009) pesquisou junto a alunos de 5ª série que estudam em Belém e
moram na Ilha Grande. Seu intuito foi identificar quais saberes matemáticos podem
ser encontrados nas práticas tradicionais dos alunos ribeirinhos que não aparecem
no tratamento da matemática escolar e refletir sobre as possibilidades de (re) ligação
desses saberes em sala de aula e/ou fora dela. Para isto investigou as
potencialidades matemáticas evidenciadas nos saberes/fazeres desses ribeirinhos,
identificando um artefato - a rasa – construído artesanalmente e utilizado
matematicamente por eles como instrumento de medida. Conclui que a
Etnomatemática pode ser um diálogo capaz de possibilitar a (re)ligação entre os
30
saberes tradicionais dos alunos ribeirinhos e o saber matemático escolar e para que
ocorra essa (re)ligação o professor deve conhecer esses saberes.
Cito apenas essas pesquisas feitas nas Ilhas de Belém, pois elas foram as que
mais contribuíram em minhas reflexões, mas preciso dizer que existem muitos outros
estudos desenvolvidos e em desenvolvimento nessa região nas áreas da Educação,
Biologia, Antropologia, História, Geografia, só para citar algumas. Isso demonstra a
existência de riquezas de todos os tipos, biológica, cultural, humana, etc. presentes
nas Ilhas de Belém. Por exemplo, atualmente no PPGECM/UFPA temos uma
pesquisa em desenvolvimento que propõe investigar aspectos dos conhecimentos
matemáticos presentes nos artefatos produzidos pelos moradores da Ilha do Combu,
em que tem o objetivo analisar as idéias matemáticas presentes na produção e
utilização destes artefatos pelos moradores em suas atividades diárias,
considerando os vínculos destes com o ambiente (DIAS, 2009).
Percebo a importância das abordagens nas pesquisas citadas anteriormente
para o reconhecimento e valorização da tradição amazônica e do povo ribeirinho,
pois dão vez e voz ao que antes nem existia aos olhos da sociedade moderna.
Também entendemos que pela sabedoria cultural das tradições ribeirinhas e pela
necessidade de mudanças na exclusividade do pensamento capitalista, muitas
outras pesquisas cabem nesse contexto. Assim, acreditamos estar contribuindo para
as discussões em Educação Matemática e para ações que vislumbrem essa
mudança.
Tentando elucidar as indagações sobre os saberes e fazeres dos estudantes
ribeirinhos e sobre quais saberes e fazeres considerar nesta pesquisa fui observá-
los em seus ambientes de convivência a escola e a Ilha.
31
Para se levar então o Programa Etnomatemática às suas amplas
possibilidades de pesquisa e ação pedagógica um passo essencial é
liberar-se do padrão eurocêntrico e procurar entender, dentro do
próprio contexto cultural do indivíduo, seus processos de
pensamento e seus modos de explicar, de entender e de se
desempenhar na sua realidade. (p.11)
32
momento foi feita de um modo, poderá ser refeita ou reinventada de outro.
(BRANDÃO, 1995).
Os sujeitos sociais e históricos que receberam nossa atenção mais detalhada
foram os estudantes do Ensino Médio matriculados na Escola Estadual Edgar
Pinheiro Porto que moram nas ilhas situadas nos arredores de Belém. São
localidades separadas da região insular pelo Rio Guamá e compõem a paisagem de
nossa região.
Estas localidade são as Ilhas do Murutucu, Grande e do Combu. Devido as
condições de acesso a estas localidades serem difíceis e o período limitado que
dispunha para a realização desta pesquisa, não foi possível estar em todas elas,
assim, foquei meu olha em apenas uma das Ilhas, a Ilha do Combu.
Meu olhar estava voltado à problemática da operacionalização de conceitos
matemáticos, às linguagens da escola e da Ilha além do entrelace possível entre os
saberes presentes nos dois ambientes pesquisados. Pelas observações feitas em
sala de aula escolhi a Ilha do Combu, mais precisamente o Igarapé Periquitaquara,
pois lá moravam quatro alunos que se mostraram interessados em ajudar na
pesquisa e possuíam algumas características que contribuiriam à qualidade das
informações e ações a serem realizadas em tempo hábil.
Este estudo foi realizado a partir das observações das aulas e do cotidiano dos
alunos. O período de observações ocorreu no segundo semestre de 2008 na escola
e no primeiro semestre de 2009 na Ilha. Sendo que na Ilha as visitas não eram
freqüentes quanto na escola, devido a dificuldade de disponibilidade e acesso a Ilha.
Nestas observações utilizei caderno de anotações, gravador de voz e câmera
fotográfica.
A escola Edgar Pinheiro Porto foi selecionada por concentrar a maior parte dos
alunos originários das ilhas e foi influenciada pela pretensão de observar os
moradores das ilhas em ambiente de diversidades sócio-cognitivas. As visitas de
pesquisa às comunidades em que moram os alunos ribeirinhos têm como objetivo
identificar através de observações e diálogos, as atividades comuns ao seu dia-a-
dia. Chamo de visitas de pesquisa aquelas feitas aos estudantes ribeirinhos com a
intenção e conhecer seu cotidiano e iniciavam com a ida à Ilha saindo do Porto da
Palha às 12:30h aproximadamente e terminavam ao final da tarde.
33
Olhar a Escola e a Ilha sem esquecer de olhar o todo. Precisávamos estar lá e
estar aqui, então, estabelecer um referencial e nos posicionar foi necessário. O lá e
o aqui são relativos a quem está olhando. Imagine uma pessoa que chegando a uma
margem de um rio perguntando onde fica o outro lado (a ilha), tem como resposta “é
do lado de lá!” (referindo-se à margem oposta). Essa mesma pessoa dirige-se então
ao outro lado do rio, lá chegando pergunta ao morador da ilha “aqui é o outro lado?”
e a resposta não poderia ser outra: “Não, o outro lado é lá (a cidade)”.
Esta história, aparentemente, simples está carregada de significados quando
precisamos olhar para as duas margens de um rio.
A Escola e os Alunos
7
Secretaria de Estado de Educação / Pará.
34
FIGURA 2: Foto aérea mostrando a Escola Edgar Pinheiro Porto e o caminho percorrido pelos alunos
ribeirinhos até o Porto da Palha. Fonte: Google Earth
35
maioria das escolas são prédios sem riqueza estética, pintada com cores neutras e
sem vida? A quem serve esse tipo de organização física da escola?
Para Dayrell (1996) a arquitetura e a ocupação do espaço físico da escola não
são neutras, são pensadas para definir as ações e comportamentos das pessoas,
8
O Porto da Palha é o local destinado ao embarque e desembarque de pessoas e produtos como, açaí, palha,
madeira, farinha, carvão, dentre outras coisas, localizado as margens do rio Guamá, pertencente ao bairro do
Guamá.
36
9
FIGURA 3 : Fotos do Porto da Palha sob o prisma de quem chega via fluvial e via terrestre,
respectivamente.
9
Todas as fotografias apresentadas nesta pesquisa são da autora.Salvo exceções com as devidas fontes.
37
para conhecermos um pouco dos fazeres extra-escolares dos alunos. Construímos
um questionário10 na tentativa de conhecer melhor o cotidiano dos alunos fora do
contexto escolar, seus desejos em relação à escola e seus planos para o futuro, este
questionário foi aplicado em períodos diferentes de acordo com a disponibilidade do
professor em doar um tempo em sua aula.
Por estar na sala de aula apenas observando os alunos e como não dispunha
de tempo para conhecer cada aluno, os questionários foram construídos no sentido
de conhecer, em um primeiro momento e de forma breve, as atividades
desenvolvidas pelos alunos fora do ambiente escolar bem como suas expectativas
quanto aos planos após concluírem o ensino médio.
Também foram questionados sobre suas preferências de disciplinas escolares.
Assim, as questões estavam relacionadas ao fazeres dos dia-a-dia fora da escola e
às suas ambições no campo profissional. O questionário foi aplicado em três turmas,
uma em cada ano do ensino médio. Dos questionários foi possível traçar, qualitativa
e quantitativamente, um perfil desses alunos.
Diferente do que ocorreu na pesquisa de Queiroz (2009) com alunos da 5ª
série, no ensino médio os ribeirinhos estão em minoria em todas as turmas. Em cada
turma tem no máximo cinco alunos ribeirinhos.
10
Em anexo
38
A Ilha e os Ribeirinhos
Belém
Ilha do Murutucu
Ilha Grande
Ilha do Combu
39
O local de onde os estudantes partem de Belém é o Porto da Palha, local onde
funciona uma feira, onde também é feito o comércio do fruto açaí.
Um episódio recorrente, de acordo com os relatos dos alunos e que eu mesma
pude presenciar, é o atraso do barqueiro que faz o transporte deles. Esse fato faz
com que os alunos, não agüentando a espera, peguem carona com seus
conhecidos. Todas as vezes que fui para a Ilha sempre ia de carona com os
conhecidos ou parentes de um dos alunos. Este fato afastou a possibilidade de
conversas entre os alunos partícipes da pesquisa.
Do Porto partimos rumo à outra margem do rio Guamá, seguimos de barco uma
viagem que dura aproximadamente 30 minutos, relativamente curta, mas que
encanta pela paisagem das Ilhas. Estas idas começaram no primeiro semestre de
2009, com a volta às aulas dos alunos.
A Ilha do Combu está nos limites da cidade de Belém desde o ano de 1938,
situada na margem do rio Guamá a 1,5 km do sul da cidade. Antes desta data a Ilha
fazia parte do território do município do Acará. Esta decisão foi referendada através
da Lei nº 158, de 31 de dezembro de 1948 ao estabelecer os limites municipais de
Belém. A Ilha é formada por furos e Igarapés, sendo os de maior densidade
populacional são os igarapés do Combu e do Periquitaquara. (DERGAN, 2006).
No Igarapé do Periquitaquara moram os quatro alunos partícipes da pesquisa.
Sendo que três são da mesma família (a mãe, um filho e uma filha). Moram todos do
mesmo lado da margem do Igarapé. Com exceção da mãe que tinha 38 anos os
outros eram todos adolescentes.
A atividade extrativista comanda a base de subsistência dos moradores da Ilha,
mas é acompanhada pela pesca e outras atividades. Hoje com o maior
estreitamento dos laços com Belém surgiu a necessidade de transportar os
estudantes às escolas, assim, muitos donos de barco trabalham para o Governo do
Estado do Pará ou para a Prefeitura de Belém fazendo esse tipo de transporte.
Percebemos que a dinâmica do cotidiano da ilha é influenciada por hábitos que
não existiam antes. Assim, a história da Ilha pode ser contada sob as óticas dos
mais velhos que estão lá desde o início e fazem parte dos processos de mudanças.
Durante as visitas à Ilha foi possível conhecer o cotidiano dos moradores, seus
labores diários, a convivência em família e na comunidade. Nestes momentos
algumas questões relativas à pesquisa afloraram: O que focar nesse cenário tão
40
diversificado? Que atividade escolher para aprofundar meu olhar? Que saberes
seriam significativos aos dois contextos, escola e Ilha?
Para Bishop (1999, p. 43) existem atividades matemáticas universais, para este
autor “todas as atividades estão motivadas por necessidades relacionadas com o
entorno e, ao mesmo tempo, ajudam a motivar estas necessidades” 11.
É interessante destacar que o caráter de universalidade é dado às atividades
matemáticas. Não é a linguagem ou representação que seriam universais, mas sim
o fato de que todas as culturas participam em atividades matematizantes. Os
universais seriam as similitudes entre as culturas.
As atividades de contar, medir, localizar, desenhar, jogar e explicar seriam as
raízes comuns a todas as culturas do mundo, segundo Bishop (1999).
O contato entre culturas contribui para a ampliação da diversidade cultural, este
fato é possível de ser verificado quando ouvimos algumas histórias de moradores
antigos da Ilha. Antes a Ilha tinha vida própria e estabelecia relações com outras
ilhas, depois do Decreto que englobava a ilha ao território de Belém, começaram a
aumentar os contatos entre ribeirinhos e citadinos. Hoje alguns moradores são
usuários de eletrodomésticos, eletroeletrônicos, artefatos que influenciam no
cotidiano e nas mudanças de hábitos dos ribeirinhos.
Dentre as atividades mais antigas na Ilha do Combu está a extração do fruto
açaí. O processo extrativista é uma atividade complexa que carrega artefatos e
mentefatos característicos da cultura ribeirinha. É partindo do olhar desta atividade
que buscaremos possibilidades de entrelaçamento entre os saberes da cultura
ribeirinha e o saber escolar.
11
Todas estas actividades están motivadas por necesidades relacionadas com el entorno y, al mismo tempo,
ayudan a motivar estas necesidades.
41
TEORIZANDO A PRÁTICA DA PESQUISA
42
Número de Vagas Oferecidas, Candidatos Inscritos e
Ingressos, Por Vestibular e Outros Processos Seletivos
70.000
58.663
60.000
50.000 46.664
40.000 Pública
30.000 Privada
22.120
20.000 13.820
8.141 7.789
10.000
0
Vagas Oferecidas Candidatos Inscritos Ingressos
44
saberes produzidos no seio desses grupos. Nesse sentido convido Georges
Balandier e Eric Hobsbawm para me acompanhar nessas discussões.
Percebe que as teorias podem ser articuladas no sentido de que uma não
exclui a outra, ao contrário, acredito nas conexões entre elas.
45
penso que uma dimensão não deveria excluir outra, pois ambas contribuem ao
sucesso da Etnomatemática.
A etnomatemática como campo de investigação e pesquisa pode ter diversas
abordagens investigativas, de acordo com Bishop (apud OREY; ROSA, 2005) essas
abordagens teriam três focos:
46
Esses são os primeiros caminhos quando queremos abordar etnomatemática
na sala de aula. Outras maneiras de abordá-la são propostas por vários
pesquisadores na área, por exemplo, os trabalhos de Knijnik (1996), Lucena (2005),
Santos (2008), Ossofo (2006), Souza (2008), para estes pesquisadores a
etnomatemática pode contribuir, entre outros fatores, para a incorporação de outras
práticas matemáticas aos saberes escolares, diminuir a evasão escolar, fortalecer os
conhecimentos de grupos minoritários.
Outra noção é proposta por Barton (2004, p.53), “Etnomatemática é um
programa de pesquisa do modo como grupos culturais entendem, articulam e usam
os conceitos e práticas que nós descrevemos como matemáticos, tendo ou não o
grupo cultural um conceito matemático”. Este sentido é importante para encaminhar
as pesquisas que desejam caracterizar-se como etnomatemática.
Segundo o Barton (2004) um problema importante a ser abordado nas
pesquisas da área é a possibilidade de existência de outros conceitos matemáticos
que não estejam subordinados aos já existentes, ou seja, geração de novas idéias
que transformem a maneira como a matemática é concebida.
47
As atividades de contar, medir, localizar, desenhar, jogar e explicar são
similitudes consideradas universais, pois de acordo com os estudos antropológicos
seriam encontradas em todas as sociedades. (Bishop, 1999)
Todas as sociedades teriam desenvolvido atividades que podemos chamar de
matemáticas, porém as maneiras de abstração e representação diferem em cada
cultura. Esse caráter universal é explicado por Bishop (1999)
Nesse sentido temos que ter cuidado ao ressonar este discurso, pois pode ser
confundido com o sentido de universalidade dado à matemática ocidental. A
matemática que hoje é conhecida e difundida mundialmente não é universal no
sentido de suas origens.
As civilizações Inca, Maia, Chinesa e Africana são apenas alguns exemplos de
sociedades que ao responder às suas necessidades desenvolveram maneiras
diferentes de medir, contar, jogar, explicar, desenhar e localizar.
Para Vergani (2007) as pesquisas em etnomatemática encontram-se no que ela
denominou fase de Lua Cheia, que significa ter a consciência de que a
etnomatemática tem uma missão que vai além do interconhecimento das diferenças
culturais. A ela cabe apontar possibilidades de transformações críticas em nossa
sociedade ocidental, solidária às outras maneiras de refletir, saber, sentir e agir.
No que concerne à educação etnomatemática devemos ser
12
Si realmente son universales y si he argumentado com éxito que son actividades importantes para el desarrollo
de los aspectos matemáticos de la cultura, entonces el corolario debe ser que todas lãs culturasdesarrollan
matemáticas: que lãs matemáticas son um fenómeno pancultural. (BISHOP, 1999, p. 79). Tradução minha.
48
Assim, a crítica social na educação deveria estar presente nos planejamentos
curriculares e pedagógicos. Reconhecendo a ciência ocidental e as tradições
socioculturais mais diversas. (VERGANI, 2007).
Ubiratan D’Ambrosio
49
(ou quase) relação ou influência positiva junto aos povos africanos excluídos dos
benefícios do capitalismo. Nesse sentido, suas idéias voltam-se para a
50
As pesquisas antropológicas que destacavam os aspectos matemáticos nas
culturas dos povos colonizados muitas vezes usavam a matemática ocidental como
parâmetro, este fato foi motivo para as críticas iniciais à etnomatemática. Mas,
podemos dizer que estas críticas serviram também ao fortalecimento da
etnomatemática enquanto um programa de pesquisa. A seguir dissertaremos sobre
a idéia de D’Ambrosio para o que denominou Programa Etnomatemática.
A idéia de programa de pesquisa é também uma proposta para as futuras
pesquisas em etnomatemática, não é um encaminhamento metodológico com
métodos pré-definidos, mas sim se devem levar em consideração três perguntas
diretrizes:
51
A Dimensão Cognitiva está associada à idéia de sobrevivência e
transcendência, estas necessidades geram pensamentos [mentefatos] que resultam
em práticas [artefatos].
Na nossa espécie existem diferentes formas de pensar e expressar estes
pensamentos “as idéias matemáticas, particularmente comparar, classificar,
quantificar, medir, explicar, generalizar, inferir e, de algum modo, avaliar, são formas
de pensar presentes em toda espécie humana” (D’AMBROSIO, 2002, p. 30).
As atividades cotidianas dos ribeirinhos são exemplos de necessidade de
sobrevivência e transcendência. Estas necessidades são observadas pelos desafios
enfrentados no cotidiano que são diferentes dos desafios enfrentados na cidade. E
“naturalmente, em todas as culturas e em todos os tempos, o conhecimento, que é
gerado pela necessidade de uma resposta a problemas e situações distintas, está
subordinado a um contexto natural, social e cultural” (Idem, 2002, p. 60).
Nesta dimensão olha-se o homem como indivíduo participante, integrado na
realidade social e cultural em permanente interação com o meio. Assim, o
conhecimento é compartilhado entre pessoas, comunidades, culturas. D’Ambrosio
(2002, p. 32) entende a cultura como um “conjunto de conhecimentos compartilhado
e comportamentos compatibilizados”.
São vários os sistemas de explicação existentes para os fenômenos que
cercam a humanidade assim, os povos aqui da Amazônia (indígenas, quilombolas,
ribeirinhos, etc.) desenvolveram meios de conhecer e lidar com o ambiente, mas a
maneira ocidental de ver o mundo é privilegiada em todas as instituições da
sociedade, especialmente na escola. Na dimensão cognitiva são privilegiadas todas
as formas de expressão do pensamento que incorpora o sensorial, o intuitivo, o
emocional e o racional. O pensamento do homem deve caminhar para além da
sobrevivência.
Essa sobrevivência esteve durante a história da humanidade submetida à
relação entre dominador e dominado nos processos de conquistas, aqui surge a
dimensão política do Programa Etnomatemática. Para o próprio D’Ambrósio falar do
conceito de política é complicado, ele fala de política “como um fato histórico-
filosófico que tem sido o substrato do exercício do poder. A dimensão política é
entender como a matemática tem servido ao poder, como um instrumento muito
eficiente” (D’Ambrosio, 2009, por e-mail).
52
Na Dimensão Política as relações entre culturas são de extrema importância
para o desenvolvimento destas. Mas estas relações quase nunca são harmoniosas,
as conquistas do Novo Mundo foram acompanhadas pela imposição cultural e
social. É uma estratégia de manter o conquistado inferiorizado e uma maneira de
manter os indivíduos inferiorizados é arrancando suas raízes históricas e fincando as
do dominador.
53
Na história moderna e contemporânea, os vários "ismos" tem
desenvolvido uma matemática que serve aos objetivos desses
"ismos". Assim, houve uma matemática perfeitamente adequada
para os objetivos do mercantilismo, outra eficiente para o
colonialismo, uma matemática adequada para os objetivos do
capitalismo, outra muito conveniente para o comunismo.
(D’Ambrosio, 2009, por e-mail).
54
de dizer que são moradores das Ilhas, pois, passariam a ser motivo de gozação para
alguns alunos e até para professores.
O contato entre culturas requer uma concepção de escola multicultural, pois o
encontro entre culturas inevitavelmente gera conflitos. Estes poderão ser
estabelecidos por meio do diálogo e do respeito entre as culturas
Outra proposição desta dimensão é a predominância da abordagem qualitativa
sobre a quantitativa, a valorização de outros focos que vão além do conteúdo
científico. Este seria o caminho para uma nova organização da sociedade. Assim, a
etnomatemática não se separa de outras manifestações culturais, “a etnomatemática
se enquadra perfeitamente numa concepção multicultural e holística da educação”
(Idem, 2001, p. 44).
Quando valorizamos o qualitativo damos espaço para o ser humano se
manifestar, percebemos que o importante não é forçar os alunos a aprender
determinados conteúdos, mas sim proporcionar a eles a opção de escolher por um
futuro menos violento, que valorize a vida de toda a humanidade da forma mais
igualitária possível.
As informações adquiridas fora do contexto escolar devem fazer parte das
discussões, o conhecimento aprendido em outros ambientes pode ser relacionado
ao conhecimento escolar. A concepção de currículo difundida na escola está
relacionada apenas a escolha dos conteúdos a serem ensinados pelos professores.
Nesse sentido, “espera-se que a educação possibilite, ao educando, a aquisição e
utilização dos instrumentos comunicativos, analíticos e materiais que serão
essenciais para o seu exercício de todos os direitos e deveres intrínsecos à
cidadania” (D’AMBROSIO, 2001, p. 66).
Nesta proposta pedagógica a matemática deve estar ligada às situações reais e
por meio da crítica seríamos capazes de analisar, questionar e mudar nossa
realidade presente e futura.
Nossa sociedade, apesar das desigualdades sociais, é muito evoluída
tecnologicamente. Hoje é possível a comunicação instantânea entre pessoas de
qualquer parte do mundo, desde que possuam o ferramental para isto. Todo
conhecimento científico e tecnológico proporcionou maravilhas antes presentes
apenas nas mentes dos cientistas.
55
E hoje, na maior parte dos casos, temos escolas que priorizam conteúdos
desvinculados de qualquer realidade cultural vivida pelos alunos, seja a cultura
ribeirinha, seja a cultura tecnológica.
Tomando como base a concepção de currículo proposta por D’Ambrosio,
pensamos ser possível mudanças no currículo tradicional. Em acordo com as
discussões acerca da organização e difusão de conhecimento, propõe um trivium a
partir dos conceitos de literacia, materacia e tecnoracia.
A idéia de literacia está historicamente ligada às habilidades de ler, escrever e
contar e fazem parte das preocupações curriculares ligadas à tradição norte-
americana representada pelos “three R’s: readind, ‘riting and ‘rithmetic”.
Porém, na proposta de D’Ambrosio (no prelo)
56
Construir e refletir sobre modelos requer conhecimento de códigos e símbolos
e a matemática escolar pode ajudar na compreensão e na utilização desses
símbolos.
57
Etnomatemática e Linguagens
Aqui cabe uma questão importante para as análises futuras: o que vem a ser
conceito? E conceito matemático? Uma discussão acerca do conceito matemático
nos ajudará a interpretar as observações acerca das linguagens nos ambientes
pesquisados.
Para isto, cabe outra pergunta: Os conceitos são entidades abstratas e
independentes da mente, ou dependem desta para existirem?
No primeiro caso vemos que os conceitos existem independentes de uso que
possamos fazer, está no mundo das idéias e nesse sentido poderá ser universal.
Mas, se olharmos para o segundo caso percebemos a necessidade do contexto na
sua existência. Penso isso, porque as discussões que englobam a matemática
enquanto uma atividade universalmente praticada por todas as sociedades crêem na
universalidade dos conceitos matemáticos, por exemplo, os conceitos de medir e
contar. Mas nesse ponto reflito sobre quem identificou uma atividade envolvendo a
comparação e caracterizou com o conceito de medir? Esses conceitos não seriam
na verdade o olhar ocidental dos pesquisadores sobre as diversas culturas que
desenvolvem atividades que caracterizamos como matemáticas?
Quando afirmamos que todos os povos mediram, talvez estejamos deixando de
lado a questão do contexto, eles não mediram no sentido que conhecemos, o que
estavam fazendo era resolvendo um problema surgido da sua prática cotidiana.
Segundo Silveira (2005, p. 128)
Assim, pode-se concluir que não existe o conceito sem o uso e por
conseqüência não existe conceito definitivo, acabado.
Nesta pesquisa os conceitos matemáticos a que nos referimos são aqueles
citados por Bishop (1999), mas isto não quer dizer que não estamos levando em
59
consideração que não existem conceitos acabados e que estes adquirem significado
no seu uso. (SILVEIRA, 2005).
A etnomatemática ao discutir a pretensa universalidade do pensamento
matemático dominante, questiona também universalidade da linguagem matemática,
esta proposta corrobora com as idéias da filosofia de maturidade de Wittgenstein
que, segundo Wanderer (2008), coloca sob suspeição a noção de uma linguagem
universal. Não queremos com isto lançar as bases filosóficas ou criar “gaiolas
epistemológicas” para a etnomatemática, mas sim ampliar os horizontes de
discussão para as pesquisas em etnomatemática.
Na Etnomatemática em suas várias perspectivas podemos perceber a
preocupação com as diversas formas de expressar os conhecimentos e
comportamentos construídos pela humanidade. Os estudos em Educação
Intercultural Bilíngüe reforçam essa afirmativa.
60
A língua materna, no nosso caso a língua portuguesa, também possui regras,
símbolos, formas, etc. e não é considerada a “a mais difícil” entre as disciplinas.
Qual seria o motivo? Klüsener (2006, p. 182) nos lembra que “a linguagem
matemática não se adquire de maneira natural, não é utilizada constantemente e
necessita ser aprendida e praticada em diferentes contexto” em contrapartida a
língua materna é falada desde nossa infância, e todas as informações que obtemos
e passamos no nosso cotidiano são transmitidas e recebidas através dela.
Uma característica da linguagem matemática é “tentar abstrair o essencial
das relações matemáticas, eliminando qualquer referencia ao contexto ou à
situação” (Gómez-Granell, 2000, p. 260). Então o papel do professor é “traduzir” a
abstração dando referências e contextualizando.
Dentro da história da matemática temos vários exemplos que mostram a
importância dos símbolos ao traduzir um problema e facilitar seu cálculo.
Arquimedes propôs um problema a seu amigo Eratóstenes, vejamos um trecho da
carta redigida por Arquimedes:
61
longo que “exprime em linguagem verbal – morosa e extensa – o que a linguagem
matemática traduziria de forma notavelmente concisa” (Vergani, 2002, p. 69).
Dando “nomes” aos bois e vacas as equações do problema seriam:
A = (1/ 2 + 1/ 3)B + D
B = (1/ 4 + 1/ 5)C + D
C = (1/ 6 + 1/ 7) A + D
a = (1/ 3 + 1/ 4)(B + d )
b = (1/ 4 + 1/ 5)(C + c)
c = (1/ 5 + 1/ 6)(D + d )
d = (1/ 6 + 1/ 7)( A + a)
Outro exemplo nos é dado por Gómez-Granell (2000), são duas formulações
análogas, mas refere-se a distintos momentos históricos, a primeira aos dias atuais e
a segunda à época grega.
“Resolver a equação x + ax = b onde a é um segmento dado e b é o lado de
2 2
um quadrado”
“Encontrar um segmento tal que, se ao quadrado construído sobre ele se
somar um retângulo construído sobre o mesmo segmento, e sobre um segmento
dado a , obtemos um retângulo de área igual à de um quadrado dado”
Nos dois exemplos, a formalização da linguagem matemática possibilita
converter os conceitos matemáticos em objetos mais facilmente de manipular e
calcular (Gómez-Granell, 2000). Mas estes fatos históricos não garantem o sucesso
da educação matemática baseada apenas na sua função formal.
Assim, a matemática formal desconsidera qualquer referencia ao contexto do
problema, abstrai apenas os dados e trabalha com os símbolos e suas regras. Mas
segundo Gómez-Granell (2000, p. 264) os símbolos têm dois significados,
62
Então, podemos observar que, o fato de os símbolos serem essenciais ao
bom desenvolvimento da matemática não elimina a necessidade de algum grau de
contextualização ou significação. Devendo haver comunicação entre os símbolos e
os significados. Ou seja, a linguagem matemática opera em dois níveis: o semântico
e o sintático.
No contexto da etnomatemática teria também o nível cultural, pois todo
conhecimento matemático do nível básico de ensino tem um contexto cultura em
que foi desenvolvido. E todo aluno antes de fazer parte da escola, faz parte de uma
comunidade e esta possui uma tradição.
Com isto não pretende dizer que não existam tradições genuínas, mas que não
precisamos recuperar nem inventar tradições quando os velhos usos ainda se
conservam. (Idem, 2002).
Balandier (1997, p. 95) estuda a tradição a partir do conceito de desordem,
para este autor, a tradição “é a soma de saberes acumulados pela coletividade a
partir de acontecimentos a princípios fundadores. Exprime uma visão do mundo e
uma forma específica de presença no mundo”.
É importante compreender um conceito amplamente, e às vezes abusivamente,
usado por todas as esferas acadêmicas de produção de conhecimento.
A idéia de evolução cultural, hoje, pode soar estranha aos ouvidos dos
etnomatemáticos, mas não podemos negar as contribuições de Tylor para as
pesquisas de cunho antropológico.
As pesquisas dirigidas para a formação de um conceito de cultura seguiram nos
séculos seguintes, chegando aos vários conceitos de cultura que temos hoje.
Pesquisadores americanos do século XX continuaram as discussões. Segundo
Cuche (2002, p. 77) Ruth Benedict (1887-1948) afirmava que “toda cultura é
coerente, pois está de acordo com os objetivos por ela buscados, ligados a suas
escolhas, no conjunto das escolhas culturais possíveis”, já Margaret Maed (1901-
1978) “preferiu orientar suas pesquisas em direção à maneira como um indivíduo
recebe sua cultura e as conseqüências que isto provoca na formação de sua
personalidade” (p. 79).
Outro antropólogo que contribuiu para uma conceituação de cultura foi Claude
Lévi-Strauss, ele afirmava que
65
sistemas simbólicos estabelecem uns com os outros (LÉVI-
STRAUSS apud CUCHE, 2002, p. 95)
66
outras. a lista pode ser prolongada. A impressão é que há um exagero no uso dessa
palavra.
Nas últimas décadas está sendo muito discutida a valorização das culturas que
foram desfavorecidas e marginalizadas desde o ‘descobrimento’ do Brasil, essas
discussões se refletem em ações públicas com a intenção de “corrigir injustiças,
eliminar discriminações e promover inclusão social e a cidadania para todos no
sistema educacional brasileiro” (Brasil, 2004) como a criação de órgãos de proteção
aos índios (FUNAI), bolsa escola, cota nas universidades e em documentos
destinados à educação como os PCN’s (Parâmetros curriculares nacionais) onde se
destaca o documento Pluralidade Cultural (Brasil, 1996) como tema a ser discutido
pelos educadores.
Mas o panorama não é tão simples assim, como abarcar todas as culturas num
país que recebeu povos de todos os continentes, desde a vinda dos portugueses
que encontraram milhares de índios e depois ‘importaram’ outros milhares de
negros, essa poderia ser a base do povo brasileiro, no entanto não tardaram a
chegar os espanhóis, italianos, franceses, alemães, chineses e árabes, entre outros.
Assim, “as nações são sempre compostas de diferentes classes sociais e
diferentes grupos étnicos e de gênero” (Hall, 2001, p. 60) e como o Brasil foi
colonizado, foi também subjugado em sua cultura, língua e costumes em favor de
uma hegemonia cultural ocidental, as culturas consideradas inferiores foram
englobadas e muitas não resistiram, sendo eliminadas por completo, as que
resistiram sofreram e sofrem até hoje todos os tipos de discriminação. E o que se
busca hoje é reparar esses danos, compreendendo a formação da nação brasileira
por pessoas que pertencem a grupos étnico-raciais distintos que juntos constituem a
nossa nacionalidade.
A pluralidade cultural vem sendo muito discutida em todos os âmbitos na
educação, muitas pesquisas (MOREIRA, 2005; CANEN, 2000; ORTIGÃO, 2005)
relacionam educação multicultural ao campo do currículo, analisando a importância
das concepções de identidade e diferença. E o que vem ser identidade e diferença?
Identidade seria o conjunto das relações que estabelecemos e firmamos na
vida social, política e pessoal, não necessariamente imutável ela nos confirmaria em
algum grupo presente na sociedade. Por diferença entendo como um conjunto de
atitudes que selecionam, incluem e excluem considerando esses processos, o
67
resultado seria a “distribuição desigual de pessoas na organização social”
(MOREIRA, 2005).
Observando o ribeirinho fui levada a identificar nos saberes da tradição, sua
identidade. As relações estabelecidas por eles junto àqueles que não são ribeirinhos
e junto à natureza definem sua identidade e sua diferença. Percebemos que toda
tradição está incluída em determinada cultura.
A educação se manifesta nas culturas de diferentes maneiras, na família ou na
comunidade ela existe em todas as práticas de aprender. Em um momento sem
alunos, livros ou professores especializados, em outro, com escolas, salas,
professores e métodos pedagógicos. (BRANDÃO, 1995).
Educação
Educação Matemática Crítica
70
tomadas com referencia ao modelo” (Idem, p. 133). É mais cômodo tomar decisões
quando o responsável é um modelo matemático.
Um outro exemplo vivenciado no momento do financiamento de um carro são
as fórmulas por eles utilizadas para justificar a cobrança de juros sobre juros, uma
prática considerada ilegal na justiça brasileira. Uma análise mais detalhada desses
modelos evidenciaria várias “manobras” que de tão bem justificadas por modelos e
fórmulas convence qualquer um que não possua os argumentos necessários para
tal.
Questionar os modelos matemáticos requer o desenvolvimento de uma
Competência Democrática. E que seria tal categoria de competência?
Democracia pode ter vários sentidos, Skovsmose (2007) elege quatro aspectos
presentes nos conceitos de democracia: Procedimentos formais para eleger um
governo; Distribuição justa de serviços sociais e bens na sociedade; Iguais
oportunidades, direitos e obrigações para todos os membros da sociedade; A
possibilidade e a capacidade dos cidadãos participarem na discussão e avaliação
das condições e consequências da governação.
Todas essas abordagens para a democracia devem ser discutidas na escola,
pois é por meio desta que é feita a “reprodução das estruturas sociais, incluindo a
divisão do trabalho, a distribuição do poder entre o indivíduo e o estado e entre
grupos sociais e, finalmente, parece reproduzir os valores tradicionais da cultura”
(SKOVSMOSE, 1992, p. 04).
71
A afirmação de que a Matemática está formatando a sociedade pode ser uma
conseqüência da Ideologia da Certeza, que está relacionada ao respeito exagerado
dado aos resultados baseados em números. O discurso “está matematicamente
comprovado” ou “é matematicamente impossível” são bons exemplos dessa
Ideologia.
72
Em ambas as propostas, estão presentes a idéia de ir além dos conteúdos e
capacidades básicas, buscando a transformação da sociedade por meio da
construção do cidadão crítico-reflexivo frente às verdades ditas absolutas.
73
OLHANDO E VENDO (ETNO)MATEMÁTICAS
Juliano Moreno.
Educação escolar
escolar
74
A educação ocidental, que é praticada agora quase universalmente,
pretende cuidar prioritariamente do intelecto, como nada tendo a ver
com as funções vitais. E, graças a isso, que se firmou na filosofia
ocidental desde Descartes, dicotomiza-se o comportamento do ser
humano entre corpo e mente, entre matéria e espírito, entre saber e
fazer, entre trabalho intelectual e manual. (D’AMBROSIO, 2004, p.
40)
Mas na escola, essa dicotomia pode ser exemplificada pela preocupação com o
conteúdo, sem se preocupar com as práticas que utilizam ou que deram origem às
teorias. As conseqüências do ensino conteudista podem ser claramente
evidenciadas pelas crises em nosso sistema educacional.
Vemos a importância de entender a escola como uma instituição social, com
papel bem definido hoje, local para se promover a educação.
75
O conceito de escola, surgido na Grécia Antiga, não mudou muito até os dias
de hoje (Brandão, 1995), a escola continua sendo, em resumo, o lugar onde vamos
aprender disciplinas e a sermos educados. É o lugar onde buscamos informações
necessárias para nos tornarmos cidadãos críticos e atuantes na sociedade. Enfim é
o lugar onde buscamos conhecimento.
As afirmações acima a respeito do papel da escola são impregnadas de um
discurso que enfatiza o poder do saber acadêmico. Se, é na escola que aprendemos
tudo, qual o valor dos outros saberes, aqueles produzidos e difundidos fora da
escola?
Ao tentar responder esta questão percebemos que estamos ressaltando um
discurso onde só o que aprendemos dentro da escola é valorizado, aquilo que é
aprendido fora é visto com desconfiança, marcando a hierarquização dos saberes e
fazeres. Esta é uma característica marcante do pensamento moderno.
76
pois acreditavam que a matemática que não está presente no dia a dia do aluno não
deve ser ensinada a eles.
Porém penso que o ensino baseado no local deva ser complementado com o
global de acordo com as necessidades das comunidades, todo conhecimento
científico produzido até hoje não pode ser deixado de lado e sim utilizado de acordo
com a situação e a necessidade e ajudar na criação de novos conhecimentos
(SOUSA, 2006).
Na lei de diretrizes e bases da educação (LDB / 1996) dentre os princípios que
regem o ensino estão: “II -liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a
cultura, o pensamento, a arte e o saber; III -pluralismo de idéias e de concepções
pedagógicas; X -valorização da experiência extra-escolar; XI -vinculação entre a
educação escolar, o trabalho e as práticas sociais”.
De acordo com a LDB os currículos do ensino fundamental e médio
obedecerão a uma base nacional comum (abordando, obrigatoriamente, estudos da
matemática, língua portuguesa, conhecimento do mundo físico e natural e da
realidade social e política, especialmente do Brasil) que respeite os princípios
mencionados acima, ou seja, a diversidade cultural de cada região.
Disto e das experiências lidas e vividas, é possível perceber que a educação
escolar da matemática não está “amarrada” em determinados assuntos podemos
discutir, junto com a escola e autoridades, o porquê deste ou daquele assunto e
assim estaremos contribuindo a uma formação que respeite as diversidades de
nossa região e contribua na constituição do cidadão crítico-reflexivo.
Talvez a escola seja o principal meio reprodutor do conhecimento científico
moderno e por conseqüência reproduz também sua maneira de pensar.
Acreditamos que esta forma de pensar e agir são insuficientes ao momento social
em que vivemos não podemos continuar ensinando nossos alunos um conhecimento
de mundo apenas disciplinar.
Não cabe mais olhar a escola apenas como uma instituição administrativa, um
espaço físico em que o aluno entra para obter o conhecimento institucionalizado,
pois nessa lógica não há espaço para relações com outros saberes, outras formas
de conhecer e aprender. Os jovens aprendem muitas coisas antes mesmo de
entrarem na escola. Nesse contexto ela precisa estabelecer conexões entre teorias
77
e práticas, refletir sobre a construção de conhecimentos necessários para as
mudanças no mundo.
O que vemos muitas vezes é o discurso do conformismo, refletido em atitudes
conformistas com a realidade social. É um dos deveres da escola a formação de
cidadãos críticos, mas a preocupação, geralmente, é com o cumprimento dos
conteúdos.
Estas questões emergem com mais intensidade quando me insiro no ambiente
escolar da pesquisa. A escola Estadual de Ensino Médio Edgar Pinheiro Porto.
No âmbito escolar senti necessidade de conhecer um pouco mais os alunos
para além das poucas conversas iniciadas em sala de aula ou mesmo nos horários
de intervalos. O tempo era escasso e o grande número de alunos me fez pensar na
construção do questionário.
A seguir faremos uma descrição de cada pergunta, com as primeiras
elucubrações das respostas dadas.
Com a primeira pergunta procurava saber o que os alunos faziam quando não
estavam na escola, se tinham emprego, tempo pra estudar, etc. Pedi para que
escrevessem “as cinco principais atividades que você costuma fazer fora do horário
escolar”.
Na turma R04 dos 18 alunos que responderam, 11 alunos disseram “estudar”
ou “fazer os trabalhos do colégio”. Ou seja, a maioria diz reservar um tempo aos
estudos escolares.
Na turma R22 dos 13 alunos, 8 responderam “faço os trabalhos da escola”,
“estudo um pouco” ou ainda “gosto de estudar nas horas vagas”.
Já na turma R31, dos 17 alunos, 6 responderam “estudar”.
O fenômeno que observamos nas respostas é condizente com a realidade
social dos alunos. Se no primeiro ano do ensino médio não “precisam trabalhar”,
este fato vai mudando à medida que os anos passam e no terceiro ano a maioria
está mais preocupada em ter um emprego ou um curso profissionalizante.
As condições financeiras os empurram ao mercado de trabalho obrigando-os
esquecer dos estudos. A escola entra como local onde conseguirão concluir o nível
médio e por conseqüência alcançar um bom emprego.
Em relação à segunda pergunta “Em que a escola é importante na sua vida
hoje? Comente.”. Em todas as três turmas a importância da escola na vida dos
78
alunos está relacionada à formação para enfrentar o mercado de trabalho e realizar
seus sonhos.
Nas respostas dos alunos na R04 percebemos respostas pouco objetivas,
talvez pela pouca experiência. Temos respostas do tipo
“Bom em 1º lugar é importante pra que eu possa ter uma boa educação, entre
outros”; “Em várias coisas”; “Em muita coisa, nos precisamos conhecer as coisas
aprender, ela é importante em muita coisa”; “Em importante no meu
desenvolvimento físico e mental”; “Eu acredito que em tudo, pois é através dela e do
meu esforço que vou conseguir realizar meu sonho!”. Todas as respostas seguiram
nessa direção com exceção de um aluno que expressou sua opinião sobre o papel
da escola na formação do cidadão: “Além de passar de ano, a escola nada mais é
que a porta pro meu futuro, e na minha opinião, as escolas não deviam ensinar os
alunos a tirarem 10, e sim a serem pessoas de bem, cidadãos que cumprem seus
deveres e reivindiquem seus direitos”.
Vale ressaltar as respostas dadas pelos alunos ribeirinhos desta turma:
Etnomatem
Etnomatemática
atemática na/da
na/da Escola
81
possui algumas características, na maioria das vezes está dividido em duas partes,
uma inicial de apresentação do conteúdo e em seguida os exercícios de aplicação.
Skovsmose nos faz refletir ao questionar “como poderia ser, então, que essa
tradição tenha se desenvolvido com uma ‘tradição’?” nos direciona para o fato de
que “as funções políticas e sociais reais de uma educação matemática não
dependem, diretamente, da parte oficial do currículo, mas também do contexto social
e político em que a escolaridade tem lugar” e nesse sentido “a educação matemática
poderia não apenas designar a ‘nobreza de estado’, mas também ajudar a
identificarmos ‘funcionários de estado’. Fazer isso poderia ser o grande sucesso do
ensino tradicional da matemática” (2007, p. 36-37)
No exemplo desta pesquisa, observamos que primeiro o professor escreve no
quadro os conceitos retirados diretamente do livro didático, explica em conformidade
com o que está no livro e em seguida os alunos deveriam resolver os exercícios do
livro, mas somente os selecionados pelo professor, e este por sua vez depois de
algum tempo respondia às questões. Mas, grande parte dos alunos não fazia os
exercícios e aguardavam a solução do professor.
A comunicação professor-aluno é escassa quando se refere ao conteúdo
matemático. Vale salientar que em outros momentos existe certa amizade entre
professor e alunos observada pelas conversas nos intervalos.
Em alguns momentos durante as aulas não era raro os alunos exclamarem não
em forma protesto direto, mas como se verbalizassem um pensamento: “professor!
Eu não to entendendo nada!”, porém não havia o retorno por parte do professor.
Para uma boa parcela dos alunos observados, a linguagem matemática
funcionava como um entrave à aprendizagem dos conceitos, torna-se necessária
uma espécie de interpretação de algumas palavras do vocabulário da matemática. A
explicação dos conceitos não vem acompanhada do sentido das palavras que não
faziam parte do cotidiano dos alunos assim como também dos significados dos
símbolos matemáticos.
Em seguida descrevo uma aula sobre função em uma turma do primeiro ano,
nesse dia me posicionei como aluna junto à turma e me propus a copiar e ver a
explicação do professor. O conteúdo foi copiado no quadro pelo professor da
seguinte maneira:
82
Função Quadrática ou Polinomial do 2º grau.
Definição: chama-se função quadrática ou polinomial do 2º grau qualquer função ƒ de R em R dada
por uma lei da forma:
ƒ(x) = ax² + bx + c , em que a, b e c são números reais e a ≠ 0.
* Gráfico
Certo dia um aluno do segundo ano exclamou em forma de protesto: “Não sei
pra quê eu preciso aprender isso, não vou usar no meu trabalho, vou ser
advogado!”. A resposta dada pelo professor direcionou-se na justificativa do
vestibular. Percebemos aí que o conhecimento pouco aprofundado do professor em
relação à importância da(s) matemática(s) na sociedade contribui para a
perpetuação do discurso da matemática como disciplina sem significado para o
aluno.
Não estou afirmando que a culpa por todos os problemas com a matemática é
do professor, mas este tem um papel fundamental/importante na proposta da
etnomatemática para mudar a maneira como é entendida/compreendida e difundida
a matemática na sociedade. O professor teria de
13
Tipiti é um artefato parecido com uma prensa ou espremedor de palha trançada usado para escorrer e secar a
mandioca ralada.
14
Instrumento em formato cilíndrico de palha utilizado para a pesca de camarão.
15
Cesto de palha utilizada para transporte de materiais diversos.
86
A confecção de cada artefato é influenciada pelas necessidades básicas de
subsistência, assim, do que pude observar, cada fazer é acompanhado pela
necessidade de sobrevivência, mas não se resume a ela.
A atividade de extração do açaí é a base de subsistência dos ribeirinhos da
Ilha do Combu, assim, praticamente todos os moradores conhecem o processo que
envolve a colheita do açaí.
Neste momento da dissertação trazemos os alunos moradores do Igarapé do
Periquitaquara para nos ajudar a refletir e analisar sobre os saberes presentes em
seu cotidiano para que pudéssemos ver como os conceitos são significados ou
construídos na prática.
Foram quatro os alunos acompanhados em seus fazeres no Igarapé, mas
sempre estavam presentes os parentes, assim, as conversas foram enriquecidas
pelos pais ou avós nos momentos em que os alunos se viam sem resposta às
minhas indagações.
A análise das atividades desenvolveu-se à medida que fui extraindo dos
saberes e fazeres presentes no cotidiano ribeirinho os conceitos matemáticos
observados. Não estabeleci quais conceitos olhar, optei por vê-los surgir/emergir em
cada prática e assim tentar interpretá-los.
FIGURA 5: Perspectiva da Ilha do Combu com destaque para o Igarapé Combu (verde),
Periquitaquara (azul) e o Furo da Paciência (vermelho)
87
Contar a historia de uma comunidade que sempre usou a oralidade para
comunicar suas tradições não é tarefa fácil, mas justifica-se pela necessidade de
conhecer e compreender o presente que é construído ao longo da história de um
grupo social.
Os fatos aqui contados foram relatados pelos estudantes moradores do Igarapé
e por seus avós e pais, alguns dados foram obtidos junto a outras pesquisas feitas
na Ilha do Combu.
Para se chegar ao Igarapé do Periquitaquara, só pela via fluvial. Ele está
situado à margem do Furo da Paciência. Lá moram aproximadamente cinquenta
famílias segundo uma das alunas. Possui uma escola de ensino fundamental menor,
anexo da Escola Municipal Sílvio Nascimento, que foi inaugurada em 2007 e atende
alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental.
Segundo dona Cleunice, mãe de Rosiane e avó de Jéssica (Alunas da Escola),
sua avó foi uma das primeiras moradoras da localidade que teve sua povoação
iniciada com três famílias. Estas famílias deram origem à praticamente toda
população que hoje mora no Igarapé.
Primeiro foram meus avós lá... no final, aí mais aqui era outro senhor
chamado Benedito e lá na Boca era seu Duca que a gente chamava
tio Duca. Foram os primeiros moradores daqui. (Dona Cleuza, 2009)
Aqui todo mundo é parente, só quem veio de fora foi meu pai e meu
marido, o resto tudo é parente. Meus bisavós tiveram filhos, que
tiveram filhos e assim a comunidade foi crescendo. Hoje em dia é
que já tem mais dois que vieram de fora. Mas, também teve muitos
que foram embora pra Belém. A minha avó, que ficou viúva e com
nove filhos pra cuidar, foi embora pra Belém tentar a vida, lá ela
lavava roupa e vendia açaí que o meu tia mandava daqui pra ela.
(Aluna Rosiane)
88
poucas famílias, os açaizais eram grande. Hoje com o aumento no número de
moradores, muitas famílias têm dificuldades em manter o básico para subsistencia.
Sobre as mudanças com o crescimentos populacional e o aumento de contato
com pessoas de outras localidades, inclusive Belém, D. Cleunice comenta que
89
Essa visão de Rosiane está baseda em sua experiência de vida em família e
em comunidade, ela deixa claro que existem moradores que vivem só do açaí, mas
são poucos, “só quem tem mato muito grande”.
As atividade desenvolvidas pelos alunos na Ilha dividem-se em estudo e
trabalho. A extração do açaí está presente no dia-a-dia direta ou indiretamente, pois
tem dois alunos que não trabalham diretamente na colheita do fruto apenas ajudam
nos fazeres domésticos ou no transporte do açaí.
O crescente interesse mundial pelo consumo do açaí está motivado pelas
pesquisas feitas com o fruto e os excelentes resultados para suas aplicações na
culinária, medicina ou cosmética. Tudo isto contribui para o crescimento das
exportações do açaí, o que afeta a economia local tendo como consequência o
aumento do preço do açaí.
Vale destacar que quando falo do açaí estou me referindo ao fruto e não à
polpa que é extraída e vendida em litros por toda cidade em estabelecimentos
especializados.
90
As rasas são cestos fabricados em toda ilha do Combu, no Igarapé
Periquitaquara Dona Cleunice é uma das pessoas que trabalha confeccionando
esse artefato. Ela conta que aprendeu com sua avó a confeccionar a rasa e outros
artefatos como o matapi e a peneira.
As rasas são feitas com ramos de Guarumã (Ischinasiphon obliquus (Rud.)
Koern) para tecer o cesto e a jacitara (Desmoncus polyacanthus Mart.) nas bordas,
que são escolhidas criteriosamente e depois colocadas para secar. Quando estão no
ponto certo a artesã usa uma técnica em que une, entrelaçando vários ramos, para
começar a fazer a base do cesto e iniciar o processo. Atualmente, utiliza-se também
um tipo de fita plástica na confecção da borda da rasa substituindo a jacitara.
Atualmente, o principal uso é acondicionar, transportar e medir o fruto do açaí.
De acordo com Canto (2001) a palavra rasa tem origem no latim, designa uma
antiga medida de capacidade que equivale, aproximadamente, ao alqueire16 (Figura
3). Segundo Canto (2001) no Pará as rasas grandes têm aproximadamente a
mesma medida, em torno de 30kg ou 36 litros, o mesmo foi observado em SOUSA e
PALHETA (2008).
16
Do árabe al kayl, usada originalmente como medida, equivalente a cestas de carga que se colocava, atadas,
sobre o dorso e pendente em ambos os lados dos animais no transporte de carga. No Brasil colonial o alqueire
passou a ser uma cesta bastante robusta, em que se transportava principalmente cereais (milho e feijão). Por
diversas razões o nome caiu em desuso.
91
FIGURA 6: Rasas confeccionadas na Ilha do Combu
Dos alunos, nenhum sabia como confeccionar a rasa, disseram que nunca se
interessaram em confeccionar porque já havia alguém que fazia, mas sabem me
explicar como se faz o artefato. Dona Cleunice explica que já houve uma iniciativa
de ministrar cursos para ensinar aos mais novos a fazer os artefatos utilizados na
Ilha, mas fala com tristeza que os mais novos não querem aprender. “Daqui a mais
algum tempo...Olha, aqui ano passado como teve curso pra os jovens aprender a
fazer a rasa que é pra não morrer a tradição, mas... não querem”. Para D’Ambrosio a
pouca investida nas raízes culturais dos estudantes nas escolas estaria contribuindo
para a não continuação desse saber fazer.
Na sua forma final as rasas para a comercialização do açaí têm dois tamanhos
(medidas). A rasa menor tem o volume de aproximadamente uma ‘lata’. A lata é uma
unidade de medida bastante utilizada na região amazônica que corresponde à lata
de margarina, cuja capacidade é de 18 litros. A rasa maior, segundo os ribeirinhos,
tem o dobro do volume, ou seja, duas latas. Mas também encontramos a rasa que é
confeccionada especialmente para a coleta do fruto, ela é maior e não serve como
medida para venda. É utilizada apenas para o transporte do açaizal até as casas dos
ribeirinhos.
Em SOUSA e PALHETA (2008) foi observado que
93
Assim, todo conhecimento transmitido hoje pela escola é apenas uma pequena
mostra da história da humanidade. Não abarca as diversas maneiras de explicar
presentes nos saberes da tradição.
A rasa é um artefato amplamente utilizado em toda região norte, porém há
grande diversidade de tamanhos, formas e usos. Ou seja, mesmo afirmando haver
um padrão nas rasas, esse padrão é construído de acordo com cada localidade. Em
algumas oportunidades de conhecer alguns municípios paraense podemos observar
essas diversidades. Assim, em Cametá a rasa possui um design que difere da rasa
encontrada em Abaetetuba que por sua vez não é igual a rasa confeccionada na
Ilha. Mesmo na Ilha do Combu, se olharmos em cada Igarapé a confecção desse
artefato podemos observar algumas particularidades.
À esquerda rasas
utilizadas durante a
venda do açaí em
Abaetetuba. À
direita rasas
utilizadas no Porto
da Palha pelos
ribeirinhos da Ilha
FIGURA 7 do Combu. FIGURA 8
94
Nesse caso percebemos que o artefato adquiriu significado que vai além do
conceito de medida difundido nas escolas, que está baseado na exatidão. Lá na Ilha
o conceito de volume explicado pelos alunos parece não ter relação com o ensinado
na escola, pois na escola a medida padrão é o metro e na Ilha é a rasa. E mesmo
sendo padrão a quantidade de açaí em cada rasa não é igual à outra aos olhos
daqueles que obedecem ao S.I.
Recentemente, no primeiro semestre de 2007, o Ministério Público Estadual, a
Secretaria de Comércio do Município de Belém - SEICOM, a Secretaria de Saúde do
Estado do Pará - SESPA realizaram uma reunião com vários representantes de
associações e comunidades extrativistas do açaí para exigir adequação às normas
sanitárias.
Várias normas foram discutidas, entre elas a substituição da rasa pela
basqueta, que segundo os órgãos públicos seria mais higiênica e fácil de empilhar,
isto resolveria os problemas de contaminação dos frutos.
A basqueta foi introduzida nas comunidades e hoje observamos entre as rasas
o crescente uso desse objeto.
Primeiro que é minha mãe que faz, segundo que pra carregar do
açaizal a basqueta não serve. E ainda tem mais! A rasa é mais
barata que a basqueta e ainda tem muita gente que vive só de
fabricar a rasa.
95
Dentre esse fatores citados existe o fato de que a rasa ao ser inutilizada se
integra com mais facilidade à natureza, o que contribui para a preservação
ambiental, pois o plástico demora aproximadamente 400 anos para se decompor.
Mas, aparentemente, não houve uma pesquisa junto às comunidades para saber o
que eles pensavam sobre isso. O que existiu foi uma imposição externa aos
costumes e tradição do ribeirinho.
Logo que falaram que não ia ser mais a rasa, eu não fiquei tão triste
por mim, mas tem muitas pessoas...Deus o livre...que só vive disso,
rasa, matapi... antes eu fazia era muito, hoje em dia já não faço
tanto, antigamente tinha época que eu nem dava conta das
encomendas, mas hoje tem essas basquetas... (Cleunice)
96
Quando questionei sobre a confecção da peconha, travamos o seguinte diálogo
Ele riu e pareceu refletir um pouco, depois pegou a peconha, que é flexível, e
então esticou em forma de reta, espalmou e estimou um metro de comprimento.
Pedi a ele que me explicasse como fez.
Foi assim...estiquei pra ficar mais fácil de medir com o palmo, porque
eu sei que um palmo tem mais ou menos uns vinte centímetros,
então...deu isso.
97
reconhecer que o indivíduo é um todo integral e integrado, e que
suas práticas cognitivas e organizativas não são desvinculadas do
contexto histórico no qual o processo se dá, contexto esse em
permanente evolução. (2005, p. 118).
A frase acima retrata bem a realidade das Ilhas de Belém conversar sobre açaí
com qualquer morador da Ilha é tão natural/comum como conversar sobre
construção de casa com um pedreiro ou engenheiro.
Nas observações feitas junto aos alunos e seus familiares vimos que os
conceitos eram utilizadados articuladamente nas atividades de coleta, seleção e
planejamento para a venda do açaí.
É importante lembrar que na Ilha o ano é dividido em função da safra e
entresafra do açaí. São dois períodos que mudam bastante o cenário e a economia
das famílias ribeirinhas. Na safra, que coincide com o verão amazônico, é tudo mais
fácil os terrenos ficam mais enxutos e fáceis de andar, é mais fácil de entrar no
açaizal e subir na palmeira, tem mais açaí para vender. Na entresafra, que acontece
durante o inverno amazônico, o cenário é o contrário. Rosiane nos conta que
Nesse tempo que não tem açaí, tu tem de tirar palmito, tirar cacau,
ou tu vai pra dentro do Igarapé pescar, colocar a malhadeira pra ti
pegar um peixinho pra ti jantar é assim que é.
98
A aluna também enfatiza que o camarão é outra fonte de renda, porém,
atualmente, está mais difícil pescar o crustáceo no Igarapé, pois, segundo ela, a
pesca desregrada está acabando com essa possibilidade de alimento e renda.
Durante nossas conversas, ela explica que extrair o açaí é uma arte que se
aprende vendo o outro fazer para depois tentar sozinho, comenta que não sobe mais
no açaizeiro. Jéssica diz que não sabe subir, mas Jefferson sabe apesar de dizer
que não gosta de subir para extrair o açaí. Assim, eles contratam um peconheiro
para fazer o serviço.
Na casa de David, ele e os próprios familiares tiram o açaí, ele explica sobre
esse processo
Cedo, seis horas, quanto mais cedo melhor porque o açaizal tá frio,
chega lá faz uma peconha pra subir no açaizeiro, escolhe os que tão
bem pretinhos, sobe o açaizeiro com a peconha nos pés, tira o cacho
e debulha. Às vezes de uma subida dá pra tirar cinco ou mais
cachos, depende da habilidade do peconheiro e da safra, noutras
vezes tem de tirar um por um, cada subida traz um cacho.
Perguntei como é feita a escolha do açaí ainda na palmeira, ele respondeu que
Os apanhadores de açaí levam sempre uma faca, uma rasa maior que as
utilizadas na venda com capacidade de aproximadamente 45 litros e algum material
para forrar o chão onde são colocados os cachos.
Após a colheita dos cachos, é feita a debulha, que consiste na retirada dos
frutos dos cachos. Em seguida há a seleção do açaí é outro momento em que a
visão é utilizada para separar em categorias o açaí. O açaí parol ou paral não está
qualificado para a venda pois não tem boa aparência e sabor, não está totalmente
maduro e tem tons esverdeados. O açaí preto, fruto maduro pronto para consumo. E
o açaí tuíra, o fruto está bastante maduro e tem tom acinzentado, este é o
considerado por muitos o melhor açaí.
99
FIGURA 11: Palmeira do açaí com os frutos ainda verdes
Em seu modo de ver não vale a pena derrubar uma palmeira para tirar um
palmito, então, na casa de Rosiane não há a extração do palmito, mas nem todos no
Igarapé têm essa escolha. No caso desta família eles tem outra fonte de renda além
do açaí que é o transporte fluvial de alunos ribeirinhos e um pequeno comércio de
alimentos.
Questionei como ela fazia para planejar sua venda de açaí, relatou-me o
seguinte:
100
A gente faz um plano...assim... se a gente tirar tantas latas em tanto
tempo quanto a gente vai ganhar naquela safra...aí quanto tu vai
ganhar? Aí tu faz aquela conta... eu tirei 10 latas de açaí vou vender
a 20 reais cada rasa...aí tu faz a conta! A gente faz tudo para não
sair perdendo, porque tem muita coisa que se a gente não souber
raciocinar, colocar tudo no bico do lápis, a gente vai perder! Porque
tu tem de trabalhar de uma forma que tu ganhe e do jeito que a
situação tá, se tu for pagar transporte, pagar carregador e se tu
chegar lá e vender teu açaí muito barato, tu não vai ganhar nada! Ao
invés de ganhar perde né!? Porque tu tem de pagar o frete pra levar
o açaí, tu tens de pagar o carregador, por exemplo, se eu tiro duas
latas por semana aí eu pago para o carregador lá no Porto da Palha
1 real por rasa pra ele carregar.
101
não vai influenciar em nada na nossa vida, mas tem coisas que a
gente precisa. A matemática pra usar no dia-a-dia... eu uso, eu uso
constantemente a matemática porque a gente tem esse
comerciozinho e constantemente a gente tem de tá fazendo conta.
Tu precisa diariamente, eu pelo menos preciso diariamente. É o
tempo todo tu fazendo conta, então eu penso assim, no ensino médio
tem tudo a ver e ajudou muito, não sei te explicar...(Rosiane)
103
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Paulo Freire
104
transferência dos saberes da cultura ribeirinha ao espaço da sala de aula de
matemática e o movimento contrário também, no sentido de articular/fazer interagir
os conceitos matemáticos aprendidos na escola e na comunidade ribeirinha.
As articulações propostas são subsidiadas principalmente pela proposta do
Programa Etnomatemática e pela teoria da Educação Matemática Crítica. Percebi o
importante papel da linguagem na articulação entre os conceitos da matemática
escolar e os conceitos matemáticos ribeirinhos.
Assim, uma primeira reflexão que se pode fazer é sobre a linguagem da
matemática escolar e a linguagem do cotidiano do estudante ribeirinho. As
dificuldades em sala de aula para compreender os conceitos matemáticos estão
relacionadas à maneira como é comunicado, por meio da linguagem matemática,
muitas vezes são sinais sem significado para o aluno, mas, poderiam adquirir
sentido caso fossem feitas as devidas conexões entre os contextos em que são
utilizados.
No cotidiano ribeirinho a linguagem matemática aprendida na escola, com seus
algoritmos pré-definidos, é deixada de lado em favor de uma linguagem que trabalha
seu significado no uso, ou seja, no lugar da exatidão almejada pelas fórmulas
matemáticas aparecem as estimativas, o mais ou menos, as aproximações.
Dar espaço às vozes dos alunos e conhecer seus contextos, deixar que falem
ou escrevam com suas próprias palavras sobre o que compreenderam de
determinado conceito seria uma maneira de acompanhar o desenvolvimento da
aprendizagem dos alunos as possibilidades de uso dos conceitos. Nesse sentindo, a
quantidade de conteúdo a ser ensinado em um curto espaço de tempo não teria
mais lugar de destaque, pois, como foi afirmado por VERGANI (1993) a matemática
surgiu/nasceu quando o homem teve tempo para olhar o mundo a sua volta e pensar
sobre ele. Ou seja, matematizar exige tempo para observar, conhecer, questionar e
validar.
Nos saberes da tradição ribeirinha percebemos que o tempo dado à maturação
das idéias é diferente ao da sala de aula, na Ilha as falas dos moradores apontam
que a aprendizagem dos costumes e da tradição está pautada no olhar e ver as
práticas cotidianas. Percebemos que essas práticas não são ausentes de métodos e
lógicas, mas por não seguirem as práticas acadêmicas são consideradas
105
secundárias, marginais e impróprias para fazer parte do corpo conhecimento
validado pela ciência.
A ciência com seu método e sua lógica tem o poder de formatar a sociedade e
comandar decisões políticas e sociais, podemos ver esse poder sendo colocado em
prática com a imposição do uso das basquetas pelos ribeirinhos, as explicações
para a substituição das rasas seguiu a lógica das pesquisas acadêmicas e estas não
deram espaço para as explicações dos ribeirinhos. Não estamos afirmando que a
basqueta não deva ser utilizada, mas sim enfatizar a falta de diálogo entre o poder
público e as comunidades ribeirinhas nesse tipo de tomada de decisão.
Na proposta da EMC a matemática também possui seu poder de formatar a
sociedade, seus modelos e algoritmos são considerados verdades absolutas, assim,
outros modelos de matematizar a realidade, como no caso da rasa, não são
considerados válidos para a sociedade, pois não estariam contribuindo ao
desenvolvimento tecnológico presente na sociedade dita moderna.
A sala de aula poderia ser um lugar para discutir a matemática formatando a
sociedade, as fórmulas, modelos e algoritmos matemáticos devem ser discutidos por
meio da visão crítica do conhecimento. Quando afirmamos que a matemática está
em todo lugar não podemos considerar apenas a matemática pura, aplicada, a
matemática da engenharia, mas também as matemáticas imersas em diversas
culturas, a matemática da rua, da feira, dos artesãos e dos ribeirinhos.
Como já foi afirmado anteriormente não foi possível ver espontaneamente
como o aluno articula os saberes e fazeres do seu cotidiano na aula de matemática.
Um dos fatores que contribuíram para isto foi a escassez de comunicação entre
professor e alunos. Do que pude observar nas idas à Ilha, os alunos possuem uma
experiência de vida rica em conceitos matemáticos, como probabilidade e função,
provenientes/oriundos de suas práticas cotidiana, mas que na sala de aula são
silenciados pelo discurso de Ideologia da Certeza (Skovsmose, 2007) da
Matemática.
Nesse sentido ao professor de matemática cabe assumir um papel sensível aos
saberes de outros contextos, perceber que para o aluno é necessário aprender a
matemática escolar, mas sem desvalorizar seus conhecimentos e conceitos
aprendidos na prática.
106
Na prática de extração e venda do açaí, percebemos os conceitos matemáticos
sendo utilizados. Nas falas dos alunos não foi possível perceber a
adaptação/transposição dos conceitos aprendidos em sala de aula, mas podemos
inferir que existe uma construção conceitual enraizada na prática de extração do
açaí. Das falas dos alunos percebi que a articulação entre esses saberes ainda não
está presente na sala de aula de matemática do ensino médio.
A matemática escolar poderia ajudar os ribeirinhos na comercialização e
planejamento da venda do açaí, não porque é melhor, mas por ter sido uma
reclamação a necessidade de aprender a planejar a venda para não sofrer na
entressafra. E de acordo com algumas falas dos estudantes a matemática ajudaria
muito nesse planejamento.
A matemática do ribeirinho percebida como uma etnomatemática poderia
contribuir para ampliar a visão dada à matemática standartizada à medida que não
separa ação e pensamento, teoria e prática e que valoriza o qualitativo ao invés do
quantitativo. A literacia comunitária apareceria como um componente no ensino da
matemática.
As tensões emergidas durante esta pesquisa nos permitem refletir sobre a
complexidade e o inacabamento das coisas e das pessoas. Refletindo sobre os
caminhos podemos pensar em um novo recomeço uma nova viagem.
As lições aprendidas no caminhar desta pesquisa me ajudaram a ver que
educar é um ato político, pois toda tomada de posição tem intrínseca uma ideologia,
não há educação neutra ou universal, ela está sempre ligada a atender
determinados objetivos. Acredito na Paz como um dos objetivos para a educação,
não como a inexistência de divergências e conflitos, mas no sentido de não
reconhecer o outro apenas como uma ameaça. As diferenças e, conseqüentemente,
as divergências e conflitos, são parte da diversidade que caracteriza todas as
espécies, e são, portanto, intrínsecas ao fenômeno vida (D’Ambrosio, 2007).
Por meio deste estudo foi possível perceber as possibilidades de mudança em
dois ambientes vividos pelos alunos em questão. Essa mudança poderia ser
iniciada/efetivada/desenvolvida pela proposta de uma educação Matemática que
envolva/considere o caráter transdisciplinar do conhecimento, assim, o
conhecimento matemático escolar deveria estar entrelaçado por outros saberes, que
107
estão ausentes do ambiente da sala de aula, os saberes matemáticos do cotidiano
de estudantes ribeirinhos.
Pensar nesse entrelace, refletir sobre suas possibilidades e dificuldades nos
ajudou a ver que a Educação Matemática pode ser crítica e engajada em ajudar na
orientação da formação dos alunos para a vida, e que esta não pode ser resumida
ao trabalho. A Etnomatemática é crítica em sua essência, pois nasce da reflexão
sobre a hegemonia da matemática ocidental em todo mundo. Assim, esse tipo de
reflexão nos ajudou a perceber outros saberes sendo construídos e praticados,
neste caso os saberes e fazeres ribeirinhos contribuíram como fonte de reflexão.
Esta pesquisa permite afirmar a possibilidade de uma proposta de efetivação
da articulação entre os saberes ribeirinhos e a matemática escolar mediados por
uma escola e por professores que considerem a diversidade da região nas ações
didático-pedagógicas. Assim, uma proposta de ação nesse sentido requer um
projeto que integre professores da escola, pesquisadores acadêmicos e os
intelectuais da tradição.
108
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
109
em Engenharia de Produção, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis,
2001.
CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. 2. ed. Bauru: EDUSC,
2002.
110
DAYRELL, Juarez. A escola como espaço sócio-cultural. In: Juarez Dayrell.
(Org.). Múltiplos Olhares sobre educação e cultura. Belo Horizonte: Editora da
UFMG, 1996, p. 136-161. Disponível em
http://www.fae.ufmg.br/objuventude/textos/ESCOLA%20ESPACO%20SOCIOCULTU
RAL.pdf . Acesso em 02/2009
111
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. São Paulo: DP&A, 2001.
112
QUEIROZ, Márcia Aparecida Lopes de. Aprendizagem Matemática e os saberes
tradicionais dos ribeirinhos da Amazônia no contexto da sala de aula. 2009.186
f. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e Matemáticas) – Instituto de
Educação Matemática e Científica, Universidade Federal do Pará, Belém, 2009.
SILVA, Francisco Lucas da. SILVA, José Lucas da. ALMEIDA, Maria da Conceição.
Uma Ciência perto da natureza. In: ALMEIDA, Maria da Conceição de. PEREIRA,
Wani Fernandes. Lagoa do Piató: fragmentos de uma história. Natal: EDUFRN,
2006.
113
SOUSA, Eliana Ruth Silva. PALHETA, Franciney Carvalho Palheta. A medida da
rasa: um encontro entre Letramento e Etnomatemática. In: Terceiro Congresso
Brasileiro de Etnomatemática (CBEM3). Universidade Federal Fluminense. RJ –
Niterói. 03/2008.
SOUSA, Eliana Ruth Silva. Etnomatemática sob o olhar de futuros professores
de matemática. 2006. Belém. Monografia (Graduação em Licenciatura Plena em
Matemática) – Universidade Federal do Pará. Belém, 2006.
114
ANEXO
115