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Temas em Psicologia

ISSN: 1413-389X
comissaoeditorial@sbponline.org.br
Sociedade Brasileira de Psicologia
Brasil

Dutra dos Reis, Maria de Jesus; Zamot Rabelo, Laura


Fibromialgia e Estresse: explorando relações
Temas em Psicologia, vol. 18, núm. 2, diciembre-, 2010, pp. 399-414
Sociedade Brasileira de Psicologia
Ribeirão Preto, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=513751436014

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ISSN 1413-389X Temas em Psicologia - 2010, Vol. 18, no 2, 399 – 414

Fibromialgia e Estresse: explorando relações

Maria de Jesus Dutra dos Reis


Universidade Federal de São Carlos – SP – Brasil

Laura Zamot Rabelo


Universidade Federal de São Carlos – SP – Brasil

Resumo
O presente estudo teve como objetivo descrever possíveis correlações entre estresse, transtornos
físicos e/ou mentais e diferentes formas de vitimização em pacientes com fibromialgia (FM). Foram
examinados 16 prontuários de pacientes que recebiam tratamento por fisioterapeuta e psicólogo. Os
prontuários incluíam os resultados de avaliações em Psicologia e Fisioterapia, indicadores de saúde
geral, de nível socioeconômico e registros, em áudio e vídeo, de sessões em psicoterapia.
Adicionalmente, foram analisados os escores em inventários de estresse, ansiedade e depressão,
obtidos no início do tratamento. As sessões de psicoterapia foram examinadas e os relatos de eventos
vitimizadores ao longo da vida foram organizados em cinco categorias: negligência e abuso
emocional, abuso físico, assédio e abuso sexual. As pacientes eram 16 mulheres, com idade variando
entre 22 e 73 anos. Todas apresentaram indicadores de estresse. Correlações significativas foram
estabelecidas entre tender points, estresse e ansiedade. No relato dos pacientes, Negligência e abuso
emocional foram as categorias predominantes, tanto na infância, quanto na vida adulta. Categorias de
vitimização na infância foram positivamente relacionadas à ansiedade, depressão e tender points.
Vitimização na infância e trabalho infantil foram correlacionados a um maior número de doenças na
vida adulta, enquanto abuso físico foi positivamente associado a doenças musculoesqueléticas. Uma
proposta tenta integrar as diversas correlações observadas de uma perspectiva analítico-
comportamental.
Palavras-chave: Fibromialgia, Estresse, Ansiedade, Depressão, Vitimização.

Fibromyalgia and Stress: Exploring relations

Abstract
The present study aimed to investigate possible correlations between stress, mental and physical
disorders, and different forms of victimization in fibromyalgia patients (FM). The medical records of
16 patients who received treatment from both a physiotherapist and a psychologist were examined.
The medical records included the results from psychological and physiotherapeutic assessments,
general health information, economic indicators, as well as both transcripts and copies of videotaped
and audiotaped therapy sessions. Additionally, the patients’ records included stress, anxiety and
depression’s scores obtained at the beginning of treatment that were taken into consideration. The
therapy sessions were analyzed and lifelong victimization events were classified in the following five
categories: emotional neglect and abuse, physical abuse, sexual harassment and abuse. The patients
were women between 22 and 73 years of age. All of them presented stress indicators. The analysis
revealed significant correlations between tender points, stress, and anxiety. Emotional neglect and
abuse during childhood and adulthood were the predominant categories in patients reports.
Victimization categories in childhood were positively related to anxiety, depression and tender points.
Early victimization and child labor were correlated with different medical conditions in adult life,
while physical abuse was associated with pathologies of the muscular-skeletal system. A tentative
proposal to integrate the observed correlations from the perspective of Behavior Analysis is presented.
Keywords: Fibromyalgia, Stress, Anxiety, Depression, Victimization.

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Endereço para correspondência: Profa. Dra. Maria de Jesus Dutra dos Reis - Universidade Federal de São Carlos
(Psicologia), Via Washington Luis, Km 235, Cx Postal 676, Monjolinho, São Carlos, SP. CEP.: 13565-905. E-
mail: jesus-reis@uol.com.br.
400 Reis, M. J. D., & Rabelo, L. Z.

A Fibromialgia (FM) tem sido definida apresentam seis vezes mais possibilidade de
como uma síndrome dolorosa crônica, comorbidade com diferentes transtornos de
caracterizada por dor musculoesquelética ansiedade (ex.: Estresse Pós-Traumático,
difusa, ocorrendo ao longo do esqueleto axial. Síndrome do Pânico, entre outros). Em estudo
Nos critérios clínicos de diagnóstico, com população brasileira, foram avaliadas 74
estabelecidos pelo American College of mulheres casadas com idade entre 21 e 65 anos;
Rheumatology (ACR) em 1990, no exame por 47 alcançaram os critérios da ACR e 27 não
apalpação devem ser identificados pelo menos apresentavam dor crônica (grupo controle).
11 pontos dolorosos dos 18 tender points Utilizando Testes de Hamilton para avaliação
estabelecidos. Distúrbios do sono, fadiga, da Depressão e da Ansiedade, observou-se que
depressão e ansiedade são alguns dos sintomas 80% das pacientes com FM obtiveram escore
frequentemente associados à síndrome de depressão contra 12% do grupo controle;
(Cavalcante et al., 2006; Goldenberg, 2005; 63,3% apresentaram ansiedade, contra 16% do
Wolfe et al., 1990). controle. Estas diferenças entre os grupos
Estudos de prevalência da FM, em foram estatisticamente significativas (Martinez,
população adulta, têm mostrado uma variação Ferraz, Fontana, & Atra, 1995).
entre 0,66% e 3,2%, com maior incidência no Investigações têm examinado ainda a
sexo feminino (aproximadamente 6:1), na faixa relação das dores crônicas e um processo
etária entre 35 e 60 anos. A prevalência pode psicobiológico relativamente importante: o
aumentar para 24,7% quando o estudo restringe estresse (Cleare, 2004; Van Houndenhove &
a população a filhos e familiares de mulheres Egle, 2004). Sempre que um organismo
com FM (Cavalcante et al., 2006). Em estudo identifica alterações no ambiente,
com população brasileira, a FM foi a segunda potencialmente positivas ou danosas, que
mais frequente patologia reumatológica em exigiriam mudanças significativas no
atendimento ambulatorial, com prevalência de responder, entra em curso um conjunto de
2,5% (Senna et al., 2004). alterações adaptativas com componentes
A FM somente foi reconhecida como hormonais, físicos, comportamentais e
doença em 1990 e, até os dias de hoje, inexiste cognitivos. De uma perspectiva biológica,
consenso com relação à sua etiologia e define-se resposta de estresse como um
manutenção. Embora os sintomas possam processo filogeneticamente selecionado
persistir ao longo dos anos, não existem envolvendo a ativação de dois eixos
anormalidades bioquímicas, imunológicas ou neurobiológicos distintos e interrelacionados:
anatômicas que se mantenham constantes ao (1) o Eixo Hipotalâmico-Pituitário-Adrenal
longo do tempo, permitindo um diagnóstico (HPA) e (2) o Eixo Simpático Adrenomedular
mais preciso. Contudo, a comorbidade (SAM). O Eixo HPA tem seu funcionamento
recorrentemente documentada entre esta acionado por um evento estressor, levando o
patologia e transtornos psicológicos tem levado hipotálamo a liberar o hormônio corticotropina
alguns autores a postular que uma explicação (CRH); este agirá sobre a glândula pituitária,
plausível para esta síndrome possivelmente liberando adrenocorticotropina (ACTH) na
deverá ser construída considerando as corrente sanguínea. Ao mesmo tempo, o ACTH
interconexões entre processos biológicos, irá estimular o funcionamento das glândulas
psicossociais e psicopatológicos da dor adrenais, liberando três hormônios que
(Thieme, Turk, & Flor, 2004; Van aumentam a prontidão do organismo para
Houndenhove & Luyten, 2005). responder ao perigo: epinefrina (conhecida
A comorbidade entre FM e Depressão como adrenalina), noraepinefrina e
Maior pode variar de 22% a 90%, levando glicocorticoides. O Eixo SAM, componente do
autores a hipotetizar que FM poderia ser uma Sistema Nervoso Autônomo, estimulado pela
desordem subjacente a processos relativos à descarga de CRH e dos hormônios liberados
depressão (Ahles, Yunus, & Mais, 1987; pelo Eixo HPA, controla respostas autônomas
Meyer-Lindenberg & Gallhofer, 1998; Pae et que regulam a pressão sanguínea, o batimento
al., 2009). Da mesma forma, estudos cardíaco e a digestão; também é responsável
identificam uma relação entre transtornos de por orquestrar dimensões do funcionamento do
ansiedade e FM. Arnold et al. (2006) relatam sistema límbico, amígdala e hipocampo,
que pacientes com FM, comparados com responsáveis por regular respostas emocionais e
portadores de outros quadros em reumatologia, de luta/fuga, processamento da memória e
Fibromialgia e Estresse 401

motivação. A liberação continuada de organismo à fase de exaustão. Nesta última


glicocorticoides, particularmente cortisol, fase, o indivíduo apresentará disfunções
inibirá a produção de CRH pelo hipotálamo, múltiplas que, eventualmente, poderão levar a
fechando o ciclo da resposta de estresse óbito (Lipp, 1984; Lipp, 2003; Moreno Jr.,
(Almeida, 2003; Gunnar & Quevedo, 2007). Melo, & Rocha, 2003; Selye, 1965; Wyler,
O funcionamento destes dois sistemas Masuda, & Holmes, 1968).
converge para um conjunto de mudanças que Estudos têm apontado que uma população
maximiza as chances de sobrevivência, significativa de pacientes com dores crônicas,
protegendo o indivíduo em um ambiente hostil. em particular FM, parecem apresentar
Mudanças na pressão sanguínea e sistema alterações no funcionamento do Eixo HPA
respiratório aumentam a eficiência de respostas (Okifuji & Turk, 2002). Foram relatados
musculares de defesa; o sangue se afasta das hipersensibilidade, resposta excessiva a
extremidades, concentrando-se nas coxas e estressores físicos e/ou psicológicos, disfunções
bíceps, evitando sangramento excessivo no relativas ao cortisol, entre outros (Crofford et
caso de ferimento. Processos perceptivos e al., 1994; Crofford et al., 2004; Okifuji & Turk,
atencionais colocam o indivíduo em 2002). Além disto, investigações parecem
permanente vigilância, devotando sua atenção à indicar que estratégias terapêuticas voltadas
localização e identificação de fontes de danos. para um melhor funcionamento do Eixo HPA
O aumento de corticoides facilita a têm demonstrado um razoável grau de eficácia
cicatrização, amplia o efeito anti-inflamatório e no tratamento da patologia (Bonifazi et al.,
inibe o funcionamento do sistema imunológico, 2006; Holtorf, 2008).
diminuindo o risco imediato de infecções.
Ácidos estomacais agilizam o processo Pesquisas têm estabelecido uma relação
digestivo, permitindo o aproveitamento de significativa entre exposição a situações
fontes de energia (glicose e gorduras). estressoras sociais na fase inicial do
Comportamentos reflexos e operantes, desenvolvimento e disfunções dos eixos do
previamente selecionados, terão sua estresse, similares àquelas observadas nos
probabilidade de ocorrência aumentada. Esta pacientes com FM. Revisões bibliográficas,
cascata de eventos, denominada fase de alerta, sumarizando resultados de pesquisa com
deve ser inibida tão logo as condições do diferentes modelos animais (ex. roedores e
ambiente se mostrem favoráveis. primatas não humanos) e com humanos,
Em condições continuamente estressoras, parecem indicar que a privação social,
o organismo progride na direção de ativação particularmente do cuidado materno, pode
máxima do sistema, alcançando um patamar em produzir mudanças anatômicas e funcionais no
curva assintótica de funcionamento; sistema do estresse, comprometendo a
denominou-se à persistência neste contexto de eficiência e eficácia do seu funcionamento
funcionamento de fase de resistência. Nesta (Sanchez, Ladd, & Plotsky, 2001; Gunnar &
fase observa-se o aumento de sintomas, tais Quevedo, 2007; Uchida et al., 2009).
como: insônia; alterações de funções De fato, resultados parecem corroborar a
psicológicas como percepção, memória e teoria de que alguns padrões estressores de
concentração; irritabilidade; fadiga; hipertensão relações familiares, particularmente negligência
arterial; diabetes; doenças no sistema digestório e abusos na infância, podem contribuir para a
(ex. gastrite, úlceras, entre outras); perda de predisposição, etiologia e manutenção das
eficiência do sistema imunológico, favorecendo dores crônicas em geral e, em particular, da FM
o aumento de infecções (ex., rinites, sinusites, (Davis, Luecken, & Zautra, 2005; Murray Jr.,
gripes, pneumonias, etc); entre outros. Autores Murray, & Daniels, 2007; Otis, Keane, &
propõem que, quando do aparecimento de Kerns, 2003; Raphael, Spatz, & Lange, 2001).
doenças crônicas e sistêmicas, uma nova fase Foi observado que mulheres com FM relatam
deveria ser considerada, denominada de quase- mais abusos físicos e sexuais, ao longo da vida,
exaustão (Lipp, 2003). do que aquelas em tratamento por outras
Em última instância, a permanência em doenças reumatológicas (Boisset-Pioro,
ambiente estressor, com persistência da fase de Esdaile, & Fitzcharles, 1995; Ciccone, Elliott,
resistência (ou de quase-exaustão) por ativação Chandler, Nayak, & Raphael, 2005). Vivências
ininterrupta da resposta de estresse, pode traumáticas, relações coercitivas, conflitos e
conduzir o sistema a um colapso, levando o sobrecarga familiar também foram descritos em
402 Reis, M. J. D., & Rabelo, L. Z.

relatos de casos clínicos com população instrumentos de avaliação de pacientes com


brasileira (Queiroz, 2009). diagnóstico de FM, em tratamento com
Van Houndenhove et al. (2001) profissionais de Fisioterapia e Psicologia.
investigaram o papel de eventos estressores por
vitimização e sua relação com a dor crônica.
Participaram 242 mulheres, distribuídas em três
Método
diferentes grupos. No Grupo 1 estavam Amostragem
arroladas 41 mulheres com FM e 54 com Inicialmente foram examinados todos os
Síndrome de Fadiga Crônica (SFC); no Grupo prontuários de pacientes, com diagnóstico
2 participaram 52 mulheres com outras fechado de FM, que tivessem recebido (ou
patologias reumatológicas sem cronicidade e, estivessem recebendo) durante os quatro anos
no Grupo 3, 95 sem problemas de saúde. Os de funcionamento da unidade de saúde,
tipos de vitimização analisadas foram atendimento psicológico, individual e/ou em
negligência emocional, abuso emocional, grupo, sob supervisão ou atendimento direto de
abuso físico, assédio sexual (sem contato um dos autores; foram arrolados neste primeiro
físico) e abuso sexual. Um questionário era exame vinte (20) prontuários. Desta amostra,
apresentado aos participantes solicitando: a foram selecionados os prontuários que
descrição de ocorrência de eventos sociais atendessem aos seguintes critérios: (1)
adversos, uma estimativa de como teriam contivessem a assinatura do Termo de
afetado sua vida e o tipo de relação com o Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)
vitimizador. Foram considerados eventos da autorizando o uso de dados para pesquisa; (2)
infância aqueles que ocorreram quando o registrassem a participação do paciente em pelo
indivíduo tinha menos de 14 anos; eventos que menos oito sessões de psicoterapia, e (3)
ocorreram depois desta idade foram arrolados contivessem um instrumento de avaliação de
como sendo da vida adulta. A prevalência geral FM, implementado por Fisioterapeuta da
de vitimização foi maior para o grupo de unidade. Dezesseis (16) dos prontuários
pacientes com dor crônica; este grupo atenderam a todos estes requisitos; estes
descreveu mais negligência emocional, abuso prontuários apresentavam o histórico de
emocional e abuso físico quando comparado avaliação e atendimento de dezesseis mulheres
com os demais grupos. Além disto, pacientes adultas, com idade variando entre 22 a 73 anos.
com dores crônicas foram vitimizados mais
frequentemente por familiares próximos ou
parceiros. Local/Materiais/Instrumentos
Recentemente pesquisadores (Smith et al., Todos os pacientes estiveram (ou estavam)
2010) investigaram a relação entre eventos sob atendimento em uma unidade saúde-escola,
traumáticos, estresse e indicadores de saúde ligada a instituição de ensino, localizada no
física e mental. Os autores compararam o interior da Região Sudeste. Esta unidade de
desempenho de 41 mulheres com FM (Grupo atendimento de saúde encontra-se ligada ao
FM) e 44 mulheres saudáveis (Grupo Sistema Único de Saúde (SUS), funcionando
Controle). Foram avaliados eventos como uma Unidade de Média Complexidade.
traumáticos, estresse percebido, indicadores de Os prontuários institucionais são unificados,
saúde mental e de saúde física. Os eventos constando dos mesmos a avaliação,
traumáticos foram divididos nas categorias (1) procedimentos e evolução realizada por todos
abusos na infância (idade inferior a 16 anos), os profissionais envolvidos no tratamento.
(2) abusos na fase adulta e (3) outros eventos Uma Avaliação Inicial Geral da
traumáticos (ex. cirurgias, acidentes de carros, Instituição, rotineiramente implementada no
etc.). Os resultados mostraram que eventos início do atendimento para todos os serviços de
sociais traumáticos na infância foram intervenção da unidade, levanta os seguintes
significativamente relacionados a maior aspectos: 1) identificação; 2) sinais vitais e
comprometimento da saúde física e mental, no antropométricos; 4) genograma; 3) histórico de
grupo com FM. saúde e clínico; 5) avaliação de aspectos
O presente trabalho teve como objetivo relativos ao sono, nutrição, sexualidade e
descrever relações entre estresse, vitimização dependências químicas; 6) indicadores de
ao longo da vida e indicadores de saúde física e transtornos psicopatológicos; 7) indicadores
mental, por meio do exame de prontuários e socioeconômicos, incluindo: escolaridade,
Fibromialgia e Estresse 403

dados ocupacionais, condições de moradia, comportamento, sentimentos ou emoções, na


saneamento básico e informações para o última semana. Seu cômputo leva à
cálculo do Critério Econômico Brasil do IBEP. identificação de quatro níveis de depressão:
O histórico de saúde e clínico contém três Mínimo, Leve, Moderado e Grave. O
questões, entre outras, que envolvem o registro Inventário de Ansiedade (BAI) apresenta uma
de diferentes informações: (1) resultados de lista de 21 sintomas, a serem autoavaliados, que
exames laboratoriais realizados nos dois anos teriam ocorrido na última semana. Os
anteriores ao início do atendimento na Unidade resultados podem indicar quatro níveis de
(ex. exames de sangue, urina, radiografias, etc); ansiedade: Mínima, Leve, Moderada e Grave.
(2) registro da medicação e posologia Nestes inventários são usualmente considerados
consumida pelo paciente no início do de maior cuidado em saúde os níveis Moderado
atendimento, por prescrição ou automedicação, e Grave.
através do exame de receituário, da bula O Termo de Consentimento Livre e
medicamentosa e do relato verbal; (3) Uma Esclarecido, apresentado no início das
lista fechada de 26 patologias e um espaço para intervenções, é composto de duas partes. A
o registro de outras não listadas. Nesta parte do primeira parte descreve as condições gerais de
questionário era solicitado que o paciente atendimento e normas da unidade, devendo
declarasse se estaria fazendo, ou se já teria obrigatoriamente ser assinado pelo paciente,
feito, tratamento (medicamentoso ou cirúrgico) comprovando ciência das mesmas. A segunda
para cada uma das patologias; solicitava-se, parte do TCLE autoriza o uso de dados do
ainda, se esta haveria sido diagnosticada e prontuário, registro e instrumentos
tratada em outros membros da família (filhos, psicodiagnósticos para pesquisa, desde que
parceiros e Pais). Esta lista de patologias a mantido o sigilo; o paciente é livre para assinar
serem investigadas foi gerada, no momento da ou não esta parte do documento, sem
elaboração do Instrumento, pela compilação de comprometimento no seu atendimento.
indicações feitas por diferentes profissionais de
saúde da unidade (ex. Psiquiatra, Neurologista,
Fisioterapeutas, Enfermeiros, Psicólogos, Procedimento
Terapeutas Ocupacionais, Farmacêuticos, entre
outros). A pesquisa consistiu numa análise
No atendimento em Psicologia, todas as documental, realizada em duas diferentes fases:
sessões foram gravadas em mídia de áudio e, 1) uma análise quantitativa de instrumentos de
eventualmente, algumas foram registradas por avaliação e 2) uma análise qualitativa de relatos
filmadora digital (seis sessões); as quatro sobre eventos vitimizadores ao longo da vida.
primeiras sessões realizadas por estagiários, A análise quantitativa de instrumentos de
além disto, apresentavam registro adicional na avaliação teve dois objetivos gerais: 1)
forma de transcrições. Durante as sessões identificar características dos pacientes e 2)
iniciais, em quaisquer condições de identificar variáveis relativas à saúde em geral,
atendimento, três inventários psicodiagnósticos e de saúde mental e estresse, em particular.
eram aplicados: o Inventário de Sintomas de Três conjuntos de instrumentos foram
Stress para Adultos de LIPP (ISSL), o examinados: a) a avaliação inicial geral da
Inventário Beck de Depressão (BDI) e o instituição, b) a primeira avaliação de
Inventário Beck de Ansiedade (BAI). diagnóstico de FM por fisioterapeuta da
O Inventário de Sintomas de Stress solicita unidade e c) escores nos inventários
a autoidentificação da ocorrência de sintomas psicodiagnósticos aplicados. Do exame da
(1) no dia anterior à avaliação, (2) na semana avaliação inicial geral foram selecionados
anterior e (3) no último mês. Quatro fases de elementos referentes à saúde, retirados
estresse, segundo o modelo proposto por Lipp especialmente das questões que avaliavam o
(2003), são identificáveis, da mais leve à de histórico de saúde e clínico (particularmente
maior cuidado: Alerta, Resistência, Quase- identificando patologias diagnosticadas e
exaustão e Exaustão. tratadas em momento anterior à entrada na
O Inventário de Depressão (BDI) é Unidade), avaliação do sono e indicador
composto por 21 grupos de afirmativas que econômico do IBEP; do instrumento de
devem ser identificadas pelo paciente como avaliação da FM registrou-se o número de
autodescritivas de aspectos do seu tender points.
404 Reis, M. J. D., & Rabelo, L. Z.

Para a análise qualitativa de informações desenvolvimento. O índice de acordo entre


foram examinados integralmente os registros codificadores, para avaliação da fidedignidade
em áudio ou vídeo referentes a, no mínimo, oito variou de 94,3% a 100%.
(8) sessões de psicoterapia; quando era o caso,
escrutaram-se adicionalmente as transcrições de
sessões realizadas pelos estagiários. Resultados
Inspecionou-se, ainda, o genograma da Os resultados foram organizados
avaliação geral da instituição para utilizando-se para análise estatística o
identificação de óbitos e divórcios na rede Programa SPSS 11.5; as correlações entre as
familiar. Os registros audiovisuais foram variáveis foram computadas por teste não
analisados buscando identificar e registrar a paramétrico de Spearman, two-tailed, com
ocorrência de relatos verbais referentes a significância de p<0,05.
eventos que pudessem ser incluídos nas A Tabela 1 apresenta características gerais
categorias propostas por Van Houndenhove et das participantes. Foram computados idade,
al. (2001). Aos moldes do que foi feito por estado civil, escolaridade, classe econômica,
Smith et al. (2010), os eventos vitimizadores tender points detectados e histórico de
que tiveram lugar antes dos 16 anos foram patologias diagnosticadas antes do
identificados como relativos à infância; àqueles atendimento na unidade; para cada uma destas
que ocorreram aos 16 anos ou mais foram variáveis analisadas, podemos ver a
computados como sendo da fase adulta. distribuição no TOTAL da amostra e nos
Os eventos vitimizadores estressores diversos níveis de Estresse. A área sombreada
foram organizados em cinco categorias: 1) realça, para cada variável, onde se concentram
Negligência emocional: Relatos que indicassem a distribuição de valores iguais ou maiores de
ausência de redes sociais de cuidado e apoio 60% da amostra, no TOTAL dos prontuários e
por familiares ou pares, descrição de nos níveis de cuidado do estresse (Resistência,
sentimentos de abandono ou solidão. No estudo Quase-exaustão e Exaustão). Por exemplo, a
de Van Houndenhove et al. (2001) foi, também, variável idade foi computada considerando
tratado nesta categoria a descrição de exercer, quatro diferentes intervalos. Observa-se que a
na infância, sem supervisão de adulto (Pais ou maior distribuição no TOTAL da amostra
cuidadores), atividades de cuidado da casa, de (43,7%) estava concentrada no intervalo de 51
adultos doentes, idosos e/ ou de irmãos; 2) a 60 anos; a segunda maior (25%) entre 41 e 50
Abuso emocional: incluía relatos que anos. Estas duas distribuições somadas
envolvessem ser constantemente diminuído, correspondem a 68,7% do total da amostragem
perseguido, humilhado, intimidado ou vitimado (12 diferentes prontuários). Examinando, ainda,
por castigos verbais. 3) Abuso físico: relatos de a variável idade, considerando os níveis de
maus tratos físicos, como ser espancado e/ ou cuidado do estresse, observamos que o maior
torturado. 4) Assédio sexual: relatos de valor de distribuição seria 18,7 %, nos níveis de
investidas sexuais desagradáveis, sem contato estresse de resistência e quase exaustão, depois
físico (ex., falas eroticamente abusivas, vemos 12,5% em quase exaustão e 6,2%
comentários e convites inapropriados, vítimas distribuído em diferentes níveis de estresse.
de exibicionismo, etc). 5) Abuso sexual: relatos Valores iguais de distribuição foram
de atos sexuais indesejáveis envolvendo sombreados obedecendo ao critério de ordem
contato físico, com ou sem intercurso sexual decrescente nos níveis de cuidado do estresse,
(ex. toques invasivos, estupro, etc.). Como nos até que a somatória de todos os valores
estudos parcialmente replicados procurou-se sombreados fosse igual ou superior a 60%.
identificar o grau de proximidade Estes critérios para sombreamento foram
familiar/afetiva com o agente vitimizador. utilizados para todas as variáveis.
O Quadro 1 apresenta exemplos de relatos Adicionalmente, foram computadas as
que caracterizam as diferentes categorias e correlações entre as diferentes variáveis: idade,
algumas queixas de estressores sociais na fase estado civil, classe social, tender points,
adulta. Um observador ingênuo examinou o patologias diagnosticadas, patologias do
registro de caso e uma lista de eventos da vida sistema musculoesquelético e estresse.
de seis participantes (37,5% da amostra), Todas as participantes apresentaram
distribuindo os mesmos entre as cinco indicadores de estresse; onze (69%)
categorias, em ambas as fases de distribuídas entre as fases de resistência e quase
Fibromialgia e Estresse 405

Quadro 1: Exemplos de relatos selecionados nas diferentes categorias, ao longo da vida. Na


parte inferior, vemos os eventos estressores mais frequentemente relatados, nas relações sociais
da vida adulta.

Exemplos
Infância (Idade <16 anos) Adulto (Idade = ou > 16 anos)
9 Subia na árvore para minha mãe sentir
9 Não posso contar com meu marido, nem
Negligência

falta... ela nunca me procurava.


Emocional

com meus filhos.


(Nem)

9 Cuidava dos meus cinco irmãos desde os


9 Não posso contar com a família.
8 anos, para mamãe trabalhar.
9 O que mata é a solidão.
9 Trabalhava numa casa de família desde os
9 Meus Pais não ligam muito para mim.
8 anos, mas o dinheiro ficava com minha mãe.
9 Minha mãe queimava nossas bonecas de
Abuso Emocional

9 Marido diz: não sabia que tinha casado


milho preferidas no fogão de lenha e ria
com uma farmácia.
quando a gente chorava
(AEm)

9 Meu pai chamava todas as filhas de


9 Se o arroz estivesse grudento meu pai
puta, piranha, etc
levantava e jogava no lixo.
9 Minha mãe vivia me dizendo que eu era
9 Meu pai era rígido e brigava muito, a casa
muito burra, desajeitada.
CATEGORIAS VITIMIZAÇÃO

tinha que estar limpa


9 Quando, com raiva, meu pai batia em
9 Fui internada porque ele (marido) ficou
todos os filhos e na minha mãe.
Abuso físico

batendo minha cabeça na parede.


9 Minha mãe quando tava com raiva, Deus
(AbFi)

9 Meu namorado ficou me chutando até a


me livre... batia com corda!
polícia intervir.
9 Meu pai era um homem bom, mas quando
9 Quando era jovem meu marido me batia
bebia... era um tal de bater na mãe, na gente,
todo final de semana, sofri muito com ele.
quebrar móveis.
9 Precisou fugir de homem que a seguia e
falava obscenidades.
Assédio
Sexual
(AsSx)

9 Perseguidor que aparecia


inesperadamente mostrando, à distancia, a
genitália, masturbando-se.
9 Perseguida por homem desconhecido
que algumas vezes a agarrava e passava
Abuso sexual

9 Estupro por amigo do irmão (aos 14 anos)


esperma no cabelo e rosto.
(AbSx)

9 Casou para sair de casa e não sabia como


9 Médico acariciou eroticamente num
seria a lua de mel...não queria fazer aquilo...foi
exame pericial de empresa; desafiou a
muito ruim (aos 15 anos).
cliente a denunciar, se quisesse manter o
afastamento.

Não ajuda em crises e problemas com filho, família e/ou financeiros;


Comportamento verbal e físico violento, com paciente, filhos e bens;
Marido Relações extraconjugais, separações e voltas ao relacionamento;
EXEMPLOS DE EVENTOS

Alcoolismo e adição ao jogo (com perda de bens).


Morte dos Parceiros (4 ficaram viúvas; 2 casaram novamente)
ESTRESSORES
(VIDA ADULTA)

Ter sido cuidador dos Pais em doenças terminais e crônicas;


Pais Morte dos Pais;
Agressividade verbal e dificuldades no relacionamento;

Falta de diálogo e afeto, não mostrando interesse pela paciente;


Brigas por não colaborar no serviço da casa;
Filhos Doenças crônicas (ex. Deficiência mental, problemas de saúde, etc);
Droga-adição.
406 Reis, M. J. D., & Rabelo, L. Z.

exaustão e duas mulheres (12%) em exaustão. distintos.


A maioria das participantes (68,7%) tinha idade Embora todas as pacientes tenham sido
variando entre 41 e 60 anos, eram casadas referenciadas para a unidade com diagnóstico
(62,5%), com formação igual ou superior ao fechado de FM, o exame refeito por
nível médio (62,5%). O nível socioeconômico profissionais do setor indicam que 25% não
estava concentrado entre as classes C1 e E alcançaram o critério mínimo dos 11 pontos.
(62%), indicando renda igual ou inferior a três Participantes com mais de 11 tender points
salários mínimos. A participante mais jovem da apresentam escores mais elevados de estresse
amostra (22 anos) é filha de outra paciente, (68,7%), sendo esta relação estatisticamente
também presente nesta análise, ambas atendidas significativa (tender points X estresse, r=0,60;
por diferentes profissionais, em momentos p<0,02).

Tabela 1: Frequência e Porcentagem da idade, estado civil, escolaridade, classe econômico e


patologias previamente diagnosticadas. Vemos, ainda, a distribuição das variáveis considerando
o total da amostra e os níveis de cuidado do estresse (Resistência, Quase Exaustão e Exaustão); a
área sombreada realça onde se concentram valores iguais ou maiores que 60% da amostra nesta
distribuição.
Estresse (LIPP)
Alerta Resistência Q-Exaus Exaustão
Estresse (n=16) Total 3 (19%) 5 (31%) 6 (38%) 2 (12%)
Variável Níveis N % Porcentagem % (Frequência)
22-40 3 19,0 0,0 (0) 0,0 (0) 12,5 (2) 6,2 (1)
41-50 4 25,0 0,0 (0) 18,7 (3) 6,2 (1) 0,0 (0)
Idade 51-60 7 43,7 12,5 (2) 6,2 (1) 18,7 (3) 6,2 (1)
Acima 60 2 12,5 6,2 (1) 6,2 (1) 0,0 (0) 0,0 (0)
Solteira 2 12,5 0,0 (0) 0,0 (0) 12,5 (2) 0,0 (0)
Casada 10 62,5 18,7 (3) 18,7 (3) 12,5 (2) 12,5 (2)
Estado Civil
Divorciada 2 12,5 0,0 (0) 0,0 (0) 12,5 (2) 0,0 (0)
Viúva 2 12,5 0,0 (0) 12,5 (2) 0,0 (0) 0,0 (0)
Sem Esc. 1 6,2 0,0 (0) 6,2 (1) 0,0 (0) 0,0 (0)
Escolaridade

FIn 4 25,0 12,5 (2) 6,2 (1) 6,2 (1) 0,0 (0)
FC 1 6,2 0,0 (0) 0,0 (0) 0,0 (0) 6,2 (1)
(*)

MC 4 25,0 6,2 (1) 6,2 (1) 6,2 (1) 6,2 (1)


SIn 2 12,5 0,0 (0) 6,2 (1) 6,2 (1) 0,0 (0)
SC 4 25,0 0,0 (0) 6,2 (1) 18,7 (3) 0,0 (0)
A2 2 12,5 0,0 (0) 0,0 (0) 12,5 (2) 0,0 (0)
B1 1 6.2 0,0 (0) 6,2 (1) 0,0 (0) 0,0 (0)
Econômica

B2 2 12,5 6,2 (1) 0,0 (0) 0,0 (0) 6,2 (1)


Classe

C1 4 25,0 0,0 (0) 12,5 (2) 12,5 (2) 0,0 (0)


C2 3 18,7 6,2 (1) 6,2 (1) 6,2 (1) 0,0 (0)
D 3 18,7 6,2 (1) 0,0 (0) 6,2 (1) 6,2 (1)
E 1 6,2 0,0 (0) 6,2 (1) 0,0 (0) 0,0 (0)
Tender 8-10 4 25,0 12,5 (2) 12,5 (2) 0,0 (0) 0,0 (0)
points 11-18 12 75,0 12,5 (2) 18,7 (3) 37,5 (6) 12,5 (2)
Dist. Sono 14 87,5 14,3 (2) 28,6 (4) 42,8 (6) 14,3 (2)
T. Humor 12 75,0 16,7 (2) 16,7 (2) 50,0 (6) 16,7 (2)
Diagnosticadas

Gast/úlcera 11 68,8 18,2 (2) 45,4 (5) 18,2 (2) 18,2 (2)
Previamente
Patologias

Musc-esquel 10 62,5 30,0 (3) 20,0 (2) 50,0 (5) 0,0 (0)
T. Ansiedade 8 50,0 12,5 (1) 25,0 (2) 50,0 (4) 12,5 (1)
Alergias 8 50,0 12,5 (1) 25,0 (2) 50,0 (4) 25,0 (2)
Hipertensão 5 37,5 20,0 (1) 20,0 (1) 60,0 (3) (0)
Colesterol 5 31,3 0,0 (0) 20,0 (1) 60,0 (3) 20,0 (1)
Enxaqueca 3 19,0 0,0 (0) 33,3 (1) 33,3 (1) 33,3 (1)
(*Legenda: Sem Esc= sem escolaridade; FIn= Fundamental incompleto; FC= Fundamental completo; MC= Médio
Completo; SIn= Superior Incompleto; SC= Superior completo)
Fibromialgia e Estresse 407

Na Tabela 1, vemos, ainda, que os maiores porcentagem da amostra nos diferentes níveis
níveis de estresse parecem estar de depressão e de ansiedade. Nela, podemos
significativamente relacionados a um número examinar, ainda, os resultados referentes às
maior de patologias previamente categorias de eventos vitimizadores, na infância
diagnosticadas (r=0,75, p<0,001). Distúrbios e na fase adulta. Uma distribuição das variáveis
do sono foram reportados por 87,5% das considerando número de tender points e níveis
pacientes, enquanto 75% (12) tinham de Estresse foi disponibilizada; o sombreado,
diagnóstico de transtorno do humor. Doenças assim como descrito na Tabela 1, realça onde
do sistema gastrointestinal e transtorno de 60% ou mais da amostra encontra-se distribuída
ansiedade são registrados em 68,8% e 50% da nos diferentes níveis das variáveis
população, respectivamente. Chama a atenção apresentadas, tanto para os critérios de tender
que três (3) das pacientes (19%) convivam com points, quanto para os níveis do estresse. Uma
uma segunda dor crônica: a enxaqueca; duas análise estatística correlacional foi realizada
destas têm idade inferior a 40 anos, cruzando todas as variáveis descritas na Tabela
apresentando níveis de estresse de quase 1 e aquelas apresentadas aqui: depressão,
exaustão e exaustão. Notamos que 10 das ansiedade, as cinco categorias da infância, as
participantes (62,5%) apresentaram algum tipo cinco categorias na fase adulta. Foi inclusa na
de patologia do sistema musculoesquelético análise uma variável que representava a
(ex., artropatias, osteosporose, LER/DORT, somatória da ocorrência de categorias na
Síndrome do Túnel do Carpo), algumas tendo infância (vitimização geral na infância) e outra
recebido tratamento medicamentoso e/ou que seria a somatória de categorias na vida
cirúrgico para pelo menos duas destas. adulta (vitimização geral no adulto).
A Tabela 2 apresenta frequência e

Tabela 2: Frequência e Porcentagem nos diversos níveis de Depressão, Ansiedade e Categorias


de vitimização, na infância e vida adulta. As variáveis foram distribuídas considerando a
Frequencia total, os Tender Points e os níveis do Inventário de Estresse; a área sombreada
realça onde se concentram valores iguais ou maiores que 60% da amostra nesta distribuição.
Porcentagem % (frequência)
Medidas/
Níveis Freq. % Tender Points Estresse
Categorias
8-10 11-18 Alerta Resistência Q-Exaus Exaustão
Mínima 3 18,7 12,5 (2) 6,2 (1) 6,2 (1) 12,5 (2) (0) (0)
Leve 4 25,0 6,2 (1) 18,7 (3) 6,2 (1) 12,5 (2) 6,2 (1) (0)
Depressão Moderada 6 37,5 6,2 (1) 31,2 (5) 6,2 (1) 6,2 (1) 25,0 (4) (0)
Grave 3 18,7 (0) 18,7 (3) (0) (0) 6,2 (1) 12,5 (2)
Mínima 1 6,2 (0) 6,2 (1) 6,2 (1) (0) (0) (0)
Leve 3 18,7 12,5 (2) 6,2 (1) 6,2 (1) 12,5 (2) (0) (0)
Ansiedade Moderada 5 31,2 12,5 (2) 18,7 (3) 6,2 (1) 12,5 (2) 12,5 (2) (0)
Grave 7 43,7 (0) 43,7 (7) (0) 6,2 (1) 25,0 (4) 12,5 (2)
NEm 12 75,0 16,7 (2) 83,3 (10) 25,0 (3) 8,3 (1) 50,0 (6) 16,7 (2)
AEm 15 93,7 20,0 (3) 80,0 (12) 20,0 (3) 28,6 (4) 42,8 (6) 14,3 (2)
Infância (*) AbFi 7 43,7 28,6 (2) 71,4 (5) 28,6 (2) 16,7 (1) 50,0 (3) 16,7 (1)
AsSx 0 0,0 (0) (0) (0) (0) (0) (0)
AbSx 2 12,5 (0) 100,0 (2) (0) 50,0 (1) (0) 50,0 (1)
Trabalho Não Trab 6 37,5 50,0 (3) 50,0 (3) 16,7 (1) 66,7 (4) 16,7 (1) (0)
Infantil Trabalha 10 62,5 20,0 (2) 80,0 (8) 20,0 (2) 10,0 (1) 50,0 (5) 20,0 (2)
Tipo de Cuidados Lar 3 30,0 66,7 (2) 33,1 (1) 66,7 (2) 33,3 (1) (0) (0)
Trabalho Remunerado 7 70,0 (0) 100,0 (7) 14,3 (1) 14,3 (1) 57,1 (4) 14,3 (1)
NEm 15 93,7 26,7 (4) 73,3 (11) 20,0 (3) 33,3 (5) 40,0 (6) 6,7 (1)
AEm 15 93,7 26,7 (4) 73,3 (11) 20,0 (3) 26,7 (4) 40,0 (6) 13,3 (2)
Adulta
AbFi 7 43,7 14,3 (1) 85,7 (6) 14,3 (1) 14,3 (1) 57,1 (4) 14,3 (1)
(*) AsSx 3 18,7 (0) 100,0 (3) (0) (0) 66.7 (2) 33,3 (1)
AbSx 3 18,7 (0) 100,0 (4) (0) 33,3 (1) 33,3 (1) 33,3 (1)
Legenda: (*) Nem=Negligência Emocional; AEm= Abuso emocional; AbFi=Abuso físico; AsSx= Assédio sexual;
AbSx=Abuso Sexual)
408 Reis, M. J. D., & Rabelo, L. Z.

Um número visível de participantes da infância e uma da vida adulta, mostrando


apresentou escores de cuidado (moderado e situações adversas ao longo da vida.
grave) em depressão (56,2%) e de ansiedade Examinando as categorias na fase da infância
(74,9%). Aparentemente, os maiores escores (menos de 16 anos), 12 (75%) das participantes
nestas variáveis encontram-se distribuídos entre descrevem Negligência Emocional, enquanto
pacientes com 11 pontos ou mais. Contudo, 15 (93,7%) relatam algum tipo de abuso
Tender Points mostrou uma correlação emocional. Em todos os casos nos quais foram
significativa com ansiedade (r=0,49; p<0,05), descritos Abuso Físico (43,7%), observou-se
mas não com depressão (r=0,31, p<0,24). ocorrência de Negligência e Abuso Emocional.
Ambas mostraram, contudo, uma relação Negligência emocional apresentou uma
positiva com os indicadores de estresse significativa relação com depressão (r=0,53,
(estresse x depressão, r=0,63, p<0,01; estresse p<0,03) e patologias diagnosticadas (r=0,54,
x ansiedade, r=0,74, p<0,001). Correlações p<0,04), enquanto Abuso físico foi
foram observadas também entre ansiedade e correlacionado à depressão (r=67, p<0,004).
depressão (r=0,53, p<0,04), ansiedade e Nenhuma categoria desta fase apresentou
patologias diagnosticadas (r=0,55, p<0,03) e correlação significativa com estresse.
depressão e patologias diagnosticadas (r=0,54, Considerando o somatório total de categorias
p<0,04). na infância (Vitimização geral na infância),
Na parte inferior da Tabela 2, podemos encontramos uma correlação significativa com
examinar a porcentagem de ocorrência das ansiedade (r=0,74, p<0,001), depressão
categorias de vitimização na infância e na vida (r=0,63, p<0,01), tender points (r=53, p<0,03) e
adulta. Todas as variáveis foram distribuídas patologias diagnosticadas (r=0,75, p<0,001).
considerando tender points e níveis de estresse. Vemos, ainda na Tabela 2, que dez das
Ao sistematizar os resultados referentes à pacientes (62,5%) relatam Trabalho infantil.
Categoria de Negligência Emocional, foram Três (18,7%) assumiram os cuidados do lar,
implementadas duas análises distintas. Na com idade entre 6 e 8 anos, para que os Pais ou
primeira delas foram computados e cuidadores pudessem trabalhar; estas pacientes
apresentados todos os relatos que assumiram esta função por um período mínimo
correspondiam à definição da categoria como de quatro anos, sendo as filhas mais velhas do
no estudo originalmente replicado. Entretanto, gênero feminino, cuidando cada uma de um
uma análise dos relatos sobre o exercício de conjunto de irmãos com três, quatro e oito
atividades no cuidado da casa e de menores, crianças, com idades e gêneros diversos. Sete
não supervisionado por Pais ou cuidadores, das pacientes iniciaram trabalho remunerado
levou os autores a organizarem alguns dados por terceiros com idade entre 7 e 9 anos,
numa nova categoria denominada trabalho desenvolvendo tarefas como colheita do
infantil. Nesta categoria, foram incluídos os campo, doméstica em casa de família,
relatos dos pacientes que descreviam duas produção de artesanatos ou salgados para
instâncias: (1) assumir os cuidados DO LAR e revenda (junto com um dos progenitores), entre
dos irmãos, durante cinco a seis dias da outros. Uma correlação positiva foi observada
semana, sem supervisão direta de adulto entre trabalho na infância e patologias
responsável, realizando tarefas domésticas em diagnosticadas (r=0,52, p<0,05).
geral (ex. limpeza da casa, cozinhar, cuidar de Na vida adulta, também predominam as
irmãos, lavar e passar roupa, carregar água de categorias de Negligência (93,7%) e de Abuso
rios para abastecimento da casa, entre outros) emocional (93,7%); em todos os casos onde se
e (2) assumir, total ou parcialmente, as observou relatos de Abuso físico (43,7%),
responsabilidade de Pais ou cuidadores na foram registradas ocorrências de Negligência e
provisão de dinheiro e bens, trabalhando para de Abuso emocional. Correlações significativas
terceiros e sendo a REMUNERAÇÃO deste foram observadas entre depressão e as
trabalho incorporada na manutenção geral da categorias de Abuso físico (r=0,53, p<0,03) e
família. Os resultados da categoria trabalho Abuso sexual (r=0,56, p<0,02) em adultos;
infantil foram disponibilizados também na Abuso físico, nesta fase, também foi
Tabela 2, sendo incluída, ainda, como uma das positivamente relacionado a ocorrências de
variáveis nas análises estatísticas de correlação. patologias musculoesqueléticas (r=0,53,
Todas as participantes apresentaram p<0,03). O somatório geral de categorias na
ocorrência em pelo menos uma das categorias fase adulta (vitimização geral no adulto) foi
Fibromialgia e Estresse 409

positivamente relacionado à de vitimização prontuários e registros de sessões.


geral na infância (r=0,61, p<0,01). As A amostra apresenta características
categorias da fase adulta, computadas comumente encontradas em estudos
individualmente ou em conjunto, não envolvendo indivíduos com diagnóstico de FM.
mostraram correlação com estresse. Na infância Um número representativo de pacientes
os Pais foram descritos como os principais preenchem todos os critérios exigidos para
responsáveis por negligência, abuso emocional diagnóstico da patologia (Goldenberg, 2005;
e/ou abuso físico. Na fase adulta, o marido ou Wolfe, et al., 1990). Todas as pacientes
parceiro passa a ser apontado como o principal apresentavam indicadores de estresse,
vitimizador. observando-se que, quanto maior o número de
tender points, significativamente maiores
pareciam ser os escores de estresse. Vimos,
Discussão ainda, que patologias usualmente
Como uma patologia recentemente correlacionadas ao estresse foram identificadas
identificada, o estudo sistemático da FM coloca na população: por exemplo, doenças
para os profissionais de saúde e pesquisadores gastrointestinais, hipertensão, distúrbios do
desafios constantes. Medidas do fenômeno são sono, entre outros (Lipp, 1984; Moreno Jr. et
operacionalmente inexistentes, exceto pelo al., 2003). Usualmente, isto pode indicar que
exame clínico de apalpação; a investigação um nível significativo de estresse esteve
sobre etiologia, manutenção e fatores de presente no dia a dia, por um período
resiliência ainda são incipientes. representativo de tempo.
Estudos correlacionais, contudo, têm Como previamente descrito na literatura
procurado identificar variáveis críticas (Martinez et al.,1995), indicadores de depressão
potencialmente importantes para investigações (Ahles et al., 1987; Meyer-Lindenberg &
experimentais futuras e para a construção do Gallhofer, 1998; Pae et al., 2009) e de
corpo teórico. Nesta direção, resultados ansiedade (Arnold et al., 2006; Thieme et al.,
promissores e consistentes parecem ser aqueles 2004) ocorreram com alta prevalência,
descrevendo uma relação estreita entre estresse considerando-se pelo menos duas medidas: os
e FM (Davis et al., 2005; Okifuji & Turk, 2002; escores obtidos nos Inventários (BAI e BDI) e
Raphael et al., 2001; Van Houndenhove & o diagnóstico prévio de transtornos de
Egle, 2004). O presente trabalho tentou depressão e ansiedade.
organizar informações nesta direção teórica. Como na população com FM dos estudos
Uma contribuição importante deste estudo replicados (Smith et al., 2010; Van
está relacionada à própria origem dos dados. Houndenhove et al., 2001), as pacientes relatam
Demonstra que, mesmo quando estamos vitimização ao longo da vida, com exposição a
trabalhando numa condição de atendimento eventos sociais estressores e coercitivos,
público e gratuito do Sistema Único de Saúde similares àqueles encontrados no estudo de
(SUS), cuidados na sistematização e registro de Queiroz (2009). Vitimização geral na infância
caso podem possibilitar a quantificação e mostrou-se positivamente correlacionada a
análise posterior na forma de relato de maiores indicadores de depressão, ansiedade,
pesquisa. Para tanto, garantir algumas tender points, patologias previamente
condições mínimas parece ser crucial, tais diagnosticadas e Vitimização geral no adulto.
como: providenciar um Termo Geral de Possivelmente, como observado por diferentes
Consentimento padrão, autorizando o uso de autores, para alguns indivíduos, a vitimização
dados para pesquisa; incorporar uma entrevista na infância pode iniciar uma cascata de eventos
estruturada, padronizada na aplicação e comum que exacerbaria a sensibilidade ao estresse a
a todos os usuários, incluindo indicadores longo prazo e teriam efeitos persistentes e
econômicos e sociais relevantes; registrar de negativos sobre a saúde física e mental. (Davis
forma sistemática e organizada as rotinas de et al, 2005; Murray Jr. et al., 2007; Otis et al.,
avaliação e atendimento, entre outros. Dadas 2003; Raphael et al., 2001; Smith et al., 2010).
estas condições, os autores entrando em contato A análise em separado das patologias
com a literatura que explorava as relações entre musculoesqueléticas mostrou uma correlação
estresse e FM, mesmo sem projeto prévio de positiva com o abuso físico no adulto;
pesquisa, conseguiram organizar informações entretanto, todas as pacientes que relatavam
quantitativas e qualitativas, pelo exame de abuso físico, também descrevem exemplos de
410 Reis, M. J. D., & Rabelo, L. Z.

negligência e de abuso emocional. Estes com um único contato, por telefone ou


resultados dão suporte a estudos que postulam, presencial. No presente trabalho, entretanto,
na etiologia da FM, a interação entre eventos questões similares à dos instrumentos foram
vitimizadores ao longo da vida, suscetibilidade examinadas, considerando informações obtidas
ao estresse e vulnerabilidade biológica, em um tempo mínimo de dois meses de
referindo-se particularmente ao sistema psicoterapia. Desta forma, especula-se que os
modulador da dor (Cleare, 2004; Davis et al., pacientes podem ter voluntariado informações
2005; Smith et al., 2010). Contudo, os que não teriam sido endereçadas numa única
resultados podem indicar uma segunda entrevista de coleta.
vulnerabilidade a ser examinada mais Vale salientar também que estresse,
cuidadosamente: a do sistema ansiedade e depressão apresentaram correlações
musculoesquelético. Como exemplos que estatisticamente significativas. Contudo,
fortalecem as hipóteses nesta direção, podemos somente estresse e ansiedade apresentaram
observar que, mesmo em uma amostra tão correlações significativas com o número de
pequena, 19% das participantes tiveram o tender points. Embora não possamos
diagnóstico e recebem tratamento de outra dor sistematicamente atribuir uma relação de
crônica: a enxaqueca; além disto, 62,5% causalidade entre as diversas variáveis
apresentaram (ou apresentam) pelo menos duas examinadas, um modelo explicativo hipotético
ou três outras patologias do sistema pode ser sugerido, considerando o arcabouço
musculoesquelético. conceitual da Análise do Comportamento, para
O trabalho infantil também foi auxiliar na organização de futuras
positivamente correlacionado com patologias investigações.
diagnosticadas, não sendo, contudo, uma Podemos pressupor, de forma geral, que
categoria examinada nos estudos replicados; comportamentos descritos como pertencentes
provavelmente por não ser uma prática às categorias de negligência e abuso (físico ou
significativa das culturas onde foram emocional), dizem respeito a contingências
implementados. Pesquisas futuras poderão selecionadas e mantidas por controle aversivo.
endereçar mais diretamente os efeitos do Consideremos, por exemplo, que abuso em
estresse produzido pelo trabalho infantil e seu geral parece estar relacionado a consequências
impacto sobre a saúde em geral, em particular, aversivas apresentadas por agências sociais,
nas alterações dos sistemas de modulação da contingentes ou contíguas à diferentes classes
dor e do musculoesquelético. de respostas. Quando um organismo fica
Alguns autores têm enfatizado o papel do exposto a estímulos aversivos, contingentes ou
assédio e abuso sexual na FM (Boisset-Pioro et não contingentes, um número representativo de
al., 1995; Ciccone et al., 2005); contudo, na estímulos neutros do ambiente parecem
presente população, ficou difícil analisar o adquirir valor aversivo, sendo esta a base do
papel isolado destas categorias. Uma das paradigma da ansiedade (Estes & Skinner,
pacientes relatou abuso sexual exclusivamente 1941). Neste processo seria construída uma
na infância, duas na fase adulta e uma na rede ampla de estímulos potencialmente
infância e na fase adulta. A paciente vitimizada ansiogênicos (considerando processos de
em ambas fases apresentou exaustão em controle de estímulos, como discriminação,
estresse. generalização ou formação de classes) e estes
Embora a população com FM deste estudo estímulos acionariam, como é biologicamente
apresente resultados similares daqueles esperado, o gatilho da resposta de estresse
participantes com FM descritos nos trabalhos (Dougher, Augustson, Marrham, Greenway, &
parcialmente replicados (Smith, et al., 2010; Wulfert, 1994; Hayes & Wilson, 1998).
Van Houndenhove et al., 2001), a presente Ainda supostamente, quando um indivíduo
investigação carece de dados com portadores de cresce num contexto familiar ou social
outras patologias reumatológicas ou, ainda, negligente, comportamentos relevantes,
indivíduos sem histórico de dor, particularmente para o convívio nas relações
impossibilitando uma comparação sociais, podem não ser reforçados na frequência
representativa entre os estudos. Contudo, é e topografia apropriadas; além disto, pode
importante enfatizar que os estudos originais carecer de modelos de comportamentos sociais
utilizaram para coleta de dados questionários positivos e reforçadores. Concomitantemente,
estruturados, aplicados através de entrevistas nas condições abusivas, estímulos aversivos
Fibromialgia e Estresse 411

podem punir respostas operantes, agência social) e ambiente biológico


particularmente, estratégias de enfrentamento e vulnerável.
habilidades sociais apropriadas, além de
favorecer o aumento de respostas mantidas sob Este cenário hipotético poderia levar,
reforço negativo. As pacientes poderiam minimamente, a duas direções de investigação.
apresentar, entre outros fatores, déficits no A primeira delas envolveria uma sistematização
repertório social que dificultariam ou utilizando modelo animal. Desenvolver
impossibilitariam relações sociais na modelos animais experimentais sobre o
maturidade. A ausência de repertório fenômeno tem como dificuldade essencial
apropriado e variado, somado à presença de encontrar um correlato da medida do exame por
condições aversivas, podem levar a um apalpação. Contudo, se estudos posteriores
repertório usualmente relacionado à depressão corroborarem as interrelações entre FM e
(Dougher & Hackbert, 1994). patologias musculoesqueléticas, modelos
Especulativamente, ainda, podemos animais desenvolvidos para a análise da relação
imaginar que progenitores potencialmente da negligencia no início do desenvolvimento e
negligentes e/ou punitivos podem não prover do estresse (Gunnar & Quevedo, 2007; Sanchez
um ambiente de estimulação, na fase inicial de et al., 2001; Uchida et al., 2009) podem ser
vida, que favoreceria o desenvolvimento ampliados, incluindo medidas do impacto em
estrutural e fisiológico adequado do sistema de outras estruturas anatômicas do sistema
estresse (particularmente, o eixo HPA), muscular e esquelético, passíveis de exames
podendo contribuir para alterações no mais diretos e precisos. Esta medida traria
funcionamento do mesmo (Gunnar & Quevedo, informações importantes sobre o papel do
2007); estas condições, somadas a eventuais estresse neste sistema como um todo, e de
vulnerabilidades biológicas (por exemplo, do forma indireta, na FM. Além disto, filhotes
sistema modulador da dor e /ou do sistema experimentalmente expostos, ou não, a
musculoesquelético), poderiam favorecer o situações de negligência e privação do cuidado
desenvolvimento da dor crônica e, em materno poderiam ser submetidos, na vida
particular, da FM (Okifuji & Turk, 2002; Van adulta, a condições experimentais usualmente
Houndenhove & Egle, 2004). A negligência identificadas como modelos animais para a
também poderia exercer um papel negativo em investigação da depressão e da ansiedade (ex.
processos importantes para o desenvolvimento, desamparo aprendido, labirinto em T elevado,
tais como o Apego; para alguns autores, entre outros), examinando as possíveis relações
inclusive, este seria um dos aspectos essenciais entre os fenômenos.
para entendermos porque sistemas neurológicos Uma segunda direção levaria a
complexos entrelaçariam, no processo investigações relativas a técnicas de
evolutivo, dores físicas e dores emocionais intervenção em psicoterapia do paciente com
(Eisenberger & Lieberman, 2004). diagnóstico de FM. Estes estudos poderiam
Desta forma, uma história de examinar, para esta população, a efetividade do
contingências aversivas estabelecida pelas uso de técnicas do controle, tratamento e
redes sociais, poderia explicar, em parte, por inoculação do estresse, incluindo a avaliação e
exemplo, as correlações significativas entre treino em estratégias de enfrentamento
FM, ansiedade e estresse; a relação entre (Queiroz, 2009). No mesmo contexto, o exame
negligência e depressão, entre outras. Esta de Habilidades Sociais e o eventual treino
construção interligando contingências deveriam ser examinados com um conjunto de
filogenéticas, ontogenéticas e culturais, poderia procedimentos potencialmente eficientes para o
eventualmente iniciar uma interlocução entre os tratamento da patologia.
estudos que descrevem a FM como uma
síndrome relacionada à depressão (Ahles, et al., Contudo, voltamos a enfatizar que esta foi
1987; Meyer-Lindenberg & Gallhofer, 1998), à uma investigação exploratória, considerando a
ansiedade (Arnold et al., 2006) ou ao estresse descrição de uma amostra relativamente
(Van Houdenhove & Egle, 2004). A pequena da população. Estudos posteriores
interrelação entre FM e estresse seria um tentarão avançar numa possível proposta de
produto construído pela somatória de condições modelo explicativo da FM relativa ao estresse,
sociais vitimizadoras (contingências mantidas dimensionando suas especificidades na nossa
por reforço negativo, punição e/ou extinção por realidade.
412 Reis, M. J. D., & Rabelo, L. Z.

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Enviado em Junho de 2010
Aceite em Outubro de 2010
Publicado em Dezembro de 2010

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