Você está na página 1de 62

MINICURSO

PSICOPATOLOGIAS
NO CICLO GRAVÍDICO
PUERPERAL

APOSTILA DIDÁTICA
SUMÁRIO

03 TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS NA GESTAÇÃO E NO PUERPÉRIO:



CLASSIFICAÇÃO, DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO

14 TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS NO PÓS-PARTO


21 ANSIEDADES PERINATAIS EM MULHERES COM GRAVIDEZ DE RISCO



E EM MULHERES COM GRAVIDEZ NORMAL

30 PSICOSES PUERPERAIS

48 MEDO DO PARTO EM GESTANTES


56 SOB A SOMBRA DA MATERNIDADE: GRAVIDEZ, IDEAÇÃO SUICIDA


E VIOLÊNCIA POR PARCEIRO ÍNTIMO
Revisão de Literatura

Transtornos psiquiátricos na gestação


e no puerpério: classificação,
diagnóstico e tratamento
Psychiatry disorders in pregnancy and puerperium: classification, diagnosis and treatment

RENATA SCIORILLI CAMACHO1 Resumo


FÁBIO SCARAMBONI CANTINELLI1
Diversas questões ainda estão em aberto no que se refere a um tema tão amplo quanto a
CARMEN SYLVIA RIBEIRO1 saúde mental das mulheres em período de gestação e puerpério. Por mais contraditório
AMAUR Y CANTILINO2 que possa parecer, muitas pacientes apresentam tristeza ou ansiedade em vez de alegria
nessas fases de suas vidas. Os limites entre o fisiológico e o patológico podem ser estreitos,
BÁRBARA KARINA GONSALES3 o que pode gerar dúvidas em obstetras, clínicos ou psiquiatras. Muitas pacientes também
ÉRIKA BRAGUITTONI3 sentem-se culpadas, prejudicando a aderência ao tratamento e a aceitação de uma patologia
em uma fase que, em tese, deveria ser de alegria.
JOEL RENNÓ JR.4 Nas últimas décadas, estudos têm investigado um pouco mais sobre o tema, mas algumas
questões ainda estão em debate: os transtornos puerperais poderiam ser uma manifestação
de um transtorno prévio não adequadamente tratado? Seriam a gestação ou o puerpério
fatores protetores ou de risco para o desencadeamento de transtornos psiquiátricos? As
alterações hormonais que ocorrem nesse período poderiam estar envolvidas na sua etiolo-
gia? Quais seriam os principais fatores de risco? Em quais situações seria adequado usar
psicofármacos como medida de tratamento?
Neste artigo, serão abordadas algumas dessas questões, sobre um tema que ainda precisa
ser muito investigado para que tenhamos conclusões mais precisas.

Palavras-chave: Gestação, puerpério, transtornos psiquiátricos, fatores de risco, tratamento

Abstract
Several questions regarding mental health during the period of pregnancy and puerperium
are still open. Even this seems contradictory, many patient present sadness or anxiety instead

Recebido: 20/03/2006 - Aceito: 27/03/2006


1 Médico psiquiatra. Colaborador do Projeto de Atenção à Saúde Mental da Mulher (Pró-Mulher) do
Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo (IPq-HC-FMUSP).
2 Médico psiquiatra. Coordenador do Programa de Depressão na Mulher do Hospital das Clínicas da
Universidade Federal de Pernambuco (HC-UFPE).
3 Psicóloga clínica. Colaboradora do Pró-Mulher do IPq-HC-FMUSP.
4 Médico psiquiatra. Coordenador do Pró-Mulher do do IPq-HC-FMUSP.
Endereço para correspondência: Renata Sciorilli Camacho. Rua Atlântica, 400, Jardim do Mar – 09750-
480 – São Bernardo do Campo (SP). Fone: (11) 4330-4487. E-mail: sc_camacho@hotmail.com

Camacho, R.S.; Cantinelli, F.S.; Ribeiro, C.S.; Cantilino, A.; Gonsales, B.K.; Braguittoni, E.; Rennó Jr., R. Rev. Psiq. Clín. 33 (2); 92-102, 2006
93

of joy in these phases of life. The limits between physiological and diseases development? Could be involved in the etiology the
the pathological one can be narrow, what it may generate doubts in hormonal alterations that occur in this period? Which would be
obstetricians, physicians or psychiatrists. Many patients also feel the main factors of risk? In which situations it would be adjusted
guilty, harming the treatment and the acceptance of her pathology to use medications as treatment?
in a phase that theoretically would have to be of joy. This article has the proposal to discuss some of these questions
Few decades ago till today, there are studies that investigate that are immersed on a topic that is still opening to investigation
deeper on this topic, but some questions still are in discussion: to let us with more accuracy conclusions.
the puerperal diseases could be a manifestation of a previous
disease not adequately treated? Would be the pregnancy or the Key-words: Psychiatric pregnancy, puerperium, diseases, risk
puerperium protective factors or risk factors for the psychiatric factors, treatment.

Introdução vida da mulher, o período perinatal não a protege dos


transtornos do humor.
A gestação e o puerpério são períodos da vida da mulher Estima-se uma prevalência de depressão na gravi-
que precisam ser avaliados com especial atenção, pois dez da ordem de 7,4% no primeiro, 12,8% no segundo e
envolvem inúmeras alterações físicas, hormonais, psíqui- 12% no terceiro trimestre (Bennett et al., 2004).
cas e de inserção social, que podem refletir diretamente Nas adolescentes, foi verificada prevalência entre
na saúde mental dessas pacientes. 16% e 44%, quase duas vezes mais elevada que nas
Tem-se dado importância cada vez maior ao tema, gestantes adultas, o que pode estar relacionado à falta
e estudos atuais têm visado delinear os fatores de risco de maturidade afetiva e de relacionamentos dessas pa-
para os transtornos psiquiátricos nessas fases da vida, cientes, bem como ao fato de grande parte delas terem
a fim de se realizarem diagnóstico e tratamento o mais que abandonar seus estudos em razão da maternidade
precocemente possível. (Szigethy e Ruiz, 2001).
Estudos recentes revelaram que transtornos psi- A disforia no pós-parto (maternity blues) inclui
quiátricos subdiagnosticados e não tratados em gestan- sintomas depressivos leves e pode ser identificada em
tes podem levar a graves conseqüências maternofetais, 50% a 85% das puérperas, dependendo dos critérios
até mesmo durante o trabalho de parto (Jablensky et al., diagnósticos utilizados (Cantilino, 2003).
2005; Seng et al., 2001). Um estudo com 1.558 mulheres detectou 17% das
Sabe-se ainda que a presença de ansiedade ou gestantes com sintomas significativos para depressão
depressão na gestação está associada a sintomas de- na gestação tardia, 18% no puerpério imediato e 13%
pressivos no puerpério (Bloch et al., 2003). entre a sexta e a oitava semanas do puerpério. O mesmo
Esses temas têm sido mais pesquisados nas últi- valor (13%) foi encontrado no sexto mês do puerpério
mas décadas e ainda não há especificação para essas (Josefsson et al., 2001).
patologias na Classificação Internacional de Doenças Um outro estudo constatou valores oscilando entre
(CID-10), a não ser como diagnóstico de exclusão, no 8,6% e 10,1% para o diagnóstico de depressão entre a 6a e
caso dos transtornos relacionados ao puerpério. a 24a semanas do puerpério (Boyce e Hickey, 2005).
O Manual diagnóstico e estatístico de transtornos Uma metanálise de 59 estudos mostrou uma esti-
mentais, na sua quarta edição e com texto revisado mativa de prevalência de depressão pós-parto da ordem
(DSM-IV-TR), não distingue os transtornos do humor de 13% (O’Hara e Swain, 1996).
do pós-parto dos que acontecem em outros períodos, ex- A psicose puerperal é um quadro mais raro, e a
ceto como especificador “com início no pós-parto”, que é incidência encontrada foi entre 1,1 e 4 para cada 1.000
utilizado quando o início dos sintomas ocorre no período nascimentos (Bloch et al., 2003).
de quatro semanas após o parto (Cantilino, 2003).
Este artigo tem como objetivo uma revisão da Fatores de risco
literatura, apresentando os principais aspectos epide-
miológicos, de classificação, diagnóstico e tratamento Os principais fatores de risco psicossociais relacionados
dos transtornos psiquiátricos relacionados à gestação à depressão maior no puerpério são: idade inferior a 16
e ao puerpério. anos, história de transtorno psiquiátrico prévio, eventos
estressantes experimentados nos últimos 12 meses,
Epidemiologia conflitos conjugais, ser solteira ou divorciada, estar de-
sempregada (a paciente ou o seu cônjuge) e apresentar
Apesar de a gestação ser tipicamente considerada um pouco suporte social.
período de bem-estar emocional e de se esperar que a Outros fatores de risco apontados foram: perso-
chegada da maternidade seja um momento jubiloso na nalidade vulnerável (mulheres pouco responsáveis ou

Camacho, R.S.; Cantinelli, F.S.; Ribeiro, C.S.; Cantilino, A.; Gonsales, B.K.; Braguittoni, E.; Rennó Jr., R. Rev. Psiq. Clín. 33 (2); 92-102, 2006
94

organizadas), esperar um bebê do sexo oposto ao dese- Tabela 1. Principais fatores de risco para o
jado, apresentar poucas relações afetivas satisfatórias e desenvolvimento de depressão na gestação.
suporte emocional deficiente (Boyce e Hickey, 2005). Biológicos Psicossociais
Abortamentos espontâneos ou de repetição também
História de transtorno do
foram indicados como fatores de risco (Botega, 2006). Abuso sexual na infância
humor ou ansiedade
Mulheres mais suscetíveis aos transtornos do
humor no puerpério também teriam diagnóstico de História de depressão
Gravidez precoce
transtorno disfórico pré-menstrual ou apresentaram pós-parto
sintomas depressivos no segundo ou quarto dia do pós- História de transtorno
parto. Pacientes que tiverem história de sensibilidade Gravidez não planejada
disfórico pré-menstrual
aumentada ao uso de anticoncepcionais orais também
seriam mais vulneráveis (Bloch et al., 2005). Doença psiquiátrica na Gravidez não desejada ou
família não aceita
Um outro estudo tentou encontrar uma relação
entre a gravidez indesejada e o risco para depressão, Mães solteiras
mas os resultados foram pouco conclusivos. Verificou-se Ter muitos filhos
apenas que mulheres com escolaridade mais alta e me- Reduzido suporte social
lhor rendimento financeiro apresentavam menor risco,
Violência doméstica ou
enquanto mulheres provenientes de famílias populosas
conflitos no lar
apresentavam elevado risco para depressão. Levantou-
se também a hipótese de que a existência prévia de Baixo nível de escolaridade
transtorno mental pode ser o mais importante fator Abuso de substâncias/
associado ao risco de se apresentarem novos episódios tabagismo
no puerpério (Schmiege e Russo, 2005). Adaptado de Ryan et al., 2005.
Mulheres portadoras de transtorno afetivo bipo-
lar apresentaram risco elevado de psicose puerperal
(260/1.000) quando comparadas a mulheres saudáveis, melhora dos sintomas ansiosos na gestação, 33%, piora
que apresentavam 1 a 2 casos a cada 1.000 puérperas e 24% não apresentaram nenhuma alteração. Já no sexto
(Chaudron e Pies, 2003). mês do puerpério, 63% tiveram piora dos sintomas de
pânico (Northcott e Stein, 1994).
Etiologia Um outro estudo constatou que o puerpério seria
um período de maior vulnerabilidade para o desenca-
A etiologia da depressão puerperal ainda não é completa- deamento do primeiro episódio de pânico. Entre as
mente conhecida, mas acredita-se que, além dos fatores mulheres estudadas, 10,9% apresentaram início dos
de risco anteriormente mencionados, fatores hormonais sintomas no puerpério (neste caso, até 12 semanas do
e hereditários também estejam envolvidos. puerpério), um número maior do que o esperado, que
Na gestação, os níveis de estrógeno e progestero- é de 0,92% (Sholomskas et al., 1993).
na são superiores àqueles vistos nas mulheres fora do
período gestacional e esse fator pode estar envolvido Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC)
nas alterações do humor que ocorrem nessa fase. A
queda brusca desses hormônios no pós-parto estaria Das gestantes portadoras de TOC, 46% apresentaram
envolvida na etiologia da depressão puerperal. Bloch et piora da sintomatologia na primeira gestação e 50%, na
al. (2003) realizaram uma revisão da literatura a fim de segunda gestação. Sintomas de TOC são freqüentes no
correlacionarem os fatores endócrinos e hereditários pós-parto e incluem pensamentos e obsessões relaciona-
com a etiologia desse transtorno. Não se constatou dos a possíveis contaminações da criança e pensamentos
relação genética diferente daquela já esperada em obsessivos negativos em relação ao trabalho de parto
quadros não puerperais. Levantou-se a hipótese de que (Labad et al., 2005).
algumas mulheres seriam mais sensíveis a variações A gestação também está associada ao aparecimen-
hormonais em qualquer momento de suas vidas, in- to do TOC em 13% das mulheres e constatou-se piora da
cluindo-se período pré-menstrual, menarca, gestação, sintomatologia em 29% das puérperas. Mulheres porta-
puerpério, menopausa e até mesmo durante o uso de doras de TOC também apresentam elevado risco para
anticoncepcionais. o desenvolvimento de depressão pós-parto (Williams e
Koran, 1997).
Transtorno do pânico
Transtornos puerperais
Um estudo comparou a sintomatologia em mulheres
com transtorno do pânico diagnosticado previamente Os transtornos psiquiátricos puerperais são caracte-
e constatou que 43% dessas pacientes apresentaram risticamente classificados como: disforia do pós-parto

Camacho, R.S.; Cantinelli, F.S.; Ribeiro, C.S.; Cantilino, A.; Gonsales, B.K.; Braguittoni, E.; Rennó Jr., R. Rev. Psiq. Clín. 33 (2); 92-102, 2006
95

(puerperal blues), depressão pós-parto e psicose puer- à farmacoterapia e tende a necessitar de mais agentes an-
peral (Chaudron e Pies, 2003). tidepressivos para se obter remissão dos sintomas. Além
A puerperal blues costuma acometer as mulheres disso, é freqüente o relato de sentimentos ambivalentes
nos primeiros dias após o nascimento do bebê, atingindo acerca do bebê e de opressão pela responsabilidade de
um pico no quarto ou quinto dia após o parto e remitindo cuidar dos filhos (Beck, 1996; Nonacs e Cohen, 2000).
de maneira espontânea, no máximo, em duas semanas. Esses dados apresentam-se em favor da especificidade
Inclui choro fácil, labilidade do humor, irritabilidade e do conceito de depressão pós-parto.
comportamento hostil para com familiares e acompa- A psicose puerperal costuma ter início mais abrup-
nhantes. Esses quadros normalmente não necessitam to. Estudos verificaram que 2/3 das mulheres que apre-
de intervenção farmacológica, e a abordagem é feita no sentaram psicose puerperal iniciaram sintomatologia
sentido de manter suporte emocional, compreensão e nas duas primeiras semanas após o nascimento de seus
auxílio nos cuidados com o bebê (Cantilino, 2003). Evi- filhos. Descreve-se um quadro com presença de delírios,
dências sugerem que a depressão pós-parto pode ser alucinações e estado confusional que parece ser peculiar
parte ou continuação da depressão iniciada na gestação aos quadros de psicose puerperal. Pode haver sintomas
(Ryan et al., 2005). depressivos, maníacos ou mistos associados. Não foi
Os sinais e sintomas de depressão perinatal são estabelecida nenhuma apresentação típica. No entanto,
pouco diferentes daqueles característicos do transtorno essas mulheres costumam apresentar comportamento
depressivo maior não psicótico que se desenvolvem em desorganizado e delírios que envolvem seus filhos,
mulheres em outras épocas da vida. As pacientes apre- com pensamentos de lhes provocar algum tipo de dano.
sentam-se com humor deprimido, choro fácil, labilidade Apesar de o suicídio ser raro no período puerperal em
afetiva, irritabilidade, perda de interesse pelas ativida- geral, a incidência deste nas pacientes com transtornos
des habituais, sentimentos de culpa e capacidade de psicóticos nesse período é alta, necessitando muitas
concentração prejudicada. Sintomas neurovegetativos, vezes de intervenção hospitalar por esse motivo, bem
incluindo insônia e perda do apetite, são descritos com como pelo risco de infanticídio. Sintomas depressivos,
freqüência (Nonacs e Cohen, 1998; Gold, 2002). Contu- mais do que maníacos, em geral estão associados aos
do, alguns sintomas somáticos podem ser confundidos quadros em que ocorrem infanticídio ou suicídio (Chau-
com situações normais desse período. Assim, sintomas dron e Pies, 2003).
como hipersonia, aumento de apetite, fadigabilidade Estudos neurocientíficos recentes sustentam a hi-
fácil, diminuição do desejo sexual e queixas de dor e des- pótese de que a mulher portadora de psicose puerperal
confortos em diferentes sistemas são de pouca utilidade que comete infanticídio necessita mais de tratamento e
para o diagnóstico de depressão nessa fase. reabilitação do que de punição legal, a fim de se evitarem
É importante frisar que muitas mulheres com de- outras fatalidades decorrentes da gravidade do quadro;
pressão perinatal não revelam seus sintomas de depres- atualmente, alguns países já defendem essa hipótese. A
são com receio de possível estigmatização (Epperson, educação familiar também estaria presente nesse tipo
1999). As mulheres sentem que as expectativas sociais de intervenção (Spinelli, 2004).
são de que elas estejam satisfeitas e acabam sentindo-se
culpadas por estarem experimentando sintomas depres- Sobre escalas de depressão para uso na gravidez
sivos num momento que deveria ser de alegria.
Algumas particularidades clínicas são descritas na Até onde sabemos, não existem escalas desenhadas
depressão pós-parto. Há sugestão de haver um compo- especificamente para a detecção de depressão durante
nente ansioso mais proeminente (Ross et al., 2003), além a gravidez. Autores têm utilizado a Edinburgh Postnatal
de pensamentos recorrentes de causar danos ao bebê Depression Scale (EPDS) com essa finalidade (Clark,
(Jennings et al., 1999). Wisner et al. (1999) analisaram 2000; Areias et al., 1996). Um estudo americano testou
pensamentos obsessivos em mulheres deprimidas e o Inventário de Depressão de Beck (BDI) – uma escala
observaram que mulheres com depressão pós-parto para depressão geral – durante a gravidez e obteve o
tinham mais pensamentos de agressividade contra seguinte resultado com o ponto de corte em 16: sensi-
seus filhos do que mulheres deprimidas fora do período bilidade de 83%, especificidade de 89%, valor preditivo
pós-parto, independentemente da gravidade do quadro. positivo de 50% e valor preditivo negativo de 98% (Hol-
Godfroid et al. (1997), em estudo polissonográfico em comb et al., 1996). Provavelmente, o autor obteve um
mulheres com depressão, mostraram que mulheres baixo valor preditivo positivo pelo fato de o BDI conter
com depressão pós-parto tinham aumento significativo itens de sintomas físicos que se confundem com um
na fase IV do sono e menor tempo de estágio I quando quadro normal da gravidez.
comparadas a mulheres com depressão de gravidade Também têm sido utilizadas na gravidez escalas
semelhante fora do período pós-parto. Hendrick et al. que abordam preditores de depressão pós-parto. O
(2000), também numa comparação entre mulheres com Pregnancy Risk Questionnaire é uma escala de 18 itens
depressão no pós-parto e fora dele, observaram que a que lista fatores de risco psicossociais para depressão
depressão pós-parto requer mais tempo para responder pós-parto. Em estudo de validação original, obteve

Camacho, R.S.; Cantinelli, F.S.; Ribeiro, C.S.; Cantilino, A.; Gonsales, B.K.; Braguittoni, E.; Rennó Jr., R. Rev. Psiq. Clín. 33 (2); 92-102, 2006
96

sensibilidade de 44% e valor preditivo positivo de 23% Realizando um estudo fenomenológico de de-
(Austin et al., 2005). Esses valores parecem bem ra- pressão pós-parto, Beck (1992) percebeu temas que
zoáveis para um instrumento de predição. Um outro descreviam mais sobre a essência dessa experiência.
instrumento com a mesma finalidade é o Postpartum Esses temas tinham relação com solidão insuportável,
Depression Predictors Inventory, uma checklist que pensamentos obsessivos, sensação de estar fora de si,
idealmente deve ser preenchida em cada um dos três culpa sufocante, dificuldades cognitivas, perda de inte-
trimestres de gravidez e que também acessa fatores de resses prévios, ansiedade incontrolável, insegurança,
risco psicossociais (Beck, 1998). perda de controle das emoções e idéias relacionadas
à morte. Um outro estudo fenomenológico conduzido
Detecção das mulheres com depressão pós-parto por Beck (1996) investigou especificamente o significa-
do de experiências de mães com depressão pós-parto
Mulheres no puerpério com freqüência são examina- que tinham interagido com seus bebês e crianças mais
das por seus obstetras ou clínicos gerais em consultas velhas. Num estudo de avaliação de instrumentos para
focadas na recuperação física após o parto. Além disso, depressão em mulheres no pós-parto, Ugariza (2000)
são vistas por pediatras dos seus filhos de quatro a seis assinalou a necessidade de uma escala de avaliação que
vezes durante o ano seguinte ao nascimento de seu bebê. pudesse mensurar sintomas específicos de depressão
Quando apresentam depressão, embora busquem ajuda pós-parto. Considerando as observações feitas nos estu-
mais comumente com esses médicos do que com profis- dos e procurando maior acurácia na triagem de pacientes
sionais de saúde mental (Gold, 2002), muitas vezes não com depressão pós-parto, idealizou-se a criação de uma
são diagnosticadas ou reconhecidas como deprimidas de nova escala que abrangesse esses conceitos.
forma adequada. Trabalhos recentes vêm mostrando a A PDSS, desenvolvida por Beck e Gable (2000),
utilidade do uso de escalas de auto-avaliação para triagem nos Estados Unidos, é uma escala de auto-avaliação do
de mulheres com depressão pós-parto em serviços de tipo Likert. O instrumento tem 35 itens que avaliam
atendimento primário (Buist et al., 2002). A possibilidade sete dimensões: distúrbios do sono/apetite, ansiedade/
de detecção de depressão pós-parto com essas escalas insegurança, labilidade emocional, prejuízo cognitivo,
tem-se mostrado significativamente maior que a detecção perda do eu, culpa/vergonha e intenção de causar dano
espontânea durante avaliações clínicas de rotina por mé- a si. Cada dimensão é composta de cinco itens que des-
dicos nesses serviços (Fergerson et al., 2002). As escalas crevem como uma mãe pode estar se sentindo após o
serviriam para alertar clínicos, obstetras e pediatras para nascimento de seu bebê (Beck e Gable, 2000).
aquelas mulheres que possivelmente precisariam de Um estudo foi conduzido fazendo-se uma análise
avaliação mais profunda e tratamento. comparativa da performance da PDSS com a EPDS
No Brasil, onde os médicos cada vez mais se (Beck e Gable, 2001). Um total de 150 mães no pós-parto
vêem obrigados a fazer atendimentos de um grande preencheu os dois instrumentos e, logo em seguida, foi
número de pacientes com uma disponibilidade de tempo submetido à entrevista para diagnóstico no DSM-IV.
pequena, instrumentos desse tipo acabam tendo valia Dezoito dessas mulheres (12%) foram diagnosticadas
considerável. Ademais, essas escalas são auto-aplicáveis como tendo depressão maior, 28 (19%) tinham depressão
e de fácil utilização por profissionais não médicos e sem menor e 104 (69%) não tinham depressão. Utilizando
especialização em saúde mental. Essas características os escores de pontos de corte para depressão maior
fazem que o procedimento de aplicação destas seja, recomendados nas publicações dos dois instrumentos,
além de prático, considerado de baixo custo, o que torna a PDSS conseguiu a melhor combinação de sensibilida-
viável a sua utilização em serviços de atenção primária de, 94%, e especificidade, 91%, entre as três escalas. A
à saúde. PDSS identificou 17 das mulheres (94%) diagnosticadas
Pensando nessa praticidade, foram criadas duas es- com depressão pós-parto e a EPDS, 14 dessas mulheres
calas desenhadas especificamente para rastreamento de (78%). O diferencial da sensibilidade observado pode se
depressão pós-parto: a EPDS, em 1987, e a Postpartum dever ao fato de a PDSS abordar outros componentes
Depression Screening Scale (PDSS), em 2000. Ambas desse transtorno do humor.
já possuem tradução para o português e validação no No Brasil, a EPDS foi traduzida para o português
Brasil, sendo o estudo da PDSS realizado por um dos e validada por Santos et al. (2000). Sessenta e nove
autores deste artigo (Cantilino, 2003). puérperas foram selecionadas de uma amostra maior
A EPDS (Cox et al., 1987) foi o primeiro instru- para preencherem o instrumento e serem entrevistadas.
mento encontrado na literatura desenvolvido para triar Usando o ponto de corte recomendado de 11/12, obteve-
especificamente a depressão pós-parto. A EPDS é um se sensibilidade de 72%, especificidade de 88% e valor
instrumento de auto-registro que contém 10 questões preditivo positivo de 78%. O instrumento foi validado
de sintomas comuns de depressão e que utiliza formato em Brasília – que, segundo o Programa das Nações
de respostas do tipo Likert. A mãe escolhe as respostas Unidas para o Desenvolvimento (2003), é uma cidade
que melhor descrevem o modo como tem se sentido na que apresenta um dos maiores índices de desenvolvi-
última semana. mento humano do Brasil – e a maior parte da amostra

Camacho, R.S.; Cantinelli, F.S.; Ribeiro, C.S.; Cantilino, A.; Gonsales, B.K.; Braguittoni, E.; Rennó Jr., R. Rev. Psiq. Clín. 33 (2); 92-102, 2006
97

(72%) foi composta por mulheres com renda familiar relacionamento com seus filhos e, por conseqüencia, no
média-alta ou alta. Como os baixos índices de desenvol- desenvolvimento deles (Riguetti-Veltema et al., 2002).
vimento de algumas regiões brasileiras implicam baixa Deve-se, portanto, avaliar cada caso com especial
escolaridade, um fato também comum na periferia das atenção, a fim de estabelecer-se a melhor estratégia de
grandes metrópoles, a própria autora do estudo sugere tratamento para cada situação em particular, da maneira
a validação da EPDS em outras regiões e com amostras mais precoce possível.
de classes média e média-baixa para completar a análise
do instrumento no Brasil. Opções de tratamento
Assim, foi realizado estudo de validação da EPDS,
em Recife, com 120 puérperas, 60 delas de um serviço Pesquisas têm utilizado técnicas de tratamento psico-
público e 60 de um serviço privado. A sensibilidade foi farmacológico, psicossocial, psicoterápico e tratamen-
de 94%, a especificidade, de 85%, o valor preditivo nega- tos hormonais, além da eletroconvulsoterapia (ECT),
tivo, de 99%, mas o valor preditivo positivo foi baixo, 48% indicada para casos mais graves ou refratários a outras
(Cantilino et al., 2003). formas de tratamento. A maioria das inter venções
A PDSS também teve uma tradução sistematizada psicossociais e hormonais tem-se mostrado pouco
e foi submetida a estudo de validação no Brasil. Nesse eficiente. Entretanto, resultados de estudos focados
estudo, 120 puérperas foram avaliadas (60 num serviço sobre psicoterapia interpessoal, estratégias cognitivo-
público e 60 num serviço privado). A PDSS apresentou comportamentais e intervenções farmacológicas têm-se
sensibilidade de 94%, especificidade de 95%, valor predi- evidenciado eficientes.
tivo positivo de 75% e valor preditivo negativo de 99%. Os
resultados presentes confirmam sua validade da PDSS
Uso de psicofármacos durante gestação
na população brasileira para rastreamento de depressão
pós-parto (Cantilino, 2003; Cantilino et al., no prelo). e lactação
A decisão de oferecer tratamentos biológicos às ges-
Importância do diagnóstico e tantes é um processo decisório complexo que envolve
tratamento precoces uma interação constante entre paciente, família, obste-
tra e psiquiatra. Estabelecer uma aliança terapêutica é
O infanticídio e o suicídio estão entre as complicações fundamental. A confiança que a gestante deposita em
mais graves decorrentes de transtornos puerperais sem seus médicos certamente minimizarará qualquer per-
intervenção adequada. No entanto, a existência de trans- calço, principalmente os efeitos colaterais que podem
tornos psiquiátricos não só no puerpério, mas também na ocorrer durante o tratamento. Essa decisão sempre
gestação, pode levar a outras graves conseqüências. deve levar em conta, como sua mola mestra, a relação
Mulheres com diagnóstico de esquizofrenia ou risco-benefício.
depressão maior apresentaram elevado risco para Wisner et al. (2000) publicaram uma importante
complicações na gravidez, trabalho de parto e período revisão ressaltando o tema. Entre os vários conceitos
neonatal. Entre essas complicações, há anormalidades levantados por essa equipe estavam a essencialidade
placentárias, hemorragias e sofrimento fetal. Mulheres do consentimento informado e o respeito pelos valores
com esquizofrenia apresentam risco elevado para desco- e pelas preferências da paciente por parte do médico,
lamento prematuro de placenta e, mais freqüentemente, que sempre colocará com clareza sua experiência na
tiveram filhos com baixo peso ao nascer. Essas crianças discussão, ou seja, o médico oferece suporte e soluções
também apresentaram malformações cardiovasculares aos problemas levantados, já que a paciente é convocada
e menor circunferência encefálica do que os filhos de a participar da melhor forma possível da decisão, que,
mães saudáveis (Jablensky et al., 2005). em geral, deixa inteiramente a cargo do médico.
Seng et al. (2001) constataram que mulheres porta- Diante de uma história clínica a mais completa pos-
doras de transtorno de estresse pós-traumático apresen- sível, as opções de tratamento são oferecidas, incluindo-
tavam risco elevado para gravidez ectópica, abortamento se a de não tratar. Entre as opções estão os tratamentos
espontâneo, hiperemese gravídica, contrações uterinas biológicos (os medicamentos são descritos levando-se
prematuras e crescimento fetal excessivo. em consideração a sua eficácia e os riscos particula-
O relacionamento mãe-filho também demonstrou res para mãe e feto). Os possíveis riscos envolvem
estar prejudicado quando foram avaliadas 507 mães e toxicidade fetal, considerando-se a morte intra-uterina,
seus filhos, aos 3 meses de idade. Os filhos de mães malformações físicas, prejuízo de crescimento, teratoge-
que apresentaram diagnóstico de depressão pós-parto nicidade comportamental e toxicidade neonatal.
tinham dificuldades para dormir e se alimentar. Apre- Algo que deve ser mencionado com veemência à
sentavam também prejuízos de interação corporal com gestante é que o fato de não tratar poderá trazer muito
o ambiente e sorriso social diminuído. Essas pacientes mais danos ao feto, pelo que haverá, devido ao estresse,
queixavam-se com muita freqüência de cansaço exces- efeito sobre o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, com au-
sivo, o que acabava refletindo de forma negativa no mento de cortisóides e danos ao produto conceptual.

Camacho, R.S.; Cantinelli, F.S.; Ribeiro, C.S.; Cantilino, A.; Gonsales, B.K.; Braguittoni, E.; Rennó Jr., R. Rev. Psiq. Clín. 33 (2); 92-102, 2006
98

Situações extremas, como tentativa ou risco hipotensivos sobre a mãe, o que indicaria preferên-
elevado de suicídio ou um estado psicótico no qual a cia pela desipramina (risco C), já que a nortriptilina
paciente não responde, até mesmo do ponto de vista tem risco D. Os inibidores seletivos da recaptura da
legal, pelos seus atos, tenderão à decisão de medicação serotonina (IRSS), em geral, também têm tido sua se-
compulsória. gurança bem estabelecida ao longo do tempo, embora
Como o risco de teratogenicidade é a principal preo- tenham, obviamente, menos tempo de mercado que
cupação da gestante, a Food and Drug Administration os tricíclicos. A “irmã mais velha”, fluoxetina, é larga-
(FDA), órgão norte-americano que controla alimentos e mente usada e tem risco B; alguma restrição ficaria
fármacos, estabeleceu uma classificação, segundo esse por conta de sua meia-vida bastante longa, ou seja,
risco, para cada psicofármaco: numa eventual necessidade de retirada, a droga ainda
• Risco A: estudos controlados não demonstram permaneceria algum tempo no organismo. A paroxe-
risco. Estudos adequados e bem controlados em tina, que até recentemente era bastante utilizada em
gestantes não têm demonstrado ou evidenciado gestantes, teve a sua segurança contestada em artigo
nenhum risco ao feto. de Williams e Wooltorton (2005), que apontaram risco
• Risco B: sem evidência de risco em humanos. Ou teratogênico bastante importante para essa droga, que
os achados em animais demonstram risco, mas os está sendo reclassificada como risco D, devendo ser,
achados em humanos não, ou se estudos adequa- portanto, utilizada em último caso. Particularmente
dos em humanos não têm sido realizados, achados seguros e cada vez mais utilizados são a sertralina e o
em animais são negativos. citalopram, com o estabelecimento de sua segurança
• Risco C: risco não pode ser excluído. Faltam cada vez maior (risco B). A fluvoxamina tem risco C,
estudos em humanos, e os estudos em animais assim como o escitalopram, embora não haja relato de
são positivos para o risco fetal ou estão ausentes teratogenicidade para essa droga.
também. Contudo, potenciais benefícios podem Os inibidores da monoaminooxidase (IMAOs)
justificar o risco potencial. também têm risco B atribuído, seus efeitos hipotensores,
• Risco D: evidência positiva de risco. Dados em particular da tranilcipromina, além da própria ques-
de investigação ou relatados, posteriormente, tão dietética, seriam restritivos. Venlafaxina, mirtazapina
mostram risco ao feto. Ainda assim, potenciais e reboxetina têm classificação C, e seu uso em gestação
benefícios podem ter mais valor que o risco em também tem aumentado. Duloxetina é uma droga muito
potencial. recente e não encontraria uma classificação ainda apro-
• Risco X: contra-indicação absoluta em gravidez. priada. A opção antidepressiva de risco A seria o uso do
Estudos em animais ou humanos de investigação, triptofano, de eficácia discutível.
ou relatados posteriormente, mostram um risco
fetal que claramente suplanta qualquer possível Estabilizadores do humor e anticonvulsivantes
benefício à paciente. O carbonato de lítio (risco D) é bem associado a mal-
formações, em particular cardiovasculares – especial-
Dessa maneira, é fácil concluir que o tempo que mente a anomalia de Ebstein –, e o seu uso é proibido
uma determinada medicação possui no mercado, ou no primeiro trimestre. Pode ser utilizado nos segundo
seja, a experiência a ela associada, é fundamental nessa e terceiro trimestres com muita indicação, esgotadas
classificação, e a segurança oferecida pelas medicações outras possibilidades. Carbamazepina e oxcarbazepina
mais novas muitas vezes ainda não pode ser traduzida têm risco C associado, mas parecem ser a melhor op-
em relação ao seu uso em gravidez. ção, particularmente para o primeiro trimestre, já que o
valproato/divalproato atravessa facilmente a placenta e
Particularidades de cada classe de tem sido ligado a algumas malformações, em particular
psicofármacos a espinha bífida (risco D). Fenitoína também tem risco
D, pois também atravessa a membrana fetal e é asso-
Descrever o risco inerente a cada droga de cada grupo ciada a síndrome fetal hidantoínica, caracterizada por
psicofarmacêutico seria longo e fugiria em parte do retardo do crescimento, retardo mental, defeitos faciais,
contexto deste artigo. Concentra-se atenção nas mais hirsurtismo, anomalias cardiovasculares, geniturinárias
conhecidas e usadas. Os dados usados a seguir são do e gastrointestinais. Fenobarbital tem clara implicação
Commitee on Drugs of American Academy of Pediatrics teratogênica (risco D). Lamotrigina e vigabatrina têm
(2000) e de Bazire (2002). relativamente pouco tempo de uso, e a classificação é
C. Topiramato também é C, embora demonstre alguma
Antidepressivos teratogenicidade em ratos.
Os antidepressivos tricíclicos estão há muito tempo em
uso e, portanto, a sua segurança tem sido estabeleci- Antipsicóticos
da ao longo dos anos, particularmente a amitriptilina Os antipsicóticos de gerações mais recentes têm, em
(risco B). A questão pode ficar por conta dos efeitos geral, a preferência no tratamento, em especial por sua

Camacho, R.S.; Cantinelli, F.S.; Ribeiro, C.S.; Cantilino, A.; Gonsales, B.K.; Braguittoni, E.; Rennó Jr., R. Rev. Psiq. Clín. 33 (2); 92-102, 2006
99

eficácia em sintomas negativos. Destes, a risperidona Tratamento hormonal


usufrui de mais tempo no mercado, e riscos não lhe
têm sido atribuídos, embora ainda apresente risco C. O tratamento hormonal nos transtornos do humor é
Quetiapina e olanzapina também têm alguma segurança muito antigo, e atualmente o uso de estrógenos sublin-
associada (risco C), pois não se fez ainda nenhuma asso- guais e transdérmicos, como o 17-B estradiol tem sido
ciação de teratogenicidade. A quetiapina é a menos estu- testado no tratamento da depressão pós-parto (Murray,
dada até o momento, mas pode ser interessante por sua 1996). Embora esses relatos proponham que o uso de
falta de ação sobre a prolactina, assim como a clozapina estrógenos tenha bons resultados, apenas números
(risco B), particularmente segura, mas com a limitação modestos de melhora sintomática foram apresentados.
da farmacovigilância relacionada à agranulocitose, além Acredita-se que os estrógenos atuem pela interação
de efeitos hipotensores e grande sedação. O haloperidol com receptores do núcleo e de membranas celulares
e as fenotiazinas (levomepromazina, clorpromazina) (McEwen, 1999). A ação desses hormônios sobre
apresentam segurança relativamente bem estabeleci- receptores de membrana representaria um papel im-
da, pelo tempo de mercado que possuem (risco B). O portante na síntese, na liberação e no metabolismo de
haloperidol chegou a ser usado, em doses baixas, como neurotransmissores, como a noradrenalina, a dopamina,
alternativa para hiperemese gravídica. Possíveis limita- a serotonina e a acetilcolina (Stahl, 2001). Os estrógenos
ções podem residir nos efeitos colaterais. também agiriam sobre neuropeptídeos (por exemplo,
fator de liberação de corticotrofinas [CRF], neuropep-
Benzodiazepínicos tídeo Y [NPY]), influenciando também a modulação de
Têm tido alguma teratogenicidade associada, embora os outras atividades, como a termorregulação em centros
dados sejam controversos pela sua freqüente associação hipotalâmicos, e o controle da saciedade, do apetite e
com álcool e drogas ilícitas. Alprazolam não traz relatos da pressão arterial sangüínea. Assim, em períodos de
formais de teratogenicidade (risco C). Clordiazepóxido variações abruptas dos níveis de estrógenos circulantes,
(risco D) atravessa a placenta e tem sido relacionado à ocorreria maior vulnerabilidade para o desenvolvimento
teratogenicidade, em particular se usado nos primeiros de transtornos psíquicos na mulher, particularmente de
42 dias da gestação. Diazepam e lorazepam são asso- cognição e do humor.
ciados de forma costumeira, quando usados no último Em relação à utilização de doses suprafisioló-
trimestre, a recém-nascidos hipotônicos ou com lenti- gicas de estrogênios, são necessários mais estudos
ficação de respostas, incluindo o reflexo para mamar; que comprovem sua eficácia em mulheres que estão
por isso, seriam classificados como risco D. Clonazepam amamentando. Essa modalidade de tratamento não é
apresenta relativa segurança e recebe a classificação a primeira escolha ao se considerarem riscos e benefí-
C. Dos demais benzodiazepínicos, não se têm muitas cios do tratamento estrogênico para mulheres em fase
informações estabelecidas. reprodutiva.

Uso de psicofármacos durante a lactação Psicoterapia


Atualmente, muitos antidepressivos estão sendo estu- Muitas mulheres abandonam ou não aceitam o trata-
dados em relação à lactação, e os ISRS foram os menos mento farmacológico quando descobrem estar grávidas,
presentes no leite materno. Entre eles, a sertralina e a pa- e conforme a história de evolução e menor gravidade
roxetina parecem ser as melhores alternativas (Haberg e da doença, a psicoterapia pode ser uma boa opção de
Matheson, 1997). Também foram consideradas seguras tratamento.
(de baixo risco) as seguintes drogas: sulpirida, a maioria A psicoterapia também pode ser uma aliada no que
dos tricíclicos, triptofano, moclobemida, benzodiazepí- diz respeito a medidas de descontinuação ou redução de
nicos em dose baixa e única, zolpidem, carbamazepina, dose no tratamento farmacológico, diminuindo o risco
valproato em doses baixas e fenitoína. de recaídas ou os sintomas depressivos na gestação.
Drogas como haloperidol, fenotiazinas em baixas No entanto, é importante ressaltar que não é adequado
doses, IMAOS, mirtazapina, ISRS, trazodona, benzo- descontinuar a farmacoterapia em casos mais graves ou
diazepínicos e betabloqueadores foram consideradas recorrentes. Episódios depressivos leves ou depressão
de risco moderado. menor podem ter boa resposta ao tratamento psicoterá-
A clozapina é contra-indicada pelo risco de agra- pico, sendo benéfico às pacientes e ao feto tentar inicial-
nulocitose, e estudos realizados em animais detecta- mente o tratamento não farmacológico nesses casos.
ram-na no leite. Antipsicóticos de última geração ainda Newport et al. (2002) realizaram um estudo com
têm poucos estudos, devendo-se então não utilizá-los. 576 mulheres no pós-parto. Foram estudadas as abor-
Deve-se evitar também o uso do carbonato de lítio pelo dagens psicoterápicas mais significativas na redução
risco de toxicidade no bebê. Ainda há poucos estudos da sintomatologia nesses casos e verificaram-se duas
relacionados aos novos antidepressivos para que possam modalidades mais efetivas: a psicoterapia interpessoal,
ser utilizados com segurança (Botega et al., 2006). que foca o seu trabalho nos sintomas depressivos da

Camacho, R.S.; Cantinelli, F.S.; Ribeiro, C.S.; Cantilino, A.; Gonsales, B.K.; Braguittoni, E.; Rennó Jr., R. Rev. Psiq. Clín. 33 (2); 92-102, 2006
100

paciente e no seu relacionamento com o mundo, assim Eletroconvulsoterapia (ECT)


como o rompimento da barreira interpessoal; e a terapia
cognitivo-comportamental (TCC), que tem como objeti- Gestantes severamente deprimidas, com idéias suicidas,
vo ajudar o paciente a solucionar seus comportamentos quadros de mania, catatonia ou psicose podem neces-
e cognições disfuncionais por meio da aprendizagem e sitar de internação e, com freqüência, o tratamento de
escolha nesses casos é a ECT. Duas revisões recentes
da reestruturação cognitiva.
constataram que seu uso é seguro e eficaz durante a
A TCC tem como base avaliar quais são as idéias, os
gestação. Em uma revisão com 300 casos tratados com
pensamentos e as emoções que a pessoa possui sobre si ECT durante a gestação, publicados nos últimos 50 anos,
mesma e que se encontram distorcidos, provocando uma houve relato de quatro trabalhos de parto prematuros
cadeia de reações comportamentais disfuncionais. apenas. Não houve nenhum caso de ruptura prematura
Em pacientes deprimidos, é comum aparecerem re- de placenta (Nonacs e Cohen, 2002).
latos de idéias, pensamentos e sentimentos que acabam Pesquisas recentes sugerem que o risco é mínimo
deixando o paciente com humor alterado, refletindo-se durante a gravidez, tanto em relação à própria ECT
assim diretamente na vida dele e dos que o rodeiam. Es- quanto aos medicamentos utilizados durante o procedi-
ses pensamentos denominados automáticos são o cerne mento, fazendo da ECT um recurso útil no tratamento
da teoria cognitivo-comportamental. A mudança desses de transtornos psiquiátricos em gestantes. Maletzky
pensamentos, muitas vezes distorcidos da realidade, faz (2004) realizou um estudo de revisão de 27 casos, des-
com que o paciente com depressão passe a reavaliar sua crevendo que, em 4 destes, a condição de gestante foi a
condição e reestruturar seu cotidiano. principal indicação para a escolha de ECT como medida
No caso das mulheres que apresentam depressão terapêutica, escolha esta realizada em função da segu-
pós-parto, é extremamente comum apresentarem pensa- rança do método em relação aos riscos que podem haver
mentos e sentimentos relacionados a questões referen- quando ocorrem transtornos depressivos nessa fase. A
tes aos cuidados do bebê e à sua situação atual. Dessa ECT seria um procedimento adequado também como
maneira, a atuação da TCC visa avaliar e reestruturar tais alternativa à farmacoterapia convencional às mulheres
que não poderiam ser expostas a determinados tipos
cognições que refletem em seu comportamento.
de medicações durante a gravidez, ou àquelas que não
Meager (1996) detectou melhora significativa em
responderam ao tratamento farmacológico.
gestantes e puérperas que foram submetidas à TCC em
grupos de terapia, baseando-se nas escalas de Edinbur-
gh, no Inventário de Beck para Depressão e no Profile
Conclusão
of Mood States. Os transtornos psiquiátricos na gestação e no puer-
Spinelli e Endicott (2003) realizaram um estudo pério são mais comuns do que se imagina, e muitos
com gestantes, comparando dois grupos diferentes: o casos ainda são subdiagnosticados. Tem-se dado
primeiro foi submetido a técnicas de educação familiar e importância crescente ao tema, e pesquisas recentes
o segundo, à psicoterapia interpessoal. As mulheres do têm focado também o prejuízo que essas patologias
segundo grupo foram submetidas a sessões semanais podem ocasionar não só à saúde da mãe, mas também
de 45 minutos, durante 16 semanas. Obtiveram-se os se- ao desenvolvimento do feto, ao trabalho de parto e à
guintes resultados: baseando-se na escala de Edinburgh, saúde do bebê. Múltiplos fatores de risco estão envol-
notou-se melhora em 11,8% das pacientes submetidas a vidos, mas a etiologia exata ainda não foi estabelecida.
técnicas de educação familiar e em 33,3% das mulheres Esses transtornos costumam acometer pacientes que
submetidas à psicoterapia interpessoal. Em relação já tenham história de patologia psiquiátrica prévia,
à escala de Hamilton, notou-se melhora em 29,4% no portanto, uma boa medida de prevenção é o tratamento
primeiro e 52,4% no segundo grupo, respectivamente. adequado desses episódios. As medidas de tratamento
Tendo-se como base o Inventário de Depressão de Beck, ainda são amplamente discutidas, devendo-se levar em
houve melhora em 23,5% das pacientes do primeiro consideração a relação risco–benefício, sendo, assim,
grupo, enquanto 52,4% das pacientes submetidas à o bom senso do médico um aliado importante quanto
psicoterapia interpessoal melhoraram. à escolha do tratamento nesses casos.

Camacho, R.S.; Cantinelli, F.S.; Ribeiro, C.S.; Cantilino, A.; Gonsales, B.K.; Braguittoni, E.; Rennó Jr., R. Rev. Psiq. Clín. 33 (2); 92-102, 2006
101

Referências bibliográficas

AREIAS, M.E. et al. - Comparative incidence of depression in CANTILINO, A. et al. - Validação da Escala de Depressão Pós-
women and men, during pregnancy and after childbirth. parto de Edinburgh (versão em postuguês) no Nordeste
Validation of the Edinburgh Postnatal Depression Scale in do Brasil. In: Resumos do XXI Congresso Brasileiro de
Portuguese mothers. Br J Psychiatry 169 (1): 30-35, 1996. Psiquiatria. XXI Congresso Brasileiro de Psiquiatria,
AUSTIN, M.P. et al. - Antenatal screening for the prediction 2003, Goiânia.
of postnatal depression: validation of a psychosocial CANTILINO, A. et al. - Translation, validation and cultural
Pregnancy Risk Questionnaire. Acta Psychiatr Scand aspects of Postpartum Depression Screening Scale in
112 (4): 310-317, 2005. Brazilian Portuguese. Transcult Psychiatry (no prelo).
BAZIRE, S. - Psychotropic drug directory. Reino Unido: Quay CHAUDRON, L.H; PIES, R.W. - The relationship between pos-
Books, 2002. tpartum psychosis and bipolar disorder: a review. J Clin
BECK, C.T. - The lived experience of postpartum depression: a Psychiatry 64 (11): 1284-1292, 2003.
phenomenological study. Nurs Res 41 (3): 166-170, 1992. CLARK, G. - Discussing emotional health in pregnancy: the
BECK, C.T. - Postpartum depressed mothers’ experiences inte- Edinburgh Postnatal Depression Scale. Br J Community
racting with their children. Nurs Res 45 (2): 98-104, 1996. Nurs 5 (2): 91-98, 2000.
BECK, C.T. - A checklist to identify women at risk for develop- COMMITEE ON DRUGS OF AMERICAN ACADEMY OF PEDIATRICS. - Use of
ing postpartum depression. J Obstet Gynecol Neonatal psychoactive medication during pregnancy and possible
Nurs 27 (1): 39-46, 1998. effects on the fetus and newborn. Pediatrics 105 (4 Pt.
BECK, C.T.; GABLE, R.K. - Postpartum Depression Screening 1): 880-887, 2000.
Scale: development and psychometric testing. Nurs Res COX, J.L.; HOLDEN, J.M.; SAGOVSKY, R. - Detection of postnatal
49 (5): 272-282, 2000. depression: Development of the 10-item Edinburgh
BECK, C.T.; GABLE, R.K. - Comparative analysis of the perfor- Postnatal Depression Scale. Br J Psychiatry 150:
mance of the Postpartum Depression Screening Scale 782-786, 1987.
with two other depression instruments. Nurs Res 50 (4): ELETROCONVULSOTERAPIA. In: PsiqWeb. Disponível em: www.
242-250, 2001. psiqweb.med.br. Revisto em 2005.
BENNETT, H.A. et al. - Prevalence of depression during EPPERSON, C.N. - Postpartum major depression: detection
pregnancy: systematic review. Obstet Gynecol 103 (4): and treatment. Am Fam Physician 59 (8): 2247-2254,
698-709, 2004. 2259-2260, 1999.
BLOCH, M.; DALY, R.C.; RUBINOW, D.R. - Endocrine factors in the FERGERSON, S.S.; JAMIESON, D.J.; LINDSAY, M. - Diagnosing
etiology of postpartum depression. Compr Psychiatry 44 postpartum depression: can we do better? Am J Obstet
(3): 234-246, 2003. Gynecol 186 (5): 899-902, 2002.
BLOCH, M. et al. - Risk factors associated with the develop- GODFROID, I.O. et al. - Sleep during postpartum depression.
ment of postpartum mood disorders. J Affect Disord 88 Encephale 23 (4): 262-266, 1997.
(1): 9-18, 2005. GOLD, L.H. - Postpartum disorders in primary care: diagnosis
BOTEGA, N.J. et al. - Prática psiquiátrica no hospital geral: and treatment. Prim Care 29 (1): 27-41, 2002.
interconsulta e emergência. 2.ed. Porto Alegre: Artmed, HABERG, M., MATHESON, I. - Antidepressive agents and breast
pp. 341-354, 2006. feeding. Tidsskr Nor Laegeforen 117 (27): 3952-3955, 1997.
BOYCE, P.; HICKEY, A. - Psychosocial risk factors to major HENDRICK, V. et al. - Postpartum and nonpostpartum de-
depression after childbirth. Soc Psychiatry Psychiatr pression: differences in presentation and response
Epidemiol 40 (8): 605-612, 2005. Disponível em: www. to pharmacologic treatment. Depress Anxiety 11 (2):
springerlink.com. 66-72, 2000.
BUIST, A.E. et al. - To screen or not to screen – That is the HOLCOMB JR, W.L. et al. - Screening for depression in preg-
question in perinatal depression. Med J Aust 177 (suppl): nancy: characteristics of the Beck Depression Inventory.
101-105, 2002. Obstet Gynecol 88 (6): 1021-1025, 1996.
CANTILINO, A. - Tradução para o português e estudo de vali- JABLENSKY, A.V. et al. - Pregnancy, delivery, and neonatal
dação da Postpartum Depression Screening Scale na complication in a population cohort of women with schi-
população brasileira. Dissertação (Mestrado). Univer- zophrenia and major affective disorders. Am J Psychiatry
sidade Federal de Pernambuco, Recife, 2003. 162 (1): 79-91, 2005.

Camacho, R.S.; Cantinelli, F.S.; Ribeiro, C.S.; Cantilino, A.; Gonsales, B.K.; Braguittoni, E.; Rennó Jr., R. Rev. Psiq. Clín. 33 (2); 92-102, 2006
102

JENNINGS, K.D. et al. - Thoughts of harming infants in depres- ROSS, L.E. et al. - Measurement issues in postpartum depres-
sed and nondepressed mothers. J Affect Disord 54 (1-2): sion part 1: anxiety as a feature of postpartum depres-
21-28, 1999. sion. Arch Women Ment Health 6 (1): 51-57, 2003.
JOSEFSSON, A. et al. - Prevalence of depressive symptoms in RYAN, D.; MILIS, L.; MISRI, N. - Depression during pregnancy.
late pregnancy and postpartum. Acta Obstet Gynecol Canadian Family Physician/Le Médecin de famille cana-
Scand 80 (3): 251-255, 2001. dien 51: 1087-1093, 2005.
LABAD, J. et al. - Female reproductive cycle and obsessive- SANTOS, M.F.; MARTINS, F.C.; PASQUALI, L. - Escala de auto-
compulsive disorder. J Clin Psychiatry 66 (4): 428-435, registro de depressão pós-parto: estudo no Brasil. In:
quiz 546, 2005. Gorenstein, C.; Andrade, L.H.; Zuardi, A.W. (eds.). Escalas
MALETZKY, B.M. - Related articles, links. The first-line use of de Avaliação Clínica em Psiquiatria e Psicofarmacologia.
eletroconvulsive therapy in major affective disorders. J São Paulo: Lemos, pp. 97-101, 2000.
ECT 20 (2): 112-117, 2004. SENG, J.S. et al. - Posttraumatic stress disorder and pregnan-
MC EWEN, B.S- Related Articles, Links. Clinical review 108: cy complications. Obstet Gynecol 97 (1): 17-22, 2001.
The molecular and neuroanatomical basis for estrogen SCHMIEGE, S.; RUSSO, N.F. - Depression and unwanted first
effects in the central nervous system. J Clin Endocrinol pregnancy: longitudinal cohort study. BMJ 331 (7528):
Metab 84(6): 1790-7, 1999. 1303, 2005.
MEAGER, I.; MILGROM, J. - Group treatment for postpartum SHOLOMSKAS, D.E. et al. - Postpartum onset of panic disorder:
depression: a pilot study. Aust N Z J Psychiatry 30 (6): a coincidental event? J Clin Psychiatry 54 (12): 476-480,
852-860, 1996. 1993.
MURRAY, D. - Related articles, links - Estrogen and postnatal SPINELLI, M.G. - Maternal infanticide associated with mental
depression. Lancet 347 (9006): 918-919, 1996. illness: prevention and the promise of saved lives. Am J
NEWPORT, D.J. et al. - The treatment of postpartum depres- Psychiatry 161 (9): 1548-1557, 2004.
sion: minimizing infant exposures. J Clin Psychiatry 63 SPINELLI, M.G.; ENDICOTT, J. - Controlled clinical trial of inter-
(suppl. 7): 31-44, 2002. personal psychotherapy versus parenting education pro-
NONACS, R.; COHEN, L.S. - Postpartum mood disorders: diagno- gram for depressed pregnant women. Am J Psychiatry
sis and treatment guidelines. J Clin Psychiatry 59 (suppl. 160 (3): 555-562, 2003.
2): 34-40, 1998. STAHL, S.M- Related Articles, Links. Natural estrogen as an
NONACS, R.; COHEN, L.S. - Postpartum psychiatric syndromes. antidepressant for women. J Clin Psychiatry 62(6): 404-5,
In: Sadock, B.J.; Sadock, V.A. (eds.) Kaplan & Sadock’s 2001. PMID: 11465515 (Pub Med-indexed for Medline).
Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7.ed. Filadélfia: SZIGETHY, E.M.; RUIZ, P. - Depression among pregnant adoles-
Lippincott Williams & Wilkins, pp. 1276-1283, 2000. cents: an integrated treatment approach. Am J Psychia-
NONACS, R; COHEN, L.S. - Depression during pregnancy: diag- try 158 (1): 22-27, 2001.
nosis and treatment options. J Clin Psychiatry 63 (suppl. UGARIZA, D.N. - Screening for postpartum depression. J
7): 24-30, 2002. Psychosoc Nurs Ment Health Serv 38 (12): 44-51, 2000.
NORTHCOTT, C.J.; STEIN, M.B. - Panic disorder in pregnancy. J WILLIAMS, K.E.; KORAN, L.M. - Obsessive-compulsive disorder
Clin Psychiatry 55 (12): 539-542, 1994. in pregnancy, the puerperium, and the premenstruum. J
O’HARA, M.W.; SWAIN, A.M. - Rates and risk of postpartum de- Clin Psychiatry 58 (7): 330-334, 1997.
pression – A meta-analysis. Int Rev Psych 8: 37-54, 1996. WILLIAMS, M.; WOOLTORTON, E. - Paroxetine (Paxil) and congeni-
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (ORG.). Classificação de Transtor- tal malformations. CMAJ 173 (11): 1320-1321, 2005.
nos Mentais e de Comportamento da CID-10: Descrições WISNER, K.L. et al. - Obsessions and compulsions in women
Clínicas e Diretrizes Diagnósticas. Tradução de Dorgival with postpartum depression. J Clin Psychiatry 60 (3):
Caetano. Porto Alegre: Artes Médicas, p. 191, 1993. 176-180, 1999.
RIGHETTI-VELTEMA, M. et al. - Postpartum depression and mo- WISNER, K.L. et al. - Risk-benefit decision making or treatment
ther-infant relationship at 3 months old. J Affect Disord of depression during pregnancy. Am J Psychiatry 157:
70 (3): 291-306, 2002. 1933-1940, 2000.

Camacho, R.S.; Cantinelli, F.S.; Ribeiro, C.S.; Cantilino, A.; Gonsales, B.K.; Braguittoni, E.; Rennó Jr., R. Rev. Psiq. Clín. 33 (2); 92-102, 2006
Revisão da literatura

Transtornos psiquiátricos no pós-parto


Postpartum psychiatric disorders
Amaury Cantilino1, Carla Fonseca Zambaldi1, Everton Botelho Sougey2, Joel Rennó Jr.3
1 Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
2 Departamento de Neuropsiquiatria da UFPE.
3 Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).

Recebido: 29/7/2009 – Aceito: 27/10/2009

Resumo
Objetivo: O pós-parto é um período de alterações biológicas, psicológicas e sociais. Essa é considerada a época mais vulnerável para a ocorrência de transtornos
psiquiátricos. A disforia puerperal, a depressão pós-parto e a psicose pós-parto têm sido classicamente relacionadas ao pós-parto. Atualmente, tem sido observado
que os transtornos ansiosos também estão associados a esse período. Método: Neste artigo é feita uma revisão da bibliografia acerca de transtornos psiquiátricos
no pós-parto a partir de artigos encontrados no PubMed e no SciELO entre os anos de 2000 e 2009. Livros, teses e outros artigos considerados relevantes citados
no material consultado também foram incluídos. Resultados: A disforia puerperal ocorre em 50% a 85% das mulheres, o quadro é leve e transitório e não requer
tratamento. A depressão pós-parto tem prevalência em torno de 13%, pode causar repercussões negativas na interação mãe-bebê e em outros aspectos da vida da
mulher e deve ser tratada. A psicose pós-parto é rara, aparecendo em cerca de 0,2% das puérperas. Tem quadro grave que envolve sintomas psicóticos e afetivos,
havendo risco de suicídio e infanticídio e geralmente requerendo internação hospitalar. Os transtornos ansiosos podem ser exacerbados ou precipitados no pós-
parto, especialmente o transtorno de ansiedade generalizada, o transtorno de estresse pós-traumático e o transtorno obsessivo-compulsivo. Conclusão: Apesar
de não serem reconhecidos como entidades diagnósticas pelos sistemas classificatórios atuais, os transtornos mentais no puerpério apresentam peculiaridades
clínicas que merecem atenção por parte de clínicos e pesquisadores.

Cantilino A, et al. / Rev Psiq Clín. 2010;37(6):278-84


Palavras-chave: Transtornos psiquiátricos, pós-parto, depressão, ansiedade, psicose.

Abstract
Objective: The postpartum period is marked by biological, psychological and social changes. Women are considered most susceptible to psychiatric disorders
during the postpartum period. Puerperal blues, postpartum depression and postpartum psychosis have been classically associated to the postpartum. Anxiety
disorders have also recently been associated to this period. Method: The present article reports a review of the literature on postpartum psychiatric disorders based
on articles found on the PubMed and SciELO databases, published between 2000 and 2009. Relevant books, theses and other articles cited in the articles found
were also included in this review. Results: Puerperal dysphoria occurs in 50% to 85% of women following childbirth and is typically mild and transient in nature
and requires no treatment. Postpartum depression has a prevalence rate of around 13% and can have negative repercussions on mother-infant interaction and
other life events and must therefore be treated. Postpartum psychosis is rare, occurring in approximately 0.2% of puerperium cases. This condition is severe with
psychotic and affective symptoms as well as risk of suicide and infanticide. Postpartum psychosis patients generally require hospital treatment. Anxiety disorders
may be exacerbated or precipitated during the postpartum, particularly generalized anxiety disorder, post-traumatic stress disorder and compulsive-obsessive
disorder. Discussion: Although not recognized as distinct diagnostic entities under current classification systems, mental disorders during the puerperium
present clinical features which warrant the attention of clinicians and researchers.

Cantilino A, et al. / Rev Psiq Clín. 2010;37(6):278-84


Keywords: Psychiatric disorders, postpartum, depression, anxiety, psychosis.

Introdução pessoa indefesa, sofre privação de sono e isolamento social. Além


disso, é preciso reestruturação da sexualidade, da imagem corporal
Transtornos psiquiátricos associados ao puerpério têm sido identifi- e da identidade feminina7.
cados há muito tempo1. Nos séculos XVII e XVIII, relatos de casos de Dentre todas as fases da vida da mulher, o pós-parto é o perío­
“insanidade puerperal” começaram a aparecer na literatura médica do de maior vulnerabilidade para o aparecimento de transtornos
francesa e alemã. Em 1818, Jean Esquirol foi o primeiro a fornecer psiquiátricos8. Apesar de não serem reconhecidas como entidades
dados detalhados e quantitativos de 92 casos de psicose puerperal distintas nos sistemas classificatórios atuais, a disforia puerperal, a
retirados dos seus estudos na Salpétrière. O médico francês Victor depressão pós-parto e a psicose pós-parto têm sido consideradas
Louis Marcé, em 1856, sugeriu que mudanças fisiológicas associadas transtornos relacionados ao pós-parto. Atualmente, além dessas
ao puerpério influenciavam o humor materno2,3. três categorias diagnósticas, os transtornos ansiosos no pós-parto
No puerpério, ocorrem bruscas mudanças nos níveis dos hormô- também têm sido estudados.
nios gonadais, nos níveis de ocitocina e no eixo hipotálamo-hipófise- Esta revisão procura fazer atualização sobre os transtornos psí-
adrenal4-6, que estão relacionados ao sistema neurotransmissor. Além quicos no pós-parto. Os artigos consultados para elaboração deste
das alterações biológicas, a transição para a maternidade é marcada texto foram selecionados a partir de busca no Medline-PubMed e
por mudanças psicológicas e sociais. No puerpério há necessidade de no SciELO. Foram utilizados e cruzados os descritores “depression”,
reorganização social e adaptação a um novo papel, a mulher tem um “anxiety”, “psychosis” e “psychiatric disorders” com “postpartum” e
súbito aumento de responsabilidade por se tornar referência de uma “postnatal”, entre os anos 2000 e 2009. Livros, teses e outros artigos

Instituição onde o trabalho foi elaborado: Programa de Saúde Mental da Mulher da Universidade Federal de Pernambuco e Pró-Mulher da Universidade de São Paulo.
Endereço para correspondência: Amaury Cantilino. Av. Domingos Ferreira, 2160, sala 108 – 51111-020 – Recife, PE. Telefax: (81) 3463-4706. E-mail: cantilino@hotmail.com
Cantilino A, et al. / Rev Psiq Clín. 2010;37(6):278-84 289

considerados relevantes citados no material consultado também rada e requerendo mais de uma medicação27. As mulheres com DPP
foram incluídos. têm mais chance de apresentar episódios depressivos posteriormente
e principalmente novos episódios de DPP28.
Disforia puerperal A prevalência da DPP varia entre 10% e 20%; essa taxa pode
variar dependendo da cultura, do período e do método utilizado
Na década de 1960, pesquisadores descreveram uma condição no diagnóstico19.
chamada disforia puerperal (maternity blues ou postpartum blues). Dez estudos estimaram a prevalência da DPP no Brasil22,29-37.
Eles observaram que, após alguns dias do parto, grande parte das Foram encontradas taxas de 7,2% a 43%. Essa grande variação, pro-
mulheres apresentava choro com facilidade e que esse choro não vavelmente, deve-se a fatores culturais e aos instrumentos utilizados
tinha relação com sentimento de tristeza. Notaram que essas mulhe- para o diagnóstico. A maioria dos estudos utilizou a Edinburgh
res apresentavam empatia exacerbada e ficavam com sensibilidade Postnatal Depression Scale (EPDS), uma escala de rastreamento
excessiva à rejeição9-11. largamente encontrada em pesquisas de DPP. Esses dados são mos-
A disforia puerperal é considerada a forma mais leve dos quadros trados na tabela 1.
puerperais e pode ser identificada em 50% a 85% das puérperas, Os fatores de risco fortemente associados à DPP são história
dependendo dos critérios diagnósticos utilizados12,13. Os sintomas pessoal de depressão22,36,38,39, episódio depressivo ou ansioso na gesta-
geralmente se iniciam nos primeiros dias após o nascimento do bebê, ção40, eventos de vida estressantes, pouco suporte social e financeiro
atingem um pico no quarto ou quinto dia do pós-parto e remitem e relacionamento conjugal conflituoso36,39. Outros prováveis fatores
de forma espontânea em no máximo duas semanas13. Seu quadro de risco são história familiar de transtornos psiquiátricos e episódio
inclui choro fácil, labilidade afetiva, irritabilidade e comportamento de maternity blues38,40, características de personalidade28, padrões de
hostil para com familiares e acompanhantes. Algumas mulheres cognição negativos41 e baixa autoestima42. Também estão associados
podem apresentar sentimentos de estranheza e despersonalização e complicações obstétricas, parto prematuro, fatores culturais, história
outras podem apresentar elação. Mulheres com disforia pós-parto de abuso sexual ou de relação conflituosa com a mãe e gravidez não
não necessitam de intervenção farmacológica. A abordagem é feita desejada19,39,43.
no sentido de manter suporte emocional adequado, compreensão e São considerados fatores de proteção o otimismo, elevada auto-
auxílio nos cuidados com o bebê14-16. estima, boa relação conjugal, suporte social adequado e preparação
física e psicológica para as mudanças advindas com a maternidade19.
Depressão pós-parto (DPP) A DPP pode causar significativas repercussões na qualidade
de vida, na dinâmica familiar e na interação mãe-bebê. Mães com
Apesar de a psicose pós-parto ser familiar à maioria dos clínicos já no DPP, quando comparadas às mães não deprimidas, gastam menos
final do século XIX, foi a partir da década de 1950 que começaram a tempo olhando, tocando e falando com seus bebês e apresentam
aparecer estudos incluindo quadros moderados de transtornos do hu- mais expressões negativas que positivas44. Elas se expressam menos
mor. Um dos primeiros estudos foi o realizado por Brice Pitt em 1968. face a face45 e são menos afetivas na interação com o bebê46. Mães
Ele descreve o quadro clínico de 33 mulheres com depressão no pós- deprimidas podem interromper a amamentação mais precoce-
parto e propõe classificá-la como “depressão atípica”, por ter encontrado mente39 e lidar com seus bebês de forma indecisa, pouco afetuosa
uma porcentagem delas com escores altos para neuroticismo17. e confusa por lhes faltarem habilidades de resolução de problemas
A maioria dos pesquisadores do assunto utiliza o termo depressão ou a persistência necessária para estabelecer interações afetivas com
pós-parto (DPP) para designar qualquer episódio depressivo que suas crianças47. Outro aspecto desse relacionamento diz respeito à
ocorra nos meses que se seguem ao nascimento do bebê, havendo amamentação, momento de forte interação e intimidade entre a mãe
estudos que consideram dois meses, três meses, seis meses, e até um e o bebê. Um estudo brasileiro avaliou a associação entre depressão
ano18. Geralmente, o quadro inicia-se entre duas semanas até três pós-parto e lactação. Foi uma coorte de 429 bebês acompanhados
meses após o parto19, ocorrem humor deprimido, perda de prazer e a partir do 20º dia de nascimento no Rio de Janeiro que observou
interesse nas atividades, alteração de peso e/ou apetite, alteração de um risco maior de interrupção do aleitamento materno exclusivo no
sono, agitação ou retardo psicomotor, sensação de fadiga, sentimento primeiro e segundo meses após o parto para aquelas crianças cujas
de inutilidade ou culpa, dificuldade para concentrar-se ou tomar mães estavam deprimidas48. Quando os sintomas depressivos já são
decisões e até pensamentos de morte ou suicídio. intensos no início do período puerperal, parece haver chance ainda
No quadro clínico da depressão nessa época da vida são obser- maior de suspensão do aleitamento49.
vadas algumas peculiaridades20, dentre elas a alta probabilidade de Os bebês são vulneráveis ao impacto da depressão materna,
comorbidade com sintomas ansiosos21,22 e obsessivo-compulsivos23-25, porque dependem muito da qualidade dos cuidados e da responsi-
a menor incidência de suicídio26 e a resposta terapêutica mais demo- vidade emocional da mãe50. Quanto mais grave e persistente for a

Tabela 1. Prevalência de depressão pós-parto no Brasil


Autores Cidade Prevalência (%) Número de mulheres Período de avaliação Instrumento utilizado
avaliadas (pós-parto)
Da-Silva et al.30 São Gonçalo – RJ 43 21 Até o 6º mês EPDS > 12
Ruschi et al.34 Vitória – ES 39 292 31º ao 180º dia EPDS > 11
Cruz et al. 32 São Paulo – SP 37 70 12ª a 16ª semana EPDS > 11
Tannous et al.29 Porto Alegre – RS 21 271 6ª a 8ª semana EPDS > 12
Correia36 João Pessoa – PB 21 202 2ª semana ao 12°mês EPDS > 11
Moraes et al.33 Pelotas – RS 19 410 30º ao 45º dia Escala de Depressão de
Hamilton > 17
Faisal-Cury et al.35 São Paulo – SP 16 113 10º dia Beck Depression Inventory
Cantilino et al.37 Recife – PE 16 120 2ª a 26ª semana PDSS > 102
Santos et al.31 Brasília – DF 13 236 6ª a 24ª semana EPDS > 12
Cantilino22 Recife – PE 7,2 400 2ª a 26ª semana SCID-I
EPDS: Edinburgh Postnatal Depression Scale; PDSS: Postpartum Depression Screening Scale; SCID-I: Structured Clinical Interview for DSM-IV Axis I Disorders.
290 Cantilino A, et al. / Rev Psiq Clín. 2010;37(6):278-84

DPP materna, maior a chance de prejuízos na relação mãe-bebê e investigados nos quadros de psicose pós-parto comportamento
de repercussões no desenvolvimento da criança45. Bebês de mães de- negligente nos cuidados com o bebê e ideias suicidas e infanticidas66.
primidas quando comparados aos de não deprimidas exibem menos Entre os fatores de risco para psicose puerperal, estão a primi-
afeto positivo e mais afeto negativo, têm menor nível de atividade e paridade, complicações obstétricas72,73 e antecedentes pessoais ou
menos vocalizações, costumam distanciar o olhar, apresentam mais familiares de transtornos psiquiátricos, sobretudo outros transtornos
aborrecimentos, protestos mais intensos, mais expressões de tristeza e psicóticos74.
raiva, menos expressões de interesse e uma aparência depressiva com Quanto ao prognóstico, observa-se que cerca de 20% têm remis-
poucos meses de idade51. Os bebês se aconchegam pouco, têm pouca são completa do quadro e não apresentam recorrências75. Estudos
reciprocidade com suas mães e expressão emocional diminuída, são sugerem que há recorrência de novo episódio de psicose pós-parto
irritados e choram mais, têm mais problemas de alimentação e sono em 18% a 37% das mulheres e que pode haver episódio subsequente,
e menor desenvolvimento motor52. Estudos de follow-up com crian- fora do pós-parto, de algum transtorno psicótico ou afetivo em 38%
ças de mães com DPP demonstram que essas crianças têm menos a 81% das mulheres76,74.
segurança afetiva53, apresentam maior incidência de distraibilidade, Como o quadro da psicose pós-parto é grave, geralmente é neces-
alterações de comportamento, atraso no desenvolvimento cognitivo sária internação hospitalar. Causas orgânicas devem ser excluídas e o
e transtornos afetivos54-57. tratamento deve ser o mesmo que o recomendado para transtornos
Estudos têm sugerido que a queda rápida dos hormônios psicóticos agudos74,77.
gonadais que ocorre no pós-parto está implicada na exacerbação
e precipitação dos transtornos de humor, pois o estrogênio e a
progesterona estão associados à regulação de diversos sistemas de Transtornos ansiosos
neurotransmissão, incluindo o serotonérgico5. Outros hormônios O pós-parto tem sido identificado como um período de precipita-
neurorreguladores também têm sido estudados, como prolactina, ção ou exacerbação dos transtornos ansiosos. Num recente estudo
ocitocina, cortisol, hormônios tireoidianos, com resultados não realizado em Recife, onde 400 puérperas foram entrevistadas com a
conclusivos4,58. MINI (Mini International Neuropsychiatric Interview)78, foi observado
O uso de medicação antidepressiva é a primeira linha no trata- que cerca de 30% delas apresentaram pelo menos um transtorno de
mento. Apesar de poucos estudos avaliarem o uso de antidepressivos ansiedade. Os mais prevalentes foram o transtorno de ansiedade
especificamente na DPP, eles têm se mostrado, na prática clínica, generalizada (16,5%), a fobia social (11,2%) e o transtorno obsessivo-
eficazes e essenciais no tratamento. Numa revisão sistemática, feita compulsivo (9,0%)22.
por Dennis e Stewart59, havia três estudos abertos, com grupos pe-
quenos e sem grupo de controle, que avaliavam eficácia da sertralina,
fluvoxamina e venlafaxina na DPP, e em todos eles foi observada Transtorno de ansiedade generalizada (TAG)
melhora dos sintomas depressivos59.
A terapia cognitivo-comportamental (TCC) também tem sido O transtorno de ansiedade generalizada (TAG) ainda tem sido
bastante avaliada em DPP. Em 1997, foi publicado o primeiro grande pouco estudado no pós-parto. Em uma pesquisa nos Estados
estudo nesse sentido. Oitenta e sete puérperas deprimidas foram Unidos, 68 puérperas com oito semanas de pós-parto foram
separadas em quatro grupos que receberam: placebo, fluoxetina, entrevistadas utilizando-se a SCID (Structured Clinical Interview
TCC mais placebo e TCC mais fluoxetina. Observou-se que os for DSM-IV Disorders) e foi observada taxa de prevalência de
grupos usando fluoxetina, TCC e fluoxetina mais TCC foram todos 4,4% de TAG79. Outro estudo do mesmo grupo, usando metodo-
superiores ao que recebeu apenas placebo. Contudo, nenhum des- logia semelhante, mas desta vez com 147 mulheres examinadas,
ses três grupos foi superior entre si60. Sugere-se, assim, que a TCC encontrou prevalência de 8,2%80. Parte considerável desses casos
pode ser tão eficaz quanto o antidepressivo, mas que a junção dos pode ser desencadeada especificamente no pós-parto. Um estudo
dois não oferece vantagem estatisticamente significativa. Foi isso australiano conduzido com 408 puérperas encontrou incidência
que mostrou também outro estudo canadense, desta vez usando de 1,9% a 3,1% nesse período, utilizando a Diagnostic Interview
a paroxetina61. A TCC também parece ser eficaz na prevenção de Schedule (DIS)81. Sugere-se, inclusive, que eventualmente pode
DPP quando aplicada em grávidas com sintomatologia depressiva haver uma prevalência maior de TAG em puérperas do que na
mais exuberante62. população geral82. O quadro clínico envolve a presença persistente
Uma peculiaridade, nessa época da vida da mulher, é o aleita- de ansiedade ou preocupações excessivas. As preocupações en-
mento. A maioria das medicações é excretada no leite materno e, por volvem diversos eventos e atividades de vida e são acompanhadas
questões éticas, não há estudos controlados avaliando a exposição de sintomas como inquietação, fadigabilidade, dificuldade para
do recém-nascido. Em geral, têm sido verificados poucos riscos e se concentrar, irritabilidade, tensão muscular e perturbação do
efeitos colaterais nos lactantes expostos a antidepressivos tricíclicos sono83. Um estudo mostrou que, somadas as taxas de TAG com
ou inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS)63,64. critérios cheios e de TAG subsindrômica, se chega a percentagem
de 32,3%79. Desse modo, diferenças nas taxas de prevalência podem
Psicose pós-parto ser encontradas, dependendo do rigor na aferição dos critérios
diagnósticos em diferentes instrumentos utilizados.
A psicose pós-parto é o transtorno mental mais grave que pode
ocorrer no puerpério. Ela tem prevalência de 0,1% a 0,2% (sendo
esse percentual maior em casos de mulheres bipolares)65, usual- Fobia social
mente é de início rápido e os sintomas se instalam já nos primeiros
dias até duas semanas do pós-parto66. Os sintomas iniciais são A fobia social no período perinatal também foi pouco estudada.
euforia, humor irritável, logorreia, agitação e insônia67. Aparecem, Um estudo de prevalência de ponto na oitava semana de pós-parto
então, delírios, ideias persecutórias, alucinações e comportamento estimou a taxa de fobia social entre 4,1% e 15,0%, dependendo
desorganizado, desorientação, confusão mental, perplexidade e do critério utilizado80. No estudo realizado por Cantilino, a pre-
despersonalização. valência foi de 11,2%22. Esse dado nacional é compatível com o
O quadro psicótico no pós-parto é uma situação de risco para a encontrado na literatura e mais um pouco acima do encontrado
ocorrência de infanticídio68. Um estudo feito na Índia com mulheres em contexto fora do pós-parto, como num estudo brasileiro que
internadas com quadros psicóticos no pós-parto revelou que 43% mostrou prevalência de 7,9%84. É compreensível que o puerpério
delas tinham ideias infanticidas69. O infanticídio geralmente ocorre seja um agravante para as portadoras desse transtorno ou para
quando ideias delirantes envolvem o bebê, como ideias de que o bebê mulheres com quadros subsindrômicos, já que nesse período elas
é defeituoso ou está morrendo, de que o bebê tem poderes especiais têm de lidar com um aumento de contatos sociais. Profissionais de
ou de que o bebê é um deus ou um demônio70,71. Devem ser sempre saúde diversos, familiares do parceiro e pessoas presentes em sua
Cantilino A, et al. / Rev Psiq Clín. 2010;37(6):278-84 291

residência para ajudar nos cuidados com o bebê são algumas das Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT)
exposições que podem levar as mulheres a ficarem embaraçadas e
temerosas de críticas. Apenas recentemente o transtorno de estresse pós-traumático
(TEPT) tem sido relacionado ao pós-parto. O DSM-IV define evento
traumático como um “evento catastrófico envolvendo morte ou lesão
Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) real ou ameaçada, ou ameaça à integridade física de si mesma, sendo
caracterizada por intenso medo, impotência ou horror”99. Assim,
Há vários estudos retrospectivos que têm verificado que o puerpério advoga-se que partos em que a mulher vivencia situações como dor
é o principal evento de vida relacionado ao desencadeamento ou à intensa e prolongada, procedimentos obstétricos de urgência, expe-
exacerbação do transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), prova- riência de ter sido humilhada pela equipe médica, medo de morte ou
velmente devido às alterações hormonais e psicossociais próprias morte do feto ou recém-nascido, percepção de anomalia congênita
desse período85-89. Mas ainda poucos estudos estimam a prevalência no bebê, entre outras, podem ser considerados fatores traumáticos
do TOC especificamente no pós-parto. Wenzel et al.90, avaliando que eventualmente podem desencadear o TEPT100.
mulheres com oito semanas de pós-parto, encontrou prevalência A prevalência relatada de TEPT causada por eventos do periparto
de TOC em 2,6% delas90. varia de 1,5% a 5,6%22,101,102. O pico de prevalência parece ocorrer na
No estudo de Cantilino, foi encontrada prevalência de 9%, e em sexta semana de pós-parto, havendo uma diminuição das taxas ao
2,3% o TOC teve início no pós-parto22. Essa taxa foi considerada longo dos cinco meses seguintes101. Os casos de TEPT no pós-parto
acima da esperada pelo pesquisador e um aspecto relacionado ao obviamente não se devem exclusivamente a eventos relacionados
andamento da coleta de dados deve ser ressaltado: o projeto utilizou ao periparto. Um estudo recente com puérperas pesquisou outros
a mesma amostra de um outro intitulado “Sintomas obsessivo- eventos de vida além dos eventos relacionados à gravidez, ao parto
compulsivos na depressão pós-parto”. Nesse outro projeto, houve a e ao puerpério e observou que os primeiros pareciam ainda mais
aplicação de um checklist para pesquisa de várias obsessões e com- frequentemente relacionados aos sintomas103. De qualquer modo, o
pulsões. Isso pode ter sensibilizado tanto os entrevistadores como TEPT no pós-parto pode afetar a decisão da mãe quanto a ter outros
as puérperas quanto ao que estava sendo avaliado ao serem feitas as filhos no futuro, além de interferir na lactação e no desenvolvimento
perguntas sobre TOC na MINI. do vínculo mãe-bebê104. Sendo assim, precisa ser revestido de mais
atenção tanto por parte dos clínicos como dos pesquisadores. Sugere-
O conteúdo das obsessões e compulsões no pós-parto comumen-
se que apareçam no Brasil estudos pesquisando o TEPT no pós-parto
te envolve o bebê. São frequentes pensamentos obsessivos agressivos
secundário a experiências de violência doméstica e também urbana
contra o recém-nascido, tais como medo de deixar o bebê cair no
durante a gravidez comparando-o com o ocorrido fora do período
chão, impulso de jogar água fervendo sobre o bebê, de jogá-lo contra perinatal, já que a mulher tende a vivenciar esse período com mais
a parede, pensamento intrusivo de colocar o bebê no forno, imagens vulnerabilidade emocional.
recorrentes do bebê morrendo sufocado no berço, sendo picado
por insetos ou sofrendo um acidente ou sangrando91,92. É necessário
salientar que a ocorrência de pensamentos obsessivos agressivos Perspectivas futuras
contra o bebê não está relacionada com comportamentos infantici- Os sistemas classificatórios atuais não distinguem os transtornos
das. Pensamentos obsessivos são intrusivos, não reconhecidos como psiquiátricos no pós-parto. O 4º Manual Diagnóstico e Estatístico
pensamentos que se esperaria ter, causam ansiedade e desconforto e de Transtornos Mentais (DSM-IV) apenas recomenda o especifica-
a pessoa tenta resistir a eles, ignorá-los ou neutralizá-los. dor “com início no pós-parto”, a ser utilizado quando o início dos
sintomas ocorre dentro dessas quatro semanas após o parto99, e a 10ª
Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento (CID-10),
Transtorno do pânico no capítulo denominado “Síndromes comportamentais associadas a
O transtorno do pânico, ao longo da gravidez, tem seu curso transtornos fisiológicos e fatores físicos”, codificada como F53, deve
variável, com alguns autores sugerindo uma diminuição dos seus ser usada apenas para o transtorno iniciado dentro de seis semanas
sintomas, enquanto outros relatam que não há modificação 93. após o parto e quando se considera que aspectos clínicos adicionais
Durante o pós-parto, no entanto, não parece haver dúvida de especiais estão presentes, os quais fazem a classificação em outros
que ocorre exacerbação dos sintomas do transtorno preexistente locais inapropriada105. O período de pós-parto para início do trans-
e também alta taxa de aparecimento dos sintomas pela primeira torno definido pelo DSM-IV e pela CID-10 não corresponde com o
que tem sido descrito e estudado. Além disso, a não distinção dessas
vez94,95. Num estudo com a participação de 64 mulheres portadoras
entidades nosológicas pode colaborar para a desatenção e o não
de transtorno do pânico, verificou-se que 10,9% delas tiveram o
reconhecimento pelos clínicos desses transtornos que apresentam
início da sintomatologia nas primeiras 12 semanas de pós-parto.
peculiaridades clínicas. Por isso, há propostas de modificação nas
Essa taxa é consideravelmente maior do que a esperada para um
classificações dos transtornos psiquiátricos no pós-parto para o
período outro qualquer de 12 semanas, cerca de 0,92%96. Cantilino DSM-V e a CID-11106,107.
observou prevalência de 3,3%22. Admite-se que a maior emergência Satra Bruk, em uma conferência na Suécia em 1999108, fez algu-
de crises de pânico durante o puerpério não seja simplesmente mas sugestões quanto à revisão das classificações diagnósticas. Ela cita
uma coincidência. Entre mulheres com história de transtorno do que: (a) Deveria ser introduzido um especificador “com início até três
pânico anterior à gravidez, aumento significativo da gravidade ou da meses após o parto” que pudesse ser incluído a qualquer transtorno
frequência dos ataques durante o pós-parto parece ser um achado do humor, psicótico ou de ajustamento; (b) Deveria ser excluído o
consistente; isso tende a ocorrer em cerca de 31% a 63% dessas capítulo F53 (“Transtornos mentais e comportamentais associados
mulheres94,97. Numa série de 22 casos de portadoras de transtorno ao puerpério, não classificados em outro local”) da próxima edição
do pânico estudadas prospectivamente, observou-se que a exacer- da CID; (c) No DSM, deveria ser incluída uma categoria diagnóstica
bação de sintomas nesse período pode ocorrer mesmo naquelas de transtorno psicótico que apresentasse como sintomatologia: (c.1)
mulheres que ficam livres de sintomas durante a gravidez. Algumas quadro de início abrupto; (c.2) com dois ou mais dos seguintes: labili-
mulheres podem já apresentar certo aumento sintomatológico no dade de humor, delírios não característicos de transtornos do humor
final da gravidez. Uma vez que alterações fisiológicas associadas ou esquizofrenia, flutuações rápidas, perplexidade, confusão, deso-
à gestação podem resultar em ocasionais taquicardias, sudorese, rientação; (c.3) não preenche critérios para esquizofrenia, episódio
tonturas e encurtamento da capacidade para inspirar, elas podem depressivo ou maníaco; (d) Uma categoria diagnóstica de depressão
interpretar esses sintomas de maneira catastrófica e ter crises de subsindrômica deveria ser introduzida aos transtornos de humor,
pânico completas ou incompletas98. permitindo o especificador com início após o parto. Outra opinião
292 Cantilino A, et al. / Rev Psiq Clín. 2010;37(6):278-84

quanto aos sistemas classificatórios é a de Ian Brockington, que 23. Jennings KD, Ross S, Popper S, Elmore M. Thoughts of harming infants in
sugere que “transtorno da interação mãe-bebê” seja incluído como depressed and nondepressed mothers. J Affect Disord. 1999;54(1-2):21-8.
um diagnóstico específico. Ele justifica referindo que esse transtorno 24. Wisner KL, Peindl KS, Gigliotti T, Hanusa BH. Obsessions and com-
pode ocorrer desproporcionalmente ao quadro depressivo que esteja pulsions in women with postpartum depression. J Clin Psychiatry.
acometendo a mulher ou mesmo na ausência de depressão; ele tem 1999;60(3):176-80.
uma etiologia específica, mais relacionada à gestação não desejada; 25. Zambaldi CF, Cantilino A, Sougey EB. Obsessive-compulsive symptoms in
e também tem consequências e tratamentos próprios106. postpartum depression: case reports. Rev Psiquiatr RS. 2008;30(2):155-8.
A revisão dos sistemas classificatórios em psiquiatria, quanto 26. Lindahl V, Pearson JL, Colpe L. Prevalence of suicidality during pregnancy
and the postpartum. Arch Womens Ment Health. 2005;8(2):77-87.
aos transtornos psiquiátricos no pós-parto, pode chamar a atenção
27. Hendrick V, Altshuler L, Strouse T, Grosser S. Postpartum and non-
dos clínicos quanto ao reconhecimento de tal problema, levando a
postpartum depression: differences in presentation and response to
diagnósticos e tratamentos mais precisos. Além disso, colocaria a clas-
pharmacologic treatment. Depress Anxiety. 2000;11(2):66-72.
sificação nosográfica em harmonia com a pesquisa científica vigente. 28. Josefsson A, Larsson C, Sydsjo G, Nylander PO. Temperament and
character in women with postpartum depression. Arch Womens Ment
Referências Health. 2007;10(1):3-7.
29. Tannous L, Gigante LP, Fuchs SC, Busnello ED. Postnatal depression in
1. Kendell RE, Chalmers JC, Platz C. Epidemiology of puerperal psychosis. Southern Brazil: prevalence and its demographic and socioeconomic
Br J Psychiatry. 1987;150:662-73. determinants. BMC Psychiatry. 2008;8:1.
2. Rehman AU, St Clair D, Platz C. Puerperal insanity in the 19th and 20th 30. Da-Silva VA, Moraes-Santos AR, Carvalho MS, Martins ML, Teixeira NA.
centuries. Br J Psychiatry. 1990;156:861-5. Prenatal and postnatal depression among low income Brazilian women.
3. Nonacs R, Cohen LS. Postpartum psychiatric syndromes. In: Kaplan, Braz J Med Biol Res. 1998;31(6):799-804.
Sadock’s, editors. Comprehensive textbook of psychiatry. Philadelphia: 31. Santos MFS, Martins FC, Pasquali L. Escalas de autoavaliação de depres-
Lippincott Williams & Wilkins; 2000, p. 1276-83. são pós-parto: estudo no Brasil. Rev Psiquiatr Clín. 1999;26(2):32-40.
4. Hendrick V, Altshuler LL, Suri R. Hormonal changes in the postpar- 32. Cruz EBS, Simões GL, Faisal-Cury A. Rastreamento da depressão pós-
tum and implications for postpartum depression. Psychosomatics. -parto em mulheres atendidas pelo Programa de Saúde da Família. Rev
1998;39(2):93-101. Bras Ginecol Obstet. 2005;27(4):181-8.
5. Glover V. Do biochemical factors play a part in postnatal depression? 33. Moraes IG, Pinheiro RT, Silva RA, Horta BL, Sousa PL, Faria AD. [Pre-
Prog Neuropsychopharmacol Biol Psychiatry. 1992;16(5):605-15. valence of postpartum depression and associated factors]. Rev Saude
6. Belmaker RH, Agam G. Major depressive disorder. N Engl J Med. Publica. 2006;40(1):65-70.
2008;358(1):55-68. 34. Ruschi GEC, Sun SY, Mattar R, Chambô Filho A, Zandonade E, Lima VJ.
7. Cavalcanti MC. Transtornos psiquiátricos associados à gravidez e ao Aspectos epidemiológicos da depressão pós-parto em amostra brasileira.
puerpério. In: Remígio Neto J, Pinheiro LS, editores. Temas de obstetrícia Rev Psiquiatr Rio Gd Sul. 2007;29(3):274-80.
e ginecologia. Recife: Editora Universitária da UFPE; 2001, p. 188-95. 35. Faisal-Cury A, Tedesco JJ, Kahhale S, Menezes PR, Zugaib M. Postpartum
8. Kendell RE, Chalmers JC, Platz C. Epidemiology of puerperal psychoses. depression: in relation to life events and patterns of coping. Arch Womens
Br J Psychiatry. 1987;150:662-73. Ment Health. 2004;7(2):123-31.
9. Moloney J. Postpartum depression or third day depression following 36. Correia ALV. Prevalência e fatores de risco associados à depressão
childbirth. New Orleans Child Parent Digest. 1952;6:20-32. pós-parto em um serviço de referência na cidade de João Pessoa –
10. Robin AA. The psychological changes of normal parturition. Psychiatric Paraíba. [dissertação]. Recife: Universidade Federal de Pernambuco
Quart. 1962;36:129-50. (UFPE); 2006.
11. Yalom ID, Lunde DT, Moos RH, Hamburg DA. “Postpartum blues” 37. Cantilino A, Carvalho JA, Maia A, Albuqueruque A, Cantilino G, Sougey
syndrome: a description and related variables. Arch Gen Psychiatry. EB. Translation, validation and cultural aspects of postpartum depres-
1968;18(1):16-27. sion Screening scale in Brazilian Portuguese. Transcultural Psychiatry.
12. Yonkers KA, Ramin SM, Rush AJ, Navarrete CA, Carmody T, March D, 2007;44(4):672-85.
et al. Onset and persistence of postpartum depression in an inner-city 38. Bloch M, Rotenberg N, Koren D, Klein E. Risk factors associated with
maternal health clinic system. Am J Psychiatry. 2001;158(11):1856-63. the development of postpartum mood disorders. J Affect Disord.
13. Nonacs R, Cohen LS. Postpartum mood disorders: diagnosis and treat- 2005;88(1):9-18.
ment guideline. J Clin Psychiatry. 1998;59(Suppl 2):34-40. 39. Righetti-Veltema M, Conne-Perreard E, Bousquet A, Manzano J. Risk
14. Mello VL. Distúrbios psiquiátricos do pós-parto [dissertação]. Rio de factors and predictive signs of postpartum depression. J Affect Disord.
Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 1987. 1998;49(3):167-80.
15. Rohde LA, Busnello E, Wolf A, Zolmer A, Shansis F, Martins S, et al. 40. Austin MP, Tully L, Parker G. Examining the relationship between
Maternity blues in Brazilian women. Acta Psychiatr Scand. antenatal anxiety and postnatal depression. J Affect Disord. 2007;
1997;95(3):231-5. 101(1-3):169-74.
16. Soares CN. Depressão puerperal, tensão pré-menstrual e depressão na 41. Church NF, Brechman-Toussaint ML, Hine DW. Do dysfunctional
menopausa. In: Lafer B, Almeida OP, Fráguas JR, Miguel EC, editores. cognitions mediate the relationship between risk factors and postnatal
Depressão no ciclo da vida. Porto Alegre: Artmed; 2000, p. 144-6. depression symptomatology? J Affect Disord. 2005;87(1):65-72.
17. Pitt B. “Atypical” depression following childbirth. Br J Psychiatry. 42. Evans J, Heron J, Lewis G, Araya R, Wolke D. Negative self-schemas and
1968;114(516):1325-35. the onset of depression in women: longitudinal study. Br J Psychiatry.
18. Beck CT, Driscoll JW. Postpartum mood and anxiety disorders: a 2005;186:302-7.
clinician’s guide. 1. ed. Sudbury, MA: Jones & Bartlett Publishers; 2006. 43. Moraes IGS, Pinheiro RTP, Silva RA, Horta RLH, Sousa PLR, Faria AD.
19. Pope S, Watts J, Evans S, McDonald S, Henderson J. Postnatal depression: Prevalência da depressão pós-parto e fatores associados. Rev Saude
a systematic review of published scientific literature to 1999. NHMRC. Publica. 2006;40(1):65-70.
Camberra; 2000. 44. Herrera E, Reissland N, Shepherd J. Maternal touch and maternal child-
20. Wiffen VE, Gotlib IH. Comparison of pospartum amd nonpostpartum -directed speech: effects of depressed mood in the postnatal period.
depression: clinical presentation, psychiatric history, and psychosocial J Affect Disord. 2004;81(1):29-39.
functions. J Cons Clin Psychol. 1993;61(3):485-94. 45. Stanley C, Murray L, Stein A. The effect of postnatal depression on
21. Ross LE, Gilbert Evans SE, Sellers EM, Romach MK. Measurement issues mother-infant interaction, infant response to the Still-face perturbation,
in postpartum depression part 1: anxiety as a feature of postpartum and performance on an Instrumental Learning task. Dev Psychopathol.
depression. Arch Womens Ment Health. 2003;6(1):51-7. 2004;16(1):1-18.
22. Cantilino A. Depressão pós-parto: prevalência, pensamentos disfuncio- 46. Hipwell AE, Goossens FA, Melhuish EC, Kumar R. Severe maternal
nais e comorbidade com transtornos ansiosos [tese]. Recife: Universidade psychopathology and infant-mother attachment. Dev Psychopathol.
Federal de Pernambuco; 2009. 2000;12(2):157-75.
Cantilino A, et al. / Rev Psiq Clín. 2010;37(6):278-84 293

47. Teti DM, Gelfand DM. Behavioral competence among mothers of infants 73. Blackmore EM, Jones I, Monica D, Sayeed H, Roger H, Brockington I, et al.
in the first year: the mediational role of maternal self-efficacy. Child Dev. Obstetric variables associated with bipolar affestive puerperal psychosis.
1991;62(5):918-29. Br J Psychiatry. 2006;188(1):32-6.
48. Hasselmann MH, Werneck GL, Silva CV. Symptoms of postpartum 74. Chaudron LH, Pies RW. The relationship between postpartum psychosis
depression and early interruption of exclusive breastfeeding in the first and bipolar disorde: a review. J Clin Psychiatry. 2003;64:1284-92.
two months of life. Cad Saude Publica. 2008;24(Suppl 2):S341-52. 75. Pfuhlmann B, Stoeber G, Beckamann H. Postpartum psychosis: prog-
49. Hatton DC, Harrison-Hohner J, Coste S, Dorato V, Curet LB, McCarron nosis, risk factors, and treatment. Curr Psychiat Rep. 2002;4(3):185-90.
DA. Symptoms of postpartum depression and breastfeeding. J Hum Lact. 76. Robertson E, Jones I, Haque S, Holder R, Craddock N. Risk of puerpe-
2005;21(4):444-9; quiz 50-4. ral and non-puerperal recurrence of illness following bipolar affective
50. Frizzo GB, Piccinini CA. Interação mãe-bebê em contexto de depressão puerperal (post-partum) psychosis. Br J Psychiatry. 2005;186:258-9.
materna: aspectos teóricos e empíricos. Psicologia em Estudo. 2005; 77. Sharma V. Pharmacotherapy of postpartum psychosis. Expert Opin
10:47-55. Pharmacother. 2003;4(10):1651-8.
51. Cohn JF, Matias R, Tronick EZ, Connell D, Lyons-Ruth K. Face-to-face 78. Sheehan DV, Lecrubier Y, Sheehan KH, Amorim P, Janavs J, Weiller E,
interactions of depressed mothers and their infants. New Dir Child Dev. et al. The Mini-International Neuropsychiatric Interview (M.I.N.I.):
1986;(34):31-45. the development and validation of a structured diagnostic psychiatric
52. Field T. Infants of depressed mothers. Inf Behav Dev. 1995;18:1-13. interview for DSM-IV and ICD-10. J Clin Psychiatry. 1998;59(Suppl
20):22-33; quiz 4-57.
53. Campbell SB, Brownell CA, Hungerford A, Spieker SI, Mohan R, Blessing
79. Wenzel A, Haugen EN, Jackson LC, Robinson K. Prevalence of genera-
JS. The course of maternal depressive symptoms and maternal sensitivity
lized anxiety at eight weeks postpartum. Arch Womens Ment Health.
as predictors of attachment security at 36 months. Dev Psychopathol.
2003;6(1):43-9.
2004;16(2):231-52.
80. Wenzel A, Haugen EN, Jackson LC, Brendle JR. Anxiety symptoms
54. Halligan SL, Murray L, Martins C, Cooper PJ. Maternal depression and and disorders at eight weeks postpartum. J Anxiety Disord. 2005;19(3):
psychiatric outcomes in adolescent offspring: a 13-year longitudinal 295-311.
study. J Affect Disord. 2007;97(1-3):145-54. 81. Matthey S, Barnett B, Howie P, Kavanagh DJ. Diagnosing postpartum
55. Grace SL, Evindar A, Stewart DE. The effect of postpartum depression on depression in mothers and fathers: whatever happened to anxiety?
child cognitive development and behavior: a review and critical analysis J Affect Disord. 2003;74(2):139-47.
of the literature. Arch Womens Ment Health. 2003;6(4):263-74. 82. Ross LE, McLean LM. Anxiety disorders during pregnancy and the
56. Hay DF, Pawlby S, Sharp D, Asten P, Mills A, Kumar R. Intellectual postpartum period: a systematic review. J Clin Psychiatry. 2006;67(8):
problems shown by 11-year-old children whose mothers had postnatal 1285-98.
depression. J Child Psychol Psychiatry. 2001;42(7):871-89. 83. American-Psychiatric-Association. DSM-IV-TR – Manual diagnóstico e
57. Sinclair D, Murray L. Effects of postnatal depression on children’s ad- estatístico de transtornos mentais. Association AP, editor. Porto Alegre:
justment to school. Teacher’s reports. Br J Psychiatry. 1998;172:58-63. Artmed; 2002.
58. Boutet C, Vercueil L, Schelstraete C, Buffin A, Legros JJ. [Oxytocin and 84. Rocha FL, Vorcaro CM, Uchoa E, Lima-Costa MF. Comparing the pre-
maternal stress during the post-partum period]. Ann Endocrinol (Paris). valence rates of social phobia in a community according to ICD-10 and
2006;67(3):214-23. DSM-III-R. Rev Bras Psiquiatr. 2005;27(3):222-4.
59. Dennis CE, Stewart DE. Treatment of postpartum depression, part I: 85. Uguz F, Akman C, Kaya N, Cilli AS. Postpartum-onset obsessive-
a critical review of biological interventions. J Clin Psychiatry. -compulsive disorder: incidence, clinical features, and related factors.
2004;65(9):1242-51. J Clin Psychiatry. 2007;68(1):132-8.
60. Appleby L, Warner R, Whitton A, Faragher B. A controlled study of 86. Lanbad J, Menchón JM, Alonso P, Segalàs C, Jiménez S, Vallejo J. Female
fluoxetine and cognitive-behavioural counselling in the treatment of reprodutive cycle and obsessive-compulsive disorder. J Clin Psychiatry.
postnatal depression. BMJ. 1997;314(7085):932-6. 2005;66(4):428-35.
61. Misri S, Reebye P, Corral M, Milis L. The use of paroxetine and cognitive- 87. Maina G, Albert U, Bogetto F, Vaschetto P, Ravizza L. Recent life events
-behavioral therapy in postpartum depression and anxiety: a randomized and obsessive-compulsive disorder (OCD): the role of pregnancy/deli-
controlled trial. J Clin Psychiatry. 2004;65(9):1236-41. very. Psychiatry Res. 1999;89(1):49-58.
62. Cho HJ, Kwon JH, Lee JJ. Antenatal cognitive-behavioral therapy for 88. Altshuler LL, Burt VK, McMullen M, Hendrick V. Breastfeeding and
prevention of postpartum depression: a pilot study. Yonsei Med J. sertraline: a 24-hour analysis. J Clin Psychiatry. 1995;56(6):243-5.
89. Williams K, Koran LM. Obsessive-compulsive disorder in pregancy, the
2008;49(4):553-62.
puerperium, and premenstruum. J Clin Psychiatry. 1997;7:330-4.
63. Payne JL. Antidepressant use in the postpartum period: practical consi-
90. Wenzel A, Haugen EN, Jackson LC, Robinson K. Prevalence of gene-
derations. Am J Psychiatry. 2007;164(9):1329-32.
ralized anxiety at eight weeks postpartum. Arch Women Ment Health.
64. Gentile S. The safety of newer antidepressants in pregnancy and breas-
2003;6(1):43-9.
tfeeding. Drug Saf. 2005;28(2):137-52. 91. Zambaldi CF, Cantilino A, Montenegro AC, Albuquerque TLC, Paes J, Sou-
65. Chaudron LH, Pies RW. The relationship between postpartum psycho- gey EB. Postpartum obsessive-compulsive disorder: prevalence and clinical
sis and bipolar disorder: a review. J Clin Psychiatry. 2003;64(11): characteristics. Compr Psychiatry. 2009;50(6):503-9. Epub 2009 Jan 20.
1284-92. 92. Zambaldi CF. Sintomas obsessivo-compulsivos na depressão pós-parto
66. Sit D, Rothschild AJ, Wisner KL. A review of postpartum psychosis. [dissertação]. Recife: Universidade Federal de Pernambuco; 2008; p. 85.
J Women’s Health. 2006;15(4):352-66. 93. Bandelow B, Sojka F, Broocks A, Hajak G, Bleich S, Ruther E. Panic
67. Heron J, McGuinness M, Blackmore ER, Craddock N, Jones I. Early disorder during pregnancy and postpartum period. Eur Psychiatry.
postpartum symptoms in puerperal psychosis. BJOG. 2008;115(3): 2006;21(7):495-500.
348-53. 94. Cohen LS, Sichel DA, Dimmock JA, Rosenbaum JF. Postpartum course
68. Resnick PL. Child murder by parents: a psychiatric review of filicide. Am in women with preexisting panic disorder. J Clin Psychiatry. 1994;55(7):
J Psychiatry. 1969;126:325-34. 289-92.
69. Prabha CS, Gabesan V, Tinku T. Infanticide ideas and infanticidal beha- 95. Metz A, Sichel DA, Goff DC. Postpartum panic disorder. J Clin Psychiatry.
vior in Indian women with severe postpartum psychiatric disorders. 1988;49(7):278-9.
J Nerv Ment Dis. 2002;90(7):457-61. 96. Sholomskas DE, Wickamaratne PJ, Dogolo L, O’Brien DW, Leaf PJ,
70. Brockington I, Cernik A, Schofield E, Downing AR, Francis AF, Woods SW. Postpartum onset of panic disorder: a coincidental event?
Keelan C. Puerperal psychosis, phenomena and diagnosis. Arch Gen J Clin Psychiatry. 1993;54(12):476-80.
Psychiatry. 1981;38:829. 97. Northcott CJ, Stein MB. Panic disorder in pregnancy. J Clin Psychiatry.
71. Wisner K, Peindl K, Hanusa B. Symptomatology os affective and psychosis 1994;55(12):539-42.
illnesses related to childbearing. J Affective Disord. 1994;30:77-87. 98. Wisner KL, Peindl KS, Hanusa BH. Effects of childbearing on the natural
72. Nager A, Sundquist K, Ramirez-Leoon V, Johansson M. Obstetric com- history of panic disorder with comorbid mood disorder. J Affect Disord.
plicatons and postpartum psychosis: a follow-up study of 1.1 milion 1996;41(3):173-80.
first-time mothers between 1975 and 2003 in Sweden. Acta Psychiatr 99. American Psychiatric Association (APA). Diagnostic and statistical manual
Scand. 2008;117(1):12-9. of mental disorders, text revised, DSM-IV TR. 4th edn. Washington; 2000.
294 Cantilino A, et al. / Rev Psiq Clín. 2010;37(6):278-84

100. Soderquist J, Wijma B, Thobert G, Wiljma K. Risck factors in preg- 104. Reynolds JL. Post-traumatic stress disorder after childbirth: the pheno-
nancy for post-traumatic stress and depression after childbirth. BJOG. menon of traumatic birth. CMAJ. 1997;156(6):831-5.
2009;116:672-80. 105. Organização Mundial de Saúde. Classificação dos transtornos mentais e
101. Ayers S, Pickering AD. Do women get posttraumatic stress disorder as a result de comportamento da CID-10: descrições clínicas e diretrizes diagnós-
of childbirth? A prospective study of incidence. Birth. 2001;28(2):111-8. ticas. Porto Alegre: Artes Médicas; 1993.
102. Creedy DK, Shochet IM, Horsfall J. Childbirth and the development 106. Brockington I. Diagnosis and management of post-partum disoprders:
of acute trauma symptoms: incidence and contributing factors. Birth. a review. World Psychiatry. 2004;3(2):89-95.
2000;27(2):104-11. 107. Cox J. Postnatal mental disorder: towards ICD-11. World Psychiatry.
103. Cohen MM, Ansara D, Schei B, Stuckless N, Stewart DE. Posttraumatic 2004;3(2):96-7.
stress disorder after pregnancy, labor, and delivery. J Womens Health 108. Elliott SA. Report on the Satra Bruk workshop on yhe classification
(Larchmt). 2004;13(3):315-24. of postnatal mental disorders. Arch Womens Ment Health. 2000;
3:27-33.
Análise Psicológica (1998), 3 (XVI): 405-413

Ansiedades perinatais em mulheres


com gravidez de risco e em mulheres
com gravidez normal

PAULA ISABEL RATO (*)

INTRODUÇÃO res, modificações fisiológicas e estados emo-


cionais peculiares, justifica a presença normal
A maternidade é um acontecimento e uma de um certo grau de ansiedade.
função extremamente valorizada na nossa socie-
dade, atribuindo-se-lhe um grande significado -
a capacidade de fecundar e conceber. 1. A GRAVIDEZ
A gravidez é considerada por muitos autores
como um período de crise que envolve mudanças Segundo Bibring e col. (1961), a crise da gra-
muito profundas a nível somático, endócrino e videz é um período essencial do crescimento e
psicológico, e envolve por isso mesmo reajusta- integração maturativa da mulher, existindo varia-
mentos e reestruturações a vários níveis. Apesar ções individuais de acordo com a estrutura da
de ser um momento de crise, a gravidez é um personalidade, grau pessoal de ajustamento ao
acontecimento normal do desenvolvimento e início da gravidez e ainda com a constelação fa-
podemos dizer que é essencial e deve preceder e miliar e seu enquadramento. Esta crise é, no
preparar a integração maturacional. O período entanto, um acontecimento normal no desenvol-
que se inicia com a gravidez não termina com o vimento, podendo mesmo dizer-se que é essen-
parto dado que grandes mudanças maturacionais cial e deve preceder e preparar a integração ma-
ocorrem no pós-parto; o puerpério deve ser turacional.
considerado como uma continuação da situação Segundo Brazelton (1981) muita da ansiedade
de transição, implicando novas mudanças fisio- pré-natal e distorções das fantasias maternas
lógicas, consolidação da relação pais/filho, mo- podem ser mecanismos saudáveis de ajustamento
dificações de rotina e relacionamento familiar. O a um novo equilíbrio psicológico e as reacções
facto de a gravidez constituir uma situação crí- de alarme podem constituir uma espécie de tra-
tica, implicando naturalmente uma maior vulne- tamento de choque susceptivel de contribuir
rabilidade e desorganização dos padrões anterio- para a organização da mulher face ao seu novo
papel.
Quanto a ansiedade, Soifer (1986) defende
(*) Psicóloga Clínica. que existem fases em que há um aumento especí-

405
fico da ansiedade: no começo da gestação, du- volta dos cinco meses. Mas também pode acon-
rante a formação da placenta, perante a percep- tecer que esta percepção só se dê no sexto ou
ção dos movimentos fetais, aquando da instala- mesmo no sétimo mês; neste caso diz-se que
ção franca dos movimentos, durante a versão in- houve embotamento da percepção que se deve a
terna, no início do 9." mês, nos Últimos dias an- negação. Estas distorções da percepção por ne-
tes do parto. gação ou por projecção, juntamente com as suas
Estes aumentos de ansiedade têm duração va- respectivas fantasias, exprimem um profundo es-
riável e podem traduzir-se por sintomas físicos tado de ansiedade que é comum a todas as grá-
próprios ou até mesmo por aborto ou parto pre- vidas. A ansiedade perante a percepção dos mo-
maturo. vimentos aparece conscientemente de várias ma-
neiras: temor ao filho disforme, medo de morrer
1.1. Primeiro trimestre no parto ou angústia do próprio corpo disforme e
medo de ficar assim.
Um dos primeiros sintomas que geralmente As reacções em relação as alterações corpo-
aparece na mulher grávida é a hipersómnia: há rais são muito variadas podendo ir desde senti-
uma necessidade de dormir mais que o habitual, mentos de orgulho pelo corpo grávido, num ex-
a mulher grávida diminui o seu investimento no tremo, até ao outro extremo que é a sensação de
meio e centra-se sobre si mesma afastando-se que o corpo está deformado.
dos outros. O aumento do sono revela-se, contu- Os sintomas orgânicos neste período vão des-
do, uma defesa adequada uma vez que ao favo- de as náuseas i s dores musculares, às câimbras,
recer a negação dos estímulos internos e exter- perdas ocasionais, enxaquecas, constipação ou
nos proporciona ao organismo um maior repou- diarreia, hipertensão ou hipotensão e lipotimías
so, necessário ao processo que se inicia. A insó- transitórias e ocasionais.
nia deve ser sempre considerada como a expres- É a partir dos cinco meses que se dá a instala-
são de uma situação externa de ansiedade em re- ção franca dos movimentos que vem acompa-
lação i gravidez. nhada de uma percepção maior das contracções
A partir do momento em que há percepção da uterinas fisiológicas da gravidez. Estas contrac-
gravidez, seja de forma consciente ou incons- ções provocam novos acessos de ansiedade que
ciente, instala-se a vivência básica da gravidez reactivam as fantasias referidas anteriormente.
que é a ambivalência. A ambivalência neste segundo trimestre pode
Desde cedo, logo a partir do segundo mês, manifestar-se na interpretação dos movimentos
aparecem as náuseas e os vómitos que se mani- fetais de várias maneiras: a mulher sente alívio
festam geralmente de manhã após o acordar. ao sentir os movimentos uma vez que isso é sinal
Existem muitas teorias mas a mais conhecida de que o feto está vivo, e sente-se ansiosa quan-
acerca destes sintomas é a de que as náuseas e os do não os sente pelo temor de que algo não este-
vómitos se devem a rejeição da gravidez. Segun- ja bem.
do Soifer (1986) foi comprovado clinicamente a
coincidência das náuseas e dos vómitos com a 1.3. Terceiro trimestre
ansiedade causada pela incerteza da existência
ou não de gravidez. É o período em que a mulher se prepara para a
Durante o segundo e terceiro mês dá-se a for- separação que ocorre no momento do parto. O
mação da placenta que também gera algumas nível de ansiedade eleva-se com a proximidade
ansiedades, porque reactiva fantasias de roubo e do parto, e torna-se especialmente agudo nos
esvaziamento. dias que antecedem a data prevista, intensifican-
do-se ainda mais se esta data fôr ultrapassada.
1.2. Segundo trimestre Sentimentos negativos podem facilmente ser
disfarçados em desconforto físico e possíveis ex-
É no segundo trimestre que aparecem os pri- pectativas desagradáveis da experiência do parto.
meiros movimentos fetais, a percepção dos mo- A partir do sétimo mês pode dar-se a inversão
vimentos fetais pode aparecer cerca dos três interna que coloca a criança de cabeça para
meses e meio, no entanto geralmente aparece por baixo. A percepção destes movimentos provoca

406
uma intensa crise de ansiedade que é totalmente A perda de sangue originada pela remoção do
inconsciente e se traduz de diferentes formas endométrio reactiva ansiedades relacionadas
tanto a nível psíquico como somático. Se a crise com a menstruação e correspondentes medos pe-
de ansiedade fôr muito intensa, os músculos la integridade do orgão. A este fenómeno vêm-se
pélvicos podem contrair-se de tal modo que não juntar as sensações resultantes da percepção das
permitem a inversão normal. Normalmente esta contracções de retracção.
crise de ansiedade corresponde a fantasias de es- Uma das maiores ansiedades deste período é a
vazi amento. ansiedade ligada a lactação, a de ter ou não leite.
O oitavo mês pode mesmo ser o período mais Sabemos que a lactação é influenciada pelas
desconfortável da gravidez, uma vez que o bebé emoções através de mecanismos psicossomá-
aí j á atingiu o seu tamanho máximo, mas ainda ticos. A calma, confiança e tranquilidade favo-
não encaixou no pélvis, pronto para ser expulso. recem um bom aleitamento enquanto que o me-
A mulher pode sentir que as suas veias estão do, depressão, tensão, dor, fadiga e ansiedade
inchadas, que lhe é dificil tomar fôlego. podem provocar o seu fracasso. Um ambiente fa-
Quando a gravidez se aproxima do termo, vol- vorável que transmita apoio e encorajamento é
tam a aparecer crises intensas de ansiedade cons- indispensável a jovem mãe.
cientes e em que é expresso o temor a morte no
parto, a dor, ao parto traumático, por forceps ou
cesariana, ao filho disforme e A morte do filho. 4. A GRAVIDEZ DE RISCO

Tradicionalmente, a gravidez e o parto foram


2. O PARTO desde sempre considerados como processos fi-
siológicos naturais, que deveriam acontecer sem
Tal como a gravidez, o parto é um momento problemas para a mãe e para o feto. Contudo,
crítico na vida da mulher marcando o início de sabemos bem que tanto um como outro podem
uma série de mudanças. No entanto, enquanto ser motivo de complicações sérias que, infeliz-
que as mudanças durante a gravidez são lentas e mente, podem conduzir a um aumento da morbi-
graduais, no parto as mudanças são intensas e lidade e mortalidade materno-fetal.
bruscas. Verifica-se uma rápida e nova transfor- Em sentido médico, e muito sinteticamente, a
mação do esquema corporal, alterações profun- Gravidez de Alto Risco prende-se com a inci-
das do ritmo e da rotina familiar com a vinda do dência de patologia de qualquer tipo durante a
bebé e dá-se a separação de dois seres que ante- gravidez, parto ou pós-parto que pode pôr em
riormente estavam unidos. risco o feto, a mãe ou ambos. No campo psico-
O imprevisível, o incontrolável e o desconhe- lógico a Gravidez de Alto Risco tem a ver com
cido são características que fazem do parto um as dificuldades emocionais da mulher, com a sua
momento crítico e no qual surgem muitas ansie- instabilidade afectiva, com os seus desejos, fan-
dades. tasias e vivências.

3. o PUERPÉRIO 5. MORTE FETAL

É um processo de reconhecimento que desper- A morte fetal é um acidente no qual o feto,


ta profundas ansiedades pois graças a ele se de- por motivos vários, morre. A morte fetal distin-
limitam as fantasias surgidas durante a gravidez gue-se do aborto espontâneo na medida em que a
sobre a realidade presente. Se as fantasias in- mulher guarda dentro de si o feto morto antes de
conscientes em relação ao filho foram muito in- o expulsar. Clinicamente consideram-se mortes
tensas, continuarão em certa medida vigentes di- fetais os casos em que há paragem de toda a acti-
ficultando o reconhecimento. vidade cardíaca fetal a partir de 180 dias de ges-
O puerpério corresponde ao período de tempo tação ou 28 semanas após o início da amenor-
que se segue ao parto, durante o qual o útero re- reia.
toma o seu volume normal e se inicia a lactação. A experiência de perda é não só do bebé mas

407
também de todas as esperanças e expectativas de dar a luz um bebé que não seja normal ou de
que ambos os pais criaram, bem como da nova o perder.
imagem do ser que foi elaborada ao longo da Uma maneira vulgar de lidar com o medo e a
gravidez. ansiedade de repetir uma experiência que ante-
Este acidente nem sempre é descoberto ime- riormente foi má é tentar afastar os pensamentos
diatamente após ter ocorrido, muitas vezes só é dela.
detectado alguns dias depois e durante este tem- Os processos envolvidos no luto sadio vão
po a mulher traz dentro de si uma criança morta. conduzir a uma retirada do investimento emo-
Perante o facto de que a criança morreu só há cional do objecto perdido para que possa haver
duas saídas possíveis: ou esperar pelas contrac- um outro investimento num novo objecto. É, por
ções que podem vir só uma ou duas semanas esta razão, indispensável que os pais, particu-
mais tarde, ou fazer a indução do parto. larmente a mãe, façam um trabalho de luto.
Um aspecto interessante nos casos de morte A possível criança que vem a seguir encontra-
fetal é que só muito raramente se encontram -se a partida numa posição muito dificil, ela é
causas físiopatológicas para a morte do feto, e antes de mais um sobrevivente, torna-se um ser
além disto existe de modo relativamente fre- reparador e é investida como tal. Para além disto
quente um aspecto repetitivo: o acidente está é ela que vai ser confrontada com o bebé imagi-
associado a mortes fetais anteriores, a abortos ou nário, podendo mesmo a ser confundida com o
partos prematuros sucessivos ou a história ante- bebé morto.
rior de esterilidade. Quando acontece uma nova gravidez após
É com base nestes aspectos que podemos su- morte fetal ela vai ser acompanhada da lembran-
por que em determinados casos de morte fetal a ça do acidente, este está presente no espírito dos
causa é psicológica. Várias hipóteses têm sido pais mas também no dos médicos que conside-
levantadas mas nenhuma delas foi comprovada: ram esta nova gravidez como alto risco. Em obs-
vão desde o considerar que a morte do feto tetrícia estas gravidezes são objecto de um
ocorreu por falta de desejo por parte da mãe até seguimento particular que deve iniciar-se mesmo
ao extremo de considerar que é o feto que não antes da concepção da criança. Durante estas
quer viver passando pela hipótese de que se tra- gravidezes a angústia é frequentemente impor-
ta de uma perturbação da interacção relaciona1 tante e muitas vezes sem proporção com a rea-
da mãe com o feto. lidade clínica. Apesar disso parece haver nestas
Independentemente da causa da morte do situações uma maior frequência de complicações
feto, o que interessa é que esse acontecimento obstétricas. Por exemplo, a ameaça de expulsão
vai originar uma reacção de sofrimento emocio- prematura é duas vezes mais frequente, a prema-
nal que requer ajustamentos psicológicos, fami- turidade é cinco vezes mais frequente e o baixo
liares e individuais, difíceis de serem aceites e peso a nascença quatro vezes mais frequente.
vividos. Embora a morte de um bebé possa
aproximar os casais, ela introduz tensões na rela-
ção que podem ser demasiado graves para se 6 . O OBJECTIVO DO ESTUDO
conseguirem ultrapassar. A experiência de perda
de um bebé tenderá a projectar a sua sombra so- O objectivo deste trabalho é investigar as an-
bre o que se passará no futuro. Há uma tendência siedades que surgem durante a gravidez, parto e
normal para comparar o andamento de uma puerpério em mulheres que tiveram uma gra-
gravidez com o de gravidezes anteriores. Se a videz considerada de risco por antecedentes de
gravidez anterior teve um fim infeliz, isso vai morte fetal, comparando-as com as das mulheres
ensombrar a prespectiva da gravidez seguinte. que tiveram uma gravidez normal.
Uma mulher que tenha passado por uma expe-
riência de ter um bebé morto, que se sente res-
ponsável ou culpada por isso, pode transferir es- 7. H I P ~ T E S E S
sa culpa para a gravidez seguinte e ficar ansiosa
com medo de ter um trabalho de parto horrível, H1 - O grupo de risco apresenta um nível de

408
ansiedade perinatal significativamente como acontecimento desconhecido, medo das
mais elevado que o grupo normal dores e medo que o bebé não viesse bem. Só no
H2 - O grupo de risco apresenta ansiedades GR é que aparece uma mulher com medo que o
perinatais qualitativamente diferentes do bebé nascesse morto.
grupo normal. Relativamente às ansiedades associadas aos
movimentos fetais os resultados são semelhantes
nos dois grupos: apenas uma mulher do GR e
8. SUJEITOS duas do GN mostram ansiedade referindo o em-
purrar, os pontapés e os movimentos como algo
Ambos os grupos foram constituidos por 6 estranho no início.
mulheres com as seguintes características: au- Quanto ao aleitamento também não há gran-
sência de filhos vivos, nacionalidade portuguesa, des diferenças: apenas uma mulher do GR e uma
raça branca, idade entre os 18 e 40 anos, gravi- do GN referem a preocupação por ter pouco leite
dez a termo, desejada, seguida, ausência de do- e outra do GN acha que tem o leite fraco.
ença fisica ou psiquiátrica grave, coabitação Apenas uma mulher do GN mostra preocupa-
com o companheiro, saber ler e escrever, nível ção por ter de olhar pelo bebé no pós-parto.
social tipo 11, I11 ou IV, bebé saudável com ín-
dice de Apgar > 8 ao 1.O minuto, tempo de recu- 10.2. Análise da escala
peração mãelbebé > 24 horas, parto distócito e
tipo de anestesia. Quanto aos resultados globais da escala veri-
ficamos que existe diferença significativa entre
os dois grupos, mais especificamente, existe
9. MATERIAL maior nível de ansiedade no grupo normal.
Na sub-escala das atitudes e ansiedades em
O material utilizado neste estudo foi uma fí- relação a si, em relação ao feto, em relação ao
I cha de informação onde tomámos nota dos dados pós-parto e em relação ao estabelecimento da
dos sujeitos, uma entrevista semi-directiva e gravidez não se encontraram diferenças signifi-
uma escala de ansiedades perinatais, a Perinatal cativas entre os dois grupos.
Anxieties and Attitudes Scale (Field, 1981) que Onde se encontram diferenças significativas é
avalia as ansiedades referentes as diferentes fa- na sub-escala das atitudes e ansiedades em re-
ses da maternidade e é repartida por 6 áreas: re- lação ao parto e em relação ao puerpério. O nível
lativas a si própria, ao feto, ao parto, ao pós par- de ansiedade em relação ao parto é maior no
to, ao puerpério e ao estabelecimento da gravi- grupo normal, enquanto que o nível de ansiedade
dez. relativa ao puerpério é maior no grupo de risco.
Para além da análise estatística da escala e
pela observação directa dos resultados podemos
1 O. APRESENTAÇÂO E ANALISE dizer que o GN se manifesta mais ansioso em re-
DOS RESULTADOS lação ao parto e seguidamente em relação a si do
que em relação às restantes áreas da escala.
Também o GR apresenta um nível de ansiedade
1O. 1. Análise das entrevistas maior na sub-escala relativa a si, que se destaca
de todas as outras. Esta sub-escala das atitudes e
Comparando os dois grupos quanto ao tipo de ansiedades relativas a si aparece como sendo a
ansiedades a grande diferença que surge é que no mais elevada no GR e a segunda mais elevada no
GR a ansiedade dominante relaciona-se com o GN, não havendo diferenças significativas entres
medo de ter nova morte fetal. O medo de ter uma os dois grupos.
morte fetal não aprece no GN. A par deste tipo
de ansiedade surge na maioria das mulheres,
quer num grupo quer noutro, o medo relacionado i i . CONCLUS~ES
com o desenvolvimento do bebé e deficiências, e
o medo relacionado com o parto: medo do parto Quanto ao nível de ansiedade global obtive-

409
mos um resultado oposto ao por nós esperado, isso a tenham conseguido levar até ao fim com
ou seja, o GN apresentou um nível de ansiedade um nível de ansiedade mais baixo. Possivel-
significativamente maior que o GR. Uma das mente nas gravidezes anteriores as mulheres
possíveis razões para que isto tenha acontecido é não conseguiram pôr em jogo os mecanismos de
que a Perinatal Anxieties and Attitudes Scale defesa mais adequados 21 sua situação de gravi-
avalia as ansiedades perinatais no pós-parto an- dez e talvez os níveis de ansiedade elevados
tes de as mulheres terem contacto prolongado tenham contribuído para novo acidente. Ao pas-
com os seus bebés. Embora as mulheres do GR sarem por vários mortes fetais os mecanismos de
tenham tido uma gravidez de risco por várias defesa foram-se adaptando até chegarem aos
mortes fetais anteriores, elas fizeram uma ava- mais adequados para aguentar a gravidez e redu-
liação da sua ansiedade perinatal «fora» da situa- zir a ansiedade como aconteceu nesta última gra-
ção de risco, isto é, depois de finalmente terem videz.
conseguido levar até ao fim a sua gravidez. Além destas hipóteses explicativas para os
Após o parto há um alívio da tensão vivida du- resultados globais há ainda a considerar que a
rante a gravidez, a mulher j á não precisa de ter primeira gravidez é sempre um desafio a adapta-
medo da repetição de um acidente porque o seu ção da mulher como pessoa no seu equilibrio,
bebé já nasceu. Então, depois de ultrapassada to- onde se projectam as suas ansiedades, as suas
da a tensão da gravidez e de esta ter tido um re- defesas e as suas fantasias. Ora, enquanto que no
sultado positivo pode haver uma atenuação im- GR todas as mulheres tinham passado por várias
portante das ansiedades perinatais que ao serem gravidezes (se bem que mal sucedidas), no GN
avaliadas pela mulher dão um resultado mais todas as mulheres viveram a sua primeira gra-
baixo do que se teria obtido se tivessem sido videz; a primeira experiência só por si justifica
avaliadas durante a gravidez. um nível de ansiedade maior do que o das mu-
Estes resultados podem também ter a ver com lheres que já estiveram grávidas várias vezes.
os mecanismos de defesa postos em jogo durante Estas hipóteses podem explicar os níveis mais
a gravidez. Como sabemos, toda a gravidez é baixos de ansiedade no GR, mas também podem
geradora de ansiedade e da gestão desta, que é explicar os resultados semelhantes obtidos nas
feita pelos mecanismos de defesa, depende o sub-escalas em que não se encontraram diferen-
desenrolar da gravidez. J. Justo (1990) fez um ças significativas entre os dois grupos: relativa a
estudo sobre mecanismos de defesa em mulheres si, ao feto, ao pós-parto e ao estabelecimento da
grávidas e chegou a conclusão que os mecanis- gravidez.
mos de defesa utilizados por mulheres com gra- Ainda no que se refere 2I escala, a sub-escala
videz de risco são diferentes dos mecanismos de relativa ao parto também apresenta um resultado
defesa utilizados por mulheres com gravidez inverso ao que nós esperavamos, ou seja, há um
normal e diferentes dos mecanismos de defesa nível de ansiedade maior no GN. Por um lado
utilizados por mulheres não grávidas. Segundo este resultado pode ter a ver com o facto de as
ele, as mulheres com gravidez de risco reduzem mulheres do GR poderem estar mais preocupa-
ao mínimo o uso dos mecanismos que lidam com das com a repetição de uma morte fetal (como se
o conflito dirigindo a agressividade contra o observa pela análise das entrevistas) do que com
objecto externo e os mecanismos que justificam o parto em si. Por outro lado pode ter a ver com
a expressão da agressividade face a objectos a expectativa de como iria ser o parto. Todas as
externos na medida em que esses objectos são mulheres do GR souberam durante a gravidez
vivenciados como destruidores ou perseguidores. (umas mais cedo que outras) que iam fazer
A mulher grávida ao sentir-se ameaçada pelo cesariana o que as levou de certo modo a prepa-
risco reorganiza os seus mecanismos de defesa rarem-se para essa situação, enquanto que no GN
de forma a reprimir qualquer vivência impulsiva as mulheres só souberam que iam fazer cesariana
de tipo agressivo e anulando a vivência de possí- mesmo em cima da altura do parto o que não
veis conflitos psicológicos. Podemos supor que Ihes permitiu elaborar tão bem as ansiedades
as mulheres do nosso GR tenham posto em ac- relativas a essa situação. Não nos podemos es-
ção mecanismos de defesa mais adequados i quecer de outro aspecto importante nesta questão
situação de risco durante esta gravidez e que por que tem a ver com o facto de todas as mulheres

410
do GR terem passado por várias mortes fetais, o rante toda a gravidez e só termina no parto pois é
que implica que todas elas tenham já passado por o momento em que a mulher vê o seu filho e tem
situações de «parto». Tal como foi referido na a certeza de que está vivo.
parte teórica relativa a morte fetal, nestas situa-
ções o feto morre no útero e aí permanece até
que alguém (a mulher ou o médico) se dê conta REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
disso. Isto implica que o feto tenha de ser expul-
so e essa expulsão pode ocorrer naturalmente, Bowlby, J. (1985). Apego eperda. Vol. 3: Perda, tris-
através das contracções que podem vir só depois teza e depressão. São Paulo: Ed. Martins Fontes.
Brousselle, A. (1976). La mélancolie puerpérale. Revue
de uma ou duas semanas, ou através da indução
Française de Psychanalyse, 5-6, 1097.
do parto. Coimbra de Matos, A. (1984). A perda e a tristeza. In
Assim sendo, para além das mulheres do GR Psicopatologia Dinâmica (Notas sobre Psicotera-
saberem a partida que iam fazer cesariana, elas pia). Jornal Médico.
tinham j á vivido uma ou mais situações de traba- Coimbra de Matos, A. (1986). O luto do objecto arcai-
lho de parto e parto. É natural que pelo facto de co. ln A necessidade de retaliação. Jornal Médico,
estas mulheres terem já passado por estas situa- 2164,415-416.
Coimbra de Matos, A. (i 989a). O luto da desidealização
ções a sua ansiedade seja menor que a ansiedade do objecto. ln Adolescência - Tempo de Mudança.
das mulheres do GN que passaram pela primeira Jornal Médico, 2302,299-300.
vez pela situação de parto. Coimbra de Matos, A. (1989b). Luto e depressão. ln
A única sub-escala em que a nossa hipótese se Adolescência - Tempo de Mudança. Jornal Medi-
confirmou foi a relativa ao puerpério. Nesta co, 2319,21.
sub-escala o GR apresentou um nível de ansieda- Coimbra de Matos, A. (1 989c). O luto do objecto desar-
I mante. In Adolescência - Tempo de mudança.
de significativamente mais elevado que o GN. Jornal Médico. 2335, 524.
I Na parte teórica deste trabalho relativa a morte Coimbra de Matos, A. (1990). O luto inacabado do
fetal descrevemos várias causas possíveis para a objecto idealizado. In Reflexões sobre Psicopatolo-
morte do feto no útero, dentro das quais se des- gia e Psicoterapia. Jornal Médico, 2375,289.
taca uma possível perturbação da interacção da Cordeiro, J. D. (1 986). Manual de psiquiatria clínica.
mãe com o feto. Podemos supor que nesta última Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
Cornet, H. (1972). Le deuil impossible. Revue Fran-
gravidez com sucesso tenham sido postos em jo-
çaise de Psychanalyse, 5-6, 1113-1 116.
go mecanismos de defesa para ajudar as mulhe- Deutsch, H. (1949). Lu psychologie des femmes. Vol. ZZ:
res a lidar com essa situação de modo a tentar Mafernité.Paris: PUF.
evitar nova morte fetal. Possivelmente essa per- Dubois, J. (1976). A gravidez de alto risco. Jornal Mé-
turbação de interacção que não se manifestou de dico, 1720, 228.
forma tão intensa durante a gravidez poderá re- Fénelon, J. (1979). Deuil, nostalgie, souvenir. Revue
percutir-se no puerpério já que essas mulheres Française de Psychanalyse, 4,625.
Ferreira, L., Góis, G., Faria, C., & Correia, M. J.
apresentam nessas sub-escala um nível de ansie- (1990). O Luto por morte perinatal e/ou mal-
dade muito mais elevado do que as mulheres que formação do bebé. Análise Psicolbgica, 8 (4), 399-
tiveram uma gravidez normal - o que poderá -402.
prever algumas dificuldades de adaptação da Freud, S. (1915). Duelo y melancolia. In Obras Com-
mulher ao bebé. pletas (Vol. XCIII, p. 2091).
No que se refere ao tipo de ansiedades que Gauthier, J., Molenat, F., Mangin, P., & Dudan, E.
(1 985). Grossesse et vulnérabilité. Neuropsychia-
quizemos investigar através das entrevistas en- trie de I'Enfance et de lildolescence. 33 (2-3), 95-
contrámos nos dois grupos as ansiedades que -102.
normalmente aparecem em todas as gravidezes: Geahchan, D. (1 968). Deuil et nostalgie. Revue Fran-
ansiedades relacionadas com a gravidez em si çaise de Psychanalyse, 30 (1).
mesma, com o desenvolvimento do bebé, com os Justo, J. (1986). Introdução ao estudo da organização
movimentos fetais e especialmente com o parto. defensiva na mulher grávida. Lisboa: FPCEUL.
Justo, J. (1 990). Gravidez e mecanismos de defesa: Um
A grande diferença é que para além destas ansie- estudo introdutório. Análise Psicológica, 8 (4),
dades aparece desde o início da gravidez, nas 371-376.
mulheres com gravidez de risco, o medo da repe- Kitzinger, S. (1978). Mães. Um estudo antropológico
tição da morte fetal. Este medo mantém-se du- da maternidade. Lisboa: Ed. Presença.

411
Langer, M. (1 986). Maternidade e sexo. Porto Alegre: Valverde, B., Vieira, A., et al. (1987). O perfil biofísico
Artes Médicas. na gravidez de alto risco. O Médico, 1860 ( i 17),
Le Lerzin, R. (1981). Deuil et maternité. Revue Fran- 571-577.
çaise de Gynécololgie et Obstétrice, 4 (76), 297- Vlaaderen, W., & Treffers, P. (1987). Prognosis of sub-
-304. sequent pregnancies after recurrent spontaneous
Luz, T. (1975). Gestação de alto risco. Revisão de con- abortion first trimester. Br. Med. Journal, 6590
ceitos e tentativa de definição i luz da epidemiolo- (295), 92-93.
gia. Jornal Brasileiro de Ginecologia, 3 @O), 105-
-108.
Maldonado, M. T. (1988). Psicologia da gravidez. Pe- RESUMO
trópolis: Ed. Vozes.
Malinas, J. (1975). Gravidez de alto risco. Jornal Médi- O objectivo do estudo foi o de comparar quantita-
CO,1458,252-254. tivamente e qualitativamente as ansiedades perinatais
Mascoli, L. (1989). Fantasias, atitudes e ajustamento de mulheres com gravidez de risco por antecedentes de
materno ao primeiro mês de vida da criança: morte fetal com as ansiedades perinatais de mulheres
Abordagem psicológica a puerperas em isolamento que tiveram uma gravidez normal.
e no pós-parto distócito. Estudo Monográfico Para tal utilizámos uma entrevista e uma escala de
efectuado no ISPA, Lisboa. ansiedades perinatais (PASS) nas 24 a 48 horas pós-
Muller, G., Rodriguez, A., et al. ( i 976). Embarazo de parto em dois grupos de mulheres cada um com 6
riesgo elevado. Rev. Obstét. y Gin. de Venezuela, 3 sujeitos.
(36), 505-512. A entrevista mostrou-nos que o tipo de ansiedades é
Ody, M. (1985). Travail de deuil, représentation animi- o mesmo nos dois grupos de mulheres e que são as
que, représentation de chose. Revue Française de mesmas ansiedades descritas por todos os autores que
Psychanalyse, 3, 897. se interessam por estas questões da maternidade. A
Ortega, J. M. F. (1984). Identificación dei embarazo de grande diferença entre os dois grupos é feita pelo «ris-
alto riesgo. Toko - Gin. Pract., 43 (487), 107-120. co» da gravidez. As mulheres do grupo de risco vivem
a gravidez desde o seu início até ao parto com a preo-
Osofsky, J. D., & Osofsky, H. J. (1978). Teenage
cupação de poderem ter nova morte fetal (como se ti-
pregnancy: psychosocial considerations. Clinical
vessem medo da sua própria incapacidade de serem
Obstetrics and Gynecology, 24 (4), 1161-1173.
mães).
Pearson, J. (1975). Como proceder perante uma gravi-
Através da análise da escala podemos dizer que a
dez de alto risco. Jornal Médico, 1642, i 84. única área em que as mulheres com gravidez de risco
Pedro, G. (1985). A relação mãe-filho. Influência do tiveram um nível de ansiedade significativamente
contacto precoce no comportamento da díade. maior que as mulheres com gravidez normal foi a do
Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda. puerpério, que nos fez apontar dificuldades a nível da
Ponciano, E. (1 980). Como medir a ansiedade. Psiquia- identificação com o feto e com a figura materna du-
tria Clinica, I (2), 133-139. rante a gravidez que se repercutirão no puerpério por
Quinodoz, J. M., Bahler, V., Charbonnier, et al. (1989). dificuldades a nível da maternidade, sobretudo a nível
Contribuitions des psychanalistes de Suisse Ro- da relação mãe-bebé.
mande aux problèmes de I’angoisse de séparation, Palavras-chave: Ansiedades perinatais, gravidez,
de Ia perte de l’object et du deuil. Reme Française morte fetal.
de Psychanalyse, I .
Roy, J., Molenat, F., Viala, J., Laffargue, F., & Visier,
J. (1988). Grossesses survenent aprés une mort ABSTRACT
périnatale. Journal Gynecologie Obstet. Biol. Re-
prod., 17, 75-82. The goal of the study is to compare quantitatively,
Rudigoz, R. C., Revillard, J. P., et al. (1986). Table ron- as well as qualitatively, the perinatal anxieties of wo-
de: La mort du foetus in utero. Revue Française men suffering of hazardous pregnancy due to a history
Gynécologie Obstétrice, 11 (81), 613-626. of fetal death, to the perinatal anxieties of women who
Scott, W. C. ( I 965). Deuil et manie. Revue Française have had a normal pregnancy.
de Psychanalyse, 29 (2-3). To accomplish this we used an interview and a
Soifer, R. (1986). Psicologia da gravidez, parto e puer- scale of perinatal anxieties (PASS), on two groups of
pério. Porto Alegre: Artes Médicas. six women during the 24 to 48 post-labor hours.
Tavares, L. (1 990). Depressão e relacionamento conju- The entreview showed us that the type of anxieties
gal durante a gravidez e pós-parto. Análise Psico- is the same in the two groups of women and ai1 are
lógica, 8 (4), 389-398. similar to the anxieties described by all the authors that
Valverde, B. (1983). Alto risco em obstétricia. Gestação are interested by the matters of maternity. The great
de alto risco. O Médico, 1643 (107), 118-122. difference between the two groups has its cause in the

412
risk of the pregnancy - since the beginning until puerperium, which suggested difficulties in what con-
labor - with the worry of having another fetal death cems the identification with the fetus and with the mo-
(as if they were afraid of their own incapacity of beco- ther figure during pregnancy; these situations will
ming mothers). have repercussions over the puerperium in the form of
Through the analysis of the scale, we can say that difficulties in motherhood, particularly in the mother-
the only area where women with a hazardous pregnan- baby relationship.
cy had a substantially higher levei of anxiety, when Key words: Perinatal anxieties, pregnancy, fetal
compared to women with a normal pregnancy, was the death.

413
P S I C O S E S P U E R P E R A I S

NELSON PIRES *

HEITOR PINTO FILHO * *

Sob o nome de psicoses puerperais reunimos, sem dúvida, entidades psi-


quiátricas diversas. Basta que a síndrome psíquica apareça em relação tem-
poral com o puerpério para enquadrá-la como puerperal. Seria, talvez, mais
certo dar a este trabalho o nome de "psicoses no puerpério". Também co-
mo puerpério entendemos um período cuja duração não é aceita por todos
os autores. Ao passo que os ginecologistas limitam o puerpério aos 60-90
dias que se seguem ao parto, os obstetras têm do puerpério um conceito
aparentemente mais fisiológico e o prolongam até o retorno do fluxo mens-
trual. Um psiquiatra, Rõmer, considera como puerperais, as psicoses que
se apresentam do segundo ao terceiro mês pós-parto; segundo este autor,
por puerpério não se deve entender "o conceito ginecológico em estreito sen-
tido", mas, sim, "as alterações metabólicas e endócrinas totais introduzidas
após o nascimento". Em nossa casuística apenas 2 pacientes apresentaram
perturbações mentais depois dos 60 dias — prazo mínimo exigido pelos
ginecologistas; os demais casos estão dentro do puerpério, qualquer que seja
o conceito utilizado. Cumpre dizer que não cogitamos de computar o re-
torno do fluxo menstrual em nenhum caso. Mas, como todos (menos 2)
são de distúrbios mentais dentro dos 60 dias pós-parto, todos eles (menos
os 2 que, ainda assim, estão dentro dos 3 meses de Rõmer) estarão indubi-
tavelmente dentro do período puerperal, no conceito de qualquer autor.

Antes de entrar no estudo das psicoses sobrevindas no puerpério, im-


propriamente chamadas psicoses puerperais, é indispensável recordar o que
se pensa modernamente sobre os fatores etiológicos das doenças mentais. A
tendência atual é compreender as doenças mentais como filiadas a um dos
três grupos: endógeno, exógeno e psicógeno.
As psicoses exógenas se dividiriam em: 1 — sintomáticas (autotóxicas,
infecciosas, por doenças internas) : 2 — heterotóvicas (álcool, morfina,
e t c ) ; 3 — orgânicas (traumatismos cranianos, tumores, sífilis, e t c ) . De-
ve-se notar que as psicoses heterotóxicas poderiam, de acordo com certos
autores, entrar no grupo das sintomáticas. Em todo caso estas últimas, em

Trabalho apresentado ao V Congresso de Psiquiatria, Neurologia e Medicina Le-


gal, realizado em outubro-novembro de 1948, no R i o de Janeiro e São Paulo.
* Livre-docente de Psiquiatria na Fac. Fluminense de Medicina. Diretor do
Sanatório Bahia.
** Acadêmico de Medicina. Interno-residente do Sanatório Bahia.
geral, só secundariamente são doenças psiquiátricas, ao contrário das hete-
rotóxicas e orgânicas, quase sempre psiquiátricas e, por vezes, neurológicas.
Uma série de erros e de mal-entendidos oriundos da orientação noso-
lógica-clínica, começou a ser afastada depois que começou a decadência de
tal orientação. Exemplo de um desses erros: a demência precoce, entidade
única, constitucional, endógena, hereditária, de modo algum seria relacio-
nada com momentos exógenos. Superestimou-se o papel da constituição psí-
quica, como se superestima a Valencia dos mecanismos psicógenos. Esta úl-
tima se deu por influência de Freud; quando Bleuler surgiu com sua con-
cepção, teve de defender-se repetidamente dos mal-entendidos suscitados, se-
gundo os quais êle admitia esquizofrenia psicogenética, e acabou por falar
numa base fisiogênica, obscura e jamais provada. Com a nçção de processo
(Jaspers), pela primeira vez cogitava-se de algo parecido com exógeno, em-
bora indefinível; o processo é psíquico e se opõe aos físicos do tipo dos da
paralisia geral, demência senil, etc. Enfim, um processo sui generis.
Afinal, só Bumke e o organicista Kleist se firmaram na etiologia exó-
gena da esquizofrenia. Duas ordens de fatos apoiam essa orientação no
presente. A primeira nasceu da própria escola de Bumke; já temos hoje
as pesquisas de Jahn e Greving sobre a bioquímica das esquizofrenias; com
Scheid, isto tomou feição de distúrbios por doença infecciosa e falou-se já,
com Kòrtke, de morbus da demência precoce; há, ainda, a mencionar as
pesquisas de Gjessing, igualmente conducentes a alterações importantes de
ordem bioquímica nas esquizofrenias. A segunda ordem de fatos partiu
dos heredobiologistas que, com seus métodos cada vez mais precisos, foram
criando concepções teóricas deduzidas da prática clínica. Hoje admite-se que
haja uma só esquizofrenia (Xuxemburger) e não esquizofrenias; também se
admite que esta conclusão é obtida porque a pesquisa é orientada pela psico-
patologia. Se algum dia se tiver que subdividir a esquizofrenia em mais de
um grupo, isso deverá ser feito sob a orientação patofisiológica, muito pro-
missora e, provavelmente, muito mais capaz de lançar luzes nesse obscuro
setor psiquiátrico.
Depois, alguns estudos mostraram que há esquizofrenias indubitavel-
mente exteriorizadas com auxílio do fator exógeno (traumas, infecções, e t c ) .
Mais ainda: nos doentes desse tipo, a disposição (Anlage) esquizofrênica é
menos forte que naqueles doentes em que a esquizofrenia aparece sem causa
desencadeante. Isto quer dizer que há a predisposição endógena, mas ela
precisa dum adjuvante, que poderá ser o fator exógeno.
A patologia dos gêmeos mostrou isso com nitidez: nos univitelinos, quan-
do um deles apresenta esquizofrenia, o outro também a apresenta. Apenas
22% dos casos fazem exceção. Lange verificou, em gêmeos univitelinos,
discordâncias especiais: um dos irmãos tornou-se esquizofrênico e outro não;
mas a esquizofrenia foi desencadeada por um trauma craniano. Noutro par
univitelino, em que só um dos irmãos se tornou esquizofrênico, essa sín-
drome apareceu depois de encefalite.
Fatos dessa ordem mostram: a) que a predisposição endógena pode
ser insuficiente para produzir a doença, sendo necessário o fator adjuvante,
que pode ser exógeno, como vimos, e talvez psicógeno, como vamos ver;
como a condição endógena é, então, insuficiente para, autônomamente, pro-
duzir a síndrome esquizofrênica, modernamente dizemos que a força de ma-
nifestação (Manifestationskraft) da psicose é insuficiente; b) que, prova-
velmente por carecer do fator adjuvante, o outro membro do par univitelino
não se torna esquizofrênico; êle tem o elemento endógeno para isso, mas
esse elemento não tetm força de manifestação suficiente; desde que o fator
adjuvante não sobreveio, não há esquizofrenia: não há, pois, fatalidade he-
reditária nessa doença.
Vamos considerar agora o caso da esquizofrenia latente, com força do
manifestação insuficiente. Se um fator adjuvante sobrevém, precipita-se a
esquizofrenia; no entanto, esta é endógena, apesar do desencadeador exó-
geno. Pelo menos assim será até que se prove que a esquizofrenia é psicose
orgânica, como querem alguns. Há, pois, uma síndrome endógena desenca-
deada eocògenamente, ou, por puro didatismo, endo-exógena. Já se mostra-
ram capazes de abrir caminho à esquizofrenia, tanto traumas cranianos, co-
mo o alcoolismo, a encefalite e outras infecções. Talvez algumas psicoses
pós-malarioterápicas devam estar também nesse rol. Muito provavelmente
algumas psicoses puerperais, também. Quando não apareçam puras síndro-
mes esquizofrênicas (endògenamente condicionadas), detonadas pelo fator
exógeno, a disposição endógena esquizofrênica pode colorir esquizofrênica-
mente a síndrome eminentemente exógena, e desaparecer com ela.
De qualquer modo, nas catatonias despertadas por um trauma crania-
no, a "impregnação" disposicional hereditária esquizofrênica é menor que
nas esquizofrenias que não necessitam desse adjuvante. De fato, nas esqui-
zofrenias autônomas há, entre os irmãos do doente, 8 , 3 ¾ de esquizofrenias;
nas esquizofrenias adjuvadas, despertadas por traumas cranianos, só há 2,9%
(Plattner-Herberlein) ou 1,9% (Bruno Schulz). Também é verdade que a
catatonia nem sempre é esquizofrênica. Ao lado das catatonias exógenas
(Bumke) há as maníaco-depressivas (Lange).
Assim, pois, há síndromes endógenas despertadas exògenamente. Pelo
menos no que diz respeito à esquizofrenia, isso parece possível, de acordo
com o exposto até aqui- No que diz respeito às demais síndromes endó-
genas (psicose maníaco-depressiva, epilepsia, sem falar em algumas oligofre-
nias), os fatos, ou são idênticos, ou ainda mais claros, como é o caso de
muitas epilepsias.
Bostrom demonstrou que existem psicoses maníaco-depressivas orgânica-
mente provocadas; a paralisia geral, por exemplo, pode desencadear um ci-
clo (endógeno) de psicose maníaco-depressiva. Serviu-se este autor do vo-
cábulo provocada, adotado por Lange com conceito próprio. Provocada
(provozierte) quer dizer que uma psicose endógena, conservando as carac-
terísticas que lhe são inerentes (hereditariedade evidente, evolução autôno-
ma, fisionomia sintomática específica, terminação peculiar, etc.) só aparece
sob estímulo exógeno ou psicógeno. O caso de estímulo exógeno será o
de Bostrom; e será de estímulo psicógeno quando o acontecimento afetivo,
por •exemplo, desencadeia depressão ou mania endògenamente fundamentada
na herança, O próprio Lange exemplificou esta espécie psicògenamente pro-
vocada ou, como diz Jaspers, ocasionada.
Tais síndromes seriam, respectivamente, exo-endógenas e psico-endóge-
nas. Isso tornou insustentável a exigência de uma causa única — - endógena
ou psicógena ou exógena. Pelo menos a causalidade única não é obrigató-
ria. Tais fatos deram ainda mais solidez ao diagnóstico polidimensional.
Embora a causalidade única não seja a regra, a endógena é, sem dúvida, a
mais importante; sem ela dificilmente nascerão determinadas psicoses, ain-
da que se acumulem causas exógenas e psicógenas. Mesmo nas psicoses clas-
sificadas como psicógenas e exógenas, não se dispensa o fator endógeno
constitucional.
Grandes tentativas vêm sendo feitas para identificar aquilo que caracte-
riza cada um desses fatores. E' um dos objetivos — a nosso ver o mais
importante — da análise estrutural. Séries de pesquisas vêm sendo feitas
nesse sentido e, se quiséssemos resumir, diríamos: a) Só há um sinal certo
e constante, que identifica a etiologia exógena — o coma, a perda da cons-
ciência. Pode aparecer em qualquer indivíduo sem que exista predisposi-
ção, mas por vezes só aparece quando a intensidade do fator exógeno é mui-
to grande. Um fortíssimo traumatismo craniano, por exemplo, deverá pro-
duzir coma ou, pelo menos, turvação de consciência, em qualquer indivíduo.
A turvação de consciência simples pode existir fora das psicoses considera-
das estritamente exógenas, embora isso seja raro. Estados crepusculares his-
téricos, epilépticos, esquizofrênicos e maníaco-depressivos, também a com-
portam. Mas, mesmo a simples tuivação de consciência, sem coma, é mui-
to mais freqüente nas reações exógenas. b) Como sinal certo da etiologia
psicógena, apontaríamos, em resumo: influenciabilidade pela psicoterapia, re-
versibilidade e compreensibilidade do conteúdo da psicose, da reação ou da
neurose. Não são sinais absolutos, pois que por sugestão podem ser elimi-
nados também sintomas somáticos, c) Sinais de etiologia endógena não fo-
ram sempre obtidos, ou ao menos, quando eles foram obtidos depois se de-
monstraram inaproveitáveis, inautênticos. Conforme a psicose, varia o selo
autêntico da psicose endógena. Assim, nas esquizofrenias, após se rejeitar
uma grande série de sinais patognomônicos, estudam-se hoje os apresenta-
dos pela escola fenomenológica (distúrbios da consciência do eu, desordens
do pensamento e a incompreensibilidade do conteúdo, etc.); nas psicoses
maníaco-depressivas, Kurt Schneider forceja por apresentar uma tristeza ou
uma alegria vital. Há algo de corporal nesse estado de humor. Bumke, em
polêmica com Schneider, contestou que se pudesse, psicopatològicamente, dis-
tinguir uma depressão reativa, de uma depressão endógena. Nas epilepsias,
seriam sinais autenticadores endógenos: a deterioração caracterológica (inde-
pendente do número de ataques), a peiseveração, a lentidão dos processos
psíquicos, o empobrecimento intelectual, a nula agilidade mental, afora o
caráter hereditário, que é, aliás, comum às três síndromes consideradas.
Nas síndromes em que, além da endógena, há outra causa, isto é, nas
síndromes exo-endógenas e psico-endógenas, pode predominar um ou outro
dos elementos. Tende-se a admitir universalmente — sem sérias comprova-
ções e, por isso, sem grande codificação — o seguinte: a) se predomina
o endógeno, o prognóstico é mau; b) se predomina o exógeno ou psicó-
geno, o prognóstico melhora sensivelmente.
Mas há restrições que impurificam esta simplificação exagerada: a pri-
meira cabível é que o elemento exógeno pode determinar alterações psíqui-
cas leves ou reversíveis e, no entanto, ser mortal por sua índole somática
(septicemias, doenças cardíacas, etc.); a segunda é que, mesmo sem produ-
zir êxito letal, há fatores exógenos que originam lesões irreparáveis. En-
tram eles nas psicoses orgânicas (paralisia geral) ; assim, o item h melhora
em precisão se excluirmos dali as psicoses orgânicas; enfim, a terceira res-
trição — que, aliás, envolve as duas antecedentes — diz respeito à ausência
de paralelismo entre a gravidade do agente somático e da síndrome psíqui-
ca; não é verdade que quanto mais grave ou mais intenso o acometimento,
mais grave seja a síndrome mental.
Feitas estas restrições, o esquema acima poderia ser utilizado, prestan-
do alguns serviços, ao mesmo tempo que uma longa verificação, muito fértil
em resultados, logo aplicáveis ao prognóstico em psiquiatria, seria empreen-
dida com seguros pontos de reparo fornecidos pela clínica médica.
Alguma coisa já tem sido feita, não quanto ao exógeno, mas no que
concerne às esquizofrenias presumidamente psicogenéticas. 0 índice de cura
é especialmente elevado, diz-nos Bumke; e entre os irmãos destes doentes,
o número de esquizofrênicos é singularmente insignificante, como Bruno
Schulz verificou. Bumke pensa que nem todos os casos eram de esquizo-
frênicos.

0 extenso intrGito visou explicar porque só modernamente as psicoses


puerperais vão sendo localizadas na nosologia psiquiátrica. Vários fatos vão
recebendo interpretação ajustada: 1) No puerpério irrompem muitas esqui-
zofrenias, ainda que inicialmente o matiz exógeno perturbe o julgamento
diagnóstico. 0 que parecia exógeno revela-se, afinal, esquizofrênico. Mais
ou menos o mesmo se pode dizer das psicoses maníaco-depressivas e epilep-
sias nascidas com o puerpério. 2) Reações tidas como psicógenas apare-
cem também entre as síndromes mentais do puerpério. Seriam psicógenas,
mas escorvadas pela especial condição fisiológica ou patológica dessa época.
Na estatística de Runge, elas são, sobretudo, de ordem histérica. Não é de
duvidar que o terreno alterado orgânicamente favoreça a aparição destas
reações, que serão, então, exo-psicógenas. Numericamente, as reações psi-
cógenas são as menos importantes, na estatística de Runge. 3) Reações ti-
picamente exógenas são freqüentes; é este tipo que dá a maior parte dos
casos mortais por puerpério infectado e complicado de psicose.
Isto tudo quer dizer que o puerpério — especial condição fisiológica
ou fisiopatológica — enseja oportunidade para psicoses com uma das três
etiologias (endo, exo e psicógena) e para suas combinações em todas as pro-
porções. Esta intrincação etiológica torna muitas vezes inextricável a pista
diagnostica quando se quer fazer diagnóstico unidimensional. Inúmeras ve-
zes só o decurso da psicose decidirá o diagnóstico. Só então teremos qua-
dros puros, raros no início da psicose.
A primeira dificuldade aparece quando, frente a uma psicose puerpe-
ral, se quer excluir o fator exógeno. A inexistência de febre só serve par-
cialmente para isso, pois que excluirá a infecção, mas não excluirá a into-
xicação, que pode dar subsídio à psicose. Não se sabe ao certo que modi-
ficações metabólicas assoalham o puerpério. Sabe-se que ginecologistas e
obstetras não concordam em seus prazos de puerpério, e não concordam por-
que lhes falta um critério seguro. Puérpera será a mulher até que retor-
nem os mênstruos, dizem os obstetras. Mas, ela pode engravidar de novo
sem que chegue a ser menstruada. Isso é citado por ginecologistas e mos-
tra, pois, que o não retorno do fluxo menstrual nem sequer é garantia de
não se haver restabelecido o ciclo sexual feminino; restabeleceu-se, embo-
ra não chegasse à fase de menstruação. Por outro lado, para os ginecolo-
gistas, puérpera será a mulher até que se restaurem anatômicamente todos
os órgãos sexuais e anexos que a gravidez e o parto alteraram. Eles abrem
mão do retorno menstrual, da alteração promovida pela lactação no balanço
endócrino e preferem o critério anatômico ao fisiológico. E, não se saben-
do quais as alterações bioquímicas básicas do puerpério, não se saberá quan-
do elas atingem a condição tóxica.
Obstetras e ginecologistas afirmam (mesmo desconhecendo suas altera-
ções básicas) que, psicologicamente, o puerpério freqüentemente altera —
ainda que sem atingir aos graus das psicoses — o equilíbrio psíquico; isto
é tão conhecido que muitos códigos penais atenuam a pena cominada à
mãe "que mata, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, du-
rante o parto ou logo após" (art. 123 do Código Penal). Mulheres nor-
mais também apresentam leves alterações de seu habitual equilíbrio psíqui-
co, assim depõem os obstetras e ginecologistas. As principais alterações re-
sidem em depressão, estados neurasteniformes, debilidades emotivo-hiperes-
tésica, excitabilidade emotiva. Naturalmente, motivos psicógenos agravarão
tal estado: a ilegitimidade do filho, o desajustamento conjugai prévio, a al-
teração estética do corpo materno por ela sentido penosamente, a redução
da liberdade materna alterando sua rotina.

Abordamos, agora, a posição nosológico-clínica das psicoses puerperais.


Runge conseguiu obter, estatisticamente, os seguintes dados quanto à dis-
tribuição das psicoses puerperais: 36,84% dos casos pertencem à esquizo-
frenia; 19,64%, à psicose maníaco-depressiva; 25%, a psicoses sintomáticas;
7,89%, a reações histéricas; 6,69%, a psicoses "eclâmpticas". Naturalmente,
tal conclusão só foi possível com o critério evolutivo, que permitiu escla-
recer os casos inicialmente obscuros; é preciso notar, ainda assim, que a
estatística transcrita totaliza apenas 96% dos casos.
Engelhardt informa sobre a freqüência das psicoses puerperais; dentre
19.910 puérperas, verificou psicose apenas em 0,14%. A insignificância da
cifra permitiu supor que a relação entre puerpério e psicose seja ínfima,
a ponto de admitir a possibilidade de pura coincidência. Isto tiraria todo
o valor — já tão relativo — à autonomia do puerpério como gerador de
psicoses. Por esse raciocínio não haveria, pois, psicoses puerperais propria-
mente ditas. As cifras de Kraepelin são aproximadas: em cada 400 puér-
peras., uma tem psicose; para este autor, 6 a 8% de todas as mulheres que
entram num hospital de alienados o fazem por psicose puerperal.
Também o fato de haver diminuído grandemente, com a assepsia rigo-
rosa, o número de infecções puerperais, diminuiu a importância clínica das
psicoses puerperais. A redução do número de psicoses puerperais operou-se
em conseqüência da redução da parcela de psicoses infecciosas, grupo im-
portante das psicoses puerperais.
Schroder analisou 40 casos de psicoses puerperais, dividindo-as em fe-
bris e não febris. As febris decorreram com infecção e parto complicado:
eram, portanto, sintomáticas puras; 8 pacientes estavam neste grupo, sendo
que 5 curaram e 3 faleceram. Nas 32 restantes, o quadro psicótico não
tinha matiz sintomático impresso pelo puerpério. Schroder decidiu-se mui-
tas vezes pelo diagnóstico final de esquizofrenia e poucas, pelo de psicose
maníaco-depressiva. Entre estas últimas, cita um caso de estupor com "ricos
traços catatônicos", que se desvendou mais tarde como uma típica psicose
maníaco-depressiva. Embora este grupo de 32 pacientes estivesse separado
do anterior, esta separação nem sempre é possível, não sendo indubitável a
exclusão exógena. O autor concluiu pela incerteza de nossa precisão diag-
nostica nas psicoses puerperais, recomendando que devemos nos precatar
"contra hipóteses e teorias do momento".

O trabalho de Rõmer teve orientação diferente. Preocupou-se este au-


tor com aspectos heredobiológicos e nosológicos, distinguindo: a) quadros
endógenos: síndromes maníaco-depressivas e síndromes esquizofrênicas; b)
quadros exógenos: síndromes amenciais e síndromes delirantes. Rõmer es-
clarece que, em seus 30 casos, o que existe é, "ou o predomínio de quadros
mais ou menos explícitos de uma psicose exógena, ou se coordenam psico-
ses não indubitáveis do círculo esquizofrênico ou maníaco-depressivo".
Rõmer comparou seus 30 casos de psicoses puerperais com 35 casos
de psicoses endógenas que mostraram um início puerperal ou um surto puer-
peral no seu decurso, deduzindo o seguinte: a) As depressões puerperais
principiam, em geral, no 2.° ou 3.° mês pós-parto. b) O elemento exógeno
pode desencadear a aparição de um quadro sindrômico endógeno (confir-
mação da asserção de Bostrõm). c) Do ponto de vista eugênico (para efei-
tos da legislação de eugenia, então vigente na Alemanha), a incerteza psi-
quiátrica não permite decisões médico-sociais: as puérperas com psicoses
não são obrigatoriamente esterilizáveis. d) Dos 30 casos, com diagnóstico
pouco claro — de sintomatologia discordante exo-endógena ou puramente
exógena — um terço, no seu término, assemelhava-se à esquizofrenia. Em
tais casos em que o quadro não é puramente exógeno e a hereditariedade
é pouco esclarecedora, só o decurso decidirá. Objetou-se-lhe que o término
em "quadros semelhantes à esquizofrenia", nada decidirá sobre a causalida-
de endógena ou exógena, a menos que se lance mão duma petitio principii
justificadora: a esquizofrenia só poderia nascer endògenamente, nunca po-
dendo ser provocada exògenamente. e) Quanto ao diagnóstico da amência,
Rõmer dá valor primordial à '"fisionomia amencial", ou seja, à expressão
fisionômica angustioso-perplexa. A base disso seria a turvação de consciên-
cia e o "Affekt" angustioso. A perplexidade, nas psicoses exógenas, resul-
taria da turvação de consciência, mas isso não permite diferençá-la da per-
plexidade dos esquizofrênicos ou dos maníacos, onde ela é produzida por
outros distúrbios. Esta objeção é do comentador Ulrich Fleck, através do
qual conhecemos os detalhes dos trabalhos de Schroder e de Rõmer, cujos
originais não obtivemos. f) A amência nunca se torna crônica e não deixa
reliquat. Também não existe especial predisposição amencial, no sentido
duma labilidade. Mas as doentes puerperais com síndrome amencial que
Rõmer encontrou, mostravam corporalmente uma constituição unitária: eram.,
sem exceção, picnoatléticas e, quanto ao temperamento, predominantemente
ciclotímicas, "com os traços característicos correspondentes aos atléticos". Rõ-
mer diz mesmo que o acidente exógeno alcança aí uma constituição que só
oferece mínima possibilidade de "reagir psiquicamente de modo peculiar no
sentido da loucura maníaco-depressiva ou no da esquizofrenia". Isto signifi-
ca que apresentam forma amencial aqueles doentes que têm quase nula ap-
tidão a reagir com esquizofrenia ou com psicose maníaco-depressiva. Mas
os doentes que têm uma disposição esquizofrênica ou ciclotímica podem colo-
rir uma amência, dando-lhe matiz maniforme ou esquizofreniforme. g) Rõ-
mer não encontrou particularidades no delírio sobrevindo no puerpério.
Estas são as contribuições de Runge, Schrõger e Rõmer aos problemas
das psicoses puerperais. Elas afirmam, em síntese, que, no puerpério: a)
encontraremos reações exógenas e psicoses endógenas; b) ficam facilitadas
as reações exo-psicógenas (as histéricas teriam a favorecê-las algum compo-
nente exógeno inerente ao puerpério) ; c) surgem psicoses exo-endógenas
(são provocadas exògenamente mas evoluem autônomamente como endógenas);
d) a nota exógena, não raro, indica prognóstico benigno ou fatal, mas po-
de inaugurar uma psicose endógena que depois se cronifica; e) a disposi-
ção à psicose endógena, tanto se manifesta no puerpério pela primeira vez,
como tem no puerpério mais uma ocasião de se manifestar; f) existem,
embora em minoria, quadros puros, esquizofrênicos ou maníaco-depressivos.
Ignora-se, nos puerpérios não febris, se se pode excluir, com exatidão,
o fator exógeno. Na maioria das vezes parece que isto não é possível. Mas,
se, quisermos deduzir a presença de fator exógeno. pela especificidade que
êle imprimiria ao quadro mental, seremos forçados a advertir que, não exis-
tindo especificidade propriamente exógena, não temos nenhum indicador di-
ferencial seguro que exclua o exógeno in limine nos casos apenas suspeitos.
A "turvação de consciência" não é apanágio do que se conhece como típica
reação exógena; certas esquizofrenias também a podem apresentar, bem co-
mo reações crepusculares psicógenas e, mais raramente, psicoses maníaco-
depressivas. Se se disser que a esquizofrenia é uma reação exógena, res-
ponderemos que isso é ainda uma presunção e que a natureza do exógeno
é ainda desconhecida. Se se disser que ela é exógena justamente porque
comporta, não raro, quadros amenciais e turvações de consciência, diremos
que nisso ainda há uma petitio principii. a saber: só os exógenos dariam
a turvação de consciência. Será isso totalmente verdadeiro (excluindo-se as
turvações psicógenas) quando se comprovar que essas esquizofrenias são, na
verdade, exógenas. Falta pouco para isso (a escola de Bumke, com Jahn
e Greving, a de Scheid e, finalmente, Gjessing vêm trabalhando nesse sen-
tido com resultados apreciáveis), mas ainda não foram superados os últi-
mos obstáculos. Experimentados psiquiatras não duvidam que muitas es-
quizofrenias sejam exógenas. Têm disso intuição, provavelmente certa. Mas
nós supomos (e é apenas dedução clínica) que há outras esquizofrenias nas
quais nada faz presumir o exógeno. Luxemburger contesta que existam es-
quizofrenias, pois suas pesquisas parecem indicar que só há uma esquizofre-
nia; assinala, porém, que essa dedução foi tirada quando tomou, como base
de pesquisa, a orientação psicopatológica. E se tivermos que desmembrar
a esquizofrenia em. subgrupos, deveremos recorrer à patofisiologia.
Nas psicoses puerperais estamos às voltas com vários problemas. To-
dos os autores mencionam a impureza das síndromes psicopatológicas; não
se sabe, na maioria das vezes, a posição nosológica exata do quadro mental.
1
No início, pelo menos, êle é freqüentemente "impuro' . Com nossos meios
diagnósticos psicopatológicos, isso é quase regra. Talvez porque estejamos
a insistir na orientação psicopatológica, que será aqui imprestável, quando
deveríamos tomar outra — patofisiológica — talvez capaz de orientar nou-
tra direção o estudo da esquizofrenia, considerando não o aspecto psicopato-
lógico puro, mas as condições de aparição, as alterações somáticas e a pre-
paração hereditária, que abrem o caminho a síndromes esquizofrênicas, ini-
cialmente "impuras", mas que, com o decurso, cada vez mais se tipificam.
Enfim, quanto às esquizofrenias, o puerpério se vem somar a duas outras
etapas evolutivas — puberdade (sentido lato) e involução — que parecem
favorecer seu advento.

CASUÍSTICA

Observamos 30 pacientes apresentando psicoses puerperais; em lugar de publicar


as observações de cada uma — o que, mesmo feito resumidamente, alongaria demais
a exposição — julgamos ser mais útil considerá-las em conjunto, sob os pontos de
vista da idade, biótipo, herança, personalidade anterior, momento da eclosão dos sin-
tomas, modo de início da psicose, tipo de parto, diagnóstico clínico da psicopatia,
sintomatologia e terapêutica empregada. Em todos os quadros que serão expostos
e analisados, os pacientes foram divididos em três grupos: os do grupo A tiveram
remissão total; nos do grupo B o desfecho é ignorado; os d o grupo C evoluíram
para a cronicidade.

1. Idade — Em nosso material as psicoses puerperais apareceram entre 16 e


36 anos; 6 3 % dos casos situavam-se entre 21 e 30 anos; 5 6 % entre 24 e 35 anos.
A s psicoses puerperais surgidas depois dos 30 anos parecem ter melhor prognóstico.
Como todas as que se cronificaram ( g r u p o C ) se tornaram nitidamente esquizofrê-
nicas e como nenhuma dessas pacientes tinha mais de 30 anos ao iniciar a psicose,
parece provável que as psicoses mais curáveis — as que irrompem após os 30 anos
— no que tange à idade, afastam-se evidentemente do que se chamava demência pre-
c o c e ; as aproximadas — etàriamente, pelo menos — da demência precoce, são in-
curáveis ou menos curáveis. A recíproca — quanto mais j o v e m a puérpera com
psicose, menos curável será — não foi confirmada em nosso material. Entretanto,
isso merece verificações.
2 . Biótipo — Nossos biótipos foram determinados de modo falho; com impres-
são visual e tendência a tipificar um quadro puro. Sabemos como é difícil, nas mu-
lheres, excluir o tipo pícnico e incluir o atlético. Assim mesmo lançaremos nossas
conclusões: a ) predominam as leptossomáticas; b ) as pícnicas de nossa casuística
curaram, sem exceção.

3. Herança — Para este estudo estatístico, cada um dos pais das pacientes foi
tomado como unidade. Incluímos no "grupo neurótico" quando havia um ou mais
dos seguintes diagnósticos: alcoolismo, psicopatias, neurose.
Apesar da deficiência dos nossos dados, há fatos dignos de relevo: no grupo
que não remitiu, com um total de 5 puérperas (10 pais), 5 pais são neuróticos, per-
sonalidades psicopáticas ou alcoolistas (50%), sendo os restantes normais; no grupo
que remitiu, do total de 17 (34 pais) só 16 mulheres são bem conhecidas sob este
aspecto (32 p a i s ) , sendo que 4 pais são neuróticos, personalidades psicopáticas ou
alcoolistas e 2 são alienados, ao passo que 26 pais (81%) não têm desordens mentais
ou da personalidade. Vemos que: a ) a freqüência de desordens mentais (excluída
a alienação) nos pais das doentes que remitiram (18,7%) é quase 3 vezes menor que
a do grupo que não remitiu (50%) ; b ) a ausência das mesmas desordens é muito
maior (81,20%) no grupo que remitiu: c ) a presença de alienação na ascendência
não agrava o prognóstico.
Considerando os irmãos das pacientes com psicose puerperal ( a unidade contada
aqui é a puérpera e não o irmão anormal), teríamos:

Considerando os colaterais (cada colateral anormal conhecido é contado como


unidade e ignora-se o número total porque ignoramos se havia anomalias mentais
entre os colaterais desconhecidos), teríamos:
Tomando agora a puérpera e não o colateral como unidade, verificamos que,
no grupo A (todas com remissão t o t a l ) , das 17 puérperas, são conhecidos os cola-
terais de 16: 8 não têm tara nos colaterais, 4 têm-na de alienação, 1 tem-na de
neuróticos, 2 têm-na de suicidas, 1 tem-na de psicose puerperal. N o grupo C, das
que não remitiram (5 puérperas) verificamos que 3 não têm tara nos colaterais,
uma teni-na de alienação e uma tem-na de neuróticos.

Procuramos, também, verificar a existência de taras em ascendentes afastados,


obtendo os seguintes dados:

Destes dados relativos à herança ressalta o predomínio proporcional de desordens


mentais entre os pais do grupo das pacientes que não remitiram, mesmo levando em
conta nossas grandes deficiências anamnéstieas. Sobremodo curiosa é a aparição de
psicoses puerperais, em qualquer categoria de parentesco (excetuadas as mães) de
nossas doentes. E m 29 doentes com tara conhecida encontramos 5 com um ou mais
parentes acometidos de psicose puerperal. Entretanto, ainda mais curioso é que uma
de nossas doentes tem 7 irmãs, uma avó e uma sobrinha que foram acometidas de
psicose puerperal. Também notável é que uma de nossas doentes tenha tido 6 pri-
mos que se suicidaram, tendo ela própria tentado a auto-eliminação. Talvez mereça
menção o fato de duas doentes nossas terem progenitoras falecidas de parto e uma
outra falecida de ginecopatia. A presença de alienação mental nos pais, colaterais
ou ascendentes afastados é maior no grupo que remitiu. A tara de alienação não
parece, pois. ter papel agravador do prognóstico.

4. Personalidade anterior — Não se pôde apurar com exatidão a personalidade


anterior de todos os doentes. A s fichas de nossas doentes haviam sido confecciona-
das sem uniformidade, de modo q\ie não era possível usá-las todas para uma esta-
tística. Observamos, na personalidade pré-psicótica das puérperas com doença men-
tal: a ) forte predomínio das extrovertidas (16 em 23 casos conhecidos); b ) forte
predomínio das ajustadas conjugais (19 em 25 casos c o n h e c i d o s ) ; c ) predomínio
das ciumentas (9 em 15 casos c o n h e c i d o s ) ; d ) leve predomínio das mulheres de boa
escolaridade (12 em 21 casos conhecidos).
Quanto ao prognóstico há pouca coisa a registrar: a ) A introversão pré-psicó-
tica é rara mas não parece ser de mau prognóstico, como talvez se pudesse presumir
do que se conhece em outras psicoses. Encontramos, ao todo, 5 introvertidas, das
quais 4 curaram, b ) A extroversão pré-psicótica nada indicou quanto ao prognós-
tico. D e 13 em tais condições, 10 curaram, mas a extroversão é tão freqüente que
este predomínio nada indica. Deve-se notar que, em nosso material, predominaram
as extrovertidas não pícnicas. Percebe-se logo a dissociação: o biótipo pícnico in-
dica bom prognóstico mas a extroversão sem biótipo pícnico não dá indicação p r o g -
nostica.

5. Prognóstico em relação a episódios psicopáticos anteriores e ulteriores, puer-


perais ou não, ao número de partos c abortos, ao número de episódios mentais, ao
número de ordem do parto em que apareceu a psicose — Para o estudo destes da-
dos tomaram-se 29 puérperas (quanto à 30.», ignora-se em que parto sobreveio a
psicose puerperal) que tiveram 86 partos e 11 abortos, sendo de 37 (33 em partos
e 4 em abortos) o número total de surtos psicóticos. Chegamos às seguintes conclu-

sões: 1) Nossos dados não confirmam que as primíparas sejam vítimas prediletas
das psicoses puerperais; a preferência proporcional oscila sem que o acme de pre-
ferência caiba às primíparas. 2 ) A s psicoses puerperais têm, em regra, bom prog-
nóstico. Dos 37 surtos psicóticos, curaram-se 24 e 5 cronificaram-se; ignoramos o
desfecho de 8 casos. T o d o s os casos que se cronificaram, adquiriram a fisionomia
esquizofrênica, qualquer que tenha sido a fisionomia clínica inicial. 3) Das 8 reci-
divas que observamos (em 6 mulheres houve um episódio recidivante e em duas houve
2 episódios recidivantes) em 5 houve cura, em 2 o desfecho foi ignorado e unia cro-
nificou-se. Isto permite concluir que, em regra, também a recidiva de psicose puer-
peral tem bom prognóstico. Uma mulher que teve por 3 vezes psicose puerperal,
remitiu todas as 3 vezes; outra com 3 psicoses em 3 puerpérios, remitiu de 2, sendo
ignorado o desfecho da última recidiva. 4) Quando aparece episódio psicótico extra-
puerperal em mulher que j á teve psicose puerperal e que dela remitiu completamente,
o prognóstico, via de regra, é mau. Mas se o episódio extra-puerperal é anterior ao
puerperal, o último episódio psicótico puerperal não terá agravado, pela condição
puerperal, o seu prognóstico. Mas a mulher não puérpera que apresenta um surto
psicótico, embora haja vencido um episódio puerperal no passado, tem o prognóstico
consideravelmente agravado agora. Naturalmente, somos levados a pensar que se
trata de esquizofrenias que, conforme necessitem ou não da ajuda do puerpério, têm
melhor ou pior prognóstico. Se são puramente endógenas, o prognóstico é pior do
que quando há uma ação exógena, como o puerpério; excetuam-se os casos em que
o episódio anterior ao puerpério não era esquizofrênico. 5) Impossível decidir, com
o escasso material que temos, se o prognóstico das psicoses em primíparas é pior
(como se costuma afirmar) do que nas restantes puérperas com psicoses; entretanto,
parece que não é esse o caso. 6) Das 29 puérperas com 86 partos (33 surtos psi-
cóticos) e 11 abortos (4 surtos psicóticos), deduz-se que a freqüência de psicoses no
parto e no aborto é mais ou menos a mesma. 7) Quanto ao prognóstico das psi-
coses no pós-parto ou no pós-abôrto, não temos número que autorize conclusões. Nos-
so escasso material indica que só poderemos comparar o material do grupo A (no
qual a psicose remitiu) com o do grupo C (no qual a psicose não remitiu) e assim,
teremos, quanto ao parto e aborto: a — em 56 partos, verificamos 23 psicoses, das
quais 4 cronificaram-se e 19 curaram; b — em 9 abortos, verificamos 3 psicoses,
das quais uma cronificou e 2 curaram. Conforme tais dados, o prognóstico parece
ser o mesmo no parto ou no aborto. S) Duas vezes vimos mulheres que tiveram por
três vezes psicose puerperal; seis vezes vimos mulheres que tiveram duas vezes psi-
cose puerperal. Portanto, num total de 29 mulheres, oito delas repetiram a psicose
puerperal. Se das 29 puérperas, retiramos aquelas que não poderiam repetir epi-
sódio psicótico porque não mais tiveram puerpério e que são em número de oito,
teremos que, das 21 puérperas multiparas, oito tiveram mais de um episódio. A nos-
so ver, isto demonstra que quase 40% das mulheres que tiveram psicose puerperal
voltarão, se novo parto ocorrer, a tê-la, o que autoriza, em nossa opinião (e inspi-
rados na legislação alemã, indiscutivelmente sábia) a cogitar da indicação da con-
traconcepção.

6. Influência do modo de início, febril ou subfebril — 1) Quase metade das


psicoses foi acompanhada de início febril ou subfebril. 2 ) Pacientes que tiveram
ou não febre têm a mesma probabilidade de cura, mas podem igualmente se croni-
ficar — e para isto há uma ligeira tendência dos casos não febris. 3) K conceito
clínico que a reação exógena típica freqüentemente tem um de dois desfechos: re-
missão completa ou morte. Dos nossos 8 casos febris de desfecho conhecido, dois
passaram à cronicidade e nenhum teve êxito letal. Este é um terceiro desfecho —
o menos freqüente — de término de uma reação exógena: abre a porta para psi-
cose endógena. 4) O início febril tem, por si só, valor prognóstico quase nulo e
não é suficiente caracterizar um caso com exógeno quando o quadro psíquico conco-
mitante não o apoia.
7. Influência dos fatores ligados à dificuldade no parto •— 1) A s psicoses puer-
perais advindas nos partos simples são mais numerosas que nos partos complicados
(17 para 9 ) ; ignoramos se tal coisa se confirmará proporcionalmente, a saber, se o
parto complicado gera psicoses mais freqüentemente que o simples. Tal indagação
só é possível nas maternidades. É necessário, naturalmente, estabelecer a proporcio-
nal freqüência entre partos simples e complicados. Só depois poderemos saber se
as psicoses incidem mais em um dos grupos que no outro. 2 ) Os abortamentos —
contidos no item anterior sob a rubrica "partos complicados" — foram considerados
invariavelmente como "complicados", ainda que não houvesse febre; assim agimos
com os partos com fórcipe, sob anestesia ou sem ela, mesmo que ocorresse febre,
nascimento por cesariana, etc. Naturalmente não consideramos, para nossa casuís-
tica, a simples rotura do períneo como complicação. 3) Não nos pareceu que com
o ser o parto simples ou complicado, se pudesse tirar indicações prognósticas.

8. Diagnóstico mais cabível para a psicopatia — Psicologicamente considerados,


os quadros endógenos e exógenos se equilibram (12 por 1 2 ) . Daí estão excluídos os
psicógenos e os depressivos, estes últimos porque não eram suficientemente límpidos,
sendo, por isso, impossível dizê-los endógenos quando havia suspeita de serem reati-
vos. Evitamos o diagnóstico de psicose maníaco-depressiva porque este conceito
atualmente ganhou maior precisão com as "constituições pícnico-timopáticas". D e
nossas pacientes com depressão, uma poderia ser rotulada como pícnico-timopática,
mas a outra é incerta. Por isso, resolvemos reunir os dois casos depressivos sem
maiores pretenções. Os demais diagnósticos compreendem-se p o r si mesmos. Raras
vezes a psicose exógena "típica febril" declinava e o quadro mental tomava tonali-
dades maníacas; noutro serviço possivelmente seria rotulada de maníaca esta sín-
drome. Mas nossa preocupação aqui diz respeito sobretudo à etiologia geral e, só
depois, à fisionomia clínica. Podemos concluir que: 1) a aparição de típicos tra-
ços exógenos foi, de modo geral, sinal de bom prognóstico ou de morte (4 por 1 ) .
2 ) A aparição de quadros atípicos de esquizofrenia também significou prognósticos
favoráveis (4 por 1 ) . 3) A s formas depressivas e as reações psicógenas também ti-
veram bom prognóstico (5 por 0 ) . 4) A s formas típicas de esquizofrenia conservam,
quanto ao valor prognóstico, a percentagem geral das psicoses puerperais; em cada 4,
aproximadamente 3 são curáveis. 5) H á psicoses cujo quadro mental permite que
se pense em etiologia exógena, mas que evoluem sem sinais somáticos e sem febre,
como psicoses endógenas. Em nossa casuística, das 3 vezes que isto aconteceu, houve
cronificação em 2 casos.

Nota — Dizemos que uma esquizofrenia é típica quando, além de ser apirética
e sem etiologia demonstravel, apresenta um ou mais dos seguintes sintomas: incom-
preensibilidade do conteúdo psíquico, alterações do "eu" (Ichstõrungen), percepções
alteradas com tipo esquizofrênico, idéias delirantes verdadeiras ( W a h n i d e e n ) . Serão
atípicas as esquizofrenias que apresentam sintomas que também se vêm fora da es-
quizofrenia: agitação, autismo, desleixo pessoal, inafetividade (total ou parcial),
idéias de perseguição, apatia, angústia, solilóquios, risos e choros sem aparente mo-
tivo, alucinações sem o sinete esquizofrênico, agressividade, perda do sentido ético.

9. Sintomatologia — Os sintomas mais freqüentes foram: agitação ou inquie-


tação considerável, alucinações (visuais e auditivas), incoerência, insônia, perda es-
pecificada da afetividade (ou em relação ao marido ou em relação aos filhos, etc.)
e idéias delirantes de perseguição. Pelos dados assinalados no quadro abaixo per-
cebe-se que foram sintomas de bom prognóstico: insônia, angústia, choros constantes,
-depressão, sensação de morte iminente. Ora, estes sinais são comuns nas neuroses e
nas depressões psicógenas ou endógenas. Percebe-se que foram sinais de mau prog-
nóstico: (notar que estamos comparando 17 casos curados com apenas 5 c r ô n i c o s ) :
inafetividade total, ciúme delirante, autismo. Ora, esses são sinais encontradiços so-
bretudo nas esquizofrenias, incluindo aí as suas afins, psicoses paranoides dos fran-
cêses. Não deram segura indicação prognostica: a agitação, as alucinações, a in-
coerência, a desorientação, a percepção de tipo esquizofrênico e a perda "especifi-
cada" da afetividade.

Nota — Vê-se, pois, de acordo com o item anterior, que o quadro esquizofrênico
típico ou atípico não dá indicações prognósticas. Também não as dá a presença de
quadros esquizofrênicos ou não esquizofrênicos. Entretanto, certos sinais da série es-
quizofrênica podem dar indicação prognostica; uns nada indicam e outros são de
mau prognóstico. Também em relação aos pacientes esquizofrênicos Langfeldt disse
coisa análoga. Verifica-se, assim, que talvez se possam obter dados para o prog-
nóstico, apurando o significado de cada sintoma, em vez de síndromes (hebefrênica,
catatônica, e t c ) .

10. Terapêutica — 1) O método mais empregado — eletrochoque — deu maior


número de resultados. Usado vinte e três vezes, ocasionou doze remissões. Em 3
vezes das 6 em que falhou, a insulinoterapia rematou curando os doentes inalterados
frente ao método de Cerletti. 2) A insulinoterapia foi empregada 8 vezes; quatro
remissões se devem a este tratamento; também êle falhou 2 vezes. 3 ) Duas vezes
observamos remissão espontânea. Kste fato, observado poucas vezes no material que
esteve sob nossas vistas, não foi raro que ocorresse em puerpérios anteriores de nos-
sas pacientes, que não foram então observadas por nós; alguns dos episódios são
mesmo anteriores aos modernos tratamentos de Sakel e Cerletti. Tivemos a im-
pressão de nem sempre serem eles psicógenos límpidos, como foi o caso de dois (em
total de 3) psicógenos que pudemos observar. 4) Em um caso de psicose puerperal
febril, após o tratamento medicamentoso o fator exógeno remitiu sem que a síndrome
mental também o fizesse. Foi então empregado o método de Cerletti, com cura com-
pleta.
D o exposto verifica-se que, com os modernos tratamentos, as psicoses puerperais
têm prognóstico análogo ao que tinham antigamente. Na estatística do Rómer, um
terço dos casos com início exógeno puro ou exo-endógeno terminava na esquizofre-
nia. N o trabalho de Schroder, de 8 psicoses puerperais puramente sintomáticas (exó-
genas), 5 curaram e 3 morreram. Nossa casuística é semelhante. Em 8 casos nas
condições dos de R ó m e r verificamos o seguinte desfecho: 5 curaram, 1 faleceu e 2
cronificaram. Nosso material demonstra menor número de mortes e mais ou menos
o número de remissões que Rómer e Schroder obtiveram.
O início febril, que deveria garantir o selo exógeno da psicose, nem sempre o
faz com nitidez: a psicose é febril ou subfebril, mas o colorido exógeno — onirismo,
alucinações visuais, desorientação e incoerência — nem sempre se salienta ou nem
sempre se completa.
Acreditamos ter visto quadros esquizofrênicos em psicoses assim iniciadas. Sem
dúvida, foi quando observou fatos dessa ordem, que Rómer falou em exo-endógeno
e nós falamos em "possivelmente exógenas", ao lado das "exógenas típicas". Schro-
der tem linguagem diferente, como foi citado na introdução do presente trabalho.
Assim considerando, as psicoses iniciadas desta maneira nem por isso têm melhor
prognóstico (5 remissões em 8 c a s o s ) .
Observamos que psicoses surgidas após parto, foram, por 2 vezes, quase silen-
ciadas pelo tratamento. L o g o depois, porém, reacendeu-se a psicose e nenhum tra-
tamento mais logrou resultado. O mesmo aconteceu com outra doente do grupo B ,
que iniciou o tratamento somente quatro anos após o início da doença. Isto signi-
fica que aquelas duas doentes (não levando em conta a do grupo B ) portaram-se
como não é raro acontecer com esquizofrênicas. A síndrome atual de ambas é de
tipo esquizofrênico característico.

Sanatório Bahia, Largo da Lapinha .?? — Salvador — Bahia.


ARTIGO DE REVISÃO Medo do parto
em gestantes
Fear of childbirth among pregnant women
Rafaela Saragiotto Ferreira de Mello1, Sérgio Floriano de Toledo1, Anderson Benegas
Mendes1, Carolina Ribeiro Melarato1, Danilo Saragiotto Ferreira de Mello1
Descritores
Obstetrícia; Fobia; Ansiedade; Parto RESUMO
humanizado; Depressão pós-parto
Objetivo: Traçar um perfil epidemiológico do medo do parto em gestantes em San-
tos, correlacionando as variáveis idade, escolaridade, estado civil, paridade, perdas
Keywords
gestacionais prévias e intercorrências gestacionais. Métodos: Estudo transversal,
Obstetrics; Phobic disorders; Anxiety;
realizado em programa pré-natal de risco habitual em cinco Unidades Básicas de
Childbirth; Postpartum depression
Saúde de Santos, com coleta de dados entre novembro de 2019 e fevereiro de
2020. Critérios de inclusão: idade gestacional maior ou igual a 28 semanas, maiores
de 18 anos, preferência por parto vaginal, alfabetizadas em português. A amostra
foi de 67 participantes, que responderam ao Questionário sobre o Medo Percebi-
do do Parto (QMPP), versão portuguesa do Wijma Delivery Expectancy/Experience
Questionnaire versão A, e a uma ficha com dados sociodemográficos. Resultados:
A pontuação média no QMPP foi 79,3. Observou-se uma prevalência de 31,4% de
gestantes com escore maior ou igual a 85, que compreende medo do parto intenso
e tocofobia. A pontuação no QMPP apresentou correlação fraca positiva com idade.
Conclusão: A prevalência de medo do parto no presente estudo se assemelhou
àquela observada em metanálises internacionais. Este estudo pode embasar tanto
futuras pesquisas sobre medo do parto no Brasil como projetos públicos para diag-
nóstico e tratamento dessa condição nas gestantes brasileiras.

ABSTRACT
Objective: To obtain an epidemiologic profile of the pregnancies affected by fear of
childbirth in Santos, correlating variables such as: age, schooling, marriage status,
parity, previous gestational losses, and pregnancy complications. Methods: Trans-
versal study located in five polyclinics in Santos, in habitual risk prenatal program.
The data was collected between November 2019 and February 2020. Inclusion criteria:
gestational age equal or greater than 28 weeks, women older than 18 years, wish for
vaginal birth, alphabetized in Portuguese. The final sample was 67 participants, which
Submetido:
23/09/2020 completed the Questionário sobre o Medo Percebido do Parto, Portuguese version
of Wijma Delivery Expectancy/Experience Questionnaire version A, and a sheet with
Aceito: sociodemographic data. Results: The average score on QMPP was 79,3. It was found
26/01/2021 a prevalence of 31,4% of pregnant women with scores equal or greater than 85, which
comprehends intense fear of childbirth and tocophobia. The QMPP score presented
1. Centro Universitário Lusíada, a weak positive correlation with age. Conclusion: The prevalence of fear of childbirth
Santos, SP, Brasil. obtained in this study resembles the results of international metanalysis. This study
can base future research about fear of childbirth in Brazil, as well as public projects
Conflito de interesses:
Nada a declarar. to diagnose and treat this condition in Brazilian women.

Autor correspondente:
Rafaela Saragiotto Ferreira de Mello INTRODUÇÃO
Av. Washington Luís, 477, Vila Matias, A gestação, o parto e o puerpério são períodos singulares na vida de uma
11055-001, Santos, SP, Brasil.
rafaelasaragiotto@gmail.com
mulher, marcados por dúvidas e expectativas. Apesar de o parto ser um pro-
cesso inteiramente biológico, para muitas mulheres ele está associado a dor,
Como citar? sofrimento e a uma ampla gama de medos, frequentemente nutridos e exacer-
Mello RS, Toledo SF, Mendes AB,
bados pela mídia e pelo estilo de vida acelerado e imediatista da atualidade.(1)
Melerato CR, Mello DS. Medo
do parto em gestantes. Femina. O medo do parto (do inglês, fear of childbirth) é uma condição frequente
2021;49(2):121-8. nas gestantes, principalmente naquelas no último trimestre, sendo descrito

FEMINA 2021;49(2):121-8 | 121


Mello RS, Toledo SF, Mendes AB, Melerato CR, Mello DS

como um medo debilitante que interfere nas funções liano, holandês, japonês, árabe, entre outros.(6,15-17) Lou-
domésticas, ocupacionais, atividades sociais e relaciona- reiro (2013) (15) traduziu e validou o W-DEQ versão A para
mentos. Em algumas pacientes, a condição é tão severa o português, nomeando-o Questionário sobre o Medo
que pode levar a uma fobia específica: a tocofobia.(2-4) Percebido do Parto (QMPP).
Sua gênese engloba o medo da dor, de intervenções Ao longo dos anos, diversas notas de corte foram
médicas como episiotomia, da perda do controle duran- adaptadas para classificar as pontuações quanto ao
te o parto e da falta de apoio. Também são referidos o grau de medo do parto. A literatura internacional, em
medo da falta de condições socioeconômicas para sus- sua maioria, reconhece que escores maiores ou iguais a
tentar o filho e o zelo pelo bem-estar do recém-nascido 85 representam medo intenso, enquanto menores que
ou o receio da própria morte.(5,6) Paralelamente, fatores 85, medo reduzido-moderado, também chamado de
como não poder tomar decisões durante o parto, a so- “medo administrável”. Um escore superior a 100 é con-
lidão e um eventual despreparo da equipe médica exa- siderado como tocofobia.(14,17-19) Zar et al. (2001) (20) discri-
cerbam a condição.(2,3,7) minaram mais precisamente a classificação de medo do
Uma metanálise sugere que a tocofobia possui preva- parto segundo o escore no QMPP. Segundo eles, pontua-
lência mundial entre 3,7% e 43%, com prevalência média ções de 0 a 37 indicam medo reduzido, de 38 a 65, medo
em 14% das gestantes. Conjectura-se que tal heteroge- moderado, de 66 a 84, medo elevado, de 85 a 99, medo
neidade nos resultados se deva principalmente à falta de intenso e acima de 100, tocofobia.(15,20)
consenso na definição de tocofobia e aos limites impre- O medo da dor é a causa mais frequente de medo
cisos entre medo do parto e ansiedade generalizada.(4,8) do parto e o principal fator que faz a gestante optar
Fatores como baixa autoestima, predisposição a trans- pelo parto cesáreo, muitas vezes de forma eletiva e sem
tornos de ansiedade, história de abuso sexual, fraca rede indicação obstétrica. Atualmente, o Brasil é o segundo
de apoio social, relacionamentos amorosos débeis e ex- país que mais realiza cesáreas no mundo, representan-
periências adversas prévias com parto ou perdas gesta- do 57% dos partos, taxa muito acima dos 15% preconiza-
cionais são fatores de risco associados à fobia.(9) dos pela Organização Mundial de Saúde. Conjectura-se
O medo do parto intenso é capaz de promover alte- que as complicações maternas graves decorrentes de
rações fisiológicas no organismo materno, como aumen- cesarianas mal indicadas são um fator que contribui
to da pressão arterial, prolongamento da fase ativa da para o lento processo de redução da mortalidade ma-
dilatação cervical, maior risco de pré-eclâmpsia, parto terna no Brasil.(1,5,8)
prematuro, cesariana de emergência, parto vaginal ope- Considerando os fatos citados, o presente trabalho
ratório, depressão pós-parto, baixos índices de amamen- tem por objetivo analisar a prevalência do medo do par-
tação e maior admissão do recém-nascido em unidades to nas gestantes usuárias da rede pública no município
de terapia intensiva (UTIs).(5,7-9) A tocofobia foi observada de Santos, por meio da aplicação do QMPP. Também visa
em gestantes que sofriam de depressão pré-natal e está correlacionar variáveis como idade, estado civil, escola-
associada ao risco de distúrbios do sono, promovendo ridade, idade gestacional, paridade, perdas gestacionais
também dificuldades na comunicação entre médico e pa- prévias e intercorrências obstétricas na atual gestação.
ciente.(9,10) Há também associação entre medo do parto e Dessa maneira, ao melhor compreender as variáveis
menores níveis de tolerância à dor, com maior solicitação que norteiam a experiência do parto vaginal por parte
por analgesia epidural durante o parto.(11,12) das gestantes, abrem-se caminhos para que políticas
Diante da necessidade de elaboração de uma ferra- públicas de controle de ansiedade e medo do parto se-
menta para mensuração da severidade do medo do par- jam implementadas na assistência pré-natal, a fim de
to, abrangendo as nuances que a diferenciasse das tra- propiciar uma assistência ao parto mais humanizada,
dicionais escalas de estresse e ansiedade, Wijma et al.(6) com maior enfoque à saúde mental da gestante.
desenvolveram, em 1998, o Wijma Delivery Expectancy/
Experience Questionnaire (W-DEQ), dividido em versão MÉTODOS
A e B, para mensurar o medo do parto por meio das
expectativas pré-parto e experiências pós-parto, respec- Trata-se de um estudo transversal cuja coleta de dados
tivamente.(5,6,13,14) em campo foi iniciada em novembro de 2019 e encer-
Trata-se de um questionário de autopreenchimento rada em fevereiro de 2020. A pesquisa abrangeu cinco
composto por 33 perguntas objetivas, avaliando receios UBSs de diferentes regiões da cidade, a fim de garantir
e expectativas relativamente ao parto vaginal e classi- maior heterogeneidade da amostra (UBS Conselheiro
ficando-os em uma escala de Likert de seis pontos, de Nébias, UBS Marapé, UBS Gonzaga, UBS Aparecida e UBS
“nem um pouco” (0) a “extremamente” (5). O somatório Vila Nova). A escolha das UBSs deu-se de forma aleató-
das pontuações varia de 0 a 165; quanto maior o escore, ria por meio de sorteio em plataforma on-line.
maior a intensidade do medo do parto.(13-15) Segundo dados do Datasus, no ano de 2017 foram
A ferramenta possui alta confiabilidade na predição registrados 4.146 partos vaginais de gestação única no
de medo do parto, com um alfa de Cronbach igual a 0,93, município de Santos. Com base nisso, calculou-se a
e já está validada nos idiomas sueco, inglês, turco, ita- amostra mínima recomendada para o estudo, levando

122 | FEMINA 2021;49(2):121-8


Medo do parto em gestantes
Fear of childbirth among pregnant women

em consideração um período de cinco meses para a Para avaliar se houve diferença estatística na pontua-
aplicação dos questionários, assim como um erro amos- ção do questionário, levando em consideração as ca-
tral de 5% e nível de confiança de 90%. Essa amostra foi racterísticas sociodemográficas, foi realizado o teste T
estimada em 253 participantes.(21) de Student em caso de distribuição paramétrica ou de
Todavia, diante da eclosão dos primeiros casos de Mann-Whitney em distribuição não paramétrica.
COVID-19 em Santos e das repercussões da pandemia, Para avaliar se houve diferença entre os grupos
optou-se por encerrar a coleta de dados em campo an- “medo reduzido-moderado”, “medo intenso” e “tocofo-
tes do previsto, finalizando-a com uma amostra de 67 bia”, considerando os escores do questionário no que
participantes. diz respeito a características sociodemográficas, foi apli-
As gestantes que compareceram ao pré-natal nas cado o teste de ANOVA ou Kruskal-Wallis para desfechos
UBSs foram convidadas pelos pesquisadores a partici- contínuos ou qui-quadrado para desfechos qualitativos.
parem do estudo. Foram feitas explicações sobre o ob- Foram considerados valores significativos um p me-
jetivo da pesquisa, deixando clara a voluntariedade da nor que 0,05 e um intervalo de confiança de 95%. O pro-
participação e esclarecendo possíveis dúvidas. As ges- grama estatístico utilizado foi R versão 3.6.1.
tantes foram orientadas pelos pesquisadores quanto ao O trabalho foi submetido e aprovado pelo Comitê de
correto preenchimento do questionário. Ética em Pesquisa da Fundação Lusíada (CEP-Unilus),
As participantes tomaram ciência do estudo e de sua sob o CAAE 25777919.5.0000.5436.
finalidade e concordaram em participar dele por meio
de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Com o RESULTADOS
objetivo de preservar a privacidade das voluntárias, no-
Das 71 participantes elegíveis para o estudo, quatro fo-
mes e informações pessoais irrelevantes para a pesqui-
ram excluídas por preenchimento incompleto e/ou in-
sa foram omitidos.
correto do questionário, resultando em uma amostra
Os critérios de inclusão foram: gestantes a partir da
final de 67 participantes.
28ª semana de gestação, com idade maior ou igual a 18
Os dados demográficos e gestacionais estão descri-
anos, alfabetizadas em português, que planejavam con- tos nas tabelas 1 e 2. A média de idade era de 26 anos
ceber por meio de parto vaginal e que deram consenti- (DP = 5,86), sendo a mínima 18 e a máxima 40 anos. A
mento expresso para a inclusão na pesquisa. maioria das participantes era casada ou em união está-
Os critérios de exclusão foram: menores de 18 anos, fal- vel (55%, n = 37).
ta de consentimento, gestação múltipla e cesariana eletiva.
Primeiramente, foi solicitado às gestantes que preen- Tabela 1. Frequência de dados demográficos e gestacionais
chessem sozinhas o QMPP (Anexo 1). Após o término do
Variável n (%)
questionário, os pesquisadores completaram uma ficha
composta por dados sociodemográficos e obstétricos, que Estado civil 67
incluíam idade, estado civil, grau de escolaridade, idade Solteira 30 (44,77)
gestacional, gestações prévias, número de partos prévios Casada/união estável 37 (55,22)
e comorbidades obstétricas na gestação atual. Essas infor-
Escolaridade 67
mações foram obtidas por meio de entrevista com a parti-
cipante, com perguntas diretas e em linguagem acessível. Ensino fundamental incompleto 5 (7,46)
A duração média da aplicação do questionário e da Ensino fundamental completo 9 (13,43)
entrevista foi de 10 minutos. Ensino médio incompleto 15 (22,38)
Os dados coletados foram tabulados e posterior-
Ensino médio completo 23 (34,32)
mente submetidos a análise estatística. As variáveis
categóricas foram descritas por meio de frequência e Ensino superior incompleto 8 (11,94)
porcentagens (estado civil, escolaridade, intercorrências Ensino superior completo 6 (8,95)
na gestação e primípara ou multípara). Nas variáveis
Pós-graduação 1 (1,49)
contínuas (idade, pontuação no questionário, número
Primigesta 67
de gestações, número de partos e idade gestacional),
foram calculados a média e o desvio-padrão para dados Sim 32 (47,76)
normais ou mediana e percentis (p25-p75) para dados Não 35 (52,23)
com distribuição não paramétrica. Perdas em gestações anteriores 67
O teste de Shapiro-Wilk foi utilizado para determinar
a distribuição paramétrica ou não dos dados. Para cor- Sim 3 (4,47)
relacionar a pontuação no QMPP com idade e idade ges- Não 64 (95,52)
tacional, foram utilizados o teste de correlação de Pear- Intercorrências 67
son para dados contínuos de distribuição paramétrica
Sim 7 (10,44)
e o teste de correlação de Spearman para distribuição
não paramétrica. Não 60 (89,55)

FEMINA 2021;49(2):121-8 | 123


Mello RS, Toledo SF, Mendes AB, Melerato CR, Mello DS

Tabela 2. Média e mediana de dados demográficos e


obstétricos

Variável Média Desvio-padrão 68,6% Medo


Idade 26,09 5,86 reduzido-moderado

Idade gestacional 32,93 3,95 23,9% Medo intenso

Pontuação no questionário 79,31 13,92 7,5% Fobia

Variável Mediana Percentis 25-75


Número de gestações 1 0-1
Número de partos 1 0-1 Figura 1. Níveis de medo do parto na amostra, considerando
Intercorrências 67 notas de corte 85 e 100

Sim 7 (10,44)
40
Não 60 (89,55)
55,2%
30
Quanto à escolaridade, 34% das gestantes tinham

Frequências
ensino médio completo (n = 23), enquanto 7,5% (n = 5) 20
referiram possuir ensino fundamental incompleto.
23,9%
Em relação à paridade, 52,2% eram multigestas (n = 35) 10
e a idade gestacional média era de 33 semanas, variando 13,4%
7,5%
de 28 a 41 semanas. Por meio da diferença entre gesta- 0
ções prévias e partos prévios, inferiu-se que três partici- 0-37 38-65 66-84 85-99 ≥ 100
Medo reduzido Medo moderado Medo elevado Medo intenso Fobia
pantes (4,5%) tiveram alguma perda gestacional prévia.
Sete participantes (10,4%) referiram alguma intercor- Figura 2. Níveis de medo do parto observados na amostra,
rência na atual gestação, incluindo hiperêmese gravídi- segundo Zar et al. (2001)(20)
ca (n = 1), hipertensão arterial gestacional (n = 1), san-
gramento excessivo (n = 1), diabetes mellitus gestacional -moderado era de 25 anos, enquanto no grupo de toco-
controlado (n = 2), hipertensão arterial e anemia (n = fobia era de 30 anos. Apesar disso, não houve diferença
1) e uma internação por motivos incertos. Ressalta-se estatisticamente significativa de idade ou idade gestacio-
que todas as pacientes faziam pré-natal em programa nal nos grupos. Também não houve diferença no que diz
de risco habitual. respeito a escolaridade (p = 0,612), intercorrências (p =
A pontuação média no QMPP foi 79,3 (DP = 13,9), com 0,179), perdas prévias (p = 0,654) ou paridade (p = 0,069).
mínima de 40 e máxima de 112. Foi observada diferença estatisticamente significativa
Em relação à classificação quanto ao grau de medo do quando analisado estado civil (p = 0,017), demonstrando
parto, 46 gestantes (68,6%) tinham medo reduzido-mo- que os grupos de medo intenso e tocofobia foram ma-
derado, 16 (23,9%), medo intenso e 5 (7,5%), tocofobia. joritariamente compostos por mulheres casadas ou em
Tais frequências encontram-se distribuídas na figura 1. união estável.
Ao considerar como medo do parto pontuações maiores
ou iguais a 85, agrupando-se os grupos de medo intenso
DISCUSSÃO
e tocofobia, a prevalência foi de 31,4% (n = 21).
A figura 2 aponta a distribuição das frequências segun- Aproximadamente 80% das mulheres apresentam al-
do o grau do medo do parto com base nas notas de corte gum grau de medo do parto durante a gestação, em sua
adaptadas por Zar et al. (2001).(14,20) Observa-se que mais maioria na forma leve e benigna.(18) Entretanto, estima-
da metade (55,2%) apresentou medo elevado do parto. -se que em 14% das gestantes essa condição pode ul-
A partir da análise de dados, buscou-se correlacio- trapassar os limites da normalidade e se tornar severa
nar as variáveis sociodemográficas e gestacionais com a e incapacitante, com repercussões negativas à mulher
pontuação no QMPP. Foi observada uma correlação fraca e ao recém-nascido, sendo denominada tocofobia.(3,5,8)
positiva entre a idade e a pontuação (R = 0,3, p = 0,015). Por anos, o medo do parto foi englobado como uma
Não houve diferença estatística na pontuação do entidade pertencente aos distúrbios de ansiedade ge-
QMPP com idade gestacional (p = 0,98), estado civil (p rais, dadas as suas repercussões clínicas semelhantes,
= 0,65), escolaridade, levando em conta finalização do como dificuldades para dormir, preocupação excessiva e
ensino médio (p = 0,44), perdas gestacionais prévias (p = fadiga.(11) Nilsson et al. (2018) (2) afirmam que o campo de
0,33) ou intercorrências gestacionais (p = 0,16). pesquisa nesse tema é extenso e complexo, sem muitos
Ao estratificar as pacientes pelos grupos definidos consensos ou definições.
pela pontuação no questionário (Tabela 3), tendo como Metanálises demonstram que a prevalência mundial
valores de corte 85 a 99 para medo intenso e ≥100 para de tocofobia é de 12% em multíparas e de 16% em nulí-
tocofobia, a média de idade do grupo de medo reduzido- paras. Conjectura-se que essa prevalência é subestima-

124 | FEMINA 2021;49(2):121-8


Medo do parto em gestantes
Fear of childbirth among pregnant women

Tabela 3. Dados demográficos estratificados por grupo de acordo com o questionário QMPP

Medo reduzido-moderado Medo intenso Tocofobia


Variável n (%) n (%) n (%) p-value

Casada 46 16 5

Sim 27 (58,69) 5 (31,25) 5 (100) 0,017


Não 19 (41,3) 11 (68,75) 0 (0)
Ensino médio completo 46 16 5

Sim 28 (60,86) 8 (50) 2 (40) 0,612


Não 18 (39,13) 8 (50) 3 (60)
Primigesta 46 16 5

Sim 25 (54,34) 7 (43,75) 0 (0) 0,069


Não 21 (45,65) 9 (56,25) 5 (100)
Perda prévia 46 16 5

Sim 3 (6,52) 0 (0) 0 (0) 0,654


Não 43 (93,47) 16 (100) 5 (100)
Intercorrências 46 16 5

Sim 3 (6,52) 3 (18,75) 1 (20) 0,179


Não 43 (93,47) 13 (81,25) 4 (80)
Variável Média Média Média p-value

Idade 25,2 27,31 30 0,14


Idade gestacional 32,61 33,25 34,8 0,47

da, visto que não considera as mulheres cujo medo do Optou-se por selecionar uma amostra de gestações
parto é tão severo que, por isso, não engravidam, assim de risco habitual para evitar possíveis vieses que as
como aquelas que recorrem a um abortamento provo- complicações pré-natais ou gestações rotuladas como
cado por causa da fobia.(11) de alto risco acarretariam à amostra, como as repercus-
Ressalta-se também a influência da mídia na expe- sões de medo e ansiedade nas gestantes.
riência da gestação, muitas vezes representando o parto Até o momento da conclusão deste trabalho, em
com imagens de dor, sofrimento, desespero e descon- agosto de 2020, não foi encontrado nenhum relato da
trole. Rezende (2011),(22) ao analisar a representação da aplicação do QMPP em gestantes brasileiras nas bases
gestação em veículos de comunicação destinados às ges- de dados PubMed e SciELO, sendo este um trabalho pio-
tantes, observou que “o foco das matérias é a percepção neiro nesse sentido.
de uma natureza emotiva à gravidez, durante a qual os O período gestacional ideal de aplicação do QMPP
sentimentos de medo e ansiedade seriam recorrentes”. não foi definido por Wijma em seu trabalho original.
Ao averiguar a correlação com distúrbios psiquiátri- Porém, a maioria dos trabalhos internacionais optou
cos, Abdollahi et al. (2020) (23) evocam que gestantes com por aplicá-lo no terceiro trimestre de gestação, possi-
medo do parto possuem maiores taxas de transtornos velmente por ser essa a etapa que mais se aproxima do
de ansiedade, personalidade e humor e transtorno de nascimento, intensificando as expectativas da gestante
estresse pós-traumático, assim como histórico de abu- quanto ao trabalho de parto. O presente estudo deci-
sos físicos e/ou sexuais, esses associados principal- diu-se por confluir com a literatura, utilizando como cri-
mente à tocofobia em nulíparas. tério de inclusão gestantes a partir da 28ª semana.(2,15,20)
O presente estudo buscou estimar a prevalência de Observou-se prevalência de 31,4% de gestantes com
medo do parto em gestantes do município de Santos, escore maior ou igual a 85, que engloba medo do parto
assim como possíveis variáveis correlacionadas. Foi uti- intenso e fobia. Tal achado é condizente com a literatu-
lizado o QMPP para a mensuração do nível de medo do ra mundial, que aponta prevalência de medo do parto
parto da amostra, composta por 67 gestantes hígidas, entre 3,7% e 43%.(3,8)
maiores de 18 anos, com idade gestacional a partir da Concomitantemente, foi encontrada prevalência de
28ª semana, alfabetizadas em português, em acompa- 7,5% de tocofobia, correspondendo a escores maiores ou
nhamento pré-natal de risco habitual e que pretendiam iguais a 100. Essa prevalência é estimada em 14% por uma
ter um parto por via vaginal. metanálise internacional, porém essa utilizou diferentes

FEMINA 2021;49(2):121-8 | 125


Mello RS, Toledo SF, Mendes AB, Melerato CR, Mello DS

pontos de corte para estipular tal porcentagem.(3,5,8) Nesse meio de interrogação direta às participantes, fator que
sentido, Nilsson et al. (2018) (2) publicaram uma metanáli- pode ter ocasionado viés de memória, pelas dificulda-
se que incluiu 24 estudos metodologicamente fortes; três des de discernir entre aborto e perda gestacional ou
deles utilizaram como nota de corte escores maiores ou mesmo desconhecimento desse histórico, assim como
iguais a 100 no W-DEQ, resultando em uma média de 7,1% certa desinformação em relação às intercorrências du-
de prevalência de tocofobia nas gestantes, valor muito rante a gravidez. Sugere-se que tais informações sejam
semelhante ao evidenciado pelo presente estudo. checadas em prontuários em futuras pesquisas.
Em contrapartida, a amostra de participantes que Infelizmente, considerando as repercussões da pan-
pontuaram escores maiores ou iguais a 100 foi de ape- demia de COVID-19, a coleta de dados precisou ser in-
nas 5, número pouco representativo para definir uma terrompida com uma amostra aquém da desejada. Essa
real prevalência de tocofobia nas gestantes santistas. decisão levou em conta dois motivos: primeiro, por prezar
A pontuação média no QMPP foi de 79,3, representan- pela saúde tanto das gestantes como dos pesquisadores;
do uma média de medo reduzido-moderado do parto, segundo, cogitou-se que os reflexos da pandemia pode-
considerando a maioria dos trabalhos internacionais que riam exacerbar as sensações de medo e ansiedade nas
utilizam como nota de corte 85.(3) Porém, segundo Zar et participantes, influenciando os resultados da pesquisa.
al. (2001),(20) esse mesmo valor seria classificado como Pelos motivos expostos, pontua-se que seria perti-
medo elevado do parto. Ainda, se analisada conforme o nente a replicação do QMPP no cenário da pandemia,
trabalho original de Wijma et al. (1998),(6) que preconizou para, assim, ao comparar futuros resultados com aque-
uma nota de corte de 66, a amostra seria considerada les encontrados nesta pesquisa, averiguar os impactos
como portadora de medo intenso do parto.(6,15,20) da atual conjuntura epidemiológica no medo do parto.
O presente trabalho demonstrou fraca correlação po- Ressalta-se também que a amostra do presente tra-
sitiva entre a idade da gestante e a pontuação no QMPP, balho não é suficientemente representativa para toda a
sugerindo que quanto mais velha a mulher, maiores os população brasileira ou mesmo para a população usuá-
seus níveis de medo do parto. ria do sistema público de saúde santista. Nesse sentido,
Ao analisar a variável estado civil, foi observada uma a ampliação da amostra no futuro poderia tanto forne-
correlação estatisticamente significativa entre mulhe- cer a real prevalência de medo do parto no Brasil como
res casadas ou em união estável e os grupos de medo constatar de maneira mais fidedigna as variáveis impli-
intenso e tocofobia. No entanto, tal diferença pode ser cadas, colaborando com metanálises sobre o tema.
atribuída às limitações quantitativas da amostra, visto Durante a aplicação dos questionários, os pesquisado-
que o grupo de fobia foi totalmente constituído por mu- res notaram certa dificuldade por parte das participantes
lheres casadas. Essa mesma correlação não se mostrou em compreender o funcionamento do QMPP nos moldes
estatisticamente significativa quando avaliada a pon- da escala de Likert. Para muitas delas, foi preciso que os
tuação numérica do QMPP. pesquisadores esclarecessem oralmente mais de uma
Em relação à idade gestacional, não se observaram vez a dinâmica dele, apesar das instruções de preenchi-
diferenças significativas com a pontuação do QMPP ou a mento devidamente impressas no topo do questionário.
estratificação em grupos, contrapondo com um estudo Sabe-se que o QMPP foi originalmente desenvolvi-
transversal finlandês que demonstrou maiores pontua- do na Suécia, país cuja população possui escolaridade
ções no QMPP após a 21ª semana de gestação.(10) superior à da brasileira. Uma vez que 43,3% das parti-
Da mesma forma, não foram constatadas diferenças cipantes desta pesquisa não possuíam ensino médio
estatisticamente significativas entre participantes pri- completo, questiona-se se o QMPP não seria demasiado
míparas e multíparas em relação à pontuação ou ao complexo para ser aplicado em participantes de baixa
grupo pertencente. Rouhe et al. (2009) (10) afirmaram que escolaridade. Sugere-se a criação de uma nova escala
o medo do parto seria mais intenso em nulíparas. ou adaptação dela para a mensuração do medo do par-
Não foi evidenciada associação estatisticamente sig- to de forma mais acessível a essas gestantes.
nificativa entre escolaridade e medo do parto. Loureiro Com a expansão do conhecimento sobre o medo do
(2013) (15) correlacionou desemprego e menor nível de es- parto e suas implicações, diversas pesquisas vêm sendo
colaridade com maiores pontuações no QMPP, não en- conduzidas nas áreas de psicologia e psiquiatria a fim
contrando associação significativa com outras variáveis. de encontrar abordagens para os quadros mais seve-
Todavia, o presente trabalho utilizou como parâmetro ros. Abdollahi et al. (2020)(23) relataram que a psicotera-
de escolaridade a conclusão do ensino médio, e não os pia reduziu o medo do parto e o escore no QMPP mais
anos de escolaridade, como feito pelo estudo citado. Tal efetivamente do que o acompanhamento pré-natal de
divergência na mensuração possivelmente impactou os rotina. Duncan et al. (2017)(24) concluíram que 18 horas
seus resultados. de treinamento em mindfulness direcionado à mater-
Não foi demonstrada diferença estatística na pontua- nidade reduziram o medo e a dor no trabalho de parto
ção do QMPP em relação às perdas gestacionais prévias em grávidas. Foi descrito por Rouhe et al. (2015)(25) que
ou intercorrências gestacionais. Uma das limitações do treinamentos em grupos de relaxamento reduziram os
estudo é que a pesquisa dessas variáveis foi feita por escores do QMPP em 10,3 pontos. Nessa mesma direção,

126 | FEMINA 2021;49(2):121-8


Medo do parto em gestantes
Fear of childbirth among pregnant women

Haapio et al. (2017)(26) reportaram que níveis de medo REFERÊNCIAS


do parto foram diminuídos com apenas duas horas de 1. Vasconcelos ALR, Bacha AM, Alencar Junior CA, Leocádio EMA,
treinamento em parto por parteiras e doulas. Richter et Calderon IMP, Schirmer J, et al. Parto, aborto e puerpério:
assistência humanizada à mulher [Internet]. 2001 [cited 2020 Apr
al. (2012)(27) demonstraram os efeitos da terapia cogniti- 21]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/
vo-comportamental no abrandamento do estresse e dos cd04_13.pdf
níveis de cortisol em gestantes com sintomas de ansie- 2. Nilsson C, Hessman E, Sjöblom H, Dencker A, Jangsten E, Mollberg
dade, estresse e depressão. M, et al. Definitions, measurements and prevalence of fear
of childbirth: a systematic review. BMC Pregnancy Childbirth.
Com base nas intervenções propostas pelos estudos
2018;18(1):28. doi: 10.1186/s12884-018-1659-7
citados e considerando que as gestantes do presente
3. Calderani E, Giardinelli L, Scannerini S, Arcabasso S, Compagno
trabalho apresentavam, em média, medo do parto ele- E, Petraglia F, et al. Tocophobia in the DSM-5 era: outcomes of a
vado, e 31,4% apresentavam medo intenso ou fóbico, res- new cut-off analysis of the Wijma delivery expectancy/experience
questionnaire based on clinical presentation. J Psychosom Res.
salta-se a necessidade de adoção de medidas efetivas
2019;116:37-43. doi: 10.1016/j.jpsychores.2018.11.012
de controle do medo do parto durante o pré-natal. Tais
4. Hofberg K, Ward MR. Fear of childbirth, tocophobia, and mental
intervenções, se bem orientadas e aplicadas por meio health in mothers: the obstetric-psychiatric interface. Clin Obstet
de políticas públicas de saúde, corroborariam a longo Gynecol. 2004;47(3):527-34. doi: 10.1097/01.grf.0000132527.62504.ca
prazo com a redução das despesas em saúde, diminuin- 5. Saisto T, Halmesmaki E. Fear of childbirth: a neglected dilemma.
do taxas de cesariana eletiva, solicitação por analgesia Acta Obstet Gynecol Scand. 2003;82(3):201-8.
6. Wijma K, Wijma B, Zar M. Psychometric aspects of the
epidural, tempo de internação em UTI neonatal, custos
W-DEQ; a new questionnaire for the measurement of fear of
com fármacos para depressão pós-parto, entre outros childbirth. J Psychosom Obstet Gynaecol. 1998;19(2):84-97. doi:
gastos com complicações já citadas.(1,5,19) 10.3109/01674829809048501
Garthus-Niegel et al. (2014) (28) demonstraram que mu- 7. Georgsson Ohman S, Saltvedt S, Grunewald C, Waldenström U.
lheres que preferiam um parto cesariano eletivo tinham Does fetal screening affect women’s worries about the health of
their baby? A randomized controlled trial of ultrasound screening
maiores níveis de medo do parto, maior ansiedade pré- for Down’s syndrome versus routine ultrasound screening. Acta
-natal e maiores índices de transtorno de estresse pós- Obstet Gynecol Scand. 2004;83(7):634-40. doi: 10.1111/j.0001-
-traumático do que aquelas que se submetiam ao parto 6349.2004.00462.x

vaginal.(28,29) Nesse sentido, reforça-se a importância da 8. Kacperczyk-Bartnik J, Bartnik P, Symonides A, Sroka-Ostrowska N,


Dobrowolska-Redo A, Romejko-Wolniewicz E. Association between
abordagem do medo do parto para diminuir as altas ta- antenatal classes attendance and perceived fear and pain during
xas de cesariana eletiva sem indicação obstétrica.(1) labour. Taiwan J Obstet Gynecol. 2019;58(4):492-6. doi: 10.1016/j.
Por fim, ao observar todas as repercussões que o tjog.2019.05.0
medo do parto ocasiona na vida da gestante e de seu 9. Veringa IK, de Bruin EI, Bardacke N, Duncan LG, van Steensel FJ,
Dirksen CD, et al. ‘I’ve Changed My Mind’, Mindfulness-Based
recém-nascido, constata-se que aspectos psicológicos Childbirth and Parenting (MBCP) for pregnant women with a high
não devem ser ignorados em um pré-natal de qualida- level of fear of childbirth and their partners: study protocol of the
de. Nesse sentido, por ser uma ferramenta rápida, cus- quasi-experimental controlled trial. BMC Psychiatry. 2016;16(1):377.
doi: 10.1186/s12888-016-1070-8
to-efetiva e confiável, levanta-se a possibilidade de o
10. Rouhe H, Salmela-Aro K, Halmesmäki E, Saisto T. Fear of childbirth
QMPP ser globalmente aplicado em consultas pré-na- according to parity, gestational age, and obstetric history. BJOG.
tais. Desse modo, ao melhor compreender os anseios 2009;116(1):67-73. doi: 10.1111/j.1471-0528.2008.02002.x
da gestante e efetivar um diagnóstico de medo do parto, 11. O’Connell MA, Khashan AS, Leahy-Warren P. Women’s experiences
abrem-se caminhos para uma intervenção psicoterápica of interventions for fear of childbirth in the perinatal period: a
meta-synthesis of qualitative research evidence. Women Birth.
precoce, assim como a promoção de um atendimento 2020 Jun 7. doi: 10.1016/j.wombi.2020.05.008. [ahead of print].
integral e estreitamento da relação médico-paciente. 12. Smorti M, Ponti L, Simoncini T, Pancetti F, Mauri G, Gemignani A.
Psychological factors and maternal-fetal attachment in relation
to epidural choice. Midwifery. 2020;88:102762. doi: 10.1016/j.
CONCLUSÃO midw.2020.102762
A presente pesquisa demonstrou prevalência de 31,4% 13. Mortazavi F, Agah J. Childbirth fear and associated factors in a
de gestantes com medo do parto intenso e fóbico, com sample of pregnant Iranian women. Oman Med J. 2018;33(6):497-
505. doi: 10.5001/omj.2018.91
pontuação média de 79,3 no QMPP, correspondendo a
14. Wijma K, Alehagen S, Wijma B. Development of the delivery
medo elevado do parto. Foi observada fraca correlação fear scale. J Psychosom Obstet Gynaecol. 2002;23(2):97-107. doi:
positiva entre a idade e a pontuação do QMPP. Não fo- 10.3109/01674820209042791
ram evidenciadas outras associações entre as variáveis 15. Loureiro SAM. O medo do parto: contributo para a validação do
e a pontuação ou estratificação em grupos. Em vista W-DEQ para grávidas portuguesas [dissertation Internet]. Porto:
Universidade do Porto; 2013 [cited 2019 Aug 1]. Available from:
dos resultados, acredita-se que as informações reuni- https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/70813/2/31089.pdf
das nesta pesquisa podem auxiliar na compreensão do 16. Takegata M, Haruna M, Matsuzaki M, Shiraishi M, Murayama R,
medo do parto no Brasil, abrindo portas para que po- Okano T, et al. Translation and validation of the Japanese version
líticas públicas de controle de medo e ansiedade em of the Wijma Delivery Expectancy/Experience Questionnaire
Version A. Nurs Health Sci. 2013;15(3):326-32. doi: 10.1111/nhs.12036
gestantes sejam instituídas, aprimorando a assistência
17. Melender HL. Experiences of fears associated with pregnancy and
à saúde biopsicossocial da mulher e promovendo um childbirth: a study of 329 pregnant women. Birth. 2002;29(2):101-11.
parto mais humanizado. doi: 10.1046/j.1523-536x.2002.00170.x

FEMINA 2021;49(2):121-8 | 127


Mello RS, Toledo SF, Mendes AB, Melerato CR, Mello DS

18. Nerum H, Halvorsen L, Sørlie T, Oian P. Maternal request for 25. Rouhe H, Salmela-Aro K, Toivanen R, Tokola M, Halmesmaki E,
cesarean section due to fear of birth: can it be changed through Ryding EL, et al. Group psychoeducation with relaxation for severe
crisis-oriented counseling? Birth. 2006;33(3):221-8. doi: 10.1111/j.1523- fear of childbirth improves maternal adjustment and childbirth
536X.2006.00107.x experience-randomised controlled. J Psychosom Obstet Gynaecol.
19. Nieminen K, Stephansson O, Ryding EL. Women’s fear of childbirth 2015;36(1):1-9. doi: 10.3109/0167482X.2014.980722
and preference for cesarean section – a cross-sectional study at 26. Haapio S, Kaunonen M, Arffman M, Astedt-Kurki P. Effects of
various stages of pregnancy in Sweden. Acta Obstet Gynecol Scand. extended childbirth education by midwives on the childbirth fear
2009;88(7):807-13. doi: 10.1080/00016340902998436 of first-time mothers: an RCT. Scand J Caring Sci. 2017;31(2):293-301.
20. Zar M, Wijma K, Wijma B. Pre- and postpartum fear of childbirth in doi: 10.1111/scs.12346
nulliparous and parous women. Scand J Behav Ther. 2001;30(2):75- 27. Richter J, Bittner A, Petrowski K, Junge-Hoffmeister J, Bergmann
84. doi: 10.1080/02845710152507418 S, Joraschky P, et al. Effects of an early intervention on perceived
21. Ministério da Saúde. Secretaria Estadual de Saúde. Datasus. stress and diurnal cortisol in pregnant women with elevated stress,
Declaração de Nascidos Vivos [Internet]. Rio de Janeiro: anxiety, and depressive symptomatology. J Psychosom Obstet
Coordenação Geral de Disseminação de Informações em Saúde. Gynaecol. 2012;33(4):162-70. doi: 10.3109/0167482X.2012.729111
2017 [cited 2019 Sep 9]. Available from: http://tabnet.datasus.gov. 28. Garthus-Niegel S, von Soest T, Knoph C, Simonsen TB, Torgersen L,
br/cgi/tabcgi.exe?sinasc/cnv/nvsp.def Eberhard-Gran M. The influence of women’s preferences and actual
22. Rezende CB. Um estado emotivo: representação da gravidez mode of delivery on post-traumatic stress symptoms following
na mídia. Cad Pagu. 2011;(36):315-44. doi: 10.1590/S0104- childbirth: a population based, longitudinal study. BMC Pregnancy
83332011000100012 Childbirth. 2014;14:191. doi: 10.1186/1471-2393-14-191
23. Abdollahi S, Faramarzi M, Delavar MA, Bakouei F, Chehrazi M, 29. Olieman RM, Siemonsma F, Bartens MA, Garthus-Niegel S, Scheele
Gholinia H. Effect of psychotherapy on reduction of fear of F, Honig A. The effect of an elective cesarean section on maternal
childbirth and pregnancy stress: a randomized controlled trial. request on peripartum anxiety and depression in women with
Front Psychol. 2020;11:787. doi: 10.3389/fpsyg.2020.00787 childbirth fear: a systematic review. BMC Pregnancy Childbirth.
2017;17(1):195. doi: 10.1186/s12884-017-1371-z
24. Duncan LG, Cohn MA, Chao MT, Cook JG, Riccobono J, Bardacke N.
Benefits of preparing for childbirth with mindfulness training: a
randomized controlled trial with active comparison. BMC Pregnancy
Childbirth. 2017;17(1):140. doi: 10.1186/s12884-017-1319-3

Anexo 1. Questionário sobre o Medo Percebido do Parto (QMPP)

128 | FEMINA 2021;49(2):121-8


Investigación original / Original research Pan American Journal
of Public Health

Sob a sombra da maternidade:


gravidez, ideação suicida e
violência por parceiro íntimo
Mariana de Oliveira Fonseca-Machado,1 Lisiane Camargo Alves,2
Vanderlei José Haas,3 Juliana Cristina dos Santos Monteiro 2
e Flávia Gomes-Sponholz 2

Como citar Fonseca-Machado MO, Alves LC, Haas VJ, Monteiro JCS, Gomes-Sponholz F. Sob a sombra da
maternidade: gravidez, ideação suicida e violência por parceiro íntimo. Rev Panam Salud Publica.
2015;37(4/5):258–64.

resumo Objetivo.  Identificar a associação entre violência por parceiro íntimo e indicativo de ideação
suicida durante a atual gestação.
Métodos.  Estudo observacional e transversal desenvolvido com 358 gestantes selecionadas
por amostragem aleatória sistemática em Ribeirão Preto (SP), Brasil. A Escala de Ideação Sui-
cida de Beck e uma versão adaptada do instrumento usado no World Health Organization
Multi-country Study on Women’s Health and Domestic Violence foram utilizadas para
identificar o indicativo de ideação suicida e os atos de violência psicológica, física e sexual
perpetrados pelo parceiro íntimo durante a atual gestação. Utilizou-se a regressão logística
múltipla para obter razões de chances (odds ratios) de prevalência ajustadas, com intervalo
de confiança de 95%.
Resultados.  A prevalência do indicativo de ideação suicida foi de 7,8%. Dentre as partici-
pantes, 17,6% estiveram em situação de violência por parceiro íntimo durante a atual gestação.
Destas, 95,2% reportaram ter sofrido violência psicológica, 36,5% violência física e 1,6%
violência sexual. A análise de regressão logística múltipla indicou que as mulheres vítimas de
violência tiveram 6,29 vezes mais chance de apresentar indicativo de ideação suicida.
Conclusões.  É preciso conscientizar os formuladores de políticas e os prestadores de cuida-
dos acerca do impacto da violência por parceiro íntimo, inclusive em termos de ideação suicida,
especialmente durante a gravidez. A adoção de medidas simples, como as escalas utilizadas no
presente estudo, pode facilitar o dimensionamento desse problema nos serviços de saúde.

Palavras-chave Saúde da mulher; violência doméstica; maus-tratos conjugais; ideação suicida; gravi-
dez; enfermagem; saúde pública; Brasil.

O suicídio e as lesões autoinfligidas ciclo grávido-puerperal (1, 2) e relacio- de suicídio, o suicídio e as lesões autoin-
estão entre as principais causas de morte nam-se, especialmente nos países em fligidas (8).
e incapacidade em mulheres durante o desenvolvimento, a normas e valores Embora com taxas menores no perí-
socioculturais, como a desigualdade de odo gestacional, o suicídio nessa fase
1 Universidade Federal de São Carlos, Departamento gênero (3). Seu principal precursor é a é caracterizado pelo uso de métodos
de Enfermagem, São Carlos (SP), Brasil. Correspon-
dência: mafonseca.machado@gmail.com.
ideação suicida ou os pensamentos de violentos, o que sugere a presença de
2 Universidade de São Paulo, Escola de Enferma- morte, cuja prevalência é de 9,0% na po- elevado nível intencional e sofrimento
gem de Ribeirão Preto, Ribeirão Preto (SP), Brasil. pulação em geral (4, 5) e varia entre 2,7% intenso (9). Ademais, o comportamento
3 Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Pro-

grama de Pós-Graduação em Atenção à Saúde, e 12,0% em mulheres grávidas (6, 7), suicida no período perinatal é um pro-
Uberaba (MG), Brasil. sendo mais comum do que as tentativas blema de saúde pública e está entre as

258 Rev Panam Salud Publica 37(4/5), 2015


Fonseca-Machado et al. • Gravidez, ideação suicida e violência por parceiro íntimo Investigación original

principais causas de morte materna (10). MATERIAIS E MÉTODOS convidadas a participar do estudo, após
A ideação suicida apresenta riscos adi- receberem esclarecimentos sobre sua na-
cionais durante a gestação, na medida Este estudo observacional, com deli- tureza e objetivos.
em que o potencial para dano se estende neamento transversal, foi desenvolvido A caracterização sociodemográfica,
ao feto (4). no ambulatório do Centro de Referên- comportamental e obstétrica das parti-
Apesar de ser raro o rastreamento cia da Saúde da Mulher de Ribeirão cipantes foi obtida por meio de um ins-
para ideação suicida durante o período Preto — Mater (CRSMRP-MATER), no trumento elaborado pelas pesquisadoras
gestacional, a compreensão dos fato- município de Ribeirão Preto (SP), Bra- com base em suas experiências prévias
res associados ao problema por parte sil. Ribeirão Preto é referência regio- e cotejado com a literatura científica
dos profissionais de saúde facilita a sua nal em saúde para 26 municípios que nacional e internacional. A versão final
abordagem e a prevenção das tentativas compõem o 13o Departamento Regional foi submetida à validação de conteúdo
de suicídio ou do suicídio (6). Nesse de Saúde (DRS XIII) do estado de São e aparência por três juízes especialistas
contexto, fatores sociais, culturais e re- Paulo, abrangendo uma população es- na área. Esse instrumento investigou
lacionais contribuem para a manifesta- timada de 1 300 000 habitantes. Nesse as seguintes variáveis: idade, estado
ção dos pensamentos suicidas durante a contexto, o CRSMRP-MATER é referên- marital, escolaridade formal, ocupação,
gestação, com destaque para a violência cia regional para os casos ginecológicos renda familiar mensal, hábito de fumar,
por parceiro íntimo (VPI) (5, 11–14). de média complexidade e realiza cerca consumo de bebidas alcoólicas e uso de
É desejável, portanto, um abordagem de um terço dos partos de baixo e médio drogas ilícitas durante a atual gestação,
ecológica da VPI, que monitore tanto risco do Sistema Único de Saúde (SUS) número de gestações, paridade, abortos
os riscos individuais de uma pessoa se no município. O CRSMRP-MATER está anteriores, partos pré-termo anteriores,
tornar vítima de violência quanto as integrado ao Projeto Nascer, da Secre- número de filhos vivos, óbitos fetais
normas, as crenças e os sistemas eco- taria Municipal de Saúde, cujo objetivo anteriores e óbitos neonatais precoces
nômicos e sociais que criam condições é superar as dificuldades de acesso às anteriores.
para a ocorrência dos atos violentos. maternidades. O projeto preconiza que A presença de ideação suicida durante
A compreensão da complexa interação o acompanhamento pré-natal aconteça o período gestacional foi identificada
desses fatores fornece os pontos-chave na atenção primária até a 36a semana de pela Escala de Ideação Suicida de Beck
para a prevenção primária da violência e gestação e, posteriormente, nos hospi- (BSI), instrumento validado no Brasil
promove o desenvolvimento de políticas tais da rede pública, até o final do ciclo (20). A BSI é composta por 21 itens pon-
e programas intersetoriais que visem a grávido-puerperal. tuados em escala de zero a 2 e foi estru-
reduzir os fatores de risco modificáveis A população de referência do estudo turada de forma a permitir que os cinco
e a fortalecer os fatores de proteção (15). constituiu-se de todas as gestantes no primeiros itens possam ser usados como
A VPI é mais frequente em populações terceiro trimestre de gestação em acom- triagem da ideação suicida. Assim, se
nas quais a desigualdade de gênero é panhamento pré-natal no ambulatório a resposta da gestante às questões 4 ou
suportada por normas sociais e culturais do CRSMRP-MATER, entre maio de 5, que detectam a presença da ideação
determinantes da violência perpetrada 2012 e maio de 2013. Os critérios de suicida, foi diferente de zero, a gestante
contra a mulher (16), a qual é aceita inclusão adotados foram: ser gestante, foi considerada com indicativo de idea-
como uma prerrogativa do parceiro, o ter idade entre 15 e 49 anos e ter tido ção suicida. A BSI pode ser aplicada por
que acontece, frequentemente, nos paí- relacionamento com parceiro íntimo na profissionais de saúde sem experiência
ses latino-americanos (17). Diante dessa atual gravidez, independentemente de na área da saúde mental. No Brasil, dado
realidade, a VPI ocorrida durante a gra- coabitação. A amostra foi obtida pelo o contexto dos serviços de saúde, esse
videz pode ser uma das principais cau- processo de amostragem aleatória siste- aspecto é de particular importância, na
sas de ideação suicida entre gestantes na mática, com intervalos de amostragem medida em que a detecção dos prováveis
América Latina, inclusive no Brasil. No constantes de quatro unidades. Com casos otimizará seu encaminhamento
entanto, a extensão da associação entre base em uma população finita de 1 600 aos profissionais especializados para a
esses dois fatores na população gestante gestantes, em uma prevalência de 20,0% efetivação do diagnóstico clínico.
é atualmente desconhecida, na medida (19) e em uma precisão de 4,0% para uma As questões relativas à VPI foram
em que não foram encontrados estudos estimativa com intervalo de confiança de adaptadas para o período da gestação
que investigaram essa questão (18). 95% (IC95%), a amostra calculada para o a partir da versão brasileira do ins-
O objetivo deste estudo foi identificar estudo foi de 358 gestantes. trumento desenvolvido para o estudo
a associação entre VPI e o indicativo Os dados foram coletados no dia da multipaíses World Health Organization
de ideação suicida, ambos ocorridos primeira consulta de pré-natal das ges- Multi-country Study on Women’s Health
durante a gestação, em mulheres bra- tantes no serviço hospitalar, na 36a se- and Domestic Violence, da Organização
sileiras. Ao lançar luz sobre esse su- mana de gestação, em uma sala privativa Mundial da Saúde (OMS), que aborda
posto fator de risco para a ocorrência disponibilizada exclusivamente para a VPI psicológica, física e sexual (21). O
de ideação suicida durante a gravidez, as pesquisadoras e sem a presença de instrumento original aborda a natureza
espera-se que os profissionais de saúde acompanhantes. As entrevistas duraram dos atos violentos, o período de ocorrên-
identifiquem na prática clínica mulheres entre 15 e 20 minutos e foram realizadas cia (alguma vez na vida e nos últimos
grávidas com sinais de sofrimento emo- por quatro entrevistadoras previamente 12 meses), sua frequência e gravidade.
cional, minimizando os efeitos negativos treinadas. Nesse momento, as gestantes A versão utilizada no presente estudo
desse sofrimento na saúde das mulheres elegíveis, conforme o intervalo de amos- foi validada com gestantes atendidas
e de seus filhos. tragem e os critérios de inclusão, foram no CRSMRP-MATER e manteve a es-

Rev Panam Salud Publica 37(4/5), 2015 259


Investigación original Fonseca-Machado et al. • Gravidez, ideação suicida e violência por parceiro íntimo

trutura e o conteúdo, porém investigou ficando uma via assinada com a pesqui- TABELA 1. Distribuição das gestantes em
a violência ao longo da vida e durante sadora e outra com a entrevistada. As acompanhamento pré-natal segundo variáveis
a atual gestação (22). As participantes participantes menores de idade também sociodemográficas e econômicas, Ribeirão
foram questionadas quanto às suas ex- assinaram um termo de assentimento, já Preto (SP), Brasil, 2013
periências de atos específicos de VPI que seu representante legal poderia ser o Variável No. %
psicológica (insultos, humilhações, de- agressor e ter interesse em não autorizar Faixa etária (anos completos)
preciações, sustos, intimidações e ame- sua participação. Ao final da entrevista, 15 a 19 78 21,8
aças), física (tapas, empurrões, trancos, todas receberam folhetos com a relação 20 a 29 186 52,0
chacoalhões, socos, chutes, arrastões, dos serviços de proteção à mulher em 30 a 39 88 24,6
40 a 49 6 1,6
surras, estrangulamentos, queimaduras situação de violência localizados em Ri-
Cor autorreferida
e uso de armas de fogo ou brancas) e beirão Preto e região. Ademais, quando Parda 139 38,9
sexual (ser fisicamente forçada a manter a gestante solicitou auxílio imediato, Branca 135 37,7
relações sexuais, manter relações sexuais quando foi identificada situação de VPI Preta 66 18,4
por medo do parceiro e ser forçada a ou quando foi constatado o indicativo de Amarela 18 5,0
Escolaridade formal (anos de
uma prática sexual degradante ou hu- ideação suicida, o médico assistente do  estudo)
milhante) durante a atual gravidez. Para ambulatório e o serviço de psicologia do 1a8 121 33,8
efeitos de análise, a variável “violência CRSMRP-MATER foram comunicados. 9 a 11 196 54,7
geral” foi usada quando a participante ≥ 12 40 11,2
Não sabe 1 0,3
sofreu qualquer um desses três tipos de RESULTADOS Religião
atos violentos. Católica 140 39,1
A análise estatística foi realizada no A idade das 358 participantes variou Evangélica 124 34,6
software Statistical Package for the Social entre 15 e 43 anos, com média de 25,0 Crê em Deus, mas não tem
Sciences (SPSS), versão 21.0 para Macin- anos (DP = 6,3). A maioria considerava-  religião 74 20,7
Espírita 10 2,8
tosh. Na análise univariada, as variá- se não branca (62,3%), possuía alguma Outras 10 2,8
veis qualitativas foram apresentadas na religião (79,3%), vivia com um parceiro Estado marital
forma de distribuição de frequências ab- íntimo (80,4%) e não possuía trabalho Mora com o parceiro 288 80,4
solutas (no.) e relativas (%); e, para as va- remunerado (57,3%), sendo a renda fa- Tem um parceiro, mas não
  mora com ele 45 12,6
riáveis quantitativas, foram calculados miliar mensal média de 2,6 salários mí-
Teve um parceiro na
valores de média e mediana (medidas de nimos (DP = 1,5 salários). A escolaridade   gestação, mas não tem
tendência central), desvios-padrão (DP) formal das gestantes variou entre 1 e 17  mais 25 7,0
e valores máximo e mínimo (medidas de anos de estudo, com média de 9,5 anos Ocupação
variação). Na análise multivariada, foi (DP = 2,4). Mercado formal 122 34,0
Do lar 105 29,3
construído um modelo de regressão lo- A maior parte das mulheres não fu- Desempregada 88 24,6
gística múltipla, com cálculo das razões mava (93,3%), não consumia bebidas Mercado informal 31 8,7
de chance ajustadas (odds ratios, OR) de alcoólicas (88,3%) e não fazia uso de Estudante 12 3,4
prevalência, para verificar a existência drogas ilícitas (99,2%) durante a atual Renda familiar mensal (salários
 mínimos)
de associações entre a variável predi- gravidez. A tabela 1 apresenta a carac-
≤1 44 12,3
tora principal (VPI geral) e a variável terização sociodemográfica e econômica 2 ou 3 199 55,6
desfecho (indicativo de ideação suicida). das participantes do estudo. ≥4 54 15,1
Foram incluídas no modelo a variável O grupo em estudo caracterizou-se Não sabe 61 17,0
preditora principal e as variáveis predi- por mulheres multigestas e nulíparas. Total 358 100,0
toras de ajuste, potenciais confundido- O número de filhos vivos variou entre
ras, selecionadas com base na literatura 1 e 6, com média de 1,7 (DP = 1,0). A
científica nacional e internacional e com gestação não foi planejada por 62,6%
relevância teórica para a análise: estado das mulheres. Na tabela 2 está apresen- sofreram dois tipos de violência conjuga-
marital, gestação planejada, uso de dro- tada a caracterização obstétrica das 358 dos (psicológica e física) e uma (1,6%) so-
gas lícitas ou ilícitas pela participante e participantes. freu três tipos simultaneamente (psicoló-
renda familiar mensal. A consistência in- Do total de participantes, 63 (17,6%) gica, física e sexual). Isso mostra que 20
terna das respostas das 358 participantes estiveram em situação de VPI durante a gestantes (31,8%) foram vítimas de mais
do estudo ao instrumento BSI foi medida atual gestação. Dentre essas 63 mulheres, de um tipo de ato violento cometido pelo
pelo coeficiente alfa de Cronbach. Para to- 60 (95,2%) foram vítimas de violência parceiro íntimo durante a atual gravidez.
dos os testes, consideramos um IC95% e psicológica, 23 (36,5%) de violência física O indicativo de ideação suicida foi
um nível de significância a de 5,0%. e uma (1,6%) de violência sexual. As con- constatado em 28 mulheres, mostrando
O projeto foi aprovado pela Comissão sistências internas dos blocos das VPIs prevalência de 7,8%. Dentre as 63 mu-
de Pesquisa do CRSMRP-MATER e pelo psicológica, física e sexual, medidas pelo lheres vítimas de VPI durante a gravidez
Comitê de Ética em Pesquisa da Escola coeficiente alfa de Cronbach, foram de atual, 14 (22,2%) preencheram os crité-
de Enfermagem de Ribeirão Preto da 0,69, 0,93 e 0,89, respectivamente. rios para a ideação suicida. A consistên-
Universidade de São Paulo (USP) (pro- Ainda, dentre as 63 mulheres em si- cia interna das respostas das 358 parti-
tocolo 1377/2011). As entrevistas foram tuação de VPI, 40 (63,5%) foram vítimas cipantes do estudo ao instrumento BSI,
realizadas após assinatura de um termo de VPI psicológica isolada e três (4,8%) medida pelo coeficiente alfa de Cron-
de consentimento livre e esclarecido, de VPI física isolada. Dezenove (30,2%) bach, foi de 0,88.

260 Rev Panam Salud Publica 37(4/5), 2015


Fonseca-Machado et al. • Gravidez, ideação suicida e violência por parceiro íntimo Investigación original

TABELA 2. Distribuição das gestantes em 16,95; P < 0,001) — ou seja, mesmo após os autores dessa investigação não especi-
acompanhamento pré-natal segundo variáveis ajuste do modelo para variáveis poten- ficaram se a violência ocorreu durante o
obstétricas, Ribeirão Preto (SP), Brasil, 2013 cialmente confundidoras, previamente período gestacional. Ainda nesse estudo,
Variável No. % reconhecidas na literatura científica na- 89,5% das gestantes que apresentaram
cional e internacional (estado marital, pensamentos suicidas obtiveram um es-
Número de gestações
Primigesta 143 39,9 uso de drogas lícitas ou ilícitas durante core indicativo de depressão gestacional
Multigesta 215 60,1 a atual gestação, idade e renda familiar na Escala de Depressão Pós-Parto de
Paridade mensal), as mulheres em situação de Edinburgh. Nesse sentido, a ocorrência
Nulípara 158 44,2 VPI na atual gestação tiveram 6,29 vezes de VPI contribui para o agravamento da
Primípara 110 30,7
Multípara 90 25,1 mais chance de apresentar indicativo de sintomatologia depressiva nas mulheres
Ocorrência de abortos ideação suicida do que as que não sofre- grávidas, levando ao surgimento de pen-
Sim 54 15,1 ram esse tipo de violência. samentos suicidas entre as vítimas (8).
Não 161 45,0 Gestantes com depressão estão mais pro-
Primigesta 143 39,9
Filhos vivos
DISCUSSÃO pensas ao trabalho de parto prematuro, e
Sim 198 55,3 os recém-nascidos de mães depressivas
Não 17 4,8 Os resultados do presente estudo evi- possuem maior risco de baixo peso ao
Primigesta 143 39,9 denciam que a VPI ocorrida durante a nascer e de serem pequenos para a idade
Partos prematuros gestação é um preditor independente gestacional (23). Assim, essa relação in-
Sim 19 5,3
Não 196 54,7 do indicativo de ideação suicida entre dica que uma maior atenção deve ser
Primigesta 143 39,9 gestantes brasileiras. Especificamente, dada às mulheres com sintomas depres-
Óbito fetal a chance de apresentar esse indicativo sivos na gestação (14).
Sim 3 0,8 foi seis vezes maior entre as mulheres Os dados referentes à prevalência do
Não 212 59,2
vítimas de VPI no período gestacional, indicativo de ideação suicida (7,8%) du-
Primigesta 143 39,9
Óbitos neonatais precoces mesmo após ajuste para outros fatores rante a gestação no presente estudo são
Sim 5 1,4 de risco potencialmente confundidores consistentes com as taxas reveladas em
Não 210 58,7 definidos pela comunidade científica. investigações desenvolvidas em outros
Primigesta 143 39,9 Destaca-se que não foram identificados, locais do Brasil, que variam de 5,0% a
Total 358 100,0
na literatura científica nacional ou in- 8,1% (5, 14, 24). Em nível internacio-
ternacional, estudos que abordassem a nal, pesquisadores dos Estados Unidos
relação entre ideação suicida na gestação (6), Bangladesh (8) e Paquistão (25) ob-
A tabela 3 apresenta os resultados da e VPI ocorrida especificamente nesse servaram que 2,7%, 5,3% e 11,0% das
análise de regressão logística múltipla período, na medida em que o foco das mulheres, respectivamente, admitiram
referentes à associação da VPI ocorrida pesquisas direcionou-se à violência per- ter apresentado ideias ou pensamentos
durante a atual gestação com o indi- petrada pelo parceiro ao longo da vida. suicidas no período gestacional.
cativo de ideação suicida. Após ajuste Porém, dados de um estudo qualitativo A gestação é um período no qual a
do modelo de regressão logística múl- (8) evidenciaram que a VPI foi o prin- mulher está em contato frequente com os
tipla, a VPI ocorrida na atual gravidez cipal motivo apontado pelas mulheres profissionais de saúde e, portanto, mais
associou-se com o indicativo de ideação grávidas como responsável pela gênese propensa a revelar sua situação de vio-
suicida (ORajustada = 6,29; IC95% 2,34 a dos pensamentos suicidas. Entretanto, lência e seus sintomas psiquiátricos (26).

TABELA 3. Associação entre violência por parceiro íntimo durante a atual gestação e indicativo de ideação suicida em um modelo de regressão
logística múltipla, Ribeirão Preto (SP), Brasil, 2013
Ideação suicida

Sim Não
ORbruta ORajustada
Variável No. % No. % (IC95%) (IC95%) Pa
Violência por parceiro íntimo geral
Sim 14 22,2  49 77,8 5,74 (2,58 a 12,77) 6,29 (2,34 a 16,9) < 0,001
Não 14  4,7 281 95,3
Estado marital
Vive com parceiro 19  6,6 269 93,4 0,48 (0,21 a 1,11) 0,55 (0,18 a 1,67) 0,29
Não vive com parceiro  9 12,9  61 87,1
Uso de drogas lícitas ou ilícitas durante a gestação
Sim  6 10,2  53 89,8 1,43 (0,55 a 3,68) 0,58 (0,15 a 2,24) 0,43
Não 22  7,4 277 92,6
Gestação planejada
Sim  8  6,0 126 94,0 0,65 (0,28 a 1,51) 0,74 (0,24 a 2,33) 0,61
Não 20  8,9 204 91,1
Renda familiar b 2,6 2,6 1,03 (0,76 a 1,39) 1,03 (0,78 a 1,36) 0,82

a Valor de P para o teste do qui-quadrado de Wald.


b Variável quantitativa numérica.

Rev Panam Salud Publica 37(4/5), 2015 261


Investigación original Fonseca-Machado et al. • Gravidez, ideação suicida e violência por parceiro íntimo

Os profissionais, especialmente os da tologias problemas que, além de médi- são determinantes dos conflitos, do rom-
equipe de enfermagem, devem atentar, cos, são sociais, constituindo-se em um pimento da comunicação interpessoal
em sua avaliação global, para a ocorrên- obstáculo para a efetivação de uma prá- e, consequentemente, da VPI, ações de
cia de transtornos mentais nesse período tica orientada por uma perspectiva am- prevenção e promoção da não violên-
da vida da mulher. Também devem estar pliada do processo saúde-doença e pelos cia dirigidas a uma maior equidade de
atentos à presença de fatores de risco princípios da integralidade, equidade e gênero contribuirão para a diminuição
relevantes, como a VPI, cuja prevalência intersetorialidade do cuidado. Essa limi- desse problema de saúde pública e das
observada no presente estudo (17,6%) foi tação na identificação das necessidades suas consequências negativas para a
alta, especialmente ao considerar-se que de saúde da população, especialmente saúde mental da mulher, especialmente
essa exposição aumentou as chances de aquelas socialmente produzidas, como quando dirigidas a grupos etários mais
as vítimas apresentarem indicativos de as que determinam a VPI, contribui para jovens (33, 37).
ideação suicida. Este resultado é seme- o uso reiterado e ineficaz dos serviços de O presente estudo possui limitações
lhante aos descritos para outros países saúde por parte das mulheres que são que devem ser apontadas. Primeiro, os
latino-americanos (8,0 a 43,0%) (27–30) e vítimas de violência (33, 36). Ademais, dados obtidos referem-se a uma popula-
comparável ​​com os resultados do estudo mesmo quando a violência é identi- ção de gestantes de baixo risco e usuárias
multipaíses da OMS (31). ficada, ela não recebe o devido valor do SUS e, portanto, podem diferir e limi-
O rastreamento/triagem universal da por parte dos profissionais, cuja prática tar a generalização para outras popula-
VPI e dos transtornos mentais durante orientada pelo saber instrumental acima ções. Segundo, o delineamento transver-
o período gestacional é uma proposta referido é direcionada ao tratamento dos sal do estudo limitou as interpretações
de busca ativa com pouco potencial danos físicos causados pelos atos vio- sobre causalidade. Entretanto, podem
para dano e uma meta alcançável a lentos e à formulação de conselhos prá- ser feitas inferências sobre a sequência
longo prazo. Mesmo assim, em muitos ticos ou fórmulas genéricas incapazes temporal dos eventos.
contextos obstétricos, tal rastreamento de gerar mudanças de comportamento,
não acontece (32). Diversos aspectos delegando a segundo plano questões Conclusões
contribuem para a invisibilidade da VPI, subjetivas como a vulnerabilidade emo-
e sua intersecção potencializa os efeitos cional das vítimas (8, 33). Os resultados revelaram que a VPI
adversos desse problema para a saúde Assim, torna-se necessária uma intera- durante a gestação associou-se com o
mental das vítimas. O primeiro desses ção baseada no respeito, na privacidade, indicativo de ideação suicida em um
aspectos diz respeito à influência das no sigilo, na segurança, na escuta, na grupo de gestantes brasileiras. Segundo
identidades de gênero na sociedade, a orientação e no acolhimento, com ênfase o conhecimento dos autores, este é o
qual está impregnada por estereótipos na comunicação e em projetos assisten- primeiro estudo desenvolvido com o
construídos a partir das relações entre ciais negociados e construídos em par- objetivo de identificar a existência de
homens e mulheres, delegando às mu- ceria com as mulheres. Os profissionais, associação entre VPI e indicativo de ide-
lheres uma posição de obediência e sub- após a identificação, devem estar com- ação suicida, ambos ocorridos durante a
missão. Em segundo lugar, e decorrente prometidos com o registro adequado, gestação corrente. A observação de que
da desigualdade de gênero, destacamos com o trabalho em equipe e com o acio- a VPI na gravidez prevaleceu sobre os
o fato de que, em geral, a mulher em namento da rede intersetorial existente, outros fatores de risco para a ideação
situação de violência não verbaliza ou garantindo a defesa dos direitos legais, suicida reconhecidos na literatura cien-
denuncia a agressão sofrida, apresen- humanos, sexuais e reprodutivos e os tífica nacional e internacional sugere que
tando, nos serviços de saúde, queixas princípios do não julgamento e respeito as intervenções direcionadas a esses pre-
vagas e recorrentes referentes às conse- às decisões da mulher. Portanto, torna-se ditores podem não ser tão eficazes para
quências físicas imediatas da agressão premente a transformação dos valores a prevenção dessas repercussões nega-
ou aos agravos decorrentes da situação relativos às conformações sociais de gê- tivas para a saúde mental das mulhe-
vivida, as quais são difíceis de serem nero, os quais são incorporados pelos res. Assim, espera-se que os resultados
localizadas, explicadas, diagnosticadas profissionais de saúde em sua assistên- encontrados possam preencher lacunas
e tratadas (33, 34). cia, no cotidiano dos serviços (36). nessa área e avançar a fronteira do co-
Nesse contexto, a confiança e o vín- O enfrentamento da VPI, diante de nhecimento em direção à sensibilização
culo com os profissionais de saúde po- sua complexidade, de suas repercus- e à conscientização dos formuladores
dem proporcionar a essas mulheres uma sões negativas para a saúde mental das de políticas e dos prestadores de cuida-
melhor assistência durante o pré-natal, mulheres no período gestacional e do dos quanto à seriedade dos problemas
bem como uma comunicação efetiva. fato de que esse tipo de violência está relacionados a VPI e ideação suicida
No entanto, assim como as mulheres associado a fatores de risco e de pro- e quanto ao modo como eles afetam a
não relatam sua situação de vítimas, teção clinicamente identificáveis, deve saúde das mulheres.
os profissionais não questionam, na pautar-se tanto pelas ações direcionadas
medida em que eles têm dificuldades à identificação e à assistência às vítimas, Agradecimentos. Os autores agrade-
em identificar, atender e encaminhar bem como por medidas de prevenção cem à Fundação de Amparo à Pesquisa
os casos, pois estão inseridos em um primária. Estas últimas são essenciais do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo
histórico modelo assistencial curativista frente às dificuldades dos profissionais financiamento da pesquisa.
e hospitalocêntrico, focado no corpo do de saúde em distinguir os casos e inter-
cliente e na consulta médica (35). Esse vir sobre o problema. Considerando-se Conflitos de interesse. Nada decla-
processo de medicalização reduz a pa- que os padrões hierárquicos de gênero rado pelos autores.

262 Rev Panam Salud Publica 37(4/5), 2015


Fonseca-Machado et al. • Gravidez, ideação suicida e violência por parceiro íntimo Investigación original

REFERÊNCIAS

  1. World Health Organization (WHO). The pregnant women in Brazil. Community Ment violence during pregnancy among women
Global Burden of Disease: 2004 update. Gene- Health J. 2012;48(3):392–5. in La Paz and El Alto, Bolivia. Matern Child
bra: WHO; 2008. 15. World Health Organization, London School Health J. 2005;9(1):101–12.
 2. Chang J, Berg CJ, Saltzman LE, Herndon J. of Hygiene and Tropical Medicine. Prevent- 28. Gomez-Beloz A, Williams MA, Sanchez SE,
Homicide: a leading cause of injury deaths ing intimate partner and sexual violence Lam N. Intimate partner violence and risk
among pregnant and postpartum women in against women: taking action and generating for depression among postpartum women in
the United States, 1991–1999. Am J Public evidence. Genebra: WHO; 2010. Lima, Peru. Violence Vict. 2009;24(3):380–98.
Health. 2005;95(3):471–7. 16. Varma D, Chandra PS, Thomas T, Carey MP. 29. Ludermir AB, Lewis G, Valongueiro SA, de
 3. Gomes FA, O’Brien B, Nakano AM. At- Intimate partner violence and sexual coer- Araújo TV, Araya R. Violence against women
tempted suicide in reproductive age women. cion among pregnant women in India: rela- by their intimate partner during pregnancy
Health Care Women Int. 2009;30(8):707–19. tionship with depression and post-traumatic and postnatal depression: a prospective co-
 4. Nock MK, Borges G, Bromet EJ, Alonso J, stress disorder. J Affect Disord. 2007;102(1–3): hort study. Lancet. 2010;376(9744):903–10.
Angermeyer M, Beautrais A, et al. Cross- 227–35. 30. Han A, Stewart DE. Maternal and fetal out-
national prevalence and risk factors for 17. Heise LL. Violence against women: an in- comes of intimate partner violence associ-
suicidal ideation, plans and attempts. Br J tegrated, ecological framework. Violence ated with pregnancy in the Latin American
Psychiatry. 2008;192(2):98–105. Against Women. 1998;4(3):262–90. and Caribbean region. Int J Gynaecol Obstet.
 5. Huang H, Faisal-Cury A, Chan YF, Tabb 18. de Oliveira Fonseca-Machado M, C ­ amargo 2014;124(1):6–11.
K, Katon W, Menezes PR. Suicidal ideation Alves L, Scotini Freitas P, Dos Santos 31. Garcia-Moreno C, Jansen HA, Ellsberg M,
during pregnancy: prevalence and associated Monteiro JC, Gomes-Sponholz F. Mental
­ Heise L, Watts CH; WHO Multi-country
factors among low-income women in São health of women who suffer intimate part- Study on Women’s Health and Domestic Vio-
Paulo, Brazil. Arch Womens Ment Health. ner violence during pregnancy. Invest Educ lence against Women Study Team. Prevalence
2012;15(2):135–8. Enferm. 2014;32(2):291–305. of intimate partner violence: findings from
 6. Gavin AR, Tabb KM, Melville JL, Guo Y, 19. Silva R, Jansen K, Souza L, Quevedo L, the WHO multi-country study on women’s
­Katon W. Prevalence and correlates of sui- ­Barbosa L, Moraes I, et al. Sociodemographic health and domestic violence. Lancet. 2006;
cidal ideation during pregnancy. Arch risk factors of perinatal depression: a cohort 368(9543):1260–9.
Womens Ment Health. 2011;14(3):239–46. study in the public health care system. Rev 32. Almeida CP, Cunha FF, Pires EP, Sá E. Com-
 7. Mauri M, Oppo A, Borri C, Banti S; PND- Bras Psiquiatr. 2012;34(2):143–8. mon mental disorders in pregnancy in the
ReScU group. Suicidality in the perinatal 20. Cunha JA. Manual da versão em português context of interpartner violence. J Psychiatr
period: comparison of two self-report in- das Escalas de Beck. São Paulo: Casa do Ment Health Nurs. 2013;20(5):419–25.
struments. Results from PND-ReScU. Arch Psicólogo; 2001. 33. Guedes RN, Silva ATMC, Fonseca RMGS. The
Womens Ment Health. 2012;15(1):39–47. 21. Schraiber LB, Latorre Mdo R, França I Jr, violence of gender and health-disease process
  8. Gausia K, Fisher C, Ali M, Oosthuizen J. Ante- Segri NJ, D’Oliveira AFPL. Validity of the of women. Esc Anna Nery. 2009;13(3):625–31.
natal depression and suicidal ideation among WHO VAW STUDY instrument for estimat- 34. Signorelli MC, Auad D, Pereira PP. Violência
rural Bangladeshi women: a community-­ ing gender-based violence against women. doméstica contra mulheres e a atuação profis-
based study. Arch Womens Ment Health. Rev Saude Publica. 2010;44(4):658–66. sional na atenção primária à saúde: um es-
2009;12(5):351–8. 22. Rodrigues DT. Análise da violência doméstica tudo etnográfico em Matinhos, Paraná, Brasil.
 9. Lindahl V, Pearson JL, Colpe L. Prevalence entre mulheres atendidas em uma mater- Cad Saude Publica. 2013;29(6):1230–40.
of suicidality during pregnancy and the nidade de baixo risco [dissertação]. Ribeirão 35. Silva JM, Caldeira AP. Modelo assistencial e
postpartum. Arch Womens Ment Health. Preto: Universidade de São Paulo; 2007. indicadores de qualidade da assistência: per-
2005;8(2):77–87. 23. Field T, Diego M, Hernandez-Reif M. Prenatal cepção dos profissionais da atenção primária
10. Palladino CL, Singh V, Campbell J, Flynn H, depression effects on the fetus and newborn: a à saúde. Cad Saude Publica. 2010;26(6):
Gold KJ. Homicide and suicide during the review. Infant Behav Dev. 2006;29:445–55. 1187–93.
perinatal period: findings from the National 24. Benute GR, Nomura RM, Jorge VM, Non- 36. d’Oliveira AF, Schraiber LB, Hanada H,
Violent Death Reporting System. Obstet nenmacher D, Fráguas Junior R, Lucia MC, ­Durand J. Atenção integral à saúde de mul-
Gynecol. 2011;118(5):1056–63. et al. Risk of suicide in high risk pregnancy: heres em situação de violência de gênero —
11. Ishida K, Stupp P, Serbanescu F, Tullo E. Peri- an exploratory study. Rev Assoc Med Bras. uma alternativa para a atenção primária em
natal risk for common mental disorders and 2011;57(5):583–7. saúde. Cienc Saude Colet. 2009;14(4):1037–50.
suicidal ideation among women in Paraguay. 25. Asad N, Karmaliani R, Sullaiman N, Bann 37. Kiss L, d’Oliveira AF, Zimmerman C, Heise
Int J Gynaecol Obstet. 2010;110(3):235–40. CM, McClure EM, Pasha O, et al. Prevalence L, Schraiber LB, Watts C. Brazilian policy
12. Newport DJ, Levey LC, Pennell PB, Ragan of suicidal thoughts and attempts among responses to violence against women: govern-
K, Stowe ZN. Suicidal ideation in pregnancy: pregnant Pakistani women. Acta Obstet ment strategy and the help-seeking behaviors
assessment and clinical implications. Arch Gynecol Scand. 2010;89(12):1545–51. of women who experience violence. Health
Womens Ment Health. 2007;10(5):181–7. 26. Flach C, Leese M, Heron J, Evans J, Feder Hum Rights. 2012;14(1):E64–77.
13. Naved RT, Akhtar N. Spousal violence against G, Sharp D, et al. Antenatal domestic vio-
women and suicidal ideation in Bangladesh. lence, maternal mental health and subse-
Womens Health Issues. 2008;18(6):442–52. quent child behaviour: a cohort study. BJOG.
14. da Silva RA, Ores LC, Jansen K, da Silva 2011;118(11):1383–91.
Moraes IG, de Mattos Souza LD, Magalhães 27. McCarraher DR, Bailey PE, Martin SL. The Manuscrito recebido em 17 de agosto de 2014. Aceito em
P, et al. Suicidality and associated factors in relationship between birth predictedness and versão revisada em 23 de janeiro de 2015.

Rev Panam Salud Publica 37(4/5), 2015 263


Investigación original Fonseca-Machado et al. • Gravidez, ideação suicida e violência por parceiro íntimo

abstract Objective.  To investigate the association between intimate partner violence and
indicators of suicidal ideation during the current pregnancy.
Methods.  This is a cross-sectional observational study developed with 358 pregnant
Under the shadow of women selected by systematic random sampling in Ribeirão Preto, southeastern Bra-
maternity: pregnancy, zil. The Back Suicidal Ideation Scale and an adapted version of the instrument used in
suicidal ideation, and the World Health Organization Multi-country Study on Women’s Health and Domes-
tic Violence were used to identify indicators of suicidal ideation and psychological,
intimate partner violence physical, and sexual acts of intimate partner violence during the current pregnancy.
Multiple logistic regression was used to obtain adjusted prevalence odds ratios with
a 95% confidence interval.
Results.  The prevalence of indicators of suicidal ideation was 7.8%. Of the partici-
pants, 17.6% reported some type of intimate partner violence during the current preg-
nancy. Among these, 95.2% reported having suffered psychological violence, 36.5%
physical violence, and 1.6% sexual violence. Multiple logistic regression analysis
showed that women exposed to violence were 6.29 times more likely to have indica-
tors of suicidal ideation.
Conclusions.  Policy makers and health care providers must be made aware of the
impact of intimate partner violence, including in terms of suicidal ideation, especially
during pregnancy. The adoption of simple measures, such as the scales used in the
present study, may provide information regarding the extent of intimate partner vio-
lence and suicidal ideation in health care services.

Key words Women’s health; domestic violence; spouse abuse; suicidal ideation; pregnancy;
nursing; public health; Brazil.

264 Rev Panam Salud Publica 37(4/5), 2015

Você também pode gostar