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Aspectos gerais da saúde

mental da mulher

Joel Rennó Jr.


Hewdy Lobo Ribeiro

1 -
A

INTRODL CI\O DIFERENCAS


, ~
ENTRE OS
,
GENEROS NAS PRINCIPAIS
Na atualidade, há uma crescente ênfase nos estudos SINDROMES PSIQUIATRICAS
gênero-específicos. Os transtornos psiquiátricos femi-
ninos apresentam diversas características peculiares. Há
diferenças epidemiológicas, etiológicas, de curso clínico Mull1eres apresenta1n risco aume11tado para transtorno
e prognóstico, além de resposta terapêutica. depressivo n1aior ao longo da vida reprodutiva, en1 Ltrna
A influência hormonal no humor e comportamento proporção de 1,7 a 2,7 em relação aos home11s. Essa dife-
do sexo feminino é relevante, não pela dosagen, hormo- rença ocorre principalmente 110s períodos pré-menstrual,
nal em si, mas pela vulnerabilidade de um subgrupo de puerperal e na perimenopausa. A prevalência de episódio
mulheres às oscilações hormo11ais em períodos críticos depressivo ao longo da vida seria de 21,3% nas mulheres
do ciclo reprodutivo como o pré-menstrual, o pós-parto e 12,7% nos homens, nas idades entre 15 e 54 anos. Exis-
e a peri1nenopausa. Os riscos de transtornos psíquicos ten1 algumas diferenças no que se refere à sintomatologia
nesses períodos de "gangorras hormonais" são mais do transtorno depressivo: 1nulheres apresentam maior
significativos, aumentado as chances de forma conside- predisposição à depressão atípica e maior comorbidade
rável - é o que se denomina "janela de vulnerabilidade". com ansiedade e transtornos alimentares. Ta1nbém apre-
Nesses períodos, as mulheres estariam mais ,·ulnerá,·eis senta111 maior n(1mero de queixas somáticas. Tentam o
aos transtornos do humor, podendo haver exacerbação suicídio três vezes mais, mas os homens efetivam o ato
dos transtornos preexistentes e também o surgimento em maior proporção. Fatores ambientais e estressores
de novas doenças nas pacientes com predisposição, o externos parecem exercer n1aior influência no humor
que costuma ocorrer principalmente no puerpério. 1 das n1ulheres. Além disso, o episódio depressivo costuma
Este capítulo abordará temas importantes da saúde aparecer en1 idade mais precoce nesta população.:? O gê-
mental da mulher nessas fases e discorrerá a respeito nero tan1bém influenciaria a resposta aos antidepressi, os.
1

das diferenças entre os gêneros. Fará também uma bre, e1 Estudos demonstram que n1ulheres mais jo,,ens ou abaixo
discussão a respeito das no,,as perspectivas e1n classi- dos 50 anos de idade teriam melhor resposta a antide-
ficação na Saúde Mental da Nlulher, com enfoque na pressi,10s como os inibidores seletivos da recaptura da
futura CID-11 (Classificação Internacional das Doen- serotonina (ISRS). Os homens teriam melhor resposta aos
ças) e 110 DSM-V (lv1anual Diagnóstico e Estatístico de antidepressivos tricíclicos (ADTs), e essa diferença não
Transtornos Mentais). ocorreria na pós-n1enopausa, ou seja, após esse período,
Tratado de Saúde Mental da Mulher

home11s e mulheres apresentariam respostas se111elhantes 111io risco versi,s be11efício do tratan1e11to versi,s 11ão tra-
em relação às classes dos a11titiepressi\'OS. tan1e11to n1edica111entoso sen1pre de\'e ser disclttido con1
pacie11tes bipolares e fan1iliares, a fi111 de que a terapêt1tica
r11ais apropriada seja institl1ída se111 receios ou 111itos.
Estudos epide1niológicos demo11stra111 que 11ão há
diferença na distribuição da doença entre hon1e11s e n1l1-
lheres, se11do que a proporção ficaria em l: l. No entanto, :V1L1lheres tê111 ltma probabilidade duas \'ezes n1aior
haveria difere11ças r1a at1rese11tação dessa tioc11ça entre as do ql1e os ho111e11s de aprese11tar tra11storno de a11siedade
duas popttlações. Un1 estltdo prospecti\'O acon1pa11l1ol1 generalizada, tra11stor110 do pâ11ico e transtor110 do es-
711 pacie11tes co111 TAB dl1ra11te sete anos e co11cluit1 qt1e tresse pós-trat1n1atico ao longo da ,·ida. As 111ulheres apre-
as n1t1lheres passam 111ais te111po en1 fases depressi,·as ~e11tariam ta1nbé111 u111a probabilidade 1,5 \'eZ 111aior do
qua11do con1paradas con1 os l1ome11s. ~lull1eres tambén1 que os home11s para TOC (tra11stor110 obsessi\'O compul-
apreser1tara111 n1aior cha11ce para ciclage111 rápida e 111aior SÍ\'O) e fobia social ao longo da \'ida. As características
co111orbidade co111 ansiedade. Não l10U\'C difere11ça er11 clí11icas tan1bé111 são difere11tes: as 111ulheres apresentam
relação aos episódios de 111a11ia Olt hit10111a11ia para os n1ais comorbidatics psiqltiàtricas e relatam 111aior gravi-
bipolares tipo I; já nos casos de TAB tipo II, os l1on1ens dade dos si11ton1as. Acredita-se que pode l1a,·er fatores
passaram n1ais ten1po en, hipo1na11ia do qt1e as 111ulheres. genéticos en\·ol,·idos e l1111 possí,·el papel dos horn1ô11ios
Os ho111ens co111 ·rAB ta1nbé111 aprese11taran1 111aior risco sexuais fen1i11i110s. Un1 estttc.io co111 609 pacie11tes que
relati, 0 para o uso de Sltbstâ11cias. · O n1oti\ 0 para essas
1 1 apresenta,,a111 critérios diagnósticos para transtorno de
difere11ças 11ão ficolt claro, 110 e11tanto, sabe-se que as dis- pâ11ico ou ataques de pâ11ico foi realizado para avaliar a
funções tireoidia11as são 111ais con1l111s 11as n1ulhercs, o qlte diferença e11tre os gê11eros co111 relação aos si11to111as do
poderia fa\·orecer a ciclage111 rápida. As mull1eres ta111- pâ11ico e co11cluiu que as mull1eres teria,n mais dificulda-
bém são n1ais ,•ttlnerá\•eis ao l1it1otireoidismo, que pode des respiratórias durante os ataques, 11áuseas e sensação
ser causado pelo carbo11ato de lítio, e por esse 111oti\'O a de sufocação. U111 estt1do con1 220 pacie11tes pretendia
ft111ção tireoidia11a de,,c ser monitorada a cada seis meses, obser,·ar a diferença entre os gêneros en1 relação à apre-
no n1íni1110. Co111 relação ao Cltrso da doe11ça bipolar na sentação clí11ica e genética 110 TOC, e encontrou os se-
mulher, o psiquiatra Rodrigo Dias e cols. publicaran1, guintes resultados: nos home11s, o i11ício da doença é n1ais
em 2011, un1 estudo i11édito e importante 110 A111erícn11 precoce e a prese11ça dos tiques é 111ais comu1n. Mt1lheres
four11<1l oj· Psycl1íatr)' com a conclusão de qlte mulheres con1 TOC relatara111 rnaior i11cidê11cia de abuso sexual 11a
co1n exacerbação dos si11ton1as 110 período pré-n1e11strual, i11fâr1cia do qlte os ho111ens, alén1 de obser\rarern altera-
co111paradas àql1elas sen1 exacerbação, costun1an1 ter ltm ções dos sintonias 110s períodos pré-menstrual, 11a ges-
curso clínico pior, embora não haja interferência 110 au- tação, no pós-parto e na peri111e11opausa. Diferenças ge-
me11to do núrnero de episodios de ciclage111 rápida. ~o néticas ta111bén1 fora111 obser\•adas entre os dois grltpos.s
caso das mulheres, de,·e-se saber ql1e 1nedicações como a
carba1nazepina, a oxcarbazepi11a e o topiran1ato reduzen1
a eficácia dos anticoncepcionais orais. Olttra obser,,açào Existem difere11ças sig11ificantes no curso e n1anifes-
in1portante seria que o uso dos a11tico11ccpcionais orais tações da esquizofrenia entre homens e n1ulheres. Uma
pode reduzir ern até 60% a eficácia da lan1otrigina, de,·e11- n1etanálise recente das últin1as duas décadas n1ostrol1 que
do haver ajuste da dose 11estes casos. - a incidência da doença é entre 1,31 e 1,42 vezes 111aior 110s
Com relação ao período gra,,ídico-puerperal da pa- l1on1ens. Os autores do estudo dize111 ql1e a prevalência da
ciente bipolar, algu11s co11ceitos a11tigos tên1 sido desfeitos, doe11ça ve111 al1n1enta11do 110s l1ome11s 110s últi111os anos,
e hoje há alguns conse11sos con10: a) embora a gra\ridez o que poderia ocorrer por caltsa do 111aior uso de drogas
não proteja a n1ttlher bipolar de recorrência - apesar de ilícitas, que é 111aior nessa popLtlação, e que precipitaria
não aun1e11tar tan1bém tal chance -, o não tratan1e11to le\•a a doença 110s indi, íduos con1 predisposição genética à
1

a taxas de recorrência do 'l'AB de até 85°/o; b) no período esql1izofrenia. A doe11ça costun1a n1anifestar-se c11tre as
do pós-parto, por outro lado, há un1a chance de recor- idades de 15 e 24 anos nos hon1e11s. Nas 111ulheres, há
rê11cia do TAB da ordem de 25 a 70%, pri11cipal111ente de dois picos de i11cidência: o pri111eiro entre 20 e 29 anos e
episódios depressivos e n1istos; c) o risco da gra\'e psicose o segundo por ,,o}ta dos 45 aos 49 anos, que ocorreria na
puerperal é baixo, em torno de 0,2%, 111as e1n pacie11tes pós-111enopausa, en1 virtude do declí11io do estróge110, que
bipolares tal risco au111enta cerca de l 00 ,,ezes; d) quadros teria um efeito protetor, já que apresentou efeitos dopa-
psiquiátricos do ciclo gravídico-pl1erperal 11ão diagnosti- 111ino-bloqueadores em estu(ios co111 anin1ais.Cj Mulheres
cados Olt 11ão tratados pode111 levar a riscos ele,,ados de co111 esquizofre11ia apresentarian1 1nais sinto111as positi,·os
abortan1e11tos espontâ11eos, baixo peso ao 11ascer, pre1na- e afetivos e 111e11os si11tomas 11cgativos que os ho111ens, e
turidade, 11ati111ortos, suicídios e infa11ticídios; e) o bi11ô- estaria111 n1e11os prope11sas a apresentar a11or111alidades

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Capítulo 1 - Aspectos gerais da saúde mental da mulher

estrt1turais cerebrais. Algu11s pesquisadores acreditan1 A prevalência 11as 1nulheres é de 6% e está at1111enta11do
que a esquizofrer1ia seria mais hereditária nas mull1eres e nos últimos anos pri11cipal1ne11te enlre as 111ull1eres jo-
mais decorre11te de fatores an1bientais nos hon1en5 - por ve11s, que cada vez 111ais vên1 aprese11tando estilo de ,,ida
exe1nplo, co1nplicações no parto. Alguns estudos st1ge- e hábitos sociais sen1elha11tes aos dos homens. 11 Mulheres
rem tarnbén1 que as n1t1lheres responderian1 111ell1or ao precisan1 de doses rnenores de álcool para que ocorra a
tratamento antes da 1ne11opausa, e necessitaria111 de doses intoxicação alcoólica, e isso poder ocorrer porque a en-
111ais elevadas de 1nedicação após a menopat1sa, o que, mais zi1na que metaboliza o álcool (aldeído desidrogenase) é
uma vez, falaria a favor do efeito protetor do estróge110 n1e110s ativa nas mulheres, ou também por cat1sa da maior
11as mulheres. 5 porcentage1n de gordura corpórea 110 gênero, havendo
Mulheres esquizofrênicas relatam menor assistência me11or porcentagem de água corpórea, 11a q t1al o álcool se
pré-11atal e apresentam n1ais chances de serem agredidas dilui e facilita sua rnetabolização. Dessa forn1a, doenças
11a gravidez. Con1pree11der a 11atureza e a experiência da relacionadas ao álcool i11stalan1-se com maior freqt1ê11cia
sexualidade nas 1nulheres esquizofrênicas ajuda no enten- nas mulheres (p. ex., úlcera péptica, doenças do fígado,
dimento do contexto de uma eventt1al gravidez. a11en1ia e atrofia cerebral).
A esquizofrenia 11ão diminui o i11teresse ou atividade Em relação ao uso de drogas, a prevalê11cia do uso de
sexual, portanto a qualidade e o contexto relacional da alucinógenos e opioides é maior entre os ho1ne11s. Mt1-
sexualidade poden1 ser marcadamente diferentes. A gra- lheres tendem a utilizar anfetan1inas e cocaí11a na mes111a
videz parece piorar a saúde mental de um subgrupo de proporção qt1e os homens, talvez pela inibição do apetite
n1t1lheres esquizofrênicas. A negação psicótica da gra- qt1e essas drogas causam e pela preocupação com o peso,
videz é u1n sintoma que oferece riscos sérios se não for comt1n1 nas mt1lheres 11a sociedade atual. É comun1 o at1-
acessado pelos profissio11ais de saúde mental. Trabalhos mento do abuso de st1bstâ11cias 110 período pré-1ne11strual,
psicoeducacionais podem reduzir os riscos de co1npli- possivel111e11te para o alívio dos sinton1as a11siosos e de-
cações em mulheres esqt1izofrênicas. Psicoterapia focal pressi,,os. Sendo assim, tratar a síndro111e pré-menstrual
e de curto prazo também é útil em algt1n1as mulheres seria uma maneira de din1inuir o co11st1n10 de st1bstâncias
co1n esquizofrenia. Algun1as 1nodificações precisam ser em t11na parte das mulheres.'
feitas nas mulheres esquizofrênicas grávidas internadas.
-
No período do pós-parto, as mull1eres podem ser n1ais NOVAS PERSPECTIVAS PARA CLASSIFICAÇAO EM
vul11eráveis a exacerbações agudas da esquizofre11ia. Mu- SAI_•'"'r:'. r.nr:'.r.lTA I l"'\J\ r.n111 ur:'.q . J\ r1n 11 F f'\ l"\CI\A \/

lheres esquizofrênicas desenvolvem si11tomas psicóticos Atualn1ente, a Saúde Mental da .Niulher é u111 te111a que
mais tardiamente que as n1ull1eres bipolares ou deprin1i- te1n sido an1pla1nente estudado, inclt1indo suas dime11sões
das. Sinton1as psicóticos podern i11cluir delírios de que o e i11tluências na prole, n1as ai11da 11ão há especificação
bebê está morto ou com algun1a n1á formação, delírios de para essas patologias na CID-1 O ( Classificação Internacio-
que o nascin1ento não ocorreu e alucinações at1ditivas 11a nal de Doe11ças) en1 Saúde Mental, a não ser como diag-
forma de \'Ozes que pede1n ~1ara a mulher esquizofrênica nóstico de exclusão, 110 caso dos tra11stornos relacionados
machucar o filho. 10 A doença pode le,,ar a dificuldades ao puerpério (F53).
nos cuidados com o bebê e até à perda da custódia em No capítulo XV (Gra,,idez, parto e puerpério), er1con-
alguns quadros clí11icos severos. Tanto os sintomas po- tra-se a classificação 099.3, "Tra11stor11os n1e11tais e doen-
siti,,os quanto os sintomas 11egativos da doença interfe- ças do siste111a 11ervoso con1plicando a gravidez, o parto
rem na capacidade de cuidado e criação dos filhos. Tais e o puerpério", que exclui depressão pós-parto (F53.0) e
sintomas pode1n levar ao atraso no reconhecime11to ou psicose puerperal (F53. l ). Não há 1nais 11ada descrito em
identificação da gravidez, a uma co11fusão dos si11ais do ter111os de diag11óstico para esses transtornos 11a CID-1 O.
parto e ao au111e11to dos riscos de parto pren1aturo. Con10 O DSM-IV-TR (Ma11ualDiagnóstico e Estatístico deTra11s-
grupo, as mulheres esquizofrênicas tê111 risco at1n1entado tornos Mentais, em sua quarta edição e com texto re,,isa-
de complicações obstétricas, i11cluindo a11orn1alidades do) não disti11gue os tra11stornos do hur11or do pós-parto
place11tárias e he1norragias anteriores ao parto. 11 Uma dos que acontecen1 em ot1tros períodos, exceto como
fan1ília cooperativa e ati,,a pode ajudar a redt1zir a alta especificador "con1 início 110 pós-parto': que é utilizado
taxa de gra,,idez não desejada; é válido lembrar qtie, no qt1a11do o início dos si11to111as ocorre no período de até
geral, mulheres con1 esqt1izofre11ia tê111 u1n 1ne11or co11he- quatro se1na11as a}1Ós o parto. 1 '
cimento das opções contraceptivas. Un1 grupo de pesquisadores denon1inot1 os transtor-
11os psíqtlicos relacio11ados ao ciclo reproduti,,o fe111i11i11(1
con10 RRDs (reprodL1ctive related disorde5) ou "doe11ças
ligadas à reprodt1ção". Haveria un1 grupo de mt1lheres
A prevalência da dependê11cia de álcool e111 hon1ens é mais sensíveis às alterações hormo11ais que ocorrem ao
n1ais de duas vezes maior do que em relação às 1nt1lheres. lo11go da vida, e essas mulheres seria111 n1ais vul11erá-

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Tratado de Saúde Mental da Mulher

veis, de ma11eira desfa,,orável, a qualquer flutuação l1or- TRANSTORNOS PSÍQUICOS RELACIONADOS AO


monal (p. ex., pré-menstrual, gestação e puerpério e pe- CICLO REPRODUTIVO FEMININO
ri1nenopaL1sa). Haveria un1 compone11te genético, e a
irritabilidade e a impLtlsividade seria111 sintomas con1uns.
O tratamento e11,,olve o LISO de antidepressivos (pri11ci-
palmente ISRSs) ou até mes1110 a i11ter,·e11çào horn1011al. O TDPN1 (transtorno disfórico pré-n1enstrual) está
Acredita-se que esta "patologia" possa ser reconhecida i11cluso cor110 t1n1 diagnóstico do Apêndice B no DSNl-IV,
como uma 110,,a entidade e111 termos de classificação e111 qL1arta edição, de 1994, da Associação America11a de Psi-
un1 ft1turo próximo. 11 quiatria. Trata-se de u111a e11tidade clínica cujos critérios
Atualmente, os estudos te11dem a enfocar os transtor11os fora111 obtidos do co11ser1so de especialistas, de 1nodo que
psiquiátricos 110 puerpério e dar n1enor in1portância aos pode ser co11siderado experimental, mas é usado para fi11s
transtornos na gestação, por acreditar-se qL1e essa fase da de pesquisa. - is
vida da mulher exerceria L1111 efeito protetor para os trans- Unia característica diferente no 111odo de diag11osticar
tornos psiqL1iátricos, o que não é ,,erdade. Sabe-se que o esse tra11storno é que ele depende de um acompanha1nen-
risco de ocorrer un1 transtorno depressi,•o 11a gestação é to prospecti\'O dos sintomas por dois ciclos 111e11struais.
o n1esn10 que em qualquer fase da ,,ida da 111ull1er, e, te11do Os conflitos com parceiro, lin1itações no trabalho, busca
em vista que muitas gesta11tes i11terrompen1 o uso do a11ti- inadeqLtada dos ser,,iços de saúde e uso de medicações
depressivo ao descobrire1n-se grá,•idas, a probabilidade de i11específicas são co11seqL1ências in1portantes desse trans-
recaída pode au111entar bastante. A depressão 11a gestação tor110 11ão reconhecido ou se1n tratar11e11to.19
pode aun1e11tar n1uito o risco de depressão pós-parto e As características desse transtorno incluen1 sinto1nas
pode le, ar a gra,,es co11sequências até no pré-natal e na
1 psíquicos como hu111or acentuada1nente depressi,10, an-
prole. Pensa11do nisso, Ltm autor propõe unia classificação siedade acer1tuada, 111arcar1te instabilidade afetiva e inte-
para o DSM- V, 15 11a qual a depressão seria considerada "pe- resse din1inL1ído por atividades rotineiras. Esses si11ton1as
rinatal': o que envolveria a gestação e o pós-parto, levando são relatados con1 ocorrência regular durante a última
em consideração a qualidade do parto, a sat.'1de dos bebês e se111ana da fase lútea na 111aioria dos ciclos menstruais du-
a qualidade da relação 1nãe-bebê. Sendo assi1n, ha,,eria as rante o ano anterior, e re1nite1n após algL1ns dias do início
segttintes descrições clí11icas: 1) transtorno depressi,·o pe- da me11strL1ação, ficando ause11tes 11a semana seguinte. 8
rinatal; 2) estresse pós-traumático relacio11ado ao trabalho A utilização dos critérios do DSM-IV, em associação
de parto (te11do e1n vista que algtimas mulheres vivencia1n ao preenchi1nento de diários prospectivos por pelo 1nenos
o trabalho de parto con10 um e,•ento traun1ático); 3) desor- dois ciclos n1enstrL1ais consecuti,1os, é atualme11te reconhe-
de11s do relacionamento mãe-bebê; 4) patologias relacio11a- cido co1no o n1odo prático de confir111ação diag11óstica. s
das ao luto ou perda materna (para os casos de natimortos, Aproxin1adan1ente 6% das mulheres e1n idade reprodu-
abortamentos ou mortes 110 pL1erpério). Essa classificação tiva preenchem os critérios estritos para esse diagnóstico,
visaria a uma 1nelhor detecção das doe11ças depressivas e 20% tên1 critérios parciais para essa entidade clínica. 20
nessas mulheres, facilita11do o diagnóstico e a inter,·enção As pesquisas e o reconhecimento clínico do tra11stor110
por parte dos profissionais da área da saúde. evitan1 negligenciar esse gra,,e problema fen1inino. Nles-
Um outro autor defende que a depressão pós-parto não n10 ha,,endo co11trovérsias, há autores que co11sideram
de,,e ser reco11hecida como u1na er1tidade à parte, pois esse transtorno u1na entidade clí11ica do hun1or distinta
acredita que não há etiologia, si11to1natologia ou cL1rso es- de sintomas purame11te pré-me11struais ou da depressão
pecíficos da doença. A depressão pós-parto seria influe11- n1aior. i- Realçar as características da lista de sintomas do
ciada pela situação hormo11al e social da paciente, e esses hu1nor por n1eios estatísticos pode servir para classificar,
poderiam ser fatores dese11cadeantes en1 Luna mulher que subclassificar e difere11ciar o transtorno disfórico de um
já teria predisposição à doe11ça em qL1alquer fase da vida. quadro de depressão breve. A sí11dron1e pré-menstrual
Para ele, a diferença entre os gêneros deve ser considera- e o TDPM parecen1 constituir um co!'ztinuum sen1 claros
da, sabendo-se que pode influenciar fortemente as carac- lin1ites. Na síndrome pré-menstrual, os sintomas existem,
terísticas dos transtornos mentais en1 geral; no enta11to, mas não são se,,eros o suficie11te para causar prejL1ízos
defende que não há pesquisas ou instrL1mentos fidedignos sociais ou de relaciona1nentos às pacie11tes, o que ocorre
o suficiente para diferenciar as patologias como entidades no TDPM.
diferentes co11siderando-se as diferenças entre os gêne- A etiologia do TDPM é multifatorial, mas particular-
ros. A sugestão seria acrescentar uma especificação aos mente parece ha\'er in1plicação na desregulação da sero-
tra11stor11os 1nentais já existe11tes, algo con10 "no período tonina e da alopregnanolona. 111 Un1 trabalho qL1e analisou
do pós-parto': En1 SLtma, 1nt1ito ainda será discutido a res- os hor111ônios esteroides ovarianos 110 ciclo n1enstrL1al em
peito da classificação das patologias relacionadas ao ciclo mulheres com ou ser11 si11tomas claros de disforia mens-
reprodutivo femi11ino para o DSM-V e a CID-II. 1" trual , 1erificou ní,1eis de estradiol (E2), globL1lina ligadora

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Capítulo 1 - Aspectos gerais da saúde mental da mulher

dos esteroides sexuais (SHBG) e progesterona durante gestação e concluiu que 12,7% das gestantes aprese11tam
um 111ês, e fizeram tan1bém autoavaliações de sintomas. transtorno depressivo maior, sendo qL1e os principais
Verificou-se que, na fase lútea, as concentrações de E2 fatores de risco associados a sintomas depressivos 11a
livre e SHBG diferem significativamente entre mulheres gravidez seriam: ansiedade mater11a, eve11to de vida
com e sen1 disforia pré- menstrL1al, 1nas isso não consiste estressor, l1istória de depressão prévia, precário suporte
em uma conclusão definitiva. 2 1 Steir1er e colaboradores de- social, violê11cia doméstica, gravidez não desejada, difi-
1nonstraran1 a relação entre o polimorfismo do gene trans- culdades financeiras, baixo nível educacional, ser muito
portador de serotonina e a severidade dos sintomas de jovem, precárias condições de moradia, pouca qualidade
TDPM, o que implicaria fatores ge11éticos. Por fin1, fatores nos relacionamentos em geral, uso de tabaco, álcool ou
psicossociais também parecem estar associados: mulheres drogas ilícitas e passado obstétrico con1plicado. Destes,
con1 histórico de abL1so sexual estão mais propensas a ter aqueles que teriam associação mais consistente seriam
TDPM, assi111 como os estudos apontam dificLLldades das ansiedade materna, eventos de vida negativos, pouco
mt1lheres com TDPM para lidar com o estresse. suporte social e dificuldades maritais.25 A depressão na
Há várias opções de tratamento. Em linl1as gerais, gestação seria Ltm dos principais fatores de risco para
L1tiliza-se a psicoeducação (para a 1nulher e11tender as depressão pós-parto. 26
n1L1danças fisiológicas e l1ormo11ais ocorridas, os sinto1nas Os estudos aponta1n para a importâ11cia da i11tervenção
correlacionados e como atuar e1n relação), a mudança precoce, ,,isto qt1e apenas 18% das mL1lheres com depres-
do estilo de vida, com exercícios aeróbicos e co11trole são 1naior na gestação procuran1 ajuda. 27 U1na revisão
ali1nentar, a psicoterapia cognitivo-comportamental, os sistemática da literatura avaliou intervenções psicosso-
tratamentos horn1onais e os antidepressivos serotonérgi- ciais e psicológicas voltadas à prevenção da depressão
cos como a fluoxetina, sertralina, paroxetina, citalopran1 pós-parto. Quinze estudos com 7.697 mulheres foram
e fluvoxan1i11a - se11do os três pri1neiros aprovados pelo inclL1ídos, e conclL1iu-se que o suporte pós-natal realizado
FDA para tratamento de TDPM. 22 Diferentemente do por profissional da área da saúde foi mais eficaz do que
tratamento para transtor110 depressivo e outros transtor- medidas a11tenatais e que intervenções i11dividuais foram
nos mentais, nos quais os antidepressivos são prescritos mais eficazes do que em grupo. Apesar disso, no geral,
continuamente, nesse caso a i11dicação da prescrição pode diversas intervenções psicossociais ou psicológicas não
ser restrita à fase lútea, nas duas semanas que antecedem reduziram significativamente o número de mull1eres que
a menstrt1ação. 20 desenvolveram a depressão pós-parto.~8
Como opção de tratamento, acrescentam-se, além dos Sabe-se que ape11as 18% das 1nulheres co1n transtor110
ISRS, os contracepti, os orais que contenha1n etinilestra-
1
depressivo maior procuran1 o tratan1ento, e quando não
diol e drospirenona. Outras opções como hormônios que ocorre o trata1nento adequado, podem ocorrer algumas
SLtprimem a ovulação e o suporte , 1 itamínico com cálcio con1plicações, como baixo ganho de peso, baixa aderência
também podem ser úteis. 19 ao pré-11atal, aL1mento do Liso de substâncias por parte
A escolha do tratarnento deve ser baseada nos sinto- da mãe e at11nento da probabilidade de prematuridade.
mas específicos e na história 1nédica i11dividt1al de cada É mt1ito co1num que as gesta11tes interrompan1 o uso do
paciente, levando-se em consideração a 11ecessidade de antidepressivo quando se descobrem grávidas, o que pode
. ... "),
ant1concepçao. -- levar a altas chances de recaída. Um estudo com 201
gestantes mostrou que a recaída para aquelas que não des-
conti11uaram o tratamento foi da ordem de 26%, enqua11to,
entre aquelas que descontinuaram o uso do a11tidepressivo,
Após o parto ocorre Lima queda brusca de hormô11ios, foi de 68%, o que tan1bém demonstra que a gra,1 idez real-
anteriormente prodL1zidos pela place11ta. Nessa fase, o es - 1nente 11ão é um fator protetor para depressão, ao contrário
trógeno, que antes do parto havia sofrido u1na elevação da do qt1e algt1ns teóricos in1aginam. 29
ordem de 1.000 vezes o seu valor basal, cai rapidan1ente. Em relação aos aspectos envolvidos no tratamento dos
Os níveis de progesterona também sofrem un1 decréscimo transtor11os psiquiátricos na gestação e pós-parto, ha,1erá
súbito importante após o parto. Em algumas mulheres capítL1los específicos sobre o tema neste livro. Os riscos e
mais sensíveis às flutuações hormonais, ocorreria uma be11et1cios sempre deven1 ser considerados pelo médico
espécie de "abstinência': e naquelas qt1e já apresentan1 pre- e ponderados com a paciente e seus familiares.
disposição genética e/ ou fatores psicossociais associados,
o quadro depressivo poderia instalar-se mais faciln1ente. 2·'
A gestação por si só não aume11taria o risco para o apa- A perin1e11opausa refere-se ao período no qual os
recimento 0L1 piora dos tra11stornos psiquiátricos preexis- ciclos 1nenstruais tornam -se irregulares e há flutuação
tentes. 2~ U1na revisão sisten1ática da literatura avaliou os errática dos níveis horn1onais, geraln1ente, entre 45 e 49
principais fatores de risco para sintomas depressivos na anos. De acordo com a OMS (Organização Mundial de

5
Tratado de Saúde Mental da Mulher
- . -- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
- - -·

Sat'1dc), o diagnóstict) tic 111e11o~)at1sa é retrospecti\'O e i1ode antago11izar oc.; efeitos positi,·os estrogê11icos sobre o
ticfi11ido após doze 111eses de a111e11orrcia do t1ltin10 c1cl<) l1u111or segt111do 111uitos estt1dos. ,:
n1e11strt1al, co,11 111édia tic idade ao rec.ior de 51 a11os tic .A.11tidei1ressi,·os ta111be111 poden1 111elhorar si11to111as
ic.iadc e con1 fSH st1~1erior a 40 111IC/111L. O stati,s 111eno- ,·aso111otores segu11do tii,·ersos estudos, apesar de não
pat1sal geraln1e11te é realizado de fc)r111a 111ais eficaz i)ela sere111 tào cteti,·os qt1a11tc> o estróge110 isolatio.
l1ist<)ria clir1ica, j,1 c.1t1e c>s parân1etros laboratoriais Yaria111 Os a11tic.iepressi,·os seroto11i11ergicos são 111ais eficazes
<ie i11tii,·íduo para i11diY1dt10. qt1a11c.io associados ao estróge110. Ta11to o estróge110 qua11-
So rece11te1ne11tc é qt1e se reco11l1ecet1 a perir11e11oi1at1sa to o a11tidepressi,·o seroto11inérgico isolados são n1enos
C<)1110 t1111 períod<) c.ie 111aior risco para o i111cio da depressão eficazes na terapêt1tica a11tide~)ress1,,a. Já c>s anti<iepres-
111aior 11as n1ttll1ercs, 111esn10 11aquelas se111 antecede11tes si,·os c.it1ais não reqt1ere111 o t1so estrogênico associatio
pessoais ot1 tàn1iliares. O risco de dci1ressàt) na peri111e- para exercere111 st1a eficácia ple11a. Por fi111, 11ão se pode
11opausa é cerca tic dt1as ,,ezes 111aior e tor11a-se 111ais ja111ais ig11orar a i111portâ11cia dos fatores ~1sicossociais e
ace11tt1ado 11as 111t1ll1ercs co111 fogacl10s. Scl1111idt e cols. ·. até es~1iritt1ais 110 be111-estar e 11a eficácia a11tidei1ressi,•a
condt1zira111 t11n estt1do lo11gitt1di11al para a,·aliar a relação dos qt1adros peri111e11oi)at1sais.
e11tre stcztt,s repr<)tiuti,·o e l1t1111or en1 111t1l11eres peri111e-
11opat1sadas. Eles c11contraran1 t1111 risco de depressão 14 (~.,,-, I ISAO-
,,ezcs 111aior 11as n1ull1eres peri111e11opat1sac.ias (a dois a11c>s O cstuc.io das especificidades da saúde 111ental da n1t1-
do h11al da n1e11strt1ação) qt1ando C<)111parac.ias às 111t1ll1eres ll1er deve fazer parte da Í<)rn1ação e att1alização c.ie todos
pré-111enopat1sadas. As 111t1lheres qt1e dese11,·ol,·era111 t1111 os profissio11ais de eqt1ipes qt1e realiza111 assistê11cia, pes-
cpisoc.lio depressi,·o 111aior dt1ra11te a 11erime11opat1sa fora111 quisa e c11si110 con1 toco 11as pacie11tes qt1e freque11ta1n os
tiifere11ciadas daqt1elas qt1e pern1a11eceran1 assi11to111aticas ser,·iços de gi11ecologia, obstetrícia e i)siqt1iatria.
co111 l)ase 110 perfil dos si11to111as, história t:1111iliar ot1 i1es- O co11heci111e11to cios possí,,eis i111pactos das n1t1da11ças
soal tlc depressão, tit1ração da i1erin1e11t)i1at1sa, si11to111as l1or111onais e1n cac.ia fase do ciclo reprodutivo fe111ini110,
,·aso111otores, e,·e11tos ,·itais, doe11ça n1édica, t1so de n1e- 111es1110 con1 ,·árias i11tor111ações co11tro,•ersas e até inco11-
dica111e11tos, ,·itan1 i11as, 111inerais ot1 cxerc1cio físico. Hoje, clt1siYas, t:1,·orcce a aplicação de trata111e11tos e co11dt1tas
l)Oré111, sabe-se qt1c a 1)cri111e11opat1sa é t1111 fator c.ic risco n1ultidiscii)linares tltle atendan1 às de111antias e peculiari -
isola<io ~1ara o pri111eiro episódio del)ressi,·o, i11depe11tiente- dades desses trar1stornos 1ne11tais.
111c11le tio históricc) fa111iliar ou i)essoal de depressão. A falta c.ie conl1ecin1e11to tios n1étiicos não psiquiatras
Os estt1dos e.ia área sào co11tro,·ersos e heterogê11eos. con1 o uso de psicotãr111acos dt1rante a gestação, o receio
I Ia 11roblernas 111ctodologicos, especial111e11te os relacio- de algt111s psicólogos e111 er1can1i11l1ar gesta11tes para trata-
11ados ao diagnóstiC<.l e à di,·ersidade e11docri11ologica. Po- 111e11to psiqt1iátrico Oll a 0111issão de assistê11cia às 1nt1lhe-
ré111, estt1dos met<)dolog1came11te rig<lrosos e.ião st1porte à res 110 cli111atério, por c11tendirne11to eqtti\'ocado de qt1e se
assc)ciação e11tre tiepressão e 111c11opat1sa. trata tie u111a fase 11a qt1al a depressão seria aceitá,·el, são
Iicce11te111entc (20 l O), a pesqt1isadora a111erica11a Susa11 problcn1as roti11ciros 11a c.icsassistê11cia especializada c.io
Kor11stei11 1)ublicot1 11a •\lc11opclLlSC u111 artigo interessa11te gê11ero fen1i11i110.
correl..1cio11ando o statt1s n1e11opat1sal e os si11to111as da dc- Neste capitulo, proct1rot1-se conceitt1ar algt111s aspectos
~1ressá<) 111aior das 111t1lhcres. ~lt1lheres na pré-n1e1101)at1sa gerais dos tra11stor110s 111e11tais relacio11ac.ios ao ciclo re-
t]t1cixa111-se 111ais c.ic irritabilidade, di111int1içào do ai1etite proti ti ti,·o fe111 i11 i110 c.1t1e serão detall1ados e expa11d idc>s
e tê111 t1ma 111e11or prope11são a des11ertar 11recoce qua11tio ao lo11go e.leste li,·ro.
con111aradas às peri1ne11opat1sadas. Ja as 111t1ll1eres pos-
-1,1c11opat1sacias té111 111ais cha11ces de ideação suicida, o REFERÊNCIAS
fu11cio11a111e11to físico é pior e ha n1aior estin1t1lo si111pati- l. Bloch .\ 1. Da:,• RC, l{ubíno,, DR. F.ndocríne factors 1n
co e n1ais si11to111as ...gastroi11testi11ais. tht etiolog\' of postpartu111 tiepression. <:<ln1pr Psychiatr\'. .
'

A depressão 11ão tralatia no cli111atério oferece riscos <.ie 2003;4-t( 1) :23-1-46.


di,,crsas orde11s, co1no distúrbios do s0110, doe11ça cardio- 2. Burt \ ·K, Stein K. Epidcn1iolog, of dcprcssion troughoul thc
,·asct1lar, diabetes e <)steoporosc. fen1ale lile cycle. J c·lin Ps\'ch1atry. 2002;63 Suppl 7:9-15.
E111bora o use) do antidepressi,·o seja a essê11cia do 3..\h~hulcr l.L. T11c use oi SSRls in depressi,·e d1sorders specific
trata111e11to da depressào 11a peri111e11opat1sa, a terapia to ,,·on1en. J Cltn Ps\'ch1atry. 2002:63 ~uppl 7:3 8.
estrogê11ica pode ser inc.licada e111 cas<)S refratários, por- 4. !\ltshulcr I L. Kupka ll\\7, l-icllcn1ann (j, Fryc :-.t,\, Sugar Cr\,
tlUC i1ode acelerar o i11icio da ação a11tidepressi,·a. O t1so \lcLlro, ':>L et ai. (jendcr and [)epre-,si\'C ~,n1pton1s in 711
isolado do estróge11c), poré111, 11ão rest1lta em ren1issão Palients \\'ith Bipolar l)isorder Evaluated Pro.,pect1vely in thc
co111pleta da depressão 11a 111aior parte dos estt1dos. \tanley Foun<lation Bipolar I rcatn1cnl Outcon)C :\et,,·ork. A.111
Qt1a11do a associação co111 progestero11a é 11ecessària, ela 1 Psvchialr\'.
• •
2010;167:708-15.

6
Epidemiologia dos
transtornos mentais
da mulher
Maria Carmen Viana
Camila Magalhães Silveira
Laura Helena S. G. de Andrade

-
INTRODUÇAO 7, 1%, esquizofrenia por 4%, transtorno bipolar por 3,3% e
Os transtornos mentais representam L11n grave pro- transtorno obsessi,,o-con1pulsivo por 2,8%. ' ·h Além disso,
blema de saúde pública no Brasil e no 1nu11do, por suas estima-se qL1e as doenças decorrentes do uso do tabaco
elevadas taxas de prevalência, i11cidência nas prin1eiras liderarão as caL1sas de incapacidade em 2020 nos países
décadas de vida, curso crônico e freque11te associação à em dese11volvi111ento.-
ir1capacitação e 111ortalidade precoce. 1 ' A 1nais robusta No Brasil, as doenças 11europsiquiátricas, incluídas no
evidência corroborando essa asserção adveio do estL1do grupo das doenças não trans111issíveis, ocupam a prin1eira
GBD (t/1e global burde,1 of disease) realizado pela Ow1S posição de sobrecarga global (DALYs) e são responsáveis
(Orga11ização wlundial de Saúde) e por pesquisadores da por mais de 11, (34%) de toda a morbidade (YLD), res-
Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard. 15 saltando que o impacto desse grLtpo de doenças se deve,
Verificou-se que doe11ças crônico-dege11erativas, i11clui11- principalme11te, à conseqL1e11te incapacitação, se11do a
do as co11dições neL1ropsiquiátricas, vê111 gradativame11te mortalidade prematura (YLL) menos in1portante. 8
substituindo a desnutrição, as doenças infecto-contagio- Na idade adulta, emergem grandes diferenças na ocor-
sas e as con1plicações maternas e perinatais em países e1n rência de transtornos n1entais entre mulheres e ho1nens.
desenvolvimento, qLte abarcan1 mais de 80% da população A mulher parece apresentar vulnerabilidade 1narcante a
mundial, e tornando-se as principais caL1sas de morbidade sinto1nas ansiosos e depressivos, associados OLI não ao
e1n países desenvolvidos, equiparando-se às doenças car- período reprodutivo. A depressão é, comprovadamente,
dio\rasculares. Essa estin1ativa baseou-se en1 uma 1nedida a doença qL1e 111ais causa incapacitação em n1ulheres,
de a,,aliação, então desenvol,,ida, que co1nbina,1a o nún1e- ta11to em países desenvolvidos como naqueles em desen-
ro de a11os vividos con1 incapacitação causada pela doença vol,1imento. 1' No mundo, a n1ortalidade por suicídio é a
(YLD), com co11seqL1ente deterioração da qualidade de segunda caL1sa de morte para mulheres na faixa de 15 a 44
vida, e o número de a11os perdidos por 1norte pren1atura anos de idade, sendo precedida somente pela tuberculo-
decorrente da doença (YLL). Essa n1edida con1posta foi se. Alé111 da depressão, entre as dez principais causas de
chamada de DALY (disability adjusted life )'ears) e i11dica, rnortalidade pren1atura e i11capacitação em n1ulheres em
e111 últin1a análise, o ten1po perdido de ,•ida saudá,•el em países dese11,·ol,•idos, a esqL1izofrenia ficou en1 segu11do
comparação ao potencial biológico en1 condições sociais lugar, o transtorno afeti,10 bipolar em qLtarto, o transtor-
favorá,,eis (a população do Japão foi, 11a época, ton1ada no obsessivo-co1npulsivo e111 qui11to, abuso de álcool em
como padrão de con1paraçâo). De acordo com o GBD, sexto e suicídio en1 nono lugar. As mesmas condições,
entre as dez principais causas de incapacitação, ci11co e1nbora ordenadas diversamente, aparece111 entre as quin-
delas são transtornos psiquiátricos, se11do a depressão res- ze pri11cipais causas de sobrecarga global em países em
ponsável por 13°10 da carga de morbidade, alcoolismo por dese11,•olvi1nento, sendo que, 11estes, o suicídio sobe para
Tratado de Saúde Mental da Mulher

a quarta posição.-1 O tabagisn10, abuso de drogas ilícitas países e111 todas as u11idades da OMS (http: / /,,,,v,v.hcp.
e sexo desprotegido foram ot1tras condições que se 111os- med.harvard.edu/,vn1h). Trata-se de um estt1do de cor-
traram, direta ot1 indireta111e11te, associadas a tra11stor11os te trans,·ersal que avaliou u111a amostra probabilística
n1entais na 111ulher, e que constitue111 in1portantes fatores da população geral adulta ( 18+) residente 11a RMSP
de risco para outras condições deletérias à sat'.1de. (Região Metropolila11a de São Paulo), con1posta por
5.037 i11divídt1os, con1 un1a taxa de resposta de 81,3%.
DIFERENÇAS DE GÊNERO NA OCORRÊNCIA DE A ocorrência de transtornos psiquiátricos foi avaliada
TP .dNÇT()Di.ll"\~ MENTAi~ 11or e11tre,·istadores 11ão clínicos treinados, por meio do
Estudos epide111iológicos tên1 consistenteme11te iden- Composite l11ter11ational Diagnostic I11ter,·ie,,., ,·ersão
tificado difere11ças de gênero 11a incidência, pre,,alência e \\' lvlH-CIDI (\Vorld Mental Healtl1 Survey), que foi lra-
curso lie tra11stor11os n1entais e do comportan1ento. De u1n dt1zido e adaptado para o portt1guês. 1l A prevalência de
111odo geral, n1ttlheres aprese11tan1 111aiores taxas de pre- pelo me11os t1r11 transtor110 n1ental ao longo da ,·ida foi
,·alêr1cia de tra11stor11os de a11siedade e do ht1mor, de de 44,8º1> (SE 1,4 ); 23,2% (SE 0,9) ti,·era111 dois ou n1ais,
tra11stor11os ali111entares e de personalidade borderlit1e e 13,4% (SE 0,7), dois ou n1ais (Tab. 2.1 ). Depressão, fo-
do que hon1e11s, enqt1a11to estes apresenta111 111aior pre- bias específicas e abuso de alcool foram individualmente
,,alê11cia de tra11stornos associados ao uso de substâ11cias os transtornos n1ais pre,·ale11tes; a classe de transtornos
psicoativas, i11clui11do o álcool, de tra11stornos de persona- de ansiedade foi a n1ais prevalente. Fobias específicas e
lic.iade a11tissocial e esqt1izotípica, do co11trole de impulsos trar1stornos do controle de i1npulsos tiveram idade de
e de deficit de atenção e hiperati, idade. Nos tra11stornos
1 i11ício precoce, e11qua11to transtor11os do hu1nor tiveram
ct1ja prevalê11cia é se1nelhante en1 ho111ens e mt1lheres, i11ício mais tardio. A taxa global de pre,,alência foi maior
são observadas difere11ças na idade de início, perfil si11- em 111ulheres do que e111 l10111ens (51,5º'6 versus 37,3%;
ton1atológico e resposta ao tratamento. Tê1n, ainda, sido OR 1,8, 95º1> CI 1,4 a 2,2). Mull1eres tiveran1 n1aior
identificados difere11tes padrões de co1norbidade psi- risco para transtor11os do hu1nor e de ansiedade, com
quiátrica e comorbidade psiquiátrica/física em 111ull1eres e OR (odds ratios) próxi111os a 3 para TEPT, agorafobia,
l10111e11s. E,·idências que suporten1 a i111plicação de meca- pânico e depressão. Já os homens apresentara1n maiores
11is111os causais biológicos ou l1or1nonais ai11da 11ão foran1 taxas de prevalê11cia de transtor11os decorre11tes do uso
de111onstradas (Piccinelli & \\'ilkinsor1, 2000), embora de substâncias ( 18,0% versus 4,7%; OR 4,4, 95% CI 3,3
11u1nerosos estt1dos identifiqt1e1n fatores desencadea11tes a 5,8), com OR significante1nente mais elevados para
associados ao ciclo reprodutivo. Desvantagens sociais as- abuso (4,7) e dependê11cia (6,0) de álcool, e para abuso
sociadas ao gênero femi11ino, i11clt1indo n1aior exposição (2,9) e dependência (2,5) de drogas. Con1 exceção de
à , iolê11cia do1néstica, podem represe11tar i111porta11tes
1 tra11stornos da co11duta, que foram mais frequentes em
fatores de risco (Patel e cols., 2006).9 En1 um estudo ho111ens (OR 2,9, 95% CI 1,8 a 4,5), não se observaram
lo11gitudinal segt1i11do 2.166 111ulheres e1n um ser,,iço de diferenças de gê11ero na distribuição de tra11stornos do
gi11ecologia em Goa, Índia, Patel e cols.9 ide11tificara111 co11trole de impulso. Em relação aos transtornos depres-
maior risco para o c.iesenvolvi111e11to de tra11stor11os men - sivos, e111bora as mulheres tenham apresentado maiores
tais comu11s (a11siedade e depressão) entre as n1ull1eres taxas de pre,,alência de depressão, 11ão houve diferença
111ais pobres, casadas (comparadas às solteiras), tabagistas sig11ificativa em relação à evolt1ção da doe11ça e gravida-
e t1st1árias de álcool. Ta111bé1n hot1ve associação positiva de dos sintomas, mas os l1on1e11s relatam n1aior incapa-
e11tre queixas de secreção ,·aginal, relato de doença física citação associada à depressão. 1.,
crônica e apresentação de un1 nt11nero maior de si11tomas O SP-ECA, estudo epidemiológico realizado em três
psicológicos na avaliação inicial.' bairros de São Paulo, correspondendo à área de captação
Estudos de base populacional realizados e111 países do Hospital das Clí11icas da Faculdade de Medicina da
ocidentais têm n1ostrado que e11tre 35 e 45% da popttlação Universidade de São Paulo, 1 1 avaliou 1.464 indivídt1os,
geral adt1lta 11ào institucionalizada apresenta algun1 tra11s- un1a amostra representativa da população geral don1i-
tor110 1nental ao longo da ,·ida. Essa tcLxa chega a ser ao ciliada con1 idade igual ou superior a 18 a11os (Tab. 2.2,
redor de 50% qua11do se co11sidera tan1bén1 o diagnóstico pri111eira colu11a). Nesse estudo, as mulheres apresen-
de dependência de 11icoti11a. taram 1naior frequência de transtornos afetivos (com
No Brasil, in1porta11les diferenças de gênero na pre- exceção de episódios psicóticos de exaltação n1aníaca e
valência de transtornos mentais foran1 identificadas distimia), transtornos ansiosos (exceto transtor110 obses-
no estt1do epidemiológico de transtornos n1e11tais São si,·o-con1pt1lsivo, a11siedade generalizada e fobia social),
P<1Ltlo ,'vlegacity, 1º· 11 que é parte i11tegrante de un1a ini- transtornos dissociati,,os ( tra11ses e perdas de consciên-
ciativa internacional da OMS (World Mental Health cia) e tra11stornos alin1entares. Os homens apresentaram
Survey - v\' lvlHS) e1n colaboração con1 a Universidade maiores taxas de uso nocivo ou dependência de drogas,
de Harvard e o l11stitute for Social Research da U11iver- inclt1indo tabaco e álcool. Exclui11do a dependência do
sidade de Nlicl1igan, da qual participam mais de trinta tabaco, o risco de sofrer ur11 transtor110 n1ental durante

10
Capitulo 2 - Epidemiologia dos transtornos mentais da mulher

Pânico 0,9 O, 18 2,5 0,38 2,9 (1, 7 a 5,0)&


Ansiedade generalizada 2,6 0,34 4,6 0,37 1,8 ( 1,3 a 2, 4)&
Fobia social 4,2 0,53 6,7 0,58 1,6 (1,2 a 2,3)&
Fobia específica 7,9 0,85 16,5 0,73 2,3 (1,8 a 2, 9)&
Agorafobia sem pânico 1,3 0,42 3,6 0,53 2, 9 ( 1,4 a 6, 1)&
Transtorno de estresse pós-traumático 1,6 0,42 4,6 0,40 3,0 (1,6 a 5, 7)&
Transtorno obsessivo-compulsivo 5,8 0,58 7,6 0,83 1,3 (0,98 a 1,8)
Ansiedade de separação 6,7 0,55 8,6 0,57 1,3 (1,04 a 1,6)&
Qualquer transtorno de ansiedade 19,5 1,29 35,8 1,45 2,3 (1,9 a 2,8)8

Depressão 10,0 0,67 23,0 1,31 2,7 (2,3 a 3, 1)&


Distimia 0,9 0,34 2,2 0,44 2,5 (1,5 a 5,3)&
Transtorno bipolar (1 e li) 2,2 0,40 2, 1 0,28 0,96 (0,6 a 1,5)
Qualquer transtorno do humor 12,3 0,82 25,2 1,25 2,4 (2,0 a 2,9)&

Transtorno opositivo-desafiador 1,4 0,30 1, 5 0,26 1,2 (0,7 a 1,9)


Transtorno da conduta 3,2 0,43 1, 1 0,20 0,4 (0,2 a 0,5)8
Deficit de atenção/ hiperatividade 1,9 0,28 1, 5 0,29 0,8 (0,5 a 1,3)
Transtorno explosivo intermitente 4,7 0,49 5, 1 0,51 1, 1 (0,8 a 1,6)
Qualquer transtorno do controle de impulsos 8,9 0,51 7,9 0,76 0,9 (O, 7 a 1,2)

Abuso do álcool 16,4 1, 12 4,0 0,51 0,2 (0,2 a 0,3)&


Dependência do álcool 5,8 0,69 1,0 O, 15 0,2 (O, 1 a 0,2)&
Abuso de drogas 4,4 0,62 1,6 0,34 0,3 (0,2 a 0,6)&
Dependência de drogas 2,0 0,47 0,8 0,22 0,4 (0,2 a O, 7)&
Qualquer transtorno associado ao abuso de substâncias 18,0 1, 11 4,7 0,58 0,2 (0,2 a 0,3)&
Ao menos um transtorno 37,3 2,08 51,5 1,83 1,8 (1,4 a 2,2)&
Dois ou mais transtornos 20,3 1,56 25,8 1,24 1, 4 ( 1, 1 a 1,7)&
Três ou mais transtornos 12, 7 1, 17 14,0 1,02 1,1(0,8a1,5)

SE. erro-padrão (standard error)


6
Diferenças de género estatisticamente sígníficatívas (P s 0,05)

a vida foi 1,5 vez maior para as mulheres do que para os mente), totalizando juntos 5,5% de prevalência ao longo
homens. Em relação ao consumo de álcool, os homens da vida. Avaliando-se o padrão de consumo de álcool nes-
apresentaran1 maior prevalência de abuso/dependê11cia sa amostra, identificaram-se diferenças de gênero 110 uso
de álcool do que as n1ulheres (7,8% e 3,8%, respectiva- pesado (definido como o consL1mo de cinco ou 1nais doses

11
Tratado de Saúde Mental da Mulher

numa 111esma ocasião pelo ho,nem e qt1atro ou mais para Nlorbidity i11 Great Britai11, pt1blicado e1n 1995, foi rea-
as mttll1eres).' 5 Quase 11 º«> da a111ostra fazia uso pesado lizado na Inglaterra, Escócia e País de Gales 110 início da
de álcool, sendo 15,4% en1 hon1ens e 7,2°10 em mulheres. década de 1990, a,,aliando 10.108 indi,,íduos de 16 a 64
O beber pesado foi significativa111e11te 1nais frequente en, anos residentes na cornunidade;22 um estudo realizado
homens jovens entre 18 e 24 a11os (OR 2,9; 95% CI 1,7 en1 Sa11tiago, 110 Chile, a,·aliou 3.870 residentes da região
a 4,7), e11quanto, entre as 111ulheres, esse padrão ati11giu 111etropolita11a com idade entre 16 e 64 anos; ' 3 e, por fim,
uma faixa etária mais ampla, co111 OR 4,6, 95% CI 1,8 a E11cuesta Nacional de Epidemiologia Psiqt1iátrica, ta1n-
a 11,9 para a coorte de 35 a 44 anos e OR 6,2, 95% CI 2,4 a bén1 integra11te da vVMHS da 01\11S/Harvard, foi co11duzi-
15,8 para a faixa etária de 18 a 24 anos, quando con1pa- da no México, a,•aliando 5.826 indivídt1os. 2·1
radas às 111ulheres com mais de 45 a11os. O beber pesado De un1 n1odo geral, observou-se nesses estudos que os
foi mais freque11te entre 111ulheres separadas, di,·orciadas, transtornos de ansiedade ocorrem com maior frequência
,,iúvas (OR 4,2, 95% CI 1,8 a 9,5) e solteiras (OR 2,5, em rnulheres do qt1e e111 homens, sendo essas diferenças
95'7o CI 1,1 a 6,1). As mull1eres que bebian, pesadan1e11te 1nais acentuadas para as fobias específicas (animais, es-
aprese11taram taxas significati, an1ente maiores de abt1so
1 ct1ro, lt1gares fechados). Fobias de altura, voar em avião
e depe11dê11cia do álcool ao lo11go da vitia e 110 últin10 e en,,olvendo sangue e procedi1nentos n1édicos 11ão tên1
ano do qt1e aquelas que não apresentava111 esse padrão tie distribuição difere11cial entre os sexos. Para fobia social,
beber, enqua11to, entre os homens, 11ão se observara1n di- embora as pre,,alências sejam maiores nas mull1eres, a
fere11ças significativas entre os dois grupos. Ide11tificou-se procura de trata1ne11to é maior nos homens, provavel-
ta111bén1, que, en, relação aos ho111ens, as mulheres relata- mente por estar associada a pior desen1penho ocupacio-
ra111 sig11ificati,,ame11te 1naior ocorrência de pensamentos nal. Diferenças de gê11ero também são encontradas no
de morte (35, 1°10 1 ersi1s 25,4%), desejo de morrer ( 13,0°10
1 curso e na e,,olução desses transtornos.
versi,s 8,4%) e tentati,,as de suicídio (4,0% versus l ,9o/o) També1n em estttdos prospecti,ros foran1 obser,·adas
ao longo da vida. 16 A presença de transtornos depressivos diferenças na incidê11cia de transtornos n1entais em
mostrou-se o mais importante fator preditivo de cogni- home11s e n1ulheres. No estudo Nen1esis, 25 LISO de subs-
ções e comportame11tos st1icidas, independentemente do tâncias, partict1lar1ne11te abuso de álcool, foi o transtor-
gênero, enqt1anto o abuso e/ou dependê11cia de álcool e 110 com n1aior incidência em homens (4,09/ 100 PYR
drogas n1ostrou-se associado a maior risco em mulheres. - perso,1-years at risk), segt1ido por depressão (1,72),
Avaliou-se, ainda, no estudo ECA-SP, o padrão de tiso de fobia si1nples ( 1,34) e dependência do álcool (0,82).
ser,,iços de saúde pela população estudada e obser,,ou-se Para mulheres, o tra11storno com maior incidência foi
que, entre os respondentes com algun1 transtorno n1ental depressão (3,9/100 PYR), seguido por fobia si1nples
nos doze n1eses anteriores à e11tre,1ista, as 1nulheres bus- (3, 17). A razão e11tre as i11cidê11cias para n1ulheres e ho-
caram mais serviços de clínica n1édica e profissionais de mens (controlada para idade), fornece11do un,a medida
saúde mental nos últimos trinta dias, em comparação aos do risco relativo das n1ulheres em relação aos homens,
os hon,ens. 1- foi de 1,54 para qt1alquer transtorno 111ental. Essa razão
Un1 estt1do nacional, is avaliando o padrão de consumo foi maior para tra11stornos ansiosos (2,58), particular-
de álcool e,11 uma amostra de 3.007 pessoas (2.346 adt1ltos 1nente para transtorno de pânico (4, 17), seguido pelos
e 661 adolescentes entre 14 e 17 anos), representativa da transtornos do humor (2,39). A razão se i11verte para
população brasileira do1niciliada (exceto da população transtornos relacionados ao uso de substâ11cias, se11do
indígena conglomerada em aldeias), mostrou que a di- maior o risco para homens (3,7).
fere11ça no uso de álcool entre homens e mulheres vem Tanto em amostras clínicas como em estudos popula-
di1ninui11do nas coortes mais jovens, mostrando u111a cionais, a coocorrê11cia de dois ot1 1nais tra11stornos psi-
convergência entre os gêneros. 9 quiátricos, co1nurnente cl1a1nada de cornorbidade, é um
No âmbito internacional, padrões semelhantes de fenômeno comum. Mais rece11temente, ve1n se usando a
distribt1ição de n1orbidade psiquiátrica por gênero são 11ome11clatura de duplo diagnóstico ou tra11storno dual
observados na maior parte dos estt1dos epidemiológicos quando há a coexistê11cia de t1m transtor110 psiquiátrico
realizados em países ocide11tais. São apresentadas, na Ta- e de um transtorr10 por uso de substâncias psicoativas.
bela 2.2, as taxas de prevalê11cias encontradas e1n diversos En1 estudos populacionais, aproximadan1ente 30°1> dos
desses estudos, além daquelas identificadas no SP-ECA. que apresentan1 algun1 transtorno psiquiátrico 110s 12
O NCS (Natio11al Comorbidity St1r,,ey) é um estudo de 1neses a11teriores à e11tre,1 ista tên1 dois ou 111ais tra11stor-
cobertura 11acional que avaliou 8.098 indivíduos de 15 11os associados. Kessler e cols. 26 exploraram o padrão de
a 54 anos, urna amostra probabilística da população ge- co111orbidade entre tra11stor11os me11tais e trar,stornos
ral americana;2º o estt1do Nen1esis, Netherlands Mental relacionados ao uso de substâncias psicoativas em sete es-
Health Sur,,ey and Incidence Study, foi realizado na Ho- tudos epiden1iológicos realizados em seis países (Estados
landa, con1 amostra nacional de 7.076 indivíduos e11tre Unidos, Brasil, Canadá, México, Alemanha e Holanda)
18 e 64 anos de idade;2 o OPCS Surveys of PS)'Chiatric que utilizaram o n1esn10 instrumento de avaliação diag-

12
Capítulo 2 - Epidem1olog1a dos transtornos mentais da mulher

Qualquer transtorno 46,3/45,3 47,3/48,7 39,9/42,5 19 5/12 3(al


, 1 35 2/17
, 1 3ia) 24,9/27,4
Transtornos do humor 21,0/15,0 23,9/14,7 24,5/13,6 12,2/6,9
Depressão 19,2/13,5 21,3/12,7 20, 1/10,9 9,7/4,6
Distimia 4,7/3,7 8,0/4,8 8,9/3,8 2 5/1 7'ª '
1 1 8 0/2 71ª'
1 1 1,0/0,3
Transtorno bipolar 0,9/1,1 1,7/1,6 2,1/1,5 1,5/2,4
Transtornos de ansiedade 15,6/8,2 30,5/19,2 25,0/13,8 17,6/10,6
Transtorno de ansiedade generalizada 4,9/3,3 6,6/3,8 2,9/1,6 3 4/2 8 1.11
1 1 6,9/3,2 ª1 1
1,3/0,5
Transtorno do pânico 2,3/0,7 5,0/2,0 5, 7/1,9 O 9/0 8 ª1
, 1
1
1 5/ 1 1(ai
1 , 1,4/0,6
Fobias específicas 6,7/2,2 15, 7/6, 7 13,6/6,6 1 4/0 7<ai
, 1 5 6/2 9·ª 1
1 1 9,6/4,2
Esquizofrenia/T. Esquizofreniforme 2,0/1,7 0,8/0,6 O 4/0 4 1ª1
1 1 NA NA
Abuso/ dependência de substâncias 1,3/15,0*
23,0/33, 1 17,0/35,4 7,4/29,7
(com tabaco) 1,3/14,5
3,8n,8 8,2/20, 1 1,9/9,0 2 1/7 5(b)
1 NA
0,2/2,7
f

Abuso ou dependência do álcool 1, 5/2, 9(b)


0,6/1,9 5,9/9,2 1, 5/2, 1
Abuso ou dependência de qualquer droga
Bulimia nervosa 2,4/0,3 NA 1, 1/0,2 NA NA NA
Somatização 6,9/4,7 NA NA NA NA NA

º1Andrade et ai.,2002, •l 1Kessler et ai, 1994; (l•Bijl et ai., 1998; 141Meltzer et ai., 1995; 1~1Araya et ai.. 2001; 101 Med1na-Mora et ai., 2008 •1Prevalência na
última semana, <h Prevalência nos últimos 12 meses; <·Prevalência na vida NA: não avaliada; *Sem considerar tabaco

nóstica (CIDI 1.1). Os resL1ltados foram consistentes nas entre as n1ulheres, 28 acredita-se que os esteroides sexuais
diversas populações estudadas, n1ostrando a coocorrência fen1i11inos, particularmente o estrógeno, ajam na mo-
de um transtorno mental ativo associado ao uso de subs- dulação do humor, o que, em parte, explicaria a maior
tâncias. Mulheres apresentaram maior co1norbidade entre prevalência dos transtornos do humor e de a11siedade na
depressão e transtornos de ansiedade, particularmente, n1ulher. A flutuação dos l1or1nô11ios gonadais teria algu-
transtorno de pânico e fobias simples. Home11s aprese11- ma influê11cia na modulação do sistema neuroendócrino
tam comorbidade e11tre problemas relacionados ao uso feminino, da 1nenarca à menopausa. Dunn & Steiner~9
de substâncias (mais con1un1ente álcool) e transtornos de propuseran1 uma hipótese de suscetibilidade biológica
conduta. A associação entre tra11storno mental pri1nário para explicar a diferença nas prevalências de tra11stornos
e uso secundário de SL1bstâncias (diagnóstico duplo) foi de hun1or entre os gêneros. Segu11do esses autores, have-
mais intensa para as mulheres (variando de 44% a 70% ria, 11a mulher, um desbalanço na interação entre o eixo
nos sete estudos) do que para homens ( 11 a 77%). Um hipotálamo-hipotalâmico-gonadal e outros neuromodu-
dado bastante informativo desvelado por esses estudos ladores. O ritmo neuroendócri110 relacionado à repro-
foi a baixa taxa de procura por tratamento especializado, dução 11a mulher seria vulnerável à mudança e altamente
embora tenha sido identificado maior uso de serviços de afetado por fatores psicossociais, ambie11tais e fisiológicos.
saúde geral por essas pessoas. De OL1tro modo, co11sidera-se que o estrógeno tenha
Outro achado i11teressa11te, e qLte ve111 se11do replica- un1 papel de proteção 11a esquizofrenia, fazendo as mu-
do, é que embora os l101nens aprese11tem n1enores taxas lheres terem idade de início 1nais tardia, requereren1
de ocorrência de transtornos do hL1mor e de ansiedade, doses menores de neurolépticos, terem um curso mais
eles relatam desproporcionalmente maior incapacitação favorável, mais sinton1as positivos, e sintomas negativos
em seu desempe11ho funcional, cognitivo e social do que 1nenos graves que os homens. Episódios psicóticos agudos
as mull1eres. 1"'· 2- ocorre1n em períodos do ciclo com baixos níveis de estra-
Embora não haja evidências que suporte111 a implica- diol. 'º Nesse estudo, os autores encontraran1 uma correla-
ção de mecanisn1os causais biológicos OLt hormo11ais na ção positiva entre níveis de estrógeno e desempenho em
maior prevalê11cia de tra11stornos ansiosos e depressivos testes cog11itivos.

13
Tratado de Saúde Mental da Mulher

TRAÍ\!STORl'JOS DO HU~/IOR 111ite tal co11clt1são, já qt1e n1aiores taxas de depressão en1
Un1 dos achados n1ais consistentemente replicados en1 n1ul11eres são obser,,adas tanto en1 estudos qt1e avaliaran1
epiden1iologia psiquiátrica é a 111aior pre,1alência de de- diretame11te os sujeitos co1no 11aqueles que se basearam
pressão entre n1ulheres do que en1 homens. Essa difere11ça e111 informa11tes; alé1n disso, a a,·aliação siste1nática dos
ten1 sido observada e111 várias regiões do 111undo, por padrões de resposta a testes psicon1étricos 11ão mostrou
1neio de diferentes i11stru111entos de a,·aliação e critérios diferenças por gênero, o que tampouco ocorreu quando
diagnósticos operacio11ais. A razão e11tre as taxas de pre- se avaliol1 a distribt1ição da presença e gra,•idade de si11-
valê11cia en1 n1t1lheres e l10111ens tem ,·ariado e11tre 1,5 e to111as c.iepressi\'OS. É possível ainda, que l1ome11s apre-
3,0, con1 un1a média de dt1as mulheres para cada hon1e111. se11te111 o 111esn10 risco para depressão do que 111tilheres,
Apesar dessa consistência, ,•erifica-se t1111a gra11de discre- porén1 é mais pro, á\·el que eles 1na11ifesten1 irritabilidade
1

pância nas taxas de prevalê11cia na ,·ida, de acordo com o do que disforia ou a11edo11ia.
local do estt1do e a popt1lação estudada, con1 estimati,,as Fatores de risco associados à depressão têm sido
varia11do de 6 a 179-'o. Depressão crônica 1ne11or e clistim ia ide11tificados, i11clui11do história fan1iliar, adversidade 11a
tambén1 têm sido n1ais f reqt1e11ten1e11le observadas en1 i11tã11cia, aspectos associados à personalidade, isolan1ento
111ulheres do que e111 hon1e11s, não te11do sido descritas social e exposição a experiê11cias estressanles. Pesqt1isas
difere11ças significati,,as 11a pre,,alê11cia de 111a11ia. de enfoque ge11ético e11volvendo o estL1do de gên1eos têm
Pesquisas epiden1iológicas envol,,endo crianças e ado- de111onstrado forte e equivalente hereditariedade para
lescentes demonstrara111 qt1e a difere11ça de gênero 11a i11- depressão e1n hon1e11s e 111ulheres. Há ai11da ir1dicaçào de
cidê11cia de depressão 111aior se manifesta prin1eiramente que fatores ge11éticos possan1 i11fluir 11a ,,ulnerabilidade
entre os 11 e 14 anos, assi1n se ma11tendo 110 decorrer da para e,,entos depressogênicos de n1odo difere11cial e111
vida adulta, o qt1e pode st1gerir um papel determinante n1e11inas pós-puberais co111paradas a n1e11i11as pré-pt1be-
dos hormônios sext1ais, especialmente co11siderando que rais e a n1eni11os pré e pós-puberais.
outras situações de variação hormonal ta111bé1n têm sido O perfil de co111orbidade tambén1 parece diferir entre
associadas a l1un1or depressi,,o, co1110 o período pré- gêneros, con1 1nulheres apresentando 1naiores taxas de
-n1enstrual, puerpério, n1enopat1sa, uso de contracepti,·os a11siedade associada à depressão e ho111e11s mostrando
orais e terapia de reposição l1ormo11al. No enta11to, re,,i- 111aior abuso de st1bstâncias psicoativas e tra11stornos de
sões sistemáticas tên1 falhado en1 identificar associações co11dt1ta.
entre esses fatores e taxas n1ais elevadas de depressão Ot1tro qt1adro 1nais con1t1n1 em 111ull1eres é a depressão
1naior em mulheres. Alén1 disso, o efeito da gravidez na atípica, caracterizada pri11cipal1nente por si11to1nas vege-
i11cidê11cia e recorrê11cia de depressão te111 se 1nostrado tati,,os reversos con10 hipersonia e hiperfagia. No estudo
insignificante. A única exceção parece ser <> período pós- N'Cs,~· os casos detectados de depressão atípica foram
-parto, associado a un1 at1n1ento substancial das taxas de co111parados co111 os de depressão 11ão atípica (39(}'o de
depressão. Os casos que irron1pem pela prin1eira ,·ez r1es- todos os casos detectados de depressão). A porcentagem
se período ocorrem con1 1naior frequência en1 n1ulheres de 1nulheres foi maior no grt1po com depressão atípica, e
que têm forte história fa1niliar de depressão, con1parados a idade de i11ício foi mais precoce. O grt1po com depres-
co1n os quadros recorre11tes. são atípica te,,e maiores í11dices de si11ton1as depressivos,
Além das especificidades biológicas, outras teorias têm ideias e tentati\'as de st1icídio, con1orbidade psiquiátrica
sido exploradas para explicar as difere11ças de gênero na (pânico, fobia social e c.iepe11dê11cia de st1bstâ11cias psi-
prevalência de depressão, por exemplo, un1a n1aior per- coativas), maior incapacitação e 1naior t1s0 de recursos
sistência dos episódios depressivos em mulheres do que de saúde. História familiar, prir1cipal111c11te parental, de
em l1omens, permeada pela influência de pressões sociais, depressão foi 111ais con1t1m nesse subgrupo, assin1 como
estresse crônico e baixo nível de satisfação associados abuso sexual e negligê11cia na i11fâ11cia. Na a11álise desses
ao desempenho de papéis tradicionaline11te femini11os, dados, o sinton1a "se11sibilidade à rejeição i11terpessoal"
ou pela forma diferencial entre gêneros de lidar co1n st1rgiu como um aspecto i111portante do quadro, assim
problemas e buscar soluções. Alguns estudos retrospec- como a presença de sintomas a11siosos e reatividade do
tivos tê1n sugerido que a depressão tenha un1 curso n1ais l1t1mor associada à irritabilidade, ficando a hipersônia e o
arrastado em mulheres do qt1e en1 homens, o que, no ganho de peso co1110 sinton1atologia não específica.
enta11to, tem sido reft1tado por estudos 111etodológicos Yo11kers e cols., 11 en1 estudo longitudinal no qt1al os
qt1e demonstraran1 que essa maior cronicidade se deve a pacientes fora111 avaliados a cada seis meses dt1ra11te oito
vieses de 111emória (recai/ bias) diferenciais entre home11s a11os, constataram que as mulheres com transtorno de pâ-
e n1ull1eres. Outro argun1e11to que ten1 sido amplamente 11ico apresenta,,a1n maiores índices de con1orbidade co1n
divulgado para explicar as diferenças de gênero é que as depressão e agorafobia e três ,•ezes mais recaídas do que os
1nulheres teriam maior facilidade de ide11tificar sintomas, homens. Para o TAG (transtorno de ansiedade generaliza-
adn1itir que estão depri1nidas e de bt1scar ajt1da do qt1e da), os achados can1i11han1 nessa mes111a direção. Dados
os ho1nens. A evidência disponível, no e11ta11to, não per- coletados e1n qt1atro estudos epide111iológicos realizados

14
Capítulo 2 - Epidem1olog1a dos transtornos mentais da mulher

no Brasil, Hola11da, Canadá e Estados Unidos estin1aran1 tos sociais e ét11icos, tráfico (servidão laboral e sext1al e
a prevalê11cia do TAG, que variot1 de 1,9 a 5,3% ao lo11go 1nanutenção en1 cativeiro), prostituição forçada e violên-
da vida (prevalência combi11ada de 3,9%) e de 1,0% a 2,9% cia urbana. As for1nas 111ais con1u11s de violê11cia co11tra a
(prevalência co1nbinada de 2, l % ) 110 ano anterior. A razão 1nulher, 110 enta11to, são perpetradas por seus próprios fa-
entre as taxas de pre, alência em 1null1eres e homens foi de
1 n1iliares e parceiros ínti1nos, envolvendo ,·iolência física,
aproxi111ada1ne11te 2: 1 e te, e como idade de início o fi11al
1 psicológica e sexual co11tra ,neninas e 1nulheres adultas,
da adolescê11cia e n1eados da \'ida adt1lta. ' 0
até mesmo durante a gra, idez e na terceira idade.
1

Existem ,·árias explicações para essas diferenças e11tre A maior parte dos atos de \'iolência co11tra a n1t1lher
os gêneros 11as prevalências dos tra11stornos de a11siedade. resulta e1n proble111as físicos, sociais e psicológicos, 11ão
Alé111 de fatores como n1aior aceitação cultural do rnedo 11ecessariamente causando lesões, incapacitação ou n1or-
e comporta111e11to de esqtiiva en1 n1t1lheres e diferentes te, e suas consequê11cias podem ser in1ediatas ou latentes,
padrões adaptativos, os hon1e11s te11dem a usar st1bstâ11- aparecendo tardia1ne11te ou estendendo-se por muito
cias, co1110 a nicoti11a e o álcool, co1no automedicação, ten1po depois da violê11cia ter cessado. Qua11to 111ais gra,,e
o que poderia n1ascarar a si11to1natologia prin1ária. Para a forma de ,,iolência sofrida e n1ais longa sua duração,
Barlo"v, 32 as 1nulheres são n1ais suscetí, eis a e, entos es-
1 1
n1aior in1pacto tera na saúde física e 1ne11tal, e a exposição
tressantes 11a infância e adolescência, o que, associado a a n1últiplos tipos de ,·iolê11cia parece ter um efeito deleté-
percepção que seus comporta111e11tos causa pot1co in1pac- rio cumulati\'O.
to no an1bie11te, cat1saria ur11 sentin1e11to de desco11trole e A exposição da n1tilher à violência dura11te a infância,
o conse<.1uente desen\·ol,1in1ento de padrões pessi111istas seja como víti111a de agressão física, sexual ou en1ocional,
desadaptativos de avaliação da realidade. Esses fatores as- de negligência ot1 privação, ot1, ainda, presenciando atos
sociados a ur11a vulnerabilidade biológica ge11etican1ente violentos no domicílio, ten1 un1 i111pacto adverso na saúde
determinada de ser reativa biologica111e11te às mudanças e no bem-estar da cria11ça, podendo in1pedir seu adeqL1a-
ambientais explicarian1 a n1aior ocorrência desses tra11s- do desen,·ol, ime11to físico e mental. A exposição da crian-
1

tornos e111 n1ulheres. ça à ,·iolê11cia ten1 se 111ostrado associada a \'arios com-


E1n relação ao TBH (tra11stor110 bipolar do ht11nor), portamentos de risco - como tabagisn10, obesidade, sexo
diferentes estt1dos epidemiológicos aponta111 para a au- desprotegido, depressão - que, por sua vez, co11figuram-se
sência de <.iiferença 11as taxas de i11cidê11cia e prevalê11cia en1 fatores de risco para ot1tros importantes problemas de
de TBH entre home11s e mull1eres, )3 .,:\ embora algt1ns saúde pública con10 câ11cer, doenças cardiovasct1lares, in-
estudos mostre1n t1111a prevalência 111aior de TBH tipo II fecções sexual111ente trans111itidas, infecções verticaln1en-
e11tre 111t1lheres.·'(, te tra11sn1itidas, gra\·idez i11desejada, na adolescê11cia ou
~
não, e suicídio. 36
VIOtF"'1r1 I\ rnr,.iTp ~- /l. l\~t !~ u':R U111a das for111as de violência de gênero que mais tem
A violência te1n sido identificada co1no um fator de sido estudada é aquela perpetrada por cônjuges ou parcei-
risco para vários agra,·os à saúde da mt1lher, tanto fisica ros íntimos, comu111e11te denominada ,·iolência do1nésti-
como n1ental e reproduti,•a, e te111 se 111ostrado associada ca, em qtre são característicos o en,1olvi111ento en1ocional
a pior qt1alidade de ,,ida, 111aior procura por ser, iços de 1 e a dependência eco11ô1nica entre a víti111a e o agressor.
saúde, 111aior exposição a con1porta111e11tos de risco (sexo A violência cor1jugal pode assun1ir di\ ersas for1nas, in-
1

desprotegido, tabagisn10, abuso c.ie álcool e outras drogas) cluindo ,,iolência física (e111 vários grat1s de severidade,
e 1naiores taxas de suicídio e de te11tati, as de suicídio.
1
desde empurrões e tapas até an1eaças con1 ar111as e ho-
A O!v1S defi11e ,·iolê11cia co1110 "... o uso intencional de 111icídio) e sext1al (sexo forçado, ou participação forçada
força física ou poder, e1n forn1a de ameaças ou de atos, e1n ati,·idades sexuais degradantes ou hu1nilhantes), e é
contra si próprio(a), ot1tra pessoa OLt co11tra um grupo ou co1nL1111ente aco1npa11hada por outros con1portamentos
comunidade, que resL1lte, ou tenha t1n1a grande probabili - abusi,,os, como restrições financeiras, proibição do e11gaja-
dade de rest1ltar, e1n lesão, n1orte, da110 psicológico, prejt1- n1ento social, familiar e ocupacional da 1nulher e freqt1e11-
ízo do desenvol,,ime11to OLI privação" e, especifican1e11te, a tes atos de inti111idação e hun1ilhação. Em 48 estudos de
violê11cia contra a mt1lher co1110 "... qt1alqt1er ato de , iolên- 1 base populacio11al conduzidos em di,,ersas partes do n1L111-
cia co111 base 110 gê11ero qt1e rest1lte, ou tenha uma grande do, de 10 a 69% das n1t1lheres estudadas relataran, tere111
probabilidade de resultar, en1 da110 ot1 sofrin1ento físico, sofrido algu111 tipo de , iolê11cia física por parte do parceiro
1

sext1al ou psicológico da n1ulher': 110 decorrer da vida, e de 3 a 52(yo, no último ano, com altos
Ocorrem ,·árias forn1as de violê11cia contra a mt1ll1er, índices de ,•iolê11cia sexual associada (e11tre 33 e 50°10).
desde atos de violê11cia con1etidos a11tes do nascimento Depressão e transtorno de estresse pós-trau1nático,
(aborto seletivo por sexo) ou 11a infâ11cia e1n algurnas cul - e seu ,·asto perfil de co1norbidades em decorrência da
turas (infanticídio femi11ino, acesso difere11cial à co111ida violência contra a 1nulher, são frequente111e11te relata-
e a cuidados 111édicos, i11iciação sext1al forçada, 111utilação dos. Tra11stor11os de ansiedade, especialme11te fóbico-
ge11ital), até estupro siste111ático c.it1ra11te guerras e co11fli - -ansiosos, tra11stor11os ali1nentares e abuso de álcool e

15
Tratado de Saúde Mental da Mulher

de outras substâ11cias psicoati\'as tan1bén1 tên1 sido mais zar1tes no cônjuge 111asculino contado por 111ais da 111etade
obser\'ados entre 111ulheres vítimas de \'iolência don1ésti- dessa proporção (9,S~o). Concluiu-se que a ocorrência
ca e sexual, assi111 co1110 disfu11ções sexuais (dispareunia, de tra11stornos externalizantes 110 cônjuges 111ascl1li11os
\'aginismo e transtornos do desejo e da excitação sexual) a11terior ao casamento e o principal preditor de \'iolência
e doenças físicas con1 forte componente psicossomático e11tre os casais. Esse achado propõe implicações práticas
(con10 síndrome do intesti110 irrita,,el, fibromialgia e dor na implen1e11tação de estratégias para a redl1ção do risco
crônica). Maiores taxas de suicídio e con1portan1entos de ,,iolê11cia co11jugal.
alttolesivos tan1bén1 têm sido 1nais identificados entre Por fi111, di\·ersos estudos n1ostram, ainda, que as 1nu-
1nulheres con1 história de violência. Agravos à sat'.lde lheres aprese11tan1 maior risco em relação aos homens de
repro<.iltli, a, co1110 i11fertilidade, gravidez indesejada,
1 dese11vol\ er TEPT (tra11storr10 de estresse pós-trau111á
1

HIV/AIDS, associados à violência contra a mulher, tên1 tico) e111 co11seql1ência de \'iolê11cia interpessoal em ge-
se n1ostrado in1portantes fatores de risco para tra11stor- ral ' I ou pelo risco au1nentado, con1parado aos hon1e11s,
11os n1e11tais, uso excessivo de ser\'iços de saúde, baixa de sofrere111 abuso sexual, o qlte al1me11taria o risco de
qualidade de vida, pobre desenvolvimento pessoal e desen\ 0l\•er TEPT. 40 No estudo São Paulo i'vlegacity, o
1

profissio11al e dificuldade de estabelecer relacionamentos risco de dese11,,ol\ er TEPT foi três vezes n1aior entre as
1

interpessoais e afeti\'OS. n1ulheres do que e11tre os homens (OR 3,0, 95°-ú CI 1,8
Por fin1, n1ulheres que fora1n fisican1ente agredidas Olt a 4,9), e o e\'e11to traumático associado a n1aior risco,
sexl1al111e11te 111olestadas 11a infâ11cia aprese11ta111 111aior tanto entre homens qltanto e11tre n1ulheres, foi estupro
risco de re,,itin1ização na vida adulta. Coid e cols.;' e111 e abl1s0 sexual.·
u111 estudo de 1.207 111ulheres, em Londres, relataram Co11cll1i-se, porta11to, ql1e a violência é u111 i111portante
a freql1e11te coocorrência de múltiplas experiências de fator de risco para o desen\·ot,,imento de condições dcle-
abuso físico e sexual, doméstico Oll não, na infância e térias à sat'.1de física e mental, especialme11te no que tange
vida adulta. Relatara1n, ai11da, que história de \'iolência às 1nulheres, e qLte sua prevenção e redução de\'e111 ser
sexual a11tes dos 16 anos associa-se positivamente à vio- priorizadas na i111plen1entação de políticas públicas de
lê11cia do111éstica (OR 3,54, CI 1,52 a 8,25) e estl1pro (OR saúde, educação e justiça social.
2,84, CI 1,09 a 7,35) na vida adltlta, o n1esn10 ocorre11do
com história de espancamento por pais ou cuidado- REFERÊNCIAS
res 11a infância (OR 3,58, CI 2,06 a 6,20 e OR 2,70, CI 1. Sartorius N, Vstun TB, Lecrubier Y, \\'ittchen H U. Depres-
1,2 7 a 5, 74, respectiva1ne11te, para , iolê11cia doméstica
1
sion con1orbid ,vith anxiety: results fron1 the \\'HO study on
e estupro), que tan1bé1n se n1ostrou associada a outras psychological disorders in prin1ary health care. Br J Psychiatry.
experiências <.ie trauma na idade adulta ( OR 3,85, CI 1996;30:38 43.
2,23 a 6,63). 2. l.ecrubicr ·y, üstun TB. Panic and depression: a "·orld-
Nl1n1a abordage111 inovadora i11vestigando a associação ,vidc pri111ary care perspective. lnt Chn Psychopharn1acol.
entre violência de gênero e saúde mental, u111 estudo in- 1998;13:57-11.
ternacio11al avaliolt 1.821 casais de onze países, exa1ni11an- 3. Il1ornicroft G, ~laingay S. Toe global response to n1ental ill-
do a hipótese de que a existência de transtornos mentais ncss: An enorn1ous health burden is increasinglv being recog-
antes do casame11to pudesse ser um tàtor prediti, 0 de 1 ntsed. B~1J. 2002 Sep 21;3'15:608-9.
\1iolência entre os cônJuges. ·~ ~1ulheres com transtornos 4. ~lurray CL. Lopez AD. \\'orld Health Organization. Toe Global
internalizantes (transtornos de ansiedade e depressão) 13urden Of D1sease. Gene\'a: \ \'HO; 1996.
se mostrara111 n1ais passíveis de se casarem com hon1ens 5. Lopez AI), ~Iurray CC. The global burden of d1sea-;c, 1990-
con1 o mes1no tipo de transtorno (OR 1,5, 95º1o CI 1, 1 a 2020. ;"\,1t i\led. 1998;4: 1241-3.
2,2) e n1ulheres con1 o diagnóstico de algun1 tra11stor110 6. \\ HO. 'lhe Global Burden of Disease 2004 Cpdate. \\'orld
externaliza11te se mostraram mais passíveis de se empare- J-lealth Organization; 2008.
lhar con1 hon1ens con1 trar1stor11os exter11aliza11tes (abuso 7. \\'HO. ·r he Global Burden of Disease and Risk Factors. \\1orld
e/olt depe11dê11cia de álcool e/ou drogas, tra11stornos da Health Organizalion; 2006.
co11duta, tra11storno explosivo intern1itente, deficit de 8. ~chran1n1 J1vlA, de Oliveira AF, Leite IC, Valente JG, Gadelha
atenção/hiperati\ridade) (OR 2,2, 95º/o CI 1,4 a 3,4). Vio- ,\i\1), Portela MC et ai. Transição epidemiológica e o estudo
lência física perpetrada por um ou ambos os parceiros de carga de doença no Brasil. Ciênc. saúde coletiva [online].
foi relatada por 20% dos casais e se 111ostrou associada à 2004;9:897 908. Oi-;ponível en1: <http:/ /,,.,v,,·.scielo.br/pdf/csc/
ocorrência de transtornos externalizantes no ho1nen1 (OR v9n4, a 11 v9n4. pdf>. Acesso en1: 24 de abril de 2012.
1,7, 95% CI 1,2 a 2,3 ). Calcl1lando-se o risco atribuí\·el 9. Patel \', Kirk,,·ood BR, Pednekar S, \\'eiss H, ~labev L). R.isk
'
populacional, a ocorrência de algum tra11storno n1e11tal t:1ctors for con1111on n1ental dísorders in ,,·on1en. Popula
anterior ao casan1e11to foi respo11sá\·el por 17,2% dos t1011 bascd longitudinal study. British Journal ot Psychiatry.
casos de violê11cia conjl1gal, con1 transtornos externali- 2006; 189:54 7 -55.

16
Políticas públicas:
saúde mental da mulher

Marcos Pacheco de Toledo Ferraz

A SAÚDE MENTAL DA MULHER NO BRASIL É UM saúde, poderia se preparar para uma postura 1nais moder-
TEMA RELATIVAMENTE NOVO 11a no que se refere à saúde mental. Por exemplo, e11qua11-
O Serviço Nacional de Doenças Mentais foi criado em to a psiqL1iatria comunitária nos Estados Unidos vigorava
1941, substituindo a Divisão de Assistência aos Psicopa- a partir da década de 1960, as i11ternações psiquiátricas
tas. Em 1970, foi criada a DINSAM (Divisão Nacio11al de eram pratican1ente o ú11ico recL1rso existente no Brasil.
Saúde Mental). Eram estrutL1ras voltadas particularmente Conceitual111ente, o psiquiatra Luiz Cerqueira, gran-
aos cuidados hospitalares. Em São Pat1lo, por exe1nplo, de entusiasta da psiquiatria co1nunitária americana e
o órgão que ct1idava de saúde mental chamava-se DAP discípulo de Ulisses Pernambucano, tentou implantar
(Departamento de Assistência ao Psicopata). Na refor1na esse modelo em São Paulo, 11a década de 1960, iniciando
da Secretaria de Saúde de São Paulo, e111 1968, passou-se sua experiência com a abertura de uma Emergência Psi-
a chamar Coordenadoria de Saúde Mental e ce11tralizava quiátrica, que foi logo encerrada. Na época, em sua con-
todas as ações no Estado. Na época, em São Paulo, para ter ferência sobre o te1na "O Papel da E1nergência no Fluxo
acesso a l1ospitais públicos era 11ecessário que o paciente, das Internações': no IV Simpósio sobre Emergê11cias
ou sL1a família, levasse L1111 atestado de pobreza fornecido Psiquiátricas, depois publicada no livro Psiquiatria Social:
por autoridade policial. Problemas Brasileiros de Saúde lv!e11tal, de sua at1toria
Em meados do século XX, 11ossa política de saúde (1984), ele defende vigorosamente suas ideias.
mental era ainda predo1ni11antemente de acolhime11to Luiz Cerqueira visa\'ª à desco11strução do hospital
e custódia. O impacto da psicofarmacologia a partir da psiquiátrico con10 um lugar de isolamento social. Em
década de 1950 custou para chegar ao país. As políticas seu livro, propunha a ampliação de recursos humanos,
públicas eram basican1e11te ligadas a internações hospita- de ambulatórios, de ações de saúde mental em centros de
lares. Algt1ns programas produzidos nesse período, como sai.ide e ampliação das emergências psiquiátricas em hos-
o PISAM (Plano I11tegrado de Saúde Mental - 1977), de pital geral e unidades psiquiátricas dentro desses hospi-
Josicelli de Freitas, eran1 bastante n1odernos e abordavam tais, retomando, n1oderniza11do e amplia11do as a11tigas
temas co1n influência da psiquiatria comunitária a1nerica- propostas do PISAM.
na. Apesar de proporem a integração de emergências psi- Son1ente 110s a11os 1980, con1 o enfraqueci1nento da
quiátricas, ambulatórios, hospitais-dia, pensão protegida ditadura en1 nosso país e a eleição direta de governadores
e leitos psiquiátricos em hospital geral, não passaran1 de nos Estados, criot1-se a possibilidade de uma discussão
propostas afastadas das práticas da época. ampla sobre direitos humar1os e a questão de saúde men-
Mais rece11temente, com a introdução das AIS (ações tal dos pacie11tes inter11ados em hospitais psiquiátricos.
integradas de saúde) na década de 1980, posteriormente o O ten1a co11substancia-se no Projeto de Lei Paulo Delgado,
SUDS e att1al1nente o SUS, o aparelho de estado na área de aprovado co1n muitas n1udanças e1n 1991, conserva11do,
Tratado de Saúde Mental da Mulher

porém, em sua essência, o respeito aos direitos hu111anos Co1n relação às políticas públicas en,,ol, endo a mulher,
1

dos portadores de transtornos mentais e dando ênfase às Rennó e cols. (2005) publicaram o artigo Saúde lvfe11tal da
ações fora do hospital psiquiátrico. 1vlull1er 110 Brasil, indicando que o ate11din1ento da n1ulher
Foi nessa década, portanto, que as ideias de Cerquei- permanecia limitado pela falta de ser,,iços especializados.
ra passaram a ser discutidas e111 alguns Estados e, na dé- Mais rece11temente, em relatório apresentado pelo Mi-
cada seguinte, e1n todo o território nacional, i11iciando nistério da Saúde (2003 a 2006), aparece a questão de "Saú-
SL1a implantação. de ~lentai e Gênero" passando a incluir o tema "Direitos
Na década de 1980, surge o primeiro CAPS (Centro de Sexuais e Reprodutivos", associa11do transtornos me11tais
Atenção Psicossocial) en1 São Paulo, ho111enageando Luiz às questões do puerpério, situação de violência don1éstica
Cerqueira. Esse 1nodelo, no i11ício, tinha e111 \'ista ser un, e sext1al. Nesse docu111e11to, o Ministério reco11hece: "a
espaço de cuidados intern1ediários entre a hospitalização entrada de sistemas 11a age11da de saúde mental ainda qt1e
e o ambulatório. Logo em seguida, st1rge111 os NAPS na no ní,·el de sensibilização é, no e11tanto, t1m grande passo':
cidade de Santos, ampliando esse tipo de ate11çào. No relatório de gestão "Sat'.1de Me11tal no SUS" (2007
En1 1987, ocorret1 a Prin1eira Co11ferência Nacional a 2010) novan1ente está colocada a qt1estão de gênero.
de Sal'.1de Mental. Em seu relatório final são apontadas as O docu111e11to refere corno n1etas: "constrt1ções de ações
mazelas do sistema hospitalocêntrico ,·igente. As críticas estratégicas de saúde 111ental e gênero" e "construção de
assi11aladas já constavam do ideário da ABP (Associação ações estratégicas para a atenção às dependentes e ustiarias
Brasileira de Psiqt1iatria) desde 1978, que defendia t11na abusi,·as de álcool e OL1tras drogas': n1as conclt1i: "apesar
n1t1dança na política de saúde n1ental brasileira. de trazer avanços 11a se11sibilização no ca1npo de saúde
A falta de informações sobre os transtornos mentais me11tal para o ten1a, 11ão conseguiLt fazer frente a esses
no Brasil era notória. Com freqttência, dados an1ericanos objeti,,os·:
e chilenos eram Lttilizados por uma suposta semelhança. Qt1ando se obser,,a a expansão da rede de CAPS que
Somente con1 os traball1os de Almeida Filho e cols. ( 1992) \'en1 aun1e11tando sig11ificati,ramente, te11dendo nos pró-
é que fora1n apresentados dados confiáveis a respeito da ximos a11os a uma boa cobertura, o problema se tra11sfere
prevalência de transtornos n1entais e111 diversas capitais para a qualidade dos ser, iços.
1

do paí5. Nos anos seguintes, outros trabalhos sobre o mes- A equipe de Saúde Mental se mostra insuficie11te, par-
n10 tema foran1 apresentados en1 revistas e congressos, ticularmente nas grandes cidades, 011de há significativa
mostrando uma mudança 110 enfoque, ainda que predo- ausência de psiquiatras trei11ados para o desenvolvime11to
n1inassem no plano das universidades. dos programas. Isso dificulta muito a ate11ção de pacientes
Com a concretização de ações como as descritas an- agudos como os transtor11os depressi,,os, afeti, 0 bipolar,
1

teriormente, o cenário estava pronto para ttma discussão pâ11ico, depressões pós-parto etc.
e implantação de políticas públicas de saúde mental, Os CAPS não estão acoplados a un1a boa rede de
inclui11do a questão de gênero. laboratórios clínicos, difict1ltando tratamentos com fár-
En1 1990, o Ministério da Saúde publica as "Orienta- macos como carbonato de lítio e ácido valproico, entre
ções para Funcionamento e Supervisão dos Serviços de tantos outros, dosagens hormo11ais e exames prelimina-
Saúde Mental': seguidas das "Nor1nas e Procedimentos na res para diagnósticos de quadros psiquiátricos e outras
Abordagem do Alcoolismo': Esses documentos, embora comorbidades.
i1nportantes do ponto de vista de fu11cionamento dos As relações entre os CAPS e os serviços de ginecologia
equipamentos de Saúde Mental, não tratavam, ainda, da e obstetrícia permanecem precárias, o mesmo ocorrendo
questão de gênero. com os serviços de pediatria.
Nesse período, a saúde mental da mulher e o trabalho, Progra1nas como "tvlédico de Fa111ília" estão sendo
relações da futura mãe e gravidez, depressão na mulher, implantados, porén1 set1s resultados ainda não estão bem
depressão pós-parto e violência contra a mttlher eram estabelecidos.
estudados dentro do Ministério da Saúde, ainda que timi- Embora em quase todas as universidades públicas a
damente. De11tro das uni, ersidades e en1 seus serviços, os
1 questão da violência contra as mulheres seja estudada e
temas já estavam sendo desenvolvidos, e trabalhos sobre atendida, muito pouco se tem feito a respeito em termos
o assunto eram publicados regttlarmente. de saúde pt'.1blica.
Nas décadas seguintes, há un1a forte expansão dos pro- Pode-se conclL1ir que as políticas públicas no Brasil
gramas envolvendo os Centros de Atenção Psicossociais surgira1n tardiamente e que neste mo1ne11to o Ministério
(CAPS). Por exemplo, em documento do Ministério da da Saúde está an1plia11do os ser,,iços extra-hospitalares;
Saúde (2010), o número de CAPS existentes no ano de e11tretanto, deixa a desejar uma n1elhor qualificação
2006 era 1.010, e em 2010, passou a ser 1.620. O mesmo destes. A inserção dos programas referentes à mulher
11ão ocorreu em relação às unidades psiquiátricas em permanece ainda tímida e se mostra predominanten1ente
hospital geral. circunscrita às universidades.

20
Interação entre a clínica
ginecológica e a equipe de
saúde mental
Gislene Cristina Valadares
• Luciana Valadares Ferreira
Maria Carolina Lobato Machado

O son1 cios dois 111odificaclo pelo son1 cios ciois. sa, acesso a e,xpertise entre as disciplinas e especialidades,
(~a11á Vasconcelos e Itamar Assun1pção. ln: Isso var ciar resuJta11do en1 uni in1pacto bastante positi,,o 110 cuidado
reperc11ssâo; Cai.xa Preta, 2009) com as mLilheres e 110 fortaleci1nento de políticas adeqL1a-
das a esse CL1idado.
Moc.ielos de trabalho e de trei11ame11to com preceptoria
Acretlito c1ue a co11sulta ginecológica é para a paciente 11111 transdisciplinar ainda são raros, n1as representa111 LLm futL1ro
espaço e.xtren1<1111e11te oportuno para e.tpor suas d{f,culdacies pro111issor na forn1ação de profissionais da área da saúde. 1
rnais í11ti111as e receber a orie11taçiio e conduta e111 busca eia Essa interação, 11a prática clí11ica, e11tre a ginecologia
rnelhor q11alicfacie de vida. Para o 111éciico, a sati~fação de ser o e a saúde 111ental é extre111a1nente rica. É atra,·essada pela
instru,nento para tal. \'isão, ainda cheia de estign1as, dos transtornos psiquiá-
Adaptado de Oi Cló (arquivo pessoal) por Ora. En1ilia con1 tricos. Essa visão é con1partilhada pela popLLlação leiga e
47 anos de incansá\·el exercício da ginecologia e obstetr1cia no por colegas de outras áreas de atL1ação: o psiqL1iatra ai11da
interior do Brasil. é visto como aquele que faz os diagnósticos e usa de 111edi-
cação para tratar os casos n1ais se,·eros, e o psicoterapeu-
ta, co1110 aquele que co11,·ersa e cuida dos "proble1nas de
Eu quase que nada não sei. ,\tlas desconfio de ,nuita coisa. vida" dos "pacientes corn problemas n1ais leves':-
Guimarães Rosa Entre a maioria dos colegas médicos, quanto n1aior o
nível de treinan1ento pós-graduado, 111aior é o interesse
em trabalhar conju11tan1e11te com o psiqL1iatra e n1aior é
A RIQUEZA DAS RELAÇÕES ESTÁ NAS DIFERENÇAS, a percepção da própria se11sibilidade relati\·a às questões
NOS DESAFIOS E NO DESEJO DE SUPERAÇÃO psicológicas de seus pacie11tes. A 111aioria e.los n1édicos
PROVOCADO PELO OUTRO, DIFERENTE generalistas considera qL1e o pri11cipal e111 st1a relação
A clínica de 1nulheres é complexa assim como todos os corn a psiqL1iatria sejam as orientações sobre as questões
problemas relacionados à sat'.1de e à doe11ça. A interdiscipli- psicossociais, deixa11do a co11dL1ção e responsabilidade
naridade e as eqL1ipes que trabalha1n ,·isa11do ao mesn10 ob- clínica das pacientes a seu cargo, a,•aliando, e111 geral, set1s
ietivo (bem-estar físico, n1ental, social e espiritual das n1L1lhe- recursos e suas habilidades con10 suficie11tes no reco11l1e-
res) são muito importa11tes no sucesso das ações en1 saúde. cime11to das pacientes con1 sofri1ne11to psíquico e distress.
A interação e11tre as clínicas ginecológica e obstétrica A,·alian1 con10 ele\·ada sua condição de estabelecer u111a
com a psiquiatria e a equipe de sat'.1de mental favorece boa relação 111édico-pacie11te com as clie11tes. 3
a formação de redes de oportu11idades profissio11ais, de Os gi11ecologistas e obstetras relata111 en1 pesquisa
ampliação de conhecin1e11tos, de acesso a recursos de tra- rece11te que possue1n acurácia maior para c.iiagnosticar
tan1ento, acesso a novas questões i11,·estigati,,as e à pesqui- os transtornos depressi,·os do que os ansiosos en1 sL1as
Tratado de Saúde Mental da Mulher

pacientes, e que recorrem duas vezes mais ao tratamento qt1e interfere no processo de cuidados hospitalares. Esse
com antidepressivos do que referem as pacientes a um fato pode ser exemplificado pela dema11da de avaliação
profissional de saúde 1ne11tal. Em torno de 1/s deles utiliza psíqL1ica somente às vésperas da alta das pacientes e não
perguntas para diagnosticar ansiedade em suas anamne- faze11do parte da ate11ção hospitalar. As dificuldades que
ses, sendo que o interesse pessoal en1 quadros ansiosos, le, an1 ao subdiag11óstico e à inadeqLtação 110 trata1nento
1

por experiência própria ou de algun1 parente próximo, é de comorbidades psiqLtiátricas co11stituen1 desafio no
o único fator preditivo de elevação de taxas de screening. ca1npo da sat'.1de mental e da saúde global. Sabe-se que 26
A principal barreira relatada para efetivar o scree11i11g, até a 28% dos pacientes admitidos em hospitais gerais têm
1nesmo durante a gestação, é a restrição de tempo às con- comorbidades psiquiátricas diagnosticadas, dos quais 40 a
sultas e a percepção de treinamento inadequado. Existe o 54% são realmente diag11osticados por seus 111édicos, e so-
co11hecin1ento, por exen1plo, sobre a int1uê11cia negativa n1e11te 3,1 a 11,7% são referidos ao serviço de psiquiatria.
dos transtornos alimentares no resultado da gravidez, E111 recente estudo em hospital universitário, co11cluiu-se
apesar de poL1cos inquirire111 sobre eles na história de ,·ida qLte, e1n enfern1aria de ginecologia e obstetrícia, 0,11 %
de suas gestantes e metade admitir ser sua fL1nção fazê-lo, das pacientes i11ternadas ao longo de seis anos de estudo
111esn10 co1n o fraco trei11a111ento sobre esse sofrin1ento foi referida ao serviço de interco11sulta psiquiátrica, co11-
psíqL1ico em sua forn1ação e atualização.4 trastando con1 ot1tras clinicas como a n1edicina interna,
De 26 a 28% dos pacientes em hospitais gerais têm que referiL1 1,59% dos pacientes, e a clinica cirúrgica, con1
comorbidades psiquiátricas diagnosticadas. Destes, 40 1,33%; ao todo foram referidos 1,45% de todos os interna-
a 54% são diagnosticados por seus médicos atL1ais, e 3,1 a dos nesse período. A oncologia e a hen1atologia referiram
11, 7% são referidos ao serviço de psiquiatria. 2,21 %, e a neurologia, 2,00%. Já a unidade de tratamento
intensivo encan1inhou 1,64% de todos os seus pacientes, e
-
5n1 1r1TJ\rnr::c "'~ INTFPrl"'\t..1c1 PT/\ "-10 HOSPITAi o serviço de ortopedia e reabilitação física, 1,84%. A uro-
As solicitações de interconsulta psiquiátrica em am- logia, 0,87%, e a otorrir1olaringologia encaminhou 0,33%
bie11te hospitalar, i11clui11do a ginecologia e obstetrícia, de seus doentes. Assin1 co1110 a ginecologia e obstetrícia, a
muitas vezes se baseian1 em um modelo médico formal, dermatologia encaminhou O, 11 % à psiquiatria (Tab. 4.1 ). '
quando o responsável pela condução do tratan1e11to sente- E1n hospitais universitários em que a relação entre a
-se inseguro, pois, co1no se sabe, os pacientes admitidos ginecologia e obstetrícia e a psiquiatria são n1ais estrei-
em hospitais, portadores de comorbidades psiquiátricas, tas, as taxas de enca1ninha111ento são significativan1e11te
terão sofrimento não só pelas li1nitações fu11cionais im- mais elevadas, se11do que n1t1itas das pacie11tes, atendidas
postas por sua doença de base, mas também por t1ma pior durante a i11ternação para o parto, receberam atenção
qualidade de vida em comparação aos demais pacie11tes. no período pré-natal, qL1ando a 1naioria dos sintomas já
As comorbidades psiquiátricas podem complicar o diag- estava presente, em especial os relacionados à depressão,
nóstico, o tratamento e o resultado final das i11tervenções, à a11siedade e ao uso de substâncias. A pro,,isão de cuida-
além de ampliar a permanê11cia hospitalar. O modelo de dos à saúde me11tal das gesta11tes e u1n screet1ing a11tenatal
atenção em interconsulta pode ser melhorado se centra- de tra11stornos psiquiátricos por meio de co11sultoria ou
do na paciente, també111 na comorbidade psiquiátrica ate11dimento direto da paciente evita co111plicações no
da qual é portadora e 11ão exclusi,,amente na condição pt1erpério de pacie11tes si11to1náticas. 6

Medicina interna 7.209 1,59 41,36

Cirurgia 4.537 1,33 26,03


Oncologia /hematologia 2.724 2,21 15,63
Neurologia/Neurocirurgia 1.223 2,00 7,02
Reabilitação física 628 1,84 3,60
UTI 298 1,86 1, 71
Ortopedia 483 1,24 2,77

Urologia 169 0,97 0,97


Ginecologia/ obstetrícia 111 o, 11 0,64
Otorrrnolaringolog,a 39 0,31 0,22
Dermatologia 10 O, 11 0,06
Total 17 .431 1,45

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Capítulo 4 - Interação entre a clinica 91necológ1ca e a equipe de saúde mental

da libido, ausência de orgasmo, dispareunia, i11satisfação


As razões n1ais frequentes para encan1inhar un1a pa- com o próprio corpo, qL1eda da at1toestin1a e dificuldade
ciente à saúde 1nental em nível hospitalar são: a detecção de se concentrar e ton1ar decisões podem ser sinais de um
de depressão, história passada de tratamento psiquiátrico transtorno de humor, a11sioso ou mesmo de um transtor-
e Lima preocL1pação sobre a condição da mulher para o 110 alimentar. Algumas dessas queixas são consideradas
exercício da 1naternagem. Os diag11ósticos mais comu11s pelo senso comu1n como "coisa de mulher", como se fizes-
nas guias de interconsulta são depressão, tiso de subs- sem parte da natureza fen1inina, e não de uma reação ao
tância psicoativa ou ansiedade. Con10 citado, obser\'a-se sofrer, desconstruindo a possibilidade feminina de ser e
que 1nuitas das n1ulheres encaminhadas 110 pós-parto já estar n1elhor, de superar suas limitações que lhe são social
apresentavam queixas ou sintomas 110 período antenatal, e hormonalmente impostas (Quadro 4.1).
motivo para estímulo ao estreita111ento e11tre a obstetrícia e Por vergonha, medo, preco11ceito ou até mesmo des-
a saúde me11tal desde as co11sultas do pré-11atal até o puer- conhecin1ento, a mulher pode evitar procurar um pro-
pério imediato e tardio.; As razões para o encami11hamen- fissional de saúde me11tal para tratar de seu sofrimento/
to à psiquiatria, nas maternidades de nível terciário onde adoecin1ento. Burquier e cols., 8 identificando os sen-
as gesta11tes de alto risco são atendidas e onde, em geral, timentos e necessidades das pacientes, demonstraran1
por serem hospitais-escola, o interesse na interação com como elas são fa,'oráveis a que o médico ginecologista
serviço de saúde mental é n1ais elevado, costuma111 conter faça perguntas diretas e ativas, durante a co11sulta, sobre
até três motivos associados."·- Os motivos mais frequentes sua vida e satisfação sexual bem como sobre situações de
em orde111 decrescente são depressão (52,25%), história violência ou abuso em sua história de vida, evidenciando
psiquiátrica prévia (31,53%), insônia e confusão (24,32%). a co11fiança da mulher en1 seu n1édico. Algumas dessas
Em seguida, encontra-se orientação sobre uso de psico- mesmas n1ulheres, se11do e11caminhadas, não cl1ega1n à
fármacos (18,92%), ansiedade (16,22%), psicose (14,41%), equipe de saúde mental, se não houver uma boa interação
risco de autoextermínio ( 10,81 % ), co1nportamento desor- e11tre as dttas clínicas. 8
ganizado (9,91 %), agitação (9,01 °10) e a,,aliação de compe- As queixas das pacientes são, algumas ,,ezes, perturba-
tência para recusar tratamento (6,31 %) (Tab. 4.2). 3 doras para o médico: des,,endam questões fernininas atá-
Como o ginecologista compartilha de grande parte do vicas e revelam, 11a vida cotidiana, a reperct1ssão da co11di-
desenvol,,in1e11to fisiológico e patológico de suas pacie11- ção e.ia 111ull1er e seus recursos, hormonalmente mediados,
tes, ele també1n acaba por acompa11har diversas queixas para lidar com sua evolução pessoal e social. Difictildades
relacionadas a esse dese11volvime11to, que poden1 se qua11to ao ente11dime11to e direção a propor às pacie11tes
constitt1ir con10 sinais i11iciais de um sofrimento psiqui- podem levar o médico a "não ouvir': i11depende11teme11te
átrico. Por exemplo: diminuição OLI aume11to exagerado de sua especialidade.

Depressão 58 52,25
História psiquiátrica 35 31,53
Insônia 33 29,73
Confusão mental 27 24,32
Avaliação para uso de psicofármaco 21 18,92
Ansiedade 18 26,22
Psicose 16 14,41
Avaliação de risco de suicídio 12 10,81
Com porta mento desorganizado 11 9,91
Agitação 10 9,01
Competência para recusar tratamento 7 6,31
Dependência química 4 3,60
Dor 4 3,60
Solicitação do paciente 2 1,80
Transferência para ala psiquiátrica por psicose 2 1,80
Síndrome a esclarecer e inexplicada 2 1,80

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Tratado de Saúde Mental da Mulher

Diminuição da libido dela e/ou do marido.


Ausência de orgasmo.
Dispareunia orgânica, funcional ou oportuna.
Insatisfação com o próprio corpo. Concorrência feminina. Queda da autoestima.
Trabalho e/ou preocupações em excesso.
O amor e o sexo relegados a segundo plano principalmente pela paciente.
Perda do foco em s1 mesma, passando para filhos, trabalho, projetos sociais, espirituais ou outros, enfermidades reais ou imaginárias.
Com a saída dos filhos, perda da 1dent1dade dela e da união conJugal.
Decepções com o companheiro: amorosas; por incompatibilidades de temperamento; dificuldades financeiras; vícios,
principalmente o álcool etc.
Dificuldade ou desinteresse em perceber sintomas e/ou de descrevê-los.
Dificuldade em criar novos objetivos para si e/ou para o relacionamento afetivo e familiar.
Sedentarismo.
Insegurança com a capacidade de seduzir.
Insegurança com a fidelidade e honestidade do parceiro.
TPM e ou climaténo que tendem a acentuar todas as mazelas femininas.
Pânico diante da possibilidade ou realidade de DST e câncer e mesmo diante de uma gravidez indesejada ou da
expectativa de uma infertilidade.

Adaptado de Oi Clô, (arquivo pessoal) por Ora. Emilia Maria Valentim Lobato de Vargas, com 47 anos de incansável exercício da gínecolog1a e obs-
tetrícia no interior do Brasil.

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A autoilnagem fe1nini11a é perpassada por fatores bioló-
Considerando variáveis geográficas, ct1lturais, socio- gicos e culturais e, en1 geral, ainda obedece a u1n padrão de-
econô1nicas e n1es1no a abertt1ra e perfil do profissional ter11linado pelas expectativas n1asculinas n1achistas. O so-
médico, profissionais da área da ginecologia e obstetrícia matório de traços físicos e de perso11alidade, das experiên-
que trabalham no interior do país, onde o acesso coti- cias precoces de abt1so e trauma tão frequente em mulheres,
diano à discussão com outras áreas con10 a psiquiatria e os difere11tes estilos de solução de conflitos e mecanismos
psicologia é mais restrito, con1 freqt1ência ouvem de suas de adaptação, além de restrições socioeconômicas, unidos
pacientes queixas relacionadas a: en1 uma vulnerabilidade dinâmica, abre espaço emocional
• diminuição da libido da paciente e ou do companheiro; para aumento da prevalência de quadros sindrômicos ou
• ausência de orgasmo; subsirldrômicos. As n1ulheres padece1n de grande sensibili-
• dispareunia orgânica, funcional ot1 eventt1al; dade à rejeição interpessoal, n1a11ifestando sua insegurança
com sinto111as ansiosos e reatividade do humor associada à
Esse bloco de queixas e pedidos de ajuda traz à tona irritabilidade, além de hipersô11ia e ga11ho de peso. 9
conflitos próprios e interpessoais, além de possíveis doe11ças O profissio11al gi11ecologista obstetra pode auxiliar as
orgânicas, psicológicas, efeitos adversos dos tratamentos hor- pacientes sugerindo a busca de solt1ções coletivas como
monais e co1n psicofár1nacos ou situações de iatrogenia quí- grupos de dança circular, de educação fe1ninina e sexual,
mica, cirúrgica etc., que merecem investigação clínica. Ouvir de atividades espirituais, de autoajuda e psicoterapia de
com atenção, interrogar quando necessário e demonstrar grupo ou individt1al. Se não existen1 essas possibilidades,
i11teresse pelo sofrilne11to tranquiliza as pacie11tes que se sen- q11e esses profissionais as atixilien1 a analisar, sen1 exageros,
tem mais encorajadas a e11contrarem respostas individuais ou se há motivo real para ter ciúmes: se é freque11te o parcei-
coletivas. Uma anan1nese CLtidadosa e o exame físico e com- ro lhe provocar i11segurança, 1nentir, ser ause11te, on1isso,
plementar/hormonal do casal pode il11minar o diagnóstico. trabalhar demais, sair ou viajar somente com amigos, não
valorizar seus sentilnentos, 11ão atender telefo11emas, não
• i11segurança em relação à sua capacidade de sed11zir, ser coere11te com horários etc. Também estimular que essa
en1 relação ao próprio corpo, a baixa autoestima, a mulher valorize a si mesma, suas qualidades, convicções
co11corrência con1 outras mulheres; e propósitos, não se fixando exageradamente na estética,
• insegt1rança con1 a fidelidade e l1011estidade do parceiro; sem dei.xar, no entanto, de ct1idar da l1igiene e saúde com

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Capítulo 4 - Interação entre a clínica 91necolog1ca e a equipe de saúde mental

delicadeza; que se len1bre que tudo passa ou acaba (relacio- projetos de forn1a individual soma-se à at1toesti1na con1-
nan1entos, trabalho e a própria \'ida); que o sofrin1ento e os prometida por diversos fatores de risco. Os cuidados co,1-
ciúmes não muda111 o outro e não o impeden1 de ser e fazer sigo n1esn1a e SL1a autoevolução ficam adiados na bL1sca
o que desejar; que co11trolar, opri1nir ou chantagear piora e de reconhecin1e11to e reforço egoico, tL1do isso reforçado
afasta o parceiro; 1nas também qLte 11inguém é i11substituí- 1-1or dificuldades de ten1peramento e personalidade, se-
vel. Fazer algo prazeroso e que lhe seja be11éfico e con1 o que quelas pro,,áveis de sua co11dição, de história de vida co111
se sinta livre (111ull1eres gostan1 de dançar, cantar, de poesia situações de abuso psicológico, físico, sexual e laboral ao
e artes en1 geral e da proximidade con1 a beleza); i11sistir na lo11go da vida.
necessidade da prática regular de exercícios, qLte dirijam As primeiras experiências sexL1ais de ac.lolescentes ou
seus pensan1entos tan1bém para u111 foco além do con1- de mulheres adultas são moldadas por uma diversidade de
panheiro; e que ter \ ida própria e independente do outro
1
contextos que ,·ariam desde sua muito íntima e pessoal \'i-
tan1bén1 auxilia basta11te a n1ulher a olhar de outro ângulo vência das relações até os mais amplos contextos de gênero,
seu sofrimento. Co1n essa mL1dança de atitude e co11duta, o ét11icos e de classe social. As abordagens dessas vivências
ot1tro passa a vê-la co1n mais respeito e percebe não ser o 11ecessitan1 avaliar a estratificação por grupos sociais e a
epicentro do n1undo dessa mL1lher. singularidade de cada n1ulher e se basearen1 nas necessi-
dades, nos interesses, 11as cre11ças sexuais e 110s con1porta-
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VI"' . ,.J,..,.......,,.,.,.,,.~
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111entos específicos de cada co1nL1nidade. A fala mater11a,
• decepções com o co1npanheiro por diversos motivos: em geral, aprese11ta às n1ulheres desde a i11fância e juven-
amorosos; por incon1patibilidades de te1nperan1en- Lude o sexo co1110 perigoso à suas filhas, o que contribui
to; dificuldades fi11a11ceiras; vícios, principalr11e11te o para a compree11são qt1e não se de,,e conversar sobre sexo.
álcool e outras drogas; por co111portamento ,,iolento; A decepção das .iovens mulheres com suas n1ães mantén1
uma conexão simbólica entre elas, mas institL1i a ausê11cia
Sabe-se que a violência dor11éstica causa a perda de de espaço de interação para tàlar e trocar experiências n1ais
um en1 cada cinco anos potenciais e.te vida saudá,,el e tem li\'reme11te con1 suas rnâes sobre sexualidade. A per1na-
efeito social n1uito 11egativo no be111-estar, 11a segurança, nência dessas n1emórias contribui para as dificuldades e111
nas possibilidades de educação e desenvol, in1e11to pessoal
1
assumir a sexL1alidades nas diversas fases da vida fen1i11ina.
e autoestima das n1ulheres e crianças.
História de violêr1cia don1éstica e sexual pode ser
vinculada a outras formas de violação dos direitos das • com a saída dos filhos, perda da ide11tidade fem i11ina
mulheres, que vão desde a diferença de remL111eração em pessoal e da L111ião conjugal;
relação aos ho111ens, assédio n1oral e sexual no local de • climatério, que con1 suas oscilações horn1onais inte11si-
trabalho e tratamento desu111ano quando, con10 ,,ítimas, fica todas as queixas e n1azelas femininas;
procuram recursos judiciais e os serviços de saúde. Essas
discriminações e sua invisibilidade, nos grupos sociais A coi11cidência da saída dos filhos con1 o climatério e
e nas comunidades, potencializa os efeitos da ,·iolência a menopausa é freque11te. As n1ulheres nessas condições
física, sexual e psicológica contra a mulher. hormonais podem ter set1s sintomas de pós-menopausa,
Um estt1do brasileiro SL1gere un1a associação positiva i11cluindo os físicos e emocionais, con10 togachos, depres-
entre violência e doença me11tal, sendo que 111ulheres que são e ansiedade i11específicos, redução do desejo sexual
sofreram 1nais de um tipo de violê11cia e toran1 agredidas nos etc., variando com idade, escolaridade e co111 o grau de in-
últimos doze 1neses aprese11tam maior pre\'alência de distúr- vestin1ento que fizeram na relação com a prole. As que se
bios psíquicos me11ores, o que reqL1er medidas 1nais eficazes apegan1 muito aos filhos e 11etos apresenta1n maior redu-
de atenção às \rítimas, como a criação de redes institucio11ais ção do desejo sexL1al e sinton1as ir1específicos de depressão
que garantam a integralidade da assistência a elas. 0 e ansiedade, e aquelas com n1aior idade e escolaridade
relatan1 con1 n1enos frequência os 1nesn1os si11ton1as. 11
• perda do foco e1n si mesn1a, transferido para preocu- A co11strução de projetos existe11ciais 111ais focados du-
pações excessi,,as com filhos, traball10, projetos sociais, ra11te o desen,·oJ,,imento do climatério é de suma impor-
espirituais, ou outros ou para e11fern1idades reais ou tância para muitas mulheres qL1e relacionam n1enopaL1sa
imagi11árias, co111 dificuldade em criar 11ovos objeti, os 1
à velhice e 11ào à maior liberdade e aL1toco11hecin1e11to.
para si e/ou para o relacionamento afeti,,o e tà1niliar; A redescoberta da sexualidade madL1ra, dos desejos e pro-
• o a1nor e o sexo relegados a segundo pla110, pri11cipal- pósitos adiados a11teriormente, assin1 como inforn1ações
mente pela paciente; sobre essa etapa da vida reproduti\'a, e a participação en1
grL1pos de n1ulheres auxilia a travessia dessa fase da vida.
Pelo fato de a n1ulher ser tão i11terati,·a e seu psiquismo
se basear, segundo os psicanalistas, na falta, ela torna-se •
• pânico e desespero dia11te da possibilidade, risco OLI
dependente das relações. A dificuldade de criar 110,,os realidade de DST ot1 câncer;

27
Tratado de Saúde Mental da Mulher

Parêntese se faz ao cuidado com as pacientes, pois cabe a to emocional carregado de medos, crenças religiosas e
repercussão do trabalho na saúde do gi11ecologista oncolo- pressões sociais podem co1npelir o silêncio das mulheres
gista e imu11ologista, que suporta toda a carga que as doe11- que 11ecessitaram ou desejaran1 interromper uma gestação.
ças malig11as representam. Nesse campo, o profissio11al da O graL1 de estresse relacionado ao abortamento e os riscos de
saúde mental pode ser de grru1de valia atuando em conjtm- desenvol,,in1ento de quadros depressivos ou de estresse pós-
to com o ginecologista, evitando ou tratando precocen1ente -traLtma são se1nelhantes para o espontâr1eo e eletivo, varian-
os quadros freqL1entes de ansiedade e depressão associados. do na ocorrência de situação de traL11na prévio ou durante o
O cirurgião ginecologista também se torna estressado. abortrunento. O desejo de engravidar logo após den1onstra
Diagnosticar, revelar o diagnóstico e participar de forma so- disposição de reavaliar e refazer a experiência do abortamen-
lidária do tratamento de doe11ças malignas 0L1 tern1inais não to. Também a presença e o suporte de um acompanhante ou
é tarefa simples. Mais de 1/3 dos cirLtrgiões em ginecologia do parceiro ou familiar na sala de recuperação e a atitude da
relatam elevados níveis de exaustão emocional, componente equipe de saúde tranquilizam bastante a mulher e servem
central na síndro1ne de bur,-1 out. ConclL1iL1-se que 42,9%, como fator protetor para qL1adros psiquiátricos reativos. 14
57,1 %, e 28,6% deles considerarrun, nos últin1os seis 1neses, A postura respo11sável e delicada do obstetra 11esse
mudar de posto de trabalho, reduzir o número de horas tra- momento é de su111a importância para a pacie11te. Essa
balhadas e requererem antecipação de aposentadoria, res- postL1ra pode desencadear conflitos nas pacientes e nos
pectivamente. A maior fonte de estresse para esses cirurgiões profissio11ais de ordem pessoal, religiosa e social, visto
foi a ruptura da vida familiar por caL1sa do trabalho (80,8%). alguns serviços públicos no Brasil serem destinados à
As taxas de consumo de álcool trunbém são altas, compa- prática legal do aborto, que se dá em casos de estupro
randas à população em geral, associação bem descrita e11tre ou risco de morte. A lei pern1ite ao médico recusar o
sofrimento psicológico, estresse global no trabalho e bi1rr1 procedimento con1 alegação de objeção de consciê11cia,
out. O volume de pacientes e as demandas administrativas gerando a questão que não é apenas entre o 1nédico e
e organizacio11ais nas instituições co11tribuem bastante para a mulher. A objeção de consciê11cia pode ser analisada
a sobrecarga. Mais da 1netade (58,6%) dos cirurgiões entre- con10 conflito entre responsabilidades profissionais e
vistados em pesquisa recente apresenta níveis altos de satis- direitos individuais; entre diferentes direitos individuais
fação, e 70,4% relatan1 níveis elevados de realização pessoal. ( direito à intimidade, liberdade de consciência, autono-
Avaliam a adequação de treinan1ento e sugerem mudanças n1ia, saúde, entre outros); ou entre direitos individuais e
curriculares pela experiência que acu1nula1n. Associa-se, deveres institL1cionais. A reflexão e atitude, 11esse tópico,
então, distress ocupacional a elevados níveis de satisfação prevê a montagem de equipes de atenção nesses locais,
pessoal e no trabalho, e é importante manter essa preciosa compostas por profissionais ben1 preparados en1ocional e
força de trabalho reforçando estratégias que 111elhorem tecnican1e11te, co111 co11dições de ate11der às mulheres nes-
també1n a saúde mental dos ginecologistas oncologistas. 1~ sa emergência obstétrica, pois 1nuitas vezes não há outro
É importante identificar as prioridades de sua vida pes- serviço ou outras equipes disponíveis para este cuidado. 15
soal e profissional, seus valores, optar por ótin1as práticas, A atenção a vítimas de \riolê11cia sexual, e em especial
determinar o equilíbrio da díade vida pessoal-trabalho e nu- de violência i11trafan1iliar, como nos casos de gravidez
trir seu bem-estar pessoal: a pró-ati,ridade é sen1pre melhor por incesto (pai-filha, irmão-ir1nã, tio-sobrinha, primo-
que reagir ao burn out. É necessário reconhecer com cali11a -prima), em que n1uitas vezes há o abuso (se a vítima, ou
e l1urTilldade quando e quanto seu estresse pessoal afeta a an1bos, é n1enor), mas não o estupro, demanda uma con-
qualidade de cuidados e st1porte emocional prestados a sL1as dição emocional do ginecologista de forma que o atendi-
pacientes e fan1iliares e cultivar hábitos que renovem suas mento da paciente não seja mais uma agressão. A disCLlS-
energias, suas emoções e seu autoconhecimento, bem como são multiprofissional i11cluindo psicólogos, psiquiatras e
o contato positivo com outros colegas sendo un1 exemplo sociólogos alivia o peso atávico dessas situações e favorece
de boa sat'.1de aos pacientes e aos cirurgiões mais jovens. 13 uma atitude acolhedora e desprovida de preconceito.

Gravidez indesejada e necessidade de cuidados


• pânico com a expectativa ou constatação de infertilidade;
• pânico diante de uma gravidez indesejada; • ansiedade intensa durante e após as técnicas de re-
produção assistida e às decisões envolve11do aspectos
As circunstâncias nas quais a 1nulher engravida éticos, psicológicos e religiosos no trato coin redução
inadvertidan1ente podem ser várias, e a bL1sca por acon- de fetos, congelamento de embriões etc.;
selhamento bate, co11tundenten1ente, à porta do consul- • ambivalência, medo e insegurança na decisão de ado-
tório ginecológico e obstétrico. En1 função da ilegalidade tar um filho;
do aborto eletivo em nosso país, existe constrangimento
e culpa por parte da paciente ao abordar esse assunto A dificLLldade e vergonha para aprese11tar suas queixas
com seu médico. Da mesma for1na incômodo, sofrimen- psíquicas de ansiedade, medo e depressão aumentam nos

28
Capítulo 4 - Interação entre a clinica ginecológica e a equipe de saúde mental

casos de mt1lheres e casais grávidos, pior ainda nos qt1e primária para o serviço de ginecologia e obstetrícia ocorre
engravidaram após fertilização assistida, qtiando a gra- com freqt1ência nos casos de dores abdomi11ais ou pélvi-
videz é vista como o ponto-alvo da realização feminina e cas (algumas vezes provocadas pela introdução de objetos
do casal, 11ão podendo ser vivenciada como geradora de na vagina e/ou no ânus 110s quadros psicóticos ou de de-
conflitos, ansiedade e mesmo pânico ou depressão. Dessa ficit intelectivo grave), relacionadas Oll não à violência se-
forma, qualquer queixa gerada dt1rante esse período pode xual. Qt1eixas uroginecológicas, infecções, complicações
ser vista como "nor1nal" do período ou con1 desagrado, gravídicas, aborto legalmente solicitado e ou amenorreia
já que para n1uitos, a mull1er deveria estar se se11tindo secundária a emagrecimento extremo nos transtornos
realizada, e não triste ou desanimada. Da mesma forma, alimentares etc. são situações referidas frequenteme11te. i-
a abordagen1 tecnicista dos procedimentos isenta os Um número maior de consultas ambulatoriais ou de
profissio11ais de se envolveren1 com muitas das questões interconsulta, em especial as não planejadas, e hospitali-
psicossociais e religiosas. zações agudas são buscadas por portadoras de transtorno
Se111elhante aun1ento de estresse e mudanças no estilo de mental do que pela população feminina em geral, confir-
vida são con1uns en1 111ull1eres puérperas e 1nães que ado- mando as conclusões de que doenças somáticas ocorrem
tara1n bebês, constitui11do fator de risco semell1ante para com maior frequê11cia em pacientes psiquiátricas do que
quadros de ansiedade e depressão. E11treta11to, os 11íveis de na população; muitas dessas doenças não são do conhe-
sintomas depressivos são sen1elha11tes com as n1ães adoti- cimento do psiqt1iatra ou profissional de saúde mental ao
vas, relatando menos ansiedade e bern-estar. Os sinton1as referirem as pacientes. ns A necessidade de a,,aliação clínica
depressivos podem ser mais frequentes en1 mulheres com ginecológica das pacientes admitidas em u11idades psiquiá-
privação de so110 somada à história pregressa de i11fertili- tricas passa a ser traduzida em protocolos de atenção em al-
dade, passado de transtornos psíqt1icos e 111enor satisfação guns países. Infelizn1ente, essa recon1endaçào ainda não se
marital. Reco111enda-se qt1e essas 1nulheres tenha1n acom- aplica às mulheres atendidas em regime a1nbulatorial, que,
panhamento mais frequente e recebam atenção e1n relação por vezes, pern1anecem com suas queixas atribuídas apenas
ao desenvolvimento de depressão pós-parto. 1<> à so111atização, transtorno tan1bé1n 1nuito mais frequente
en1 mull1eres. 17 •1!1 Torna-se necessário sempre lembrar que o
risco de pacientes com queixas de dor abdominal e pélvica,
• te11são pré-me11strual co111 prejuízos 110 ft1ncio11amento solicitação de aborto legal, problemas uroginecológicos,
fisiológico e socioprofissional. queixas ginecológicas inespecíficas, infecções freqt1entes,
alterações hormo11ais e infertilidade terem diagnóstico
O treinan1ento en1 abordar os diversos aspectos da vida psiquiátrico (em especial, comorbidade depressiva e/ou
reprodutiva e os diagnósticos adeqt1ados favorece um ansiosa) aparece com insistência na literatura e na prática
tratamento com abordagem multifatorial deste qt1adro. clínica de giI1ecologistas e obstetras.
A abordagem dessas questões deve ser feita de forma Para o psiquiatra, o psicólogo e todos os profissio11ais
atenciosa pelo ginecologista obstetra, e os profissio11ais da que atuam na saúde mental, a obte11ção de i11forn1ações
saúde 111ental podem ser de sun1a importâ11cia para que adequadas à formulação diagnóstica e a i11stituição de
sejan1 evitadas possíveis sequelas psicológicas decorre11- tratamento a pacientes do sexo feminino na avaliação
tes de interpretações, jt1lgamentos e até mesmo sugestões inicial da l1istoria da moléstia atual e na história psíquica
pessoais objetivando tais situações. pregressa são de su1na in1portância.
Grupos de disct1ssão perma11e11tes, via web ou presen- As queixas e sintomas atuais ou pregressos trazidos
ciais, e a st1pervisào transdisciplinar de casos favorecem o pela paciente precisan1 ser acessadas e1n relação a:
crescimento profícuo das relações entre os profissionais. • fase específica do ciclo menstrual;
..\ criação de um site de discussão patrocinado por entida- • LISO de contraceptivos hormonais;
des represe11tativas e pelo go,,er110 para uso dos profissio- • gravidez;
nais de saúde e das 111ulheres interessadas e1n co11l1ecer e • período puerperal;
trocar experiências relativas aos períodos de maior risco • amame11tação ou des111an1e;
para o adoecimento psíquico, aulas orientadas às principais • abortan1ento;
dificuldades clí11icas dos gi11ecologistas obstetras e dos pro- • tratan1e11to para i11fertilidade;
tissionais de saúde mental permanecen1 con10 opções de • histerectomia;
a\·arrço rt1n10 à ate11ção de qualidade destinada às mulheres. • climatério ou perime11opausa;
• uso de fárn1acos con1 ou se1n prescrição médica; de
PACIENTES PSIQUIATRICAS E SUAS NECESSIDADES 1nedicação natural ou homeopática; de hiporexígenos,
GINECOLÓGICAS E OBSTÉTRICAS: O PSIQUIATRA laxativos, eméticos, diuréticos; de corticosteroides,
PREc•r A"oco
,.
bloqt1eadores hormonais ou do sistema imunológico; 19
A contrapartida, ou seja, o e11carr1inl1amento em a111- • avaliação do tipo de dieta e se ten1 padrões ritualísticos
biente hospitalar de portadoras de doença psiquiátrica ou restritivos, compulsões, indução de vômitos;

29
Tratado de Saúde Mental da Mulher

• uso de álcool e drogas, padrão de uso, se t1sa drogas -1. Leddv• ~ IA, La,,·rence H, Schulkin J. Obstetrician-G,necolo-

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1
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30
Doenças clínicas que afetam
a saúde mental da mulher

Fernanda Martins Gazoni


Letícia Sandre Vendrame
Salete Aparecida da Ponte Nacif
Renato Delascio Lopes
Antonio Carlos Lopes

- atendimento e1n atenção prin1ária: transtornos ansiosos,


INTRODUCAO ,
A OMS (Organização Mundial de Saúde) relata que, nos 18%; dependê11cia ao álcool, 8%; e transtornos depressivos,
últimos cen1 anos, n1uitos avanços 1nelhoraram significati- 3% (em São Paulo) a 10% (etn Brasília e Porto Alegre).
vamente a saúde da 1nulher. Porém, no Brasil e no mundo, O estl1do mostra que os tra11stornos ansiosos, son1atofor-
durante muitos a11os, a atenção à mull1er, no contexto das mes e depressivos são mais prevale11tes no sexo femi11ino.
políticas públicas, foi relegada ao binô111io n1aterno-infa11til. O transtor110 psiquiátrico, na clínica médica, pode ser
A partir do 1nomento en1 que os estudos epidemioló- identificado como pri1nário ou secL1ndário à doença físi-
gicos sobre 1nortalidade perinatal e infa11til começaran1 ca. Como primário, podem-se considerar os tra11stornos
a mostrar que essa abordagem 11ão era 1nais adequada, 111e11tais não relacionados com a doe11ça física em si - a11-
iniciaram-se os esforços para uma visão mais global da terior ou coexistente ao proble1na orgânico. Já 110 caso do
saúde fen1i11i11a, a fi111 de melhorar tais parâmetros. transtorno mental ser secundário à doença orgânica, há
Dessa forma, 110 Brasil, a partir da década de 1980, duas possibilidades: a doença mental pode ser relacio11ada
formularam-se as propostas de atenção integral à saúde da com a doença orgânica ou com seu tratamento.
mulher, nas quais houve, pela primeira vez, a inclusão de Os tópicos a seguir discorrem sobre as pri11cipais doen-
serviços públicos de co11tracepção e a incorporação da pró- ças clínicas nas mulheres e sobre como elas podem afetar
pria mulher como SLLjeito ativo no cuidado de sua saúde. a saúde mental.
Essa visão holística da mulher, e11tendendo-a como um ,

ser biopsicossocioespiritual, é de extrema importância DOENÇAS ENDOCRINOLOGICAS


para a abordagem de suas doenças clí11icas, pois sabe-se
que estas poden1 se ma11ifestar com sintomas psiquiátri-
cos em seu Cltrso. Por exemplo, uma paciente con1 11'.tpus As anomalias funcio11ais da glândula tireoide acome-
eritematoso sistê111ico poderá abrir o quadro con1 uma tem cerca de 5% da população geral, com maior predo-
psicose lúpica, assin1 como uma doente con1 distt'.1rbios mínio nas n1ulheres. Calcula-se qL1e n1ais de duze11tos
hidroeletrolíticos poderá apresentar confusão 1nental. milhões de pessoas 110 mundo sofrem com algu1na for1na
Estin1a-se que 27 a 48% dos atendi1nentos ern clínica de doe11ça da tireoide.
médica, realizados en1 atenção primária, en,,olvem cuida- Os hormônios tireoidianos (T4 e T3) modulam a velo-
dos relacio11ados aos tra11stornos 111e11tais, se11do a 1naioria cidade em que a energia será consumida e são controlados
Jesses casos de gra,,idade equivalente à encontrada en1 por outro hormô11io, o TSH (hormô11io tireoestimula11te
J.mbulatórios específicos de psiquiatria. E1n estudo popula- Oll tireotrofi11a), produzido na hipófise. A hipófise, por
cional brasileiro (realizado 11as cidades de São PaLLlo, Porto sua vez, é esti111ulada a produzir o TSH por outro hormô-
..'\legre e Brasília) identificou-se que cerca de 20% da popu- nio, o TRH (l1ormônio liberador da tireotrofina), produ-
lação apresenta algum proble111a de sat'.1de mental digno de zido no hipotálamo. A tiroxina, caindo 11a circulação, aca-
Tratado de Saúde Mental da Mulher

ba por estimular retroativan1e11te a própria hipófise, para da fala, dimint1ição do rendime11to intelectLtal, fadiga,
que esta interrompa a secreção de TSH. Esse mecanis1110 din1inuição do apetite e apatia. Pode ocorrer também,
de retroalimentação é chamado de feedback e permite un1 em casos mais graves, a chan1ada loucura n1ixeden1atosa,
controle do nível do hormô11io tireoidiano. que se caracteriza por un1 quadro ,·erdadeiran1ente psi-
As principais funções do hormônio tireoidiano são: cótico, do tipo confusional, delirante e alucinatório ou
aumento da força de contração do coração e da frequê11cia por um proft1ndo estado melancólico, e con1 frequência
cardíaca, aumento do consumo de oxigênio, redução dos com estupor. Nos idosos, essas alterações pode111 lem-
11ívcis de colesterol por aLunento de SLta excreção, aume11- brar un1 quadro de1ne11cial.
to da absorção de glicose pelos tecidos, potencializa11do a
ação da insulina, aumento do metabolismo proteico 110s Tratamento
mt'1sculos e nos ossos e estímLtlo da lipólise. E1n geral, as alterações clínicas e psiquiátricas, 110 i11ício
da doença, 1nell1ora111 com o tratamento hor111onal, mas
1 • • ... • .,,, __ .,.. .. -- -
• ' •
cerca de 10% dos pacie11tes co11tinuam a aprese11tar sinto-
O hipotireoidisn10 pode ser prin1ário, quando o defeito 111as 11europsiquiátricos residuais. A n1aioria dos pacie11tes
é da própria glândula tireoide, por exemplo, 11a atrofia hipotireoidianos apresenta L1m quadro depressivo, mas o
tireoidia11a ou na tireoidite de Hashi111oto (ambas de ori - tratamento com antidepressivos não é eficaz enquanto
gen1 aL1toin1L1ne), 110s tratamentos por iodo radioati\'O ot1 o hipotireoidisn10 não for corrigido pela ad1ninistração da
por cirurgia com retirada da glândula. O hipotireoidismo levotiroxina.
pode ser ainda secundário, ou seja, ter orige1n fora da
I , • • •_J•
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glândula. Normalmente isso ocorre quando há din1inui- - ....L' .,,.,,... " " ' 'J

ção da produção do TSH. Pode ser terciário, cuja origen1 O hipertireoidisn10 pode ter \'árias causas, tais como
é uma falha 11a secreção do TRH no hipotálamo. a doença de Basecio,v Gra,,es, ade11oma tóxico (hiperfun-
O hipotireoidisn10 mais con1L1n1 é do tipo primário, cioname11to primário da glândula) 0L1 tireoidite subaguda
geralmente causado por uma tireoidite de Hashimoto, (origem virai). A doença de Gra\res ocorre quando o
que se caracteriza por uma inílamaçào crônica da tireoide próprio organismo produz anticorpos (imL111oglobulinas)
ocasionada por anticorpos que atacan1 a própria tireoide. direcionados co11tra o tecido da tireoide e é responsável
Nesses casos de hipotireoidisn10, o T4 total e/0L1 o T4 por cerca de 80º/o dos casos de hipertireoidismo.
livre estão diminuídos. O TSH, por SL1a vez, está alto, en1
razão da falta do _feedback dos hormônios produzidos pela Quadro clínico
glândL1la, já qL1e eles estão baixos. Como o defeito não está Os sinais físicos se deve1n aos efeitos tóxicos dos
na hipófise, nem no hipotálan10, a estimL1laçâo da hipófise horn1ônios tireoidianos (tireotoxicose). Na doença de
com o TRH tem u1na pronta resposta na secreção de TSH, Graves, pode haver exoftaln1ia (os olhos ficam saltados,
mas os hormônios tireoidianos não atimentam. Portanto, por aumento do tecido adiposo atrás das órbitas) e uma
a pessoa que tem uma combi11ação de baixos 11íveis de T4 dermatite infiltrativa (edema duro).
com u111 TSH elevado apresenta um quadro de hipoti- O hipertireoidisn10 n1anifesta-se co111 irritabilidade,
reoidisn10 primário. Quando não há sintomas clínicos tão nervosisn10, labilidade emocional, aL1n1ento do apetite
evidentes, considera-se o hipotireoidismo con10 SL1bclí- com emagrecin1ento, tremores, fotofobia, bócio, in-
nico, que, quando não tratado, le\rará 20% dos casos a sônia, intolerâ11cia ao calor, suor excessivo e dores de
desenvolver urn hipotireoidismo clí11ico. cabeça. Além disso, também podem ser obser\'ados
cabelos finos e sen1 ondL1lação, unhas fragn1e11tadas e
Quadro clínico irregulares, edemas nos membros inferiores, fraqueza
Os sintomas do hipotireoidisn10 começam con1 aL1 muscular, osteoporose, alterações da n1e11struação, di-
me11to do peso, hipersensibilidade ao frio, pele seca, 1ni11L1ição da libido, ritn10 cardíaco irregular e hiper-
edema do rosto e dos me1nbros, cabelo seco e fi110, bradi- te11são arterial. Em caso de hipertireoidisn10 franco, as
cardia e irregularidades do ciclo 111enstrual. determinações de hormônios mostran1 valores altos de
Outros achados: bócio, cansaço crônico, depressão, ·r4 e T3 e valores baixos ou nen1 detectáveis de TSH.
dificuldade de concentração e alterações de n1emória, Nos casos de hipertireoidismos subclínicos, a hipófise
co11stipação intestinal, anen1ia, dificuldade para engravi- diminui sua produção de TSH n1uito antes que o T4 e
dar ou história de abortame11tos, colesterol elevado, dor e T3 sejam fra11camente anormais.
fraqueza muscular, dores articulares.
Sintomas psiquiátricos
Sintomas psiquiátricos Pode haver um quadro depressi\'O que está associado à
Quando o hipotireoidismo é de intensidade n1édia, ansiedade. Freqt1entemente os pacie11tes se queixam de fa-
a sintomatologia é predominanten1ente dominada por diga decorrente da i11sô11ia. Alguns transtornos psicóticos,
um quadro depressivo, ao qual se associam lentificação de aspeto confusio11al e delirante, ma11ifestan1-se en1 casos

32
Capítulo 5 - Doenças clínicas que afetam a saúde mental da mulher

de fortes crises agudas. Nos idosos, a apatia é freqL1ente, proporcio11a a inibição da liberação de CRH e de ACTH,
have11do instabilidade do hun1or e ansiedade. qLte resL1ltará na inibição do cortisol.
Os níveis de cortisol variam segL111do o ciclo circadia-
Tratamento 110, e isso exerce efeitos importantes sobre o 111etabolismo
O tratan1ento pode dirigir-se para o excesso horn1onal das prote1nas, carboidratos e lipídeos, sobre a tonicidade
e/ou para sua causa. Em pacie11tes com bócio difuso tóxico, dos 1núsculos e outros tecidos, sobre a integridade do
pode-se analisar a captação de iodo e a seguir administrar 111iocárc.iio e sobre as respostas anti-inflamatórias (linfóci-
uma dose calculada de Iodo radioativo (Iodo 131) que irá tos T, IL-2 e interfero11).
destruir o tecido tireoidiano co111 excesso de funcio11amen-
to. No período en1 qL1e não for alcançada a 11or111alização Hi11n,_,...,+;,.,. '.
de fu11cionamento da tireoide, o paciente poderá receber A hipofunção das glândulas suprarrenais pode ser de
um n1edicame11to que bloqLteia a ação desses hormô11ios origem prin1ária (doença de Addison) ou secundária. Em
(betabloqueador: propranolol), ha\•endo un1a melhora sig- SLia forma secundária, é consequência de uma hipofun-
nificativa dos sintomas. Se esta 11ào ocorrer, ou 11a presença ção da hipófise, a qual pode ser ocasionada por lesão da
de hipertireoidismo grave, o paciente sera inicialmente própria hipófise, do hipotála1110 ou por excesso de corti-
tratado con1 1nedicame11tos a11titireóideos (n1etin1azol OLt coterapia. Na n1aioria das vezes, a hipofu11ção é de origem
propiltiouracil) até se obter o controle da doença. pri111ária. Para o diagnóstico de doença de Addison, a
E111 pacientes com bócio multinodular, se este for volu- dosagen1 de cortisol no sangue é baixa, poré,11 os níveis
n1oso ou apresentar si11ais co1npressi\'OS, o trata111e11to de de ACTH são altos. Obser\'a-se ausência de estimulação
escolha será a tireoidecton1ia, que só deverá ser realizada da suprarrenal quando se administra ACTH.
após controle clínico do estado de hipertireoidismo. O con- Quando a insuficiência suprarrenal é co11seqL1ência
trole do hipertireoidis1no pode ser obtido con1 o n1eti111azol de L1111a insuficiência da hipófise, as co11centrações san-
ou com o propiltioL1racil, que deve ser utilizado durante gL1Íneas de ACTH e de cortisol são baixas, e existe uma
várias se111anas. Nos pacie11tes co111 bócio u11i11odular tó- resposta da glândula quando se administra ACTH.
xico, o qLtadro de hipertireoidisn10 será con1pe11sado co111 A doença de Addison, na n1aioria dos casos, é causada
metimazol/propiltiouracil, e, a seguir, o pacie11te de\'e ser por autoanticorpos dirigidos às células adrenais co11tendo
subn1etido à tireoidecton1ia subtotal. Em pacientes com 21-hidroxilase (enzima envol\•ida na produção de cortisol
11ódulos pequenos ou co11trai11dicações cirúrgicas, tambén1 e aldosterona). O restante c.ios casos ocorrem em razão da
pode ser empregado o iodo radioativo. tuberculose, HIV, sarcoidose, amiloidose, hen1ocromatose,
Os sinton1as neuropsiquiátricos do hipertireoidismo câncer metastático para as glândulas adrenais, hemorra-
poden1 desaparecer apenas com um tratan1ento antiti- gia adre11al e hiperplasia adre11al congênita. A doença de
reoidia110. Quando existen1 1nanifestações psicóticas, é Addison também pode ser 1nanifestação de u111a síndrome
necessária a prescrição de antipsicóticos e neurolépticos, polie11dócrina autoi1nL1ne, podendo estar associada a l1i-
mesmo durante o tratame11to e11docrinológico. potireoidis1no, diabetes 111ellitus tipo 1, ,,itiligo, alopecia e
doença celíaca.
A doença autoimune pode ser investigada com a pes-
Os corticoesteroides são si11tetizados a partir do coles- quisa de a11ticorpos para 21-hidroxilase. Se negativos,
terol na córtex da glândula suprarre11al e são responsá\ eis1 são necessários exames específicos para cada SLtspeita,
pelas defesas orgânicas, pelo co11trole das reações alérgi- inclui11do exames de i111agen1 da glândula adrenal. Como
cas e pelo equilíbrio do sal e da ágL1a, entre outras fu11ções. no Brasil a tuberculose é Ltma das principais causas, são
Para que as suprarre11ais liberem o cortisol, é 11ecessária tratados con10 tal 111uitos casos para os quais a investiga-
a ação de um outro hormônio secretado 11a hipófise, o ção não encontra uma etiologia.
ACTH (hormônio corticotrófico). O fator hipotalân1ico
que controla a síntese do ACTH é o CRH (hormô11io libe- Sinais e sintomas
rador da corticotrofina - corticotropi11-relensi11g l1or111011e) A i11suficiência suprarre11al é acon1panhada sempre
que é sintetizado no nucleo para\·entrict1lar. de fadiga, anorexia, perda de peso, náuseas, , ôn1itos,1

A secreção do CRH é controlada por dois tipos de es- dores abdon1inais, diarreia, dores articulares, hipote11são
tímulos: o estresse e o relógio biológico, respo11sável por arterial e hiperpigmentaçào da pele (exceto nos casos se-
todo ritmo circadiano do organis1110. A secreção 11oturna cundários). Além disso, pode haver desidratação, hipogli-
de ACTH e de cortisol e pulsátil, alcançando seu ní,,el cemia con1 períodos de confusão n1ental, vitiligo, 111ialgias
n1ais baixo na primeira 111etade da noite, au111e11tando e rigidez 1nuscL1lar.
rapida111ente ao aproxi n1ar-se o despertar, quando sua A crise addiso11ia11a ocorre con1 a piora da i11suficiê11 -
secreção é n1áxin1a (entre as 6 e as 10 horas da 111anhã). cia adrenal após situação de estresse, 0L1tra doe11ça ou
Para o controle, existe um mecanismo de _feedback, acide11te ou interrupção abrupta do uso de corticosteroide
ou seja, o próprio ní,·el ele\'ado de cortisol 11a circulação exóge110. Os sinton1as pode1n incluir coloração marrom

33
Tratado de Saúde Mental da Mulher

na língua e dentes em virtude do acúmulo de ferro acarre- lateral. Att1almente feita por via laparoscópica, aprese11ta
tado pela hemólise, dor nos membros inferiores, 11a região baixa morbidade cirúrgica, mas acarreta as in1plicações da
lombar ou abdominal, vômitos, diarreia, desidratação e, insuficiência adre11ocortical definitiva, se11do necessária
consequentemente, choque, coma, hipoglicemia, perda de reposição contínL1a de glicocorticoide e mineralocorticoi-
memória, fraqueza progressiva. de, com ajuste das doses em situações de estresse.
As drogas utilizadas para o co11trole da secreção/ação do
Sintomatologia psiquiátrica cortisol podem att1ar por quatro mecanismos: ação adre-
A n1aioria dos ~1acientes com insuficiência suprarrenal nolítica (o n1itotano controla o carci11oma adrenal avan-
apresenta algum tra11storno emocional, tal como apatia, çado, em associação con1 quimioterapia); ação inibidora
astenia ou irritabilidade. Há, com frequência, queixas so- e11zin1ática (o cetoconazol é a droga mais frequentemente
matizadas de dores pelo corpo, notadan1ente nos men1- empregada para o controle do l1ipercortisolismo endógeno,
bros inferiores. Na metade dos casos existe depressão leve co1n doses iniciais entre 200 e 400 mg, e doses efetivas e11tre
ou moderada que pode estar associada à ansiedade, fadiga 600 e 1.200 n1g/dia); ação inibidora da secreção de ACTH;
cronica, 1nson1a e anorexia.
1\ • • A • •
antagonistas de receptores de glicocorticoides.
O tratamento da doença de Cushi11g é um desafio 11eu-
Tratamento roendocrinológico e compreende as segt1intes interven-
O tratamento envolve a reposição do cortisol e, se ne- ções: cirurgia transesfe11oidal; radioterapia; radiocirurgia;
cessário, de fluoridrocortisona para reposição de aldoste- adrenalectomia. Qua11do as intervenções não atingem
rona, alén1 do tratame11to da causa de base, que en1 alguns sucesso 0L1 enqt1anto se aguarda set1 efeito, o co11trole
casos pode reverter a i11st1ficiência adrenal. clínico deve ser tentado com medicações (principalmente
com cetoconazol, que é 1nais eficaz e n1elhor tolerado).
• •• •
""'..+,r,.,. I ,~--

i" Contt1do, quando se esgotam as possibilidades, a adre11a-
O hiperft1ncionan1ento do córtex st1prarre11al pode ser lectomia bilateral de·ve ser cogitada.
decorrente da alteração na secreção de ACTH (hiperpro-
dução de ACTH por u1n tumor l1ipofisário, por um tt1mor
extra-hipofisário, pela administração de ACTH etc.) e
pode ter sua causa relacionada à própria glândula suprar-
renal, como um adenoma ot1 carcinoma da córtex su- A cetoacidose diabética é uma complicação aguda,
prarrenal ou hiperplasia suprarrenal congê11ita. A doe11ça típica do paciente diabético tipo 1 que se desenvolve em
de Cushi11g é consequência da l1ipersecreção de ACTH uma situação de deficiência insulínica grave ou absoluta,
decorrente de um adenoma hipofisário, provocando un1a comumente associada a co11dições estressantes, que levam
hiperfunção das glândulas suprarrenais com co11sequente ao at11nento dos hormônios contrarreguladores.
aumento de seu tamanho. O estado hiperglicên1ico hiperosmolar é uma com-
plicação aguda, característica do diabético tipo 2, com
Sinais e sintomas deficiê11cia i11sulínica relativa e que se caracteriza pela
Ao exame físico, observa-se face arredondada, obesida- hiperglicen1ia, l1iperosmolaridade e desidratação, princi-
de predon1inanten1ente no tronco con1 depósito de gordura palmente envolvendo o sistema nervoso ce11tral.
atrás do pescoço, pele fina e co1n facilidade de forn1ar equi- Os fatores precipitantes da cetoacidose ou do estado
111oses e estrias principalmente no abdome, l1ipertricose, hiperglicêmico hiperosmolar são geral1nente de origem
hiperte11são arterial, 1naior probabilidade de formação de i11fecciosa aguda, podendo estar associados ao tratamento
cálculos renais, osteoporose e intolerâ11cia à glicose. i11sulínico interrompido OLl inadeqt1ado às condições do
pacie11te, decorre11tes de situações agudas estressantes,
Sintomatologia psiquiátrica tanto de causa emocional isolada como acompanha11do
Pode haver depressão, tra11storno ansioso, transtorno quadros orgânicos graves, tais co1no acidentes vasculares
da perso11alidade, síndrome delirante co111 aluci11ações (cerebrais ou coronarianos), pancreatites agudas etc.
auditivas e vist1ais e estado confusio11al.
A depressão está prese11te em cerca de 75% dos pacientes Cetoacidose diabética
com sí11drome de Cushing. O quadro depressivo é caracte- O quadro clínico da cetoacidose diabética (CAD) tem
rizado por distimia nos casos mais leves e por depressão co1no elen1ento funda1nental un1a deficiência insulínica,
grave com sinton1as psicóticos nos mais graves. Pode haver absoluta, 1narcante, geralme11te associada a aun1ento dos
tan1bé111 dificuldades de concentração e deficit da men1ória. horn1ônios antagonistas (glucagon, GH, glicocorticoides,
catecolaminas). A hiperglicen1ia, resL1ltante ta11to da dimi-
Tratamento do hipercortisolismo nuição da utilização periférica de glicose quanto do au-
A resolução definitiva do excesso da secreção de corti- me11to de sua produção e11dógena (glicogenólise e 11eogli-
sol pode ser conseguida por meio de adrenalecton1ia bi- cogênese), é u1n con1po11ente fisiopatológico característico

34
Capítulo 5 - Doenças clínicas que afetam a saúde mental da mulher

da situação, justificando vários dos sintomas e sinais típi- O quadro clínico se caracteriza com sensação de fo111e
cos da CAD, co1110 polidipsia, poli1.iria e graus variados de e dor abdo1ni11al, dor de cabeça ou tonturas, SL1dorese, pa-
desidratação, que pode1n chegar à hipovole111ia ace11tuada lidez, taqt1icardia. Esses sinto111as tambén1 se de11ominam
e choque circulatório. Os distúrbios eletrolíticos tambén1 sintomas de alarn1e. Os si11tomas neL1rológicos são muito
se desenvolvern por perda renal excessiva, levando a defi- variados, podendo ocorrer alterações do co1nportan1ento
ciê11cias marcantes de NA+, K· , ci-, P01, ca-+ e Mg+· , qL1e (irritabilidade, agressividade etc.), perda da consciê11cia e
se acentuam pela prese11ça freque11te de 11áuseas e vômitos co111a, que, se não tratado, pode levar à morte.
nos pacientes. É co1num a obser\'ação de dor abdominal, Quando se e11tra em hipoglicen1ia grave con1 perda da
provavelinente em razão de distt'.1rbios hidroeletrolíticos e consciência ou con1 in1possibilidade de reagir por confusão
metabólicos que geraln1e11te melhoram com o trata1nento me11tal, o tratamento adeqtiado consiste en1 administrar
do paciente. O aumento da cetogênese hepática, aliada à glucagon e realizar a reposição glicên1ica. Há a necessidade,
lipólise acentuada e maior n1obilização de ácidos graxos é posteriorine11te, de se manter a ingestão de ali1nentos do
a base fisiopatológica da hipercetonemia e das alterações grupo dos hidratos de carbono para repor as reser,,as de
do eqLtilíbrio acidobásico. O desenvolvin1ento da cetoaci- glicogênio no fígado.
dose é progressivo, evoluindo de cetose i11icial com acidose
cor11pensada até graus avançados de hiperceto11emia e aci- DOENÇAS DO APARELHO REPRODUTOR FEMININO
dose metabólica, co1n manifestações típicas de hálito cetô-
nico e alterações respiratórias co111pensatórias (respiração
de Kussn1aul - respiração ampla e acelerada). O co11junto A síndrome pré-n1enstrual caracteriza-se por sinais e
das alterações hidroeletrolíticas e metabólicas pode ter sintomas qt1e costumam surgir 11a ovulação e terminam
graL1s variados de repercussão sobre a fu11ção do sistema con1 início da menstruação. Os mais freque11tes sintomas
nervoso central, pode11do determi11ar desde graus leves de são cefaleia, aL1mento de peso, retenção hidrossali11a, 1nas-
sonolência, torpor e co11fusão mental até o estabelecin1en- talgia, distúrbios gastrointestinais e alterações en1ocio-
to de estado de co1na profundo. nais, as quais podem se apresentar de várias formas, tais
como ansiedade, irritabilidade, redL1ção de concentração,
Estado hiperglicêmíco híperosmolar fobias, depressão, sonolência e cansaço.
O estado hiperglicêmico hiperos111olar (EHH) é Ltma Essas pacientes 1nerecem ate11ção especial, porque
complicação aguda, típica do diabético tipo 2, qL1e se 111uitas vezes já aprese11ta1n alterações psiquiátricas que
caracteriza por Lu11a descornpensação grave do estado apenas se exacerban1 nessa fase. Os ansiolíticos e tran-
diabético, com un1a taxa de mortalidade sig11ificativa. quilizantes n1ais usados são os benzodiazepínicos, sul-
Não há formação de corpos cetônicos. O quadro clínico pirida, cloridrato de flufe11azina e clordiazepóxido, mas
se manifesta co1n sinais e sinto111as de l1iperglicemia e a escolha do medica1nento, assim con10 da dose, deve
hiperosn1olaridade ace11tL1adas, desidratação grave, com ser individt1alizada. E11tre os antidepressivos utilizados,
envolvi1ne11to do sisten1a 11ervoso central. O paciente se destaca1n-se cloridrato de sertralina, cloridrato de fluo-
apresenta co1n acentLtada alteração de consciência e de- xetina, lítio e imipran1i11a.
sidratação gra,,e, podendo haver crises con,1 L1lsi\1as e sin-
tomas sugestivos de acidente , ascular cerebral.
1

Os sinais e sinto111as são: boca n1uito seca, sede, insônia ConceitL1a-se como cli1natério o período 11a evolução
e co11fusào n1ental, pele qt1ente, seca e sem suor, valores biológica da mulher localizado entre o final da fase repro-
111uito ele,,ados da glicen1ia, ausê11cia de corpos cetô11icos dutora (n1e11acme), decorre11te da falência ovaria11a, e o

na urina. i11ício da senilidade. A duração dessa fase é variável e, e111
nosso n1eio, inicia-se por volta de 35 a 40 anos, cul1ninan-
Tratamento do com a menopat1sa (última menstruação espo11tânea),
O tratamento da cetoacidose consiste em se administrar qLte costun1a ocorrer entre 45 e 50 anos.
i11suli11a, soros (fisiológico e glicosado), eletrólitos (Na, K, Entre as manifestações gerais, estão as neurogê11icas
Cl) e outras medidas comple111entares. Quando a acidose (011das de calor, sudorese, palpitações, cefaleia, tonturas
é mL1ito acentuada, pode-se utilizar bicarbonato de sódio. e parestesias) e as psicogênicas (ansiedade, depressão,
O tratamento do coma hiperosn1olar consiste em Ltso insônia, fadiga, alterações da libido e perda da memória).
de insulina e grande volume de soro para a hidratação. A atrofia urogenital progressiva determina, por vezes, des-

,,.. '·---:--
'
co11forto na ati, idade sext1aJ e distt'.1rbios genitourinários, o
1

que co11tribui para piora dos si11tomas de ordem psíquica.


O 11ível a partir do qual aparecem si11to1nas é variá,,el. O tratan1e11to baseia-se em reposição hormonal OLl
Acon1ete co1n maior frequê11cia pessoas com diabetes fitoestrogêr1ios, n1as dev·e ser analisado criteriosame11te, e
que são tratadas com insuli11a. As sulfonilureias ta1nbém deve-se a\'aliar seus riscos e benet1cios, individualiza11do
podem ocasionar h ipoglicemias. a terapêutica.

35
Tratado de Saúde Mental da Mulher


DOENÇAS REUMATOLOGICAS • artrite: artrite não erosiva e11volvendo dt1as ou mais ar-
ticulações periféricas, caracterizadas por dor e eden1a
ou derra111e articL1lar;
O lúpus eriten1atoso sistê111ico é un1a doe11ça i11tlama- • serosite: pleL1ris (caracterizada por l1istória de dor
tória crônica, 1nultissistên1ica, de causa desconhecida e de pleL1rítica ou atrito ou e\ridê11cia de derran1e pleural)
11atureza autoi111une, caracterizada pela presença de di - OLI pericardite (docu1ne11tado por eletrocardiograma,
versos autoanticorpos. E\·olL1i con1 n1anifestações cl111icas atrito ou e,,idé11cia de derrame pericárdico);
poli111órficas, con1 períodos de exacerbações e ren1issões. • co111prometirne11to re11al: protei11úria persistente(> 0,5
O dese11volvi111ento da doe11ça está ligado à predisposição g/dia) ou cilindr(1ria anorn1al;
ge11ética e aos fatores a1nbie11tais, co1110 infecções, medi- • alterações 11eL1rológicas: co11vulsão (na ausência de
camentos, exposição a raios ultra\ ioletas e estresse. É un1a
1 0L1tra causa) ot1 psicose (11a ausê11cia de outra causa);
doe11ça rara, incidindo mais frequente1ne11te e111 n1ulheres • alterações hen1atológicas: a11en1ia he,nolítica ou leuco-
jo\re11s, OLl seja, 11a fase rcproduti\'a, 11u1na proporção de penia (menor qL1e 4.000/1111, en1 duas OLt n1ais ocasiões)
11ove a dez 111L1ll1eres para L1n1 home1n. Possi\1el111e11te os ou linfopenia (111e11or qL1e l .SOO/n1L en1 duas ou n1ais
fatores hor111011ais seria111 responsáveis pela 111aior i11ci- ocasiões) ou plaqt1etopenia (111enor que lOO.OOO/ n1L na
dê11cia do l(1pt1s entre as 111ulheres. Isso pode ser SLtspei- ausê11cia de OLttra causa);
tado, tendo e1n vista o aL1111ento dos si11to111as qt1e ocorre • alterações i1nL111ológicas: anticorpo anti-DNA nativo ou
a11tes do período 1nenstrual e dura11te a gra,1idez. a11ti-Sn1 OLl prese11ça de anticorpo antifosfolípide basea-
Particular111e11te, o estrogênio estaria relacio11ado à do en1: a) 11í,,eis a11ormais de IgG ou Igwl anticardiolipi-
doença. Quanto à idade, o lúpL1s pode aparecer e111 qual- na; b) teste positivo para a11ticoagulante lúpico ou teste
quer faixa etária. En1 tor110 de 1O a 12º/o dos pacientes tàlso-positivo para sífilis, por no mínin10 seis meses;
tê1n parentes próximos co111 a doença, e ape11as 5% de • anticorpos a11tinucleares: título anorn1al de anticorpo
filhos de pacie11tes dese11\ 0lverão o h.'.1pL1s.
1
antinL1clear por imL1noflL1orescência indireta ou n1éto-
do eqLli\ alente, e111 qualquer época, e 11a ausê11cia de
1

TÍ""<" rio J1ín11c- drogas co11hecidas por estaren1 associadas à síndrome


Existen1 três tipos de l(1pus: o lúpus discoide, o lúpt1s do l(1pus induzido por drogas.
sistêmico e o lúpus induzido por drogas.
O l(1pL1s discoide é sempre limitado à pele. É identifica- E111bora raro, é possível haver pacientes que não apre-
do por infla1nações cutâ11eas que aparecem na face, 11uca e senta111 quatro dos critérios de classificação. A avaliação
coL1ro cabeludo. Aproxir11adamente l O~o das pessoas con1 laboratorial reforça o diag11óstico qua11do se observam
lúpLtS discoide evoluem para o ltipus sistémico. alterações tais co,110 leucopenia, a11e1nia, li11fopenia, pla-
O lúpus sistên1ico costt11na ser mais gra,,e qL1e o lúpus quetopenia e do sedin1ento uri11ário. De particular im-
discoide e afeta quase todos os órgãos e sistemas. Em al- portância para o diagnóstico é a pesquisa de anticorpos
gun1as pessoas, predo1ni11am lesões ape11as 11a pele e nas ou fatores a11tinucleares por in1unofluorescência indireta.
articulações; en1 outras, pode aco111eter as articulações, Lttiliza11do como substrato as células HEp-2. A positi-
ri11s, pu1n1ões, sa11gue, e11tre outros. vidade desse teste, embora não específico, serve como
O lúpus i11duzido por drogas ocorre con10 conse- triagem er11 razão de sua se11sibilidade 111aior que 95°10,
quê11cia c.io uso de certas drogas OLt 1nedicame11tos. Os se11do altamente imprO\'á,,el a presença da doe11ça se
sinton1as são 111uito parecidos con1 o lúpt1s sistêmico e o teste resultar negativo. Alguns autoa11ticorpos, como o
podcn1 ser ocasionados pelo uso de algumas drogas tais anti-Sm e o anti-DNA de dupla hélice (dsDNA), têm valor
co1110 hidralazi11a, n1etildopa, procaina111ida, iso11iazida, diag11óstico, pois são alta1ne11te específicos ~1ara o LES. Os
difenil-hidantoína. Os pacientes den1oram mais para me- demais anticorpos 11ão são específicos, n1as SLta presença
tabolizar essas drogas, bastando a suspe11sâo do LISO para auxilia o diagnóstico.
a regressão dos si11tomas.
r:_.,,._ mrl{ ..... ;,.., ,ifit..i,-,.. ..
O diagnóstico do lúpus sistêmico se baseia na presença '

de pelo 1nenos qL1atro dos 011ze critérios citados a segL1ir: Cerca de 90~o dos pacie11tes con1 lt:1pL1s apresentam
• eritema malar: lesão eritematosa fixa em região malar, tan1bé1n distúrbios psicológicos se11do geraln1ente proble-
plana ou e111 relevo; 111as de a11siedade, depressão, son1atização e/ou distúrbios.
• lesão discoide: lesão eritematosa, i11filtrada, com esca- cognitivos. Pode e\•oluir tan1bé111 com co11fusão mental.
mas qL1eratóticas aderidas e ta1npões folicL1lares, que desorde11s do movi 111ento, psicose, mielopatia, con\ ulsão.
1

evolL1i co1n cicatriz atrófica e discro1nia; neuropalias e doenças cerebrovascular.


• fotosse11sibilidade: exa11te111a cutâ11eo como reação não A depressão ocorre com freqL1ê11cia no curso do lúpus.
usual à exposição solar; Pode ser 11orn1al1nente esperada em \'irtL1de do estresse
• úlceras orais/nasais: úlceras orais ou nasofaríngeas, e dos sacrifícios in1postos pela doença ou pode agravar e
L1sualmente indolores; dese11cadear os si11to1nas e crises agudas.

36
Capítulo 5 - Doenças clínicas que afetam a saúde mental da mulher

A produção de anticorpos, microangiopatias, prodt1-


ção de citocinas pró-i11flamatórias e a aterosclerose são RedL1zir a dose para um valor inferior a 40 mg/ dia ou
os prováveis cat1sadores de proble1nas net1ropsiqt1iátri- gradualmente interromper a terapia para evitar a ocor-
cos 110 ltipus. rência da insuficiência adrenal. Os sintomas psicóticos
podem ser prevenidos e tratados co111 a11ti11sicóticos e
estabilizadores do l1umor.
O uso de protetor solar para UVA e UVB é necessário
para impedir o agravan1e11to das lesões 11a pele. Prevenir
infecções evita o st1rgime11to dos sintomas. Em geral, os É uma condição dolorosa generalizada e crô11ica e
sintomas respor1dem ao tratan1ento das outras ma11ifesta- considerada u111a síndro111e porque engloba u1na série de
ções clínicas. A febre isolada pode ser tratada com ácido n1anifestações clínicas como dor, tàdiga, alterações psico-
acetilsalicílico ou anti-i11t1an1atórios não hor1nonais. lógicas e distúrbios do sono. Acomete músculos, tendões
Indepe11dentemente do órgão ou sistema afetado, o e ligan1entos sem acarretar deformidade física ou outros
uso contí11110 de antimaláricos, como 4 mg/kg/dia de di- tipos de sequela. No enta11to, a fibromialgia pode prejudi-
fosfato de cloroquina ou 6 mg/kg/dia de sulfato de l1i- car a qualidade de vida e o desempe11ho profissional.
droxicloroqt1i11a, é indicado com a finalidade de reduzir Difere11tes fatores, isolados ou co1nbinados, podem
a atividade da doença e tentar poupar o uso de corticos- favorecer as 1na11ifestações da fibron1ialgia, entre eles
teroides. A manutenção da droga em pacie11tes contro- doenças graves, traumas emocionais OLI físicos e mudan-
lados reduz a possibilidade de novo st1rto de atividade e ças hormonais. Alén1 disso, os sintonias de fibron1ialgia
melhora o perfil lipídico, reduzi11do o risco de trombose, podem provocar alterações no l1umor e diminuição da
que são benefícios adicionais atribt1ídos ao uso de anti- atividade física, o que agrava a co11dição de dor.
maláricos. Alén1 dos antimaláricos, os glicocorticoides A fibromialgia é mais freque11te no sexo fen1inino e
são as drogas n1ais utilizadas no tratan1ento. A dose de corresponde a 80% dos casos. Em média, a idade de seu
glicocorticoides varia de acordo con1 a gravidade de início varia e11tre 29 e 37 anos, e a idade de seu diagnós -
cada caso. Em virtude dos n1t'.1ltiplos efeitos colaterais, tico, entre 34 e 57 anos. Sua prevalência maior está em
os glicocorticoides devem ser utilizados na dose efetiva torno dos 60 a 79 anos, porém seu diagnóstico nessa tàixa
para o controle da atividade da doe11ça, e, assim que pos- etária se faz com maior dificuldade.
s1vel, deve haver redt1ção gradual de sua dose. Deve-se Pacientes com fibron1ialgia tên1 risco de 2 a 7 vezes
utilizar as drogas com comprovada ação pot1padora de maior de sofrer depressão, a11siedade, cefaleia, síndro111e
glicocorticoides, tais como os antimaláricos, a azatiopri- do intesti110 irritável, fadiga crô11ica, LES (lúpus eritema-
na e o methotrexate. toso sistên1ico) e artrite reumatoide.
É i1nportante o diagnóstico diferencial entre ati\'i- Existen1 critérios que contribt1em para o diagnóstico
dade da doença e infecção, lembrando da possibilidade da fibromialgia: dor ge11eralizada (pelo menos em três dos
de coexistência de ambas, assim como da presença de qt1atro qL1adra11tes) por um período maior que três n1eses
comorbidades. e prese11ça de po11tos dolorosos (tender points) padroni-
Nas lesões cutâneas localizadas, é indicada terapia tó- zados (pelo 111enos 11 dos 18). De acordo com o ACR
pica com corticosteroide. (Colégio Americano de Reu111atologia), o critério para
diferenciar fibromialgia de dor crô11ica difusa causada por
s . •., .. . ·---·,..-
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outras doenças reu1natológicas tem sensibilidade de 81 %
O uso de corticosteroides pode causar agitação, a11- e especificidade de 88%.
~iedade, insônia, irritabilidade e sintomas gra,,es con10 A ansiedade está presente em 70% dos casos e se ma-
mania, depressão e psicose. Freqttentemente os pacientes nifesta por palpitações, respiração suspirosa, tontura, su-
desenvolvem sintomas psiquiátricos após qt1atro dias de dorese, tremor, dor torácica, náuseas, calores e, por vezes,
tratamento com corticosteroides, embora possan1 ocorrer sintomas de pânico. A depressão é reportada em 50% dos
ao final do tratamento. Quando devidan1ente tratado, casos e leva o indivíduo a perder o i11teresse pela vida e
o quadro de delírio pode se resolver en1 poucos dias, a pela própria condição. Mais de 80% dos pacientes referem
psicose en1 sete dias, a ma11ia en1 até três sema11as e a de- fadiga, com alteração na concentração, distúrbio do sono
pressão em mais de três semanas. e cansaço t1sico.
O principal fator de risco é a alta dose de corticoste- A fibron1ialgia não deve ser encarada como t11na
roides. No entanto, a dosagem de corticosteroides não doença qt1e necessita de tratamento, mas si111 con10
prevê o início, gra,,idade, tipo de reação ou a duração. uma condição clínica que requer controle. De uma
Pacientes do sexo fe111inino estão em maior risco, mes- forma geral, a abordagem da fibromialgia repousa en1
mo depois de um co11trole de condições médicas n1ais quatro pilares:
:·requentemente diagnosticado nas mulheres, como lú- • exercícios para alongan1e11to, fortalecimento mt1sct1lar
pus e artrite reumatoide .

e condicior1an1ento cardiorrespiratório;

37
Tratado de Saúde Mental da Mulher

• téc11icas de relaxa111e11to para pre,·e11ir espas111os 111t1s- sofren1 algun1 qt1adro agt1do, são alta111ente , ulnerá,·eis
culares; a desenvol\·er o ctelirii,1,1. A dor está associada a un1 risco
• hábitt1s sauda,·eis para r11elhorar a qualidade de ,·ida e basta11te atimentado de dese11\·ol,•i1ne11to do ,ielírii1111 110s
redt1zír o estresse; i)rin1eiros três dias de pós-operatório.
• n1edicações para o co11trole da dor, tios distúrbios do lvledican1e11tos qt1e poden1 cat1sar delirit1r11:
, .
s0110 e do ht1n1or (a11ti-i11tla111atór1os e aspirina, a11- • anestesrcos;
titiepressivos tricíclicos, i11ibidores da rcca1:-,tação da • a11algésicos;
. , .
seroto11ina, be11zodiaze1:-,í11 icos). • a11t1as111at1cos;
• a11tico11,,ulsi,a11tes;
DOENCAS NEUROLÓGICAS
~
• a11ti-histan1í11icos;
• a11ti-l1iperte11si,·os;
• cardic)\'asct1lares;
Segt111do o DSM-IV, o delrr1z,111 consiste e111 u111a • antin1icrobia11os;
1:-,erturbação da co11sciê11cia, de etiologia 111ultipla, acon1- • antiparki11so11ianos;
pa11l1atia por t1111a alteração na cognição 11ão atribuída à • corticosteroides;
tie1nê11cia preexistente ou em e\:·olução. • relaxantes 111t1sct1lares;
O ,telíríi,111 é t1n1a e111ergê11cia métiica ,,erdadeira, co- • a11ticoli11érgicos.
n1u111e11te n1al diag11osticada e respo11sável pelo desfecho
T . ,,.,.,....,.,.,.
fatal 11a l1ospitalizaçào de idosos. Os fatores de risco tais
co1110 doenças, idade a,·a11çada, polifarn1ácia e transtor- O tratan1e11to co11siste na correção de desequilíbrios
11os psiqt1iátricos prévios co11tribuen1 para at1111e11tar o n1etabólicos e eletrol1ticos, cuitiados 11eurológicos e psi-
risco e a incidência. quiátricos e otereci111ento ao idoso hospitalizado circt1ns-
Te11do en1 ,,ista o fatc) de o delirii,,n ser u111a co11seqt1ê11- tâ11cias an1bie11tais qt1e faciliten1 a reorie11tação do pacien-
c1a fisiológica tiireta de t1111a co11dição clínica e orgâ11ica te. No tratamento da fase aguda do ,ielirii1111, jLtnto co1n
geral (i11fecções, tioe11ças agt1das), i11toxicação ou absti- o trata1nento da e,,entual etiologia orgânica st1bjace11te, o
nê11cia tie substâ11cia, t1so de 111edica111e11to ou exposição haloperidol ten1 sido u111a das drogas de escolha, assi1n
a toxi11as ot1 t1n1a con1l1i11açào desses fatores, st1a aborda- con10 a olanzapi11a. No delirii1111 causado por intoxicação
ge111 de,'e ser de co11l1eci111ento de todas as especialidades. por a11ticoli11érgicos, a fisostig111i11a é i11dicada. Benzo-
O delirii1111 costu111a se desenvol,,er agudame11te, geral- diazepí11icos, clonidi11a e clo111etiazol são usados para o
n1e11te e111 l1ora!> OLI i)oucos dias, tende11do a flutt1ar de in- tratan1e11to do deliriitrn por absti11ê11cia.
tc11sidade ao lo11go do i)eríodo. A alteração da co11sciê11cia O melhor tratan1e11to para o ,telirii1111 é a preve11ção,
110 delirii1111 se 111a11ifesta por un1a sig11ificativa redução da ja que un1 gra11de percentual desses pacie11tes e,·olui
clareza (ia co11sciê11cia e111 relação ao a111bier1te. Está seria- para o óbito OLI desenvol,•e u111 qt1adro defi11itivan1ente
111e11te 1:-,rejt1dicalla a capacidade para focalizar, 111anter ot1 den1encial.
deslocar a ate11çã<.1.
O licliri1-1111 pode ser co11siderado t1n1a sí11dron1e de
tiisfu11çào cerebral ge11cralizada que aprese11ta desorier1- De 111aneira prática e didatica, a consciê11cia pode ser
tação, de_ficit c<.)g11itivo, alterações do ciclo sono-,,igília, avaliada sob dois aspectos: nível de co11sciência: estado de
pe11san1e11to desorga11izatio e alterações da li11gt1age111. alerta co111porta111e11tal; contet'.1do da consciê11cia: son1a
Ot1tro\ si11ton1as, con10 e o caso das alucinações, ilusões de todas as funções cog11iti,•as e afeti,·as do ser humano.
e labilidade afetiva, pode111 tiepender da causa do liclí- Existe uma an1pla termi11ologia utilizada para defi11ir
riu111. O co111pron1etin1e11to da 111e111oria aco111ete, co111 os estados de alteração da co11sciência, entre os quais os
111aior freqt1ê11cia, a 111e1nória rece11te, e a desorientação principais são resun1idos a segt1ir.
l1abitualr11e11te se 111ar1ifesta por desorie11tação te111poral. Ter111os relacio11ados con1 o 11ível de co11sciê11cia:
A pertt1rbaçào do s0110 pode i11clt1ir sonolê11cia diur11a • ,·igil: pacie11te alerta, co111 abertura ocular espo11tânea;
<.)LI agitação 11ott1r11a, caracteriza11do, assir11, u111a in,,ersão • so11ole11to: paciente alerta ape11as aos estí111ulos leves,
ti() ciclo de s0110-,·igílía. O delirii,111 ta111bé111 é freqt1e11- n1as con1 os olhos fechados no resta11te do tempo e ao
tcn1e11te acon1pa11hado por alteração psicornotora, co111 cessar o est1n1t1lo;
inl1t1ietação ot1 l1iperatividade. • torporoso: paciente aprese11ta abertt1ra ocular ape11as
Para o diag11óstico de delirii,,n decorre11te de u111a aos estín1ulos vigorosos e co11tínuos, fica11tio de olhos
condição médica geral, deve haver evidências clinicas fechados 110 restante do te111po.
de qt1e a alteração cog11iti,·a é co11sequê11cia direta de
u111a co11diçào 111édica. l)ara isso, ha 11ecessidade de t1111a Ter111os relacionados ao conteúdo da co11sciê11cia:
avaliação clí11ica cuitiadosa e abrange11te tie mt.'iltii,los • lúcido: pacie11te orientado 110 te111po e no espaço e co1n
fatores. Os i)acie11tes geriátricos co111 demência, qua11do discurso co111 11exo;

38
Capítulo 5 - Doenças clínicas que afetam a saúde mental da mulher

• confuso: paciente desorientado e con1 perda do 11exo; de homens. Algu111as dessas causas já foram descritas e
• delirante: paciente desorientado associado a irrita- outras o serão no decorrer deste capítulo.
bilidade, ansiedade e alucinações ( de forma aguda e
reversível); DOENCAS

INFECCIOSAS
• clemenciado: pacie11te co111 declí11io global das funções
cogniti,,as (de forn1a crônica e irreversível).
As princi1-,.,ais infecções do SNC poden1 ser agrupadas
Há un1a grande gan1a de causas que geram alterações da seguinte 1na11eira:
do estado da consciência, as quais foran1 classificadas por • n1e11i11gites;
Plun1 & Posner da seguinte maneira: • encefalites;
• lesões suprate11toriais (20,2%); • meningoencefalites;
- lesões destrLttivas subcorticais e ri11encefálicas (in- • abscessos cerebrais.
farto talân1ico);
- lesões expansivas (hen1orragias, i11fartos exte11sos, A etiologia pode ser bacteria11a, \'Íral, fu11gica ot1 11or
tumores, abscessos cerebrais, TCE); age11tes irritantes do SNC. A de11ender do age11te etiológi-
• lesões infratentoriais (13%); co, o CL1rso da doença, be111 con10 os si11ais clí11icos, acl1a-
- lesões isqt1ê111icas ou destrutivas (hen1orragia po11ti- dos diag11ósticos no líqt1or (LCR), TC com11L1tadt)rizada e
na, infarto de tronco e11cefálico, tumores de tronco, RNM de crâ11io, além da gravidade, 1-1ode111 variar.
abscessos e gra11ulomas de tro11co ); De forma geral, o quadro clinico pode ser co1n1-,1osto
• lesões e11cefálicas difusas, multifocais e/ou metabólicas por três síndron1es pri11cipais: sí11dron1e de hiperte11são
(65,2%); intracraniana, síndro111e toxê111ica e sí11dro111e de irritação

falta de oxigênio, substrato ou cofatores; 111e111ngea.
- hipóxia (DPOC, anemia, hipoventilação alveolar, A hipertensão intracra11iana pode se aprese11tar por
intoxicação por CO); 1neio de cefaleia intensa, náuseas, \'Ôn1itos, co11fusão
- isquen1ia difusa: q11eda do débito cardíaco (PCR, 111ental ot1 rebaixa1nento do nível de co11sciê11cia, alé111 llo
arritn1ias), hipotensão arterial (sí11cope, choqt1e), papiledema ao exa1ne oftalmoscópico. Alé111 <.lisso, pode
resistência vascular cerebral aL11ne11tada (encefa- estar presente a tríade de Ct1shing, con1posta 1-,or h11-1erten-
lopatia l1ipertensiva, hiperviscosidade sa11gt1ínea, são arterial, bradicardia e alterações do rit1110 respiratório.
vasoespas1110 cerebral), oclt1são da microcircula- Si11ais gerais de loxe111ia, como febre alta, n1al-estar
ção cerebral (CIVD, LES); e agitação psicomotora podem fazer parte da síndrome
- hipoglice111ia; toxên1ica. Pode haver tambén1 dissociação e11tre o pLLlso
- des11utrição; e a te111peratura, com FC não tão elevada 1,-,ara o grat1 de
- doenças de outros siste111as; l1iperter111ia.
- e11dócri110 (doe11ças da suprarre11al, tireoide, hi- Os si11ais clássicos de irritação n1e11111gea são: rigitiez
pófise, paratireoides, DM); de 11t1ca, si11al de Kernig, sinal de Lasegtie e BrL1dzi11ski, os
- outros siste1nas (encefalopatia hepática, urê1nica, qL1ais podem estar presentes pri11cipal1nente 11as menil1gites,
narcose por CO~); mas qL1e não são exclusi,,os das doe11ças i11fecciosas do SNC.
- intoxicação exógena (drogas sedativas, psicotrópi- O tratan1e11to depende do agente etiológico, pode11do
cas etc.); \'ariar desde o LISO de agentes anti111icrobia11os (antibióti-
- distúrbios hidroeletrol1ticos e acidobásicos; cos, antifú11gicos ou antÍ\'irais) até o trata1nento cirtirgico
- hipo OLL hipertermia; (co1no no caso dos abscessos).
- infecções do SN C;
- n1eni11gites;
- encefalites; Sepse é uma síndro111e clínica caracterizada por i11fla-
- doe11ças gliais ou 11euronais primárias (doença de mação sistê111ica e da110 tecidt1al generalizado de etiologia
Creutzfeldt-Jacob, adrenolet1codistrofia, let1coence- i11fecciosa. Por definição, 110s casos em qt1e ocorre sep,e
falopatia n1t1ltifocal progresSÍ\'a); grave, há co111pro111eti1ne11to orgânico, o q11al 1-1ode ser
- outras caL1sas (crises con,,t1lsivas, síndron1e de abs- 11et1rológico. \'ale a 1-1ena rele1nbrar algt111s co11ceitos, para
tinê11cia, delírio); que se ente11da o co11texto em que a se1-1se gra\'e polie
• distúrbios psiquiátricos (erros diagnósticos - 1,6%). compron1eter a sa11de 111ental do adtdto.
• SIRS (síndrome da resposta infla111atória sistê111ica):
Dessa forn1a, resu111em-se as pri11cipais causas de resposta i11tlan1atória ge11eralizada a u111a \'ariedade de
alterações da co11sciê11cia, de etiologia 11et1rológica e/ou inst1ltos clínicos graves. Essa síndrome é clinicame11te
sistêmica con1 repercL1ssão neurológica i111portante, afe- reco11hecida pela prese11ça de dois OLL mais dos segt1in-
. ' .
tando a sat'.1de n1e11tal 11ão só de 1nulheres, 1nas ta1nbé111 tes cr1ter1os:

39
Tratado de Saúde Mental da Mulher

- temperatura > 38°C ot1 < 36°C; do pacie11te crítico. 1-:n, idosos, quadro de deliriu111, com
- freqt1ência cardíaca > 90 batimentos/111i11uto; alteração aguda do co1nportan1e11to e da sensopercepção,
- freqt1ência respiratória > 20 respirações/111i11uto ou pode ser a primeira 111a11ifestação, sobretudo 11aqueles que
PaCO, < 32 mn1Hg; já tê111 doença neurológica pré,·ia.
-
- leucograma > 12.000 células/mm 3 , < 4.000 células/ O tratamento da sepse gra,,e e do choque séptico pode
mm 3 , ou com mais de 10% de forn1as jo,,ens; ser resu1nido en1 linl1as gerais 11a aplicação dos pacotes
• sepse: evidência de SIRS associada à infecção reconhe- ot1 brundles de 6 e de 24 horas, confor111e orier1tações do
cida ou suspeitada; Survivi11g Sepsis Campaign.
• sepse grave: sepse associada à hipoperfusão ou disfu11- O pacote de seis horas é con1posto por:
çao . .
- organ1ca: • coleta de lactato;
- cardio,,ascular: pressão arterial sistólica ~ 90 n11nHg • coleta de hen1oct1ltt1ras;
ou pressão arterial n1édia < 70 mmHg por pelo 1ne- • antibioticoterapia de a1nplo espectro e precoce (e111
nos un1a hora a despeito de adeqt1ada ressuscitação t1111a hora);
volêmica ot1 o LISO de vasopressores para atingir os • terapia guiada por n1etas, qt1e engloba:
n1esmos objetivos; - reposição volê111ica;
- renal: débito uri11ário < 0,5 mL/kg/h ou insuficiê11- - uso de vasopressores e/ou agentes inotrópicos, com o
cia renal aguda. objeti,•o de se ati11gir as seguintes metas terapêuticas:
- pulmonar: PaO,/FiO, < 250 se outras disfunções - P\'C: 8-12 111n1Hg;
- -
orgânicas estiveren1 presentes ou < 200 se o pul1não - PANI: > 65 n1111Hg;
for o t.'111ico órgão disfuncionante; - diurese > 0,5 mL/kg/h;
- gastroi11testinal: disfu11ção hepática (l1iperbilirrubi- - Svcü, > 70% ou Svü, > 65%.
nemia, transami11ases elevadas);
- siste1na nervoso central: alteração aguda 110 estado Nos pacientes que apresentam hipotensão ou lactato
1nental (delirii,1-11); > 4 m1nol/L (36 n1g/dL), de,·e-se i11fu11dir i11icialmente pelo
- hematológica: plaquetas < 80.000/m1n 3 ou queda 1nenos 20 mL/kg de cristaloide (ou equivale11te en1 coloide)
de 50% por três dias, ot1 coagulação intra,·ascular e, qua11do necessário, indicar drogas vasopressoras (nora-
disse1ninada; drenalina ou dopami11a) para pacientes hipotensos que não
- 111etabólica: pH < 7,30 ou déficit de bases > 5,0 responderam à ressuscitação volêmica inicial, co111 o intuito
111n1ol/L e lactato plasmático unia vez e 111eia acima de 111anter a PAM (pressão arterial n1édia) > 65 m111Hg.
do limite 11ormal; Nos pacientes aprese11tando hipotensão persiste11te, ape-
• choque séptico: sepse grave com hipoperfusão ou hi- sar da ressuscitação volê1nica (choque séptico) ou lactato
potensão persiste11tes, a despeito de adeqt1ada ressus- > 4 111mol/L (36 n1g/dL), de,•e-se 1na11ter a PVC (pressão
citação volêmica. ,,enosa central) > 8 n1n1Hg e a satt1ração ,·enosa central
(Svcü,) > 70%.
-
E111 2000, as bactérias gram-positivas totalizaran1 cerca O pacote de 24 horas é composto por:
de 52,1 % dos casos de sepse; as gram-11egativas, 37,6%; in- • uso de corticosteroides e1n baixas doses (110s casos de
fecções polimicrobianas, 4,7%; anaeróbios, 1%; e fungos, i11suficiência adre11al relati,·a);
4,6%. A mortalidade se 1nante,re estável 11a sepse causada • terapia com proteína C ati, ada (drotrecogi11a alfa);
1

por gran1-positivos, ao passo que decresceu en1 relação • co11trole da glicen1ia;


aos gram-negativos cerca de 2,9% ao ano. • ,,entilação n1ecânica con1 uso de volun1e corre11te bai-
Os sistemas qt1e n1ais frequentemente aprese11tara1n xo (VC < 6 111L/kg) e pressão de platô limitada em 30
falê11cia en, pacientes sépticos foram: respiratório (18%), cn1H,O.
-
re11al ( 15%), cardio,,asct1lar (7%), l1e1natológico (6%),
111etabólico (4%) e 11eurológico ( 2%). A utilização correta dos co1nponentes dos pacotes de
A n1ortalidade associada ao choque séptico é de cerca 6 horas e de 24 horas determina qL1eda significativa 11a
de 60<ro. Infelizn1e11te, o número total de óbitos continua 111ortalidade dos pacientes sépticos, e por isso se jt1stifica
a aume11tar, provavelmente por causa do at1mento na st1a aplicação.
própria incidê11cia de sepse, qt1e, por sua vez, deve-se ao
111aior tiso de procedi111e11tos invasivos, drogas imunos- DISTÚRBIOS DO EQUILÍBRIO ÁCIDO-BASE E
supressoras, quimioterapia, tra11splante de órgãos, ao au- H'DROELETROLÍT!CO
n1e11to da resistê11cia microbiana e à infecção pelo HIV. Distúrbios hidroeletrolíticos e acidobásicos são causas
Do ponto de vista neurológico, o quadro clínico pode co1nuns de alterações co111portamentais e do nível da
se apresentar com encefalopatia séptica, com alteração consciência, que são usualn1ente tratá,·eis e reversíveis.
do 11ível ou estado de consciência, agitação psicomotora, O diagnóstico de alteração eletrolítica 110 paciente coma-
a11siedade, alén1 de neuropatia periférica e poli11et1ropatia toso não deve inibir a proct1ra por lesão estrt1tt1ral.

40
Capítulo 5 - Doenças clínicas que afetam a saúde mental da mulher

O paciente aprese11ta L1n1a progressão dos sinto1nas, Ansiedade Hipocalcemia, hrpercalcemia,


co111 alteração cog11itiva i11icial111ente, segLiida de co11fusão hipofosfatem ia, hipomagnesem1a,
n1e11tal, estL1por e con1a, associados a tre111ores. lvlioclonias ac1dose respiratória, alcalose respiratória
e co11vLilsões freque11ten1e11te se associan1 aos distt'.1rbios da e metabólica
• • •
co11sc1e11c1a. Agitação Hiponatremia. hipomagnesemia
A diminuição do 11Í\'el da consciência decorrente de
Irritabilidade Hiponatremia, h1pernatrem1a em
con\'Ltlsões nessa situação son1ente n1elhora com a correção
crranças, hipocalcem,a, h1percalcem1a,
do distúrbio eletrolítico. A ,·elocidade de progressão das al-
hipomagnesemia, h1pofosfatemia,
terações tie co11sciência depe11de da gravidade cio distúrbio
acidose respiratória
eletrolítico, variando de poucas horas a algu11s dias.
Os ío11s e distt'.1rbios acidobásicos rnais freque11te- Agressividade H1pocalcem1a, hipercalcem,a,
1nente associados a alterações psiquiátricas são: sódio h1pomagnesem1a
(Na), potassio (K), calcio (Ca), fosforo (P), n1ag11ésio Parasson1as Hipomagnesem1a
(~lg); acidose e alcalose 111etabólicas e respiratórias e al-
terações da osmolaridade sérica. Alterações da glicemia
també111 pode1n i11íluenciar 110 equilíbrio acidobásico e
hidroeletrolítico.

Sodio

Alcafrr,.,. ,.. ~r:..J-~- ~'lcnir~tnri~~ - - -...... t..n/irar.; Hiponatremia


A hiperve11tilação caL1sa alcalose respiratória, le\·a11- As causas 1nais co111L111s são hiponatremia iso-osmolar,
do à redução 11a co11ce11tração e de_ficit cog11iti,,o. Alén1 hipo-0s1nolar e hiperosn1olar. A hiponatre111ia iso-osn10-
disso, pode ha,,er to11tL1ra, co11fusâo n1ental, convulsões. lar ocorre e111 situações de um efeito de deslocame11to
Tais si11tor11as são freqL1entes e111 pacientes portadores de volu111c decorre11te de aL1mento da cor1cer1traçào de
de sí11drome de l1iperve11tilação crônica, llLie pode estar hpides e prote1nas sericas. A medida de sódio sérico se
relacio11ada a ansiedade, cior, A\ 'C, gra\·idez. faz 110 \'Olume total de plasn1a, porém o sódio fica apenas
A acidose respiratória te111 co1no causas a doença pul- 110 co1npartime11to at1L1oso. Na hiperlipide111ia e l1iper-
111011ar, AVC, doe11ças n1L1sculares e obesidade, e pode protei11e1nia, o cornpartimento aquoso din1inL1i e, assim a
provocar letargia e, e1n casos 111ais graves, co111a. A hiper- dosage111 de sódio sérico ta1nbén1. Na hiperos111olar, ocor-
capnia crônica é mais bern tolerada e os pacie11tes potie111 re uni fluxo aumentado de água do co111partin1e11to intra-
aprese11tar si11tomas psiqL1iátricos de lo11ga duração, ser11 celular para o extracelular e111 pacientes hiperglicêmicos
alterações cogniti\·as in1portantes. ou qL1e receberam n1a11itol. Nesse caso, a hiponatremia é
As pri11cipais causas de acidose 111etabólica são i11su- ,·erdadeira e só é corrigida com a 11ormalização dos nÍ\ eis 1

ficiêr1cia renal, cetoacidose, i11toxicações, diarreia. Alé111 glicê111icos. A hipo-osn1olar pode ocorrer 11as seguintes
dos si11tornas refere11tes a cada afecção, poden1 ocorrer situações clinicas: estados de hipovolemia (perdas extrar-
alterações cardíacas, cefaleia, letargia, estupor. re11ais e renais), polidipsia psicogê11ica, secreção i11apro-
A alcalose metabolica pode ser ocasio11ada ~1or \'Ô1ni- priada de l1or111ô11io a11tidiurético (SIADH) e estados de
tos, diLtréticos, hipopotasse111ia e s111drome de Cushi11g, e hiper\'olen1ia (p. ex., insL1ficiê11cia renal e cardíaca).
seu achado clinico pode i11clL1ir arrit1nias, hi110\·e11tilação, A l11po11atren1ia aguda, qua11do associada a ir1toxicação
depressão do ní,·el de co11sciê11cia, letargia e delírio. h1drica, pro\·oca alterações cogr1iti\·as e pode acarretar
O trata111e11to dos tiistL1rbios acidobásicos são todos con,,Ltlsão e co111a.
direcionados para a correção da doença de base. A correção da hiponatren1ia de\'e ser feita de forma
cuidadosa para e\·itar co1nplicações neurológicas, espe-
cial111e11te mielinolise po11ti11a central. O trata111ento de\•e
ser feito de acordo con1 a causa, podendo ser restrição
Alterações Hiponatremia, htpernatremia, l1ídrica, uso de furosemilia OL1 reposição de solução salina.
cogn1t1vas h1pocalcemia, h1percalcemia,
h1pomagnesem1a, h1pofosfatem ia, Hipernatremia
h1percapnia, h1pocapnia, h1pocalem1a A l1iper11atre111ia está presente quando a co11ce11tração
(raro) de sodio sérico está aci111a de 145 111Eq/L, e é a causa mais
Alucinações Hipomagnesemia, hipercalcemra, co111L1111 de hiperos111olaridade sérica. Do por1to de \ ista
1

v1sua1s e h1pocalcem1a, h1pocapnia, h1pocalemia fisiopatológico, os efeitos da hipernatren1ia são co11tra-


aud1t1vas Hipernatremia (somente visuais) bala11çados em n1\·el re11al pela liberação de hormônio
a11t1diL1rét1co (ADH) qLte, por n1eio da retenção de agua
(continua)

41
Tratado de Saúde Mental da Mulher

Ltrinária, n1inimiza a ocorrê11cia de sitt1ações de l1ipe · a repos1çao de 111agnésio deverá ser realizada antes da
ros111c)laridade. A ]1ipernatre1nia pode cat1sar alteração reposição do cálcio.
cog11iliva. Entre as pri11cipais causas estão a diarreia, a tie-
sid ralação e a infusão excessiva de solutos ( iatrogê11ico ). Hipercalcemia
O tratan1ento consiste er11 correção dos fatores causa- A hipercalce111ia assi11tomática co11statada e111 exame
dores, co1110 i11ibição da perda de flL1idos, assin1 con10 a de rotina é observada em ate 0,1 °10 da população geral. As
re~1osição con1 cautela de solL1ções hipotônicas. causas mais con1uns, responsá,·eis por 80 a 90°10 dos casos,
são malig11idade e hiperparatireo1disn10. ÜL1tras causas
Potassio são a hipercalcen1ia i11duzida por drogas, doença c.ie Paget,
doenças granulon1atosas e in1obilização. En1 pacientes
Hipopotassemia internados, cerca <.ie 75% dos casos de l1ipercalcemia
A l1ipocalen1ia (hipopotassen1ia) pode resultar de re- ocorrem en1 razão de doenças 111alig11as; 11a popttlação
tiistribuiçâo do potássio do compartimento extracelular an1bulatorial, a l1ipercalcen1ia decorre na n1aior parte das
11ara o intracelular, deficiê11cia dietética, per<.las re11ais e ,,ezes de hiperparatireoidisn10.
extrarre11ais. ~a avaliação do 11aciente hipocalê111ico, l1is- De 20 a 50<fo dos pacie11tes portadores de hipercalce-
tória e exan1e t1sico cuidadosos pode1n diag11osticar caLt- n1ia tên1 depressão ou outro sintoma psíquico qt1e varia
sas co1110 efeitos de medica111entos e perdas extrarrenai!>. de le,,e lassitt1de a quadros mais gra,•es, como psicose ou
Pacientes con1 l1ipocale111ia apresentan1 fraqt1eza n1u!>- estL1por catatô11ico. A hipercalcemia afeta principaln1en-
CL1lar, fadiga, alterações eletrocardiográficas (achata111ento te a me111ória de fixação. Alterações agudas e graves do
de 011da T, alteração do seg1ne11to S-T e aparecin1e11to de cálcio sérico ta111bé111 poden1 catisar alt1ci11ações visuais
011da U), irritabilidade, apatia, confusão mental. Pacie11tes e auditivas.
cc)111 bL1li1nia poden1 apreser1tar hipocalemia por causa En1 pacientes portadores de hiperparatireoidis1no pri-
de \'Ôn1itos excessÍ\'OS, abuso de laxantes e/0L1 diuréticos. n1ário ou secL111dário, nor111ocalcêmicos, ta111bé111 podem
O tratan1ento de,·e estar relacio11ado com a identificação ser obser,,ados si11to1nas 111e11tais, st1geri11do a participa-
e correção da cat1sa, e a reposição do potássio de\•e ser ção do excesso de hormônio paratireoidiano no n1eca-
realizada e111 casos selecionados e com cat1tela. nis1110 desses si11to111as. O trata111e11to de,1e ser feito di-
recionado à causa base. Qt1ando a hipercalcemia é grave,
Hiperpotassemia t1tilizam-se hidratação com soro fisiológico, dit1rético de
As causas da hipercale111ia (hiperpotassemia) são aume11 · alça, bifosfonatos, calcitoni11a, entre outros agentes.
to da liberação de potássio de de11tro das célt1las (acidose
n1etabólica, l1iperglice111ia e l1iperosn1olaridade), excreção Mannp(":,..
Ltrir1aria din1inuída (hipoaldosterionisn10, insuficiê11cia re- Pacientes co,11 depleção de magnésio ou fósforo poden1
nal). A hipercale,nia acarreta astenia, fraqueza, parestesias, apresentar desorie11tação, de_fzcit de n1e1noria e confabu-
paralisia, palpitações ot1 si11cope, alterações eletrocardio- lação. A hipon1ag11esen1ia está relacionada a sintomas
gráficas, especialn1e11te 011das T po11tiagt1das, depressão de de apatia, à sí11drome da fadiga crô11ica e a alucinações.
S-T, prolo11gamento do intervalo P-R e do complexo QRS. Pacientes com síndro1ne de absti11ência alcoólica, espe-
O tratamento depe11de da gra\ idade do caso, pode11do ser
1 cial1nente 5e aco111pa11hada de delirii11n, apresentam hipo-
utilizado cálcio, solução polariza11te, dittréticos, resi11a de 1nag11ese1nia que aun1e11ta o risco de co11vt1lsões. Antes de
troca, bicarbo11ato de sódio e até hemodiálise. i11iciar a reposição de 111agnésio, de,•e-se i11vestigar outras
alterações eletrol1ticas, que de\'em ser corrigidas co11co-
Cálcio 1nitantemente, assi111 como a deficiê11cia de \'itan1ina D.

Hipocalcemia F. r n
A 111aioria dos caso!> <.le hipocalce111ia se relaciona a O 111etabolisn10 do fósforo está intimamente relacio11a-
distl'.1rbios do metabolis1110, produção ou resposta teci- do ao do cálcio. .i\u111ento do fósforo sérico é observado
dt1al ao parator111ô11io e/ou aos n1etabólitos de vita111ina 110 hipoparatireoidis1no, na ]1ipervitan1inose D (abuso de
D. O abuso crô11ico de laxantes també111 pode ocasionar ingestão de 5uplen1e11tos vitamínicos), 11a insuficiência
hipocalcen1ia. renal e 11a rabdon1iólise, e sua din1inuição pode ocorrer
A hipocalcemia pode pro,·ocar apatia ott depressão, 110 hiperparatireoidismo, na síndrome de hiperventilação,
agitação, irritabilidade e alteração cogniti,•a. O paciente associada ou 11ão aos ataques de pânico, no alcoolisn10,
pode aprese11tar os si11ais de rrousseau e de Ch,·ostek, na sí11dron1e de absti11ência alcoólica, nas alterações da
alé111 de tetania muscular. absorção de cálcio. A hipofosfatemia pode ocasionar fra-
O tratamento deve ser a reposição de cálcio de for111a queza, parestesias, alteração da consciência, convulsões,
ve11osa ou oral de acordo co111 a gravidade de cada caso; fraqueza 1nusct1lar e arritmia cardíaca, e sett tratan1ento
en1 algt1mas situações, quando houver hipomagnese111ia, está relacionado à cat1sa de base e reposição de fósforo

42
Capítulo 5 - Doenças clínicas que afetam a saúde mental da mulher

rheun1atic diseases. Philadelphia: Lippincott \\1illia111s & \\'ilkins;


\'e11oso ou oral de acordo co111 a gra,·idade do distt'.1rbio.
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A hiperfosfaten1ia pode le,·ar a calcificações 111etastáticas
Dellinger l{P, Carlet J~l. ~1asur H, Gerlach H, Calandra ·r, Cohen
de tecidos e ocasio11ar sintomas relacionados corn a l1i-
J et ai. Surviving Sepsis Can1paign Guidelines for 1nanagcn1ent of
pocalcen1ia. O tratan1e11to ta111bém baseia-se 11a correção severe sepsis and septic shock. Crit Care :-.ted. 2004;32:858--3_
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-
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Este capítLLlo procuroLt resumir as pri11cipais doe11ças sus. Arthritis Rheun1. 1997:-!0: 1725.
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con10 sua in1portâ11cia, tal ten1a é basta11te a111plo, ser1do pora 11, Horford IR, et ai. A n1ult1con1ponent inter,,ention to
11ecessário discorrer por u111a parte selecio11ada da clí11ica prevent delirium in hospitalized older patient,. N Engl J Med.
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esses eleme11tos estão intri11seca111e11te interligados, de
Lopes AC. ·rratado de C]1nica ~ledica. l ·1 cd. São Paulo: !{oca; 2006.
n1odo que é i1npossível ter apenas a abordage111 orgânica.
En1 nosso ser,·iço, na er1fer111aria e UTI de clÍl1ica 1nédica, Lopes AC,. Tratado de Cltn1ca ~lédica. 2d ed. São Paulo: Roca; 2009.
todas as pacier1tes i11ter11adas passan1 t1ela avaliação co111 a lopes RI). Fquilibrio acido-base e hidroeletrolítíco. 33 ed. Sáo Paulo:
equipe da psicologia, e os casos são discutidos pela eqL1ipe Atheneu; 2009.
n1ultiprofissíonal, co111posta por n1édicos, e11 fern1agen1, :\laccune \\'J, Riskalla :\1. linn1unossuppre<;sivc drug therapy. Tn:
fisioterapia, psicologia, nutrição e terapia ocupacio11al. \ \'allace DJ, Hahn BH, editors. Dubots lupus er)then1atosus. 6th
ed. Philadelphia: Lippíncott \\'illian1s & \\'ilkins; 2002 p.1195-217.
1\ capacitação adequada e111 saútie mental por parte
\lari 1), Razzouk O, Peres .\lFT, Dei Porto JA. Guias de 111edicina
do clínico, bem co1no a capacitação adequada em clí11ica
a1nbulatorial e hospitalar C~ IFF.SP Escola Paulista de ~ ledicina.
n1édica por parte do ~1siquiatra (e demais profissio11ais da Psiquiatria. Barueri: i\ lanole; 2002.
área da sat'.1de) são fundame11tais ~1ara o be1n-estar do(a)
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43
Aspectos nutrológicos que
influenciam a saúde
mental da mulher
Durval Ribas Filho
José Alves Lara Neto
Luiz Roberto Queroz
Maria Dei Rosario Zariategui De Alonso
Cristiane Felisbino Silva

INTRODUÇAO
- e neurológicos de deficiências acentuadas de nutrientes,
Vários trabalhos recentes destacam a importâ11cia dos por exemplo, a deficiência severa de ,,itamina B12, a
aspectos nutrológicos na saúde n1e11tal da mulher. A ali- qual resulta em perda de memória, disfunção mental e
mentação saudável e adequada é un1 dos principais fatores depressão. De forma sin1ilar, a deficiência de folatos pode
individuais de proteção da sat.'1de 111e11tal da n1ull1er e deve originar fadiga, confusão, demência e irritabilidade. Es-
ser valorizada dura11te todo set1 ciclo de vida, na gestação, ses e outros constituintes da dieta são necessários para o
lactâ11cia, i11fância, adolescê11cia, fase adulta, 1ne11opausa fu11cionan1ento norn1al do cérebro, incluindo a atividade
e velhice. As evidências i11dicam que un1 aumento de das enzimas, processos celulares e oxidativos, funções
peso adequado dt1rante a gravidez associa-se a menores dos receptores, trans111issão de si11al, manutenção do
complicações; por outro lado, a n1á nutrição pré-natal tecido neuronal e síntese proteica, assim como a função
aume11ta a incidê11cia de dano 11eurológico e retardo de neurotransn1issores. Esti1na-se qt1e melhorando as
mental na cria11ça. Porta11to, L11na alin1entação e 11t1trição bases 11utrológicas cerebrais, pode-se também melhorar
adequada pré-11atal é un1 dos fatores ambientais mais im- a eficácia terapêutica antidepressiva, e possi\1elmente, de
. ' .
portantes para a saúde da gestante e de seu filho. O estado outros ps1cotrop1cos.
de micronutrie11tes na gestação, tais como ferro, ácidos Considerando os elementos 11utrológicos (aminoá-
graxos e folato, bem con10, a i11gestão de peixe, poden1 cidos, ácidos graxos essenciais, mi11erais con10 o ferro
mell1orar, a lo11go prazo, problemas comportan1entais e e selênio, a11tioxidantes e vitami11as como a Bl2) como
funções cog11itivas. potenciais recursos terapêuticos, são esperados gra11des
A depleção da reserva de nutrientes durante a gra\'idez estt1dos epiden1iológicos e clínicos para os próximos a11os.
e a falta de reposição deles no pós-parto podem aumen- Co111 eles, é possível finalmente concluir sobre a impor-
tar o risco de depressão, tanto na criança, ao longo de tância do papel da nutrição adequada na saúde mental da
seu desenvol,1 imenlo, co1110 11a n1ãe. Isso afeta a criança mulher, assim co1110 11a prevenção e no tratamento dos
. ., .
porque a insuficiência ou falta de algt1ns 11utrientes na transtornos ps1qt11atr1cos.
dieta, durante a fase de for111ação e crescimento do sis-
tema ner, oso ce11tral, produz significativas alterações
1 ALIMENTAÇÃO E SAÚDE MENTAL NOS DIFERENTES
morfológicas, net1rofisiológicas e neuroquímicas 110 cé- MOMENTOS DA VIDA DA MULHER
rebro. Alén1 disso, con10 o cérebro l1uma110 cor1some Os aspectos 11utrológicos i11fluenciam na saúde mental
de 20 a 25% da taxa 111etabólica corporal total, o estado da 1null1er, a qual será resultante da interação de fatores
nutricional ocupa um papel n1uito importante na saúde de proteção e de fatores de risco. A alin1entação adequada
mental. Essa importâ11cia é co1npro\•ada em trabalhos pode proteger a saúde mental e deve ser valorizada du-
docume11tados que de1no11stran1 os efeitos psicologicos ra11te todo o ciclo de ,•ida da n1ulher. Em contrapartida,
Tratado de Saúde Mental da Mulher

os fatores biológicos, ge11éticos e os de orige111 ambiental, e ferro. DL1rante as pri1neiras se111anas c.ie vida 110 útero,
con10 aqueles dos 111on1entos críticos de transição do ciclo o bebê precisa de t1111 bon1 st1pri1nento de ácido fólico,
de vida da 111L1lher, co11stitL1e111 os fatores de risco. Co1110 que é crL1cial para o dese11\ 0l\•i111ento do cérebro e da
1

exemplo, há a depressão na gravidez e 110 pós-parto, 1110- medula espinhal. A falta desse supri111e11to adequado de
mento de n1aior \'L1lnerabilidade das n1ulheres à doença ácido fólico pode desen,·ol\•er defeitos 110 tubo 11eL1ral e
mental que pode ser associada à des11utrição, infecções indL1zir a gesta11te à a11e111ia megaloblástica. A alime11-
ou, ai11da, abuso de substâncias e n1edicame11tos. Un1 bai- tação dt1ra11te a gestação de\•e ser saudá\•el e adeqt1ada,
xo peso ao 11ascer, Llm nascin1e11to pre111atL1ro, assin1 corno con1 L1n1 aun1ento da i11gestão calórica em 300 kcal/dia
Ltma rnãe adolescente, ta111bém são fatores de risco para a no segundo e terceiro tri111estre. No primeiro trimestre,
sat'1de n1e11tal. Outros tàtores de risco são os psicossociais, essa adição de\·e ser re\·isada, caso haja pre\•ia depleção
que pode111 estar relacionados con1 a história pessoal e e1n SL1as reser,•as corpóreas. En1 circunstâ11cias especiais,
particL1larme11te com as experiê11cias iniciais 11a \'ida. Es- cor110 a gra\·idez 11a adolescê11cia ou L1111a gra\·idez de
ses fatores au111e11tan1 a SL1scetibil idade das 1nulheres para gên1eos, as necessidac.ies nutricio11ais são n1aiores e pre-
aprese11tar doenças n1entais. As deficiê11cias 11L1tricio11ais cisa111 ser ajustadas.
tan1bén1 poden1 acentL1ar o impacto negati\'O das exposi- A depleção da reser\·a de nL1trientes dL1rante a gra\·idez
ções ao estresse. e a falta de recL1peração pós-parto poden1 aun1entar o
As n1ulheres aprese11tan1 o c.iobro do risco qL1e os risco da depressão. Rece11tes re\•isões tê111 docun1entado
ho1nens para dese11\1olver depressão. Isso poderia estar uma relativa alta pre\'alência de de~1ressào n1aterna e suas
associado à qualidade da dieta que freque11temente é co11sequências ad\1ersas que Ílnpeden1 a n1ãe de exercer
pobre ern nutrientes. Esse prejL1ízo é maior 11as mull1eres os ct1idados 1naternos e o gerenciame11to tàn1iliar, assim
en1 idade reprodutiva, qLte são \'Ldneráveis às deficiências co1110 afeta1n a saúde e desenvol\ in1ento tia cria11ça. Mas
1

nutricionais en1 razão da gra,,idez e da lactâ11cia, co11side- co1110 essas c.ieficiências nL1tricio11ais podem i11fluenciar
rados estressores i111portantes. Apesar dessa constatação, o desenvol\·i111ento do siste111a nervoso ce11tral levando a
são desconhecidos os detalhes de co1110 a nL1trição afeta un1 de_ficit cogniti, 0? 0111 111odelo rnultic.iin1ensio11al que
1

a saúde mental da mulher dura11te a gra\1 idez, pós-parto integre ta11to os tàtores 11L1trológicos co1110 os fatores não
e, de for111a n1ais geral, durante os anos reprodutivos. Os nutrológicos poderia ser o rnais aceito. A Figt1ra 6.1 des-
estudos pré\'ÍOS foran1 realizados sobre peqL1e11as a1nos- taca a importância dos aspectos nutrológicos na partici-
tras, de valor limitado basicamente porque a 111aior parte pação de 0L1tros fatores biológicos, ger1éticos, psicológicos
foram estudos tra11sversais, os quais, por sua 111etodologia, e a111bientais que influencian1 a sat'.1de n1ental da mulher
con1provan1 o efeito, porén1, não a causa. e do filho.
1-Iá muito te1npo se reconhece o efeito de u111a nutrição
adequada durante a gravidez, na saúde do lactante e da Transtornos alimentares e gravidez
111ãe 110s a11os seguintes à procriação. A nutrição materna
afeta a saúde física e 1ne11tal do recém-11ascido e apresenta AN (anorexia nervosa) e BN (bulimia nervosa)
efeitos mais duradouros do que se pensava anteriorn1ente. As mulheres, dura11te a gravidez, frequenten1e11te apre-
O estabelecin1ento de bo11s hábitos alime11tares dura11te sentam alterações 110 padrão ali1nentar com desejos ou
a infância reduz a possibilidade de L1111 comportan1ento repulsa para algu11s alimentos. Nas grá\ idas com TA (trans-
1

alimentar inadequado, un1 fenômeno que aco11tece co1n tornos alimentares), as alterações são 111ais acentuadas,
frequência perturbadora 11a adolescência, 11un1a etapa con1 restrições de alin1entos (AN), episódios de compulsão
ulterior 11a vida. Estudos sugerem que os costu111es ali- alin1entar e n1ecanismos compensatórios como vômitos,
n1entares dirigidos para e\ itar as doe11ças degenerativas
1
Liso de laxa11tes, diL1réticos (BN) e ati\•idade física exagera-
que aparecem posteriorn1ente na \'ida devem começar da para evitar o aun1e11to de peso. Esses comportame11tos
dura11te a infância. A qualidade da alin1entação pode ace- le\ am a complicações. Estt1tios prospectivos e1n 1nulheres
1

lerar ou diminuir muitas 111L1da11ças que \'ão aparecer na grá\'idas co1n TA verificaram risco dL1as \'ezes 111aior de
velhice, qL1a11do n1udan1 os requerin1entos 11utricio11ais. tere111 bebês com baixo peso ao nascimento, quando com-
A ide11tificação de deficiências 11utricionais próprias das paradas co111 o grupo controle, e un1 aun1e11to no risco de
etapas se11is adqLtire u111a in1portância maior, co11forn1e prematL1ridade de até 70%. Possivelme11te, os t:1tores que
aun1enta a longe,,idade. contribuem para a causa da redução do crescimento do feto
são provocados pelos comportan1entos exagerados no co11-
trole do peso, os quais compron1etem o fluxo de nutrie11tes
Durante a gestação, aparece1n n1odificações na co1n- essenciais do sa11gue n1ater110 para o feto.
posição corporal e no 111etabolismo do organismo ma- Outro quadro que pode aparecer é a hiperêmese gra-
terno. A gestante deve aun1e11tar o co11sumo de proteí11as vídica, co1n vôn1itos incoercíveis no primeiro trimestre,
e de cálcio, assin1 con10 a suple111entação de ácido fálico pode11do estar acompanhada de depressão.

46
Capítulo 6 - Aspectos nutrológ1cos que influenciam a saúde mental da mulher

ESTRESSORES PSICOLÓGICOS, ÁLCOOL, VULNERABILIDADE


CIGARRO, TÓXICOS, INFECÇÕES DEFICIT NUTROLÓGICO BIOLÓG ICA-G EN ÉTICA
1
1

- -

SNC
FUNÇÃO

'
Pré-natal
MÃE: DEPRESSÃO 1- ---=====:::::=------.
-- --- ---- -- ------- - -- - --- ~1
DEFICIT NUTROLÓGICO

t
Pós-natal FILHO
RISCO DE DEPRESSÃO

-
FIGURA 6.1 - Sumário esquemático da 1mportânc1a dos aspectos nutrológicos e a participação de fatores que influen-
ciam na saúde mental da mulher e do filho (adaptada de Wachs, 2009; Scholtz, 2009).

A depressão pós-parto é Ltma condição con1 risco ele- 11utrientes 111ater11os pode111 ser preditore5 de u1na gravi-
vado e111 mulheres grávidas com TA, sendo ele três vezes dez de risco, com aumento da incidê11cia de 11ascimentos
maior 11esses casos, con1 taxas de até 34,7%, e11quanto 11a pré-termo e crescime11to fetal restrito, co1no tambén1
população geral e estin1ado entre 3 e 12º1>. Essa alta taxa risco de morbimortalidade materna. Na avaliação nu-
se deve, pro,·a,·eln1ente, à l1i5tória de transtor11os afeti- trológica e laboratorial da grávida con1 comporta1ne11to
, .
,•os prev1os. ali111entar inadequado, também poden1 ser observadas
deficiências de nL1trie11te5, vitaminas e 111i11erais. No tra-
Pregorex1a tan1ento nt1trológico essas deficiências precisam de ade-
Comportamentos ali1nentares de risco podem ser quação e sL1plementação de acordo con1 as características
observados e1n mulheres dura11te a gravidez. Para identi- i11dividuais. Pesquisas sobre TA e gestação esti111a1n cifras
ficar esses comportamentos, surgiu na impre11sa o termo de 1% de gestantes com AN e BN.
pregorexia, que pro, én1 da mistura das palavras preg-
1

11ancy (do inglês, gravidez) e orexia, que sig11ifica apetite. Ortorexia


Ele refere-se a u,n con1portamento alime11tar i11adequado U111 outro TA é a ortorexia nervosa, caracterizada
observado nas n1ulheres grá,1 idas que tentam reduzir as por L1n1a preoct1pação exagerada com u1na alin1e11tação
calorias da dieta e realizatn ati,1idade física e1n excesso, correta, pura e saudá,,el. A definição do que é correto
com o objetivo de controlar o ganl10 de peso durante a varia a111plar11ente con1 as crenças e o tipo de alin1ento
gestação. Dessa for111a, 111L1lheres con1 baixo peso (IMC co11st1111ido pode excluir i111portantes grt1pos alime11tares
menor qLte 18,5) no início da gravidez e que de,·eriam ter da dieta. As ortoréxicas podem apresentar deficiê11cias
um ganho de peso adequado entre 12 e 18 kg durante toda st1bclínicas de \1 itan1inas e minerais qL1a11do se tor11am
a gestação acabam te11do Lu11 ganho de peso n1e11or do que 111ais restriti,,as con1 a alin1entação. Pode111 apresentar
7 kg, aproximada111e11te. Esse comportame11to alimentar perda de peso, desnL1trição e isolamento social. No enta11-
de risco pode levar a L1111 transtorno ali1ne11tar como a to, diferen1 de pacie11tes com a11orexia nervosa por não
anorexia r1ervosa ou bulin1ia 11er\'Osa ou pode, ainda, apresentarem i11satisfação corporal e medo mórbido de
agra,,ar un1 transtorno alimentar já existe11te. e11gordar. En1 111ulheres ,·ulnerá,·eis, esse co111portan1e11to
O estado nutricio11al da gestante e reconl1ecido como restritivo pode le\'ar até u111 transtor110 ali111e11tar con1ple-
um fator importante para t1n1a gestação sat1davel e sem to, e, se aco11tecer durante a gravidez, tambén1 pode le,,ar
complicações. O IlvIC baixo e um inadequado aporte de a co111plicações.

47
Tratado de Saúde Mental da Mulher

Drunkorexia estrutural e do sistema de 11eurotransmissores. Por isso,


Por último, a drunkorexia, que provén1 da palavra drunk mães con1 TA ot1 com comportamentos alin1entares
(bêbado, em inglês), é utilizada para descrever a existê11cia inadeqL1ados podem prejudicar a alime11tação do recém-
de duas condições: um transtorno alin1e11tar (BN ou AN) e -nascido, do lactente, assim como das cria11ças.
um consumo excessivo de álcool, podendo levar ao alcoo- Filhos de n1till1eres co111 diagnóstico passado ou atual de
lismo. A maior parte são 1nulheres que substituem refeições TA têm grandes chances de dese11volver dificuldades co1n
por álcool, ou t1tilizan1 o álcool como anorexígeno. Ainda alimentação. Uma mistura de fatores genéticos, an1bientais e
não foram realizadas pesquisas sobre esse co1nportamento psicológicos pode predispor as crianças aos riscos. As cres-
de risco, porém a existência do TA com o abuso de álcool centes pesquisas st1gerem que o TA é uma questão familiar
como co1norbidade já foi e contint1a sendo estudada em e que tàtores genéticos aditivos aparecem na transmissão fa-
inúmeras pesquisas. Os valores dos últimos estudos apon- miliar da AN e da BN. Da mesma forma, mães con1 história
tam para cifras de até 35% de abuso de álcool na bulimia de TA têm mais dificuldade em amamentar e alimentar seus
nervosa e de 25% na a11orexia nervosa. O t1so inadequado filhos. Esh.1dos clínicos n1ostram que filhos de 1nães com AN
de álcool pode detern1inar a deficiência dos seguintes ou BN têm mais tendência a recusar alimentação quando
nutrie11tes: vitamina Bl ot1 tiamina, vitamina B2 ou rivofla- comparados a filhos de mães sem transtorno.
vina, vitan1ina B3 ou Niacina, vitami11a B6 ou piridoxi11a, A amamentação é vital para a saúde da mãe e da criança
vitamina B12 ou cianocobalamina, ácido fólico, vitamina durante toda a vida. A recomendação da OMS (Organi-
C ot1 ácido ascórbico, vitami11a A, vitamina D, vitamina K, zação Mu11dial da Saúde) e do Ministério da Saúde é qt1e
selênio, n1agnésio, ferro, zinco. Em 111ulheres vulneráveis, a as crianças sejam amamentadas exclusiva1nente com leite
drunkorexia pode levar até ao alcoolismo, e, se acontecer materno até os seis meses de idade; após essa idade, deverá
durante a gravidez, também pode levar a complicações. ser dada alimentação complen1entar apropriada, conti-
Vários estudos realizados em gestantes com ingestão alcoó- nuando, entretanto a amame11tação até pelo menos a idade
1ica excessiva ou com alcoolismo crônico fazen1 referência de 2 anos. O enfoque da alimentação no curso da vida é
a prejuízo no crescimento e desen\ olvimento do feto. Neles
1 esse11cial para compreender como i11tervenções nutricio-
tê111 sido observados: baixo peso, pren1aturidade, alterações nais poden1 contribuir para a prevenção de doenças não
neurológicas (a11atô1nicas, retardo mental e deficit i11telec- transmissíveis. O aleitamento é a prirneira prática alimen-
tual) e, ainda, alterações genéticas. Também pode causar a tar a ser estimulada para promoção da saúde, formação
síndrome fetal aguda, com deformações 110 rosto e atraso de hábitos alimentares saudáveis e prevenção de muitas
do desenvolvimento psicomotor. Esses achados poden1 ser doenças. Além dos be11efícios nutricionais, imunológicos e
devidos ao efeito próprio do álcool ou à deficiência nutri- psicológicos, o leite mater110 representa a melhor fonte de
cional, geraln1ente observada no alcoolismo crônico. nt1trientes para o lactante, por conter proporções adequa-
As co11dições citadas anteriormente são entidades das de carboidratos, lipídios e proteínas necessárias para
ainda com muitas dúvidas com relação a critérios diag- set1 crescimento e desenvolvimento. També1n é importa11te
11ósticos; no entanto, sua aparição nas consultas é uma no estabelecimento do ví11culo mãe-filho. Apesar disso,
realidade. O tratamento dos comportamentos alimentares principalmente nos países em desenvolvimento, como o
de risco observados durante a gravidez é complexo e deve Brasil, o desmame precoce ainda é uma realidade.
ser sempre com enfoque multidisciplinar, envolvendo Sem dúvida, o leite materno é o alimento ft1ncional
médicos ginecologistas, nutrólogos, psiquiatras, psicólo- (aquele com princípios ativos, benéficos para a saúde)
gos e nutricionistas, e11tre outros especialistas. A avaliação com maiores propriedades para a saúde. Além de seu
nutrológica, o diagnóstico das deficiências de nutrientes e aporte de energia, macro e 1nicronutrientes, o leite ma-
o tratamento nutrológico realizados pelo médico são fu11- terno se associa a um menor risco de 111orbimortalidade
damentais. Esse trata1nento deve i11iciar com a reposição e de hospitalização. Tan1bém pron1ove um padrão de
de nutrie11tes, vitaminas e minerais prescritos antes da crescimento diferente (menor em peso e índice ponderai),
realização de um trabalho psicoterapêutico. t1ma con1posição difere11te da flora intestinal, um melhor
O problema do abuso de álcool e do alcoolismo tam- estado das defesas imunológicas, bem como t1n1 maior
bém precisa ser abordado nas consultas junto com o grat1 de desenvolvimento intelectt1al e um menor risco de
transtor110 alimentar presente. É necessário haver um padecer de obesidade 11a vida adulta, hipercolesterolemia
bom relacionamento médico-paciente que esti1nL1le a rno- e câncer de man1a (nas mulheres que amamentam). Ape-
tivação. A participação da fan1ília no tratame11to també1n sar de as fórmulas lácteas mais modernas aprese11tarem
é muito importante, assim como a informação dos riscos uma con1posição nutricional similar, com agregados de
desses co111portamentos alin1entares inadequados. taurina, nucleotídeos, ácidos graxos essenciais e prebióti-
cos, entre outros compostos ativos, eles não são suficien-
tes para se igualar ao leite mater110.
Deficiê11cias nt1tricionais na infância pode111 i11flue11- Para qt1e o leite possa ser fonte de todos esses benefí-
ciar tanto a ft1nção do SNC quanto o desenvolvimento cios, a alime11tação da mãe durante a lactação precisa ser

48
Capítulo 6 - Aspectos nutrológ1cos que influenciam a saúde mental da mulher

adequada. Nesse processo de amamentação, é exigido um tamento precursor e1n pessoas vulneráveis, assim con10
maior co11sun10 de nutrientes, principalmente vita111inas e ta,nbém é considerada o fator perpetuador do processo.
minerais, cujas 11ecessidades são maiores do que as reco-
n1endações 110 período gestacior1al e uma vez que a perda Anorexia nervosa
calórica seja estimada en1 80 kcal/ 100 mL de leite. O re- Na AN, a prolongada privação de co111ida leva à desnu-
queri1nento alime11tar recomendado para as necessidades trição, que afeta o ft1ncio11amento do cérebro (me1nória e
durante a lactação é de 500 kcal/dia adicionais acima do concentração) e também causa depressão. Outros efeitos
ní,,el para mulheres 11ão grávidas. E as reservas de gordura incluem: mudanças horn1onais, co111 ausência da menstru-
acL1muladas na mãe dL1rante a gravidez proporcio11an1 de ação; perda de densidade mineral óssea em virtude da falta
100 a 150 kcal/dia durante os primeiros dias da lactação. de cálcio; n1au funcionan1ento do sistema i111u11ológico;
anemia e crescin1ento de pelos no corpo, chamado lanugo.
Os exames subsidiários hematológicos OL1 bioquí-
A adolescência é uma fase de desenvol,1in1ento, e a 1nicos a,•aliam a presença de complicações decorrentes
escolha dos alin1entos será potencialmente determinada da desnutrição, da desic.iratação e do comportamento
por fatores psicológicos, socioeconômicos e culturais purgativo e deven1 ser n1onitorados regL1larn1e11te por
que irão interferir na formação dos hábitos alime11tares. lo11gos períodos de tratan1ento do estado até a recupera-
A nL1trição tem papel crítico no desenvolvin1e11to do ado- ção nutricional, com ganho de peso e 11ormalização das
lesce11te, e o consumo de dieta inadequada pode influir alterações encontradas.
desfavora,,elmente sobre set1 crescimento son1ático e As alterações bioqt1ín1icas e hematológicas observadas
maturação. As necessidades e11ergéticas estão aumenta- são decorrentes dos comportamentos adotados para in-
das e guardam relação con1 a ,·elocidade de crescimento duzi-la e desaparecen1 completamente co1n Lima alimen-
e ati,•idade t1sica. A ali111entação durante a adolescência tação adequada e recuperação do estado nL1tricional. Os
deve seguir as recome11dações nutricionais, len1brando estudos de neuroimagem reportan1 achados que sugeren1
a i1nportâ11cia do consumo de alimentos ricos e1n cálcio que, na anorexia ner,,osa, o córtex cingulado anterior está
para a aquisição acelerada de n1assa óssea. Nessa fase, alterado com relação à estrutura e função. Do po11to de
adquire-se aproximadamente SO~o da n1assa óssea, pois o ,,ista anatômico, a n1assa cinzenta apresenta-se diminu-
acúmulo de cálcio é triplicado. Nas adolesce11tes, após a 1da 110 córtex cingulado anterior, o que demonstra un1a
menarca, a necessidade de ferro é três vezes 111aior que n1aior vulnerabilidade dessa região comparada ao resto
a dos meninos, em razão das perdas menstruais. Nesse do cérebro. O córtex cingulado anterior constitui uma re-
período, há uma elevada pre,,alê11cia de ane1nia também gião n1ultifuncional envolvida em fenômenos complexos,
favorecida por uma inadequação de ferro na dieta. co1110 emoção, impulsos, busca por recompensa, atenção,
função cognitiva e aprendizado, aspectos que estão fun-
cio11almente integrados. O tratan1ento é complexo e deve
Dos transtornos alimentares que se apresentam nas ser n1L1ltidisciplinar, exigi11do que psiquiatras, nutrólogos,
adolescentes, a anorexia nervosa e mais prevalente que nutricionistas e psicólogos, entre outros profissionais,
a bulimia nervosa. São quadros caracterizados por al- interajam de forn1a harmoniosa.
terações graves do comportamento alimentar, de difícil
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• •
tratamento e com recaídas frequentes. Em sua evolL1ção,
levan1 a um quadro de 1ná 11utrição de grau ,,ariável, Os hábitos de alimentação i11adequados produzem uma
que na AN e,,olui a u1n quadro de des11utriçào calórico resposta inadequada à de1nanda fisiológica de 11utrientes e
proteico, podendo até le,·ar à morte pelas co1nplicações. calorias, detern1inando progressivamente un1a disfunção
Quadros parciais de anorexia nervosa são n1ais comuns no sisten1a de regulação. Nluitos in,,estigadores confir-
de se observar que os qLtadros completos. mam a alta frequência e o risco dessa modalidade de res-
Sintomas depressivos são extreman1ente freqt1entes trição alimentar. Un1a "conduta dietante" pode desencade-
nos TA, podendo chegar em até 98% na AN. Várias ar distúrbios na conduta alimentar de pessoas vulneráveis
hipóteses de difere11tes autores tentam explicar essa as- por razões biológicas, genéticas, culturais, pessoais ou
sociação entre TA e os transtornos de humor. Uma delas familiares.
é que a desnutrição e o padrão alimentar caótico possam En1 uma re,·isâo de 1996, os autores observaram que
causar a n1aior parte dos sintonias depressi,·os en1 pa- 35% dos indi,,íduos que fazen1 dietas, os "dietantes", evo-
cientes com TA. luem a condutas alin1e11tares patológicas, e 15 a 45% dos
A etiopatoge11ia dos TA é con1plexa e n1t1ltifatorial; quadros parciais co11cluen1 em TA completos.
uma hipótese se baseia 11a associação de ,·ários fatores E,•idê11cias científicas apontam que se subn1eter a die-
biológicos, ge11éticos, psicologicos e socioculturais na ori- tas pode desencadear u111 episódio de excesso ali1nentar
gen1, no desen,·ol\·imento e na st1a manutenção. A dieta e en1 indi,·íduos biologicamente predispostos. E1n uma
o pri11cipal fator precipita11te para desen,·ol\·er o compor- re,·isão de cinco estudos co1n 3.037 participa11tes, Hsu

49
Tratado de Saúde Mental da Mulher

( 1997) conclL1iu que os estudos IongitL1dinais assi11alan1, a in\·estigaçào diagnóstica de,·en1 ser minuciosos, apesar
de n1a11eira u11â11i1ne, a função que dese1npenha111 as die- de 11ão ha\'er exa111e laboratorial específico que diferencie
tas 11a patogê11ese de L1n1 distt.'.trbio lia co11duta ali111e11tar. a perda de i1eso i1ela a11orexia 11er,•osa do emagrecin1ento
Foi den1011strado que uma dieta de 1.000 kcal pobre e111 por u1na doe11ça f1s1ca. Cerca de 33°10 da a1nostra, nesse
carboidratos di111i11ui os n1\'eis de triptofa110 no plas111a e estudo, apresentou a prin1eira 111a11ifestação da anore-
altera a função da serotoni11a cerebral e111111ulheres sadias. xia após 65 a11os de idade. O 1nédico de\'e estar atento
A síntese de seroto11i11a no cérebro depende da disponibi- para e1nagreci111ento e restrição alin1e11tar em adultos,
lidade do triptofano no plasn1a. Os autores sugeren1 que até 1nes1no e111 população geriátrica, pois os transtor110s
se subn1eter a dietas, de n1aneira persiste11te, produz a alimentares pode111 ter início tardio, não se restringi11do
redução crô11ica de triptofa110 110 plasn1a e da seroto11ina apenas a adolescentes. A n1ortalidade 11a AN tardia i1ode
cerebral. pode11do dese11,·0I,•er sinto1nas de disturbios da chegar a 20°10 , i11dica11do necessidade de rápido i11ício do
conduta alin1e11tar en1 un, i11di\·íduo vulnerá,·el. A tome tratan1ento.
gerada pela dieta pode desencadear episódios de co1npL1l-
/l
,- , '.,,..-n,,
são alimentar.
O álcool co11sun1ido de torn1a abusi\ a pelas 1nulhe- 1

res pode determinar de_ficits de nL1trientes, vitan1inas e


Na fase adulta da mulher, pode,n aparecer quadros n1inerais que prejudicam a saúde, con10 foi con1entado
depressi\'OS 11a gestação OLl 110 pós-parto, já comentados anterior1nente 11a descrição da drL111korexia. Do ponto de
a11terior1ne11te, e tan1bé1n na 111enopausa. Os TA e o al- ,·ista 11utrológico, o álcool, apesar de ter 7 cal/g, substitL1i
coolismo ta111bé111 são obser,,ados 11a n1ulher adulta e 11a o alimento sob a forma de calorias vazias, não se11do usa-
111enopausa, e11qL1anto os deficits nutricionais são con1u- do pelo orga11ismo con10 forn1a ele combustível. A falsa
n1ente observados 11a \ elhice. 1
sensação de estar alimentado e a falta de apetite, tan1bé1n
provocada por gastrite, são fatores qL1e le,,am a quadros
... . n.rnoc ::,/;,.,.,,,..,...,. .....oc de des11L1trição. O consun10 de álcool é mais frequente
Os TA mais pre\ ale11tes nessa etapa da mulher são
1
em pacientes con1 BN e AN tipo bulí1nico. Pode caL1sar
a BN e o transtor110 da compulsão ali111e11tar periódica dependê11cia e afeta as funções n1ental, neurológica e
(TCAP), an1bos associados com a depressão maior. Tanto emocio11al. A ingestão regular de bebidas alcoólicas in -
na BN con10 110 TCAP, outra co111orbidade que se observa duz ao esquecin1ento e aumenta o risco de den1ê11cia.
é o abuso e a depe11dência de álcool. O abuso de substâ11- ivluitas dessas complicações são provocadas por deficits
cias é n1uito 111ais frequente nas an1ostras de pacientes que de nutrie11tes. É in1porta11te lembrar qL1e o álcool é tóxico
apreser1tan1 episódios de desco11trole alin1e11tar (BK e .,\N qL1ando substitui 1nais de 20% do valor calórico total da
tipo bulímico) do que em pacientes co111 comportan1ento i11gestâo de ali1nentos, podendo pro,·ocar hipoglice,nia,
pL1rame11te restriti,10 (AN-R). O TCAP é encontrado en1 qL1eda do cabelo e quadros de desr1utrição. Depressão,
cerca de 2% da população em geral, n1ais frequente111e11te pancreatite e cirrose ta111bém poden1 ocorrer. É i1nportan-
em mulheres. Pesquisas demo11stra1n que esse tra11stor110 te lembrar que, 11as n1ulheres, os qL1adros de alcoolisn10
ocorre ern cerca de 30% das pessoas que tàzen1 regi1nes podem aparecer a11tes e de forma mais perigosa que nos
alin1entares con1 Sltper,,isão 1nédica, podendo le,,ar até ho1ne11s. As 111Ltlheres são mais vul11eráveis ao álcool do
a um quadro de obesidade se,,era ou grau III. A anore- que os ho111e11s, e as concentrações sanguíneas do álcool
xia nervosa também pode aparecer nessa fase adulta da são n1ais altas 11elas com as mesmas doses, quando co111-
mulher, porén1 o estudo em pacientes com início tardio paradas às elos ho111ens. Isso acontece pelas difere11ças na
ainda é i11cipiente, co1n poucos trabalhos pL1blicados a composição dos tecidos do corpo fe111i11i110 e do corpo
respeito dessa casuística e con1 achados controversos. Há 111asculino - e11tre elas, n1aior quantidade de gordura,
também relatos de início de transtornos alimentares em 111enor qL1antidade de água e uma menor quantidade da
pacientes aci111a de 50 anos de idade. O quadro clí11ico enzi1na deidroge11ase alcoólica (DHA), responsável pela
da a11orexia nervosa nessa população é o n1esmo obser- metabolização do álcool no fígado. As consequências
\'ado em pacientes jO\'ens, co111 exceção da amenorreia, do alcoolisn10 são diferentes nas n1ulheres: elas são mais
Ltma ,,ez que elas ati11giram a n1e11opausa. E11treta11to, o sujeitas à cirrose hepática do que os homens. E111 parte,
diagnóstico é difícil porque a perda de peso 11essa tàLxa isso acontece porque o álcool é u111 sL1pressor do apetite
etária pode ocorrer por uma doença clínica ainda 11ão e tan1bén1 porque afeta a absorção e o metabolismo das
detectada ou por algum efeito colateral farmacológico. vitam i11as A, B, C e D, dos ácidos graxos essenciais e de
A história clí11ica de\re ser realizada cuidadosa111ente, 111inerais, co1no cálcio, zinco, n1ag11ésio e fósforo.
entrevistando os fan1iliares, para facilitar o diagnóstico.
De\re-se tentar estabelecer a correlação ten1poral e11tre o r ............
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início do e1nagreci111e11to com posSÍ\'eis doe11ças físicas OLI O cérebro é o órgão 1nais in1portante 110s hL11na-
psiquiátricas ou eventos dese11cadea11tes. O exan1e físico e 11os; sua exigência energética é n1aior que a de outros

50
Capítulo 6 - Aspectos nutrológ1cos que 1nfluenc1am a saúde mental da mulher

órgãos. As e,•idê11cias paleontológicas indicam que a aquelas características de depressão. A recuperação nt1tri-
rápida evolt1ção do cérebro ocorret1 com as exigências cional desses pacie11tes produz melhora rápida e conside-
do H. erectus, há 1,8 milhão de anos. O consu1110 de rável nos sintomas de ansiedade e depressão.
mais cernida de origem ani1nal pelo H. erectus foi muito Deficiências 11L1tricionais também são freque11tes nos
importante para prover altos níveis de ácidos graxos obesos. Un1 estudo recente sobre alterações n1orfológicas
poli-i11saturados (DHA e AA) que são necessários para o produzidas pela obesidade mostrou qt1e i11divíduos adt1l-
crescin1e11to do cérebro. Atualmente, o cérebro conso111e tos obesos de 111eia idade, de a1nbos os sexos, avaliados
16 ,,ezes n1ais calorias por grama que o musculoesque- pela técnica de ir11agem por ressonâ11cia n1agnética, apre-
lético, sendo muito importante a variedade e a riqueza se11taram atrofia cerebral. Os dados indicara111 qt1e qua11-
da dieta. O cérebro humano conson1e de 20 a 25% da to maior o í11dice de massa corpórea, menor o volun1e
taxa rnetabólica corporal total, e, dessa forn1a, o estado cerebral total. Em outro estudo, somente con1 mull1eres,
11utricional apresenta um papel in1portante na sal'.1de seguidas por um período de 24 anos, t1tiliza11do to1110-
mental. Dietas deficientes hipoproteicas e hipocalóricas grafia computadorizada, observou-se correlação positiva
no início da vida podem levar à redução do tama11ho e entre o índice de 111assa corpórea e atrofia cerebral do
do volun1e cerebral. lobo te1nporal.
O crescime11to do cérebro envolve períodos de au1nen- A evidência do papel da nutrição na saúde mental se
to do número, ou hiperplasia, e aumento no tamanho, ou origi11a de trabalhos sobre os efeitos psicológicos e neuro-
hipertrofia. O período de rápido crescin1ento do cérebro lógicos de deficiências severas de nutrientes. En1 geral, a
nos huma11os corresponderia ao de hipertrofia, e começa dieta típica ocidental apresenta deficiência de algun1 des-
na 30J semana de gestação e se prolonga até o segu11do ses ele1nentos, e as pessoas de baixos recursos eco11ôn1icos
ano de vida. Alterações na dieta durante esse período pro- são afetadas desproporcio11aln1ente. As mt1ll1eres com
duzen1 significativas alterações 11a n1orfologia, netirofisio- desvantage11s sociais e eco11ôn1icas tambén1 aprese11tam
logia e neuroquímica do SNC. As diferentes regiões do maior risco de depressão, o qt1e sugere qt1e a 111á nt1trição
cérebro têm vários períodos críticos de desenvolvin1ento, pode ser un1 in1porta11te contribuinte para dese11vol,,er os
de tal forn1a que a introdução de dietas alteradas em sua transtornos de hun1or 11essa população.
con1posição pode alterar diferentemente ,,arias regiões Pesquisadores observararn que a pre,,alê11cia de tra11s-
cerebrais. A neurogênese se dá principalmente no pe- tornos mentais te111 au1nentado nos países desenvolvidos
ríodo pré-natal, embora algun1as regiões como o cerebelo, em correlação con1 a deterioração da dieta ocidental.
hipocampo e bulbo olfatório co11ti11uen1 a ter 11eurogê11ese Estudos precedentes demonstram deficiências nt1tricio-
pós-natal. No período pós-natal, há crescimento acelera- nais se correlacio11a11do com algumas desordens n1e11tais.
do e diferenciação das células. Nesse período, estão em As deficiências mais con1uns observadas e111 pacie11-
curso os processos de diferenciação e crescimento de11- tes co1n transtornos 111e11tais são de ô1nega-3, vitan1i-
drítico, a sinaptogênese e a 111ieli11ização. Dura11te a fase 11as B, mi11erais e a111inoácidos que são precursores de
de forn1ação e crescin1ento do siste111a nervoso central, a 11et1rotransmissores.
i11suficiência ou falta de alguns nutrientes na dieta produz A seguir, serão abordados alguns elementos 11utrológi-
significati,·as alterações n1orfológicas, neurofisiológicas e cos e sua relação com a saúde n1ental.
neuroquímicas no cérebro.
Dietas hipocalóricas ou hipoproteicas, quando uti-
lizadas 110 início da vida, en1 que o cérebro está dese11-
vo},,endo-se de 1naneira particularn1ente rápida, pro- As n1ulheres aprese11tan1 o dobro do risco para depres-
duzen1 alterações significati,1as e111 di,,ersos sistemas de são do que os l101ne11s. Elas são particularn1e11te vul11e-
11eurotra11s111issão como o GABAérgico, dopaminérgico, rá,•eis a deficiências nutricionais, porqt1e a gravidez e a
noradre11érgico, serotoni11érgico, colinérgico e opioide. lactância são estressares do corpo. A alta de111a11da co1n-
Essas alterações têm sido descritas como un1a das prin- bi11ada co1n un1a i11adequada i11gestão le,·a a t11na deple-
cipais causas de di,·ersas alterações comportamentais e ção de nutrientes no fi1n da gra,•idez e a uni fracasso ern
cogniti,•as em crianças que fora111 expostas a episódios de recuperar os depósitos pós-parto. Nu1na re,·isào rece11te,
des11utriçào precoce grave. foran1 detalhados três n1eca11ismos para explicar co1110 a
As deficiências nutricionais que le,,am ao atraso no de- nt1trição poderia ser efetiva para melhorar a sal'.1de mental
sen,1ol\·i111ento e cresci1nento de cria11ças tan1bén1 altera111 da 111ulher. O pri111eiro considera que a i11corporação ot1
os aspectos en1ocionais. Os comportame11tos alin1e11tares suplen1entação da dieta con1 ,·ita111inas e 111inerais poderia
pouco saudáveis nos adolescentes, por exemplo, pode111 corrigir t1n1a deficiência de 11t1trie11tes que contribui para
le,,ar a transtornos alimentares como anorexia e buli111ia u111a pobre saúde 1ne11tal. O segu11do co11sidera que algt1-
ner,'osa, que tambén1 geran1 co111portan1entos indicati,·os mas pessoas possam ter n1aiores necessidades de 11utrie11-
de aun1ento de ansiedade. Em geral, essa ansiedade ,•en, tes por causa de algun1a ar1or111alidade 111etabólica, como
acon1panhada de ot1tras alterações de humor, i11clusi,·e no caso do ácido fólico. Nesse caso, pacientes psiquiátri-

51
Tratado de Saúde Mental da Mulher

cos já tratados farmacologicamente observa111 n1ell1or res- e DHA, são encontrados em abundância nos peixes de
posta co111 a adição de supleme11tos , itamí11icos, tal o caso
1
ágL1a fria, tais como salmão, truta, ca,·alinha e atu1n. As
de pacientes depressivos qL1e tan1bém podem aprese11tar fontes de u111 terceiro tipo de ôn1ega-3, o ácido ALA são
L1n1a 111utação genética do n1etabolis1110 do ácido fólico, certos óleos ,·egetais (co1no o óleo de linhaça) e outros
de1nonstrando que aprese11tan1 L1111 111aior reqL1eri111e11to vegetais. ContL1do, o ALA 11ão afeta o corpo da mesn1a
do qL1e na popL1lação geral. E a terceira hipótese que forn1a que o EPA e o DHA.
cor1sidera que o cérebro 111elhor 11utrido poderia aceitar Na alin1e11tação da população dos Estados U11idos, a
111elhor a n1edicação antidepressiva. A n1edicação pode proporção entre os ôn1ega-6 e os ômega-3 mudou marca-
ser i11capaz de agir nun1 cérebro mal 11L1trido. Sabe-se dan1ente: de 1: 1, e1n 1890, passot1 para 1O: 1 até 25: 1, n Ltm
que os medica1nentos antidepressi, os aprese11tan1 vários
1
relato de 1987. Essa dramática alteração e cat1sada pelo
graus de eficácia entre os i11divídL1os tiepressi, os, con1 u1n
1
at1n1e11to excessi,,o de óleos vegetais e1n detrimento dos
extre1no de resistê11cia qt1e aco11tece entre cerca de 30 a ômega-3 pro,,enientes do pescado e dos a11i1nais selvage11s
40°10 dos pacientes. Estin1a-se qL1e melhora11do os elen1e11- e pla11tas. E1n indi,•íduos deprimidos, as conce11trações
tos nL1trológicos cerebrais, também é possí, el 111elhorar a
1
c.ie ô111ega-3 no sangue se n1ostraran1 de forn1a repetida e
eficàcia terapêutica antidepressiva e, possi, el1ne11te, a de
1
baixas e a proporção de ômega-6 e ô111ega-3 é n1ais alta em
. ' .
outros ps1cotrop1cos. i11di,,íduos deprin1idos con1parados com controles sãos.
EstL1dos rece11tes realizados en1 pacientes mulheres As co11centrações sa11guíneas se correlacio11an1 fortemen-
com SL1plen1entação de ele1nentos nutrológicos co1no zi11- te con1 a severidade da doe11ça.
co, ferro e ácidos graxos ômega-3, especialmente o E-EPA, A ingestão frequente de pescado e comida marinha está
den1011stram que eles aparece1n con10 importa11tes coadju- associada com risco reduzido de depressão. Estudos de-
,,a11tes dos trata1nentos psiquiátricos convencio11ais. n1ográficos indican1 L1n1a associação entre o alto consLtmo
de peixe e L1n1a baL'<.a incidência de doença mental, e essa
Ácidos graxos essenciais i11cidência resulta diretan1ente do co11sumo de ô111ega-3.
NL11n estL1do de 23 países, o co11sL11no de peixe mostrou
Ômega-3 urna correlação forte e 11egati,·a com as taxas de depressão
O cérebro é un1 dos órgãos com o n1aior nível de ~)ÓS-parto, ainda depois de controlar as variáveis mater-
lipídios. Esses lipídios são compostos de ácidos graxos r1as. Porén1, deve-se tomar cuidado con1 a procedê11cia
poli-insaturados que são constitL1intes-cl1ave das mem- do pescado, pois tan1bé1n pode ser Ltma fonte de conta-
branas fosfolipídicas em todos os tecidos do corpo, en1 n1inantes 11eurotóxicos, tais co1110 mercúrio (bife11ilas po-
especial 110 cérebro, 110 qual detern1i11am as propriedades licloradas PCBs) e outros polL1e11tes i11dustriais. Por isso,
biofísicas da n1embrana 11et1ronal. Foi estimada que a antes da recome11daçào do seu consLuno, esse potencial
massa cin7enta contém 50% de todos os ácidos graxos perigo de,,e ser considerado.
poli-insaturados na 11atureza, cerca de 33% da fan1ília Outros cstt1dos perinatais indican1 qL1e a recL1peração
ômega-3. O ácido linoleico e o ácido ALA (altàlinolênico) da concentração n1aterna de DHA desde o nascimento
são os ácidos graxos das famílias ôn1ega-6 e ôn1ega-3. Es- até a 32.1 sen1a11as do pós-parto foi sig11ificativa1nente
ses ácidos graxos são considerados essenciais porque 11ão mais lenta 11as n1ulheres qL1e tinham depressão pós-parto
pode111 ser produzidos pelo organis1no, sendo qL1e o ácido comparada con1 a das mulheres sen1 o tra11stor110. Si1ni-
EPA (eicosapentaenoico) e o DHA (docosa-hexaenoico) larmente, a proporção de ômega-6 e ômega-3 é n1ais alta
são os de maior rele\ ância biológica 11a saúde n1e11tal e
1 e11tre mull1eres que posteriorn1ente desenvolveran1 sin-
també.n1 os de 111aior predomí11io no cérebro. Entre eles, tomas depressivos entre os 6 a l O meses con1parada com
o docosa-hexaenoico é o mais proemine11te, e, en1 altas 1nulheres que não ti11ham os sinto111as.
concentrações, aume11ta a sensibilidade dos receptores da
serotonina. Ele ta1nbém é precursor de prostaglandinas Ácido EPA (eicosapentaenoico)
específicas e let1cotrienos, e inibidores de citocinas e mi- Nt1n1erosas investigações co11firman1 a importân-
tógenos, sendo responsável pela redução da i11fla111ação. cia dos ácidos graxos ôn1ega-3 no tecido ner,,oso e a
Dessa for111a, poden1 associar seu efeito antidepressivo a fu11çào n1oduladora e facilitadora da 11eurotrans111is-
efeitos vasculares associados a dimi11L1ição da i11fla111ação são, recon1endando SLia utilização, em especial do ácido
e arteroesclerose. EPA con10 con1ple111e11to dos trata111entos psiquiátricos
• •
A gordura 110s peixes também é forn1ada por ácidos conve11c1011a1s.
graxos poli-insaturados chan,ados de ô111ega-3. Eles são En1 2006, a APA realizou un1 estudo de metanálise para
diferentes dos ácidos graxos e11contrados nos óleos vege- avaliar as evidê11cias sobre os ácidos graxos ôinega-3, e
tais (chamados de ômega-6). Os peL'<.eS não fabrica111 tais em especial o EPA, como compleme11tos 110s tratame11tos
gorduras, mas as obtêm a partir do plâ11cton que con1em, e psiquiátricos con,,encionais. Obtiveran1 como conclusão,
quanto n1ais fria a água, n1ais ôniega-3 contém o plâncton. apesar dos resultados heterogêneos, que os ômega-3 apor-
As dL1as forn1as mais potentes de ôinega-3, os ácidos EPA tavam t1n1 be11efício estatistican1ente significante em qua-

52
Capítulo 6 - Aspectos nutrológ1cos que 1nfluenc1am a saúde mental da mulher

dros de depressão e transtor110 bipolar. Esses resultados de neurotransmissores. Dietas com baixo consumo de
motivaram a recon1endação do uso, especialn1ente do EPA, carboidratos tendem a precipitar a depressão.
e, e1n n1enor n1edida, do DHA, con10 complemento en1
tratan1entos e prevenção de doe11ças. U111 outro estudo de
- . , -... ,.
metanálise, publicado no Canadá, fez a a11alise das investi- Proteí11as são cadeias de aminoácidos, dos quais doze
gações realizadas a11tes de abril de 2007, comprovando que, são si11tetizados no organismo e oito precisam ser i11ge-
apesar de as an1ostras de participantes serem peque11as, ridos por 111eio da dieta. Un1a proteí11a de alta qualidade
elas demonstravan1 claramente que a sL1plementação com contém todos os aminoácidos essenciais e podem ser
EPA era mais eficaz que a adn1i11istração de ô111ega-3 ou de encontradas en1 carnes, leite e outros laticínios, e ovos.
DHA, especialmente na depressão e na esquizofrenia. As proteínas das pla11tas con10 grãos e feijões posst1em
ape11as un1 ou dois an1inoácidos essenciais.
E-EPA (etil-eicosapentaenoico) A ingestão de proteí11as e aminoácidos pode afetar o
O E-EPA pertence a u1na 11ova geração c.ie ômega-3, e é fu11cio11amento do cérebro e a saúde n1ental. Mt1itos dos
uma preparação refinada de azeites de pescado azul, qt1e 11eurotransmissores 110 cérebro são feitos de ami11oáci-
se obtén1 por meio de uma dupla destilação molecular e a dos, por isso, a falta de algun1 desses an1inoácídos impe-
váct10, con1 t11na alta concentração e pureza (70 a 90%), li- de a síntese dos respectivos neurotrans111issores, os quais
vre de colesterol, DHA, triglicerídeos, ácidos gra.xos trans são associados con1 mau humor e agressão en1 pacientes.
e contamina11tes. Alé1n disso, apresenta uma cor pálida, O acú1nulo excessivo de an1inoácidos também pode da-
gosto e odor suaves, com un1 processo de esterificação que 11ificar o cérebro e cat1sar retardo 1ne11tal, por exe1nplo,
faz at1mentar sua capacidade lipofílica, a qual proporciona o acúmulo excessivo de fenilalanina em indivíduos com
LLma melhor absorção e permite sua passagem através da uma doença chamada fenilcetonúria.
barreira hematoe11cefálica.
,. '..;i . . - - ... :...,~r""'•I.,. Dflf..._

Annrr"Jv::'.l ,,,,,.,...,..,1"r, O folato e a vitamina B12 são essenciais para o sistema


Um estudo realizado em pacientes co1n AN ad1ninis- nervoso central e podem modular o ânilno por meio de
trou 1 g/dia de E-EPA junto con1 o tratan1ento n1édico-pa- vários 1neca11isn1os. Eles são necessários para o metabo-
drão, dt1rante três n1eses. Após esse te1npo, três ti11ham-se lismo do carbono envolvido na síntese da serotonina e
rect1perado e quatro tinha1n melhorado. As provas foran1 de outros neurotransmissores. O folato ajuda a manter
ra11domizadas para obter u111 n1elhor co11trole da eficácia a co11centração cerebral de tetra-hidrobiopterina, un1
do E-EPA. Tan1bém foi co11stado que pacientes com esse cofator na síntese de catecolaminas. De forma adicional,
transtorno aprese11tam deficits de vita1ni11as, minerais e as deficiências de ácido fálico ou de vitamina Bl2 causam
ácidos graxos esse11ciais ôinega-3, recon1endando-se sua co11centrações elevadas de ho1nocisteína, que pode1n con-
utilização como SLLple1nento nutrológico. tribuir 11a patogénese dos tra11stor11os de hu1nor n1ediados
pela resposta ,,ascular.
.,.__ ,., "'Íf .
- ........ 1.-
T,- ---•- -- - 1 --- ""'p r' l
Os pacie11tes diag11osticados co111 transtornos de hu1nor
Para con1parar a eficácia do E-EPA e placebo 110 trata- te11dem a ter baix:as concentrações de folato nos glóbulos
111ento de tri11ta mL1lheres com transtorno limite da per- vermelhos OLI no plasn1a con1parados con1 controles sau-
sonalidade borderline, foi realizado um esttLdo placebo- dá,,eis. A deficiência de folato está associada à severidade
-controlado duplo-cego durante oito se1nanas. Do total de da depressão e a episódios prolongados de transtornos
pacientes, vinte tomaran1 1 g de E-EPA, enquanto as dez de humor.
restantes tomaram placebo. Ao a11alisar os resultados foi Pacientes con1 depressão tên1 níveis de folato 25% 1ne-
observado que o E-EPA foi superior ao placebo, conclui11- 11ores que controles. Os si11ton1as depressivos pode1n ser
do que o E-EPA poderia ser t1ma forma 11atural e eficaz no un1a manifestação da deficiência de folato. Não se sabe
tratamento de 1nulheres com transtor110 borderli11e. ainda se os sinto111as da depressão são por u1na 11utrição
pobre que causa deficiê11cia de folato, ou se a deficiê11cia
de folato produz primeiro a depressão e seus sinton1as.
Os CH ocorre111 11att1ralmente 110s polissacar1deos A ,·itamina B12 retarda o con1eço de de111ê11cia e
e desen1penl1an1 u1n importante papel na estrutura e a11or1nalidades sa11guí r1eas se for admi11istralta antes dos
função do orga11isn10. Co111er u111a con1ida rica en1 CH primeiros sintomas. A suplementação com cobalami11a
indL1z a liberação de insulina no corpo. A insuli11a permi- at1menta as funções cerebrais e cog11itivas en1 idosos.
te que a glicose sa11guínea seja transportada para de11tro Adolescentes com um ní,,el baixo de vita1ni11a Bl2
das células e, assim, possa ser usada como e11ergia, e que dese11,,01,,en1 sinais de alteração cogniti,,a.
si1nulta11ean1e11te ocorra a entrada do an1inoácido tripto- Na n1aioria dos estudos realizados e1n pacier1tes depri-
fano no cérebro. O triptofano no cérebro afeta os ní,1eis n1idos, as concentrações de vitan1ina B12 no sa11gue são

53
Tratado de Saúde Mental da Mulher

n1ais baixas, qua11do comparadas con1 pacientes co11trole, razão do ga11ho de peso e da n1elhora dos 11í,,eis de ansie-
não depri111idos. No entanto, a vitamina B12 11ão parece dade e depressão.
mudar a resposta ao tratame11to a11tidepressi,•o.
r 1 ~ ' ....

F O selê11io apresenta t1m importante papel na fu11ção ce-


O ferro é necessário para a oxigenação e produção de rebral, já qt1e o metabolis1no Lio cérebro é difere11te do de
e11ergia no parê11quin1a cerebral. A deficiência de ferro outros órgãos. Durante os mo1ne11tos de deficiência sistê-
altera a n1ieli11ização, assi111 con10 o 1netabolisn10 dos rnica, o cérebro retém selê11io, a expensas de outros teci-
11eurotrans1nissores, e os processos oxidati,'OS e celula- dos corporais como n1ú5culos, rim e fígado. O selênio é
res, assi1n como o metabolis1110 do horn1ônio tireoidia- um ir11portante n1odulador de ânimo. Os estudos clínicos
no. A din1i11uição das reservas de ferro 110 cérebro pode tê111 derno11strado que indi,•íduos alin1e11tados com dieta
din1i11uir a atividade das enzi111as depende11tes de ferro 1nargi11al de selê11io apresenta111 n1ais sintomas de depres-
11ecessárias para a sí11tese, fu11ção e degradação de dopa- são e hostilidade que indi,•íduos alimer1tados com altas
mi11a, serotoni11a e noradrenalina. Fadiga, irritabilidade, doses de selênio. Não se conhece o 111ecanismo de ação do
apatia e incapacidade para concentrar-se são sintonias selênio, poré111 parece necessário para o 111etabolismo dos
frequentes da deficiência de ferro. horn1ônios tireoidianos. A deficiência de selênio também
Um estt1do recente demonstrot1 si11tomas depressi,,os está associada à diminuição da síntese de a11ticorpos e
sig11ificativos no n10111ento do pós-parto e111 mull1eres da resistência a ir1fecções, reduzindo a in1t111idade, a qual
anêmicas con1parado com n1ulheres não anê1nicas e cor- també111 é característica e1n indi, ídt1os com tra11storno de
1

relação 11egativa e11tre a conce11tração de he111oglobina e humor. O selê11io é um componente essencial da enzima
depressão. A deficiência de ferro sen1 anen1ia tan1bé111 está a11tioxida11te glt1tationa peroxidase, que pre,,ine a pero-
associada con1 depressão e111 mull1eres jovens que ton1a1n xidação lipídica celular e de n1embranas, protegendo os
a11ticoncepcionais. Nun1 estt1do clí11ico aleatório co11trola- 11er, os da lipoperoxidação e do dano celular.
1

do co1n grupo placebo de suplen1e11tação de ferro, desde A deficiência do antioxida11te selênio tar11bé111 pode es-
as dez sen1a11as até os 11ove meses pós-parto, co11clt1it1-se tar associada co1n a ansiedade e depressão. Há excelentes
que o ferro 111elhora os sintomas de depressão e11tre as for1tes de selênio con10 as car11es, peixes, crustáceos, grãos
- . .
1naes anem1cas. integrais, abacates, laticínios e unia castanl1a-do-Brasil
Os alime11tos ricos em ferro incluem car11e ,,err11elha, inteira por dia.
gema de 0, 0, fígado, feijão, grão de bico, cereais integrais,
1

11ozes, grãos e vegetais folhosos.


O cérebro é o 1naior constrmidor de oxigênio. Por isso,
Zincn é un1 st1bstrato importa11te para a oxidação de diversas
Depois do ferro, o zi11co é o mi11eral de n1ais alta espécies reati,,as de oxigênio. Em particular, a 1nembrana
concentração 110 cérebro. A n1aior parte do zinco se 11euronal é partict1larn1e11te suscetível à peroxidação lipí-
localiza dentro das vesíct1las si11ápticas de 11eurônios dica pelo alto conteúdo de ácidos graxos poli-insaturados.
específicos, onde modula a trans111issão sináptica e pode, A peroxidação dos termi11ais 11ervosos altera o transporte
por si n1esn10, agir con10 t11n neurotrans1nissor. O zinco do neurotra11smissor e, subsequenteme11te, afeta o fun-
é o mais abundante eler11ento-traço intracelular e faz cio11a111e11to do sisten1a nervoso central. Ela ta111bén1 au-
parte de u1na gra11de quantidade de e11zin1as. Tan1bén1 é menta o da110 que as espécies reati,,as de oxigê11io podem
necessário para a síntese de DNA e para a estabilização causar pelo estresse oxidativo e as 111udanças vasculares
da 1nembrana celular. É t1n1 elen1ento essencial para que teria1n sido obser,,adas no tra11storno de humor.
que o corpo transfor1ne o triptofano em seroto11ina. As Os antioxida11tes serve111 ao orga11isn10 co1no 111ecanis-
manifestações clír1icas da deficiê11cia de zi11co incluen1 n10s de detesa contra o estresse oxidati,,o; no e11tanto, a con-
a11ormalidades co1nportan1entais como depressão, disfo- ce11tração de antioxida11tes do cérebro é bai,-xa e pode favo-
ria e i1nunossupressão, a qual é uma cat1sa de depressão. recer un1 ambiente pró-oxidai1te. Os strplementos com altas
A co11centração de zi11co 110 sa11gue está di111inuída e111 doses de antioxida11tes poderia1n di111i11uir a progressão do
i11div1duos co111 depressão se comparada com sttjeitos dano 11euro11al e a doença ,·ascular, e, por co11seguinte, pode-
controles; por isso a conce11tração do zi11co se correla- rian1 ser efetivos 11a prevenção do tra11stor110 de humor. No
ciona co111 a severidade da depressão. entanto, a literatura a respeito é n1uito escassa e controversa.
Ele ta111bé1n é associado à a11orexia e a alterações neu- A vitami11a C, o ácido ascórbico, é un1 pote11te antio-
rosse11soriais, sendo e11contrado em ostras, carne ,·ern1e- xidante necessário para a prevenção do estresse oxidati,,o.
lha, aves, ovos, laticínios, a1ne11doi11s e sen1entes. Estudos De fato, 11e11ht1111 OLttro antioxida11te reduz seu ní,1el até
co11trolac.ios e randon1izados de suplen,entaçâo de zinco que o ácido ascórbico seja depletado. A ,,itamina C tam-
e111 1nulheres con1 ar1orexia 11ervosa sugeren1 que a terapia bém está din1i11uída e1n pessoas que sofrern de depressão.
con1 zi11co atrrnenta a rect1peração em a11orexia ner,·osa en1 Aproximadame11te 90º1> da ,,itan1ir1a C 11as dietas ociden-

54
Capítulo 6 - Aspectos nutrológ1cos que influenciam a saúde mental da mulher

tais pro\•én1 das frL1tas (cítricas, n1orangos, goiabas, ki\\'is), Ka)·e \\' e cols. supõen1 que a alteração ti<) siste1na de
hortaliças e verduras cruas e frescas. seroto11i11a dese111pe11ha u111 papel in1porta11te 11a etiopa-
A vitamina E represe11ta o n1aior grupo de a11tioxi- togenia da con1orbidadc e11tre os TA e a depressão. Os
da11tes lipídicos solú\·eis qt1e protegem a 111e111bra11a da aL1tores postula1n a existê11cia de un1a desregt1lação do
peroxidação, e que se conhece111 como tocoferóis. Apesar siste111a seroto11inérgico 110s TA que origi11a oscilações e11-
de ha\·er u111 relato associa11do t1111 baixo 11i\·el <.ie \'Íta111i11a tre estados de l1ipo e hiperserotoni11emia. Por exemplo, as
E co111 depressão, existen1 dados conflitantes 11a literatL1ra pacie11tes pt1rgati\•as e as co111 BN seria,n a:, que, por 111eio
que i111pedem L1n1a conclusão a esse respeito. do er>isódio compt1lsivo ali111e11tar, contrabalançariam a
Os carotenoides são a11tiox.ida11tes i,1 vitro, no enta11to hip<)seroto11inen1ia, e as pacientes anoréxicas restritivas
não foran1 estudados e111 relação aos transtor11os de l1L11nor. com seL1s sintomas di111i11t1irian1 os estados de hipersero-
toni11c111ia e a11siedade.
Vitamina B" t\ ad111inistração oral de triptofano pode redL1zir o
En1 111t1lheres, o estado da vitami11a Bl foi associado ao ten1r10 para conciliar o sono. Alguns estL1dos obser\·aran1
distL1rbio <.ie hL1mor. A tian1i11a é conhecida ~1or 111odular qL1e adn1inistrar triptofano co,110 suplen1e11to di1nint1i a
a performance cognitiva, particLdarmente e111 popL1lação apetê11cia por alin1entos e111 geral e ta1nbé1n o picoteo por
., .
ger1atr1ca. ali111entos ricos em carboidratos.
T . . ,:., ... ,..
Outro e;
O triptofano, qt1e é u111 an1i11oácido esse11cial, é o pre- Elen1er1tos 11utrológicos con10 a1ni11oácidos (triptofa-
ct1rsor da niacina e da serotoni11a. Corn relação à 11iaci11a, no, tirosi11a, fenilalanina e metionina) e 1ni11erais (n1agné-
preconiza-se que 60 111g de triptofano são equi,·alentes sio) foran1 estudados em relatos de caso, observa11do-se
a 1 111g de 11iaci11a. O triptofar10 é convertido a SHTP que pacie11tes tratados din1i11uem os si11to111as depressivos.
(S-hidroxi-triptofano) 110 orga11is1no, o qt1al, por sua vez, E11tào, co11clui-se que terapias nutrológicas L1tilizadas
é co11vertido a SHT (S-hidroxi-triptan1ina) ou serotoni11a. para 111ell1orar a saúde 111e11tal podem ser rect1rsos tera-
A seroto11ina tan1bém é 11ecessária para elaborar n1e- pêuticos i111porta11tes. Dessa forn1a, espera-se que gra11des
latonina, que é sintetizada 11a glâ11dula pi11eal no cérebro estt1dos epiden1iológicos e clí11icos sejan1 realizados 110s
e ctija ft111ção se relacio11a co111 o so110. A11or111alidades próxin10s a11os para ser possí\•el e11fin1, co11clt1ir sobre o
na co11centração de triptofa110 foram ide11tificadas en1 papel da nutrição adeqt1ada 11a sa1.ide mental da n1t1lher.
estudos realizados con1 pacientes deprin1idos e sL1icidas,
que de111onstraran1 baixos 11íveis de seroto11i11a no líquido BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
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1
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11e111 laticí11ios aprese11ta111 u111 n1aior risco de deficié11cia Carn1uega E. .-\.lin1entos funcioni.li'-, aliados para o desafio do
de triptofa110, assin1 con10 aquelas pessoas SL1bn1etidas a n1ilênio. ,\ctualizaciôn en1 nu1ricion Re,·ista de l.,\ ~ocie<lad Argen-
altos 111\·eis de estresse. tina de ):utrición. 2005; 15-8.

55
Aspectos psiquiátricos
da perimenopausa e
,
pos-menopausa
Patrícia de Rossi
Rodrigo Cerqueira de Souza
Nilson Roberto de Melo

-
DEFINICOES A idade da n1enopausa é ge11etica111ente determi11ada e
A perimenopausa é uma fase de profundas mudanças depende do número de oócitos. No nascin1ento, os o, ários 1

11a vida da mulher: a transição da idade reproduti\·a para a tê1n de u111 a dois n1ilhões de oócitos, que 11a época da pt1-
senilidade. I11clui o período anterior à menopausa e111 que berdade já se reduziran1 a aproxb11ada1ne11te 400.000. Ao
aparecem os sintomas relacionados a processos endocrino- longo da \'ida reprodutiva, para cada ovulação (são cerca
lógicos e biológicos até um ano após a última me11struação. de 400 ovulações durante a vida reprodutiva), mil folículos
O grupo de estudo STRA\t\T (Stages of Reproductive desenvolvem-se até estágios i11tern1ediários e sofre1n atre-
Agi11g Workshop), da Sociedade Norte-A111ericana de sia. Quando os folículos não co11seguem mais responder à
JV1enopaL1sa, normatizou a 11omenclatura dos estágios da ação das go11adotrofi11as, sobre\1ém a me11opat1sa.
vida reprodutiva da n1ulher (Tabela. 7.1). Os termos uti- Estt1dos epide1niológicos identificara111 fatores qt1e
lizados 11este capítulo seguem essa norn1atização. Assim: pode111 influenciar 11a idade da r11enopausa. O tabagismo
• tra11sição menopausa!: tern10 CL1nhado pelo grupo antecipa a menopausa em um a dois anos. I11fere-se qt1e a
STRAW en1 2001. Inicia-se quando os ciclos menstruais 11icotina e outras st1bstâncias são tóxicas para os ovários,
começan1 a sofrer alterações. Fase de diminuição da ferti- ben1 como a radiação ionizante e algu11s quimioterápicos.
lidade, sinalizada por n1odificações no padrão 1nenstrual. Já outros estudos sugeriran1 que o uso de contraceptivos
Divide-se em precoce e tardia. A transição me11opat1sal horn1onais combinados adiaria a idade da menopausa,
dt1ra de dois a sete anos, en1 média quatro anos. Seu i11í- por inibir o processo de o,rulação.
cio é detern1i11ado por alterações no inter\ alo dos ciclos
1

n1enstruais de sete dias para n1ais ou para menos que o FISIOLOGIA DA TRANSICAO - MENOPAUSAL
'
habitual. Isso significa que poden1 ocorrer desde ciclos No final da idade reproduli\•a, os folíctilos ovarianos res-
tão curtos quanto de 18 dias até ciclos n1ais prolongados. pondem mal à ação das gonadotrofinas FSH e LH, e estão
O flt1xo n1enstrual tan1bém se altera, com 111enstrt1ações en1 11t'.1111ero 111uito reduzido. Há din1inuição de produção da
,•olumosas, prolongadas, curtas ou reduzidas. i11ibina B (st1bstância i11ibidora da secreção do FSH) pelas
• n1enopausa: é a última n1enstrt1açào, diagnosticada células da granulosa. Como co11seqt1ência, os níveis de FSH
após 12 111eses de an1e11orreia; aun1entan1, con1pe11sa11do a resposta folicular deficiente, mas
• perimenopat1sa: período que compree11de desde a co111 cresci111ento acelerado dos folículos restar1tes. Assil11, os
transição menopausa! até un1 ano após a n1enopausa. 11í,,eis de estradiol podem estar 11or1nais ot1 até aume11tados
no início da transição menopat1sal. A ovulação ocorre, po-
IDADE DA MENOPAUSA ren1, con1 produção 1nenor de progesterona.
A idade n1édia da menopausa é 50 anos. A menopausa Essa complexa fisiologia se traduz clinicamente e111 gran-
que se i11stala antes dos 40 anos é classificada con10 preco- de variação dos ciclos menstrt1ais, por flutuação dos níveis
ce, e tardia é a que ocorre após os 55 a110s. estrogê11icos e/ou produção i11suficiente de progestero11a.
Tratado de Saúde Mental da Mulher

.
inicial pico tardia inicial tardia 1 inicial tardia

VARIÁVEL VARIÁVEL 1 ano 4 até a morte


anos

Regular ou Regular Duração dos > 2 ciclos 12 meses AMENORREIA


variável ciclos variável alternados e em
> 7 dias intervalo de Amenorreia
.
diferente do amenorre1a
normal > 60 dias
FSH normal FSH t FSH t FSH t

Na transição n1e11opausal tardia,, l1á o esgotamento por seis a dez anos. Quinze a11os após a menopausa, os
folicular. O FSH aumenta gradativan1ente, poré111 a pro- fogachos estão presentes em 10% das mulheres. 3
dução estrogê11ica é muito pequena. Isso ocasiona ciclos Os principais fatores de risco são:
n1enstruais cada vez mais espaçados, até as menstruações • étnicos: r1egras > brancas > asiáticas;
cessarem por completo. • comportamentais: sedentarisn10, tabagismo;
• 111edicamentosos: uso de SERMs (moduladores seleti-
vos do receptor de estrogênio);
Durante a vida reprodutiva, o desenvolvimento dos • OLLtros: ooforectomia, temperatura ambie11te elevada.
folículos ovarianos é induzido pelo hormô11io folículo-
-estimulante (FSH), produzido pela hipófise. Os folícL1los Os fogachos são ondas de calor que se iniciam abrupta-
em dese11volvime11to produzem estradiol e inibina, que mente, espalham-se pelo corpo (especialmente na parte
modulam a produção do FSH por feedback negativo. superior do tórax e no rosto), e duram geralmente de 1 a 5
No período de transição menopausa!, os folícL1los minL1tos. Ocorre sudorese intensa em 90% dos episódios.
restantes são mais resistentes à ação das gonadotrofinas. A te1nperatura da pele aun1enta por causa da vasodilata-
O dese11volvimento parcial destes leva à diminuição da ção periférica. Após 5 a 9 minutos, a temperatura central
produção de inibina, com aumento da secreção de FSH de diminui de 0,1 a 0,9ºC em razão da transpiração e dava-
forma compensatória. Ainda há produção de estrogênio. sodilatação. Se a queda de temperatura e a sudorese forem
A redução da produção estrogê11ica não é gradativa intensas, podem ocorrer calafrios. Após trinta minutos
durante a transição menopausa!. Os folícL1los recrutados (ou n1ais, às vezes), a temperatura da pele volta gradual-
podem produzir estradiol em níveis normais ou até au- mente ao normal.
mentados. Essa oscilação reflete-se nos ciclos irregulares Os fogachos são acompanhados de alterações cardiovas-
característicos desse período. culares. A pressão arterial sistólica e a freqL1ência cardíaca
Isso ocorre até que os folículos restantes não respon- aumentam, ambas atingindo o pico três minutos após o iní-
dam mais à esti1nulação do FSH e interron1pem a pro- cio da 011da de calor. Podem ocorrer palpitações, ansiedade,
dução de estradiol. Sem estrogênio, o e11dométrio não irritabilidade e pânico.
prolifera, e os ciclos menstruais cessam. A fisiopatologia dos sintomas vasomotores não é be1n
conhecida. Há disfunção no centro termorregulador situa-
do na zona pré-óptica medial do hipotálamo. A flutuação
Além das alterações me11strL1ais, a transição menopau- nos níveis estrogênicos leva à diminuição dos receptores
sa! pode cursar com sintomas vasomotores, alterações de alfa 2-adre11érgicos pré-si11ápticos (inibitórios). A redL1-
sono e de humor, perda de massa óssea e secura vaginal. ção do estrogênio provoca a diminuição do nível sérico
de serotonina com consequente aumento de receptores
:·nior1.=,- 1·a."0motores f~oaa hcs, :,ndõs rJe -a/r-) desse neurotransmissor no hipotálamo (up-regulation ).
Os sinto1nas vasomotores são referidos por 78 a 88% Portanto, a mudança dos ní,1eis estrogênicos ocasiona
das mulheres na transição menopausal. 23 As ondas de o aumento da liberação de noradrenalina e serotonina.
calor começam antes da menopausa e duram aproximada- A alteração dos níveis desses neurotransmissores reduz a
mente um a dois anos en1 35% das mulheres. Cinquenta e zona termorreguladora (intervalo de temperatura que o
cinco por cento têm esse sintoma por cinco anos, e 26%, corpo considera norn1aJ) e diminui o limiar da sudorese.

60
Capítulo 7 - Aspectos psiquiátricos da perimenopausa e pós-menopausa

Assi111, 111esmo peque11as flL1tuações 11a te111peratura cen- cuidado (ia família poden1 sofrer a chamada "síndron1e
tral podem dese11cadear 111ecanisn10s de perda de calor. do ninho ,·azio".

r:-...·.~11ioç; dC" ,..,..,.."' DEPRESSÃO NA TRANSICÃO MENOPAUSAL


Na perimenopausa, os distúrbios do so110 con10 insô- \ 'ários estudos avaliaran1 o risco de depressão na pré
11ia i11icial e so110 interro111pido são co111u11s. e na pós-menopausa e r1a transição 1ne11opat1sal, e de-
O so110 pode ser prejL1dicado pelas ondas de calor. mo11straran1 qL1e o risco aun1e11ta 11esta últin1a. Um estudo
Estas e,·e11tualmente são n1ais se,·eras à noite, causa11do prospectivo que incluiu 1nulheres norte-america11as de
sudorese inte11sa, obrigando a mL1lher a se le,·antar no ,•árias etnias (S\\'AÃ TI1e Sti~dy o_{ \'\'or;1e11's Healtlz Across
1
-

n1eio da 11oite com as ,·estes ensopadas de suor. the 1\'atio,.1) mostrou que irritabilidade e outras alterações
Diversos problemas de saúde també111 poden1 causar do hu111or são n1ais comuns 11a peri do qL1e na pré-n1eno-
i1npacto no sono, ta11to da n1ulher co1no do cô11juge. Por paL1sa, 1nesn10 após ajuste de fatores importantes na gêne-
exe111plo, con1 a sí11drome da bexiga hiperati,•a a n1ulher se de distúrbios psíquicos como sintomas vasomotores e
se le,•anta ,·árias \'ezes à 11oite com vo11tade de L1rinar e, às a1101nalias do so110 (OR CI 95°1>: 1,30 a l,71).-
,·ezes, ten1 perda uril1aria i11,·olu11taria. Un1 estudo de coorte co,11 460 mulheres sem antece-
ÜL1tras doe11ças qL1e i11terferen1 110 sono: sí11dromes do- de11tes de depressão (TI1e Harl'ard Stud;1 o}· 1\1oods a11d
lorosas (osteoartrite, por exemplo), doenças pul1nonares Cycles) a,,aliou a ocorrência do pri1neiro episódio de-
crô11icas, refluxo gastroesofágico, i11suficiê11cia cardíaca e pressi,10 e sua relação te111poral com a 111enopausa.s As
neuropatias, ap11eia do so110 e outros trar1stor11os. mulheres ti11!1a111 e11tre 36 e 45 a11os no início do estudo,
\ 'árias medicações usadas con1un1e11te nessa faixa e a tra11sição menopausa! foi identificada pelas alterações
etária podem causar insônia: antidepressivos, corticoste- nos ciclos menstruais. O histórico de eventos negati,,os
roidcs, betabloqL1eadores, desco11gestio11antes sistên1icos, de ,,ida foi 111edido pelo qL1estionário LES (Life Experie11ce
anti-histamínicos e hipolipemia11tes. Si1rveJ O diagnóstico de depressão foi realizado por
1
).

As alterações do so,10 causan1 in1pacto 11a qualidade de ,neio de entre,,istas clí11icas estruturadas para o DSM-IV
,,ida e le,·an1 a sensação de fadiga, irritabilidade, labilida- (Manual Diagnóstico e Estatístico de Tra11stor110s Nle11-
de e1nocional, si11ton1as depressi,,os e disfunção cogniti,·a tais, -1 edição) e n1ensurado pela escala de depressão
(re(iL1ção da memória de curto prazo). CES-D ( Ce11ter for Epide1n1ologic Stitdies Depression Sca-
le). Após o ajuste de idade e da prese11ça de eventos de
negativos de vida, co11cluiu-se que n1ulheres na perime-
Dura11te a transição n1e11opausal, as 111uda11ças hormo- 11opausa tên1 risco de dese11, ol,1er depressão quase duas
1

nais e os fatores psicossociais estão e11,•ol,·idos na gênese vezes n1aior que as n1ulheres na pré-menopausa. A pre-
dos si11to1nas. ser1ça de si11tomas ,,ason1otores e o histórico de e\·e11tos
O estresse en1ocio11al está aumentado por conta de negativos de ,·ida aumentaram ai11da mais esse risco.
filhos adolescentes, problen1as co11jL1gais, cuidados co111
pais idosos, e11tre outros. Há ta111bé1n 111udança dos papéis
sociais con1 aposentadoria própria, ou do cônjuge, ou de Há duas l1i11óteses para sintomas depressivos na transi-
an1bos. Além disso, pode ha,·er doe11ças concon1ita11tes, ção me11opausal: a da janela de vulnerabilidade e a teoria
e, e11tualmente gra,,es - às ,·ezes, co111 dificuldade de aces-
1
don1i11ó.
so aos tratamentos - ocasionando estresse adicional.· Segu11do a teoria da ja11ela de vL1l11erabilidade, a va-
Os si11ton1as depressi,·os na transição menopausa! pre- riação 110s 11íveis de estrogênio age en1 vários circuitos
coce são mais con1uns en1 1nulheres co111 n1e11os a11os de neL1roquí111icos ligados à depressão. Por exe,nplo, há
estudo, o qL1e se associa a outros fatores estressantes con10 receptores de estradiol tipo beta em áreas de regulação
o baixo 11í,·el socioeconôn1ico.~ do hu111or cor110 sistema l1111bico, amígdala e hipocampo.
Ha ,·ários fatores identificados co1n au111ento do risco O estrogê11io modula a expressão, a síntese e o metabo-
de depressão na perin1enopaL1sa: atitL1de negati,,a en1 lisn10 de ,·árias monoa1ni11as, especialmente serotoni11a e
relação ao en,,elhecime11to e à 111e11opausa, tabagisn10, noradre11ali11a, aumenta11do sua atividade.
se11tir11e11tos 11egati,·os em relação ao parceiro OLt ,·it1,·ez, Na teoria dominó, o estrogênio tan1bén1 está in1plicado
alterações de hu111or pré,•ias à menopausa, falta de exercí- a maior i11cidência de depressão na transição 111enopausal,
cio e proble1nas nas relações i11terpessoais. n1as i11direta111ente. A redLtção de estrogênio causa os
ÜL1tro aspecto, 111uito obser,·ado nas sociedades oci- sinto111as vason1otores, o que leva a distúrbios de sono,
de11tais, é a sensação geral de perda. Perda da ju,·e11tude, irritabilidade, alteração do funcionamento da vida diária
perda da beleza, perda da fertilidade. :\ apose11tado- e co11seqL1ente redL1ção tia qualidade de vida.'/ O difícil
ria pro,·oca a sensação de perda de statiis, be111 co1110 co11trole desses sintomas e o 1nomento de vida conturba-
de fu11ção. E ainda 11esse período os filhos pode111 sair de do poderian1 facilitar o aparecimento da depressão. Essa
casa, e as mulheres que se dedicaran1 exclusi,·ame11te ao teoria e pass1,·el de crítica, já que alguns estudos demons-

61
Tratado de Saúde Mental da Mulher

traram que mulheres desenvol,,eran1 depressão n1es1110


sen1 si11ton1as vason1otores e que elas n1elhora1n ao rece- O questionário CES-D é ur11a importante ferramenta
ber estrogê11ios. Alé111 disso, a i11terrupção do tratamento 110 diagnóstico da depressão, avaliando quantitativa111ente
co111 estrogênios prO\'OCOLl o retor110 dos fogachos, mas os sintomas depressi,·os. 1 Estes ta111bém podem rastrea-
não r1ecessarian1ente da depressão. 1 ' 1 dos por rneio de duas perguntas co111 ,,alor preditivo equi-
AlgL1ns in,,estigadores respo11sabilizan1 ai11da os fa- ,,ale11te ao citado questionário:
tores ambientais e psicossociais como desencadeadores 1. "Nas últimas duas sema11as, ,•ocê se sentiu deprimida,
dos sintomas depressivos 11a transição menopaL1sal, ideia triste 0L1 desar1imada ?"
essa que não e11tra e1n conflito co111 a teoria da janela de 2. "Nas últirnas duas sen1anas, você perdeu interesse ou
,,uJ11erabilidade. Na ,,erdade, mulheres suscetí,·eis teriam não sente ,·ontade de fazer SL1as ati,·idades?" Resposta
um risco au1ne11tado ao lo11go da vida em ,,árias situações positiva a qL1alqL1er unia das duas pergL1ntas sugere
de flL1tL1açào hormo11al associada ao estresse, como 110 risco para depressão, e a pacie11te de,•e ser in,•estigada
período pré-n1enstrL1al e 110 pós-parto . de forma n1ais completa.

DIAGNOSTICO Os critérios mais usados para diagnóstico de depressão
Os sinto111as característicos da tra11sição 111enopausal seguen1 o texto re,,isado do DS~I-IV e estão descritos no
estão listados na Tabela 7.2. Quadro 7.1.

Sintomas vasomotores (fogachos) ++ +++


Irritabilidade ++++ +++
Depressão ++ +++
Alterações menstruais +++ +
Secura vaginal +++ ++++
Alterações de sono +++ ++++

A. Cinco (ou mais) dos seguintes sintomas estiveram presentes durante o mesmo período de duas semanas e representam uma
alteração a partir do funcionamento anterior; pelo menos um dos sintomas é (1) humor deprimido ou (2) perda do interesse ou prazer.

(1) humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias, 1nd1cado por relato subjetivo (p. ex., sente-se triste ou
com um vazio) ou obseNação feita por outros (p. ex., chora muito).
Nota. em crianças e adolescentes, pode ser humor irritável.
(2) interesse ou prazer acentuadamente d1m nuídos por todas ou quase todas as atividades.
(3) perda ou ganho s1gn1ficat1vo de peso sem estar em dieta (p. ex., mais de 5% do peso corporal em um mês), ou
diminuição ou aumento do apetite quase todos os dias
Nota: em crianças, considerar falha em apresentar os ganhos de peso esperados.
(4) 1nsõn1a ou h1person1a quase todos os dias.
(5) agitação ou retardo psicomotor quase todos os dias (obseNáve1s por outros, não meramente sensações subJet1vas de
inquietação ou de estar mais lento).
(6) fadiga ou perda de energia quase todos os dias.
(7) sentimento de 1nutil1dade ou culpa excessiva ou inadequada (que pode ser delirante), quase todos os dias (não
meramente autorrecrim1nação ou culpa por estar doente).
(8) capacidade diminuída de pensar ou concentrar-se, ou indecisão, quase todos os dias (por relato subJet1vo ou
obseNação feita por outros).
(9) pensamentos de morte recorrentes (não apenas medo de morrer), 1deação su1c1da recorrente sem um plano específico,
tentativa de suicídio ou plano específico para cometer su1cíd10.
B Os sintomas não satisfazem os cr1ter1os para um ep1sód10 misto
C. Os sintomas causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em
outras áreas importantes da vida do indivíduo.
D Os sintomas não se devem aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p ex., droga de abuso ou medicamento)
ou de uma condição médica geral (p. ex., h,potireoidismo).
E Os sintomas não são mais bem explicados por luto, ou seJa, após a perda de um ente querido; os sintomas persistem
por mais de dois meses ou são caracterizados por acentuado preJuízo funcional, preocupação mórbida com desvalia,
ideação su1c1da, sintomas ps1cót1cos ou retardo psicomotor.

62
Capítulo 7 - Aspectos ps1qu1átncos da penmenopausa e pós-menopausa

core pode ser usado para acon1panhamento e avaliação


O qL1estionário PHQ-9 é un1 instrume11to rápido do tratamento, con1 valor > 1Ocorrelacionando-se co111
para rastrear si11tomas. As questões correlacio11am-se depressão n1aior, com sensibilidade e especificidade de
aos sintomas descritos 110s critérios do DSM-1\'. O es- 88%. ((\

1. Pouco interesse ou pouco prazer em fazer


as coisas
o 1 2 3

2. Se sentir "para baixo", depnm1do/a ou sem


perspectiva
o 1 2 3

3. Dificuldade para pegar no sono ou


permanecer dormindo, ou dormir mais do o 1 2 3
que de costume
4. Se sentir cansado/a com pouca energia o 1 2 3
5. Falta de apetite ou comendo demais o 1 2 3
6. Se sentir mal consigo mesmo/a - ou
achar que você é um fracasso ou que o 1 2 3
decepcionou sua família ou você mesmo/a
7. Dificuldade para se concentrar nas coisas,
como ler o Jornal ou ver televisão
o 1 2 3

8. Lentidão para se movimentar ou falar, a


ponto das outras pessoas perceberem?
Ou o oposto - estar tão agitado/a ou
1rnqu1eto/a que você fica andando de um
o 1 2 3

lado para o outro muito mais do que de


costume
9. Pensar em se ferir de alguma maneira ou
que seria melhor estar morto/a
o 1 2 3

FOR OFFICE CODING


--~º- -- +______ + _______ +
= Total Score:

Se você assinalou qualquer um dos problemas, indique o grau de dificuldade que os mesmos lhe causaram para realizar
seu trabalho, tomar conta das coisas em casa ou para se relacionar com as pessoas?

Nenhuma dificuldade Alguma dificuldade Muita dificuldade Extrema dificuldade


D D D D
Desenvolvido pelos Drs. Robert L Sp1tzer, Janet 8. W Williams, Kurt Kroenke e colegas, com um subsídio educacional da Pf1zer lnc. Não é
necessária permissão para reproduzir, traduzir, exibir ou d1stnb..i1r

63
Tratado de Saúde Mental da Mulher

f"· -~-+:"n~rio r~ç-n Saúde da i\lulher ( \\'HQ - l\'01t1erzs HealtJ1 Qi1estio1111aire)


Segue Ltma lista de tipos de sentin1e11tos e co1npor- pode ser Ltsado para a,·aliar as queixas 1nais frequentes
tamentos. e seu i1npacto na qL1alidade de vida. Das 37 pergt111tas
Assinalar a frequência com que te11ha se ser1tido dessa aL1toaplicadas, as relacionadas à depressão são 3, 5, 7, 8,
n1aneira dLtrante a semana passada. 10 e 25.

Quantificação da depressão e qualidade de vida na


r ~

"""""""• ,. . "" • Disfunções da tireoide - dosar o hormô11io tireoidoes-
Pode haver sobreposição de sintomas típicos da tra11- timulante (TSH);
sição menopausa! e de depressão. Os prir1cipais são di- • a11en1ia - he1nogran1a;
ficuldade de concentração, distúrbios de sono, sensação • não são necessárias dosage11s hormonais para caracte-
de baixa energia e redução da libido. O Questionário de rizar a transição menopausa!.

Raramente - Durante pouco Durante um tempo Durante a maior


menos que 1 dia tempo - moderado- parte do tempo
1 ou 2 dias 3 a 4 dias - de 5 a 7 dias
1. Senti-me incomodado com coisas que
habitualmente não me incomodam D D D D
2. Não tive vontade de comer; tive pouco
apetite D D D D
3. Senti não conseguir melhorar meu
estado de ânimo mesmo com a aJuda
de f amll1ares e amigos
D D D D
4. Senti-me, comparando-me às outras
pessoas, tendo tanto valor quanto a D D D D
maioria delas
5. Senti dificuldade em me concentrar no
que estava fazendo D D D D
6. Senti-me deprimido D D D D
7. Senti que tive que fazer esforço para dar
conta de minhas tarefas habituais D D D D
8. Senti-me ot1m1sta com relação ao futuro D D D D
9. Considerei que minha vida tinha sido
um fracasso D D D D
1O. Senti-me amedrontado D D D D
11 . Meu sono não foi repousante D D D D
12. Estive feliz D D D D
13. Falei menos que o habitual D D D D
14. Senti-me sozinho D D D D
15. As pessoas não foram amistosas comigo D D D D
16. Aproveitei minha vida D D D D
17. Tive crises de choro D D D D
18. Senti-me triste D D D D
19. Senti que as pessoas não gostavam de mim D D D D
20. Não consegui levar adiante minhas coisas D D D D
Contagem zero para respostas na primeira coluna, 1 para a segunda, 2 para a terceira e 3 para a quarta. Itens pos1t1vos devem usar contagem
inversa O escore final pode variar de O a 60, sendo o valor proporcional à sintomatologia.

64
Capítulo 7 - Aspectos ps1qu1átncos da penmenopausa e pós-menopausa

1. Você acorda no meio da noite e então dorme mal o resto dela?


2. Você tem muito medo ou sensação de pânico sem nenhuma razão aparente?
3. Você se sente triste e infeliz?
4. Você se sente ansiosa quando sai de casa sozinha?
5. Você perdeu o interesse pelas coisas?
6. Você tem palpitações ou sensação de aperto no estômago ou no peito?
II II

7. Você ainda gosta das coisas que costumava gostar?


8. Você sente que a vida não vale a pena?
9. Você se sente tensa ou muito nervosa?
1O. Você tem bom apetite?
11 . Você está impaciente e não consegue ficar calma?
12. Você está mais irritada que o normal?
13. Você está preocupada com o envelhecimento?
14. Você tem dores de cabeça?
15. Você se sente mais cansada que o normal?
16. Você tem tonturas?
17. Você tem a sensação de que seus seios estão doloridos ou desconfortáveis?
18. Você sofre de dor nas costas ou membros (braços/pernas)?
19. Você tem fogachos (ondas de calor)?
20. Você está mais chata/implicante que o normal?
21 .Você se sente cheia de vida (com energia) e empolgada?
22. Você tem cólicas ou desconfortos abdominais?
23. Você se sente nauseada ou com mal-estar constante?
24. Você perdeu o interesse pelas atividades sexuais?
25. Você tem sensação de bem-estar?
26. Você tem hemorragias (útero)?
27. Você tem suores noturnos?
28. Você tem sensação de empachamento (estômago)?
29. Você tem sonolência?
30. Você frequentemente sente formigamento nas mãos e nos pés?
31 . Você se sente sat1sfe1ta com sua vida sexual? (omita se não for sexualmente ativa)
32. Você se sente fisicamente atraente?
33. Você tem dificuldades para se concentrar?
34. Você acha que suas relações sexuais tornaram-se desconfortáveis em razão
de secura vaginal?
35. Você precisa urinar/beber água mais que antigamente?
36. Você acha que sua memória está ruim?
37. Daquilo que foi perguntado acima, há algum(ns) s1ntoma(s) que você tenha
SIM ( ) NÃO ( ) Se sim, qual(is)?
mais dificuldade que os outros para lidar?
Hunter M The Women·s Health Quest,onnaire: a measure or m1d-aged women's percept,on of their emotional and phys,cal health. Psychology
and Health 1992;20.45-54.

65
Tratado de Saúde Mental da Mulher

, .
ESTRATEGIAS TERAPEUTICAS • diagnóstico ou suspeita de neoplasia hor1nô11io-de-
A depressão na transição me11opausal pode ser tratada pe11dente;
co,11 estrogênios, a11tidepressi,·os, terapia ou t11na combi- • hiperplasia do e11do111étrio não tratada;
nação desses. A escolha depende de: • <.ioença tro1nboen1bólica aguda ou tratada (inclui
• gra, idade dos sinton1as depressi,·os;
1 tro1nbose ,·enosa profunda, en1bolia pulmonar, infarto
• prese11ça de outros si11ton1as; do miocárdio ou a11gina);
• indicações, contraindicações e interações e11tre os di- • hepatopatia ativa ot1 inst1ficiência he1--,ática;
versos tratame11tos. • hipertensão arterial sem tratamento;
• sa11gra111ento ge11ital de causa não esclarecida;
• porfiria cutânea tardia (contraindicação absolt1ta).
O t1so de estrogê11ios baseia-se na hipótese da janela
de vulnerabilidade. De fato, vários estudos confirmam a f .-.---•-,,.. ,,,J_ "-- .. ~ni~ J....,.._.,......,nn;:,/

111elhora dos sintomas depressi,,os e111 111ulheres qt1e rece- A terapia hormonal pode ser feita com três esquemas
bera1n terapia horn1011al na lra11sição 1nenopausal. básicos:
Sch111idt e cols. rando,nizaram mulheres na perimeno- • estrogênios isolados;
pausa com depressão para receber 50 n1cg de estradiol • estrogênios con1binados a progestogênios, usados de
transdérn1ico ou placebo por três sen1anas, seguidas por mais forma cíclica ou contínua;
três semai1as de estradiol. Os siI1tomas n1elhoraran1 signifi- • tibolo11a.
cativamente 110 grupo estradiol em relação ao grupo placebo
(p < 0,1). As pacientes que fizeram n1udança (crossover) para Os horrnônios pode1n ser utilizados por via oral OLl não
o estradiol também experin1e11taram alí,,io dos sinto111as de- oral. Pacientes com hipertensão, diabéticas e tabagistas
pressivos. A presença de siI1to111as vason1otores 11ão mudou os deven1 utilizar a via não oral, en1 razão de o risco cardio-
resultados. Concluindo, resposta positi,,a (1nelhora da depres- ,·ascular ser menor.
são) total ou parcial toi obser,,ada en1 80°10 das mulheres que
receberain estradiol co11tra 22°10 das que recebera111 placebo. Estrogênios isolados
E111 outro estudo, n1ulheres na perin1e11opausa com O t1so isolado de estrogênios só é indicado en1 pacien-
diagnóstico de depressão n1aior ou menor e distin1ia pelo tes histerecton1izadas. A administração deve ser contínua,
DSM-IV foran1 randomizadas para receber estradiol tra11s- un1a vez que os si11ton1as podem retor11ar em intervalos
dérn1 ico 100 mcg ou placebo por doze sen1a11as, seguidas livres de horn1ônios.
por 46 semanas sem tratan1ento. 11 Houve ren1issão da de- As vias não orais de administração de estrogênios são
pressão em 68º1> das mtilheres no grt1po estradiol em co111- transdérmica (adesi, 0), percutânea (gel), subdérn1ica
1

paração com 20% do grupo placebo (p = 0,001 ). A reposta (i111plante) e ,,aginal. A ,·ia ,·aginal é basicamente usada
foi cqui, alente en1 todos os diagnósticos, e o efeito a11tide-
1 para tratamento de atrofia urogenital e suas conseqt1ên-
pressivo se ma11te,,e 110 período sem tratamento, mesn10 cias (dispareu11ia, sensação de secura vaginal, bexiga
con1 111aior frequê11cia de sintomas so1náticos. No entanto, hiperativa, infecção uri11ária de repetição).
o tratamento com estradiol transdérmico 11ão parece ter o De forma geral, inicia-se o tratamento com dose baixa,
n1esn10 resultado en1 n1ulheres na pós-menopausa. li> aun1entando, se houver necessidade, e 111ante11do a me11or
A terapia estrogê11ica é eficaz, e indicação for111al para dosagem que controle os sintomas. Os esquen1as terapêu-
alivio dos sinto1nas son1áticos relacionados à ,nenopausa, ticos mais comuns estão na Tabela 7.3.
notadamente os si11to111as vasomotores (fogachos) e atrofia/
sect1ra vaginal. Adicio11alme11te há redução do risco de fratu- Estrogenios associados a progestogênios (esquemas
ras osteoporóticas (RR 0,64 - IC 95% 0,45 a 0,92). 19 estroprogestativos)
A ft111ção dos 1--,rogestogênios na terapia hormonal é
(('lnt,.~i.--':---ões da tPrr3"'i'"' J...,,,,,..,..,.. ..... I prevenção de hiperplasia e câncer de e11don1étrio. Reco-
Estrogênio é co11traindicado em mulheres com: n,enda-se SL1a utilização por no mínimo 12 a 14 dias por
• câ11cer de mama st1speito, diag11osticado ou tratado; 111ês. Excepcio11aln1ente, o tiso pode ser trin1estral, para

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t.:i'-~"-· ..• •.••. ): .-. ,..,,.., .._ 'r•

Estradiol oral (m,cronizado) 1 mg 2 mg 4 mg


Estrogênios conjugados orais 0,3 mg 0,625 mg 1,25 mg
Estradrol transdérmico (adesivo) 25 mcg 50 mcg 100 mcg
Estradiol percutâneo (gel) 0,5 a 0,75 mg 1,0a1,5mg 2 mg

66
Capítulo 7 - Aspectos psiquiátricos da penmenopausa e pós-menopausa

reduzir a frequência c.ie e,,e11tos adversos do progestogê- tecido 111ar11ário. A redução dos níveis da globulina car-
nio, 111as há rnaior risco de hiperplasia e11dometrial. readora de horn1ônios sexuais (SHBG) aun1e11ta o 11ível de
Os progestogênios poden1 ser usados de forma cíclica testosterona li,,re, colaborando para mell1ora de dispareu-
ou co11tínua. No esqL1ema cíclico (esquen1a combinado 11ia e aumento da libido. ~1
sequencial), o progestogênio é i11terrompido periotiica-
n1e11te, causando sangran1e11to de privação semelhante à
menstruação. Na for111a contínua (esque1na con1bi11ado A terapia hormo11al está indicada para alívio dos si11-
co11tínuo), tanto o estrogênio con10 o progestogênio são ton1as relacionados à 111enopausa. A segL1ir, são listados
ad111inistrados ininterruptame11te, co111 maior probabili- os princi1:-1ais efeitos da terapia hor1no11al, ta11to benéficos
dade de sangramento irregular. con10 deletérios. 2 •
A via de administração geral1nente e oral. As vias 11ão Os be11efícios da terapia l1or111onal são:
orais disponí,1eis são: transdér111ica (acetato de 11oretis- • n1el11ora dos si11to111as vaginais (secL1ra ,,agi11al, dispa -
tero11a, co1nbi11ado ao estradiol), ,,aginal (progestero11a reu11ia);
micror1izada) e intrauterina (dispositi,•o i11trauterino li- • tratan1e11to de bexiga hiperati,,a e profilaxia de infecção
berador de le,,onorgestrel). uri11ária recorrente (LISO por ,,ia vagi11al);
As doses dos progestogênios são 1nL1ito variáveis, de- • n1ell1ora da qualidade de \'ida relacio11ada à sat'.1de (e111
pe11dendo da classe de progestogê11io, dose de estrogênio pacie11tes sintomáticas);
associado e via de admi11istração. Alén1 disso, nos esqL1e- • redução do risco de fraturas osteoporóticas, inclui11do
n1as combinados co11tínL1os, essas doses de progestogê11io colu11a e fê1nur, 1nesmo e1n 111ull1eres se1n osteoporose;
costu111an1 ser metade do que nos cornbi11ados seque11- • redução do risco cardio,•ascular, qua11do a terapia é
ciais. A Tabela 7.4 lista as doses habituais usadas na terapia i11iciada 11a peri1neno~1aL1sa ou até dez anos após a
horn1onal. 1ne11opaL1sa;
• redução do risco de diabetes tipo 2;
Tibolona • redução da 1nortalidade, qua11do iniciada 11a perin1e-
A tibolo11a é u111 progestogênio fraco qL1e, após n1eta- 11opausa ou até os 60 a11os;
bolização, age em receptores progestogê11icos, estrogê11i- • redução e.ia incidê11cia e 1nortalidade do câ11cer de
cos e androgênicos. No utero, a tibolona tem ação proges- cólon.
togênica, com efeito eqL1i,•alente a u111a terapia con1binatia
co11tínua. Por isso, pode ser L1sada sen1 necessidade de A terapia hor1nonal 11ão te111 efeito sobre:
outras 1nedicacôes associadas. • peso corporal;
'
Usada por ,,ia oral, a dose habitual de 2,5 n1g/dia di - • memória, cog11ição, risco de doença de Alzl1eimer;
mi11ui o risco de fratL1ras. Há ta111bén1 aprese11taçào co111 • risco de câncer de n1an1a (com LISO is()lado de estro-
n1etade da dose. A tibolo11a não te111 efeito estin1ula11te no gênios).

O efeito da terapia horn1onal tem resLiltados contradi-


, .
tor1os qL1anto a:
• risco de A\ 7C - alguns estudos n1ostra111 aumento do
risco de A\' C isquê111ico, n1as não de A\ 'C hemorrá-
gico, e11quanto outros 11ào apresentaran, diferença do
.
risco;
Acetato de medroxiprogesterona 2,5 - 5,0 - 10 mg/dia • ri!>CO de câr1cer de pul 111ào;
(AMP) • risco de câncer de o,·ário.
Acetato de c1proterona 1 - 2 mg/d1a
A terapia l1or111011al au1ne11ta o risco de:
Acetato de noret1sterona (NETA) O, 1 - 0,5 - 1,0 mg/d1a • TE\' (tron1boembolis1110 ,·e11oso), 111aior nos prin1eiros
Acetato de nomegestrol 2,5 - 5,0 mg/d1a dois a11os de uso e nas 1nL1lheres co111 111ais de 60 anos.
D1drogesterona 5,0 - 1O mg/dia O risco au111enta nas 111L1lheres co1n a11tecede11te de
Drosp1renona 2 mg/dia
TE\' ou con1 mutação 110 fator V de Leide11;
• câ11cer de n1ama (esqL1emas estroprogestativos);
Gestodeno 25 mcg/d1a
• doe11ça cardio,·ascular, i11clL1indo AVC isquê111ico,
Progesterona m1cron1zada 100 - 200 - 300 qua11do iniciada 111ais de dez a110s após a n1enopausa.
mg/dia
Tnmegestona O, 125 - 0,25 mg/dia
Observação. a,gumas apresentações estão d1spon1ve1s somente em \ 'ários a11tidepressi,·os foran1 a,,aliados no tratamento
associações com estrogênios da depressão na perir11e110~1ausa. Os ISRS (i11ibidores

67
Tratado de Saúde Mental da Mulher

seleti,·os de recaptação da serotc)11i11a) citalopra111 e esci Gaba~1e11ti11a (900 n1g/dia) di111i11t1i os si11ton1as \'a-
talo~1ra111 n1elhorara111 05 si11to111as depressi,·os e1n 75 a son1otores de for111a significati,·a; ta1nbe111 a\·aliada en1
86,6<ro, 21 ' e ali,,iara111 os si11ton1as ,·aso111otores e oLttras doses titLtladas até 2.400 n1g/dia. H, is O a11ti-hiperte11si,·o
. , .
queixas sornat1cas. clonidi11a (0,1 1ng/dia) te111 res11ltados ,,ariá,·eis. t'.I
A adição de estrogê11ios aos a11tidepressi,-c.>s 110s caso~
refratários apresenta resultados contraditórios.--! Em 111L1-
-
CONCLLJCt)C<:
lheres 11a perin1e11opaL1sa co111 depressão, esqLtema co1n ConclL1i11do, a fase de transição 111enopausal é Ltm pe-
estrogê11io e n1irtazapi11a te,·e SLtcesso en1 87,Sº·o, e a con1- r1odo da ,·ida da 111tt!l1er qt1e exige ate11ção e se11sibilidade
bir1ação com citalopran1, en1 91,6º'<>. 2• - ÜLttros estL1dos dos profissionais de saude, tanto do ponto de ,·ista cl111ico
11ào n1ostrara111 diferença sig11ificati,·a entre as pacier1tes como do psicossocial. As proft111das modificações do cor-
que L1sara111 a11tidepressi\'OS associados OLt não à terapia po e e.ia vida pessoal e J.)rofissio11al da n1ulher pode111 ser
estrogê11ica. 2 - O uso adicio11al de estrt)gênios 1nclhorou o detern1i11a11tes para alterações i111portantes, mas e,·e11tL1al-
resulta<.io do trata111e11to de 111t1lheres aci111a dos 50 a11os 111e11te .;;utis, de sel1 estado n1ental. Assin1, ações rapidas
C0l11 depressão usa11do ISRs.-· e certeiras da equipe de sai.'1de certa111e11te per1nitirào
Outra opção são os ISRN ( i11ibic.iores seletivos de re- qLtalidade de ,·ida satisfatória para a paciente e para todos
captação da 11oradre11alina). Ve11lafaxi11a (75 a 225 111g/ que co111 ela con,,i,,e111.
c.iia) foi eficaz 110 tratame11to de depressão en1 n1ulheres A

na peri1ne11opausa, alcança11do 75°10 de ren1issão após REFERENCIAS


oito se111anas de terapia. 29 HoLt\'e ta111bén1 n1elhora dos 1. \\'orld Health Organization. Research on the n1enopause 111 the
sintonias vason1otores, be11efício 111uito i11teressante para 1990s (\VHO Technical Report Series 866). v\'orld tlealth Orga
n111lheres com co11traindicação à terapia hor1no11al. Da nization, Geneva, 1996. Disponível en1: <http:/'\,·hqlibdoc.,,·ho.
111esn1a forn1a, duloxetina (60 a 120 111g/dia) foi eficaz, int trs, \\"HO_rRS 866.pdf>. ,\cesso en1: 19 de agosto de 201 l.
con1 re111issào de 78,6º/o de sinto111as depressivos e ,,aso- 2. Pedro AO, P1nto-l\eto .\\1, c:o.,ta Paiva LHS, Osi'> \1JD. Hard,,
motores, qL1alidade do sono e dor e111 1null1eres qL1e 11ão f,t. St ndron1e do 1J1 n1aterio: inqueri to populacional don11ciliar
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mo11al, as opções J.)ara trata111e11to dos si11to111as vason10- 1-Iivl, (:ordal A. Pcrsistent 11100d sympton1s 111 a n1ultiethnic
tores cor11 antide1-)ressivos são: con1n1uníty cohort of pre- and perin1enopausal ,,·on1en. An1 J
• ve11lafaxi11a (37,5 a 75 mg/dia);·'2·33 Epiden1 iol. 2003; 158(-1 ):3-17 -56.
• desve11lafaxina ( 100 mg/dia);,· 6. Dennerstein L, Lehert P, Burger H, Dudley I:..•\1ood and Lhe
• paroxeti11a ( l O n1g/dia) 35 e 1-1aroxeti11a de liberação co11- rnenopausal tran:;ition. J Ner, tvlent Ois. 1999; 187( 11):685-91.
trolada ( 12,5 111g/ dia). ' 6 Co11traindicada en1 pacientes 7. Bron1berger JT, .\latthe,,·s KA, Schott LL, Brock,,•ell S, Avis NE,
e111 uso de ta111oxite110, pois i11ibe o citocromo P450 Kra,·itz H:\1, et ai. Depressive syn1pton1s during the n1enopau-
2D6 (CYP2D6), i111pedi11do a conversão para seu n1e- sal transítion: Toe ~tudy of \\'on1en's Health Across the ~ation
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tab<.)li to ati,,o e11<.ioxife110; ,- (S\\',\:\J). J Affect Disord. 2007;103:267-72.
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no nurnero de fogachos 11a dose de 50 a 100 111g/dia.-1 11
: JA,\fA. 1979;2-12:2-105-7.
Apesar de um estudo piloto sL1gerir efeito be11éfico do 10. Schn1idt PJ, :--:ien1an L, Danaceau ~tA, Tobin ~1B, Roca CA,
citalopram nos sintonias vaso111otores, isso 11ão foi con- ~turphy JH et ai. Lstrogen replace1nent in peri1nenopause-
firmado em u1n estudo ra11do111izado com nove meses -rclated depression: a preli1ninary report. An1 JObstet Gynecol.
de avaliação. ' 41 Mirtazapina din1i11uiu a frequê11cia e in- 2000; 183:414-20.
tensidade dos fogachos en1 pacientes con1 antecedente de 11. Soares CD, Aln1eida OP, Jotfe H, Cohen LS. Efficacy of estradiol
câncer de rnan1a, n1as a inte11sidade dos efeitos colaterais for the treatn1ent of depressive disorders in perin1enopausal
causc)u aba11dono substancial do estudo.-1- Não há estL1dos ,,·on1en: a double blind, randon1ited, placebo-controlled triai.
ben1 conduzidos a\•alia11do esse fár111aco. Arch Gen PsYchial
'
r\'.
. 2001 ;58:529-3-4.

68
Alterações da memória e a
transição menopausal

Maria Fernanda Gouveia da Silva


Leiliane Tamashiro
Martha M. Romiti

-
INTRODUÇAO
. , . . ,
rev1soes s1stemat1cas; e11treta11to, o 1mporta11te e esse
Atualmente, 10% da população mundial femi11ina atra- olhar voltado para uma melhor co1npree11são dessa fase
vessa a tra11sição menopausa! ou já passou por essa fase. da vida feminina para auxiliá-la em sua melhora da qua-
Há previsões de qL1e, dura11te a próxima década, cerca lidade de vida.
de 20% do total de mulheres no mundo irá cl1egar a esse Este capítulo se propõe a apresentar a influência do es-
período de suas vidas em função do envelhecimento da trogê11io no fu11cio11amento cerebral fen1i11ino, bem como
popL1lação mL1ndial, decorrente do aun1ento da expectati- as co11sequê11cias de sua din1inuição nos processos 1n11és-
''ª de vida e da diminuição da mortalidade. 1 ticos fen1ininos no período da transição 111e11opausal.
Esse au1nento da expectativa de vida das mulheres-
ocorre quando muitas se mantên1 ainda ativas do ponto
-
TRANSIÇAO MENOPAUSAL
de vista econômico e social e atingem essa fase bL1scando O envelhecimento reprodutivo é um processo 11atural
uma melhor qualidade de ,•ida. Nessa busca, acabam por qL1e se inicia no 11ascin1e11to e prossegue como Llm co11ti-
,,i,•enciar o período do desen, ol,•i1nento feminino marca-
1
ni,i1n1, e seus sinais e sintomas não diferen1, i11depe11de11-

do por várias modificações, não só do ponto de vista físi- temente de raça, etnia, cultura, região geográfica ou situa-
co, com as alterações hormonais, metabólicas, funcionais, ção socioeconômica. 3 A tra11sição do período reprodutivo
psíquicas e cognitivas, n1as tambén1 de fatores psicosso- feminino para a n1enopausa ocorre mais cedo do que en1
ciais, com mudanças en, seus papéis sociais, no ambiente outros sistemas orgânicos de mulheres saudáveis. Ao lon-
familiar e em SLtas responsabilidades profissionais. go dos anos, ten1-se procurado melhores definições para a
Do ponto de vista cognitivo, a queixa mais frequente caracterização das várias fases desse período.
está relacio11ada aos aspectos mnésticos, não sendo inco- Segu11do definição proposta pela Sociedade Inter11acio-
n1L1m a ligação desses sintomas com o e11,·elhecimento e nal da wlenopausa, no 1 Congresso :Nlundial de Climaté-
Q

mes1no com o temor de possí,,el sinal de un1a patologia rio, en1 l 9í6, climatério é o período de transição e11 tre a
degenerativa, principaln1e11te Doença de Alzheimer. n1enacme (vida reprodL1ti,,a) e a senilidade. A Febrasgo 4
Na literatura científica mundial, obser,'a-se nos últi- (Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia
111os anos um aL1mento gradual do interesse dos pesqui- e Obstetrícia) conceitua essa fase con10 um "distúrbio
sadores em estudar a relação da din1i11uição da produção endocrinológico que se expressa por un1a deficiência de
estrogênica, característica da tra11sição menopaL1sal, com horn1ônios esteroides sexuais, resultante da ir1suficiência
as alterações mnésticas, quei,xas frequente das 1nulheres o,,ariana secundária ao consun10 de folículos pri1nordiais
nesta fase do desen,·ol, in1ento reproduti,·o.
1
que constituem o patrimônio genético de cada mulher':
lvluitos destes estudos acaban, por ser inconclusi,·os, O climatério é caracterizado pelo declínio da ÍL1nção
ou mesmo co11traditórios, em fu11ção das n1arcadas di- º''ariana de produzir Ó\'ulos e hormô11ios, principalme11te
ferenças n1etotiológicas, que li111ita111 comparações ou o estrogênio. Esse processo pode ocorrer de forma 11atu-
Tratado de Saúde Mental da Mulher

ral, sendo consequência do envelhecin1ento reprodutivo O folículo ovariano é a unidade funcional do ovário, e
feminino, ou via cirúrgica, por meio da ooforectomia as células da camada da teca e da granulosa são respon-
bilateral. 5 sáveis pela tra11sformação do colesterol em androgeneos-
A falência gonadal pode ocorrer antes dos 40 anos de -androstenodiona e testosterona - e que, por ação do FSH
idade, quando se denomina de menopat1sa precoce e está 11as células da camada da grant1losa, finaliza sua cascata
frequentemente ligada a doenças autoi111unes, tais como o en1 estrogênio.
11'.lpus eritematoso sistêmico, a miastenia gravis e a tireoi- Co111 o esgotamento dessa popt1lação, as células da
dite de Hashin1oto. ~ camada da gra11ulosa, con1 a di111i11uição popt1lacional,
Para a caracterização da transição 1nenopausal, as no- rarefazem a co11versão de estrogênios e androgê11ios, es-
menclaturas clin1atério, pré, peri e pós-menopausa tên1 pecialme11te a androstenediona.6
sido frequenten1ente utilizadas; no enta11to, estão caindo A falência ovariana, principalmente no tecido perifé-
en1 desuso, e novas definições vêm se11do propostas. ' rico, aume11ta a produção de estro11a, con1 uma resposta
Em 2001, en1 uma reunião realizada em Uthah, EUA, biológica be1n 111enor.
a OMS (Orga11ização Mt1ndial de Saúde) e o CAMS (The A menor produção estrogê11ica abre, por sua vez, várias
Council of Affiliated Menopause Societies) propuseran1 portas até e11tão fechadas, e libera te11dências genéticas ou
un1a nova nomenclatura para o envelhecime11to reprodu- especificas daquele orga11ismo, como obesidade, diabetes,
tivo que denominaram como STRAW (171e Stages of dislipidemia, coronariopatia e vasculopatias ligadas a
Reproductive Aging Workshop). Essa é baseada nos ci- arterosclerose, diminuição de in1unidade, alterações alér-
clos 1ne11struais, fatores bioqt1ín1icos e endocrinológicos, gicas e alterações cog11itivas, entre outras.-
sinais e si11tomas de outros órgãos e do sistema reprodu- Há, ainda, o aparecime11to de receptores estrogênicos,
ti\'O e na a11atomia do útero/ovário. com i11dubitável ação 11as regiões do cérebro, citadas
A base para esse sistema de estágios é o PMF (Período con10 relevantes 11as funções de men1ória e sociabilidade.
Menstrual Final). O STRAW é divido em sete estágios, As regiões envolvidas na memória e na atividade emocio-
sendo que cinco deles (-5 a -1) precedem o PMF, e dois o nal falarn sobre a hipófise, hipotálamo, sistema límbico,
seguem (2 e 1), have11do variabilidade de duração de cada lócus coeri,leus e córtex cerebral.-
estágio, con10 represe11tado na Tabela 8.1. Estudos i,z vitro têm den1011strado ql1e culturas de célu-
las do cérebro aumentam sua sobrevida quando alimenta-
ASPECTOS NEUROENDÓCRINOS DA TRANSIÇÃO das com estróge110. Assi111, o processo de memória ligado
l\~ENOPAUSA!.. ao fator estrogênico tem imensa queda quando incide na
Na transição menopausa!, época de falência ovariana, a fase n1enopáusica.
alteração do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal determina Por sua \'ez, nÍ\1eis baixos de estrógeno funcionam
cada vez mais a falha ovulatória, evoluindo para atrofia como ativadores do processo inflamatório endotelial. E
ovaria11a e co11sequente redução da produção estrogênica, isso, e111 nível de circulação cerebral, potencializado por
com dimint1ição de pulsos tie FSH (hor111ônio folículo outros fatores, como idade, genética e envel11ecirne11to ce-
esti1nulante) e LH (hormônio luteinizante).6 rebral, leva à alteração de men1ória que vai desde a capa-

PMF

Terminologia Início Pico Término Início Término* Início* Término

Duração do estágio Variável Variável a b Morte


1a 4a
Duração 2 ciclos e um X
ro V\
variável inteNalo de ·-
QJ
QJ
V\
'-- QJ
'--
Ciclos Variável (> 7 dias amenorreia ( 60 o E Nenhum
Regular e
N
menstruais para regular diferente do dias) QJ
E ,-

normal) <l:

Endócrino FSH Normal t FSH t FSH t FSH


* Estágios mais caracterizados os sintomas vasomotores . t - elevado

72
Capítulo 8 - Alterações da memória e a transição menopausa!

cidade cog11iti,,a ate ret1exos se11sório-111otores, eqLtilíbrio au111enta o fator de cresci111ento 11euro11al, alé111 de prote-
e doença de Alzhei111er. s ger as células neL1ro11ais tios efeitos 11oci,ros de toxi11as. · •
As alterações de 111e111ória atiI1gen1 n1ais 111t1ll1eres na
tàixa de 65 a11os, e111 Ll ma ,,ez e 111eia a três ,,ezes 111ais ESTUDOS
-
SOBRE TRANSIÇAO MENOPAUSAL E
,
do qL1e em hon1e11s. En1 111ulheres que ti,·era111 i11farto do MEl\"0" 1 ~
111iocardio, a prevalência é de ci11co ,,ezes n1ais. No en- Há n1ais de 40 a11os é pesqt1isada a i11t1L1ê11cia do es-
tanto, 1-1acie11tes obesas são me11os propensas à doe11ça de lrogê11io nos processos cogniti,·os. A 111aioria dos estudos
Alzhein1er e111 razão da proteção do tecido adiposo peri- te111 a,,aliado rnull1eres 11a pós-n1enopausa, antes e após
férico e, assi111, da 1-1rodução de estróge110 extrao,·ariano.s a reposição horn1011al, i11cluindo 111t1itas ,,ezes pacie11tes
Salienta-se o fato de o eL'-::O tireoidiano estar i11ti111a- 111enopausadas cirurgican1ente.
111e11te relacio11ado à falta de co11centraçào e din1int1ição U111 dos pril11eiros estt1dos co11trolados foi realizado
de 1ne111ória, deve11do sen1pre ser pesqt1isado em co11jt111to por Calc.i\vell e \\,atso11, qt1e a11alisaran1 28 111t1lheres, con1
co1n outras possí,·eis alterações. 1nédia de 75 a11os de idade, recebendo sema11al1ne11te, por
12 111eses, de forn1a aleatória, 2 111g de benzoato de estra-
ESTROGFNIO e ctJ~JCIONAMEf'JTO CEREBRAL diol por ,·ia i11tramuscular ou placebo. '1 Hou,•e u111a n1e-
Em razão da prese11ça de receptores estrogê11icos e111 lhora significati,,a 11as habilidades \'erbais entre aqL1elas
,,árias áreas do cérebro, a ação desse l1ormô11io 1-1ode afe- que receberan1 a reposição horn1onal, e111bora 11ão fosse111
tar mL1itos sisten1as neurotra11sn1issores, inclt1indo os ca- obser,,adas d ifere11ças sig11 ificativas nas tarefas ,,ist1oespa-
tecola111i11érgicos, seroto11i11érgicos e gabaérgicos. Várias ciais. Urn ano após a adn1inistração do trata111ento, os dois
ações do estrogê11io na estrt1tt1ra e 110 funcio11a111e11to do grupos ti,·eran1 t1111 decréscin10 em sua cog11ição, da11do
cérebro pode111 for11ecer i11terpretações do n1ecanismo de ind1cios de que a 111elhora cognitiva se ma11ti11ha ape11as
ação pelo qual o estrogênio int1uencia o ft111ciona1ne11to dura11te a fase de reposição l1or111onal.
cognitivo das 111ulheres. Hackma11 e Galbraith t1tilizara111 a escala de autoavalia-
Vn1a das ações do estrogê11io é aun1e11tar a de11si- ção de110111i11ada Gi1ild 1\le111or)' Scale para con1parar dois
dade das espinhas de11dríticas 110s 11eurônios do CA 1 grupos de n1L1ll1eres n1e11opausadas cirt1rgica111e11tc que
no hipoca1npo apos 2-l a 72 l1oras de sua aplicação. Ao recebera1n reposição horn1011al ou placebo. Essa i11\·esti -
ad111inistrar-se a progesterona <.iepois do estrogê11io, ases- gação com 18 n1t1ll1eres 111ostrot1 1nelhora 110 desen1pe11l10
pinhas dendríticas aun1e11tan1 dura11te as primeiras seis a da 1ne1nória in1ediata e tardia e11tre as 111ull1eres tratadas
oito horas, seguidas por rápido retorno aos 111veis basais. 1 co111 reposição hormonal, co111paradas àquelas que rece-
O estrogê11io ele,·a a co11ce11tração da acetilcolino- bera111 placebo. -~
tranferase, enzima de sí11tese da acetilcoli11a, neurotra11s- Ditkofl· e cols. a,·aliaran1 os efeitos do estrogênio 11a
n1issor en, 01,·ido 11as funções m11ésticas, cL1jos ní,·eis
1
ft1nção psicológica de 111ull1eres assi11ton1áticas e1n 1ne110-
se redL1zen1 acer1tL1adan1er1te 11a doe11ça de Alzheimer. pat1sa cirúrgica e, para tanto, utilizara111 escalas para a,·aliar
Fi11al1nente, os efeitos 11et1rotróficos do estrogê11io pode111 sinto111as de1-1ressi,·os (MJ\lPI, Pro_file of Adaptatio11 to L~fe
explicar con10 o horn1ô11io teria t1n1a ação protetora co11 e Beck Depressio11 I11ve;1tory), 111emória imediata (D1gitos-
tra o declí11io da cognição secundário à idade. Assi111, os -\ \'AIS-R) e apre11dizage111 associati,•a (Sí1nbolos-\.'\'AIS-R).
receptores estrogênicos e o fator de crescimento 11et1ro11al Tri11ta e seis n1t1ll1eres foran1 di,,ididas e1n três grt1pos: u111
são e11contrados principaln1ente 110s 11eurô11ios do córtex recebe11do diarian1e11te 0,625 111g de estrogênios co11jt1ga-
cerebral, hipotála1110, o qL1e indica que esse horn1ô11io dos; outro, 1,25 n1g; e OLitro, placebo. As a,·aliações forar11
pode facilitar as respostas neurotróficas. realiza<.ias a11tes e 110 terceiro n1ês da intervenção terapêt1 ·
O efeito estrogê11ico sobre o sister11a 11et1ral afeta o tica, ocorrenc.io n1ell1ora dos si11ton1as depre!>si,,os nos dois
hun1or, o co11trole n1otor fi110 e a dor. O 1-1ote11cial dos n1e- grupos trata<.ios cor11 estrogênio, co111parados ao placebo.
canisn1os de ação 11as fu11ções cogniti\'as propicia eYidên- Não l1ou,·e difere11ça sig11ificati,,a qt1a11to aos processos de
cia biológica para a hipotese cl111ica de que o estrogênio 111emória e apre11dizagen1 entre os três grupos. A n1elhora
i11terfere na cog11ição r1as n1ulheres. dos sí11to1na-. depressi,·os com uso de estrogê11io 11ão este,·e
Propusera111-se 1nL1itos 111eca11is111os para explicar a associada a 111uda11ças sig11ificati,·as 110s testes cogniti\'Os. 1·1
influê11cia do estrogênio
'-
11a estrutura e ft111ciona111e11to ce Pl1illips e Sher\\'i11 ; a,·aliara111 um grupo de 19 1nulhe
rebral. Essa ir1fluê11cia no funcio11an1e11to cog11iti,·o pode res 111e11opausadas cirL1rgican1e11te, a fim <.ie ,·erificar pos-
ser explicada pela esti1ntdação direta da acetilcol111etrans- s1,·eis alterações correlacionadas às 111t1da11ças nos 11í, eis 1

ferase, e11zima que si11tetiza o neurotra11s1n1ssor acetilco- <.ie estradiol. Para tal estt1do, utilizaran1 a Escala \\'echsler
lina, que at1111enta a função coli11ergica, fu11da111e11tal 1-1ara de ~1e111ória Forn1a I e II, aplicadas duas sen1a11as a11tes da
o processo <.ie aprendizagen1 e formação de 111emorias. c1rt1rgia e de dois a qt1atro dias após a t'.1lti111a i11jeção <.ie
\-erificou-se qt1e a reposição horn1011al 111elhora o fluxo estradiol (E2). Alé111 da a,·aliação de 1nemória, utilizou-se
sangL1111eo, aume11ta a de11sidatie das espi11has de11dr1ticas, t1111a escala para a,·aliação de estados afeti,·os (1\rlultiple

73
Tratado de Saúde Mental da Mulher

Ajject Adjective Clieck List). Esse estudo concluiu que as co1n 172 n1ulheres que nunca receberam a hormoniotera-
n1udanças 110 desen1penl10 cognitivo 11ão estarian1 asso- pia. A pesqL1isa foi realizada entre 1978 e 1994, e a avalia-
ciadas às alterações de htu11or, e as 111uda11ças de 1nemória ção era feita co,n o Teste de Retenção \ risual de Benton,
poderian1 ocorrer secundariame11te às ,·ariações 110s 11í- durante o período de reposição estrogênica. As n1t1lheres
,,eis de estrogê11io no plas111a. Os autores st1geriram que con1 reposição hor1nonal ti,,eram um nún1ero 111e11or de
o estrogênio possa influenciar especifica1nente as funções erros, demonstrando assim u1n mell1or rendime11to qt1an-
de 1nen1ória verbal in1ediata e apre11dizagen1 verbal asso- to à n1en1ória vist1al de curto te111po, percepção visual e
ciativa i111ediata e tarc.iia. Nesse estt1do, fora111 t1tilizados l1abilidades co11strt1tivas.
testes específicos de me111ória, e os resultados foram cor- Silva teve como objetivos, en1 sua pesquisa, verificar a
relacionados à n1elhora do qt1adro de humor. i11terferência da intensidade dos sinton1as clin1atéricos e/
Barret-Co1111or e Kritz-Sil, erstein estudara111 prospecti-
1 ou depressi\'OS 110 desen1pe11ho ate11c1011al e mnéstico; di-
van1e11te 800 n1ulheres co1n idade entre 65 e 95 anos, objeti- ferenças 110s processos mnésticos na esfera \ erbal e vist1al
1

\'a11do detern1it1ar se a reposição horn1011al retarda ou pre- e a relação e11tre problen1as ate11cio11ais co1n dificuldades
,·ine perdas cogniti, as en1 n1tilheres idosas. Fora1n t1tilizados
1 de memória. Co111 o estudo con1parati,,o, forarn avaliadas
co1no i11strt1n1e11tos os Bi1scl1ke-Fuld Selective Retni11di11g 45 mulheres 11a pré-111enopausa, divididas em três grupos
Test, Teste de Reprodução \ 7ist1al (\\'i\tIS-R), ~liniexame do de acordo co111 a intensidade dos sintomas climatéricos
Estado i\tlental, Biesses It~for111atio11-?vle1nory-Co11ce11tratio11 e presença ou não de queixas depressivas, se111 uso de
Test, Trail B (Halstead-Reita11 1\Jeuropsyc/10/ogical Test Bat- reposição hormonal. A,,aliaran1-se aspectos cog11itivos
tery) e Category Fluency. Os SLtjeitos foram divididos en1 três por n1eio dos segt1intes testes: Stroop Test; Dígitos (WMS-
grupos: o prin1eiro sem, o segundo con1 l1ormon ioterapia -R), Spa11 de Memória Visual (WMS-R), Me1nória Lógica
contínua e o terceiro com terapêutica de reposição hor111onal (\\'tv1S-R) e Reprodução Visual (W!VIS-R). A intensidade
ten1porária. Os resultados i11dicaram altos escores 11a fluê11- dos si11ton1as depressivos não interferiu 110 desen1penho
cia verbal en1 1nulheres qt1e fazirun reposição hor1nonal há ate11cional e n111éstico; a relação e11tre a ate11ção e 1nemó-
cerca de vi11te a11os e altos escores no i'vli11iexa1ne do Estado ria 11ão foi significativa entre os grupos con1 e se111 depres-
Me11tal 11aquelas que fizera111 LISO durante algu111 te111po. No são; o hipoestrogenisn10 alterot1 a capacidade de inibir
entanto, não se observarar11 c.iiferenças entre os três grupos estín1ulos interferentes em n1ulheres pré-menopausadas.
qt1anto à n1en1ória verbal ou visual. Os autores não puderam A heterogeneidade dos grupos quanto à idade e escolari-
confirn1ar a hipótese de que o uso de estrogê11io, após a n1e- dade e o tamanl10 reduzido da amostra não possibilitaram
nopausa, preserve a função cogniti, a em 1nL1lheres idosas. 16
1 resultados co11cl uSÍ\'OS. 2(,
Ka1npen e Sl1er\i'.1in i - avaliaram a men1ória verbal e111 Em estudo realizado com mt1lheres idosas saudáveis,
111ulheres 11a pós-111e11opat1sa, tratadas ou 11ão com estro- que nL1nca havia111 feito uso de reposição horn1onal e não
gênio. Seter1ta e uma mulheres foram di\1 idas em dois grt1- apresenta,,am sintomas climatéricos, Duka e McGowam 21
pos: 28 eram usuárias de estrogênio, e 43 não. Utilizaram i11\ estigaram os efeitos do estradiol sobre a n1emória e
1

co1110 instrun1entos i'v1emória Lógica (\VMS-R), Pares funções do lobo frontal. A reposição hormonal foi feita
Verbais Associados (WMS-R) e Selective Re1ni11di11g Test. durante três semanas, se11do que 19 mulheres titilizaram
Hot1ve t1111a 111ell1or recttperação de estí111ulos ,,erbais, estradiol tra11sdérn1ico e 18 n1ulheres receberan1 placebo.
tanto de forn1a i1nediata quanto após 30 n1i11utos, entre As avaliações foram realizadas antes e após a i11tervenção
aquelas n1t1lheres que usavan1 estrogênio. Embora estatis- terapêutica. HoLtve uma melhora significativa da men1ória
tican1e11te significati\·a, a diferença 11ào foi cli11icamente e funções ,1 isuoespaciais, sen1 uni efeito sobre as fu11ções
marcante. Nesse estudo, mulheres en1 menopausa natural frontais. Nesse trabalho, porém, a reposição horr11011al se
ou cir{1rgica fizeram parte do 1nesmo grupo, o que não deu por curto período de ten1po.
per1nitit1 estudar a ocorrência de diferentes respostas ao Por meio de uma análise prospectiva, Grodstein e
tiso de estrogênio entre esses subgrupos. cols. 22 estudaram em mulheres saudáveis na pós-me110-
Ohkura e cols., objeti, a11do investigar a função 1n11és-
1 pausa a relação entre o uso de hormônio e o fu11cio11a-
tica e1n 1nulheres cli1natéricas, estudaram 200 pacientes n1e11to cogniti,,o. Entre 1995 e 1999, foram administra-
divididas en1 7 grupos de faixas etárias disti11tas, variando dos, por telefone, os seguintes testes: TICS (Telephorze
entre 31 e 65 a110s. Foi utilizada uma lista de dez pares I11tervie1,v_for Cog11itive Status), memória imediata e tardia
de palavras de associação difícil, aprese11tadas em três pelo EBNT (EAST Bosto11 Memory Test) e fluência verbal.
tentati\•as. Pôde-se observar uma diminttição progressiva Os autores pt1deram concluir que a fluência verbal pode
no fu11cio11amento da men1ória em n1ul11eres na idade n1elhorar nas n1ulheres que fazem reposição hor111011al na
pós-menopausa. Os autores Lttilizaram apenas un1 teste de pós-menopausa; no entanto, pouca difere11ça foi encon-
n1emória, o que não permite u111a generalização a todos os trada nas de1nais funções cognitivas examinadas e.ntre as
processos n111ésticos. 1K usuárias e não usuárias da reposição l1ormonal.
Res11icke cols. 19 compararan1 um grupo de 160 n1t1- Maki e cols. 1·' realizara1n um estudo prospectivo com o
lheres qL1e recebera1n reposição estrogênica transdérn1ica objetivo de exa111i11ar os efeitos da horn1onioterapia sobre

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Capítulo 8 - Alterações da memória e a transição menopausa!

a n1e111ória e outras habilidades cog11iti\'as en1 mull1eres e11tre a intensidade dos sintomas depressi, os e/ou físi-
1

11a pós-111e11opaLLSa, se111 de111ê11cia, con1 idade \'aria11do cos com as alterações cognitivas. En1 estt1do dt1plo-cego
de 50 a 89 anos. A TRH foi ad111i11istrada por \'Ía oral randomizado, foran1 a11alisadas 32 mulheres na perin1e-
ot1 tra11sdérn1ica, se11do que e111 44 n1till1eres ocorreu 11opat1sa con1 sinton1as de1-1ressi,•os e n1enopausais, que
a associação co1n progestagê11i<), co111para11do-se a 81 foram di,,ididas em dois grupos que recebera1n reposição
n1ulheres que 11unca receberan1 a TRH. Os grupos forar11 estrogê11ica 0L1 placebo. !-oram feitas a,,aliações 110s si11-
pareados de acordo con1 o gratL de escolaridade, estado tomas depressi,·os, 111enopat1sais e cogniti,·os antes e ao
de sat1de, sinton1as depressi\'OS, renda e habilidade \'erbal final das doze sen1a11as do e11saio clinico. Utilizara1n-se
geral. fora111 Lttilizados para a a,,aliaçào: Cal~fortzia \ ·erbal con10 instru111e11tos de a,·aliação a escala de sintomas me-
Lear1zi11g Jest, 11ze Bento,1 \risz,1al Retet1tiot1 1est, Card Ro- 11opausais (KL1ppern1an), de si11tomas depressivos (BOI
tatio11s 1'est, Digit Spa,z - \\'AIS-R. Obser\'ara111-se que as e ivl1\DRS), testes para avaliação das funções cognitivas:
n1ulheres submetidas à TRH Liveran1 uma perforn1a11ce ate11ção (Stroop 1est e Trai/ ,v[aki,zg Test), 111e111ória (Dí-
111elhor e111 tarefas de apre11dizagen1 e memória \'erbal gitos, Spa11 VisL1al, Ivlen1ória Lógica e ReprodL1ção Visual
do qt1e as qLte 11L1nca recebera111 rRH, sen1 que hou,·esse da bateria \\'I\1S-R) e li11guagen1 (Bosto,z 1\Jfl1,1it1g ·1est
diferença sig11ificati,·a nos de111a1s testes cogniti,·os. e Fluência Verbal). Obser,·ou-se n1ell1ora 110 co11trole
Rer111ó Ju11ior-~ realizou estudo ra11domizado, duplo- 1r1ibitório, na n1en1ória imediata (,,erbal) e tardia (verbal
-cego e controlado con1 placebo, inclL1indo 59 111ull1eres e ,·ist1al) e na capacidade de non1eaçào nos dois grupos
saL1dá,,eis, sem sintomas depressivos ou ,,ason1otores, e ao final do ensaio clínico. Con1 isso, concluiL1-se que a
co111 111e11opat1sa há pelo n1enos liois a11os estas fora111 estrogenioterapia não interferiu na rnelhora das fu11ções
sub111etidas à bateria de testes cog11iti, os e escalas que
1 cog11iti,·as, n1as o grt1po qt1e recebeu a reposição estro-
con1pree11dia111: Teste de Evocaçà() In1ediata e Tartiia de gê11ica apresentou 111elhora 110s si11ton1as depressivos e
História; Digit Spc111 (Direto e I11verso), Rect1peraçào Li, re 111e11opausais, 11ào se11do possível estabelecer correlação
da Tarefa de Apreciação de Palavras; Teste de Substitui- entre o alívio 110s sinton1as n1enopausais e a 1nelhora nas
ção Dígito-Símbolo; Teste de Lógica; Teste de Rapidez- fu11ções cog11iti,·as.
-Exatidão; Pares Associados; QL1estionario Subjeti,·o de ~lari11ho e cols. a11alisara111 o efeito do estrógeno no
~Ien1ória; Escala de Adeqt1açào Social. Essa a,,aliação foi ft1ncio11an1ento cog11itivo en1 n1ulheres 11a pós-111eno1-1au-
realizada a11tes e após u111 períotio de seis ciclos tie 28 dias, sa. Di,,idiran1 74 111L1lheres em dois grL1pos: 34 111ul11eres
durante os quais foi ad111i11istrado 0,625 1ng de estrogê11io L1tiliza11do 17 betaestratiiol e 31 L1sando placebo; avalia-
equi110 co11jugalio ou placebo. Não fora111 obser,,ados efei- ran1 os sintomas clin1atéricos e testes psicon1étricos para
tos da TRH 110 desempe11l10 cog11iti,,o e nos escores das avaliar 1nen1ória co11textual verbal, atenção alternada,
escalas de humor de n1ulheres na pós-n1enopausa con1 as t1uência verbal, co11lrole inibitório. Os resultados fora111
que recebera111 placebo. sugesti\'OS de que o estróge110 melhora as fL111ções cogni-
Shay,,·itz e cols.,-., por meio de 1-1esquisa ra11do1nizada, tivas, possi,·elmente decorre11tes da 1nelhora dos sintomas
,-
duplo-cega, a,·aliara1n o uso de placebo ot1 da reposiçào vasomotores. ·
hormo11al co111 estrogênio equi110 co11jugado (CEE), e111 Por 111eio de u111 estL1do trans,,ersal, Ferna11des e cols. _:--
relação a seus efeitos sobre a 111en1ória ,,erbal e a habili- descre,•eram os escores de 156 mulheres clin1atéricas 110
dade tie leitt1ra. Selecionara111-se 60 n1t1lheres na pós-,ne- ~lEEivI (/v[i111e,-.:atne do Estado iVle1ztal) e 110 Tlvll,P (Teste
nopausa, com 111édia etária de 51,2 a11os, as quais era111 de i'vlenzória da Lista de Palavrt1s). Co11clL1Íran1 qL1e o
sub111etidas a dois períodos de 21 dias; em un1 per1odo desempenho cogniti,·o dessas n1ulheres cli111atéricas se
ad1ninistra,,a-se CEE, r1a dose de 1,25 111g/dia, e 110 outro, assemelha ao de outras an1ostras brasileiras, co11firn1a11-
placebo, con1 15 dias de inter,·alo sen1 droga ati,·a ou 11ão do-se, ainda, a n1aior \'ariabilidade de po11tL1ação entre
entre os dois per1odos. Para a,·aliar a leitt1ra foi usada a indi,•1duos de baixa escolaridade. SegL1ndo os aL1tores, as
terceira edição do Gra; Oral Rea,i111g Tests, e para n1e-
1
<-lLteixas de dificLtllialies de r11e1nória 11a n1e1a-idade femi-
n1ória verbal imediata e tardia foran1 utilizados testes de 11ina poden1 estar relacio11adas à redL1ção da st1a ate11ção.
Men1ória Lógica e Processo de Apre11dizagen1 Associati,'a Jacobsen e cols., co111 estudo duplo-cego randon1izado,
do \\'esclzler 1vle1nory Scales. Alé111 disso, foran1 a,·aliados pesquisaran1 a eficácia da reposição l1orn1011al utilizando
n1,,eis séricos de estrogênio 11as dL1as fases de a,·aliaçào. raloxife110 ou placebo por 12 meses em 213 111Ltlheres con1
Hou,·e un1a 111elhora sig11ificati,·a 11a perfor111ance cogni- idade acin1a de 70 anos. A,·aliaram, antes e após 3, 6 e 12
ti,·a da leitL1ra e n1en1ória ,·erbal co111 o ttso de estrogênios, 111eses de re~1osiçào horn1011al, a 111en1ória ,·erbal i1ne-
e a concentração desse horn1ô1110 nc) plas111a 11ào se corre- diata e tardia, ,·elocidade de processa111ento, depressão,
lacio110L1 co,11 a performa11ce cogniti,·a. a11siedade e qualidade de , ida. Obser,·aran1 111elhora da
Em seL1 trabalho, Sil,·a-, ,·erificoL1 a eficacia da ad111i- men1ória ,·erbal após reposição hor111onal, co111parando
11istração do 17 betaestradiol por ,1a transdermica 11as ao grupo controle. 2"
fL1nções cogniti,·as (ate11ção, n1e111ória e li11guage111) de Bere11t-Spillso11 e cols. exami11aran1 os efeitos do início
n1t1lheres deprir11idas 11a peri111e11opaL1sa e a correlaçà() de t1so 1-1recoce da re1-1osiçào hor1nonal na 1ne111ória lie tra-

75
Tratado de Saúde Mental da Mulher

balho visual. Avaliaram 55 mulheres com mais de 70 anos, 5. Speroff L. Toe 111enopause: a signal for the future. ln: Lobo R,.\
divididas em dois grupos: 24 mulheres que usaram por dez (ed.). Treatment of the n1enopausal ,vo1nen. Ne,,· )'ork: Raven
a11os, sendo dois anos antes da menopausa, estrógeno equi- Press; 199·-L p.1-1 O.
no conjugado com acetato de medroxiprogesterona ou não, 6. \\'ajchenberg BL. Tratado de endocrinologia e Metabologia. São
e 18 que nunca fizeram reposição hormonal. Observaram Paulo: Rocca; 1992; p. 263.1463.
que o uso do hormônio estava associado ao aun1ento da 7. Berletz PE. Horn1onal treatn1ent postmenopausal ,vomen. Ne,,
ati,,ação cerebral durante a realização da tarefa de 1nemória Engl J I'v1ed. l 994;330:1062-71.
visual nas regiões ligadas à memória operati,,a visual e uma 8. Dougbartey .i\T. Neurocognitive aspects of hypothyroidisn1
correlação positiva e11tre a ativação e o desempe11ho na ta- Archives of internai n1edicine. 1998; 158: 1413-8.
refa, st1gerindo que o início precoce do ttso do hormônio é 9. Hogervorst E, \Villian1s J, Budge J\1, Riedel \\', Jolles J. Toe
benéfico a longo prazo na pós-menopausa. 30 nature of the eftect of fe1nale gonadal horn1one replacen1ent
therapy on cognitive function in post-n1enopausal ,vomen: a
-
C:)1 -1~~-USA0 meta-analvsis. Neuroscience. 2000; 1O1(3 ):485-512 .

Pode-se perceber, a partir dos estudos, uma dificuldade 10. Sher,vin BB. Estrogen and cognitive aging in ,von1en. Neuros-
em se investigar alterações cog11itivas significativas em cience. 2006;138:1021-6.
mulheres na transição menopausa!. A maioria dos estL1dos 11. Mc,ven B, Alves SE, Bulloch K, v\'eiland NG. Ovarian steroid;;
reuniu an1ostras reduzidas de mulheres na pós-menopausa, and brain: In1plications for cognition and aging. Neurologv
sem diferenciar em natural ou cirúrgica, sem o controle 1997;48 (suppl. 7):8-15.
adequado de diferenças de idade, de tempo de menopausa 12. Cald\,vell B~I, \'\'atson RI. An evaluation of psychologit
e condições psicológicas 0L1 clinicas. Deve-se ressaltar que effects of sex horn1one administration in aged ,vomen: I
boa parte das pesquisas incluiu o uso de TRH por tempo Results of therapy after six n1onths. Journal of GerontologY.
reduzido, sendo qt1e em alguns estudos não são descritos o l 952;7:228--44.
tipo de estrogênio utilizado, nem a forma de sua adminis- 13. Hacken1an B\\~ Galbraith D. Six 1nonth study of estrogen thera-
tração. Alén1 disso, em sua maioria, as pesquisas não verifi- py ,vith piperazine estrone sulphate and its effects on 1nemorv.
carai11 a eficácia da reposição hormonal, na chan1ada janela Current ~ledical Research Opinion. 1977;4: 133-52.
de vulnerabilidade, período referente aos priineiros três anos 14. Oitkoft' EC, Crary \·VG, Cristo i\l, Lobo RA. Estrogen Improve:.
pós-menopausa, em que os benefícios cardiovasculares, Psychological Function in Asymptomatic Postn1enopausal Wo-
l1umor e cognição têm sido melhor observados Tais limita- men. Obstetrics and Gynecolog}. 1991;78:991-5.
ções metodológicas não possibilitain urna maior clareza do 15. Phillips SS, Sher,vin BB. Effects of estrogen on n1en1ory func-
impacto da reposição hormonal sobre as funções cognitivas. tion in surgically menopausa! won1en. Psychoneuroendocrino-
Outro aspecto pouco pesquisado é a interferência do logy. 1992; 17(5 ):485-95.
estado de humor depressivo e dos sintomas t1sicos caracte- 16. Barret-Connor E, Kritz-Silverstein D. Estrogen Replacernenr
rísticos da 1ne11opattsa, pois a depressão tem como L1111a Therapy and Cogn1tive Function in Older Women. Journai
de suas características a presença de alterações cog11itivas. American l'v1edical Association. I 993;269(20):2637-41.
Resta a d(1vida se essas modificações cognitivas seriain 17. Kan1pen DL, Sher,vin BB. Estrogen use and verbal 1nen1ory in
sect1ndárias ou não ao estado depressivo, ou se haveria healthy postn1enopausal ,vo1nen. Obstretrics & Gynecolog,
uma relação entre a intensidade desses sintomas físicos e 1994;83( 6):979-83.
o desempenho cognitivo em mulheres em transição para a 18. Ohkura T, Isse K, Watabe H, Sega,va Y, Mitsuya K, Enomotu
menopausa. É possível que a reposição hormonal tenha um H et ai. A Clinicai Study on i\1emory Function in Climacteric
impacto significativo sobre as alterações cognitivas encon- and Periclin1acteric Wo1nen. Acta Obstetrics and Gynecolo~
tradas na perimenopausa, colaborando eventualmente na Japanese. 1994;3(46):271-6.
preve11ção de estados deme11ciais, por vezes encontrados em 19. Resnick Si\-1, i\lletter EJ, Zonderman AB. Estrogen replacement
mulheres en1 pós-n1enopausa. therapy and longitudinal decline invisual me1nory - A possible
protectiYe effect? Neurology. 1997;49:1491-7.
REFERÊNCIAS 20. Silva i\1FG. Estudo con1parativo sobre o desempenho em pro-
1. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Sisten1a vas de men1oria e atenção entre 1nulheres pré-menopausadas
IBGE de Recuperação Auton1ática - SIDRA. Contagem Nacio- depri1nidas e não deprimidas. São Paulo. Dissertação (Mestra-
nal da População, 201 l. do) - Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, 1999.
2. OMS - Organização Mundial da Saúde, disponível no site. 21. Duka T, Tasker R, Mcgowan JF. Toe effects of 3-,veeks estrogen
v\'HO/OMS: http:/ /'"""""· who. int. hormone replacen1ent on cog11ition in elderly healthy females.
3. Soules MR, Shern1an S, Parrott E, Rebar R, Santoro N, Utian Psychopharn1acology (Berl ). 2000; 149( 2): 129-9.
V..7 et ai. Executive sun1mary: Stages of Reproductive Aging 22. Grodstein F, Chen J, Pollen DA, Wilson RS, Folstein MF, Evans
Workshop (STRAW). Fertility and Sterility. 2001;76(3):874-8. DA et ai. Post1nenopausal hormone therapy and cognitive func-
4. Fernandes CE, Pereira Filho AS. Clin1atério: Manual de Orien- tion in healthy older \\'Omen. Journal of A.111erican Geriatric
tação. São Paulo: Febrasco; 1995. p. 1-4. Society. 2000;48(7):746-52.

76
Transtornos mentais
por causa de condições
ginecológicas endócrinas
Rodolfo Strufaldi
Luciano Melo Pompei
Marcelo Luis Steiner
César Eduardo Fernandes

-
INTRODUÇAO dificilmente se poderia afirmar a existê11cia de mon1e11tos
A verdadeira co11scientização de que os transtornos en1 que há uniformidade de papéis ou eqL1ivalência de po-
n1entais representam um sério problen1a de saúde pública der entre eles.1 Alguns estudos sugerem que as mulheres
é relativame11te recente. Essa transição epidemiológica ,,e1n são n1ais sensí,,eis a conflitos nas relações sociofa111iliares
ocorrendo sem a de,•ida adequação do planejamento de que os ho1ne11s. Em contrapartida, outro estudo não ve-
serviços e assistência à saúde pública na maioria dos paí- rificou diferenças entre os sexos quanto à influência de
ses.1 Embora os trar1stornos 1ne11tais causem pouco mais fatores psicossociais 11a depressão.3
de 1% da mortalidade, são respo11sáveis por mais de 12°10 Em adolescentes, também há indícios de que o sexo
da incapacitação decorrente de doe11ças, podendo esse feminino é mais sL1scetí,·el que o masculi110 a eventos
percentual aumentar para 23% en1 países dese11volvidos. estressa11tes oriu11dos do meio an1biente, estando essa
Na idade adulta, emergem grandes difere11ças entre suscetibilidade associada à 111aior presença de sintomas
os sexos em relação aos transtornos n1entais. A mulher depressivos. ~
apresenta vul11erabilidade marcante a si11tomas como a O abuso sexual na infâ11cia também está associado à
ansiedade e depressão, especialmente associados ao pe- 1naior prevalência de depressão na ,,ida adulta para ambos
ríodo reprodutivo, sendo a depressão a doença que mais os sexos; e11tretanto, con10 esse tipo de violência ocorre
causa incapacitação em mulheres, tanto e1n países desen- n1ais frequentemente nas n1ulheres, elas são mais vul11erá-
,,ol,·idos quanto naqueles en1 desen,•ol,•imento. ,·eis ao desen,·olvimento desse tipo de tra11stor110 111ental. 5
,
DIFERENCAS DE GÊNERO E ASPECTOS ASP~CTOS BIOLOGICOS
-
PSICOSSOCIAiS A despeito de algumas incertezas qua11to aos seus sítios
EstL1dos epidemiológicos têm demonstrado diferenças de ação, as e, idências têm apontado para o fato de que o
1

dos gêneros quanto a incidência, pre,,alência e curso do estrogênio, si11tetizado nos ovários, placenta e tecido adi-
comportame11to e dos transtornos mentais. l\Iulheres poso, afeta o hu1nor e a cog11ição, atL1ando não só no hi-
apresentam maiores taxas de pre,·alência de tra11stornos potálamo, mas tambén1 no hipocan1po e r10 cerebelo. Suas
de a11siedade e humor do que os home11s, enquanto estes rnúltiplas ações no sistema nervoso central relacio11am-se
apresentam maior pre,·alência de transtornos associa- com crescin1e11to e diferenciação de de11dritos e axônios
dos ao uso de substâncias psicoativas, incluindo álcool, no cérebro ern desenvolvin1ento, com arborização den-
transtornos de personalidade antissocial, transtornos do d rítica e sinaptogênese no cérebro maduro, modulando a
controle de impulsos, deficit de atenção e hiperati,·idade produção e liberação de neurotransmissores." Existem ar-
na i11fância e na ,·ida adulta. gun1entos de que a cíclicidade na liberação de estrogênio,
É distinta a maneira como homens e mulheres estabe- com gra11de flLttuação nos seus 11íveis circulantes durante
lecem suas relações nas di, ersas culturas e no te111po, rnas
1
o período reproduti,·o femi 11ino, poderia ser mais impor-
Tratado de Saúde Mental da Mulher

tante que os níveis circulantes absolutos desse hor1nônio. No enta11to, re\'isões sistemáticas não têm conseguido
Entre os esteroides sexuais femininos, particularmente o identificar associacões entre esses fatores e taxas mais
'
estrogênio age na 1nodulação do hu1nor, o que explicaria ele\•adas de depressão maior e1n mt1ll1eres. Além disso, o
en1 parte a maior prevalência dos transtornos do hun1or efeito isolado da gravidez na i11cidê11cia e recorrência de
e de a11siedade fe1niní11a. O estrogê11io aparente1nente depressão ten1 se n1ostrado insignifica11te. A única exce-
favorece tanto a 11eurotransn1issão serotoninérgica quanto ção se faz ao período pós-parto, associado ao aumento
a noradrenérgica e 11ão parece lógico que a manifestação substancial das taxas de depressão. Os casos que irrom-
de si11tomas afetivos ocorra por caLtsa de sua 1naior dis- pem pela primeira ,·ez nesse período ocorren1 com n1aior
ponibilidade no orga11ismo das mulheres e1n idade fértil.- frequência e111 mulheres qLte têm forte história familiar
A l1ipótese de suscetibilidade biológica para explicar a de depressão, comparados con1 os quadros recorre11tes. 111
diferença nas prevalências de transtornos de humor entre
os gêneros é proposta en1 estl1dos, de acordo co1n os quais
l1averia, nas n1t1lheres, um descontrole na interação entre
o eixo hipotálamo-hipotalâmico-gonadal e otttros 11eu-
romoduladores. O rítn10 neuroendócrino relacionado à rn11" 1r;,...,.1,,,,..,..,..,.. nrP-rr---.,. .., ,..,11

reprodução na mulher seria sensí,,el à muda11ça e altamente Mulheres en1 idade reprodL1tiva apresentan1 sinto1nas
afetado por fatores ambientais, fisiológicos e psicossociais.- en1ocionais, cogniti,,os e físicos relacio11ados ao seu ciclo
De outro modo, considera-se que o estrogê11io desern- menstrual. A maioria demonstra irritabilidade intensa,
penhe um papel importante de proteção contra a esqui- frequente111ente acompanl1ada de humor depressivo, as-
zofre11ia, fazendo as mt1lheres teren1 idade de início mais si111 como inúmeras qL1eixas psíquicas e somáticas. Tais
tardia e u1n CL1rso n1ais favorável da doença, assi111 co1110 sinton1as são recorre11tes durante a tàse lt'.ttea do ciclo
a necessidade de doses n1enores de 11et1rolépticos 110 tra- menstrual e interfere1n de 1na11eira significativa do ponto
ta1nento quando comparadas aos hon1ens. Episódios psi- de vista social, ocupacional e sexual. Entre 2 e 8% das mu-
cóticos agudos ocorrem em períodos do ciclo menstrual lheres em idade reprodutiva padece1n de si11to1nas severos
com baixos níveis de estradiol, demo11strando t1n1a corre- o suficiente para desestrutL1rar suas vidas sociais, familia-
lação positiva entre níveis de estrogênio e o desempenho res ou profissionais dt1rante un1a a duas semanas de cada
em testes cognitivos. 8 n1ês, constituindo-se em um problema de saúde pública,
A progestero11a parece interferir de maneira exatamen- com consequências importantes nas áreas pessoal, social
te oposta ao estrogênio, até mesmo aun1entando a ativida- e econômica. 11
de da monoaminoxidase. 9 Assim, os hormônios gonadais A SPM é a ocorrência repetitiva de um conjunto de
circulantes rnodulam os fenôn1enos de 11eurotransn1issão alterações físicas, do l1u1nor, cognitivas e comportan1en-
cerebral e participam da regulação dos estados de humor tais com a presença de qL1eixas de desconforto, irritabili-
em diferentes situações que e11volve1n sintomas depres- dade, depressão ou fadiga, geralmente acompanhadas da
sivos. As estimativas de prevalê11cia de SPM (sintomas sensação de intumescin1e11to e dolorin1ento das n1amas,
pré-menstruais) chegam a 75% para mulheres entre a n1e- abdome, extremidades, além de cefaleia e compulsão por
narca e a n1enopausa, e as de TDPM (transtorno disfórico alimentos ricos em carboidratos, que acometem mais de
pré-n1enstrual) oscilam entre 3 e 8%, e ambas as co11di- 75% das mulheres, em maior ou menor intensidade, du-
ções são caracterizadas por francas alterações do humor, rante três a dez dias anteriores à menstruação com alívio
com acentuada gravidade no TDPM. A tristeza pós-parto rápido após o i11ício do t1uxo me11strual.
(blues) e a depressão pós-parto chegam a acometer 15% En1 fu11ção do grande número de sintomas atribt1ídos
das puérperas. 7 Vale lembrar que todas essas sitLtações são à SPM, não existe um consenso qL1anto a L1n1a definição
acon1pa11hadas 111uito freque11temente de alterações brus- 1nais exata e, sim, a suposição de que ocorram diversos
cas nos níveis de estrogênio e progesterona. subtipos desse distt'.1rbio, cada um com a sua gravidade e
sustentados por um con1plexo conjunto de fatores bioló-
TRANSTORNOS DEPRESSIVOS NAS MULHERES gicos, psicológicos e an1bientais. Em razão dessa grande
Estudos epidemiológicos envolvendo cria11ças e ado- diversidade de sintomas, algu11s autores refere1n-se a
lescentes demonstraram que a diferença na incidência ela como "síndromes ou alterações pré-menstruais".-
de depressão maior quanto ao gê11ero se manifesta pri- Acredita-se também que a SPM faz parte de un1 grupo
meirame11te entre os 11 e 14 anos, assim se mantendo de transtornos do humor com sintomatologia tipo de-
no decorrer da vida adulta, o que pode sugerir um papel pressiva leve ou atípica. Na realidade, a conceituação da
determinante dos hormônios sexuais, especialn1e11te con- SPM está rnuito mais sustentada na cíclicidade ou na pe-
siderando qt1e outras situações de variação hormonal riodicidade, vi11culada temporalmente à menstruação e
ta1nbén1 têm sido associadas a hu1nor depressivo, como 11ão tanto à si11to1natologia. Um total de 75 a 95% de mu-
o período pré-menstrL1al, pL1erpério, n1enopausa, Liso de lheres em idade reprodutiva con1 o ciclo n1enstrual re-
contraceptivos orais e terapia de reposição hor1nonal. 3 gular apresentam algum tipo de sinton1a pré-menstrual

80
Capítulo 9 - Transtornos mentais por causa de condições ginecológicas endócrinas

de inte11sidade leve, se1n necessidade de i11tervenção tivos. Essa definição é tão restritiva que somente os casos
médica ott psiquiátrica. E11tre n1t1lheres de 18 a 45 anos de n1aior gravidade são reconhecidos por esse critério.
de idade, estttdos populacionais estimam que 1O a 20% A 1Oª- edição da Classificação Interr1acional de Doenças da
procuran1 algt1n1 tipo de trataniento para seus sinton1as, Olv1S apresenta t1n1a definição mais abrangente de trans-
que qua11do são n1ais intensos podem promover prejuízo torno pré-menstrual, requerendo somente um sintoma
itnportante ou n1esmo incapacidade para suas atividades incapacitante.
cotidianas. 1~ A maioria das mulheres que procura111 ajuda situa-
Existem poucos estudos epidemiológicos popt1lacio- -se nesses dois extren1os de definição. O in1portante é
nais sobre si11tomas perimenstruais. Isso provavelmente determi11ar o padrão ten1poral dos si11ton1as em relação
se deve, em parte, às difict1ldades metodológicas, pois à menstruação, devendo haver uma clara mudança de
somente estt1dos prospectivos poden1 prover aferições intensidade nos períodos pré e pós-menstruais e sere1n
válidas; alé1n disso, só recente1nente esses sinton1as fora1ii clin icame11te significativos.
reco11l1ecidos e a1--,areceram em classificações psiquiátri- Existem evidê11cias recentes de se tratar de um fenôme-
cas. Há uma distribuição contínua dessa sintomatologia no mais biológico do qtte primarian1ente psicológico ot1
na população geral, sendo os si11to1nas, isolada1nente, psicossocial, parece11do den1011strar a existência de fatores
muito comuns e t111iversais, aparecendo em várias ct1ltu- genéticos envolvidos. t-1
ras. A prevalência e o i111pacto dos sintomas perimens- Tanto isso parece ser verdadeiro que a supressão
truais e111 mt1lheres e11tre 18 a 49 anos foran1 a,1aliados na ten1porária da atividade hormonal dos ovários como a
popttlação geral femi11ina nos Estados U11idos, Inglaterra n1e11opausa cirúrgica estarian1 associadas à n1elhora 011
e França, con1 resultados consistentes entre eles, com 80% eliminação completa das queixas pré-n1enstruais. A ativi-
das 1nulheres tendo relatado irritabilidade/raiva, fadiga dade ovariana 1iormal seria respo11sável pela deflagração
e sensação de inchaço ou ganho de peso. Esses sintomas de eventos bioqLtímicos no sistema nervoso central e
forani algumas vezes incapacitantes, provocando perda outros tecidos-alvo, causando os sinton1as en1 mulheres
de dias de trabalho. O estudo mostrou, ainda, que poucas vulneráveis. A existência de sintomas de disfunção sero-
mulheres receberam tratamento adequado, apesar de toninérgica comuns para TDP11, ansiedade e depressão,
haveren1 proct1rado especialistas, o que evidenciou o apa- tais como diminuição do controle dos impulsos, humor
re11te desinteresse dos profissio11ais de saúde com relação depressivo, irritabilidade e aumento da necessidade de
a essas quei.xas, e algun1as mulheres ainda declararam consumo de carboidratos, assim como o efeito terapêt1tico
crença de 11ão existir trata1nento para os seus sintonias. 13 de drogas qtte au1nenta1n a disponibilidade desse 11euro-
tra11sn1issor (inibidores de recaptação de serotonina), são
fortes evidências de que o sistema serotoninérgíco estaria
Algumas mulheres pode1n ter, dt1ra11te os anos repro- e11volvido na gênese da maioria dos sintonias. Influências
dutivos, uma série de sintomas en1ocionais e alterações de genéticas rr1ediadas fenotipica1ne11te por 1neio de neuro-
comportamento bastante inte11sas no período perimens- tra11sn1issores e neurorreceptores parecem ser basta11te
trual, que vão desde a conhecida síndrome pré- n1enstrual, significativas 11a etiologia do TDPM. 12
passando por exacerbações de outros transtor1ios físicos Gra11de número de estt1dos ten1 se dedicado à relação
ot1 1nentais, co1110 depressão e ansiedade preexistentes, entre neurotra11smissores e horn1ônios go11adais femini-
chegando ao extre11io en1 gravidade, denominado de nos 11a explicação do aparecimento e do padrão de sin-
TDPlvl (tra11storno disfórico pré-nienstrual). to1nas da disforia pré-menstrual. A serotonina tem sido
Desig11a-se co1no TDPN1 uma variante da sí11dron1e o al,•o predileto dos estudos e1n função da semelha11ça
pré-menstrual, n1ais severa ou extrema, con1 oscilação dos sintomas do TDPM com os qttadros depressivos.
do hunior apresentada co1no fator 1nais pertttrbador e Entreta11to, as evidencias apontam para n1eca11ismos
debilitante no co1nplexo de sintomas descritos. O crité- múltiplos en,·olvidos nesse transtorno, e diversos sinto-
rio do DS1,,1-IVR reqt1er cinco sinton1as de un1a lista de mas assemell1an1-se não apenas a qt1adros depressivos,
dez, sendo obrigatório um dos quatro prirneiros, humor mas tan1bén1 a quadros compulsivos e n1esn10 psicóticos.
depressivo ou disforia, a1isiedade ou tensão, labilidade O en,,ol,•in1ento de ot1tros neurotransmissores e seus
afetiva, irritabilidade, dimi1iuição do interesse pelas ati\i- receptores, como a dopamina, é objeto de pesquisas re-
dades habituais, dificuldade de concentração, sigr1ificativa centes, visto que sintomas como alterações do humor, dé-
falta de energia, muda11ças in1porta11tes de apetite - con10 ficit de atenção, falta de coordenação motora, desânimo,
excessos alimentares ou episódios de ,,oracidade - insô- descontrole do peso corporal, do tamanho e do número
1iia, sensação de estar "110 limite" e sintomas físicos, co1no de refeições são mediados pela sinalização dopaminérgica
sensibilidade marnária ou inchaço. e1n n1odelo aninial, correspondendo a queixas i1nporta11-
Os sintomas de,•e1n i11terferir 11as ati,·idades habituais, tes das mulheres com TDPlvI. 14
não exacerbar os transtornos preexistentes e ser \'erifica- O TDPM deve ser diferenciado da SPivl, tern10 pri-
dos prospectivan1e11te por dois ciclos menstruais consecu- 1nariamente reser,,ado para sintomas físicos 1noderados

81
Tratado de Saúde Mental da Mulher

anteriorn1ente descritos, acrescidos de le\'es a modera- Algurnas outras desorde11s clínicas gerais qL1e podem
das variações, de humor. Torna-se in1portante difere11 - apresentar padrão de agrava111ento na fase lútea incluem:
ciar o TDPM tan1bém da an1plificação de sintomas de cefaleia migratória, epilepsia, síndro1ne do cólon irritável e
0L1tras doenças psiquiátricas OLl clínicas concorrentes. hipotireoidismo, qL1e também 11ecessitam ser descartadas.
Os critérios utilizados para pesquisar a presença do Doenças sem padrão 11a fase lútea, como anen1ia, endome-
TDPM, segundo o Nlanual de Diag11óstico e Estatística triose, doença fibrocística da mama e lúpus eriternatoso sis-
da Associação Psiquiátrica An1ericana ( 1994), são os tê1nico, de\·en1 ser len1bradas 11a a,,aliação e 110 raciocínio
seguintes: diagnostico. O TDPi\11 tem sido descrito desde a me11arca
até a menopausa. ~luitas mulheres relatam aun1ento da
A. Os sintomas de\"en1 ocorrer durante a semana se,,eridade e da duração dos sintomas co1n a proximidade
anterior à n1enstruação e remitiren1 poL1cos dias após o da meno1-1at1sa. 1~ O início dos sinto1nas está descrito na
início desta. Cinco dos seguintes sintomas deven1 estar 111etade da segunda década de vida, se11do que a den1anda
presentes, e pelo menos u1n deles deve ser o de número por tratan1ento geralmente ocorre na metade dos 30 anos.
1, 2, 3 ou 4: É importante relatar qL1e as n1ulheres com TDPM se refe-
1. Hu1nor deprimido, se11tin1entos de falta de esperança ren1 a urn con1pro111etimento na fase h.itea sen1ell1ante ao
ou pe11samentos autodepreciativos. observado e111 portadoras de episódio depressivo maior no
2. Ansiedade ace11tL1ada, tensão, sentirnentos de estar qt1e se refere a atividades familiares, sociais e ocupacior1ais. 11
com os "nervos à flor da pele'~ Att1alr11ente, sugere-se que a função ovariana norn1al,
3. Significativa i11stabilidade afetiva. e não algum distúrbio horn1onal, seja o dese11cadeador
4. Raiva ou irritabilidade persistente e cont1itos inter- dos eventos bioquímicos relacionados ao TDPtv1 no sis-
pessoais aumentados. terna 11ervoso central e e111 outros tecidos, e11corajando
5. Interesse diminuído pelas atividades habituais. i11vestigações a respeito da neuromodulação central pelos
6. Sentimento SLtbjetivo de dificuldade em se concentrar. l1or1nônios gonadais sobre os 11eurotransmissores e os
7. Letargia, fadiga fácil ou ace11tuada falta de energia. sistemas circadianos que infl11enciam o humor, o corn-
8. Alteração acentuada do apetite, excessos alin1entares porta111ento e a cognição. A interação entre esses sistemas
ou avidez por detern1inados alin1entos. é n1ultifatorial e complexa, se11do imprová\·el qL1e un1
9. Hipersonia OLl ir1sônia. fator etiológico si1nples e t'.1nico explique os sintomas do
10. Se11tin1entos subjetivos de desco11trole en1ocional. TDPM. A ligação entre as funções dos hormô11ios ovaria-
11. OL1tros sintomas físicos, como sensibilidade ou incha- 11os e os neurotransmissores apo11ta para o que parece ser
ço das mamas, dor de cabeça, dor articular ot1 muscu- Ltma cadeia de eventos que pode ser afetada pela alteração
lar, sensação de inchaço geral e "ganho de peso''. ta11to en1 11ível central qua11to periférico. Diversas evidên-
cias apontan1 a serotonina como un1 i111porta11te fator 11a
B. Os sintomas devem interferir ou trazer prejL1ízo etiopatogê11ese do TDPM. EstL1dos têm demonstrado bai-
no trabalho, na escola, nas atividades cotidianas OLL nos xa significativa de serotonina total, em comparação con1
relacio11amentos. controles nos últimos dez dias do ciclo, e a exacerbação de
C. Os sintomas não de\'em ser ape11as exacerbação de sinton1as quando ocorre depleção de triptofano. 14
outras doenças. É de fu11da1ne11tal importância qL1e os médicos e os
D. Os critérios A, B, e C devem ser confirmados por clínicos sejan1 alertados sobre os elevados níveis de comor-
anotações prospectivas ern diário durante pelo menos bidade dos tra11stornos depressivos e ansiosos ern mulheres
dois ciclos consecutivos. 15 con1 queixas pré-menstruais, uma vez que a identifica-
ção precoce e o tratame11to adequado desses tra11stor11os
A utilização dos critérios do DSM-IV, em associação reduzem a probabilidade de que se tornem crônicos e
ao preenchin1ento de diários prospectivos por pelo 1ne- recorrentes.
11os dois ciclos menstruais consecuti,ros é atualmente
reco11hecido como o modo prático de co11firmação diag- Transtornos associados ao puerpério: depressao,
,::-'---- - -,-+o..-'1~.._._jl L...I •• ,...,.
nóstica. O diagnóstico diferencial do TDPM baseia-se na
exclusão de doenças clí11icas ou psiquiátricas com as quais A depressão é o transtorno n1ental de maior preva-
possa ser confu11dido. O pilar dessa diferença é a presença lência durante a gravidez e o período puerperal, estando
de um período assintomático de duração relativa entre os associada a fatores de risco, como a11tecedentes psiquiátri-
dias 2 e 14 do ciclo me11strt1al. Na lista de outras desor- cos, dificuldades fi11a11ceiras, baixa escolaridade, gestação
dens, os diag11ósticos psiquiátricos são os mais comu11s, na adolescência, falta de suporte social e história de vio-
especialmente a depressão e a a11siedade. Três síndromes lência doméstica. Há e\'idências de que, além da depres-
de causas pouco co11hecidas têm sintomas similares, n1as são pré-natal ser mais frequente, ela é o principal fator de
11ão restritos à fase lútea: eden1a cíclico, síndron1e da fadi- risco para depressão pós-natal, sendo, n1uitas vezes, uma
ga crônica e fibron1ialgia. continuação da depressão iniciada na gestação. 1t>

82
Capítulo 9 - Transtornos mentais por causa de condições ginecológicas endócrinas

QL1adros depressivos não tratados durante a gra,,idez espontaneamente en1 3 a 6 n1eses. 19 O trata1nento, 110
tendem a di111inuir a frequência nas consultas pré-natais, entar,to, de,,e ser precor1izado para abre,,iar o sofrimc11to
o que tem sido fortemente associado à n1ortalidade neo- materno e minimizar o in1pacto familiar. O tra11stor110
natal, alén1 de evidê11cias de que a depressão n1aterna depressivo puerperal apresenta o n1esn10 qL1adro clí11ico
esteja associada a problemas en1ocio11ais, cognitivos e característico da de11ressão en1 outros mon1e11tos da ,,ida
con1portamentais de lo11ga duração en1 crianças. · Entre da 111ulher, co1n especificidades relati,•as à n1ateri1iclade
os fatores de risco frequentemente associados à depressão em si e ao desempe11l10 do papel de mãe. O quadro clí-
no período gravídico-puerperal, destacam-se os antece- 11ico ele depressão pós-parto apresenta, co111 frequência,
dentes psiquiátricos, pri11cipaln1ente história a11terior de curso flutuante, maior i11stabilidade do hu111or e sintor11as
depressão. is Além disso, problen1as com o uso de álcool, intensos de ansiedade, inclt1i11do ataques de pânico. Nos
tabaco e 0L1tras drogas parecem estar relacio11ados con1 episódios depressi,,os mais graves, pode l1aver ideação
u1na 1naior frequência de si11tomas e1nocionais, ar1siedade suicida, pensamentos obsessivos envolve11do violência
e depressão 11a gra, idez. 1<,
1 co11tra a criança e agitação psico111otora intensa.
Transtornos mentais associados ao per1odo pL1erperal Os qL1adros de psicose puerperal ocorre,11 n1ais rara-
tên1 sido incorporados aos siste1nas de classificação diag- me11te; esti1na-se um caso en1 500 a 1.000 nascin1e11tos,
nóstica en1 psiquiatria. A CID-10 (Classificação Interna- com início 110s pri111eiros dias após o parto, se11do co111-
cio11al de Doenças) classificou-os e11tre as síndron1es com- postos por episódios depressi\·os ou n1a11íacos, recorrente~
portan1e11tais associadas a distúrbios fisiológicos e fatores com si11tor11as psicóticos de maior gravic.iade e episódios
físicos (FSO a F59) e inclL1i qualquer transtorno que te11ha psicóticos transitórios. Ocorre grave prejuízo da capaci-
início até o período de seis se111anas após o parto ou, ain- dade fu11cio11al da 111ulher, resulta11do, frequente111ente,
da, ser classificados como doenças n1entais ou doenças do
. ... . . , . .
na 111ternaçao ps1quiatr1ca, con1 importante impacto
.

sisten1a 11ervoso central con1plicando o puerpério (099). conjugal e familiar e efeito deletério i1a relação n1atcrna-
No DSM-IV, esse quadro foi incorporado ao capítLtlo de -neonato. O risco para episódios psicóticos 110 pós-parto
tra11stornos do hL11nor e de,,e ser Litilizado para carac- é n1ais elevado e111 mull1eres que já ti,,eran1 n1a11ifestações
terizar qualquer episódio qL1e tenha i11ício até a quarta puerperais de trai1stori1os do hL1n1or ou l1i5tória pregressa
se1nana após o parto, podendo tan1bém ser utilizado para de transtorno afeti,·o 11ão puerperal. Estin1a-se que o ris-
especificar transtornos psicóticos breves. co de recorrência de psicose puerperal seja de 30 a 50% a
Os transtor11os puerperais, tanto psicóticos con10 de- cada parto subsequente.
pressi,,os e de ansiedade, 11ão se difere11cian1, do po11to História pregressa de depressão, 1--1resença cie si11to111as
de vista sinton1atológico, daqt1eles que não ocorrem 110 depressivos 11a gravidez e história familiar de tra11stor110s
período pós-parto. A de11ominada tristeza do pós-parto, do humor e de ai1siedade també111 são idei1tificadas co1no
ou 111aterrzity b!Ltes, é considerada a 111ais le,,e e freqL1ente fatores de risco para tra11stor110s no puerpério.
das alterações do hu1nor 110 puerpério, ocorrendo en1 26 ~L1n1a a,,aliação de mL1lheres co111 alterações do hu111or
a 85% das mulheres. Labilidade emocional e crises de 110 pós-parto, ide11lificoL1-se a presença de algum tra11s-
choro são freque11ten1e11te descritas e 11em sen1pre estão torno psiquiátrico ei11 pare11tes de prin1eiro grau em 71 %
associadas a hL1n1or depressivo, 111as con1 alter11ância dos casos, com a ocorrê11cia de tra11stori1os do hL1n1or en1
de sentimentos de alegria, irritabilidade, dificL1ldade de 48<l'o e alcoolismo ein 30<ro, taxas be111 n1ais elevadas do
atei1ção, concentração, 1nen1orização e tristeza ao longo que 11a população geral, indicando Llm co111ponente ge11é-
de tlln n1esn10 dia. Esses sii1tomas ii1ician1-se no pri111eiro tico na determi11ação desses tra11stor11os. Fatores de risco
dia após o parto, desaparecendo ao redor do deci1110 dia, psicossociais tan1ben1 tê1n sido identificados, i11clui11do
sen1 causar prejuízo no desempe11ho do papel 1naterno alterações psicologicas e si11ton1as depressi,,os dura11le a
e 110 dese11volvin1ento de laços afetivos entre a 111ãe e o gestação, e,,entos ad\'ersos dura11te a gestação e o parto,
recén1-nascido. Essa sinto111atologia está relacionada às ausência de st1porte social OLI familiar, relacio11an1e11to
alterações hor111onais qL1e ocorren1 nesse período, sen- coi1jugal deficie11te ou ten1pestL1oso, ausê11cia de parceiro,
do, pro\1a,·elmente, uma resposta a11orn1al às ,,ariações gra,,ide1 indesejada, relacio11a111e11to pare11tal contt1rbado
i1or111ais de horn1ô11ios tireoidianos, do eixo hipotálamo- na infância, dificuldades no desen1pe11ho de papéis 1na ·
-pitL1itário-adrenal e da cascata serotoni11érgica. ter11ais por falta de experiência pré,·ia ou por experiências
A persistê11cia desse quadro pode ir1dicar o inicio de interpessoais negat1\·as co111 a 1--1ropria n1ae, autoest1111a
• • • I • - •

u111 tra11stor110 do humor n1ais gra,,e, que pode1n associar- limitada, i11stabilidade fina11ceira OLI ocupacional, e11tre
-se co1n disforia durante a gra,·idez, episódio depressi,,o outros.~'
ai1terior, neuroticis1no e depressão pre-menstrual, indi-
cando n1aior \'ul11erabilidade a si11to111as afeti,·o\. Estuc.ios Transtornos associados a per,menopausa e
epidemiológicos têm esti111ado que a depressão pós-parto rr- 7ausa
ocorre em 10 a 154-'o das pL1érperas e1n países desei1,·ol- Defii1ida con10 o periodo que precede a ii1terrupção
,,idos ocide11tais, e que a 1naioria dos casos se resol, e dos ciclos n1enstruais até L1n1 a,10 depois tla ultima 111e11s-

83
Tratado de Saúde Mental da Mulher

truação, a peri111enopat1sa é rest1lta11te da din1i11t1ição perforn1a11ce cogniti,•a en1 n1t1lheres idosas que 11ão
progressiva e da perda da ft111ção folictilar c),·ariana. Ten1 apreser1ta111 o quadro de de111ência. Estudos prospectivos
ir1ício, e111 r11édia, dos --16 aos -18 a11os lie idade, com un1a e n1etanàlise.;, tê111 den1onstrado t1111 risco menor de de-
duração aproximada de qt1atro ar1os, até a ocorrência da sen,·ol,·in1ento de de111ê11c1a en1 r11ulheres usuarias de TH
n1e11opat1sa, em torno dos 51 a110s de idalle. A 111aioria (terapia horn1011al) co111 cor11ponente estrogê11ico con1pa-
das 111ulheres aprese11ta, lit1ra11te esse período, ciclos radas às 11ào t1st1árias de reposição.··
menstrt1ais irregulares, co111 per1odos de a111enorreia ou De outro n1odo, e111 estudos randomizados ern n1ulhe-
de sangra111e11to freqt1e11te, associados à tlutuaçào hor1no- res portadoras de doe11ça de Alzhei111er ia estabelecida,
11al qt1e decorre do liese11Yol,·in1ento folicular irregt1lar o estrogê11io não den1011strou be11efício 11a perfor111ance
nessa fase. A menopausa é cc)nsiderada u111 fator liese11ca- cogn iti,·a. --
deante fisiológico do processo 11ormal de e11,•elhecin1ento, Os estrogê11ios são e11co11trados e111 varias áreas do
co111 falência defi11iti,·a da ft111ção o,•aria11a reco11hecida cérebro e esti111ula1n o cresci111ento dos processos 11eL1-
co1110 tal s0111e11te após un1 período de doze n1eses de ro11ais e co11exões si11apticas co111 efeitos positi,·os sobre
a111enorreia. Sinton1as físicos e ps1qt1icos associados às ta111anho, r1ur11ero, conecti,·idade, ,·olun1e e plasticidade
alterações hormo11ais são experi1nentalios pela 111aioria dos netirônios. O efeito do estrogê11io 110 volun1e de n1as-
das 111ull1eres dt1ra11te a peri e pós-n1e11opat1sa. Os si11 · sa cinzenta e111 n1tdheres n1e1101-1at1sadas sob reposição
to111as ,,aso111otores, co1no fogachos ot1 ondas de calor horn1onal, por 1neio de ressonâ11cia 1nagnética tridin1e11-
acompanhados por sudorese inter1sa, são característicos sio11al de alta resolução, foi rece11te111e11te estudado e de-
desse período, ocorre11do co111 frequência dura11te a noite n1011strou que a estroge11ioterapia pode din1inL1ir a perda
e resultantio en1 piora da qt1alidade do so110. Poder11, de massa cir1zenta na pós-n1e11opausa. As estruturas que
ai11da, ocorrer palpitações, e11xaqueca e cansaço facil. exibira111 111aior volu111e en1 associação com a TI-1 foram
A atrofia t1rogenital, qtie <)corre pouco 1nais tardia1nente, cerebelo, córtex cerebral, ou ai11da temporais 1nediais e
provoca sinto1nas uri11ários e resseca1ne11to com descon- parietais, estrt1turas essas tipica111ente envolvidas 11a do-
forto \'agi11al, podendo le\·ar à dispareunia, assi111 como a e11ça de Alzhei 111er. -
dimi11uiçào da libido e da resposta orgás111ica resultar1tes O efeito 11et1roprotetor do estrogênio te1n sido de-
do hipoestroge11isn10, co11duzi11do piora da qualidade da 111onstrado in vil'o e 111 vitro e pode ser atribuído à
\·ida sexual. A me1101,1ausa se associa ta111ben1 ao aun1ento ati\'ação dos receptores estrogênicos a e ~. be111 como
do risco para o tiesenvol\·i111e11to tardio <.ie osteoporose, st1a capacidade de estimt1lar a proliferação de células
doe11ças cardiO\'asculares e até da doença de Alzhei111er. 11er,•osas. 2' U111 estudo prospecti,,o acon1pa11hot1 996
As alterações do hu111or 1nais pre\ ale11tes 11a perin1eno-
1 1nulheres na pré-n1enopausa por três a11os co11sect1tivos,
pausa e n1enopausa são irritabilidade, labilidade e111ocio- con1 a,,aliações sen1estrais da sintornatologia psíquica,
11al, episódios freque11tes tie cl1oro in1oti\·ado, ansiedade, alterações horn1011ais e características dos ciclos 111ens-
l1umor lie1,1ressi,,o, falta de 111oti,,ação e e11ergia, dificuldade truais, e obser,·011 que mL1ll1eres con1 antecedentes de-
de conce11tração e 111e1norização e insônia. pressi\'OS dese11volvera1n n1ais alterações horn1011ais ao
A relação e11tre falê11cia fu11cio11al o,•aria11a e 111a11i- l011go do seguime11to, se11do a depressão um fator de risco
festações psíquicas não é be111 co111pree11dida, 111as estas associado ao desen\'Ol\•imento precoce de características
parece111 ocorrer con1 n1aior frequê11cia quando há dras- peri1ne11opausais, como os sinto111as ,,asomotores e as
ticas flutt1ações nos 11í, eis l1ormonais, con10 11a tra11sição
1 irregularidades 111e11struais. 2 O t1s0 da estrogenioterapia
menopaL1sal, e 11ão qua11do a dimi11t1içâo é gradativa. te1n sido associado à melhora dos sintomas depressi,,os
EstL1dos e1,1ide111iológicos de base populacional 11ào iden- en1 1nulheres na perín1e11opausa. Em contra1-1artida, os
tifican1 111aior incidê11cia lie depressão e111 n1ulheres nessa progestagê11ios, usados isoladan1ente ou co111bi11ados co1n
faLxa etaria; no enta11to, estudos realizados en1 ser\·iços estrogê11io, estão associados a 111e11ores reduções 110 ht1-
de gi11ecologia tên1 siste111atica1ne11te ide11tificado Lima 111or deprin1ido. ~
pre,·alência ele,,ada, 111aíor do que a esperada, de sintomas Difere11ças tra11scLrlturais 11a ocorrência de sintonias
depressivos durante a perin1e11opausa e 111enopausa. físicos e 1-1síqtticos associados à perimenopa11sa e n1eno-
Os efeitos protetores rec()11hecidos do estrogênio no i1at1sa també1n tê111 sido relatadas, i11dicando a possível in-
cérebro inclL1en1 aumento da ati\ ídade coli11érgica, redu-
1 ílL1ê11cia de outros determi11antes, co1no fatores ge11éticos,
ção da perda 11euronal, estin1L1lação axo11al e proliferação psicológicos, sociais e culttirais, i11clt1i11do estilo de vida
de for111ações dendríticas. Além disso, o estrogênio pro- e caracter1sticas 11t1tricionais OLt dietéticas. Co11siderando
move a redução da isquen1ia cerebral por at1111e11to da que as alterações l1orn1011ais próprias da peri1ne11opausa e
circtrlação e redução dos 11íveis de colesterol e n1odt1lação n1e11opausa ocorren1 en1 todas as n1t1lheres, parece segL1ro
da expressão gênica da apolipoproteína E. · As e,•idências afirn1ar que o desen,,olvin1ento de transtornos do l1umor
qL1e st1ste11tan1 a hipótese de qt1e a deficiê11cia estrogênica dura11te esse período depende de ot1tros fatores, alé1n
poderia ser u1na das causas de de1nência se11il é oriunda da flutuação horn1onal, que co11firan1 vt1lnerabilidade e
da associação positiva entre o estrogê11io exóge110 e a predisposição.

84
Capítulo 9 - Transtornos mentais por causa de condições ginecológicas endócrinas

frequente pela clara constatação de implicações clí11ícas,


A ,,iolência tem sido identificada como um fator de metabólicas e psíquicas, que , ão n1uito além das que
1

risco para vários agravos à saúde fe1ninina, tanto física en,,olven1 o siste1na reprodutivo. Atualme11te reconhecida
corno me11tal e reproduti,,a, e tem se mostrado associada con10 uma síndron1e n1etabólica que i11clL1i a hiperinsuli ·
a pior qualidade de vida, maior procura por ser,·iços de nernia, hiperlipide1nia, diabetes n1ellitus, risco de doença
saude, maior exposição a comportan1entos de risco (sexo cardiovasct1lar, além das alterações já conhecidas, con10
desprotegido, tabagis1no, abuso de álcool e ot1tras drogas) hiperandrogenismo (clínico ou laboratorial), problemas
e maiores taxas de tentativas de suicídio. cosméticos (hirsutisn10 e acne), anovulação (infertili-
A 111aior parte dos atos de violê11cia contra a mulher dade), obesidade, aspecto policístico dos o,,ários e risco
resulta em problemas físicos, sociais e psicológicos, não aumentado para adenocarcinoma de endo111étrio. 26
necessariamente causando lesões, i11capacitação ot1 mor- Manifestações clínicas como o hirsutisn10, as alterações
te, e suas co11seqL1ências podem ser i111ediatas ou latentes, menstruais, a infertilidade e a obesidade afetam a autoes-
ma11ifestando-se tardian1er1te ou estendendo-se por mui- tin1a, pro1no,,endo como consequência direta a insegu-
to tempo depois de a , iolê11cia ter cessado. Quanto mais
1 ra11ça, levando a importantes alterações psíqL1icas, con10 a
grave for a forma de violência sofrida e n1ais longa a SLta ansiedade e depressão. É difícil concluir se os transtor11os
duração, 111aior in1pacto terá na sat'1de física e mental; a psíquicos nas mulheres com SOP são consequentes à ação
exposição a múltiplos tipos de ,·iolê11cia parece ter um primária dos esteroides sexL1ais cronican,ente aL1men-
efeito deletério CL1mulativo. tados, principalmente sobre a atuação dos androgê11ios
A exposição da mulher à violência dura11te a infância, en1 11ível cerebral altera11do a neurotrans1nissão, ou se
seja como ,,ítin1a de agressão física, sexual ou emocio11al, ocorrem por um processo reacio11al às manifestações
de negligência ou pri,·ação, seja, ainda, presenciando sinto111áticas da doença, como hirsutismo, irregularidades
atos violentos no domicílio, tem um impacto ad,·erso 11a menstrL1ais, infertilidade e obesidade, l1avendo talvez a
saúde e no ben1-estar da criança, podendo i111pedir seu influência dos dois n1ecanismos.
adequado deser1, ol,,in1e11to físico e n1ental. A exposição
1
Ad1nite-se que os hormônios sexuais tenham efeitos
da criança à violência tem se rnostrado associada a vários primários cerebrais, modificando a for111a e o nú1nero dos
con1portan1entos de risco - por exemplo, tabagismo, receptores de neurotransmissores, altera11do a sensibili-
obesidade, sexo desprotegido, depressão - que, por sua dade às condições endógenas e exógenas, pron1ovendo
vez, configurar11-se em fatores de risco para outros impor- distúrbios na esfera do hu1nor, assim como níveis aumen-
tantes problemas de saúde pública, como câncer, doenças tados de a11drogênios tên1 sido relacionados a distt.'1rbios
cardiovasculares, infecções sexualn1e11te transmitidas, in- de hun1or freque11teme11te observados em mulheres com
fecções verticalmente tra11smitidas, gravidez indesejada níveis de testosterona livre aun1entados que aprese11tan1
na adolescê11cia e tentati,1as de suicídio. depressão e síndrome da tensão pré-menstrual. 2- Os a11-
Depressão e transtorno de estresse pós-trau111ático são drogênios têm ações diferentes durante o desenvolvi111e11 -
as sequelas de ,,iolência co11tra a 1nulher n1ais frequente- to hu1nano sobre o cérebro e o comportan1ento, resulta11-
me11te relatadas. Transtor11os de a11siedade, especialme11te do em efeitos orga11izacionais e de ativação que estão 11a
fóbico ansiosos, transtor11os alimentares e abuso de álcool dependência do momento da exposição a estes. Quando
e de outras substâncias psicoativas também têrn sido mais essa exposição se faz na época pré-natal ou pós-11atal
observados e11tre n1ulheres vítimas de violência do1nésti- precoce, a ação a11drogênica isolada não depe11de11te da
ca e sexual, assi1n co1110 disfunções sexuais (dispareu11ia, aromatização en1 estrogênios, afeta a organização estru-
vaginismo e tra11stornos do desejo e da excitação sexual) tural do cérebro e SL1a morfologia de forma pern1a11ente,
e doenças físicas com forte cornponente psicossomático assi1n como as respostas comportame11tais. Entretanto,
(co1no síndro111e do i11lestino irritável, fibromialgia e dor dura11te a puberdade, os efeitos de ativação dessa n1es111a
crônica). exposição não mais alteram pern1anenten1ente a estrutura
Agra,·os à sat'.1de reprodL1ti,·a, con10 infertilidade, gra,'i- cerebral, embora possam produzir efeitos fisiológicos pro-
dez indesejatia, HIV/ AIDS, associados à \'iolência contra longados que influenciarão o con1portamento.
a mulher, tê1n se mostrado i1nportantes tàtores de risco O período de vida reprodulivo das mt1ll1eres é caracte-
para transtor11os mentais, uso excessi,,o de ser,·iços de rizado por uma 111aior prevalência dos distt'1rbios afeti, os,
1

saúde, bai.,xa qualidade de ,,ida, limitado desen,·ol,,in1ento e isso tem sido relacionado aos desvios dos 11íveis dos
pessoal e profissio11al e dificL1ldade de estabelecer relacio- hormônios gonadais, contribui11do para as manifesta-
nan1e11tos interpessoais e afeti, 0s. ~; 1
ções de estados disfu11cionais do l1umor. Nesse sentido,
a SOP constitui-se em um modelo único para i11,,estigar
Tra --4--~,..,..,s o.;:ín, .: ___ --1~ Ç('D os efeitos de ati,·açào de n1,·eis cronicamente elevados de
A Síndron1e da A11ovulação Crôr1ica Hiperandro- androgênios sobre o l1umor.
gênica, tambén1 conhecida con10 SOP (Sí11dron1e dos Estudos têm comparado os estados de humor de
Ovários Policísticos), te111 tido L1n1 i11teresse cada ,·ez mais 1nulheres com SOP com mulheres 11or1nais e de1nons-

85
Tratado de Saúde Mental da Mulher

traran1 a relação existente entre hu1nor negati\'0 e os que i11dt1z a prodt1ção de l,H (hor1nônio lutei11izante), o
androgê11ios. Os resttltados indicam qt1e o grupo de qual, por sua \'ez, pro1no,·e produção da testosterona em
n1t1lheres com SOP tem n1ais depressão aguda e de longa n1e11inos, rest1ltando en1 1nt1da11ças de con1portamento,
pern1a11ência, mesn10 qt1a11do se considerot1 a variância con1 at1n1e11to da agressi\·idade. · Já, 11as 111ulheres, ocorre
relacionada à si11to1natologia física do hirsL1tisn10, acne a indução da produção de LH, o qual, son1ad<.) ao FSH
e a infertilidade. O 111esn10 ocorreu com outros estados (hor111ô11io folículo-esti111tila11te), promove a 0\1 ulaçào e a
de l1u111or, tais co1no hostilidade, ansiedade aguda e de produção de esteroides sext1ais (estrogê11io, progesterona
lo11ga duração, o qt1e parece demo11strar que há u111a e testostero11a). Essas mudanças biológicas con1 estímulos
intlt1ência de ativação da testostero11a sobre o comporta- ambientais associam-se ao surgimento da diátese "depres-
111e11to fen1i11i110 adL1lto.-x sogê11ica" fe111inina 11a adolescência. 13
Ot1tra possibilidade seria a de qL1e os tra11stor11os psí- Embora a associação entre si11tomas depressivos e alte-
quicos da SOP sejan, consequentes aos vários aspectos rações horn1011ais para fases <)t1tras que não a adolescência
si11ton1áticos da síndron1e, os quais causariam qua11tidadc te11ha sido qt1estionada, parece significativo que a síndro-
significati\'a de carga en1ocional a influe11ciar a identidade me pré-n1enstrual e o tra11storno disfórico pré-menstrual
femi11ina e o con1portan1ento das mL1lheres afetadas. En1 associen1-se a alterações do hun1or. Da 1nesn1a forn1a, não
razão de o motivo da SOP frequenten1ente !ie n1anifestar se pode negar que as depressões passíveis de ocorrência no
e111 faixas etárias nas quais e11contrar u1n parceiro, ter ati- período e111 torno do parto e na menopat1sa faça1n pensar
vidade sexual e co11trair matrin1ônio são mt1ito importa11- nas modificações das condições hormonais.
tes, suas ir11plicações sintomáticas causarian1 profundos
distúrbios emocionais, sendo os 1nais pertt1rbadores o hir- REFERÊNCIAS
sutisn10, as irregt1laridades menstrt1ais e a infertilidade, 1. Thorn1croft G. ~laingay S. 111e global response to n1ental ill-
os qt1ais poderiam exercer nas 1nulheres impacto nega- ness. 8~1). 2002;2 I :325(7365 ):608-9.
tivo sobre o bem-estar psicossocial, con1 sentimentos de 2. Justo LP, Calil H;-.L Depressão - o 111esn10 acon1etin1ento para
frustração, tristeza e ansiedade. 26 Adolescentes con1 SOIJ hon1ens e n1ulheres? RcY Psiquiatr Clín. 2006;33(2):-i3-54.
111ostran1-se de três a quatro vezes 111ais preocupadas a 3. Chopra KK, Ra,indran A, Kennedv SH. et ai. Sex ditferen-
respeito da possibilidade de engra\'idar ou 11ão em fu11ção ces in horn1onal responses to a social stressor in chron1c major
da doença.=9 O impacto sinton1ático da SOP avaliado por deprcssion. Psychoneuroendocri nology. 2009;34( 8 ): 1235-41.
1neio de t1m questio11ário de qua11tificação tias alterações 4. Hankin 81, Abransom L't. Developrncnt of gen<ler di-
psicológicas em disti11tos don1í11ios, con,o somatização, lferences in depression: an elaborated cogniti\'e vulnerability-
obsessi\'O-compulsi\'O, sensibilidade interpessoal, depres- .
-transactional stress theorv. Psvchol
, Buli. 2001; 127:773-96.
são, ansiedade, agressi\'idade, fobia e paranoide, re\relou 5. \\'e1ss FL, Longhurst JG. ~lazure C;\1. Childhood sexual
que a n1aioria desses sintomas é significativan1ente n1ais abuse as a risk factor for dcpress1on in \,·on1en: psvchosocial and
freque11te en1 portadoras de ano\ t1lação crônica hipe-
1 neurobiological correlates. An1 J Psych iatry. 1999; 156:816-28.
randrogênica do qL1e qt1ando comparadas a mulheres do 6. Li l{. Shen Y. Estrogen and brain: synthesis, function and
grupo controle sem a sí11dron1e dos ovários policísticos. 'º diseases. Front Biosc. 2005; l 0:257-67.
7. Ste1ner ~1, Dunn E. Born L. Hormones and n1ood: frorn
(ONCI USA n menarche lo n1enopause. J Alfect Disord. 2003;74:67-83.
A clarificação do que é válido e rele\'ante nas diferenças 8. Huang J, Perlis RH, Lce PH. Rush A), Fava :\1, Sa-
de gênero para as depressões pode ser importante para chs G5 et ai. Cross-disorder gcnon1e,vide analysis of schizo-
,,árias ações de pesquisa e assistenciais, até mesmo com phrenia. bipolar disorder, and depression. An1 J Psychiatry.
mell1ora da capacidade diag11óstica e 111aior adequação 20 l O; 167( 1O): 1254-63.
dos tratamentos. 9. Parker GB, Brotchie HL. Fro1n diathesis to din1orphism,
A proporção de duas n1ulheres para ttm homem para the b1olog, of gender differences in depression. J :\er, ;\Ient
a prevalê11cia de depressão maior é exte11samente citada Dis. 2004; 192:210-6.
11a literatLtra científica sobre os transtornos do humor. 1O. Kuehner C. Gender diflcrence~ in unipolar depress1on: an
Há algu11s estudos epiden1iológicos be111 conduzidos que upd,1ting of epiden1iological findings and possible explanations.
aparente,nente sustentan1 tal inforn1ação. Entretanto, ai·
1
Acta Psychiatr
, Scand. 2003; l 08(3 ): 168-74.
gun1as vezes, os estudos disponíveis na literatura aprese11- 11. Bhatia SC, Bhatia S. Diagnosis and treatment of pren1cnstrual
tar11 resultados discrcpa11tes quando te11tam correlacionar dysphor1c d1sorder. An1 I-a111 Physician. 2002;66(7): 1239-48.
transformações horn1011ais na adolescência e sintomas 12. Dickerson L011, ;\laz,·ck
, PJ, Hunter MH. Pren1enstrual svndro-
,

afetivos, mas isso ocorre possiveln1e11te em virtude de n1e. An1 I-an1 Phisician. 2003;6-(8):1743-52.
questões n1etodológicas. ,z 13. Hylan 1·R, Sundcll K, Judgc R. Toe in1pacl of pren1enstrual
Não se de\'e perder de vista o fato c.ie que nessa fase syn1pton1atology on functioning and treatn1ent seekíng beha-
da \'ida há alterações 111arcadas pelas ações hormonais, vior: experíence from the Gnited 5tates, Cn1ted K1ngdon1. and
con10 as do hormô11 io liberador das go11adotrofi11as, France. J \\'on1ens Health Gend Based ;\led. 1999;8(8):1043-52.

86
Depressão na gestação e no
pós-parto: diagnóstico
e tratamento
Renata Sciorilli Camacho
Virgínia Loreto

- -
DEPRESSAO NA GESTAÇAO 111odelos a11i111ais, para pacientes deprin1idos. 1l1nto a
gestação quanto o pós- ~)arto pode111 fu11cionar con1<.)
n1ome11tos de estresse elevado, não só físico, 111as ta1nbén1
O transtor110 depressi,·o e n1ais co111um 11as 111L1lheres: e111ocio11al. No pós-parto, ocorre uma qLteda brLtsca de
a proporção chega a quase <.luas mL1lheres para un1 ho- hor1nô11ios, que anteriormente era1n prodLtzidos pela
n1e111. A difere11ça e11tre os gêneros ven1 sendo atribuída placenta. Nessa fase, o estróge110, qL1e antes do parto l1avia
ao i1npacto horn1onal, social e genético que ocorreria de sofrido L1111a ele,·ação i111porta11te, cai rapida111e11te. Os
n1a11eiras diferentes 11as n1Ldl1eres e 110s home11s. ?\o en- nÍ\'eis <.ie progestero11a tar11bén1 sofre1n un1a queda brusca
tanto, algL111s teóricos trabalha111 co1n a possibilidade de ªf)ÓS o parto. E111 algu1nas mulheres, mais sensíveis às f1t1-
as 1nL1lheres simples111ente procurare111 111ais ajuda r11edica tL1ações hor111011ais, ocorreria u1na espécie de "abstinên-
do qLte os l1omens, o que caL1saria u111 subdiag11óstico 11a cia", e, naquelas qL1e já apresenta111 predisposição ge11ética
população 111asculi11a. e/0L1 fatores psicossociais associados, o quadro depressi\'O
Flutuações hormo11ais relacionadas ao ciclo reprodL1tivo poderia instalar-se mais facilmente.
femi11i110 teria1n gra11de inflL1ê11cia 110 tra11stor110 depressi- Fora111 i11vestigadas, rccente111ente, as relações e11tre
''º 11as n1ulheres, 11ortanto a gestação e o pós-parto seriam as alterações de l1u111or pre-111e11strL1al (TPJv1 - te11são
períodos de 111aior ,·11lnerabilidade. É por esse 111oti,·o qL1e pré-me11strual) e a ocorrê11cia de depressão 11a gestação
di,,ersos autores tê111 sugeri<.io a detecção precoce ja 11a e no })Ós-parto. Nun1a arnostragem de 1.329 pLtérperas
gra,·idez, a fin1 de eYitaren1-se co111plicações 110 pos-parto. sub1net1das ao testes SDS (Zi111g's Se(f~rati11g Depressio11
AtL1aln1ente, a principal escala que ,,e111 se11do utilizada Sente) para detecção de depressão pós-parto em seis per1 ·
para a detecção da depressão 11a gra,,idez e no pós-parto é odos difere11tes (no início, 110 111eio e 110 fi11al da gravidez,
a EPDS (Edi11bi1rgl1 Postpart11111 Depressio11 Scale). 110 qL1i11to dia, co111 un1 111ês e seis n1eses depois do parto).
I11feliz1ne11te ape11as 18°10 das mL1ll1eres diag11osticadas co11statou-se qL1e a n1ulher co1n si11tomas en1ocionais pré-
co,11 depressão na gestação e 110 pós-parto procL1ra111 tra- -me11struais ar1tes da gra,·ide7 é 111ais prope11sa a dese11-
ta111e11to, en1 parte porque alguns si11to111as confL111de111-se ,·ol,·er depressão pós-parto.
con1 a gestação 11orn1al (p. ex., alterações do sono, apetite AlgL1111as 111ulheres serian1, então, n1ais sensíveis a flu ·
e ca11saço) e e1n parte en1 razão da cre11ça de que esses tuações hor111onais e111 qL1alquer fase de sL1as vidas, i11cluir1 ·
de,·e111 ser f)eriodos de satisfação e 11ão de tristeza 11a ,·ida do o per1odo i)re-111enstrL1al, a gestação e o pLterpério, C)
da mulher. cli1naterio e até 1nes1no dL1ra11te o Ltso de a11ticoncepcionais.

A exposição ao estresse inflL1encia o eixo hipotála1110- Esti111a-se u111a pre,·alência de 12,7% para depressão 11a
-hipófise-adrenal, e a alteração 110 eixo é conhecida, er11 gestaçào. E111 un1a revisão siste111atica de artigos <.ia lí11gL1a
Tratado de Saúde Mental da Mulher

inglesa de 1980 até 2008, o estresse, a falta de SL1porte Até 011de sabernos, 11ão existen1 escalas desenhadas
social e far11iliar e a ,·iolêr1cia don1éstica n1ostraran1 forte especificame11te para a detecção da depressão dura11te a
associação co1n depressão gestacional. gra,·idez. ALttores tê1n utilizado a EPDS (Edi11bi1rg/1 Post-
O'Hara e cols. e11co11traran1 21 °ro de depressão pos- 11atal Depressio11 Scale) com essa finalidade, ,•isto que essa
-parto em pacientes qL1e ha, ian1 apresentado sinto111as
1
escala foi ,·alidada ta111bé1n para depressão na mulher fora
depressi,,os dura11te a gra,·idez. Há estL1dos apo11ta11do do período puerperal. Utiliza11<.io-a, u1n autor pesquisou
~1ara 60º,ó a i11cidência de depressão pós-parto entre 111L1- alterações emocio11ais en1 três períodos da gravidez e do
ll1eres que ha,,ia1n se SL1b111etido a tratan1e11to préYio para pós-parto: no ultimo tri1nestre <.ia gra,·idez, 11as qL1atro
algu111 tra11storno afeti,·o, e1n con1paração a ape11as 3<ro primeiras se111a11as e no quir1to 1nês depois do parto. Si11-
e11tre n1t1lheres se111 história pré,·ia de tra11stor110 afeti,·o. to111as depressi,·os foran1 n1ais proeminentes no prirneiro
As condições existenciais e ,·ive11ciais 11as quais se dá período, ou seja, 110 últin10 trin1estre de gestação; nas
a gra,·idez polie111 i11fluenciar a ocorrência da depressão quatro prin1eiras se111a11as depois do parto prevalecera1n
pós-parto. Foi de 23°10 a incidê11cia desse transtorno en1 os sir1ton1as de estresse; e, no qui11to mês de pós-parto,
parturientes adolesce11tes, enqL1a11to para pacientes aclL1l- no,·a111ente evidenciaram-se si11tomas depressi\'OS.
tas foi de ape11as 11,9%. Pouco se sabe a respeito da variabilidade dos si11ton1as
Ta111be111 é 111aior a incidê11cia de depressão pós-parto depressivos 110 período perinatal, período qL1e inclui da
en1 pacie11tes qL1e experin1entan1 dificuldades adaptati,·as gestação até dois anos após o parto. Um estudo prospec-
à gestação, como, por exemplo, 110s casos de gra,·idez 11ão ti,'o co1n 1.735 111ulheres gesta11tes no período entre 2000
desejada, gra,,ide7 contrária à ,•011tade do compa11l1eiro, a 2002, que foran1 acompanhadas ate 2004, incluía t11na
sitt1ação ci, il irregLdar, gra,·idez repudiada por fan1iliares,
1 entre,rista pré-11atal e três 110 pós-parto. Esse estudo teve
prec.írio suporte social, desave11ças co11jL1gais e OLttros fa- a fir1alidade de determinar se existiria a possibilidade de
tores capazes lie desestabilizar en1ocio11aln1ente a relação ha,•er un1a diferenciação dentro da entidade "Depressão
entre a pacier1te e sL1a gra,,idez. Peri11atal': co1n diferentes quadros clí11icos e prognós-
E111bora nenhu1na característica demográfica especí- ticos. E11contraran1-se cinco SL1btipos para os sintomas
fica tenha sido relacio11ada, há inú111eros fatores de risco liepressi,,os peri11atais: 1- n1ull1eres que rnantinham sin-
que poden1 ser ide11tificados 11a ocorrê11cia de depressão tonias depressivos cronica1nente, que ta111bén1 ocorriam
pós-parto, os qL1ais incluem história pessoal ou fan1iliar no período peri11atal (7%); 2- mL1lheres com sinton1as
de depressão, t1n1 episódio prévio de depressão pós-parto, ape11as 11a gestação (6%); 3- mulheres com sinton1as 110
depressão ou ansiedade dura11te a gravidez e eventos de pós-parto apenas, e qL1e se resolveran1 esponta11ea111ente
vida estressores recentes. após um ano do pós-parto (9%); 4- 1nulheres con1 si11to-
Unia re,,isão siste111ática da literatLtra avaliou i11ter- 1nas tardios, que se iniciara1n dois a11os após o parto (7%);
\'e11ções psicossociais e psicológicas voltadas para a 5- 11u11ca aprese11taran1 sintomatologia (71 °ro ).
pre,,enção da depressão pós-parto. Qui11ze estudos co111 Atualn1ente, os estudos tendem a enfocar os transtor-
7.697 n1ul11eres forarn i11clL1í<.ios. Foi obser,·ado que o 11os psiquiátricos 110 puerpério e dar menor importância
sL1porte pós-natal realizado por profissional da área da aos tra11stor11os na gestação, por acreditar-se que essa fase
sat.'1de foi 111ais eficaz do que 111edidas a11tenatais, e que da vida da mulher exerceria L11n efeito protetor para os
i11tervenções individuais foram n1ais eficazes do que en1 transtor11os psiquiátricos, o que não é verdade. Ocorre
grupo. Apesar disso, diversas i11ter,,enções psicosso- qtie o risco para o transtorno depressivo na gestação é o
ciais ou psicológicas não reduziram significativan1ente n1es1no que e111 outras fases da vida da n1ulher. Te11do em
o nt.'1n1ero de mL1lheres que foran1 diag11osticadas con1 vista que n1uitas gestantes interrompe111 o tiso do antide-
depressão pós-parto. pressivo ao descobriren1-se grávidas, as chances de teren1
unia recaída pode1n aumentar de n1a11eira considerável.
A depressão na gestação aL1111e11ta o risco para depressão
A depressão 11a gestação te1n classificação igual à c.ie- pós-parto e pode levar a graves conseqL1ências, até n1esmo
pressão em outras situações, e, portanto, utiliza-se o diag- para o pré-natal e a prole. Pensando 11isso, um outro autor
11óstico por 111eio do DSM-IV (Classificação de Doe11ças propõe uma classificação para o DSM-\ ', na qual a depres-
iv'lentais da Associação Norte A1nerica11a de Psiquiatria de são seria co11siderada "perinatal': levando em consic.iera-
1994) e da CID-1 O( Classificação de Tra11stor11os Mentais e çào a qualidade do parto, a saúde do~ bebês e ta111bé1n
de Comporta111ento da CID-1 O). O DSM-IV-TR (N1a11ual a relação n1ãe-bebê. E11controL1 as seguintes descrições
Diagnóstico e Estatístico de Tra11stornos Me11tais, en1 SLta clí11icas: l -transtor110 depressi,10 perinatal; 2- estresse
quarta edição e com texto revisado), 11ão distingue os pós-traumático relacionado ao trabalho de parto (te11do
tra11stornos do hu1nor do pós-parto dos que acontecen1 em ,•ista que algun1as 1nulheres , 1ivenciam o traball10 de
en1 outros períodos, exceto com o especificador "com iní- parto co1no u111 e,,ento traumático); 3- transtornos do
cio 110 pós-parto': qL1e é utilizado qua11do o início dos sin relacionan1ento mãe-bebê; 4- patologias relacionadas ao
tomas ocorre 110 período de qt1atro sen1anas após o parto. luto ot1 perda mater11a (para os casos de nati1nortos, abor-

90
Capítulo 1O - Depressão na gestação e no pós-parto: diagnóstico e tratamento

tame11tos ou mortes no pL1erpério). Essa classificação visa- A terapia com luz parece ter aprese11tado algu11s
ria a uma melhor detecção das doe11ças depressivas nessas resultados promissores. Exercícios físicos tê1n sido re-
mL1lheres, tàcilitando o diag11óstico precoce e melhorando lacionados a uma leve 1nelhora nos casos de depressão
a intervenção por parte dos profissionais da área da saúde. gestacio11al, e a Sociedade Americana de Obstetrícia e
Há também pesquisadores que defendem a ideia de Ginecologia recon1enda 30 minutos diaria1nente, para as
que a depressão pós-parto não deva ser reconhecida mulheres que não tiveren1 contraindicações. Em estudos
como Ltma entidade à parte, pois acreditam que não haja pilotos, testou-se o ltso do ômega-3, o qual foi be111 tolera-
etiologia, si11tomatologia OlI curso específicos da doença. do e aceito por grande parcela das gestantes e puérperas.
A depressão pós-parto seria influe11ciada pela situação Acupuntura tan1bén1 vem sendo sugerida por alguns au-
horn1onal e social da paciente, e estes poderia1n ser tores, mas ainda há poucos estudos.
fatores dese11cadeantes en1 uma mLilher que já teria pre- Nos casos mais graves, a ECT (eletroco11vulsoterapia)
disposição à doença e1n qualqL1er fase da vida. Para esses deve ser forten1e11te considerada, e é o tratamento de
autores, a diferença entre os gêneros deve ser considerada, escolha em alguns casos de depressão na gestação, co1110
sabendo-se que esse fator pode inflLtenciar forteme11te as qua11do l1á ideias suicidas, quadros de 1na11ia, catatonia,
características dos transtornos me11tais de uma maneira psicose, e 110s casos qL1e necessitem de internação. DL1as
geral. No e11tanto, não há pesquisas ou instrumentos fide- revisões recentes constataram eficácia e segurança du-
dignos o suficiente para classificar essas patologias como rante a gestação. Não houve ne11hum caso de ruptura
entidades diferentes, co11siderando-se as diferenças entre prematura de placenta.
os gêneros. A sugestão seria acrescentar unia especifica- Uma opção à farn1acoterapia e à ECT poderia ser a
ção aos transtornos mentais já existentes, algo con10 "no EMT (estimulação 111agnética transcraniana), que leria
período do pós-parto", ou "com início no pós-parto': a ,,antage1n de 11ão necessitar de drogas anestésicas, não
N1uito ainda será discL1tido a respeito da classificação le,1 ar a prejltízos cognitivos (portanto, a paciente pode
das patologias relacionadas ao ciclo reprodutivo feminino vir desacon1panhada), não 11ecessitar de jejum e ter risco
para o DSNI-V e a CID-11, e no,,as pesquisas ainda são 1nenor de causar convulsões do que a ECT. Essa técnica
necessárias para que o diagnóstico seja feito com maior seria, portanto, ai11da n1ais inócua ao feto. Há alguns rela-
prec1sao. tos de caso do uso da EMT em gestantes com resultados
positivos em termos de segurança e eficácia, e autores
vêm sugeri11do essa prática como alter11ativa à ECT e à
A decisão de tratar ou 11ão a gestante com transtorno farmacoterapia.
psiqL1iátrico de,,e sempre le,,ar em consideração a relação
risco versus be11efício, e deve priorizar o bem-estar da Trata mpn t,.,. "'"' ..,,..,;Jrn/ftrw ;,.,.,,
mãe e do bebê. O fato de a gestante estar deprin1ida pode É rnuito con1u1n que as gestantes interrompam o uso
afetar, até mesn10, os cuidados pessoais e com a gestação, do antidepressi,,o qua11do se descobrem grávidas, o que
e nota-se u1na insegL1ra11ça importante dessas 111ães em aumenta 111uito as chances de haver recaída. Un1 estl1do
relação ao uso do a11tidepressi,10. Até mesmo as n1ães com com 201 gestantes 111ostroL1 que a recaída para aquelas
depressão de moderada a gra,1e costumam ser resistentes que não descontinuaran1 o trata1nento foi da orden1 de
em relação ao uso dos a11tidepressi, os, ficando ansiosas
1
26%, enquanto 68°10 daquelas que descontinuaram o uso
por causa da exposição uterina com a n1edicação. Por esse do antidepressivo sofreram reca1da. Esse dado den1onstra
moti,10 , a decisão de tratar ou não de,,e ser a1nplamente tan1bém que a gra,1idez não é um fator protetor para de-
discutida entre psiquiatra, paciente, fa1niliares (de prefe- pressão, ao contrário do que in1aginavam alguns teóricos.
rência o cônjuge) e obstetra, a fin1 de utilizar-se a melhor O tratamento farmacológico deve considerar sempre
estratégia de tratamento possível. a relação risco-benefício de tratar ou 11ào uma pacie11te,
le,,ando-se em consideração cada caso e111 particular.
Nenhuma decisão clínica no contexto da depressão 11a
A escolha do tratame11to de,,e le,·ar en1 consideração a gestação é totalmente li,·re de risco. O din1e11sionan1e11to
gravidade dos si11to111as, a história da pacie11te ( i11cluindo do grau de riscos e benefícios será in1porta11te para ajudar
resposta pregressa à medicação), e sua preferê11cia. Nos a paciente a decidir qual tipo de tratamento, medica-
casos de depressão gestacional le,·e, uma opção seria o mentoso ou não, é tolerá,,el a ela, seu bebê e sua familia.
tratamento não farmacológico. A psicoterapia, i11cluindo É importante condltzir as possibilidades de forma que
a interpessoal e a cog11iti, 0-con1portamental, parece ser
1
todas as opções de tratame11to sejam discL1tidas co1n a
eficaz. No entanto, é in1portante ressaltar que en1 mu- paciente e outros que sejan1 in1portantes em sua família, e
lheres com depressão de n1oderada a se,·era ou história os riscos de não tratar a doe11ça mental materna tan1bén1
prévia de depressão pós-parto ou depressão recorrente, o de,·em ser expostos à pacie11te.
uso de antidepressivos de,,e ser forte1nente considerado, O 1nédico de,·e co11siderar os efeitos da doe11ça e da ex-
associado ou não à psicoterapia. posição ao trata111ento, não apenas para a rnãe depressi,,a

91
Tratado de Saúde Mental da Mulher

e para o feto, mas ta1nbém o in1pacto sobre a organização durante o período gestacional não trazia grar1des conse-
da família, particular1ne11te se há uma outra criança pe- quê11cias à cognição e à li11guagem dessas cria11ças, e que
quena que requeria cuidados. essas 111edicações deveriam ser utilizadas qt1a11do houves-
se indicação.
0r ,,,.:~-- Co11sidera-se a doe11ça psiquiátrica materna t1m fator
Apesar dos estudos que indicam 11ma relativa seguran- de exposição ao neonato, e o não controle de seus sinto-
ça no uso de alguns antidepressivos na gestação, as mu- mas está relacionado com agitação psicomotora, irritabi-
lheres comumente interrompem o tratame11to farmacoló- lidade, din1i11uição do tônus n1otor e letargia.
gico quando se descobrem grávidas. Entre essas mulheres, U111 estudo ca11adense com 46 mulheres demonstrou
pode-se ver uma taxa de recaída de 75%, que frequente- que a prese11ça de ansiedade e depressão en1 gestantes
mente ocorre durante o primeiro trimestre da gestação. estava relacionada a uma adaptação pobre de seus filhos
A depressão na gestação aumenta o risco de comporta- no período neonatal. Dessa 1naneira, a saúde dos bebês
mento suicida na mãe e prej11dica os ct1idados pessoais estaria diretamente relacionada ao humor da mãe. Dos
e com o pré-natal. Mulheres deprimidas frequentemente 46 neonatos, 14 11ecessitaram de observação no período
. , .
apresentam preJ111zos no apetite e consequentemente peso neonatal, 11 aprese11taram problen1as respiratórios, dois
menor do que o esperado na gestação, fatores que vêm tiveram con1plicações no parto e L1m 11asceu pre1natL1ro.
sendo associados a prejuízos para o feto ao nascer. Mães É importante ressaltar que esse estudo foi realizado com
deprimidas também apresentam maiores índices de abuso n1ulheres em uso de psicotrópicos, e, portanto, a i11fluên-
de álcool ou drogas ilícitas, comportamento que tambén1 cia do ht1mor e ansiedade maternos no desenvolvi1nento
gera prejuízos ao feto. fetal não pôde ser diferenciada dos efeitos de 1nedicações
Além disso, a gestante que não recebe o tratamento que fora1n utilizadas para a1nenizar os si11tomas da mãe.
adequado pode apresentar outras complicações, como Aqueles que necessitaram de observação havian1 sido ex-
baixa aderência ao pré-natal e aume11to da probabilidade postos a altas doses de clonazepam.
de prematuridade. Em relação ao RN (recém-nascido), Filhos de n1ães con1 depressão pós-parto apresenta-
alguns estudos associam estresse, depressão e ansiedade riam dificuldades para dormir ou se ali111entar no terceiro
durante o parto a baixo peso ao nascer, menores índices mês do puerpério. Apresentariam tambén1 interação
de Apgar, circu11ferê11cia cefálica din1inuída e baixa idade corporal deficiente e pouco sorriso social, bem como
gestacional ao nascer. dificuldades à expressão vocal 1nais tardiame11te. Isso
U1n estudo com 36 mulheres qt1e interromperam o tra- ocorreria em parte porq11e primíparas com DPP (depres-
tamento farmacológico quando se descobriram grávidas são pós-parto) teriam dificuldades para dar banho em
demonstrou que todas elas apresentavam medo da tera- seL1s filhos, enquanto n1ultíparas com DPP estarian1 1nais
togenicidade para o feto, e que 77% delas desconti11ua- cansadas de uma maneira geral, dificultando o co11tato e
ram o tratamento seguindo o conselho de seus próprios o relacionamento mãe-bebê.
médicos. Dentro das determinantes que 1nais influencian1 O STAR,..D foi um estudo multicêntrico que tinha
a interrupção do tratamento, encontra-se a i11formação como objetivo comparar a eficácia e aceitação de várias
inicial que lhes é transmitida, muitas vezes de n1a11eira opções de tratamento para pacientes adultos con1 depres-
precipitada e sem muita reflexão. são maior não psicótica. Urr1 estudo com 151 mull1eres
O comitê de pesquisa en1 tratamentos psiquiátricos com depressão n1aior participantes do STAR*D avaliou
da APA (American Psychiatric Association) identificou o os filhos dessas mulheres (STAR*D-Child) até um ano
tratamento da depressão maior durante a gestação como de idade a fim de verificar as consequências do humor
uma área de prioridade. No entanto, os clí11icos ai11da 11ão das mães em ralação a set1s filhos. Essas crianças foram
estão bem esclarecidos e, muitas vezes, demo11stran1-se a\1aliadas após o início do tratamento para depressão.
inseguros diante de suas pacientes grávidas. Concluíram que a redução dos si11ton1as depressivos nas
Em animais, o estresse materno esteve relacionado mães estava diretamente relacionada à redução dos si11to-
com baixo peso ao nascer, menor tamanho da ninhada, mas depressivos em seus filhos.
abortan1ento e hipotensão fetal.
Três mecanismos foram propostos para tentar justificar
r- . . :___ ~ ,.J_ ""'--.&.-,,,,.
essas alterações: redução do fluxo sa11guíneo 110 útero e Nenhu1na droga psicotrópica, incluindo os antide-
no feto, passagem de hormônios mater11os através da pla- pressivos, foi aprovada pela FDA (Food and Drug Admi-
ce11ta e au1nento do hormônio corticotrofina placentário. nistratio11) para ser utilizada d11ra11te a gestação. Apesar
Um estudo prospectivo recente sugere que mães com de os estudos nos últimos 30 anos s11gerirem q11e alguns
depressão apresentaram filhos com precário desenvolvi- antidepressivos possam ser utilizados com segurança, ain-
mento cognitivo e da linguagem, independe11teme11te da da há necessidade de mais inforn1ações para conclusões
exposição medicamentosa 011 não. Esse estudo considerou n1ais precisas a respeito dos riscos da exposição fetal aos
. , .
que o uso dos antidepressivos tricíclicos e da fluoxetina ps1cotrop1cos.

92
Capítulo 1O - Depressão na gestação e no pós-parto: diagnóstico e tratamento

EstL1dos randon1izados e co11trolados por placebo ain- gestação. Un1 acúmt1lo da medicação foi enco11trado no
da são escassos e,n gestantes, por razões éticas, visto que pul111ão do recérn-11ascido, o que dificultaria o an1adu-
ocorre exposição do feto às drogas atra,,és da passagen1 recimento pL1ln1011ar. E11tre 20 e 30°10 dos filhos de mães
lransplacentaria. Dessa n1a11eira, a classificação das n1e- expostas apresenta111 outras 111odalidades de distúrbios
dicações utilizadas en1 gesta11tes ainda é pouco confiável respiratórios co1no taqt1ipneia, choro fraco e cia11ose, o
e encontra-se consta11te1nente em processo de reclassi- que poderia ser urna 111odalidade n1ais le,·e da hipertensão
ficação. A 1naior parte dos c.iados te,11 sido obtida por pt1ln1011ar 110 11eor1ato.
meio de estt1dos retrospectivos ou relatos de caso, en1bora Pri11cipaln1ente 110 primeiro trimestre da gestação,
111ais rece11te111e11te estudos te11ham utilizado o for111ato qt1a11do é for111ado o sisten1a 11er,•oso central, este se torna
prospecti,·o. especial1nente vt1l11erável a age11tes tóxicos. O per1odo de
Vários relatos de caso descre,'era111 a síndron1e de n1aior risco para n1alforn1ações é entre o 31 ~· dia da data
absti11ê11cia perinatal en1 cria11ças expostas a ADTs (anti- da t:1lti111a 111e11struação e a 1O' sernar1a. E11treta11to, estu-
depressivos tricíclicos), pri11cipaln1e11le à clo111ipramina. dos ta1nbé111 tên1 i11\'estigado a ação dos psicotrópicos no
A síndron1e de absti11ência perinatal é caracterizada por co111porta111e11to das crianças SLtbmetidas à exposição ute-
tre111ores, irritabilidade ou até mesrno co11,·ulsões 110s ri11a prolongada dessas medicações. Estudos em a11irnais
casos rnais graves. Também foram relatados casos de to- den1onstram mudanças comportamentais e de funções de
xicidade 11eo11atal decorre11te do efeito a11ticolinérgico dos neL1rotransn1issores nesses casos. No caso dos humanos,
ADTs, como obstrução i11testi11al e rete11ção uri11ária. E111 os autores co11cluíra1n que a t1uoxeti11a e os a11tidepres-
todos os casos, os sintomas fora111 tra11sitórios. si,·os tric1clicos não apresentan1 teratogênese con1porta-
Os ISRS (i11ibidores seletivos da recaptt1ra da seroto11i- n1ental. E11treta11to, ai11da há carência de estt1dos.
11a) são frequenten1ente utilizados para o tratamento dos A flt1oxeti11a não estaria relacionada a um au1ne11to 110
tra11stornos depressi,,os e ansiosos nas gestantes. Apesar ínc.iice de a11c>n1alias co11gênitas 1naiores, mas poderia es-
de essas medicações se aprese11taren1 relati, a111ente segu-
1 tar relacionada a t1111 aun1e11to no índice de 1nalforrnações
ras para o uso e111 gestantes, l1á relatos de casos em que 111e11ores, qL1e serian1 defeitos estruturais que 11ão teria1n
ocorren1 si11tomas de absti11ência ou adaptação neonatal i111portància fL1ncio11al ou cosmética. Tan1bé1n estaria re-
pobre em bebês expostos a essas medicações. O 111ecanis- lacio11ada à ir11aturidade pulmo11ar, co111 precária adapta-
... . . ,
n10 para tal ainda é desco11hecido. çao resp1rator1a no pos parto.
Hou,·e relatos de casos e111 que ocorreu a s111drome de Lrn artigo publicado en1 2006 concluiu que o uso dos
abstinência neonatal con1 a paroxetina, 110s qL1ais os 11eo11a- ISRS pode levar a u111 ganho de peso precário 110s fetos
tos aprese11taran1 si11tomas tra11sitórios co1no irritabilidade, das mães 111edicadas. Isso poderia ocorrer en1 virtude
choro excessi,,o, aL1111ento do tô11us 111uscular, dificulda- da i11ibição do apetite ocasio11ada pela n1edicaçào. No
des na an1a1nentação, perturbações 110 s0110 e dificuldades e11ta11to, a 11ão n1edicação e o fato de a paciente n1anter-se
. , .
resp1rator1as. dcpri1nida ta111ben1 podem levar ao crescin1ento intraute-
A flt1oxeti11a ta111bern foi relacio11ada, e1n alguns re ~ rino restrito, gerando complicações con10 o trabalho de
Jatos, a dificuldades respiratórias e adaptação 1-1obre 110 parto pre-ter1110.
pós-natal, con1 hipotonia e c.iificuldades à an1a111e11tação. A paroxetina é u111a droga que até recentemc11te era
Em razão de SLta meia-,•ida longa, a t1uoxetina esta 111t1ito utilizada en1 gestantes, n1as que teYe sua segurança
n1ais relacio11ada à toxicidade 110 11eo11ato. Já a paroxeti11a, co11testada 110 a110 de 2005. Foi apo11tado un1 risco tera-
com uma n1eia-,,ida 111ais ct1rta, relaciona-se 1nais à abs- togê11ico bastante in1porta11te para essa droga, que está
tiJ1ência no neo11ato. ;\.n1bos os casos caracterizam a s111 ·· se11do reclassificada como risco D pela FDA, devendo,
dror11e co1n1-1ortarne11tal do neonato, qLte te111 relação co111 portanto, ser utilizada son1ente em ultin10 caso. Estudos
o tiso dos ISRS no últin10 tri111estre da gestação. Trata-se epidemiológicos n1ostraran1 c.1ue cria11ças 11ascidas de
de t1ma s111dron1e autoli1111tada e que costu111a n1elhorar 111ulheres qt1e ha,,ian1 sido tratadas com paroxetina 110
en1 duas se1nanas, fazendo qt1e os bebês preciser11 de CLti- pri1neiro tri111estre da gestação aprese11ta,,am um risco
dados especiais e suporte cl111ico. au111e11tado para 111alformações cardio\·asculares, princi-
Baseados no 11L1111ero de casos de toxicidade infantil, pal111e11te defeitos no septo inter\'e11trict1lar. Urna re\1isão
diYersos aL1tores reco111e11da111 a 111terrt1pção do trata1ne11- de literatura com 15 artigos detectou um risco n1aior
to con1 a11tidepress1\·os algu11s dias OLl se111a11as a11tes do para 111alfor111ações 111aiores e cardiovasculares con1 esse
parto, a fir11 de n1i11i111ízar os riscos. E11tretanto, essa atittl- a11tidepressiYO. Nessa 111esn1a re,·isào, foi e11contrado um
de pode se tornar t1m fator agrava11te 110 que se refere ao ele,·ado risco para 011falocele, risco atribt11do à paroxe-
risco de recorrê11cia da depressão na n1ãe, pri11cipal111e11te ti11a, qL1e represe11tava 36'ro de todos os ISRS prescritos.
e111 um 1-1cr1odo de alt1ssi1110 risco co1110 é o puerpério. QL1atro desses estt1dos 11ão e11contraram risco elevado
l.J111 estt1do detectou un1 111aior riscc) para a l1i1-1erte11são para malfor111ações e11tre as 111ães expostas aos ISRS 110
pt1l111011ar 110 11eonato 110s nascidos de 111ães que utiliza- pri111eiro trin1estre. No geral, o estudo e11co11trou uma
ran1 ISRS 11a gestação tardia, ou ai1ós a 20 se111ana da segurança relati,·a 110 uso dos ISRS 110 pri111eiro trimestre

93
Tratado de Saúde Mental da Mulher

da gestação, mas questiona seu uso, pois pode haver ou- figura 1nater11a, história de abuso e negligência 11a i11fância
tras con1plicações perinatais importantes, e não só o risco e baixa autoestima tambén1 n1erecem ser me11cionados.
de malformações. Também pouco se sabe a respeito do
uso dessas n1edicações e do desenvolvimento neurológico
dessas cria11ças a longo prazo. Mais rece11temente, L1n1 ou- Cerca de 50% dos quadros de depressão pós-parto não
tro estudo com 1.170 mulheres que usaram paroxetina no são diagnosticados ou tratados, sendo que parte deles já
pri111eiro trimestre não demonstrou um aun1ento signi- havia se iniciado na gravidez. Sem tratamento adequado,
ficativo na prevalência de malforn1ações cardíacas em 20% das n1ulheres podem continuar deprimidas ao final
relação à população geral. de um ano.
Dessa forn1a, é possível conclL1ir-se que outras drogas
ainda podem ser reclassificadas, até mesn10 aquelas que Oicfn,.i::. ri- - .! - _..,..,..._ - ·, h"lh·,· 1.. 11·-c

são consideradas de baixo risco e que vên1 sendo ampla- A disforia do pós-parto, ou baby blues, como é mais co-
n1e11te utilizadas em gestantes. nhecida, é um quadro mais leve e de início mais precoce
Pouco se sabe a respeito de possíveis sequelas no desen- do que a depressão pós-parto, da qual deve ser diferen-
vol,1in1ento neurológico iI1fantil, pois há poucos estudos a ciado. Ocorre nos primeiros dias após o parto, desaparece
lo11go prazo. Un1 estudo publicado em 2007 no New En- esponta11eamente por volta do décimo quarto dia e tem
gland Journal ofMedici,ze com 9.622 casos e 4.092 controles um pico por volta do quinto dia. Acomete de 60 a 80% das
não estabeleceu nenhuma associação significante entre o mães, o que é un1a taxa bastante elevada. Caracteriza-se
uso dos ISRS durante a gravidez e o aumento do risco para por l1umor instável, com episódios de choro in1otivados
malformação fetal. ou por motivos triviais que podem ter duração variada.
As crises podem ocorrer porque as mães não co11seguem
DEPRESSÃO PÓS-PARTO acalmar o bebê ou porque o 1narido se atrasou para a
visita. A puérpera apresenta sintomas de ansiedade, irri-
tabilidade, senti111entos de estranheza em relação ao bebê
Até hoje persiste a crença de qt1e o desejo de ser mãe e, eventualmente, em relação ao mu11do. Nas primíparas,
está prese11te em todas as n1L1lheres e que o nascimento expressa-se por u111 sentimento de qLte jamais será capaz
de un1 filho representa sempre um momento de alegria. de assu111ir o bebê. Nas multíparas, a mãe desenvolve um
É preciso lembrar, quando tratamos de gestantes e puér- medo de que não dará conta de mais Llm filho. A disforia
peras, que a experiência de mater11idade não é igual para do pós-parto é um quadro benigno e autolimitado, que
todas as mulheres. Mesmo quando a gestação é desejada, não deve durar mais do que duas semanas. Tem um valor
esse momento pode se tornar um verdadeiro pesadelo. Na prognóstico uma vez que Lima en1 cada cinco 1nães com
experiência da maternidade, a mulher vive intensas alte- disforia vai desenvolver depressão pós-parto. A disforia
rações emocionais que, somadas às alterações fisiológicas do pós-parto foi inicialmente considerada u1n qt1adro
e hormonais, tornam esse momento de grande vulnera- específico do pL1erpério, causada pelas alterações hor-
bilidade para o aparecimento de transtor11os mentais, em monais. Posteriormente, essa ideia foi deixada de lado.
especial, a depressão. Fatores culturais e sociais também EstL1dos recentes observaram o quadro em mães adotivas
estão envolvidos. e até em pais. Também se verificou que não ocorriam em
mães de bebês prematL1ros, separadas deles em razão de
hospitalização. O que se via nesses casos eram quadros
depressivos sem características da blites sem as queixas
A constatação de que há um aumento significativo de relacionadas ao bebê. Após a alta, quando chegavam em
internações e de consultas psiqL1iátricas de mulheres nos casa para cuidar do bebê é que as mães apresentavam a
três meses qt1e se seguem ao parto mostrou que este re- disforia com seL1s sintomas característicos. Isso levou à
presenta u1n fator de risco para a saúde mental da mulher. hipótese de que essa síndron1e não estaria relacionada
Os fatores psicossociais têm sido estudados e identifi- apenas às flutL1ações hormonais do pós-parto imediato,
cados como coadjuvantes no aparecin1ento da depressão mas à presença da criança na vida da mãe.
pós-parto. A aL1sência de suporte social ou fan1iliar, a
presença de dificuldades financeiras, conflitos co11jugais,
n
1._,..,..,,,,,,,.... -
__ê_ r"'----
. ..~-
ausência de companheiro, perda do companheiro ou de A depressão pós-parto é um quadro mais severo
entes queridos na gestação são citados con10 fatores de do que a disforia do pós-parto, preenche os critérios
risco. Também a presença de estresse e de sintomas de an- diagnósticos 11ara depressão maior (CID-1 O e DSM-IV)
siedade na gestação, gestação indesejada, menor intervalo e apresenta características peculiares ligadas à situação
entre as gestações, gemelaridade, história de parto prema- de n1aternidade. A maior parte dos quadros tem início
turo e idade precoce aumentam a vulnerabilidade dessas 11as primeiras quatro sen1anas após o parto, mas também
mulheres. Um relacionamento difícil ot1 ausente com un1a pode ocorrer de três a seis meses após o parto.

94
Capítulo 1 O - Depressão na gestação e no pós-parto: d1agnóst1co e tratamento

do comporta111ento, dificuldade 110 apre11dizado e dificul-


A depressão pós-parto aco111ete de 10 a 16% das n1u- dade para dormir forarn obser\ adas nessas crianças. Os 1

lheres, mas alguns trabalhos apo11tan1 até 20%. Essas taxas problen1as podem persistir após o prin1eiro ano, ao lo11go
sobem para l 9ºAi das 111ães de gên1eos, 26°10 das adoles- da infâ11cia e até na segu11da década da ,·ida. Nessa tàse,
ce11tes, 38,2% das primíparas de baixa re11da e 39,4% em foram detectados baixo QI, hiperatividade e desate11ção
an1ostra brasileira. em 111eni11os de 11 a11os.

O diagnóstico de depres5ão pos-parto é dificultado A n1ãe deve sen1pre qL1e poss1\ el ficar próx1111a de seu 1

pelo n1ito da mater11idade feliz, que, perpetuado pela filho. Separá-los pode reforçar seus se11ti1ne11tos de ina-
mídia e pela sociedade, estabelece expectati,•as irreais pa- dequação e de incapacidade con10 mãe. A a111amentação
ra a mL1lher atender. É difícil para a n1L1lher ,,erbalizar deve ser estirnL1lada e se1npre que possível n1a11tida, pois
para seL1s familiares e 1nesmo para os profissionais da sau- o contato tà,,orece a forn1ação do vínculo afetivo. É in1-
(ie, que acredita111 qL1e ela esteja vi,1endo um mo111ento de porta11te observar a qualidade da relação, a 11atureza dos
i11tensa felicidade, o quanto ela pode estar se se11tindo i11- cuidados oferecidos, a capacidade da n1ãe para entender
feliz. Mais difícil ainda é falar sobre sentimentos e pensa- e atender às 11ecessidades do recém-nascido e de suportar
n1entos estra11hos ern relação ao bebê, o qual acredita qL1e seu choro. QL1ando o contato excessi,10 tor11a-se noci,•o
deve a111ar e proteger inco11dicionaln1ente. São frequentes e pode representar um risco para a criança, deve ser mi-
queixas físicas e de car1saço que pode111 mascarar o humor 11in1izado pela prese11ça do parceiro ou de outro fa111iliar.
depressivo, sentimentos de incapacidade e de inadeqL1a- O papel do acon1pa11ha11te é 111inimizar as de1na11das
ção co1110 mãe e dificuldades para cuidar do bebê e de si excessivas do recém-11ascido, intermediar a relação com a
mesn1a. Pe11sa111e11tos obsessivos dirigidos ao bebê e n1edo mãe e auxiliar em seus CLtidados. Nos casos n1ais graves,
de lhe causar danos são comuns, extremamente angus- como na depressão psicótica ou quando há pe11samentos
tiantes e difíceis de seren1 verbalizados. Ocorre tambén1 de agressi, idade em relação ao bebê, a a111an1e11taçào
1

u111a dificuldade para interagir con1 o bebê, o que pode pode ser SLtspe11sa, e os tàmiliares deve1n ser orientados
levar também a consequências na prole. Nos casos mais a procurar L1n1 pediatra para orie11tações e111 relação à
graves ocorre ideaçào suicida, mas o infa11ticídio é raro. sL1bstituiçào do leite materno. Nesses casos, a orientação é
O uso de escalas de triagen1 por parte dos profissio11ais a de evitar deixar a 111ãe sozinha com o bebê, já que pode
de saúde para detecção precoce dos casos pode ser L1n1a ha,·er risco de agressividade. De,,em-se tan1bém observar
estratégia de preve11ção. A Escala de Depressão Pós-Parto sinais de sofrime11to no bebê, qL1e são mais discretos e
de EdinbL1rgh (EPDS - Edi11bi1rgl1 Post,-1atal Depressio11 silenciosos do que os da doença mater11a.
Scale), desen,·ol,,ida por Cox e cols., e111 1987, o BDI
. .
(In, e11tário de Depressão de Beck) e a PDSS (Escala de
1 Int-.. , 1 ..... .... ,.ai\"- ""',.,,.,,..,+"" ........... 'f9!1

Triagem para Depressão Pós-Parto) tê111 sido adotadas A psicoterapia i11terpessoal, qL1e é uma for111a de psico-
co1n SLtcesso. terapia bre,·e, foi adaptada para o trata111ento da depressão
pós-parto. Acrescenta tópicos específicos como o relacio-
11a111ento co111 o bebê, o relacionamento co111 o 1,arceiro
e o retorno ao trabalho, com o objetivo de reduzir os
A depressão pós-parto repercL1te de 111a11eira 11egati,·a sintomas depressivos e 111elhorar as relações i11terpessoais.
na relação conjugal e tem efeito in1portante nos outros Também foi adaptada para grupos, e nessa modalidade
filhos, 111as é o bebê quem sofre o n1aior impacto. No tem a vantagen1 de pern1itir a troca entre as participantes,
primeiro ano da criança, a n1ãe é a fo11te de estí111L1lo di111i11uindo os se11timentos de inadequação e de i11ca-
emocional, cogniti, 0 e social. As n1àes deprimidas apre-
1 pacidade co1110 111ãe e reduzi11do o isolan1ento i1nposto
sentam prejuízo no afeto e u111a tendência ao isola111e11to, pela situação de 111aternidade e o estigma causado pelo
o qL1e interfere direta111ente 11a qualidade das i11terações, diagnóstico. Tanto 11a for111a indi,·idual con10 em grupo, a
qL1e podem se tornar mecânicas, descontínuas, hostis e psicoterapia interpessoal 1nostrou-se eficaz 11a redução de
i11trusi,·as. Con1 me11os ,,ocalizações, poden1 ser pern1ea- sintomas depressi,·os no pós-parto.
das de rai,•a e cL1lpa, e rara1nente são alegres e positi\'as. A TCC (terapia cog11itivo-co1nportame11tal) tan1bé1n
Difere11tes traball1os e11fatizam que a li11gL1age111 própria parece ser eficaz em gestantes e puérperas que foran1
das n1ães ao se dirigiren1 a seus bebês ten1 u111a função sub1netidas a grupos de terapia, baseando-se 11as escalas
i1nportante 110 dese11,·ol,·i111ento da linguagen1 da cria11ça. de Edinburgh, 110 I11,·e11tário de Beck para Depressão e
Na mãe deprimida, a voz despro,,ida de afeto não te111 110 Profile of í\Iood States. Nos casos das n1ulheres que
u111a fu11ção de estimulo. O estado psíquico alterado e.ia aprese11ta1n depressão pós-parto, é n1L1ito con1L1111 apresen-
n1ãe 11ão permite que ela estabeleça elos segL1ros co111 o tare111 pensan1e11tos e senti1nentos relacio11ados a questões
bebê, e coloca a criança e111 risco. Alterações e111ocionais e refere11tes aos cuidados co1n o bebê e à SL1a situação atual.

95
Tratado de Saúde Mental da Mulher

Dessa maneira, a atuação da ·rcc ,risa avaliar e reestruturar O !vlanual do !v1inistério da Sai.ide A1nan1e11tacão e Uso de
'
tais cognições, qL1e se refletem em seu comportamento. 1\tfedica111entos e 01.1tras Sz tbstâ11cias classifica as medicações
segtmdo SL1a excreção no leite n1aterno em: 1- compatível
con1 a ama111entaçào; 2- de uso criterioso; e 3- contrai11di-
É importante que o clínico i11centiYe a aman1entação cada 11a a111ai11entaçào. Compat1veis com a an1an1entação
sempre que possível, por trazer muitos benefícios ao bebê, são as substâ11cias consideradas pote11cialrnente seguras para
con10 passagen1 de a11ticorpos da n1ãe e OL1tros irnportan- seren1 usadas e se1n relato de efeitos adversos sig11ificativos
tes compone11tes para a n1aturaçào do sistema digestivo no lactente. Substâncias de LISO criterioso são as que exigem
do bebê. A a1na1nentação também favorece a intin1idade que se avalie o risco versus benefício de seu uso, que se mo-
no relacionan1ento mãe-bebê, o qL1e pode ser saL1davel 11itore os efeitos adversos no lactente e que se utilize a 1nenor
para ambos. Quando o uso de n1edicações não pode ser dose eficaz pelo 1nenor tempo possível. Contraindicadas na
evitado, deve-se saber que sen1pre ocorre passagen1 para amamentação são aquelas que não devem ser utilizadas, pois
o leite materno, 1nas a concentração entre os ISRS é baixa. há evidências de efeitos adversos importantes no lactente.
A relação risco versi,s benefício das medicações deve No caso de haver necessidade de serem utilizadas, deve-se
sempre ser avaliada, bem con10 as consequências de não orientar a mãe a st1spender a arnamentação.
tratar a n1ãe e de SL1spender a ama111entação, quando ne-
cessário. Estudos recentes confirmam a possibilidade do
uso de alguns psicofárn1acos durante a amainentaçào. É • Antidepressivos: tricíclicos-imipramina, clomipran1i-
11ecessário priorizar sempre substâncias CL1ja excreção no na, nortriptilina, amitriptilina (co11centrações 110 lac-
LM (leite materno) e efeitos no lactente são mais conheci- tente abaixo dos valores considerados detectáveis);
dos. Praticarnente todos os psicofárn1acos são excretados ISRS (inibid.ores seletivos da recaptação de seroto11ina),
no leite. Para atingiren1 o leite, as substâ11cias precisam fluoxetina, citalopra1n, sertralina e paroxetina. O esci-
atravessar as me1nbra11as celL1lares, por meio de difusão talopram parece ser mais seguro do qL1e o citalopram,
passiva. No tecido mamário, não existe un1 1necanisn10 e111 razão da baL'<.a concentração encontrada no leite e
para metabolizar essas substâncias, e qt1ando o uso é regu- na cria11ça e também pelo relato de poucos sinton1as
lar em doses terapêuticas, a substâ11cia "111ãe" e seus me- nos filhos das mães que L1saram essa medicação.
tabólitos são e11contrados no leite em concentrações cor- • Estabilizador do humor: a carbamazepina e o ácido
responde11tes a 1 a 2% da dose n1aterna. A co11centração valproico são recon1endados con10 substâncias de es-
da substância no LM depende de sua lipossolL1bilidade, da colha por terem a aprovação da Acaden1ia A1nericana
ligação com as proteínas, do grau de ionização no plasma, de Pediatria. O ácido valproico pode ser prescrito com
de SLta hidrossolubilidade, do PM (peso n1olecular), do cautela, sob monitoração constante de função hepática
perfil metabólico da substância e da presença de metabó- 110s bebês e hemogramas seriados en1 razão de un1
litos ativos. Substâ11cias lipossolúveis são excretadas com relato de trombocitopenia e anemia de t1m bebê de
n1aior facilidade no leite n1aterno; st1bstâncias co111 baixo três n1eses cL1ja n1ãe estava usando essa medicação.
peso molecular atravessam mais facilmente; e íons, e1n A gabapentina tan1bém é compatível com amamenta-
geral, não são excretados no leite materno, com exceção ção, segundo o i\tlanual do Ministério da Saúde.
do lítio, cujo peso molecular é pequeno.
.,__.,;_~-
A conce11tração da substância no lactente depende da
dosagem da medicação prescrita, da proximidade co1n a • Antidepressivos: IRSA (inibidores duais da recaptação
mamada, do funcio11amento do trato gastrintestinal, da de serotonina e de noradrenalina), como a venlafaxina.
fu11ção hepática e renal e de sua capacidade de absorção, A nefazodona, mirtazapina e fluvoxa1nina também
metabolização e excreção. Nos prematuros, essa capacidade são consideradas de Liso criterioso por tàlta de dados
é baLxa e at1menta a partir de dois 1neses. Para avaliar os suficientes.
efeitos adversos 110 bebê, é 11ecessário dosar a concentração • Estabilizadores do humor: a lamotrigina, o topiran1ato
plasn1ática da criança amamentada. U1n bom exemplo é o e a oxcarbazepina também são de uso criterioso pelo
dos antidepressivos tricíclicos e alguns inibidores seletivos n1esmo motivo.
da recaptação de seroto11ina, como a sertralina. As pesqui- • Carbonato de lítio: ½ a 50% da dose n1ater11a pode ser
sas mostram que a concentração dessas SL1bstâncias e de enco11trada no plasn1a do lactente, e o seL1 uso deve
seus metabólitos no plasma e no leite 1naterno são idênti- ser criterioso. A Acaden1ia A111ericana de Pediatria diz
cas, mas a co11ce11tração no plasma do bebê está em un1a que é o psicofármaco de maior risco. Usar preferencial-
faixa abaixo do lin1ite mínimo detectável (4 a 5 ng/mL). mente en1 n1ães de lactente acima de cinco meses de
O pediatra que acompanl1a o lactente deve observar opa- idade e n1onitorar a criança com dosagens plasmáticas.
drão alin1entar, o tônus, os hábitos de sono, os distúrbios Isso ocorre porque o rin1 do neonato ainda é imaturo,
gastrintestinais, o ga11ho de peso, o desenvolvimento, o e, por esse n1otivo, pode haver intoxicação. Alén1 (lisso,
comportamento, a atividade e a sociabilidade do bebê. pode haver alterações 110 ECG.

96
Capítulo 1 O - Depressão na gestação e no pós-parto: diagnóstico e tratamento

Chan1bers CD, Hernandez-Diaz $, Van Marter I,J, Werler MNI,


E1n li11has gerais, os benzodiazepí11icos de,,em ser
Louik C, Jones KL et ai. Selective Serotonin-Reuptake lnhibitors and
e,·itados, da11do preferência a doses isoladas daqueles que Risk of Persistent Puln1onary Hypertension of the Ne,vborn. N Eng!
ten1 n1eia-, ida curta, qLtando 11ão puderem ser evitados.
1
J .\led. 2006;354:579-87.
O uso dos antipsicóticos 11ào é contraindicado pela Aca- Clark G. Discuss1ng en1otional health in pregnancy: the Edinburgh
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ai11da são pouco estudados. During Pregnancy in \\'on1en \\'ho lvlaintain or Discontinue Anti-
depressant Treatn1ent. JA:VIA. 2006;295:499-507.
-
CO~'(l t!C " " Condon J. \\on1en's n1enta health: A '\,:ish-list" for the DS~l-\'.
Nun1erosas áreas de pesquisa em psiquiatria perinatal Arch \\'on1ens i\[ent Health. 2010;13:5-10.
per111a11ecen1 abertas para investigação. A saúde 1nental Cox JL, Chap1nan G, i\Iurray D, Jones P. \ 'alidation of the Edinburgh
da mull1er é t1111a área exte11sa da psiquiatria e qtte ,·en1 postnatal depressíon scale (I:.PDS) in non-postnatal ,,·on1en. Journal
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se11do 111ais estt1dada na últin1a década, mas que ai11da é
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uni ca1npo ,·asto para pesquisas por 11ecessitar de n1ais
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esclareci111entos. A se11sibilidade que algu111as n1ulheres
Eínarson A, Bonari L, Koren G. Pregnancy and Antidepressant
teria,n às flutuações hor111onais em qt1alqL1er fase de suas
Couseling. Letters to the Editor. An1 J Psych iatr}. 2004; 161 ( 11) :2137.
vidas parece ser t1n1 ponto-chave 11esses casos.
Einarson A, Pistelli A, DeSantis wl, N1aln1 H, Paulus \VD, Panchaud
O diagnóstico dos tra11stornos perinatais ta111bén1 está A et ai. Evaluation of the risk of congenital cardiovascular defects as-
e111 estudo, ha,•endo perspecti,·as de n1udanças ou 110,,as sociated ,,·ith use of paroxetine during pregnanC). Arn J Psychiatry.
inclusões diagnósticas co1n a CID-11 e o DSN1- V. 2008;165:-49 52.
O foco em detecção precoce de,,e ser estendido aos Freen1an ;\lP. Antenatal Depression: ?\avigating the 1·reatment D1-
obstetras, co11sidera11do o grande contato que esses médi- lemmas. An1 J Psychiatry. 2007;164( 10):1457-9.
cos tê111 com a n1ãe d t1ra11te o pré- natal. Gentile S. lJse of contemporany antidepressants during breastfeed-
Em relação aos psicofármacos, são necessárias 111ais ing: a pro posai for a specific safety index. Drug Saf. 2007;30: 107-2 J.
pesqt1isas para qt1e l1aja un1a melhor consideração dos Bennett HA, Einarson A, Taddio ,\, Koren G, Einarson rR. Depres-
efeitos que essas medicações poden1 oferecer ao feto en1 sion During Pregnancy: Ü\'ervie,, of Clinicai Factors. Clin Drug
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pela FDA está em constante 1nuda11ça e tambén1 por esse Kaplan PS. 1\laternal Depression :V1ay Alfect Intànt Learning. Psy-
motivo deve-se ate11tar se111pre para a relação risco versus chology Sei. 2002; 13:268-71.
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considerando-se cada caso em particular. ' ,
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2006;33(2):92-102. ing:
... ab~tract

97
Transtorno afetivo bipolar
no período perinatal

Vera Tess
Rodrigo da Silva Dias
Tania Yumi Takakura
Mariana Bagar

INTRODUÇAO
- O início da doença afetiva ocorre em geral 110 início da
O período perinatal - que abrange toda a gestação até vida reprodutiva da mL1lher - na adolescência OLl no co-
um ano do nascimento1.2 - é um 1nomento de especial meço da vida adulta. A maioria das pacientes portadoras
vulnerabilidade aos transtornos mentais, especialn1ente às de TAB deseja e11gravidar, 111esmo após orientação dos
doenças afeti,,as. Difere11ças entre os gêneros para mL1itos n1édicos acerca dos riscos de possível piora da doença e
transtor11os psiquiátricos são atribuídas a inflt1ências dos efeitos do trata1nento sobre o feto. ~
genéticas, horinonais e a difere11ças de papéis sociais. Flt1- A literatura não nos fornece dados específicos sobre
tuações dran1áticas dos horn1ô11ios gonadais i11fluencia1n depressão en1 mulheres bipolares grávidas. Mas estL1dos
o aparecimento de doenças afeti,,as durante o período pe- prospectivos recentes sobre depressão dt1ra11te a gestação
rinatal. A rápida t1L1tL1ação dos níveis hor111onais durante indicam qL1e entre 1O e 25% das gesta11tes apresenta111
a gestação e, mais dran1aticamente, a rápida queda desses diagnóstico. De um n1odo geral, as rnL1lheres com ante-
níveis durante o pós-parto au111entam a prevalência dos cede11tes de episódios depressivos têm um risco 1naior de
transtornos de humor durante esse período. recorrências, especialmente aquelas qt1e interromperan1 a
Embora o efeito da gestação no curso 11at11ral do TAB 111edicação bruscamente. 5
(transtorno afetivo bipolar) 11ào seja descrito adequada- Mt1itos sintomas - cansaço, letargia, labilidade en10-
n1ente, estudos sugerem qL1e qL1alquer efeito protetor da cio11al, 111uda11ça de apetite, diminuição do desejo sexual,
gestação na recorrência de mania ou depressão é li1nitado, distúrbios de sono - são con1uns à depressão e à gestação,
e o risco de recaída e de cronicidade depois da retirada do dificultando o diagnóstico. As características clínicas da
estabilizador de humor é alta. depressão n1aior na gestação são idê11ticas às de outros pe-
No tra11storno afetivo bipolar tipo 1, a pre,,alência é ríodos da vida da mulher. Em pacientes se1n suporte social
igual entre l1ome11s e 1null1eres (0,5 a 1,5% 11a popula- adequado, especialme11te aquelas com ot1tros fill10s peque-
ção geral), enquanto o TAB tipo 2 é mais frequente em nos, o au1nento de irritabilidade e de si11to111as a11siosos é
mulheres (prevalência na população geral n1aior de 4%). mais freque11te. O tratamento necessariame11te tem que en-
A população femini11a con1 transtorno bipolar apresenta volver o aumento do suporte familiar e social. Além disso,
quadros depressivos com maior frequência, maior risco algu1nas doe11ças presentes na gestação - ane1nia, diabetes
de suicídio, de ciclagem rápida, de manias 1nistas e de ma- gestacionais e disfunção tireoidia11a - também pode1n mas-
nias induzidas por antidepressivos. Apresentan1 também carar os si11to111as da depressão e retardar o díag11óstico.
maior comorbidade com outros tra11stornos psiquiátricos O tàtor que 1nais dificulta o diag11óstico é o estigma
e doenças clínicas, tais como obesidade, e11Xaqueca e associado à depressão. A assincronia entre a expectati,,a
disfunções tireoidianas. 3 Isso le,,a a co11dições clínicas de de felicidade de uma gestação planejada e os sintomas de
difícil manejo, envolvendo frequentemente a necessidade tristeza e irritabilidade fazem n1uitas mull1eres não relata-
de múltiplas drogas. ren1 esses sinto111as.
Tratado de Saúde Mental da Mulher

i11teraçào n1ãe-bebê. O con1pro111etimento do ,·inculo


afeti,·o 1nãe-bebê pode ter i111pacto profL1ndo 110 dese11-
volvi111e11to infantil. .s.-.
História prévia de doença afetiva ou ansiosa
A gestação, especialmente a 1-1rí111eira, é o te111po de
História famlliar de doença psiquiátrica preparação e111ocional e psicológica da 111t1ll1er para se
Antecedentes de abortos, natimortos ou malformação fetal tornar 111àe. ~lt1itas pesquisas reforçan1 a ideia de qt1e o
Fatores socioeconômicos: falta de suporte familiar e social, ,·í11culo afeti,·o n1ãe-bebê co111eça na gestação, cresce e é
ausência de parceiro, dificuldades financeiras, gestação tra11sferido ao bebê após o 11asci111e11to.~
não planejada (especialmente em Jovens), multiparidade, A 1-1rin1eira gestação é tan1bén1 o mo111e11to do casal se
história de violência doméstica e uso de álcool e drogas. preparar para a transição de un1a relação a (iois para u1na
relação tridiática. É ta111bén1 a preparação para a paterni-
dade. A depressão pode inibir esses processos, tanto no
desen,·ol\'in1e11to dos ,·í11culos a11te11atais con10 11a tra11-
As cor1sultas de pré-11atal são focadas nos parâmetros sição dos papeis do casal.
clínicos da mL1ll1er e no dese11,•ol, ime11to adequado (ÍO
1
Qt1a(iros agtttic)s afeti\'OS OLL psicóticos dura11te a gesta-
feto (altL1ra L1terina, pL1lsaçào fetal, nL1triçào e aL1r11ento (ie ção coloca1n a 111ulher e seu feto e111 risco em razão de
peso). 1\s queixas e111ocionais rara111ente são i11,,estigadas. cor11portame11tos i111pt1lsi,,os e de autoagressão, abuso
Essas circu11stâncias contribue111 para fazer da depressão de st1bstâ11cias, cuitiados pré-natais inadeqt1ados e n1aior
gestacio11al uma das co11dições clí11icas 111e110s reco11heci- exposição a 111últiplos psicotrópicos em altas doses. Nlas
das e tratadas. o i111pacto da 111a11ia OLl da depressão, bem con10 da
abstinê11cia do 111edicamento 110 dese11,·ol,,i111e11to fetal, é
-
IMPACTO DA DOENÇA AFETIVA NA GESTAÇAO E ai11da pouco conhecido.
NO DESENVOLVIMENTO FETAL Mt1lheres portadoras de 1'AB apresenta111 risco signi-
Vários estudos tên1 demonstrado qL1e a doe11ça 111ental ficati,,a1ne11te 1naior de co111plicações obstétricas: anor-
e1n si pode compro111eter a evolução da gestação e o de- 1nalidades place11tárias (principaln1ente placenta pré,,ia),
senvolvin1ento do feto (Tabela 11.1)."- ,\ doe11ça afeta a he111orragias durante a gestação e efeitos ad,·ersos tóxicos
capacidade da n1L1lher de segt1ir os cuidados pré-natais e pelo LISO de tabaco, álcool e drogas. Ta111bé111 apresentam
de e, itar comporlan1e11tos prejL1diciais.
1 tendê11cia a L1111 n1aior risco para sofrin1ento fetal, sem
A depressão 111aterna tambén1 pode i11terferir sig11ifica- outras co1nplicações no parto. Tais riscos são observados
tíva111ente 11a u11idade familiar. A doença está tipican1ente nas pacie11tes cor11 início da doença antes da gra,·idez e
associada a dificuldades interpessoais e a preju1zos na não depois, sugerindo relação co111 o TAB.

Evolução obstétrica e fetal • Maior rrsco de prematuridade(< 37 semanas) e de recém-nascido de baixo peso(< 2.500 g)
• Comprometimento do crescimento e ganho de peso fetal, maior risco para estresse fetal
• Maior risco de abortamento espontâneo
• Maior risco de pré-eclamps1a
• Maior rrsco de cesáreas e fórceps
Evolução neonatal • Escores mais baixos do Apgar
• Maior probabilidade de admissão nas unidades de cuidados neonatais
• Maiores riscos de lesões pela mãe por desorganização, impulsividade ou agressividade
• Comprometimento do padrão do sono, choro excessivo e irritabilidade
Desenvolvimento infantil • Efeito negativo no vínculo materno-fetal e materno-infantil
• Atraso no desenvolvimento emocional, cognitivo e da linguagem
• Crianças com maior 1ncidênc1a de transtornos ps1qu1átrrcos
Riscos para a mãe • Pior aderência às orientações perinatais - nutrição, sono e exercícios físicos
• Agravamento das comorb1dades clínicas
• Aumento à exposição às drogas como álcool, nicotina e drogas ilícitas
• Aumento de comportamentos de autoagressão e suicidas
• Aumento do risco de depressão pós-parto
• Impacto no relacionamento conJugal e familiar

100
Capítulo 11 - Transtorno afetivo bipolar no período pennatal

- -
INTERRUPCAO DA MEDICACAO
. , E1n boa n1edida, isso ocorre pelo receio da paciente e do
Esti1na-se que SOo/o das gestações 11ão seja1n planejada!> 111édico de expor o feto à farn1acoterapia. l11felizme11te,
110s EUA. Pacíentes con1 TAB apresentan1 alguns fatores essa estratégia expõe o feto ao risco simultâ11eo da medi-
que aL1n1e11tan1 o risco de uma gestação não progran1ada: cação e da depressão não tratada.:,; Desco11ti11t1ar um trata-
os si11tomas de ma11ía e hipoma11ia como desi11ibição n1ento de r11anutenção é u111a decisão importa11te, que só
e erotização associadas ao prejuízo da crítica levan1 a deve ser to111ada con1 avaliação cuidadosa da história da
comportame11tos sexL1ais de risco; alguns estabilizadores doença e en1 conjunto com a paciente e o obstetra .. /,
de hun1or - como a carbarnazepi11a, a oxcarbazepina e o Mulheres con1 TAB eram tradicionaln1e11te aconselha-
topiramato - reduzem a eficácia dos a11tíconcepcionais; as das a e\ itar a gra,,.idez ou n1esmo a interron1per a gestação
1

alterações hormonais cat1sadas pelo uso de algt1ns 1nedi- exposta a medicações co1n potencial teratogênico (tais
camentos - o ácido valproico aume11ta o rísco de ovário con10 lítio e ácido valproico). Informações n1ais atuais pos-
policístico e de hiperandrogenismo e os antipsicóticos sibilitan1 às n1ttlheres eleger estratégias de trata111e11to que
causam hiperprolactinemía - produze1n irregt1laridades permitam urna gestação segura para o bebê e para a mãe.
n1e11struais que ele\•am o risco de u111a gra,,idez não pla-
nejada e só percebida quando já adiantada. TRATAMENTOS FARMACOLÓGICOS PARA O
A n1aioria das gestantes que se enco11tra em tratar11e11to TRANSTORNO AFETIVO BIPOLAR NA GESTACAO
-
para tra11stornos afetivos i11terrompe a medicação quando Os EH (estabilizadores c.io humor) são os fárn1acos de
se descobre grávida. '-1 No transtorno bipolar, o risco de prirneira escolha 110 trata111e11to do TAB. A seguir, são
recaída é particularn1e11te alto nas pacientes que des- apresentados os principais achados na literatura sobre sua
co11ti11uaram o trata111ento profilático, em especial se de prescrição nas gestantes.
ma11eira abrupta. Nas pacientes que interron1pera111 o uso
de estabilizadores do ht1n1or, o í11dice de recaída \'aria de
80 a 100%, um risco duas a três vezes n1aior do que nas O lítio atravessa a placenta livremente, e a concentra-
gesta11tes bipolares que 11ão interro111peram a n1edicação. ção sanguí11ea fetal é igual à co11centração materna. Em
Nas gestantes que recaírarn, un1a maior frequência de epi- virtude da i111aturidade re11al do feto, o clearetzce re11al
sódios depressi,,os ot1 disfóricos foi obser,,ada. 14 do lítio é dimi11uído, Ie,,ando ao aumento da sua meia-
Nev.rport e cols. ,., avaliaram o risco de un1 novo episódio vida. Co11sequentemente, o feto pode ter u111 efeito tóxico
da doença em pacientes que desco11ti11uaram o estabiliza- n1esn10 quando o nível sérico n1aterno esteja na faixa
dor de ht1n1or versi,s un1 grupo qt1e 111anteve lamotrigina. terapêutica. ' 111 Até o mo1ne11to, não há e,·idências de at1-
Observara111 que 100º-1> das pacientes qt1e interrompera111 mento de risco de abortan1ento ou morte intrat1teri11a e1n
a n1edicação recaíra1n contra 30°10 das pacie11tes co111 mt1lheres usando lítio. 19
la1notrigina. En1 1973, o Register of Lithiu1n Babies, baseado en1
Viguera e cols., r en1 um estudo prospecti,·o obser,,a- um siste1na de relato ,•olu11tário dos clínicos, demonstrot1
cional com 89 gesta11tes com TAB, con1pararam o risco u1n risco 400 vezes n1aior de malformação cardiovasct1lar,
de recaída e11tre as gestantes que i11terro1nperam o trata- especialn1e11te a11omalia de Ebstein, em bebês expostos ao
n1ento de ma11utenção próximo à concepção (62/89) e as lítio no útero. Att1aln1ente, estima-se qL1e a i11cidência dessa
gestantes que ma11ti,•eran1 o tratan1ento profilatico (27/89). doença 11a população geral é de 1:20.000, e e111 bebês ex-
Concluíran1 que 85°10 das gestantes qt1e interromperan1 o postos ao lítio no primeiro trimestre é de 1: 1.000 a 1:2.000,
trata111e11to recaíran1 (a maioria no primeiro trimestre) en1 o que seria 0,05 a O, 1%, tim risco 20 a 40 ,·ezes n1aior. 2º·- 1
cornparação a 37% do grt1po que n1a11teve a 1nedicação. Portanto, e111bora o risco relativo esteja elevado, o risco
No grupo de pacie11tes que recai n1esn10 r11a11ter1do a absolt1to para n1alforn1açào de Ebstein é baixo. No entanto,
n1edicação, é importa11te notar que a recaída demora mais a incidência de outras malformações cardíacas associadas à
para ocorrer, e a sintomatologia é n1ais bra11da. A recaída exposição i11trauteri11a ao lítio ,·aria de 0,9 a 12°10. 22
está associada, norr11aln1e11te, à din1inuição do ní,·el sérico No caso de toxicidade 11eonatal, são freque11te1nente
da n1edicação detern1i11ado pelas alterações fisiológicas da relatados sinto1nas perinatais tais como a síndro111e floppy
gestação (aume11to da volen1ia, aun1e11to do cleare11ce re- baby, caracterizada por hipotonia, letargia, arritmias,
11al e do metabolis1110 hepático). Em geral, essas pacientes difict1ldade respiratória e cianose. A 1naioria desses be-
respondem ben1 ao au111e11to da dose. Já as pacie11tes qL1e bês reqt1er ct1idados especiais até o lítio ser totalmente
interro111pen1 a medicação a11tes da concepção, ou logo excretado da circulação, o qt1e pode levar de 1O a 14 dias.
após a confirn1ação da gestação, recaen1 111ais rapidamen- O t1so pela 1nàe de diuréticos, anti-infla1natórios não hor-
te (e111 geral, no primeiro sen1estre), pern1anecen1 doe11tes 1nonais e dietas con1 restrição de sal aun1e11ta o risco para
na n1aior parte da gestação e necessitan1 de doses n1ais toxicidade 11eonatal pelo lítio. ~ Foram relatados casos de
altas ou politerapia, aume11tando a exposição fetal. hipotireoidismo, diabetes i11sipidi1s 11efrogê11ico e, mais
Outro aspecto a se salientar é que 1nt1itas gestantes, raramente, polidrân1nio co111 o uso de lítio no segundo e
quando usam medicação, o tàzen1 em doses i11adequadas. no terceiro trimestre. Ta111ben1 foi obser,·ado L1111 aumento

101
Tratado de Saúde Mental da Mulher

do peso r11édio ao 11ascer de 90 gra111as e algL111s casos <.ie


111acrosso111ia fetal. .A 111aioria c.ios estt1dos de exposição fetal a a11ticon-
Pouca i11for1naçào está dis110111,el sobre alteraçõe., ,·tdsi,·a11tes toi realizada co111 111t1ll1eres porta<.ioras de
11et1roco111porta111entai., de longo pra10 e111 crianças ex- epilepsia. l{ece111-nascidoc. expostos a a11tico11,·t1lsi\·antes
postas ao litio intrat.:1tero. lJ111 segui111e11to de cinco ar10':> dt1rante a gestação aprese11ta111 risco au111e11tac.io de 11asce-
de 60 cria11ças expostas ao l1tio dt1ra11te o segt111do e ren1 peque11os para a i<lade gestacio11al (11í,•el B tie e,·idê11-
terceiro tri111estre da gestação 11ão e11co11trot1 e,idência-; cia) e d~ escore < 7 110 .Apgar de 1 111i11t1to (111,·el C). ~ão
sig11ificat1,as de proble111as co111porta111e11tais. Outro es existe111 e,·idê11cias st1ficie11tec:. de qt1e tais bebês aprese11-
tL1do co111parou l 3 cria11ças ( 111cdia de ida<.ie <.ie 3,5 a11os) te111 risco au111entado para Ct)111plicações l1en1orràgicas. ·
de 111ãcs co111 TAB qL1e fora111 expostas ac) lítio co111 11 Aprese11ta111 ta111bé111 risco titias a três ,·ezcs mai(>res para
cria11ças de 111ães co111 f AB 11ão exi)ostas a 111edicações, 111altor111ações, e esse risco parece e-,tar associa<.io cl expo-
e 11ão c11co11trot1 alterações significativas 11a a,·aliação sição às drogas, n1ais que à epilepsia en1 si, es1-1ecialn1e11te
. . ' ,.
11 eu r<.)cog111 t1,·a. qt1a11do e111 altas c.ioses e e111 1)01iteral1ia. As 111altor111ações
O l1tic> é elin1inado pelos ri11s se111 biotra11sfor111ação. 111a1ores 111ais freqt1e11tes são as card1acas (co1110 c.iefeitos
?\a gestação, o clenr<111ce re11al do lítio quase dobra, di- do sei1to ,·entrict1lar), orofaciais (co1110 fe11da labial e i1ala-
mi11ui11do a concentração sérica e 11otencial111e11te at1- ti11a), t1roge11itais (co1110 hipospadia), esqt1eléticas (co,110
1ne11ta11do o risco de recaída. U111a 111011itoraçào da dose hipoplasia fala11gea11a) e de tt1bo neL1ral. Alén1 disso, tais
1na1s freqL1ente é recon1e11dada, a cada dt1as ou quatro crianças ta1nbe111 estão en1 risco para seqt1elas co111porta-
sen1anas durante a gestação e sen1a11al111e11te no tdti1110 n1entais e cog11iti,·as. -·
n1ês. ~o 11arto, o ,·olt1111e ,·asct1lar rap1<.ia111e11te di111i11t1i -
e111 aproxi111adar11e11te 400,n -, e o cle,1re11cc re11al c.io lítio
cai aos 11í,·cis pré-gra,·íc.iicos, aun1e11ta11do a co11ce11tração O ácido valproico é considerado ttm teratógeno hun1a-
sérica e coloca11do a l1acie11te em risco c.ie t<.>xicida<le. Para 110. Set1 efeito teratogêr1ico c.iecorre da exposição entre o
e,,itar essa toxicidade, os clí11icos tê111 c:,ugerido algun1a!-. l 7v e o 30" dia após a co11cepção. EstL1dos recentes apo11-
estratégias: checar a lite111ia 110 n10111e11to tio parto; di- tan1 para t1n1a ir1cidê11cia c.ie 6 a I 4°/o de n1alfor1nações
111i11t1ir a tiose do lítio no início do parto; Oll di111int1ir ou 111aiore., (defeitos do tubo 11eural e111 1 a S~o dos casos).
retirar o lílio por 24 a 48 horas antes do parto. Co1no a O risco 111aior ocorre en1 doses aci111a de 1.000 1ng/dia e
taxa de filtração glon1erttlar 111ater11a rapida111e11te retor11a e111 associação co111 otttro antico11vt1lsiva11te. 1(,·2s·29·3
aos 11í,•eis pré-gestação ªl)ÓS o parto, a dose i)ré-co11cepçà<.> Un1 estudo caso-controle a,•alia11do 98.075 casos de
de,'e ser reiniciada ..: n1alfor111ações do banco de da<.ios do Eurocat (Et1ro-
)Ja doe11ça afeti,·a bipolar, a 1naioria das pacie11tes recai i1ean St1r,·eilla11ce of Co11ge11ital A110111alies) c.ii,·idiu os
após a retirada do lítio (risco n1aior con1 a retirada abrt1pta, registr<>s er11 três grt1l1os: a) grt1po de casos co111 algL1n1a
e111 111e11<.>s c.ie 14 dias). Desco11ti11t1ar u111 trata111e11to das 14 1nal forn1ações 111a is freq t1e11te111c11te associadas
de 111anutc11ção é u111a c.iecisão importante e só de,·e ser à exposição ao ácido valproico na literatura; b) grt1l10
feita co111 avaliação ct1idadosa da história <.ia doe11ça e e111 co11trole 1, co111 outras 111alformações não pre,,ia1nente re-
conju11to con1 a pacic11te e o obstetra. A redução de\·e ser lacio11adas ao ácido ,·alproico; e c) grupo controle 2, con1
lenta ( 15 a 30 dias). Caso a c.iroga seja 111a11tida, ir1dicam · a11omalias cro111ossô111icas. Dos 180 i11div1dt1os expostos
-se 110 Qt1adro 11.2 as recon1e11daç<.les para n1anejo do i11 i1tero ao acido ,·alproico e111 111onoterapia, 122 fora111
lítio dt1rar1te a gestação, con1 , istas a di111int1ir os riscos.
1 classifica<.ios 110 grt1po de casos, 45 110 grt1po co11tr0Je l e

1. Monitorar mensalmente o nível sérico, principalmente se houver vômitos, febre, uso de diuréticos ou ingestão diminuída
de sódio.
2. Manter a dose mínima eficaz Com a progressão da gestação, há aumento do volume plasmático e da excreção renal, e
pode ser necessário aumentar a dose do lítio.
3. Div1d1r a dose em três a quatro vezes ao dia para manter o nível sérico estável e evitar picos. Usar de preferência a forma
de liberação controlada.
4. Fazer ultrassonografia e ecocardiografia fetal entre a 16 e a 18 semanas para avaliar eventuais anomalias.
5. Monitorar o nível sérico semanalmente durante o último mês e a cada dois dias na proximidade do parto.
6. Diminuir gradualmente (para metade ou um terço) a dose dois ou três dias antes do parto para evitar tox1c1dade.
7. Manter hidratação adequada e evitar ant1-1nflamatónos não esteroides para maneJo da dor durante o parto.
8. Reavaliar a dose após o parto (voltar aos níveis pré-gravídicos)

102

Capítulo 11 - Transtorno afetivo bipolar no período perinatal

13 no grupo controle 2. O uso do ácido valproico este,1e conce11tração de metabólitos tóxicos, co1110 o epóxido-
significati,,a111ente associado ao 111aior risco para seis das CBZ.11,.,- ,o.,- Teorican1e11te, a oxcarbazepi11a, que 11ão
14 malforn1ações consideradas: espinha b1fida, OR 12,7 produz esse n1etabólito, deveria ser me11os teratogênica.
(IC 95% 7,7 a 20,7); defeitos de septo atrial, OR 2,5 (IC Poré1n, não há estudos con1provando essa suposição.-1
95% 1,4 a 4,4); fenda palatina, OR 5,2 (IC 95% 2,8 a 9,9); E111 geral, os estudos cor11 a oxcarbazepi11a apresentan1
hipospadia, OR 4,8 (IC 95% 2,9 a 8,1); polidactilia, OR amostras relativar11entc peqL1enas. I'V[ontouris, 38 e111 unia
2,2 (IC 95% 1,0 a 4,5); e craniosir1ostose, OR 6,8 (IC 95% revisão de literatura co111 309 gestações expostas a ox-
1,8 a 18,8). \) carbazepina, \'erificou un1a frequência de n1alformação
O ácido ,,alproico está associado à presença de n1uitos fetal de 2,4% no grupo en1 n1onoterapia (6/ 248) e de 6,6°10
sinto111as perinatais de toxicidade 11eo11atal, tais con10 110 grupo en1 politerapia (4/61). A oxcarbazepir1a e111
desaceleração do ritmo cardíaco e risco de co111plicações 111011oterapia 11âo pareceu at1n1entar o risco de malforn1a-
corno toxicidade hepática e hipoglicen1ia, e sinton1as de ções, 111as é 11ecessário urn 11t'.1111ero maior de casos para
absti11ência, tais con10 irritabilidade, inquietação, dificul- avaliar n1elhor a segurança dessa medicação.
dade de sucção e tô11L1s anormal. N1olgaard-Nielsen & H, iid, 39 num estudo de coorte
1

Em ter111os de se<-1uelas neL1rocomportamentais, o utiliza11<.lo o banco de dados do Registro Nlédico de Nas-


ácido valproico te111 i111pacto negati, 0 110 dese11, ol, i-
1 1 1
cimentos, identificaran1 393 crianças expostas i11 utero
mento cog11itivo das crianças expostas na gestação. Está a oxacarbazepina. Onze crianças (2,8%) apresentara1n
associado a retardo n1ental e do crescime11to e a disfL1n- 111alforn1ação fetal.
ções 11eurológicas, especial111ente qL1a11do em politera- A CBZ em monoterapia está associada a redução 11a
pia. 15..\ 1..1·\ No estudo prospectivo de i\1eador e cols., 3·1 309 circunferência crania11a; a exposição i11 ittero à politerapia
crianças expostas a a11ticon,rulsi,,antes 11a gestação fora111 com antico11vulsivantes está associada ao aumento do
avaliadas aos 3 a11os de idade, sendo verificados escores risco para 111icrocefalia.~1
de QI significativa1nente 111enores 11as expostas ao ácido Foran1 descritos dois casos de toxicidade l1epática tran-
valproico; tal associação se 111ostroL1 dose-dependente e sitória e111 neo11atos expostos à carbamazepi11a intraútero.
independente do QI 111aterno. Na 111édia, essas crianças Con1 relação às sequelas 11eurocon1portame11tais, en1
apresentaran1 QI = 92, no,,e pontos abaixo da pontuação dois estudos realizados com filhos de mães portadoras de
obtida entre as expostas à lan1otrigina (IC 95°10 3,1 a 14,6; epilepsia, a exposição à carba111azepina 11ão este,'e relacio-
P = 0,009) e seis pontos abaixo da obtida e11tre as expostas nada a tiéficit cog11itivo sig11ificativo, exceto quando en1
à carban1azepina (IC 95% 0,6 a 12,0; P = 0,04). associação com o ácido valproico. 5133
E111 un1a rece11te n1etanálise incluiu sete estudos de Nos resultados prelin1inares do estudo observacional,
coorte e um total de 67 crianças expostas i11 ittero ao ácido prospectivo e multicêntrico do NEAD Study Group, as
valproico, 151 expostas à carbamazepina e 494 controles criar1ças expostas i11 i,tero à carban1azepi11a em mo11ote-
(filhos de mães saudáveis OLl portadoras de epilepsia 11ão rapia aprese11taran1 QI médio de 98 aos três anos de
tratada). O grupo exposto ao ácido ,,alproico aprese11tot1 idade, e seus escores de QI estiveram sig11ificativan1e11te
escores de QI global, QI verbal e QI de execução significa- associados aos de suas 111ães. '~ Na metanálise de Banach e
tivamente menores que os do grupo controle (83,9 versits cols., 35 o grL1po exposto à carba111azepina não apresentou
102; 93,7 versus 101; e 88,3 versus 99, respecti,,an1ente). ' diferenças nos escores de QI global e QI ,,erbal quando
O estudo prospectivo desen,·ol,·ido pelo Liverpool a11d comparado ao grupo controle, mas apresentou escores
Manchester NeL1rodevelopment Group en, olvendo 632 1 significativan1ente 111enores no QI de execução en1 Lima
crianças (296 filhos de 111ães portadoras de epilepsia e subanálise de três estudos.
336 de mães 11ão portadoras) aponta para un1a incidê11cia
sete vezes 1naior de tra11stornos do espectro autista ern Larr"+..:,..;n;:,
crianças expostas ao \ ' PA i11 ittero, quando comparadas É co11siderada pelo A111erica11 College of Obstetriciar1s
ao grt1po controle (6,3°10 versus 0,9%). Esses resL1ltados and Gy11ecologists a opção n1ais segura para o tratan1ento
são prelimi11ares, de, e11do-se considerar que, à época de
1 do transtor110 afetivo bipolar na gestação.(,
sua publicação, 32% da an1ostra e11contrava-se e111 idade E111 ter1nos de malforn1ação fetal, estudos rece11tes
abaixo da n1édia de detecção e diagnóstico dos tra11stor- enco11traran1 i11cidência de até 5,6%, sig11ificativan1ente
nos do espectro autista. '6 n1aiores qua11do em politerapia que ir1cluía o ácido val-
proico. '6 ,- ,- Nlorro,v e cols. ~6 encontraram relação
1

entre dose e risco de n1alforn1ações, sendo maior o risco


Estudos rece11tes apontam para u111a incidê11cia de 2,2 para doses acima de 200 111g/dia (5,4% contra 1,9%). En1
a 5% de malforn1ações felais (defeitos do tubo neural e111 contrapartida, o Inter11acio11al Lamotrigi11e Preg11a11cy
0,5 a 1% dos casos) co111 a carbamazepi11a, sendo 111aior a Registry a,,aliou 802 gestações expostas desde o primeiro
incidência em politerapia, especiah11e11te em associação tri111estre à n1onoterapia com lamotrigina até 400 mg/
com o ácido ,,alproico - possi,•eln1ente pelo at1111ento da dia, e obser,·0L1 2,7°-b de n1alformações, sen1 evidência de

103
Tratado de Saúde Mental da Mulher

efeito da dose na frequência de 111alfor111açào fetal. 4 1 Está 1na11as do pós-parto. A n1aioria das gestantes 11ecessita de
associada à fenda oral na taxa de 4 a 9 por 1.000 nasci- doses 1naiores de lamotrigi11a para ma11ter nível terapêt1-
me11tos, se11do a i11cidê11cia dessa a11omalia 11a população tíco e e,·itar au111e11to das crises convulsivas. Toxicidade
geral de 0,37 por 1.000. Coletivamente, os resultados indi- pela lamotrigina no pós-parto é co111um nas mt1lheres
cam que a lamotrigi11a está associada a u111 risco de fenda que 11ecessita1n de aun1e11to de dose dt1ra11te a gestação.
oral de 1O a 24 vezes maior que o da população geral. 2'· 11 A Acade1nia An1ericana de Neurologia reco111enda que
No estudo de coorte utilizando os dados do Registro seja feita a n1011itoração sérica da lamotrigina ao lo11go da
Nacio11al Dinamarqt1ês de Nascimentos, das 1.019 crian- gestação 11as pacie11tes com epilepsia. 2 1
ças que foran1 expostas in utero à lan1otrigina, 38 (3,7%) Em contraste ao uso de lamotrigina no tratamento da
apresentaran1 alguma malforn1ação fetal. Não houve dife- epilepsia, a dose usada no transtorno bipolar é decidida
rença na incidência de malforn1ação en1 doses maiores ou pela resposta clínica. A dosagem sérica não é rotineiramente
menores que 250 1ng por dia. 3() solicitada, e a faixa terapêt1tica sanguínea não está definida.
E1n termos de toxicidade neonatal, foi descrito au- Atualn1e11te, não existem protocolos de monitoração serica
mento de risco de rasl1 cutâneo no feto e 110s neo11atos. para a lamotrigina no transtorno bipolar, de n1odo qt1e a
Con1 relação às seqt1elas neurocomportamentais, existem titulação se baseia na sinton1atologia da paciente.13
poucos dados até o momento. No estudo do NEAD Stt1dy Con1 as informações dispo11íveis até o 111omento, o lítio
Group, o grupo exposto i11 11tero à lamotrigina em 1nono- e a lan1otrigina são os estabilizadores de hu111or mais reco-
terapia, aos 3 a11os de idade, apresentou QI médio de 1Ol. 1nendados 11a gestação. No caso do lítio, é imprescindível
Nesse grupo, o QI das cria11ças avaliadas esteve significa- que o parto seja realizado num hospital equipado com
tivamente relacionado ao Ql materno. 34 UTI neonatal.
Atualmente, a lan1otrigina é a droga antiepilética
mais prescrita em mulheres em idade reprodutiva com
epilepsia. A gestação tem efeitos sig11ificativos na farma-
coci11ética da droga. O clearance da lamotrigina aumenta /'
.
_.,..·--·--•,r-- .
. , . ,,,,.._ . . __ ., . __ ..,,...
--·-"""'*""" -
progressivamente até a 32.i se111ana de gestação. Existe um As fenotiazinas e butirofenonas foram l1istoricamente
au1nento do cleara11ce de até 330% entre a preconcepçào usadas para tratar l11perên1ese gra,·ídica, náuseas e psico-
e o terceiro trimestre. Un1 aumento de dose de até 250% ses na gestação.
pode ser 11ecessário para 1nanter o nível sérico terapêt1tico Existem poucos estt1dos investigando o efeito da ex-
ao longo tia gestação en1 mulheres com epilepsia. Nos dias posição pré-natal aos antipsicóticos de alta potência
seguintes ao parto, a taxa de eli111inaçào da lan1otrigina como o haloperidol. No entanto, u111 número grande de
cai rapida1ne11te, e a co11ce11tração plasmática aume11ta 111t1lheres te1n sido exposlo ao haloperidol, medicação de
de forma significativa dura11te as prin1eiras duas a três se- primeira escolha por n1ais de dez a11os. Efeitos teratogêni-

1. Trocar o estabilizador de humor antes da concepção, quando possível.


2. Dividir a dose em duas ou três tomadas, evitando-se picos imprevisíveis; usar de preferência formas de liberação controlada.
3. Usar ácido fálico durante todo o primeiro trimestre (de 3 a 5 mg/dia), o que diminui o risco de defeitos no tubo neural na
população geral (porém, ainda sem comprovação de proteção para fetos expostos a ant1convulsivantes)
4. Monitorar frequentemente o nível sérico, mantendo-o em doses mínimas terapêuticas; pode ser necessário, inclusive, o
aumento da dose.
5. Realizar ultrassonografia entre a 162 e a 182 semana para avaliar eventuais malformações.
6. Evitar o uso concomitante de outros anticonvulsivantes, especialmente combinações que incluam o ácido valproico.
7. Após o parto, voltar às doses pré-gravídicas.
8. Carbamazepina: risco de agranulocitose, disfunção hepática, rash cutâneo (incluindo a síndrome de Stevens-Johnson),
especialmente nas oito semanas iniciais de tratamento. O nível sérico da carbamazepina e do metabólito ativo da
oxcarbazepina pode diminuir na gestação, por aumento de seu c!earance.
9. Lamotrig1na: risco de rash na gestante e no feto, especialmente nas semanas in1c1ais do tratamento e na combinação
com ácido valproico. O nível sérico pode diminuir significativamente no decorrer da gestação e sair da faixa terapêutica
(clearance aumentado em até 300%, embora existam variações individuais). A titulação deve ser lenta e gradual. Após o
parto, voltar rapidamente às doses pré-gravíd1cas (clearance se normaliza nas primeiras 2 a 3 semanas).

104
Capítulo 11 - Transtorno afetivo bipolar no período perinatal

cos específicos 11ào foran1 ide11tificados nos registros de 1'\o uso de antipsicóticos na gra,,idez de,'e-se obser-
farn1acovigilâ11cia. ·- \'ar que:
E1n um estudo controlado 111ulticêntrico prospecti,·o, 1 • ar1tipsicóticos de primeira geração são boas opções
fora111 seguidas 215 gestações expostas a l1aloperidol (11 = para quadros agudos de 111a11ia. AlgL1ns autores con-
188) e penfluridol (11 = 27), sendo 78,2% expostas 110 pri- sideran1-nos pri111eira escolha, substitui11do o lítio e os
r11eiro trimestre. A frequência de n1alformações 11ão diferit1 anti co11\·t1 lsi,·a11tes;
e11tre o grupo exposto às butifero11as e o grupo controle • apesar do potencial para efeitos extrapira111idais no
(3,4 e 3,8%, respecti,•amente). No entanto, unia taxa 1naior recém-nascido, as drogas de alta potência são prefe-
de i11terrupções eleti,,as da gestação, de partos pre1naturos rí,·eis às de baixa potê11cia por minin1izar os efeitos
e de peso menor ao 11ascer fora111 encontrados 110 grupo a11ticoli11érgicos, hipotensores e anti-hista111ínicos 11a
exposto ao medican1e11to en1 relação ao grL1po controle. gestante;
Existem relatos de malforn1ação co111 os a11tipsicóticos • preparações de depósitos de,·em ser e\·itadas, li r11i-
de baixa potência (clorpromazi11a, tíorídazina). Em u1n ta11do-se à duração dos possíveis efeitos tóxicos 110
estudo corn 52 gestantes psícóticas to111ando clorpro111azi- recé1n-nascido;
na e 11 O gestantes psicóticas se111 tratame11to, a i11cidê11cia • a11tipsicóticos deven1 ser 111ar1tidos 11a 111e11or dose efi-
de 1nalformação nos dois grL1pos foi duas ,·ezes 1naior do caz, e, ita11do, assin1, a associação de n1edicações para
1

que na população geral, SL1gerindo que as a110111alias po- tratar os efeitos extra~1iran1idais.
de,11 ser causadas pela doença de base. Fatores genéticos
OLl co111portame11taís, tais con10 o LISO de álco<)l, cigarro e Ar"": ... :,.ic0+irn,. ,.1,. ,.,.,.. ...... ,.1 .. gerr1c:::.,..
cuidados pré-11atais inadequados, pode111 ser os fatores de En1 um estt1do co11trolado n1ulticêntrico ~,rospectivo,
aL1n1ento de malfor111ação. 11 ·-· ~ · · foi obser\·ada a e,·olução de 151 gestações expostas a ar1-
Unia n1etanalise - dos estutios dispo11í,·eis sobre t1s0 tipsicóticos de segt111da geração (60 con1 olanzapina, --19
de fenotiazinas 110 primeiro trin1estre enco11trot1 t1111 au- com risperido11a, 36 con1 quetiapi11a e 6 co1n clozapina).
n1ento peque110 do risco relati,10 de malfor111ação fetal. Não foran1 observadas diferenças de n1alforn1ação fetal
A freqt1ê11cia de 111alformaçào 11as crianças expostas a e11tre os dois grupos, ne111 diferenças sig11ificativas en1
te11otiazi11as foi 2,40,0, comparado com 2,0°10 na ~1opulação con1plicações obstétricas, con1_ exceção tia frequência
geral. Não foran1 identificados padrões específicos de n1al- 111aior de bebês de bai.,xo pe:;o no grupo exposto a droga<:.
forn1ação. No e11ta11to, a maioria dos estudos L1sava feno- ( 10°10, co11tra 2º/o no grt1p<) controle). Foi observado qt1e
. . , .
tiazi11a para hiperê1nese, pro, av·el111e11te e1n doses 111ais
1 o grupo exposto aos a11t1ps1cot1cos aprese11tava taxas
baixas do que as utilizadas para os quadros psicóticos. 111aiores de gestação 11ào t1lane_jada, de abortos provoca-
Efeitos teratogê11icos significati,·os não têrn sido docu- tios, tabagis1110, desen1prego, obesidade e 111enor grat1 de
n1e11tados co111 clorpromazi11a, l1aloperidol e pertena- instrução. -1,
zina. En1 un1 estuc.io con1 100 gesta11tes tratadas com Ne,\'port e cols. 1(, a\•aliara111 a taxa de t1assage1n pla-
haloperidol (dose 111edia de 1,2 n1g/dia) para l1iperên1ese ce11taria e a evolução obstétrica de 54 gestantes expostas
gravídica, 11ão foran1 obser,·adas difere11ças 11a duração a quatro antipsicóticos (l1aloperidol 11 = 12, olanzapina
da gestação, ,·iabilidade fetal ot1 peso ao nascer. En1 outro 11 = 13, quetiapina 11 = 20, rist1eridona n = 6). Houve di-
estt1do prospecti,·o grande, qL1e acon1pa11hou 20 111il tere11ças sig11ificati\'as 11a passagen1 place11tária entre os
gestantes trata<.ias primariame11te con1 fe11otiazi11as para diferentes a11tipsicóticos. A taxa 1naior foi co111 olanzapi11a
vôn1itos, os i11vestigadores não e11contraran1 associação (72,1 °10), segt1ida pelo haloperidol (65,5%), pela risperido-
co,11 taxas de sobre,·i,•êncía fetal ou a11omalias. na (49,2°10) e pela quetiapi11a (23,8°10). Hou,·e te11dência tie
Co111 os antipsicoticos de alta potência (haloperidol), Ltm n1aior 11t:1n1ero de baixo peso ao 11ascer e de inter11a-
estão descritos, no período 11eonatal, sinto111as extra- ção e111 UTI 11eo11atal nas cria11ças expostas à olanzapina.
pira1nidais como hiperto11icic.iade, inqt1ietação 111olora, \ 'ários investigadores tê111 relatado que o trata111e11to
espasticidade, tre111or e difict1ldade de sucção que poden1 co111 olanzapina, clozapi11a e, 111ais rece11ten1e11te, con1
dL1rar n1eses. ContL1do, a n1aioria dos casos e resol,·ida quetiapina estaria associado a u111 risco 111aior de ga11l10
em poL1cos dias. Algu111as dessas complicações pode111 Lie peso, Íl1toleráncia a glicose e diabetes tipo 2, respo11 -
estar relacio11adas ao uso co11co111itante de age11tes a11ti- <:.á\·eis por 111aiores co111plicações obstétricas. Diabetes
colinérgicos e histan1inérgicos. Co1n os a11tipsicóticos de gestacio11al está associada à n1aior frequência de ,nortali
baixa potê11cia (clorpro111azi11a), foran1 descritos si11ton1as dade ~1eri11atal, prematuri(iade, a11orn1alidades congênitas
co1110 taquicardia, setiação e l1ipote11são, co111 duração de (especialn1e11te defeitos do tubo 11eural ), n1acrosso111ia e
poucos dias.~' ·· desen,·ol,·i111e11to de diabetes 110 futuro .. -
Os poucos estudos não controlados que a,·aliararr1 o Um estL1do prospecti\'O con1parot1 cria11ças 11ascidas a
dese11volvi1ne11to neurocon1portan1er1tal de cria11ças de tern10 que esti,·era1n expostas a antipsicóticos atípicos (n
até 5 anos 11ão identificara111 alterações da i11teligê11cia ou = 25; 10 e111111011oterapia), típicos (n = 45; 10 e111 n1onote-
do co111porta111e11to. rapia ) e u111 grt1po co11trole (11 = 38), com base em dados

105
Tratado de Saúde Mental da Mulher

obtidos 110s registros do Natio11aJ Teratology Inforn1a- específico, foram relatados - e111 sete dos oito casos, outra
tion Service. O grupo exposto aos antipsicóticos atípicos 1nedicação ha,•ia sido ton1ada dt1rante a gestação.-15 Em
aprese11tot1 peso ao 11ascin1ento significativan1ente n1aior outros 41 casos prospectivos publicados co1n quetiapina,
qtte o grt1po exposto aos antipsicóticos t1picos, e i11cidên- não hot1,'e relato de malformações ou complicações 11eo-
cia significativan1e11te ele\rada de recém-11ascidos GIG 11atais. 4~- 4- En1 486 desses 487 casos, as doses 11tilizadas
(gra11de para a idade gestacional), quando comparado ficaran1 entre 50 e 600 n1g por dia, e e1n apenas um caso
aos outros dois grupos (20%, 2% e 3%, respectivamente; chegou-se a utilizar 1.200 mg diários. 'º
p < 0,05). Entre os expostos à ola11zapi11a ou à clozapina Os a11tipsicóticos de segt1nda geração tê1n sido usa-
(11 = 16), cinco apresentara1n peso ao nascin1e11to acima dos cada vez mais 110 trata1nento do transtorno afetivo
do perce11til 90 (31 %). O estudo foi liinitado pela falta de bipolar. Na gestação, set1 uso está associado a tLn1 risco
infor111açôes acerca de outras variá\ eis corn impacto no
1
maior de complicações obstétricas sect111darias ao ganho
peso fetal, como peso 111aterno, 111ultiparidade e exposição de peso e suas co11sequências. Por essa razão, embora até
ao a' lcoo1 e ao ta b aco. 18 o 1no111e11to 11ão l1aja e,,idências de at1n1ento de n1alfor-
maçào fetal corn seu uso, a orientação da literatura é dar
0/anzapina preferência ao t1so de a11tipsicóticos de prin1eira geração,
O serviço de farmacovigilância da Lilly descrevet1 a especialmente o haloperidol.
evolução de 242 gestações ( 144 prospectivamente) expos-
-
MANEJO DO TAB NA GESTACAO
tas à olanzapi11a co111 doses diárias de 5 a 25 mg. A in- >

cidê11cia de aborto espontâ11eo (8,3%), nati1nortos (2,1 %), A gravidade da doença mater11a representa o parâ-
con1plicações perinatais (9,0%) e prematuridade (-1,2% ) metro mais relevante para as decisões clínicas, qt1e devem
esti\·era1n na faixa nor1nal de co11trole. Seis casos ( 4,29'o) ser tomadas en1 conjt1nto con1 a paciente, seu parceiro e o
aprese11taram 111alfor111ação (em u1n caso a r11àe usou can- obstetra, sempre qt1e possível. A história psiquiátrica, os
tzczbis e álcool, e e1n ot1tros três casos, outras n1edicações). si11to111as atuais e a atitt1de da pacie11te q11a11to ao uso da
Outros relatos de casos e estt1dos observacionais não tê1n metlicação durante a gestação deven1 ser avaliados.
demonstrado aun1e11to do risco de 1nalfor1nação co1n
olanzapi11a.-1~.-16• 1- Un1a vez n1antida a olanzapina na gesta-
ção, deve ser feito co11trole regular de pressão arterial, Lidar com grá\ridas com TAB é bastante desafia11te,
peso e glicemia 11as gesta11tes. particularme11te por existirem riscos associados ao trata-
111ento farn1acológico e ao não tratamento da doe11ça,
Risperidona embora esses riscos não estejam ainda qua11tificados
Coppola e cols., 49 em revisão dos casos de gesta11tes ex- adequadamente. Portanto, os pacientes e set1s clínicos têm
postas a risperidona no Benefit Risk Ma11ageme11t World- de ton1ar a decisão do tratamento a ser adotado baseado
\Vide Safety - database dos Estados Unidos, ide11tificaran1 em riscos apenas parcialmente defi11idos até o momento.
713 gestações expostas à droga. A 111aioria das coinplica- Planejar a gestação quando a paciente está eutímica e
ções obstétricas e da evolução 11eonatal docu1nentada foi clinicamente estável por um longo período permite pensar
avaliada retrospectivamente. Dos 68 casos prospectivos nas opções de trata111ento e evitar a tendência de 1nudar
com evolLLção conhecida, malformação fetal foi descrita precipitadamente o tratamento durar1te u1na gestação não
en1 3,8%. Dos dados retrospectivos, forarn descritos 12 pla11ejada. Todas as decisões referentes a contint1ar 011
bebês co1n n1alforn1açôes fetais, 11a maioria envolvendo iniciar um tratame11to durante a gestação devem refletir a
coração, cérebro, lábios e palato. avaliação dos seguintes fatores: risco do feto à exposição
Também fora1n descritos retrospectiva1nente 37 casos ao 1nedicamento; risco da doe11ça não tratada para a mãe
de síndromes perinatais, das quais 21 casos relatavam sin- e para o feto; e risco de recaída associada à retirada de um
tomas motores e con1portan1entais ( e1n particular, tremor, tratame11to de manutenção, particularmente se abrupto.
i11quietação 111otora, irritabilidade, dificuldade de StLcção e Cada t1m desses riscos deve ser discutido francamente com
so11olência). Com base nesses dados, os autores sugerem a paciente e se11 companheiro, idealmente em mais de uma
qt1e a risperidona parece 11ão au111entar o risco para mal- ocasião, antes e depois da concepção. Tarnbén1 deve haver
forn1ação fetal n1aior, e qt1e sinto1nas extrapiramidais de u111a comunicação contínua co1n o obstetra da paciente.
curta duração são observados em 11eo11atos expostos i11 A gestação de t1ma mulher com TAB deve ser con-
utero 110 terceiro tri1nestre. siderada uma gravidez de alto risco, mes1no quando a
paciente não está usando psicotrópicos. O risco da doença
Quetiapina psiquiátrica aumenta sem a medicação, particularmente
A farmacovigilância da AstraZeneca relatou 446 gesta- no pós-parto. É 11ecessária uma atenta vigilância durante
ções expostas à quetiapina, retrospectiva e prospectiva- toda a gestação, para identificar sinais iniciais de recaída.
n1e11te. Dessas, 151 gestações (34%) tiveram sua evolução Uma rápida intervenção pode reduzir significativamente
descrita. Oito casos de malformação fetal, sen1 padrão a 111orbidade e melhorar o prognóstico.

106
Capítulo 11 - Transtorno afetivo bipolar no período perinatal

Fatores importa11tes a sere1n avaliados no pla11eja111ento psicóticos, e risco de stlÍcídio - a 1nanute11ção do trataine11to
da gestação são: história da doença; resposta prévia às medi- a11tes e dL1ra11te a gestação deve ser a opção rnais segt1ra.
cações; frequência e gravidade dos episódios; duração da A recorrência de 111ania e depressão bipolar durante a gesta-
estabilidade clú1ica con1 e sem 1nedicação; te1npo de recaída ção é pote11cialn1ente perigosa para a 111àe e para o feto.
após a retirada do n1edica1nento; e n1édia de ten1po de res- Pode111 ser necessárias a internação e a exposição a múlti-
posta clínica após a reintrodução da droga. Essas informa- plas drogas em doses ele,,adas. Em geral, a hospitalização
ções irão fundamentar opções de tratame11to 111ais efetivas e é necessária para pacie11tes com depressão grave, mania OLI
seguras, minimiza11do a exposição tetal a drogas pote11cial- psicose. A ECT é freqt1entemente o trata111e11to de escoll1a.
1nente arriscadas. Nenl1u1na decisão é despro\'ida de riscos. Não existe a possibilidade de não exposição. O bebê
Terapia i11terpessoal e terapia cogniti,,o-co111portan1en- será exposto à doe11ça materna, ot1 à n1edicação, ou a
tal poden1 ser tisadas a11tes da concepção para facilitar ambos.
a di111inuição gradt1al, a posterior retirada da droga e o En1 certos casos refratários, pode ser 11ecessário usar
manejo de e,,entuais sintomas. n1edicação com pouca inforn1açào sobre sua segurança
reprodutiva. Ma11ter o tratame11to 111es1110 co111 infor111a-
ções li1nitadas sobre a segurança reprodutiva pode ser a
conduta n1ais prude11te, dado o alto risco de desestabili-
O tratamento n1ais apropriado depe11de da gra,,ida- zação con1 a retirada do n1edicamento ot1 o efeito i11certo
de da doença da paciente. No passado, a retirada abrupta de trocar a n1edicação.
da n1edicação era a prática 1nais co1nt1m, especialmente ,
n• ·-"""".'CDlf"\ e TI\ D
motivada pelo receio do risco teratogê111co das drogas. , ~ \ ' -' '. , .

No e11ta11to, uma abordagem n1ais adeqt1ada e atualizada O período pós-parto representa a fase de 111aior risco
co11siste en1 considerar o risco de uma for111a n1ais an1pla, de i11ício ou piora do TAB. Estima-se que 11essa fase a pro-
inclusive o risco da doença psiqt1iátrica e111 si. babilidade de ocorrer o primeiro episódio seja sete vezes
Pacientes com l1istórias de um único episódio de n1a11ia n1aior do que e111 outras fases da ,,ida. Mais de 50% dos
e de t1n1a recuperação total seguida de un1a estabilização quadros puerperais começa1n dura11te a gravidez. Mudan-
longa do quadro deven1 tolerar bem a retirada do estabi- ças de l1urnor na gestação representa111 um dos fatores de
lizador de hu111or a11tes de conceber. Para pacientes con1 risco 1nais releva11tes para qt1adros pt1erperais gra,·es.
história de n1últiplas e frequentes recorrê11cias de mania O risco para tima reii1ternação psiqt1iátrica no pt1erpé-
ou depressão bipolar, algt1n1as opções de,,e111 ser conside- rio comparando n1L1lheres corn TAB con1 1null1eres por-
radas. Algumas pacienles pode1n escolher retirar o esta- tadoras de outros tra11stornos me11tais é 37 vezes n1aior. :;,
bilizador de hun1or a11tes da co11cepção. Outra estratégia O risco de psicose pt1erperal nas pacientes com Ti\B é
para essas pacientes de alto risco é continuar o tratan1e11to cem ,·ezes maior ( 1Oa 20% versits O, 1 a 0,2% na população
até a gravidez ser co11firn1ada, e aí gradual1ne11te retirar a em geral). -2.-1- Un1a 111ulher con1 história pré\ ia de doença
medicação. Co1110 a circulação uteroplacentária só é esta- bipolar ou psicose puerperal aprese11ta un1 risco elevado
belecida após dt1as sen1a11as da concepção, a exposição fe- de recorrê11cia no próxi1no parto, esti111ado em até 70%.
tal é 1nínima. Os testes de gravidez de t1rina poden1 iden- A depressão puerperal pode representar u111 novo
tificar uma gestação con1 até 10 dias. A ,,a11tagem dessa episódio ou un1a recidiva e alinge entre 1O e 15% das
estratégia é minimizar a exposição fetal ao n1edicamento n1t1ll1eres nesse período. Os sintomas são semelhantes
e estender a proteção do tratamento até a concepção, aos apresentados fora do período do puerpério e pode ser
o que pode ser particularmente prt1dente em pacientes uma ,,aria11te fe11otípica do TAB. 53 O diagnóstico da de-
mais velhas e que de111oran1 mais te111po para engra,,idar. pressão nesse per1odo se encontra prejL1dicado por causa
No entanto, o problen1a pote11cial dessa estratégia é que da sobreposição de 111t1danças fisiológicas da gestação tais
ela pode levar a unia retirada abrupta do estabilizador de como alterações de sono, e11ergia e peso. Ane111ia, hipoti-
humor, aumenta11do o risco de recaída. Nesses casos, um reoidisn10 e diabetes gestacional tambén1 poden1 produzir
seguimento clí11ico próximo pode reinstituir prontame11te si11tomas sen1elhantes a un1 quadro depressi,·o.
a n1edicação a qualquer si11al de recaída. Sharma 5·· aponta a 11ecessidade de un1a i11,,estigação
Para as 111ull1eres que toleram bem a retirada do trata- diagnóstica n1ais acurada 11as pacientes com diagnóstico
n1e11to de ma11ute11ção, a decisão de reintroduzir a rnedi- de depressão pós-parto. Numa amostra de 56 puérperas
cação é questão de jt1lgan1ento clínico. Algun1as pacientes con1 diagnóstico inicial de depressão n1aior, apenas 4-1%
co111 seus clí11icos preferem esperar o aparecin1ento de co11firmara111 esse quadro, enquanto 56% fora111 diag11os-
sintomas antes de recon1eçar o medican1e11to. Outras po- ticadas como transtor110 bipolar tipo II.
dem preferir limitar o risco de un1a recaída restaura11do En1 outro estt1do, Sharma & Khan;;3 a,,aliaram 60
o tratame11to depois do primeiro trin1estre de gestação. puérperas com depressão pós-parto resistente ao trata-
Para aquelas pacientes com forn1as gra,·es da doença - mento medican1entoso com a11tidepressivos. Após u1na
múltiplos episódios gra,,es, especialn1e11te co111 si11tomas rea,·aliação, 3-1 delas (57%) fora1n diagnosticadas como

107
Tratado de Saúde Menta l da Mulher

PRÉ-GRAVIDEZ
1
1 1

SIM NAO

• Planeiar contracepção;
JÁ GRÁVIDA
• rever os riscos da medicação atual para a gestação;
• avaliar o risco de recaída com a retirada da
medicação;
• discutir alternativas: ps1coterap1a, ECT, medicações QUAL TRIMESTRE?

com menor risco teratogên1co


1
1
1

DESEJO DE CONCEPÇÃO 0 2~ou 3~

1
• •

• Manter medicação se humor eutím1co,


SIM NAO
• discutir risco de recaída no pós-parto,
• caso sem medicação e estável, discutir
Manter o tratamento a opção de re1níc10 de medicação no
fina, do 3 trimestre,
• Considerar a retirada da medicação nos casos leves • rein1c1ar a medicação diante de qualquer
e sem hospitalizações anteriores; sinal de desestabilização do humor,
• caso a paciente já esteJa grávida e sem medicação, quando sem medicação;
considerar mantê-la assim até o final do primeiro • discutir o uso durante a amamentação.
trimestre ou enquanto o humor se mantiver eutím1co;
• caso de recaída antes da concepção ou no primeiro
trimestre, retomar a medicação com menor efeito • discutir potencial teratogên1co das medicações;
teratogên 1co; • considerar troca para uma medicação com menor
• manter a medicação nos casos com gravidade potencial teratogên1co, caso não haJa histórico de
moderada/grave e com hospitalizações anteriores. má resposta ao novo medicamento;
• avaliar cuidadosamente o h1stór1co do ultimo
episódio e tempo de estabilidade;
• discutir o risco de recaída com interrupção abrupta
da medicação,
• considerar a manutenção da medicação ao se
observar história de múltiplas internações, c·clagem
rápida e perda da crítica.

FIGURA 11 .1 - Fluxograma de avaliação e tomadas de decisão no planejamento da gravidez e para a gestante bipolar
(adaptado de Ward et ai., 2007). 51

transtorno afetivo bipolar, e a medicação foi modificada pensamentos acelerados e sintomas psicóticos; presença de
para antipsicóticos ou estabilizadores de humor. A maio- familiares de primeiro grau com história de TAB; e respostas
ria apresentou melhora significativa do quadro. atípicas aos antidepressivos (resposta muito rápida, perda de
Algumas evidências para o diagnóstico de bipolaridade resposta, indução de hipomania ou quadros mistos). ~455
são: presença de hipomania no pós-parto; início da depressão Psicose puerperal é uma emergência psiquiátrica. Carac-
imediatamente após o parto; características atípicas como teriza-se por quadros graves, de início precoce, co1n instala-

108
Capítulo 11 - Transtorno afetivo bipolar no período perinatal

ção nas primeiras três semanas após o parto, em geral entre mulher. A falta de pesqL1isas co1n metodologia adequada
as primeiras 48 e 72 horas. Estão presentes em 0,1 a 0,2% e as barreiras éticas inerentes aos estudos com mulheres
das parturientes. Os sintomas prodrômicos são inquietação, grávidas lin1itam o acúmulo de informações necessárias
irritabilidade e alteração do sono, que evoluem rapidamente para se traçarem diretrizes de tratamento do transtorno
para um quadro psicótico caracterizado por humor depres- bipolar. Com a colaboração de vários centros de pesquisas
sivo ou eufórico, comportamento desorganizado, labilidade e u111 corpo n1aior de dados, uma uniformização de proce-
emocional, delírios e alucinações. Tambén1 são frequentes dimentos começa atualmente a tomar forma.
quadros conft.1sionais como o delirium. Patologias orgâni- A ideia de que a gestação tivesse efeito protetor à
cas como eclâ1npsia, tireoideopatias, tromboflebite cere- doença mental não n1ais prevalece. A confirmação do
bral e encefalites devem ser descartadas como causas des- período pL1erperal como o de maior risco para recaídas e
ses quadros. instabilidade do humor tende a se confirmar. É conse11so
A psicose puerperal deve ser tratada pro11tamente. geral qL1e as decisões em relação ao tratamento deve1n
A ausência de tratamento adequado, quase sempre envol- visar à n1anl1tenção da saúde mental da mãe, utilizando-
,·endo internação hospitalar, coloca a mãe e o bebê em -se medican1entos com menor potencial teratogênico.
risco. A taxa de infanticídio associada à psicose puerperal O compartilha1nento da tomada de decisão entre o
não tratada tem sido estin1ada em 4%. psiquiatra, a paciente, o obstetra e o companheiro é am-
Das puérperas com quadro psicótico maniforme, 50% plan1ente recomendado. A limitação de pesquisas sobre
evoluem para transtorno bipolar. Nesses casos, a medica- novos tratamentos medicamentosos nessa fase da vida
ção é retirada de forn1a lenta e cL1idadosa após a remissão da mulher será sempre uma restrição. Iniciativas como
completa dos sintomas. A paciente deve ser acompanhada a formação de bancos de dados inter11acionais sobre os
até um ano após a mell1ora do quadro. Nas próximas efeitos dos tratan1entos medicamentosos deve suprir a
gestações, é necessário o acompanhamento psiquiátrico. 36 falta de dados verificada nesse campo até o presente. Nes-
se co11texto geral, o período gravídico-puerperal da mu-
- lher com transtorno bipolar acaba por ser um dos mais
CONSIDERACOES FINAIS
O transtorno bipolar de humor traz uma série de desa- desafiantes, requerendo avaliação minuciosa de cada caso
fios qua11to a seu diagnóstico e ao tratamento, mesmo não e o compartilhamento das decisões, sempre visando ao
se levando em conta a questão do ciclo reprodutivo da bem-estar da mulher.

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1. Planejar a gestação, sempre que possível, com a paciente em remissão.


2. Avaliar a história da doença: frequência e gravidade dos episódios, resposta prévia às medicações, duração da estabilidade
clínica com e sem medicação, tempo de recaída após a retirada do medicamento e média de tempo de resposta clínica
após a reintrodução da droga. A gravidade da doença materna é o parâmetro mais importante.
3. Estimular comportamentos saudáveis: aderência ao pré-natal, uso de vitaminas (ácido fólico), dieta saudável, exercícios
e cursos pré-natal.
4. Usar psicofármacos com mais informações de segurança na gestação e na lactação.
5. Preferir a monoterapia, sempre que possível.
6. Usar dose adequada. É frequente a dose ser reduzida durante a gestação na tentativa de limitar o risco para o feto, o
que pode aumentar o risco de recaída. Muitas vezes, é necessário aumentar a dose da medicação ao longo da gestação
(especialmente no terceiro trimestre), reduzindo-a aos níveis pré-gravídicos no pós-parto.
7. Não retirar a medicação semanas antes do parto para evitar os sintomas perinatais. Manter a dose mínima eficaz neste
período, orientando o obstetra e o pediatra sobre os possíveis sintomas perinatais.
8. Monitorar possíveis malformações congênitas com ultrassonografia.
9. Planejar a amamentação durante a gestação.
1O. Utilizar o ECT em casos graves - presença de ideação suicida ou sintomas ps1cóticos.
11. Associar, sempre que possível, psicoterapia.
12. Ampliar suporte psicossocial.
13. Envolver sempre o parceiro e os familiares.

109
Particularidades da
dependência de drogas
ilícitas na mulher
Alessandra Diehl
Daniel Cruz Cordeiro
Ronaldo Laranjeira

INTRODUÇÃO prevalência de transtornos decorrentes do uso de substân-


Até o início dos anos 1990, a dependência química foi cias entre as mulheres.
considerada uma doença con1 n1aior predominância no O uso de substâncias ilícitas infelizmente tem se tor-
gênero masculino por questões ligadas aos aspectos cultu- nado socialmente mais aceitável tanto por adolescentes
rais e sociais que sempre propiciaram o maior acesso dos qua11to por mulheres adultas, sendo que atualmente obser-
homens ao álcool e às drogas, se11do que esta é também vam-se mais mull1eres sociabiliza11do em "barzinhos" do
uma das possíveis explicações para a carência de estudos que na década de 1950, por exe1nplo, quando esse hábito
em dependê11cia química voltados ao público feminino. tendia a ser extremamente recriminado.
Historican1ente, tanto a pesquisa de abuso de substân- Dados provenientes do NESARC (National Epiden1io-
cias, como outros campos de pesquisa em saúde pública, logical Survey on Alcohol and Related Conditions), no
os participantes têm sido represe11tados n1ais ampla1nente qt1al mais de 40.000 adultos dos Estad.o s Unidos foram
pelo gênero masculino. A evidência crescente nos últimos avaliados, indica1n que os homens têm duas vezes mais
anos, entretanto, claramente estabelece a importância de probabilidade de preencher critérios para qualquer trans-
se estudar as questões relativas às difere11ças de gêneros torno relacionado ao Liso de substâncias psicoativas se-
específicos em todas as áreas da psiquiatria, assim como gundo o DSM-IV-TR que as mL1lheres ( 13,8% dos homens
não poderia ser diferente na investigação do abuso e de- versus 7, 1º/4 das mulheres).
pendência de substâncias psicoativas. En1 uma inversão das tendências predominantes no
Décadas atrás, o uso de álcool e drogas entre as 1nu- passado, as adolescentes estão agora experimentando ma-
lheres era socialmente restrito, pois era visto como in- conha, álcool e cigarros em índices mais elevados que os
compatível co1n o papel doméstico tradicional da mulher, meninos da 1nesma idade. Dados do NSDUH (National
afetando seu comportamento social e sua sexualidade. Survey on Drug Use and Health), nos Estados Unidos,
A cresce11te participação das mulheres no n1ercado de mostram que o uso geral de drogas ilícitas entre as jovens
trabalho, principalmente a partir da Segunda Guerra aumentou em torno de 6% em 2007 e 2008, enqt1anto o ín-
Mundial, e a consequente aproxirnação dos papéis sociais dice para os jovens do gênero masculino caiu cerca de 10%.
masculinos e fe1nininos contribuiu para que as n1ulheres "Modelos femininos" que são fomentados pela mídia
passassen1 a exibir comportame11tos até então mais co- tê1n retratado uma série de personalidades controversas
mumente observados nos homens. Traball1ar fora de ca- com envolvimento com uso de drogas ilegais, as quais
sa, freque11tar bares e casas noturnas são exen1plos de tendem a trazer Lima visão distorcida do papel de role
práticas que hoje são compartilhadas por home11s e n1u- rnodel, principalmente entre o público de adolescentes
lheres e amplia1n as oportu11idades femininas para usar femininas. Entre essas personalidades, cita-se: a 1nodelo
substâncias psicoativas. Isso contribLti para o aun1ento na britânica Kate l\lloss, a cantora americana Britney Spears
Tratado de Saúde Mental da Mulher

e a também jo\•em cantora An1}' \Vhinehouse, qL1e poden1 ,nidez e preocupação com a imagen1 corporal são freque11-
ser consideradas os símbolos de a11ti-heróis. Todas essas ten1e11te relatados l)Or n1ulheres e jovens abL1sadoras de
personalidades, de uma 1naneira OL1 de OL1tra, são aprese11- substâ11cias psicoativas. As n1ais jO\'ens, en1 especial, car-
tadas ao grande público como usuárias e/ou depende11tes rega111 un1 ônus 1nuito alto associado a padrões de beleza
de sL1bstá11cias psicoati\'aS, 111as que de forn1a paradoxal rígidos, o que coi11cide n1uitas ,·ezes con1 o 111on1ento cru-
vendem a falsa ideia de aparentes benefícios desse consu- cial de i11segurança relacionada à 111udança corporal que
mo - co1110 au111e11to de exposição à n1ídia, por exe111plo faz parte da chamada síndro111e da adolescência 11or111al.
- e poL1cos prejuízos do e11\ 0IYi111e11to con1 drogas ilícitas.
1
As 111L1lheres usuárias de substâ11cias psicoativas apre-
En1 2005, \'ários tabloides i11gleses esta111para1n inume- sentan1 ta.xas de co111orbidade psiquiátrica 111aiores do que
ras reportage11s sobre o co11sun10 de coca111a da modelo 110s ho111ens, co1no o tra11stor110 de hun1or (p. ex., depres-
inglesa Kate Moss, chegando a chan1á-la c_ie Knte cocn111e, são, transtor,10 afeti\'O bipolar), tra11storno de ansieda<.ie (p.
e algu111 te111po depois os 111esn1os tabloides retrata\'a1n os ex., fobia e tra11stor110 do estresse pós-traL1n1ático) e tra11s-
contratos milio11ários que esta assi11ou para no\·as can1pa- tor11os decorre11tes do LISO de substâncias (prO\'a\ eln1ente
1

nhas de publicidade, e1n parte en1 \'irtude da fa111a gerada associados ao abuso de tra11quilizantes). Elas tan1bén1
pelo e11volvime11to com coca111a. Brit11e)· Spears, por sua exiben1 n1aior risco de disti1nia, transtor110 obsessi\10-
vez, apesar de não revelar de n1a11eira tão explicita seu -con1pulsi\'O e transtor,10 do pâ11ico, enqL1a11to os ho1ne11s
consun10 de drogas ilícitas, te\·e um aparente SL1rto, no são 111ais suscetí\•eis a aprese11tare111 transtor110 de perso-
qual raspoL1 a cabeça, logo após se tratOLI e \'OltoL1 a fazer nalidade antissocial, jogo patológico e transtor110 de d~ficit
SL1cesso, vende11do 111ilhões de CDs a cada la11ça1ne11to. de ate11çào con1 hi1.,erati,•idade. Já o uso de n1aconha está
Alén, disso, a n1ídia 11ão te111 explorado ta11to a qL1estào relacionado a relatos mais freque11tes de ataques de pâ11ico
da perda da guarda de seus fill1os e o fato de que seu pai a en1 111ulheres do que en1 l1omens.
interditou. Am)' \Vinehouse era u1n caso ai11da mais gra\'e Ta11to ,neninas con10 mulheres são n1ais propensas a
neste contexto de anti-herói, L1n1a ,·ez qL1e seLt co11sun10 tere111 trar1stornos psiquiátricos prin1ários co1n depe11-
explícito de álcool e drogas ilícitas ganhoL1 gll'Zl"noitr e até dê11cia de SL1bstâ11cias secL111dárias, em contraste à tendên-
u111a co11otação ben1 · humorada. Amy, a cada escândalo, cia 1nascL1li11a de apresentarem a dependência de substâ11-
. . . . ., . . , .
costu111a\1a estar11par as capas dos tabloides, qL1e a 111a11- c1as ps1coat1\'as co1no transtor110 ps1qu1atr1co pr1mar10.
tinha en1 co11stante exposição, o que, in\·aria\·eln1e11te, Qua11do são diagnosticados transtornos psiquiatrices e de
auxiliava a vendagem de seus shO\'l'S e discos; aos olhos abuso e dependê11cia de drogas, é importa11te que an1bos
do público, ela entrava e saía de clínicas de recuperação seja111 tratados de forma co11con1ita11te.
(as rel1ab, como propaga em SL1a n1ais famosa canção) Dada a rele\•ância do exposto até e11tão, é objeti\'O desse
e11qua11to sua saúde física e me11tal se deteriora\'ª sen1 que capítulo apontar as principais vulnerabilidades associadas
isso parecesse ser um proble111a real, sL1gerindo aos leigos, ao uso e drogas ilícitas entre as n1ulheres e as estratégias
e e111 especial aos adolescentes, qL1e esse verdadeiro circo e recornendações terapêL1ticas 111ais bem-sL1cedidas do
montado fazia parte do s/zo1v busi11ess e que a gra,,idade ponto de \ ista científico para esse público.
1

relacio11ada ao consu1110 de drogas e suas conseqL1ências


11ão são assim tão alarmantes. o FFFITO Tft :c;ropf/\JG
EstLtdos sobre as difere11ças entre os gê11eros tên1 U111 dos achados 1nais consistentes em estudos focan-
1nostrado que 1null1eres poden1 ser n1ais \'ul11erá\reis ao do as difere11ças de gêneros e111 transtornos por uso de
abuso e a dependê11cia de substâncias psicoati\ as que 1
substâncias psicoativas é o au111ento da \'L1l11erabilidade
os ho1nens. Alén1 disso, parecem existir diferenças entre em n1L1ll1eres aos efeitos clínicos e psicológicos adversos
os gêneros quanto aos efeitos das drogas. Un1 estudo de caLtsados pelo uso de álcool e drogas. As n1ulheres pare-
Tucker e cols. (2004), por exe111plo, mostra qL1e existe111 cen1 progredir mais rapida1ne11te qL1e hon1ens da experi-
diferenças sexuais ern anorn1alidades de perfusão de n1entação ao uso regL1lar, e daí ao prin1eiro episódio de
indi\ íc_iuos depe11dentes de cocaína. Os ho111ens aprese11-
1 trata111ento. Apesar dos poL1cos anos de uso de drogas e
tan1111e11or perfusão na região ci11gulada anterior frontal, me11ores qL1antidades de substância psicoativa consun1i-
sen1elha11te àqL1ela associada com abstinê11cia e co1npro- da, qua11do as 111L1lheres entra1n en1 trata1ne11to, a seve-
meti111ento da inibição, enqua11to as mull1eres apresen- ridade do uso de substâncias é geraln1e11te equi\ alente à
1

tam n1aior perfusão na região cingulada posterior, qL1e dos hon1ens, enqua11to a média de consequê11cias clínicas,
se relaciona à n1aior resposta ao estresse. É possível que psicológicas, psiqL1iátricas e sociais do uso de substâ11cias
essas diferenças co11lribuan1 para difere11tes 111ecanisn1os psicoativas é 111aior que e111 hornens. Esse fe11ô1ne110 ten1
neuro11ais de recaída e1n hon1e11s e 1nLtlheres depende11- sido cunhado corno o efeito telescoping do uso de SLtbs-
tes de cocaína. tâncias psicoati\'as en1 mulheres, o qual parece receber
Son1an1-se nesse público os fatores psicológicos que i11t1uê11cias de difere11ças biológicas assim con10 de fatores
exerce111 um papel prepo11derante no i11ício do uso de psicossociais os qL1ais co11tribuem para o fenô1neno espe-
drogas e11tre as mL1lheres. Senti1nentos co1110 a11siedade, ti- cífico do gê11ero.

114
Capítulo 12 - Particularidades da dependência de drogas ilícitas na mulher

VULNERABILIDADES ASSOCIADAS AO USO DE Estudos SL1gere1n que o tratame11to dessa população



DROGAS !LICITAS EM MULHERES seja realizado contendo compo11entes que atendam si11-
tomas de tra11storno de estresse pós-traun1ático, dos de-
A ficits i11terpessoais e de habilidades, com especial atenção
ao nível de sofrimento psíqL1ico apresentado por essas
'A violência sofrida por essa população pode estar rnulheres.
relacionada como causa ou como consequência do co11- Esse tratan1e11to també1n deve ajudar a reconl1ecer a
sumo drogas. Por exemplo, mulheres que foram abusadas grand.e importâ11cia da \riolência do passado e do presente
sexualmente na infância tê1n três ,,ezes n1ais chances de como preocupação central 11a vida delas. Alé1n disso, os
,·irem a experimentar drogas em algL11n período da ,,ida serviços de atendi1ne11to à mulher de,,em trabalhar de for-
que mulheres sen1 esse histórico, assim como n1ulheres ma concate11ada, con1 confidencialidade e se111 disct1ssões
usuárias de drogas ilícitas têm risco au111entado para si- sobre SL1as possíveis diferenças filosóficas. Os serviços
tuações que envolve1n violência, como estupro e violência de ,riolência doméstica devem perceber e enca111i11har
doméstica. O resultado dessa associação é a criação de un1 todos os possíveis casos de LISO abusivo/ depe11dência de
ciclo vicioso em que a vítima de violência usa a substância substâ11cias psicoativas para os serviços voltados para
psicoativa, tor11ando-se dependente, e essa condição as esse tratan1ento, e vice-versa. Algu11s programas voltados
torna mais vulneráveis a novos episódios de violência. especifica1nente para mulheres L1suárias de drogas que
.~lgumas explicações aventadas para a ocorrência dessa sofrem violência don1éstica demonstran1 que essas mL1-
. -
assoc1açao -
sao: lheres, no decorrer do tratan1e11to, diminuen1 o consLtmo
• o uso de álcool e drogas pode tor11ar a vida mais "fácil de drogas e aumentam a eficácia ao lidar com questões
de ser vividá: a11estesia11do o medo dos espancan1entos; voltadas à violência doméstica.
• a autoeficácia pobre pode ser respo11sável por uma
acon1odação com um parceiro violento;
• mulheres e1n tratan1ento para dependê11cia química
podem se tornar al,,os de companheiros violentos, es- A associação entre gê11ero fe111inino, prostituição, abL1-
pecialmente se estes utilizavam drogas ju11tos, experi- so e depe11dência de substâncias psicoativas já vem se11do
mentando crescentes demonstrações de ,,iolência física reco11hecida em ,,árias locais do mu11do com algu111a evi-
e não física como resposta à no,,a condição proposta dê11cia na literatura científica. A prostituição 11esses casos
por ela. ocorre em geral num contexto de troca pela droga. Nessa
transação comercial de serviços sexuais por droga, o con-
Dados alarn1antes de L1n1a amostra estudada revela1n sun1idor sexual na 1naioria das vezes domina a negocia-
que mais de ¾ das mulheres usuárias de drogas ilícitas ção, muitas vezes exigi11do a dispensa do preservativo 11a
referiran1 ter sofrido violência física praticada por seus relação sexual e a realização das mais diversas práticas se-
parceiros í11timos, sendo que 62% delas apresentavam xuais. Alé1n disso, pagan1e11tos 111ínimos ou i11significan-
sintomas de tra11storno de estresse pós-traumático. Esse tes são impostos, faze11do que as 1nulheres se submetan1
mesmo estudo demonstrou qL1e mulheres que sofre- a u1n número maior de relações e, conseqL1ente1nente, a
ram abusos na infância sofriam ,,iolência don1éstica ou um 1naior número de parcerias sexuais para alca11çaren1
mesmo ,1iolência sexual relacionada a pessoas estranhas a quantia necessária para a aquisição da droga. Todos
apresentavam í11dices muito altos de sofrirnento psíquico, esses ingredientes somados à preocupação co1n a própria
tinham pouco suporte social e elevados níveis de solidão. subsistência aumentam as vul11erabilidad.es para sexo des-
Tal estudo discute o papel da violência sexual na infância, protegido e cttidados gerais co1n a saúde.
produzindo futuros con1prometimentos funcio11ais co1no Essa população muitas ,,ezes se expõe a diversos riscos
altos riscos de iniciação sexual precoce, envolvi111e11to e violê11cias para n1anter o co1nporta1nento do co11sL11110
com problemas jL1diciais e prostitL1ição. de drogas, por meio do sexo sem proteção, troca do sexo
Apenas uma pequena parte dos profissionais que pela droga, criminalização, abuso dos prováveis clie11tes,
cuidam de mulheres usuárias de substâncias psicoati,,as preconceito quanto ao gênero, descuido pessoal e negli-
está preparada para abordar o te1na VPI (violê11cia entre gência de cuidados com sua prole, além de pobreza e di-
parceiros íntin1os), questio11a11do sobre a possibilidade ficuldades ou barreiras no acesso ao trata111ento para sua
de violência don1éstica, o qL1e deveria ser sugerido co1no dependência e para ct1ídados de saí1de em geral.
rotina em triagem dessa população. Desse modo, a avalia- Estudo co11duzido por Gollub e cols. (2010), com ttma
ção e o planejamento de segura11ça dessa mull1er serian1 a1nostra de 198 mulheres que pratica,,an1 a prostitL1içào,
realizados, bem con10 o enca1nit1hamento para serviços soro11egati,,as e recrutadas da rua observou <.JLle 88% eran1
adequadamente preparados para essa problemática, como Ltsuárias de crack, 80% relataram troca de sexo por droga
abrigos. e 74% não estava111 e111 trata1nento para dependência quí-

115
Tratado de Saúde Mental da Mulher

mica; a i.-,rc\•alê11cia de tricl10111011as (36,9º/o) L1ltrapassot1 a ao dia, Cl1ristia11e passou a aceitar qualqt1er clie11te que
de clan1idia (3,5°10) e s1filis ( 1,5°0). se aprese11tasse (inclusi,·e estra11gciros) e a praticar sexo
No Brasil, estt1do et11ográfico co11dt1zido e111 São PaL1- c.ie11tro cie carros. ~ot1cias recentes apo11ta111 qt1c a Sra.
lo, e111 2000, 11a região da I .u1., co11l1ecida p<)~1ular111e11te l·elscheri110,\· scgt1e qt1ase que tri11ta a11os depois ai11da
co1110 a cracolà11dia, co111 n1tilhcres qL1e faze111 ~)rogra111as 11a lt1ta co11tra a liepenc.ié11cia c.ic l1eroí11a, co111 i11t1111eras
sexL1ais ot1 freqt1entan1 a região e as relaçc)e" e11tre as recaídas, e teria retor11ado a ,isitar a zona de prostitt1ição.
práticas de prostitt1içào e o abt1so e de~)e11der1cia do cr,1ck
revela,11 as 111es111as ,,uJ11erabilidades ja descritas por ou
tros aL1tores co,11 relação à 111aior exposição à 1ST/ AIDS. O co11su1110 c.ic lirogas dt1ra11te a gra,·idez e 110 puerpé-
Co11tudo, existe a preoctt~)ação e11tre essas n1L1lheres de rio represe11ta gra,·e proble1na de sat1de pt1blica e, apesar
e.x.ercere111 i.-,raticas 1nais segL1ras con1 relaçüo ao uso do cios pot1cos estLt<ios epi<ie111iológicos sobre essa co11dição,
crack e dos cL1iclados lio corpo. sabe-se qt1e os l1àbitos de usuarias de drogas i.1ouco se
Os dados cienotan1 que o Liso de drogas por 111t1ll1eres .1lteran1 dt1ra11te o per1odo gestacio11al. A prese11ça de
con1 ,•árias i.-,arcerias sext1ais está e11tre as necessidades 111(1ltiplas parcerias sext1ais, associada ao co11st11110 lie n1a-
prioritárias de inter\·e11ções para a adeqt1ac.ia pre,·e11ção co11ha, coca1na e a gra,·idez 1:,1recc)ce, torna a popt1lação de
e di111i11t1ição de co11ta111i11ação de i11tecções scxt1al111er1te 111ttlheres, es1:,)ecial111ente as adolescentes, potencial111ente
tra11sn1issi,·eis (1ST) e do \'1rL1s HI\~. 111ais gra,·es qt1anc.io se disct1te essa proble111atica.
Alén1 dos problen1as físicos, psicológicos e sociais Cn1 proble111a 111etodológico c.ios estudos sobre essa
relacio11aclos co111 ao abt1so lie cr,1ck e hero111a para o or- te111ática co11sta11te111e11tc apo11tada pelos pesquisaciores é
ga11is1110 ter11i11i110, a prostittlição especiali11e11te associada a baixa co11t1abilic.iade do at1torrelato do const11110 cie subs-
ao t1so dessas dt1as drogas c.ic abt1so tan1bé111 está e11tre os tancias psicoatiYas por 111ulheres gra\ idas, u111a ,·ez que
fatores de risco para t1111 efeito 11egati\·o 110 tratan1ento de elas te11dem a 11egar tal co11diçào e, co11sequenten1e11te, os
n1t1lheres. As drogas i11jetá\·cis oferece111 t1n1 risco impor- c.lalios te11de111 a ser st1besti n1ados.
ta11te à saL1cie da n1t1lher, en1 relação à 111aior probabilidade Os estudos acerca dos efeitos da correlação e11tre o
de co11trair 1ST co1110 HIV, l1ei-,atite B e C e sífilis e111 razão 1.:011su1110 de c.irogas e as conseqt1ê11cias da an1an1e11tação
do co111partill1a111e11lo de scri11gas. Alé111 (iisso, as tisuárias são ta111bén1 escassos 11a literatt1ra, gera11do gra11de carên-
desse tipo de st1bstâ11cia n1t1itas ,·ezes 111antê111 relações cia de dados 11essa arca. Sabe-se, poré111, que a lactação é
sext1ais se111 proteção, pote11cializa11do o risco c.ie doe11ças. capaz de tra11sferir st1bstà11cias da mãe para a cria11ça de
Estt1do co11dt1zido por t1111 grt1po alen1ào liderado por n1odo se111ell1a11te à da fL111ção 1:--,lace11taria 11a gra\·idez e,
Eiroá-Orosa e cols. (2010), ar1alisot1 as difere11ças de gê11e cio n1es1110 111odo, ~)ro,ocar resultados 11egati\'OS sobre o
ro e11tre pacie11tes e111 trata111e11to assistido co111 l1eroí11a e orga11is1110 do lacte11te.
trata111e11to de n1a11t1te11ção co111 111etado11a, e,ide11cia11do Entre as co11seqt1ê11cias n1ais co111uns do co11st11110 de
qt1e as 111t1lheres apresentara111 n1aior grat1 de sofrin1e11to st1bstâ11cias il1citas dura11te o per1odo gestacio11al e peri-
psiqt1ico llt1e os ho111e11s ao entrare111 e111 trata111e11to. 11atal, cita-se:
Alé111 disso, as difere11ças 11a retenção e os rest1ltados do • Alucinóge11os: 110 Brasil, a liberação do co11st11110 de
tratan1e11to fora111 111elhores para i.-,acientcs <io gêner<) A)·ahuasca, c.1t1e posst1i o alt1ci11ógeno (\, N-c.ii1netil-
n1asculi110, t1111a ,,ez que a prostituição apareceu nessa tripta111ina (DNIT) de11tro c.ic cultos religiosos não
an1ostra con1c.) u111 dos fatores qt1e n1ais st1gere interterê11- pre,·it1 que esse t1so poderia ser feito por mt1lheres grá-
cia 11egati,·a 110 curso do trata111ento e.ia adiçãc). \'idas e 1nes1110 por recén1-11ascidos. ~ão existen1 dados
O célebre li,·ro \\'ir Ki11der vo1l1 Bn/111/1o_f /c)O, de Chris- sobre esse Cl111\ll1110 e suas co11sequê11cias.
tia11e \'era l-elscheri110,\', 111a1s co11l1ecida co1110 Christia11e • Coca111a/cr,1ck: 11a gra,•idez, a 111ctabolização dessa subs-
F. (Hambt1rgo, 20 de 111aio de 1962), retrata de for111a tâ11cia e n1ais le11ta, o qt1e rest1lta en, 111aior te111po
extre111a111e11te realista essa associação e11tre c.iependê11cia de ação desta 110 orga11isn10 111aterno/fetal. A t1suária
quí111ica fe111i11i11a e prostitt1ição. O li,·ro, at1tobiográfico, poderá ser co11fu11dida con1 portadora de doe11ça hiper-
foi pt1blicado e editado por t1111a re\•ista alen1ã en1 1978, te11si,·a gestacio11al, ,·isto que terá si11tor11as sen1elhantes,
e logo se espall1ot1 por ,•ários lugares do 111t111do, se11do co1110 hipertensão e qL1adro cie taquicardia, qL1e pode
tradt1zido e111 \'ários idion1as e tor11a11do-se o l1est se/ler e\·oluir para arritn1ias e falê11cia c.io n1iocardio. 'fa111bé1n
de t1111a geração. Descre,,e a luta de t1111a jo,,e111 de 13 a11os poderá prl)\'Ocar desloca111ento (ie place11ta, ruptt1ra
co11tra a del)e11dência lie l1eroí11a dt1ra11te st1a adolescê11- prévia de 111c111branas e parto ~)re1naturo; en1 razão de
cia. À n1edida que a dependê11cia da substâ11cia progride, st1a ação ,·asoconstritora, pocie produzir i11st1f1ciência
Christia11e r., aos 14 a11os, co111eça a se prostitt1ir 11a Es- t1teroplace11taria, hipoxe111ia, acidose fetal, l1iperte11sào
tação Zôo i.1ara co111prar l1cro1na. Christia11e relata qt1e, arterial, taqt1icardia, acide11te \'ascular cerebral e din1i-
no i11ício, escolhia os clie11tes con1 qt1en1 faria progra111a 11uição <ie peso ao 11ascer. A ação teratogê11ica capaz de
e c.1ue se li111itava a 111asturbá-los ot1 praticar sexo oral. prodt1zir 111alfor1nações 110s siste111as cardiO\'asct1lar,
~1as co111 a cresce11te 11ecessic.iade de se i11jetar três ,·ezes t1roge11ital e 110 sisten1a ner,·oso ce11tral 11ão sàc) co1nu-

116
Capítulo 12 - Particularidades da dependência de drogas ilícitas na mulher

mente observados. O consun10 de cocaína por meio do roí11a quando con1paradas a usuárias de outras drogas.
leite materno pode resultar em quadros de irritabilida- Pacientes que entram em síndrome de abstinência du-
de, taquicardia, tontura, ataxia, qt1adros co11vt1lsivos e rante a gravidez poden1 ter risco de aborto, n1orte fetal
delirium. Essas cria11ças, ao nascer, poden1 apresentar e trabalho de parto prematuro.
quadros de síndro1ne de abstinência caracterizados por • Solve11tes: apesar da carência de estudos a respeito da
irritabilidade, l1iperto11ia, espirros, bocejos e SL1cção de- ação dessas substâncias sobre o organismo fetal, sabe-
ficie11te, observados principaln1e11te nos três prin1eiros -se que atravessan1 a barreira placentária facil1nente,
dias de vida. Muitos dos malefícios desse consumo serão atingindo o feto e podendo provocar din1i11L1ição do
observados apenas posteriormente, quando a criança crescin1ento com apresentação fenotípica sen1elhante
já estiver en1 idade escolar, assi111 como ocorre 110 con- às vistas na sí11drome alcoólica fetal.
sun10 da n1aconha, por meio dos prejuízos cognitivo-
-con1portamentais. Estudos vêm den1onstrando que as implicações rela-
• Maconl1a: efeitos sobre o organis1no da grávida, como cionadas ao 11ascin1ento de crianças filhas de n1ães usuá-
a taqL1icardia e qt1adros de a11siedade, poderiam causar rias não estão apenas in1plicadas com os efeitos diretos da
estresse contínuo ao feto. Algt1ns estudos chegaram a droga sobre a formação e 1naturação da criança. Variáveis
especificar que o consumo regular de maconha poderia como fatores psicossociais, comportamentais como o es-
produzir, no peso fetal, resultados se111elhantes ao do tresse, tabagismo, estado nutricional da grávida, pré-11atal
consu1110 diário de dez a qui11ze cigarros de tabaco. tardio ot1 mesmo a ausência desse cuidado tambén1 po-
Outros estL1dos mostram di1ninuição da perfusão pla- de1n estar ligados aos compron1etimentos relacio11ados.
ce11tária com atraso do crescimento fetal, retardo no Esses achados i11dicam que a atenção a essa população
an1adurecimento do SNC (sistema nervoso ce11tral) e 11ecessita de enfoque especial, principalmente para as
alterações neL1rocomporta1nentais. Porén1, a maioria n1ulheres em idade reprodutiva.
desses achados 11ão é sig11ificativan1ente in1portante
qua11do o controle para as muitas variáveis associadas PERFIL DE MULHERES EM TRATAMENTO PARA
(como fatores sociais, eco11ôn1icos e co11su1no de ta- ABUSO E DEPENOÊt~CIA DE DROGAS ILÍCITA5
baco) é realizado. Os efeitos negativos desse consumo As mulheres perfazem quase que mais da metade
não são vistos a "olhos 11L1s': logo ao 11ascin1e11to (como da população adL1lta mu11dial. E11tretanto, somente u1n
ocorre 11a sí11drome alcoólica fetal, por exen1plo). quarto dos adultos en1 programas de tratame11to para o
Deficits cognitivos e comportamentais de crianças abuso e dependê11cia de drogas são mulheres, apesar da
cujas mães usaran1 maconha no período gestacional evidê11cia de que ho111ens abusam mais de drogas ilícitas
talvez não sejam observados até os quatro anos, quan- que as mull1eres.
do detern1inadas ft1nções do lobo pré-frontal demons- Em razão disso, há Lima carê11cia impressionante de
trem defeitos. Entre os prejuízos observados nessas prestação de cuidados para esse público. Uma das con-
crianças, estão: i111pLLlsividade, difict1ldades na flL1ência seqL1ências de se ter n1ais home11s na rede de atenção aos
verbal, dimi11uição da atenção e da co11ce11tração (re- cuidados de dependentes químicos é que não há t1ma
sulta11do er11 me11or rendimento escolar) e alterações preocupação legítin1a de fornecer tratan1entos n1ais ade-
do padrão do so110. A concentração da n1aco11ha no quados para mull1eres.
leite chega a ser oito \'ezes 111aior que as concentrações Profissionais da saúde que atuam 11a área da depen-
encontradas 110 plasma. Como consequê11cias dessa dência qL1ímica frequentemente relatam que mL1lheres
ingestão, estaria1n o já citado atraso no desenvolvi- usLtárias de drogas relutam mais em procurar tratamento
mento n1otor, além de letargia, e a redução do interesse que os homens, porque elas têm n1edo de qLte seus filhos
provoca diminuição das ma1nadas. sejam levados para a adoção ou para abrigos protegidos e,
• Opioides: uma série de consequências pode advir do assim, retirados dos set1s cuidados. Essa é t11na percepção
consumo de opioides durante a gra,,idez, bem como poderosa aliada ao consenso de especialistas de qt1e 111u-
a retirada abrt1pta dessas substâ11cias. Entre as conse- lheres usuárias de drogas têm experiê11cias específicas e
quências do consL11no, cita-se: baixo peso, restrição de con1plexas cujas necessidades nen1 sempre são reconheci-
crescimento intrauterino, parto pren1atL1ro, síndrome dos pelos ser,,iços de tratamen to em geral.
de abstinência neonatal, síndron1e de morte st'1bita Existe ainda u111 ,·igoroso debate sobre se as mulheres
infantil. A síndron1e de absti11ência pode ser obser,·ada que L1sam drogas estão realme11te "escondidas" e, por-
dentro das pri111eiras 24 l1oras de vida para usuárias tanto, st1b-representadas nos serviços de tratamento das
de heroí11a, e em dois a sete dias para a síndron1e de adições, ou se existen1 11esse campo diversos obstáculos
absti11ência prov'ocada pela falta da metadona, sendo claramente específicos qLte representam entraves de aces-
que a dt1ração dos sinto111as pode ,,ariar de seis dias a so aos ser,,iços de tratame11to, ou, ai11da, se os obstáculos
cinco semanas. O risco de síndron1e da morte súbita estão localizados dentro do próprio sistema de oferta de
infa11til é duas a três vezes n1aior para usuárias de he- cuidados a mulheres que usam drogas, os quais podem

117
Tratado de Saúde Mental da Mulher

significar tan1bém menor manute11ção desse público e111


trata1ne11to. O número de mulheres en1 tratame11to medicamentoso
De fato, as razões para as baixas ta.-...::as de 1null1eres e111 para dependê11cia de heroína 11a Inglaterra tem per111a11eci-
tratan1ento para abt1so e de~1endê11cia de st1bstâ11cias psi- do está,,el ao longo nos últimos anos; as n1ulheres so1nam
coati\'as são complexas e podem i11cluir: en1 torno de 25% da popt1laçào adulta total de tratan1e11to
• fatores socioculturais: con10, por exen1plo, estign1a, 110s t'.iltimos cinco anos. A n1aioria das 111ull1eres que ini-
at1sê11cia da parceria afeti,'a ot1 de fa1nília para suporte; ciam o trata111ento naquele país é de rnàes, sendo que 61 %
• fatores socioeconô111icos: como, por exe1nplo, creches tên1 cria11ças, e n1etade dessas vi,,e co111 st1as crianças. Os
para os ct1idados dos filhos e escassos recursos finan- dados indicam qt1e qt1en1 ten1 filhos tê1n, geral1ne11te, r11e-
.
ce1 ros; lhores resultados no tratan1e11to do que aquelas que não os
• gestação e 1nedos relacio11ados ao e11carceran1e11to, pri- tên1. En1 geral, os dados britânicos revela111 un1a tendência
sões e qt1estões ligadas à custódia dos filhos; mundial, de acordo com a qual as n1ulheres começa1n a
• co111plexidades associadas ao aun1ento das ta.xas de coo- usar drogas e111 idade n1ais a,,a11çada que os ho111ens, co1110
corrê11cia de lranstornos psiquiátricos e de disponibili- ilustra a Figt1ra 12.1. A Figt1ra 12.2 ilt1stra as principais
dade de tratame11tos adequados para o diag11óstico dual; drogas de escolha que 111otivan1 a bt1sca por trata111e11to
• rnulheres procuram mais tratame11to em outros setti11gs e11tre as n1ulheres no território inglês. Fi11aln1ente, a Figura
de ate11ção (p. ex., clínicas ginecológicas) que 11ão aque- 12.3 ilt1stra o stat1As parental e de ct1idados dos filhos das
les específicos para adição. 111ull1eres qt1e estão e1n tratamento 11a Inglaterra.
• inadequada capacitação e treinamento de profissionais
da rede de atenção básica de saúde para detectar pre-
coce1nente casos de 1nulheres con1 problen1as relacio-
nados ao tiso de drogas.
Dados prelimi11ares do estt1do que te111 a,,aliac.lo o
O NDTMS (National Drug Treatme11t Monitoring perfil das 1nulheres co1n trar1stor11os relacio11ados ao t1s0
System) britânico, em qt1atro anos de ir1ter,,enção (2005 a de substâncias psicoativas que interna111 na e11fermaria de
2009) for11eceu uma riqueza de dados qt1e pern1itiu oll1ar depe11dê11cia química da Uniad (Unidade de Pesqt1isa em
ate11tan1e11te a difere11ça de gêneros na dependência quí- Álcool e Drogas) da Unifesp (U11i,,ersidade Federal de São
n1ica e compreender o que poderia ser descoberto sobre o Pat1lo) durante o período de n1arço de 2009 a fevereiro de
perfil das mulheres usuárias de drogas e destacar todas as 2010 mostra1n qt1e, de un1a a111ostra de n = 43 1nulheres
tendências em seu tratamento. Os dados brasileiros sobre com n1édia de idade de 35 anos, 53% etnia branca, 22%
o perfil das 1null1eres e1n tratamento para uso de substân- com E11sino Fundame11tal I11con1pleto, 63% solteiras, 53%
cias psicoativas, em geral, são de amostras selecionadas, desempregadas, 55% moram co1n a fa111ília, 419-"o católicas,
e não refleten1 o panorama 11acional, não podendo ser 37% dependentes de cocaína e crack, 55% apresenta1n
generalizados 110 território nacional. depe11dência leve de álcool, 42°10 grau de dependência

Idade de mulheres e homens com acesso ao tratamento em 2008-09

35% Feminino
30%
Masculino
25%
20%
15%
10%
5%
0% 18-24 25-29 30-34 35-39 40+

-
FIGURA 12.1 - Idade de mulheres e homens que acessam tratamento para dependência química na Inglaterra (2008 a 2009).
Fonte. Adaptada de NTA, 2010.

118
Capítulo 12 - Particularidades da dependência de drogas ilícitas na mulher

MULHERES QUE INICIARAM O TRATAMENTO POR MULHERES QUE INICIARAM O TRATAMENTO POR
SUBSTÂNCIA 2005-06 A 2008-09 SUBSTÂNCIA 2008-09

45%
40% Somc:ntc opl:tccos

35%

25% 31%
20°/c,
15%

10% Cocaln•

Anfetaminas
5% Outro

0% 2006-07 2008-09
2005-06 2007-08

FIGURA 12.2 - Tendência da droga de escolha que motiva busca de tratamento na Inglaterra.
Fonte Adaptada de NTA, 2010

STATUS PARENTAL DE MULHERES QUE INICIARAM O STATUS DE ACOLHIMENTO DE CRIANÇAS DE MULHERES QUE
TRATAMENTO DE DROGAS 2008-09 INICIARAM O TRATAMENTO E SÃO lv1ÃES 2008-09

61%

FIGURA 12.3 - Status parental e de cuidados da prole das mulheres nglesas em tratamento para dependência química.
Fonte: Adaptada de NTA, 2010.

muito baixa de tabaco, 32°10 apre..,e11tara111 111,·el subs- 11icoti11a). DAS r (Drt1g Abuse Screc11i11g test) e URICA
tancial de proble111as relacior1ados ao LISO de drogas. 90,º ( c.:,11versit;• o_f Rl1ode Isln11d Cl1n11ge Assess111e11t Scale) - a,·a
com história de abl1so, 5°10 com l1istória de aborto, 65°0, lia o grat1 de 111otivação segundo os estágios de n1t1da11ça.
e11contrava111-se 110 estágio de co11te111plação. As ,·tilnerabilidades sociofa111iliares presentes en1 111L1-
Nessa pesql1isa, tora111 usados qt1estio11ario estrt1tt1rac.io lheres depenc.ie11tes quín1icas faze111 desse grt1po t1111a
e instrt1111entos pac.ironizados con10 o SADI) (Short Alco- poptilação-al,·o de especial interesse em tratan1e11tos
hol Depe11c.ie11ce data), Fargestrõ11 (a, alia depe11dê11cia de especializados.

119
Tratado de Saúde Mental da Mulher

• Qua11to n1ais específico e o de-;e11ho do prograina


para o público femi11ino, 111ell1ores são os rest1ltados.
Prefere11cial111ente, de,,e l1aver u111 projeto terapêutico
O uso de substâncias psicoati\ as entre as 1nulheres têm
1
perso11alizado, o qL1al pode i11cluir: expressão corpo-
di,,ersas caracter1sticas particulares ao gênero que englo- ral, trabalhar i11te11si,·ar11e11te sentin1entos e de111a11das
ba1n desde os aspectos etiológicos e dese11cadeantes até a especificas dessa popLilação, tais con10 as ten1àticas de
progressão da doença e den1andas psicológicas distintas filhos, cLdpa, exigências estéticas, gestação, violê11cia
quando comparadas aos hornens. N1ulheres usuárias de do1T1éstica, abuso sexual, prostituição fe111inina, estig-
drogas ilícitas são mais prováveis de aprese11tare111 L11na n1as, passi,·idade, aL1toesti111a, alé111 de ofici11as de auto-
fan1ília de origem mais disfuncional e falta de modelos ct1idado com cabeleireiro, ofici11as de culi11aria e da11ça.
pare11tais identificatórios adequados do que seus con1- • Inclt1ir a participação dos filhos dt1rante o tratan1e11to.
panheiros hon1ens em tratamento. Uma pobre interação Essa participação pode ser desde a visita de filhos n1e-
con1 os filhos pode ser Lima fonte significati,'a de estresse, nores co111 ati\·idades tiesenvolvidas para a i11teração
o qual, por sua vez, pode interferir negativan1e11te em de 1nãe e filhos até regi111es i11te11si,·os qL1e 11ão afastam
melhores desfechos no tratamento. Daí a justificati\ a da 1
os filhos da n1ãe e pern11ten1 que estes seja111 cuidados
necessidade de estratégias terapêt1ticas direcionadas ex- de forma co11comitante. Inter11acio11al111ente, algu11s
clusiva1nente para esse pt'.1blico. ser\·iços conhecidos, como, por exen1plo, o Pueblo
\'ários estudos têm si11alizado que programas de tra- Dei Nlar Fan1ily Reco,·ery Con1111unity, 110s Estados
tan1e11to para dependê11cia quín1ica que foran1 espccial- Unidos, i11corpora1n essa filosofia de tratan1ento para
me11te desenhados 1-1ara atender u1na de111a11da fe111ini11a fan1ílias, ~1rincipaln1e11te n1ães adietas e seus filhos.
co111 st1as necessidades únicas demonstran1 melhores re- Nesse local, um amplo conjunto de serviços é oferecido
sultados, unia \ ez que trabalhan1 dimint1i11do as barreiras
1
por ,,árias organizações sem fins lucrativos e agências
habitualn1e11te c11contradas nos serviços mistos. do go,,erno co1n o objetivo de pron10,,er aos partici-
Gree11field e cols. (2007) co11dL1ziram u111a extensa pes- pa11tes o desen,·ol,·i111e11to de l1abilidades 11ecessárias
quisa a fin1 de examinar as características associadas aos para permanecerem sóbrios e co11tribuir para a socie-
resultados dos tratame11tos para depe11dência quín1ica e1n dade em funcio11a1ne11to co1110 adultos prodL1ti,·os. Os
1nulheres. Para tanto, realizaram t1111a re\ isão da literatura
1
serviços inclL1en1 os r11ais ,·ariados recursos, que ,,ão
de língL1a inglesa de artigos publicados e11tre 1975 e 2005, desde a alfabetização, edt1cação parental, creche, tuto-
por 111eio do Medli11e e PsycINFO, e encontraram 280 ria após a escola, progran1as recreativos, doze passos
artigos rele\ antes. Apenas 11,8% desses estudos foram
1
011 site e grupos de prevenção de recaída. No Brasil, há

e11saios clínicos randomizados. A convergência de e\'i- 11otícias de poucos programas qt1e incluen1 a participa-
dências sugere que as n1ulheres com transtor,10s por uso ção dos filhos, e raríssi111as são as publicações dessas
. ... . . .
de substâncias psicoativas são menos pro,•á, eis dura11te a
1 exper1enc1as nac1ona1s.
vida de entraren1 em tratamento em con11-1aração co1n os • I11cluir cuidados pré-natais, cuidados gi11ecológicos e
set1s pares do gênero 111asculino. Un1a vez em trata111ento, pre, e11ção ao HIV As mull1eres grá,,idas devem ter prio-
1

poré111, o gênero não é um preditor significativo de ade- ridade no atendimento, de preferêr1cia vinculando o tra-
são. Não parece existirem preditores específicos influe11- tamento ao aco1npanhan1ento obstétrico e 11utricional,
ciando os resultados 110 tratamento quanto ao gênero; 110 para que se obte11ha u111 melhor desfecho da gestação.
enta11to, características individuais e os diferentes tipos de • Abordar em \VOrkshops ou terapias de grttpo questões
abordagens dt1rante o tratamento podem afetar diferente- do t111i, erso fe111inino. ·remas como sexualidade, con-
1

1nente os resultados por gênero. tracepção, aborto, cuidados de beleza, padrões estéti-
As principais reco1ne11dações dos estL1dos a,•aliados cos, carreira e filhos, são algu11s dos temas de i11teresse.
para progran1a de tratamento de depe11dê11cia de drogas • Atenção à sat'.1de mental, e não somente a dependência
para 111ulheres serem be1n-sucedidos são: quí111ica, bt1sca11do o diag11óstico e tratan1e11to adequa-
• Un1 dos pri11cipais pontos do tratame11to de 1nulheres dos das co1norbidades psiquiátricas. Con10 já abor-
co1n uso abL1sivo ot1 dependê11cia de drogas é a detec- dado neste capítulo, n1ulheres são 111ais vt1lnerá,·eis a
ção precoce. Quanto antes o tratamento for iniciado, apresentarem comorbidades ao uso de substâncias.
n1aiores as chances de 1nelhores desfechos. • Un1a equipe (staff) predon1inante111ente fen1inina, u1na
• Os programas exclusivamente de mulheres, tanto em ,·ez que essa estratégia tende a facilitar a identificação
regime de inter11ação como ambulatorial, tendem a ter positi,'a por 111eio dos cl1amados .female role rr1odels.
melhores desfechos. No último, pode haver a possibili- • Incluir suporte social e jurídico, como ate11ção a cre-
dade de determinados dias da semana serem dedicados ches e transporte.
exclusivan1ente para as mulheres freque11tarem o serviço. • Programas abrangentes, de for1na que o trata111ento
Grupos compostos ape11as por 111ulheres poden1 ser 1nais inclua aconselhame11to, educação e orie11tação, alén1 de
atrativos, pri11cipalmer1te 110 caso de vitin1as de violê11cia. intervenções psicossociais e far1nacológicas.

120
Capítulo 12 - Particularidades da dependência de drogas ilícitas na mulher

Bessa, ~1A, i\lilsushiro SS. Chalen1 E, Barros \tf C~1, Guinsburg


• Envolvin1e11to de líderes con1t111itários e de pares R, Laranjeira R. Correlates of Substance Use During adolescent
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a atender esse público de\·e1n agir e111 11Í\'el local, tra- Eiro,1 Orosa I--J, \'erthe1n C, Kuhn S. Linden1ann C, Karo1,,· .A., Haas-
ball1ando, sobrett1do, co111 adaptação e ílexil1ilidade. en C, llein1er ). ln1plicalion of gender differences in heroin-assisled
Além dessa act1ltt1raçào, a facilitação do idion1a con1 trealn1ent: results fron1 the Gern1an randon1ized controlled triai.
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121
Diagnóstico e tratamento
da dependência de álcool
no gênero feminino
Patricia Brunfentrinker Hochgraf
Sílvia Brasiliano

"Torna, pois, n1uito cuidado; não bebas dora\•ante 11e1n homens havia para 1 n1ulher em serviços de trata111ento,
vinho, nen1 bebida forte, e não comas coisa alguma impu- ha\·ia 1,9 ho1ne1n alcoolistas para 1 mulher e 1,5 home111
ra, porque vais conceber e dar à luz um filho'~ Embora já depe11dente de OL1tras drogas para 1 n1ulher na população
se encontrem referências às especificidades femininas em geral. 11 Se esse resultado confirma a dificuldade fen1ini11a,
relação ao consun10 de álcool 110 Antigo Testamento, foi o qt1e ainda 11ão é claro são as razões que leva1n algu111as
só en1 2007 que o NIDA (US National Institute on Drug mulheres a buscarem tratar11e11to e outras não. Int'.1n1eros
Abuse) declarou que os estudos sobre abuso de substância dados têm sido observados em pesquisas, n1as o que
deveriam rotineiramente incluir questões de gêner0. 2"1 parece ficar cada vez mais evidente é qt1e o acesso ao
Mais ainda, a despeito das claras evidências do au- tralarnento entre elas 11ão te1n uma resposta simples, pois
mento das taxas de prevalência do alcoolismo feminino e o que estaria i111plicado seria um complexo arranjo de
da diminuição da razão homem:n1ulher, principalmente inún1eros fatores, \'ariá\ el para cada pacie11te. 1
1

nas populações mais jovens,' durante muitas décadas Pretorius, Naidoo e Reddy (2009) 6 dividcrn as barreiras
observol1-se a exclusão delas na maioria das pesquisas que dificultam o acesso das n1ul11eres alcoolistas no trata-
sobre dependência de substâ11cias psicoati\•as, bem como mento em internas, externas e estruturais.
a relativa baLxa quantidade de artigos sobre suas particl1- Entre as internas, esses autores apontam a depressão,
laridades e necessidades. 5 A principal consequência dessa os problemas rnédicos relacio11ados ao alcoolismo e os
escassez de dados foi que, até bem pouco tempo atrás, o conflitos com o cornpanheiro e com os filhos, principal-
masculino persistiu como norma para an1bos os sexos, n1e11te as crianças. 6
o que, em últi1na instância, significou que as n1ulheres Embora os critérios diagnósticos sejan1 iguais para ho
foram tratadas em programas desen\•olvidos por homens, mens e mulheres e te11han1 sido desenvolvidos para facili-
específicos para as características n1asculinas e en1 con- tar o diagnóstico precoce e, portanto, n1elhorar o prognós-
junto com eles.r. ·11 tico, ~ entre as n1ulheres isso ainda não acontece adeqt1a-
Outro resL1ltado que també1n pode ser atribt1ído a esse damente. Na realidade, o que costuma ocorrer é u111a
cenário de falta de conhecin1e11to foi a manutenção do son1atória de dificuldades. Pacie11tes en\'ergonhadas, qt1e
estign1a e do preconceito contra as mulheres alcoólatras. procuram ajuda indiretamente, isto é, com <.Jueixas \1agas
Embora possa ser dito que a discriminação atinge os de- sobre sua saúde física e/ou psíquica, geraln1ente com mé-
pendentes sem relação con1 o gê11ero, ela é sen1pre mais dicos não especializados e con1 pouco trei11an1ento, que
severa com as n1ulheres, constituindo u1na das principais acabam não fazendo o diagnóstico. Diante dos sintonias
barreiras de acesso ao tratamento.(,.- <J de insônia, ner\'Osisn10 ou ansiedade, n1t1itas vezes e con1
É fato que, entre os alcoólatras, as mulheres buscan1 mais frequência que entre os homens, são prescritos às
me11os tratamento que os homens. Gn1 trabalho ame- n1ulheres n1edican1entos psicoativos, o qt1e geralmente
rica110 \'erificou que, no mesmo per1odo, para cada 2,3 agra\·a o qt1adro. De qualqt1er forrna, 11ão reconhecer
Tratado de Saúde Mental da Mulher

o alcoolismo reforça a relutância da pacie11te e111 aceitar inclui questões sociais, arnbie11tais, fisiológicas, ge11éticas
o seu problema, o que, somado ao estigma, pode fa,·o- e neurobiológicas. ~ -
recer seus mecanisn1os de negação, adiando ainda mais En1 relação às questões ge11éticas, é i11teressa11te obser-
a busca de ajuda. No entanto, nas raras ocasiões en1 qt1e ,,ar que os estudos i11iciais eran1 confusos e n1etodologí-
o diagnóstico é feito, a mt1lher é encami11hada a serviços ca1nente díspares, aponta11do u111a inflt1ência 111aior para
de atendimento ao dependente de substâncias psicoativas os hon1e11s do que para as 1nulheres. Já 11as pesquisas
mistos quanto ao sexo, em que a predon1inância de ho- mais rece11tes e co11troladas, os resultados n1ostram un1a
mens, e de suas necessidades diminui sua per111anência e influência genética de 50 a 60Qo, sem difere11ça entre os
aume11ta a possibilidade de recaída.(,· sexos. , s Essa diferença so foi \·erificada no inicio do con-
Entre os fatores externos que dificultan1 o acesso ao sun10 pesado de álcool, qua11do parece que a influência
tratan1e11to, destacam-se os conflitos interpessoais, como dos fatores ambientais contribuiria mais para a e\ oluçào
1

a oposição de familiares, o estign1a social e as preoct1- para a dependência do que dos fatores hereditários, e isso
pações econômicas. A oposição dos familiares, princi- ocorreria 1norn1ente con1 os l101nens. A exceção seria o
paln1e11te do con1pa11heiro, ao tratarnento, que pode ter inicio extreman1ente precoce, antes dos 13 a110s, que pa-
como consequência o rompimento da relação, tem sido rece sofrer n1ais influência hereditária. s
visto com um dos n1ais importantes custos sociais do Embora vários fatores biológicos (p. ex., risco genético)
alcoolismo feminino." En1 relação às preocupações eco- e psicossociais (p. ex., características de perso11alidade)
nôn1icas, destacam-se a falta de creches onde as mulheres impacten1 igt1al111e11te hon1ens e mulheres alcoólatras,
possa111 deixar seus filhos enquanto se tratam e as dificul- outros fatores, como algu11s neurotransn1issores, parece111
dades com transporte. ,.i,.i i contribuir para as diferenças entre os sexos. I-:studos 11eu-
Certamente, a barreira estrutural 111ais complexa te111 robiológicos apontam que o sistema dopa1ni11érgico 111e-
sido a carência de progra1nas sensí,,eis às necessidades solímbico está implicado nos comportan1entos aditivos.
do gê11ero feminino.-'·6 Outras barreiras são econômicas, Difere11ças na densidade dos receptores dopan1inergicos
como a falta de cobertura dos planos de saúde para o são encontradas entre os sexos en1 que hor1nô11ios esteroi-
trata1ne11to do alcoolis1no, que se alia no caso das mulhe- des gonadais poderiam ter um papel. Sistemas inibitórios
res à gra11de porcentagem de dependência financeira do GABAérgicos e siste111as estimulatórios gluta1ninergicos
companheiro. 3·6 também atuariam como neuromoduladores, e diferenças
É in1portante ressaltar que as pesqt1isas epide1nioló- entre seus receptores específicos foram ide11tificadas entre
gicas n1ostram que as mulheres estão bebendo cada \1ez homens e mulheres (particularmente receptores GABA e
1nais e começando a fazê-lo cada vez mais cedo, enquanto NMDA). 19 De qualquer forn1a, a pesquisa de mecanismos
as taxas masculinas se mantên1 relativan1ente está\'eis ou neurobiológicos focando as difere11ças sexuais no alcoo-
apontam ligeira queda. 14 De outro modo, parece bem es- lismo em especial e 11as farmacodependências en1 geral,
tabelecido que o i11ício precoce do co11st1mo de álcool se apesar de ainda incipie11te, pode ajudar a e11te11der e a
correlaciona positivamente com rnaior vulnerabilidade à tornar os tratamentos n1ais efetivos nessa área.
dependência. ·1 As diferenças entre os gêneros estão presentes em todas
Já no mais recente e importante levantamento epi- as fases da dependência: i11iciação, escalada de t1so, e,1olu-
demiológico brasileiro, conduzido em 108 cidades com ção da dependência e recaída após abstinência.
mais de 200.000 habitantes, Carlini e cols. (2006) ' 5 encon- No que se refere à motivação para o início do uso
traram uma prevalê11cia de 12,3% depende11tes de álcool, de álcool, as n1t1lheres costun1am apontar a ocorrência de
se11do 19,5% home11s e 6,9% n1ulheres (com uma razão e,·entos vitais significativos, como, por exe111plo, sepa-
homem:n1ulher de 2,8). Poucos anos antes, em estudo ração ou rnorte do cônjuge, enqt1anto os l1on1e11s geral-
epide1niológico conduzido pelo mesmo centro, a propor- mente não apo11tam un1 desencadea11te especial.~ Esse
ção foi de 17,1 % para os l1on1ens e 5,7°10 para as mulheres resultado, contudo, não é consensual, já que um estudo
(com uma razão homem:rnulher de 3). t- É importante americano recente com 2.524 adultos, dos quais 5890 eram
ressaltar que, no estudo mais recente, a prevalência de mulheres, não enco11trou diferenças entre os gêneros no
mulheres alcoólatras na faixa de 12 a 17 anos foi de 6% quesito e\rentos vitais como desencadeantes. 111
(com uma razão homem:mulher de 1,2); já na faixa de 18 Considerando ot1tros fatores de risco para o início do
a 24 anos, foi de 12,l 010 (com un1a razão homem:mulher uso de álcool, os homens, e1n geral, são levados pelos
de 2,3); na de 25 a 34 a11os, foi de 7,7°/o (com un1a razão amigos, e as mulheres, pelos co111panheiros. Os fatores
homem:n1ulher de 3); e, finalmente, a prevalência entre as de risco para o alcoolismo fen1inino incluen1 parceiros
mulheres acima de 35 anos foi de 5,4% (com uma razão com problemas con1 álcool e violência física e sext1al nas
homern:mulher de 3,2), confirmando a tendência global relações conjugais. 11
citada anteriormente. ~ Um trabalho brasileiro recente observou, co11sidera11-
Esse aumento da prevalência do alcoolismo entre 1nu- do un1 dos aspectos con1portan1entais do alcoolisrno, que
ll1eres tem origem em uma complexa rede de fatores que a transmissão transgeracional da violência intrafamiliar

124
Capítulo 13 - Diagnóstico e tratamento da dependência de álcool no gênero fem inino

em 111ulheres alcoolistas parece tan1bém se dar pelo lado viduais. Essas variáveis incluem expectativas e crenças a
fe111inino, sendo que está violência é significativan1ente respeito da associação de álcool com a ati,,idade sexual,
maior que nas fan1ílias que não abusam de álcool. É a sensação de que o álcool diminui eventuais traumas e
i11teressa11te notar que as mulheres alcoolistas aparecem depressão e in1agi11ar que o álcool pode n1elhorar as dis-
tanto como víti111as qua11to con10 perpetradoras dessa funções sexuais e os proble111as de relacionan1ento com o
violê11cia. Parece que as mulheres aprende111 co111 suas parceiro, entre outras. 24
n1ães a lidar co111 os problemas diários utilizando o álcool. Todos esses fenômenos contribuem para explicar por-
Essa pesquisa conclui que as fan1ílias alcoolistas são 111ais que as mulheres desenvolvem complicações clínicas (cir-
disfuncionais que as famílias de 111ulheres 11ão alcoolistas rose hepática, pancreatite, cardiopatias, neuropatias, entre
em vários aspectos, e que esses padrões disfL1ncio11ais pa- outras) decorrentes do uso de álcool mais precoceme11te
recen1 ser passados de geração para geração. - e de forn1a n1ais gra\·e que os homens, implicando un1a
É ben1 estabelecido 11a literatura que as 111ulheres co- morbidade de 1,5 a 2 vezes maior entre elas.s· 1'
meçam a L1sar álcool mais tardiamente que os l1ome11s, Considera11do a identidade sexual, parece haver uma
poré111, chega111 ao trata111ento con1 a 111esn1a idade e não vulnerabilidade geral que poderia aumentar o risco de
rara111ente con1 n1aior gravidade, fenômeno conhecido desen, olver problemas ligados ao álcool associada ao
1

como telescopi,.,g effect, ou progressão mais rápida do al- papel feminino tradicional. Esse papel englobaria baixa
coolismo. s Porén1, esse fato parece ocorrer na população capacidade de liderança, competitividade, assertividade
clí11ica, já que na população geral as n1ulheres começan1 a e independência. Em geral, quando esses fatores estão
beber mais tarde que os home11s, n1as nem de111oran1 me- presentes, sua conotação ainda é masculina. Nesse senti-
nos para tornarer11-5e depe11dentes, 11em chegan1 antes ao do, uma hipótese explicati, a é que essas n1ulheres seriam
1

trata111ento. Esse poderia ser um dos fatores que explicam mais vulnerà\'eis às pressões de grupo ou de pares, dife-
as diferenças entre os sexos no acesso ao trata111e11to. 1 · rente111ente daquelas que possuen1 algumas das caracte-
O te111po de transição entre o i11ício de consurno de rísticas citadas.· '
álcool e a depe11dê11cia ven1 din1i11uindo e11tre os 111ais Alguns autores tentara111 identificar alguns subtipos de
jovens, ocorre11do u111a convergê11cia entre os sexos. Esse alcoólatras e ainda correlacio11á-los com o sexo. Os mais
fato pode ser atribuído às mudanças sociais en1 relação ao co11hecidos são os tipos I e II de Cloninger. O tipo II se
con1portan1ento fc111inino, •~ que incluen1 maior aceitação caracterizaria por ter início precoce, mais comorbidade
social do consumo de álcool por 111ulheres, possibilidade psiquiátrica especialn1ente com qLtadros antissociais e
de elas saírem sozi11has para beber e tolerância 111aior à curso mais se\'ero. O tipo I teria o perfil oposto. É des-
en1briaguez das adolescentes. crito tan1bén1 que o tipo II seria mais geneticamente
Existem importa11tes diferenças de gênero nas respostas inflL1enciado, e11quanto o tipo I teria mais influência do
fisiológicas ao álcool. Como a n1ulher tem n1enos água ambiente. O tipo II seria 111ais frequente en1 l1omens, e o
corpórea que L1n1 homem de tan1anho con1parável, inge- tipo I, n1ais con1um nas n1ulheres. Contudo, embora, de
rindo a n1esma qua11tidade de álcool que ele, ela ati11ge uma fato, os con1portan1entos antissociais apareçam bem mais
alcoolen1ia n1aior. -- -' Contribui para esse efeito, também, nos hon1e11s, outras características como a hereditarieda-
o fato de que, na mulher, a razão entre o tecido gorduroso e de não se confirmam. Nessa linha, alguns autores postu-
magro é n1aior, e a distribuição do seu ,,olun1e é 111enor em lam existir un1 terceiro tipo de alcoólatras, que não teria
relação ao volun1e de água corpórea total. A maior absorção I I • I

caracter1st1cas soc1opat1cas nen1 propr1as, nen1 paterna1s,


o • o •

do álcool pela 111ulher pode ser de,•ida, ainda, aos 11íveis mas mesmo assim teria uma apresentação mais grave e
séricos n1enores 11as n1ulheres que 110s hon1e11s da enzima poderia aparecer em mulheres. s
ADH (álcool-desidrogenase), que é responsa,·el pelo 111eta- Como descrito anterior111e11te, o alcoolisn10 feminino
bolisn10 de quantidades substanciais de álcool a11tes qL1e ele cresce 11a faixa de maior fertilidade. Embora existam i11ú-
e11tre no sisten1a circulatório. , .~~ Sob condições normais, 111eras diferenças in1portantes e11tre home11s e mulheres
con1parati\•an1e11te aos homens, as mulheres n1etabolizam alcoólatras que de,•a1n ser levadas em consideração ao
aproxi111adan1ente somente 1/4 da quantidade de alcool se desenhare111 programas de pre,·enção e tratamento, a
ingerida.~·- 2·;., Adicionalmente, t1L1tuações horn1onais, sejam questão do uso de álcool durante a gestação é, sem dúvida,
nos níveis do horn1ônio go11adal, sejam relacio11adas ao L1111a das 111ais delicadas. A complicação n1ais severa do
ciclo menstrual, parecem també111 afetar a taxa de n1etabo- consumo de álcool durante a gestação e que constitui um
lização do álcool. 1i gra,·e problen1a no Brasil e no mundo é a SFA (síndro-
A associação e11tre o uso de álcool e as dist"t1nções 111e fetal pelo uso do álcool). Estima-se que 110s Estados
sexuais, e111bora largamente conhecida para os hon1ens, U11idos haja de 1 a 3 casos em 1.000 nativivos, e que essa
não é totalmente clara para as n1Ltlheres depende11tes. En- seja a terceira causa mais frequente de retardo n1e11tal en1
quanto para eles o alcoolismo está associado à i111potê11cia recém-nascidos. ' 3
e à dirninuição do interesse sexual, para elas essa relação De,•e-se ter em n1ente que o álcool é un1a substância
é con1plexa e int1L1enciada por mt'.1ltiplas \'ariá,·eis indi- qLte atra,·essa rapidamente a barreira placentária e tam-

125
Tratado de Saúde Mental da Mulher

bé1n passa para o leite mater110. O feto e o rece1n-nascido as ra111ificações éticas e legais desses co111portan1entos. Ao
tên1 un1a dificuldade maior de se livraren1 do álcool, até le,·ar en1 consideração que a principal barreira de e11trada
porque seLt fígado não está co1npleta1ne11te ainadurecido. 26 110 tratame11to é o preco11ceito que sofre1n por parte de
Há referê11cias desde a A11tiguidade à associação e11tre toda a sociedade, de,,e-se in1agi11ar que, qua11do grávidas,
alcoolisn10 materno e defeitos nos recé1n-nascidos. ~o esse preconceito se n1ultiplica, tornando quase impossí,·el
entanto, os si11ais e si11ton1as da SFA só são n1encio11ados u1n pedido de ajLtda. Esse pode ser un1 dos n1otivos pelos
pela primeira vez por Le1noi11e, en1 1968, e só são cata- quais elas rara111ente fazem acompa11han1ento pré-natal e,
logados enqua11to síndron1e por Jones, em 1973. Ainda quando o fazen1, em geral não relata1n espontanean1e11 -
assim, até hoje, 1nesn10 com un1 considerá,,el a,,anço no te set1 problema con1 alcool. 26 Alé1n disso, a gestação é
desen,·olvin1ento e ,,alidaçào dos critérios diag11ósticos t1n1 período facilitador de se11sibilizaçào ao tratame11to.
da SFA e para os distúrbios correlatos, i11ún1eras questões Se houver preparo por parte da equipe CLLidadora, é
permanecem não respondidas.~(, exata1ne11te nessa fase qLte se consegue uma abstinê11cia
O diag11óstico de SFA co111pleta não exige confirn1ação co111pleta e duradoura de todas as drogas, desejo da n1aior
da exposição ao álcool, diferenteme11te da SFA parcial. parte das n1ães para não prejudicar o bebê e, assi111, tam-
Dentro dos qL1adros parciais, encontra1n-se os defeitos de bém, poder cuidar melhor (iele.
11ascin1e11to (defeitos físicos) ligados ao álcool (ARBDs) e En1 últin10 lL1gar, con10 o uso de álcool 11a gravidez
os distt.'trbios de neurodesen,,ol,,imento ligados ao álcool co11stitui in1portante fonte de mobilização para o trata-
(ARNDs). Todos esses diag11ósticos são agrupados hoje 111e11to, o dese11vol,,imento de abordage11s adequadas para
sob a égide de DSFA (distúrbios do espectro da síndron1e a 1nãe e o bebê pode preve11ir futuros riscos de problemas
alcoólica fetal). O dano na criança ,,aria segundo o cha- de saúde física e mental. 11. 2
111ado QFT: qL1antidade de álcool consumida, frequência Já é praticamente consensual que a co111orbidade co111
. ., . .
de consumo e tin1i11g ou momento da idade gestacional outros transtornos ps1qu1atr1cos costuma ser mais a regra
en1 que o álcool foi consL1n1ido. 2- do qL1e a exceção entre os alcoólatras. Foi a partir de un1
Grosso n1odo, a SAF co11siste en1 u1na combi11ação amplo estudo an1erica110 na população geral que se perce-
qualquer dos seguir1tes cor11pone11tes: baixo peso para a beu uma alta taxa de comorbidade e11tre alcoólatras, sen-
idade gestacional, malforn1ações na estrL1tura tàcial (fe11- do que esses apresenta,,am u1na probabilidade três vezes
das palpebrais menores, ponte nasal baixa e filtro ausen- maior de tere1n OL1tro transtorno psiquiátrico, comparati-
te), defeitos 110 septo ventricular cardíaco, n1alfor1nações ,,amente aos 11ão alcoólatras. 19 Embora a taxa varie entre
das 1nãos e pés (especialn1ente sindactilia), além de retar- os diferentes estudos, esti111a-se que entre 1 a 3% da po-
do rnental que ,,aria de leve a moderado. Problen1as 110 pulação geral apresente comorbidade e11tre algun1 tipo de
co111portan1ento e aprendizado també1n poden1 persistir tra11storno n1ental e un1 transtorno relacionado ao uso de
pelo menos durante a i11fâ11cia. 2- alcooL·'º Existen1 consideráveis diferenças entre os sexos,
Con10 11ão há estudos para deter111i11ar doses seguras tanto nas taxas co1no no tipo de tra11storno associado. Em
de consumo alcoólico, pelos ób,1 ios limites éticos de geral, as mulheres têm maior probabilidade de aprese11tar
co11duzir tais i11vestigações, a reco111endação é 11ão beber transtornos depressivos e a11siosos, enqL1anto nos ho111er1s
durante a gestação. Essa diretriz tem sido reforçada por o transtorno de personalidade antissocial é n1ais co1nL1m.
pesquisas que n1ostram que mesmo pequenas quanti- Outro estudo america110 aponta que as n1ulheres alcoo-
dades de álcool (111enos que um dri11que por semana) listas tên1 mais comorbidade que os homens alcoolistas
correlacionan1-se com proble1nas de saúde n1ental cli11ica- (65°/o das mL1lheres versus 44% dos hon1ens) e que as n1u-
111ente significativos, que parecem ser piores em n1eni11as lheres 11a popLilação geral (31 % das alcoolistas versits 5%
do que em meninos. Em L1n1 amplo estudo populacio11al das outras mLtlheres). " Para 111ulheres ta11to dependentes
a111ericano, verificou-se que o consun10 ocasional de qua- de álcool qua11to de outras drogas, OL1tras pesqt1isas, con1
tro OLl menos dri11ques em um dia, mesmo na ausê11cia maior di,,ersidade de diagnósticos do Eixo I, obser\'aran1,
de Ltso frequente de álcool, está associado co1n alto risco tan1bém, em amostras populacionais e clínicas, altas
de problen1as mentais - especialn1ente l1iperatividade e taxas de comorbidade co1n o transtor110 de estresse pós-
desatenção - em meninas aos 2 anos de idade e e1n a111bos -traun1ático e com os transtornos alin1entares. 31
os sexos e11tre 6 e 7 a11os. 'K De qL1alquer forma, con10 a co1norbidade pode in-
Adicionaln1ente, sabe-se que problemas mater11os de tlt1enciar a apresentação, a evolLtção e o prognóstico das
saúde física, desnL1trição e suscetibilidade a infecções po- mulheres depe11dentes no tratamento, o diagnóstico e a
dem ser transmitidas ao feto em desenvolvimento. 18 abordagem adequada dos tra11stornos psiquiátricos co-
Deve-se le111brar que o cuidado com as gestantes n1órbidos são fundamentais para garantir a efetividade da
dependentes de álcool é complexo, difícil e exige um i11tervenção terapêL1tica. 3.?
preparo especial por parte dos agentes de saúde. Esses É bem estabelecido na literatura que as n1ulheres de-
profissionais devem estar conscientes das características pe11dentes obtêm 1naior benefício qua11do tratadas em
únicas, tanto psicológicas co1110 sociais, sen1 contar com progran1as exclL1sivos para elas, já que são os que possibi-

126
Capítulo 13 - D1agnóst1co e tratamento da dependência de álcool no gênero feminino

litam SL1a participação integral. ' 1 O n1esmo 11ão ocorreria tões ligadas à autoestima e ao corpo, con10, por exe111plo,
e111 trata111e11tos mistos, que, geraln1e11te, falha1n en1 res- terapeL1tas ocupacio11ais e nutricionistas, psicoterapia
po11der às 11ecessidades femininas, pois os interesses dos em grupo só para 1null1eres, 011de possan1 ser abordadas
homens costu111an1 predo111inar, dificultando, ou 1nesn10 qt1estõcs afetivas e interpessoais e 11ão somente aquelas
in1~1edi11do, a abordage111 das suas qL1estões particula- relacio11adas ao álcool e às drogas, e suporte da equipe. 13
res. ~ "'· ' Co11strução de u111a ide11tidade pessoal, 1nelhora É i1nportante ressaltar que, qua11do comparadas aos
da autoestin1a, desenvol\ in1ento de relações interpessoais
1 programas mistos, as abordagens exclusivas têm mostra-
positivas, i11teração n1ãe-fill10 e trei11an1ento vocacio11al do índices significativamente superiores de aderê11cia de
são, geral111e11te, focos fu11dame11tais na recuperação da pacientes. '·' Sabidan1ente, a aderência ou permanência dos
n1ulher depe11de11te, que dificil1ne11te são trabalhados em farrnacodepe11dentes no tratan1ento correlaciona-se co111
grt1pos mistos, e1n geral, n1ais \ oltados para os co11flitos
1 ttm bon1 prognóstico. 31
dos hon1ens con1 a absti11ê11cia e st1a 111a11t1tenção.-'~ Alguns autores, examina11do compo11entes de aborda·
~esse sentido e qLte se ,1em propondo e dese11\10l\·en- gens terapêuticas de 38 estLtdos de e\rolução, se11do 7 com
do progran1as específicos para mull1eres. Embora sejan1 amostras clínicas ra11domizadas e 31 com amostras 11ão
int'.uneros os sig11ificados atribuídos à expressão "ser\'iço rando111izadas, observaram restdtados sig11ificativa111ente
exclusivo para 1nulheres", todos os autores tenden1 a co11- superiores e1n abordagens específicas, tais co1no aumento
cordar que isso 11ão significa sin1plesn1ente transforn1ar das taxas de aderência, di1ninL1ição no uso de substâncias,
en1 "só para mulheres" tu11 serviço in1plantado para ho- redLtção 110s comportame11tos de risco para HIV, me-
me11s qt1e te11ha sido dese11hado a ~1artir de t1111a filosofia lhorias na autoestirna, na depressão e nos cuidados pré
orientada mascL1li11a111e11te. Assin1, é co11se11sual que o e 11eonatais associados con1 creches, aco111panha111e11to
princípio fu11damental para desen\'ol,,er e ilnple1ne11tar pré-natal, admissão exclusi,1a de mulheres, ..,vorks/1ops
programas só para mulheres, alé1n de ate11der a essa po- sobre questões femi11inas, abordagens para saúde n1ental
pulação específica, é que ele seja se11sível às necessidades e progran1as intensificados. Na discussão dos resL1ltados,
de gênero, ou seja, utilize-se de estratégias particularme11- os autores apo11taram uma série de razões para jL1stificar o
te responsi\·as às peculiaridades ú11icas das mulheres de- aun1ento da eficácia dos progra1nas inte11sificados so111en-
pendentes.x Idealmente, para qt1e isso possa ocorrer, esses te para 111t1lheres em relação aos progran1as padro11izados.
serviços seria111 estruturados de for111a que as mull1eres Eles sugerem que alguns co111po11entes da pri1neira abor-
não fosse111 separadas de seus filhos e que eles també111 dagen1, como a existência de creches, poderiam reduzir as
fossem e11gajados en1 abordage11s terapêuticas. - barreiras de acesso ao tratan1ento. Outros componentes,
Alé111 disso, a sensibilidade ao gênero deve i11cluir como acon1panhame11to pré-natal e abordage11s para
outros fatores, que tên1 sido apontados na literatura, tais saúde 111ental, podem atrair e reter 1nais n1ulheres em
co1no: diversas situações de ,,ida (p. ex., homossexuais ou \ 1Íti-
• facilidades que o ser\ iço possa oferecer para sobrepu-
1 mas de abL1so), já t1ue asseguraria1n que set1s proble111as
jar barreiras exter11as (p. ex., oposição do con1panheiro específicos fossen1 conte111plados. ' 4
e dos fan1iliares ao trata111e11to e creches) e estrL1turais Uma das razões que tên1 sido apontadas para a difi-
(con10 a falta de emprego );6·- :- 1 culdade en1 estabelecer programas reco11hecida111e11te
• i11tegração con1 ser,,iços de saúde clínica e n1e11tal, i11- eficazes para as 111ulheres refere-se ao fato de que elas,
clusive aco111pa11han1e11to pré-11atal;-.s provavelmente, não constituem u1n grupo homogê11eo. '~
• necessidade de qL1e os profissio11ais da equipe possan1 Aparente111ente, programas exclusivos para n1ull1eres,
reconhecer, empatizar e lidar co111 a 11atureza específica con1parati,,arnente aos progra111as mistos, atraen1 mais
do alcoolisn10 feminino;s.i, mulheres hon1ossexL1ais, co111 filhos, com história tie
• trei11amento específico para a equipe nas questões fe- abL1so e história de alcoolisn10 mater110, ou seja, pacientes
n1ini11as, direta ou indiretan1e11te relacio11adas ao uso mais gra,,es e co111 1naiores difict1ldades. ~
de álcool. s ~ Considera11do a presença de algun1a comorbidade, um
ponto importante a ser observado é que os progran1as i11-
Dessa ferina, seria1n 111ais atrativos para as 111ulheres tegrados (en1 que os transtor11os psiquiátricos e os quadros
dependentes e n1ais eficazes 110 ate11di1nento de st1as 11e- de dependência são abordados simL1ltanea111ente pela mes-
cessidades as abordagens terapêuticas que atuen1 en1 equi · n1a pessoa, eqt1ipe ou ser,,iço) tên1 sido st1geridos con10 os
pes n1ulti<liscipli11ares e i11clL1a111, de maneira integrada, 1nais efeti, os. Alguns autores ressalta1n, ai11da, que o ~1ior
1

serviço de assistê11cia social, pri11cipal1nente sob a for111a prognóstico dos pacientes depe11dentes co1n comorbidade
de auxílio no cuidado co1n os filhos e rei11serção social, as- pode ser atribuído, en1 grande parte, à abordagem tradicio-
sistê11cia jurítiica, para inforn1ação sobre os diretos legais 11al, qL1e trata a dependência e1n t1111 ser, iço e o tra11stor110
1

das n1ulheres e 111ães, orientação e ate11di1ne11to de casais psiquiátrico associado en1 outro.'- Apesar de ainda seren1
e fa1nílias, edL1cação sobre sexualidade, n1aternidade e poucos os tratamentos dispo11íveis com essas caracterís-
pla11ejan1e11to fan1iliar, profissionais que trabalhe111 ques- ticas, ber11 co1110 as pesquisas ~obre sua eficácia, algu11s

127
Tratado de Saúde Mental da Mulher

estudos já têm demonstrado que prograrnas exclusivos 7. Health Ca11ada. Best practices - treatn1ent and rehabilitation
para mulheres obtêm resultados 1nelhores con1 pacientes for ,,•omen ,v1th substance use problen1s. Ontario: Publications
farmacodependentes com si11to1nas psiquiátricos gra\'es do Health Canada; 2001.
que aqueles mistos quanto ao sexo."~ 8. t:nited ?\ations Office on Drugs and Crime (t.:~ODC). Subs-
En1bora, co1110 apo11tado, pareça ser claro que abor- tance abuse treatn1ent and care for ,,on1en: case studies and
dagens terapêuticas que atuem em equipes 111L1ltidisci- lessons learned. \ 1 ienna: lJnited Nations Publication; 2004.
plinares e inclua1n de forma integrada uma ampla ga1na 9. Battjes RL, Onkcn I.S, Delany PJ. [)rug abuse treatrncnt entry
de intervenções sejam mais atrativas e efeti,·as para as and engagen1ent: report of a meet1ng on treatn1e11t readiness.
mulheres, 13 o desenvolvimento de farn1acoterapias para Journal of Clinicai Psycholog). l 999;55:643-57.
o tratamen to da dependência de substâncias psicoati\ras 1O. Haver B, Gjestad R, Lindberg S, Franck J. wlortality risk up to 25
historican1ente não se relacior1a con1 o gênero''. years after initiation of treatment an1ong 420 S,,•edish ,,,on1en
No caso especifico do naltrexo11e (1nedicação utilizada ,,·ith alcohol add1ction. Addiction. 2009; 104(3):413-9.
para diminuir a vontade e o consumo de álcool em pa- 11. Small J, Curran G~I. Booth B. Barriers and facilitators for
cien tes dependentes), a efetividacle parece ser a mesma alcohol treatn1ent for \,·omen: are there n1ore or less for rural
en1 homens e mulheres. No entanto, os efeitos colaterais ,von1en? Journal of ~ubstance Abuse lreatn1ent. 20 l 0;39: 1-13.
são difere11tes: as mulheres referem mais náuseas e os ho- 12. Organização ~1undial da Saúde. Classificação de transtornos
1nens ter1de1n à dimi11uição do apetite, cefaleia e tonturas. n1entais e de con1portamento da CID-10. Porto Alegre: Artes
No entanto, só as mulheres dor1nen1 melhor co111 ele_l; wlédicas; 1993.
Para evitar falsas conclusões, a questão do gênero deve 13. Brasiliano S, Hochgraf PB. Drogadicção feminina: a experiên-
ser sempre considerada nos estudos das farn1acoterapias. cia de um percurso. ln: Silveira DX, ~loreira FG (eds.) Panora-
Ainda que algun1as diferenças sexuais tenham mais signi- n,a atual de drogas e dependências. São Paulo: Editora Atheneu;
ficad o clín ico que o u tras, qualquer difere11ça ligada ao 2006. p. 289-95.
gên ero ten1 potencial de complicar os estudos clínicos, 14. Keyes K~l. ~lartins SS, Bianca C, Hasin DS. 1elescoping
pois, por exen1plo, as fases do ciclo menstrual ou a gravi- and gender dilTerences in alcohol dependence: ne\\' evidence
dez podem implicar em distintas magnitudes dos efeitos fron, t½•o national surveys. A1nerican Journal of Psychiatry.
colaterais, entre outros. 36 20 l O; 167(8):969-76.
As investigações na área de aderência, evolução e efi- 15. Carlini EA, Galduróz JCF, Silva AAB, Noto AR, Fonseca A~l.
cácia do tratamento de mulheres depende11tes de álcool Carlini C~l et ai. II Levantamento domiciliar sobre o uso de
realça1n que a eficácia do trata1ne11to par a mulheres é u1na drogas psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo as 108 n1a10-
questão con1plexa, e pesquisas futuras em uma a1npla va- res cidades do Brasil - 2005. Brastlia: Senad; 2006.
r iedade de ca111pos são n ecessárias para detern1inar qual é 16. Carlini EA, Galduroz JCF, Noto AR, Nappo SA. I Leva11tan1ento
a intervenção efetiva para cada mulher, em cada a111biente.s don1iciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil: estudo
envolvendo as 107 1naiores cidades do Brasil - 2001. São Paulo:
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128
Diagnóstico e tratamento
da dependência de tabaco
na mulher
Arthur Guerra de Andrade
Verena Castellani

-
INTRODUCAO mascL1lino, é de 12%. No enta11to, a tendência de aL1n1ento
Cerca de 250 milhões de mulheres fun1am no mundo, e, entre as meninas está se ace11tua11do, especial1nente em
enquanto as prevalências n1undiais de homens fumantes se países de renda alta.~ Essa é un1a grande preocupação,
ma11têm co11stantes ou caem, a prevalência do tabagismo pois será possível ver uma inversão da ter1dê11cia de de-
entre as mulheres aumenta, principalmente na Ásia e na créscimo da prevalência do tabagismo nos próxin1os anos.
África. Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), Em países desenvolvidos, em especial Europa e EUA, a
em 2025, cerca de 25% das mulheres será fumante. prevalência de n1ulheres fu111antes está di1ninui11do. Porém,
Não existe dú,,ida de que mulheres e home11s se com- mesmo nesses locais, existe L1n1a exceção: as taxas de taba-
portan1 de maneira diferente em relação ao tabagis1no. gismo no sexo feminino entre a população de renda mt1ito
Inicialmente, é possível citar que mulheres fu1nan1 menos baixa ainda aumenta, con10 ocorre 110 Reino U11ido:1
cigarros por dia, fLu11am cigarros de 1nenor teor de alca- No Brasil, segL1ndo levantamento realizado em 2001
trão de nicotina e dese11volvem un1 quadro de dependê11- e111 107 cidades, a prevalência de fun10 diário entre as
cia n1ais rapidamente; porém, ao longo deste capítulo, 111ulheres era de 14,8%, e, entre n1ulheres 111ais jo,,ens
muitas diferenças serão discutidas. (con1 menos que 35 anos), a pre,·alência era ainda n1aior:
As mulheres tên1 um risco aumentado de desen\·olver 24°10. Entre essas, 7,9°10 techa, a1n critério para depen-
1

inún1eras doenças ligadas ao tabagismo. Por muitos anos, dência de nicotina, isto é, 53,4% das fumantes diárias
esse risco foi minin1izado pela n1e11or prevalência do era dependente da nicotina. ~ A prevalência de ft1mantes
tabagisn10 e início de uso de cigarros n1ais tardio entre no Brasil começou a decrescer, porém é n1enos evide11te
mulheres, porém já se sabe que cerca de 64<}-o das n1ulhe- do que entre ho1nens, co1110 visto em outros países en1
res fun1antes vai morrer de causas ligadas ao tabagismo . desenvol,·i1ne11to.
As mulheres vão carregar parte importante dos "custos"
provenientes do uso de tabaco nos próxin1os anos, como INICIAÇAO
-
os di,,ersos tipos de câ11cer, doenças cardio,,asculares e O tabagismo é um proble111a pediátrico: já 80% dos
respiratórias, i11tertilidade e osteoporose, entre outras. fu1nantes inician1 seu LISO antes dos 18 a11os. As n1eninas
parecen1 iI1iciar o uso de cigarro influenciadas pelas 1nes-
EPIDEMIOLOGIA mas razões que os meninos, ou seja: CLtriosidade, pressão
Aproximadan1ente 250 n1ilhões de n1ull1eres no 1nu11- dos pares, n1eios de ali,riar o estresse ou tédio e desejo de
do são fL1n1antes diárias, ou seja, 20°10 dos fumantes do impressionar os amigos. E apesar de as menu1as percebere111
inundo. Cerca de 22º1> das n1ulheres 110s países desenvol- os riscos de n1ortalidade pelo tabagismo de 111a11eira mais
vidos e 9°10 nos países en1 desen,•ol,,i111ento são fu1na11tes. e\1idente, elas percebem menos os riscos de dependência e
O taxa de uso de cigarro entre adolescer1tes do sexo fe- são menos influenciadas positi\•an1ente pelas diversas fontes
minino é de 7°10, e11quanto, entre os adolescentes do sexo de inforn1ação, como professores, colegas e busca própria. -
Tratado de Saúde Mental da Mulher

IMPArrn DO TAEl.õ.GISMO NA SAÚDE DA MULH,ER que sofrera111 u111 A\'C, em geral, tên1 tun risco de n1or-
Er11 1979, o Departa111ento de Sat:1de America110 (lecla- talidatie e desabilitação n1aior qtre ho1nens, o qt1e pode se
rot1: "Mull1ercs que fu111a111 como homens n1orrerão con10 repetir entre a população de ft1111antes.
ho1ne11s". Poré1n, att1aln1ente, sabe-se qt1e n1ull1eres que
ft1n1ar11 co1110 hon1e11s sofrerão mais que eles.
O cigarro afeta as n1ulheres de 111a11eira difere11te. Por O tabagisn10 esta associado a inun1eras 11eoplasias,
excn1plo, 111ulheres tên1 n1aior risco de dese11,·ol\'er câ11- se11do qtre as co111 111aiores e,·idê11cias de associação são as
cer de pt1l111ão e de cólo,1 intesti11al. Tan1bem são 111ais 11eoplasias de ~1t1h11ào, ca,·ida(ic oral, ,·ias aéreas, esôtàgo,
afeta(ias qt1a11to a proble111as rcprodt1ti,·os e doe11ças pâ11creas, bexiga e Yias uri11árias, cérvix uteri110 e colorretal.
• ••
resp1rator1as. A 111ortalida(ie c.ie di,·ersas 11eoplasias e111 países desen-
,·ol, idos esta c.ii111ir1t1indo. Pore111, te111 au111e11tado nos
pa1ses em dese11\·ol,·in1ento, pois a pre,·alê11cia do tabagis-
,\s (ioc11ças respiratórias afeta111 fun1a11tes do sexo fe- n10 tan1bé111 at1n1e11tou nesses países, es~1ecial111e11te e11tre
111i11i110 de 111a11eira difere11te qt1e os do sexo 1nasct1li110. as 111ulheres. A seguir, serão discutidas as e,,idê11cias de
As 111t1lheres ft1mantes apresenta111 111aior pre,·alê11cia algun1as dessas neoplasias.
de as111a do que os l1on1e11s, 111es1110 qt1a11do o 11t1111ero de O cà11cer de pt1l111ào é trma das neoplasias n1ais fatais,
cigarros (i.iários e os ot1tros prejt11zos à sat1de sào se111e- e o tabagisn,o esta relacionado a pelo 111e110s 90°/o desses
lha11tes. llipotetiza-se qtte n1t1lheres apresenta111 111aior casos. A n1aior parte dos casos ai11da acontece e11tre ho-
11 iper- respo11sabilidade bro11quial, i11(icpe11dente111e11te do 111er1s, já qt1e por 111t1itos anos a pre,·alê11cia (ie tabagisrno
ta111a11l10 pt1l1no11ar OLt das ,·ias aéreas.~ E11tre adolesce11tes e11tre essa popt1lação foi otr ai11da é 111aior. Porén1, e1n paí-
con, asn,a, as n1eni11as tenden, a f u111ar n1ais do qt1e os ses n1ais dese11,·ol,·idos, a pre,·alê11cia dessa dc>ença está
111e11i11os, co111 pior e,·olt1ção da doença. din1inuindo entre os homens enqt1anto at1n1e11ta entre
Mulheres fun1antes con1 DPOC (doença obstrt1ti,•a n1ulheres, ret1eti11(io o au111e11to da pre, alê11cia de tabagis-
1

pub11011ar crô11ica) tê111 u111a pior e,•olução qtre os l10- 1110 e exposição ao ft11110 passi\'O entre elas.
111ens; ern geral os quadros são 111ais gra,·es e aprese11ta111 Mulheres, e111 geral, aprese11tar11 neoplasias de pulmão
111aior i111pacto 11a qualidade de ,·ida. A ma11ifestação <.io tipo adenocarci11oma, enqt1a11to os ho111ens apresen-
clí11ica e.ia DPOC e111 111ulheres é diferente do qt1e en1 tan1 carcinon1a (ie células escan,osas. A pre,,alência do
l10111e11s: o si11to111a n1ais con1t1111 nelas é a obstrt1ção das adenocarci110111a tie pt1lmão tem at11ne11tac.io en, co11se-
vias aéreas (110 home111, a n1anifestação 111ais e11fise111atosa quê11cia do au111e11to da pre,•alência do tabagisn10 entre
é 111ais co111t1n1), le,•a11do a t1n1 atraso ou erro 110 diag11ós- as 111ulheres.
tico e trata111entos i11adeqt1ados. As 111ulheres, e111 geral, Esse tipo de neoplasia está associado aos cigarros co111
são 111ais sensíveis aos fatores de risco que le,·am à DPOC, 111e11or teor de nicoti11a e alcatrão, os n1a1s con1t1111ente
e111 especial ao tabagisn10 e ao ft11110 passi,·o; elas até fu111ados pelas n1ull1eres. ~ O t1s0 desses cigarros, por st1a
111es1110 apresentan1 u111 risco at1111e11tado de dese11vol, er1
\·ez, está relacio11ado a "tragos n1ais proft111c.ios" o que
essa doc11ça. s le,·aria ao dese11volvi111e11to n1ais freqt1ente de algt1mas
doe11ças, entre elas o câncer de pulrnão.
Nlulheres parece111 ser n1ais se11síveis ao desenvolvi-
Mull1eres aprese11tan1 t1n1 risco au111cntado e111 relação 111ento de neoplasias de pulmão: as ft1mantes (ie un1 a qt1a-
aos l10111e11s para as doe11ças cardio,,asculares. tro cigarros por dia tê111 um risco n1aior de dese11,·ol, eren1
1

~ltrlheres que ft1111an1 tên1 60°10 de at1111ento de risco câr1cer de pulmão, fato qt1e 11ão ocorre e11tre hon1e11s com
para doenças coro11aria11as quando co111paradas co111 ho- esse padrão. ·
111e11s fun1antes, e esse risco aur11er1ta proporcio11aln1ente As neoplasias de bexiga tarnben1 são 111t1ito ligadas ao
a qt1a11ti(iade de cigarro fu1nado diariamente,<I especial- tabagisn10. Nesse tipo (ie câ11cer, as n1t1lheres apresentam
n1e11te e111 n1t1lheres fun1antes que usa111 a11tico11cepcio- quadros 111ais agressi\'OS, são diagnosticadas 111ais tardia-
11ais orais, as quais aprcse11ta111 L1111 risco dez vezes n1aior mente e co1n quadros n1ais a,,ançados, tê111 pior prog-
de doeriças coronaria11as. ·11 11óstico e aprese11ta111 um risco at1111e11tado quando com-
paradas con1 ho111cns que fu111a1n a mes111a quantidade
de cigarros.· ;
Nlulheres fumantes tên1 u1n risco n1aior de A\'C (aci- Nas neoplasias (ie orofaringe, os rest1ltados de di, ersos
1

dente \'ascular cerebral) isquên1ico e hen1orrágico qua11do estudos ainda não são concltrsi,·os, porem a tendência é
con,~)aradas corn n1ulheres não ft1111a11tes. Elas tan1be1n de t1m risco at1n1entado de neoplasias de orofari11ge em
tên1 t1111 risco at1me11tado de ot1tras l1emorragias cerebrais, r11ulheres ft1n1antes, especialn1ente se fun1an1 111ais de
co1110 l1en1orragias i11tracerebral e subaracnóidea. Ai11da qtrarenta cigarros por dia.
11ão existe un1 conse11so se mulheres fu111antes tê111 u111 Ai11da não é estabelecido se o risco de neoplasia colar-
pior ~)rog11óstico que l101ne11s ft1n1a11tes; poré111 n1trlheres retal é semcll1ante er1tre mulheres e hon1e11s; c11tretanto, o

132
Capítulo 14 - Diagnóstico e tratamento da dependência de tabaco na mulher

risco desse tipo de câ11cer é maior entre mulheres fuman- diminuição da produtividade e de renda entre jovens e
tes que não fumantes. 15 mt1lheres adultas. A relação entre a dismenorreia e o taba-
A relação entre câncer de 1nama e tabagisn10 ainda gismo é bem estabelecida: ela ocorre com mais frequência
é controverso. No entanto, já existem evidências de que e dura mais tempo nas ft1mantes, inclLtsive em jovens
o tabagismo está ligado a um maior risco do desenvol- expostas ao fumo passivo em casa. 18
vimento dessa patologia. O câ.I1cer de mama é o tipo de
neoplasia mais relatado por mulheres com menos de 50
anos, e os estudos parecem apontar para uina relação en- O tabagismo também está relacionado à 1nenopausa
tre jovens fuma11tes e o câncer de 1nama. Jovens fumantes precoce: em média, a menopausa ocorre de um a dois
ou com exposição prolo11gada ao fumo passivo têm uma anos antes nas mulheres não fumantes. Ainda não exis-
probabilidade aL1mentada de desenvolver câncer de mama te consenso sobre a influência do número de cigarros
antes da menopausa. O tecido mamário durante a fase de fumado ou da duração do tabagismo neste evento. 19
desenvolvimento que acontece na adolescência e durante A 1nenopausa precoce acontece pela deficiência estrogêni-
a gravidez parece ser mais sensível à exposição de subs- ca con1t1n1ente encontrada em fumantes.
tâncias carcinogê11icas. Um estudo de coorte encontrou
um risco aumentado para câncer de n1ama entre adoles-
centes que começaram a fumar dL1ra11te a adolescência e A infertilidade está intimamente ligada ao uso da
continuaram a fumar por 20 anos. 1º nicotina. Casais que fumam demoram mais tempo para
As mL1lheres mais jovens com câncer de mama de- e11gravidar, e o mesmo ocorre se só a mulher for fumante,
moram 1nais para serem diag11osticadas e apresentam tanto na pri1neira gestação como nas seguintes. Mulheres
um quadro 1nais agressivo, tendo um prognóstico pior. expostas ao fumo passivo também apresentam essa difi-
independentemente disso, mulheres fumantes com essa culdade. Em ci11co anos após pararem de usar métodos
patologia têm uma mortalidade aumentada quando com- anticoncepcionais, 10,7% mulheres que fumavam 20 ou
paradas às 11ão fL1mantes. mais cigarros por dia ainda não haviam engravidado, ao
Na etiologia do desenvolvin1ento do câncer de cérvix contrário de apenas 5,4% das não fumantes. 20
uterino, o tabagismo está relacionado à infecção pelo ví- A infertilidade ocorre por diversos mecanis111os, já que
rus HPV. Fun1antes apresentam un1a carga vira} aumenta- o Liso da nicotina tem efeitos negativos em diversas fases
da quando infectadas co1n o HPV, e isso aumenta o risco da concepção, da produção de gan1etas até a implantação
de desenvolver a neoplasia. Além disso, têm pior resposta e desenvol,,imento fetal.
a alguns tratamentos para esse câncer, como os realizados A fumaça do cigarro já foi responsabilizada pelo mau
com as medicações interfero11 e i1niquinod. i - ft1ncionamento das células ciliares da tuba uterina, o qt1e
0 fumo também está relacionado às neoplasias de en- dificultaria a implantação do óvulo fecundado. Também
dométrio, porém, de ma11eira inversa. Mulheres fumantes está relacionado à diminuição da capacidade de captar
têm Lim risco diminuído de desenvolver essa neoplasia, oócitos e de adesão destes em mulheres fumantes e
especialmente n1ulheres na pós-menopausa e que utiliza- possivelmente em mulheres expostas ao fumo passivo,
vam terapia de reposição hormonal. explica11do a 1nenor fecundidade e maior incidência de
gravidez ectópica entre fumantes. 21
- -
REPRODUÇAO, GESTAÇAO E TABft.GISMO Fumar cigarros está associado a um maior risco de e11-
A relação entre o tabagismo e alterações do sistema don1etriose, que por sua vez é uma das principais causas
reprodutivo fe111inino já foi bastante estudada: o uso da de infertilidade e subi11fertilidade. O cigarro está ligado a
nicotina se relaciona a dismenorreia, menopausa, infertili- outras complicações relacionadas à gravidez, con10 o risco
dade e problemas na gestação. Os mecanismos fisiológicos de aborto, natimortos e morte perinatal.
não são claros, mas as hipóteses são relacionadas às altera- A relação entre infertilidade e tabagismo pode come-
ções hormonais qL1e o tabagis1no caLtsa, como a diminuição çar antes mesmo da n1enarca, na exposição intrauteri11a.
dos hormônios antimullerianos, alteração nos níveis do Ye e cols. acompanharam n1ais de 48.000 gestações de 1nu-
hormônio foliculoestimulante e deficiência estrogênica. lheres entre 15 e 44 anos, e encontraram u1na associação
A relativa deficiência estrogênica se manifesta com uma entre a exposição intrauterina a tabaco e a diminuição da
menopausa precoce, n1enores riscos de câncer de e11domé- fertilidade. 12 A exposição intrauterina ao cigarro também
trio (como descrito anteriormente), n1aiores riscos de os- está relacionada ao desenvolvimento de endometriose na
teoporose e fraturas e menor incidê11cia de fibrose uteri11a. vida adt1lta do feto.
O tabagismo tan1bém mL1da o prognóstico das ferti-
lizações in vitro. As mulheres fttmantes necessitam de
A dis111e11orreia, ou n1e11strt1ação acompanhada de maiores doses para estimt1lação ovaria11a e o dobro de te11 -
cólicas e/ou dor lombar, é a queixa ginecológica mais tativas para conceber qttando comparadas com não ft1-
freque11te, e está associada a faltas na escola e trabalho, n1antes. Elas també1n apresentam um menor número de

133
Tratado de Saúde Mental da Mulher

oócitos ,·iáveis colhidos, 1ne11ores ta,xas de i1npla11tação e l.Jma das prin1eiras can1pa11has foi realizada pela co1n-
mais ciclos sem sucesso. pa11hia A111erican Tobacco para o cigarro Lt1ck.7 Strike, e
Resu111idamente, o cigarro está ligado a n1at1 ft111cio- ti11ha o segui11te sloga11: "Reach for a Luck)· i11stead of a
namento de órgãos sexuais, dismenorreia, diminuição da S\veet" (" Pegue uni Luck1· e111 ,·ez de un1 doce" ), ja capita-
fect111didade, n1aior nún1ero de complicações na gestação, lizando na recente tendência de mulheres n1ai5 magras do
abortos, natin1ortos e 1nortes perinatais, alé111 de pior inicio do século XX. As vendas desse cigarro aume11taram
prognóstico nas fertilizações i11 vitro. e111 200° 0 e11tre as n1t1lheres após o anúncio. ·
1

No início do sécttlo, as con1panhias de cigarro relacio-


11aran1 o ato de fu1nar à liberação das mulheres, da\'a111
Int'.1n1eras alterações estão ligadas ao tabagisn10 e a aulas de co1110 fumar e patrocinaran1 passeatas de libera-
exposição da gesta11te ao fumo passivo. ção das mulheres. Até hoje essa eslratégia é utilizada em
O ft1mo n1aterno ocasiona diversas alterações place11- países em que as restrições de propaganda sãc> me11ores.
tárias, con10 placenta pré,·ia, descolamento pren1aturo da Apesar das restrições, a i11dústria de cigarro continua
placenta e acúrnulo de cád1nio 11essa estrutura (que está veiculando campa11has qt1e tên1 co1no foco as mulheres,
relacio11ado ao baixo desen,·ol,·i1nento intrauterino).~~ com bons resultados. O cigarro Can1el nt'.1111ero 9 ten1 em-
O nascimento prematuro (antes de 36 sema11as) e ex- balagens fe1nininas e coloridas. As me11inas, após serem
tre1nan1ente prematt1ro (antes de 28 semanas) també111 expostas à campanl1a desse cigarro, aume11taram de 10
foi extensivan1ente ligado ao tabagismo materno e ten1 para 44°/o as respostas positivas quando pergu11tadas se
relação com a qt1antidade de cigarros fumados por dia. tinham un1 anúncio de cigarro preferido, e, para qtiase
Ot1tra relação inequívoca com o tabagis1no e ta1nbé111 todas elas, a marca favorita se tor11ou o Can1el. 25
a exposição ao fumo passi,,o 111aterno é o baixo peso ao Esses dados n1ostra111 a necessidade de co11stante
nascer. A dimint1ição do peso do recém-nascido está re- n1onitoramento da ir1dt'.1stria de tabaco, ca111panhas de
lacionada à qt1antidade de cigarros fun1ada e pode variar co11tra-n1arketing, elaborações e aplicação efetiva de leis
entre 150 a 350 gra1nas a menos.~ restritivas de publicidade, n1arketing e , 1enda de cigarros,
Mulheres tabagistas tambén1 tên1 risco aumentado de além de programas de controle do tabaco para a popu-
11ati1nortos e 1nortalidade neonatal. lação geral, mas ta111bém específicos para as 111ulheres e
adolesce11tes do sexo femini110.
{\A~oA.1 /morto . , , ;· ,.J,.. "t:JrÍ:-"'" ,,...,,.,.;,.,1,..

Apesar de a MSRN 11ão ser um aspecto so1nente femi- TRATAMENTO


nino, está intin1ame11te ligado ao tabagismo n1aterno, e Mulheres têm u1n comportamento bastante difere11te
por isso é disct1tido neste capíttilo. A exposição intraute- dos hon1e11s quando buscam o trata111e11to para tabagis1no.
rina do feto ao fumo materno aumenta o risco de lvlSRN. Alguns aspectos são positi, 0s: elas procura1n 1nais trata-
1

O mesmo acontece co1n recé111-11ascidos expostos ao fun10 n1ento, alén1 de te11taren1 parar de fun1ar 111ais frequen-
após o nascimento, e o risco au1nenta quando a exposição te1nente. Negativan1e11te, n1ulheres têm me11or cha11ce de
ocorre dtirante a gra,•idez e ta111bém após o nasci1nento. receberen1 tratame11to farmacológico, referen1 me11ores
A exposição pré-natal à nicoti11a afeta a apoptose cerebral 11íveis de confia11ça e 1nais dificuldades para parar de ft1111ar,
en1 animais, e pode aume11tar a vttlnerabilidade das célt1las tem n1ais dificuldade em parar e se 1nanter abstinentes.
11er,•osas na área de controle respiratório, o que explicaria a E111 dois ensaios clínicos randomizados, as n1ulheres
relação entre o tabagismo materno (e paterno) e a MSRN. tê111 taxas de absti11ência semelhantes aos l1on1ens no
início do trata1nento; porém, quando avaliadas em oito
A INDÚSTRIA DO TABACO E AS MULHERES semanas e seis meses, os home11s apresenta1n taxas de
A indústria do tabaco tem estratégias para aumentar o abstinê11cia maiores. 16
const1mo de cigarro entre as mulheres desde os anos 1920;
porém, o esttido dessas estratégias ga11l1ou novos run1os
con1 o TMSA (Tobacco Master Settle111ent Agreen1ent. Os tratamentos não far111acológicos para o tabagisn10
O TMSA acontecet1 em 1998, após o maior litígio ci, il 1 são esse11ciais para a ma11ute11ção das taxas de absti11ê11cia
en1 46 estados americanos contra a indústria do tabaco. em longo prazo. As inter,1enções podem ,,ariar de intensi-
Esse acordo impôs novas regras de marketing e publicida- dade e duração com bo11s rest1ltados, mas as intervenções
de para a indústria, trouxe uma indenização bilionária aos i11dividuais, baseadas em terapias cognitivo-comporta-
estados e obrigou essas empresas a construir L1n1 l·vebsite mentais e que duram pelo menos quatro sessões, apresen-
co111 livre acesso a todos os documentos prodt1zidos pela ta111 rest1ltados 1nelhores.
indústria até enlão. Não são encontradas diferer1ças 11a eficácia dessas n10-
Após o TMSA, diversos pesquisadores analisaram os dalidades de tratamento em homens e mulheres, porém
docu111e11tos, e o mecanismo de n1arketi11g para a mulher ai11da existem pot1cos estt1dos compara11do trata111entos
foi estudado. específicos para as rnulheres.

134
Capítulo 14 - D1agnóst1co e tratamento da dependência de tabaco na mulher

Mull1eres tenden1 a ga11har um pouco n1ais tie peso antago11ista não co1npetitivo dos receptores 11icotínicos.
do que homens quando para1n de fun1ar, e entre elas a O seu n1ecanismo exato de ação como droga antitabagís-
preocL1pação com o peso é uma das razões para con1e- tica é i11certo, mas a ação 11as vias dopan1inérgicas e no-
çar a fun1ar, e 1nanter-se fun1ando é u1na das pri11cipais radre11érgicas está relacionada à din1i11uição dos si11tomas
razões para o abandono do tratamento. Esse ganho de de abstinência de nicotina.
peso ocorre por un1 aL1111ento da ingesta calórica durante A bL1propio11a é iniciada com 150 mg por dia e aun1e11 -
o período de abstinência e pelas adaptações 111etabólicas. tada para 300 mg por dia entre três e sete dias, divididos
Intervenções não farmacológicas que levem em conside- em duas to111adas. E1n pacientes com pouca resposta, sua
ração esse aspecto deven1 ser usadas para as 111ulheres, dose pode chegar até 450 mg diários. Os principais efeitos
co1110 progran1as que inclua111 atividades físicas e orien- colaterais são cefaleia, boca seca, i11sônia, a11siedade e ir-
tação 11utricional. ritabilidade. A bupropiona din1inui o limiar co11vL1lsivo e
Outro aspecto fe1ninino que con1eça a ser estL1dado está contrai11dicada em pacie11tes con1 epilepsia, bulin1ia,
é a relação da fase do ciclo n1enstrual 11a data de parar síndro1ne de abstinência do álcool e tumores cerebrais.
de fumar. Mulheres que marcam o dia da cessação do A bupropiona parece ter a 111esn1a resposta e11tre ho-
tabagismo na fase luteal do ciclo me11strL1al têm maior su- me11s e 111ull1eres; poré111, co1no n1ulheres tên1 Lima pior
cesso que em mull1eres qt1e param em OL1tras fases, seja1n resposta à reposição de nicotina, em situações en1 que
mull1eres com tratamento farn1acológico co1n bupropiona não é acessível o uso de vareniclina ot1 terapia co1nbinada
-
ou nao. de bupropiona e TRN (terapia de reposição de 11icotina),
a bupropiona de,·e ser a pri1neira escolha. Essa 111edicação
tambén1 de,•e ser usada por três 1neses, pode11do ser es-
As medicações de prin1eira linha no tratan1e11to do tendida por seis meses se necessário.
tabagis1110 são a bupropio11a, a vare11iclir1a e a reposição O Liso de bupropiona 111ostrou evidências de retardar o
de nicoti11a. Mulheres parecen1 ter resposta diferente dos ganho de peso e pode auxiliar pacientes do sexo fen1i11ino
ho1ne11s qua11to ao trata111e11to farmacológico, e essas t1t1e, co1no discL1tido a11teriormente, aprese11tan1 maior
características serão discutidas a seguir. As n1edicações ga11ho de peso e maiores preocupações con, esse aspecto.
de segunda linha são a 11ortriptilina e a clo11idina, me-
dicações que ainda não foram aprovadas para o uso 110 TRN '· . . .•~ ,.,~
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tratamento de tabagis1no pelo FDA (órgão an1ericano que A TRN pode ocorrer na forma de adesivos transdér-
regula o uso de medican1entos). micos, gomas e pastill1as (outras formas, con10 sprays e
inaladores 11ão são comercializados no Brasil). Eles ad1ni-
. . . , .
n1stram a n1cot111a sem os outros componentes tox1cos
A vareniclina e un1 agonista parcial do receptor nico- do cigarro e são retirados gradualn1ente. Dessa n1aneira,
tínico a4p2; ela se liga ao receptor sem ter un1a ação tão diminuem os sinto111as de abstinência.
significati,,a na liberação de dopamina qua11to a nicoti11a A reposição de nicoti11a con, os adesivos pode ir de 21
e agindo con10 u1n co1npetidor das moléculas de nicotina. a 7 mg, dependendo do grat1 de dependência, porém o
Essas ações diminuem os sintomas de abstinência e o efei- uso de TRN en1 altas doses (entre 28 e 42 n1g) está i11dica-
to recompensador da nicoti11a no sistema de reco111pe11sa. do en, casos de pacie11tes co111 comorbidades psiquiátricas
A vareniclina é usada en, dose i11icial de 0,5 mg diárias, e falência do tratamento co111 as doses habitLtais. As go-
e aun1e11tada em un1a se1nana até a dose de 2 111g por dia mas e pastilhas de,,en1 ser utilizadas ao longo do dia, em
em duas ton1adas diarias, de preferência acompa11hadas i11ter,•alos de duas a quatro horas, també1n depe11dendo
de u111a refeição. Os efeitos colaterais mais co111uns são do grau de dependência do tabagista, alén1 de sere1n
náuseas, cefaleias, flatulência, empachamento pós-pran- utilizadas em n1omentos de desejo intenso de consu1nir
dial, i11sô11ia, sonhos anorn1ais e epigastralgia. o cigarro.
Existen1 di,,ersos relatos de piora de si11to111as net1ropsi- Existem estudos com resultados controversos qL1anto à
qL1iátricos e suicídio. Esses dados ainda são inconclusi,,os pior resposta das mulheres à TRN. U1na 111etanálise de 31
e são necessárias no,,as pesquisas para esclarecer se essas estudos clínicos randomizados não e11co11trou difere11ça
características são do uso da n1edicação ou do processo de entre as respostas entre ho1nens e 1nulheres,~- porém ot1-
parar de fun1ar e sintomas de abstinência. tra n1eta11álise de 21 estL1dos duplos-cegos randon1izados
Essa 1nedicação é usada por três meses, porém pode ser concluiu que os be11efícios do LISO de TRN em 1nL1lheres
estendida por seis n1eses se necessário. perden1 sua eficácia mais rapidan,ente. 28
,., •
...... -- - N
. .,.........
n.,..,..,..,...,.,.,
O principal 1neca11isn10 de ação da bupropiona é a A 11ortriptilina é unia a11tidepressi,10 tricíclico que age
i11ibição da recaptação de dopan1ina e, e111 n1e11or inten- i11ibi11do a recaptação de 11oradrenali11a e te111 discreta
sidade, de noradrenalina e seroto11ina, alén1 de ser L1n1 ação nas \'ias dopami11érgicas. Seu mecanismo de ação no

135
Tratado de Saúde Mental da Mulher

tabagismo ai11da não é co11l1ecido, mas sua eficácia parece 2. \\rarren C\\', Jones NR, Peruga A, Chauv1n ), Bapstiste Jl',
ser se1nelhante à bupropiona e é independente de sua ação Silva \'C et ai. Global '{outh Tobacco Surveillance, 2000-2007.
antidepressiva. ~1~1\ \'R. Surveillance Sun11naries. 2008;57: 1-28.
Sua dose inicial é de 25 mg e deve ser aun1entada ate 3. TO\\'nsend JL, Roderick P, Cooper J. Cigarette srnoking by so-
100 n1g, a cada três dias ou conforme tolerabilidade do cioeconon1ic group, sex, and age: Effects of price, incon1e, and
paciente. Seu uso tan1bém deve ser feito por três meses. health publicity. Br ?\ led J. l 99-1;309:923-6.
Essa droga apresenta t1m perfil de efeitos colaterais 4. Leitão Filho FS, Galduróz JC, ~oto AR, ~appo SA, Carlini EA,
n1ais evidentes, sendo os mais co1nu11s a boca seca, ton- ~asc1mento AO et ai. Randon1 sa1nple sur,ey on the preva-
turas, hipotensão postural, obstipação, sonolência, ganho lence of sn1oking in the n1aJor cit1es of Brazil. J Bras Pneun10I.
de peso e visão turva. Ela pode causar alterações da con- 2009;35(12):1204-1 l.
dução cardíaca e está contraindicada para pacientes co1n 5. Lundborg P, Andersson H. Gender, risk perceptions, and sn1ok-
prolonga1nento do intervalo QT, arritmias, bloqueio de ing beha\'iOr. J Health Econ. 2008;27: 1299-3 l l.
ra1110 e outras patologias cardíacas. 6. Leynaert B, Bousquet J, Henry C, Liard R, Neukirch F. Is
bronch1al hyperresponsiveness n1ore frequent in \\'Ot11en than
Cloni";*"' ... in 1nen? A populatton-based study. An1 J R.espir Crit Care
A clonidi11a é uma n1edicação anti-hipertensiva, um :'vled. 1997; 156: 1413-20.
agonista adrenérgico a2. Os resultados inferiores as ou- 7. Guo SE, Ratner PA, Johnson JL, Okoli CT, Hossain $. Corre-
tras medicações para o tabagismo, a indefinição das doses lates of sn1oking an1ong adolescents \\'ith asthn1a. J Clin Nurs.
eficazes e a peque11a quantidade de estudos com essa me- 20 l O; 19: 70 l -11.
dicação faz que ela seja pouco utilizada. 8. Celli B, Prescott E, Scharling H, Osler NL Schnohr P. Impor-
É possí,·el e desejável a utilização da terapia co1nbinada tance of light sn1oking and inhalation habits on risk of n1yocar-
e11tre a bupropiona ou nortriptilina e a TRN. A terapia dial infarction a11d ali cause n1ortality. A 22 year follO\\' up of
combinada tem resultados superiores, porém em inúme- 12149 men and ,von1en 111 Toe Copenhagen Cit)' Heart Study. J
ros serviços de saúde não há acesso às duas medicações. epiden1iol Comn1unit}' Health. 2002;56:707-6.
9. Salpeter SR, V/alsh Jlv1E, Greyber E, Salpeter EE. Brief report:
coronarr heart disease events associated ,vith hormone therapy
As inter,·e11ções não farmacológicas em gestantes po- in rounger and older \vomen. JGen Intern i\led. 2006;2 l :363-6.
den1 ser breves ou intensivas e de diversas abordage11s. 1O. Glader EL, Stegmayr B, Norrving B, Terent A, Hulter-Asberg
As intervenções 1nais inte11sivas são 111ais eficazes e tem K, Wester PO et ai. Sex differences in n1anagement and out-
resultados melhores do que na popttlação geral. con1e after stroke: a ~..,,·edish national Perspecti\'e. Stroke.
O tratamento farmacológico de gestantes é u1na ques- 2003;34; 1970-5.
tão ainda polêmica. O uso de medicações é bastante 11. Sl1ields PG. Molecular epiden1iology of sn1okingand lung can-
restrito, já qt1e a nortriptilina, a bupropiona e a vareni- cer. Oncogene. 2002;2 I :6870-6.
clina não são medicações aprovadas para o uso durante 12. Bjartveit K, Tverdal A. Health consequences of smoking 1-4
a gravidez. cigarettes per day. Tob Contrai. 2005;14:315-20.
O uso de reposição de nicotina ainda é co11troverso, 13. Castelao JE, 't'uan JM, Skipper PL, Tannenbau1n SR, Gago-
porém encontra diversos defensores. Uma n1etanálise, -Dominguez M, Cro,,•der JS et ai. Gender and sn1oking related
publicada em 201 O, enco11trou resultados inconclusi,,os, bladder cancer risk. J Natl Cancer Inst. 200 l ;93:538-45.
apesar de alguns estudos favoráveis, pela falta de estudos 14. Chao A, Thun MJ, Jacobs EJ, Hen ley SJ, Rodriguez C, Calle FE.
ra11domizados e com uso de placebo. 29 O uso TRN deve Cigarette smoking and colorectal cancer ,nortality in the Can-
ser sugerido para mulheres que não co11seguiram parar de cer Prevention 5tudy II. J Natl Cancer Inst. 2000;92:1888-96.
fu1nar com inter,,enções não farmacológicas, e os riscos e 15. Grarll IT, Braaten T, Terry PD, 5asco AJ, Adami HO, Lund E
benefícios devem ser pesados entre o médico e a paciente, et ai. Breast Cancer Risk an1ong ,vomen \-vho start sn1oking as
sempre nas me11ores doses possíveis. teenagers. Cancer Epidemio! Biomarkers Pre,·. 2005;14:61-6.
As mesmas recomendações devem ser dadas às mulhe- 16. Schneider A, Grubert T, Kirchn1ayr R, \\'agner D, Papendicj U,
res lactantes, e o pós-parto merece un1a atenção especial Schlunck G. Efficacy triai of topically adn1inistered interferon
dos profissionais de sa(1de, porque mesn10 mulheres gan1111a-l beta gel in comparison to laser treal1nent in cervical
1notivadas e que pararam de fumar 110 início da gra,,idez intraepithelial neoplasia. Arch Gynecol Obstet. l 995;256:75-83.
apresentam um alto índice de recaída. 17. Parazzini F, Tozzi L, i\.1ezzopane R, Luchini L, i\.[archini Nl,
Fedele L. Cigarette smoking, alcohol consumption, and risk of
REFERÊNCIAS prin1ary dysn1enorrhea. Epiden1iology. 1994;5:-169-7.
1. Kenfield SA, Stampfer MJ, Rosner BA, Golditz GA. Sn1oking 18. Gayle CW, lvfitchell P, Andreson J\-1, Lasley BL. Cigarette sn1ok-
and sn1oking cessation 1n relation to mortality in \\'Omen. ing and effects on horn1one funct1on in premenopausal ,vornen.
JAMA. 2008;299:2037-43. Environ Health Perspect. 2005; 113: 1285-90.

136
Esquizofrenia em mulheres

Sílvia Scemes
Mariângela Gentil Savoia
Manica L. Zilberman
Helio Elkis

EPIDEMIOLOGIA em latitudes mais elevadas do globo terrestre. Já a prevalência


É muito comun1 referir-se à esquizofre11ia co1no um tra11s- varia de acordo com a medida adotada (expressa por 1.000
torno crônico que afeta 1% da população mundial. Metanáli- pessoas): a mediana da prevalência pontual é de 4,6, a preva-
ses recentes mostraram, no entanto, que sua incidência varia lência por período é de 3,3 e a prevalência por toda vida é de 4.
entre os países, sendo sua mediana em torno de 15,2/100.000 No caso da prevalência, não há diferença entre gêneros e
por ano, com uma proporção maior para os homens que para urbanicidade, porém as taxas são maiores e1n migrantes, em
as mulheres (1,4:1), com uma maior incidência no grupo de países desenvolvidos e nas n1aiores latitudes. 1·~ A Tabela 15.1
migrantes, em áreas urbanas quai1do comparadas às rurais e apresenta esses dados discriminados por gênero. 1

Total: 15,2
Homens: 15
Mulheres· 1O
• Pontual
Total: 4,6
Homens: 4,3
Mulheres: 3
Por período
Total: 3,3
Homens: 3,8
Mulheres: 3,6
Durante a vida
Total: 4
Homens: 3, 7
Mulheres: 3,8
Total: 7,2
Homens: 4, 1
Mulheres: 4,6
Total: 2,6
Homens: 2,8
Mulheres: 2,5
Tratado de Saúde Mental da Mulher

PSICOPATOLOGIA frequentes entre os hon1e11s do que e11tre as 1nt1ll1eres.


As principais dime11sões psicopatológicas da esquizo- De outro 111odo, sinto111as afeti\'OS, mais freqt1entes em
fre11ia são a psicótica ou positiva, en1 que predo111i11a111 1nulheres, estão associados a t1111 n1elhor prog11óstico do
os si11tomas produti,,os tais con10 delírios e aluci11ações; transtor110 psicótico. 9 De for111a geral, o fu11cio11an1ento
a negativa, em que predomina111 sinto111as tais como o pré-111órbido das 1nulheres tende a ser n1elhor do que o
embotame11to afetivo - volitivo; a de desorga11ização, dos hon1e11s, tanto en1 tern1os de desen\'Ol\·in1e11to social,
com predomi11â11cia de sinton1as como desorga11ização co1110 cog11iti,•o e acadên1ico.
do pe11sa111e11to e da conduta; a cogniti,·a, que se caracte- A '

riza pela presença de perda da capacidade de abstração, GENERO, ESTROGENOS E ESQUIZOFRENIA


1

ate11ção e n1emória, e a de ansiedade e depressão, que se Kraepelin já ha\·ia obser\•ado qt1e "a De111e11tiaPraecox
caracteriza pela presença de sinto1nas corresponde11tes. predo111i11a nos hon1ens apos os 15 anos, n1as que, a partir
Os sintomas psicóticos e de ,iesorganização estão asso- dos 40 a110s, predon1i11an1 nas 111ulheres, espec1al111ente
ciados a t1111 aun1ento da atividade dos receptores ,iopa- nas idades 1nais a,·ançadas': En1 set1 gra11de estt1do epi-
minérgicos D2 situados en1 área lín1bicas e estriatais, ao demiologico de11ominado ABC (Age, Begin11i11g e Cot1r-
passo que os sintomas negati,,os estão associados a un1a se), Hafner e cols. confir111ara111 as observações pioneiras
din1inuição da atividade de receptores D 1 localizados en1 de Kraepeli11, obser,•a11do que a idade de início da esqui-
regiões pré-frontais.~ zofre11ia aprese11ta,·a un1 pri1neiro pico de incidê11cia aos
En1 termos dos sintomas psicóticos, Seeman · cha111a a 25 a11os co111 predominância de ho111ens, e qt1e t1n1 segt1n-
atenção sobre estes sere1n muitas ,,ezes determinados pelas do pico ocorre a partir dos 45 a11os, com predo111i11ância
características do gênero: os delírios nas mulheres são n1e- de n1ulheres - (Figura 15.1).
nos bizarros, apresentando predo1ninância de preocupa- Os autores forn1ulara111 a hipótese de que os estrógenos
ções somáticas e amorosas ou mesmo de ciún1es, ao passo exercerian1 un1 papel protetor para a esqt1izofre11ia 11as
que 110s home11s predominam te111as como os de perse- 1nulheres, mas qt1e, co111 o a\'a11çar da idade e a redução
guição, poder ou influência religiosa. Em contrapartida, dos 11íveis de estrógeno, l1a,,eria u111a di111int1ição desse
as mulheres frequente1nente apresentam ideias delirantes efeito protetor, o que pode ser co11statado pelo fato de a
de estaren1 grá,•idas qua11do 11ão estão ou, ao co11trário, de esquizofrenia de início tardio ser duas a três vezes 1nais
não estarem grávidas quando realmente estão. 5 Sintomas frequente em mulheres do que nos homens. ~ Corrobo-
do humor são mais con1uns nas mulheres," ao passo que ra11do esses dados, Nleltzer e cols. obser,·aran, que os
sinton1as 11egati,,os tais como apatia, afeto embotado e casos de esquizofrenia n1ais gra,•es (ou seja, resiste11tes)
pobreza de discurso estão mais presentes nos homens. apresenta,,am 1naior i11cidência nos ho111e11s qt1e não
Não é escopo deste capitulo apresentar uma revisão tê1n o fator protetor estrogênico, co1no ocorre com as
completa da psicopatologia da esquizofrenia, mas si111 de mulheres. 1
algun1as particularidades de apresentação nas mulheres, Os protocolos de tratan1e11to da American Psychiatric
bem como aspectos relevantes do tratan1ento. Mais deta- Association 15 chamam a atenção para o fato de que, no
lhes sobre a evolução, curso e etiologia da esquizofrenia curso global da doença, os homens têm idade mais pre-
podem ser obtidos em Elkis e cols.,2 Louzã & Elkis, 2007,s coce de início dos sinton1as e pior resposta ao trata111e11to
e em Elkis, 2009. ' quando comparados às 1nulheres, que apresentan1 1nell1or
resposta ao tratamento, 1ne11or núrnero de hospitalizações
EVOLUÇAO - e melhor prog11óstico.
Embora a idade de início da esqt1izofrenia seja em Alé1n disso, o efeito protetor do estróge110 co11tra
média mais baixa em homens (de 18 a 25 anos) do que sinto1nas psicóticos parece estar relacionado a alterações
nas mulheres (de 25 a 35 anos), é importante ficar atento na 11eurotransn1issão de D2 e 5HT2A, uma vez que foi
ao aparecime11to de sintomas psicóticos em moças ado- observado que a densidade de receptores dopami11érgi-
lescentes. Afinal, mesmo não se11do a idade n1ais co1nun1 cos D2 de dopamina foi reduzida após adn1inistração de
de início da esquizofrenia entre as mulheres, a detecção baixas doses de estrógeno 16, e, con1 base nesses achados,
precoce pode ser crucial no prognóstico. O surgi1nento \'árias tentati,1as foram feitas adicionando estróge11os aos
de sintor11as psicóticos em 1nulheres jovens é co1nu111ente antipsicóticos co1n o objetivo de potencializar sett efeito
diag11osticado erroneamente como transtorno depressi- terapêutico. ,-
vo, às vezes em razão da ausência de sinton1as positi\ 0S.1

- .
O atraso na ide11tificação pode comprometer o início do SEXUALIDADE, GESTAÇAO, POS-PARTO,
'
tratamento adequado e, conseque11teme11te, o prog11óstico MATERNIDADE E CLIMATERIO
dessas pacientes. Ao co11trário dos homens, pacientes n1ulheres com
Outra diferença importante entre os gêneros diz res- esquizofrenia não aprese11ta1n diminuição da libido e da
peito à ocorrê11cia de defic;ts cognitivos na apresentação atividade sexual. No e11tanto, a qualidade e o contexto
inicial de quadros psicóticos, qt1e são relatados como mais dessas relações são muito diferentes de co11troles norn1ais.

140
Capítulo 15 - Esquizofrenia em mulheres

Masculino

30

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20

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Idade (anos)

FIGURA 15.1 - A influência da idade de início e gênero no curso da esquizofrenia. 12

Por exen1plo, quando comparadas com cor1troles, mulhe- Enquanto a menopausa impõe uma série de desafios
res com esquizofrenia apresentan1 um número substan- para as n1ulheres, estes são ainda maiores para pacientes
cialn1e11te maior de parceiros ao longo da vida, relatam com esquizofrenia. A literatura mostra um pico de inci-
menor grau de satisfação sexual, maior frequência de dência de esquizofrenia em mulheres após a menopausa
alterações da ,,ida sexual e uso infrequente de preservati- ou exacerbação de sinto1nas preexistentes, o que mais
vos, sugerindo que a vida sexual dessas pessoas apresenta uma vez fala a favor do efeito protetor do estrógeno du-
maiores riscos e menor grau de satisfação. 18 rante os anos reprodutivos, que cessa após a menopausa.
No Brasil, Gutt observou, a partir de dados do IBGE, A reposição hormonal precisa ser cuidadosan1ente
que apenas 290,-0 das n1ulheres portadoras de esquizofrenia considerada para essas mulheres, u1na vez que o declínio
têm filhos, o que pode indicar um baixo índice de ferti- cognitivo se acentua nessa fase e tende a melhorar co1n
lidade, qt1ando comparadas com mulheres acima de 18 a terapia hormonal de curta duração. Evidentemente,
anos na popt1lação geral, em que 74% tên1 filhos. 9 o risco de câncer de n1ama, ovários e útero devem ser
O de5afio da maternidade é n1aior em n1ulheres por- avaliados criteriosamente. A menopausa pren1atura pode
tadoras de esquizofrenia. Embora se diga que, em muitos ocorrer por causa do tiso de longa duração de antipsicó-
casos, haja ren1issão sintomatológica nesse período, um ticos. Outros proble111as frequenten1ente associados à es-
pequeno grt1po 1nostra sinais de piora dos sintomas com quizofrenia, como sobrepeso, tabagismo e sedentarismo,
exacerbação da ansiedade, medo do parto e dúvidas sobre potencializam os problemas de saúde das mulheres na
sua capacidade de se tornarem mães. Um sintoma de mui- perimenopausa. O uso de adesivos transdérmicos de es-
to risco é negação da gra, idez, que pode comprometer a
1
tradiol ( 100 1ncg) pode melhorar a sinton1atologia cogni-
capacidade da mãe exercer cuidados pós-natais de seus ti,·a de mulheres esquizofrênicas nessa fase da ,,ida. -
filhos, levando, e,1e11tualn1ente, ao neonaticidio. s
Em ter111os de sintomas psicóticos, o período pós- PARTICULARIDADES DO TRATAMENTO
-parto é o de maior risco para o recrudescin1ento da FARMACOLÓGICO DE MULHERES COM
esquizofrenia, com delírios de que o bebê está morto ou ESQUIZOFRENIA
de que é defeituoso, de que não houve o parto ou de que Foge ao escopo deste capitulo abordar as particulari-
estão ameaçando seu bebê. dades do tratamento da esquizofrenia como um todo e,
Além disso, em tern10s dos sintomas negativos, o papel para tal, são sugeridos os capítulos escritos por Elkis &
de ser mãe pode ficar muito comprometido em n1ulheres Louzã, ! Elkis e cols. 4 e Louzã & Elkis, s ben1 como consulta
com esquizofrenia, uma ,,ez que diminuem a capacidade ao IPAP (International Ps) chopharmacology Algorithm
1

de se comunicar e estin1ular o bebê. s Project - Algoritmo Internacional de Tratamento da

141
Tratado de Saúde Mental da Mulher

Esquizofrenia), disponível 11a i11ternet (http:/ /,,.,_,.,_,..ipap. tL1ra óssea das n1ulheres. Porta11to, 11esse aspecto, 11ão l1á
org) ou diretrizes recentes de tratamento da esquizofre- evidências de que mulheres corn esquizofrenia difiram
nia, tais co1110 os da Associação America11a de Psiquia- daquelas se1n a doença.
tria ' e do Schizophrenia Outcome Patient Research Team
(PORT). 20
De ma11eira geral, é possível dizer que pacientes con1 Não l1á evidencias de que mulheres co1n esquizofre11ia,
. . , . . .
esquizofre11ia, sejam eles homens OLI mulheres, de,•em em tratamento con1 ant1ps1cot1cos, aprese11tem n1a1or in-
ser tratados com a11tipsicóticos e interve11ções 1-1sicosso- cidência de câncer de n1an1a qLte as n1L1lhere~ sen1 doença.
ciais. No caso de mulheres portadoras de esquizofre11ia,
a grande diferença está nos efeitos colaterais associados
ao tratame11to antipsicótico, e extensas revisões sobre esse O LISO de a11tico11cepcionais orais e a reposição hor-
tema fora111 publicadas. us. 21 -2~ mo11al estão associados à maior i11cidê11cia de trom-
Un1 resumo das principais diretrizes para a prescrição boembolismo ,,enoso, n1as não há e,,idências que esse
de a11tipsicóticos en1 mulheres baseadas e1n evidê11cias fenômeno seja n1aior en1 homens ou n1L1ll1eres que usan1
. . , .
encontra-se na Tabela 15.2. No entanto, há 110,,as e re- ant1ps1cot1cos.
centes evidências que necessitan1 ser discL1tidas e que são
apresentadas a seguir.
Sabidame11te, o trata1ne11to con1 antipsicóticos de pri -
EFEITOS SECUNDÁRIOS DOS ANTIPSICÓTICOS NAS n1eira geração como tioridazina e pin1ozida está associado
MULHERES22 a um aurnento do intervalo QT do eletrocardiograma e
conseqL1ente risco de dese11volvimento de arritn1ias car-
díacas. O tratan,ento con1 alguns antipsicóticos de segL1n-
Sabe-se que o uso de antipsicóticos, sobretudo os de da geração (ziprasido11a, clozapina) pode estar associado
prin1eira geração con10 o haloperidol, ou de segunda ge- a uma ele,·ação do inter,,alo QT, n1as não há e,,idências
ração como a risperidona, está associado a um aun1e11to de que homens ou mulheres sob trata1nento com esses
dos 11íveis de prolactina 110 sangue, co1n u111a série de antipsicóticos apresentem maior risco de desen, olvi- 1

consequê11cias: aumento do volu1ne mamário, lactorreia, mento de arritmias do que aqueles tratados como OL1tros
. . , .
diminuição da libido, aumento de peso, infertilidade. No ant1ps1cot1cos.
entanto, 11ão há dados que possan1 definir con1 segurança
qL1e a hiperprolactinemia induza a um aumento de risco
de osteoporose e de câncer. Antipsicóticos de segunda As mulheres são mais suscetíveis que os homens a
geração, como a clozapi11a, a ziprasidona e o aripiprazol, desenvoJ,,erem síndrome 1netabólica e de ganho de peso
não induzem a aun1ento dos níveis de prolactina. com o tratame11to antipsicótico, especialmente os de se-
gunda geração. 24 A síndrome metabólica se caracteriza
por alterações em pelo menos três de algu11s parâmetros,
Como já dito, no momento não está claro que a hiper- tais como circunferência abdominal, níveis de HL (lipo-
prolactinemia seja a causa da osteoporose em mulheres proteí11a de alta densida<.ie), pressão arterial (sistólica e
com esquizofrenia, e outros fatores devem ser conside- diastólica), e 11íveis de triglicérides e de glicemia (ambos
rados, como a idade, o peso corporal e a própria estrL1- obtidos em jejun1) (Tabela 15.3). 24

• Mulheres necessitam de menores doses que homens .


Antipsicóticos injetáveis de longa duração devem ser administrados com intervalos maiores.
Níveis de prolact1na são mais elevados nas mulheres.
Obesidade é um problema maior entre as mulheres.
Mulheres necessitam, periodicamente, realizar mamografia, eletrocardiograma e
densitometria óssea.
Mulheres necessitam de reavaliação periódica cardiovascular, síndrome metabólica e diabetes.
Doses de antipsicóticos devem ser adaptadas de acordo com a idade.
O impacto dos sintomas colaterais é determinado pelo gênero.
Necessidade de dose diferencial durante o ciclo menstrual.
Necessidade de reavaliação da dose na menopausa.

142
Capítulo 15 - Esquizofrenia em mulheres

Circunferência abdominal > 102 cm > 88 cm


HDL (lipoproteína de alta densidade) < 40 mg/dl < 50 mg/dl
Pressão arterial diastólica ~ 85 mm Hg ~ 85 mm/Hg
Pressão arterial sistólica ~ 130 mm Hg ~ 130 mm Hg
Triglicér,des > 150 mg/dl > 150 mg/dl
Glicose > 110 mg/dl > 110 mg/dl

menos fora de casa e têm maior proporção de transtornos


Revisões sistemáticas rnostraram qt1e pacientes com n1entais associados do que outros membros da família, o
esquizofrenia aprese11tarn maior 11tirnero de complicações que agrava a sua funcionalida<.ie social. "
obstétricas que controles norr11ais, porén1 não há evidê11-
cias de que o Ltso de antipsicóticos cause rnaior grau de REFERÊNCIAS
malformações congênitas e111 seus filhos. 2~ Da mes1na 1. i\lcGrath J, Saha S, Chan D, \<\'elham J. Schizophrenia: a concise
forn1a, num estt1do de coorte realizado no Canadá e em overvie\\' of incidence, prcvalcnce, and n1ortality. Epiden1iol
Israel, o uso de a11tipsicóticos atípicos como a olanzapi11a, Rev. 2008;30:67-76.
risperidona e clozapina não se mostrou associado à pre- 2. Elkis H, Kayo \1, Oliveira G. Hiroce \', Barriviera J, Tassell
se11ça de n1alformações fetais. ~t, '{. Esquizofrenia. 1n: Nliguel EC, Gentil \ ', Gattaz \ \', editores.
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ASPECTOS PSICOSSOCIAIS 3. Elkis H. Esquizofrenia. Jn: Abdo CAH e Flkis H, editores.
En1bora haja poucos estudos de difere11ças de gênero Clínica :VIédica. Barueri: 11anole; 2009. p. 660-9.
11as respostas aos tratamentos psicossociais, há algt1n1a -1. Elkis H. Louza :VlR. Psicofarn1acologia en1 Psiquiatria: Ant1p-
evidêr1cia de que o treino de habilidades sociais seja n1ais sicóticos. In: :Vliguel E, Gentil \ ', Galtaz W, editores. Clínica
efetivo ern l10111ens do que em mulheres, e11quanto as i11- Psiquiátrica. Barueri: Manole; 2011. p. 1176-90.
terver1ções fa111iliares são mais bem-sucedidas e111 fan1ílias 5. See1nan ,\,1\ •. \,\'01nen and sch izoph ren ia. 1vledscape \\'on1ens
de mulheres do que nas de homens. Health. 2000 ~1ar;5(2):2.
Por exemplo, Mueser e cols. compararam 57 portadores 6. Goldstein JM, 1.ink BG. Gendcr and the exprcssion of schizo-
de esquizofre11ia, entre eles, 33 portadores de transtor110 phrenia. J Psychiatr Res. 1988;22(2):141-55.
afeti,,o, con1 20 controles norn1ais, e obser,,aran1 que as 7. F-ennig S. Putnan1 K. Bron1et LJ, Galan1bos N. Gender, pren1or-
mulheres co111 esquizofrenia mostrava111 n1ais habilidades bid characteristics a11d negative S)mpton1s in schizophrenia.
sociais que os l1ome11s qua11do comparados aos portado- Acta Psychiatr ~cand. 1995; 92(3): 173-7.
res de transtorno afetivo, sendo que estes não apresentam 8. Louza i\I. Elkis H. Esquizofrenia. ln: Louzã .N1, Elkis H, edi-
diferenças quando comparados aos controles, porén1 tores. Psiquiatria Basica. Porto Alegre: Artn1ed; 2007. p. 235-63.
ambos os grupos beneficiaram-se con1 o aprendizado 9. Tsuang D, Coryell \\'. An 8-year foUo,,·- up of patients ,,•1th
de habilidades sociais e n1a11ti,·eran1 o n1esn10 ní,,el 110 I)S:Vl- III-R psychotic depression, sch izoaffective disorder, and
folloi1.1-i1p, n1ostrando que não existe diferença de gê11ero schizophrenia. An1 l Psychiatrr. 1993;150 (8):1182-8.
na aquisição nem na n1a11ute11ção de habilidades sociais. 1 1O. ~lueser KT. Bcllack AS, .\1orrison RL, \\'ade JH. Gender, social
Alguns autores, estudando a difere11ça na aquisição con1petence. and symplon1atology in schizophrenia: a longitu-
de l1abilidades e de ajustamento social em pacientes dinal analysis. J Abnorn1 Psychol. 1990 1'>lay;99( 2): 138-47.
con1 esquizofrenia após a i11ter11ação, obser,·aram que a 11. Kraepelin E. Den1entia Praecox and Paraphrenia. Robertson G,
adesão foi 1nell1or nas mulheres, se11do que os hon1ens editor. Edinburgh: E&S Levingstone; 1919.
mostraram un1 pior resultado em ter111os de aquisição 12. Hafner H. :\1aurer K, Loftler \\', Riecher-Rossler A. Toe 1níluen-
de l1abilidades sociais, sendo qtre ta11to rnulheres corno ce of age and ~ex on the onset and early course of schizophre-
hon1ens aprese11tara111 difere11tes preditores de respostas nia. Br J Psych1atry. 1993; 162:80-6.
e1n termos de habilidades após o térn1ino do tratame11to. - 13. Hafner H, an der I1eiden \\', Behrens S, Gattaz \\' F, Ha111brecht i'vl,
É irnportante dar atenção a mulheres com esquizofre- Loffier \ \' et ai. Causes and consequences of the gender diflerence
nia, pois tal tra11stor110 reduz com frequência a habilidade in age at onset of sch1zophren1a. Schizophr Buli. l 998; 24( l ):99-113.
de discernir si11ais não verbais, o reco11hecimento de afe- 14. \leltzer HY. Rabino\,'itz ), Lee ~1A, Cola PA, Ranjan R,
tos pela expressão facial e a capacidade de contornar sitt1a- 1-indling RL el ai. Age at onsel and gender of schizophrcnic
ções sociais. Alén1 disso, n1ulheres portadoras de esqui- palients in relation to neuroleptic resistance. An1 J Psychiatry.
zofrenia moram 1nenos con1 o compa11heiro, trabalhan1 199-: 154( 4 ):4:" 5-82.

143
Psicoses na gestação e
pós-parto

Mariane Vargas Nunes Noto


Cristiano de Souza Noto
Rodrigo Affonseca Bressan

-
INTRODUÇAO !acionados à doença afetiva, e mais da metade delas terão
A gestação e o nascin1ento de uma criança apresentam filhos durante sua vida. ~
muitos desafios para a mãe. Nludanças hormonais, físicas O surgimento da psicose pela primeira vez dura11te a
e psíquicas, ben1 como ajustes nas relações sociais, são gravidez, e11tretanto, é um evento extremamente raro. 6 Já a
fatores que podem interferir na saúde mental da mulher. exacerbação de sintomas psicóticos no período pós-parto
En1 pacientes com transtornos psiquiátricos graves, esses é frequente, ocorrendo em até 25% das mulheres com
fatores, associados à responsabilidade de se tornaren1 l1istória prévia de esquizofrer1ia. 7 A idade média dessas
mães e ao enfrentan1ento da doença mental, geram gran- 1nulheres é de aproxi1nadamente 26 anos, e normal1nente
de preocupação para os profissionais de saúde. 1 os sintomas ocorrem 11a gestação do prin1eiro ou segundo
Transtornos psicóticos usualmente emergem no final filho. 8
da adolescência e início da vida adulta. Mulheres jovens, Entre os quadros que podem desenvolver-se no puer-
no período reprodutivo, portanto, estão suscetíveis ao pério, a psicose pós-parto é o mais raro, com prevalê11cia
aparecimento ou exacerbação desses sintomas. na população geral de 1 a 2 por 1.000 nascin1entos.9
Mulheres que sofre1n de transtornos psiquiátricos se- Transtorno afetivo bipolar, com 70 a 80% e, en1 menor
veros e persistentes e11gravidam de forma não planejada grau a esquizofrenia, com 10%, são os principais diagnós-
n1ais frequentemente do que a população em geral. Há ticos dessas mulheres. A prevalência é até 100 vezes n1aior
dernora na detecção da gravidez e precariedade nos cui- em mulheres com transtorno bipolar ou história prévia
dados pré-natal, com maior ocorrência de comportamen- de psicose pós-parto. A frequê11cia maior de casos seme-
tos de risco, como uso de álcool ou drogas, evitá, eis se a
1 lhantes em parentes de primeiro grau sugere importante
mulher sot1besse sobre a gestação. O atraso no diagnósti- componente genético. 1º
co da gravidez ta1nbé1n expõe o feto ao uso de medicações
psicotrópicas com potencial teratogênico en1 um período ETIOLOGIA E FATORES DE RISCO
crítico de organogênese.~· 3 Uma das preocupações clínicas principais em pacientes
• • I I

com transtornos mentais severos e persistentes e a recai-


EPIDEMIOLOGIA da de sinto1nas em razão da baixa adesão ao tratame11to.
Ao longo dos anos, por meio da política de desi11s- Em caso de pacientes gestantes, tal questão é ainda mais
titucionalização e do uso de antipsicóticos de segunda complexa.
geração, 1nenos propensos a indt1zir hiperprolactinemia, a Interro1nper o uso de medicações dura11te a gravidez é
taxa de fertilidade entre n1ulheres com distúrbios psiquiá- uma decisão difícil para qualquer mulher, especialmente
tricos graves vem aumentando, 1 tornando o tema deste para uma n1ulher com sintomas psicóticos. Medo de qt1e
capítulo cada vez mais relevante. Aproxin1adan1ente 2% os medicamentos cl1eguem até o bebê através da placenta
das mulheres apresentan1 transtornos psicóticos não re- e do leite 1naterno, excesso de sedação e receio em admi-
Tratado de Saúde Mental da Mulher

tir a doença são fatores que contribuen1 para a recusa ao


trata1nento. Un1a ,·ariedade de e,·e11tos adversos na gestação foi rela-
A interrt1pção do tratamento i111plica o aun1ento sig11i- tada em n1ulheres con1 esquizofrenia, e incluem pre111aturi-
ficati,10 na possibilidade de um no,,o episódio psicótico. dade, baixo peso ao nascer, fetos pequenos para idade gesta-
Pode aun1e11tar o risco de interrupção da gestação, cesá- cional, anormalidades placentárias, aumento dos riscos de
rea de emergência e institucionalização do neo11ato por malformação e incidê11cia aun1entada de morte pós-natal. 8·..,
i11capacidade de cuidados da mãe. O 111édico deve expor Se não tratadas durante a gravidez, a con1binação de
a gesta11te e seu parceiro ao risco de teratoge11icidade psicose con1 preju1zo 110 julga111e11to da realidade poden1
con1 antipsicóticos e ao risco de teratogenicidade ligado à ter efeitos devastadores, com comprometi1nento da segu-
doe11ça 1ne11tal grave, que i11depende do uso de n1edicação. 2 rança e be111-estar da díade n1ãe-bebê, con1 casos extre-
Na psicose pós-parto, possí,·eis tàtores de risco en,,01,,en1 mos de auto111utilação e 11egação da gra,·idez, resultando
o declínio hormonal abrupto de estrógeno e progesterona e111 recusa de cuidados pré-natais e ate i11fanticídio.:0
e seus efeitos 110 estado psíquico. Mulheres com tra11stor- No prin1eiro ano de vida de L1n1a cria11ça, o risco de sui-
no bipolar são especial111ente sens1veis à queda hormonal cídio da n1ãe au111enta até 70 ,·ezes, sendo a principal causa
no pt1erpério. Fatores estressores inerentes ao puerpério, de morte materna. A cada 1.000 n1ulheres que desen,,olvem
co1110 dores, privação de sono, tensões fan1iliares, quebra psicose pós-parto, duas cometem st1icídio. Habitt1almente
de roti11a e no,,as prioridades e preocupações também estão utilizam n1eios agressivos, muitas ,·ezes irreversí,·eis, con10
relacionados à agudização de sintomas psicóticos. _\ autoincineração e queda de gra11des alturas. In,•estigar

ideação suicida, pensamentos sobre n1orte ou de que a
CURSO E PROGNOSTICO ,·ida não ,,a]e a pena, além de questionar acesso a armas e
E,,idências do in1pacto da gra,,idez no curso da esqui- tentati,,as de suicídio pregressas, é mandatário na avaliação
zofrenia são i11co11clusivas. E11treta11to, ao contrário da de 1nulheres nessas condições. E1n casos n1ais graves, deve
crença geral, mulheres co111 história de transtor11os psicó- ser cogitado o tratame11to em serviços de e111ergência. 2 1.22
ticos estão n1ais propensas à exacerbação dos sinton1as do O infanticíc.iio ta111bén1 é 111ais con1umente praticado
que à remissão deles durante a gestação. 14 por essas mulheres, ocorrendo com até 4% delas. Ideias de
Psicose pt1erperal costuma ter início abrt1pto. Apro- ferir o bebê deven1 ser pesqt1isadas, e cabe ao médico dife-
ximadame11te dois terços das n1t1lheres nessas condições renciar tais pensamentos entre obsessi,1os ou psicóticos. 23
i11ician1 a sintomatologia nas duas primeiras semanas Caso sejam egossintônicos, é ma11datório que a mãe seja
após o parto. Geraln1ente, costun1am apresentar melhores supervisionada em todos os contatos com o bebê.
níveis de fu11cionamento pré-1nórbidos quando compara-
das a 111ulheres com transtor11os mentais crônicos.h TRATAMENTO

O tratamento dos transtor11os psiquiátricos na gesta-


Mulheres con1 psicose pós-parto cursam co111 maior ção é complexo. O uso de antipsicóticos é indispensável,
labilidade do hun1or, distraibilidade e co11fusão e n1ais especial1nente nos casos mais se,1eros, uma vez que os
prejuízo sensorial, delírios bizarros e perda de memória, riscos associados à intervenção farmacológica são me11os
alé1n de ideação e co1nportan1ento homicida mais fre- nocivos que os prejuízos da doe11ça mental não tratada. 1~
quentes. Alucinações táteis, visuais e olfatórias podem Até o mo1nento, o uso de 11enht1m psicofárn1aco é
st1rgir en1 uma apresentação sen1elha11te a quadro conft1- aprovado na gestação pela FDA (Food a11d Drug Admi-
sional agudo (deli ri urr1). 1' nistration), órgão norte-americano que controla alimen-
Mais da n1etade das pacientes apresentam delírios re- tos e fármacos. Todos esses medica1ne11tos atravessam
lacionados à cria11ça, como ideias de que alguém poderia a barreira placentária e apresentam potenciais riscos ao
matar o bebê e de que poderia prejudicá-lo por meio do feto. Aumento de malformações fetais, complicações peri-
leite. Sinto1nas de primeira ordem de Kurt Schneider, 11atais, sequelas con1portan1entais pós-natais e con1plica-
con10 dift1são do pensamento, sentir-se controlada por ções na gestação são relatados em alguns deles.
L1n1a força externa e experiências de alienação, não são Diante da possibilidade de teratogc11icidade, a FDA
raros. 16 Ideias delirantes de ferir a cria11ça apresentam estabeleceu t1ma classificação de risco: 2·1
características egossintônicas, associadas a crenças psi- Estudos adequados e ben1 controlados em mL1lheres
cóticas e perda de contato con1 a realidade, prejudicando grávidas não den1onstraram qualquer risco para o feto
a capacidade de a,1aliar as consequê11cias de seus atos. ,- nos primeiros três meses de gravidez, e 11ão há nenhuma
Diferencian1-se de pensamentos obsessivos de machucar evidência de risco após esse período.
o bebê, que mulheres com depressão pós-parto poden1 Não há estudos adeqt1ados e bem controlados em mu-
, 1 ive11ciar, pois estes cursam com características egodistô- lheres, mas estudos em animais não encontraram qualquer
11icas e ju1zo de realidade preservado. risco para o feto (ou 11ão houve confirmação em humanos).

146
Capítulo 16 - Psicoses na gestação e pós-parto

Não há estudos adequados e bem controlados em mu- Antipsicóticos típicos, por sua vez, apresenta1n segt1-
lheres, mas os estudos com animais têm demonstrado urn rança reprodutiva mais bem documentada. Não l1á efeitos
efeito nocivo sobre o feto, ou não há quaisquer estudos teratogênicos significativos relatados com clorpromazina,
em mulheres ou anin1ais. Aconselha-se precaLLÇâo, mas haloperidol e perfenazina. O uso de fenotiazi11as pipera-
os benefícios da medicação podem compensar os riscos. zínicas (triflL1operazina e perfenazina) é relacionado a po-
Há uma clara evidência de risco para o feto humano, tencial teratogênico limitado. Toxicidade neonatal e fetal
mas os benefícios poden1 superar os riscos para as n1u- por exposição a a11tipsicóticos típicos incluem sí11dron1e
lheres grávidas que tenham uma condição séria que não neuroléptica maligna, discinesia, efeitos extrapíramidaís,
pode ser tratado eficazmente com uma droga mais segura. icterícia neonatal e obstrução i11testi11al pós-11atal. Para
Há provas claras de que o medicamento provoca ano- minimizar tais efeitos, medicações devem ser mantidas na
malias no feto. Os riscos superam os benefícios potenciais dose mínima 11ecessária, principalmente 11as se1nanas que
para as n1ulheres grávidas. antecedem o parto. 20
Por causa de implicações éticas que envolvem estudos Quando sintomas psicóticos ocorren1 em grávidas que
com gestantes, dados disponíveis sobre o uso de antipsi- estão sem tratamento, deve-se preferencialme11te usar dro-
cóticos dL1ra11te a gra,,idez são oriundos de estudos não gas com o menor 11l'.1n1ero de relatos de ano1nalias fetais.
randomizados, observacionais, relatos e séries de casos. 25 Normaln1ente, opta-se pela introdução de u111 antipsicótico
Os antipsicóticos atípicos substituíram os agentes típi- de primeira geração, como o haloperidol, ainda a pri111eira
cos como agentes de primeira li11ha para os transtornos escolha, por causa do 1nenor 11ún1ero de comunicados de
psicóticos. São mais ben1 tolerados, n1elhorando a adesão a11omalias fetais e mais dados disponíveis 11a literatura.2s
ao tratan1ento. Dados sobre a segurança reprodutiva Além disso, a gestação não é o n1elhor período para
dessas medicações, porém, continuam extrema1ne11te realizar mudanças farn1acológicas, sendo preferível,
limitados. Estudo prospectivo com 151 gestantes expostas qua11do u111a gravidez 11ão planejada ocorre durante o
à olanzapina, risperidona, quetiapina e clozapina demons- tratamento antipsicótico, a manutenção do tratan1ento
trou taxas elevadas de baixo peso ao 11ascer ( 10% dos atual, caso eficaz, i11dependente do antipsicótico e1n
expostos contra 2% dos não expostos) e abortos, porém uso. 29 Pacientes devem ser cuidadosamente 111onitoradas
não houve associação com aumento de malformações para preve11ção ou manejo de con1plicações metabólicas,
,-
graves.- como aume11to excessivo de peso, de colesterol, intole-
rância à glicose ot1 diabetes gestacional. 29

Quando o quadro psicótico ocorre após o parto trata-


-se de Ltma emergência psiquiátrica. Deve-se orientar
a paciente e sua família sobre a doença, exclt1ir causas
orgânicas e iniciar tratan1e11to 111edicame11toso e terapia
Clorpromazi na e ++ de apoio. Internação hospitalar pode ser necessária para
Haloperidol e + garantir a segurança da 111ãe e do bebê. Avaliação clínica
e neurológica é fundamental para exclusão de caL1sas or-
Clozapina B
gânicas. Exames laboratoriais, como eletrólitos e função
Risperidona e + tireoidiana são importantes, assim con10 ressonâ11cia
Olanzap1na e magnética de crâ11io. 13
Quetiapina e 7. O tratan1ento agudo e11volve o uso de estabilizadores
de humor, antipsicóticos e benzodiazepínicos. Antide-
Ziprasidona e 7.
pressivos deve1n ser e,ritados em razão do risco de virada
Aripiprazol e 7
maníaca e ciclagem rápida. 30
A = sem risco para humanos - estudos controlados Uma vez excluídas as causas orgânicas, o tratamento
B = sem risco para humanos - sem estudos controlados deve ser baseado 110 diagnóstico de base. Pacientes co111
C = risco indeterminado transtorno de humor recorrente ou com parentes de pri-
111eiro grau con1 transtorno bipolar provaveln1ente terão
D = evidência de risco
esse 1nesmo diagnóstico, be11eficiando-se do uso de u111
X = contra1nd1cado
agente estabilizador do hun1or como lítio, anticonvulsi-
+++ = Estudos de casos asseguram seu uso vante ou a11tipsicótico atípico. Mulheres co1n diagnóstico
++ = Relatos de caso asseguram seu uso prévio de esquizofrenia e doe11ça puerperal recorrente se
+ =Poucos relatos de caso asseguram seu uso beneficiarão do uso de antipsicóticos. A escolha ta1nbén1
- = Evidência de dano deve ser baseada 110 histórico de resposta ao tratame11to,
perfil de efeitos colaterais e caráter agudo da doença. 1.,

147
Tratado de Saúde Mental da Mulher

A a111an1e11tação de,•e ser dese11corajada para segura11-


ça do bebê e para evitar a interrtipção do sono da mãe. Drogas con10 ola11zapina, risperido11a, quetiapina, zi-
No e11tar1to, a preferência da n1ãe e a relação er1tre os prasidona e aripiprazol são indicadas 110 tratame11to
riscos e benefícios do aleitame11to de,'en1 ser avaliadas de psicose agt1da, n1ania bipolar e esquizofrenia. Até o
i11di,,idualmente. Caso o aleita111e11to seja a opção, a ex- n1on1e11to, existe um nun1ero extre111ame11te peqL1eno de
posição do leite 1nater110 de,•e ser r11ini111izada por uso de relatos de uso 11a a111ame11tação. E111 co11junto, dados st1-
dose n1inin1a efeti,·a, LISO do n1e11or 11t'.I1nero de drogas e gere1n que exposição a psicofárn1acos pela an1ame11tação
di,,isão da dosage111 ao longo do dia para e,·itar picos de é de 1nagnitude 111e11or do que a exposição 11a gravidez. ·'
co11centração sérica. ' 1 Neonatos de\·en1 ser cuidadosa1nente avaliados qt1a11to
Após a estabilização clínica da pacie11te, Lim plano de ao nível de hidratação, sedação excessi,·a, dificuldades de
alta cuidadoso de,'e ser elaborado. Acon1panhame11to ama111entação e incapacidade para ganl1ar peso.'
a11ós a alta de, e ser i11te11si,·o nas prin1eiras sema11as. Des-
1

sa for111a, problen1as con10 intolerância às n1edicações,


piora dos sinto111as e monitoração do trata1nento podem Com o LISO da ECT (eletroconvulsoterapia) no tra-
ser feitos prontame11te. tamento da psicose pos-parto, as taxas de mortalidade
Ajuda externa por fan1iliares OLI ajuda11tes é esse11cial caíra,11 co11sidera,,elinente. 1 ' Pacientes responderan1 111ais
para reduzir a responsabilidade da 111ãe e permitir qt1e ela robustar11e11te, con1 mais rapidez e 111aiores í11dices de
recupere o sono e n1elhore da doe11ça. Vale salie11tar que remissão do que mL1lheres com quadros psicóticos 11ào
privação de so110 é un1 importa11te precipitante de ma11ia relacionados ao período puerperal. t9
e psicose pós-parto. 13 A ECT deve ser considerada qL1ando não há resposta
ao tratamento convencional, na intolerâ11cia a efeitos
colaterais das tirogas ou qua11do uma resposta rápida é
Lítio é uma opção terapêutica para a prevenção e trata- in1presci 11dível.·1º
111ento da psicose pós-parto. Resultados de estudos aber-
tos pequenos Stigerem que n1ulheres com a11tecedentes
de psicose pós-parto têm n1elhores desfechos quando o Estt1dos sugere111 a terapia de reposição estrogênica
lítio é introduzido imediatamente após o parto. JJ Entre as como uma nova for,na de trata1nento para a psicose pL1er-
pacie11tes co111 tra11storno afetivo bipolar, a recorrência é peral. O estrógeno, no enta11to, ainda não é reco111endado
st1bsta11cialn1ente maior para mulheres que i11terrompem na prática clínica para tratamento de psicose pós-parto, e
o lítio do que para as qLie conti11uan1 con1 tratamento seu uso é estritamente experin1ental. 1'
profilático. A descontint1ação abrt1pta sempre de,,e ser Alguns trabalhos demonstram que terapia de repo-
desencorajada. l) Con10 níveis de lítio en1 lactentes podem sição hor1nonal com 17-beta estradiol sublingual pode
ati11gir de ½ a 1netade das co11centrações séricas terapêu- dimintiir significativa1nente os si11tomas. 40 No entanto,
ticas, é recomendada cautela estrita na aman1e11taçào e1n resultados não foram confir1nados em un1 ensaio clí11ico
razão do risco de toxicidade 11eonatal. ,.i rece11te.-1 1

PLA'NEJAMENTO FAMILIAR E P.RÉ-NATAL


O ácido valproico e a carban1azepina são drogas apro- O tratamento farn1acológico é apenas um aspecto da
vadas para o tratamento de transtorno bipolar. ·· Ambas abordagem multidisciplinar integrada em sat'.1de mental.
são co1npatíveis co,11 a amamentação; hepatotoxicidade Abordagens indispensá,,eis incluem programas educa-
transitória e hepatite colestática 110s neo11atos expostos cionais prévios à concepção destinados a redt1zir con1-
poden1 ocorrer em uma n1 inoria de casos. Indicadores porta111entos não saLidáveis que pode1n contribuir para
de toxicidade no i11fa11te incluen1 sedação, diminui- aun1ento de risco de n1alforn1ações, independe11ten1ente
ção da a111ame11tação e sinais de prejuízo hepático OLl do tiso de psicofár111acos (álcool, nicotina, drogas) e de
hematológico. -1" práticas sexuais desprotegidas. 29
A lan1otrigina é aprovada para tratamento de ma11u- U1n acompanhan1ento cuidadoso deve fornecer infor-
te11ção e depressão bipolar; 35 no entanto, en1 virtude da mações sobre hereditariedade dos transtornos mentais,
titulação lenta da droga, é menos titilizada na psicose pós- segurança reprodutiva e risco das n1edicações psicotrópi-
-parto. É transferida prontan1ente para o leite materno, cas, com objetivo de en1poderar a mulher sobre a decisão
com declínio dos níveis séricos lento en1 11eonatos. Assim, de engravidar e sobre o LISO de medicações durante a ges-
seL1 LISO não é recomendado para mães que amamentam tação, e\·itando má aderência ao trata1ne11to. 25
logo após o parto. -- A potencialização de progran1as de suporte 11ão n1edi-
A oxcarbazepina é utilizada no tratamento de mania came11tosos com apoio psicológico para a maternidade,
bipolar. 3=- Dados sobre aleitan1ento mater110 ainda são suporte social para rei11tegração comu11itária e identifica-
limitados. ·111 ção de potenciais cuidadores alternativos para a criança

148
Capítulo 16 - Psicoses na gestação e pós-parto

que possam contribuir para manutenção da saúde mental características da esq1.1izofrenia, como delírios e interpre-
e facilitar a ligação mãe-criança devem ser estin1ulados.-1• tações delirantes, poden1 levar à n1á interpretação da in-
Durante o planejamento fa111iliar, o tratamento an- tenção e significado das ações de uma criança e dificultar
tipsicótico vige11te deve ser avaliado quanto à segurança a capacidade de responder de forma eficaz. Ações relati,,as
reprodutiva. Caso o a11tipsicótico en1 uso tenha risco de à educação, como estabelecer lin1ites, podem ser especial-
teratoge11icidade aun1entado, deve ser proposta a troca da n1e11 te difíceis. 46
medicação e a pacie11te e seu parceiro devem ser orien- Outros estudos sugerem que a capacidade de mater-
tados a tomar medidas antico11cepcior1ais efeti,,as até a nagen1 na relação mãe-bebê é deficiente em 1nães co111
completa sL1bstituição. ~º doe11ça psiquiátrica, especialmente com esqL1izofre11ia. i- .,s
Alguns cuidados de, en1 ser oferecidos às pacientes
1 O risco de abuso também é considerado ele,1ado. Aproxima-
em uso de antipsicóticos na gestação, como vigilância damente 1O'fo dos casos em que pais são responsá\ eis pela
1

gi11ecológica e e11docrinológica rigorosa (hemoglobina 111orte do filho estão relacionados a quadros psicóticos. l'I
glicosilada, glicemia, colesterol e triglicérides séricos, ava- Mesmo quando não há nenhum indício de abuso,
liar ganho de peso corporal) especialmente nas que fazen1 filhos de pais psicóticos estão em risco para problemas
uso de a11tipsicóticos de segunda geração. A possibilidade psiquiátricos. Tal risco é ainda 1nais intenso do que e111
de diminL1ição da dose do antipsicótico durante o últi1no casos de desorden1 afetiva 1naterna. ~0
trin1estre, a fim de reduzir o risco de reações extrapirami-
dais, pode ser discutida, sempre considerando o risco de
agudização dos sinton1as psicóticos. 2'1 Essas crianças sofrem mais atraso no desenvolvin1ento,
ML1lheres con1 transtorno bipolar e história pessoal ou apresentam pior desen1penho acadêmico e dificuldades
familiar <.ie psicose pós-parto apresentam risco substan- de relacionamento social.~ Parte pode ser explicada por
cial para psicose pós-parto. Devem ser i11for1nadas, assi111 suscetibilidade ge11ética, porém a falta de estín1ulo, afeto,
con10 seL1s familiares, sobre sintomas característicos para socialização e estrut1.1ra e a negligência familiar também
detectar 111udanças no hun1or, confusão mental, crenças parecem influir.
bizarras e aluci11ações, especial1ne11te nas primeiras sen1a- Aproximadamente 75º-1> dessas crianças apresentar11
nas após o 11ascin1ento. wles1110 a11tes do parto, pacientes algum tipo de diagnóstico psiquiátrico, en1 especial trans-
em risco de, e1n consultar seu psiquiatra para orientá-las
1
torno de de_ficit de atenção e hiperati, idade, tra11stor110 de
1

a considerar opções de tratamento e profilaxia.~º ansiedade e transtorno depressivo maior. 52


O n1011itoramento do feto e, posteriormente, do 11eo-
nato deve ser rigoroso, com estreita colaboração entre
psiquiatra, gi11ecologista, neonatologista e pediatra para Diante de tantas evidências, muitas vezes deve ser
um pré-natal ideal. O aco1npanha111e11to regular das pesado o direito à autonon1ia da paciente e a capacidade
crianças expostas a antipsicóticos no 1.itero é essencial, a de gerar da11os à criança. Estudos con1 mães con1 doen -
fim de diagnosticar e gerenciar poss1,1eis sinais de atraso ça mental grave indicam que 20º1> delas dão à luz bebês
do desen,·ol, i1nento. ~9
1
prematuros ou doe11tes (em comparação cor11 2º-1> dos
,
controles), o que provavelme11te é relacio11ado a un1 pré-
ASPECTOS ETICOS -1,atal inadequado.'·' A questão que se impõe é qua11do o
O acompanhamento de pacientes psicóticas durante a acon1panhamento e o tratan1ento podem ser eticamente
gestação e no pós-parto suscita a discussão de aspectos in1postos, contra a vo11tade do indivíduo. Em pacientes
éticos e legais. Planejamento fan1iliar, trata1nento involun- psicóticos, o risco iminente de dano a outrem é motivo
tário, decisão sobre a guarda da cria11ça e confidencialida- para o trata1nento involuntário; no entanto, quando o ou-
de da relação médico-paciente são te111as que deve111 ser tro é un1 feto, esse direito não é claran1ente determinado.
aventados pelo 1nédico assistente. Quando a mãe e considerada incon1pete11te para de-
cisões relati,·as ao ben1-estar do feto, pode haver u1n
( imperati,·o ético en1 tolher a autonomia de escoll1a da
~1ull1eres com esquizofrenia têm conhecimentos mais n1ulher. ~·155
restritos sobre reprodução e contracepção do que m1.1- Se o médico, a família e a con1unidade co11cordan1
lheres sen1 a doença. Não costuman1 realizar controle de qL1e o comportame11lo de uma mulher grávida psicótica
natalidade porque não espera111 ter relações sexuais.' 43 coloca en1 risco a unidade mãe-bebê, os critérios para
Assim, 111étodos de co11tracepção que 11ão exijam planeja- i11ternação in,,oluntária tornam-se justificáveis a partir de
.1 ' .
mento a11tecipado ou a cooperação do parceiro são mais uma perspect1, a et1ca.
indicados para essa população.· 1 A internação hospitalar pode propiciar bases para um
Algu11s especialistas afirma1n que a esquizofrenia pre- futuro melhor para 111ãe e filho. ~ Durante a internação,
j1.1dica de forn1a significativa a capacidade dos pais de além do controle dos sintomas psicóticos, a equipe profis-
cuidar de unia criança ... , Alterações psicopatológicas sional de,·e ajudar a mãe a reconhecer atitudes patológicas

149
Tratado de Saúde Mental da Mulher

que i11terferem em sua habilidade para se relacionar com é apenas parte de u1na abordagen1 integrada e n1ultidisci-
seu bebê e encorajá-la a assun1ir a respo11sabilidade pelo pli11ar. Outras estratégias i11dispensáveis de,,erão i11cluir a
cuidado de seu filho. execução, desde antes da concepção, de progran1as e(it1ca-
ti,·os e avaliações das condições psicossociais da mulher.
As decisões de,,e111 ser co1npartilhadas entre a pacie11te
A avaliação da capacidade de cuidados n1aternos por e seus fa1niliares, que deven1 receber a n1elhor i11forn1ação
agências de proteção ao be111-estar da cria11ça, como o Co11- disponí,•el para avaliar os possí,,eis riscos en\•olvidos para
selho Tl1telar, é 11ecessária para gara11tir a integridade da cada paciente i11dividualmente. A escolha do medica111en-
criança. A natureza e gravidade dos sinton1as, o prognósti- to tarnbén1 de\'e ser discutida exaustivamente, caso a caso,
co e crítica sobre a doença, disponibilidade para manter o explora11do ,•antagens e des,,antagens, mi11in1izando a 11ão
tratame11to, presença de pensan1entos suicidas e homicidas, adesão à medicação antipsicótica.
uso de drogas, história pregressa de ,riolência, resposta ao É essencial que a mulher esteja bem o st1ficiente para
tratame11to, estrutt1ra financeira e habitacional, bem como con1preender e aceitar st1a gravidez e sua doença mental,
a extensão e disponibilidade de uma rede de apoio, são sendo capaz de avaliar efetivan1e11te os e,,entuais riscos do
elementos-chave de uma avaliação completa.,- tratamento e o risco, relati,,amente alto, de exacerbação da
A interve11ção precoce por agências da infância pode doe11ça não tratada.
e,,itar difict1ldades futt1ras ou criar novos proble1nas. O tratan1ento adequado contribui para a ma11L1tenção
Algu11s estt1dos relatam que 70 a 80% das 111ães com da saúde n1ental da 1nãe, para u111a gestação tra11quila e
transtornos psicóticos perdem a custódia de seus filhos.)(, para otimizar a relação 111ãe-bebê, evitando co11sequên-
E11tretanto, resta saber se tais taxas se deven1 a L1n1 ver- cias gra,,es con10 a interrupção da gra,•idez ou a i11stitu-
dadeiro risco à criança ou se são resultados do estigma e cio11alização da mãe ou da criança.
incompreensão associados à doença me11tal. Assim, deve A

ser realizada u1na mi11uciosa avaliação individualizada, REFERENCIAS


com cuidado para que uma i11tervenção tão traun1ática 1. Jv[cCauley-Elsom K, Kulkarni J . ~lanaging psychos1s in preg-
não seja baseada em preco11ceitos. nancy. Australian and :\e,, Zealand Journal of Psychiatry
2007;-l l :289-292.
2. CoYerdale JH, Bayer TL, i\lcCullough LB, Chervenak FA.
Outro aspecto polên1ico é o sigilo médico. Respeito à Respecting the autonon1y of chronic mentally ili ,von1en in
pri,,acidade do pacie11te é um valor fundame11tal da rela- decision about contraception. Hosp Con1n1unity Psychiatry.
ção 1nédico-pacie11te. E1n determinados casos, no entanto, l 993;4-1:671-67-1.
informações obtidas na consulta médica sugerem riscos 3. ~li Iler LJ, Finnerty iv[ ( 1996) Sexualit)', pregnancr, and childre-
à segt1rança da criança e, nesses casos, o médico tem o aring an1ong ,von1en ,,·ith schizophrenia-spectru1n disorders.
dever de compartilhar tais informações com as agências Psvchiatric
, Ser\'. l 996;47:502-6.
competentes. 4. Odegard O. Fertilit)' of psychiatric first adn1ission in Nor,vay
1936-1975. Acta Psychiatr Scand. l 980;62:212-20
(l"\~trf -
I ICAf'\
5. Ho,, ard L, \\'ebb R, Abel K. !)afety of antipsychotic drugs for
A gestação e o puerpério são fases especiais na \ ida
1
pregnant and breastfeeding ,,·on1en ,,·1th non-alfect1ve psycho-
da n1ulher, que sofre alterações horn1onais bruscas, n1t1- sis. B7v1J. 2004 October 23;329(7472):933-4.
da11ças en1 seu corpo e em sua dinân1ica psicossocial. 6. Paffenbarger RS. Epiden1iological aspects of ~)arapartun1 men-
O período reprodutivo, no entanto, coi11cide com a idade tal illness. Br J Prev Soe Nled. L96-!;18:189-95
de surgimento da maioria dos transtornos psiquiátricos, 7. Bosanac P, Buist A, Burro,vs G (2003) ~lotherhood and schizo-
sendo as mudanças ocorridas r1esse período 1nuitas \'ezes phrenic illnesses: a revie,,· of the literature. Aust N Z J Psychia-
relacionadas con1 o início ou agudização dessas patologias. tr\'.
, 2003;37: 24-30.

Transtor11os psiquiátricos durante a gravidez e o puer- 8. R.ohde A, i\Iarneros A. Postpartun1 psychosis: Onset and long-
pério são relativamente freque11tes, porén1 episódios psicó- tern1 course. Psychopathology. J993;26:203
ticos são raros. Durante a gestação, estes usualmente estão 9. Ste,vart D, Klon1penhou,ver J, Kendell R, \'an Hulst A. Pro-
relacior1ados a transtorr1os psicóticos previamente existen- phylatic lithiun1 in puerperal psychos1s: the experience of three
tes, como a esquizofre11ia, enquanto sintomas psicóticos 110 centres. Br J PsYchiatrv.
, 1991;158:393-7.
puerpério aprese11tam características mais se1nelhantes aos 10. Kendell RE, Chaln1ers JC, Platz C. Epide1niology of puerperal
transtornos do hun1or. psychoses. Br J Psychiatry. 1987; 150:662-73.
O desejo de ter um filho, entreta11to, sempre de\·e ser 11. Seeman Nl\'. Relational ethics: ,vhen 1nothers sulfer from psy-
levado em consideração, cabendo ao 1nédico orientar sobre chosis. ,\rch \\10,nens ;\lent Health. 2004;7:20 l · 1O.
os riscos envolvidos nessa fase. Metade das n1ulheres com 12. Ho,vard Li\1, Goss C, Leese i\1, Appleby L, Thornicroft G. Toe
tra11stornos psicóticos são n1ães, taxa equivalente à da po- psychosocial outcon1e of pregnanc}' ,,vith psychotic disorders.
pulação em geral. si, O trata1nento farmacológico da doença Schizophr Res. 2004;7 l :49-90

150
Transtornos alimentares em
mulheres

Alexandre Pinto de Azevedo


Angélica de Medeiros Claudino
Táki Athanássios Cordás

-
INTRODUÇAO de. Co11tudo, pode-se evidenciar por relatos medicos
Os transtor110s do co1nportamento alimentar estão descrições clínicas de quadros de TA datados de vários
categorizados na CID-1 O ( Classificação Internacio11al das sécL1los. A primeira descrição 1nédica de AN deve-se
Doenças - 1o·· revisão) como síndron1es co111porta1ne11- a Richard Morto11, e1n 1964, que descrevett o caso de
tais associadas a tra11stornos fisiológicos e fatores físi- uma paciente co111 emagreci1nento autoindL1zido se-
cos. E11tre os TA (transtornos alimentares) classificados, CLtndário a "um n1órbido estado de espírito». Contt1do,
enco11tra1nos duas categorias principais, a NA (anorexia a i11dividualização da AN con10 e11tidade clí11ica ocor-
nervosa) e a BN (bulimia 11er, osa). Outros tra11stor11os
1 reu pela descrição, por \rVilliam Gull, de quadro clínico
me11os conhecidos e pesquisados são citados 11a CID-10, típico de AN en1 três meni11as com idades entre 14 e
como a hiperfagia associada a perturbações psicológicas 18 anos. Quase que sin1ultaneamente, Charles IJase-
(en1 que se inclui a obesidade reativa), , ô111itos associados
1 gue introduziLt a denon1inação anorexie menta/e para
a perturbações psicológicas e os qL1adros atípicos (anore- descre,'er seus casos. A1nbos enfatizavam os aspectos
xia nervosa atípica e bulimia 11ervosa atípica). psicológicos das pacie11tes.
O DSivl-IV ( I\1a11ual Diag11óstico e Estat1stico de Poré111, o co11ceito psicopatológico de transtor110 ali-
Transtor11os Me11tais, en1 sua 4~edição), editado pela APA mentar foi estagnado a partir de 1914, quando Si1nn1011ds
(Associação Psiquiátrica America11a), traz classificação descreveu o caso <.ie Ltma menina que dese11volveu qt1a-
dos TA de forn1a mais completa, qL1ando co111parado a dro de e111agreci111e11to 1nórbido após destruição de sua
CID-1 O. Nele, é possí,,el encontrar, alén1 das descrições hipófise. Assi111, por 111ais de trinta anos, a AN passou a
dos qL1adros clássicos de anorexia nervosa e bulin1ia 11er- ser atribL1ída a u111 hipopituitarismo. E1n 1949, Sl1eeha11 e
,,osa, se1nelha11tes às e11contradas na CID-1 O, a categoria Summers den1011strara111 que t1m hipopituitarisn10 leva à
TASO E (transtornos alin1entares sen1 ot1tra especifica- perda de peso son1ente em seus estágios termi11ais, afas
ção), que inclui: ( 1) qt1adros parciais de anorexia ner,·osa ta11do a ideia de a AN ser um qt1adro de orige1n orgânica.
e bulin1ia 11er, osa, (2) co1nportan1ento de n1astigar e
1 O co111portame11to de induzir o ,,ômito pode ser en -
cuspir, sen1 engolir, grande quantidade de ali111e11tos, (3) contrado precocen1ente na história de diferentes po,,os da
uso regular de un1 co1nportamento con1pensatório inade- Antiguidade. Na n1edicina grega, é sabido que Hipócrates
quado por u111 i11divíduo de peso norn1al, após co11sL1111ir recomendava o uso de vô1nitos por dois dias consecutivos
pequenas qt1a11tidades de alimentos e (4) TCAP (tra11stor- todo n1ês con10 prática saudável. Os ro111anos criaran1 o
110 da co1npulsão ali111entar periódica). Esse 1nanual traz von1itoriu,,1, que lhes pern1itia alimentar-se en1 excesso e,
a pri111eira descrição dos criterios diagnósticos do '!'CAP. depois, vo111itar en1 local reservado para esse fi1n. O ter-
,
1110 bulin1ia é deri,,ado do grego bous (boi) e lirrzos
HISTORICO (fome), desig11ando assin1 um apetite tão grande qL1e seria
Os tra11stor11os alimentares freqL1enten1ente são possí,,el a un1 hon1e111 co1ner um boi, ou qt1ase. H,1 um
considerados quadros cl1nicos ligados à 111oder11ida- seculo, pacientes co111 BN, co1110 o celebre caso de Elle11
Tratado de Saúde Mental da Mulher

West, descrito por Bins,-vanger, aparecen1 na literatura frequentes os transtornos psiquiátricos comórbidos aos
psiquiátrica recebendo outros diagnósticos. Inicialn1ente transtor11os alime11tares, sobretudo aqL1eles indivíduos
descrito entre pacientes com anorexia ner\·osa e poste- que procuram trata1nento. As patologias afetivas ocorrem
riorme11te entre obesos, en1 1neados da década de 1970, en1 52 a 98% dos pacientes, sendo o episódio depressivo
pesquisadores identificararn sintomas bt1límicos entre maior e a distin1ia os n1ais comu11s. Os transtornos an-
mull1eres jove11s de peso normal. A descrição l1istórica siosos são igL1alme11te pre,,alentes 11essa população, com
de trinta casos por Russel, en1 1979, sugeria que o qua- í11dices que varian1: 65% em anoréxicas e 36 a 58% em
dro seria L1rna estranha e\ olução da AN. Esses pacie11tes
1
bulí1nicas, com predo111ínio de fobia social e transtorno
apresenta,·a111 L1n1 "impulso irresistível para comer ex- obsessivo-compulsivo. Abuso de substâ11cias ocorre e11tre
cessi,,amente': seguido de ,•ô1nitos at1toinduzidos como 30 e 37º-1> na BN e entre 12 e 18% na AN. Entre 22 e 75%
for111a de purgação e un1 n1edo mórbido de engordar. das portadoras de TA ta111bén1 apresentan1 transtor11os de
EstL1dos posteriores den1onstraram, no enta11to, qL1e ape- personalidade, sendo os grupos B e C n1ais co1nuns na
11as 20 a 30% dos pacientes bulímicos apreser1ta,•am e111 BN, e os do grupo C, mais frequentes na AN.
sua história pregressa un1 episódio de anorexia 11er,·osa,
geraln1ente de CL1rta dL1ração. ETIOLOGIA
Os transtornos alin1e11tares têm uma etiologia n1L1lti-
EPIDEMIOLOGIA fatorial, ou seja, são detern1inados por uma diversidade
Estudos epidemiológicos con1 amostras e metodologias de tàtores qL1e interagen1 entre si de 111odo complexo para
diversas dificulta111 a obtenção de dados epiden1iológicos produzir e, muitas vezes, perpetuar a doença. Classica-
1nais acurados dos transtornos alime11tares. A prevalência mente, distinguem-se fatores predisponentes, precipitan-
de 1\N varia e11tre 0,5 e 3,7°-1>, e de BN, de 1,1 a 4,2º-1> en1 tes e n1antenedores dos TA. Os fatores predisponentes são
países dese11volvidos, depe11dendo das definições utiliza- aqueles que aumentan1 a possibilidade de aparecimento
das dos respecti,•os transtornos: n1ais restritas ou 111ais do TA, n1as não o tornam ine,,itá\rel. Os fatores que pre-
abrangentes. A esti1nativa de incidência de anorexia ner- cipitam a doença marca1n o aparecimento dos sinto1nas
,,osa entre mulheres é de 8 por I 00 n1il indi,,íduos, e em dos TA. Por fim, os fatores mante11edores detern1i11am se
ho111e11s seria de me110s de 0,5 por l 00 n1il i11divídL1os por o transtorno será perpetuado OLl 11ão.
a110. A i11cidência de bL1limia ner, osa é de 13 por 100 mil
1

i11divídL1os numa população pareada por ano. A cre11ça


de Ltm aun1ento da i11cidê11cia de TA em países de cultura Há duas classes de fatores de risco para dese11volvi-
ocidental per111a11ece questionável, pela de1nonstração de n1ento de TA: uma inclui o risco para transtor11os psiqui-
resultados ainda contraditórios. Os TA afetam predomi- átricos e111 geral, e outra é específica para TA. Os fatores
nanteme11te 1nulheres jovens, com uma prevalê11cia média gerais incluem a con1orbidade com OLttras patologias
de 90% dos pacientes do sexo femi11ino. Essa diferença psiquiátricas, a história de transtornos psiquiátricos na
di111i11ui e11tre populações de i11divíduos n1ais novos, 11as fa1nília, abuso sexual ou físico e adversidades 11a infância.
qt1ais os 1neninos correspondem de 19 a 30% dos casos. Os fatores específicos incluem os traços de personalidade,
A a11orexia nervosa aco1nete pri11cipalmente adolescentes, o risco para desen,,olvin1ento da obesidade e a realização
porém é possível observar casos isolados com início dos de uma dieta calórica restritiva. Esses fatores podem ser
si11ton1as 11a i11 tància ou após os 40 a11os de idade ( tra11s- categorizados em lrês grupos: individual, fainiliar/heredi-
torno alin1entar de início tardio). tário e sociocultural. (Quadro 17.1).
Entre as n1ulheres, os TA parecen1 ser mais con1uns
naqL1elas de orige111 caucasiana, qL1ando comparadas con1
mulheres negras. Nestas, o TA 111ais comum é a BN com Dieta de restrição calórica para emagrecimento é o
LISO de laxantes. Há uma maior ocorrência entre i11diví- fator precipitante mais frequente nos TA. Estudos de-
dL1os que trabalham em profissões em que a aparê11cia 1nonstram que a dieta aume11ta consideraveln1ente o risco
física e o peso são Llm valor agregado, como profissionais para os TA. Indivíduos que faziam dieta tiveram Ltm risco
da moda, n1odelos, atletas, bailarinos. dezoito ,,ezes maior de desenvol, in1ento de TA do qL1e
1

As patologias alimentares ocorre1n n1ais frequente- e11tre indivíduos que não faziam dieta após um ano de
mente e111 países desen,·olvidos e industrializados. Toda- seguimento. A dieta, isoladamente, não é suficiente para
via, ten1 sido casa vez mais docume11tado o crescimento prodL1zir os TA. É necessário i11teração co1n fatores de ris-
de casos e1n países nos qL1ais costumavam ser raros, talvez co já descritos, embora não seja possível especificar como
por inflL1ência de n1odificações culturais. esses fatores se co111binam para produzir AN em algL1ns
Con1 relação a padrão fan1iliar, pare11tes de primeiro indivídL1os e BN em outros.
grau de pacie11les con1 AN e B?\ têm n1aiores í11dices des- Ta11to a bulimia ner,1osa quanto a a11orexia 11ervosa
sas doe11ças. Isso igL1almente ocorre com irmãos gê111eos parecen1 ser precedidas por uma n1aior frequência de
dos pacie11tes, pri11cipal1nente 111onozigóticos. São muito eventos estressares quando comparadas a controles nor-

154
Capítulo 17 - Transtornos alimentares em mulheres

parecem estar baixos na AN com recuperação progressiva


com o ganho de peso. Contudo, dois estL1dos indepe11de11-
tes revelaran1 que a leptina atingiu valores normais antes
• Traços de personalidade
da recuperação i11tegral do peso en1 pacientes co1n AN er11
- Baixa autoestima tratamento, sugerindo que a normalização pren1atL1ra dos
- Traços obsessivos e perfecc1on1stas (AN) níveis plasmáticos de leptina pode dificultar a recupera-
- lmpuls1v1dade e 1nstabil1dade afetiva (BN) ção e manL1tenção do peso normal na AN. Outros fatores
• História de transtornos psiquiátricos mantenedores de a1nbos os transtornos alime11tares são
- Depressão mostrados no Quadro 17.2.
- Transtornos de ansiedade (AN) ,

- Dependência de substâncias (BN)


QUADRO CLINICO
• Tendência à obesidade
• Alterações da neurotransmissão A doe11ça invariaveln1e11te se inicia con1 um período
- Vias noradrenérgicas de perda de peso desencadeado por uma dieta em fun -
- Vias serotoninérg1cas ção de un1 excesso de peso real ou imaginário (insatisfação
• Eventos adversos inicial com imagen, corporal) ou mesmo por u1na doe11 -
- Abuso sexual ça física. Um aspecto psicopatológico fundamental é a
avaliação grosseiramente errônea do tan,anho e for111a
do corpo; a paciente se sente gorda, apesar de evidê11cias
• Agregação f amrl1ar objetivas em co11trário, e esse sintoma é conhecido co1no
• Hereditariedade DIC (distorção de in1agem corporal). A DIC pode ser
• Padrões de interação familiar prévia à perda patológica de peso e, portanto, ter un1a
- Rigidez, 1ntrusiv1dade e evitação de conflitos (AN) in1portância primária como determinante da doença.
- Desorganização e falta de cuidados (BN) Muitas vezes, a AN pode estar associada à presença de
pressões de ordem profissional, como, por exemplo, entre
modelos, bailarinas e jóqueis. A paciente inicialn1ente
• Ideal cultural de magreza faz un1 controle das calorias ingeridas e, paulatinamente,
e\rita a maioria dos outros alimentos co111 justificati\ as
1

mais. Desorganização da vida ou eventos que ameacem a as mais diversas, desde que engorda, não é saL1dável ou
integridade física (doença, gra,,idez, abuso sexual e físico) simplesmente não gosta. Quando a doença já está insta-
são mais frequentes em indivíduos com BN. O impacto lada, a paciente passa a alimentar-se com urna dieta sem
desses eventos sobre a patogênese dos TA depende dos praticamente 11enhum aporte calórico.
recursos psíquicos que cada indivíduo possui para res- Questões ligadas à dieta OLt ao valor calórico dos
ponder a eles. alimentos passam a ser a parte ce11tral da vida dessas
pacientes. Mostran1-se indiferentes a seu péssi1no estado
f nutricional, negando o fato de estarem doentes, co11tra-
I11cluen1 as alterações fisiológicas e psicológicas deter- pondo-se aos pedidos, orientações e súplicas dos farnilia-
minadas pelo estado desnutricio11al e pelos recorrentes res para que voltem a se alimentar. O temor de estare1n ou
episódios de descontrole alimentar e purgação, que ten- se tornaren1 obesas as leva a frequentes consultas ao espe-
dem a perpetuar o transtorno. O estado de desnutrição
da anorexia nervosa gera alterações neuroendócrinas que
contribuem para a manutenção de vários sintomas da
doença. Portadores de AN apresentam valores séricos au-
• Fisiológicos
mentados de cortisol, bem como evidências de aumento
- Privação alimentar favorece episódios de compulsão
da atividade do CRH (hormônio liberador de corticotro-
pina). Considerando-se que o CRH causa experi111ental- alimentar (CA)
mente anorexia e hiperatividade e inibe a atividade sexual, - Ep1sôd1os de CA interferem no metabolismo a glicose
acredita-se que uma \'ez atingida uma perda importante e 1nsul1na
de peso, esses si11tomas \'istos na AN sejan1 reforçados • Ps1cológ1cos
por un1a maior atividade de CRH cerebral. Alterações nos - Privação alimentar desencadeia pensamentos obsessivos
níveis plasmáticos de leptina tan1bém podem ser encon- sobre comida
tradas. Em indivíduos normais, a leptina é sacietogênica,
• Culturais
e seus ní,,eis séricos estão diretamente relacionados ao
- Magreza vista como s1mbolo de sucesso
peso, refletindo a massa gordurosa corporal. Seus nÍ\'eis

155
Tratado de Saúde Mental da Mulher

lho, o que é freque11temente seguido de exercícios físicos não apenas é expresso no comportan1ento pessoal, rnas
vigorosos, abL1so de laxa11tes, diuréticos, cafeína e, en1 tambén1 11as relações pessoais e familiares, tornando-se
cerca de 40% dos casos, vômitos autoinduzidos. Algu1nas praticamente te111a único em suas con,,ersas. U1na boa
pacientes anoréxicas apresentan1 episódios de descontrole anan1nese evidenciará que cerca de 30% das pacientes
alime11tar (episódios bulí1nicos) que são posteriormente bulímicas que buscan1 tratame11to apresentam história
seguidos de algum método con1pensatório i11adequado. anterior de AN de curta duração. Além dos aspectos psi-
A evolução do quadro clinico é variá,·el, podendo ir de quiátricos, os aspectos clínicos são igualmente variados,
um único episódio com recuperação de peso e psicológico embora surpreendentemente de pouca gravidade dia11te
completos (raramente) até evoluções de curso ininterrup- da exuberância do qL1adro psiquiátrico e con1 regressão
to até a n1orte. O í11dice de mortalidade em função direta rápida quando a doe11ça é efetivamente tratada.
da doença é avaliado em 18% em 20 anos, sendo o suicí- Três principais si11ais são relativame11te sin1ples de
dio (3% dos casos) e as complicações clí11icas decorrentes observar ao exan,e da paciente com bulimia 11ervosa. E1n
da doença as causas mais comuns de morte. As alterações u1n pequeno número de pacientes, é possível e11co11trar
psicológicas associadas à AN tendem a persistir ao longo hipertrofia bilateral das glândulas salivares, particular-
da vida mesmo quando ocorre recuperação gradual do mente das parótidas, co11feri11do à paciente fácies de lua
peso e retorno dos ciclos menstruais. Na maioria das cheia quando o grau é intenso. A patofisiologia desse
vezes, ocorrem dificuldades na adaptação conjugal e na achado é desconhecida. O segundo sinal de utilidade
capacidade de exercer o papel n1ater110, adaptação profis- diagnóstica é a lesão da pele 110 dorso da 1nào, ta1nbém
sional ruim e hábitos alimentares irregulares. A evolL1ção conhecida como sinal de Russel, causada pela introdução
para outros quadros psiquiátricos é con1um, sendo os da mão na cavidade bucal para estimular o reflexo do vô-
mais prevalentes o abuso de substâncias, a depressão e a n1ito, variando de u1na calosidade até L1111a ulceração
bulimia nervosa. Um período de doença lo11go antes do superficial. O terceiro é o desgaste dentário provocado
primeiro tratamento e relações familiares insatisfatórias pelo suco gástrico nos episódios de vômitos, leva11do a
parecem ser predítivos de mau prog11óstico. descalcificação e aun1e11to do risco de desen, ol,,i1ne11to
1

das cáries.
Alterações metabólicas e hidroeletrolíticas como desi-
A primeira característica clinica é a descrição que a dratação, hipocalen1ia, l1ipomag11esemia, hipocloremia,
pacie11te faz de uma ingestão alimentar exagerada, con1 hiponatremia e alcalose metabólica, são enco11tradas en1
sensação de perda de controle, de grande quantidade de cerca de 50% das pacientes, causadas pelo jejum, vômitos
alimento em curto espaço de tempo ou, mais raramente, e abuso de laxa11tes e diuréticos. Particularn1ente, a hipo-
em um lo11go ritual de várias horas. Geralmente esses calen1ia pode levar à alteração da condL1ção cardíaca e,
episódios bulímicos ocorrem às escondidas e são acom- em um grau intenso, à falência cardíaca. Hiperamilase1nia
panhados de uma posterior sensação de culpa, vergonha discreta de origen1 parótida, à custa da ele,,ação da isoen-
e desejo de se punir. A ingestão geralmente consiste ern zima sali,,ar, é frequenten1ente encontrada. An1e11orreia
alime11tos ricos em carboidratos, como doces, chocolates, em número me11or de casos do que o encontrada 11a AN é
sorvetes, leite condensado e biscoitos, alimentos estes que observada, embora o achado mais co111u1n seja a de ciclos
o indivíduo tenta excluir de sua dieta. Cerca de 5.000 kcal menstrL1ais irregulares. Complicações mais raras corno
podem ser ingeridos em um único desses episódios, en1- perfurações esofagianas, gástricas e pneL1mon1ediastino
bora estejam descritas ingestões de até 15.000 kcal 11um estão descritas.
único episódio bulímico. ,
O comportamento direcionado para o controle de peso DIAGNOSTICO
corporal inclui período de jejun1 prolongado, exercícios Tanto a anorexia nervosa como a buli1nia nervosa
físicos excessivos, abuso de cafeína e tabagismo, uso de apresentan1 critérios diagnósticos bem defi11idos. Serão
laxantes, diuréticos, horn1ônios tireoidianos, drogas ano- apresentados sob a forma de quadro os critérios diagnós-
rexígenas e, eventL1almente, cocaína. O comportan1ento ticos sugeridos tanto pela CID-10 como pelo DSM-IV,
que pelas suas características de dramaticidade mais cha- já que apresentam pequenas difere11ças en1 algL1ns dos
111am ate11ção é o vôn1ito autoinduzido (entre 80 a 95% itens de seus critérios diagnósticos, segundo o DSM-l\'
desses pacientes) após um episódio bulímico, recurso este (Quadro 17.3).
que a paciente desenvolve sem qualquer aprendizado ou
aprende em filmes, livros ou com amigas. A frequência TRATAMENTO
dos episódios bulímicos/vômitos é extremamente variá-
vel, podendo ir de 1 a 1O, ou mais, ao dia.
A extrema preocupação com a forma e o peso corpo- Para qL1alquer transtorno alimentar, considerando sua
ral, descrita como "fobia de peso" ou "mórbido medo de etiologia multifatorial, o tratamento deve envolver a
ficar gorda" é um aspecto psicopatológico relevante e que n1ultidisciplinaridade, exigindo o miniman1ente a eqLtipe

156
Capítulo 17 - Transtornos alimentares em mulheres

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A. Recusa em manter o peso corporal em um nível igual ou acima do mínimo normal adequado à idade e à altura (p. ex.,
perda de peso levando à manutenção do peso corporal abaixo de 85% do esperado; ou fracasso em ter o ganho de
peso esperado durante o período de crescimento, levando a um peso corporal menor que 85º/o do esperado).
B. Medo intenso de ganhar peso ou de se tornar gordo, mesmo estando com peso abaixo do normal.
C. Perturbação no modo de vivenciar o peso ou a forma do corpo, influência indevida do peso ou da forma do corpo
sobre a autoavaliação ou negação do baixo peso corporal atual.
D. Nas mulheres pós-menarca, amenorreia, isto é, ausência de pelo menos três ciclos menstruais consecutivos (considera-
-se que uma mulher tem amenorre1a se seus períodos ocorrem apenas após a administração de hormônio, por
exemplo, estrógeno).
• Especificar tipo:
- Tipo restritivo: durante o ep1sód10 atual de anorexia nervosa, o indivíduo não se envolveu regularmente em um
comportamento de comer compulsivamente ou de purgação (isto é, autoindução de vômito ou uso indevido de laxantes,
diuréticos ou enemas).
- Tipo compulsão penód1ca/purgat1vo: durante o ep1sód10 atual de anorexia nervosa, o indivíduo envolveu-se regularmente
em um comportamento de comer compulsivamente ou de purgação (isto é, autoindução de vômito ou uso indevido
de laxantes, diuréticos ou enemas).

A. Episódios recorrentes de compulsão periódica. Um episódio de compulsão periódica é caracterizado por ambos os
seguintes aspectos:
(1) Ingestão, em um período l1m1tado de tempo (p. ex., dentro de um período de duas horas) de uma quantidade de
alimentos definitivamente maior do que a maioria das pessoas consumiria durante um período similar e sob circunstâncias
semelhantes.
(2) Um sentimento de falta de controle sobre o comportamento alimentar durante o episódio (p. ex., um sentimento de
incapacidade de parar de comer ou de controlar o que ou o quanto está comendo).
B. Comportamento compensatório inadequado e recorrente, com o fim de prevenir o aumento de peso, como
autoindução de vômito, uso indevido de laxantes, diuréticos, enemas ou outros medicamentos, jejuns ou exercícios
.
excessivos.
e. A compulsão periódica e os comportamentos compensatórios inadequados ocorrem, em média, pelo menos duas vezes
por semana, por três meses.
D. A autoavaliação é indevidamente influenciada pela forma e peso do corpo.
E. O distúrbio não ocorre exclusivamente durante ep1sód1os de anorexia nervosa.
• Especificar tipo:
- Tipo purgativo: durante o episódio atual de bulimia nervosa, o indivíduo envolveu-se regularmente na autoindução de
vômitos ou no uso indevido de laxantes diuréticos ou enemas.
- Tipo sem purgação: durante o episódio atual de bulim1a nervosa, o indivíduo usou outros comportamentos compensatórios
inadequados, tais como, jeJuns ou exercícios excessivos, mas não se envolveu regularmente na autoindução de vômitos
ou no uso indevido de laxantes d1urét1cos ou enemas.

terapêutica básica: a equipe psiquiátrica, a de psicologia e um número limitado de fatores, como ganho de peso ou
a de nutrição. Outros profissionais ta111bé1n são in1portan- presença de ciclos menstruais regulares, o que obviamente
tes, tais como: educador físico, enfermeiro, fisioterapeuta, empobrece a a, aliação dos outros aspectos psicopatológi-
1

médicos endocrinologistas, clínicos gerais, gastroe11tero- cos e sociais. A primeira dificuldade com a qual o clínico
logistas e ginecologistas. Considerando tratar-se de pa- se depara é a aderência do paciente ao tratamento, já
tologias psiquiátricas con1 repercussões clínico-labora- que esta frequentemente não encara seu comportamento
toriais, torna-se clara a necessidade de estabilidade física como doentio. A meta inicial, para pacientes anoréxicos,
para o sucesso do tratamento psiquiátrico. é a recuperação do estado nutricional debilitado pelo
Lamenta,,elmente, existen1 poucos estudos que com - jejum. O paciente deve ser informado de que sintomas
param, de forma sistemática, as diferentes 1nodalidades como preocupação com comida, irritabilidade, perda da
de tratamentos preconizados para a AN. Alén1 disso, concentração e demais sintomas depressivos, distt'.irbios
urna boa parte dos estudos usa co1no medida de sucesso da imagem corporal são decorrentes da privação ali1nen-

157
Tratado de Saúde Mental da Mulher

tar, e que a recL1peração de seu peso e parte fu11dan1ental e i11ter,·encionista, baseado en1 téc11icas cogniti,·as. Alé111
do tratan1ento. disso, associa-se a terapia tà111iliar ou conjL1gal, objeti,·ando
O médico não é un1 n1ero aferidor da balança e esta identificar u111a estrutura far11iliar reconl1ccida co1110 dis-
preocupado co111 a paciente co1110 um todo en1 seus as- funcio11al, 11a qual seus n1en1bros de111011stram L1n1 padrão
pectos psicológicos, 5ociai5 e fan1iliares, 111as a recupera- de interação 11ão satistàtório e n1antenedor do quadro.
ção do peso é i11cgociá\'el. A n1aioria dos pacie11tes com buli111ia ner,·osa pode
O tratame11to ambL1latorial segue os n1oldes da in- efeti,·amente ser tratada er11 regime ambulatorial, de,·er1-
ter\'enção referida anteriormente aqL1i, OLt seja, de\'e ter do-se reservar a interr1ação para sitL1ações lin1ite, cor110
con10 objetivo a recL1peração po11deral alén1 do envol,,i- grave con1prometin1ento do estado físico, risco de suicí-
n1ento do pacie11te en1 psicoterapia indi\•idL1al e fa111iliar. dio e falhas terapêuticas sL1cessi, as. Alén1 da internação
1

As vantagens são de fa,,orecer ao pacie11te benefícios constituir L1n1 e,,e11to socialn1e11te disrl1pti,·o e estign1a-
que façam parte da \'ida cotidiana, e11corajando-o a se tizante, o tratame11to an1bulatorial coloca o paciente en1
reintegrar e111 atividades con10 escola, trabalho e sociais. situação en1 t]ue o controle de seu co111portan1ento e
U111a alternati, a intermediária aos modelos de internação
1 depende de u1na deter111i11ação inter11a rnais e.lo qL1e de
hospitalar e tratame11to ambulatorial é o regime de hos- regras impostas exteriorn1ente. Uma adequada a,,aliaçào
pital-dia ou se111i-i11ternação, 011de o paciente permanece clínica e laboratorial de,·e ser realizada con, cuidado
en1 ambiente hospitalar SL1per, isionado e1n média dez
1
particular para os ní,,eis de potássio e fu11ção cardíaca.
horas por dia de segunda à sexta-feira, retornando a SL1a O uso de laxa11tes, diL1réticos, n1oderadores de apetite e
residência ao fi11al do dia e durante os fi11ais de sema11a. café em excesso, além de exercício físico co111 intenções
Esse modelo terapêutico possibilita que o pacie11te não se de perder peso, e, ai11da, hábito de jejuar devem cessar
afaste totalmente de seu ambie11te, mas ao 1nesn10 ten1po in1ediatamer1te.
oferece a execução de um programa mais bem estrutL1ra- Di,·ersas abordagens psicoterápicas tem sido utiliza-
do. A decisão de internação é sempre delicada, levando a das. No e11ta11to, modelos de curta dL1ração, utilizando
n1edos e fantasias por parte da pacie11te, n1arcadarnente o n1onitoração do con1portamento, aco11selhan1ento nu-
de que se tornará obesa e falsas expectativas da família de tricional, técnicas cognitivo-comportan1entais e uso de
que a cura pode ser fácil. U111a i11terr1ação não adequada- diario alin1e11tar são os que tên1 apresentado melhores
mente trabalhada dará origem a L1n1a ",1 ingança" posterior resultados e têm sido n1ais en1pregados. Unia parte
à alta hospitalar por parte eia paciente, forçando-se a essencial do tratamento é a realização do diário de aL1-
perder todo o peso ou mais peso do que ganl1ou durante tomonitoração pelo paciente, no qual deven1 co11star os
a internação. Assim sendo, deve-se obedecer a i11dicações alin1e11tos ingeridos, os episódios bulín1icos, os episó-
precisas con10: (a) acentuada perda de peso, (b) hipoca- dios de ,,ômitos, as se11sações e sentin1entos experi1nen-
lemia e outras complicações, (c) depressão com ideação tados nesses episódios. Esse diário é discL1tido durante
SLticida e (d) resposta inadequada a tratamento ambula- as consLtltas, servindo para detectar possíveis condicio-
torial prévio. nantes ambie11tais. Em algL1ns casos, esse é o passo n1ais
Existem diferentes modalidades de trata1nento hospi- importante e terapêutico en1 si mesmo.
talar que, no entanto, aprese11tam em con1um o uso de uma O aconselhamento da pacie11te é Ltm passo importa11te,
intensa assistência de enfern1agen1 e estratégias de com- e deve111 ser discutidas as consequências médicas, psicoló-
porta1nento operante. Cabe à enfermage111 a supervi- gicas e sociais do comportamento bL1límico e dos vô111itos.
são pessoal e intensa de todas as refeições do pacie11te. Deve-se alertar sobre a inutilidade do uso de diuréticos e
A atitude de,,e ser de encorajamento firme e próxi1110, laxantes para a perda de peso, sobre os riscos do uso de
e\'itando discussões e procurando estin1ular a alimen · anorexígenos, bem co1110 para o fato de a prática de jejL1111
tação regular. prolongado ser uma 111aneira de facilitar a ocorrência de
Já os progran1as de interve11ção con1portan1e11tal, usan- episódios bulí1nicos, con5eqL1ê11cia fisiológica da pri,·ação
do n1odelos de co11dicionamento opera11te, buscam e11- ali111e11tar prolongada.
corajar a adoção de atitudes 1nais sadias por parte do
paciente, que são recon1pensados com pri, ilégios e co111
1

din1i11uição de situações aversivas con10 a restrição 110


leito. O ajuste do peso a ser alca11çado respeita o peso pré- Farmacoterapia da anorexia nervosa: princípios

-111orbido e fixa co1110 objeti,10 a aquisição de 85% ou mais e---·-
- Ne11huma diretriz de tratamento dos ·rA define en1
desse peso. O pacie11te de\'e ser habitualmente pesado de
costas e não de,,e ser informado sobre seu peso até qL1e especial algL1n1 medicamento que tenha alcançado bo1n
esteja próxin10 do desejado e da alta hospitalar. 11í, el de e, idê11cia de eficácia, de modo qL1e o tratan1ento
1 1

Si1nultaneame11te, inicia-se o acompanha1nento psico- farmacológico na AN deve ser analisac.lo em particular,


terápico individual, en1 que, diferentemente de uma pos- obser,·ando-se qL1e aspecto da sintomatologia 1noti, a 1

tl1ra analítica tradicional, adota-se um modelo mais ativo prioritarian1e11te sua utilização.

158
Capítulo 17 - Transtornos alimentares em mulheres

Os agentes antidepressi,ros podem ser utilizados visando Farmacoterapia da bulimia nervosa: princípios
à redução dos si11ton1as depressivos e obsessi,ros associa-
dos. Entre os antidepressivos, os ISRS apresentam un1 perfil A utilização de medicação não é obrigatória de in1e-
de efeitos ad,,ersos tnais segt1ros, o que representa uma diato, podendo-se optar pela abordagem psicoterapica,
característica útil, especialn1ente qua11do os pacientes estão inicialme11le.
abaixo do peso. En1 virtude da reconhecida indicação da Os antidepressivos são mais eficazes do que placebo na
fluoxetina na BN, deve-se considerar o uso desse fár1naco redução de episódios de CAP e de manobras purgati,,as.
em pacientes com AN do tipo bulín1ico, por ,,ezes em doses Os ISRS são os n1ais seguros entre os a11tidepressivos.
mais elevadas do que as usuais para depressão (60 n1g/dia, A fluoxetina é a medicação de prin1eira escolha, em do-
se tolerada). Alé111 do llSO na fase aguda, os ISRS podem ser ses de 60 a 80 mg/dia. O uso alternati, 0 dos outros ISRS
1

considerados na preve11ção de recaídas, especial1nente para pode ser feito em caso de intolerância ou não resposta
pacientes qt1e ma11tê111 si11to1natologia depressiva, obsessiva à flt1oxeti11a. Assim, pacientes que não responden1 a un1
ou bl1lín1ica. Sugere-se Sl1a lltilização durante o pri111eiro antidepressivo podem responder a outro agente usado
ano apos a recuperação de peso. seque11cial1ne11te.
Os antipsicóticos podem ser co11siderados ern pacie11- Att1al111ente, o uso do topiramato de,,e ser considerado
tes extremamente resistentes ao tratame11to, agitados, com con10 alter11ativa a antidepressivos, e eventualmente, a
in1porta11te obsessividade (ruminações anoréxicas) ou onda11setrona. O topiramato também pode ser associado
co1n graves distorções de autoi1nagem ot1 outros sinton1as a a11tidepressivos, em especial e1n pacientes que apre-
co1n características psicóticas. E111 geral, são utilizadas sentam 1nulti-impt1lsividade. A opção por topiran1ato
doses baixas de 11eurolépticos atípicos, co1no a olanzapi- tambén1 está i11dicada para indivíduos que aprese11tan1
na (2,5 a 1O mg/dia), a risperidona (0,5 a 2 mg/dia) ot1 a BN e transtorno de humor bipolar. O trata111ento medica-
quetiapina (50 a 300 111g). Pode111 tambén1 ser co11sidera- mentoso deve ser institttído pelo período n1í11imo de seis
dos para utilização dt1rante a fase i11icial da reabilitação 111eses, pois a interrupção precoce da medicação pode es-
nutricio11al (fase aguda), especialn1ente para pacientes tar acompa11hada de recaída en1 30 a 45% dos casos. Caso
que demo11stram colaborar com o tratamento, porém nenhuma resposta seja observada após dois a três meses
encontram grandes dificl1ldades por alimento de ansieda- de trata1nento, é importante identificar se a ingestão da
de nos 11101nentos que anteceden1 e durante as refeições. 111edicação ocorre pouco a11tes dos episódios de ,,ôn1ito
Os agentes ansiolíticos (p. ex., bromazepatn, 1,5 a 3 111g, (orientações serão necessárias quanto à ton1ada da medi-
alprazolam, 0,25 a 0,5 mg ou clonazepan1, 0,25 a 0,5 111g, cação); a troca de n1edicação deve ser feita se descartada
cerca de 30 a 45 n1inutos antes das refeições principais) essa possibilidade.
são otrtra opção nesses casos. Yiedica111e11tos antieméti-
cos, con10 a 1netoclopramida, são lttilizados em pacie11tes TCAP (TRANSTORNO DA COMPULSÃO ALIMENTAR
que se ql1eixa111 de rápida sensação de plenitude gástrica. PERIÓDICA)
Algu11s especialistas reco111endam a suplementação de Tan1bén1 co11hecido co1110 "comer compl1lsivo", o TCAP
zinco (15 a 45 n1g/dia). Vitaminas do complexo B e ferro é caracterizado por episódios recorrentes de impulsivida-
tan1bém poden1 ser suplementadas se parecem deficientes de alimentar, conhecidos co1110 compulsão alimentar, na
dura11te o processo de reali111entação. Especial atenção ausência de comportan1entos compensatórios inadequa-
deve ser dada ao fósforo durante os estágios i11iciais da dos utilizados para promo, er a perda ou evitar o ganho
1

realin1entação, qt1ando os riscos de hipofosfatemia são de peso co1nuns na a11orexia nervosa e bulimia nervosa.
1naiores, e alin1entos ricos em fósforo (produtos lácteos) Estudos que se utilizam de metodologia rigorosa reve-
de,1e111 ser priorizados. Em pacientes con1 l1istória de AN lan1 uma prevalência aproximada de 1%, e nenhum desses
e an1enorreia por 1nais de seis meses, a supleme11tação de estudos i11, estigou incidência. Essas taxas se elevam qua11-
1

vitami11a D e cálcio ta111bén1 de,'e ser co11siderada. En1 do populações específicas, como indi,,íduos obesos, são
pacientes com si11tomas purgati,,os (vômitos autoi11du- avaliadas, concluindo qt1e ql1anto maior o graL1 da obesi-
zidos), os medica111e11tos devem ser dados e,n horários dade, rnaior a prevalência desse transtorno. Entre popula-
dista11tes de refeições em que costun1an1 purgar, en1 re- ções de obesos, a prevalência atinge 8%, eleva11do-se para
feições con1urnente 1nais bem-aceitas, ao deitar, ou ainda 25 e SO<ro entre obesos grau li e III, respecti,·an1e11te.
realizando-se monitoração dos comportan1entos por pelo
menos duas horas após o uso da n1edicação. Em função
de n1L1danças na co111posição de proteí11as e gordura cor- Para ente11der o TCAP, é necessário defi11ir ECAs
porais, alterando sig11ificativan1e11te a farn1acocinética e (episódios de con1pt1lsão alin1entar). Um ECA é caracte-
le, a11do a faixas terapêuticas mais estreitas (e a 111aiores
1
rizado pela ingestão de grande quantidade de alin1e11tos
riscos de efeitos colaterais e toxicidade em doses mais definiti,·an1ente maior que a 1naioria das pessoas co11-
baixas de medica1ne11tos), recomenda-se maior cuidado sumiria no mesmo período de tempo em circunstâncias
no uso de n1edicamentos nesses pacie11tes. sirnilares. Alé1n disso, há referência por seu portador à

159
Tratado de Saúde Mental da Mulher

sensação de perda de controle durante o episódio, con10, ao descrito para bulin1ia nervosa. Os outros itens são
por exemplo, um sentime11to de que 11ão é possí,·el parar mantidos como descritos no DSM-IV. Parece haver uma
de comer ou controlar o que ou o quanto está comendo. tendência, con1 base nas revisões sistemáticas realizadas,
O comportame11to alimentar do comedor compulsi,10 é a classificar o TCAP como categoria diagnóstica inde-
caracterizado por comer muito mais rápido do que o ha- pendente no manual, e 11ão mais mantê-lo no apêndice
bitual, comer até se sentir fisicame11te desconfortá,,el, in- B. Evidências, como não se tratar de apenas uma variação
gerir grandes quantidades de alimentos quando não está familiar da obesidade, perfil den1ográfico distinto dos
fisican1ente fa111into e preferir corner sozinho por causa den1ais transtor11os alimentares (idade de i11ício tardio,
do constrangimento pela quantidade de alimentos que se maior prevalência entre homens), maior prevalência de
ingere. Sentime11tos de tristeza, vergonha e culpa, além de psicopatologia e menor qualidade de vida qL1ando compa-
acentuada angústia, fazem parte dos critérios diagnósticos rado à obesidade sugerem alguma evidência na validade
estabelecidos pela DSM-IV Comorbidade com transtor- clínica do diagnóstico de TCAP.
nos afetivos, dependência de st1bstâncias e transtornos de
personalidade são relatados.
Os critérios diagnósticos do TCAP, segL1ndo o DS1v1- O tratamento do TCAP deve se basear na presença ot1
-IV, estão apresentados no Quadro 17.4. não das suas múltiplas associações, como as frequentes
O DSM-V (que deverá ser publicado em 2013) sugere co1norbidades psiquiátricas ou clínicas. A associação com
t1ma modificação 110 item D dos critérios diagnósticos quadros depressivos e/ou ansiosos pode definitivamen-
sugeridos. Propõe-se uma redução de frequência dos epi- te exigir a prescrição medicamentosa específica, assim
sódios de compulsão alimentar para pelo menos uma vez co1110 a comorbidade corn obesidade, diabetes mellitus ou
por semana por pelo menos três meses, semelhantemente hipertensão, pode ser determina11te 11a escolha do manejo
••
terapeut1co.
Segundo ensaios clínicos, em se tratando de diagnóstico
de TCAP na ausência da associação com 0L1tros transtor-
nos psiquiátricos, o tratamento de escolha é o tratamento
psicoterapêutico. A técnica comportamental-cog11itiva é a
A. Episódios recorrentes de compulsão periódica. Um
n1ais bem estudada e revela-se o padrão de referê11cia atual
episódio de compulsão periódica é caracterizado por
no tratamento do TCAP. Menos estudada, a psicoterapia
ambos os seguintes critérios:
interpessoal parece apresentar bons resultados. Contudo,
(1) Ingestão, em um período limitado de tempo (p.
combinação com orientações alimentares, como no pro-
ex., dentro de um período de duas horas), de uma
grama de tratamento comportamental para perda de peso
quantidade de alimento definitivamente maior que a
para indivíduos obesos co1n TCAP, tem se mostrado eficaz.
maioria das pessoas consumiria em um período similar,
De forma breve, o tratamento farmacológico do
sob circunstâncias similares.
TCAP objetiva o controle na impulsividade alin1entar e
(2) Um sentimento de falta de controle sobre o consumo
i11clui basicamente três classes de psicofármacos: os anti-
alimentar durante o episódio (p. ex., um sentimento de
depressivos, os estabilizadores do humor e os pron1otores
não conseguir parar ou controlar o que ou quanto está
de saciedade. Os inibidores seletivos da recaptura de se-
comendo).
rotonina, cujo representante mais conhecido é a fluoxeti-
B. Os episódios de compulsão periódica estão associados
na, é a classe mais ben1 estudada e parece ser a primeira
com três (ou mais) dos seguintes critérios:
escolha no tratamento farmacológico, embora ensaios
(1) Comer muito mais rapidamente que o normal.
clínicos de qualidade com sertralina e fluvoxamina reve-
(2) Comer até sentir-se incomodamente repleto.
lem opções terapêuticas. Ensaios clínicos mais recentes
(3) Comer grande quantidade de alimentos, quando não
sugerem que a prese11ça comórbida de obesidade torna
fisicamente faminto.
a sibutramina, agente promotor de saciedade de ação se-
(4) Comer sozinho, em razão do embaraço pela
rotoninérgica e noradrenérgica, L1ma escolha adequada.
quantidade de alimentos que consome.
Da mesma forma, o topiramato, agente estabilizador de
(5) Sentir repulsa por si mesmo, depressão ou demasiada
humor e anticonvulsivante, revela-se uma opção entre os
culpa após comer excessivamente. demais fármacos, favorecendo não somente o controle
C. Acentuada angústia relativa à compulsão periódica.
dos ECA, mas tan1bé1n auxiliando na perda de peso, se
D. A compulsão periódica ocorre, em média, pelo menos , .
necessar10.
dois dias por semana, por seis meses.
E. A compulsão periódica não está associada com o -
CONSIDERAÇOES FINAIS
uso regular de comportamentos compensatórios
Embora os transtornos do comportamento alimentar
inadequados, nem ocorre exclusivamente durante o
não ocorram exclusivan1ente em mulheres, sua alta pre-
curso de anorexia nervosa ou bulimia nervosa.
valência no sexo femini110, quando comparado ao mas-

160
Capítulo 17 - Transtornos alimentares em mulheres

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161
Transtorno disfórico pré-
-menstrual: abordagem
conjunta da ginecologia
e psiquiatria
Mara Solange Carvalho Diegoli
Renata Demarque
Mariana Bagar

INTRODUÇÃO Em 1987, definira1n-se características operacio11ais


Milhares de mulheres en1 idade reprodutiva apresen- com propósitos de diagnóstico e pesqLtisa para o que
ta1n sinton1as en1ocionais, cognitivos e físicos relacio- deno1ninaram transtor110 disfórico da fase l(1tea tardia na
11ados a seu ciclo n1e11strual. Apesar do questionamento edição re,1isada do DSM-111-R (III Ma11ual tle Diag11óstico
sobre essas quei.xas serem resultantes da vida n1oderna e Estatístico de Transtornos Mentais da Associação Psi-
cada vez mais estressante, Se1nonides (2600 a.C.), em quiátrica Americana), no qual a entidade aparece i11clusa
seu Essay 011 Wome11 , e Hipócrates (600 a.C.), no tra- em "categorias propostas 11ecessitando estudos adicio-
tado A doe11ça das virge11s, já descrevia1n as alterações 11ais': em razão da grande polê1nica entre grupos fen1inis-
de comportamento, as ideias de morte, as alucinações e tas qL1e se embatiam, co11siderando, de u1n lado, o avanço
os delírios resultantes da rete11ção do fluxo menstrL1al, via reconhecimento de sofrimentos gê11ero-específicos e,
111as foi so1nente en1 1931 que Robert Frank denon1inou de oulro, o receio de a classificação desse transtorno como
"te11são pré-n1enstrual" o conjL111to de sinto1nas que apa- doença servir para discriminação femi11i11a na sociedade,
recem algu11s dias antes da menstruação e desaparecem no trabalho e até nos seguros de sa(1de. 1·-'
con1 ela. ' Posteriorn1e11te, Katherine Dalton, e1n 1953, Em 1994, houve revisão e nova deno111i11ação no DSM-
n1odificou o termo "tensão" por "sí11dron1e", por co11cluir -IV, acrescida de critérios diag11ósticos operacionais para
qL1e esses sintomas representam, na realidade, uma ,·er- o tra11storno, que passou a ser nomeado TDPlvl (transtor-
dadeira síndrome com n1últiplas facetas físico-psíquicas no disfórico pré-me11strual), como un1 subtipo de trans-
• l
e comportame11ta1s. torno afetivo, considerado o padrão de referência para
Para a psiquiatria, a síndron1e é considerada recente. pesqL1isa e adotado pelo Food and DrLtg Ad111inistration
E1n 1983, o NIMH (Instituto Nacional de Saúde Me11tal :--Jeuropharmacology Advisory Comittee para regL1lar as
America110) pro1110,1eu um u1orksl1op em que se aprovou pesquisas e tratan1entos propostos. 1·-1
consensL1al1nente sobre a necessidade de se docume11tar Apesar de critérios diag11ósticos, na prática, n1uitos
en1 diário 30% OL1 1nais de mudança na severidade dos têm dificuldades en1 diferenciar o TDPM da SPM, porén1
sil1tomas, co1nparando-se à fase folicular e lútea do ciclo há diferenças importantes. 15
1nenstrual, ben1 como a necessidade de se observar L1111a A SP1v1 é um co11junto de sintomas físicos e psíquicos,
fase li,·re de sintomas em meados da fase folicular para com prevalência de 70 a 85% das n1ulheres. Nessa sí11-
diferenciar as síndromes pré-n1enstruais da exacerbação dro111e geraln1e11te prevalece111 si11ton1as físicos de leve,
de outras co11dições tan1bém crô11icas. 1 111oderada ou forte i11tensidade_h.-
A entidade clínica SPM (s1ndrome pré-menstrual) sur- O TDPivI, ten1a desse capítulo, apresenta prevalência
giLt na CID-9 (9J Classificação Internacional de Doenças) e de 1,6 a 6,4% e, embora possarn existir os sinto1nas físi-
110 CID-1 O ainda se 1na11tén1 restrita ao capítulo desti11ado cos, as queixas psíquicas são as 1nais releva11tes, caL1sando
às doenças gi11ecológicas, codificada e,n N 94. gra,1es prejuízos na ,,ida dessas 111ulheres. 0 -
Tratado de Saúde Mental da Mulher

ETIOPATOGENIA humor deprimido, impulsividade e náLtseas. Estudos têm


Diversas teorias já foran1 propostas para explicar a demo11strado baixa significati,,a de serotonina total, em
etiopatogenia do TDP!vl, porém ela ainda não está total- con1paração con1 co11troles 110s t'1ltimos dez dias do ciclo,
mente esclarecida. e a exacerbação de sinto111as quando ocorre depleção
de triptofano. 111 A resposta efeti,,a dos ISRS (inibidores
seletivos da recaptação da serotonina) também é uma
A principal hipótese vigente é qLte algLtmas mul11eres forte e\'idência do envoJ,,in1ento desse neL1rotransmissor.
são n1ais SLtjeitas a alterações de hu111or no período pré- Porém, ape11as cerca de 60% dos pacientes com TDPM
-n1e11strual, por un1a sensibilidade cerebral às tlL1tuações respondem ao tratamento com ISRS, o que aponta que
hor1nonais presentes no ciclo menstrL1al feminino, ou a serotonina de ma11eira isolada não é a única variável
seja, um mecanis1no psiconeL1roendócrino desencadea- etiológica e111 todos os pacie11tes TDPlvl. 2
do pela ciclo ovariano normal.s Essas 1nLilheres, 111esn10 Estudos 1nostram uma poss1,·el alteração da sensibi-
com 11íveis adeqL1ados dos horn1ô11ios go11adais, teria1n lidade do receptor SHTlA en1 n1L1lheres com disforia
maior prope11são a alterações no sisten1a nervoso central, pré-me11strual. 11 E11tretanto, as evidências aponta111 para
pri11cipal111ente 11a via serotoni11érgica, co111 as oscilações n1ecanismos múltiplos en,,olvidos 11esse tra11storno, e
l1or1nonais. A interação entre esses siste1nas é 1nL1ltifato- di,,ersos si11tomas asse1nelham-se 11ão apenas a quadros
rial e con1plexa, sendo i1nprovável qL1e um fator etiológico depressi,·os, mas tambén1 a quadros con1pL1lsi\'OS e até
• • •
sin1ples e t'111ico explique os sintomas do TDPM. n1esn10 ps1cot1cos.
I11vestigações a respeito da net1ro1nodulação ce11tral Ai11da pode haver algu111 papel do GABA (ácido gan1a-
pelos hor111ô11ios gonadais sobre os neurotransmissores -ami11obL1tírico ), o pri11ci1-1al neurotrans1nissor inibitório
e os siste111as circadia11os que inílL1enciam o humor, o na patogê11ese da SPM/TDPM; 110 entanto, a i1nportáncia
con1portan1ento e a cognição estão sendo realizadas para e intluê11cia do GABA ainda são indefinidas. Estudos
111aior elL1cidação desse processo. encontraram ní,,eis plasn1áticos de GABA redLtzidos du-
A função ovariana é um dos fatores biológicos de ra11te a fase lútea e111 111ulheres com TDPM. 3 Da n1es1na
grande relevância, u111a vez que a síndrome pré-111enstrL1al for111a, o envolvime11to pote11cial dos sisten1as de opiáceos
11ão aco11tece na puberdade, na menopausa e nos casos de e ac.ire11érgicos nessas desordens ainda tem de ser eluci-
ooforectomia. Outra evidência é a melhora dos sintomas dado. Alguns estudos demonstraram que un1a qL1eda de
dL1ra11te a gravidez. Há um possível papel do metabólito 11íveis de opiáceos 11a fase lútea tardia pode aun1e11tar a
ativo central da progesterona alopregnanolona na pato- irritabilidade, ansiedade, tensão e agressividade.~
gênese do TDPM. Parece haver L1ma relação entre as con-
ce11trações séricas de alopreg11anolona e a gravidade dos
si11ton1as pré-menstrL1ais, porém pesquisadores acredita1n Influências genéticas mediadas fenotipica1nente por
qLte n1L1ll1eres con1 TDPM são n1ais sensíveis a alopregna- meio de neurotransmissores e neurorreceptores parecem
nolona, independente1nente dos seLtS níveis sanguíneos ser bastante sig11ificati,ras na etiologia do TDPM. 2 Steiner
absolL1tos.6 e cols.' identificaran1 t1n1a relação entre polimorfismo do
O aL1mento dos 11íveis de testosterona ten1 sido obser- gene tra11sportador de serotonina e sev'eridade dos sinto-
vado e1n mLtlheres que relatam irritabilidade pré-n1enstrual 1nas no TDPM.
severa, embora un1 estudo tenha revelado níveis plasmáticos Huo e cols.6 ide11tificaran1 variação do alelo em ESRl, um
de testostero11a livre e total significativamente me11ores e1n ge11e do receptor alfa estrógeno em mulheres com TDPM.
pacie11tes de SPM em con1paração com controles saudáveis.
Há poL1ca evidência para o envolvime11to de outros fatores
endócri11os inclLtindo hormônios tireoidianos, cortisol, Algu11s alime11tos parecen1 ter importante implicação
prolacti11a, melatonina, aldosterona e endorfinas. no desenvolvimento dos si11tomas, co1110 chocolate, cafeí-
FILttuações de estrogênio e progesterona causa1n efeitos 11a, sucos de frutas e álcool.
in1portantes na 11eurotransmissão do sistema nervoso As deficiências de vitamina B6 e de magnésio são con-
central, especificamente nas vias serotonérgicas, noradre- sideradas, porén1, até o mon1ento, o papel desses nLttrien-
nérgicas e dopaminérgicas. No hipotálamo, o estrogênio tes na caL1sa Oll no tratamento não foi co11firmado. 3
induz uma t1utuação diária dos níveis de serotonina, en- As i11flL1ências an1bie11tais, a maneira de lidar e enfren-
qL1anto a progesterona au1ne11ta seu 1netabolismo. tar o estresse parece111 desempenhar um papel na n1ani-
A serotonina te1n sido o alvo predileto dos estudos festação e gravidade dos sintomas.
en1 ft1nção da semelha11ça dos sintomas do TDPM corn AbL1sos sexuais, principalmente na infância, tên1 efei-
os quadros depressivos. Dados rece11tes'I st1gerem qt1e as tos dLtradouros tanto psicológicos como na resposta fisio-
mulheres com transtornos de humor no período pré- lógica ao estresse.
-menstrual tên111íveis de serotoni11a din1inuídos, os quais De L1n1a perspectiva psicológica, mull1eres con1 sinto-
podem estar associados aos sintomas de irritabilidade, n1as pré-111e11struais tên1 estratégias n1enos eficazes para

164
Capítulo 18 - Transtorno disfónco pré-menstrual: abordagem conjunta da ginecologia e psiquiatria

lidar com o estresse. De uma perspectiva biológica, foram transtor11os de hu111or e de tra11stornos a11siosos. 2 Isso
encontradas respostas desreguladas cardiovasculares e porque, além de existir uma alta taxa de comorbidade
neuroendócrinas a estressares laboratoriais em mulheres entre o TDPM e outros transtornos psiquiátricos, o
com TDPM. 2 TDPM apresenta muitos sintonias também prese11tes en1
Os fatores sociais parecem exercer influência no agra- transtornos de humor, como episódio depressivo maior e
vamento de si11to1nas, não havendo estL1dos consistentes transtorno afetivo bipolar e sinton1as ansiosos.
que os relacionem etiologicamente ao TDP:rvI. Alguns achados que corroboram que o diagnóstico de
TDPM seja considerado un1a entidade clínica única:
QUADRO CLÍNICO • o início e o alívio dos sinto1nas estão intima1nente liga-
O TDPM acomete geralmente 111ulheres e11tre 25 e 35 dos à fase lútea do ciclo menstrual;
anos e se caracteriza pela recorrência cíclica, durante a fase • o componente genético do TDPM parece ser distinto
l(1tea, de si11tomas somáticos, comportamentais e de ht1mor de outros transtornos de humor;
e1n primeira instância, sendo a11siedade, labilidade afetiva, • algumas características de resposta ao tratamento,
si11to111as depressivos, tensão, irritabilidade, ira, distúrbios con10 Lima maior especificidade por drogas que agen1
do apetite e do sono os 1nais frequentes. 5•7 Tais sintomas são no sistema serotoninérgico, eficácia terapêutica mesmo
tão se,,eros que prejL1dicam o funcio11amento social, ocu- com admi11istração intermitente da medicação, rápido
pacional, escolar e familiar. 6 Além disso, estão relacionados início de resposta ao tratan1ento, resposta con1 doses
diretan1ente às fases do ciclo pré-n1enstrual e podem durar, baixas e rápida recorrência dos sintomas, se interrup-
tipicamente, de cinco a quinze dias. Ern geral, pioran1 com ção do tratamento;
a proximidade da menstruação e cessam de forma imediata • os sintomas desaparecem con1 a cessação do funciona-
ou logo depois do i11ício do fluxo 1ne11strual. 5·6·- mento ovariano normal (menopausa, gravidez).
É i111porta11te frisar que esses sintomas 11ão de,·e111 ser
apenas exacerbação de outra doença. Ainda não existe consenso entre os investigadores so-
,
bre o 1nelhor instrumento para confirmar o diag11óstico
DIAGNOSTICO OLl para quantificar a resposta ao tratamento. 5 Uma das
Estabelecer o diagnóstico de TDPM pode ser difícil maneiras é a realização de gráficos diários dos sintomas.
porque os critérios são abrangentes; alé1n disso, não l1á As mulheres co1n TDPM devem ter u1n intervalo livre de
exames laboratoriais ou físicos que sejam confirmató- sintomas da menstruação à ovulação. Embora não haja
rios. 1.4 Um dos fatores cruciais para que seja estabelecido esse consenso sobre o melhor instrumento, duas escalas
o diagnóstico é descartar que o paciente não esteja apre- são validadas: o COPE (calendário de experiências pré-
sentando apenas uma exacerbação de doença clínica ou -menstrual) e o PRISM (registro prospectivo da severida-
transtorno psiquiátrico preexistente.º A utilização dos de da menstruação). 3
critérios do DSM-IV (Quadro 18.1), em associação ao
preenchimento de diários prospectivos por pelo me11os DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
dois ciclos 1nenstruais consecutivos, é, atL1almente, o mé- O TDPM deve ser diferenciado da SPM, que é caracte-
todo diagnóstico mais utilizado, aliado a: rizada pelo conjunto de sintomas físicos ( cefaleia, mastal-
• anamnese objetiva com tàmiliares i11vestigando sintomas, gia, alterações de apetite, edema) e psíqt1icos ( tristeza, ir-
duração, curso, fatores precipitantes e de risco, tratamen- ritabilidade, tensão e sintomas depressivos), inicia de L1m
tos prévios, história fru11iliar psiquiátrica e ginecológica; a quinze dias antes da n1enstruação e se classifica segu11-
• a11a11111ese clínica: excluir doe11ças de tireoide; do a intensidade dos sinto1nas em leve, moderada ou
• anamnese ginecológica: exclL1ir possíveis doenças gine- severa. 6 Na maioria das ,,ezes, essas pacientes aca-
cológicas qL1e possam causar si11ton1as pré-menstruais, bam buscando trata1nento em serviços de ginecologia
como endometriose e doença mamária fibrocística; (Tab. 18.1).
• a11an1nese psiquiátrica: exclL1ir possíveis co1norbidades Tarnbém é preciso fazer o diagnóstico diferencial (Qua-
ou transtor11os prin1ários que apresentan1 exacerbação dro 18.2) entre o TDPM e outras condições médicas. 3 Du-
110 período pré-me11strual como tra11stornos de an- ra11te o período pré-n1e11strual, pode ocorrer exacerbação
siedade, fobias, depressão unipolar, transtor110 afetivo de si11tomas de patologias, tais co1no síndrome da fadiga
bipolar, transtornos ali111entares, transtornos de perso- crônica, fibromialgia, síndrome do intestino irritável, en-
11alidade e epilepsia do lobo temporal; xaqL1eca, dismenorreia e epilepsia. 3·7 Doenças clínicas que
• uso de medicamentos; possam ser confundidas com TDPM geralmente poden1
• avaliação nutricio11al: uso abusivo de cafeína, álcool, ser descartadas pela anamnese, exame físico e outras inves-
sódio. tigações perti11entes.
U111a das características 1nais importantes para que seja
Ai11da existen1 questio11amentos sobre o diagnóstico realizado o diagnóstico diferencial é a cíclicidade desses
do TDPM como u1na entidade clínica distinta de outros si11ton1as. 5 i\O contrário de outros transtornos afetivos, 110

165
Tratado de Saúde Mental da Mulher

A . Os sintomas devem ocorrer durante a semana anterior à menstruação e remitir poucos dias após o início desta. Cinco
dos seguintes sintomas devem estar presentes, e pe o menos um deles deve ser o de número 1, 2, 3 ou 4:
1. Humor depr1m1do, sentimentos de falta de esperança ou pensamentos autodeprec1ativos.
2. Ansiedade acentuada, tensão.
3. S1gn1f1cat1va instabilidade afetiva.
4. Raiva ou 1rntab11tdade persistente e conflitos interpessoais aumentados.
5. Interesse diminuído pelas at1v1dades habituais.
6. Sentimento subJet1vo de d1f1culdade em se concentrar.
7. Letargia, fadiga fácil ou acentuada falta de anergia.
8. Alteração acentuada de apetite, excessos alimentares ou avidez por determinados alimentos.
9. H1person1a ou insônia.
1O. Sentimentos subjetivos de descontrole emocional
11 . Outros sintomas físicos, como sensibilidade ou inchaço das mamas, cefale1a, dor articular ou muscular, sensação de ganho de peso.
B. Os sintomas devem interferir ou trazer preJuizo no trabalho, na escola, nas at1v1dades cotidianas ou nos
relacionamentos.
e. Os sintomas não devem ser apenas exacerbação de outras doenças.
D. Os critérios A, B e C devem ser confirmados por anotações prospectivas em diário durante pelo menos dois ciclos
consecutivos.

• Prevalência: 75 a 80% • Prevalência: 1,6 a 6,4%


• Grande número de sintomas físicos • Sintomas de humor são os mais prevalentes e mais
• D1agnóst1co geralmente por g1necolog1stas correlacionados com preJuízos no funcionamento social,
• CID-1 O (N 94) profissional e familiar
• Sintomas de ansiedade, irritabilidade e labllidade do humor
• D1agnóst1co geralmente por ps1qu1atras
• DSM-IV

da menstruação. Além disso, esses si11tomas de hun1or


• Desordens auto1munes 11ão ocorreren1 na ausência de un1 ciclo 111e11strual, co1110
durante e,·e11tos reprodutivos: gra,,idez ou n1e11opausa. ,.(,
• Anemias
Distingt1ir ·rDPNl de exacerbações de tra11stor11os psi-
• H1pot1reo1d1smo ., . , . ,.
qt11atr1cos pre, 1os e 1n1porta11te porque, con1 o tratan1e11to
1

• D1smenorre1a
da condição pri1nária, os si11to111as pré-111enstruais, mt1itas
• Endometriose ,,ezes, ren1 item.~
• Cefaleia
• Síndrome do colo irritável FATOR,ES DE RISCO
• Epilepsia Poucas ,,ariáveis estão associadas a u111 risco aumenta-
• Uso abusivo de etílicos e substâncias ilícitas do para a SPM ot1 TDPtv1.
• Transtornos psiquiátricos (principalmente transtorno
depressivo, transtorno afetivo bipolar, transtorno
Apesar de o i11ício precoce da doença estar associado a
ansioso e transtornos de personalidade)
uma maior se,·eridade dos sinto111as, a experie11cia clínica
sugere que 111ulheres mais velhas, especialn1e11te 1nultí-
TDPM os sintomas de ht1n1or só estão presentes em um paras, poden1 ser 111ais prope11sas a relatar si11to111as n1ais
período específico de ten1po, durante a fase lútea do ciclo gra,,es. No e11ta11to, é possível que rnulheres n1ais jovens
111e11strt1al, e apresenta111 total resolução nos pri111eiros dias estejam en1 LISO de trata111entos hor1nonais para controle

166
Capítulo 18 - Transtorno disfórico pré-menstrual. abordagem conjunta da ginecologia e psiquiatria

da 11atalidade, o que redLtziria a gravidade de possíveis associação positiva para an1bos, 12 a 69% para o pri111eiro
. , .
s1 nton1as pre-1ne11strua1s. e de 29 a 66% para o segundo. Poré1n, a exata causa desse
acl1ado per1na11ece incerta. Para esses autores, pode ha,,er
algu11s i11di,,1dt1os qt1e são n1ais prope11sos a desen, olver
1

A relação e11tre 11í\·el de escolaridade e TDPM ten1 sido sintomas emocio11ais na vigência de eventos reproduti, os. 1

estudada, corn resultados cont1itantes. Er11bora mull1eres A serotoni11a e o eixo hipotálamo-hipófise-gonadal têrn
co111 111aiores níveis de escolaridade sejan1 mais propen- intlt1ência bidirecional um sobre o outro. Esse tàtor, e111
sas a relatar si11ton1as pré-1nenstrL1ais, em um estudo mulheres vul11eráveis, pode criar um caminho comun1
realizado em mulheres na pré-111enopausa, 1~ o TDPM foi possível para o desen, olvimento desses transtornos.
1

associado a baixos níveis de edL1cação. Provas adicionais


da n1esn1a amostra sugerem que esse efeito pode ter sido
resultado da elevada comorbidade de TDPrv1 con1 trans- Esses tra11stor11os apresenta1n características co1nu11s,
torno depressi\'O n1aior. con10 a ciclicidade de seus sintomas e o fato de ambos
sere111 fatores de risco para a ocorrência de transtornos de
hL1n1or 110 período puerperal. Porén1, a literatura existe11te
Outra correlação clí11ica importante do TDPNl é o até o 1nomento sobre a associação de transtorno afetivo
estresse diário. Vários estudos têm mostrado uma associa- bipolar e TDPM aprese11ta rest1ltados contlita11tes. 1' Ai11-
ção entre a SPM/TDPM e e, entos estressantes, inclui11do
1 da 11ão se sabe ao certo se os sintomas, quando prese11tes,
abuso sexual 110 passado. 2 são decorrentes da comorbidade desses dois tra11stor11os
História pessoal de episódio depressivo n1aior, princi- OLl ape11as da exacerbação dos si11tomas de tra11stor110
pal1ne11te qua11do relacionado a fases da vida reproduti,,a, afeti,10 bipolar no período pré-menstrual. Em estt1dos en1
tais como a depressão durante a gravidez ou no período que a cornorbidade é encontrada, as taxas varian1 de 11 a
pós-parto, ta111bém pode estar associada a L1n1 risco au- 60°10, dado qt1e 111ostra a i11co11sistê11cia desses achados.
mentado de TDPM. Joffe e cols. <> realizaran1 un1 estudo para avaliar a preva-
Aproxin1ada1ne11te 70º1> das mulheres com TDPM tê1n lê11cia de disfu11ção do ciclo 111enstrual en1 três grupo5 de
história pré, ia de algun1 tra11storno psiquiátrico, princi-
1
1nulheres com: ( 1) tra11storno bipolar, (2) a depressão tini-
pal111ente transtor11os de hu111or. polar ou (3) 11e11hun1a doença psiqt1iátrica. Foram coletados
Algun1as 111ulheres apresentam antecedente de tentati- dados sobre variáveis den1ográficas e clínicas, i11clL1indo a
vas de st1ic1dio, tra11stornos de ansiedade, transtornos de história menstrual e a idade de início da doença.
personalidade e abuso de substâ11cias. Disfunção n1enstrual de início precoce foi relatada,
retrospectivamente, por 1O1/295 mulheres com doe11ça
bipolar (34,2%), 60/245 mt1lheres com depressão (24,5%)
A história fan1iliar de TDPM tambén1 parece aume11tar e 134/619 co11troles saudáveis (21,7%). Após ajuste para
o risco de desenvolver o tra11stor110. U1n estudo recente idade, índice de n1assa corporal, et11ia, idade da menarca,
n1ostra uma possível associação de variações alélicas no nível edL1cacio11al e sitt1ação ocupacional, as mulheres co111
gene do receptor a de estróge110 (ESR 1), em mulheres doença bipolar aprese11taran1 1,7 vez mais cha11ces de i11í-
co1n TDP11. Estudos con1 gên1eos e fan1ílias demo11stra- cio precoce de irregularidade menstrual qua11do compara-
ra1n ha,·er u111a hereditariedade nesse transtorno. das a co11troles saL1dá\•eis. Esse estudo indica que n1ulheres
con1 doença bipolar, principalmente ti1-10 I, parecen1 ser
COMORBIDADES 1nais propensas a relatar irregularidades rnenstruais qL1e
Segundo o DSM-IV, para que seja realizado o diag11ósti- as mL1lheres da população geral. No e11ta11to, as 1nulheres
co de TDPM, os sintomas não devem ser 111eran1ente uma com depressão u11ipolar não parecem apresentar risco au-
exacerbação de outro transtorno. Esse critério aumenta n1entado de disfL1nção me11strual de inicio precoce.
o desafio de realizar o diagnóstico en1 mulheres con1 A irregularidade menstrual ocorreu antes do i11ício da
tra11stornos 1-1siquiátricos que se queixa1n de si11ton1as pré- doença nas mulheres incluídas nesse estudo, porta11to é
-menstrL1ais. Nessa circunstâ11cia, nem sernpre é possí,·el possível exclt1ir n1edican1e11tos como u111a possível causa
diferenciar se esses sinton1as são n1ais ben1 definidos como de irregularidades menstruais para essas mulheres. Essas
decorrentes de Ltma exacerbação pré-n1enstrual do tra11s- conclusões le\•antam a hipótese de que as alterações 110s
tor110 psiqL1iátrico de base OLl se é mais necessário descrever siste111as de neurotrans111issores associadas ao tra11storno
essas duas condições co1no e11tidades clínicas comórbidas. bipolar també111 podem afetar o fu11cio11a1nento do eixo
l1ipotálamo-hipófise-gonodal.

Ki111 et al, 11 en1 urna revisão realizada en1 2004, i11ves-


tigaran1 a associação de de1-1ressão L111ipolar e depressão Na 111esn1a re,·isão, estudos mostrararn que a co111orbi-
pós-parto co111 TDPM. Oi,·ersos estudos aprese11taran1 dade com transtornos ansiosos tambén1 esta presente e e

167
Tratado de Saúde Mental da Mulher

rele,1a11te. As taxas ,,ariara111 de 19 a 23°10 para fobia social,


11 a l 3<to para tra11storno obscssivo-compL1lsi,·o, 4 a 38°10 Recentemente, os a11tidepressi,·os inibidores seleti,·os
para tra11stor110 de ansiedade generalizada e aproxi111ada- da ISRS forar11 i11trodL1zidos no tratan1e11to da ·rr)Plv1,
n1e11te 25°10 para transtor110 do pânico. sendo considerados atualn1ente o padrão de referê11cia.
;v1esn10 na , igência de u111 diag11óstico de eixo I, se E1n 2007, \\.)·att e cols. s fizera111 un1a reYisão siste1nàti-
sinto1nas 110,·os surgiren1 110 período pré-menstrL1al, ca da utilização dos ISRS en1 111t1l}1eres con1 TDP~l. ~esse
particularmente irritabilidade e sinton1as somaticos, a co- estudo, foran1 selecionados 15 trabalhos, todos ra11do-
morbidade com TDPM de,,e ser considerada. No enta11to, n1izados e placebo-controlados. O estudo, co11te11do 844
poucos estt1dos dão importâ11cia a essa possibilidade e mulheres, concluiu que existe alta efeti,·idade dos ISRS 110
pesquisam seL1s aspectos psicopatologicos e respostas a trata111ento do ·rDP~I. tanto dos si11to1nas psíquicos con10
tratamentos. A con1orbidade e11tre u1n tra11storno de eixo I dos si11to1nas físicos e con1porta1nentais, s se11do que o
e TDPM aun1e11ta a gra,,idade do primeiro, ben1 con10 resultado total da diferença n1édia-padrão para a redução
o torna essas pacientes mais resistentes aos tratamentos da si11tomatologia a fa,·or dos ISRS foi de - 0,75 (95° 0 cor11
1

. .
i11ter,·alo de co11fia11ça de - 0,98 a - 0,51 ).
cor1venc1ona1s.
Ai11da, de acordo con1 \\'yatt, ' o índice de aban<.io110
TRATAMENTO do tratamento por causa dos efeitos colaterais foi n1aior
O tratamento do TDPM de,'e ser iniciado com as 110 grupo tratado <.io que no grL1po que ton1ou o placcbo.
orie11tações gerais, que pode111 ser dadas na pri111eira co11- E11tre os efeitos colaterais aprese11tados, os n1ais frequen-
sulta enqua11to se aguarda o retorno da paciente, com o tes fora111 insônia, fa<.iiga, náusea, distL1rbios gastroi11testi-
gráfico preenchido, confirma11do o diagnóstico. As orien- 11ais, diminuição da libido, dor de cabeça, palpitação, boca
tações gerais , isan1 tra11quilizar a mulher e 111udar alguns
1 seca, disforia, s011olê11cia, bocejos, tren1ores 11as 111àos,
hábitos de ,,ida, com o objeti,·o de reduzir a i11tensidade distúrbio alin1e11tar, sedação, ,•ertigem, ansiedade, co11fu-
da si11tomatologia. são, aun1ento da frequência L1ri11ária, sudorese.
E1nbora algu11s trabalhos te11!1a1n demo11strado redu-
ção ta11to dos si11ton1as psíquico como físicos, Halbreich
• Eli111inar medos, expectativas e cre11ças a respeito da e cols., utilizando a sertralina, e Diegoli e cols., · usando a
1nenstrt1ação e do ciclo menstrual. tluoxeti11a, en1 estt1do duplo-cego, cruzado com o placebo,
• Orientar a 111ulher sobre a necessidade de 111udar o estilo verificaram que esses antidepressi,·os atuaran1 melhor 110s
de vida e a rnaneira de lidar co1n os problen1as do dia a sinto111as psíquicos do que nos sinton1as físicos, tais con10
dia, evita11do não son1e11te ton1ar decisões importa11tes a cefaleia.
110s dias que antecedern a menstruação, 111as tambén1
situações de estresse que agra,·ariam os sintomas. 5
• Aconselhar sobre as , 1antagens de praticar exerc1cios Entre os ISRS, a tluoxetina é a <.iroga mais estt1dada até
físicos OLt atividades esporti,,as. O exercício físico é a prese11te data. A dose utilizada 11a 111aioria dos trabalhos
de grande ,,alia na terapia do TDP:Vl, pois, além de foi de 20 n1g por dia, podendo ,1ariar de 1O n1g até 60
reduzir os si11tomas depressivos, ele atuaria liberando n1g/dia,~0 sendo qL1e dosagens n1aiores provocara111 1naior
endorfinas. índice de abandono do trata111e11to e111 ,,irtude dos efeitos
• Alterações nos hábitos ali1ne11tares.6 O papel dos fatores colaterais.
nutricionais 110 TDPwl foi descrito pela prin1eira ,,ez em f.111bora a fluoxet111a atue e111 111édia re<.lL1zindo a si11to-
1944, com base na obser,1ação de que as pacie11tes con1 111atologia em 62 a 65,4qo, ·· a eficácia do n1edican1e11to
TDPM consun1iam mais açúcar refinado e carboidrato. varia de acordo con1 o sinto111a a11alisado. Diegoli e cols., "
O objetivo principal desse trata1nento é a gradual aqui- avaliando a ação da fluoxetina sobre os diferentes si11to-
sição de 1nelhores hábitos nutricionais e a retirada de mas, obser, aran1 que a fluoxeti11a atuoL1 principalme11te
1

fatores que possan1 agravar a si11ton1atologia: 110s sintomas psíqL1icos, tais con10 irritabilidade, agres-
- redução da cafeína pode din1inuir a cefaleia, a insô- sividade, labilidade en1ocional e choro fácil, e foi menos
nia e a a11siedade; eficie11te nos si11ton1as físicos, tais co1110 cefaleia, ede111a,
- restrição na ingestão de sal dimi11L1i a retenção hí- n1astalgia e cólica.
drica e, portanto, o eden1a; E11tre os efeitos colaterais obser,·ados, estão alterações
- restrição de açúcar refinado diminuiria a liberação 110 ritmo do so110, dor no estô111ago, e11joo, sonolê11cia,
de insuli11a, da cetose e da retenção de sódio e água bocejamento, din1i11uição da libido, cefaleia e, rnais rara-
pelos rins, respo11sáveis pelo ede1na; n1ente, tremores de extren1ida<.ies.
- restrição de bebidas alcoólicas. A ansiedade e a
tensão podem pron1over aumento na ingestão de
etílicos 110 período pré-111enstrual. Wyat e cols. fizera111 uma re, isão sisten1ática de todos
i; 1

• Reduzir o estresse e o acúmulo de ati,,idades. os trabalhos que L1tilizaran1 a sertrali11a e selecionara111

168
Capítulo 18 - Transtorno disfórico pré-menstrual: abordagem conjunta da ginecologia e psiquiatria

cinco deles; esse 1nedican1e11to foi t1tilizado em 364 mulhe- progesterona, e obser,'aram que o alprazola111 foi estatisti-
res, e111 doses que \'ariaran1 de 50 a 150 n1g. Segundo esses ca1ne11te superior a an1bos. Ainda segu11do esse trabalho,
autores,- a sertralina apresentou redução média da sinto- 13º-1> das pacientes apresentaram efeitos colaterais, se11do
matologia de - 0,53 (95°10 co111 i11ter\•alo de confidência que fadiga, 111astalgia, i11sônia e depressão fora1n os mais
de 0,73 a - 0,33). Halbreich e cols.,9 em estudo duplo-cego freqt1entes. Esse at1tor obteve rnelhora acima de 50°10
randon1izado, encontraran1 índices de melhora que varia- en1 37°10 das pacie11tes que ton1aram alprazolan1, 30°10
ram entre 50 e 63º-1> para a sertralina e entre 26 e 45% para que usara111 o placebo e 29% do grupo da progesterona.
o placebo. Ai11da, segundo esse estudo, a sertralina atuot1 Piora da sintomatologia foi observada en1 7% do grL1po
melhor 110s si11to111as psíquicos e co1nportan1entais do qt1e do alprazolan1, 28% do placebo e 23% da progesterona.
nos físicos. En1bora o tratan1e11to tenha sido ben1 tolerado, O alprazolan1 111ostrou-se mais favorável em relação aos
. ' .
algt1mas pacientes apresentaram os segt1i11tes efeitos cola- sintomas ps1qt11cos.
terais: cefaleia (15,4%), nát1sea (12,5%), insônia (11,8%), Diegoli e cols. 9 t1tilizaram o medicamento em 111ulhe-
diarreia (10,3%), boca seca (10,3%) e decréscimo da libido. res co1n SPM intensa, e111 estudo duplo-cego randon1iza-
A sertralina, segu11do a literatt1ra, pode ser admi11istra- do, e e11co11traran1 redução da si11tomatologia en1 55,6%
da de forma contínua ou i11ter1nite11te (ape11as 11a fase lú- con1 o tiso do alprazolan1, contra 41, 1% do placebo, sendo
tea do ciclo) se1n diferença estatística e11tre as duas forn1as qt1e os sinto1nas em que o alprazolam n1ais att1ot1 fora111
de ad1ni11istração. 1" enjoo, insô11ia, tontura e taquicardia. As doses utilizadas
do alprazolan1 pode111 \1 ariar de 0,25 mg a 0,75 n1g por dia,
Parnvatin::i somente na fase h.'.1tea do ciclo.
Eriksso11 t1tilizou a paroxetina nas dosage11s de 10 a 30 Entre os efeitos colaterais mais importantes dos a11-
mg/dia,10 com boa resposta. A paroxetina foi 1nais eficien- siolíticos estão a dependência, a redução dos reflexos
te na redução dos si11ton1as psíqt1icos, principalme11te 11a n1otores e, a l011go prazo, preJuízos cognitivos. Esses efei
ansiedade. Os efeitos colaterais mais obser\·ados foram tos colaterais devem ser considerados ao se prescrever o
aume11to do peso e so11olência. 1nedicarnento, pois a mulher con1 TDPM co11tinua en1
plena atividade.
Ami+.,.:... +:1:,, '.:3
En1bora exista1n poucos trabalhos na literatura sobre o
uso da a1nitriptilina para tratan1e11to do TDPM, esse me- Os horn1ônios são utilizados no tratame11to do TDPM
dicame11to ven1 sc11do n1t1ito t1tilizado na neurologia para há r11ais de três décadas, con1 resultados co11traditórios.
tratan1e11to de pacientes com dores crô11icas, tais como Embora a 111aioria dos trabalhos na literatura cite a utiliza-
fibromialgia e cefaleia persiste11te. O uso da amitriptili11a ção destes de forma cíclica, o uso de forn1a co11tínua (con1
em dosage11s que varian1 de 12,5 a 75 1ng/dia \rem se11do o objeti\ro de i1npedir a menstruação) tem demo11strado
utilizada no an1bulatório de SPM do Hospital das Clínicas gra11de eficácia.
de São Paulo como u111a ótima alternativa para tratar as
pacientes com predo111i11â11cia de sintomas físicos, entre Pílula anticoncepcional contendo 0,02 mg
eles a cefaleia, qt1e a~1arece geralmente 24 a 48 horas antes 3 ..... ,.,, "º drnç , ,.... ·.- ·--11
e+: ... :i,..,c:t.,. ..":~ 1 '"Om
da n1enstruação e persiste até o fim desta. A associação do etinilestradiol (0,02 1ng) com drospi-
A dose i11icial deve ser 12,5 n1g, à noite; após alguns re11011a (3 n1g) administrada diariamente por 24 dias, com
dias, essa dose de\•e ser au1nentada para 25 n1g, podendo inter\ alo de quatro dias sen1 medicação, pode ser utiliza-
1

permanecer r1essa dosagen1, OLL passar para 50 mg ot1 tia no trata1ne11to do TDPM e1n pacientes qt1e desejan1
75 mg/dia, se necessário. Entre os efeitos colaterais da anticoncepção.
amitriptilina, os n1ais freque11tes são a sonolência, boca Fe11ton e cols. 1 fizeram uma revisão sistemática dos
seca, co11stipaçào, at1n1e11to do apetite e do peso. Em altas trabalhos conte11do etinilestradiol associado con1 dros
doses, pode ocorrer prolongamento dos intervalos PR e pireno11a e selecio11aran1 dois trabalhos duplos-cegos,
QT, e alargamento do co111plexo QRS. randon1izados, placebo-controlados, n1ulticêntricos.
O prin1eiro trabalho foi realizado por Kin1berly e cols.
e . ,• ""lr'I+•·..i ---,-,.rr,,,nr
1 ' . ' '

con1 449 1nulheres, en1 estudos paralelos, e o segundo,
O citalopran1,~1 o escitalopram, a bupropiona, a fluvo- por Pearlstei11 com 64 n1t1lheres, duplo-cego, cruzado. No
xa111ina, a venlafaxi11a e a duloxetina também vên1 sendo primeiro trabalho, das 449 mulheres, 126, ou seja, 1nais
utilizados no trata111e11to do TDPM, co111 resultados supe- de 30,6%, aba11do11aran1 o trata111ento. Some11te 69,4%
riores aos do placebo. ,, das pacientes que utilizaram a associação drospirenona/
esti11ilestradiol con1pletaran1 o estudo, e 76,6% das pa-
cie11tes qt1e ton1ara111 o placebo. Foi observada redução de
Freen1an e cols. co111pararam o alprazolam em es- - 37,49 da sintomatologia no grupo que usou o hormô11io,
tudo dLtplo-cego randon1izado, com o placebo e com a comparado co1n - 29,99 no grupo qt1e to1nou o placebo.

169
Tratado de Saúde Mental da Mulher

No segundo trabalho, 23 das 6-! n1ulheres (36° 0) abando- 1 Os n1edican1entos mais Lltilizados para essa fi11alidade são:
naran1 o tratan1ento, en1 razão dos efeitos colaterais, se11- • acetato de 111edroxiprogesterona;
do <-1ue o mesmo trabalho obte\·e un1 total de alteração 110 • desogestrel adn1inistrado por \'ia oral, de for111a con-
,
escore de - 22,94 po11tos con1 o trata1ne11to ativo e - 10,46 t1nL1a;
pontos con1 o placebo. • implante subcutâneo de etonogestrel;
A conclt1são dos autores é de que a associação da • dispositi,·os i11trauteri11os com le,,onorgestrel;
drospire11ona co111 o etinilestradiol foi 111ais efetiva do qtie • anticoncepcionais, contendo 11a formulação o estro-
o placebo para a melhora dos sinton1as pré-n1enstruais, gê11io associado ao progestagênio, ad111inistrados de
reduzindo principal111ente os sintomas físicos (cólica, ede- forn1a contí11ua;
111a e n1astalgia) e111 \'eZ dos psíquicos e comportamentais. • a11álogos do Gn RH;
Ai11da, segt111do os autores, 51,1 °10 do grupo qtie ton1ou • ot1tros: os i1npla11tes st1bcutâneos utilizando estrogê-
o l1ormônio ti\1eram efeitos colaterais, contra 30,3°10 do 11ios, progestagênios e androgê11ios.
grt1po placebo. Entre os efeitos colaterais do grupo qL1e to-
1nou etinilestradiol associado co1n drospirenona, os n1ais Todos esses medican1entos pode111 causar efeitos adver-
frec.1t1entes foram 11áuseas, sangramento inter111e11strual e sos decorrentes não somente da grande quantidade de
astenia. Os autores ainda observara111 qL1e quatro n1ulhe- horn1ônio administrado para bloquear o eixo hipotála-
res que receberan1 a medicação apresentaran1 altos ní,,eis 1no-hipófise-O\'aria110, mas também en1 razão da ausê11-
de potássio (> 6,0 n1Eq/L), en1bora 11ào tenham tido cia do horrnônio e11dógeno, que em n1L1itos casos acaba
taqt1icardia, palpitação, bradicardia, to11tura ou sí11cope. leva11do ao abando110 do 111étodo. Os efeitos colaterais de
Segu11do Vigod e cols. os hormônios somente de,·en1 cada n1étodo variam de acordo co,11 a droga utilizada e
ser ad111i11istrados en1 1nulheres co111 TDPi'vl que desejem a qua11tidade adn1i11istrada, mas todos eles poden1 pro-
. '
anticoncepção, pois existe o risco de tron1bose , e11osa 1 ,·ocar, em maior ou menor grau, sangramento co11t1nuo,
proft111da, en1bolia pulmonar e l1ipertensão arterial. Esse irregt1lar e prolonga<.io, au111ento do peso, retenção hídri-
tipo de tratame11to não está i11dicado para 111ulheres hi- ca, ac11e, irritabilidade, dores de cabeça e, mais rarame11-
perte11sas, fu1nantes, com idade SL1perior a 40 anos e con1 te, hipertensão (quando o estrogê11io está associado ao
história prévia de tro111bose. progestagênio). Alén1 disso, o bloqueio dos ovários pode
acarretar sintomas típicos da mulher n1enopausada, tais
Progesterona e progestagenios administrados como din1inuição da libido, aun1ento do peso, falta de lu-
;~- ,_ -'~m"'""',... "'"l l-.rri ,,,,.,.,.._ ... ,.J'l rir/n brificação vaginal, ressecan1e11to da pele e, a longo prazo,
O t1so de progestero11a e progestagênios na segL111da tàse din1inuição da massa óssea.
do ciclo ten1 sido larga1nente aplicado no tratamento do E1n razão dos efeitos colaterais citados e da grande
TDPi'vl, mas segundo re,isão da literatura feita por \V') att e 1
dificuldade e1n se conseguir a i11terrt1pção da menstrua-
cols.,' 1 não existe diferença clínica i111porta11te entre a pro- ção nos ~1ri1neiros meses de tratan1ento, esses n1étodos
gestero11a e o placebo..:\i11da segL1ndo \\')'att e cols., hot1,,e somente de,,em ser utilizados após a conscientização
u111a pequena diferença a fa,,or dos progestagênios sobre o das va11tagens e des,·antagens do LISO da medicação de
placebo, se11do qt1e os progestagênios atuaran1 melhor nos forn1a contí11ua, qua11do os sinton1as físicos (tais como a
si11to111as físicos do que 110s sintomas cornportame11tais, cefaleia) fore1n intensos ou quando a mulher optou por
con1 P < 0,0001. Entre os efeitos colaterais e11co11trados, a i11terro1nper a me11struação.
sedação e a fadiga fora111 os mais referidos. Nos parágrafos segL1i11tes, são descritos os 1nétodos
mais L1tilizados para bloqt1ear a menstrL1ação, st1as vanta-
Uso dos hormônios de forma contínua, com o gens e des\·a11tagens:
ob1e+:,,,.. r'"' :... +orrnm,.,,.. .. ... (TI,..,.,,,..,. ..,, ... ,..:;,..
A interrupção da menstruação por meio do LISO de Acetato de medroxiprogesterona
horr11ônios de for111a contínua é um recurso utiliza<.io A utilização do acetato de n1edroxiprogesterona 11a
para tratar as pacientes con1 predon1ínio de sinton1as dosagem de 150 mg intramuscL1lar a cada três meses pode
físicos, de forte i11tensidade, tais como a cefaleia. Embora ser útil e111 n1L1lheres co1n idade superior a 40 anos e que
exista111 atL1almente vários n1edicamentos que interfira1n desejem tàzer a11ticoncepção, n1as pri11cipalmente e111
r1a 111e11strt1ação, podendo provocar a111enorreia, a ação pacientes en1 aco1npanhamento 11eurológico OLt psiquiá-
destes ,,aria confor1ne a n1edicaçào t1tilizada. Outro dado trico e que apresenten1 exacerbação da sintomatologia no
in1portante é qL1e os medicame11tos podem levar de três período pré-menstrual.
a doze n1eses para prO\'Ocaren1 a ame11orreia, e, 110s pri- E11tre os efeitos colaterais mais in1portantes estão: san-
111eiros ,neses da admi11istração, podem ocorrer sangra- grame11to co11lÍnL10 ou irregularidade menstrL1al, aumento
111e11tos irregulares, às vezes abundantes, que acarreta1n o do peso (2 a 10 kg), di111inuição da libido, acne, sedação,
aba11do110 do n1étodo. Após doze n1eses, poden1 ocorrer dores de cabeça, cólicas, i11chaço e dores nas per11as. Nos
pe<.JLienas perdas sanguí11eas (spoti11g). casos em que ocorrer sangramento prolo11gado, pode ser

170
Capítulo 18 - Transtorno disfórico pré-menstrual: abordagem conJunta da g1necolog1a e psiquiatria

necessária a interrL1pção da medicação ou a adn1inistra- to, sua utilização pro,,oca hipoestrogenismo, aumento do
ção de estrogê11io. peso, cefaleia e redução da de11sidade óssea, o qL1e tor11a
desaconselhável sua Litilização por períodos superiores a
. - .
Desogestrel administrado por via oral de forma seis meses. -
contínua
O desogestrel (75 mcg) é u1n progestagênio que, quan-
do admi11istrado oraln1ente de forn1a contí11t1a, pode
pro,1ocar a1ne11orreia, embora nos primeiros meses o san- Esse procedin1e11to cirt'.1rgíco foi preconizado por al-
gran1ento irregular seja o n1ais frequente. Entre os efeitos guns autores, 111as o hipoestroge11ismo decorre11te da
colaterais aprese11tados por esse método está a retenção ooforectomia pode acarretar a síndron1e clin1atérica con1
hídrica, aun1ento do peso, cefaleia, diminuição da libido, todas as suas repercussões para o organisn10, que i11clL1i
acne e hun1or depressi,,o. As pacientes que e11traram e1n não apenas diminL1içào da densidade óssea, n1as altera-
amenorreia refere111 n1elhora importar1te da si11tomato- ções cardio,,asculares, tegumentares e alterações da libido.
logia pré-menstrual e 111enstrL1al, embora sangran1entos A histerecton1ia isoladamente não melhora os si11ton1as
esporádicos e contí11L1os possam ocorrer, principalmente do TDPM, ape11as a cólica menstrual e a congestão pélvi -
nos pri111eiros seis meses de uso. ca; por isso, esse tipo de tratamento só deve ser efetuado
en1 mulheres acin1a dos 40 a11os com tu111ores uterinos e/
.
Etonogestrel subcutaneo ou ovar1a110s.
O in1plante de 68 n1g de etonogestrel no antebraço das
pacientes pode provocar ame11orreia com 111elhora im-
portante dos si11ton1as físicos, principalmente da cefaleia.
Entreta11to, alén1 de ser um método invasivo, que requer \lif.:i,,...:- - 116 (/'\irir/,..,vin;:J 1
treiname11to, pode provocar sangramento intenso en1 Kleijnen e cols.-t> selecionaram nove estudos duplo-
25°10 das mulheres, o que limita muito seu LISO para essa -cegos randon1izados en1 que as dosagens da piridoxina
finalidade. variavam de 50 a 500111g/dia. Os resultados obtidos pelos
aL1tores forar11 diverge11tes. Para um grupo, a piridoxi11a
Dispositivos 1ntrauterinos contendo 52 mg de foi eficaz, e para OLttros ela 11ão diferiu do placebo. E111
levonorgestrel estudo duplo-cego, ra11do1nizado realizado por Diegoli e
A colocação de un1 DIU conte11do peque11as quantida- cols., 1') não hoL1ve nenhun1a difere11ça e11tre a piridoxi11a
des de le,1onorgestrel permite que a ação do progestagênio na dosagem de 300 mg/ dia e o placebo. 19 Entre os efeitos
seja principaln1ente localizada, embora u1na pequena colaterais obser,,ados os 111ais referidos foran1: acidez e
quantidade seja absorvida, pro,,ocando o aparecimento indigestão, 11áusea e 11eL1ropatia sensorial periférica.
de acne e discreto au1nento do peso. Em razão da atrofia
importante do endométrio e da redução na produção
de prostagla11dinas locais, esse método é 111t1ito útil e111 Existem algu111as e, idências de que a vitami11a E
1

pacie11tes nos quais existe a associação do TDPM com a possa modular a produção das prostaglandinas (Pg).
endometriose ou disn1enorreia. A suplementação de vitamina E bloquearia a diminuição
do ácido gamali11olêico, redLtzindo vários dos sinto111as
Anticoncepcionais contendo estrogenios e dolorosos, entre eles a mastalgia e a dor no baixo ve11tre.
progestagénios administrados oralmente, de forma A vitamina E deve ser admi11istrada no período pré-
, .
continua, sem ,nterrupçao
- -n1enstrual e n1enstrL1al, com doses qt1e variam de 300 mg
Esse n1étodo son1e11te pode ser usado e1n pacientes a 400 mg/dia.
jovens e que desejan1 tomar a pílula anticoncepcional. Entretanto, segu11do Chuong e Da,vson,2- 11ão existe
A n1aior preocupação diz respeito à ação desses n1edi- difere11ça e11tre o placebo e a vitamina E.
can1entos no sisten1a cardiocirculatório, podendo causar
tromboses, embolias ou hipertensão arterial. Outros
efeitos colaterais poden1 ocorrer, tais como: 111astalgia, O placebo apresenta 111,·eis de resposta para o trata-
cefaleia, irritabilidade, dores e edema nos membros infe- mento do 1·DPi\1 que variam segundo a literatL1ra de
riores, aL1n1e11to das estrias, celulites e ,,ar1zes. En1 razão 29,9 a 46Qó. · ~ Nas pacientes com sintomatologia leve,
da grande incidê11cia de efeitos colaterais, 1nais do qtte o placebo te1n den1onstrado ótimos resultados. E1nbora
50% das pacie11tes aba11donam o trata1ne11to. o placebo possa atuar e1n todos os sintomas, Diegoli e
cols. obser,·aran1 qL1e o placebo reduziu a intensidade da
Análogos do GnRH (GnRH-a) síndron1e pré-n1enstrual severa em 39,4 a 46, 1%, se11do
Os GnRH-a foram un1 dos primeiros n1edican1e11tos a que este atuou pri11cipal111ente nos seguintes si11ton1as:
sere111 utilizados para bloquear a r11e11struaçào. Entretan- insônia, enjoo, taqL1icardia, labilidade emocio11al e fadiga.

171
Tratado de Saúde Mental da Mulher

1
' afetivas e ocupacionais que os sintomas do TDPi\1 podem

Os AINH são largan1ente utilizados no tratamento ocas1011ar.
dos sintomas físicos do TDPM, entre eles: cólica, cefaleia, Em estL1do publicado en1 2009,-11 1,ustyk e colegas
mastalgia e dores nas pernas. fizera1n uma re\risão para investigar a eficácia da TCC
Segundo Manix,211 tanto a cefaleia con,o a cólica são in1- (terapia cognitiva co111portamental) para o tratan1ento
portantes causas de ausência no trabalho e na escola, causan- da SPM e TDPM. A TCC tem por objetivo identificar e
do substancial impacto na qualidade de \rida dessas mLtlhe- modificar pensamentos, sentimentos e comportamentos
res. Os AINH são considerados pelo at1tor como a primeira disfuncionais para o indivídt10.
opção no tratan1ento da cólica e como segunda opção no A TCC tem demonstrado ser urn tratamento eficaz
tratamento da cefaleia menstrual e pré-n1enstrual, em que para transtornos de hu111or e de a11siedade. Tambén1 apre-
os sumatriptanos são considerados o padrão de referência. senta resL1ltados positivos no tratamento de dor crô11ica,
Marjoribanks29 reviu 73 trabalhos randomizados en1 auxiliando as pessoas a lidarem 111elhor com seus si11to-
que foram utilizados os AINH 110 trata1ne11to da cólica mas físicos.
n1enstrual (dismenorreia), e verificou que eles foram signi- Nessa revisão, apesar de a maioria dos estudos mostrar
ficantemente n1ais eficazes do qt1e o placebo. uma melhora dos si11tomas entre as n1ulheres que estavam
recebendo TCC, essas alterações nem sempre foran1 esta-
tisticamente significativas, ot1 o grau de redL1ção dos si11to-
Entre os analgésicos, o paracetamol, a dipirona e o mas nen1 sen1pre foi 1naior do que o observado no grupo
ácido acetilssalicílico isolados ou associados a outros controle, ot1 seja, participantes que receberam outro tipo
compostos são os mais utilizados para alívio dos sintomas de tratamento como n1edicação ou modificação do estilo de
físicos, principalmente a cefaleia, embora seus resultados vida, incluindo relaxan,ento ou mudanças dietéticas.
sejam variáveis de acordo com a intensidade da dor e a A n1aioria desses estudos continha pequenas amos-
resposta. A informação dada pela paciente a respeito das tras e não eram controlados e/ou randomizados. Alén1
drogas já utilizadas é um dado muito importante para o disso, as intervenções realizadas não foram ben1 defini-
médico na hora da prescrição, embora n1uitas mulheres das, o que dificultou un1a padro11ização para avaliar os
prefiram se automedicar. resultados.
Em virtude das limitações dos dados de literatura
existentes até o mon1ento, as conclL1sões sobre a eficácia
Os fitoterápicos têm sido prescritos para tratar o da utilização da TCC co1no u1n tratan1ento para sintomas
TDPM quando a sintomatologia for leve ou moderada. pré-menstruais reqL1eren1 estudos 1nais aprofu11dados
Entre os vários fitoterápicos, os mais utilizados para tratar e melhor desenhados. A TCC deve ser a\'aliada 11ào só
os sintomas do TDPM são: como Ltm tipo de tratamento isolado, n1as tan1bé1n como
• hipericum perforatu,n, ou erva de São João, indicado uma terapia complementar ao trata1nento medicamento-
para tra11storno depressivo; so e à modificação do estilo de vida.
• kava, para transtorno ansioso; Outros tratamentos não farmacológicos que apresen-
• passiflora incarnada, para irritabilidade e insônia; taram alguma evidência para o tratamento de TDPM são
• vitex agnus castus, na mastalgia; grupos de psicoeducação e suporte focados 11a percepção
• valerian (insônia). positi,,a da mulher sobre set1s ciclos 1ne11strL1ais e téc11 icas
de relaxamento. 2
Entretanto, até a presente data, os estudos utilizando A

produtos deri,,ados das ervas para tratamento da TDPM REFERENCIAS


não consegL1iram demonstrar que esses compostos são 1. Valadares GC, Ferreira LV, Correa Filho H, Romano-Siva i\IA.
mais eficazes do que o placebo. Transtorno disfórico pré-1nenstrual revisão - conceito, história,
De todos esses fitoterápicos, o hipericu111 foi o mais es- epidcn1iologia e etiologia. Rev Psiq Clín. 2006;33(3 ); 117-23.
tudado. Segundo Hicks e cols., 30 que realizaram um estu- 2. Teng CT, Vieira Filho AHG, Artes R, Gorenste1n C, Andrade
do duplo-cego randomizado placebo controlado em 169 LH, \,\'ang 't'P. Pren1enstrual dysphoric syn1ptoms amongst
mulheres com TDPM, embora tenham encontrado uma Brazilian college students: factor struture and n1ethodological
tendência de que o hipericum era superior ao placebo; esse appraisal. Eur Arch Psychiatry Clin Neurosci. 2005;255:51-6.
achado não foi estatisticamente significante. Os autores 3. Kaur G, Gonsalves L, 111acker HL. Pren,enstrual dysphoric di-
ainda observaram qL1e esse composto i11terage com muitas sorder: A revie\v for the treating practitloner. Cleveland Clinic
drogas, o que pode restringir bastante seu uso. Journal of w1edicinc. 2004 Apr;71(-l):303-21.
4. Carvalho \'CP, Cantilino A, Gonçah·es CRK, ~loura RT, Sou-
gey EB. Prevalência da síndrome de tensão pré-n1enstrual e do
A psicoterapia pode auxiliar as mulheres a enfre11- transtorno disfórico pré-menstrual entre estudantes universita-
tarem e lidarem com as disfunções nas esferas sociais, rias. Neurobiologia. 20 l O jan/n,ar;73( l ):4 l-59.

172
Transtornos de ansiedade
na mulher e aspectos
gênero-específicos
Luiz Vicente Figueira de Mello
Fábio Corregiari

-
INTRODUCAO lizada foram consistenten1ente maiores nesses estudos,
Existem inúmeras e,ridências de que o gênero pode com proporções de aproximadamente 2 a 2,5 mulheres
influenciar diversos aspectos dos tra11stornos mentais, in- para 1 homem no transtorno de pânico (3,3: 1 no estudo
cluindo SL1a prevalência, a apresentação clínica, o curso da brasileiro); 2: 1 nas fobias específicas e no transtor110 de
doença, assirn como a procura e a resposta aos tratan1entos. a11siedade ge11eralizada (3: 1 e 1,5: 1, respectivamente, 110
Os transtor11os de a11siedade 11ão parecem ser exceções. Por estudo brasileiro) e 1,2 a 1,4: 1 na fobia social ( 1,6: 1 no es-
exemplo, as mLtlheres têm mais chances do qL1e os homens tudo brasileiro). As diferenças observadas entre as pro-
de desenvolver todos os transtornos de ansiedade. O exces- porções de prevalência entre os gêneros nos estudos in-
so de prevalê11cia é maior, con10 será discutido adiante, 110 ter11acionais e no estudo brasileiro podem ser decorre11tes
tra11storno de pâ11ico, no transtorno de ansiedade genera- de diferenças populacionais e culturais, mas tambén1
lizada e no transtorno de estresse pós-traumático, mas as de diferenças metodológicas. Os estudos internacionais
n1ulheres também são maioria e11tre aqueles com transtor110 Lttilizaram critérios diagnósticos da Amcrican Psychiatric
obsessivo-compulsivo e transtorno de ansiedade social. Association (DSM-III; DSM-IIIR; DSM-IV), enquanto o
O interesse científico sobre a inflL1ência do gênero nos trans- estudo nacional usou os critérios da CID-10 (Classifica-
tornos de ansiedade vem crescendo substancialmente. Uma ção Internacional das Doenças 10ª Edição). Além disso,
rápida busca na medli11e demonstra isso claramente. Em os estudos internacionais foram multicêntricos, com a
1990, 58 artigos toran1 publicados com os termos ar1xiety e possível inclusão de uma popL1lação 111ais diversificada,
gender (ot1 2,4% de um total de 2.414 artigos publicados com e11quanto o estudo nacional foi realizado en1 um único
o tern10 a11xiety). Em 2010, os mesmos termos resultam em centro na região central de uma grande 1netrópole. Os
593 artigos (de um total de 8.351 artigos para anxiety, ou principais dados desses estudos são apresentados na Ta-
7,1 %). Este capítulo te111 por objeti,,o revisar a inflt1ê11cia do bela 19.1.
gênero em diferentes aspectos dos transtornos de ansiedade. Ga,,ranidou e Rosner5 revisaram a literatura sobre a
epidemiologia do transtorno de estresse pós-traumático
IMPACTO DO GÊNERO NA PREVALÊNCIA DOS e co11cluíran1 que, apesar de os homens seren1 expostos
TRANSTORNOS DE ANS!EDADE a eventos traumáticos com uma frequência maior, as
A maior parte dos dados disponíveis na literatttra se n1ulheres desenvolven1 o transtorno de estresse pós-
refere à população americana ou europeia. No Brasil, -trau1nático mais frequenten1ente. Os autores atribuen1
existem poucos estudos epidemiológicos. A seguir, serão este paradoxo a diferenças nas características dos traL1mas
discutidos os dados de alguns estudos i11ternacionais e de (especialmente, a uma prevalência maior de estupros e
um estudo realizado 11a cidade de São Paulo. 1 abuso sexual), qL1estões metodológicas, diferentes esti-
As pre,·alências de transtorno de pânico, fobia social, los de enfre11tamento nas mulheres e 1nenor disponibili-
fobias específicas e do tra11storno de a11siedade ge11era- dade de recursos socioeconômicos.
Tratado de Saúde Mental da Mulher

Sexo masculino (%) 1,0 2,5 6,6 2,4


Sexo feminino (%) 2, 1 3, 1 13,0 4,9
Proporção entre sexos 2, 1 1,2 2,0 2,0
Sexo masculino (%) 2,0 11 , 1 6,7 3,6
Sexo fem inino (%) 5,0 15,5 15,7 6,6
Proporção entre sexos 2,5 1,4 2,3 1,8
Sexo masculino (%) 3,3 4,2 6,2 2,8
Sexo feminino (%) 6,7 5,7 12,3 5,3
Proporção entre sexos 2,0 1,4 2,0 1, 9
Sexo masculino (%) 0,7 2,6 2,2 3,3
Sexo feminino (%) 2,3 4, 1 6,7 4,9
Proporção entre sexos 3,3 1,58 3,0 1,48

DETERMINANTES DAS DIFERENCAS



ENTRE OS diferentes transtornos de ansiedade. 6 Alguns estudos
SEXOS NOS TRANSTORNOS DE ANSIEDADE também sugeren1 um possível papel dos hormônios se-
Uma ga1na de fatores pode responder pela predomi- xuais no desenvolvimento, no curso e nos desfechos de
nância feminina nos transtornos de ansiedade. Esses transtornos de ansiedade nas mulheres. 7 Va11 Veen e cols.8
deter1ninantes podem ser metodológicos ou genuínos. mostraram que t1m subgrupo de mulheres com transtor-
Por exemplo, as mulheres pode1n se lembrar mais dos no de ansiedade generalizada é sensível a flt1tuações hor-
sintomas, respo11der de n1aneira diferente às entrevistas monais. Nessas mull1eres, os sintomas tendem a ser mais
ou bt1scar tratamento com maior frequência. Esses fatores intensos no período pré-menstrt1al e no pós-parto e a se
poderiam inflar a prevalência no sexo feminino sem qt1e atenuarem durante a gestação. Um padrão semelha11te foi
houvesse uma diferença real. Dada a consistência dos observado em mulheres com transtorno obsessivo-com-
achados en1 diferentes contextos e culturas, é improvável pulsivo.9 Nesse estudo, as mt1lheres com TOC sensíveis
que as diferenças possam ser explicadas apenas por fato - às flutuações hormonais també1n apresentavam episódios
res metodológicos. depressivos mais frequentemente. Um possível mecanis-
Em contrapartida, determinantes genuínos podem mo para explicar essas observações seria a 1nodt1lação
incluir fatores psicossociais e socioculturais (p. ex., di- dos receptores GABA A por metabólitos neuroativos da
ferentes estilos de enfrentamento, diferenças 110s papéis progesterona como a alopreg11anolona. Essa substância
sociais, na renda, no nível educacional, nas normas cultt1- produz efeitos adversos no hu1nor que variam de acordo
rais, na exposição a eventos adversos como abt1so sexual com sua concentração em uma curva em U invertido.
e nos traços de temperamento). Determinantes genuínos Em humanos, a co11centração que produz o n1aior efeito
biológicos também podem explicar parte das diferenças, negativo no humor está dentro da faixa de variação fisio -
e incluem aspectos genéticos, exposição a hormônios lógica na fase lútea do ciclo menstrt1al. 1º Medicame11tos
sexuais, reatividade e11dócrina e i1nunológica ao estresse, derivados desses neuroesteroides endógenos poderiam
diferenças nos sistemas de neurotrans1nissão e fatores ser utilizados no tratamento dos tra11stornos de ansiedade
neuropsicológicos. e são, atualn1ente, foco de estudos. 11
Análises em gêmeas do sexo feminino forneceram Achados de estudos de neuroimagem sugerem diferen-
algt1m entendimento sobre fatores que podem influenciar ças no córtex anterior do giro do cíngulo em mulheres
o desenvolvimento de transtornos de ansiedade em mu- com alta resposta de medo e escores elevados de evitação
lheres. Esses dados sugerem papeis potenciais para fatores de danos. Essa região seria maior e mais ativa nessas mu-
genéticos e ambientais que 11âo seriam homogêneos nos lheres em relação a ho1nens com o mesmo perfil. 1l

176
Capítulo 19 - Transtornos de ansiedade na mulher e aspectos gênero-específicos

-
PARTICULARIDADES NA APRESENTAÇAO mês de preocupações persistentes sobre a possibilidade
CLÍNICA E NA RESPOSTA AO TRATAMENTO de ter outros ataqt1es (ansiedade antecipatória) e preocu-
EM MULHERES pações sobre as consequências dos ataques ou mudanças
de comportamento significativas (p. ex., esqui,1 a fóbica)
relacionadas aos ataques.
Yonkers e cols. 19 observaran1 que mulheres tinham
O tra11storno de ansiedade generalizada caracteriza-se probabilidade maior de sofrer de agorafobia concomi-
por ansiedade e preocupação excessivas, quase diárias, por tante do que homens (85% versus 75%), mas a gravidade
seis n1eses ot1 mais, sobre várias atividades ou eve11tos. dos sintomas não diferiu. Os homens apresentaram n1ais
Steiner e cols. 13 mostraram que a apresentação clínica co111orbidade com abt1so/dependência de álcool e com
do TAG foi semell1ante entre homens e 1nulheres en1 transtor110 obsessivo-compulsivo. Não l1ouve diferenças,
relação à gravidade dos sinton1as ansiosos e depressi,,os, nesse estudo, em relação ao tratame11to recebido tanto
duração dos sintomas e no co111prometimento da quali- nas inter,1enções psicossociais quanto nos n1edica1nentos
dade de ,,ida e da sat'.1de física. No entanto, as 1nulheres prescritos (incluindo antidepressivos e benzodiazepíni-
tinha1n t1ma idade de início da doença n1ais precoce e cos). Não houve diferença na taxa de remissão entre ho-
pontuações maiores no fator somático da escala de an- mens e mulheres dt1rante os cinco anos de segt1in1ento do
siedade de Han1ilto11. Nesse estt1do, não hot1ve diferença estudo, 110 entanto as mulheres apresentaram maior risco
na resposta à sertralina entre homens e mulheres. No de recorrência dos sintomas.
National Comorbidity Sur,,ey, mulheres co1n TAG tive- Avaliando a instalação do tra11storno de pânico em ho-
ram n1ais chance de apresentar transtornos psiquiátricos mens e mull1eres, Barzega e cols. 20 encontraram idades de
con1órbidos, principalmente transtornos depressivos, do início semelhantes entre os grupos. No entanto, ho1nens
que l1omens com TAG. ' ' A comorbidade de outros tra11s- e 1nulheres diferiram na psicopatologia anterior à insta-
tornos com o TAG está associada a maior incapacidade e lação do quadro, com as mulheres apresentando bulimia
disfunção e ten1 pior prognóstico. Vesga-López e cols., 15 nervosa, transtorno de personalidade dependente e trans-
a11alisando dados do NESARC, mostraram que 1null1eres torno de personalidade histriônica com mais frequência.
con1 TAG tinham significativamente mais co111orbidade Tan1bém foi observado que eventos vitais significativos
co111 transtornos do l1un1or (exceto transtorno bipolar) precipitando o quadro de pânico foram mais frequentes
e ot1tros transtornos de ansiedade (exceto transtorno de nas mulheres. Outros estudos mostraram resultados con-
ansiedade social). Nesse estudo, o TAG esteve associado flitantes para diferenças na idade de início do transtorno
a história familiar de depressão apenas nas mulheres. de pânico em ho1nens e mulheres. 21
Os l1on1ens com TAG tinham mais comorbidade com Vários estudos têm indicado que o impacto dos ci-
dependência de álcool, drogas e nicotina. A procura clos dos hor1nônios sexuais femininos no ct1rso clínico
por tratamento foi baixa tanto em hon1ens qua11to en1 do transtorno do pânico em mulheres é considerável.
mulheres, mas as mulheres procuraram tratamento mais Estudos retrospectivos relataram que as mulheres com
frequentemente do que os homens. transtorno do pânico apresentam t1m aumento nos sin-
Existem evidências de que mulheres com TAG apre- tomas de ansiedade e de pânico durante a fase lútea ou
sentan1 piora dos si11tomas 110 período pré-1nenstrual. 16 pré-menstrual do ciclo. 22 No entanto, registros diários de
McLeod e cols. ,- compararan1 n1ulheres some11te com sintomas não confirmaram esses achados. 23 Relatos de
TAG e com TAG e SPM (sí11drome pré-menstrual) e rela- caso sugerem que a retirada súbita do estrogênio, como
taram que mulheres com TAG e SPNl tinham n1ais sinto- ocorre em mulheres perin1enopáusicas e mulheres que
mas tanto fora quanto durante o período pré-n1e11strual. tomam pílulas para o controle da natalidade OLI que rece-
A venlafaxina e os ISRS (inibidores seletivos da recapta- ben1 implantes de progesterona, podem estar associados
ção de serotonina) são considerados drogas de primeira ao surgimento de transtorno do pânico em mulheres. 24
linha no tratamento do TAG. Poucos estudos examina- Adicio11almente, alguns estudos indicam que o trans-
ran1 especificamente a relação entre gênero e resposta ao torno do pânico pode surgir e se agravar com a menopau-
trata1nento 110 TAG, n1as os dados disponíveis sugerem sa, com crises de pânico ocorrendo en1 cerca de 1O~ó das
que não há diferenças significativas de gênero quanto à n1ulheres após a menopausa. ' 5 Northcott e Stei1126 relata-
resposta ao tratan1ento con1 antidepressi, 0. '' No entanto,
1
ram que a gravidez pode ter uma influência a1nplamente
mulheres co1n TAG tê1n duas vezes mais chances de rece- variável no curso do transtorno do pânico, sendo que 43%
bere1n prescrição de benzodiazepínicos. 18 apresentaran1 melhora dos sintomas, 33%, piora e 23%
11ão apresentaran1 alterações. A maioria das mulheres
(63%), no e11tanto, aprese11tou piora no pós-parto. De ou-
No TP, o paciente experimenta ataques de pânico tro n1odo, Bandelo\-v e cols. 2- encontraran1 unia melhora
inesperados e recorrentes segt1idos de pelo menos um dos sintomas de pâ11ico durante a gestação.

177
Tratado de Saúde Mental da Mulher

Os inibidores seletivos da recaptação da serotoni11a neralizado. Paralelamente, os autores relataran1 não terem
(ISRS), inibidores de recaptura de serotonina e noradre- observado diferença na resposta à paroxetina entre os gê-
11alina e benzodiazepí11icos demo11straram eficácia no TP. neros. Em outro estt1do, não foran1 observadas diferenças
Algt1ns estudos sugere111 uma diferença de gênero na res- entre os sexos na resposta ao escitalopram. 31
posta ao tratame11to. Clayton e cols. (2006), 28 utilizando A influência dos horn1ônios sexuais fen1i11inos, do
dados agrupados de estudos com sertrali11a, observaram ciclo n1enstrual, da gestação e do climatério nos sinton1as
que, apesar de a sertralina mostrar-se eficaz tanto em fóbicos sociais e na resposta ao tratamento é Ltm tema que
home11s quanto em n1ulheres, as mulheres apresentaram ai11da precisa ser estudado.
uma resposta maior em alguns parâmetros. Não houve
diferenças nos efeitos colaterais.
O TOC caracteriza-se pela presença de obsessões (pen-
samentos, in1pulsos ou in1agens persistentes vive11ciados
A fobia social é definida co1no um 1nedo excessivo em algum momento de forma i11trusiva e inapropriada
de uma ou mais situações sociais em que o indivídt10 é e que causam marcada ansiedade ou sofrimento), e/ou
exposto à observação ou à avaliação de pessoas não fan1i- compt1lsões (comportamentos ou atos 1nentais repetitivos
liares (p. ex., falar em público, con1er ou escrever na frente que a pessoa se sente impt1lsionada a fazer e1n resposta a
dos outros). A exposição a essas situações resulta, tipica- uma obsessão, ou de acordo com regras que deven1 ser
1nente, em sintomas tipo pânico (palpitações, tre1nores, aplicadas rigidamente).
rubor, sudorese), levando o i11divídt10 a evitar sitt1ações Bogetto e cols., 33 em um estudo co1n 160 pacientes,
sociais ou a enfrentá-las co1n grande sofrimento. O indi- relataram que as mulheres aprese11taran1 maior frequência
víduo te1ne que vá agir de u1na 1naneira hun1ilhante ou de início agudo relacionado a un1 evento estressar e ctirso
embaraçosa (ot1 que vá demo11strar sintomas de ansieda- episódico. Os l1omens apresentaram un1a idade de início
de). Quando os sintomas ocorrem e111 diversas situações 111ais precoce, início insidioso mais frequente e curso mais
sociais, a fobia social é classificada como generalizada. crônico. Em relação às comorbidades, os home11s mais fre-
Turke cols. 29 conduziram uma investigação explorató- qt1entemente apresentavan1 história de outros transtornos
ria sobre diferenças e11tre os gêneros 11a fobia social. Não de ansiedade antes do início do TOC e episódios hipoma-
foram observadas diferenças em relação ao subtipo da níacos posteriorme11te. As mulheres tiveram maior comor-
fobia social, às con1orbidades com ot1tros tra11stornos de bidade com transtornos alimentares. E111 t1n1 estudo que
ansiedade, tra11stornos do humor ou transtorno de perso- i11vestigou o impacto do gênero nas dimensões de sintomas
nalidade esquiva. No entanto, as 1nulheres apresentavam do TOC, Labad e cols. 34 observara1n que a di1nensão de
medos sociais mais graves, e houve diversas difere11ças na co11tami11ação/limpeza foi 111aior nas 1nulheres, enquanto
intensidade do n1edo em situações específicas. Mulheres a dimensão sexual/religiosa foi n1aior em hon1ens. Não
relataram mais medo para falar com figL1ras de autoridade, foram observadas diferenças nas dimensões de agressivida-
falar em pt'.1blico, trabalhar sendo observadas, entrar e1n de/checage1n, simetria/ordenação ou de colecionismo. Em
u1na sala quando os OL1tros já estão sentados, ficar no cen- uma amostra brasileira, Torresan e cols.-15 observaran1 que
tro das ate11ções, expressar discordância de pessoas que não homens com TOC eram mais freque11te1nente solteiros e
conheçam ben1, relatar algo para u1n grupo e dar uma festa. apresentavam obsessões sexuais, religiosas e de simetria
I-lomens relataram mais ansiedade para uri11ar em barihei- assim como rituais n1entais. Apresentavam també111 idade
ros públicos e para devolver n1ercadorias para uma loja. de início mais precoce e mais comorbidade com transtor-
Em outro estudo, Yonkers e cols.30 analisaram os dados nos de tiques e transtorno de estresse pós- trat1mático. As
de 176 pacientes com fobia social em um ensaio natura- mulheres aprese11tavam mais comorbidades co1n fobias
lístico prospectivo de oito anos para explorar diferenças específicas, transtornos alimentares (a11orexia nervosa e111
entre os sexos no curso e nas características da doença. particular), transtornos do controle do impulso (compras
Não houve diferença 11a taxa de ren1issão (38% para as compulsivas e dermatotilexomania en1 particular).
mulheres e 32% para os homens). As mulheres apresen- Existem algumas evidências de que podem existir di-
taram mais con1orbidade com agorafobia, e os homens, ferenças fisiopatológicas entre os gêneros. Monteleone e
n1ais transtornos por uso de substância. O curso da do- cols., 36 analisando a resposta neuroendócrina à d-fenflura-
ença foi mais crô11ico nas mulheres con1 funcionan1ento mina, observaram uma redução da resposta de cortisol ape-
global pior e com história de tentativas de st1icídio. Essa nas em mulheres, sugeri11do uma maior disfunção seroto-
relação não estava presente 110s l1omens. nérgica. Mundo e cols. 3'.'" investigaram a resposta subjetiva de
Existen1 poucos estudos que avaliam o impacto do piora dos sintomas obsessivo-con1pulsivos à clonúpran1ina
gênero no tratan1ento da fobia social. Stein e cols.-' 1 ana- intravenosa. Eles observaran1 qt1e urna proporção maior das
lisaram os dados agrupados de três ensaios clínicos com mulheres não relatou piora dos sintomas e que elas tive-
paroxetina com o objetivo primário de avaliar diferenças ram uma resposta antiobsessiva n1elhor com o tratamento
na ação dessa droga nos subtipos generalizado e não ge- co111 clomipran1i11a por dez semanas após o teste. Diversos

178
Capítulo 19 - Transtornos de ansiedade na mulher e aspectos gênero-específicos

estudos sugeriram ta1nbém que a suscetibilidade genética


pode variar com o gênero. Karayiorgou e cols. realizara111
u1n estudo de associação populacional38 e outro em famí- Por definição, o TEPT se desenvolve após a exposição
lias ~9 e relataran1 em ambos que o alelo de baixa atividade a um evento trau1nático. Um evento traumático é defi11ido
(Metl58) está significati,,an1ente associado com vulnera- da seguinte n1aneira:
bilidade ao TOC ape11as em homens. Contrariando estes • a pessoa experimentou, presencioL1 OLL foi confrontada
resultados, Schind]er e cols., 10 en1 w11a análise de fainilias, com um evento ou eventos que e11volveram morte OLl
de1nonstraran1 uma tendência para associação e11tre ho- lesões sérias reais ou an1eaçadas ou u111a ameaça à i11-
mozigose (Met/Met ou Val/Val) no locus COMT e o TOC. tegridade física de si mesma ou de outros;
Alsobrook e cols., 11 em uma amostra de 56 pacientes com • a resposta da pessoa envolveu medo, desamparo 0L1
TOC e seus pais, relataram uma associação com o alelo de l1orror intenso. Nota: En1 crianças, isso pode ser ex-
baixa atividade da COMT nos pacientes do sexo feminino, presso por comportamento agitado e desorga11izado.
mas não do sexo masculino. Seus achados de dimorfismo
sexual contradizen1 os resultados de esLudos anteriores de Estudos populacionais e11co11traram u1na frequê11cia
Karayiorgou e cols. Lochner e cols. 42 encontrai·an1 diversas surpreendenten1ente elevada de eventos que pode1n ser
diferenças clínicas e genéticas entre os gêneros. Em relação classificados co1no traumáticos, com mais da metade dos
às mull1eres, os homens com TOC apresentavan1: idade de adultos relatando exposição a pelo menos un1a experiência
início mais precoce; padrões de sinto1nas e comorbidades traumática.4 7 A probabilidade de desenvolver transtorno de
de eixo I diferentes; no subgrupo caucasiano, tinham 1nais estresse pós-traun1ático varia de acordo com o gênero e o
freqL1entemente o alelo T de alta atividade da variante tipo de trawna. Breslau,4 ~ em uma população civil 11a área
EcoRV do gene da n1onoamino oxidase A em relação aos n1etropolita11a de Detroit, concluiu que a exposição trau-
co11troles; no subgrupo afrodescendente, homozigotos para mática era ligeiramente n1ais freqL1ente em ho1nens, mas
o alelo G da variante G861C do gene do receptor SHTl- as 1nulheres apresentavam L1m risco duas vezes maior de
-beta. As 111ull1eres com TOC relatara111 mais abuso sexual desenvolver TEPT. Essa diferença se devia primariamente
na infância, percebian1 1nudanças nos si11to111as no período a um risco maior das mulheres desenvolverem TEPT após
pré-menstrual/menstrual, durante OL1 logo após a gestação ataques violentos (36% versus 6%). Olff e cols. 49 revisaram
e 11a menopausa e, no subgrupo caucasiano, tinl1am uma a literatura e observara1n que um dos achados n1ais co11-
frequência maior de homozigose para o alelo C de baLxa sistentes é a maior prevalência de TEPT em mulheres. Isso
atividade da variante EcoRV do gene MAO-A e1n cornpa- poderia ser explicado por diferenças no tipo de trat1111a (p.
ração co1n o grupo co11trole. Dessa forma, é possível que ex., mais exposição à violência sexual), idade me11or 11a
. - , . - . .
o dimorfisn10 sexual .na vulnerabilidade genética do TOC expos1çao ao evento trawnat1co, percepçoes mais intensas
seja influenciado por outros fatores da população estudada. de a1neaça e perda de co11trole, níveis mais elevados de
Existem outros relatos de associação entre flutuações dissociação após o trawna, recursos de apoio social insufi-
horn1onais e a inte11sidade de sintomas obsessivo-com- cientes, n1aior uso de álcool para aine11izar sinton1as rela-
pulsivos em mulheres. Williams e Koran 43 relataram que cionados ao trauma e respostas neurofisiológicas difere11tes
42% de 57 mull1eres com TOC experimentaram piora 110 ao trawna. Nesse sentido, vários estudos aponta1n para a
período pré-menstrual. Seus achados tambén1 revelaram existência de urna diferença nos tipos de traun1a que levan1
que, e1n st1a amostra de mulheres co1n TOC preexistente, ao dese11volvimento de TEPT entre os gêneros. Enqua11to a
69% não experimentaram urna alteração sig11ificati,,a, 17% causa mais co1nun1 de TEPT em homens é a exposição ao
tiveram uma piora significativa e 14% tiveram uma 1ne- combate, a causa 1nais co1num em mulheres são agressões
lhora dos sintomas durante a gravidez. A gravidez esteve sexuais ou abuso t1sico ou sexual na intància. 47 Adicional-
associada com o início do TOC em 13% das pacientes, e a me11te, Koenen e Widom50 apontam a maior frequência
piora dos sintomas pós-parto do TOC ocorreu em 29% das de repetição do trauma en1 crianças do sexo fe1ni11ino
n1ulheres com TOC preexiste11te. Um estudo mais recente9 abusadas sexualn1ente como um fator importai1te para ex-
obteve achados similares, wna vez que, em um nt'.1mero plicar difere11ças entre l1ome11s e mull1eres co111 história de
substancial de pacientes, o início ou piora do TOC estava abuso na infância. Em concordância, mulheres que sofre111
relacionado a e,,e11tos do ciclo reprodutivo, especialmente de abuso sexual recorre11te ou crô11ico tên1 maior proba-
à n1enarca e ao pós-parto. Forray e cols. 44 observaram qt1e bilidade de aprese11tar sinto1nas de ansiedade e fobia e de
mulheres co1n TOC que apresentaram início do quadro ou dese11volver Llm tra11storno de a11siedade.51
piora dos sinton1as no período peri11atal ti11ham mais cl1an- Alé1n da exposição ao trauma, são necessários três
ces de apresentar piora no período pré-n1enstrual. critérios principais para o TEPT:
Diferentes estudos não mostraram associação entre • revi,1er o evento traumático por meio de ren1emora-
o gênero e a resposta terapêutica à fluoxetina. 45 O sexo ções intrusivas, sonhos ou jlasl1backs;
feminino foi associado com n1elhor resposta à terapia • esquiva física ou en1ocio11al de estí1nulos associados
cog11itivo-comportamental.·th com o trauma ou uma responsividade dimi11uída (in-

179
Tratado de Saúde Mental da Mulher

cluindo si11tomas co1110 restrição da gan1a de afetos, de un1a exacerbação de si11ton1as preexiste11tes. As n1ul11eres
se11tir-se dista11ciado dos OLttros e incapacidade de con1 TEP'T no período peri11atal aprese11taran1 freqt1ências
le1nbrar aspectos in1portantes do trau111a); maiores de cinco sinto111as: distai1cian1e11to, perda de interes-
• persistência de si11to1nas de alerta at1me11tado, tais se, rai,·a e irritabilidade, problemas de sono e pesadelos.
con10 alterações do sono, difict1ldade de concentração Poucos estudos a,•aliaran1 a i11t1uê11cia do gê11ero na
e sobressaltar-se com facili<.iade. resposta ao tratame11to do TEPT. Rothbau1n e cols. ;9
11ão encontraran1 inflt1ências do gênero 11a resposta ao
Dados sobre o in1pacto do gênero 11a apresentação clí11ica tratamento, mas o tipo de traun1a afetot1 a resposta ao tra-
e rias co111orbidades do TEPT são escassos. Dados do ~a- tan1ento en1 relação à incapacidade relacionada aos si11to-
tio11al Comorbidit)' Sttrvey encontrara1n algumas difere11ças mas e à resiliência. E111 geral, os estLtdos apo11tam que os
entre os gêneros co1110 a comorbidade co1n tra11stor110 de pâ- inibidores seleti,'os de recaptura de serotonina e a ,,enla-
11ico (l1on1ens: 7,3%; mulheres: 12,6%), transtornos por LISO fa.xina, assin1 con10 a terapia cognitivo-con1portamental,
de substâ11cias (ho111ens: -13,2%; 111ull1eres: 27,-1°10), transtor110 são eficazes no tratamento de n1L1ll1eres."º
de condt1ta (ho1ne11s: 43,3%; mulheres: 15,4%), e n1ania (ho-
-
n1e11s: 11,7°10; mull1eres: 5,7º'6). 1 Outro estudo-"- comparou DISCUSSAO
transtornos de perso11alidade em mulheres co1n TEPT rela- Diversos estL1dos evidencian1 qL1e existe um importante
cionado a abuso sexual 11a intància e l1ome11s veteranos do impacto do gênero na pre,1alência dos transtornos de an-
Vietnã com TEPT, e enco11trou fortes se1nelhanças entre os siedade. As mulheres apresentam t1ma probabilidade duas
dois grupos no padrão de características dos transtornos de ,,ezes maior de pree11chere111 os critérios para tra11storno
personalidade. Zlotnick e cols. 5 ; relatara1n que n1ulheres em de pânico, transtorno de ansiedade social e transtorno de
Ltm an1bulatório psiquiátrico prin1ário tinha111 mais cha11ces estresse pós-trat1mático ao longo da ,,ida e aproxin1ada-
do que os homens de preencherem critérios para TEPT e mente urna vez e 111eia n1aior de preencherem critérios
de relatarem trauma sexual. Nesse estudo, as mulheres co111 para transtorno obsessivo-compulsivo e transtorno de a11-
"fEPT apresentavan1 mais sinto1nas de reexperimentação do siedade social. As razões para isso não são bem conhecidas,
qtre os home11s; os homens tinhan1 uma probabilidade 1naior 1nas, prova,•elmente, i11clue111 razões metodológicas (mais
de preencher critérios para tra11storno por Ltso de substâ11- "falsos positivos" em mull1eres e n1ais "falsos 11egativos"
cias e para tra11stor110 de personalidade antissocial. Eles não em l1omens) e razões genuí11as como fatores psicológicos
encontraran1 difere11ças 110 nún1ero de comorbidades ou 11a (p. ex., diferentes estratégias de e11frentan1ento), sociais (p.
frequência en1 que o TEPT ha,,ia sido o moti,,o da procLtra ex., nor111as e expectativas culturais) e biológicos (p. ex.,
por tratame11to. Fullerton e cols. 5 : exaini11ara111 a ocorrência diferenças genéticas, efeitos dos hormô11ios sexuais, dimor-
de TEPT em home11s e n1t1lheres apos acidentes com veícu- fis1no no funcio11ame11to do sistema nervoso central).
los e observaram qt1e as n1ulheres tinha111 cinco vezes n1ais As evidê11cias apo11tan1 que existem difere11ças na ex-
probabilidade de preencher o critério geral de e,,itação/in- pressão clínica e 11as comorbidades, n1as que os tra11stornos
sensibilidade e quase qt1atro vezes 111ais cha11ce de f)reencl1er de ansiedade não são Ltn1 grupo homogêneo en1 relação
o critério de excitação. Além disso, os si11ton1as dissociativos ao in1pacto do gênero. Ainda assi1n, existem semelhanças,
no momento do acide11te estavam associados a um risco con10 o achado frequente de n1aior con1orbidade con1
significati,,amente n1aior de transtorno de estresse agudo depressão nas mull1eres e con1 abuso ou depe11dência de
e1n 1nulheres. Magdol e cols. ;;; encor1traram que as rnulheres substâncias em hon1ens. Outro achado freqt1ente obser-
que sofreram ,iolê11cia doméstica têm n1aior probabilidade vado en1 difere11tes transtornos de ansiedade é a oscilação
de dese11volver si11to1nas de ansiedade, enquanto os hon1ens dos sintomas de acordo com a fase do ciclo menstrual,
tên1 n1aior probabilidade de desen,,ol,·er tra11stornos por uso dL1rante e após a gestação e r1a me11opausa. Existen1 poucos
de substâncias psicoativas. dados sobre diferenças na resposta ao trata1nento de acordo
Algt1ns estudos sugerem que 1nttlheres com TEPT têm co1n o gê11ero, e as e,1idências disponí,,eis são ,·ariáveis e
maior risco de complicações na gravidez. Seng e cols.~ con- an1plamente i11conclusivas. Apesar do interesse crescente,
cluíram que mulheres co1n TEPT apresentam odds ratios o impacto do gê11ero nos transtornos de ansiedade é uma
sig11ificativa1nente n1aiores de gravidez ectópica, aborto es- área que ainda precisa ser n1ais be111 investigada.
pontâneo, hiperêmese, contrações pré-tern10 e crescimento
excessivo do feto comparadas a um grupo controle de 1nt1- REFERÊNCIAS
lheres sem TEPT. O mesn10 grupo encontrou un1a correlação 1. Andrade L, \Valters EE, Gentil \', Laurenti R. PreYalence of
positiva entre a inte11sidade dos sintonias e piores desfechos ICD-10 mental disorders 1n a catchn1ent area in thc city of
perinatais e st1geriu t1ma associação com níveis de pico de São Paulo, Brazil. Soe Psychiatry Psychiatr Epiden1iol. 2002
cortisol menores. 5:- Mais rece11ten1ente, 58 e11contraram tam- Jul;3 7( 7):316-25.
bém u111a freqtiência maior de TEPT en1 un1a arnostra de 2. Robíns LK, Regier DA (eds.). Psychiatric Disor<lcrs in An1erica:
111ulheres no perío(io peri11atal do que em un1 grupo co11trole ·n,e Epidemiologic Catchn1ent Area Study. Ne\"' York: Toe Free
tle mulheres (6 a 8% versus 4 a 5°/o), possi,,eln1ente em razão Press; 1991.

180
Transtornos de ansiedade
na gestação e pós-parto

Carla Fonseca Zambaldi


Amaury Cantilino

-
INTRODUÇAO vídico-pt1erperal. Quando a ansiedade ou preoct1pações
Un1 vasto conheci1nento sobre depressão pós-parto são persistentes, excessivas e difíceis de co11trolar, ocor-
tem sido acumulado por mais de vinte a11os, durante os rendo quase todos os dias, por um período de pelo menos
quais se tên1 pesquisado natureza, prevalência e curso seis meses, o quadro pode se caracterizar como TAG. 5
dessa síndrome. E111 contraste, poucas pesquisas têm A ansiedade envolve diversos eventos e atividades de vic.ia,
conduzido sisten1áticas investigações sobre ansiedade na mas é compreensível que frequentemente envolvam preo-
gestação e 110 pós-parto. A idade reprodutiva da mulher cupações com a gestação, com a saúde do feto, com o de-
é u1na época de grande vulnerabilidade para a incidência sempenho como mãe, con1 a condição financeira e 0L1tros
dos transtornos afeti\'OS. Especificamente durante a gesta- temas perti11entes à maternidade. No TAG, a ansiedade se
ção e o pós-parto, ainda existem poucos estudos que veri- acon1pa11ha de ot1tros sintomas como inquietação, fadi -
fican1 as taxas de prevalência dos tra11storr1os a11siosos. ·-' gabilidade, dificuldade para se concentrar, irritabilidade,
U1n estudo prospectivo feito com 8.323 1nulheres na 111- tensão n1t1scular e perturbação do sono, levando a sofri-
glaterra evidenciou qL1e 21,9% das gestantes têm sintomas mento significati,,o e in1pacto no funcionan1ento social,
de ansiedade e 64% dessas permaneciam com os sinto1nas ocupacional ou em outras áreas importantes.
no pós-parto,~ e\ idenciando que é necessária uma melhor
1 Ainda não é bem elucidada a fisiopatologia do TAG.
atenção de pesquisadores e clínicos para esse quadro. O entendimento atual apo11ta para fatores psicológicos
Há convi11centes razões para se afirn1ar que o período pe- e biológicos. A seroto11i11a tem importante papel con10
rinatal tem risco aumentado de aparecimento de transtornos modulador da ansiedade. No periparto, sugere-se que as
ansiosos. Por exemplo, é esperado qt1e a mulher esteja tensa, alteraçõe5 110s níveis de estrogênio e progesterona tenhan1
ajustando-se ao novo cenário de expectati,,as de si mes1na participação na desregulação do sistema serotoni11érgico.
e dos outros, con1 privação de sono e n1(tltiplas demandas Com isso, n1ulheres suscetíveis tornam-se mais vulr1erá-
desse an1biente. É bem estabelecido que estressores desse veis a desenvolver TAG na gestação ou pós-parto.
período da vida são significativos fatores de risco para desen- A prevalência do TAG na popL1lação geral varia de 2
volvime11to de transtornos ansiosos en1 pessoas vulneráveis. a 6%, e o curso tende a ser crônico. Especificamente no
Outro fator para vulnerabilidade é o fato de as 1nulheres periparto, os estudos de prevalência são poucos. No estu-
normalmente terem altos níveis de cortisol durante a gra\'Í- do de Sutter-Dalay e cols., foi observada taxa de 8,5% de
dez e no começo do puerpério e apresentarem significativas TAG em gesta11tes, e essas mostraram-se mais suscetíveis
alterações nos níveis dos hormônios gonadais. a desenvolver depressão no pL1erpério.<>
No pós-parto, tima pesquisa com apenas 68 puérperas
TAG (TRANSTORNO DE ANSIEDADE GENERALIZADA) mostrou u1na taxa de 4,4%.- Outro estudo do mesn10
Além de uma esperada ansiedade leve, algumas 111L1- grupo de pesquisadores, dessa vez com 147 n1ulheres
ll1eres apresentam ansiedade patológica no período gra- examinadas, encontrou prevalência de 8,2°10. 11 Parte co11-
Tratado de Saúde Mental da Mulher

siderável desses casos foi desencadeada especificamente


no pós-parto. Un1 estudo australiano co11duzido com
408 puérperas encontrou incidência de 1,9 a 3, 1% nesse
A. Ansiedade e preocupação excessivas (expectativa
período.9 Sugere-se, também, que eventual1nente pode
apreensiva), ocorrendo na maioria dos dias por pelo
haver tima prevalência maior de TAG em puérperas do
menos seis meses, com diversos eventos ou atividades
que na população geral. Os autores desse capítulo reali-
(tais como desempenho escolar ou profissional).
zaram uma pesquisa em Recife/PE, de setembro de 2007
B O indivíduo considera difícil controlar a preocupação.
a junho de 2008, na qual 400 puérperas, com duas até 26
e. A ansiedade e a preocupação estão associadas com
semanas de pós-parto foram entrevistadas em ambulató-
três (ou mais) dos seguintes seis sintomas (com pelo
rios de puericultura utilizando-se a MINI (Mini Inter11a-
menos alguns deles presentes na maioria dos dias nos
tional NeuropS)'Chiatric Inter\'iew) para diagnóstico dos últimos seis meses):
transtornos ansiosos. Nessa amostra, 16,5% das mulheres
(1) inquietação ou sensação de estar com os nervos
preenchiam critérios para o TAG. 10 à flor da pele; (2) fatigabilidade; (3) dificuldade em
É sen1pre necessário exan1e clínico e laboratorial deta-
concentrar-se ou sensações de "branco" na mente; (4)
lhado das mulheres con1 transtornos ansiosos para fazer
irritabilidade; (5) tensão muscular; (6) perturbação do
o diag11óstico diferencial. Além disso, deve-se avaliar
sono (dificuldades em conciliar ou manter o sono, ou
presença de comorbidades, como a depressão, pois elas
sono 1nsat1sfatóno e inquieto).
podem ocorrer em cerca de 30% dos casos de TAG.
D. O foco da ansiedade ou preocupação não está
Te1n sido observado que ansiedade patológica não tra-
confinado a aspectos de um transtorno do Eixo I; por
tada na gestação pode ocasionar complicações obstétri- exemplo, a ansiedade ou preocupação não se refere
cas, 1 12 como parto prematuro e recém-nascido de baixo
a ter um ataque de pânico (como no transtorno
peso. E, apesar de poucos estudos na área, é possível que
de pânico), ser embaraçado em público (como na
os transtor11os de ansiedade no pós-parto causem impacto fobia social), ser contaminado (como no transtorno
negativo na relação mãe-bebê tanto quanto a depressão obsessivo-compulsivo), ficar afastado de casa ou de
pós-parto. A fim de minimizar repercussões negativas parentes próximos (como no transtorno de ansiedade
11a vida pessoal, familiar e na relação com o bebe, o TAG de separação), ganhar peso (como na anorexia
deve ser tratado. nervosa), ter múltiplas queixas físicas (como no
Casos leves podem ser abordados exclusivamente
transtorno de somatização) ou ter uma doença grave
com TCC (terapia cognitivo-comportamental). Apesar (como na hipocondria), e a ansiedade ou preocupação
de serem escassas as informações do uso da TCC, es- não ocorre exclusivamente durante o transtorno de
pecificamente na gestação e pós-parto, diversos traba-
estresse pós-traumático.
lhos científicos fora desse período demonstraram sua E. A ansiedade, a preocupação ou os sintomas físicos
eficácia por meio da diminuição da sintomatologia e da
causam sofrimento clinicamente significativo ou
manutenção da resposta ao longo do seguimento para o prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou
tratamento dos si11tomas ansiosos. No TAG, a TCC ajuda
em outras áreas importantes da vida do indivíduo.
a mulher a automonitorizar as preocupações excessivas e
F. A perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos
irreais, e a reavaliar os problemas em questão de forma diretos de uma substância (droga de abuso,
1nais racional. medicamento) ou de uma condição médica geral
Os casos moderados a graves requerem também far- (p. ex., hipert1reo1dismo) nem ocorre exclusivamente
macoterapia. Nos últimos anos, antidepressivos ISRS
durante um transtorno do humor, transtorno psícótico
(inibidores seletivos da recaptação serotonina) e os a11ti- ou transtorno invasivo do desenvolvimento.
depressivos mais no,,os se estabeleceram como os trata-
mentos de primeira linha para o TAG, pois são eficazes,
mais bem tolerados e seguros em caso de intoxicação.
Os antidepressivos tricíclicos ficam reservados para os ser denominada ataque de pânico. Dtirante esses ataques,
casos em qtie não há resposta com a medicação inicial. estão presentes sintomas físicos, tais como falta de ar,
Benzodiazepínicos podem ser prescritos 110 início do palpitações, dor ou desconforto torácico, sensação de
tratamento ou nos casos graves ou refratários ao uso de sufocamento, ondas de frio ou calor, tontura, parestesias.
antidepressivos. Outra opção de tratamento é o uso da Configura-se TP quando os ataques de pânico são segui-
buspirona, agente ansiolítico não benzodiazepínico. dos por preocupação persistente acerca de ter um outro
ataque, preocupação acerca de suas possíveis i111plicações
TP (TRANSTORNO DO PÂNICO) ou consequências ou uma alteração co1nporta111ental sig-
Quando a a11siedade ocorre en1 episódios distintos, 11ificativa relacionada a eles. Aproximadamente 1,5 a 2%
de inicio súbito com inte11sa apreensão, te1nor ou terror, das pessoas aprese11tam tra11storno do pânico. As mulhe-
associada a senti1nentos de catástrofe eminentes, pode res são duas \rezes mais afetadas que os homens.

184
Capítulo 20 - Transtornos de ansiedade na gestação e pós-parto

Ao longo da gravidez, ainda há poucas informações


sobre o curso do TP. Com base en1 relatos de casos, acre-
ditava-se que a gestação era um fator de proteção para o (1) Ataques de pânico recorrentes e inesperados.
TP, n1as diferentes inforn1ações foram enco11tradas ao se (2) Pelo menos um dos ataques foi seguido por um mês
avaliare1n séries de casos, estudos retrospectivos e alguns (ou mais) de uma (ou mais) das seguintes características·
prospectivos. Alguns estudos st1gere111 que há diminuição (a) preocupação persistente acerca de ter ataques
da frequência e da inte11sidade dos ataques do pânico. Um adicionais; (b) preocupação acerca das implicações do
estudo prospectivo acon1panhou n1ulheres por seis anos e ataque ou suas consequências (p. ex., perder o controle,
observou que 57% as portadoras do TP tiveran1 recorrên- ter um ataque cardíaco, "ficar louco"); (c) uma alteração
cia dos si11tomas na gestação.'' Outro estudo 111ostrou que comportamental significativa relacionada aos ataques.
numa amostra de 600 gestantes, 43 (4%) apresentava1n
TP, e, dessas, cinco ( 11 % ) tiveram seu prin1eiro ataque de
pânico durante a gestação. 1~
Ansiedade durante a gestação está relacionada a au- TEPT (TRANSTORNO DE ESTRESSE
mento da resistência da artéria uterina, levando a cresci- PÓS-TRAUMÁTICO)
me11to intraL1teri110 retardado e recén1-nascido de baixo O TEPT se caracteriza pela exposição a um evento
peso. E os ataqt1es de pânico podem estar associados a traun1ático, seguido de revivência do trauma, esqt1iva e
descolamento da placenta, parto prematuro e con1plica- l1iperexcitabilidade.:;
ções obstétricas. 15•1
(>
Um evento traL1mático pode ser uma situação vivida
Dura11te o pós-parto, não parece haver dúvida de que ou testemunhada que envolva morte ou grave ferime11to,
ocorre exacerbação dos sintomas do transtor110 preexis- reais ot1 ameaçados, ou uma an1eaça à integridade física,
tente e também alta taxa de aparecimento dos sinton1as levando a 1nulher a experi111entar medo, impotência OLl
pela primeira vez. Num estudo com a participação de 64 horror.
mulheres portadoras de transtor110 do pâ11ico, verificou- A revivência do trauma pode ocorrer pela len1bra11ça
-se que 10,9% delas tiveran1 o início da sinton1atologia ,,ívida do evento traumático por meio de imagens n1en-
11as primeiras doze sema11as de pós-parto. Essa taxa é tais, pe11samentos, percepções, so11hos ou flas/1backs,
co11sideravelmente 1naior do que a esperada para um ou- levando a inte11so sofrimento. É con1um a esquiva de
tro período qt1alqL1er de doze sema11as, cerca de 0,92%. 17 situações que possam desencadear as lembranças, como
Mulheres portadoras do TP freque11teme11te têm aL1mento assistir a filmes ou noticiários de violê11cia ou co11versar
significativo da i11tensidade ou da frequência dos ataqt1es sobre o te111a. Pode ocorrer um anestesiainento afetivo
durante o pós-parto. Um estudo realizado em Recife mos- e isolan1ento social. Outros sintomas são insônia, hiper-
trou prevalência de 3,3% de TP nas puérperas. vigilância, a11siedade, irritabilidade e sensação de estar
Tratamentos não farmacológicos podem ser úteis no sempre alerta.
TP, con10 técnicas de relaxamento, controle respiratório e O TEPT tem prevalência e111 torno de 5 a 10% na
de reavaliação de sensações corporais. Essas técnicas são, população geral. Os fatores de risco atribuídos ao TEPT
geralmente, associadas a abordagens comportan1entais e1n mais citados são: fatores genéticos, experiências infantis
que a paciente é orientada a enfrentar, de forma gradual adversas e existência prévia de transtor11os psiquiátricos
e sistemática, as situações que ll1e causam desconforto. e de personalidade, alén1 de baixa condição econômica e
O tratamento farn1acológico tem como objetivo blo- educacional.
quear os ataqL1es de pânico. Dada sua n1aior segurança Acredita-se que os si11tomas do TEPT refletem as al-
e1n caso de intoxicação e a facilidade de administração, terações e/ou a má adaptação do sistema neurobiológico
os ISRS tornaram-se a primeira li11ha de tratamento do induzidas pela exposição à situação estressante grave. Os
TP. Algu11s pacie11tes apresentam un1a hipersensibilidade sistemas neL1robiológicos qtie têm sido implicados na pa-
inicial ao antidepressivo, o qt1e pode levar a si11to1nas como tofisiologia do TEPT incluem o eixo HHA (hipotálamo-
nervosismo, agitação, i11sônia e ataqL1es de pâ11ico. Por isso, -hipófise-adrenal, assim como neurotrans1nissores e neu-
o recomendado é i11iciar o antidepressivo etn dose mais ropeptídios presentes en1 regiões do cérebro que regulam
baixas daquelas prescritas para pacientes deprimidos. An- as respostas de medo e estresse, con10 o córtex pré-frontal,
tidepressivos tricíclicos também podem ser usados. hipocampo, amígdala e núcleos da base.
Os benzodiazepínicos são eficazes e ten1 t1m i11ício de O TEPT ocorre mais em mulheres do qt1e em ho1nens
ação rápida; por isso, em casos mais gra\'es, poden1 ser após uma exposição a um eve11to traumático. Os hon1ens
úteis 110 início do tratamento. Caso haja a opção pela sofrem 111ais frequentemente eventos traumáticos que as
associação inicial e11tre ISRS e be11zodiazepínicos, após 1nLtlheres, 1nas a 111ulher é até dt1as vezes mais suscetível a
algt1mas sen1anas, os últin1os poden1 ter sua dose reduzi- desen,,olver o TEPT. O e,,ento traumático n1ais frequente
da e, posteriormente, suspe11sa en1 algun1as sen1anas para em n1ulheres é a violência sexual; já nos homens, é a violên-
evitar que ocorra dependê11cia e tolerância. cia física, os acidentes de trânsito e os combates em guerras.

185
Tratado de Saúde Mental da Mulher

Essa diferença entre os gê11eros nas taxas de TEPT deve-se a Qua11do ocorrem complicações obstétricas ou compli-
características sociais e genéticas e também ao tipo de trau- cações neonatais, é compreensível que esse momento da
ma n1ais prevalente em homens e mulheres. 111 vida da mulher seja traL1n1ático. Mulheres q11e sofre1n cesa-
O TEPT, quando ocorre 11a gestação, pode ser causa de riana de urgência, mulheres cujo recém-nascido é extraído
parto pren1aturo e recén1-11ascido de baixo peso. com o uso de fórceps ou a vácuo ou que passain por algun1
Quanto ao pós-parto, é recente o reconhecimento de procedimento obstétrico de urgência podem considerar o
que a mulher pode dese11volver o TEPT após un1 parto parto corno traumático, assim como aquelas qL1e tiveran1
traumático. O parto traumático é definido como "um un1 bebê prematuro ou bebê que necessitou de internação
evento ocorrido durante o trabalho de parto ou no par- em unidades de terapia intensiva ou um bebê que tinha
to que envolve real OLl temida lesão física ou morte da algu1n comprometimento de saúde ou que faleceu.
n1ulher OLI do recém-nascido, durante o qual a puérpera Mas é recente o reconheci1ne11to de que o parto con-
experin1e11ta 111edo intenso, desamparo, perda de controle siderado pela equipe de saúde rotineiro e 11ormal possa
e horror'~14 2 u ser para algun1as mL1lheres um parto traumático. A essa
Os at1tores deste capítulo fizeram u1na revisão sobre situação se relaciona a apresentação, durante o trabalho
o te1na e observaram qL1e o parto traun1ático não é um de parto, de n1edo inte11so de morrer ou medo intenso da
evento raro; pode ocorrer em cerca de 30% das puérperas, morte do bebê; se11tir dor intensa e prolongada; perceber a
conforme mostra a Tabela 20.1. 2 1 assistência da equipe de saúde como inadequada; ter falta
No estudo conduzido por Cheryl Beck, 2º participaram de infor1nação quanto ao procedimento a que está sendo
23 mull1eres da Nova Zelândia, oito dos Estados U11idos, submetida; ter a se11sação de perda de co11trole; ou sofrer
seis da Austrália e três do Reino Unido. Elas foram con- alguma experiência humilhante. 22 ,.!3
vidadas a participar do estudo por meio de t1m site sobre São mais suscetíveis à vivência do parto traumático
parto trat1mático e escreveram à pesquisadora, por e-n1ail, as mulheres que vi,,eram eventos traumáticos prévios,
sobre suas experiências do parto. Ao analisar o que foi principalmente violências físicas, abuso sexual OLl parto
escrito por estas mulheres, Cheryl Beck ide11tificou que traumático anterior. Mulheres ansiosas, qt1e apresentam
havia qLtatro temas predominantes: ansiedade na gestação, 1nulheres con10 baixa capacidade
• dL1rante o parto, as 1nulheres tinham sensação aban- de solucio11ar problemas, aquelas que têm pouco supor-
dono e solidão, sentian1 sua dignidade ferida e ti11ham te social ou medo intenso do parto também são mais
pouco suporte. Considera1n o atendimento recebido vulneráveis. 2 1
110 parto como "mecâ11ico': "arrogante", "frio, "técnico" O parto traumático pode trazer repercussões negativas
(( . ))
à vida psíquica da mulher. Ela sofre desapo11tamento,
e sem empatia ;
• consideram falha a comu11icação da equipe de saúde; perde o sonho que foi construído durante a gestação
a equipe discutia entre si mas não dava inforn1ações à para o momento do parto e frequentemente julga a si
puérpera sobre o qL1e estava acontecendo; própria como tendo sido inadequada e incapaz. 22 •25 Essas
• quando elas percebiam que o atendi1nento durante o n1ulheres podem alterar o planejamento familiar e passar
parto era inadequado, passavam a te1ner pela sua vida a não desejar mais ter filhos, 26 a ter 111edo do parto ou
e pela do bebê; mudar a decisão quanto à via de parto do próximo filho,
• a equipe de saúde considera um parto de sucesso passando a querer ser subn1etidas a uma cesaria11a se o
quando 11ão há complicações com a mãe ou o recém- parto anterior foi transpelviano. 25 Além disso, podem
-11ascido, sem dar importância a como foi a percepção ter prejuízos no aleitamento materno e na relação co1n o
do parto pela puérpera. recém-nascido. 26

Creedy e cols. 2000 Austrália 499 4-6 semanas PSS 33%


entrevista por telefone

Soet e cais. 2003 EUA 103 1 mês TES autorresposta em casa 34%
Olde e cols. 2005 Holanda 140 3 meses PSS-SR autorresposta em casa 21,40%
Gamble e
cais. 2005 Austrália 348 4-6 semanas MINI-PTSD entrevista 29,60%
PSS· Posttraumatic Stress Symptoms Scale
PSS-SR. Posttraumatic Stress Symptoms Scale-Self Report version
TES· Trau,natic Event Scale
MINI-PTED: Mini-lnternational Neuropsych,atric lnterview-Posttraumatic stress disorder

186
Capítulo 20 - Transtornos de ansiedade na gestação e pós-parto

O e\'ento trau111ático em si não é determinante para A prin1eira li11ha do tratamento farn1acológico para
o desenvolvin1ento de transtornos psiquiátricos, pois o TEPT são os ISRS, mas, muitas vezes, faz-se o uso de
depende da capacidade indi, idual de processamento da
1 betabloqueadores, benzodiazepí11icos e estabilizadores do
men1ória do eve11to traun1ático e das emoções. Co11tudo, hu1nor.
observa-se que cerca de l a 6% das 1null1eres que sofreram
um parto traL1mático desenvolve o TEPT. 21 TOC (TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO)
Os fatores de risco associados à ocorrência de TEPT O TOC é L1111 quadro de obsessões e con1pulsões recor-
110 pós-parto são: ter parto pre1naturo, recém-nascido de rentes, suficie11te111e11te graves para consumire111 ten1po
baixo peso ou que necessitou i11ternação en1 UTI, sofrer (isto é, n1ais de uma hora por dia), que modificam o con1-
co1nplicações obstétricas, ter pouco suporte social, ser se- portan1ento, causa111 sofrime11to ace11tuado ou prejL1ízo
parada, ter uma gestação não desejada, sofrer experiê11cia fL1r1cional significativo.
dissociativa no periparto e respostas emocio11ais 11egati, as 1 Obsessões são pensan1entos ou ideias, in1pulsos, i111a-
e ter história prévia de transtornos psiquiátricos. 21 gens ou ce11as que i11, adem a consciência, contra a
1

O TEPT pós-parto pode trazer co11sequências para o pla- vontade do 111divíduo, de forma repetiti,,a, persiste11te
nejan1ento familiar; algu1nas n1ulheres passan1 a 11ão desejar e estereotipada. São experi111entadas como intrusi,,as e
ter mais filhos em razão do n1edo de um no,,o parto. A rela- inapropriadas (ou seja, egodistônicas). O indivíduo tem
ção 111àe-bebê é prejudicada, pois a mulher tem re,i., ências
1 o senti111e11to de que o conteúdo da obsessão é estranho,
e e,i.tações ao que a faz se len1brar seu parto. Também são não está de11tro de seu próprio controle nen1 é um tipo de
afetadas a relação conjugal e a qL1alidade de \rida da mulher. 19 pensamento qL1e ele esperaria ter, mas é capaz de reconl1e ·
A intervenção psicoterápica logo após o evento trau- cer como produtos de SLta própria mente e 11ão i1npostos
mático pode ser eficaz na redução da angústia imediata e de fora (co1no na i11serção de pensamento). O i11divídt10
pode ainda evitar reações crônicas ou postergadas. percebe as obsessões con10 excessivas e irracionais. Elas
Várias técnicas cognitivas e con1portamentais têm não são n1eras preocupações com problemas da vida e são
conquistado popularidade e validação crescentes 110 tra- acon1panhadas de ansiedade ou desconforto ace11tL1ados.
tamento do TEPT. Téc11icas de relaxa1nento redL1zem a O indivídt10 te11ta resistir a elas, ig11orá-las ou neutralizá-
tensão 1notora e os efeitos da ati, idade do sistema r1ervoso
1
-las com ações OL1 outros pe11samentos.
autônon10. Terapia de exposição e reestruturação cog11iti- Con1pulsões são comportan1e11tos ou atos n1e11tais
''ª ta1nbén1 pode111 ser Lttilizadas. que a pessoa é le,,ada a executar, em resposta a L1n1a

A. Exposição a um evento traumático no qual os seguintes quesitos estiveram presentes: (1) a pessoa v1venc1ou,
testemunhou ou foi confrontada com um ou mais eventos que envolveram morte ou grave ferimento, reais ou
ameaçados, ou uma ameaça à integridade física, própria ou de outros, (2) a resposta da pessoa envolveu intenso
medo, impotência ou horror;
B. O evento traumático é persistentemente revivido em uma (ou mais) das seguintes maneiras: (1) recordações aflitivas,
recorrentes e intrusivas do evento, 1nclu1ndo imagens, pensamentos ou percepções; (2) sonhos aflitivos e recorrentes
com o evento; (3) agir ou sentir como se o evento traumático estivesse ocorrendo novamente (inclui um sentimento
de revivência da experiência, ilusões, alucinações e episódios de flashbacks dissoc1at1vos, inclusive aqueles que ocorrem
ao despertar ou quando intoxicado); (4) sofrimento ps1cológ1co intenso quando da exposição a 1ndíc1os internos ou
externos que simbolizam ou lembram algum aspecto do evento traumático; (5) reatividade fisiológica na exposição a
indícios internos ou externos que simbolizam ou lembram algum aspecto do evento traumático.
C. Esquiva persistente de estímulos associados com o trauma e entorpecimento da responsiv1dade geral (não presente
antes do trauma), 1nd1cados por três (ou mais) dos seguintes quesitos: (1) esforços no sentido de evitar pensamentos,
sentimentos ou conversas associadas com o trauma; (2) esforços a fim de evitar at1v1dades, locais ou pessoas que ativem
recordações do trauma; (3) incapacidade de recordar algum aspecto importante do trauma; (4) redução acentuada do
interesse ou da participação em at1v1dades s1gn1f1cat1vas, (5) sensação de distanciamento ou afastamento em relação
a outras pessoas; (6) faixa de afeto restnta (p. ex., 1ncapac1dade de ter sentimentos de carinho); (7) sentimento de um
futuro abreviado (p ex, não espera ter uma carreira profissional, casamento, filhos ou um período normal de vida).
D Sintomas persistentes de exc!tabiltdade aumentada (não presentes antes do trauma), 1nd1cados por dois (ou mais) dos
seguintes quesitos: (1) dificuldade em conciliar ou manter o sono; (2) 1rntab1ltdade ou surtos de raiva; (3) dificuldade
em concentrar-se; (4) hipervig1lância; (5) resposta de sobressalto exagerada.
E. A duração da perturbação (sintomas dos crrtérros B, C e D) é superior a um mês.
F A perturbação causa sofrimento clinicamente s1gn1ficat1vo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em
outras áreas importantes da vida do indivíduo.

187
Tratado de Saúde Mental da Mulher

obsessão ou em virtude de regras que devem ser seguidas "pensar em agredir meu indefeso bebê é tão ruim qua11to
rigidamente. Os comportamentos ot1 atos n1entais são agredir de fato"). Consequente1nente, podem te11tar afas-
destinados a prevenir ou reduzir o desconforto associado tar da mente os pensamentos obsessivos por meio de st1-
à obsessão, prevenir algun1 evento ou situação temidos e, pressão ou desenvolvendo pensamentos neutralizadores
em geral, não apresentam uma conexão realística ou direta ou atos compulsivos.
co1n o que pretendem evitar, ou são claramente excessivos. O n1ecanismo neurobiológico preciso do TOC no pós-
O TOC tem prevalência de 2 a 3% na população -parto não é elucidado. Provavelmente, a flutuação dos níveis
geral de adultos, e, em sua etiologia, fatores genéticos e dos horn1ônios gonadais no periparto predispõe a mulher ao
ambientais e alterações no sistema serotoninérgico estão TOC, pois o estrogênio e a progesterona têm papel impor-
envolvidos. ta11te no funcionamento do sistema serotoninérgico cerebral.
O puerpério é conhecido co1no o principal fator rela- A ocitocina também tem sido relacionada ao TOC. A oci-
cionado ao desencadeamento ou exacerbação de sintomas tocina é um neuropeptídeo responsável pela lactação e l)ela
do TOC, provavelmente por causa das alterações hormo- contração uterina que está fisiologican1ente aumentada no
nais e psicossociais próprias desse período. Estudos de final da gestação e no pós-parto, e é possível que teima papel
prevalência do TOC especificamente no pós-parto mos- importante na fisiopatologia do TOC no pós-parto.
tram taxas de 2,6 a 9%. 7·25- 28 Em virtude da prese11ça de pensamentos obsessi\'OS
Obsessões e compulsões no pós-parto frequentemente agressivos, a mulher pode considerar-se uma pessoa pe-
têm o bebê como contexto. No estt1do realizado em Reci- rigosa ou ruim e responsável pelos atos que podem aco11-
fe, das 36 puérperas com diagnóstico de TOC, 28 (77,8%) tecer (p. ex., "este pe11samento significa que eu sou uma
apresentava1n obsessões de conteí1do agressivo. Alguns pessoa perigosa': "et1 tenho que tomar muita precaução
exemplos são imagens recorrentes do bebê sangrando ou para que as coisas não percam o co11trole"). Co11seqL1ente-
n1achucado, pensamento intrusivo de jogar o bebê pela mente, ela pode temer e evitar estar sozinha co1n seu filho.
escada, de colocá-lo no micro-ondas, de jogá-lo contra a A terapia comportamental utiliza para tratan1ento pro-
parede, pensamento recorrente que o bebê morreu subi- cedime11tos de exposição que visam reduzir a ansiedade
tamente no berço. Na mesma frequência, essas puérperas associada a obsessões e enfrentamento de medos obsessi-
relatavam ter obsessões com conteúdos de contaminação vos e técnicas de prevenção de resposta que visam redL1zir
como pensamento intrusivo e recorrente que o bebê será a frequência de rituais ou de pensan1entos obsessivos.
contaminado com germes ou adoecerá. Nesse mesmo es- O primeiro medicamento extensivan1e11te estudado
tudo, foi observado que 26 (72,2%) puérperas com TOC para o tratamento do TOC foi a clomipramina. No entan-
apresentavam compulsão de limpeza e lavagem, geral- to, por terem os ISRS eficácia praticamente igual à clo1ni-
mente envolvendo limpeza de itens da casa e do bebê, e 25 pramina e com perfil mais tolerável de efeitos colaterais,
(69,4%) compulsão de checagem, como verificar se o bebê eles passaram a ser a primeira linha de tratamento.
está vivo ou se está respirando.
E importante distinguir obsessões de conteúdo agres- ESPECIFICIDADES DO TRATAMENTO
sivo do TOC das ideias infanticidas que podem ocorrer FARMACOLÓGICO DOS TRANSTORNOS ANSIOSOS
na psicose puerperal. Na psicose puerperal, há outros NA GESTAÇÃO E PUERPÉRIO
sintomas como agitação, confusão mental e alterações de Tanto na gestação como no puerpério, devem ser Lttili-
humor, e as ideias infanticidas são decorrentes de ideias zados preferencialmente tratamentos não farmacológicos,
delirantes. Pensan1entos agressivos contra o bebê na psi- como TCC (terapia cognitivo-comportamental) ou tera-
cose puerperal são egossintônicos e estão associados a alto pia interpessoal. Se for necessário o uso de medicações,
risco de infanticídio. Já no TOC, pensamentos agressivos elas devem ser prescritas na me11or dose efetiva e t1tiliza-
contra o bebê são egodistô11icos, indesejados, levam a das pelo menor tempo possível. No entanto, deve-se ter a
intenso sofrimento e ansiedade, fazendo a mãe normal- sensatez de não utilizar doses menores do que as neces-
mente se afastar do bebê. 29 sárias para a resposta ao tratamento. Assim evita-se que
Na hipótese do modelo cognitivo-comportame11tal, a paciente fique exposta ao medicamento e ao transtorno
pensamentos obsessivos normais e passageiros poden1 ansioso ao mesmo tempo.
tornar-se disfuncionais no puerpério. 29 A vivência de uma Considerando-se a eficácia e segurança, os ISRS cons-
situação nova e estressante e o súbito aumento de respon- tituem a primeira linha no tratamento dos transtornos
sabilidade, associado à característica de personalidade e ansiosos na gestação e pós-parto. Outras classes de anti-
crenças prévias, fazem as novas mães valorizarem os pen- depressivos, como os tricíclicos, devem ser co11sideradas
samentos obsessivos, aumentarem sua importância e o quando não houver resposta aos ISRS ou quando os
perceberem como uma ameaça. As puérperas podem su- efeitos colaterais excedem os benefícios. Já os IMAOs (ini-
perestimar o perigo e o risco e temer que os pensamentos bidores da monoami110-oxidase) não são considerados
se concretizem. Também podem apresentar intolerância à alternativas ao trata1nento em razão de seu risco potencial
incerteza e considerar que pensar equivale a agir (p. ex., de efeitos colaterais, sobretudo hipertensão.

188
Capítulo 20 - Transtornos de ansiedade na gestação e pós-parto

A. Obsessões ou com pulsões: Obsessões, definidas por (1 ), (2), (3) e (4): (1) pensamentos, impulsos ou imagens recorrentes
e persistentes que, em algum momento durante a perturbação, são experimentados como intrusivos e inadequados e
causam acentuada ansiedade ou sofrimento; (2) os pensamentos, impulsos ou imagens não são meras preocupações
excessivas com problemas da vida real; (3) a pessoa tenta ignorar ou suprimir tais pensamentos, impulsos ou imagens,
ou neutralizá-los com algum outro pensamento ou ação; (4) a pessoa reconhece que os pensamentos, impulsos ou
imagens obsessivas são produto de sua própria mente (não impostos a partir de fora, como na inserção de pensamentos).
Compulsões, definidas por (1) e (2): (1) comportamentos repetitivos (p. ex., lavar as mãos, organizar, verificar) ou atos
mentais (p. ex., orar, contar ou repetir palavras em silêncio) que a pessoa se sente compelida a executar em resposta a
uma obsessão ou de acordo com regras que devem ser rigidamente aplicadas; (2) os comportamentos ou atos mentais
visam prevenir ou reduzir o sofrimento ou evitar algum evento ou situação temida; entretanto, esses comportamentos ou
atos mentais não têm uma conexão realista com o que visam neutralizar ou evitar ou são claramente excessivos.
B. Em algum ponto durante o curso do transtorno, o indivíduo reconheceu que as obsessões ou compulsões são
. . . .
excessivas ou 1rrac1ona1s.
C. As obsessões ou compulsões causam acentuado sofrimento, consomem tempo (tomam mais de uma hora por dia) ou
interferem significativamente na rotina, funcionamento ocupacional (ou acadêmico), atividades ou relacionamentos
sociais habituais do indivíduo.
D. Se um outro transtorno do Eixo I estiver presente, o conteúdo das obsessões ou compulsões não estará restrito a ele
(p. ex., preocupação com alimentos na presença de um transtorno alimentar; puxar os cabelos na presença de tricotilomania;
preocupação com a aparência na presença de transtorno dismórfico corporal; preocupação com drogas na presença de um
transtorno por uso de substância; preocupação com ter uma doença grave na presença de hipocondria; preocupação com
anseios ou fantasias sexuais na presença de uma parafilia; ruminações de culpa na presença de um transtorno depressivo
maior).
E. A perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) ou
de uma condição médica geral. Especificar se:
• Com insight pobre: se, na maior parte do tempo durante o episódio atual, o indivíduo não reconhece que as obsessões e
compulsões são excessivas ou irracionais.

Os benzodiazepínicos têm como característica um iní- do tratamento deve levar em conta vários fatores, como a
cio de ação rápido e diminuição marcante dos sintomas de gravidade do transtorno, a história pregressa da paciente e
ansiedade. Em razão de seu risco de dependência, tolerân- sua opinião quanto ao uso de psicofármacos na gestação.
cia e absti11ência, devem ser usados preferencial1nente por O conhecimento que se tem acumulado nos últimos
curto período, em geral nas primeiras semanas do início trinta anos sobre ai1tidepressivos na gravidez apo11ta para
do tratamento, até que o ISRS tenha seu efeito mais nítido. que possa haver mais possíveis benefícios do que possíveis
riscos, sobretudo em casos moderados a graves. Por terem
sido estudados extensivamente e demonstrado ser segu-
Considerando o fato de que os psicofármacos atra- ras, sugere-se que a primeira escolha de antidepressivos
vessam a barreira place11tária e de que alguns podem na gestação seja a fluoxetina ou a sertralina. Estudos com
ter efeitos no desenvolvimento fetal, antes de se iniciar ISRS (fluoxetina, sertralina, citalopram, fluvoxami11a)
uma medicação na gestação, é necessário que avaliar os não têm evidenciado de forma consistente um risco de
possíveis riscos do uso das medicações versus os possíveis malformações fetais maior do que o risco da população
riscos da ansiedade para a mãe e o feto. em geral. Houve pesquisas que demonstraram associação
O uso de psicofármacos na gestação requer atenção aos do Liso de paroxetina durante o primeiro trimestre de
possíveis riscos para o bebê relacionados a: malformações gestação e malformações cardíacas no recém-nascido,
fetais ou teratogê11ese; complicações obstétricas, como mas esse dado não foi confirmado em outros estudos.
abortamento, parto prematuro, recém-nascido de baixo Há uma associação entre complicações perinatais (como
peso; toxicidade ou síndrome de abstinência no período taquipneia, cianose e parto prematuro) e uso de ISRS no
neonatal; sequelas neurocomportamentais a longo prazo. terceiro trimestre. Contudo, ansiedade e estresse grave
É importante que o clínico tenha informações do perfil não tratados na mãe também podem provocar complica-
de segurança do psicofármaco que pretende prescrever ções semelhantes. 30
quanto aos parâmetros anteriores. Os antidepressivos tricíclicos também não parecem
Não existe um guideline que instrui como devem ser aumentar o risco de malformações. Seu uso próximo ao
tratados os transtornos de ansiedade na gestação. A escolha parto pode causar toxicidade neonatal ou síndrome de

189
Tratado de Saúde Mental da Mulher

retirada, co111 sir1ton1as co1110 letargia, l1ipoto11ia, consti- Ai11da existe111 pot1cos estL1dos con1 os antidepressivos
pação, taqt1icardia e rete11ção t1ri11ária. ,,enlafaxi11a, 111irtazapina, bt1propiona, duloxetina e escita-
~ada te111 sugerido que haja L1n1 at1n1ento de defeitos lopra111 dura11te a lactação, 111as os dados i11iciais SL1geren1
co11gê11itos quando da exposição a a11tidepressivos n1ais que 11ão há co11traindicação para uso durante a lactação.
110,·os usados para tratamento dos transtornos ar1siosos Con10 regra geral, os benzodiazepínicos c.ie,,en1 ser
con10 ve11lafaxina, 111irtazapi11a e escitalopran1, n1as os es e,·itados e111 mulheres a1na1ne11tando. Quando seL1 uso
tudos ainda são proporcionaln1ente e111 peque110 11ú111ero. for impresci11dível, deve ser dada preferência às drogas
Be11zodiazepínicos poden1 causar depe11dência e síndro1ne con1 111eia-,·ida curta, con10 alprazola111 e lorazepan. 33 Se
de abstinê11cia no recé111-11ascido e de,·c111 ser e,·itados se possí,,el, procLtra-se fazer uso inter1nitente, con1 doses
esti, ere111 dispo11í,·eis outras alternati,,as de tratan1ento.
1 peqLtenas, pelo n1enor tempo possí\·el e i11icia11do após
Existe un1a contro,•érsia qt1a11to à associação de be11zodia- a primeira sen1ana de ,•ida c.io bebê. Nles1no te11do sido
zepí11icos 110 pri111eiro trin1estre e malforr11ações orofaciais. den1onstrado qL1e alprazola111, loraze111, clo11azepan1 e
diazepa1n e111 doses baixas são seguros ao recén1 -11ascido,
é in1portar1te 111onitorizar o bebê qua11to à sonolência ex-
A peculiaridade do trata111e11to dos transtor11os a11siosos cessi,·a, dificL1ldade para an1an1e11tar por causa de ret1exo
e111 puérpcras é o aleita111e11to n1aterno. O aleita111ento 111a- de sucção c.ii1ninuído e depressão respiratória.
terno está relacionado a be11efícios de ordem imt1nológica, Para mi111111izar a exposição do recén1-11ascido, a 1nãe
afetiva, eco11ômica e social. A Sociedade Brasileira Pedia- pode ser orie11tada a 11ão a111a111entar nas horas de pico
tria segue a recon1e11dação da O.NlS (Orga11ização Mundial de conce11tração da droga. Drogas con1 meia-, ida longa
1

de Saúde) e orienta aleitan1c11to mater110 exclusi,•o até os de,,em ser e,•itadas. Os pais se111pre de,,e1n ser edt1cados
seis n1eses e ma11utenção ate os dois a11os de idade junto qt1anto aos possí,•eis efeitos colaterais de i11toxicação do
con1 outros alimentos. Entre os ,,ários fatores que muitas lactente, co1110 sonolência, alteração no padrão de sono
,·ezes leva111 à suspensão do aleitamento 111ater110, un1 deles OLt de alin1e11tação e irritabilidade.
é a exposição dos lactantes a 111edicações 1naternas.
-
A 111aioria das i11forn1ações sobre a segurança de 111e- CONSIDERAÇOES FINAIS
dicações no aleita111e11to é deri,•ada de relatos de casos Um aspecto rele, a11te a ser cor1siderado pelos clínicos é
1

0L1 de estudos retrospectivos de caso-controle. Estudos o fato de ser i11correto conclt1ir que as n1ulheres grá,·idas
prospecti,1os de coorte são raros, e e11saios clí11icos be111 e 110 puerpério estão funcio11a11do ben1 ape11as porqt1e
co11trolados 11ão tê111 sido realizados por questões éticas. ~ elas 11ão pree11che1n critérios para depressão. Os ciados
Na 111aioria das vezes, não são ,,erificados altos 11íveis apresentados 11esse capítulo st1gerem que 1nL1itas 111ull1e-
plas111áticos da droga OLt efeitos colaterais sig11ificativos res \ ive11cia111 distúrbios pote11cialn1ente não c.ietectados
1

110s bebês expostos a a11tidepressi,,os, e a reco111endação quando ape11as a depressão é pesquisada nesse período.
é qt1e sejan1 Ltsados sern interrLtpção da an1an1entação. As altas taxas de ansiedade, muitas ,·ezes e1n con1or-
Obvian1e11te, o recén1-nascido deve ser ben1 observado. bidade com a depressão, pode111 servir co1110 alerta aos
Os ISRS, paroxeti11a, sertralina e f1u, oxan1ina não
1 pesqt1isadores para a necessidade de criação e validação
den1011straram risco ao lactente. A sertralina é ben1 estu de escalas de a11siedade para uso no período gra, ídico-1

dada: en1 11enhun1 estt1do foi demonstrado efeito colateral -puerperal. Apesar de sere111 ,·astan1ente utilizados na
110 lacte11te, e alguns estudos, ainda, SL1gere1n que ela deve população geral en1 pesquisa, os instru1ne11tos de autoa-
ser a prin1eira escoll1a para tratan1ento e.ia lactante. A fluo - ,,al iação para ansiedade ainda 11ão foram ,·ali dados para
xeti11a é u111 dos a11tidepressivos também ben, estt1dados uso nesse período peculiar da vida da 111L1lher. Dadas as
na lactação, e deve ser usada com cautela, pois tanto ela muda11ças fisiológicas, sociais e psicológicas qL1e acor11pa-
con10 seu metabólito tên1 n1eia-\ ida lo11ga. AlgL1ns relatos
1
11han1 esse período, o estabeleci111ento de pontos de corte
de casos descrevera1n efeitos colaterais en1 recém-nasci- adequados, além de 11orn1as e adaptações para uso no
dos de n1ães em uso de fluoxetina, como irritabilidade, puerpério, é essencial para a i11terpretação do sig11ificado
cólicas, choro incontrolá,,el e distúrbios do sono, mas há clínico dos achados de pesquisas e facilitação de compa-
outros estudos qt1e 11ão conseguira111 den1onstrar esses rações entre diferentes culturas.
efeitos colaterais. Em um estudo, foran1 encontradas altas Estt1dos futuros que possan1 a11alisar possíveis diferen-
conce11trações de citalopran1 110 plasn1a e leite de bebês de ças na aprese11tação de si11tomas, na resposta terapêutica
puérperas t1sando altas doses dessa 1nedicação, por isso e no prog11óstico da depressão pós-parto qL1a11do en1
ela também de,,e ser usada con1 cautela nas lacta11tes. ~.? associação aos transtor11os a11siosos serão be111-vindos.
Os relatos de casos e estudos co1n a11tidepressivos tricícli- Outro aspecto relevante a ser pesquisado é a obser,1ação
cos, nortriptilina, an1itripitilina, in1ipramina, desipramina, das repercussões sobre a relação n1ãe-bebê e o desen,•ol -
por não terem demonstrado altos níveis séricos nem efeitos \1in1ento cog11itivo e afetivo a lo11go prazo que considere
colaterais 110 lactente, concluen1 que o tratan1ento da puérpe- os transtornos de ansiedade, ou sua co111orbidade cor11
ra con1 as doses habituais oferece riscos bai.xos para o bebê. depressão, con10 ,,ariá\ el potericialmente danosa.
1

190
Capítulo 20 - Transtornos de ansiedade na gestação e pós-parto

Espera-se que esses estudos tan1bén1 otereçam dados Screening Cnit (P~D-ReScU) study. Journal of Atlecti\'e Di-
para aperfeiçoa111ento dos sisten1as 11osográficos. Já existem sordcrs. 2010;122:139-43.
apelos para que o DSiv1-V considere as recentes evidê11cias 15. Cohen LS, Rosenbaum JF, Helen VL. Panic attack asso-
referentes ao TEPT relacionado a fatores perinatais co1no ciated placenta abruption: a case report. j Clin Psych1atry.
relevantes para especificações diagnósticas. É possível qLte l 989;50:266 7.
te11han10s, no futuro, dados de particularidades desse e de 16. B{1nhidv• F, Ács N, llhó E, Czeizel AE. Association bet\veen n1ater-
outros transtornos 111e11tais que seja111 suficie11tes para que nal pan1c disorder an<l pregnancy con1plications and deli\'ery ou-
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191
Aspectos clínicos e
neuroendócrinos do
estresse gestacional
Sílvia Lucía Gaviria Arbelaez

-
INTRODUÇAO individuais são quase sempre fortes, mas, mais fre-
A maioria dos distúrbios mentais e do neurodesenvol- quentemente, a psicopatologia resulta da interação de
\'imento não te1n uma causa linear; é resultado da inte- múltiplos fatores de risco e fatores protetores, alguns
ração er1tre fatores de risco ge11éticos e ambientais. O es- genéticos e outros ambientais;
tresse materno pode ser atribL1ído a fatores psicossociais, • um conceito central: esse é o objetivo de muitas
complicações obstétricas, doe11ças psiquiátricas, resposta pesquisas do desenvolvin1ento; refere-se à ênfase na
emocional à gravidez ou outras causas. Essas variáveis compree11são dos processos de desenvolvimento e
produzem, na mãe, respostas emocionais e fisiológicas investigação do surgin1ento de padrões de adaptação
que afeta1n o bem-estar fetal. As respostas en1ocionais e e má adaptação ao longo do tempo. A análise do de-
fisiológicas da mãe a estressores, por sua vez, manifestam- senvolvime11to, portanto, tende a ser progressiva, un1
-se em alterações fisiológicas e metabólicas, tais como passo após o outro, reconhecendo con10 os mecanis-
hipóxia, aun1ento dos ní\reis de cortisol, des11utrição e mos causais podem envolver processos dinâmicos no
presença de substâncias tóxicas no sangue, que podem tempo, usando várias vias para chegar a resultados
afetar a unidade materno-fetal e, obviamente, o ambiente semelhantes;
uteri110. O feto pode responder de maneira adaptativa ou • L1n1 enfoque sobre a relação entre normalidade e
mal adaptativa. Essa cadeia de acontecimentos criaria um patologia: muitos estudos causais tên1 se baseado na
círculo vicioso entre a saúde n1aterna e a saúde fetal. Há ideia de que as categorias diagnósticas representam
evidências suficientes de que muitos dos distúrbios neL1ro- algum tipo de verdade diferente do comportamento
lógicos e comportamentais expressos após o nascimento normal. Em contrapartida, muitos conceitos psico-
têm suas origens dura11te a vida fetal. patológicos de desenvolvimento são d imensionais,
Nas últimas décadas, tem surgido como uma 11ova ciên- sendo necessário considerar as variações ao longo
cia, a psicopatologia do desenvolvimento, que se refere do tempo.
ao estudo da origem e evolução dos padrões indi\riduais
de con1portamentos desajustados. Isso leva à integração de Além disso, a probabilidade de doença crônica é for-
uma variedade de disciplinas, como epidemiologia, ge- temente i11flue11ciada pelas condições ambientais vigentes
nética, psiquiatria, psicologia, neurociência e psicologia. durante o desenvolvimento. A frequência da doença car-
Há muitas características do neurodesenvolvin1ento díaca, diabetes e saúde mental é substancialmente maior
que poderiam ser importantes, 1nas, em t'.1ltima análise, entre aqueles 11ascidos e criados na pobreza, independen-
pode1n ser reduzidas a três aspectos fundan1entais: temente da classe social atingida posteriormente. A adver-
• con1preensão dos processos causais: sabe-se que a sidade associada à pobreza conduz a famílias incompletas,
111aior parte dos problemas me11tais não ocorre em disfuncionais, muitas vezes cer1ários de violê11cia do-
razão de uma t'.1nica causa linear. Os fatores de risco méstica, consumo de drogas, abuso sexual e negligência.
Tratado de Saúde Mental da Mulher

A reprodL1ção nesse contexto resulta en1 estresse 1naterno, -nascidos, mesmo co1n 111uito baixo peso ao 11asci111ento,
au111ento do risco de infecção - e, portanto, parto pre- aprese11tan1 Ltn1 11í,·el de ,·ariabilidade dos resultados
maturo , morte peri11atal, traun1atismo ao nasci111ento, cog11iti,·os. A e,·idê11cia de Neurobiologia do Desen,·ol,·i-
des11L1trição para a mãe e para o recén1-11ascido e com- n1ento e os estt1dos de i11ter,·enção clinica con1 cria11ças de
pro111eti111e11to gra,·e da qL1alidade da interação 1nàe-filho. alto risco sugere111 que o dese11,•ol,•i1ne11to neurocog11iti,·o
Essas co11tiições definen1 famílias de alto risco. Para a e i11flt1er1ciado pela qualidade do a111bier1te pós-11atal.
cria11ça, essas co11dições criam o potencial para intluen-
ciar o desc11,·ol,·i111c11to de siste111as fisiológicos que regL1-
-
RESTRIÇAO DE CRESCIMENTO INTRAUTERINO E
,
la111 o 111etabolisn10 e a fL1nção cardio,ascL1lar, be1n co1110 EIXO CORT!COTROPICO
processos 11eurais subjace11tes à e111oção e cognição. Esses U111 paradoxo da gra,•idez é o aun1ento dos glicocorti-
efeitos são a base para a \'L1l11erabilidade à doença 1nental. coides suprarre11ais, alta111ente catabólicos, 11a circulação
Tal,,ez o exemplo 111ais dra111ático entre a ad,·ersidade 11a 111aterna. O at1111e11to dos 11íveis de cortisol faz senti<.io
i11fância e o risco de lioe11ça tardia surja de estudos de t)ara a 111ãe. A gra,1idez é u111 período de tie111a11da n1eta
peso ao 11asci1nc11to, processos de crescin1e11to e (ie saúde bólica, e os glicocorticoides at1n1e11tan1 a c.iispo11ibililia(ie
11a ida(ie ac.iLilta. Os i11di,·iduos que eran, peqL1e11os para a de substratos de e11ergia por n1eio da glico11eogênese e
idade gestacior1al st1geren1 algu111as n1edidas de restrição lipólise. Co1110 os esteroides atra,,essan1 facilr11ente a bar-
tic cresci111ento i11trat1teri110 (RCIU) que os expõe a un1 reira placentária, esses rnesn1os hormô11ios catabólicos
risco 111aior e sig11ificati,•o para diabetes tipo II, obesidade poderia111 co1npron1eter o crescin1e11to fetal.
,isceral e l1ipertensào. Os 111aiores preditores de restrição A resolução natural para o paradoxo tie glicocorticoides
do cresci111e11to fetal e parto pre111aturo são o estresse 111a- n1ater110 fetais é a prese11ça de uma enzi111a placentária,
ter110, i11fecção, desnutrição, t1s0 de tabaco, álcool e outras 11 B hidroxiesteroide desidroge11ase tipo 2 ( 11 B-HSD2),
st1bstâncias psicotóxicas. Essas condições são 1nt1ito n1ais qL1e co11,,erte cerca de 95° 0 de cortisol en, cortiso11a inerte.
1

pre,·alentes e111 fa111ílias de classe socioeco11ôn1ica baixa, e No enta11to, a expressão placentária de l 1l3-HSD2 é se11-
os preditores, por st1a ,,ez, de risco aun1entado, tanto para sí,·el à regt1lação a111biental, e a di111inuiçào da fu11ção de
RCIU co1no para parto prematuro. 11 B-HSD2 está associada à maior exposição ao cortisol e,
Da 111esn1a 111a11eira, sabe-se qt1e un1 retardo de cres- consequenteme11te, risco aun1entado de RCIU. O tecido
ci111ento i11trauteri110 aurnenta o risco de tra11stor11os de placentário obtido a partir de gestações de baixo peso ao
l1umor. Alé111 disso, os fatores de risco (estresse n1aterno, 11asci1nento apresentaram reduções significati, as 110 11 B-
1

álcool, tabaco, privação 11utricio11al) para RCIU são ta111- -HSD2 r11RNA e dimint1ição da capacidade de co11,•erter
bém os pri11cipais preditores de transtorno por d~ficit de cortisol e111 cortisona. No entanto, as a111ostras de sangt1e
atenção, con1 risco ainda 1naior se associado a um an1- ,io cordão u111bilical de bebês con1 baixo peso ao 11ascer
biente de baixas condições socioeconô111icas. re,·elan1 ele,·ações sig11ificati,·as ta11to do fator liberador
Os estudos de aco111pa11ha111e11to de cria11ças com re de corticotropina (FLC) como de cortisol. A exposição
tardo do cresci 111e11to i11trat1teri110 n1ostram e,·idê11cias fetal prolo11gada ao cortisol surge con10 un1 n1ecar1is1110
de proble111as associados à atenção e ao controle dos in1- para RCIU. Curiosamente, o estresse n1aterno, a pri,·ação
pulsos, fL111ções forte111ente dependentes do hipocampo e c.ie proteí11a, o tabaco, o álcool e outras drogas au111e11ta111
do córtex pré-frontal. Essas mesn1as regiões do cérebro a liberação de glicocorticoides, o que aun1enta a expressão
ta1nben1 estão e11tre os principais locais n1ais e11\·olvidos de FLC placentário. Daí a relação entre glicocorticoides
nos transtornos depressi,,os e de ansiedade. Curiosa111e11- 111aternos e fetais com o FLC placentário e,11 crianças con1
te, a restrição do cresci111ento ta111bém está associada à RCIU. Além disso, o estresse materno e a ansiedade estão
i11ibição con1portamental e ti111idez na infâ11cia, que por associados a t1n1 aumento da liberação de catecolami11as
sua ,,ez parece111 ser preditores de tra11stornos de ht1111or que poderia afetar a circulação fetoplacentária ao di111i-
c1n fases posteriores da ,,ida. 11t1ir a passage1n de oxigênio e 11L1trie11tes para o feto. No
EstL1tios at1licados e111 primatas e roedores mostran1 que e11tanto, bebês co111 baixo peso ao nascin1e11to geral1ne11te
o dese11,,ol,1 i111e11to do hipocan1po é alterado pela exposição aprese11tan1 un1a estabilização 110 crescin1ento, de n1odo
fetal aos glicocorticoides <>li estresse pré-11atal; os glicocor qt1e a e,,idê11cia de retardo de crescime11to costt1111a desa-
ticoides são L1111 111eca11isn10 para restrição do crescin1ento parecer co111pleta111e11te con1 1 a110 de idade. Por que, e11-
fetal. Assirn, parece que o desen,,ol,,i1nento prejudicado do tào, essas crianças poderiam ter ur11 n1aior risco de doença
hit1oca111po e do córtex pré-frontal serve con10 meca11ismo e111 fases posteriores da ,,ida?
para a relação entre a restrição do cresci111ento fetal e defi-
ciê11cia cognitiva e dese11,·olvi111ento en,ocional. PROG'RAMACÃO FETAL DA EXPRESSÃO GÊNICA
Esses estudos sugeren1 que as condições er1dócrinas A alta exposição aos glicocorticoides biologican1e11te
que pron10,•e1n a restrição do crescin1ento fetal ta111- ati,1os dura11te a ,•ida fetal pode alterar permanenten1e11te
bén1 podem com~)ro1neter o dese11volvimento 11euro11al. a expressão hepática de genes que são i111porta11tes regt1
No entanto, estudos de acompanhamento con1 recé111- !adores do rnetabolismo da glicose e lipídios. Ju11tos, esse~

194
Capítulo 21 - Aspectos clínicos e neuroendócrinos do estresse gestac1onal

efeitos aume11tam a capacidade de n1etabolismo lipídico, un1a causa preexistente de depressão. Na verdade, estudos
de diminuição da depuração de glicose e de tornar o cor- con1 modelos roedores e primatas mostra1n que o estresse
po vulr1erável a hiperlipedemia, intolerância à glicose e crônico pode res11ltar em diminL1ição das ramificações
hiperglice111ia. Resultados co11hecidos 11as últimas décadas dendríticas, e n1esmo além, dos neurônios no hipocampo.
ampliam enorn1emente o alcance da hipótese da progra- É possível que a angústia da doença mental grave provo-
n1ação fetal além do fígado. E11tre os indivíduos do sexo que atrofia hipocampal.
masculino de idade ava11çada, o peso ao 11asci1nento foi um A atrofia hipocampal 11ão é exclusiva da depressão.
preditor altan1e11te significativo de níveis basais de cortisol. Os pacientes con1 transtorno de estresse pós-traumático
Os indivíduos qt1e era1n pequenos para a idade gestacional (TEPT) ta1nbé111 apresentan1 uma dimint1ição do volL1n1e
apresentara111 altos 11íveis circL1la11tes de cortisol. Esse acha- do l1ipocan1po. Est11dos 11a década passada com gêmeos
do é agora pre,,isível, com base em estudos com animais 111011ozigóticos, en1 que un1 dos gê1neos sofre de TEPT,
dos efeitos do estresse pré-11atal OL1 da exposição pré-natal a revelan1 qL1e o gêmeo não traumatizado e, por sua vez, sau-
glicocorticoides. Ambos aw11e11ta1n a atividade do eixo hi- dável, tambén1 apresenta e,idências de redt1ção do volt1me
potalâmico-l1ipofisário-st11-,rarre11al (HHS) 11a idade adL1lta l1ipocai11pal. Além disso, indivíduos con1 história familiar
no momento basal, ou sob efeito do estresse. Esses efeitos de abuso parental 11a infância apresentam dimint1ição do
estão associados a alterações 11a expressão dos receptores de volume do hipocampo. Esses achados sugeren1 que as ori-
n1ineralocorticoides e glicocorticoides nas regiões que me- gens da din1i11uição do volume do hipocampo poderian1
deiam inibição do feedback negativo dos corticosteroides. advir do desenvolvin1ento precoce e ser un1a condição
A diminuição da se11sibilidade do feedback negativo aos predispo11ente. Essa ideia é compatível com dados clínicos,
glicocorticoides circulantes está associada a um aumento que mostra111 que, mesmo e11tre indivíduos grave1ne11te
da ex1-,ressão de FLC e do aumento da liberação de glico- traumatizados (p. ex., vítimas de estupro), ape11as 25%
corticoides. E11tretanto, a exposição ao estresse pré-natal/ dese11volven1 TEPT crô11ico; um bom fator de proteção da
glicocorticoides também progra1na a expressão gênica de vulnerabilidade ao 1~EPT é a qualidade das relações fami-
FLC na amídala, aumenta ainda 1nais a atividade de HHS liares na infância e da relação entre pais e filhos. Estudos
por 1neio da regulação das projeções noradrenérgicas cen- epidemiológicos de tra11stornos de ansiedade e depressão
trais de 11eurô11ios hipotalâ1nicos do FLC. revela1n que os prin1eiros eventos, incluindo retardo do
cresci1nento fetal e q11alidade dos cuidados pós-11atais dos
ADVERSIDADE FETAL E NEURODESENVOLVIMENTO pais, são fortes preditores de transtornos de l1umor.
Os efeitos da exposição ao estresse pré-natal/glicocor- O hipocan1po está, 11aturalmente, intin1amente as-
ticoides na atividade do eixo HHS na fase adulta também sociado à fu11ção cognitiva, especialn1ente à 111emória
são mediados por alterações no desenvolvimento estrutural episódica e à aprendizagem. O l1ipoca111po e o córtex
das regiões cerebrais qL1e 11ormalme11te servem para regttlar pré-frontal são também fundan1entais en1 processos de
a expressão l1ipotalân1ica do FLC e atividade do eL-x:o HHS. atenção. Em estudos em a11in1ais, inclt1indo aqt1eles co1n
A estrL1tL1ra principal entre essas regiões é o hipoca1npo. primatas, o estresse pré-11atal compromete o desenvolvi-
A exposição pré-11atal de glicocorticoides inibe drastica- mento do hipoca1npo e resttlta em ate11ção prejudicada.
mente a proliferação 11e11ronal 110 hipocan1po de roedores, O estudo de O' Conor avalia os problemas comportame11-
bem como de pri1natas, resultando em um padrão gra,,e de tais e emocio11ais e111 crianças de quatro anos de idade,
degradação do dese11,,olvimento do hipoca1npo. Em ratos filhos de n1ães das quais foram 111edidos os níveis de
adultos, as lesões do l1ipocan1po produzem aL1mento da a11siedade e depressão durante a gravidez. A descoberta
expressão de FLC e awne11to da atividade do eixo HHS. mais sL1rpreendente foi qL1e os 11íveis de ansiedade mater-
Assim, o estresse pré-natal pode aumentar a resposta ao 11a no final da gravidez foram associados à híperatividade
estresse com efeitos sobre as estruturas neL1ronais que nor- e desater1ção en1 crianças e proble1nas co111portamentais e
mal1nente iniben1 a síntese e liberação de FLC. e1nocio11ais en1 a111bos, n1eninos e meninas.
O hipocampo e o córtex pré-frontal tan1bém são estru- Esses achados ensina1n que o estresse pré-natal poderia
turas fundamentais para o controle de in1pt1lsos e estados estar associado a tra11stornos cognitivos e en1ocionais na
en1ocionais como o n1edo. Con10 adultos, os anin1ais infância. Ta11to a prematuridade con10 o retardo do cres-
expostos ao estresse dura11te o desenvolvime11to fetal cime11to i11trauterino são consiste11temente associados a
apresentaran1 111aior 1nedo e a11siedade sob condições de u1n de_fi,cit cogniti\'O; os dados st1gerem qL1e os resultados
estresse. Tanlo a ansiedade co1no a depressão estão asso- cogniti,,os são n1ais grave111e11te compro1netidos pela res-
ciadas à diminuição do volL1me do hipocampo e, no caso trição do cresci111ento do que pela pren1aturidade.
de depressão, há uma diminuição drástica do volu111e e da
atividade do córtex pré-fro11tal. O hipocan1po e o córtex CONCLUSÕES
pré-frontal são al,,os da ação dos medicame11tos antide- Os resultados dos estudos e111 hu111a11os são con1pa-
pressivos e a11siolíticos. Essa correlação entre os achados tíveis com a relevância do qLte acontece durante as 40
não esclarece se a din1inuição do volt1me do hiJ.1ocan1po é sema11as de vida intrauteri11a e sua relação co111 a saúde.

195
Tratado de Saúde Mental da Mulher

~latthe,\"s SG, Early Progran1n1ing of thc hrpothaln10-prtuitary-


O estresse pré-11atal, i11dependenten1ente da sua ori- adrenal axis. Trends Endocrinol l\letab 2002;13:373-380
gen1, afeta o neurodese11volvimento e o con1portamento :\lurphy \~ Sn1ith R, Giles \ \'ar,,·ick, Clifton \~1:ndocrine Regulation
subsequente do indivíduo. No entanto, o resultado final of Hun1an Fetal Gro,vth: Toe Role of lhe ~lother, Placenta, and Fetus.
11ão é determinado apenas pelos tàtores de risco, mas Endocrine ReYie,vs. 2006;27(2): 141.
ta111bérn pelos fatores de proteção, tais como cuidado pa- ~ae\'e
, RL. Disorders of the Placenta, Fetus, and Neonate: I)iagnosis
re11tal e rede social, que 1nelhorarn os resL1ltados de dese11- and Clinicai Significance. St Louis, ~10: i\losby; 1992.
\'0l\1irne11to. Outras for111as de cuidado materno podem O'Connor 1, Heron J, Golding J, \[aternal antenatal anxiety and chil
at1111e11tar o desenvolvir11ento neurocog11itivo e atenuar a dren's behavioural/en1otional proble1ns at 4 years. Report from the
resposta do eixo HHS ao estresse. AYon Longitudinal Study of Parents and Children. Br J Psrchiatry.
2002; 180:502 8.
Os pesqL1isadores e clínicos estão conscientes da i1n-
portâ11cia do ten1a e de sua t1tilidade para a con1preensào Ouellet j\lorin l, Boi,·in \1, Dionne G, Lup1en SJ, Arsenault 1, Barr
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da etiologia da doença, especialn1ente quando a doença é
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196
Reprodução assistida:
conceitos gerais e aspectos
psicológicos envolvidos
Artur Dzik
Alcina de Cássia Meirelles
Gilberto Costa Freitas
Mario Cavagna

CONCEITOS GERAIS fornece un1a solução médica para indivíduos con1 infer-
O estabelecimento de uma família é co11siderado um tilidade, permitindo-lhes a possibilidade de iniciar sua
direito hun1a110 funda111e11tal. Apesar dos esforços inter- própria família. A RA posst1i in1plicações para a sociedade
11acio11ais para prevenção e seu tratamento apropriado, con10 un1 todo, porque a definição clínica da infertilidade
a infertilidade está se tornando n1ais e 111ais comum no 11ão leva e111 conta a "infertilidade social" encontrada em
inundo dese11,1olvido. O declínio da saúde geral da po- um n(1mero crescente de pessoas que, en1 razão de seu
pt1lação poderia, pelo menos en, parte, ajudar a explicar estilo de vida ou carreira, irão procurar a RA para engra-
o aumento da infertilidade - explicações como aumento ,,idar qua11do sua fertilidade natural diminuir.
na pre,,alência de obesidade, associada à anovulação e à Há quem considere o controle do processo ovulatório
sí11drome dos ovários policísticos, e a crescenle incidência para determinar o momento ideal do coito, procedimento
de doe11ça sext1almente transn1issível que afeta os órgãos conhecido como coito progra111ado, co1no un1a téc11ica
reprodutivos (p. ex., clan11dia). Além disso, a tendência a de fertilização assistida de baixa complexidade; prefere-
postergar a maternidade está aumentando e se tor11ando -se, porén1, não i11cluir tal modalidade terapêutica dentro
n1uito con1t11n nas sociedades desenvolvidas: cada vez das técnicas de fertilização assistida, co11siderando-a um
n1ais as pessoas estão retardando iniciar urna fa111ília. tratame11to convencio11al da infertilidade conjugal. A RA
Conseque11temente, essa demora em ter filhos resulta em pode ser de baixa con1plexidade, quando a fecundação
un1 envelhecimento ovaria110, associado à infertilidade. ocorre no aparelho reprodutivo feminino, ou de alta con1 -
Rece11teme11te, o Parlamento da União Europeia reco- plexidade, quando a fecundação ocorre no laboratório e
nheceu que a infertilidade é unia das causas do declí11io os embriões resultantes são colocados no útero materno.
den1ográfico em toda a Europa. Juntas, essas considera- Entre as técnicas de baixa complexidade, destaca111-se
ções médicas e sociais indican1 qt1e o nú1nero de casos de a insemi11ação intrauterina e a inse1ninação intraperito-
infertilidade está cresce11do, resultando en1 t1m aun1ento neal. Já entre as de alta complexidade, destaca-se a FIV
progressivo na necessidade do uso das TRA (tecnologias (fertilização itz vitro) com suas técnicas de inse1ninação:
de reprodução assistida). co11vencio11al ou por meio de ICSI (injeção intracitoplas-
O Co111itê Internacional de Mo11itoran1e11to das Tecno- mática de espermatozoide).
logias de Reprodução Assistida define a infertilidade
con10 a tàlha em engravidar após pelo n1e11os u1n a110 de
relações desprotegidas, e define RA (reprodução assistida) É defi11ida co1no a deposição intrauterina de espermato-
con10 sendo todo tratamento ou procedimento qt1e i11clt1a zoides processados em laboratório. Suas etapas co1npreen-
a 111anipulação i11 vitro de oócitos humano, espermatozoi- dem a estimt1lação farmacológica do dese11volvimento
des ou en1briões co1n o propósito de se estabelecer un1a folict1lar, visando à obtenção de dois ou três folículos, o
gra,·idez. Essa definição, sob a perspecti,1a dos pacientes, processan1e11to sen1i11al, realizado no dia da inseminação,
Tratado de Saúde Mental da Mulher

a i11sen1inação propriame11te dita, por 111eio da qual os


,
esper111atozoides, e111 1neio de CL1ltura, são i11trodL1zidos di- • •

retan1e11te 11a cavidade L1teri11a atra,,és de L1n1 cateter apro- A gra11de re,·oluçào no tratan1e11to da i11fertilidade
priado. ~a insen1inação 111traperito11eal, t1t11a ,·ariação da conjt1gal ocorret1 con1 a pL1blicação, e111 l 978, do prin1ei ·
IIU, os espern1atozoides são i11troduzidos ciircta1nc11te 11a ro 11asci111e11to obtido após a fecundação extracorpórea
ca,·idade perito11eal, por n1eio de pL111çào de) fundo de saco e tra11sferência de en1brião para a ca,·iciade t1teri11a de
de Dot1glas. As i11dicações para arnbos os procedi1ne11tos pacie11te co111 salpi11gecto1nia bilateral. Att1al111e11te, as
são equi~)ará,·eis, se11do a téc11ica i11trauteri11a a 111ais t1sada. i11dicações 1-1ara FI\' c;ào be111 111ais a1111--1las, inclui11do a
endo111etriose, i11fertilidade de cat1sa i11ex1-1licalia, fator
lndicaçóe-; r11asct1li110, fator i111t111ológico e falha 110s tratan1e11tos
i=ator cer,·ical, i11fertilidade de caL1sa inex~)licada, e11do- de baixa co111plexidade. E 110s casos de falé11c1a o,·aria11a,
111etriosc 111í11in1a e le,·e e o fator 111ascL1li110 le,·e. ÜLttras os progra111as tie doação de oocitos e111br1oes, cessão
i11dicaçõcs são a i11capacidade de se 111a11ter relações sexuais ten1porária de tttero, tttilizacão de l)Ocitos ot1 e111briões
e a utiliz.açào de sê111en de cioador (i11clusi\·e er11 n1L1ll1eres co11gelados para ftlturas transferências e co11gela111e11to de
l10111ossexL1ais). A condição essencial para que a IIC seja oócitos 0L1 e111briões a11tes de terapia oncológica ta111bén1
i11dicada é qL1e haja pelo n1enos t1111a tt1ba pré,,ia e fL1ncio- são téc11icas associadas à FI\1• As etapas e11,·ol,·idas 11a FI\'
11a11te. Alé111 disso, a co11ce11traçã<> cie esper111atozoides n1e- co111pree11dc111 a esti111Ltlação o,•ariana, aspiração folicL1lar
11or que ci11co 111ill1ões tor11a o proccdi1rle11to pouco eficaz. para coleta ,ie oócitos, fecu11dação en1 laborat(lrio e tra11s-
ferê11cia dos e111briões.
Técr:.r ... ,. e rPc:1• 1+-.,.J"c
Embora a II lJ possa ser realizada e111 ciclo natLtral, a fctim,,l::icão n,, .....; ... 'la
esti111t1lação o,•aria11a au111e11ta a eficácia do 111élodo. Os A estimtilação o,·ariar1a é o prin1eiro passo. A esti111u-
csqt1e111as de estin1ulação o,·aria11a são n1uito ,·ariaveis. lação far111acologica dos o,•ários te111 1-1apel fL111cia111e11tal,
As prir1cipais drogas indutoras da ovulação são o citra- tanto en1 pacie11tes con1 disturbios o,·tilatoricls co1110
to de clo111ife110 e as go11adotrofir1as (tSH, LH, h~1G), na i11dt1ção cio dese11vol,,in1ento folicular 111ultiplo para
qLte pode111 ser de orige1n urinária ( uri11a da 111Lilher na procedi111e11tos de reprodução assistida, en1bora o proce-
pós-n1e11opausa) ou recombina11te. Na IIU, a estimula- din1e11to possa ser feito com o ciclo 11atural. As gonado-
ção ovaria11a é feita de n1odo sL1ave, para qLte se e,1 ite o trofinas represc11tan1 a principal 1nodalidade terapêL1tica
dese11,·ol,·in1ento de un1 nún1ero excessi,,o de folículos. 11a est in1L1lação o,·aria11a para reprodt1ção assistida. I)os
A esti111L1lação é se111pre monitorizalia p(lr ultrasso11ogra- preparados Ltri11ários, destaca-se o l1wlG, preparação
fia, qtte per1nite acon1pa11har o dese11volvi1nento folicular com proporções igL1ais (75/ 75 Ul/ar11pola) de FSH/I,li,
e a deter111i11ação do nún1ero de folícL1los 1-1ré-o,·ulatórios. o FSH purificado, con1 < de 1,0 UI I.H/75 CI FSH, e o
QL1a11do se detecta t1111 11un1ero de folíct1los superior a FSH altan1e11te purificado, co1n < de 0,1 UJ. I.H t lOOO UI
quatro, o ciclo de,'e ser cancelado, ou a paciente de\'e ser FSH. E11tre as gonadotrofinas recon1bi11a11tcs, ,icstaca se
e11can1i11hada a L1111a téc11ica de alta co111plexidade, pois os o FSH reco111bi11ante, con1 atiYidade exclt1si,·a c.io FSH,
riscos lle gravidez mt'.1ltipla, trigê111eos e quadrigê111eos, e o LH recon1bina11te, co1n ati,·idade exclL1si,,a do LH.
ou 111ais, são i11ad111issí,·eis. Na prese11ça de folícL1los pré- É i111portante salientar que o (iese11,·olvi111e11to folicular
ovLtlatórios, a rotura folicular e dese11cadeada pela admi- n1t'.1ltiplo pode resultar em ele,,ação precoce lios ní,·eis de
11istração da l1CG (go11adotrofina coriô11ica hu111ana), e a estradiol e liberação exten1porâ11ea do LH, provocandc)
i11se1n i11ação é realizada cerca de 36 horas após. A i11se- lutei11ização ~1rematL1ra. Para que tal efeito 111desejável
111i11ação propria111ente dita é u111 procedi111ento si111ples, seja e,·itado, o tiso dos análogos ago11istas e a11tago11istas
realizado co111 a paciente en1 posição ginecológica. Apos do Gn RI I está i11dicado para o bloqueio l1ipofisário.
a i11serçào do espécL1lo, lin1peza ,·agi11al e cio colo t1terino O esque111a 111ais co111u1n de estin1ulação ovaria11a para
co111 soro fisiológico, introduz-se o catetcr tie i11sen1inação ri\. é o bloqueio co,11 análogo agonista do Gn RH 11a fase
atra\1es do ca11al cervical e injeta-se 0,5 1111, de 111eio de lutea, sob a forma de depósito, adn1inistraçào diaria por
cL1ltL1ra co111 os espermatozoides apos seu processar11ento ,•ia SLtbcutânea ot1 11el1ulização intranasal, e11tre o 18 e o
e capacitação no laboratório. As taxas de gra,·idez obtidas 22' dia do ciclo 111e11strL1al. O ir11cio do estír11tilo é realiza-
co111 a IIU são 111L1ito variá,,eis e deper1de1n lie i11ún1e- do de 15 a 20 dias a~1ós o bloqL1eio, e111preganlio se de 150
ros fatores. Na literatL1ra, e11co11tra111 -sc referências qtte a 300 UI de FSH reco111bina11te OLt de l1w1G t1rinario alla-
,,aria111 de 8 a 35<ro. Nor111alme11te, as taxas de st1cesso me11te purificado. A prin1eira ecografia para 111011itoração
situa111 -se e111 tor110 de 12 a 15º1> r1or ter1lati,,a. En1 n1L1ll1e- do ciclo é feita no 7" dia de estí111ulo corn go11aliotrofi11as.
res jo, e11s, abaixo de 35 a11os, as taxas pocic,n ati11gir 20°/o.
1 A partir de e11tão, n1011itora-se de acordo con1 o dese11\·ol-
Ileco111e11da-se qt1e o 11t'.1111ero de te11tati, as de IIU seja de
1 ,,imc11to folict1lar, ate o dese11cadear11cnto da 111att1ração
110 n1áxi1110 três; 11ão ocorre11do a gra,·idez, téc11icas mais folicular fi11al, qt1e e feito con1 a aci111i11istraçao de hCG,
co1nplexas de, e111 ser consideradas.
1 11a dose de 5.000 a l 0.000 VI do prodt1to uri11ario OLI 250

198
Capítulo 22 - Reprodução assistida: conceitos gerais e aspectos ps1cológ1cos envolvidos

µcg do prodL1to recon1bi11ante. O l1CG é administrado sonográfica abdo1ninal para aco1npa11har o procedin1en-
na presença de pelo n1e11os três folículos co111 diâ111etro to. Em relação aos resultados, qua11tificando os vários
médio > 17 mm. Outra forma de se fazer a supressão fatores qL1e interferem nas taxas de sucesso do tratamento,
hipofisária é o emprego dos análogos a11tago11istas do calcula-se qL1e a idac.ie da 1nulher e a qualidade oocitária
Gn RH. Os a11tagonistas provocam supressão i,nediata participen1 en1 n1ais de 40%. A qualidade do laboratório,
da liberação de gonadotrofinas, sen1 o efeito de liberação a experiê11cia dos n1édicos, a escolha dos 1neios de cultura
aguda i11icial, conhecido por flare-up. Norn1almente, e o controle adeqL1ado das co11dições de toxicidade an1-
inicia-se a estin1L1lação con1 go11adotrofinas 110 segu11do bie11tal participam em outros 40%. Os 20% restantes são
ou terceiro dias do ciclo, associa11do-se o a11tago11ista no decididos no n101ne11to da TE.
sexto dia de esti1nulação ou quando hoL1ver folículos de
13 a 14 mn1 de 1naior diân1etro. A sLtplementação da fase 1 •
lútea é etapa obrigatória 110s ciclos de reprodução assisti- .;

da de alta co111plexidade; embora haja co11tro,,érsias se os Esse 111étodo co11siste 11a injeção de u111 t.'inico esper-
estrogênios de,·am ser utilizados, a suplen1e11tação co111 rnatozoide diretan1ente no interior do ó,,ulo, utilizando-se
progestero11a é fu11da111ental. AtL1al1ne11te, prefere-se o Ltm micron1anipulador. Corn essa técnica, a fertilização é
emprego da progestero11a 11atural micro11izada, e111 cápsu- "forçada" no laboratório, de modo que ela se torne possí-
las de 200 n1g, oLt do gel de progesterona a 8°/o, a1nbos vel n1esmo nos casos de fator n1asculi110 grave, pois é ne-
administrados por via intra,,aginal. cessário u111 único espermatozoide para fecundar o óvulo.
Con1 o ad, ento da ICSI, as i11dicações de procedi1ne11tos
1

JJ. cnir ... ,..:;,.. Ç,.../;,.. ·lar co111 sê111e11 de doador tor11ara1n se be111 111ais raras, pois
A aspiração folicular é o procedimento que ,,isa à se co11segue a fecundação mesmo 11a vigência de fator
coleta de oócitos para a fecundação ir1 vitro. É realizada mascLtlino gra,,e. Porta11to, as principais i11dicações da
de 34 a 36 horas após o desencadea1nento da 111atL1ração ICSI são o fator 111asculi110 grave e as falhas de fertilização
folicular fi11al pela ad1ninistração de hCG. Realiza-se a a11teriores. Uma das grandes vantagens da ICSI é que a
aspiração folicular ern regin1e de hospital-dia, e,n sala técnica pode ser e,npregada nos casos de azoospern1ia
cirúrgica, co11tígua ao laboratório de manipulação de obstruti, a, con10 na ,·asecto111ia. Além disso, a ICSI pode
1

gan1etas r1a n1aioria dos serviços. O 1Jrocedimento é feito ser indicada nos casos de aL1sê11cia congênita dos ca11ais
sob sedação, co111 o en1prego de ultrasso11ografia transva- deferentes e de azoospern1ia após correção de hér11ia bi-
ginal. Acopla-se L1m guia ao transdutor, por onde se insere lateral. Nesses casos, são empregadas técnicas que per111i-
a agulha de pu11ção. São pL1ncionados todos os folículos te1n a obte11çào de espermatozoides por rneio da aspiração
con1 diâmetro n1aior qL1e 10 m111, e o líquido folicular do epidídimo 011 do testículo.
obtido é enca111inhado ao laboratório, para identificação e
classificação dos oócitos. 1

O congelame11to de en1briões é L1tilizado qL1anc.io há


f e'"' ,... ,J-::,.r . ,.. '"'"l"l , ... i.,... .. ,+,.. ..:,... embriões excedentes nos ciclos de FIV, nos casos de
Após o processamento, os espern1atozoides mó,·eis cancela1ne11to da transferência por risco da síndro1ne
e direcio11ais são colocados em co11tato con1 os ó,·ulos, da hiperesti111ulação o,·ariana OLI antes de trata1nento de
em Lt111a placa apropriada con1 n1eio de cultura, que é quimioterapia ou radioterapia em pacientes jovens com
então levada à i11cubadora a 37°C e Sºlo de CO . Na FIV desejo de preser,1ação da fertilidade. É possível desde o
con,·encio11al, coloca-se en1 tor110 de l 00.000 espermato- estágio de zigoto pronucleado até o estágio de blastocis-
zoides para cada o,rulo. Após 18 a 20 horas, obser,·a-se se to. U111 aspecto co11tro,•erso é a Lttilização de embriões
ocorreu a fertilização, detern1inada ~.,ela prese11ça de dois congelados para pesquisa, em particular para a obtenção
pronúcleos. Os e111briões fertilizados continL1a111 seu de- de células tro11co en1brionárias. No Brasil, a Lei n. 11.015,
sen,·ol,·in1e11to na incubadora, por dois a três dias, sendo de 24 de março de 2005, pre\'ê a utilização de en1briões
e11tão tra11sferidos para o útero. Pode-se, també1n, proce- congelados para essa finalidade, desde qL1e os en1briões se-
der à cultura prolo11gada, por rneio da qual os embriões jam i11\•iá,,eis, ou e::itejan1 co11gelados l1á três anos ou 111ais.
são transferidos no qui11to dia após a aspiração folicular,
ja na fase de blastocisto.
O diagr1óstico precoce de 11eoplasias 111alig11as, asso-
At ' rpnri::J ,J,.. '"'mbri--=--
0
ciado a tratame11tos cirúrgico, qL1i1nioterápico e radiote-
A TE ( tra11sferência de en1briões) para o utero, reali- rapico, cada \·ez 111ais eficier1tes, pron10,,em a re111issão
zada por ,·ia transcer,·ical, é a etapa final da fertilização do câ11cer en1 co11siderà\·el nt'.1n1ero de pacie11tes, 111L1itos
i11 vitro. É realizada, 11or1nalme11te, após 48 a 72 horas deles en1 idade reproduti\'a. Portanto, é fundame11tal que
da inseminação dos oócitos, co111 a paciente e111 posição os aspectos relacionados à fertilidade seja111 discutidos
ginecológica, podendo ser utilizada a \·isualizaçào ultras- co111 todos os pacientes en1 idade reproduti,·a qL1e serão

199
Tratado de Saúde Mental da Mulher

subn1etidos à terapia oncológica, e con1 seus pais ou res- ção ácida de tyrode. O PGD é indicado para a detecção das
ponsáveis quando se tratar de crianças. Recentemente, o aneuploidias e das doe11ças monogenéticas, quando l1ouver
Comitê de Ética da Sociedade An1ericana de Medicina risco para tais situações. O PGD pode ser realizado por
Reprodutiva deliberou o seguinte: 1neio das técnicas FISH (hibridização fluorescente i11 situ) e
• os médicos devem inforn1ar os pacientes com câncer da PCR (reação en1 cadeia da polimerase). A téc11ica FISH
sobre as opções para a preser·vação da fertilidade antes é empregada para a avaliação de alterações cromossó111icas,
do tratamento; enquanto a PCR identifica as alterações monogenéticas.
• os t'.1nicos métodos com técnicas bem estabelecidas pa- Atualme11te, a utilização do PGD para seleção social do
ra a preservação da fertilidade são a criopreservação sexo suscita controvérsias e debates éticos, com opi11iões
de espermatozoides para o homem e a criopreservação de divergentes vindas de diversos segmentos da sociedade.
e111briões para as 1null1eres;
• técnicas co1no a criopreser,'ação de oócitos e tecido
ovariano ainda devem ser consideradas experimentais;
n - ,..,..
,..,.,.---- , ,...,,...,,,..,+""'~
, .
• preocL1pações com respeito ao bem-estar da prole não
devem co11stituir motivo para negar ao paciente com A doação de oócitos está indicada na falência ovaria11a
câncer assistência quanto à reprodução; prematura, más respo11dedoras à estimL1lação ovariana,
• o diagnóstico genético pré-implantacional para evitar 11íveis de FSH superiores a 15 UI/1nL e idade avançada
o 11asci1nento de crianças com alto risco de câncer he- da n1ulher. Toda 1null1er co111 idade igual ou superior a 40
reditário é eticamente aceitável. anos qL1e necessite de TRA, é un1a candidata a ser recepto-
ra de óvulos doados. Para ser doadora de óvulos, a mulher
precisa pree11cher alguns requisitos básicos. Segundo a
No caso masculino, a criopreservação de espermato- Sociedade Americana de Reprodução Assistida, a idade
zoides é uma téc11ica bem estabelecida, e adolescentes de deverá estar con1preendida entre 21 e 34 anos, deve ter
12 anos de idade já podem apresentar matt1ridade física e um bo1n estado psicofísico, histórico 11egativo para doen-
emocional para entender o proble1na e fornecer amostras ça de transmissão genética, testes negativos para HIV,
de sêmen. No e11ta11to, a criopreservação de tecido testicu- sífilis, hepatite B e C e cL1ltura cervical negativa para 1Veis-
lar e espermatogônias são técnicas ainda co1npletame11te seria gonorrhoeae e C1'1lamydia trachomatis. Nos Estados
experimentais, e a supressão testicular com análogos do Unidos, a doação de gametas pode ter caráter con1ercial,
Gn RH não se mostrou eficiente na proteção da função de modo que a 1nulher que 11ecessite de ovodoação pode
gonadal. Os aspectos éticos e emocionais que interferen1 escolher a doadora e remu11erá-la pelo procedimento. No
na coleta de sêmen de adolesce11tes não devem ser ne- Brasil, o Conselho Federal de Medicina, em resolt1ção de
gligenciados, e a participação dos pais é de ft111damental 1992, determina que a doação de oócitos não pode ter
importância nas decisões a serem tomadas. Tratando-se caráter lucrativo e deve ser preservado o anonimato da
de home11s adultos, não há dúvidas de que a opção de doadora, o que dificulta a obte11ção de doações.
coleta e criopreservação de sêmen deve ser discutida e
(
- , •
"" +or•..__.,....,,,, I
... ,.,..,.... , , ''*"'º ...""
oferecida a todos os pacientes que serão submetidos a tra-
tan1ento oncológico. No sexo feminino, as possibilidades A cessão temporária do t'.1tero, ou gestação de st1bstitui-
são mais complexas. As principais alternativas consistem ção, está indicada nos casos em que uma mulher jovem,
na criopreservação de embriões, oócitos e tecido ovariano com função ovariana normal, é histerectomizada ou 11ão
e, em caso de radioterapia pélvica, a transposição cirí1r- tem útero em co11dições de promover o desenvolvimento
gica ovariana. Devem ser considerados, ainda, a opção fetal. O Conselho Federal de Medicina reco1ne11da qL1e
de supressão da função ovariana com análogos do Gn a doadora do 1.itero pertença à família da mãe genética.
RH, concomitantemente à quimioterapia, e o en1prego de O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Pau-
cirurgias co11servadoras para certos tipos de cânceres que lo, por meio do parecer n. 43.765/01, não exige o paren-
acometem a aparelho reprodutor feminino. tesco, e faz as segui11tes recomendações:
• é proibido o uso do "útero de aluguel" com qualquer
PGD (diagnóstico genético pré-implantacional) forma de remuneração ou compensação financeira da
O PGD consiste na análise cromossômica de células mãe gestacional;
embrionárias antes da tra11sferência do embrião para o • é necessária a obtenção de consentimento esclarecido
útero. A retirada de células para biópsia é feita 110 terceiro da mãe que doará temporariamente o útero, lembran-
dia do desenvolvimento in vitro, quando os embriões têm do-lhe dos aspectos e biopsicossociais envolvidos no
entre seis e oito células (blastômeros). São retirados um ou ciclo gravídico-puerperal, e dos riscos i11erentes à
dois blastômeros, o que não acarreta danos ao embrião. Os maternidade;
blastômeros são extraídos mediante o método de aspiração • nesse ter1no, deve ser me11cionada a i111possibilidade de
depois de realizar um orifício 11a zona pelúcida con1 a solu- i11terrupção da gravidez após o início do processo ges-

200
Capítulo 22 - Reprodução assistida . conceitos gerais e aspectos psicológicos envolvidos

tacional, mes1110 que diante de uma anomalia genética, A prevenção da OHSS fu11da111e11ta-se pri11cipalme11te no
sal, 0 raras exceções aL1torizadas judicialn1ente;
1 cancelan1ento dos ciclos de risco, evita11do-se a adminis-
• até o puerpério, ficam garantidos à mãe qL1e doara tem- tração do hCG. Pode-se, ta111bém, congelar os en1briões e
poraria1ne11te o t'.1tero trata111ento e aco111pa11ha111ento tra11sferi-los en1 outro ciclo, evitando-se a piora que seria
111édico e, se necessário, de equipes 1nultidisciplinares, determinada pela ocorrê11cia da gravidez. O tratame11to
be1n co1no o registro da cria11ça pelos pais genéticos; das formas leves e moderadas é ambulatorial, e requer, ba-
• essa documentação de, e ser provide11ciada durante a
1 sicamente, repouso e tratan1ento sintomatico. Nas for111as
gravidez, alén1 de "contrato" entre as partes estabele- graves, a inter11ação é impositiva, com a ad111i11istração de
ce11do clara1ne11te a situação. Deve ser assinada pelas albu1ni11a l1L1ma11a, heparina e a realização de paracentese.
partes envol,·idas, isto é, o casal e a doadora ten1porária Embora pouco freqt1entes, deve-se também considerar a
do útero, e encan1inl1ada ao CR~l local. possibilidade de complicações anestésicas, ir1fecciosas e
l1emorrágicas, consequentes à aspiração folicular.
-
COMPLICAÇOES DAS TRA
-
As co111plicações mais con1uns relacio11adas às TRA REPRODUÇAO ,
ASSISTIDA: ASPECTOS
são represe11tadas pela gra, idez n1últipla e pela síndrome
1 PSICOLOGICOS ENVOLVIDOS
da l1iperestimt1laçào º''ariana. A gravidez múltipla, pela A atuação i11tegrada e i11terdisciplinar, dL1rante 1nuitos
sua incidê11cia e potencial de morbiletalidade perinatal, anos, e1n urn centro de reprodução assistida de um hospital
deve ser considerada a principal con1plicaçào das TRA. pt.'1blico, e não só a prática clínica, pern1ite um delineame11 ·
Sua prevenção reside, basican1e11te, 11a redução do nú- to mais profundo e conciso da participação da psicologia
mero de embriões transferidos. Em alguns países, em no trata1ne11to de casais i11terteis e dos aspectos psicoló-
particular os escandina,,os, a transferência de embrião gicos envolvidos. Pratican1e11te toda a literatura, nacional
ú11ico é forte1nente estimL1lada, e 111es1110 prevista por lei. e internacional, pertinente ao tema infertilidade conjugal
No Brasil, a resolução do Conselho Federal de Medicina, refere-se aos 1nesmos aspectos psicológicos envol,,endo o
de 1992, pern1ite a transferê11cia de até qL1atro en1briões; casal infértil.· -
entretanto, há uma tendência generalizada de se transfe- Sentir-se incapaz, frustrada, inferior às outras mulhe-
rir no máximo dois embriões, e a tra11sferência de n1ais res e culpada por não engra,·idar são senti111entos con1uns
de três e111briões é, atual1nente, situação de exceção. Na à 111aioria das 1nulheres diagnosticadas co1110 inférteis
esti111ulação ovaria11a para relação sexual progra111ada ou após algu11s OLt 111L1itos a11os de tentativas se111 sucesso para
para TRA de baixa complexidade, deve-se suspender o engravidar.
tratan1ento quando hou, er mais de três folículos com diâ-
1 Frequente1ne11te ou,1in1os, dura11te a inter\1enção psi-
metro n1áxin10 que atinja 16 m1n; a alternati,,a para o can- cológica grupal ot1 indi,·idual com casais, que elas 11ão
celan1ento é a transforn1ação desse ciclos en1 TRA de alta entendem porqL1e outras mt1lheres qLte ne111 qL1erem ter
complexidade, quando se pode determi11ar o 11t'.1n1ero de filhos "têm e jogan1 fora·: co11seguem e elas 11ão (essas são
embriões a seren1 transferidos. A OHSS (sí11dro1ne da hi- algumas, e11tre 111uitas afir111ações e11co11tradas 11a 1naioria
perestimulação ovariana) é u1na con1plicação provocada dos artigos e livros sobre a te111ática da infertilidade).s"
pela estimulação farmacológica dos ovários. Os sintomas E logo que esse ressenti111e11to e expressado, 11a ,·erdade 1110-
aparecen1 tipica111ente algL1ns dias após a ad111inistração bilizado por unia das questões-cha,•e do roteiro de entre-
do hCG para a 111aturação folicular final. 1\s for111as leves \'Ísta semiestrt1turada 10 - con10 se sente por 11ão consegttir
da OHSS são relati,1amente frequentes, enqt1a11to a forn1a e11gra\1idar? -, a en1oção pertinente, misto de tristeza e rai-
gra,'e acon1ete en1 torno de 1°10 das pacie11tes submetidas ''ª, ma11ifesta-se com lágri111as já derramadas muitas ,·ezcs.
à estimulação ovaria11a. Os principais fatores de risco para E 11esse n101ne11to, por meio da escuta difere11ciada de u111
a OHSS são os seguintes: profissional <.ie saude experiente, essa manifestação catárti-
• mulheres jove11s ( < 35 anos); ca dá i11ício a u111 processo de elaboração 111e11tal que levará
• 11í,1eis séricos de estradiol acin1a de 5.000 pg/n1L; a pacie11te à libertação do lo11go sofrimento reprin1ido.
• gra11de nun,ero de folículos durante a esti111ulação º''a- Esse quadro si11to1natico Ie,·a ao desen,,ol\'imento de
riana (n1ais de qui11ze folículos en1 cada o,·árío); um alto n1\ el de ansiedade que pode vir a interferir 110
1

• síndron1e dos ovários policísticos. tratame11to de fertilização assistida e leva11tar a hipótese


de impedi111e11to da ocorrência da gra\ idez. Esse po11to
1

A fisiopatologia da OHSS ainda é pot1co clara; o acen- é contro,·erso 110 material encontrado, e111 que algL111s
tL1ado aume11to da permeabilidade capilar, con1 perda de autores confir111an1 que ansiedade i11terfere 110 st1cesso da
líquido para o terceiro espaço, e con1ponente fu11dame11tal fertilização assistida, impedindo que o casal engravide,
da sí11drome. Os sintomas , aria111 desde diste11são abdo-
1 e outros co11statam o co11trário, ou dizem ter resultados
1n i11al e desco11forto, obser,,ados 11as torn,as leves, até asci- inco11clusi,·os. - 1.,
te, hipo,,olemia, l1idrotórax, hemoconcentração, distúrbios A prática clínica (pública e privada) e a obser,,ação
de coagulação e inst1ficiência renal, 11as tor111as gra,,es. acurada da história de ,·ida das pessoas tê111 pern1itido

201
Tratado de Saúde Mental da Mulher

co11cluir que a ansiedade parece i11terferir 11egati, ame11tc e111 sua ,·ida, e11gra\'idot1 11atL1raln1ente, en1 deterr11i11ado
no tratan1e11to, mas pro,·a,·el111e11te não co1110 único fator. rnome11to desse processo. Isso sugere a 11eccssidade de
O scr,·iço dos autores, e111 1110111e11tos disti11tos, fez t1111 111aior aproft111dan1e11to com pesquisas e estucios ÍL1n-
co11tato telefônico co111 200 pacie11tes i11dicadas para fl\' damentados tan1bém pela iv1TC.
que agL1arda,·a111 para realizar os procedin1e11tos. E11lrc Outro dado que chan1a a ate11ção e tà;, ir1sistir sobre a
as 111tilheres co11tatadas, l 8Cro i11tor111aran1 que l1aY ia111 11ecessidade de outros projetos de ,,ida é a reação menos
e11gra, idado natural111e11te, e 14°0 delas ha,·ia111 le,·ado a sofrida ao receber L1111 resttltado 11egati,·o 11t1111a te11tati,·a
gra, ide;, a tern10 con1 bebê 11ascido ,·i,·o. de FI\' por parte cias 111tilheres que se realizar11 profis-
Ot1tro fato freqt1ente111ente ot1,·ido 110 conví,·io social e sio11alme11te e co11sideran1 qt1e sua ,·ida te1n sig11ificado
o qt1e se refere aos casais qt1e após desistiren1 de tentar e11 · pessoal, i11tiepe11denten1e11te de filho e da possibilidade da
gra, ic.iar, resolvem adotar t1n1a cria11ça e logo en1 seguic.ia
1 111aternidade. S0111e11te se desesperam aquelas tiue não tê111
à cl1egac.ia da cria11ça, e11gra,,ida1n 11alt1rah11ente. outros pro_ietos alén1 tio f1ll10 biológico. Estas 11eccssitan1 de
O qt1e se pode obser,·ar, tanto no caso das pacie11tcs cuidados psicológicos, ~)Ois 111esn10 não te11do apresentado
que aguarda,·an1 trata111ento como 110 da adoção de crian - patologias 111e11tais gra,·es, apresenta1n qt1estões co11t1iti,·as,
ças e qt1c, ~1ro,·a,·elr11e11te, hot1,·e t1111a din1inuição do 111, el
1 que, ao sere1n solucionadas, lhes possibilitarão resgatar a
de a11sieclade do casal. ,·ida não ,·ivida, e11co11trar n1oti, os para seren1 feli7es.
1

Nos atendi1ner1tos psicológicos de grt1po, be111 con10


UM MODELO DE ATUACÃO PSICOLÓGICA EM RA
'
r1os indi,,iduais, são n1ostrac.ios aos casais seL1s co11teúdos
O ~1rogran1a de Assistência {Jsicológica aos Casais ir1conscie11tes (que é possí,,el perceber e co111preender
I11fcrtei,;, foi i111pla11tado no CilS~l · l1PB e111 1996, o qt1e dura11te a e11tre\·ista), e explica-se que isso pode estar con-
possibilitot1 aos autores aco1npanl1ar e111 c.iiferentes n10- tribt1i11do para a não gra,·ide7. No e11tar1to, destaca-se não
n1e11tos o processo de RA, L11n t1ni,,erso estimado de doi5 ser poss1,,el afirn,ar qt1e, ao se tratare111, irão e11gra,·idar
111il casais. con1 certeza, n1as, de acordo com o que se te111 obser,,ado,
>ies':>e ser,,iço, co11siderot1-se c.ie ft1ndan1e11tal in1por- poderão ter st1a cl1ance de sucesso au1ne11tada. Há r11ui-
tância o co11tato con1 os casais, destie o primeiro n10- tos casos de casais qt1e, ao seren1 tratados tios conflitos
me11to cn, que co111parecen1 ao hospital para a triagen1 ps1qL1icos de cada ur11, dos conflitos relacio11ais do casal,
111édica até a posterior i11, estigação do diagnóstico c.ia
1 co11tlitos econôn1icos e fa111iliares, enfim, ac) sere1n trata-
i 11 fert il idatie. dos de seL1 u11i\·erso psíqt1ico e existencial, obtiveram n1u-
A eqt1i11e de psicologia participa da reunião que infor- da11ças significativas e111 st1as vidas e, e111 algt1111111omento,
111a ac>s casais qual o fluxo do An1bulatório de ReprodL1ção próxin10 ou dista11te, cor1segtlirar11 engra,,idar. 1
HL1111a11a do CRS;\l, e, já nesse prin1e1ro momento, assi111 Embora a cl1an1atia i11fertilidade psicogê11ica, inicial-
co1110 e111 outros n1on1entos de co11tato com os casais, n1e11te proposta pela psicanálise, venha sendo re,·ista, e a
i11icia suas orie11tações a fi111 de perceber os aspectos psi- literatura psicar1alítica atual esteja busca11do a cor11preen-
cológicos e11\ 0lvidos no processo cie RA e na direção do
1 são do sentido da ir1fertilic.iade e não st1a causalidade,s
, .
qL1e sera exposto a seguir. há dados para acreditar qt1e a gravidez ocorre prin1eiro no
inconscie11te; alé1n disso, fc)rar11 e11contrados estucios qt1e
corroboran1 essa prern issa. -··1
Nesse grt1po de triager11, realizado logo após os casais A experiê11cia pern1ite-11os le,,antar a l1ipótese de que
seren1 c.iiag11osticados e i11seridos no serviço, reton1an1-sc aquelas que não e11gra, idan1 de,,en1 ter L1111 desejo i11-
1

a5 orie11tações. Es5as dize1n respeito ao projeto de \•ida conscie11te de não engravidar (por medo, por culpa, por
qL1e de,,e inclt1ir a realização pessoal e profissional da sensação de 11ão 111ereci111ento, entre ot1tros 111oti, os) qt1e
1

n1t1lher, i11depe11denten1e11te da co11dição de 111ãe e de ter entran1 e111 co11flito co111 o desejo consciente de ser mãe.
ot1 11ão t1111 filho. Tais conflitos tendem a ser st1perados, en, algttm n101nen-
rala-se ern «tirar o foco do fill10" e, com isso, l1a a to, co111 o trabalho de psicoterapia.
i11te11ção de ajudar o casal a e11te11der que SLta \ ida pre
1

cisa co11ti11t1ar co1n objetivos e ações e1n direção a OL1tros


projetos (11,1 tirn artigo que corrobora essa orientação). 11 O traball10 psicológico é reto111ado 110 1110111e11to en1
O c<>11heci111ento da NlTC faz crer qt1e o flt1ir da e11ergia que o casal e cha111ado para o c/1eck-list tios exan1es e ini-
cl11 tal\'ez possa estar relacionado à obte11ção da gra,,iciez. cio dos procedin1entos de RA, de acordo con1 st1a i11dica-
Não é raro ou, ir de uma paciente que 11ão trabalha tora
1 ção, qt1ando diagnosticado 11a chegada ao serviço.
de casa que "parou sua ,,ida" para esperar o tratan1ento tie Nesse grupo, a atenção é tocada no nível tie ar1siedade
R1\. l:111 algu11s casos ate11didos, 110 n1omento em qL1e a n1u e de expectati,,a em relação à tentati,,a de fertilização que
ll1er qt1e esta,,a com a ",•ida estag11a<ia': ton1ou consciê11- irão realizar. O contato e aprofu11dado nu111a e11tre\·ista
cia e ,\ccitot1, ,,erciadeirarnente, que t1n1 filho não é tt1d<.), indi,,idt1al com o casal qt1e aparenta ter co11flitos e111 al-
pcrr11iti11do que sL1a "e11ergia" flt1ísse, opera11do muda11ças guma esfera da ,·ida a dois OLl n1esmo de catia un1 deles.

202
Capítulo 22 - Reprodução assistida: conceitos gerais e aspectos psicológicos envolvidos

E, qua11do necessário, é indicada a psicoterapia e sugerido de respostas como: "ser mãe é educar, dar amor; ser pai é
o adian1ento do início dos procedin1entos nos casos em orientar e ter responsabilidade".
que se percebe que a mltlher (com maior frequência te1n Na busca da reflexão sobre filhos, vale parafrasear Kalil
sido a mulher) aprese11ta qt1estões emocionais profu11das Gibra11: 15 " •.• vossos filhos 11ão são vossos ... vem através de
e complexas a resolver. Não tem havido dificuldades de vós, mas não de vós ... não vos pertencen1, são do m11ndo".
aceitação desse adiamento, pois a equipe deixa claro qt1e a Assim, são leva11tadas, nos grupos, in1portantes discus-
única intenção é ajt1dá-los a ficar bem - co1n ou sen1 um sões sobre os reais desafios da paternidade e maternidade,
filho nos braços. i11formando que amor e limite educam filhos, que o filho
adotivo não aprese11ta problemas por ser adotivo, pois

ETICA PROFISSIONAL filhos biológicos tambén1 podem ser mltito problemáticos
A postura interna da eql1ipe, qt1e se gl1ia pela ética se não forem criados corretamente. E ao final desse traba-
de Aristóteles, qt1e defi11e a ética co1no a expressão da lho psicoedt1cativo, muitos casais, tão fechados e sisudos
medida e tem por objeto a relação da alma com o n1eio, 11 no início, saem sorridentes e agradecidos pelos esclareci-
faz trilhar um novo can1inho ao considerar os aspectos mentos e por tão importa11te ten1ática ter sido abordada
psicológicos envolvidos em reprodt1ção assistida. 11esse momento.
Essa postura profissional distancia a eql1ipe da 1nanu- A prática clínica da equipe, tanto pública con10 priva-
tenção do status quo do universo da RA, no qual os pro- da, qt1e já a colocou em contato con1 casais em diferentes
fissionais tendem a se se11tir pe11alizados e empe11hados mome11tos do tratamento de RA, tem evidenciado a ne-
a ajudar a mulher a e11gravidar, pois parecem acreditar cessidade de desvelar a mulher para ela mesma, resgata11-
que se assim não for, ela não poderá se sentir completa e do sua individualidade, sua autoestima, estimulando-a a
realizada con10 mulher. Opta-se por incentivar a busca da buscar sua realização pessoal, independente1ne11te do fato
saúde 111ental da 1nulher, estimula11do-a a viver un1a vida de ter ou não um filho.
mais plena e mais feliz, ajudando-a a descobrir suas po- É importante acolhê-la em Sl1as angústias, aliviando
tencialidades para uma significativa atuação no mu11do, set1 sofrin1ento com co1npree11são, oferecendo ltrna escu-
indepe11dentemente do exercício da 1nater11idade vincu- ta diferenciada que irá permitir a elaboração de perdas e
lado à procriação. realização de lutos.
Levantam-se aqt1i alguns pontos para a an1pliação do É fundame11tal co11scie11tizá-la de que filhos não preen-
escopo desse tema. Tem-se convicção de qLte 11ão se trata che111 "vazio existencial", 11ão salvan1 casan1entos, não
apenas de ajudar ttm casal a realizar seu desejo de ter um "prende1n maridos mais jovens a mulheres mais vell1as" e
fill10. A equipe tem um papel maior do que esse, embora não devem ser gerados com a intenção de reparar fall1as
engravidar, em muitos casos, acabe acontecendo, con10 ocorridas no modo con10 foran1 criados - "quero dar ao
conseqt1ência do tratamento psíquico, natural111ente ou met1 filho o que meus pais não me deram, tanto material
por meio de RA. O papel de questionar o desejo de ter como afetivamente", afirmação feita por 1nuitos deles.
filho, o papel de esclarecer o que é captado en1 s11as O que tem ficado claro no questionamento qt1e te1n
me11sage11s subli1ninares (i11conscientes) e que constitui sido feito ao casal é um total desconhecimento da in1por-
a prática da psicoterapia, e, pri11cipalmente, esclarecer o ta11te missão de gerar e criar um ser hurnano para inseri-
importante papel de serem pais. -lo adequadamente no mundo. Um vazio se faz presente
Filhos não devem ser concebidos porque "faz parte da durante algt1ns segundos após essa pergunta - o que é ser
vida ter filhos': "pela gara11tia da conti11uidade da família" 111ãe/pai? - para em seguida ser preenchido por respostas
ou "porque a sociedade ou a família de origem cobram" e destituídas de sig11ificado, como as que foram citadas.
ai11da "para provar masct1linidade ou feminilidade". Nesse cenário, o te1na adoção, também qt1estionado,
Nas avaliações psicológicas, tanto nas intervenções faz perceber que, na maioria dos casos, um filho adotivo
grupais de vários casais, como nas individt1ais ou de ape- é visto como "um paliativo" para a impossibilidade de
nas um casal, colocam-se em debate: o desejo de serem ter o filho biológico. Não é raro ot1vir como resposta:
pais; as questões ql1e e11volvem realisticamente o que é "Ah! A gente já falou sobre adoção sim, mas só va1nos
ser pai/mãe; o sig11ificado de uma criança na vida de uma pensar mesmo em adoção depois de tentarmos o nosso
pessoa; adoção e co1no criar filhos saudáveis. e não conseguirmos". Por isso fica fácil entender as ado-
A intenção é investigar a legitimidade do desejo de ções equivocadas, que resultam en1 filhos problemáticos
procriação, pois diante da pergunta "o que é ser mãe/ no fltturo.
pai?" é assustador OL1vir respostas co1no as que se ouvem: An1pliando un1 pot1co n1ais esse debate, é possível
"Ai! não sei. .. não tinha pensado 11isso antes!"; "11ão sei ... refletir sobre o tàto de que as tecnologias reprodutivas fa-
é tudo ..." (sic). Essas, entre ot1tras tantas respostas se1ne- zen1 parte da gama de tecnologias existentes na sociedade
lhantes, demonstram que durante o longo tempo de espe- atual que oferecem diferentes tipos de produtos, que são
ra por engravidar, não consideraran1 o significado real da substituídos por outros mais sofisticados, numa velocida-
n1aternidade/paternidade. Há un1 número muito peqlteno de que deixa lo11ge a possibilidade de elaboração psicoló-

203
Tratado de Saúde Mental da Mulher

gica do que é oferecido e tor11a as pessoas cada ,,ez n1ais com o outro en1 alegria e paixão, e a procriação de no,·ac;
co11su111istas e 111ais superficiais. O que se fará após obter o di1ne11sões de experiência, que an1i)lien1 e ai)rofunden1 o !>er
prodL1to tão desejado, não i111porta. Assim con10 11ão in1- de a1nbos [... ].
porta pensar, 110 caso desse prodLtto ser L1n1 "ser l1uma110':
que crescerá e terá ,•ida própria, e L1111a indi\·idualidade Explica-se e11tão que precisa111 \•oltar a na111orar, es-
que deverá ser respeitada desde n1uito cedo para poder qt1ecer a ideia fixa de ter relações sext1ais para engra,·idar.
assin1 dese11,,olver todo seu potencial, seL1s tale11tos, e ter De,·em procurar ,·i,·er o aqLti e agora, ,·alorizando os
u111a ,,ida sat1dá, el e feliz (criar filhos é un1a arte!).
1
11101ne11tos bo11s, bLtscando qt1alidade de ,,ida interior
Assim con10 não existe, em 1nuitos casos, a co11sciên- tambén1. Já fora111 co11seguidos bo11s rest1ltados co111 essas
cia real do que é criar Ltm filho, obser,'a-se u111a gra11de orie11tações 11esse ser\'iço.
distância e11tre o desejo do filho e o filho concebido. Não
é raro a n1ulher que tanto sonhou e buscou pela gra,1 idez ASPECTOS SOCIOCULTURAIS
sentir-se "va1ia" OLt mesmo deprimida ao se perceber grá- En1 geral, ter filhos te111 sido co11siderado, ao longo
vida. E a tão so11hada felicidade por ter consegt1ido engra- da história e en1 praticamente todas as culturas, i11ere11te
vidar tra11sformar-se en1 tristeza, culpa e incompree11são. ao papel de ser 111ulher. ~ Em , irtt1de disso, o qt1e ocorre
1

E isso é perfeitamente compreensível quando se percebe com a mulher qt1e deseja ter filhos para cumprir o qt1e lhe
qL1e sonho OLt fantasia de ter u111 filho é ben1 diferente de é desig11ado socioculturalme11te desde que se descobre
estar co1n esse fill10 110 ,,entre OL1 fora dele, após o parto. n1ulher, qua11do não co11segue (e não necessaria111e11te
Isso só poderá ser evitado se este casal for avaliado e por in1pedin1enlos físicos con1provados), é o dese11cadear
acompanhado psicologican1ente antes da realização do de senti1nentos con1uns à maioria das mttlheres 11essa
tratan1ento de RA. sitt1ação, já citados 11este texto. Esses se11tin1e11tos são en-
Ao a,·aliar o casal e perceber seus conflitos e a11gústias, contrados na literatura pertinente ao tema, e co11fir111ados
e dever da eqt1ipe pontuar a eles as questões e11,,ol\·idas 11a prática clí11ica.
nesses conflitos e si11alizar a possibilidade de, nt1ma psico- Applegarth assinala qt1e, ir1dependenten1ente dos
terapia, resolver essas questões, para, so1ne11te e11tão, após ava11ços 110 n1ovime11to fe1ni11ista, falores sociais e cultu-
tere1n resgatado SL1a integridade psíquica, pensaren1 en1 rais, ai11da, i11flt1encian1 os pontos de vista dos l10111er1s e
realizar a te11tativa de e11gravidar con1 RA. 111ulheres como pais e mães. E que a i11fertilidade é \'ivida
com uma primeira crise de \'ida, pois abala forte111cnte as

PAPEL DO PSICOLOGO bases da construção inicial do relacio11ame11to de n1uitos
Mais do que acoll1er e dar suporte aos proble1nas casais, qt1e são a concepção de fill1os e sua criação.
gerados pela dificuldade de engravidar, o psicólogo te1n
o importante papel de orientar e esclarecer, partindo do SOBRE• AS QUESTÕES POLÊMICAS DE DOADORAS
diagnóstico feito pela perspecti,•a psicológica. DE OOCITOS
O olhar mais acurado co11quistado pela experiência O Ce11tro de Reprodução Ht1111ana tio CRSM conside-
com u111 grande 11úmero de casais atendidos, en1 difere11- ra os aspectos psicológicos de ft111dan1e11tal i111portâ11cia,
tes mome11tos de um Progran1a de Reprodt1ção Assistida, e nenht1m casal pode submeter-se ao progran1a se111
possibilita detectar os aspectos subjacentes ao material passar por t1n1a avaliação psicológica - u111a avaliação
revelado OLt expresso pelo casal. realizada en1 grLtpos de três casais, em qt1e é chamado
Também as manifestações orgânicas diag11osticadas para o ate11din1e11to individt1al de casal aquele qL1e e, i- 1

pela área 111édica são consideradas, pois a pessoa precisa de11ciar a 11ecessidade de aproft1ndame11to de algL1mas
ser compreendida por meio de t11na abordagem l1olística. questões emocionais.
Aquilo que o casal não fala porque não compree11de, não O roteiro-padrão de entrevista semiestrutL1rada, Liti-
tem clareza, é sinalizado de 111t1itas maneiras ao longo de lizado em todos os grupos e ate11din1entos i11dividuais,
uma e11trevista. 1º ganhot1 questões difere11tes para essa avaliação.
É i1nporta11te, no prin1eiro contato, entrevistar os casais Para doadoras, pergu11ta-se sobre stia n1oti,·ação para
seguindo um roteiro de qLtestões que os auxiliam a ir se doar, e a jt1stificati, a da 111aioria é a 1nesn1a: "~)e11so que
1

desvela11do gradativan1e11te, não só à equipe, con10 a eles se fosse eu que precisasse, gostaria de ter algué,11 qt1e n1e
mesmos, expressando o qt1e não havia111 expressado ain - doasse. E se rneus óvulos resta11tes serão despre1ados, por
da, nen, e11tre eles nem para si 1nesmos. que não ajL1dar t11na mulher que 11ão terá outro n1eio de
Tan1bé111 se trabalha 110 casal a ressignificação do rela- ter seu filho?':
cionamento. E isso sig11ifica resgatar Eros co1no preconiza É un1a decisão solidária 11a qual den1onstra111 co111pai-
May: 6 xão pela outra rnt1lher. E é possí,1el perceber si11ceridade
de propósitos en1 suas palavras qua11do não esco11dem
Eros é o ín1peto, segundo os gregos, en1 direção a forrnas que é també111 porque vão antecipar st1a própria f IV e ter
n1ais elevadas de ser e relacio11ar-se. Eros procura a u11ião u111a chance a n1ais. Co11sidera111 un1a troca válida.

204
Capítulo 22 - Reprodução assistida: conceitos gerais e aspectos psicológicos envolvidos

São contraindicadas aquelas que não conseguem dei- contar porque não temos motivo para esconder e não
xar de pensar que poderão ter um filho seu por aí, pois achamos que seja correto esco11der algo tão importante.
essa questão, quando não surge espontaneamente no E se, de repente, ele ficar sabendo de outro modo?".
grupo, é colocada e111 debate pela psicóloga.
-
CONSIDERAÇOES FINAIS
SOBRE, AS QUESTÕES POLÊMICAS DE RECEPTORAS Os aspectos psicológicos e toda problemática do casal
DE OOCITOS infértil, abordadas pelo profissional de saúde, devem ser
Um poL1co mais con1plexas são as questões colocadas vistas de um modo holístico, mais direto e mais an1plo.
em debate para as receptoras. A conduta do profissional de saúde, pri11cipalmente de
Ao in,,estigar como se sentem por receber óvulos de saúde pública e saúde mental, necessariamente implica
un1a outra mulher, é perceptível co1n muita clareza que prevenção.
aquelas qLte aceitam bem a adoção aceitam bem a re- Esse trabalho foi iniciado há quatorze anos, e para
cepção, e ainda poderão realizar o sonho da vivência da atender a uma grande demanda de casais, era usada a
gravidez, ver a barriga crescer, ter a possibilidade de gerar entrevista, qL1e, como diz Bleger, 18 é:

uma cr1a11ça.
São feitos, ainda, esclarecimentos embasados pela bio- U1n iI1stru111ento fundamental do método clínico, e uma
ética: a criança terá duas mães biológicas: uma ovL1lar e técnica de investigação científica em psicologia. A entre-
uma uterina. Receberá desta última, ao longo da gravidez, vista alcança a aplicação de co11hecin1entos científicos e, ao
importa11tes informações hormonais, nervosas e humo- 1nes1no ten1po, obtém ou possibilita levar a vida diária do ser
rais, e, da primeira, metade do patrimônio genético. i - humano ao 11ível do conhecí1nento e da elaboração científica"
Também é mais aprofu11dado o debate e1n torno de (grifos dos autores).
un1a temática que tem gerado polêmica e11tre médicos e
psicólogos 1 - 110 caso de gravidez, contar ou não contar O trabalho foi guiado por um modo peculiar de con-
ao filho como foi concebido? E em que momento fazê-lo? duzir a e11trevista e um roteiro semiestruturado, qL1e,
Coloca-se para o casal que a decisão é se111pre do casal, passo a passo, levam o casal a se desvelar, sem constrangi-
mas a eqL1ipe reflete co1n ele o que considera importante. mentos e com muita si11ceridade.
Applegarth 1 expõe exatan1ente o que os autores pensan1 a Também foi guiado pelos funda1nentos teóricos psica-
respeito do assu11to: nalíticos, pela empatia e pela intuição, mas, principalmen-
te, pelos princípios da bioética que deven1 ser observados
[... ] manter segredos fa1niliares tende a i111plicar que existe por todos os psicólogos, especial1nente os que atuam em
algo errado ou rt1in1 com a fà1nilia. É assim que o casal se RA: o respeito à autonomia e à justiça e a real compreensão
sente sobre a concepção por doação? Com certeza, a decisão de que, ruais que tàzer o bem (princípio da beneficência)
do sigilo coloca un1a n1entira be1n 110 ce11tro da n1ais básica deve-se não fazer o mal (princípio da não maleficência). 19
relação: aquela entre pais e filhos. À medida que a criança se A retidão de pri11cípios e a forma direta de abordar,
torna mais integrada 11a vida do casal, este segredo pode se den1011strando real interesse en1 ajudar o casal, o que 11ão
tornar un1a dificuldade cada vez ,naior para o casal. significa necessariar11ente prepará-lo con1 o único objetivo
de ter seu desejo atendido, de ter um filho biológico ou 1nes-
No caso de optarem por manter o sigilo, antecipan1os mo um adotivo, faz questionar o que se considera o desejo.
as inún1eras questões que irão requerer a manL1te11ção de E isso é feito, com a intenção de tirá-lo do plano da obsessão20
me11tiras e sobre a possibilidade de uma situação impre- (do latin1, obsessione, que se define como a preocL1pação con1
vista requerer a quebra do sigilo. determinada ideia que domina doentiame11te o espírito).
A mentira descoberta pode ser un1 potencial des- Trabalha-se obsessão com dados de realidade. Sabe-se
truidor da autoestin1a da criança e dos relacioname11tos que o ser humano é o menos fértil de todos os seres do
familiares:' mundo e que somente 20% dos casais que tentam engra-
Probasco (in Applhegarth 1, explica que: vidar natL1ralmente, obtém sucesso. 11
Tal conhecimento já indica a direção: nem todas as
O partilhamento da informação pode ser um processo de pessoas engravidam, nen1 todos poderão exercer a pater-
construção por blocos que se estenderá por um certo nún1ero nidade e a maternidade do modo convencional, ligadas
de etapas do dese11volvimento da infância. E acrescenta que à procriação e à criação de filhos. Mas poderão fazê-lo,
st1bli11ha11do a decisão de contar existe u1n an1or incondicio- exercitando a principal essência do "estado de ser ge11itor"
nal e aceitação da criança. (pare11thood) que é o desvelar.
Existem vários significados para velar e desvelar,2º
Na verdade, tem sido uma grata surpresa ouvir, em sendo qL1e os que interessam são: velar - do lati111 vigilare
palavras mais simples, mas mL1ito sinceras, essa exposição - estar alerta, vigiar; e des,,e!ar (des + velar): e11cher-se de
de motivos por u1n significativo número de casais: "vamos zelo, ter n1uito cuidado; tirar o véu, trazer à luz.

205
Tratado de Saúde Mental da Mulher

O médico tan1bém exercita o des,,elar, nos dois senti- 10. i\lonti F, Agostini F, Fagandini P, La Sala GB, Blickste1n I.
dos: de zelar, cuidar e de tirar o véu, trazer à luz, pois no Depress1ve 'i)111pton1s during late pregnacy and earl} parent-
1110111e11to en1 que se tira "algo" do casal, o co111promisso hood follo,ving assisted reproductive technology. Fertil Steril.
do n1édico 111ostra o ca111inho de des,·elá-lo como un1 ser .2009;9 l (3 ):851-7.
social, cultL1ralmente inserido e que ten1 u111 potencial i11e- 11. t\eha N~l. Turnbull DA, Da,ies ""IJ, Jindal {.;~, Briggs :\E,
rente (seus talentos) a ser exercido na ,,ida. Não importa e1n Taplin JE. Changes in aflect and state anxiety across an in vi-
que segme11to, pois todos ,rivem em sociedade e necessitan1 tro ferlilization / intracytoplasrnic spern1 injection cycle. Fertil
ter uma atL1ação digna e com sig11ificado próprio. \'i,·er é Steril. 20 l 0;93(2):517-26.
cor1l1ecer cientificamente, é aprender empiricamente co1n 12. Orn1art EB,Cuando el produto tecnológico tiene rostro hun1a-
a observação dos fatos, a,,aliando con1 princípios defi11idos no: problen1as éticos en1 el uso de las tecnologias reproducti, as.
tudo o qL1e ocorre ao redor. E assin1 é possível aprender que Hologran1atica . .2008;6( 8) :69- l 07.
a ciência e a tecnologia são fundamentais para a vida em 13. Peterson BD, Pirritano ;"vl, Christensen t..:, Boivin J, Block
sociedade, 111as que 11ão se pode esquecer de qLte, mediando J, Schn1idt L. Toe longitudinal in1pact of parlner coping in
os "co11hecime11tos e produtos" que elas propiciam, existe a
couples follo,,·ing 5 years of unsuccessful fertilit) treatn1ents.
atuação da aln1a no n1undo, preconizada pela ética. Existe o
Hun1an R.eproduction. 2009;24(7): 1656-64.
exercício do qL1e os ho111ens são en1 essência: seres hun1anos.
14. Repokari L, Punan1aki RL, Poikkeus P, \'ilksa S. Unkila-Kallio
A origen1 e defi11içào da pala,•ra ht1mano2º vên1 do
L, Sinkkonen J et.al. Toe i1npact of successful assisted reproduc
lati1n (perte11cente Oll relativo ao ho1nem: bondoso e hL1-
tion treatment on fen1ale and n1ale n1ental health during tran-
manitário ), sendo essa de origem fra ncesa - /1un1anitaire
sition to parenthood: a prospective controlled stud) Hun1an
- palavra que amplia o significado e atinge o escopo: hu-
Reproduction. 2005;20( l l ):3238-47.
manitá rio é aquele qt1e visa ao be1n-estar da humanidade,
15. Rosset ~1R, Jurado R:\, Rio CJ, Sanchez \"G. La psicologia de
que ama os seus semelhantes.
E em n1L1itos âmbitos da vida em sociedade, pri11ci- la reprodución: la necessidad dei psicólogo e1n las unidades de

palme11te nesses "tempos modernos" existe a carência reproducción humana. Clínica y Salud. 2009;20( 1):79 90.
de pessoas que exercite1n sua essência de "ser humano" 16. Saito '{, J\,{atsuo H. Triai developn1ent ot lhe CognitiYe Ap-

e contribuam para L1111 mundo n1ais jL1sto, mais digno e praisal Scale for Infertilit} (CASI) (versío11 I ). Fcrtil )teril.
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206
Disfunção sexual feminina:
diagnóstico e tratamento

Carmita H. N. Abdo

-
INTRODUÇAO te111 dificuldade sexual os profissionais que valorizam a
A i11capacidade de participar do relacio11an1ento se- relação rnédico-pacie11te. Sendo esse uni assu11to que en-
xual con1 satisfação caracteriza a disfu11ção sexual. As volve aspectos í11ti111os, a abordagem deve ser cuidadosa
mt1lheres sexualn1e11te i11satisfeitas aprese11tam queixas e eficie11te.
sobre a qL1alidade subjetiva da experiência sext1al (p. ex., O ciclo de resposta sexual, conforn1e foi sistematizado
falta de prazer ou interesse) ben1 mais frequentemente tanto para home11s co1110 para mulheres, con1põe-se de
que qt1eixas sobre falha de un1a resposta específica (p. quatro fases:
ex., falta de excitação ot1 lubrificação). En1 co11traparti- • fase I: desejo (co111 duração de mi11L1tos a hora5);
da, aos homens i11co1nodan1 as dificuldades num dado • fase li: excitação (com duração de segundos a minutos);
tipo de resposta sexual, tal como falta de ereção ou des- • fase III: orgasmo (entre 3 e 15 segundos);
controle da ejaculação, 111as co111un1e11te tên1 o interesse • fase l\': resolução (com duração de n1int1tos a horas).
sexual preser,·ado.
Ainda é i11suficiente o co11hecin1ento sobre em que Tal n1odelo, adotado pela APA (Associação Psiquiátri-
proporção os fatores biológicos, psicológicos e socio- ca A1nerica11a) desde 1980, resulta de proposta inicial de
culturais se mesclan1 e i11fluenciam o desen1penho e a Nlasters e Johnso11º ( 1966), modificada posteriormente
satisfação sexual femi11i11a nas diferentes etapas da ,•ida. por Hele11 Kapla11· (1970). Na atualidade, ai11da é adotado,
Explica-se esse pouco conhecin1e11to por uma série de para efeito de diag11óstico e orientação terapêutica para as
condições que engloban1 desde a anatomia genital da disfunções sexuais.
mulher (111enos exposta qL1e a masculi11a) até preconceitos
sobre o te1na. Contribuen1 ta1nbém a cor11plexidade do ci- ANATOMOFISIOLOGIA ,DA RESPOSTA SEXUAL
clo me11strual, e111 que se suceden1 a fase estrogê11ica e fase FEMININA
progesterônica, e o próprio ciclo de vida femi11ino, ct1jas A resposta sexual é dc5e11cadeada por est1n1L1los ad, i11-
1

difere11tes etapas (me11arca, gra,·idez, pt1erpério, climaté- dos dos órgãos dos sentidos (,·ist1ais, olfati,·os, táteis,
rio, menopausa, senilidade) n1odificam e são n1odificadas auditi,·os e gustati,•os) e/ou do cérebro (fa11tasias e e1no-
pela ati,·idade sexual. · ções}, os quais alca11ça1n o córtex frontal e - por meio
Cada ,·ez mais, en1 consultas de rotina, os médicos do siste111a l1mbico e do tronco cerebral - median1 a
são surpree11didos pelas queixas sexuais de st1a5 pacie11- excitação sexual. Ou seja, i11tluxos eferentes origi11a1n-5e
tes. Apresenta1n-se n1ais aptos a aL1xiliar a n1t1lher que da esti111ulação das zo11as eróge11as qt1e sensibili1am os re-
Tratado de Saúde Mental da Mulher

ceptores s0111atestésicos. Tais i11t1uxos alca11ça111 o centro da 111es111a forn1a qt1e o constra11gi111e11to e o n1edo en1
reflexo espi11al e, ,,ia tratos ascende11tes e desce11dentes da ,·1rtt1de de experiê11cias anteriores desfa,·ora,·cis;
111e{it1la, desencadeian1 efeitos facilitadores OLI i11ibidores • o 111odelo fe111ini110 de resposta sexual é circular, cada
da resposta sexttal. Nesse processo, l1or111ô11ios, esteroides t1111a das fases att1a11do como estín1ulo à próxi111a e se11-
sexuais e net1rotra11s111issores tên1 efeitos facilitadores ou do esti1nulada pela a11terior. Ou seja, en1 \'ez da progres-
inibidores sobre a resposta sexual fe111i11ina. Estroge110, são linear e seqt1c11cial (desejo, excitação e orgasn10 ), o
testosterona, dopa1ni11a, acetilcoli11a, 11orepi11efri11a, oxi- ciclo de resposta da n1t1lher n1escla elen1entos sext1ais e
do 11ítrico e peptideo i11testi11al ,,asoati,·o exercc111 efeitos 11ão sext1ais, os qt1ais interfere111 en1 todas as fases;
facilitadores, e11qua11to seroto11i11a, ~1rolactína e opioides • se11ti111e11tos de ')atisfação ou frustração def111e111 <) qua-
e11doge11os tê111 efeitos i11ibidores. · dro total tio e11co11tro sexual. ao fi11al do ciclo.
Alteraçoes físicas e e111oc1011ais são i11tit1zidas pela ex-
citação, no se11tido de preparar os órgãos ge11itais para o
- -
CLASSIFICAÇAO DAS DISFUNÇOES SEXUAIS
i11terct1rso sexual, fa,·orecendo a resposta sext1al fe111í11ina: FEMININAS
,,asoco11gestão local, seguida tie 111ioto11ia co1n tumescê11- E1n li11has gerais, a disft1nção sext1al presst1põe altera-
cia e lt1brificação ,·agi11al, at1111e11to e elc,·ação do titero, ção de u111a ot1 111ais das fases da resposta sext1al e ou dor
expa11são da porção posterior da ,,agi11a e i11gt1rgitan1ento associada ao i11terct1rso, inclt1indo prejuízo 11a ex~)eriê11cia
do clitóris.''' st1bjeti,,a do prazer, do desejo e/ot1 do dese111penho. ·20
Durante a fase orgás111ica, os 111t'.1sctdos da vagi11a, do Tal alteração pode ocorrer de modo isolat10 ott co111bi-
perí11eo e () titero sofre111 contrações clô11icas reflexas. 11ado (co111pro111ete11do o desejo e/ou a excitação e/ou o
Segt1c-se expar1são do ca11al ,·agi11al posterior, co11tração orgas1110).
do terço a11terior da ,·agina e do esfí11cter a11al exter110. :'\a att1alidade, as difict1ldades sext1ais tia 111ull1er, se-
Co111 a liberação dos 11et1rotra11s111issc)res, l1á inte11sa gt111do a CID l O (Classificação Inter11acio11al de Doe11ças
reação, desc11catieando: turgidez dos 111a111ilos e aur11ento - 10 edição) da 0~1S (Orga11ização i\lu11dial de Sa(1de),
das aréolas 111a111árias, e11rubescin1e11to facial, at11ne11to da se definen1 co11for111e 111ostra o Quadro 23. l.
frequê11cia cardíaca e respiratória, ben1 co1110 da pressão O DS~l-1\'-TR (~la11ual Diagr1óstico e Estat1stico de
arterial e da te111peratt1ra, piloereçào, n1ioto11ia ge11erali- Transtor110s ~lentais - -l· edição, texto re,·isado), da APA,
zada, sudorese e dilatação das pupilas. Essas 111t1da11ças di,,ide as disfu11ções sexuais femi11i11as, co11for111e apre-
físicas tê,n a ft1nção de expressão sext1al e de recepção/ se11tadas 110 Qtta(lro 23.2.
co11dução do sê1ne11 no canal ,,aginal, fa,'<)rece11do a
' -
DIAGNOSTICO DAS DISFUNÇOES SEXUAIS
reprodução. '· 15
A fase de resolt1ção segt1c-se ao orgasn10, sendo ca- FEMl NINAS
1

racterizada por 111eca11isn10 predomi11a11te111ente net1- Essencial111e11te sinto111atológico, o diagnóstico baseia-se


roqt1ímico, co111 produção de endorfinas que propicia111 na qt1eixa associada à prese11ça de elementos da a11amnese.
se11sação c.lc be111-estar e de relaxa111e11to. O orga11is1no Exames st1bsidiários podem at1xiliar 11a deter111i11ação da
retor11a, então, às condições de repouso (por desacelera- etiologia (110 caso de diabetes, hipo. hipertireodis1110 edis-
ção da freqt1ência cardíaca e respiratoria, nor111alização da lipide111ias, por exe111plo).
pressão arterial e da temperatura, e11tre outros).· De,,e co11siderar o te1npo de duração (1naior que seis
Di,,ersos fatores, os qt1ais tên1 ação pontt1al OLt pro- 111eses, persiste11te ou recorre11te), a presença de sofri-
lo11gada, pode111 inibir a resposta sext1al fen1in 111a, oca- 1ne11to ot1 desconforto, bem co1110 de dificuldades inter-
sio11a11do as disfunções sext1ais. Ansietiade, depressão, pessoais decorrentes ..:' Portanto, é 11ecessário identificar
fatiiga, co11ílitos conjugais, falta de atração pelo parceiro, 11ào so a deficiê11cia na fu11ção sexual, 111as ta111bé111 a in-
esti111ulação inadeqt1ada das zo11as eróge11as, educação satisfação ot1 o desco11torto da 1nulher e/ou do(a) seu(sua)
rígida ot1 }1istória de trau111a (abuso sexual na infância parceiro(a) con1 essa co11dição. Falhas esporádicas ou
ou adolescê11cia, por exen1plo), doenças físicas e efeitos isoladas 11ão caracterizan1 quadro disfuncio11al, 111as resul-
ad,,ersos tie algu11s n1edica1ne11tos são os fatores n1ais tan1 de condições cotidianas negati,•as, tais co1no ca11saço
freqt1e11te111ente obser,·ados. · " ou preocupação.
~os ultin1os anos, os segt1intes aspectos específicos da A (iisfu11ção pode ser primária (quando ocorre desde o
resi)osta sext1al fe1nini11a tê111 sido 111e11cio11ados: · 19 i11ício da \'ida sext1al) ou secu11dária (adquirida apos tempo
• a excitação e o desejo femini11os estão intcr-relacio11a- ,,ariá,·el de ati,·idade sexual satisfatória), be111 co1110 ge11e-
dos, potlendo u111 fortalecer o outro, a po11to de 11ão ralizada (presente co1n qt1alquer parceria ou circt111stância)
sere111 disti11guidos por boa parcela das n1ulheres; ot1 sitt1acio11al (prese11te e1n detern1i11adas situações e/ou
• elen1e11tos relacio11ais (11ão sexuais) são preditores da co111 detern1i11ada parceria). De,,e-se esclarecer, ainda, se
n1oti\'açao sexual da n1t1lher. Rai,·a e rcsse11ti1nc11to pe- a disft1nção é psicogênica, orgânica ou n1ista (psicogênica
lo parceiro i)ode111 inibir t1111 possí,,el estín1tilo sexual, associada a distt'.1rbios orgâ11icos). Caso seja atribtúda inte-

210
Capítulo 23 - Disfunção sexual feminina: diagnóstico e tratamento

F52.0 - Ausência ou perda do desejo sexual: perda do


desejo sexual é o problema principal e não é secundário a
• Transtornos do desejo sexual
outras dificuldades sexuais, tal como dispareunia. A falta
de desejo não impede o prazer ou a excitação sexual, mas 302. 71 - Transtorno de desejo sexual hipoativo
torna a iniciação da atividade sexual menos provável. 302.79 - Transtorno de aversão sexual
Frigidez • Transtornos da excitação sexual
Transtorno hipoativo de desejo sexual 302.72 - Transtorno da excitação sexual feminina
F52.1 - Aversão sexual e ausência de prazer sexual: a • Transtornos do orgasmo
perspectiva de interação sexual com um parceiro está 302. 73 - Transtorno do orgasmo feminino
associada a fortes sentimentos negativos e produz medo e
ansiedade suficientes para que a atividade seja evitada. As • Transtornos sexuais dolorosos
respostas sexuais ocorrem normalmente e o orgasmo pode 302. 76 - Dispa reunia (não devida a uma condição
ser experimentado, mas existe falta do prazer apropriado. médica geral)
Anedonia (sexual) 306.51 - Vaginismo (não devido a uma condição médica
F52.2 - Falha de resposta genital: ressecamento vaginal geral)
ou falta de lubrificação são os principais desconfortos. A • Disfunção sexual devida a... (indicar uma condição médica
causa pode ser psicogênica ou orgânica (p. ex., infecção
geral)
ou deficiência de estrogênio na pós-menopausa).
625.8 - Transtorno de desejo sexual feminino hipoativo
Raramente as mulheres queixam-se primariamente de
ressecamento vaginal, exceto como um sintoma de devido a... (indicar a condição médica geral)
deficiência de estrogênio na pós-menopausa. 625.0 - Dispareunia feminina devida a... (indicar a
Transtorno de excitação sexual condição médica geral)
F52.3 - Disfunção orgásmica: o orgasmo não ocorre 625.8 - Outra disfunção sexual feminina devida a.. .
ou está bastante retardado. Pode ser situacional e, (indicar a condição médica geral)
nesse caso, a etiologia provavelmente é ps1cogên1ca. É • Disfunção sexual induzida por substância
constante, quando fatores físicos ou constitucionais não 302.70 - Disfunção sexual sem outra especificação
podem ser facilmente excluídos, exceto por uma resposta
positiva a tratamento psicológico.
Anorgasm1a psicogên1ca
Inibição do orgasmo geralmente a t1ma condição médica geral ou ao uso de algu-
F52.5 - Vaginismo não orgânico: espasmo dos músculos 1na substância ou medicação, o diagnóstico deve co11siderar
que circundam a vagina, causando oclusão da abertura esses aspectos. 20 Esse raciocí11io diag11óstico é fundamental
vaginal. A penetração do pênis é impossível ou dolorosa.
para estabelecer a proposta terapêutica.
Se for uma reação secundária a alguma causa local de
dor, essa categoria não deverá ser utilizada . O Quadro 23.3 descreve os critérios do DSM-IV-TR
Vaginismo psicogênico a serem observados para o diagnóstico das disfunções
F52.6 - Dispareunia não orgânica: dor intensa durante sexuais femininas.
o intercurso sexual. Frequentemente atribuída a uma A idade e a expe1iê11cia sexual da n1ulher também deven1
condição patológica local, deve então ser apropriadamente ser consideradas. Mulheres jovens e/ot1 i11experientes têm,
categonzada. Em alguns casos, entretanto, nenhuma en1 geral, mais dificuldade para relaxar/lubrificar durante o
causa óbvia é aparente e fatores emocionais podem ser ato sexual. Portanto, não se faz diagnóstico de quadro disfi1n-
importantes. Essa categoria é usada somente se não houver cional em n1ulheres que estão iniciando a vida sexual ou na-
outra disfunção sexual mais primária, como vaginismo ou qt1elas cL1jas oportunidades sexuais são raras. O diag11óstico
ressecamento vaginal.
Oispareunia psicogênica
também não se consolida se a estiI11ulação pelo(a) parceiro(a)
é inadequada quanto ao foco, à intensidade e/ou à duração. 20
F52 .7 - Impulso sexual excessivo: mulheres podem
ocasionalmente queixar-se de impulso sexual excessivo O diagnóstico de disfunção sexual não é apropriado
como um problema por si só, usualmente durante o nos casos em que a dificuldade é n1elhor explicada por 0L1-
final da adolescência ou início da vida adulta. Quando tra razão, tal como a presença de desejo sexual l1ipoativo,
o impulso é secundário a um transtorno afetivo ou no contexto de uma depressão. Entretanto, se o problema
quando ocorre durante os estágios iniciais de demência, sexual antecede o quadro depressivo ou constitui um as-
o transtorno subjacente deve ser codificado. pecto especial de atenção, considera-se a disfunção do de-
Ninfomania sejo, alén1 do quadro depressivo. 21 Portanto, a coexistê11cia
F52.8 - Outras disfunções sexuais não devidas a de disfunção sexual e alguma co11dição n1édica geral pode
transtorno ou a doença orgânica. levar a dois diag11ósticos distintos em alguns casos.
Dismenorreia psicogênica Se determinada disfunção sexual (p. ex., dor à relação)
F52.9 - Disfunção sexual não devida a transtorno ou a gerar outra (desejo sexual hipoativo), ambas as disfunções
doença orgânica, não especificada. deverão ser diagnosticadas.
211
Tratado de Saúde Mental da Mulher

A. Alteração nos processos próprios do ciclo de resposta sexual ou presença de dor associada ao intercurso.
B. Acentuado sofrimento ou dificuldade interpessoal.
C. Não é melhor explicado por outro transtorno do Eixo I e não está relacionado exclusivamente aos efeitos fisiológicos
diretos de uma substância ou de condição médica geral.
Considerar os subtipos pela identificação de início, contexto e fatores etiológicos associados, aspectos socioculturais,
rel1g1osos e relativos à idade e ao gênero do indivíduo:
• Ao longo da vida - esse subtipo se aplica quando a disfunção sexual está presente desde o início da vida sexual.
• Adquirido - esse subtipo se aplica à disfunção sexual que se desenvolve apenas após um período de funcionamento normal.
Um dos seguintes subtipos 1nd1ca o contexto no qual a disfunção sexual ocorre:
• Generaltzado - nesse subtipo, a disfunção sexual não está limitada a certas formas de estimulação, situações ou parceiros.
• S1tuacional - esse subtipo se aplica quando a disfunção sexual está limitada a determinados parceiros, estimulação ou
situações. Embora, na maior parte dos casos, as disfunções ocorram durante a atividade sexual com um parceiro, às vezes
pode ser importante identificar disfunções que ocorram durante a masturbação.
Os subtipos abaixo 1nd1cam os fatores et1ológ1cos associados à disfunção sexual:
• Em razão de fatores psicológicos - nesse subtipo, supostamente fatores psicológicos desempenham um papel importante
para início, gravidade, exacerbação ou manutenção da disfunção sexual. Condições médicas gerais e substâncias não
exercem qualquer papel na et1olog1a dessa disfunção sexual.
• Em razão de fatores combinados - (1) fatores psicológicos supostamente desempenham um papel para início, exacerbação
ou manutenção da disfunção sexual; (2) uma cond ção médica geral ou o uso de substância também contribui, supostamente,
1

mas não basta para explicar a disfunção sexual. Se uma condição médica geral ou o uso de substância (inclusive efeitos
adversos de medicamentos) é suficiente para explicar a disfunção sexual, pode-se diagnosticar disfunção sexual em função
de uma condição médica geral e/ou disfunção sexual induzida por substância.

Sempre que hoL1ver dúvida a respeito do desempenho anticancerígenos, hormônios (progesterona, corticoste-
sexLtal do(a) parceiro(a), ele(ela) deverá ser avaliado(a). roides ), drogas de adição ( i11clusive 11icoti11a). 28• 30
Por exen1plo: a disft1nção erétil do ho1nen1 pode prejudi- , ,
car o interes~e e o desempenho sexual da parceira, preci- QUESTIONARIO PARA AUXILIAR NO DIAGNOSTICO
pita11do nela a falta de desejo sexual. DE DISFUNÇÕES SEXUAIS NA PRÁTICA CLÍNICA
E11tre as e11fermidades que pode111 inibir a ÍLtnção se- A investigação diagnóstica das dificuldades sexuais
xual, citam-se: doenças cardiovasculares, diabetes 111elliti1s, pode ser facilitada por instrun1entos desenvolvidos es-
dislipidemia, síndrome metabólica, depressão, ansieda- pecificamente para essa finalidade. Algu11s desses, apesar
de, hipo/l1ipertireoidis1no, hipopituitarismo, i11suficiência de validados e adaptados à língua portuguesa falada no
l1epática, insuficiência renal, câncer, doença de Addiso11, Brasil, acaban1 se revelando pouco acessíveis à população,
esclerose 111últipla e doe11ças degenerativas. 16•22 ·~0 por características e restrições culturais. Além disso, o
Tan1bém são potencialmente capazes de induzir dis- método mais apropriado de aplicação (autorrespostas,
ft111ções sexuais: estresse, cirurgias pélvicas e perineais, con1 privacidade), se não for levado a efeito, pode resultar
i11continê11cia urinária, co11traceptivos orais, esterilidade, em viés nas respostas auxiliadas pelo entrevistador, mes-
gravidez, puerpério, desordens genitais (infecções genitu- mo quando este é o médico da paciente.
rinárias, aderências clitoridianas, fibroses, vaginite atrófi- Recentemente Ltm questionário foi elaborado e valida-
ca, agenesia vaginal, vaginismo, debilidade n1uscular, leu- do 110 Brasil, 110 intuito de suprir essa demanda. De fácil
correia, hímen imperfurado, disn1e11orreia e vulvodinia) aplicação e interpretação, o QS-F (Quociente sexual -
e patologias pélvicas (endometriose, inflamações, cistos, versão feminina) foi desenvolvido no ProSex (Programa
tumores, gravidez ectópica, algias), traurnas raquimedu- de Estudos em Sexualidade) do Instituto de Psiquiatria
lares e transtorr10 pré-me11strual. 15·26 ~- do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Medican1entos reconhecidan1ente prejudiciais ao inte- Uni,rersidade de São Paulo' e ser,,e tanto para investigar
resse e desempenho sexual são: antidepressivos tricíclicos, globalmente a função/satisfação sexual da mulher, quanto
ISRS (i11ibidores seletivos da recaptação da serotonina), fazer avaliação domínio por domínio da resposta sexL1al.
i11ibidores da mo11oamino-oxidase, neurolépticos, estabi- Foi construído co111 dez questões a seren1 respondidas
lizadores de hLtmor, anticonvulsi,,antes, ansiolíticos (ben- nun1a escala de O a 5. O resultado da soma das dez res-
zodiazepínicos), diuréticos, anti-hipertensivos, antialérgi- postas deve ser n1ultiplicado por dois, o que resL1lta num
cos, antiulcerosos (cimetidina, ranitidina), anorexígenos, índice total qL1e ,,aria de O a l 00. Para a séti1na questão,

212
Capítulo 23 - Disfunção sexual feminina: diagnóstico e tratamento

exclusiva111ente, o valor da resposta dada (de O a 5) deve -menstrual, quando há queda dos níveis estrogênicos. Há
ser subtraído de 5, obtendo-se assim o escore final dessa risco aumentado de depressão associado ao puerpério e à
questão (Quadro 23.4). fase perimenopat1sal.
Além disso, medicamentos podem conduzir à de-
pressão: betabloqueadores, anti-hipertensivos, digoxina,
O QS-F pode ser interpretado pelo escore total, avaliando benzodiazepínicos, L-dopa, esteroides, barbitúrtcos, in-
a qualidade geral de desempenho/satisfação sexual da mu- terferon, quimioterápicos, entre outros. 16·33 Ta1nbén1 o
lher. Englobando todas as etapas do ciclo de resposta sexual, abuso de álcool e o uso de drogas ilícitas podem deflagrar
além de 0L1tros domínios correlatos, é também um instru- ou manter quadros depressivos. 34 •35
mento capaz de indicar em quais aspectos se· encontra(m) É comum que a depressão acompanhe sintomas físicos
a(s) dificuldade(s) de cada paciente. Essa indicação deve, inespecíficos: dores, alterações do sono e do apetite, can-
posterior1nente, ser confir1nada pelo médico, por meio da saço, desânimo, sensação de fraqueza e baixa libido.
anan1nese e de exames complementares, quando for o caso. As disfunções sexuais podem ser induzidas pelos anti-
Mediante dez questões autorresponsivas, portanto, o depressivos, o que compromete a adesão ao tratamento de
QS-F i11vestiga todas as fases do ciclo de resposta sexual, homens e mulheres, nu1na proporção de 14,2% (referidos
além de outros domínios sexuais, a saber: desejo, fa11tasias espontaneamente) a 58, 1% ( quando perguntados) da-
e interesse sexual (questões 1, 2 e 8); preliminares (questão queles tratados com inibidores seletivos da recaptação da
3); excitação pessoal e sintonia com o parceiro (questões serotonina. 36 Essa baixa adesão provoca a manutenção do
4 e 5), conforto (questões 6 e 7), orgasmo e satisfação quadro depressivo e, consequentemente, da sintomatolo-
(questões 9 e 10). gia sexual que ocorre em razão da depressão.
Respostas com baixos índices ( < 2) para a primeira, a O comportamento sexual feminino se altera na transi-
segu11da e a oitava questões sugerem que o desejo sexual ção menopáL1sica, resultando em desejo diminL1ído, n1e-
não é suficiente para que a mulher se interesse e se satisfaça 11or frequência sexual, bem como capacidade de excitação
com o relacionamento. As questões de número 3, 4, 5 e 6 mais lenta. 2•3- Disso decorre a necessidade de preliminares
referem-se a aspectos da etapa de excitação (reação às pre- mais trabalhadas, antes da penetração do pênis na vagina,
liminares, lubrificação, sintonia com o parceiro e recepção sem o que a lubrificação e o relaxamento serão insufi-
à penetração). Escores baixos para essas questões sugerem cientes, podendo ocasionar dor (dispareunia). A baixa
prejuízos à capacidade de envolvimento e resposta ao es- produção de estróge110s e consequente atrofia da mucosa
tímulo sexL1al. Dificuldade para o orgasmo e insatisfação vaginal respondem por esse quadro. Também a menor
com o relacionamento sexual são identificadas por escores produção de testosterona pelos ovários e suprarrenais da
baixos para as qt1estões 9 e 10. Para a questão 7, quanto mulher, a partir dessa fase, interfere no i11teresse por sexo
maior o escore, maior é a presença de dor à relação; quanto e na frequência sexual. 2·37•38
menos dor à relação, menor é esse escore. Em todos os casos citados, independentemente da
Por meio do QS-F, alé111 de se poder avaliar a condi- condição hormonal, fatores psicogênicos ou orgânicos
ção sexual geral da mulher, é possível avaliar con10 está de outras naturezas podem estar envolvidos. Entre esses
cada um dos aspectos de sua atividade sexual (e saber desencadeadores e/ou n1antenedores da disfunção sexual
em qual(is) dele(s) ocorre dificuldade), interpretando-se, feminina citam-se: autoimagem negativa e baixa autoes-
questão por questão, as respostas assinaladas pela paciente. tima, sentimentos negativos para com o parceiro, saúde
Projetado para a investigação da atividade sexual femi- geral deficitária e problemas geniturinários. 15·21
nina, o QS-F pode ser utilizado tanto para estratificação
de pacientes em estudos clínicos ou observacionais, como RACIOCÍNIO DIAGNÓSTICO PARA AS DISFUNÇÕES
para a 1nensuração da eficácia de algt1ma interve11ção SEXUAIS FEMININAS
que objetive o trata1nento das disft1nções sexuais. Tal Reconhecer os fatores predispo11entes, desencadeado-
instru1nento oferece a possibilidade de avaliação geral res e 1nantenedores auxilia na identificação da origem do
(pela soma dos escores de todas as questões) e indivi- problema sexual e na conduta contra sua manutenção.
dualizada, domínio por domínio (pela análise das ques- Ainda que seja difícil distinguir os fatores predisponentes
tões em separado). dos desencadeadores e/ ou mantenedores, é útil tentar
definir os "gatill1os" imediatos de uma queixa sexual.
- -
DEPRESSAO, ENVELHECIMENTO E FUNÇAO SEXUAL A avaliação de fatores n1ante11edores i11clt1i o contexto se-
FEMININA xual atual que afeta a expressão da sexualidade. 5 A Tabela
Várias etapas do ciclo reprodutivo da mulher apre- 23 .1 st1mariza o raciocínio diagnóstico a ser feito. 2
sentam maior risco para a depressão, sendo esse risco
tanto maior quanto n1ais intensas forem as alterações
nos 11íveis estrogênicos. 32 Dessa forma, na menarca é Quanto mais precoce o con1pron1eti1nento no ciclo de
mais freque11te a ocorrê11cia de desorden1 disfórica pré- resposta sexual, maior a gravidade da disfunção. Portanto,

213
Tratado de Saúde Mental da Mulher

Responda este questionário, com sinceridade, baseando-se nos últimos 6 meses de sua vida sexual e considerando a
seguinte pontuação:
O ~ nunca 3 ~ aproximadamente metade das vezes
1 ~ raramente 4 ~ a maioria das vezes
2 ~ às vezes 5 ~ sempre

1. Você costuma pensar espontaneamente em sexo, lembra de sexo ou se imagina fazendo Capacidade de fazer
sexo? fantasias sexuais
Do D1 D2 0 3 0 4 Os
2. O seu interesse por sexo é suficiente para você part1c1par da relação sexual com vontade? DeseJo e interesse sexual
Do D1 D2 0 3 0 4 Os
3 As preliminares (carícias, beijos, abraços, afagos etc.) a estimulam a continuar a relação Qualidade de respostas às
sexual? preliminares
Do D1 D2 0 3 0 4 Os
4. Você costuma ficar lubrificada (molhada) durante a relação sexual? Capacidade de excitação
Do D1 D2 0 3 0 4 Os
5. Durante a relação sexual, à medida que a excitação do seu parceiro vai aumentando, você Continuidade da excitação,
também se sente mais estimulada para o sexo? em sintonia com o(a)
Do D1 D2 0 3 0 4 Os parceiro(a)
6. Durante a relação sexual, você relaxa a vagina o suficiente para facilitar a penetração do Preparo para a penetração
pênis?
Do D1 D2 0 3 0 4 Os
7. Você costuma sentir dor durante a relação sexual, quando o pênis penetra em sua vagina? Presença de dor à relação
Do D1 D2 0 3 0 4 Os
8. Você consegue se envolver, sem se distrair (sem perder a concentração), durante a relação Foco no deseJo e na
sexual? excitação,ao longo do ato
Do D1 D2 0 3 0 4 Os
9. Você consegue atingir o orgasmo (prazer máximo) nas relações sexuais que realiza? Capacidade para o
Do D1 D2 0 3 0 4 Os orgasmo
1O. O grau de satisfação que você consegue com a relação sexual lhe dá vontade de fazer Satisfação geral com a
sexo outras vezes em outros dias? atividade sexual
Do D1 D2 0 3 0 4 Os
1 COMO CALCULAR O QS-F 1

1 Some os pontos assinalados em cada questão (Q = questão)


Q1 + Q 2 + Q 3 + Q 4 + Q 5 + Q 6 + (5-Q 7] + Q 8 + Q 9 + Q 1O
2 Multiplique por 2 o total da soma e confira com o resultado abaixo

Padrão de desempenho sexual


82-100 pontos ~ bom a excelente
62-80 pontos~ regular a bom
42-60 pontos ~ desfavorável a regular
22-40 pontos~ ruim a desfavorável
0-20 pontos~ nulo a ruim

* Pode-se, portanto, avaliar isoladamente cada domínio da função sexual (deseJo, excitação, orgasmo, sat1sfação etc.) e, também, a soma
deles (resultado global)

214
Capítulo 23 - Disfunção sexual fem inina. d1agnóst1co e tratamento

Anomalias endócrinas, distúrbios Mudanças hormonais Tratamento com drogas


do ciclo menstrual, história de decorrentes de menopausa, ou hormônios, doenças
cirurgia ou condição médica, câncer, uso de medicamentos ou metabólicas ou malignas, outras
tratamento com drogas que drogas, condições médicas. condições médicas crônicas.
afetam o nível hormonal e o ciclo
menstrual, tumores benignos.
História sexual passada (tanto lnsatisfação com o Ansiedade, depressão, tensão,
positiva como negativa), relacionamento atual, problemas de comunicação.
.
~ . '
experienc1as sexuais nao
-
transtornos afetivos (ansiedade,
deseJadas, história de estupro, depressão), perda de afeto
violência, coerção, preocupação em relação ao(à) parce1ro(a),
com imagem corporal, decepção, frustração etc.
traços de personalidade e de
temperamento (extrovertido
versus introvertido, inibição
versus excitação), história
de relacionamentos (do
passado e atual), recursos de
enfrentamento, papéis sociais/
prof1ssiona1s e responsabilidades.
Conceitos étnicos/religiosos/ Conflito no relacionamento, Mitos culturais.
culturais, expectativas, receios, eventos estressares (divórcio,
acesso socioeconômico a cuidado separação), perda ou morte
e informação médica, rede de de amigos próximos ou de
suporte social. familiares, dificuldade de
acesso a tratamento médico/
psicológico, dificuldades
econômicas, preocupações.

desejo sexual hipoativo tem, em geral, prognóstico 1nais que ai11da não têm repercussão do problema sexual sobre
reservado do que anorgasmia. Também são agravantes: outros aspectos do relacionamento 0L1 sobre o desempenho
disfunção prin1ária (ao longo da vida) ou de longa evolL1- sexual do(a) parceiro(a). Esclarecer é, pois, o papel do 1né-
ção, parceiro disfuncional, relações conjugais conflituosas dico, o que evita a cronificação da condição disfuncional. 21
e má qualidade de vida do casal, além de comorbidades Por induzirem e agravarem a disfunção sexual, de-
(doenças associadas). pressão e tratamento antidepressivo exigem que o perfil
Se não tratadas, as disfunções sexuais tendem a e,,oluir da paciente seja conhecido, no intuito da prescrição do
com intensificação e cronicidade, repercutindo sobre ou- medicamento n1ais apropriado e com maior possibilidade
tros aspectos da vida da mulher: autoi1nagem, trabalho, de adesão, caso a caso. "Ar1tídotos" aos efeitos adversos
relacionamento fan1iliar e social. Podem conduzir, ainda, indesejáveis dos antidepressi,,os (especialmente inibição
a quadros depressivos e/ou a11siosos, gerando um círculo da libido) são sugeridos como complementares ao trata-
,•icioso qt1e se retroali1nenta. J9 me11to do quadro depressivo. Entre esses, destacan1-se:
a bupropiona (inibidor da recaptação da dopan1ina) e a
-
TRATAMENTO DAS DISFUNÇOES SEXUAIS buspirona (ansiolítico ). 3u...o
FEMININAS A Tabela 23.2 apresenta vários "antídotos" para a dis-
Legitimar o prazer sexual da mulher e dirimir mitos, fu11ção sexual secundária ao Liso de ISRS e respectivos
tabus e preconceitos pode amenizar parte dos problen1as n1ecanismos de ação, doses indicadas e fases do ciclo
sexuais femininos, especialmente daquelas mais jovens e sexual envolvidas.

215
Tratado de Saúde Mental da Mulher



Buprop1ona* 150 - 400 Desejo, excitação e orgasmo Aumento de dopamina
Busp1rona* 30- 60 Desejo, orgasmo Redução de seroton1na
eiproeptadina 4-8 Orgasmo Ant1sseroton1nérg1co

Hormônios (estrógeno
Variável DeseJo, excitação Aumento da função hormonal
ou testosterona)

Antagonista alfa-2-adrenérgico central e


Mirtazapina* 15 -45 Orgasmo
antagonista 5-HT2, 5-HT2C e 5-HT3
Psicoestimulantes Variável Desejo, excitação e orgasmo Agonista dopaminérg1co
Amantadina 200 -400 Desejo e orgasmo Agonista dopaminérgico
Inibidores da PDE-5* Variável Excitação e orgasmo Aumento de óxido nítrico
Trazodona* 200 - 400 Desejo Antagonismo adrenérg1co periférico
*Drogas de uso mais 1nd1cado, segundo a expenênc,a dos autores

Estrógenos são utilizados contra os sintomas da me110- ou por via oral. É recon1endável evitar essa últi1na via,
pausa, pois têm efeito sobre o trofismo vaginal e aliviam a como medida de proteção hepática. Caso ela seja utilizada,
dispareunia ao recuperarem o epitélio ,,aginal, bem con10 deve ser com a menor dose e pelo menor tempo possí,,el. 46
o pH e o fluxo sanguíneo da vagina. 11 Se o desejo hipoa- Presença de câncer de útero e de mama, doenças car-
tivo não é secundário à dor ou ao desconforto durante o diovasculares ou doenças hepáticas são contraindicações
ato, ele persiste apesar da terapêutica estrogênica. formais à terapia androgênica. Efeitos ad,,ersos (ac11e,
Dessa forma, dispareunia de outras causas diferentes hirsutismo facial e corporal, aun1ento de peso), quando
de atrofia da mucosa vaginal deve ser investigada e tra- precocemente identificados, costumam ser re,,ersíveis.
tada (psicogênica, por infecção geniturinária, tumores, Doses fisiológicas não provocam comportamento agres-
endometriose, gravidez ectópica, doença sexualn1ente sivo ou voz grave, alterações lipídicas, de lipoproteír1as e
tra11s1nissível, entre outras). da função hepática, o que pode, entretanto, ocorrer com
Se11do a motivação sexual dependente da testostero- doses n1aiores. 44
na, 3 42•·1' a administração desse hormônio pode resta- Os inibidores da recaptação da dopami11a (bupropio-
belecer o interesse sexual e a capacidade de excitação, na) são outra opção medicamentosa disponível para tra-
além de favorecer fantasias sexuais de mulheres que não tamento de desejo sexual hipoati, 0 ou falta de excitação.
1

respo11dem ao estróge110. 44 O tratamento androgênico Podem recuperar a atividade sexual de n1ulheres sen1
pode ser cogitado para mulheres pós-1nenopausadas, deficiência hormonal ou doenças sistêmicas con10 deter-
pós-ooforectomia, quin1io e radioterapia em ovário. Es- minantes de disfunções sexuais. 4~
sas mulheres devem estar sob terapêutica estrogênica. 1~ No caso de impulso sexual excessivo, o tratan1ento pre-
Na persistência de falta de desejo sexual, outras causas conizado envolve os ISRS e estabilizadores do humor. Tri-
(médicas e psicológicas) que poderiam explicar o quadro cíclicos (ern vez de ISRS) também podem ser t'.iteis, desde
devem ser afastadas. que seus efeitos adversos sejam tolerados pela paciente.
A insuficiência androgênica se manifesta com fadiga, O Quadro 23.5 sintetiza a terapêutica para cada disfun-
desânimo, insônia, desinteresse sexual, entre outros sinto- ção sexual fen1inina.
mas do climatério. A despeito de estudos bem conduzidos Se a dificuldade sexual está relacionada a conflitos com
indicarem que a testosterona é efetiva sobre a motivação o(a) parceiro(a), imaturidade emocional, falta de habili-
sexual, o conhecimento atual ainda é insuficiente para a dade sexual ou quadros depressivos, é indicada a terapia
prescrição de roti11a. 15 Vale insistir que 11íveis plasmáticos sexual.·1ª·49 Sistematizada para trabalhar especificamente
adequados de estrógeno são pré-requisito para a adminis- a disfunção sexual, favorecendo o increme11to da capaci-
tração de testosterona a mulheres. dade para o i11tercurso sexual, a psicoterapia tematizada
A testosterona, quando indicada, pode ser administrada de grupo e de tempo lin1itado propicia respostas mais
por via transdérmica (adesivos) OLl tópica (gel ou creme), rápidas. ,t

216
Capítulo 23 - Disfunção sexual feminina : d1agnóst1co e tratamento

1. Se decorrente de depressão:
• Administrar, sempre que possível, antidepressivo de menor prejuízo à função sexual (p. ex., bupropiona, m1rtazapina,
desvenlafax1na, agomelatina).
• Se necessário, acrescentar "antídotos" (inibidores da recaptação da dopamína), caso o tratamento de eleição seja com ISRS:
- Bupropiona (1 50 a 300 mg/dia)*
- Buspirona (30 a 60 mg/dia)
- Hormônios (testosterona)**
- Amantadina (100 a 200 mg/dia)**
- Psicoestimulantes (baixas doses diárias)**

* Não indicada se houver histórico de anorexia, bulimia, antecedentes de convulsão, inquietação, insônia.
* * Uso não é corrente no Brasil.
• Adequação da dose do ant1depress1vo utilizado (quando possível) ou troca por outro que não cause 1n1bição da l1b1do.
2. Terapia androgên1ca cntenosa - 1nd1cada para mulheres na pós-menopausa, ooforectom1zadas bilateralmente, em rádio
ou quimioterapia e sob tratamento estrogênico, desde que não haja contraindicação (câncer de útero ou de mama,
doenças cardiovasculares, síndrome do ovário policíst1co, níveis baixos de estrógeno, h1perllp1demia, doença hepática,
acne ou hirsutismo grave).
3. Ps1coterap1a/terapia sexual/terapia de casal - em casos de disfunção ps1cogênica ou mista (orgânica e psicogên1ca).

1. Antidepressivos ISRS (com impacto negativo sobre a função sexual) - fluoxetina, sertralina, paroxet1na, por exemplo.
2. Antidepressivos tric1clicos (em vez de ISRS) também podem ser úteis, desde que seus efeitos adversos sejam tolerados
pela paciente.
3. Estabilizadores do humor - top1ramato, 25 a 200 mg/d1a ou lamotn91na, 200 a 400 mg/dia.

1. Antidepressivo - se anorgasmia por depressão (por exemplo: bupropiona), dose variável que não interfira na função sexual.
2. Buspirona/alprazolam (30 a 60 mg/día) - se anorgasm1a por ansiedade.
3. Ps1coterap1a/terap1a sexual/terapia de casal - em casos de disfunção ps1cogên1ca ou mista (orgânica e psicogên1ca).

1. Antidepressivo - em baixas doses e que não interfira na função sexual; indicado para redução de dor neuropática.
2. Gel hidrossolúvel - se lubrificação diminuída.
3. Cremes de estrógeno (uso tópico) - contra a atrofia vaginal, que pode levar à dor por secura vaginal.
4. Fisioterapia específica para o assoalho pélvico e os gen1ta1s.
5. Ps1coterapia/terap1a sexual/terapia de casal - em casos de disfunção ps1cogên1ca ou mista (orgânica e ps1cogênica).

1 . Ansiolít1cos - dose variável, conforme o caso


2. Fisioterapia específica para o assoalho pélvico e os genitais.
3. Gel hidrossolúvel - melhora a lubrificação.
4. Psicoterapia/terapia sexual/terapia de casal - em casos de disfunção psicogênica ou mista (orgânica e psicogênica)

-
CONCLUSAO tratadas, tendem a se cronificar e agra,,ar, co1npron1etendo
Para o diagnóstico de disfL1nção sexual, deven1-se a,·aliar não só a atividade sexual, mas diversos outros aspectos:
o tempo de evolução (maior de seis 111eses), a presença de autoestima, autoi1nage1n, relacionamento social e familiar e
sofrimento e as consequentes dificuldades interpessoais. As prodL1tividade no trabalho. Podem levar à depressão e/0L1 à
disfL111ções sexuais fen1ininas, qua11do não diag11osticadas e a11siedade, o qLte desencadeia e 1nantén1 un1 círculo ,,icioso.

217
Tratado de Saúde Mental da Mulher

Soman1-se a esses prejuízos as dificuldades de rela- 16. Clayton AH, Balon R. Toe impact of mental ili ness and psy-
cionamento co11jugal, o 111edo do fracasso e o constran- chotropic medications on sexual functioning: the evidence and
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218
Transtorno do déficit de
atenção e hiperatividade em
mulheres: da infância
à vida adulta
Paulo Mattos

O TDAH (TRANSTORNO DO DÉFICIT DE ATENÇÃO E O DIAGNÓSTICO DE TDAH EM MULHERES


HIPERATIVIDADE) Os estudos acerca do TDAH no sexo feminino são rela-
A tríade sintomatológica clássica da sí11drome descrita tivamente mais recentes; o transtorno era, classicamente,
inicialmente em crianças e adolescentes caracteriza-se por descrito em meninos que compunham a quase totalidade
desatenção, hiperatividade e impulsividade em níveis con- das amostras. Ao final da década de 1990 e início da déca-
siderados incompatíveis com o nível de desenvolvimento, da seguinte, entretanto, diferentes autores de1nonstraram
ocorrendo em diferentes co11textos e acarretando con1pro- que não apenas o TDAH podia ser identificado 110 sexo
metimento clinican1ente significativo. Em oposição aos feminino (com o mesmo sistema diagnóstico), como
diagnósticos médicos ditos categoriais, em que determina- também as mulheres com o transtorno podiam apresen-
do n1arcador, aspecto ou sintoma caracteriza a presença de tar 1nais comprometime11to acadêmico, social e familiar. 3
doe11ça (p. ex., hepatite), no TDAH fala-se em diagnóstico As razões para a discrepância entre as prevalências nos
dimensional (à semelhança do diabetes mellitus e da hiper- gêneros masculino e feminino eram creditadas, inicial-
tensão arterial), em que a presença de doença se dá quando mente, ao fato de as meninas apresentarem com maior
é ultrapassado determinado ponto de corte, havendo os frequência o subtipo predominantemente desatento, 4 que
mesmos marcadores, aspectos ou sintomas, en1 menor nú- é menos ide11tificável na comunidade, en1 face da antiga e
mero ou proporção, na população em geral. As primeiras disseminada percepção de um transtorno hipercinético.
referências ao que hoje se denomina TDAH remontam ao Outra explicação seria a de menor prevalência de comor-
século XIX, tendo o transtorno recebido diferentes nomes bidade com transtornos disruptivos 5 (algo recentemente
desde então: "lesão cerebral mínima" (década de 1940), questionado) que aumentaria as chances do diagnóstico
"disfu11ção cerebral mínima" (i11ício e meados da década de do TDAH.
1960) e "hiperatividade" (termo errôneo, metamorfoseado Desde os estudos iniciais, demonstrou-se que nas
do grego "hipercinese': que atingiu ampla divulgação nos mulheres ocorria o mesmo risco de transmissão familiar
meios médico e laico a partir da década de 1970). Atual- e resposta ao tratamento con1 psicoesti1nula11tes que no
mente, o diagnóstico de TDAH é realizado com os crité- sexo masculino. Entretanto, algumas diferenças clínicas
rios diagnósticos listados nos sistemas DSM-IV, da APA foram inicialmente descritas: maior prevalência do sub-
(Associação America11a de Psiquiatria) e CID-10, da OMS tipo predominantemente desatento, maior prevalência de
(Orgai1ização Mundial da Saúde); neste último, os critérios transtornos de aprendizagem e mau desempenho acadê-
permitem apenas o diag11óstico de formas consideradas mico, além de maior prevalência de outros transtornos
mais graves do transtorno. Vários estudos nas últimas duas comórbidos ao TDAH.6 ·-·8 Mais ainda, estudos conduzi-
décadas demonstraran1 não apenas a persistência do trans- dos na prin1eira metade da década de 2000 indicavam que
torno en1 adultos, como também a correlação com piores homens apresenta,,am mais transtornos externalizantes,
indicadores de qualidade de vida. 2
1
• tais como o transtorno de oposição e desafio e o transtor-
Tratado de Saúde Mental da Mulher

110 de conduta (aspecto n1ais recentemente questionado) eram observados en1 amostras comunitárias, mas não em
e mulheres apresentavam mais transtor11os depressivos e a1nostras clí11icas. Na n1etanálise de Gershon, 1 meninos
ansiosos, sendo estes últimos distribuídos de modo he- com TDAH apresentavam mais transtornos externalizan-
terogêneo de acordo con1 o subtipo de TDAH.Y· 1º Um tes em an1ostras da comunidade, mas não en1 an1ostras
estudo norte-ainericano, utilizando 1netodologia de e11- clí11icas. Graetz e cols. i - sugeriran1 mais recente1nente qL1e
trevistas on-line, demonstrou em 2004 que a maioria do os diferentes perfis fenotípicos do TDAH 11ão se devessem
público geral entre,,istado (58%) e maioria de professores às diferenças entre an1ostras clínicas e corr1unitárias (não
(82%) acredita,•a que o TDAH era mais prevalente e1n clínicas), mas si111 ao modo como casos são identificados
1ne11inos; 11 quatro entre dez professores afirmavam ser nos estudos con1 tais amostras. Estudos com a1nostras clí-
1nais difícil o diagnóstico de TDAH em meninas. De fato, 11icas geralmente e11,,olven1 não apenas u1na avaliação da
un1 co11senso norte-america110 naqL1ele 111es1no a110 indi- gravidade e duração do quadro sintomático, mas tan1bém
cava qL1e o gênero podia ser u1na barreira ao diag11óstico o exa111e mais apurado dos si11tomas co11templados pelos
de TDAH e1n me11inas. 12 Entretanto, u1n estudo com ban- sistemas diagnósticos ( entre,,istas semiestrL1turadas), algo
co de dados 11acionais de prescrição de psicoestin1ulantes qt1e 11ão ocorre com estudos com amostras comunitá-
para tratarnento do TDAH, entre 1990 e 1998, já i11dicava rias. Quando tais fatores são le,,ados em conta, apenas
que parte do aumento do 11úmero total de prescrições era a idade ( n1e11inos são identificados n1ais precocemente,
consequência de um nt'.1mero progressiva111ente maior de possi,,elmente por causa dos tra11stornos externalizantes)
meni11as tratadas. 13 e a prevalê11cia de depressão (mais comL1m en1 mL1ll1eres)
O emprego de diferentes n1etodologias, possivel1nen- aparecem como fatores diferentes entre os gêneros.
te somado a vieses de encaminhamento de amostras
clí11icas e difere11ças socioculturais, parece justificar a e 1""º/\CT0 ")'J ,.::,.l\~ N~ :::rxo FE~.''INl~Jo
heterogeneidade dos rest1ltados na literatura. Amostras Meninas habitL1almente diferem de 1ne11inos no padrão
at1stralianas e canadenses de 1neninas com TDAH, por de relaciona1nento interpessoal, con1 n1aiores níveis de
exemplo, aprese11tavam perfis distintos de comorbidade; \'inculação e intin1idade, além de maior sensibilidade a
malgrado utilizarem os mesmos critérios para diag11ós- perturbações nas relações grupais. Crianças e adoles-
tico de TDAH (DSM), o método pelo qual o diagnóstico centes com TDAH tê1n 111ais dificuldades nos relacio-
era obtido variava consideravelmente. ÜL1tro exe111plo namer1tos e têm me11os an1igos quando cornparados a
marcante de resultados discrepa11tes secundariamente seus pares; me11i11as con1 TDAH, e11tretanto, parecem ser
à n1etodologia utilizada é o achado de diferenças entre n1ais rejeitadas que n1eninos con1 o mesmo transtorno, e
gêneros enco11trada por dois grupos independentes Lttili- apresentam dificuldades crescentes 110s relacionamentos à
zando apenas questionários ou relato dos pais, 5·3 que 11ão medida que amadL1recen1. 4 •14 Um estudo de seguimento 1b
foi reproduzido por um terceiro grupo de pesquisadores de meninas de 6 a 7 a11os até a idade de 16-17 anos revelou
quando era realizado diagnóstico clínico por meio de exa- mais problemas e maior insatisfação com seus relacio11a-
me clínico com perguntas padronizadas.- Em um estudo me11tos sociais e menor grat1 de confia11ça no relaciona-
com a1nostra clínica, Biederman e cols. 5 demo11strara1n n1ento com seus pares; tais achados, e11tretanto, não foram
que me11inas apresentavam n1enores taxas de comorbida- creditados a uma me11or compreensão de regras sociais.
de com depressão, enquanto Graetz e cols. 6 demonstra- Meninas com TDAH apresentavain rnenor rede social e
ram sen1elha11ça nas n1esn1as taxas quando meninas eram mais chances de fazer amigos que não frequentavam a
comparadas a meninos. escola. Nesse estudo, não se observou un1 aun1ento no
Mais recentemente, estudos tanto con1 amostras clí- número de relações sexuais, em contraste com o relatado
nicas14 como não clínicas 15 revelaram que o perfil de co- por vários outros at1tores; entretanto, três de cada quatro
n1orbidade, o histórico de tratamento, o funcionamento meninas vítimas de violência sexual eram portadoras de
psicossocial e acadêmico eram semelhantes em ambos TDAH, sugerindo maior vulnerabilidade desse grt1po.
os gêneros, ressalvadas algumas poucas diferenças. Es- Um estudo britânico de coorte, l':I acompanhando casos
ses achados vão ao encontro de inúmeros resultados de diagnosticados de TDAH por um período de dez a trinta
estudos de neuroi111agem, em que não foran1 observadas anos, revelou uma significativa prevalência (22,6%) de
diferenças e11tre os gêneros. 3 - Dois estudos metanalíticos internações psiquiátricas, em particL1lar por transtorno
demonstrarain que a fonte de encaminhamento influen- de personalidade e transtorno do hL1mor; n1eninas com
ciava de modo significativo as diferenças observadas entre TDAH em comorbidade com transtorno de conduta
os gêneros. Curiosamente, a metanálise de Gaub e Carl- apresentavam chances maiores daqueles desfechos que as
son 16 de estl1dos anteriores a 1992 já demonstrava ao fi11al demais. A presença de QI SLLbnormal e a metodologia des-
da década de 1990 poL1cas diferenças e11tre os gêneros, e as se estudo, entretanto, indicam reservas no e11te11dimento
atribuía a vieses amostrais: as menores taxas de hiperativi- dos resultados. Numa coorte norte-americana de cinco
dade, a menor prevalência de transtornos externalizantes anos, meninas com TDAH apresentaran1 ao final da ado-
e o 1naior con1prometime11to cognitivo no sexo femi11i110 lescência não apenas elevados índices de manutenção do

222
Capítulo 24 - Transtorno do déficit de atenção e hiperat1vidade em mulheres: da infância à vida adulta

diag11óstico, como tambén1 taxas maiores de tra11stornos 4. Lahey 8B, Applegate B, McBurnett K, Biedern1an J, Greenhill L,
disrupti,,os, transtornos ansiosos, transtornos do humor Hynd G\\' et ai. DS~l-1\' field triais for attention deficit h)'pe-
e abuso de substâncias psicoati,1as, comparativan1ente a ractivit) disorder in children and adolescents. Am J Psychiatry.
controles normais. 20 1994; 151: 167 3-85.
O diagnóstico de TOD (transtor110 de oposição e de- 5. Gershon J. A 1neta-analytic revic\\' of gender differences in
safio), possi, eln1ente a comorbidade mais enco11tradiça
1
ADHD. J Attention Dis. 2002;5:143-54.
110 TDAH, parece se 1na11ter no segt1ime11to de 1neninas, 6. Bro,,·n RT, wladan-S,vain A, Baldwin K. Gender differences in a
do mesmo modo como demonstrado en1 meni11os, au- clinic-referred sa1nple of attention-deficit-disordered children.
n1enta11do ta111bém as cha11ces de aparecin1ento posterior Child Psychiatry Hun1 Dcv. 1991;22:111-28.
de depressão. 21 Nesse n1esmo estudo de coorte, embora 7. Biederman J, ~lick E, Faraone $\', Braaten E, Doyle A, Spencer
a presença de TDAH+TOD se associasse a cha11ces duas 1· et ai. lnfluence of gender on attention deficit hyperacti,ity
vezes 111aiores de TC ( transtorno de conduta) e THB disorder i11 children referred to a psychiatric clinic. An1 J
(transtorno bipolar), não se obser, ara1n diferenças esta-
1
Psychiatr\.
. , 2002; 159:36-42.
tistica1nente significati, as.
1
8. Graetz 8\\', !:,a,,·yer ~lG, Baghurst P. Gender differences an1ong
O n1ais rece11te estudo de coorte, publicado pelo grupo children ~vith 1)S:V1-l\' ADHl) in Australia. J A,n Acad Child
de Harvard,22 acompa11l1ou 140 1ne11inas e adolescentes Adolesc Psvchiatr\.
, , 2005;-!4: 159-68.
entre 6 e 18 ar1os, por 11 a11os, con1 96º/o de retenção da 9. Rucklidge JJ, Tannock R. Psychiatric, psychosoc1al, and cogni-
amostra inicial, sendo o único estudo de seguin1ento de ti\'e functioning of fcrnale adolescents ,vith ADHD. J An1 Acad
TDAH em n1eninas até a ,,ida adulta. Mesmo contro- Ch ild Ado lese Psychiatry. 2001 ;40:530-40.
la11do-se para a presença de psicopatologia 110 baseli11e, 1O. Le,, r, Hay DA, Ben nett KS, ~ lcStephen NI. Gender diflercn-
n1ulheres con1 TDAH apresenta,•am maior incidência ces in ADHD subtype comorbidit}, J An1 Acad Child. ,\dolesc
de tra11storno de perso11alidade a11tissocial, transtor11os .
Psvchiatrv.
'
2005;4--l:368- 76.
do humor e de ansiedade, além de transtorno de uso de 11. Quinn P, vVigal 5. Percept1011s of Girls and ADHD: Results
substância e trar1stornos alin1entares qua11do comparadas Fron1 a National Survey. I-vledGeni\led. 2004;6(2): 2.
a controles. Com relacão •
a esses últin1os, a l'.lnica re,,isão 12. N 1H Consensus Staten1ent. I)iagnosis and treatment of at-
de literatura (realizada no Brasil) sugere forte111ente que tention deficit hyperactivity disorder (ADHD). 1998; I 6: l -37.
mulheres portadoras de TDAH apresenta1n risco elevado, Disponível en1 <http://conscnsus.nih.gov/cons/l l0/110_intro.
em partict1lar, para bulin1ia nervosa. 2·' htn1>. ,\cesso em: 5 de abril de 2004.
Co11cluindo, o TDAH em me11inas pode persistir na 13. Robison L~1. Skaer TL, Selar DA, Galin RS. ls attention deficit
vida adulta e se associar a várias comorbidades com ele- hypcractivity disorder increasing among girls in the US? 1·ren-
vado grat1 de in1pacto negativo no fu11cio11amento social, ds in diagnosis and the prcscribing of stimulants. CNS Drugs.
fan1iliar e profissional; a ide11tificação precoce do tra11stor- 2002; 16(2):129-37.
no é importa11te para a instituição de tratamento adequado 14. Gross Tsur \', Goldz\,·eig G, Landau \·, Berger I, Shn1ueli D,
como forn1a de minimizar os inúmeros desfechos desfavo- Shale\' R. The in1pact of sex and subtypes on cognitive and
ráveis fartan1ente relatados 11a literatura, ta11to en1 amostras psychosocial aspects of ADHDDevelopn1ental Medicine &
clínicas como epidemiológicas. Como exemplo 111arcante, Child Neurologr. 2006;48:901-5.
é possível mencionar qtte o emprego de psicoesti111ulantes 15. Biedern1an J, K,,·on A, Aleardi J\1, Chouinard \'A, i\tarino T,
(medicamentos de pri111eira escolha para tratamento do Cole H et ai. Absence of gender etfects on attention deficit
transtorno) se associa a u111a diminuição do risco de de- hyperactivity disorder: findings in nonreferred subjects. An1 J
se11,•ol,1in1e11to de transtor110 de uso de substância, algo que Psvchiatrv.
, '
2005; 162: 1083-9.
ocorre cerca de três a quatro ,,ezes n1ais freqt1entemente en1 16. Gaub J\[, Carlson CL. Gender differences in ADHD: A ,neta-
portadores de TDAH.~4 -analysis and criticai revie,,•. Journal of the An1erican Acaden1y
A
of Child & Adolesce11l Psychiatry. 1997;36, 1036-45.
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223
Diagnóstico e tratamento
de crianças e adolescentes
do gênero feminino com
transtorno mental
Tania Yumi Takakura
Enio Roberto Andrade

-
INTRODUÇAO dos 10.123 adolescentes de 13 a 18 anos (n1édia 15,2 anos)
Sabe-se que grande parte dos transtornos psiquiátricos avaliados apresentava histórico de algum transtorno men-
en1 adultos tem seu início na infância e adolescência. tal ao longo da vida. A maioria dos casos de transtornos
Sabe-se, tambén1, que alguns transtornos psiquiátricos já ansiosos tiveram seu início aos 6 anos, os transtornos de
podem estar presentes em fases iniciais da infância, e que comportamento aos 11 anos, os transtornos do humor aos
o início precoce de problemas mentais prejudica o fun- 13 anos, e os transtornos relacionados ao uso de substân-
cionamento da criança de forn1a abrangente, expo11do-a cias, aos 15 anos. Aproximadamente 20% dos indivíduos
ao risco de desenvolvimento de uma psicopatologia e de de ambos os sexos (40% dos afetados) apresentaram co-
con1prometimentos futuros. morbidade com um transtorno de outra classe diagnósti-
Questões relacio11adas à saúde mental das crianças ca (principalmente depressão), o que tendeu a aumentar
e adolescentes tên1 recebido crescente atenção da mídia e com a idade.
da con1unidade científica, levando a importantes avanços Transtornos psiquiátricos de início precoce, como au-
no can1po da psiquiatria da infância e da adolescência. tismo, TDAH, transtornos específicos do desenvolvimen-
Os dados epiden1iológicos de diferentes países aparentam to da fala e da linguagem e dislexia, tendem a um predo-
relativa uniformidade e revelam que até 20% das crianças n1ínio no sexo masculino, enquanto transtornos de início
e adolescentes ao redor do mundo apresentam algum na adolescência, como transtornos do humor e tra11stor-
transtorno mental incapacitante, e que o suicídio é a ter- nos alimentares, tendem a um predomínio no sexo femi-
ceira causa de morte entre adolesce11tes. nino. Outros transtornos não se encaixam perfeitamente
Dos 3.024 indivíduos entre 8 e 15 anos incluídos no nessa classificação: embora os transtornos ansiosos apre-
NHANES (National Health and Nutrition Examinatio11 sentem pico na adolescência, são mais freqL1entes no sexo
Survey), um em cada oito apresentou ao menos um femi n ino, mesmo na infância; o transtorno de conduta
transtorno mental no ano anterior ( 13,1 º'6). Entre estes, antissocial também tem seu pico na adolescência, mas é
14% apresentaram ao menos um transtorno comórbido mais comum no sexo masculino. Os men inos são mais
no mesmo período. No Brasil, Fleitlich-Bilyk e Goodman propensos a transtornos externalizantes, e as meninas, a
(2004) encontraran1 taxa semelhante: 12,7% dos indivídu- transtornos internalizantes. Problemas de conduta fre-
os de 7 a 14 anos avaliados apresenta,,am pelo n1enos um quentemente ocorrem em con1orbidade com problemas
tra11stor110 psiquiátrico (principaln1ente transtorno desa- de atenção, hiperati,1 idade e comportamentos de oposição
fiador e de oposição, transtornos de ansiedade, transtorno (ou seja, outros sinton1as externalizantes). A depressão
de déficit de atenção e hiperatividade e transtorno depres- frequentemente ocorre em comorbidade con1 ansiedade,
sivo maior). As taxas são n1aiores quando consideradas problemas alimentares e de somatização (ou seja, outros
amostras somente de adolescentes. No NCS-A (National sintomas internalizantes). As diferenças biológicas, físi-
Comorbidit}' Survey - Adolescent Supplement), 49,5°10 cas, cognitivas e socioemocionais entre meninos e me-
Tratado de Saúde Mental da Mulher

ninas - e a interação enlre si e com fatores a111bientais -, tati,·as de suicídio e suicídio consumado em adolescentes.
estão prO\'a\·elmente relacionadas a tais padrões. O suicídio é a terceira caL1sa de n1ortalidade e11tre jO\'ens
Este capítulo tem seL1 foco nas questões relati\ as ao
1 americanos. Enquanto a taxa de suic1dio e n1aior 110 sexo
diagnóstico e tratamento de transtornos mentais e1n 1nasculino, garotas apresentam taxas mais ele\1adas de
crianças e adolesce11tes do gênero femi11i110. Dessa for111a, ideaçào SL1icida e te11tati\·as de suicídio. Estima-se que 5 a
serão abordados os quadros de maior rele\•ância 11essa 10°0 dos adolescentes irão se suicidar dentro dos quinze
1

população. a11os do surgin1ento do primeiro episódio de depressão.


Depressão psicótica está associada a um antecede11te
TDM (TRANSTORNO DEPRESSIVO MAIOR) E TD fan1iliar de transtorno bipolar OLI de depressão psicótica,

(TR 11. 11.t<."T()Dll.lf'\ QICTll\ll!f(')' quadros depressi,•os 111ais gra,•es, n1orbidade mais prolo11-
A prevalência dos tra11stornos depressi\'OS parece gada, resistência à 1no11oterapia, e, pri11cipal111ente, a um
aume11tar a cada geração, co1n início cada \'eZ mais pre- risco ele\'ado de transtorno bipolar.
coce. As esti111ativas ,·aria111 con1 o período co11siderado A duração n1édia de u1n episódio de TD~l é de cerca
e o método de avaliação: os estudos con1 an1ostras da de 8 n1eses, en1bora seja comun1 a persistência de pre-
comL111idade qL1e co11sideran1 a prevalência 110 últi1110 juízos psicossociais após a ren1issão do quadro. A taxa
1nês ou a110 c.iescre,·en1 taxas entre 0,4 e 2,Sq,o en1 crian- recorrência é de 20 a 60°10 110s pri111eiros dois anos, e de
ças, e entre 0,7 e 9,8°1> e1n adolescentes. A idade 111édia até 70°10 em cinco a11os. Cerca de 100,0 terão un1 curso
de início do fDM e do TD está entre 11 e 14 a11os; SLta crô11ico. Em geral, n1aior gra\1 idac.ie, cronicidade OLL re-
i11cidência cresce de for111a li11ear até o final da adoles- corrê11cia, prese11ça de sintomas residuais, comorbidades
cência, qua11do atinge ní,,eis compará\·eis aos obser,·a- Ott sentin1ento de desespera11ça e a presença de co11dições
dos em adultos. No NCS-A, a pre,•alê11cia de TD~l e TD ad\'ersas (baixo poder aquisiti\'O, abuso, co11f1ito familiar)
ao longo da \•ida nos adolescentes e11tre 17 e 18 a11os foi estão associados a un1 pior prognóstico.
de 15,4%, qL1ase o dobro da encontrada e11tre os de 13 No estudo de Korczak & Goldstein (2009), indivíduos
a 14 a110s (8,4%). As diferenças de gênero nas taxas de con1 TDM de i11ício 11a i11fância aprcsentaran1 1naior n\'.1-
pre,,alência de TDM só são obser,·adas a partir da ado- mero de episódios, n1aior duração do episódio, n1aior risco
lescê11cia, época e111 que o transtorno se torna de duas a de suicídio e maior necessidade de hospitalização, quando
três ,,ezes mais comum no sexo feminino, semelhante ao comparados aos de início na ,,ida adulta. Indivíduos tan1-
padrão observado em adultos. bém apresentaran1 maiores taxas de comorbidade psiquiá-
Histórico de TDM parental é un1 dos n1aiores fatores trica e relatara1n história parental de TDM com maior fre-
de risco para o TDM en1 crianças e adolesce11tes: filhos quência. Indivíduos co,11 TD1'v1 de início na adolescência
de pais co1n depressão apresentan1 risco duas a três ,,ezes apreser1taram taxas intermediárias.
n1aior de dese11vol,·er um transtorr10 depressi\'O. Um a11- A taxa de prevalência do TD é de 0,6 a 1,7% e111 crian-
tecedente pessoal de episódio depressi\ 0 OLI Ltm quadro
1 ças e de 1,6 a 8% e1n adolescentes. O diagnóstico de TD
depressivo subclínico tambén1 está associado ao aun1ento na infância e adolescência pelo DSM-IV (Manual Diag-
do risco de episódios depressivos subsequentes. 11óstico e Estatístico de Transtornos Mentais - IV edição)
O diag11óstico do TDM em cria11ças e adolescentes é reqL1er apenas u111 ano de duração de sintomas depressi-
feito com base nos n1esmos critérios usados na popL1lação vos, e não dois anos, como em adultos. O TD 11a infância
adLtlta, e1nbora algun1as características possam variar de aprese11ta curso prolongado, com duração média de três
acordo com a fase do descnvolvime11to físico, en1ocional, a quatro anos, e está associado a um risco aumentado de
cogniti,,o e social em qL1e o indi\ íduo se encontra. Crian-
1 TDM subsequente.
ças e adolescentes aprese11tam maior dificuldade para O TDM e o TD na i11fância e adolescência aparecen1
ide11tificar seus senti1nentos, não sendo comun1 o relato em freqL1ente comorbidade entre si (depressão dupla), e
de sentimentos depressivos, principalmente nas crianças co111 outros transtornos psiquiátricos e outras patologias
1nenores. Tendem a aprese11tar n1aior irritabilidade (o clí11icas (40 a 90% ), e até 50% dos casos apresenta1n dois
DS1'v1-IV considera que o humor pode ser irritável, e1n ou mais transtornos con1órbidos. As comorbidades mais
vez de deprimido), acessos de rai,1a, baixa tolerância à freqt1entemente associadas ao TDM são os transtornos
frustração, co1nportame11to desafiador e 11egativista, qt1ei- ansiosos (33 a 65%), tra11storno de conduta (20 a 37%)
xas so1náticas, perda de peso (ou falha 110 ganho ponderai e TD (25 a 50%). Esti1na-se que 20 a 40% evolua1n com
esperado), diminuição do interesse por jogos e bri11cadei- tra11storno bipolar, particL1larn1ente os casos com fatores
ras, isolamento social e queda do rendin1ento escolar. Os de risco para o quadro.
sinto,nas 111elancólicos e psicóticos são n1enos freque11tes Crianças e adolescentes com transtornos depressivos
na infância. A hipersonia é mais freqL1ente na adolescên- tan1bém aprese11ta1n risco elevado de abuso de SL1bstâ11-
cia. O risco de suicídio é menor 11a infância (assim con10 a cias, problemas com a justiça, exposição a eventos de vida
letalidade dos ,nétodos), 111as aun1enta com a idade, se11do ad,1ersos, patologias clínicas, gra,,idez precoce e baixo
o TD1v1 o 111aior fator de risco para ideação suicida, te11- rendin1ento acadê1nico, profissio11al e social.

226
Capítulo 25 - Diagnóstico e tratamento de crianças e adolescentes do gênero feminino com transtorno mental

dos semelhantes. A associação da TCC é recomendável


Nos casos leves, corn prejuízo funcional mínin10 e curta principalmente nos casos resistentes ao tratame11to far-
duração, podem-se considerar apenas abordagens não macológico antidepressivo isolado, como demo11strado
farmacológicas: psicoeducação, suporte ao paciente e stia no TORDIA (Treat1nent of SSRI-resistant Depression in
fan1ília, n1anejo do estresse, tratamentos psicoterápicos etc. Adolescents).
Em relação aos tratamentos psicoterápicos, a maioria Aproxi1nadan1ente 3 a 8% das crianças e adolesce11tes
dos estudos foi realizada com adolescentes e avaliaram as apresentam reação de "ativação" (agitação psicon1otora,
modalidades de TCC ( terapia cognitivo-comportamental) impulsividade, irritabilidade) quando em uso de t1m ISRS
e TIP (terapia interpessoal) na fase aguda do tratamento para tratamento de depressão e a11siedade; o quadro re111i-
do TDM, com eficácia e11tre 60 e 70% co1nparada a 30 a te completamente após a SL1spensão da droga. Esse qt1adro
50% nos controles. Segt1ndo a revisão de David-Ferdon deve ser diferenciado de episódios de mania e hipomania,
& Kaslow (2008), a TCC em grupo isolada e a TCC en1 u111a vez que 20 a 40% dos casos são posteriorn1ente diag-
grupo associada a um componente parental têrn eficácia 11osticados como portadores de TAB (transtor110 afetivo
bem estabelecida 110 trata1nento do TDM em crianças; bipolar), principaln1ente crianças e adolescentes qt1e apre-
em adolescentes, a TCC em grupo e a TIP individual são senta1n qt1adros psicóticos, a11tecede11te familiar de TAB e
modalidades com eficácia bem estabelecida, e a TCC em hipo1nania/mania induzida por drogas/fárn1acos.
grupo associada a um componente parental, a TCC indi- Alguns ensaios clínicos sugeriram un1 aun1ento de ide-
vidual, e a TCC individual associada a t1m componente ação e comportan1ento st1icida en1 crianças e adolesce11tes
parental ou familiar são provavelmente eficazes. em t1so de antidepressivos; em co11seqt1ência disso, em
Na falta de resposta a essas intervenções e nos quadros outubro de 2004, o FDA determinou que fosse adicionada
mais graves, com duração mais prolongada, sintomas às bulas dos antidepressivos uma advertência em relação
melancólicos n1ais proeminentes, sintomas psicóticos, ou ao risco de suicídio pelo uso da medicação nessa popula-
nos casos nos quais fatores relacionados ao paciente e à ção. No entanto, o número de tentativas de SLticídios nos
familia comprometan1 a eficácia das abordagens não far- estudos foi baixo, e não houve relato de suicido const1-
macológicas, deve-se considerar tratamento antidepressivo mado. Além disso, os estudos epidemiológicos mostra111
específico. uma associação inversa entre a prescrição de ISRS e taxas
A literatura não suste11ta o uso dos a11tidepressivos tri- de suicídio.
cíclicos (ADTs) no TDM. Em t1ma meta11álise da eficácia
comparativa dos ADTs com o placebo, não houve supe- TAIA (TRANSTORNOS ANSIOSOS NA INFÂNCIA E
rioridade dos ADTs em crianças e adolescentes. ADOLESCÊNCIA
Os antidepressivos i11ibidores seletivos da recaptação O medo e a ansiedade co11stitue1n reações normais dian-
de serotonina (ISRS) são eficazes no tratamento do TDM, te de algum estímulo percebido como ameaça. A 1naioria
embora com baixa magnitude da resposta em razão da das crianças experimenta vários medos durante a infân-
elevada taxa de resposta ao placebo ( taxa de resposta cia, alguns específicos de seu estágio de dese11volvimento,
geral: 40 a 70% ISRS versi,s 30 a 60% placebo); as taxas como a ansiedade apresentada por crianças peqL1enas
de remissão são ainda mais baixas, variando de 30 a diante de pessoas e ambientes desco11hecidos ou em situa-
40% nos estudos. É importa11te reforçar, porém, que a ções de separação de seus cuidadores; nas crianças em
magnitude de resposta aos antidepressivos é proporcional idade escolar, a ansiedade e o medo são desencadeados
à gravidade do quadro no início do tratamento. Atual- pela an1eaça a danos físicos ou fe11ô1nenos naturais, e 11a
mente, o FDA aprova para o trata1nento do TDM en1 adolescência, por ameaças 111ais abstratas, como preocu-
crianças e adolescentes somente a fluoxetina (7 a 17 anos), pações relacio11adas a situações sociais ou à con1petência.
e o escitalopram (12 a 17 anos). A sertralina e a fluvoxa- A ansiedade e o medo são considerados anormais quan-
mina são aprovados para uso 110 tratamento de TOC em do sua intensidade está alé111 da esperada para a idade
crianças e adolescentes. (deve-se ter em mente que a própria cria11ça pode 11ão
No TADS (Toe Treatment for Adolescents with De- reconl1ecê-los como irracionais ou excessivos) e/ou per-
pression Study) a tluoxeti11a - mas não a TCC isolada sistentes, e o diag11óstico de um transtorno ansioso requer
- se 1nostrou superior ao placebo (61 % versus 35% de a identificação de alguma i11terferência ou prejuízo signi-
resposta), e apenas a combinação de fluoxetina + TCC foi ficativo no funcionamento do indivíduo. Cria11ças meno-
significativamente superior ao placebo em relação à taxa res pode1n ter dificuldade para descrever tais sentimentos,
de remissão (37% versits 17%) e st1perior à monoterapia e con1 frequência o n1edo e o con1portamento evitativo se
en1 relação à melhora do funcionan1ento e da qualidade apresentan1 como qL1eixas son1áticas, irritabilidade, crises
de vida. Os estudos de seguimento sugeren1 que o a11ti- de choro e "explosões de raiva".
depressivo apresente efeito mais rápido 110 processo de As taxas de prevalência de TAIA varian1 e11tre 2 a 4%
recuperação, mas em longo prazo (nove meses), as três quando co11siderados períodos de até três n1eses, e entre
modalidades de tratamento tendem a n1ostrar resulta- 1O e 20% para seis a doze meses, e11qL1anto as taxas ao

227
Tratado de Saúde Mental da Mulher

longo da \'ida se r11ostram poL1co 111aiores, sugerindo u111 O T AG é caracterizado por preocLtf)ações crô11icas e
caráter crônico desses quadros, ot1 que o \'iés de 111e1nó- excessivas em ,·árias áreas (relacio11ados a: escola, i11tera-
ria 11essa popLtlação é ele\·ado para per1odos superiores ções sociais, far11ilia, saulie, segurança, e\·e11tos 111u11diais,
a lioze 111eses. En1bora as estin1ati\'as de pre\·alê11cia catástrofes naturais etc.), con1 pelo 111e11os u1n si11to111a
específicas varie111 co11sidera\ elmente, no geral, o I'AG
1
son1ático associado. As cria11ças con1 ·rAG tên1 difi.ct1lda-
(tra11storno de a11siedade ge11eralizada) é o tra11stor110 de e111 co11trolar tais preocupações, qLte são persiste11tes
a11sioso n1ais co111u111 11essa popt1laçà<), segt1ido de TAS e e não estão limitadas a um objeto ou situação específica;
c.le fobia especifica; 'I'P (transtor110 de pânico) e agorafo- st1a angttstia, poré111, pode não ser tão e\·idente para os
bia raramente excede111 a taxa de 1~10 de pre\·alê11cia en1 pais ou professores. Essas cria11ças são freqt1enten1e11te
a111ostras da co111u11idade, e111bora o TP seja mais co1num perfeccionistas e apresentam necessidade de co11stante
11,l adolcscêr1cia. reassegt1ran1ento.
No NHANES, 0,3°t dos jO\'ens de 8 a 15 a11os a\·alialios A fobia social é caracterizada pela se11sação de n1edo ou
a~)rese11tou critcrios para o diagnóstico de TAG 110 (1ltimo desconforto em un1a ou 1nais situações sociais (11a preser1ça
a110, e 0,4<?o cie l'P, ser11 difere11ça de gê11ero. Na an1ostra de outros jo\·ens. e não apenas adultos desconhecicios) ou
lie adolescentes do ~CS-A, a pre\·alé11cia de tra11stornos situações de desen1penho. O desconforto está associado
a11siosos ao lo11go da vida foi próxi111a a 32°10, e as preva- ao n1edo de ser observado ou avaliado pelas pessoas, e
lê11cias para tra11stornos específicos \·ariara1n entre 2,2°10 •
de fazer algo embaraçoso en1 contextos sociais (con10 a
para ·rAG e 19,3°10 para fobia específica. Quadros 1nais escola e outros a111bie11tes sociais). Essas crianças pode111
gra\·es fora111 relatados por 8,3°10 da a1nostra, inclui11do ter difict1ldade para respo11der/fazer pergt1ntas na sala de
todos os casos de TP e agorafobia, 54,S<ro dos casos de aula, realizar u111a leitura em \'OZ alta, iniciar con\·ersas,
TAG, 30<ro dos casos de TEPT (tra11storno de estresse falar cc)1n pessoas desconhecidas e ir a festas e outros
pós-traumático), e un1a pequena parte dos casos de fobia e\'e11tos sociais. É co111t1n1 que os jove11s co111 TAG te11l1a111
social ( 14,3°10 ), tra11storno de ansiedade de separação preoct1pações con1 questões sociais, 111as estas difere1n
(7,9°10), e fobia específica (3,1%). ·rodos os st1btipos de das associadas à fobia social: 110 TAG, as preocupações
·rAIA forarn 111ais freque11tes e11tre adolescentes do sexo são relacionadas a \'árias áreas, e 11ão ape11as ao dese111-
fe111inino, (a n1aior diferc11ça de gê11ero foi obser\·ada no pe11ho e exposição sociais; jo\·ens corn TAG costt1n1am
'l'EP'I'). E111 geral, os TAIA são n1ais con1uns 11as meni11as, se preocupar co1n a qt1alidade de suas relações en1 \'ez
especialn1ente quadros de fobia específica, tra11stor110 de aprcse11tar co11strangimento em sitL1ações sociais; a
de pânico, agorafobia e transtorno de ansiedade de se- ansiedade associada à fobia social geraln1e11te desaparece
paração. É descrita a proporção de 2: l, que pode \'ariar após a fuga da sitt1açào social, 111as a ansiedade associada
co11 forn1e o tra11storno. ao T1\G é persistente.
A idade métiia de i11ício descrita nos estudos é basta11te O n1utisn10 seleti\'O é caracterizado por recusa persis-
\·ariada. No NCS-A, os TAIA esti\·eran1 e11lre os tra11s- te11te da criança de falar, ler e111 voz alta, ou ca11tar en1
tor11os de início 111ais precoce (aos 6 anos, e111 111édia), detern1inadas situações (p. ex., a escola), apesar de falar
corn at1me11to rápido e progressi\'O de sua pre\1 alê11cia na ern ot1tras situações (p. ex., com a família e 110 a111bie11te
prin1eira i11fância, ati11gi11do un1 platô aos 12 a11os ..A.. pre- don1éstico). Em algt1n1as situações, pode111 sussurrar ot1 se
\•alê11cia de TEP·1~ TP, fobia social e ·rAG aun1e11tou con1 a con1u11icar de modo 11ão \'erbal co111 algu11s i11di\•iduos se-
itiade de for111a 111odesta, 111as co11siste11te. O tra11storno de lecio11ados, tais con10 colegas ot1 professores. O transtor110
pâ11ico frequer1te111ente surge mais tarcie, na adolescência. se aco111panha habitt1aln1ente de ansiedade, retrain1e11to
Cria11ças con1 tra11storno de ansiedade de separação ou oposição social. O n1L1tisn10 seleti\'O pode ser un1 sLtb-
( ff\S) apresenta111 111edo excessi\·o e a11gústia en1 situa- tipo ot1 n1anifestação precoce de fobia social. Um registro
ções de afasta1nc11to do lar ou separação das figLtras de audiO\'isual que co11fir111e a fala 11ormal e111 pelo 111enos
ligação (CL1idadores), OLt 1nesmo pela expectati\•a de tais un1 an1biente é recon1endado, bem como a in\·estigaçào
situações. Nessas situações, demo11stran1 preocupação ex- de u111 cie tra11stor110 de li11gL1agen1, un1 dist(1rbio 11euroló-
cessi\'a co1n a própria segurança ot1 a seus cuidadores, tên1 gico, ou u111 transtor110 invasi\'O do desen\•Ol\·ime11to.
dificL1ldade para dorn1ir sozinhas, apresenta111 pesadelos O transtorno de pânico é caracterizacio por episódios
com temas de separação, frequenten1enle têm qt1eixas inesperados e recorre11tes de n1edo intenso. Esses ataqL1es
sc>n1áticas e pode111 apresentar rect1sa escolar. de pâ11ico de, en1 incluir ao 111e11os quatro sintomas somá-
1

A fobia especifica e caracterizacia pelo n1edo excessi\'O ticos (corno taquicardia, sudorese, tre111ores, dificuldade
lie u111 detern1ir1ado objeto ou situação que é evitada ott respiratória, pressão no peito ou dor, sensação de asfixia
st1portada con1 grande sofrimento, e/ou causa prejuízo ao 11áusea, calafrios ou tontura). Jovens con1 transtor110 de
fL111cio11ame11to do indivíduo. A coocorrência de dttas ou pânico ten1en1 a ocorrência desses ataqttes recorre11tes e
111ais fobias específicas é con1um nessa população, e não suas co11sequências, e podem dese11,·ol\•er comporta111e11-
constitui um diag11óstico tle T AG. tos de evitação (agorafobia). Ataques de pânico são co-

228
Capítulo 25 - Diagnóstico e tratamento de crianças e adolescentes do gênero feminino com transtorno mental

mL1ns entre os adolescentes e podem ocorrer em qualquer adversos, problen1as nos relacionamentos com os pares e
tra11stor110 a11sioso, sendo in1portante distingui-los do padrões disfuncionais de ví11culo parental são alguns dos
transtorno de pâ11ico, que é me11os frequente. Os ataques fatores de risco ambientais associados aos TAIA.
de pâ11ico do transtorno de pâ11ico ocorrem se1n desenca-
dea11tes específicos, e não estão limitados a contextos de
separação de figuras de ligação, à exposição a L11n objeto O tratan1ento dos TAlA de,,e i11cluir psicoeducação, i11-
ou evento temido, à a,,aliação ou a situações sociais ou a terve11ções cognitivo-comportan1entais, terapia psicodinâ-
outros estímulos ambientais. mica, farmacoterapia, terapia familiar e orientação escolar.
A evolução dos TAlA perma11ece controversa. Embora Sintomas a11siosos transitórios podem ser maneja-
se observe a remissão de algL1ns quadros, muitos persistem dos com reasseguran1ento e suporte. Para crianças co111
(principal1ne11te de n1aior gravidade e comprometi1nento sintomas ansiosos leves a moderados e pot1co prejuízo
do fu11cionan1ento) e as recorrências são frequentes; além funcional, a i11tervenção edt1cacional da fan1ília, co111
disso, 11ovos transtornos podem surgir ao longo do tempo. orientações sobre o quadro e seu manejo, pode ser eficaz.
Crianças e adolescentes portadores de um TAIA apresen- Crianças co111 qLtadros ansiosos mais graves, com prejL1Í-
tan1 risco aumentado para o desenvolvimento de outros zo funcional significativo, deven1 ser encaminhadas para
transtornos ansiosos, depressão e abuso de substâncias. tratamento específico.
O início mais precoce de uni TAIA está associado a um pior O tratamer1to psicoterápico deve ser sempre conside-
prognóstico: maior gravidade de sintomas, persistência e rado no tratamento dos TAIA, sendo de prin1eira escolha
pior resposta aos tratan1entos. nos casos leves. A TCC é a 111odalidade com maior su-
Crianças ansiosas tendem a i11terpretar as situações de porte empírico no tratame11to dos TAIA, se11do composta
ma11eira negativa e podem subestin1ar as suas habilidades, por psicoeducação para a criança e os pais, treino de ha-
prejudicando a autoestima e a capacidade de resolução de bilidades para controle dos sintomas somáticos (técnicas
problemas. Um TAIA pode perturbar o desenvolvimento de relaxamento), reestruturação cognitiva, exposição con1
psicossocial normal da criança (p. ex., compro111etendo o desse11sibilização e prevenção de recaída. Vários relatos de
desenvolvimento de habilidades sociais em crianças com caso indicam benefícios da psicoterapia psicodinâmica no
fobia social, ou da autonomia en1 crianças con1 TAS) e tratamento de TAlA, porém existem poucos estudos que
acarretar prejuízos acadêmicos e no funcionamento fa- avaliam sua eficácia. Embora a eficácia da terapia familiar
miliar e social. não seja bem definida, a fan1ília tem un1 importa11te pa-
Os TAlA aprese11tan1 etiologia multifatorial, com con- pel na recuperação da criança, sendo reco111endável sua
tribt1ições genéticas e ambientais, e seu desenvolvi111ento inclusão no processo terapêutico. Interve11ções fan1iliares
depende das interações entre os fatores de risco e de pro- visam reduzir a ansiedade dos pais e orientá-los sobre o
teção. As características individuais de sensibilidade ao quadro e o ma11ejo da ansiedade da criança, melhorar o
estresse, estratégias de enfrentamento e temperan1ento da relacionamento familiar, dese11volver a capacidade fan1i-
criança i11fluencian1 o dese11volvi111ento de um TAIA. Um liar de resolução de problen1as e promover uma maior
dos principais fatores de risco para L1m TAIA é a presença aL1tonomia da criança.
de u111 transtorno ansioso e/ou depressão nos familiares. O tratame11to medican1entoso deve ser considerado
A presença de um transtorno a11sioso nos pais é fator de em quadros graves, con1 maior prejuízo funcional, na
risco para um transtorno do "espectro ansioso" nos filhos, falha dos tratamentos não farmacológicos e na presença
mais do que para algt1111 TAlA específico. A con1orbidade de comorbidades psiquiátricas.
de transtornos ansiosos e de humor nos pais ou a pre- Os ISRS são considerados de escolha no tratamento
sença de transtornos ansiosos em an1bos os progenitores medicamentoso dos TAIA. Destacam-se seis estudos con-
aumenta o risco de TAIA nos filhos. Esse risco poderia ser trolados que avaliaram o uso de fluoxeti11a, flu,,oxami11a,
decorrente de fatores tanto ge11éticos como a1nbientais. sertralina, paroxetina e venlafaxi11a (N total = 1.136), em
Indivíduos com temperamento mais inibido aprese11tam ensaios de dois a quatro meses de duração. Todos os estt1-
maior risco de dese11volver um TAIA. Pais superprote- dos foram favoráveis ao uso dos antidepressivos. No total,
tores, excessivame11te controladores e críticos podem a resposta apresentada nos grupos de tratan1ento ati,ro foi
limitar o desenvolvimento da auto11omia dos filhos e con- de 69% (IC 95<ro: 65 a 73%), con1parada a 39% (IC 95%: 35
tribuir para o desen,1olvimento de TAIA nas crianças com a 43%) nos co11troles (NNT = 3).
tal predisposição ten1peramental. No estudo de Beidel e cols. (2007), a íluoxeti11a e a SET-
Pais ansiosos podem servir de exen1plo aos filhos e, -C (Social Effectiveness Therapy for Childretz, progra111a de
dessa forn1a, reforçar o medo e a ansiedade e favorecer orientação cogniti,,o-comportamental direcionado à fo -
con1portan1entos evitativos. Por sua ,,ez, estratégias de bia social) foram superiores ao placebo (taxa de resposta:
enfre11tamento ativo e focado na resolução do problen1a 79% SET-C versi,s 36,4% fluoxetina versi,s 6,3 % placebo),
têm sido consideradas como fatores de proteção. Eve11tos con1 eficácia n1antida en1 longo prazo (t1n1 ano). Embora

229
Tratado de Saúde Mental da Mulher

ambos os tratan1entos ativos tenham sido associados à TRANSTORNOS ALIMENTARES NA INFÂNCIA E


A

redução da a11siedade social, a SET-C n1ostrot1 melhores ADOLESCENCIA


resultados, sobretudo nas 111edidas de competência social. Os tra11stornos ali1nentares estão e11tre os transtornos
No estudo de \\'alkt1p e cols. (2008), a terapia con1bi11a- 111e11tais com as maiores taxas de morbidade e 111ortalida-
da de TCC e sertralina foi 1nais eficaz que cada um dos de, e estão associados a prejuízos funcionais sig11ificati, os.
1

tratan1entos isolados e que o placebo no tratamento de A AN (anorexia 11ervosa) é a terceira doe11ça crônica
crianças e adolescentes con1 TAG, TAS e/ou FS (taxas n1ais con1um 11a adolescência, e a B~ (bulir11ia nervosa)
de resposta: 80,7°-6 terapia combinada; 59,7°10 TCC; 5-1,9°10 afeta n1ais de 1°10 das adolesce11tes. Além disso, muitos
sertrali11a e 23,7% placebo). indivídt1os não preenche111 critérios suficie11tcs para esses
E111 ,,irtude de seu perfil desfavorável de efeitos colate- diagnósticos, mas a~1resenta111 síndron1es parciais ou sub-
rais (pri11cipaln1ente sonolência e desi11ibição comporta- clí11icas (TANE - transtor,10 alimentar 11ão especificado)
1nental), evidê11cia li1nitada de eficácia e potencial de abt1so que pouco diferem dos quadros clássicos, e muitas \'ezes
e de1-1endência, os benzodiazepínicos de,,em ter seu uso em são igualn1ente gra,•es e persiste11tes; qua11to mais jovens
crianças li rnitado a quadros agudos e por breve período de os indivíduos, 1naior a chance de receberem o diag11óstico
te1npo, associado ao tratame11to co111 ISRS ot1 ADT. de TANE. Os transtornos alimentares são n1ais comu11s
A buspirona pode ser t1tilizada como tratamento de em meninas, e estima-se que a razão seja de t1m menino
segunda linha para o TAG, sendo, en1 geral, bem tolerada para cada seis a dez me11inas.
(principais efeitos adversos: cefaleia, náusea, tontura, A AN, a BN, e os TANE apresentam o mesmo 11(1cleo
sonolê11cia), com dose entre 5 e 60 mg/d dividida em psicopatológico: un1a preocupação 111órbida com o peso
três ton1adas. e a forma do corpo. O n1edo de engordar do1ni11a a ,rida
Existem poucos estudos controlados e randomizados da adolescente, e a autoestin1a é predon1inantemente de-
com ADT 110 tratan1ento dos TAIA, a maioria com a i1ni- pe11dente da capacidade de controlar o peso e a forma do
pran1i11a. No estttdo de Gittelman-Klein & Klei11 (1971), corpo. Por conta da falta de autonomia nessa fase, n1uitos
a imipramina se mostrot1 eficaz para o tratamento de comportamentos direcionados ao controle e perda de
crianças e adolescentes com rect1sa escolar, associada ao peso podem não ser observá\ eis, de n1odo que a investi-
1

tratame11to con1portan1e11tal (resposta en1 81 o/o versus gação de,,e abranger os aspectos cog11itivos dessas patolo-
47% placebo). Embora o resultado não te11ha sido repli- gias, buscando a existê11cia de pensamentos que indiquem
cado c1n dois estudos posteriores, mais recenteme11te a a inte11ção do sintoma.
imipramina (co1nbinada à TCC) este,,e associada ao re- A forn1a de apresentação da distorção da imagen1
torno ,nais rápitlo à escola no estudo de Bernstein e cols. corporal depende do 11ível de desen,·ol,·imer1to cognitivo
(2000) com adolesce11tes com recusa escolar e transtornos e emocio11al do indivídt10. As crianças freque11ten1er1te
de ansiedade ou depressão (taxa de con1parecimento de atribuem a alteração de seu padrão alimentar a queixas
70, l % versi,s 27,6% no grupo placebo + TCC). Os efeitos somáticas (náuseas, dores abdomi11ais, plenitude gástrica,
adversos dos ADT mais comt1ns são: boca seca, ,,isão perda de apetite, dificuldade de deglutição). Os adoles-
borrada, constipação, náuseas, l1ipote11são ortostática, ce11tes n1ais velhos apresentan1 qt1eixas similares às dos
tontura, sedação ou insô11ia, perda ou ganho de peso, com adultos, associando a ingestão de alimentos co11siderados
algu11s relatos de irritabilidade e agitação. São, en1 geral, "proibidos" ao aumento de detern1inadas partes do corpo
tra11sitórios e podem ser minimizados por ajt1ste gradual como as coxas ou a barriga. O ga11ho de peso decorrente
de dose. Deve-se atentar para efeitos colaterais cardíacos, do crescimento e dese11volvimento normal pode ser inter-
sendo recome11dada avaliação da frequência cardíaca e da pretado como "e11gordar': As 111e11ir1as tende1n a valorizar
pressão arterial e solicitar um ECG (eletrocardiograma) 111uito a n1agreza (peso, ausê11cia de gordt1ra) e os me-
de base, que de,'e ser repetido ao se chegar a uma dose ninos preocupan1-se mais com as formas corporais bem
efetiva. Recon1e11da-se i11iciar o trata1nento com doses delimitadas (abdô1nen defi11ido, braços musct1losos etc.).
baixas (10 a 25 n1g/dia), com aun1entos graduais, sendo A distorção da imagem corporal costuma ser n1aior na AN.
a dose máxima 5 mg/kg/dia. A descontinuação do 1nedi- A restrição alin1e11tar é o n1étodo mais utilizado por
came11to deve ser també1n gradual, evitando sintomas de crianças e adolescentes jovens, que tenden1 a fazer res-
retirada (inquietação, insô11ia e irritabilidade). trições alin1entares graves e drásticas, embora não raro
Não existen1 estudos que corroboram o uso de a11tipsi- mante11ham a ingestão de gulosein1as e outros alime11tos
cóticos - clássicos ou atípicos - 110 tratame11to dos TAIA. de sua preferência; os comportamentos co111pensatórios
Embora exista,n e,,idências sugerindo a Lttilidade de mais utilizados são os exercícios físicos excessivos e os vô-
n1edicações anticonvulsivantes (como prega bali na, gaba- 111itos. Os adolescentes mais ,,elhos (a partir de 16 anos),
pentina, lamotrigina e ácido valproico) no tratan1ento de assim co1no os adultos, utilizam a prática extent1ante de
tra11stornos a11siosos en1 adultos, 11âo existe111 dados que exercícios e n1étodos pL1rgativos (i11dução de vômitos, LLSO
apoie111 seu Liso 110s TAIA. de laxantes, diuréticos, inibidores de apetite) con1 maior

230
Capítulo 25 - Diagnóstico e tratamento de crianças e adolescentes do gênero femin ino com transtorno mental

freqL1ê11cia, até pela possibilidade de acesso a esses recur- Apenas uma minoria dos casos apresenta-se acima da
sos e 1nenor vigilância dos pais. Os exercícios podem ser faixa de peso adeqL1ada antes do início da doe11ça. O baixo
feitos e1n segredo (p. ex., à noite), ou poden1 estar "n1as- peso corporal é resulta11te de restrição e seleção alimen-
carados" pelas atividades cotidianas: o i11divíduo pode tares in1portantes e/ou prática excessiva de exercícios.
se n1ostrar anor1nalmente prestativo nas tarefas diárias Com frequência adotam hábitos e rituais alime11tares pe-
como arrumar o qL1arto, auxiliar nos afazeres domésticos, culiares, como cortar os alimentos em pequenos pedaços,
brincar com o cacl1orro etc. reorganizá-los várias vezes e1n seus pratos ou dar mordi-
Obser\'a-se padrão alimentar inadequado em relação das muito pequenas, levando muito te1npo para ter1n1nar
à quantidade e/ou qualidade dos alimentos e à regula- a refeição. Alguns desenvolvem un1 interesse por receitas
ridade/frequência da alimentação. En1 função de seu e por cozinhar.
desenvol\'in1ento cognitivo, crianças e adolescentes po- Na maioria dos casos, os sintomas são egossi11tô11icos,
den1 ter conceitos distorcidos e1n relação aos alimentos. e os indivíduos acon1etidos 11ão se veem doe11tes e negar11
SeL1 tamanho ou espaço ocupado 110 prato, por exemplo, con1plicações médicas associadas. A bL1sca pela n1agreza
poden1 ser vistos como associados a seu valor calórico: persiste apesar da perda progressiva de peso. O controle
balas e brigadeiros podem ser considerados de baixo ,,alor do peso e da alin1entação adquire L1m caráter obsessi\'O,
calórico, bolachas podem parecer mais «inofensivas" que e o emagrecimento é interpretado como unia co11quista,
ur11 pão francês. Não é raro trocaren1 as refeições por pe- sen1 remorso ou sofrin1ento. Muitos desses si11to1nas não
quenas porções de alimento ou pelo hábito de "beliscar'~ são apenas voluntários, mas tan1bé1n pode1n ser induzi-
Tambén1 podem restringir a ingestão de água e outros dos pela inanição prolo11gada: a hiperatividade parece ser
líquidos, pode11do acarretar quadros graves e abruptos de en1 grande parte provocada pela hipoleptinemia.
desidratação. Nas meninas púberes, a interrupção de pelo me110s três
Pouco se sabe sobre os fatores de risco específicos para ciclos menstruais consecuti\'OS é utilizada con10 critério
a AN e a BN. Fatores de risco para transtornos alime11- de a1nenorreia secundária. A amenorreia ta1nbé111 pode
tares ern geral incluem ele, ada pressão para ser magra
1 ser prin1ária, pois a inanição pode adiar a n1e11arca. Nas
(con10 no caso de bailarinas, esportistas e modelos), pacientes pré-púberes, a a,,aliação de uma alteração do
inter11alização do padrão magro de beleza feminina, in- eLxo hipótola1no-hipófise-ovariano visa à identificação
satisfação co111 o corpo, afetos negativos, dificuldade de de atraso no dese11volvin1ento dos caracteres sexL1ais se-
expressar en1oções e resolver conflitos e perfeccionisn10. cundários, e deve ser feita segL1ndo os estágios de Ta11ner
Oll por ultrassonogra:fia pélvica (avaliação da n1aturidade
e do cresci111ento uterino e ovariano). Pode-se tambén1
Entre os indivíduos com AN, 80 a 90% são do sexo fe- usar como referência a idade média da menarca en1 outras
mi11i110, e idade média de início é de 15 anos, com maior 1nulheres da família. As meni11as púberes con1 amenorreia
incidência na faixa etária de 12 a 15 anos. A prevalência secundária tan1bé1n pode1n apresentar i11volução dos ca-
em 111ulheres jovens é de cerca de 0,3%; nas adolescentes, racteres sexuais secL1ndários em função da desnutrição.
ultrapassa o dobro desse valor. Entre crianças e adolescen- O comportamento alimentar patológico é frequente-
tes, observa-se uma maior incidê11cia de TANE, com taxas me11te acompanhado de exclt1são de outras atividades
de prevalê11cia qt1e variam de 2,8 a 6,6% no sexo fe111ini110 próprias da idade, retraimento e isolamento social, atraso
e de 0,5 a 0,8% no masculino. no desenvolvimento psicossexual e vínculo fa111iliar i11a-
Na AN, o ideal de magreza leva a um peso corporal dequado para a idade.
abaixo do esperado para a idade, ou seja, abaixo do O DS!v1-IV classifica os quadros de AN en1 dois subtipos:
necessário para que o indi\1ÍdL10 continue a crescer e se restriti\10 e purgativo. No subtipo purgativo, o indivídLtO
desenvolver normaln1er1te. Pacientes mais jovens pode1n pode apresentar so1nente purgação (autoi11dução de vôn1i-
não aprese11tar perda de peso, mas ganho ponderai insL1- to, abuso de laxantes ou outras formas extren1as de con-
ficie11te. A estag11ação do peso e da estatura nessa fase do trole de peso), somente compt1lsão alin1e11tar (b;nge en-
desenvolvin1ento é tão grave quanto a perda de peso nos t;,.ig), com períodos intern1itentes de jejum OLL de excesso
adultos. O diagnóstico deve levar en1 co11ta o desenvolvi- de exercícios, OLl con1pulsão ali111entar e purgação.
mento puberal normal e o ganho pondera! relacionado ao Os episódios co1npulsivos podem estar presentes no
crescin1ento, e 11ão apenas os valores de IMC, que poden1 subtipo purgativo, sucedendo períodos prolo11gados de
ser enganosos, principalmente en1 indivíduos pré-púbe- jejum ou restrição alin1entar sig11ificati\'a.
res. Faz-se 11ecessária a associação de gráficos de percentis
pô11dero-estaturais: os percentis anteriores ao transtorno
alimentar são utilizados como parâmetros normais de A BN tem início e pico de incidência a partir dos 15
crescirnento para o indi,1íduo; L1111a queda 11essas n1edidas anos, e os indivídL1os acometidos tendem a ser un1 pouco
indica falha do crescimento. mais velhos do que os co1n AN. Cerca de ¼ dos indi,,í-

231
Tratado de Saúde Mental da Mulher

duos ten1 uma história de AN. A prevalência e111 adoles- e o dese11,1olvimento puberal en1 crianças e adolescentes.
ce11tes é de 1 a 2%, e un1 poL1co n1ais ele,·ada nos casos de Como consequência da des11L1trição, do comportan,ento
sí11dromes parciais (em torno de 2 a 3º«>). Esti1na-se que alin1entar anormal ou de ambos, a AN e, em n1enor grau,
a BN acon1eta i11di,1íduos do sexo n1asculino na razão de a BN podem cursar com un1a ,·ariedade de alterações
u111 para cada quinze a vi11te do sexo feminino. endócri11as que atuam como mecanis1nos adaptativos de
Na BN, períodos de dieta e jejum são i11terron1pidos conservação energética e proteica. Alén1 das alterações
por episódios de compulsão alimentar (ou bit1ge), nos do ei.xo hipotála1no-hipófise-gonadal, distúrbios dos ei-
quais urna grande quantidade de alimentos ('n1ais do xos hipotálamo-hipófise-adrenal, hipotálamo-hipófise-
qL1e a maioria das pessoas con1eria em circunstâncias -tireoide e l1ipotálamo-hipófise-IGFl são sequelas típicas
se111elhantes e igL1ais períodos de te1npo') é consL1mida, de dist(1rbios ali111er1tares 11a adolescência. Muitas dessas
geralmente alin1entos tidos como "proibidos" como cho- alterações endocri11ológicas são associadas com 1nudan-
colates, refrigerantes e pães. São acompanhados por uma ças 110s neuropeptídios (como a leptina ou grelina).
sensação de perda de co11trole, geraln1ente seguida de cul- A maior parte da massa óssea é construída dL1ra11te a
pa, desespero e vergonha. Os comportamentos co1npen- adolescência. Nesse período crítico, qualquer interferên-
satórios são adotados numa tentati, a de se li,,rar dessas
1 cia no processo de acúmulo de tecido ósseo pode levar
sensações e para evitar o ganho de peso. As compulsões e a déficils permane11tes. Adolescentes cor11 transtornos
os comportan1e11tos compensatórios geral111ente são pra- alimentares estão em risco de desenvolver osteopenia
ticados em segredo (podern ocorrer à noite) e os indiví- - ou mes1no osteoporose - associada a um risco dL1as a
duos resiste1n à busca de ajuda. Os ataques de co111pulsão sete vezes maior de fraturas no futuro. N1últiplos fatores
estão frequenten1ente associados a estresse emocional ou contribuem para a redL1ção de 111assa óssea 11a AN (e em
se11tin1entos de vazio no início da doença, mas te11de1n a 1nenor grau, 11a BN): hipogonadismo, hipercortisole111ia,
se tor11ar un1 hábito durante o curso do transtor110, o que baixos níveis do fator de crescimento insulina-símile
tor11a o tratame11to mais difícil. (IGF-1), desnutrição (baixa ingestão proteica e/ou de cál-
En1bora possam estar no limite inferior ou mesmo cio), e prática excessiva de atividades físicas. O fator 111ais
un1 pouco acima da faixa de peso norrnal, a maioria das importante para combater a perda óssea é a recuperação
pacientes con1 BN apresenta peso adeqL1ado para idade e do peso corporal, en1bora 11ão se tenha certeza de unia
altura em função das compulsões alimentares frequentes restauração con1pleta da massa óssea.
e da ineficácia dos n1étodos compensatórios empre- Os estudos epide111iológicos sobre a prevalência de co-
gados. Alterações significativas do eixo hipotálamo- morbidades psiquiátricas em crianças e adolesce11tes con1
-l1ipófise-go11adal são raras nos casos de BN. Algun1as transtor11os alime11tares são escassos. De um modo geral,
pacientes podem apresentar irregularidades n1enstruais, tanto as síndro1nes totais quanto as parciais apresentam
e1n função de episódios de vômitos 1nuito frequentes e/ ta.xa elevada de comorbidade psiquiátrica, à semelhança
OLL abuso de laxantes. do observado na população adLtlta. As comorbidades
A BN tan1bé1n é dividida em dois subtipos, o purgati,10 111ais frequentes são os transtor11os afetivos (25,4 a 85%,
e o não purgativo ( uso de n1étodos co1npensatórios como principalmente o transtorno depressivo maior e o trans-
exercícios e dietas/jejum). torno distín1ico), os transtornos ansiosos (4 a 76%, prin-
Os transtornos ali1nentares estão associados a altas cipaln1ente o tra11storno obsessivo-compulsivo, a fobia so-
taxas de cornplicações médicas (Tab. 25.1 ). A AN está cial e o transtorno de ansiedade generalizada) e o Abuso
associada ao aumento da mortalidade, sendo observada de Substâncias (20,5 a 95%) que, em geral, são anteriores
111orte prematura em 5 a 6% dos casos. Na BN, a taxa de ou si111ultâneos ao Transtor110 Alimentar. A AN e a BN
111ortalidade é estin1ada en1 cerca de 2º4>. aprese11tan1 perfis sen1elhantes de comorbidades, exceto
A gravidade das complicações 111édicas depende da pela frequência dos transtornos ansiosos: na AN, o TOC
velocidade e extensão da perda de peso, do 11ível att1al é o n1ais frequente, seguido da FS e do TAG; 11a BN, a FS
de baixo peso, da dL1ração do transtorno alimentar (e da é mais con1um, seguida do TOC e do TAG.
habituação à fon1e) e da intensidade dos con1portan1entos
pL1rgativos. Recomenda-se uma avaliação n1édica cuidadosa
que inclua: avaliação física (frequê11cia cardíaca, pressão O trata1nento dos tra11stor11os alin1entares na infância e
arterial, temperatura corporal); hemograma completo; adolescência deve ser realizado por equipe 1nultidiscipli-
perftl bioquímico (sódio, potássio, cálcio, magnésio, fosfato, nar (preferivelmente incluindo psiquiatra, psicoterapeuta,
creati11i11a, ureia, proteínas séricas, glicose, enzi1nas hepá- nutricionista e endócrino-pediatra co1n experiê11cia em
ticas, amilase); ECG; EEG e TC/RM crânio (110 caso de transtornos alime11tares) e deve abordar os aspectos físi-
qLtadro atípico, en1 crianças e i11divíduos do sexo n1asculino cos, 11utricionais, psicológicos e relacionais da pacier1te,
ou se houver convulsões). considerando a etapa do desenvol,,ime11to em que se
Alén1 dos proble1nas clí11icos típicos observados nos encontra. O trata111ento precoce parece relacio11ado a um
adultos, a AN tem um grave impacto sobre o crescimento melhor prognóstico, prevenindo a evolução para quadros

232
Capítulo 25 - Diagnóstico e tratamento de crianças e adolescentes do gênero feminino com transtorno mental

':f,~el~_-_25.1 :-Al.teráçõ'es -c'lfn,icâs ém ·adolescen_tes _ cÓin 'tra·nstõrnos'aliin:~~~r~s. -(Âdâptad'a'~é:,~~rpeft'f~


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Pele seca, formação de lanugo (apenas se perda Erosão do esmalte dentário, aumento da
de peso grave), acrocianose, alopecia, baixa glândula parótida/salivar, cicatrizes no dorso
temperatura corporal, desidratação, retardo do da mão resultantes da indução frequente de
crescimento e do desenvolvimento puberal. vômitos, desidratação.
• Bradicardia, anormalidades no ECG Anormalidades no ECG (arritmia cardíaca,
(prolongamento do intervalo QT), derrame intervalo QT prolongado).
perícárdico, edema (antes ou durante a
realimentação).
Alteração do esvaziamento gástrico, pancreatite, Esofagite, pancreatite, retardo do
obstipação. esvaziamento gástrico.
Leucopenia, trombocitopen1a, anemia.
Hipocalem1a, hiponatremia, hipomagnesemia, Hipocalemia, h1ponatremia, h1pomagnesem1a
• hipocalcem1a, hipofosfatemia (durante a (por diarreia), h1pocalcem1a, alcalose
realimentação), h1pogl1cem1a, AST, ALT (com metabólica (por vômitos frequentes), ac1dose
jeJum prolongado ou 1níc10 de realimentação), metabólica (por abuso de laxantes)
colesterol.

mais graves e crônicos, e deve ser considerado n1esmo sido empregadas com esse objetivo, con10 as psicoterapias
11as sí11dromes parciais ou se111 perda excessiva de peso, interpessoal, psicodinâmica e cog11itivo -co1nportamental.
que apresente1n alteração persistente do padrão aJin1entar As interve11ções psicoterapêuticas baseadas no rnodelo
com prejuízos significativos para a paciente. cognitivo-co111portame11tal ajudam as pacientes a con1-
O papel do psiquiatra envol,,e a identificação e n1anejo preender a interação entre os pe11samentos, os se11timen-
dos sintomas alimentares, e a investigação e o tratamen- tos e os con1portamentos alin1entares disfuncionais, a
to de transtor11os psiquiátricos comórbidos. O tratame11to ide11tificar os problemas reais por trás da preocupação
farmacológico é reservado ao manejo das con1orbidades co111 o peso e a expressar suas emoções de forma mais
psiquiátricas. A desnutrição e o padrão alin1entar disft1n- asserti,,a. Técnicas cognitivo-comportan1entais (con,o
cional poden, estar associados a sintor11as ansiosos e de- o diário ali1ne11tar e o trabalho da in1agem corporal)
pressivos, sendo recomendável aguardar a reali1nentação também são utilizadas para viabilização das n1t1danças
ou a dimi11uição dos con1portan1entos purgati,,os (o ht1- alime11tares. A abordagen1 psicodi11â111ica ajuda a paciente
mor e a ansiedade tenden1 a n1elhorar con1 a recuperação a e11tender o significado dos sintomas manifestados e pro-
do peso e adequação do padrão alimentar) a11tes de iniciar inove o fortalecime11to da at1toesti111a.
u111 tratan1ento medicamentoso específico. Os i11ibidores A abordage1n fan1iliar é fu11damental no trata111ento
seleti,•os de recaptação de serotoni11a (pri11cipalme11te de crianças e adolesce11tes en1 geral. Nos casos de tra11s
a t1uoxetina) poden1 ser co11siderados 11a tentati,,a de tor11os alimentares, as pacie11tes frequente1nente não tê111
conlrole de di111inuir si11to1nas alimentares co1npulsivos crítica sobre seu estado mórbido, sendo importante qtte
e pt1rgativos rnuito i11ter1sos e resistentes à abordagem os fa1niliares atuem e111 parceria con1 os profissio11ais
psicoterápica (principaln1e11te na BN). A literatt1ra 11ão envolvidos.
sustenta o uso de n1edicações antipsicóticas para trans-
tornos alimentares ern cria11ças e adolescentes, exceto em TDAH (TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E
casos de co111orbidades. HIPERATIVIDADE)
O atendin1ento nutricional baseia-se na reeducação Muitas crianças tê1n dificuldade para per111anecer quie-
ali111e11tar e na (re)introdução progressiva dos alimentos, tas ou para prestar ate11ção em algurnas situações, n1as
sendo importa11te a participação da família e dos outros con, as que apresenta1n o TDAH, isso ocorre de n1odo
me1nbros da eqt1ipe no processo. 111ais i11tenso, freqttente e persiste11te que o esperado para
O in1pacto dos transtor11os alin1entares nas vidas das st1a faixa etária, traze11do-lhes diversas co11sequências
pacientes e de suas famílias e abrangente, e a recuperação ad,•ersas, e com ele,,ado custo para o indivíduo, suas fa-
requer apoio psicológico que gara11ta a adesão e o progres- n1ílias e para a sociedade.
so do tratarnento, bem co1110 a abordagem dos aspectos da Embora n1ais comum no sexo masculi110 en1 todas as
infância e adolescência envolvidos. Diversas técnicas tê1n faixas etárias - 11,3%, co111parado a 5,4% r10 sexo femi11i-

233
Tratado de Saúde Mental da Mulher
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no, en1 u111a razão aproxi111ada de 2,4: 1 -, o TDAH tan1- A apresentação clínica pode variar de acordo co1n o
bén1 será abortiado 11este capítulo por ser um transtorno estágio do desenvolvin1ento. Em pré-escolares, cuja pre-
alta111e11te prevalente entre cria11ças e adolesce11tes, con1 valê11cia de TDAH é esti111ada em 2 a 5,7%, si11tomas de
Lt1na pre\•alê11cia 1nundial de 5,29°10 (IC95°10 = 5,01 a 5,56). l1iperatividade/impulsividade são mais frequentes que os
Além disso. a literatura sugere que 111er1inos e meni11as de desatenção. Na adolescência, os sintonias de hiperati-
co1n TDAH são mais sen1elhantes do qLtC diferentes, con1 \•idade tenden1 a din1inuir, ao contrário dos de impLilsivi-
co111pro1netimento acadê1nico, cog11iti\'O, psicossocial e dade e desatenção. Estes podem tornar-se 1nais e,·identes
psiqL1iátrico si111ilar e, no entanto, o TDAH nas me11inas 11a n1edida en1 qt1e o i11di,·íduo e11tra na adolescê11cia
te111 111e11or probabilidade de ser identificado e tratado. e na \'ida adulta, co111 o at1mento das responsabilidades e
O qL1adro clínico é caracterizado ~1or si11tomas de desa- necessidade de maior aL1tonon1ia.
tenção, l1iperatividade e/ou i1npulsi\ idade. A desatenção
1
O DSM-IV subdivide o TDAH em três tipos: com
pode se n1a11ifestar por dificuldade para 111a11ter a atenção predomínio de desate11ção; com predomínio de hipe-
11as ativic.iades; erros por desct1ido ou falta de atenção rati\•idade/impulsi\•idade; tipo combi11ado. O tipo co1n
aos detall1es; apare11te falta de escuta; falha em seguir predomínio de desate11ção parece mais freque11te no
instruções e en1 concluir tarefas escolares, don1ésticas ou sexo feminino e n1ais associado a maior prejuízo acadê-
profissio11ais; falta de orga11ização; esqui\ a dia11te de tare-
1 111ico, assin1 co1110 o tipo con1binado. No e11tanto, o tipo
fas que demanden1 maior esforço me11tal/concentração; con1 predomínio de hiperatividade/impulsi, idade te11de a
1

perdas freqt1entes de objetos necessários para as tarefas apresentar n1aior índice de rejeição pelos colegas e de im-
ou ati, i<.iades; te11dência à distração; e frequentes esque-
1 popularidade, por co11ta dos freqL1e11tes con1porta111e11tos
cime11tos 11as atividades diárias. Já a hiperatividade, por agressivos e impulsivos. Comporta1nentos disruptivos (de
inquietação/agitação 1notora (correr ou escalar em de- conduta, de oposição e de desafio) são n1ais freque11tes
masia, estar frequentemente "a mil" OLI con10 se estivesse 11as cria11ças con1 TDAH qL1e 11as 11ão acon1etidas, princi-
"ligado 110 220\'"); dificuldade para permanecer sentado; paln1ente nas que apresentam o tipo con1binado. Entre os
dificuldade para realizar ati,·idades de modo silencioso; e três, o tipo combinado é o que apresenta maior prejL1ízo
falar e111 de111asia. A impulsi\•idade frequentemente leva a no funcioname11to global.
co1nporta111e11tos i11adequados decorrentes da difict1ldade As cat1sas do TDAH ainda não estão co111pleta111e11te
e1n esperar a vez, e da tendência a respostas precipitadas, estabelecidas, mas fatores biológicos (entre eles, destaca-
a interron1per as pessoas e a se intron1eter en1 assu11tos -se o fator genético) estão prova,·elmente envolvidos,
alheios. O diag11óstico de TDAH requer ao n1enos seis i11fluenciados por falores a1nbientais. A literatL1ra tem
sinto111as de desatenção e/0L1 seis de hiperati,•idade/im- descrito um forte componente hereditário: nos diversos
pulsi\1idade, ocorre11do con1 frequência sig11ificati,•a 11a estudos co1n gên1eos, os fatores genéticos fora111 respon-
\•ida do i11div1dt10, e persiste11tes e1n vários ambientes e sa\.·eis por aproxi111ada111ente 76º4> da ,,ariação fenotípica.
ao lo11go do ten1po. Flutuações na apresentação dos sinto- Ao mesmo ten1po, os estudos de ge11ética 1nolecL1lar su-
n1as, com períodos assintomaticos, 11ão são características gerem que a arquitetura genética do TDAH é complexa.
do TDAH. Alé1n disso, os sintomas deven1 causar algu1n A suscetibilidade para o TDAH parece ser detern1i11ada
prejt1ízo cli11icamente significativo ao fL1ncionamento do por múltiplos genes de pequeno efeito individual, e os ge-
indivídL10. 11es 1nais frequente111ente implicados são os que codificam
Si11to111as de desatenção, hiperatividade ou impulsi- para DRD4, DRDS, SLC6A3, SNAP-25 e HTRlB.
\'idade pode111 surgir como L11na reação ao estresse do Estudos sugere1n alterações estrutt1ra1s e fL1ncio11ais
i11ício da escolarização. Para e\1itar erros diagnósticos, o principalmente en1 córtex pré-frontal, gânglios da base
DSIVl-1\' exige a presença de sintonias e prcju1zos sig11ifi- e cerebelo, áreas do cérebro envolvidas con1 o sistema
cativos a11tes dos 7 anos, e1nbora não existam e,,idências dopa1ninérgico. Co111plicações durante a gestação e o
empíricas para fundan1entar tal critério. A avaliação de tal parto, assim con10 a exposição i11trauterina ao álcool e
critério é freque11te1nente difícil, u111a vez qL1e sua ide11ti- à nicotina, estão associadas a t1n1 maior risco de TDAH.
ficação dcpe11de de vários fatores, tais con10 a percepção Estressores familiares e psicossociais parecem não causar
dos sintonias pelo infor1na11te e set1 co11ceito de prejuízo; o TDAH, mas estão associados à gravidade dos sinto111as
o suporte dos pais e/ou das escolas, qL1e pode minimizar o e à prese11ça de 0L1tro5 transtornos psiquiátricos co11co-
con1prometimento decorrente dos sintomas; as difere11tes mita11tes. Disfunção fan1iliar, psicopatologia parental,
den1andas e expectati\'as em relação às crianças/adoles- relacio11amento rLtim com os colegas, baixa autoestima
centes; os difere11tes an1bientes aos quais estão expostos; e baixo rendi111e11to escolar estão correlacionados com a
a apresentação clínica do qL1adro (os sintonias de desa- persistê11cia do quadro e consequências adversas no longo
tenção tende111 a caL1sar preJUIZO 1nais tardiamente que prazo. O TDAH não é causado por pais ineficie11tes, pro-
os sinto111as de hiperatividade). Para o DSi1-V, discute-se fessores rL1i11s, televisão ou alimentos.
a 111L1dança desse critério, este11de11do a referência etária As pesquisas mostran1 t1ma alta taxa de comorbidade
11ara 12 a110s. entre o TDAH e os transtornos disruptivos do con1por-

234
Capítulo 25 - Diagnóstico e tratamento de crianças e adolescentes do gênero feminino com transtorno mental

tan1ento (transtorno de conduta e transtorno opositor dos i11divídL10s observa-se a persistência do diag11óstico
desafiante) tanto em amostras clínicas, como em an1os- completo, e em 40 a 60%, ren1issão parcial (Faraone e
tras popt1lacionais. No Brasil, Fleitlich-Bilyk & Goodman cols., 2006). No estt1do de Biederman e cols. (2010), por
(2004) ide11tificaram u1n transtorno disrt1ptivo do co1n- volta dos 22 anos, 62% das meninas com TDAH co11ti-
portame11to em metade dos i11divíduos com TDAH. Em 11ua,1am sig11ificativamente sintomáticas.
amostras clinicas de portadores de TDAH, a prevalência
de TOD (transtorno opositor desafiante) é me11or no sexo
fen1inino; porém, 11as meninas com TDAH, a prevalência O TDAH é idealn1ente tratado con1 uma aborda-
de TOD é significativamente maior en1 relação aos con- gen1 que inclui mtiltiplas intervenções. A frequência e
troles sem TDAH. Ao longo de ci11co a11os de seguimento i11tensidade das experiências de fracasso e reprovação
no estudo de Biederma11 e cols. (2008), as n1e11i11as porta- qt1e esses indivíduos experi1nentam tê1n consequências
doras de TDAH aprese11tara111 maior 11ecessidade de aulas importantes e111 seu desenvolvi1nento. Assin1, é necessário
de reforço e colocação em classe escolar especial ( 14,3%; qt1e o tratamento n1edicamentoso seja co1nplen1e11tado
29,7% no grupo TDAH + TOD), e maior número de sus- com intervenções psicossociais e psicoeducacionais para
pe11sões escolares (45,4% do grupo TDAH + TOD, 16,7% a criança, sua família e seus educadores.
do grupo TDAH e 8,2% dos co11troles foram st1spensos É importante ajudar o i11divíduo co1n TDAH a com-
pelo 1ne11os uma vez). preender seu problen1a e seu tratamento, e pedir sua
Vários estudos têm den,onstrado a associação entre o opinião sobre qual a melhor forma para abordar st1as
TDAH na infância e os TUS (transtornos relacionados ao dit1culdades. Deve-se acompanhar de perto st1a evo-
uso de substâncias) - incluindo o álcool e a nicotina - na lução e elogiá-lo pelas melhoras apresentadas em seu con1-
adolescência e, principalmente, na idade adulta. Em uma portan1ento. É fundamental que se estabeleça ttm bon1
metanálise recente, o TDAH esteve associado a um risco canal de cornu11icação entre os pais, a escola e o médico.
at1n1e11tado em 2,36 vezes para abuso/dependência de ni- Os portadores de TDAH podem se beneficiar de ativida-
cotina na adolescência, 1,35 ,,ezes para abuso/dependên- des estruturadas (rotinas diárias consiste11tes e ambiente
cia de álcool e 3,48 a 6,92 vezes para abuso/dependê11cia previsível) e curtas (ou fracionadas) e podem aprese11tar
de substâ11cias no início da vida adulta. un1 n1elhor re11din1ento quando n1otivados, acompanha-
Bieder111an e cols. (2010) acompanl1aran1 t1m grt1po de dos de perto durante as tarefas, em locais com poucos
garotas (6 a 18 anos) portadoras de TDAH ao longo de 11 estímulos não relevantes à atividade etc. Estratégias que
anos, e11contrando taxas de prevalência ao longo da vida incorporem a ati,ridade física ao processo de aprendiza-
sig11ificativamente maiores, em relação ao grt1po controle, gem são be11éficas.
para Transtorno depressivo maior, transtorno bipolar, O tratamento 111edicamentoso específico é fundan1en-
transtorno de ansiedade de separação, transtor11os de lin- tal 110 manejo do TDAH, apresentando eficácia superior
guagem, agorafobia, fobia social, fobias específicas, trans- na melhora dos si11tomas centrais do transtorno, qt1ando
torno de pânico, transtorno de ansiedade ge11eralizada, comparado a abordagens não farmacológicas.
transtorno desafiador opositivo, transtorno de conduta, Os psicoesti1nulantes são as drogas de primeira linha
transtorno de personalidade antissocial, tiques/síndro1ne no tratamento do TDAH; sua eficácia foi den1onstrada
de Tourette, enurese e bulimia 11ervosa (risco relativo: 7,2 em centenas de ensaios clínicos ra11do1nizados realizados
para transtornos de conduta antissocial; 6,8 para transtor- desde a década de 1960, sendo seu uso considerado t1m
nos de ht1mor; 2, 1 para transtornos de ansiedade; 3,2 para dos tratamentos n1ais bem estabelecidos em psiquiatria.
tra11stornos do desenvol\rime11to; 2,7 para transtornos rela- Estão disponíveis no Brasil o metilfenidato e a lisde-
cio11ados ao uso de substâncias; e 3,5 para transtornos ali- xanfetami11a. O metilfenidato bloqueia a recaptação de
mentares). Comparadas com garotos portadores de TDAH, dopamina, aun1e11tando a oferta de dopami11a na fenda
as garotas tendem a apresentar n1enor taxa de transtor110 sináptica. As anfetaminas atuam da mesma for111a, 1nas
de personalidade antissocial (6Cro versi,s 13%) e taxas mais também aumentam a liberação de dopamina no neurô11io
elevadas de transtorno depressivo maior ( 20% versi1s 8%) pré-si11áptico. Na falha do tratamento com o psicoesti-
e tra11stornos de ansiedade (agorafobia, 25% versus 3%; mulante adotado, recomenda-se tentar a troca para OL1tra
fobia social, 20% versus 4%) na vida adulta. classe de estimulante.
Geraln1ente identificado pela primeira vez na infância, Os estimulantes produzem mell1ora nos sinton1as cen-
o TDAH não se restringe a essa fase do desenvol,,imen- trais do TDAH (desatenção, inquietação e impulsividade),
to. Estudos lo11gittLdi11ais tê1n demonstrado de for111a alén1 de melhora na moti,1 ação, coordenação motora,
consistente que, embora os sintomas do TDAH tendam habilidade ,·isuo1notora, no aprendizado de curto prazo e
a diminuir com o te1npo, unia parcela considerável de nas habilidades sociais. Volko\v e cols. (2004) observaran1
i11di,1íduos afetados permanece sintomática e com prejuí- que, em relação ao placebo, o n1etilfenidato prodLtziu
zos significativos na vida adulta, ainda que não apresente maior liberação de dopamina durante a realização de
critérios st1ficientes para o diagnóstico. Em cerca de 15% exercícios matemáticos do qL1e em uma condição passiva.

235
Tratado de Saúde Mental da Mulher

Isso sugere que a liberação de dopamina está associada a fa1niliares de eve11tos cardiovasculares, e o exa1ne físico
tarefas que envolvan1 fu11ções executivas ou a respostas a antes de iniciar o tratar11ento. En1 casos que apresentem
estímulos sinalizadores de recon1pensa. O metilfenidato alterações cardio,·asculares, con1ple111entar a ir1,,estigação
bloqueia a recaptação de dopamina apenas quando esta é com exames específicos (como ECG e ecocardiograma) e
liberada em quantidades significativas. Isso pode explicar encaminhar para a\•aliação cardiológica. Deve-se també111
por que os efeitos dos estimulantes são mais pronuncia- atentar para o risco de exacerbação de tiques e preci-
dos na escola ou en1 outras situações que en, 01,,am ati\ i-
1 1 pitação de quadros 1naníacos, psicóticos e convt1lsões
dades intelectuais. Existem algu1nas evidê11cias de que o (potencial de redução do limiar co11vulsi,10 em portado-
metilfe11idato n1e1hore o funcionamento dos mecanismos res de epilepsia). A introdução do psicoesti1nulante só
envol,,idos 110 controle inibitório no córtex pré-frontal e poderá ser considerada após a estabilização clínica dessas
ci11gulado anterior. condições.
O metilfenidato é comercializado no Brasil em uma Os n1edican1entos não estimulantes são usados na falha
apresentação de liberação imediata (efeito de três a cinco OLI intolerância aos estimulantes, Lt1na vez qLte seu efeito
horas) e duas de liberação prolongada (SODAS, que libera parece n1enos expressivo. Não disponível no Brasil, a ato-
50% da droga após a ingestão e 50% após quatro horas, moxetina te111 sido recomendada con10 droga de segunda
levando a um efeito de cerca de oito horas; e OROS, que linha no tratan1ento do TDAH.
libera a droga gradualmente por n1ecanismo osn1ótico A atomoxetina e um potente inibidor da recaptação
ao longo de cerca de doze horas). E11tre as anfetaminas, de noradrenalina, com eficácia superior ao placebo 110
apenas a lisdexanfetamina é comercializada no Brasil até tratamento de TDAH em criar1ças, adolescentes e adultos.
o momento; na for1na de pró-droga, é transformada no Pode ser uma alternati,•a interessante nos casos de tiques
composto ativo d-anfetan1ina após sua absorção, cujo e em crianças com um quadro ansioso comórbido. Exis-
efeito tem duração de doze a quatorze horas. Cerca de ten1 raros relatos de efeito hepatotóxico e ideação suicida
70% dos pacientes apresentam boa resposta e tolerância associados à aton1oxetina.
aos estimulantes. Os agentes de ação prolongada têm de- Clonidina e guanfacina (não dispo11ível 110 Brasil)
111onstrado taxas de resposta semelhantes às aprese11tadas são drogas agonistas de receptores alfa-2-adrenérgicos,
pelos estimulantes de liberação in1ediata. usados mais frequentemente con10 coadjLt\'antes no tra-
Os efeitos adversos mais relatados são: inapetência, tamento do TDAH, especialmente qL1ando associado a
perda de peso, náusea, dores abdominais, insônia, pesa- tiques, agressividade ou oposição. Os efeitos colaterais
delos, cefaleia, xerostomia, ansiedade (pri11cipalmente se principais são sedação, boca seca e hiperte11são "rebote".
comorbidade com um transtorno ansioso), e irritabilida- Outros agentes têm sido utilizados off-label no trata-
de. São frequente1nente autolimitados, ou melhoram com n1ento de segunda ou terceira linha do TDAH. Estudos
o ajuste posológico. controlados têm mostrado eficácia superior dos anti-
Apesar dos n1uitos a11os de uso dos psicoestimulantes, depressivos tricíclicos em relação ao placebo, embora
continua a existir alguma controvérsia em relação à sua co111 tamanho de efeito menor que o dos estin1ulantes.
segurança. O risco para abuso e uso recreacional é mais A bupropiona também apresenta eficácia modesta no
frequente em adultos do que em cria11ças, até pelo acesso tratan1ento do TDAH. Os principais estudos con1 a bL1-
mais restrito à medicação. A interferência no ga11ho esta- propiona em crianças e adolescentes focam sua eficácia
tura! é contro,,ersa, com alguns estudos descre,,endo uma 110 TDAH, tabagismo e TUS e na comorbidade dessas
desaceleração do crescimento com alteração da estatura três condições. Um estudo naturalístico condt1zido por
final, e outros relatando unia interferência apenas inicial, Solhkhah e cols. (2005) demonstrou a eficácia e segurança
com posterior recuperação e sem alteração da estatura 110 uso da bupropiona em crianças e adolescentes porta-
final. Recomenda-se avaliar o peso e altura de crianças dores de TDAH e co1norbidade con1 TUS e depressão.
em LISO de psicoestimulantes pelo menos semestralme11-
te. Crianças que apresentarem desvio significati,10 na
-
CONSIDERAÇOES FINAIS
curva de crescime11to são candidatas a períodos sem uso Muitos transtornos psiquiátricos têr11 seu inicio na
da medicação (drug J1olida)1s) ou tratan1ento com droga i11fância e na adolescência, com in1portante comprome-
não estin1ulante. Também é controverso seu potencial de timento farniliar, escolar e social. Sern um tratan1e11to
efeitos adversos cardiovasculares. O 1netilfenidato está as- adequado, sintomas e sequelas de tais quadros tenden1 a
sociado a leve au111ento da pressão arterial e da frequência se n1anter na vida adulta, favorecendo o desenvolvin1ento
cardíaca, e embora exista um temor em relação ao risco de outras psicopatologias e prejuízos fu11cionais. Apesar
de morte súbita, não existem evidências de que essa taxa disso, o diagnóstico é muitas vezes tardio, podendo le,,ar
exceda a obser,,ada na população geral. No entanto, tais anos ou mesmo décadas. As meninas são mais propensas
1nedicações devem ser usadas com cautela em crianças e a transtornos internalizantes, cujos quadros clínicos são
adolescentes co1n doença cardíaca preexistentes. Assim, 111ais sile11ciosos, ou seja, menos disrupti,,os, o que pode
recomenda-se a i11vestigação de antecedentes pessoais e colocá-las em risco para um atraso ainda n1aior na iden-

236
Capítulo 25 - D1agnóst1co e tratamento de crianças e adolescentes do gênero fem1n1no com transtorno mental

Bicdern1an J, Petty CR, lvlonuteaux MC, Fried R, Byrne D, Mirto


·rificação de sinais e sinton1as de um transtorno mental
T et ai. Adult Psychiatric Outcomes of Girls With Attenlion Deficit
e na busca por tratame11to. Os profissionais devem estar Hyperactivity Disorder: 11 -Year Follo\v-Up in a Longitudinal Case-
atentos a isso, pois a literatura tem mostrado significativa Control Study. Am J Psychiatry. 2010;167:409-17.
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237
Síndromes demenciais
e psicofarmacologia da
mulher na terceira idade
Edson Shiguemi Hirata
Cassio Machado de Campos Bottino

-
INTRODUCAO 2020, e11quanto a popt1lação geral mundial deverá crescer
O envelhecimento populacional é u1n fenômeno uni- 80%, a população idosa deverá crescer 160%. No Brasil, o
versal, observado ta11to nos países desenvoJ,,idos quanto aumento do número de idosos nesse mesn10 período será
naqueles em dese11vol,,imento co1no o Brasil. ainda n1aior: de 280%. 5
En1 2050, 80% dos idosos estarão vivendo nos países O Brasil é un1 dos países qL1e apresenta1n as maiores
en1 dese11volvimento. 1 Esse aumento do nú1nero de idosos taxas de en,,elhecimento. O número de idosos passou de 3
se dará principal1nente e11tre as mulheres. milhões em 1960 para 7 milhões em 1975 e 20 milhões em
Nos Estados Unidos, estima-se que o custo do trata- 2008.6 Em 2020, o Brasil terá 30 milhões de idosos e será o
me11to da doe11ça de Alzhein1er seja de aproximadamente sexto país do mundo em n(1mero de idosos."
USS 65 bilhões de dólares anuais. 2 Em 2000, os custos Mulheres vivem mais que os homens, em média seis
diretos e indiretos da doe11ça de Alzhein1er era de 100 a oito anos a mais, em razão de diferenças biológicas e
bilhões de dólares, só ultrapassado pelos custos da doença comportan1entais:1 No Brasil, dados do IBGE- revela-
cardiovascular e do câncer. 3 ran1 que os ho1nens têm un1a expectativa de vida de 64
À medida que a população de idosos awnenta, ocorre anos, e as mulheres, de 72,6 anos. No mundo, em 2007,
paralelamente crescimento significativo de doenças relacio- a proporção de mulheres com idade superior a 60 anos
nadas com o e11velhecimento. Entre elas, as demências pas- era de 55%, e a partir dos 70 anos, essa taxa aume11tava
saran1 a ser um dos maiores desafios para a saúde pública. para 58%.-1 Por causa disso, as mulheres representa1n a
A demência de Alzheimer e outros tipos de den1ência parcela da população que mais cresce entre os idosos.
estão entre as 10 principais causas de mortalidade e111 A população idosa nos próximos anos será em sua maior
mulheres com idade superior a 60 anos, no mundo, e isso parte feminina.
é mais acentuado nos países desenvolvidos. 4 No Brasil, o número de homens idosos para cada 100
A demência é respo11sável por 13% de perda de anos de mulheres cairá de 81, en1 2000, para 76, em 2050. 8 Em
vida saudável em mulheres com idade superior a sessenta 2050, no grupo das pessoas com idade superior a 80 anos,
anos. Nos países desenvolvidos, é a principal causa de anos ha,,erá duas mulheres para cada homem (Fig. 26.1).
de vida perdidos por incapacidade em mulheres idosas. 1
'
Este capítulo abordará a epidemiologia, etiologia, qua- DEMENCIA
dro clínico e diagnóstico da den1ência em n1ulheres e as Segundo os critérios diagnósticos atuais, demê11cia é
particularidades da psicofarn1acologia em idosos. uma síndrome caracterizada por deterioração cognitiva
global 11a at1sência de rebaixa1ne11to do nível de consciên-
ENVELHECIMENTO POPULACIONAL cia. Ocorre comprometimento da men1ória recente e
Os idosos são o grupo etário que ,rem apresentando ren1ota, do pensamento abstrato, das funções corticais
as n1aiores taxas de crescimento. No período de 1980 a superiores e da capacidade de julgamento. Tais alterações
Tratado de Saúde M ent al da Mulher

2050

2040
Homens Mulheres
1 1 1 1

2030

2020

:2010


~ b05

2( 00

199 ~

1980
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1

9.000.000 7.000.000 5.000.000 3.000.000 1 000.000 1.000.000 3.000.000 5.000.000 7.000.000 9.000.000
População
~ - - - - - -- ·-- ------------~
FIGURA 26.1 - BRASIL: População de 80 anos ou mais de idade por sexo - 1980-2050.
Fonte. IBGE

são decorrentes de lesão ou disfL1nção cerebral e devem os homens, em relação a outras causas ir11portantes de de-
ter gravidade st1ficiente para interferir 110 desempenho n1ência como a ,·ascular, por cori)os de I,e,,1· e a alcoólica.
ocupacional, social ou i11terpessoal.

A n1enopausa é definida co1no a i11terrupção das


As estimativas da pre,,alêncía de den1ência ,·arian1 menstruações resultante do tér111ino da fu11ção ovariana
,. . . -
de acordo com os critérios diagnósticos utilizados e as estroge111ca e representa a trans1çao e11tre o 1nenacrne e o
características da população estudada como idade, se é en,1elheci1nento. Durante o período da perin1e11opausa e
i11stitucionalizada, ou não. A prevalê11cia de den1ência pós-n1e11opat1sa, ocorrem uma série de mudar1ças corpo-
em u111a deter111i11ada população duplica a cada ci11co rais e psicossociais decorrentes da queda da produção de
a110s após os 60 anos de idade. 9 As estimativas médias hormô11ios esteroides e do processo de en,,elhecin1e11to.
1nais difundidas referem pre,,alência de den1ê11cia de 5º1> A n1enopausa 11atural ocorre geraln1ente por ,,olta dos
en1 pessoas com idade superior a 65 anos e de 20% nos 50 anos de idade. O au111ento da expectati,·a 111édia de
i11di, íduos com mais de 80 anos de idade. 1 Gm estudo
1
,,ida, observado pri11cipaln1ente en1 pessoas do sexo temi-
de revisão sistemática da literatura sobre prevalência de ni110, está proporcio11ando u1n crescin1ento significativo
demê11cia en1 diferentes regiões do mundo, realizado por de mulheres qt1e ,,ivem 110 período da pós-me11opausa.
Lopes e Bottino, ·1 mostrou taxas de prevalência de 6% aos Atualn1ente, a mull1er passa cerca de ½ de sua vida no
65 a11os e elevação associada ao aun1ento da idade. período da pós-me11opausa.
Portar1to, é t1n1a doe11ça que te1n de ser co11siderada A história 11atural da n1enopausa 11ão está associada a
como t1m problen1a de saúde pública pri11cipal1ne11te en1 declínio cogr1iti, 0. Entretanto, ,,ários estudos tê1n 111ostra-
1

relação à população feminina, pois, co,110 ,1 i1nos, a por- do efeito benéfico do estrógenos nas funções cogniti,,as.
centagem do núr11ero de 1nulheres en1 relação aos ho1nens Por exe1nplo, mulheres não de111enciadas e111 111e11opausa
aun1enta con1 o envelhecimento populacional. pós-cirúrgica aprese11tan1 melhora da me111ória após re-
E,n relação à distribuição entre os sexos, as mulheres posição de estrógeno. 12 A maioria dos estudos tem relata-
apresentam risco duas vezes n1aior de apresentar den1ência do efeito positivo de reposição de estrógeno 11a n1emória
de Alzhein1er que os hon1ens. A prevalência é 111aior entre verbal de curto prazo e en1 algun1as funções executi,,as. 1'

242
Capítulo 26 - Síndromes demenc1a1s e psicofarmacolog,a da mulher na terceira idade

A memória visual também melhora com reposição de maior incidê11cia da DA em mulheres, especialmente na
estrógeno. Resnick e cols. 1~ compararam 116 n1ull1eres '
pos-n1e11opausa.
menopausadas que recebera1n estróge110 com 172 que Estudo realizado com 911 nonagenários mostrou qL1e
não receberam, e observaram que aquelas que tiveram 45% das mulheres tinha111 demência, comparado a 25%
reposição hormonal apresentara1n melhor performance dos home11s. 19 Essa prevalência de den1ência nas mulheres
na memória visual (Bosto11 Visual Retention Test), i11di- continuava a crescer após os 90 anos, 1nas pern1anecia
cando efeito protetor de declínio cognitivo em 1nltlheres estável 110s ho1nens.
não clemenciadas. Herbert e cols., 20 controlando o fator idade, não ob-
En1bora apresente efeito protetor, não se recomen- servara1n maior incidência e prevalê11cia de demê11cia
da o uso de estrógeno para prevenir deficit cognitivo en1 mulheres reside11tes em Boston, nos Estados Unidos.
na pós-menopausa. Reposição de estrógeno tem com- Esses autores sugeriram que a maior longevidade nas
provadamente evidente efeito be11éfico sobre si11tomas mulheres explicaria a constatação do maior número de
da 1nenopausa, prevenção de osteoporose e de câncer mt1lheres con1 demê11cia de Alzhein1er. Algumas variáveis
colorretal, mas aumenta o risco de câncer de pulmão, podem influenciar nos estudos de prevalê11cia de DA e a
embolia pl1lmonar, acidente vascular cerebral e doe11ça relação com o sexo fen1inino, con10 níveis diferentes de
coronariana. Vale lembrar que esse tratamento continua escolaridade em relação aos home11s e o fato de que mu-
como de primeira linha para 75% das mulheres que ex- lheres com demência sobrevivem mais que os ho1ne11s. 19
perimenta1n si11ton1atologia clínica na perimenopausa. Segundo Burnett,21 1nesn10 co11trola11do efeitos da longe-
Portanto, o estrógeno pode ser usado para mulheres pós- vidade e escolaridade, o sexo feminino apresenta maior
-menopausadas si11tomáticas na menor dose efetiva e pelo vulnerabilidade para DA.
menor te1npo possível. O risco de DA é maior en1 1nulheres, particularme11te
Entretanto, para mulheres pós-n1enopausadas com evi- naqL1elas com o alelo E4 da apolipoproteína. 17
de11te declínio cognitivo precoce, Gibbs 15 propõe a associa- Estudos sobre prováveis benefícios da reposição de
ção de estróge110 com drogas qL1e aun1entam a atividade estrógeno na DA surgiram após constatação de que n1lt-
colinérgica. lheres em menopausa que receberam estrógeno apresen-
Os mecanismos para explicar o efeito benéfico do es- taram melhora 11a cognição quando comparadas às qt1e
tróge110 nas funções cognitivas tên1 sido objeto de várias não receberam esse hormônio., -
pesquisas que têm mostrado sua ação tanto neurotrófica Desde então, várias pesquisas tên1 sido realizadas
quanto neuroprotetora no cérebro. avaliando se a reposição de estrógeno pode prevenir OLL
Os receptores estrogênicos estão dispersos em várias mesmo retardar ou melhorar os sintomas da DA.
regiões cerebrais, como o córtex cerebral, o mesencéfa- Um estudo prospectivo envolvendo 472 mulheres en1
lo, o hipotálamo, a pituitária, o hipocampo e o tronco pós ou perimenopal1sa mostrou que as que receberam
cerebral. reposição de estrógeno apresentaram risco significativa-
Os receptores de estróge110 110s neurônios hipocampais mente rnenor de desenvolver DA. 22
e coli11érgicos estão envolvidos no processamento da me- Wari11g e cols.,23 em estt1do retrospectivo de base popu-
mória. O estrógeno faz a regulação positiva da atividade lacional, ta1nbém observaram redt1ção de risco de DA em
da colina acetiltransferas e (enzin1a envolvida 11a sí11tese mulheres que receberam estrógeno por pelo 1nenos seis
da acetilcoli11a) e esti1nula o crescimento de neurônios meses após início da menopausa.
colinérgicos provaveln1ente por rneio do aumento da ati- Outros estudos2 " 2~ ta1nbé1n associaram terapia de re-
vidade da neurotrofina. 16 posição de estrógeno com diminuição do risco de de-
Além disso, o estrógeno pron1ove o crescimento neu- senvolver DA. Em geral, os estt1dos têm mostrado que a
ral e a plasticidade sináptica, melhora a recaptação de reposição de estrógeno está associada à redt1ção de risco
colina, melhora o transporte da glicose no hipocampo, de desenvolver DA entre 29 a 51 %. 13•25
potencializa a função colinérgica central, reduz a resposta Entreta11to, os resultados dessas pesquisas não são
inflamatória aguda, tem propriedades antioxidantes, pro- conclusivos, pois i11úmeras são as variáveis envolvidas,
tege contra neurotoxicidade excitatória e aumenta o fluxo como dose e tempo de uso de estrógeno, se conjugado Oll
sanguíneo cerebral. 1~- 18 não co111 progesterona, fatores ge11éticos como sensibili-
Evidências laboratoriais sugerem que o estróge110 dade i11dividual a estrógeno, época de início de reposição
reduz a for1nação da proteína beta-amiloide que está as- hormonal.
sociada a lesões características da DA, modifica11do o pro- Por exemplo, estudos recentes mostran1 que se a repo -
cessa111e11to da proteína precursora do amiloide. 16• 18 Além sição de estróge110 começar em idade tardia não terá efeito
disso, o estrógeno retarda o dese11volvimento de doença preventivo da DA. 26 Pelo contrário, em mull1eres idosas, a
vascL1lar e protege contra morte neuronal. 16• 18 Essas ações reposição de estrógeno tem sido associada a aumento do
do estrógeno no cérebro ajudam a entender, em parte, os risco de demência. 12 Os achados observacionais de que
resultados de estudos epidemiológicos que mostraram estróge110 reduz risco de de1nê11cia provaveln1ente estão

243
Tratado de Saúde Mental da Mulher

relacionados con1 início precoce de reposição hor111onal. i 1 Poden1 ocorrer tan1bém sintomas psicóticos como delí-
As pesquisas atL1ais in,·estiga111 o efeito pre,·enti,·o da rios, aluci11ações e episódios de deliriu1n.
doe11ça de Alzhein1er con1 i11icio da reposição estrogênica Sinto1nas neL1rológicos como distúrbios n1otores e de
no período próximo da menopausa. 1no,,i111e11to, disartria, alteracão

de n1archa, 111ioclo11ias
Outra li11ha de pesquisa é o efeito terapêutico do es- e cri~es co11vulsivas também podem se desen\·olver en1
tróge110 11a de111ê11cia de Alzheimer. Inúmeros estudos ~1acie11tes de111e11ciados.
tên1 relatado n1elhora nas fL1nções cogniti,,as- e nos sin-
tomas18 da DA e111 1nulheres que receberan1 reposição de
'
estroge110. O diagnóstico da demência é clínico, ou seja, é reali-
He11derso11 e cols., 1 en1 estL1do dL1plo-cego, randomi-
1' zado por 111eio da história e do exame físico e psíquico.
zado e controlado corn placebo, 11ão observaran1 111elhora A evidência de perda cognitiva global, sem alteração do
nos sí11to111as da DA após dezesseis sen1a11as após repo- 11ível de consciência e decorrente de caL1sa orgânica, co11-
sição de estróger10 e1n co111paração a controles. Outros figura t1111 qL1adro deme11cial. Se um paciente aprese11ta
estL1dos rece11tes ta1nbén1 não observaram melhora dos perda cog11iti, a global associada a rebaixan1e11to de cons-
1

sinton1as da DA e nen1 na st1a progressão com reposição ciência, o diag11óstico será de delirii1n1 e não de de1nência.
de estrógeno. 1- 29 O diag11óstico diferencial deve ser realizado co111 deli-
Enfi111, os estudos até o presente mon1e11to não per- ri i11n, transtorno cog11iti,ro leve, oligofrenia e transtorno
111iten1 co11clL1ir que reposição de estrógeno retarda ot1 psiquiátrico fL1ncio11al, como depressão.
111ell1ora a evolução da DA. i - O quadro de delirii11r1 caracteriza-se pela presença de
Segt1ndo o Institt1to de Saúde Mental americano, o rebaixan1ento do ní,•el de consciência. O qt1adro inicia-se
estrógeno não retarda a progressão de pacientes diagnos- de for111a aguda, os si11tomas flutuam ao longo do dia e
ticados con10 DA. 1" Porta11to, não há ele1ne11tos que justi- remiten1 rapidan1e11te, em poucos dias após o trata111e11to
fiqL1en1 reposição de estrógeno para o tratamento da DA. da causa. En1bora sejam dois transtornos distintos, é in1-
porta11te salientar que, durante a evolução da de1nê11cia,
é freque11te a ocorrência de episódios bre,·es de delirii11n.
O sintoma inicial mais in1portante é o prejuízo da n1e- Nessa sitL1ação, há Ltm diagnóstico duplo, de delirii1n-1 so-
1nória, principaln,ente para eventos recentes, como, por breposto a um quadro de demência.
exemplo, fatos que ocorreram há poucas horas ou dias. No transtorno cognitivo le,,e, também ocorre perda
Con1 a progressão da demência, a me1nória ren1ota cog11iti, a global decorrente de um fator orgâ11ico espe-
1

ta1nbén1 é comprometida. O paciente pode não se lembrar cífico. A diferença é que os sinto1nas co1no alteração de
de fatos i1nportantes de sua profissão, de seus empregos, 111en1ória, dificuldade de concentração e fatigabilidade
atividade escolar e de vida familiar. são leves, com u111 11ível de gra,ridade qt1e não preenche
A capacidade de abstração é comprometida, e o pa- os critérios diagnósticos para de1nência.
cie11te 11ão consegue realizar tarefas simples, co1no inter- Na oligofre11ia, o pacie11te sen1pre apresentou de_ficit
pretar ditados populares, e de apo11tar semelhanças ou da capacidade de abstração, enquanto a demência carac-
diferenças entre objetos. teriza-se por deterioração cognitiva global e111 relação à
Alteração de linguagen1 como prejuízo na capacida- condição pré\•ia do i11di, íduo.
1

de de compree11der e se expressar por meio da pala,•ra A depressão pode se manifestar clinicamente de forn1a
(afasia), prejt1ízo na capacidade de reco11hecer ob_jetos indistinguível de un1a demência de base orgâ11ica ben1 de-
(agnosia) e inabilidade para executar atos ou movin1entos finida. A diferença é qt1e na depressão o paciente se queixa
(apraxia) ocorre1n nesses pacientes, evidenciando o con1- de perda de memória, tem critica até exagerada das dificL1l-
prometimento das funções corticais superiores. dades cognitivas, não apresenta confabulação. Além disso,
O compron1etimento da capacidade de julgar o qt1e é cer- 11a depressão observa-se humor depressivo, pensamento
to ou errado, e de discernir se LH11a determinada atitude fere negativo, anedonia e antecedente familiar de depressão.
os princípios éticos ou se é inadeqL1ada em relação à nor1na Após estabelecer o diagnóstico sindrômico, é impor-
social expõe o paciente a comportamentos embaraçosos. ta11te qt1e se faça o diagnóstico etiológico para que se
A acentL1ação das características de personalidade, possa i11troduzir u111 tratamento específico.
como traços obsessivos ou paranoides, ou surgimento de
comportamentos totalmente diferentes da maneira de ser
do pacie11te acompanl1am o quadro demencial. É con1un1 De1nência é uma síndron1e que pode ser decorrente
a presença de apatia entre os pacientes demenciados. de i11ún1eras causas neurológicas ou sistêmicas. A causa
Alterações comportamentais são frequentes e causado- n1ais frequente de den1ência é a DA, seguida pela de111ên-
ras de i1nportante sobrecarga emocional 110s familiares. cia ,,ascular.
São con1uns ansiedade, depressão, desinibição do com- As caL1sas mais in1portantes das demê11cias estão lista-
portan1ento, inquietação, agitação e agressi,·idade física. das no Quadro 26.1.

244
Capítulo 26 - Síndromes demenciais e psicofarmacologia da mulher na terceira idade

suficiência vascular cerebral. Entre as crises de insuficiên-


• Doenças degenerativas (p. ex., Alzheimer, doença por cia vascular, observa-se melhora parcial das alterações
cog11itivas. Na maioria dos casos, o paciente é hipertenso,
corpos de Lewy, Pick, Parkinson, Huntington)
com história de tonturas, paresias e parestesias, compatí-
• Doenças cardiovasculares (p. ex., demência vascular)
veis com episódios isquêmicos recorrentes.
• Alcoolismo A de1nência por corpos de Lewy caracteriza-se essen-
• Hidrocefalia de pressão normal cialmente pela ocorrência de deficits cognitivos flutuantes
• Trauma cranioencefálico, tumores com episódios de delirium, alucinações visuais e sinto-
• Transtornos endócrinos, metabólicos e nutricionais mas extrapiramidais. Os corpos de Lewy são inclusões
• Doenças infecciosas (p. ex., AIDS, sífilis e Creutzfeldt-Jakob) citoplasmáticas eosionofílicas. Eles se localizam preferen-
• Intoxicação por drogas cialmente no córtex cerebral e no tronco encefálico. Em
estudos de autópsia, os corpos de Lewy são encontrados
Fonte: Ferreira MP & Hirata ES, 2000_3c
em 20% dos casos de idosos com demência. 3i É conside-
rada urna das principais causas de demência. O quadro
A DA foi descrita pela primeira vez em 1906 pelo inicia-se geralmente entre os 60 e 80 anos de idade, e
neuropatologista e psiquiatra alemão Alois Alzheimer. É principalmente em pessoas do sexo n1asculino.
a principal causa de demência, responsável por aproxima- A doença de Pick é un1a doença rara, descrita pela
damente 50% dos casos. 31 Entretanto, em países orientais primeira vez em 1892. Trata-se de tima doença degenera-
como Japão e Rússia, a demência vasct1lar é mais freque11- tiva primária, de evolt1ção progressiva, que compromete
te que a DA. 9 É mais frequente no sexo feminino 9 e em principalmente a região frontotemporal. O início é insi-
pessoas que tê1n a11tecedentes familiares de DA. dioso e geralmente com alterações comportamentais e de
Trata-se de t1ma doença degenerativa primária, qt1e personalidade decorrentes do con1prometirnento do lobo
compro1nete difusamente o córtex cerebral, levando à frontal. Ela incide em indivíduos de meia-idade, usual-
atrofia, ao alargamento de sulcos e fissuras e à dilatação mente entre os 50 e 60 anos.
ve11tricular. Ocorre perda neuronal de 30 a 50% e, às vezes, A demência alcoólica é também considerada t1rna cau-
de até 90% do núcleo basal de Meynert que é uma estrutura sa frequente de den1ência, superada apenas pela doença
colinérgica. Ji, 33 A reduzida atividade colinérgica cortical, de Alzheimer, doença vascular e doença dos corpos de
em razão da diminuição da atividade da enzima acetilco- Lewy. Aproximadamente 10% dos alcoólatras tên1 altera-
lina transferase, constitui a base bioquí1nica da DA. 3~·35.36 ções clínicas sugestivas de den1ê11cia. 38
O aspecto histopatológico característico dessa doença É urna demência de início insidioso que incide princi-
é a presença de agrupamentos neurofibrilares no citoplas- palmente em homens com história de 15 a 20 anos de in-
ma dos neurônios com depósito de uma proteína anor- gestão etílica excessiva. 19 O fundamental para a realização
mal, deno1ninada de "tat1", e de placas se11is, que são de- desse diagnóstico é caracterizar por meio da história, exa-
pósitos extracelt1lares da proteína a11ormal beta-amiloide, me físico e achados laboratoriais que os deficits cognitivos
ricas em sílica e ai urnínio. estão etiologicarnente relacionados a efeitos persistentes
O início do quadro geralmente é insidioso, e a evolu- do uso do álcool.
ção, lenta e progressiva. Inicia-se geralmente por dete- A determi11ação da etiologia da demência é fundamen-
rioração lenta e progressi,ra da memória, dificuldade de tal para se estabelecer o tratamento. É importante salien-
concentração, fatigabilidade e alteração da personalidade. tar que aproximadamente 13% das demências são po-
Posteriormente, vão surgindo afasia, apraxia, agnosia e tencialn1ente reversíveis. 40 São exemplos de demências
perturbação do funcionamento executivo con1 dificul- potencialmente reversíveis aquelas decorrentes de trans-
dades de planejamento, organização, seqt1enciarnento e tornos metabólicos, nutricionais, infecções, intoxicação
abstração. por drogas, álcool, hidrocefalia de pressão normal e lesões
A den1ência vascular corresponde a aproximadamente expansivas como o hematoma subdural crônico.
20% dos casos de dernência. 31 Incide principalme11te en1 A realização do diagnóstico etiológico é feita por meio
homens con1 idade acima de 60 anos. Ela é decorrente de de dados epidemiológicos, história clínica obtida pela en-
doença arteriosclerótica, que compromete vasos de médio trevista com o paciente e familiares, exame físico e psíquico
e grande calibre. Pode ser decorrente tan1bén1 de doença e exames laboratoriais. O Quadro 26.2 lista os principais
vascular hipertensiva, qtte, compron1etendo a parede de exames na investigação de demência. A partir dos dados
pequenos vasos, provoca degeneração difusa da substân- clínicos, o médico determinará a sequência de exan1es a
cia bra11ca subcortical, levando a um quadro conhecido serem solicitados.
como doença de Binswanger. O eletroencefagrama é um exame extre1na1nente \'.1til,
Caracteristicamente, a demência vascular inicia-se de principalmente para a realização do diag11óstico da de-
forma abrupta e e,·olui en1 degraus, ou seja, há piora pro- mência de Creutzfeldt-Jakob: o aparecimento de atividade
gressiva das alterações cognitivas a cada nova crise de in- periódica de con1plexos de ondas agudas é patognomôni-

245
Tratado de Saúde Mental da Mulher

melhoria na qualidade de vida dos pacientes e familiares


no co11ví,·io com L1n1a doença mL1ito desgastante.
Ale1n de psicoterapia suportiva para aceitar e conviver
• Hemograma completo
co1n a doença, o paciente necessita de auxílio para utilizar
• VHS (velocidade de hemossed1mentação) as habilidades ainda preser,,adas, no sentido de 1nelhor
• Eletroforese de proteínas adaptação social e funcio11al.
• Análise de urina A abordagem comportamental pode efeti,,arnente
• Glicemia de JeJum diminuir a frequê11cia de alterações co1nporta1nentais.
• Ureia e creatin1na A abordagem comportamental identifica as co11sequên-
• Eletrólitos: sódio, potássio, cálcio, fósforo cias e os desencadeantes da alteração comportame11tal
e institui n1L1danças ambie11tais para diminuir tanto as
• Transferases, b1hrrubinas
consequências quanto os dese11cadeantes.
• Hormônios tireoidianos
Abordagens de orientação cogniti,,a, como, por exem-
• Dosagem sénca de v1tam1na B12 e folato plo, a utilização de técnicas de treinan1ento de habilidades
• Sorologia para sífilis e AIDS podem proporcionar melhorias transitórias 110s d~ficits
• Pesquisa sénca de drogas cognitivos.
• Eletrocardiograma É importante qL1e a família tan1bém esteja envolvida no
• Eletroencefalograma tratamento. A abordagem familiar, individual ou e111 gru-
• Líquido cefalorraquid1ano po é fundan1ental para fornecer suporte en1ocional e para
orie11tar sobre a natureza da doe11ça, o comporta1nento do
• Avaliação neuropsicológica
paciente e como atuar pera11te as alterações aprese11tadas
• Tomografia computadorizada do encéfalo
pelo paciente.
• Ressonância magnética nuclear O tratame11to farmacológico depe11de da etiologia da
• SPECT (tomografia por emissão de fóton único) demência.
• PET (tomografia por emissão de pósitrons) Em relação à doença de Alzheimer, os inibidores da
Fonte: Ferreira MP & Hirata ES, 2000.," colinesterase, que são drogas que retardam a degradação
da acetilcolina, são os mais indicados.
Os inibidores da coli11esterase atL1aln1e11te existe11tes
co dessa doença. Esse exame tan1bém é útil para elucidar no mercado são: donepezil, rivastigmina, e galanta1nina.
casos de demência decorrente de encefalopatia tóxica ou Esses medicamentos são indicados pri11cipalmente para o
metabólica. tratan1e11to das fases le,,es e moderadas da DA.
A punção lombar e o exame do líquido cefalorraqui- A men1antina, que é um antagonista do receptor
diano são úteis quando há suspeita de infecção, vasculites NMDA (N-metil-D-Aspartato), tem se mostrado eficaz
e tun1ores. no tratamento da doença de Alzl1eimer. ~• Diferenten1ente
A neuroimagem vem adquirindo destaque na investi- dos inibidores da colinesterase, a men1antina mostrou ser
gação etiológica de demência. Os exames de neuroin1a- eficaz no tratamento de casos moderados a gra,,es. 11
gem estrutural, como a tomografia computadorizada e
a ressonância magnética, mostram atrofia cerebral, áreas Particularidades da psicofarmacologia na terceira
de infartos cerebrais, tumores, hidrocefalia e alterações de ir'- -'-
substância branca. Alguns princípios farn1acológicos básicos deve1n
Os exames de neuroin1agen1 funcional como a SPECT ser considerados no tratamento de pacientes idosos e
e a PET são mais sensíveis principalmente para detectar clemenciados.
a de1nência nas fases mais precoces. A to1nografia por Durante o en,,elhecimento, ocorre diminuição da
emissão de fóton único mostra redução da perfusão san- superfície de absorção gástrica, din1inuição da moti-
guínea cerebral nas áreas compron1etidas. A tomografia lidade e do esvaziamento gástrico. A consequência é a
por e1nissão de pósitrons mostra redução do metabolismo absorção mais lenta das drogas, embora seja geralmen-
cerebral nas áreas co1npron1etidas. te con1pleta.
A a,,aliação neuropsicológica é importante para avaliar À medida que ocorre o envelhecin1ento, con1eça a
os casos precoces e le,,es de demência e para a realização di111i11uir a 1nassa n1uscular e a porcentagem da água
do diagnóstico diferencial com depressão. corporal total. Paralelamente, ocorre aumento da gor-
dLtra corporal. O aumento da porcentagen1 da gordura
corporal é mais acentuado em mulheres. Essas alterações
O manejo de u1n paciente demenciado requer uma implican1 aun1ento do volume de distribuição para drogas
série de i11tervenções tanto para melhorar o nível de fu11- lipossolúveis e diminL1ição para drogas hidrossolú, eis. Ou
1

cionamento como para promover segurança, conforto e seja, esse fator contribui para o aun1ento de concentração

246
Capítulo 26 - Síndromes demencia1s e psicofarmacolog,a da mulher na terceira idade

plasmática, no idoso, de drogas hidrossolúveis como o 5. Ramos LR. A explosão demográfica da terceira idade no Brasil:
álcool e din1i11uição para as lipossolúveis. uma questão de saúde pública. Gerontologia. 1993; 1:3-8.
O fluxo sanguíneo re11al e a filtração glomerular din1i- 6. \'eras R. Envelhecimento populacional co11ten1porâneo: de111an-
nt1e1n, o que faz que n1edicamentos com eliminação renal das, desafios e inovações. Rev Saúde Ptiblica. 2009;43(3):548-59.
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de metabolização hepática dimint1em, o que reduz a ta- jecao_da_popu lacao/piran1 ide/piramide.shtm >. Acesso en1: 17
xa de eliminação das drogas, aumenta a meia-, ida e a 1 mai 2012.
conce11tração plasmática e, porta11to, geralmente implica 8. Nasri F. O envelhecin1ento populacional no Brasil. Einstein.
ajt1ste de dose. 2008;6(supl 1):$4-$6.
Outro fator que aume11ta o risco de i11toxicação é o tàto 9. Jorn, AF, Korten AE, Henderson AS. Toe Prevalence of Den1en-
de qt1e a concentração de albumina plasrnática dimint1i, e tia: a quantitative integration of the literature. Acta Psychialr
isso leva a aun1er1to de drogas li, res 11ão ligadas a proteí-
1 Scand. 1987;76:465-79.
,
11as na corre11te sangu111ea. 1O. American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical
Além das alterações na farn1acocinética das drogas, os ivfanual of Mental Disorders. DSM-III-R. 3.1 ed. rev. \ \'ashing-
efeitos dessas no organisn10 do idoso também se modi- ton, DC: An1erican Psychiatric Association; 1987.
ficam. De maneira geral, os idosos são mais suscetíveis 11. Lopes N[A & Boltino CM. Prevalence of den1entia 111 severa!
a efeitos ad, ersos con10 sedação, hipotensão ortostática,
1 regions of the ,vorld: analysis of epidemiologic studies from
efeitos anticoli11érgicos e extrapiramidais, qt1e pode1n l994 to 2000. Arq Neuropsiquiatr. 2002;60:61-9.
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idosos pode ocorrer neurotoxicidade, mesmo com ní, eis 1 ofestrogen. Clin Obstet Gynecol. 2008;51(3):618-26.
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Enfin1, tanto as alterações farmacocinéticas como as treatment, n1ild cognitive in1pairment and Alzhei,ner's disease.
farmacodinâ111icas associadas ao envelhecimento dese111- Int Psychogeriatr. 2008;20( 1):47 56.
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Alén1 disso, o idoso freque11temente tem u111a doe11ça protective etfecl? Neurolog). l 997;49: 1491-7.
clínica associada, o que tor11a 111ais con1plicado o uso de 15. Gibbs RB. Estrogen therapy and cognition: a re\'ie,v of the cho-
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Portanto, a prescrição de medicamentos 11essa popula- outras den1ências. Rio de Janeiro: EPUC; 2001.
ção merece atenção especial. A medicação deve ser inicia- 18. Henderson \'\,\', Paganini-Hill A, ~1iller BL, Elble RJ, Ileyes PF,
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247
Transtornos do impulso no
sexo feminino

Tatiana Z. Filomensky
Hermano Tavares
Manica L. Zilberman

INTRODUÇAO
- • instabilidade cognitiva, que está associada a de_ficits
A impulsividade pode ser entendida como uma carac- cognitivos e de funções executivas como desate11ção e
terística do co1nportamento, L11n fe11ô1neno dinâmico ou dificuldade de concentração;
ainda como traço do temperamento hereditário e estável • irritabilidade, que se apresenta mais con1umente qua11-
da personalidade. Caracteriza-se por reações rápidas e do o indivíduo se depara con1 um obstáculo que
não planejadas, em que a avaliação das conseqt1ências 11ão impede seu acesso ao objeto de desejo, podendo até
é realizada, ot1 o é apenas de forrna parcial, foca11do-se apresentar uma co11duta mais agressiva;
preferencialmente em aspectos in1ediatos em detrimento • deficiência en1pática e conduta a11tissocial, que se re-
das consequências a longo prazo. 1 laciona à falta de estabilidade afetiva e ao agravante da
Uma avaliação panorâmica dos estudos sobre impul- falta de tolerância para com o próximo;
sividade realizados na última década mostra qt1e se trata • descontrole e perturbação de impulsos primários (ins-
de um fenôn1eno n1ultifacetado e contínuo, ou seja, não tintos, tais como sexo, comida etc.).
existe um tipo universal de impulsividade, n1as si111 tipos
de impulsividade e de comportamentos impulsivos que A in1pulsi,ridade elevada é o marcador co1nL1rn 110s
se distribue1n na população normal, cuja a i11tensidade tra11stornos do controle do in1pulso (TCis), que pode
varia de indivíduo para indivíduo. É irnportante ressaltar, ser observada tanto en1 medidas de autorrelato como em
apesar desse quadro não ser foco neste capítulo, que apre- avaliações objetivas e baterias neuropsicológicas específi-
disposição a co1nportamento impulsivo também pode ser cas. É caracterizada por reações rápidas e não pla11ejadas
um fenômeno de liberação de con1portamentos adquirido em busca de respostas imediatas, que st1pera1n o controle
por lesão do SNC (sistema 11ervoso central).~ inibitório. Este pode estar empobrecido ou os desejos e
Tavares~ propõe a divisão didática dos fenô1nenos im- impulsos vividos de n1a11eira tão intensa que o freio inibi-
pulsivos em seis categorias: tório não é suficiente para barrar a expressão do co1npor-
• avidez (impulsividade motivada), que está associada tamento indesejado. 1 Além de decisiva nos transtornos
ao sistema de gratificação cerebral e se relaciona com de personalidade do grupo B ( os transtornos da perso-
afetos positivos previamente experimentados ou pro- nalidade antissocial, borderline, histriônica e narcisista),
vocados pela a11tecipação dos efeitos de ur11 estímulo a in1pulsividade também compõe o quadro de sinto-
potencialme11te gratificante; mas de certos transtor11os psiquiátricos primários ( cor110
• instabilidade afetiva, que está associada à volatilidade o transtor110 explosivo intermite11te, as dependê11cias e o
afetiva, caracterizada por rápida alternância de afetos, transtor110 afetivo bipolar). 2
reações catastróficas a ameaças de abandono reais ou Desde 1980, os TCis passaran1 a fazer parte da nosografia
imaginadas, se11sação crônica de vazio interior e pre- psiquiátrica, recebendo t1m espaço no DSM-III denomina-
.juízo de identidade;
do "transtornos do co11trole do impulso não classificado em
Tratado de Saúde Mental da Mulher

outros lugares'~ AtL1alme11te, os TCis já apresenta1n uma Segundo Christenson,i- as principais áreas do corpo
classificação específica que engloba jogo patológico, clepto- afetadas na tricotilomania são: couro cabeludo (81 %),
1na11ia, tricotiloma11ia, transtorno explosi,·o intermite11te e cílios (47%), sobra11celhas (44%), região púbica (24%),
piromania, além de uma categoria residual para TCis sen1 extremidades {15°10) axila (5%) e abdô1nen (4'1o). É impor-
outra especificação, que e11globa compra compulsiva, in1- ta11te ressaltar que é co1nu111 os portadores de TTivl terem
pL1lso sexual excessivo, dermatotilexon1ania, comer co1n- 111ais de un1a área afetada no corpo.
pL1lsivo, automutilação recorrente, depe11dência de ir1ternet Os desencadea11tes i11iciais e os mante11edores do trans-
e videogame, an1or patológico e ciúme patológico. torno poden1 ser de diversas origens, con10 queimadL1ras
No processo de revisão do DSM-IV-TR3 para a for1nu- 110 couro cabeludo e alopecia. Alguns outros precipitado-
lação do DS1vf-V, 1 existe a proposta de ren1over o trans- res estão relacio11ados a doenças na infâ11cia, problemas
torno do jogo patológico da categoria dos transtornos do escolares ou tensão escolar, ,·i,,ência de situações de morte
controle dos in1pulsos e i11clt1í-lo en1 uma no,,a categoria, ou doença na família, 11ascimento de irmãos, 111udança
a dos transtor11os de depe11dências e afins. A tricotilon1a- de residência, separação dos pais, i11ício da menarca,
11ia ta1nbém pode sofrer alteração en1 sua classificação en1oções negativas, in1obilidade forçada, sedentarismo ou
diag11óstica, sendo reclassificada dos transtornos do con- mes1no ati,,idades co11templativas.6
trole dos impulsos para a categoria tran&tor11os de ansie- É comum obser,,ar nos portadores de TTM a presença
dade e do espectro obsessi,10-co1npulsi,10. A confirn1ação de outros hábitos, con10 onicofagia, arrancar ct1tícula,
das possí,,eis alterações será efetivada 110 lar1çamento do contrair a face, n1order a junta do dedo, cl1upar o dedo
DSi\1-V, pre,,isto para 2013. polegar, bater no rosto, mastigar ou morder a lí11gua, bru-
Nas dt1as últimas décadas, os estt1dos envolvendo TCis xismo, bater a cabeça, n1astt1rbação, beliscar, morder ou
passara1n a obter a atenção de pesquisadores; com isso, a torcer os lábios e balançar o corpo.
clí11ica da in1pulsividade, conhecida tan1bén1 como a clínica Os episódios de arrancar o cabelo poden1 durar de 1ni-
dos excessos, ga11l1ot1 destaque e atenção na psiqL1iatria mo- nt1tos a algumas horas, n1uitas vezes não são percebidos
derna. Estudos para compree11der n1ell1or os diagnósticos, pelo indivíduo e ocorrem em diversos lugares.9 Alguns
melhorar a eficácia do trata1nento farn1acológico e aprimo- exemplos são: dirigindo, falando ao telefone, assistindo a
rar técnicas psicoterápicas são publicados con1 frequência. televisão, lendo; situações qt1e promovam automatisn10 e
Este capítulo revisará os TCis que apresentan1 maior necessidade de foco OLl até mesmo uma situação emocio-
frequência em n1ulheres, tais como tricotiloma11ia, clep 11aln1ente tensa ot1 que desperte emoções 11egati,,as. 1º
to111a11ia e compra con1pulsiva, be1n como aqueles nos Ter ritt1al para arrancar o fio, escoll1er o fio por tipo de
quais o gênero fen1ini110 apresenta curso clínico distinto textura, por qualidade, são aspectos relados por portado-
do masculino, tal con10 no jogo patológico. res de TT11; até n1esn10, depois de arrancarem o fio é co-
mum apresentarem comportame11tos orais, como correr
o cabelo entre os lábios, morder e arrancar a raiz ou comer o
A fTM foi i11icialn1e11te descrita por um médico der- cabelo ou parte dele, o que é conhecido como tricofagia.
111atologista, o francês François H. Hallopeau, e1n 1889,; A ingestão con1pleta de cabelo pode levar o indivíduo a
qt1e relatou o caso de um jovem que arrancoLt os pelos do ter a longo prazo complicações gástricas, como o dese11-
corpo e os cabelos. O termo tricotilon1ania é derivado do ,,olvi1nento do tricobezoar gástrico i11testinal. 11
grego thrix (cabelo), tillei11 (arrancar) e 111ania (loucura). A presença de falhas 110 cabelo leva os portadores de
Son1ente em 1987, praticamente um século após esse TTlvI a utilizaren1 artifícios que mascarem a perda de ca-
relato, é qtte a TTlvl foi reco11hecida como Lima entidade belo L1sando bonés/chapéus, lenços, maqL1iagem, perucas
nosológica pela APA (Associação Psiquiátrica An1eri- ou penteados elaborados. Esse tipo de comportamento
ca11a), aprese11tando características de tensão e/ou satis- pron1ove uma falsa sensação de que o problema está
fação após a realização do comportamento destrutivo, resolvido, e i11felizme11te acaba por retardar a busca por
precedido por um i1npulso mórbido de arrancar os pelos/ tratame11to adequado. Os indi, íduos pOLtco a pouco vão
1

cabelos,<' sendo enquadrada no grupo das TCis. se isolando, apresentando dificuldades em frequentar
A TTlv1 pode ser ente11dida como u111 con1portamen- sitt1ações sociais, estabelecer relacio11amentos íntimos ou
to autoagressivo, sendo o mais conhecido das tricoses realizar atividades físicas, até que os prejuízos se tornem
con1pulsivas,- e sua principal característica é o compor- quase insuportáveis. 11
tamento recorrente de arrancar os cabelos, que resulta Os critérios diagnósticos para Tricotilomania, de acor-
em perda capilar perceptível, acompanl1ado de sensação do con1 o DSlvI-IV-TR, 3 são:
crescer1te de te11são que precede o ato, segt1ido de prazer, • comportan1ento recorrente de arrancar os cabelos, re-
satisfação ot1 ai í,,io. Esse transtor110 gera sofrimento sultando em perda capilar perceptí,,el;
clinicarnente sig11ificativo, até mesmo prejuízos no fun- • sensação de te11são crescente, imediatamente antes de
cio11an1e11to social, ocupacional e en1 outros campos arrancar os cabelos ou quando o indivíduo tenta resis-
i1nportantes da vida. tir ao comportan1ento;

250
Capítulo 27 - Transtornos do impulso no sexo fem1n 1no

• prazer, satisfação ot1 alívio ao arrancar os cabelos; masculino. 111 Alén1 disso, os homens têm a va11tagen1 de
• o distúrbio não é melhor explicado por outro transtor- reduzir os efeitos da TTM raspando suas cabeças. 19 Alé1n
no mental, nem se deve a 11ma condição médica geral disso, um estudo de TTM com tricofagia revelou que esta
(p. ex., uma condição dern1atológica); é mais frequente nos homens que também apresenta1n
• o distúrbio causa sofrimento clinicame11te significativo maior gravidade da TTM. 20
OLl prejuízo 110 funcioname11to social ou ocupacional A média de idade de iI1ício da TTM para pacíe11tes
OLl em outras áreas importantes da vida do i11divíduo. adultos foi estin1ada em 13 anos. O início do transtor110
pode ocorrer tanto na infância, considerada 1nais benig-
A partir da década de 1990, a TTM passou a ser mais na, como na adolescência, quando a associação com 011-
pesquisada, com estudos sobre a prevalência desse trans- tros transtornos psiquiátricos é mais frequente. 11
tor110 na população, a clara predon1inância do gênero Por haver poucos estudos sobre a prevalê11cia da rfTM,
feminino e a provável diferença no ctirso da doença nos suas con1orbidades acabam també1n por serem pouco
diferentes gê11eros. conhecidas. Com base 110s estt1dos já realizados, a ocor-
As investigações mais recentes em TT.tvl, realizadas rência de transtornos do eixo 1 110s portadores de TTM é
por Christenson & Mansuetto6 e Swedo, 13 sugerem que 82% n1aior do que na população geral. 1-1
este transtorno é mais comum do qtie o estimado ante- Em 1994, Schlosser e cols. 21 sugeriram que os trans-
riormente, abaixo de 0,05%. A realidade, porén1, é que a tornos de humor e de ansiedade e o abuso de substâncias
prevalê11cia da TTM na população adulta e infa11til ainda estão relacionados à TTM e que os sintomas depressivos
é desconl1ecida, pois gra11des estudos epiden1iológicos apresentam relação com a gravidade da TTM. Alguns es-
não foram realizados. tudos de TTM encontraram maiores taxas de prevalência
A maioria dos estudos sobre prevalência em TTM ao longo da vida de transtornos alime11tares 18 e do tra11s-
tem sido realizada em estudantes universitários, o que torno disn1órfico corporal. 22
dificulta a generalização para a população geral. E1n 1991, Aparentemente, os transtornos de personalidade não
Cl1ristenson e cols. 14 fizeram um primeiro estudo com estão mais presentes nos portadores de TTM quando
2.524 estudantes universitários sobre o comporta1nento co1nparados a outras populações psiquiátricas, varian-
de arrancar o cabelo. A prevalência foi de 0,6%, dos quais do de 25 a 55%. Os transtornos mais prevalentes 110s
1,5% eram homens e 3,4%, 111111heres. portadores de TTM são: histriônico, borderli11e, passivo-
No estudo realizado por King e cols. 15 com 794 jovens -agressivo e obsessivo-compt1lsivo.x
israelenses, aproxin1adamente 1% 1nencionou o ato de Apesar da possível relação do comportame11to de ar-
arra11car o cabelo como um co1nportamento att1al ou rancar o cabelo com tiques, como roer tinhas, estalar os
passado. Nos estudos com universitários, a prevalência dedos ou cutucar a pele, é importante ressaltar que são
encontrada foi de 1 a 13,3%. Utilizando-se a mais con- dois co1nportamentos diferentes: tun é mais complexo, e
servadora de todas, do estudo de Rothbaum e cols., 16 foi os movimentos estereotipados, corno os tiques, são n1ais
realizada a estimativa de q11e cerca de 3 milhões de pesso- bruscos e têm a ft1nção de reduzir a ansiedade.~ 3
as pode1n ser portadoras de TTM 110s Estados Unidos. No A associação com TOC (transtorno obsessivo-co1n-
Brasil, não há estudo epidemiológico sobre TTM. pulsivo) tan1bé1n ocorre: 16% dos portadores de TTM no
Acredita-se que os fatores que contribuem para a difi- estudo de Christe11son 8 também apresentavan1 TOC.
culdade diagnóstica são os próprios critérios diagnósticos As abordagens terapêuticas mais estudadas para TTM
da TTM, que são rigorosos quanto à perda perceptível de são a farn1acoterapia e a psicoterapia comporta1nental.
cabelo e a sensação de alívio, que ne1n sempre são obser- O uso da psica11álise foi descrito apenas e111 estudos de
vados nos pacientes. 1- Outro fator é a própria natureza caso não controlados. l 4
sigilosa do tra11storno; muitas vezes quen1 é portador de São relatados em estt1dos de caso resultados positivos
TTM não mede esforços para esconder dos familiares, com o uso de lítio, clorpromazi11a, amitriptili11a, bt1spiro-
amigos e profissionais de saúde a evidência de seu co1n- na, fe11f1uramina e progesterona. 2~
portamento. 13 A falta de conhecimento dos próprios pro- O uso de 1nedica1nentos que diminuem o limiar da dor
fissionais de saúde sobre a TTM é um obstáculo a mais. também vem sendo estudado, pois os pacientes com TTM
A TTM é Ltm transtorno que afeta predominanteme11te relatam não sentir dor enquanto arrancam o cabelo.
o gê11ero fen1ini110, sendo raramente relatada em homens. En1 estudos de caso a 11altrexona foi utilizada para
Uma explicação para isso é que as mt1lheres buscan1 mais potencializar os efeitos terapêuticos da t1uoxeti11a, qL1e so-
tratamento, pois as consequências da TTM interferen1 no zinha não obteve resultados superiores ao uso de placebo.
funcionamento social e ocupacional, gerando diversos Os antidepressivos com propriedades seroto11inérgi-
problemas en1ocio11ais, como isolamento e baixa autoesti- cas são os mais prescritos e pesquisados no tratan1ento
ma, enquanto os homens evitam o trata1nento, até n1esmo da TTM, como a clon1ipramina, que obteve resulta -
justificando por meio da calvície o motivo da falta de dos superiores ao placebo num estudo co11trolado co111
cabelo, condição esta mais aceita socialn1ente no gênero 23 pacientes, sendo descrito como antitricotilomaníaco.

251
Tratado de Saúde Mental da Mulher

E111 longo prazo, porém, questio11a-se sua eficàcia. 25 Já o Atualmente a clepton1ania caracteriza-se pela inca-
uso da flL1voxamina revelou sucesso li1nitado 110 trata- pacidade recorre11te em resistir ao impulso de furtar
n1ento da TTM. 26 objetos para o uso pessoal des11ecessários ou se111 ,,alor
, .
AlgL1ns pesquisadores sugerem que a complementa- n1onetar10.
ção con1 baixas doses de neurolépticos pode aumentar Ao portador de cleptoma11ia não falta consciência
o sucesso do tratamento com os inibidores seleti,,os moral acerca do comportamento. So1ne11te em 1980 a
da recaptação da serotonina (ISRS). 2-·211 AlgL1ns pacien- cleptomar1ia foi reconhecida de fato como um transtorno
tes com TTM podem se beneficiar também do uso da do controle do i1npulso sem outra especificação, apesar
olanzapina. 26 de compor o quadro de doenças mentais desde o primei-
Segundo Swedo, 13 combinar a farmacoterapia con1 te- ro DSM, em 1962. Atualmente, é classificada co1no un1
rapia comportamental pode ser a melhor abordagem para transtorno do controle do impt1lso.
o tratamento da TTM a longo prazo. As técnicas n1ais uti- Os objetos normal111ente fL1rtados pelos indi,•íduos
lizadas são a prevenção de resposta, estín1ulos aversivos, com cleptomania são roupas, ali1nentos, cosméticos, joias,
extinção, biofeedback, hipercorreção e a sensibilização dinheiro e itens de higie11e pessoal. Alguns chegan1 a fazer
encoberta. O que se observa é que essas técnicas são efi- verdadeiras coleções, OL1tros jogam fora, ou até usan1 os
cazes na redução dos sintomas de arrancar o cabelo, mas objetos furtados, mas o que todos têm e1n comu111 é a sen-
ai11da é preciso realizar estudos controlados para a verifi- sação de prazer, gratificação e alí, io quando consegL1en1
1

cação de sua real eficácia, pois os resL1ltados são oriundos furtar o objeto desejado ou simplesn1e11te escolhido. 33
de relatos de caso com amostras pequenas. l'v1uitas vezes, essa sensação prazerosa é substituída por
Estudos com o uso da hipr1ose como complemento das sentimentos como culpa, vergonha e arrependimento. En1
técnicas co1nportamentais foram relatados com sucesso, virtude desses sentime11tos, os cleptomaníacos retardan1 a
mas a crítica a esse tipo de terapia é que ela se mostrou busca por tratamento, o que acontece muitos anos após o
eficaz apenas con1 pacientes altamente sugestionáveis. 211 início do comportamento furtivo.
O tratan1ento comportamental com o mais forte apoio É comum os pacientes relatarem que é um hábito pegar
empírico é o TRH (trei11amento da reversão do hábito), 30 objetos, até mesmo achar que é algo automático e que, por
que é a combinação de téc11icas cornportame11tais que isso, não l1averia um pla11ejamento; muitos nem cogita111 a
aumentam a conscientização acerca do comportamento ideia de serem presos. 34
a ser modificado, por meio da aquisição de novas habi- Muitas vezes, os pacientes 11ão revela1n aos seus mé-
lidades para enfrentar o problema, da manutenção da dicos o comportamento furtivo, alega11do que o motivo
motivação e do aumento da capacidade do paciente em da consulta seria a depressão OLt a ansiedade, por terem
generalizar. Diversos estudos foram realizados com o receio de seren1 denunciados à polícia ou mesn10 mal
uso da TRH, porém poucos controlados. Algumas varia- interpretados. Gra11t & Kim 35 relataram que, ao longo da
ções da TRH surgiram, como a aplicação en1 grupo, 31 vida, Ltm portador de cleptomania pode ser detido por
também demonstrando resultados positivos. furto aproximadan1ente três vezes, e 15 a 23% sofrem
A associação da TRH com a TCC (terapia cognitivo- condenações geradas pelo furto.
-comportan1e11tal), que enfoca as disfunções cognitivas e A incapacidade em controlar o impulso de furtar, mui-
os comportamentos que causam danos como arrancar o tas vezes, faz o paciente considerar o suicídio como saída
cabelo, ta1nbén1 vem sendo ben1-sucedida. Investigações para interromper o comportamento. O prejL1ízo social e
controladas revelaram a redução da gravidade dos sin- ocupacional nesses indivíduos é 111arcante. A falta de con-
tomas e manutenção ao longo do tempo dos ganhos do centração, ausências no trabalho e o empobrecin1ento da
tratamento. 24 qualidade de vida são as principais consequências.
As diferenças de gênero existentes na TTM não jus- Os critérios diagnósticos para cleptomania, de acordo
tificam, até este n1omento, um tratamento diferenciado com o DSl'v1-IV-TR, 3 são:
para homens e mulheres. Ape11as sugere-se que a avalia- • fracasso recorrente em resistir a impulsos de furtar ob-
ção das comorbidades nos l1omens seja completa, pois jetos desnecessários para o uso pessoal ou destituídos
eles aprese11tam maior probabilidade de con1orbidades de valor monetário;
. ., .
ps1qu1atr1cas. • sentimento de tensão aumentada imediatan1ente antes
da realização do furto;
• prazer, satisfação ou alívio no momento de cometer o
A cleptomania foi descrita pela primeira vez há quase furto;
dois séculos. O primeiro termo foi klopenzanie, L1tilizado • o furto não é cometido para expressar raiva ou ,,ingan-
para descrever ladrões que roubavam impulsivamente ça, nem ocorre em resposta a delírio ou alucinação;
itens desnecessários. Em 1838, Marc & Esquirol 32 altera- • o furto não é mais bem explicado por um transtorno
ran1 o termo para klepto,nanie, referindo-se a um com- de conduta, u1n episódio maníaco ou um transtorno da
portan1e11to impulsivo, irresistível e incontrolável. perso11alidade antissocial.

252
Capítulo 27 - Transtornos do impulso no sexo fem1n1no

Existem poucos dados epide1niológicos em relação à Atualmente, não há nenhum fármaco específico para
clepton1ania, 1nas estudos em diversas an1ostras clínicas tratar a cleptoma11ia. Há diversos estudos acerca de uma
indicam que a cleptomania não é rara. variedade de medicações, com resultados controversos.
Estudos realizados com 204 adultos e 107 adolescentes As abordagens mais promissoras incluem a paroxetina,
hospitalizados por algum transtorno psiquiátrico revela - a t1uvoxamina, o escitalopram, o ácido valproico e combi-
ram qL1e em torno de 8% deles sofriam de cleptomania. 36•37 nações entre sertralina e n1etilfenidato e entre imii1rami11a
Outros estudos e11volvendo 107 pacie11tes com depressão e e t1uoxetina.
79 pacie11tes com dependência de álcool encontraram que Estudos mais rece11tes apontam a utilidade do topira-
cerca de 4% deles também apresentavam cleptomania. 38 •39 mato e da naltrexona. Em 2003, Dannon 15 publicou três
Un1a explicação possível para essa escassez de dados é casos de cleptomania, sendo duas n1ulheres e um homem,
a falta de procura por tratamento específico para clepto- tratados com topiramato. Todos apresentaram remissão
n1a11ia. Os pacientes, como já foi dito, têm vergonha e/ total dos sintomas após dois meses do início do trata-
ou n1edo de buscar tratame11to para o proble1na do furto mento. Um dos casos foi medicado com 100 mg/dia de
proprian1ente dito. Busca1n tratamento para os proble1nas topiramato e 30 mg/dia de citaloprarn; outro com 100 mg/
comórbidos, como depressão e ansiedade. dia de topiramato e 60 mg/dia de paroxetina e o último
Pela análise das amostras clínicas, observou-se que o apenas com 150 mg/dia de topiramato.
gênero fe1ninino representa a n1aioria dos casos en1 clepto- A naltrexona foi 1ninistrada a dois pacientes cleptomanía-
mania, mas a prevalência real ai11da é desconhecida. 35 cos, nas dosagens de 50 n1g/dia e 100 n1g/dia, e ambos relata-
Em relação aos homens, um estudo apontou que homens ram remissão nos impulsos e no comportamento de furtar. 46
cleptoma11íacos têm maior probabilidade de ter u1n histó- Em um e11saio clínico aberto com naltrexona durante
rico de trauma na infância. -1o doze sen1anas, dez pacientes receberam uma dose 1nédia
Algu11s autores defendem a ideia de que as mull1eres de 145 mg/dia. Desses pacientes, oito relataram redução
buscam mais facilmente tratamento e que os homens, significativa nos impulsos para furtar, e 20% apresenta-
quando são pegos furtando, normalmente sofrem algum ram remissão total dos sintomas.~7
tipo de condenação legal. 35•4 1 Um estudo longitudinal retrospectivo realizado por
Um estudo realizado por Grant e Pote11za-1 2 comparou Grant48 com dezessete pacientes clepton1aníacos t1tilizou
características clínicas (comorbidades, gravidade dos si11- a naltrexona con10 monoterapia. A avaliação dos resul-
tomas) e sociodemográficas em 95 indivíduos com clepto- tados foi positiva: 76% dos pacientes tiveram redução
mania (27 hon1e11s) com o objetivo de identificar possíveis nos impulsos para furtar, 41 % pararam de furtar e 52%
diferenças de gênero. Os dois gêneros revelararn prejuízo tivera111 seus sintomas de cleptomania reavaliados como
funcional e sintomas graves, n1as as mulheres apresentaran1 "muito leves'~
algumas características diferentes dos home11s: geraln1ente Existem relatos na literatL1ra mostrando resultados
são casadas, com idade de início do fu1io avançada; roubam positivos com a terapia comporta1nental, a psicanálise, a
itens domésticos co1n n1ais frequê11cia, acumulando os itens psicodinâmica e a terapia cognitivo-comportamental no
roubados; aprese11tam algum tipo de transtorno alimentar tratamento da cleptomania.
associado, sendo n1enos propensas a roubar itens eletrôni- Na TCC, algumas técnicas utilizadas, como dessensibi-
cos ou ter algum outro transtorno do impulso associado. lização por unaginação e sensibilização encoberta,3·1 terapia
Sabe-se que ao longo da vida é comum o portador de aversiva, treino de relaxamento e a identificação de fontes
cleptomania apresentar alguma comorbidade psiquiátri- alternativas de satisfação, demonstraram resultados benéfi-
ca. As principais comorbidades do ei.xo 1 estão relaciona- cos. A TCC tem substituído an1plamente as terapias psica-
das aos transtornos do humor, ao uso de substâncias e aos nalíticas e psicodinâmicas no tratamento da clepton1ania. 49
transtornos do controle do in1pulso.-11. 43 A combinação entre TCC e medicação demonstrou
Difere11teme11te das mulheres, os l1omens parecem resultados positivos em relatos de caso, sendo mais eficaz
ser me11os propensos a apresentaren1 comorbidade com a utilização das duas intervenções juntas do que apenas a
transtorno alimentar ou con1 tra11stor110 bipolar,40 n1as n1edicação isolada, mas ainda não há ne11hun1 estudo
parecem ter 1nais comorbidade com parafilias.43 controlado envolvendo psicoterapia na cleptornania. 49
Grant44 realizou um estudo co1n 28 cleptomaníacos També1n não existe nenhum estudo em relação ao
para investigar a presença de tra11stornos de personalida- impacto do gênero no tratamento da cleptomania. Ainda
de, e os resultados confirmaram que é comum sua presen- assim, é importante considerar as diferenças clínicas e co-
ça nessa popL1lação. Os 1nais comL111s foram o transtorno n1orbidades presentes em cada gênero para obter resultados
de personalidade paranoide, borderline e esquizoide. positivos no tratamento e na prevenção da cleptomania.42
Em fu11ção dos poucos estudos em cleptomania, o tra-
tame11to farmacológico e psicoterápico foi enfocado ape-
nas em estudos de caso ou em estudos co1n um número A compra compulsiva ou onioman ia foi descrita pela
pequeno de pacientes. primeira vez por Kraepelin, 50 um dos autores mais clás~

253
Tratado de Saúde Mental da Mulher

sicos da psiquiatria moderna, referi11do-se ao transtor110 dos transtor11os do co11trole do impulso, carecendo ainda
co1110 u1n "i111pulso patológico" que se aprese11tava pre- de classificação diag11óstica mais precisa. Os critérios
do1ni11antemente no gênero fen1inino. E111 1924, Blet1ler' 1 diagnósticos são:
acentt1ot1 o caráter in1pt1lsi\'Odo transtorno e equiparou-o • preocupação, impt1lsos ou con1portan1ento mal adapta-
às insanidades do í111pulso con1 a piron1a11ia (apare11te- tivos en\·ol,·e11do con1pras, con10 indicado por, ao n1e-
n1e11te n1uito mais co111un1 na época do que parece ser nos, t1m dos seguintes critérios:
hoje) e a clepton1a11ia. - preoct1pação freqt1ente com con1pras ou impulso de
Nlas o descontrole do comportamento de comprar já comprar irresistível, intrusivo ou se1n sentido;
fazia parte de descrições históricas desde a a11tiga Grécia, - con1prar n1ais do qt1e pode, comprar ite11s desneces-
qt1ando o surgin1ento do di11l1eiro modificou os ,•alores sários, ou por n1ais te111po que o pretendido;
culturais e ate n1esn10 n1orais, pro,•ocando t1111a in\·ersão • a preocupação con1 cor11pras, os in1pL1lsos ou o ato de
no p<>der, que deLxot1 de ser conferido pelo 11on1e de comprar causam sofrimento marcante, co11somen1 tem-
fan1ília e passou ser coma11dado pelo di11heiro. ·- Atraves- po sig11ificativo e i11terferen1 no ft1ncionan1ento social e
sa11do os séculos, a co111pra encar1tot1 os povos, e ao lo11go ocupacio11al, ou rest1lta em proble111as fina11ceiros;
do ten1po há registros de diversas pcrso11alidades que • as compras co111pulsivas não ocorre111 exclt1si\ a111e11te
1

aprese11tavan1 comportan1e11tos extravagantes em relação dura11te episódios de l1ipoma11ia ou 111a11ia.


as co1npras, como a tiltin1a rai11ha da França, antes da
re\•olução Francesa, que gastava de ma11eira extra\•agante. É fundamental reforçar qt1e o diagnóstico não se ba-
A esposa do presidente an1ericano Abraham Lincoln seia na qua11tia de dinheiro gasta en1 con1pras, 111as sim
gasta\'ª tanto que chegava a pr0\ ocar enorn1es disct1ssões
1 e111 como o dinl1eiro é gasto e a angústia cat1sada por tal
co111 seu esposo. \rVillia111 Ra11dolph Hearsl gasta\1a, no co111portan1ento.
auge de sua fortu11a, 11a década de 1920, cerca de 15 rni- As principais características aprese11tadas pelos com-
ll1ões de dólares ao ano e, 1nesmo após sua falê11cia finan- pradores compulsivos são: itnpulsividade elevac.ia, bai-
ceira, co11tinuava cornpra11do tapeçarias, antiguidades, xa autoestima, vul11erabilidade a en1oções negati\'as e
quadros e obras de arte qt1e não conseguia pagar. 1'1ais st1scetibilidade à inf1t1ê11cia cultural, alérn de aspectos
reccnten1ente, Jackeli11e Kennedy Onassis e a Princesa co111u11s a outros transtor11os do controle dos impulsos,
Diana também são freque11temente citadas. ~ que incluen1 a tensão ar1terior ao ato, i111pt1lsos repetiti-
S0111e11te en1 1989, co1n O'Guin11 e Faber,~5 é que a vos difíceis de serem resistidos e a gratificação e o alívio
co1npra con1pulsiva \'Oltou a fazer parte de descrições após o ato. ~<·
cie11tíficas, em que o caráter crônico e repetiti\'O desse Para o con1prador con1pulsivo, a con1pra gera alívio
tra11stor110 foi e\•idenciado, revelando a difict1ldade em ante as emoções negativas (con10 raiva, a11siedade e té-
interro111per o comportan1e11to, que ocorre en1 resposta a dio). Consequente1ne11te, compra quantidades exageradas
e\·e11tos 0L1 sentimentos negativos, resultando em conse- ot1 itens desnecessários, gasta mais dinheiro do que o pre-
quências da11osas. te11dido ou utiliza-se de cartões de crédito, cheques pré-
Essa falta de interesse dt1rante décadas provavelmente -datados, assina pron1issórias, penhora joias e faz diversas
se deve ao fato de que a compra compulsiva, assim como parcelas a fim de poder prosseguir con1prando. ,t,
outros transtornos do i111pulso, foi ente11dida como uma Os objetos preferidos entre as n1t1lheres são roupas,
n1era \'ariante do quadro obsessivo-compulsivo con10 o bolsas, sapatos, perfumes, maquiage1n e joias, enquanto
/1oarder (armazenador); ou como si11to111a 110 transtorno entre os hon1e11s há preferê11cia por eletroeletrônicos e
bipolar, em que na depressão pode ser considerado um objetos qt1e sugerem statt1s social ele\ ado: ternos caros,
1

comportan1e11to co1npensatório e nas fases de mania/hipo- relógios e carros.


1nania pode ser relacio11ac.ia à desi11ibição comportan1ental; Na 111aioria das vezes, os con1pradores compt1lsi,1os
0L1 ainda con10 depe11dência não química pela semelhança realizan1 con1pras para si n1esmo e geral111e11te sozinhos,
co111 a di11âmica de se11sação de prazer e be1n-estar no mas é co111um tan1bé111 prese11teare1n generosamente par-
111omento do ato, segt1ido de depressão e culpa, e o ato de ceiros, filhos e pare11tes como uma forma de compensar
co111prar como alívio de sensações desagradá\ eis. 5·1
1 o sentimento de culpa por estar gasta11do mt1ito dinheiro
Mais rece11te1nente, em 1994, ~lcElroy propôs cri- ou simplesmente pelo ato de comprar, que gera alí\ io e 1

térios diagnósticos para compra compulsi,·a, que se sensação de prazer.


caracteriza por um excesso de preocupações e desejos A busca pelo prazer e alívio cega o co111prador compul-
relacionados a aqtLisição de objetos e por um comporta- sivo. Quando me11os se espera o círctilo vicioso está i11s-
111e11to caracterizado pela i11capacidade de controlar suas talado: o alí\ io imediato e de curta duração das se11sações
1

co111pras e gastos fi11anceiros. desagradá,•eis e o sentimento de culpa e arrependimento


Os critérios propostos por ~lcElroy são os mais t1sados passan1 a fazer parte do período que se segue ao episódio
11a atualidade, 11a 111edida em que o transtor110 do com- co1npulsivo. 5" l\. aqt1isição de bens n1ateriais represe11ta
prar co1npt1lsivo representa un1a categoria residual dentro un1 alívio efêmero e não resolve as angúslias, frustrações,

254
Capítulo 27 - Transtornos do impulso no sexo feminino

muito me11os a baixa autoestin1a, e a 1nanutenção desse as comorbidades, a in1pL1lsividade e a fissura (desejo de
comportan1ento compulsi,,o impede o comprador de re- comprar).
fletir sobre outras forn1as de lidar con1 seus sentimentos, Os antidepressivos e os estabilizadores do hLt111or são as
sobre a real necessidade do objeto comprado ou a moti- medicações mais L1tilizadas no tratamento de compras com-
- para a compra.
vaçao pulsi,,as, e111 decorrê11cia do alto índice de con1orbidades.
O estL1do 111ais recente realizado co111 a população ame- McElroy e colegas 55 seguiran1 um grupo de vinte pa-
rica11a por n1eio de um le,,antan1e11to telefônico aleatório, cientes que obtiveran1 n1elhora parcial ou total com uso
con1 2.513 adultos que responderam a Cotnpitlsive Bi1yir1g de antidepressi, os, principalmente os inibidores da recap-
1

Scale 5 apontou que a prevalência do transtorno gira en1 tação de serotonina, associados ou não a estabilizadores
tor110 de 5%.ss Outros estudos apontam prevalências entre do humor.
2 e 9%. '"· 59 Em outro estudo, LejoyL1ex e colaboradores1, 1 sugerem
Desde Kraepelin 50 e Bleuler, ' 1 existem relatos de qtte compradores con1pL1lsivos deprimidos tê1n 1naior
que as mulheres são mais afetadas pelo comprar con1- probabilidade de melhorar de sua compulsividade quando
pulsi,10. Atualn1e11te, o diagnóstico é identificado con1 tratados cor11 a11tidepressivos do que compradores sen1
maior frequê11cia entre as mL1ll1eres (80 a 95% versus 5 depressão.
a 20°10 dos homens), muito embora já se qL1estione se A fluvoxamina, num primeiro n1omento, mostrou-se
não há uma prevalência subestimada dos homens. Um t'.1til no tratamento do con1prar compulsivo i11dependen-
estt1do realizado por Koran e colegas 58 apo11taram que teme11te da associação com sinto111as depressivos, mas
a freqL1ência entre homens e 1nulheres é pratican1e11te dois estudos dt1plos-cegos controlados por placebo não
igual, 5,5% e 6%, respectivame11te, sugerindo que a conseguiran1 demonstrar a superioridade da tluvoxamina
diferença relatada entre os gê11eros se dá pelo fato de diante do placebo. 6~.1>,
as 1nulheres reconhecerem pro11ta1nente que gostam Koran e colegas"º realizaran1 un1 e11saio clí11ico aberto
de fazer compras. corn citalopram. Os resl1ltados foram i11teressantes. Dos
Tambén1 existe un1 importa11te viés sociocultural nessa 24 pacie11tes selecio11ados para o estudo, após seis sema-
desproporção de gê11ero, pois mesn10 com o aumento do nas de tratamento fazendo uso de 20 a 60 111g/dia, dezes-
conti11gente de mulheres independentes financeiramente, sete relataram melhora em relação ao comporta111e11to de
os l10111e11s ainda gozam de maior liberdade para L1sar seu comprar. Estes continuaram no estudo por n1ais nove se-
dinheiro sem ter que dar satisfações quanto à propriedade n1anas, mas agora nun1 ensaio clínico aleatório co11trolado
de seus gastos. ~6 com placebo. Após esse período, apenas ci11co dos oito
O início se dá geralme11te em torno dos 18 a11os, quan- que receberan1 placebo recaíram, os demais per111anece-
do as pessoas começam a ter maior autonon1ia para com- ran1 em remissão dos sintomas.
prar de forma independente dos pais, mas a percepção do Em 2005, Koranc,- realizou no,,o estudo com o mesn10
comporta1ne11to de compras como um problema ocorre desenho do estudo realizado com citalopra1n, 1nas agora
mais tarde, em torno dos 30 anos. ' 9 •60 com escitalopra1n, porén1 os resultados foram inferiores
O co111prar compulsivo é comumente relacionado a quando con1parados aos os do citalopram.
gra,,es prejuízos pessoais, financeiros e familiares, 59 além A naltrexona n1ostrou-se benéfica em alguns relatos de
da associação com outros transtornos psiquiátricos, inclu- caso de compras con1pulsivas.68
sive corn os de perso11alidade."1 52 Existem poucos estudos sobre tratame11to en1 psicote-
A associação com outros tra11stor11os psiquiátricos é a rapia para compras compulsivas. Os prin1eiros são relatos
regra en1 vez de uma exceção. Entre os mais frequentes es- de caso que descrevem n1elhora co111 psicoterapia de
tão os transtornos do humor (95%), transtornos ansiosos base psicanalítica. Con1 relação à abordage1n cogniti,,o-
(80°10), transtornos pelo Liso de substâncias (40%), trans- -con1portamental, os relatos também são poucos e recen-
tornos alimentares (35%) e outros transtornos do controle tes, porém promissores. São estudos de caso e peqL1enos
do in1pulso (40%).62 Nessa última categoria encontram-se ensaios clínicos não controlados que utilizaram con1 êxito
jogo patológico, escoriação psicogê11ica, transtorno com- o enfoqt1e cognitivo-comportamental para tratar o com-
pulsivo alimentar periódico, aL1tomL1tilação e comporta- prar compulsivo.
n1entos in1pulsivos em geral. Um estudo piloto realizado por Mitchell e colegas69
O ú11ico trabalho que estudou transtornos do eixo 2 envolveu 28 pacientes corn diagnóstico de con1pras com-
nessa população sugere que e111 torno de 60% dos pa- pulsi,,as para tratamento em TCC e 11 da lista de espera
cientes apresentan1 ao menos um transtorno de perso11a- como grupo co11trole. Ao fi11al do tratame11to, os resulta-
lidade, mais comun1ente os tipos obsessivo-compulsi,·o, dos n1ostraram vantagens significativas para a TCC, st1pe-
borderlirze e evitativo. 61 rando o grupo controle en1 relação ao número de episó-
Ainda não existe Ltm padrão de psicoterapia para o dios de co1npras co1npulsivas e o tempo gasto comprando.
trata1nento das compras con1pulsivas nem estltdos sobre O relato de caso de uma mulher com 32 anos, tratada
intervenções de acordo com gê11ero. É fl1ndan1ental tratar ao lo11go de 12 meses com fluvoxan1ina e psicoterapia

255
Tratado de Saúde Mental da Mulher

cognitivo-comportan1ental, sugere rnelhora em relação incluído no Manual Diagnóstico e Estatístico de Tra11s-


aos episódios compulsivos.-º tor11os Me11tais, 3.1 edição, e atualmente faz parte dos
Algumas téc11icas para trabalhar e1n grupo tan1bém transtornos do controle dos impulsos não classificados
foram descritas, como a dessensibilização ao vivo para e111 0L1tro local, mas, co1no já foi dito, existe a possibili-
co11trolar o i111pulso de comprar, treinos de relaxamento, dade de ser incluído nos transtornos de depe11dências e
, 1 isualização e reestruturação cognitiva para diminuir a an- afins no próxin10 DSM. 1
siedade. As distorções cognitivas são comuns nesse trans- Na tentativa de diferenciar o grau de envolvimento
torno, por isso é importante trabalhá-las, tais como a cre11- do indi,1 iduo com os jogos de azar, alguns autores-i. pro-
ça de qL1e o vendedor ficará bravo se nada for comprado, OLI puseram uma classificação en1 três níveis: o nível zero
de que se deve comprar quando se experimenta algo. 49 representa aqueles i11divíduos qL1e não praticam nenhuma
Um dos principais objetivos 110 tratamento das com- forma de jogo; o nível um se refere àqueles que praticam
pras con1pulsivas é a identificação dos n1ome11tos en1 que algu1na forma de aposta com frequência variada, mas não
o indivíduo co1npra co1npulsivamente para assin1 adotar apresentam problemas decorrentes dos jogos de azar; o
junto com o psicoterapeuta estratégias que auxilie1n na nível dois descreve as pessoas que jogam e aprese11tam
redução de danos, diferenciando L1n1a con1pra compulsi,'a problemas decorrentes das apostas, mas que ainda não
de uma con1pra nor1nal, para futuramente se manter sob preenchem todos os critérios para a formL1lação do diag-
controle usando como estratégia a pre,,ençâo à recaída. 50 nóstico de jogo patológico; e o ní,1el três se refere aos
jogadores patológicos, sendo o nível mais grave qL1anto à
ocorrência de proble1nas decorrentes do jogo.
Jogo patológico é uma doença caracterizada pela per- É importante salientar que o jogo patológico apresenta
da do co11trole do comportan1e11to de jogar, e11volvendo um padrão progressivo, e qL1e muitos jogadores patológi-
apostas em jogos de azar e que persiste apesar dos prejuí- cos oscilan1 entre os níveis dois e três ao longo da vida.
zos causados pelo jogo. De toda forma, as consequê11cias em longo prazo são com
Os jogos de azar são aqueles nos quais o jogador neces- frequência devastadoras para a socialização e o ajuste psi-
sarian1ente empenha di11heiro ou un1 bem próprio de ,,a- cossocial do indi,,ídL10.
lor (aposta), num exercício de previsão de resultados. Em Para o jogador patológico, é difícil compree11der qL1e o
caso de acerto, ele recebe o valor empenhado, acrescido jogo de azar é um evento aleatório, algo que é in1previsível e
de um valor cedido pela contraparte (a banca). As pos- que não se pode co11trolar. Não há como antecipar, nem como
sibilidades de o jogador intervir no resultado poden1 ser co11trolar ou influe11ciar os resultados desse tipo de jogo. ·-
nulas (sorteios) ou limitadas pela aleatoriedade (pôquer e As formas mais sin1ples de jogo de azar são as loterias
jogos de cartas en1 geral). e jogos de dado, e muitas estratégias são adotadas para
Os jogos de azar aparecem con10 parte da civilização sugerirem ao jogador que ele pode influenciar o resultado.
humana desde a Antiguidade. Artefatos que revelam isso Quanto mais atividades estiverem associadas ao ato de
foram encontrados entre as ruínas da Babilônia antiga e apostar, mais os jogadores se convencem que por meio
datam de 3.000 a.C.-1 Alé1n disso, são mencionados tanto de habilidade e análise cuidadosa eles, no final, serão
no Antigo como no Novo Testamento. contemplados. É possível escoll1er numa lotérica cartões
Durante o reinado de Elisabeth I, em 1566, na Inglater- de diversos tipos, com mi.'1ltiplas escolhas de números
ra, foi criada a primeira loteria patrocinada pelo governo. ou apenas um tipo de aposta, cartões que dão a opção
Nos Estados U11idos, as loterias foram empregadas para de apostas múltiplas, o que aparentemente sugere maior
aumentar a receita, assim como para financiar suas pri- possibilidade de ganho. As chances de ganhar podem até
1neiras gra11des universidades.-~ ter u1n aumento discreto, mas o que aumenta certan1ente
O impacto negativo dos jogos de azar acompanha é o custo da aposta. O que o jogador não percebe é qL1e as
sua história de desenvolvimento e expansão. No século suas opções de aposta, uma ou muitas, não podem deter-
XIX, Kraepelin descreveu o que ele deno1ninou gambling mi11ar o resultado. Assi111 como não se pode controlar os
mania.-) Naquele mesmo século, Dostoiévski escreveu o números que vão sair ao se lançar um dado.--
roma11ce O Jogador,-4 que traz diversos dados autobio- Alguns jogos de azar podem variar quanto à sua previ-
gráficos de seu envolvimento com o jogo. Embora sem sibilidade, como no jogo co1n cartas em que o resultado
comprovação de sua veracidade, é an1plamente difundido é determinado parcialmente pela capacidade cognitiva do
qL1e esse livro foi escrito na tentativa de aliviar suas pró- jogador em contar, n1en1orizar e calcular as probabilida-
prias dí,1 idas de jogo. Baseado nesse romance, Freud-5 des, 1nas ele não co11seguirá pre,,er qual será a próxima
escreveL1 o artigo Dostoiévski e o parricídio, em que analisa carta a ser ,rirada.
os aspectos patológicos do autor relacionados aos jogos Loterias, bingo, videobi11go, videopôquer, caça-r1íqueis
de azar. são jogos que operam exclusivan1ente por princípios
Em 1980, o jogo patológico foi reconhecido ofi - aleatórios, ou seja, seus resultados são produzidos ao
cialmente como transtorno do comportamento, sendo acaso e não envolvem estratégia ou habilidade. É possível

256
Capítulo 27 - Transtornos do impulso no sexo fem1n1no

encontrar na literatura referências de que as 111ulheres bilidades ou planeja a próxima parada, OLl pe11sa em
preferem os caça-niqueis, e que, quanto menor for o tem- modos de obter dinheiro para jogar);
po e11tre a aposta e o resultado, que é o que acontece 110s - necessidade de apostar quantias de dinheiro cada
caça-níqueis, mais apostas serão feitas em menos tempo, vez maiores, a fim de obter a excitação desejada;
resultando en1 n1aior potencial para o desenvolvimento da - esforços repetidos e fracassados no sentido de con-
dependência. Já os homens preferem jogos estratégicos, trolar, reduzir ou parar de jogar;
que envolvem a capacidade cog11itiva, con10 men1orizar, - inqL1ietude ou irritabilidade quando tenta reduzir
contar e calcular as probabilidades, 1nas é importante ou parar de jogar;
ressaltar qL1e o con1ponente aleatório, imprevisível e a au- - jogo como forrna de fugir de problemas ou de aliviar
sência de controle sen1pre farão parte dos jogos de azar.-8 un1 humor disfórico (p. ex., sentimentos de impo-
Outro ponto interessante dos jogos de azar, e tal\•ez o tência, culpa, ansiedade, depressão);
mais difícil de ser compreendido e aceito pelos jogadores, - após perder di11heiro 110 jogo, frequentemente volta
é o tato de que o resultado de cada jogada é independente outro dia para ficar quite ("recuperar o prejuízo");
dos resultados anteriores. Não se pode prever o número - mente para familiares, para o terapeuta ou outras
que vai sair com base nos nt'.1meros que já saíram nas pessoas, para encobrir a extensão de seu envolvi-
partidas anteriores. -- Co111 isso, é possível ampliar esse mento com o jogo;
co11ceito até as n1áquinas de bi11go que operam de for- - cometeu atos ilícitos, tais co1no falsificação, fraude,
ma mais complexa do que un1 simples dado, mas que se furto ou estelionato, para financiar o jogo;
encaixa111 perfeilamente 11a i111possibilidade de se prever - colocou em perigo ou perdeu um relacio11an1ento
resultados. De nada adianta obser\'ar quantas pessoas significativo, o ernprego ou uma oportunidade edu-
já ga11haram em detern1inada máquina, ou qual máqui- cacional ou profissional em razão do jogo;
na já deu 111uitos prêmios e aquela que não deu nenhun1, - recorre a terceiros com o fi1n de obter dinheiro para
ou o valor do prêmio acun1ulado. aliviar un1a situação financeira desesperadora cau-
A soma dos pagan1entos que un1a máquina de jogo sada pelo jogo;
faz para todas as vitórias que ocorreram é sempre n1e11or • o con1portan1e11to de jogo não é mais be1n explicado
que o total de dinheiro que ela armazenou de todos os que por um episódio maníaco.
perderam. As máquinas são progran1adas para funcionar
desse jeito, en1 111édia elas são ajustadas para retor11ar 70% EstLtdos epide1niológicos apontam que cerca de 70
do dinheiro que recolhem, o que sig11ifica que ela fica com a 90% de adultos já apostaram em um jogo de azar 110
os OL1tros 30%. Portanto, por 111ais que o jogador ga11he en1 decorrer da vida.~9 Estudos epidemiológicos recentes
lo11go prazo, irá prevalecer a tendência de retorno negativo indicaram que 110s últimos trinta a11os au1nentou a preva-
que foi programada na máqui11a, antes de o jogo con1eçar.-- lência de jogo patológico nos EUA,sº·st que atualn1ente é
A busca pelo prazer faz que jogadores patológicos não estirnada entre 1 a 4º-f> da população geral. 81 ·i12
desistan1 de tentar ganhar e que encarem as perdas como A associação entre a instalação de casas de jogo ou a
parte do processo de ganhar, gerando a dependência. n1aior disponibilidade de jogos de azar e o aumento da
Além da sensação de correr riscos e da euforia, que se incidê11cia de jogo patológico é amplame11te difundida na
mostram 1nuito semelha11tes à sensação produzida pelo literatura n1undial. 8 1·1i 3 Estudos no Brasil apontam que, em
LISO de drogas, é ele\ ada a presença de comorbidades
1
1998, o bingo já era o jogo preferido de 65% dos jogadores
com depe11dência de tabaco, álcool e outras drogas nessa patológicos e, em 2001, essa preferência subiu para 90%. 8 1
população.-s O primeiro estudo realizado no Brasil sobre a prevalên-
O jogo patológico tan1bé1n está associado a outros cia de jogadores patológicos no país concluiu que ern tor110
problemas, como doe11ças sexualmente transmissíveis, de 1% da população brasileira preenche critérios para jogo
e atividades ilegais para financiar o jogo, an1bos com- patológico.s5 É bem possível que essa prevalência te11ha au-
porta1nentos de risco, sedentarismo, períodos de jejun1, mentado após a expa11são das casas de jogos, como o bingo,
pri,1ação de sono e estresse emocional. Ou seja, jogar en1 e dos jogos eletrônicos, co1no o \·ideobingo. 86
excesso taz 1nal à saúde, podendo aumentar o risco de O jogador patológico típico é descrito como do sexo
doenças como hipertensão arterial, além de ser un1 estilo 111asculino, caucasiano, com ensino médio completo, 11a
de vida 11ada saudável. faixa dos 30 a11os, casado, com filhos e de baixa condição
Os critérios diagnósticos para jogo patológico, de acor- socioeconôn1ica. - Embora as pessoas afetadas por esse
do com o DSM-IV-TR,j são: transtorno sejam majoritarian1ente do sexo masculino,
• comportamento de jogo 111al-adaptativo, persistente e a razão homem:n1ulher ven1 din1inuindo 110s últin1os
recorrente, indicado por no mí11imo cinco dos seguin · anos, chegando à proporção de um para un1 para casos
tes qt1esitos: novos. s- si,
- preocupação con1 o jogo (p. ex., preocupa-se com Os home11s apresentan1 de dLtas a três \·ezes mais
revi,,er experiê11cias de jogo passadas, a,,alia possi- chance de preencherem os critérios diagnósticos de jogo

257
Tratado de Saúde Mental da Mulher

patológico do (1Lte as 111ulheres.s<1 lJ111a posst\'el explicação 150 mg/dia de 11altrexona e placebo. lodos os pacie11tes
~1ara isso é que os ho111e11s con1eça111 a jogar n1ais cedo, e111 que recebera111 11altrexo11a, indepe11dente111ente da dosa-
L1111a idade precoce; ja as 111ulhcres con1eçan1 a _Jogar ge111, apresentara1n reduções sig11ificati,as 110s escores das
co1n u1na idade n1ais a\'ançada, n1as e\·oluem rapidan1e11- n1edidas de a,·aliação do jogo patológico qua11do con1pa-
te nos proble111as e1n relação ao jogo e ta111bén1 bL1scan1 rados co111 o grLtpo qt1e recebeu placebo. Homens e 1nL1-
tratan1ento 111ais rápido, chega11do ao tratan1ento co,11 a lheres 11ào aprese11taram diferença de resposta em relação
111csn1a idade qLte os home11s.'J " à 11altrexona. A a11álise por gênero 111ostrou qt1e hon1e11s
Por co11ta das diferenças de gê11ero e11contradas 11a e n1ulheres 11ão ai1rese11tara111 difere11ça de resposta e111
população de jogadores potológicos, algu11s autores pas- relação à naltrexo11a.
c;aran1 a comparar a progressão do jogo, que é 1nais rápida Entre os a11tidepressi\'OS, os ISRS lora111 os n1ais estu-
11as mulheres, con1 o dese11\'0l\•i111ento acelerado da de- dados, ~1orém os resultados ainda 11ào são conclusi\'Os.
pe11dência de sL1bstâ11cias, chan1ado de efeito telescópio. Dois estL1dos duplo-cegos controlados con1 paroxetina
Esse efeito foi descrito pela prin1eira vez por Lisansk)·,-i 111ostraran1 resL1ltados opostos. En1 L1111, a paroxetina foi
que estLtda,•a o alcoolis1no en1 111ull1eres, e que consta- SLtperior ao placebo, e no outro, 11ão hott\'e diferer1ças
toL1 que a progressão do alcoolis1110 era mais rápido entre sig11ificati\•as. A t1u,•oxami11a não aprescntot1 em 11e11hun1
elas. Outros aL1torcs co11firn1ara111 esse efeito 11as 1nulheres dos estudos realizados superioridade dia11te do placebo.
dependentes de álcool e opiáceos .., ~~ Para outros a11tidepressi\'OS, co1no citalopra1n, bupropio
A pre\·alência de jogo patológico en1 pacie11tes psiquiá- 11a e 11efazodona, são 11ecessários n1ais estudos, pois os
tricos em geral ,·a ria entre 7 e 12°10. '· Esses índices, cntre- resultados são inco111pletos.
tar1to, podem cl1egar a aproxin1adan1e11te 40°10 quando se Por fin1, os estabilizadores do hun1or se mostraram efi-
considera especifican1ente os que apresentan1 diagnóstico cazes para jogadores patológicos co111 con1orbidades con1
de abuso ou depe11dê11cia de substâncias psicoati,,as.9n transtorno bipolar ou algun1 OL1tro tra11storno associado
Essa estreita associação entre jogo patológico e depen- ao espectro bipolar. '
tiê11cias químicas conferiu-lhe o tern10 de dependê11cia I lá relatos sobre aspectos psicodi11â111icos do jogo pa-
comportame11tal. tológico desde o início do século XX. Na obra Dostoiévski
Os estudos apo11ta111 que jogadores patológicos apre- e o parricídio, Freud aborda o tra11stor110, aponta11do
se11ta1n co1norbidade com algL1r1s tra11stornos. O n1ais con10 co11tlito ce11tral a ambivalê11cia de sentimentos en1
prevalente deles ·' é o transtorno por Ltso de SLtbstâ11cia (25 relação ao pai e u111 forte insti11to (iestrulivo de Dostoi-
a 65%)_s- Os tra11stor11os afetivos rcpresenta111 21 a 61 %.,x-, é\1ski que se voltava contra ele próprio e, con1 base e111
e ir1clL1em depressão, distin1ia e tra11storno bipolar. Po- um "111asoquis1110 psíquico': resulta\'ª e1n um padrão de
dem estar presentes, ainda, tra11stor11os de ansiedade, saídas autopuniti\•as, sendo u111a delas o Jogo.
tra11storno obscssi,·o-compulsi\'O, transtorno do pâ11ico e ~lais rece11te111e11te, o modelo psicod1nâmico do jogo
tra11storno de personalidade antissocial. patológico foi descrito a partir do dt1alisn10 masoquisn10/
Nas n1Ltlhercs, a cornorbidade mais con1um é a depres- 11arcisis1no, co11ceitos conten1porâneos qL1e e11vol,,e111 as
são e a distimia, pois elas usan1 o jogo como uma forn1a te11sões narcísicas que fazem parle do dese11volvin1e11to
de lidar con1 os problemas e até 111esn10 para fugir deles."9 psicossexual e as qL1estões edípicas. O jogador, ao ganhar,
A psicoterapia é fu11da111ental para o tratame11to do ,·ive se11sações de triu11fo sobre o pai 11a obtenção do an1or
Jogo patológico. Existen1 estudos que en\ 0l\ en1 aborda-
1 1
111aterno, ao mesn10 tempo que ,·ive os sentime11toc; de
ge11s psicodi11ân1icas, terapia con1portamental e terapia desconforto e culpa que podem ser re111ediados por 11ovas
cogniti\1a. Ainda 11ào existe1n fárn1acos específicos, mas o apostas, perdas dos ga11hos anteriores e reconciliação con1
tratame11to deve c11globar as co111orbidades, in1pulsivida- a figL1ra pater11a (representada pela aleatoriedade e sL1as
de e a fissura. leis intra11sponíveis). A dívida, as cobra11ças e as recrimi-
Di, ersas pesqL1isas têm a,,aliado a eficácia do trata-
1 11ações são o preço i111posto ao transgressor.
n1ento farmacológico para jogo patológico e suas comor- Na literatura científica, a maior parte dos estudos e111
bidades. As n1cdicações mais utilizadas estão di,,ididas relação à inter\1e11ção psicossocial do jogo patológico se
en1 três categorias: a11tagonistas opioides, antidepressi\·os baseia 11a teoria con1portamental, cognitiva e cog11itivo~
e estabilizadores do hun1or. -co1nportan1ental. As téc11icas mais descritas são a terapia
Da categoria dos antagonistas opioides, a 11altrexona, aversi\1a, a desse11sibilização siste111ática, a desse11sibi-
que já comprovou sua eficácia 110 trata1nento da depen- lização por in1aginação, exposição ao vivo, controle de
dência do álcool, ta111bém demonstrou sua eficácia para estí111ulos e a se11sibilização encoberta. Esses três t'.1lti111os
tratar o jogo patológico em di\'ersos relatos de caso e en1 faze1n parte da terapia comportan1e11tal n1ultimodal.
u111 estudo duplo-cego controlado que te\'e a duração de Os ensaios clí11icos controlados que utilizaran1 o tra-
dezoito sema11as. Os 77 pacientes foran1 aleatorian1e11te tan1ento co111portan1ental co111parara111 a dessensibiliza-
distribuídos e111 qL1atro grt1pos de acordo con1 a 1nedica- ção por i1nagi11açào con1 outras téc11icas; no total fora111
ção: 50 mg/dia de 11altrexona, 100 n1g/dia de 11altrexo11a, avaliados mais de 140 pacientes. En1 dois dos três estL1dos

258
Capítulo 27 - Transtornos do impulso no sexo fem1n1no

descritos por Hodgins & Pede11,49 a dessensibilização 2. Tavares H. A Neurobiologia dos Transtorno!, do Impulso. ln:
por imaginação revelou ser Sl1perior a outras téc11icas Busatto Filho G (org). Fisiologia dos transtornos psiquiatricos.
comportan1entais, con10 terapia aversiva e relaxamento 1ª ed. São Paulo: Atheneu; 2006. p. 207-26.
.
progressivo. 3. APA - American Psychiatric Association. lvlanual diagnóstico
Já as técnicas cognitivas mais utilizadas são a psi- e estatístico de transtornos n1entais (DSM-IV-TR.). 4ª ed. rev.
coeducação, a reestruturação cognitiva, a resolução de Porto Alegre: Art1ned; 2002.
problemas, o treinamento de l1abilidades sociais e a pre- 4. APA - American Psychiatric Association. Manual diagnóstico
venção de recaída. A 11nião das técnicas comportan1entais e estatístico de transtornos n1entais (DSM-V), 201 O. Dispo11ível
e cognitivas dão origem ao tratamento multimodal da em: <http:/ /,-v.v,v.ds1nS.org/Pages/Default.aspx>. Acesso en1:
adicção, mas sem deixar de abordar componentes inter- 17 mai 2012.
pessoais e i11trospectivos do tratamento tradicional das 5. Hallopeau M. Alopecie par grattage (tricho1nanie ou tricho-
dependências. 102 tillon,anie). Annales de Dern1atologie et de Ve11erologie.
O modelo cognitivo-comportame11tal propõe que pe11- 1889; l 0:440-1.
samentos, senti1ne11tos e sensações físicas se relacionarn 6. Christenson GA, Mansueto CS. Trichotillon1ania: descriptive
e que consequentemente um influencia o outro, isto é, characteristics and phenomenology. ln: Stein DJ, Cl1ristenson
funcionam como gatilhos que desencadeiam o desejo de GA, Hollander E (eds.). Trichotillo1nania. ,-vashington, DC:
jogar. O jogo também pode ser desencadeado por situa- Arnerican Psychiatric Press; 1999.
ções de alto risco, con10 passar em frente a casas de bingo, 7. Pereira JM. Tricoses compulsivas. ;\n Brasileiro de Dern1ato-
por exemplo. 77 logia. 2004;79:5.
Ladouceur e cols. 103 realizaram um estudo com enfo- 8. Christenson GA. Trichotillomania - from prevalence to con1or-
que cognitivo para tratar jogadores patológicos em gru- bidity. Psychiatric Times. 1995;12(9):44-8.
po. Os sujeitos foram distribuídos aleatoria1nente entre 9. S,vedo SE, Rapoport JL. Annotation: Trichotillomania. Journal
agL1ardar numa lista de espera (N = 24) ou participar do of Child Psychology and Psychiatry. 1991;32:401-9.
grupo de terapia (N = 34). A dL1ração foi de dez semanas, 1O. Christenson GA, Cro,v SJ. Toe characterization a11d treatn1enl of
e as técnicas cognitivas envolveram a correção das crenças trichotillomania. Journal of clinicai Psychiatry. l 996;57(8):42- 9.
errôneas sobre ganhar no jogo e prevenção de recaídas. 11. DeBeckey M, Ochsner A. Bezoars and concretions. Surgery.
Os resultados demo11straram mell1ora significativa dos 1939;5: 132-60.
participantes do grupo quando comparados à lista de 12. Toledo EL, Cordás TA. Tricotilon1ania. ln: Abreu CN, 1'avares
espera durante os 24 meses seguintes. H, Cordás TA. Manual clínico dos transtornos do controle dos
Ao falar em trata1nento do jogo patológico, não se in1pulsos. 1ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2008. p. 63-79.
pode deixar de citar os Jogadores Anônimos (JA), ql1e 13. Swedo SE. Trichotillo1nania. Psychiatric Al1nals. l 993;23:402-7.
é um grupo de apoio mútuo baseado nos doze passos, 14. Christenson GA, Mackenzie TB, Mitchell JE. Characteristics of
adaptado do inicialmente proposto para os Alcoólicos 60 adull chronic hair puller. American Journal of Psychiatry.
Anônimos. As reuniões dão suporte psicossocial ao joga- 1991; 148:367-70.
dor e estão disponíveis em diversos l1orários e e11dereços 15. King RA, Zohar AH, Ratzoni G, Binder .tvl, Kron S, Dycian A et
no inundo todo. A importância do JA é reconhecida em ai. An epidemiological study of trichotillon1ania in lsraeli ado-
diversos países e, ai11da, fez parte de estudos clínicos lescents. J Arn Acad Child Adolesc Psychiatry. 1995;34: 1212-5.
aleatorizados. 104 16. Rothbaun1 B0, Sha,\T L, Morris R, Nunan PT. Prevalence of
trichotillo1nania in a college fresh1nan population. Journal of
-
C01J,.... ~:~~,AO Clinicai Psychiatry. 1993;54:72.
Os transtornos do impulso podem ter apresentação 17. Mansueto CS, Stemberger RT, Thomas AM, Colon1b RG.
clínica, prevalência e tratamento distintos de acordo com Trichotillomania: A co1nprehensive behavioral model. Cli11ical
o gênero. Na tricotilomania, ria cleptomania e nas com- Psychology Revie,v. 1997; 17:567-77.
pras co1npL1lsivas, a predominância é do gênero feminino, 18. Christenson GA, Iv1acKenzie TB, Mitchell JE. Adult 111en and
enquanto no jogo patológico, o curso do transtorno nas ,von1en wilh trichotillo1nania. A comparison of inale and fe-
mulheres ocorre de 1naneira peculiar. n1ale characteristics. Psychoson1atics. 1994;35(2): 142-9.
Pesquisas enfocando tratamento ainda são escassas, 19. Penzel F. Disguises and Camouflage. ln: Penzel F. Toe Hair-
sendo necessários 111ais ensaios clínicos controlados, com- Pulling Problem: A Complete Guide to Trichotillon1ania. l" ed.
parando diferentes abordagens a fim de poder oferecer a Ne,v York: Oxford University Press; 2003. p. 14-6.
mell1or terapêutica para an1bos gê11eros. 20. Grant JE, Odlaug BL. Clinicai characteristics of trichotillon1a-
nia ,v1th trichophagia. Compr Psychiatry. 2008;49(6):579-84.
REFERÊNCIAS 21. Schlosser S, Black O\\', Blum N, Goldstein RB. TI1e den1og-
1. Tavares H. A psicopatologia dos transtornos do in1pulso. In: Abreu raphy, phenon1enology, and fan1ily history of 22 persons
CN, Tavares H, Cordás TA. Manual clinico dos transtornos do ,vith con1pulsive hair pulling. Annals of Clinica! Psychiatry.
controle dos in1pulsos. 1• ed. Porto Alegre: Artmed; 2008. p. 19-36. 1994;6: l cl7-52.

259
Transtornos psiquiátricos
em mulheres vivendo com
HIV/AIDS
André Malbergier
Valéria Antakly de Mello

-
A INFECÇAO PELO HIV apresentavam comportamentos específicos, como as pro-
fissionais do sexo e as dependentes de drogas injetáveis.
Acreditava-se, até então, que as mulheres monogâmicas,
Os primeiros casos de AIDS foram descritos no inicio con10 não pertenciam aos denominados grupos de risco,
da década de 1980, quando sugiram casos de doenças estariam protegidas contra a infecção.
raras, a exemplo da pneumonia por pneumocystis carinii e A partir de 1990, o perfil da epidemia no Brasil, e
do sarcoma da Kaposi, em homens homossexuais jo,,ens também 110 mundo, mL1dou e passou a atingir progressi-
e previamente saudáveis. Rapidamente evidenciou-se que vame11te mais mulheres e pessoas com menor nível socio-
esses indivíduos apresentavam uma deficiência da imu- econômico. Desse modo, evidenciou-se que não é apenas
nidade celular, secundária a Lima diminuição do número um grupo específico de mulheres que corre o risco de
dos linfócitos T CD4+. Em 1982 foi criado, para a nova ser contan1inada, n1as sim aquelas que apresentam maior
patologia, o 11on1e AIDS (Acquired Immuno Deficiency ,rulnerabilidade à infecção (a noção de vulnerabilidade
Syndrome, ou Síndrome da Imunodeficiência Humana estabelece uma síntese conceituai e prática das dimen-
Adquirida), e pouco ten1po depois seu agente etiológico sões sociais, político-institucionais e comportamentais
foi isolado e de11ominado HIV (Human Imn1uno Defi- associadas às diferentes suscetibilidades do indivíduo, à
ciency Virus). infecção pelo HIV, às suas consequências indesejá,1eis,
Estima-se que existam 33,4 1nilhões de pessoas ,,ivendo à doença e à morte).
com HIV/AIDS no mundo, sendo 15,7 milhões de mulhe- Dessa maneira, caracterizou-se a chamada feminização
res. A maioria concentra-se na África, onde existem 22,4 da epidemia no Brasil. Muitas são as causas para esse fe-
milhões de indivíduos HIV+. No Brasil, de acordo com o nômeno, as quais serão melhor explicitadas a seguir.
Ministério da Saúde, do início da década de 1980 até 2009, A crença inicial de que a epidemia da AIDS estaria
foram notificados 544.846 casos de AIDS. A relação entre restrita a alguns grupos de risco co11tribuiu para a não
mulheres e homens contaminados ,,em diminuindo ao existência de campanhas efetivas de prevenção especí-
longo dos anos. Era de 1:40 em 1982 e de 1:1,5 em 2008. fica para a população feminina. Além disso, as próprias
mulheres se julgavam "imL1nes à contaminação': o que
dificultou ainda mais sua conscientização sobre os riscos
Durante a década de 1980, a infecção pelo HIV, no Bra- e formas de prevenção.
sil, manteve-se basicamente restrita às grandes metrópoles Fatores biológicos também contribuíram para o au-
da região sudeste e, nessas, aos homens que se relacionam mento do número das n1ulheres infectadas. O aparelho
sexualmente com outros homens, aos hemofílicos, aos genital femi11ino é mais suscetível à in,1asão pelo HIV, em
hen1otransfundidos e aos usuários de drogas injetáveis. As função da n1aior extensão da vagina, quando co1npara-
poucas mulheres contaminadas eram apenas aqL1elas que da ao pênis, por ela ser formada por uma n1ucosa mais
Tratado de Saúde Mental da Mulher

facilmente penetrável que a pele íntegra e em virtude da • a solicitação do uso de preser,,ativo sendo entendida
maior concentração do vírus no sêmen en1 relação à en- como desconfiança en1 relação à fidelidade do parceiro;
contrada na secreção vaginal. Além disso, as mulheres são • o não uso do preservati,10 como uma forn1a de a n1u-
mais vulneráveis que os homens às doenças sexL1almente lher con1unicar ao parceiro o desejo de uma relação
trans111issíveis, muitas delas assintomáticas e não tratadas, afetiva estável;
o que torna a mucosa vaginal muito mais sensível à con- • associação do uso de preser,,ati,,os com co1nportan1e11-
tan1inação virai. tos des,,iantes e imorais.
A feminização da epidemia no Brasil avançou cor-
roborada da n1esma forma por fatores socioculturais.
Apesar das i11úmeras iniciativas no sentido de ati11gir O HIV é um retrovírus cuja principal característica
t1ma maior igualdade, ainda hoje homens e n1ulheres são é a sua capacidade de produzir DNA a partir do RNA,
tratados de forma desigual e1n termos políticos, culturais inverte11do assin1 o fluxo da informação genética. Esse
e socioeconômicos, acarreta11do o que se pode chamar processo é conhecido por transcrição reversa e aco11tece
de desigualdade de gênero, que se n1a11ifesta até mesmo por meio da ação de uma enzima virai de11ominada tra11s-
110 âmbito da sexualidade. Segundo Parker (2000), uma criptase reversa. Outras duas enzimas virais importantes
in1portante característica da sexualidade na América no processo de replicação são a íntegrase e a protease. As
Latina é aquela popularmente conhecida como "a cultura células i11fectadas pelo HIV são aquelas que apresenta1n o
do machismo", ou seja, "o complexo sisten1a ideológico receptor CD4 em suas 1nembranas. São elas os li11fõcitos
que organiza as relações de gênero hierarquicamente, T CD4 .., as células que apresentam a11tíge11os co,110 os
estabelecendo relações de poder e de domínio dos ho- n1acrófagos e as células dendríticas.
111ens sobre as mulheres". SegL1ndo esse autor, as relações O trata1nento específico para HIV/ AIDS te,,e início e1n
de gênero se organizan1 de acordo com as noções de 1987 com o surgimento da zidovudina, primeira droga
"atividade" ou domínio da 1nasculinidade, em contraste que inibe a enzima transcriptase reversa análoga de nu-
com a "passividade" OLI a submissão da feminilidade. cleosídeo. Porén1, a eficácia do tratamento era li111itada.
A sexualidade masculina caracteriza-se con10 expansi,,a A partir de 1995, o perfil da epidemia mudou en1 razão do
e quase i11controlável, e a feminina é percebida como surgime11to de uma nova classe de drogas antirretrovirais,
objeto do controle masculino. Os homens iniciam st1a os inibidores de protease, e do uso combinado de pelo
atividade sexual na adolescência e são estimulados a ter menos três medicame11tos (HAART, highly active at1tí-
n1(dtiplas parceiras, antes e depois do casan1ento. Já das -retroviral therapy ou TARV, terapia antirretroviral de alta
mulheres espera-se que 11ão tenham relações sexuais com potência). A TARV controla de modo n1ais efetivo a repli-
parceiros diferentes, nem antes, e, muito n1enos, após o cação vira], causando un1a melhora clínica e imunológica
n1atrimônio. Obvian1ente, 11esse sistema cultural, as mu- e uma limitação da progressão da doença.
lheres têm pouca influência 110 co1nportame11to sexual O tratamento antirretroviral é indicado a todos os pa-
dos homens, enquanto estes assumem um poder absoluto cientes que tenham sintomas de AIDS ou que aprese11tem
sobre o comportamento sexual delas. contagem de linfócitos CD4 abaixo de 200 células/mm 3 .
Nesse contexto, torna-se complicado para as mulheres Para o paciente com linfócitos CD4 entre 200 e 350 célu-
exercerem, de forma eficaz, os métodos de prevenção das las/mm3, o tratamento deve ser conduzido de acordo com
doenças sexualme11te transmissíveis (DST) e da AIDS. a evolução dos parâmetros imunológicos (contagem de
Essas dificuldades são principalmente as seguintes: células CD4· ) e virológicos (carga virai), sendo indicado
• 11ão exigência do uso de preservati\ 0 pelo parceiro;
1 um acompanhan1ento clí11ico e laboratorial próximo.
• 11ão questionamento sobre o comportamento sexual Atualmente, estão disponíveis diversos 1nedicamentos
do parceiro; antirretrovirais os quais são classificados de acordo com
• crença no conhecimento completo do comportamento os seus mecanismos de ação. Entre as drogas disponíveis,
sexual do parceiro; existem basicamente quatro mecanismos de ação dife-
• importância da fidelidade e da confiança, por parte das rentes: os i11ibidores da transcriptase reversa, análogos
mulheres; de nucleosídeos, que inibem a enzi,na por meio de sua
• Liso de antico11cepcionais orais; similaridade com as bases do DNA; os inibidores da
• te1nor das mulheres em provocar reações violentas, tra11scriptase reversa, 11ão análogos de nt1cleosídeos, que
inclusive de agressões físicas, quando qL1estionam o se ligan1 diretamente à e11zima, bloquea11do, dessa forma,
comportamento sexual do parceiro; o processo de transcripção reversa; os inibidores da pro-
• dependência financeira das mulheres em relação aos tease, que iniben1 diretamente essa e11zima importante
homens; do processo de replicação viral; os inibidores de fusão,
• crença de que o preservativo diminui o prazer sexual; qL1e atuam bloqueando a proteína gpl20 e qt1e impedem,
• obstáculos e inibições de se falar sobre sexo; dessa forn1a, a entrada do HIV na célula. Os inibidores

264
Capítulo 28 - Transtornos psiquiátricos em mulheres vivendo com HIV/AIDS

da integrase que inibem essa e11zi1na viral la1nbém são apesar de o trata111ento a11tirretro,1 iral diminL1ir a carga
i1nportantes no processo replicação. virai plasn1ática a 11íveis i11detectáveis, sua ação não é a
n1esma no SNC pelo fato de haver baixa penetração des-

TRANSTORNOS PSIQUIATRICOS EM PESSOAS QUE ses 1nedica111e11tos através da barreira he111atoe11cefálica.
VIVEM COM HIV A carga virai persiste no SNC e111 41 % dos pacientes en1
Di,1 ersos fatores, como o acometin1ento do SNC (sis- uso de TARV e en1 26o/o daqL1eles corn carga virai plasmá-
te1na nervoso central), o adoecimento, as repercussões tica i11detectá,1el.
sociais da doença, medo do preco11ceito, além da rotina AtL1aln1e11te, os transtornos 11eurocognitivos associa-
de consultas e exan1es, são imporlantes estressores en10- dos ao HIV são classificados da seguinte ma11eira:
.. . , . .
cionais que predispõem ao desenvol,•imento de reações • transtorno neurocog111t1vo ass111tomat1co: o paciente
. . . . ., .
en1oc1ona1s anorn1a1s e a transtornos ps1qu1atr1cos. apresenta alteração leve em pelo menos dois domínios
Os transtor11os psiqL1iátricos associados ao HIV podem cognitivos no exame neuropsicológico, mas 11ão apre-
ser divididos em três grupos: senta alteração funcional;
• transtornos psiquiátricos secu11dários à in,•asão do HIV • transtor110 neurocognitivo leve (transtorno cog11itivo-
no SNC, às infecções oportu11istas 110 SNC e ao uso de motor n1enor): o paciente apresenta alteração leve em
n1edican1e11tos co1n efeitos colaterais neuropsiquiátricos; pelo menos dois don1ínios cognitivos no exan1e 11europsi-
• transtornos psiquiátricos pri111ários desencadeados OLl cológico e ta1nbén1 um leve comprorneti1nento funcional;
exacerbados pelos fatores de estresse co11sequentes da • den1ência associada ao HIV: o pacie11te aprese11ta
vida co1n HIV/ AIDS; alteração cognitiva de n1oderada a grave en1 doi:, ou
• reações emocionais e tra11stornos de ajustan1ento de- mais don1ínios 110 exa111e 11europsicológico e alteração
sencadeados pelas dificuldades de viver con1 HIV/ funcio11al de rnoderada a severa, com dificuldade in1-
AIDS. portante para trabalhar e até para cuidar de si próprio.

A prese11ça de transtornos psiquiátricos, e particular- O diagnóstico deve ser realizado por 111eio da anan111e-
mente de episódios de depressão, ocasio11a un1a pior evo- se e aplicação de testes neuropsicológicos que avalie1n as
lução da c.ioença, n1enor tempo de e,,olução para AIDS e funções executivas, a ate11ção, a n1emória verbal, o apren-
maior n1ortalidade. Logo, tor11a-se necessário e importan- dizado, a fluência verbal, a men1ória visual, a orientação
te o diagnóstico e o encami11ha1nento à assistê11cia espe- espacial e a velocidade motora fina. Exames de neuroi-
cializada multidisciplinar em saúde me11tal. O tratan1ento magem, co111 resso11ância magnética nuclear de encéfalo,
adequado leva a uma melhora da qualidade de vida do devem ser requisitados. Seus resultados, co11tudo, não são
paciente, ocasionando o retorno ao trabalho, a melhora patognomônicos. O que se enco11tra na 111aioria dos casos
dos relacionamentos interpessoais, a n1elhora da adesão é uma atrofia cerebral difusa, co111 predomi11ância central
ao trata111ento e o menor risco de transn1issão do HIV. e desproporcional para a idade.
De,,em ser excluídas as patologias que possam causar
alterações cog11itivas, a exemplo de depressão maior, traLL-
ma cranioe11cefálico, deficiência mental, dependência de
substâncias psicoativas, infecções oportunistas 110 siste,na
h',. , t: /\.Ir 11ervoso central, outras doenças neurológicas que causa111
O HIV invade o SNC desde o início de infecção, cru- alterações cognitivas e aterosclerose.
za11do a barreira hematoe11cefálica por meio de macrófa- En1 razão da alta prevalêr1cia de tra11stor11os 11eL1-
gos infectados. Uma ,·ez no SNC, o HIV infecta células rocogniti,•os en1 i11divíduos com HIV/ AIDS, torna-se
da glia que, por sua vez, secretam as neurotoxinas que necessária a utilização de u1n instrL1mento de triagen1 de
causa1n, por fim, o dano e a morte neL1ronal. mais fácil aplicação 11a identificação daqueles indivíduos
O 111ecanisn10 que leva à lesão cerebral é atualmente nos quais un1a investigação mais detalhada de\1a ser rea-
mais ben1 entendido. Evidências rece11tes co111pro,1a111 que lizada. Para tanto, foi desenvol,1ida a "International HIV
a liberação de neL1rotoxinas por macrófagos peri,•entricu- Den1entia Scale ", escala composta por apenas três itens e
lares e por células da glia leva à ativação de citocinas que, qL1e não 11ecessita ser aplicada por profissionais especia-
por sua vez, mL1dam a arquitetura sináptica no córtex e lizados. Cada item avalia respectivan1ente 111emória de
induze1n a apoptose (morte cerebral programada). fixação, ,·elocidade motora e velocidade psicornotora, e
recebe pontuação de O a 4. A pontuação máxi111a é igual
rr 'A . e'
onr,.;_ ._.,,, __ ,,,,,.,,,,,..
.. o ri.............. ,..e
, ... ·--
.
a 12, e quando o paciente po11tua menos que 1O, deve ser
Por volta de 20% dos indivíduos HIV+ apresentam encarninhado para a realização de exan1e neuropsicológi-
algun1 compro111etime11to cognitivo. Isso ocorre porque co completo.

265
Tratado de Saúde Mental da Mulher

Escala Internacional de Demência Associada ao HIV

Diga quatro palavras para serem memorizadas (cachorro, chapéu, feiJão, vermelho). Leve um segundo para falar cada
uma Em seguida peça para o paciente repetir as quatro palavras. Repita, caso o paciente não conseguir memorizá-las
1med1atamente. Depois peça para ele guardar na memória e diga que você oerguntará mais adiante

1.Veloc1dade motora: Peça para o paciente bater os dois primeiros dedos da mão, não dominante, da forma mais ampla e
rápida possível:
4 pontos= 15 em 5 seg
3 pontos= 11-14 em 5 seg
2 pontos= 7 a 10 em 5 seg
1 ponto = 3 a 6 em 5 seg
O pontos= O a 2 em 5 seg

2.Velocidade psicomotora: Peça ao paciente fazer os seguintes movimentos com a mão não dominante, o mais rápido
possível:
- Colocar a mão fechada sobre uma superfície lisa
- Colocar a mão aberta sobre a superf1c1e com a palma para baixo
- Colocar a mão perpendicularmente à superfície do lado dos cinco dedos.
Demonstre e peça para o paciente fazer o movimento duas vezes para treinar.
4 pontos = 4 sequências em 1O seg
3 pontos = 3 sequências em 1O seg
2 pontos= 2 sequências em 1O segundos
1 ponto = 1 sequência em 1O segundos
O ponto = Paciente incapaz de realizar os movimentos

3. Memória· Peça para o paciente lembrar e falar as quatro palavras Para as palavras não lembradas dê uma aJuda com
uma relação semântica da seguinte maneira: Animal (cachorro), vestimenta (chapéu), vegetal (fe1Jão), cor (vermelho).
Dê 1 ponto para cada palavra lembrada e 0,5 ponto para cada palavra lembrada apenas após a ajuda
Pontuação máxima: 4 pontos

A pontuação total é a soma da pontuação dos três itens.

Pontuação máxima 12.

Pacientes com pontuação igual ou menor que 1O devem ser avaliados para um possível deficit cogn1t1vo

Transtornos Depressivos Prevalência de depressão em mulheres


vivendo com HIV
Prevalência Os estudos sobre a prevalência de depressão em n1u-
Si11to111as depressivos e o diag11óstico de depressão lheres soropositivas para o HIV enco11trara1n resultados
maior. são muito frequentes nos portadores do HIV, bastante diversos, principalmente pelo fato tere1n sido re-
chegando a alcançar u111a frequência de 1,99 vez maior alizados com populações muito diferentes. U1na pesquisa
que a da popL1lação em geral. A prevalência de episódio realizada no SEAPH-HC-F!v1USP (serviço de extensão
depressivo maior varia entre os estudos sendo en1 n1édia ao atendimento de pessoas ,,ivendo com HIV do Depar-
36% durante um ano. As mulheres são particularme11te tamento de Doenças Infectocontagiosas e Parasitárias do
n1ais vul11eráveis, não apenas pelo fato da depressão ser HC-FMUSP) encontrou t1ma prevalência de 25,8% do
n1ais prevale11te no gênero femini110, co1no tambén1 pelo episódio depressivo maior em mtdheres soropositivas, no
fato dessas mulheres apresentarem algu111as difictildades mome11to da avaliação. Os autores identificaram alguns
específicas. Elas se se11te111 n1ais isoladas, compartilhan1 fatores associados ao diagnóstico como o status clínico
n1enos o diagnóstico e vi,,encian1 com maior frequência (fato de já terem apresentado em algun1 momento sinto-
sentimentos de vergonha, ansiedade e ambivalência em mas de AIDS), uma maior carga viral, e uma ausência de
relação a seL1 papel de mãe e esposa. Além disso, sintonias suporte emocional. No mesmo estudo, a pre,,alência de
depressivos em n1ulheres HIV+ estão associados a uma episódios depressi,,os ao longo da vida dessas mulheres
menor adesão ao TARV, aumento da carga virai e da 1nor- foi de 60%, sendo a sua maioria após o diagnóstico da
talic.i.ade, pior st1porte social e qualidade de vida. infecção pelo HIV.

266
Capítulo 28 - Transtornos psiquiátricos em mulheres vivendo com HIV/AIDS


~ ... · - _._"
\. ,.I'.... .• ,,.._ 'l ,1·,~,.,,,.,,,..~+,r,-,.
• • T, · 1antn

A depressão é n1uitas vezes subdiagnosticada na popu- Di, ersas pesquisas foran1 realizadas com o objeti,10
1

lação que vi\·e com HIV/ AIDS, pois os sintomas podem de a,,aliar a eficácia e a tolerabilidade de antidepressivos
ser interpretados con10 uma reação nor111al ao adoecer ou em indivíduos soropositivos para o HIV. Porén1, a n1aior
co11fundidos com si11ton1as somáticos da própria patolo- parte delas foi do tipo de estudos abertos e não contro-
gia orgânica. Logo, 11a avaliação do paciente, os sintomas lados, cujos resL1ltados devem ser interpretados e aceitos
afeti,,os e cognitivos da depressão devem ter um valor com caL1tela.
diagnóstico maior que os sintomas somáticos e neuro-
vegetativos. São bons discri111inadores certos sintomas, Antidepressivos tricíclicos
como a sensação de fracasso, a perda do interesse social, a Alguns estudos con1provaran1 qL1e a imipramina é L1111a
sensação de estar sendo punido, a ideação suicida, a inde- droga efetiva 110 trata1nento da depressão en1 pessoas
cisão e episódios de choro n1uito freqL1e11tes. Em pacientes vive11do co111 HIV/ AIDS. Por exemplo, en1 Ltm e11saio
internados co111 AIDS, verificou-se que a n1elhor forn1a de clínico dL1plo-cego controlado por placebo, os autores
avaliação foi a de considerar os sintomas somáticos e neu- enco11trara111 u111a resposta terapêutica de 74% co1n a i111i-
rovegetativos co1no provenie11tes de Llm quadro depressi- prami11a contra apenas 26% com placebo na sexta se111a11a
vo apenas quando não forem etiologicamente explicados de tratamento. Porém, efeitos colaterais i111porta11tes le,1a-
por ttma patologia orgânica. ran1 a u111 alto índice de desconti11uação do trata111ento
Escalas e entre, istas diag11ósticas podem ser utiliza-
1 com in1iprami11a e1n seis meses consecutivos. En1 ,,irtude
das principalmente pelo 1nédico infectologista para unia da baixa tolerabilidade, os antipressi,•os tric1clicos de, en1
1

avaliação inicial do paciente. A escala hospitalar de ansie- ser usados apenas naqueles pacientes que não respo11-
dade e depressão foi especificamente formulada para ser deran1 a outros medicamentos que apresentam menos
aplicada em indivíduos portadores de patologias clínicas, efeitos colaterais.
pois exclui os si11tomas somáticos, e pode ser Lttilizada pa-
ra quantificar si11tomas depressivos e ansiosos. Porém, Inibidores da recaptação de serotonina
para a realização do diagnóstico de um episódio depres- Existem diversos estudos com i11ibidores de recaptação
sivo maior, o PRilvlE-MD, versão do paciente, é mais i11- de serotonina em indivíduos HIV+. En1 geral, os resul-
dicado e tem sido aplicado cor110 scree11ing para depressão tados den1011straran1 que o uso dessas drogas é seguro,
em indivíduos soropositi,1os para o HIV. eficaz e be1n tolerado nessa população. A droga n1ais
estudada foi a fluoxetina. Em um ensaio clínico duplo -
-cego controlado, a fluoxeti11a apresentou Ltn1a resposta
Di,1ersos estudos, realizados ao longo dos últimos ,,inte terapêutica de 74~o, com baixo í11dice de abandono do
anos, demonstraram que o diag11óstico de depressão está tratamento. Poré1n, nesse estudo, a melhora dos sinto1nas
associado a diversas alterações do sistema imu11ológico. depressivos com placebo foi importante (47%), o que
Em razão disso, vários estudos buscaram verificar a poderia sig11ificar que n1uitos indivíduos, considerados
influê11cia da depressão na in1unidade de portadores do deprimidos nessa i11vestigação, estavam, na realidade,
HIV, assim con10 11a evolução da doença. Em estudo apresenta11do sintomas decorrentes diretan1ente de con ·
trans, ersal realizado com n1ulheres HI\T+, encontraram
1 flitos en1ocio11ais relacionados ao ,,iver com HI\' / AIDS.
uma associação e11tre o diagnóstico de depressão n1aior e Em contrapartida, OLttro estudo concluiu que o uso de
a menor ati,,idade de células 11ati,ral killer e maior carga fluoxetina, associado à psicoterapia de grupo, aprese11ta
,,irai. Esse mesn10 grupo, três ar1os após, demonstrou resultados terapêL1ticos SLtperiores à realização da psi-
que a resolução do episódio depressivo ocasionava unia coterapia ape11as, demonstrando, dessa forma, o papel
normalização da atividade das células NK, previamen- i11dispensá,•el do tratamento medican1entoso de episodios
te diminuída. depressivos nessa população.
Os linfócitos r1atural killer são importantes agentes na Outros antidepressivos inibidores da recaptação da
resposta imunológica a Lima infecção , 1iral, incluindo a serotonina ta111bé111 foram estudados, porém, co11forme
infecção pelo HIV. Portanto, un1a din1inuição da ativida- já descrito previa111e11te, a maioria desses ensaios clí11icos
de dessas células en1 pacientes seropositivos deprimidos foi aberta e não controlados. Em Ltm estudo aberto co111
pode ser um dos fatores que explicaria a associação entre 28 indivíduos HIV+ depri1nidos, os autores enco11trara1n
a depressão e a pior evolução da doença. Alén1 de afetar 70% de resposta terapêutica com o uso de sertralina por
diretamente a in1unidade, si11to111as depressi,1os leva1n a oito semanas. Outro e11saio clí11ico, tan1bém aberto, cor11-
uma 111enor adesão ao tratan1ento antirretro, iral, contri- 1 parou o uso da fluoxetina, da sertralina e da paroxetina
buindo, dessa forn1a, para uma pior e,·olução da doença e em 33 indivíduos HI\' + deprimidos. Todos os três antide-
maior 111ortalidade. pressi,,os fora111 eficazes e bem tolerados. A co111paração

267
Tratado de Saúde Mental da Mulher

entre um antidepressivo tricíclico e um inibidor da re- tanto inibindo como estimulando seu funcionamento,
captação de serotonina foi realizada por meio de um en- ocasionando consequenten1ente uma alteração na co11-
saio clínico que comparou a impramina com a paroxetina centração sérica das OL1tras drogas que usam a n1esn1a
em pessoas vive11do com HIV/ AIDS deprimidas. Ambas via para metabolização. São in1portantes inibidores ou
as drogas foram eficazes, porém, como esperado, a paro- i11dutores enzimáticos:
xetina foi mais bem tolerada. • ritonavir, lopenavir/ritona\1 ir: inibe111 fortemente a
porção 3A4 do P450, aumentando, dessa forma, a con-
Outros antidepressivos centração de outras drogas 111etabolizadas por essa via,
Outros antidepressivos, como os inibidores da recapta- como vários antidepressivos de forma parcial;
ção da serotoni11a e da noradrenalina, são uma boa opção, • fluoxeti11a: inibe forte1nente a porção 2D6 e de for111a
em razão da boa eficácia e menor incidência de efeitos moderada a porção 3A4 do P450, aumentando a con-
colaterais, quando con1parados com os tricíclicos, por centração sérica de outras drogas metabolizadas por
exemplo. Porém, 11ão existem ainda estudos controlados essas vias, como a maioria dos a11tirretrovirais;
com ve11lafaxina, ou duloxetina, em pessoas com HIV • paroxetina: inibe fortemente a porção 2D6 da P450. Não
A n1irtazapina foi estudada num trabalho aberto de doze interage muito com os a11tirretrovirais, pois a maior par-
semanas, demonstrando ser eficaz na melhora de sin- te deles sofre metabolização pela porção 3A4 da P450;
tomas depressivos. Seus efeitos colaterais, mais especi- • hiperici,m pe~furatum (erva-de-são-joão): estimula a
ficamente o ganho de peso, podem ser vantajosos para porção 3A4, que é t1ma i1nportante via de metaboliza-
pacientes com comprometimento clínico significativo ção da maioria dos antirretrovirais. Porén1, seu uso é
que, porventura, estejam muito emagrecidos. O uso da totalme11te contraindicado en1 pacientes que esteja1n re-
bupropiona também foi avaliado por meio de um ensaio cebendo TARV, pois ocasiona uma diminuição do nível
clínico aberto, demonstrando eficácia no tratamento da sérico dos antirretrovirais, diminuindo assim sua ação.
depressão em indivíduos HIV+. Seu uso, porém, pode ser
limitado, pois alguns antirretrovirais interferem no meta- As interações medicamentosas entre os antidepressivos
bolismo ao inibirem a porção 2B6 do citocromo P450, a e os antirretrovirais estão mais bem descritas na Tabela
principal via metabólica da bupropiona. 28.1. Foram incluídos, nessa tabela, apenas os antirretro-
\ri.rais e antidepressivos que apresentam interações entre si.
Psicoestimulantes
O uso de psicoestimulantes como antidepressivos tam -
bém foi pesquisado em pessoas vivendo com HIV. A dex-
troanfetamina e o metilfenidato demonstraram eficácia
terapêutica em ensaios clínicos controlados. Mais recente-
mente, um estudo aberto mostrou que o uso do modafinil Os episódios de mania, en1 indivíduos vivendo com
resultou numa melhora significativa dos sintomas depres- HIV, pode1n ser primários, como as n1anifestações do
sivos em 80% de um grupo de trinta pessoas HIV+. transtorno afetivo bipolar, ou secundário, decorrente de
Algumas limitações devem ser pontuadas em relação doenças oportunistas, da ação do HIV no SNC e de efeitos
a esses ensaios clínicos citados. A maioria dos estudos foi colaterais de medicame11tos Entre estes, a neurotoxicidade
realizada apenas com homens que fazem sexo com ho- do HIV tem sido postulada como a principal etiologia dos
n1ens, e o 1nodo de aferição do episódio depressivo, assim casos de mania secundária.
como o estágio da infecção pelo HIV, foi variável.

Interações medicamentosas Os primeiros estudos que avaliam a prevalência de epi-


Os antirretrovirais e os a11tidepressivos são metaboliza- sódios de mania em indivíduos vivendo com HIV foran1
dos pelo complexo enzimático P450. Logo, é importante realizados antes do surgimento do TARV. Numa pesquisa
avaliar possíveis interações medicamentosas antes de ini- com duração de dezessete meses, foi de1nonstrada uma
ciar um tratamento para depressão em pessoas que usam maior prevalência de mania em pacientes co111 AIDS
TARV Não existem estudos específicos sobre a interação (8%), em comparação aos indivíduos HIV+ assintomá-
dessas drogas, porém o conhecimento da farmacocinética ticos (1,4%). Outro estudo, que avaliou apenas episódios
e principalmente de sua metabolização hepática leva a de n1ania secundária, encontrou uma prevalência de 1,2%
algumas recomendações. Con10 os antidepressivos e os em indivíduos HIV+ e de 4,3% em indi,,íduos com AIDS.
antirretrovirais são metabolizados pelo sistema enzimá-
tico P450, existe uma competição que pode ocasionar T..a. .a-,,e~,-
uma metabolização mais lenta, elevando a toxicidade e Alén1 do tratamento da causa etiológica de episódios
os efeitos colaterais das drogas. Os antirretrovirais e an- de mania secu11dária, o uso de estabilizadores de humor e
tidepressivos podem agir em diferentes porções da P450, de antipsicóticos atípicos, se necessário, é indicado. O lítio

268
Capítulo 28 - Transtornos ps1quiátrrcos em mulheres vivendo com HIV/AIDS

i ; - Y - ~f.: ~~-~...:7-il·"·""·~~.,_~:~if""1iil"'~~.~C"'4P.-"";:V-.-.-~:·"'k~;--. ._.pr,.-.... -· ..... 1:""'".)i;,, .._,_-,-.. ~.1.. .-;:- '·"'--~----1'.r-~..-.,,:...•7·:~·rll"'• .r....-r.ii.lii'-. < ...-Jl.~r• .. ~:-:· --~; -. ,.~· ,_,, ..._ { ---~-- "J:":\ --. ,··-·.~. - -. 7

~I~~~'ª~'ª~'~1{.~il,n!er~çõ.es_-m~dicélrnento~a~,entre-·a~iidepr,~~sJy,Q.~\é.ia.~:l~r.r~~~y,ir.ai_~:'·: . · ·; · ,. ··. ·· ·'.; :.:~ ·:. ·.:1


- - - - - - ...._ _ - • -- • ..,._ - • • • - 1. •• ,. - - -- - .. - - • - • • - - - - - ·- -- - ~ - - ~

-
leve t efavirenz -
leve t indinavir .J, venlafaxina
t tr,cíclrcos t paroxet,na t fluoxetina ,..,, sertralina t citalopran t venlafaxina t bupropiona
t tricíclicos t paroxet,na i fluoxet,na A sertrallna t c,talopran t venlafax,na t bupropiona
leve t atazanavir
leve t amprenavir i bupropiona
leve i darunav,r
leve t raltegrav,r
-

é ben1 tolerado, e algumas pesquisas sugerem que seu uso Tr:ata~ 0 -to
pode levar a um melhor desempenho cognitivo nos casos Além do tratan1ento da causa etiológica nos casos de
de defic;ts associados ao HIV. psicoses secundárias, o uso de antipsicóticos atípicos é
Outros estudos demonstraram que o divalproato de só- indicado. Porém, ainda é necessária a realização de en-
dio leva a um aumento da carga virai in vitro. Esses resul- saios clínicos controlados para avaliar de forma adequada
tados, porém, não foram replicados em estudos clínicos. a eficácia e tolerabilidade dessas drogas nessa população.
Na vigência de antirretrovirais, foi con1provado, porém, Alguns relatos de casos, contudo, descreveran1 o uso de
que o uso de divalproato de sódio é bastante seguro, não antipsicóticos, com bons resultados. Em uma pesquisa
ocasionando um aumento da carga virai in vitro. que incluiu 21 pacientes HIV+ psicóticos tratados com
A carbamazepina, por sua vez, interage com os a11tir- risperidona, os resultados n1ostraram uma boa resposta
retrO\'irais, tanto induzindo sua metabolização, pela indu- terapêutica e uma boa tolerabilidade.
ção enzimática da porção 3A4 do complexo P450, como Alguns cuidados devem ser tomados, contudo, ao pres-
. . , . ..
tendo sua metabolização inibida pelo ritonavir. crever um ant1ps1cot1co a uma pessoa soropos1t1va:
A lamotrigina, por sua vez, foi estudada em un1 ensaio • os indivíduos com alteração neurocognitiva associada
clínico controlado com placebo para o controle da dor ao HIV, ou com doença oportunista no SNC, são mais
neuropática em indivíduos HIV+. O uso concomitante do sensíveis a efeitos colaterais extrapiramidais. Logo,
lopina\ ir/ritonavir le\'a a uma diminuição da concentra-
1
os antipsicóticos típicos deve1n ser evitados, sempre
ção sérica da lamotrigina, sendo necessário, portanto, um que possível. A dose inicial deve ser forçosamente
ajuste de dose nesse caso. baixa, e os efeitos colaterais devem ser monitorados
cuidadosamente;
• os antirretrovirais podem, em sua maioria, causar uma
dislipidemia, com aumento significativo de colesterol,
triglicérides e glicemia, o que pode ainda ser potencia-
Transtornos psicóticos em pessoas vivendo com HIV lizado pelo uso de antipsicóticos atípicos;
podem ser classificados como primários, como a es- • a possível interação n1edicamentosa entre os antirre-
quizofre11ia, o transtorno bipolar ou outras psicoses, ou trovirais e os antipsicóticos tambén1 deve ser objeto
secundários, cuja etiologia pode estar na ação do próprio de preocupação. Foram relatados casos de interação
HIV, em doenças oportunistas ou em efeitos colaterais de medicamentosa entre a risperidona e o ritonavir, oca-
medicamentos no SNC. sionando um aumento do nível sérico de risperidona e,
Algu11s estudos den1onstran1 que o principal fator asso- consequenteme11te, efeitos colaterais extrapiramidais.
ciado aos casos de psicoses secundárias em soropositivos é, Já a associação entre o ritonavir e a olanzapina leva a
pro\1avelmente, a ação direta do vírus no SNC. Foi demons- um decréscin10 no nível sérico dessa últin1a, en1 função
trado que, nesses indi,,íduos, existe um maior declínio da indução da porção 1A2 do complexo enzimático
cognitivo em comparação àqueles sen1 sintomas psicóticos. P450 pelo ritona\·ir.

269
Tratado de Saúde Mental da Mulher

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270
Considerações a respeito
do câncer de mama e
sua colaboração para o
entendimento do universo
feminino
Fábio Scaramboni Cantinelli
Oren Smaletz

-
INTRODUÇAO mil mulheres em 253.030 casos totais de câ11cer em geral
O u11iverso femiJ1i110 sempre trouxe um gigantesco fascí- estimados para sexo feminino. O câncer de n1ama é o se-
nio: toi abordado por filósofos, cantado por poetas e músi- gundo tipo de câncer mais frequente no mundo.
cos, estudado por sociólogos ou maravilhado pelo l1omem Os fatores de risco relacionados à vida reprodutiva da
co111u111, todos encantados con1 tudo aquilo que a mulher mt1lher (me11arca precoce, nuliparidade, idade da primeira
representa em sua 1nais sublime essência: doçura, afeto, sen- gestação a termo acima dos 30 anos, anticoncepcionais
sualidade, an1or e seu papel ú11ico na geração de vidas. orais, menopausa tardia e terapia de reposição hormonal)
Na medicina, tal fascínio se repete. estão bem estabelecidos em relação ao desenvolvimento do
O câncer de 111a1na é aquele de n1aior incidência em câncer de man1a. A idade é um importante fator de risco. As
mulheres no 111u11do todo. Por atingir um órgão de enorme taxas de incidência aumenta1n rapidamente até os cinquenta
representação sin1bólica do universo feminino, seja pela anos, e posteriormente esse at1mento ocorre de forma mais
sensualidade ou an1a111entação, há uma grande perturbação lenta, fenômeno conhecido na literatura médica como
dessa essência feminina e da qualidade de ,1 ida da mulher, Clemmese11s hook, relacionada ao início da n1enopausa.
que pode ser estendida a companheiros e familiares. Exposição à radiação ionizante, particularmente durante a
Estudar os aspectos oncopsiquiátricos dessa patologia puberdade e mesmo em baixas doses pode aumentar o risco
é de suma in1portância no cuidado e na colaboração para de desenvolver câncer de mama. O câncer de n1ama encon-
que a 111ulher atinja 11ovan1ente toda sua essência e pleni- tra-se relacionado ao processo de urbanização da sociedade,
tude, todo o vigor de sua feminilidade. evidenciando maior risco de adoecimento em mulheres em
Este capítulo objetiva entender de forma abrangente as regiões de maior desenvolvimento socioeco11ômico.
questões e os sofrin1entos que cercan1 a mulher diagnos- É relativamente considerado um câncer de bom
ticada com câncer de n1ama em diferentes momentos da prognóstico, se diagnosticado e tratado oportunamente,
doença e auxiliar a comunidade terapêutica envolvida na porém as taxas de mortalidade por câncer de mama con-
facilitação do cuidado a esta mulher. tinuam ele,·adas no Brasil, muito provavelmente porque
a doença ai11da é diagnosticada em estádios avançados.
EPIDEMIOLOGIA Na população mundial, a sobrevida média após cinco
Segundo as estin1ativas do INCA (Instituto Nacional a11os é de 61 °1>, se11do que para países desenvolvidos essa
do Câ11cer) para 2010, o câncer de mama é o primeiro sobrevida aun1enta para 73º,f,, e nos países em dese11vol-
em incidência em r11ulheres em todo mundo, assim como vimento fica en1 57°10.
no Brasil, onde as estimativas para o ano de 2010 que
- .
ta111bén1 serão válidas para o a110 de 2011 e aponta111 para PREOCUPAÇOES RELACIONADAS AO DIAGNOSTICO
a ocorrê11cia esperada de novos casos de câncer de mama O sofrimento corn o câncer pode começar antes mesmo
de 49.240, con1 u1n risco estimado de 49 casos a cada 100 da ratificação de um diagnóstico formal dessa patologia.
Tratado de Saúde Mental da Mulher

Assin1, indivíduos que assistiram familiares ou amigos próxi- metros de tecido normal. No fi11al do século XIX, \\'illian1
mos padecerem ou n1orrere1n de câncer e que sofreram co11- Halsted desenvolveu a técnica de mastectomia radical,
ju11tamente podem apresentar reações disfi.111cionais diante da que re,,olucionou a mastologia. Por volta dos ar1os 1870,
possibilidade dessa doença. Por exemplo, filhas cujas mães fa- so111ente 4% das n1ulheres sobreviviam três a11os após
leceram por câncer de n1ama e que realizan1 exan1es diagnós- uma cirt1rgia de câncer de mama. Com a téc11ica de Hals-
ticos com uma frequência maior qt1e o necessário, un1a rea- ted, na qt1al a mama i11teira era retirada, alé1n de músculos
ção claramente a11siosa, até mesmo aquelas que diante de u1n da parede torácica e dos lir1fo11odos axilares, o nún1ero
risco genético n1aior neglige11ciam a atenção 111édica. de n1t1lheres que sobre, ivia111 três a11os sem n1etástases
1

En1 relação ao câncer de mama, este apresenta n1ar- passou para 46,5°'6. A técnica de Halsted predominou por
cadores genéticos qt1e podem determinar a conduta dos mais de meio séct1lo e passot1 por algt1n1as n1odificações,
indivídt1os em relação à ,,igilâ11cia diagr1óstica e a níveis de n1as somente nos últi111os vinte a11os houve outro grande
desco11forto ot1 sofrime11to psíqt1ico. Warner (2004) estudou impacto: para ,,árias mulheres co1n tun1ores i11iciais, a
a qt1estão psicológica em portadoras de rnutação BRCA 1 e mastectomia total pode ser evitada, e un1a cirurgia co11-
BRCA2 que, co1110 foi demonstrado, apresentan1 un1 risco servadora, como a lt1mpectomia, seguida por radioterapia
de 45 a 85% de desenvolvimento de câncer de n1ama, alén1 e trata1nento sistê111ico, traziam restiltados de sobre,,ida
de un1 risco de 11 a 60% de desenvolver câncer de ovário sin1ilares, segundo Veronesi e cols. ( 1981; 2002).
até os 70 anos de idade. Entre as pacientes que recebe111 o Hoje, a minoria das mulheres é sub1netida à mastecto-
resultado positi,·o para seus testes ge11éticos, 75°/o apresen- mia. A5 indicações são para aqt1elas com dois ou r11ais
ta1n um aumento significativo 110 nível de preocupações ou focos de tun1ores prin1ários e1n áreas diferentes da man1a,
sofrimento psíquico. Essas pacie11tes devem receber aco11se- microcalcificações com aspecto maligno e difuso, radio-
lhan1e11to clínico ou genético para as decisões a serern ton1a- terapia prévia para a 1na1na (que impossibilitaria n1ais
das. Como 1nedidas profiláticas, são citadas a ooforectomia radioterapia após a cirurgia conser,,adora), margens posi-
bilateral, pois di111i11t1i as taxas de hormô11ios fen1i11i11os tivas persistentes após três OLI r11ais tentativas de remoção
indutores do câ11cer de mama, e a mastecton1ia profilática. do tumor primário, doença do colágeno ativa (con10
Este último procedimento não é u11animidade entre as 111u- escleroderma e lúpus eriten1atoso sistên1ico) e tt11nor
lheres, por di, ersas razões, incluindo o aspecto mutilatório
1 grande em un1a 111ama peqt1ena. Uma das complicações
da cirurgia e também por represe11tar uma prevenção mais da cirurgia é o desenvol, ime11to de linfedema no 1nembro
1

radical que o próprio tratamento, por se se11tir que o câncer superior após a dissecção de li11fonodos axilares. Alén1 de
não é todo evitável, por se saber que a maioria dos cânceres a paciente se11tir-se mutilada pela cirurgia, o linfedema
são tratáveis, por se crer em uma efetiva vigilância ou até causa alterações importantes 11ão só físicas como funcio-
por se saber que poderão n1orrer por outras causas. Assirn, 11ais. Recomenda-se qt1e, após a dissecção de linfonodos
a ooforecton1ia é mttito melhor aceita, numa clara alusão axilares, não sejam feitos movimentos bruscos con1 o
à qt1estão da imagem corporal. Tan e cols. (2009) tainbém n1embro superior, e,,item-se i11fecções 11esse n1embro,
consideraram a i1nportância da questão da mastectomia não se pern1ita a colocação de agull1as etc. Recenteme11te,
profilática, e conduziram um estudo enfocando o apoio a técnica do linfonodo sentinela din1i11uiu a linfadenecto-
psicológico a mulheres de alto risco genético para câncer de mia axilar sistemática, e, conseqt1entemente, o número de
n1an1a, ou seja, portadoras da mutação BRCAl e BRCA2. pacientes co1n essa complicação.
A decisão pela n1astectomia profilática é co1nplexa, pessoal e
irreversível. No estudo, 70 de 73 n1ulheres aceitaram a con-
sulta psicológica, e 81 % se decidiram pela cirurgia, sendo Indicada como tratamento con1plen1entar para pacien-
qt1e as pri11cipais razões para tal foram reduzir a ansiedade tes submetidas a tratamento cirúrgico conservador da
e o risco de desenvolverem câ11cer, a fim de evitarem a n1a1na, para din1inuir a recidiva ipsilateral. Existe também
repetição do precedente familiar da doença. Entre dessas un1a indicação forn1al desse tratamento con10 adjuvante
1nulheres, cerca de ½ necessitaram de suporte psicológico para as pacientes com tumores de man1a qt1e se subn1e-
adiciot1al e tratamento psiquiátrico, incluindo-se o uso de teram à mastectomia e que têm alta chance de recidiva
antidepressi,,os en1 algun1as poucas situações. locorregional, principalmente naquelas pacientes com al-
gu11s li11fonodos axilares acometidos, segundo o,,ergaard
TRATAMENTOS DO CÂNCER DE MAMA e cols. ( 1997).

-
-- - - ~.,..,, ,,. •• ,..,.õ,.,,...,
'
A •
--

O tratamento sistêmico para o càncer de man1a 1n1-


(
.
,.,, .
,,,.,.., ....
cial é realizado para di1ni11uir a possibilidade da n1aior
A cirurgia para o câncer de mama requer a excisão ameaça do tumor de man1a: a recidiva à distância, ou
de qualquer tumor invasivo com margens negativas. seja, metástases. Assin1 como a cirurgia e a radioterapia
O tumor deve ser excisado "e111 bloco", con1 alguns centí- encarregam-se do controle da doença locorregional, o

274
Capítulo 29 - Considerações a respeito do câncer de mama e sua colaboração para o entendimento do universo feminino

tratan1ento sistêmico é utilizado para atacar eventuais -se esquemas de poliquimioterapia, e a te11dência é tratar
células microscópicas responsáveis pelas metástases nas as pacientes com agentes únicos e seque11ciais, visa11do ao
pacientes recidivantes. O tratamento sistên1ico, que pode controle da doença com 1ni11imização dos efeitos colate-
n1elhorar a probabilidade de cura por volta de 30%, é rais, sem prejudicar a sua qualidade de vida.
dividido em três componentes: horn1onioterapia, quimio-
terapia e imunoterapia. Terapia em alvo molecular
Cerca de 20 a 25% dos tumores de n1ama hiperexpres-
Hormonioterapia sam uma proteína transmembrana, o Her2-neu, ou fator
É um dos tratamentos sistêmicos adjuvantes mais de crescimento epitelial. Essa proteína se 1nostrou Ltm
eficazes no tumor de mama, mas somente nas pacientes fator prognóstico para pacientes com câncer de mama
que têm tumores que expressam os receptores hormo- tratadas com quimioterapia. Ao mesmo te1npo, desen-
nais de estrógeno e/ou progesterona. O benefício é a volveu-se um anticorpo anti-Her2-neu - a herceptina
redução absoluta da mortalidade em n1ais de 10%. Os ou trastuzt1mabe -, que, além de mostrar seu benefício
pri11cipais efeitos colaterais são os relacionados à me- em pacie11tes com tumores metastáticos que l1iperex-
nopausa. O tamoxifeno é um modulador seletivo do re- pressem essa proteí11a, tan1bém pode reduzir a recidiva
ceptor de estrógeno e pode causar ondas de calor, trom- de pacientes tratadas com esse anticorpo por Llm ano
boembolismo, tumores de endométrio, mas, ao mesmo após a cirurgia. Outra n1olécula qt1e age tanto do Her2-
tempo, apresenta certa proteção contra a osteoporose e a -neu como no EGFR (receptor fo-fator de crescimento
melhora do perfil lipídico. epidérmico) é o lapatinib, droga oral que usualmente
Mais recenten1ente, uma nova classe de hormonio- é receitada na doença metastática 11as pacientes cL1jo
terapia foi desenvolvida: os inibidores de aromatase, tt1mor hiperexpressa o Her2-neu.
que din1inuem a produção de estróge110 pela conversão Para as pacientes cujo tumor não l1iperexpressa essa
periférica da testosterona. Ren1édios dessa classe ( como proteína, há o bevacizumabe. Este é um anticorpo mo-
anastrosole, letrosole e examestano) têm perfil um pou- noclonal anti VEGF (fator de crescimento endotelial
co diferente do tamoxifeno: não poupam as pacie11tes vascular) que é um agente antia11giogênico, inibindo
da osteoporose e tampouco têm ação no perfil lipídico. a formação dos novos vasos sanguíneos que nutrem o
A secura vaginal é um importante efeito colateral da hor- tumor. O bevacizun1abe é comumente receitado com
• • • • I

monioterapia em geral, o que prejudica a atividade sexual. qu1m1oterap1a para pacientes com metastases, e apresen-
A ooforectomia ou o uso de análogos de gonadotrofinas ta aumento de resposta com aume11to de sobrevida livre
pode ser indicado em pacientes pré-menopausadas com de doença, mas não necessariamente com aun1ento de
tumores receptores hormonais positivos, levando à me- sobrevida global.
nopausa precoce.
A horn1onioterapia também é utilizada nos casos de RELAÇÕES DO CÂNCER DE MAMA COM A SAÚDE
doença metastática de pacientes cujos tumores expressam MENTAL
os receptores hormonais. Em geral, são a droga de esco- Quando é abordado o aspecto psíquico de pacientes
lha quando as pacientes têm doença óssea e linfonodal, oncológicos, é possível esperar toda sorte de n1anifesta-
enquanto a quimioterapia fica reservada para as pacientes ções de síndromes psiquiátricas: reações de ajL1stamento,
que tenham doe11ça visceral (hepática, pulmonar) em quadros ansiosos, síndromes depressivas, particularn1ente
grau avançado de atividade. a depressão, ou até mesmo a psicose. A ocorrência de Llm
determinado câncer em un1 indivíduo representa, lato
Quimioterapia sensi,, um fator estressar contribuii1do para a precipitação
O impacto na redução da recidiva e no ganl10 de sobre- de deter1ninada síndrome mental. É claro que a análise
vida existe com o uso de quimioterapia adjuvante, mas de dessa relação é complexa e envolve 1núltiplos fatores,
ma11eira 1nais n1odesta que na hormonioterapía. É mais começando pela predisposição genética desse indivíduo,
indicada para pacientes com alta chance de recidiva, seja passando por questões relacionadas á organicidade, por
pelo tan1anho do tumor ou pelo ntimero de li11fonodos exemplo, o tipo de tratamento que esse indivídLtO está
acometidos, e, principalmente, nas pacientes com recepto- recebe11do ou 111esn10 condições clínicas relacionadas ao
res l1ormonais negativos. Nem todos os esqL1emas de po- próprio câncer em si. A própria hormonioterapia para o
liquín1ioterapia causam náL1seas ou vômitos e alopecia. Os câncer de mama pode diminuir os 11íveis de estrógenos
esque1nas com antracíclicos ( doxorrubicina ou epirrubi- no sistema nervoso central, acarretando em distúrbios
. .' . .
ps1qu1atr1cos nessas pacientes.
cina) são aqueles co1n maior potencial de êmese, além de
alopecia; os taxanos - drogas recentemente utilizadas na É importante ressaltar também o aspecto imL1nológico
adjuvância - também causam alopecia. da questão. Uma importai1te teoria a respeito da etiologia
Se houver recidiva ou metástases, a quin1ioterapia tam- dos quadros depressivos tem apo11tado que as citocinas,
bém é en1pregada para as pacie11tes. Nesses casos, evitam- sttbstâncias produzidas na resposta imunológica de defesa

275
Tratado de Saúde Mental da Mulher

a un1 agressor e qL1e têm múltiplos papéis dentro dessa dromes psiqL1iátricas em pacientes con1 câncer de 111ama,
resposta organizada, tan1bém tê1n ação no SNC (sisten1a por se tornar assaz disfuncio11al, particular111ente quando
ner,1oso ce11tral), levando ao "comportar11ento doente': associado, em comorbidade, a quadros depressivos, mas
qt1e significa a febre, a 11áusea, a di111inuição do apetite, a 11ão necessariamente o eve11to trat1n1ático está correla-
perda de interesse nas ati\•idades rotineiras, o sono irregu- cionado ao câncer e111 si. Exceções são feitas a n1L1lheres
lar, assin1 como a depressão e a irritabilidade, chega11do- que ti,·eran1 histórico de sofri1nento associado à doença,
-se a prejt1ízos cogniti,,os leves e prejuízo de ate11ção e da con10, por exe1nplo, ,,er a n1ãe morrer por esse n1oti,·o.
111emória recente. Esse "con1portamento doe11te': un1a vez
prolongado, configt1ra-se urn quadro depressivo. Câncer
-
DEPRESSAO
é, sen1 dt1vida, u1n estado infla111atório crônico. São 111t1i- Segt111do ~1assie (2004), a depressão é a sír1drome
tos caminhos que indicam o porquê da ação das citocinas psiquiátrica qtte, de longe, mais ten1 recebido atenção de
resultare1n en1 depressão, podendo passar, por exe111plo, estudos en1 indi\ Íduos con1 câncer, e seu estudo represen-
1

~1elo metabolismo do triptofano, prect1rsor da serotonina. ta sempre um desafio, por causa do largo espectro sinto-
As principais citocinas e11volvidas nesta gênese serian1 a matológico que varia da tristeza ao tra11storno depressivo
IL-1-a e ~. TNF-a, IL-6. 111aior, passando por respostas emocior1ais a eventos
co1nun1ente relacionados ao câncer, con10 tàdiga e dor.
ESTADOS ANSIOSOS, AJUSTAMENTO E ESTRESSE Embora te11ha t11na alta variação sobre os dados de preva-
PÓS-TRAUMÁTICO lência, co11siderando-se diferentes conceitos de depressão,
O diag11óstico de u111 câncer e suas abordagens subse- rigor metodológico e difere11ças de população, as taxas de
qt1entes trazem a necessidade evidente de ajustamento do depressão em pacientes com câncer varian1 de Oa 38% em
i11divíduo aco111etido, pois acarretará muda11ças e trans- depressão n1aior e O a 58% 110 espectro depressivo, taxas
for111ações inevitáveis, por exe111plo: as n1odificações 110 que são até cinco vezes 1naiores que na população não
corpo que será submetido a uma cirurgia, o ritmo e rotina oncológica. En1 câncer de n1ama, as taxas de prevalência
do indivíduo que será quebrado, muitas vezes interrom- têm variado de 1,5 a 46%. A abordagen1 nesses estudos de
pendo ou abreviando uma obra da pessoa envol,1 ida, um prevalência pode variar, considerando-se desde estudos
projeto no trabalho ou da vida pessoal. Ajustar-se a essa populacionais longitudi11ais de pre,,alência ou n1esmo
nova realidade é uma necessidade, e l1á um consenso questões específicas relacionadas ao câncer de mania, tais
e11tre 011cologistas e outros médicos cuidadores que as como as taxas segundo o procedime11to cirúrgico adota-
características de caráter, associadas a outros fatores, do, a questão hormonal envolvida, a história prévia de
como gravidade da doença e agressi, idade dos tratan1en-
1 depressão ou estágio avançado da doença. Isso envolve,
tos propostos, deterrninam esse ajustamento, en1 que o certan1e11te, os fatores qL1e são apontados co1no respon-
indivíduo pode se tornar basta11te disfuncional. Pode sáveis por essas taxas elevadas de depressão em pacientes
ocorrer desde sinton1as ansiosos, tais como a preocupação com câncer de ma111a, entre os quais o nível de mutilação
constante e a tensão mL1scular, até síndro1nes psiquiátricas da abordagen1 cir(1rgica, segLlida ou não da reconstrução
estrttturadas, como pânico ou ansiedade generalizada. plástica, ou seja, envolvendo-se claran1e11te a image1n cor-
Co11sta11zo e cols. (2007) sugerern que n1ulheres que re- poral e a questão hormonal relacionadas ao tratamento
cebem tratamentos n1ais exte11sivos estão mais expostas antiestrogênico, com ta1noxifeno ou inibidores da aro-
ao risco de ansiedade relacio11ada, sendo a quimioterapia n1atase, considerando-se a participação do estrógeno na
n1ais propensa a tal, seja pelos efeitos colaterais, seja pela gênese de quadros depressivos.
própria condição de mt1lheres subn1etidas à quimiotera- Chochino,· (2001 ), en1 u1na revisão que aborda a ques-
pia provavel111ente terem uma maior gravidade, portanto tão da depressão em pacientes com câncer en1 geral, de-
u1n 11í,,el 111aior de preocupação da recorrê11cia. O trans- monstra sua preocupação com o rastreio de depressão em
torno do estresse pós-traumático é uma patologia que, a pacie11tes oncológicos, particularmente com o desejo sui-
despeito de sua baixa prevalência, é muito disfL111cional cida en1 pacientes que apresenten1 a falta de esperança em
aos pacientes, podendo gerar con1portamentos fóbicos sua sintomatologia depressiva, aponta11do ainda o desejo
aos pacientes, que podem negligenciar o tratame11to, par- de morrer correlacionados à depressão e1n conjL1nto com
ticularmente quando há antecede11te de um tratamento dor 011cológica e tàlta de suporte tàn1iliar, enaltece11do a
agressivo ou invasi,,o anterior. Há controvérsias a respeito hiper,,igilância en1 relação a sofrimentos como dor, náu-
desse diagnóstico, de11tro do e11tendimento que o estímt1- sea, disp11eia, ansiedade, pe11sa1nentos suicidas, de morte,
lo gerador de estresse pós-traumático deva ser entendido falta de significado e espera11ça en1 relação ao futuro,
como um estímulo c.le gra, e ameaça ao indivíduo, á sua
1 considera11do-se sernpre o tratamento ativo, envolvendo a
i11tegridade física ou 1noral, o que 11ão é, certamente, o in- tàmília, a con1u11idade e o suporte espiritual.
tuito de uma cirurgia curativa ou mesmo paliativa. Assim, Na abordage111 de 1nulheres com câncer de mama, é
o estresse pós-traumático é um diagnóstico que de,•e ter importante saber quais n1ulheres estão mais expostas ao
u1na consideração bastante especial na avaliação de sín- risco de desenvolvere1n quadro depressivo. Den Oudsten

276
Capítulo 29 - Considerações a respeito do câncer de mama e sua colaboração para o entendimento do universo feminino

e cols. (2009) apontam alguns fatores qt1e isolados ou Fadiga é a sensação de cansaço permanente que não
em concorrência são elernentos de predição de sintomas é aliviada pelo sono ou descanso, e cursa com a vo11ta-
depressivos em até u1n ano após tratamento cirúrgico de permanente repousar, desproporcional ao nível de
de pacientes con1 câncer de mama em estágio precoce. atividade do indivíduo, sensação de peso 110s membros,
E11tre esses fatores, encontra-se o tratamento cirúrgico diminuição da atenção e dificuldades de completar as
co11servador, ou seja, a retirada apenas do nódulo, com tarefas ao longo do dia. Bardwell & A11coli-Israel (2008)
lin1peza linfo11odal axilar seguida de radioterapia, fadiga, revisaram o tema, ressaltando de imediato a importância
desesperança e traços neuroticistas de personalidade, do assunto pelo impacto direto na qualidade de vida dos
que os pesquisadores identificam por meio dos aspectos: indivíduos acometidos e apontam alguns mecanismos
vulnerabilidade ao estresse, depressão, hostilidade, ansie- que podem estar envolvidos em sua gênese, ressaltando
dade, at1toco11sciência e impulsividade. Os pesquisadores st1a complexidade. Assim, tanto a depressão maior como
explicam que o fato de o tratamento conservador ser uma a distimia têm a fadiga entre seus critérios diagnósticos,
predisposição n1aior à depressão pode ocorrer em razão sendo que a depressão está ligada a muitos fatores em
da questão do suporte e da dúvida que pode permanecer pacientes com câncer, conforme já discutido. A fadiga
na pacie11te se ela retirou tecido tumoral o suficiente para pode estar ligada ainda a característica de perso11alidade,
st1a cura, ou seja, se sua decisão foi acertada. co1no fatalismo, catastrofização e redt1zida capacidade
Uma população qt1e deve ter atenção especial no que de enfrentamento, à presença de anemia, de processos
tange a quadros depressivos são as mull1eres con1 câncer inflamatórios, sendo que interleucinas como a IL-6 e a IL-
de mama n1etastático. Caplette-Gingras & Savard (2008) -1 ra são marcadores i11flan1atórios fo rtemente atrelados a
fizeram uma ampla revisão da literatura, partindo de esse sintoma. Ainda, há a questão dos ritmos circadianos
achados prévios de que mulheres nesse estágio de doença e sono, numa relação complexa. Como possibilidades de
parecem ser n1ais afetadas por quadros depressivos que tratamento, os autores sugerem atividade física, que tem
mulheres em outros estágios (iniciais) da doença. Os forte evidência favorável, principalmente em pacientes
fatores de risco para tal foran1 a percepção da gravidade com câncer en1 fase inicial, terapia cognitivo-comporta-
da doença; ou seja, a percepção da progressão da doe11ça mental, enfoca11do a abordagem da insônia e higiene do
em direção a estágios terminais causam grande sofrimen- sono, e farmacoterapia, enfatizando-se o uso da bupro-
to psíqtLico; além disso, a presença de sinton1as físicos e piona e considerando-se estudos promissores em relação
psicofisiológicos como dor, fadiga, insônia, queda no de- à modafinila.
sempe11ho psicossocial, alé1n da disp11eia e ocorrê11cia de
r V
,, rn J\TJ\ C"-ITI"\ n /\ nr:oni::cc /\ r.
sinton1as gastrointesti11ais. O tipo de tratamento recebido
tan1bém pode estar associado à depressão, como é o caso Uma questão bastante especial envolve mulheres que
de pacientes recebendo determinados tipos de quimio- estejam recebendo tratan1ento com tamoxifeno e apresen-
terapia, por exe1nplo, a combinação de doxorrubicina e tem quadros depressivos com a premente necessidade do
ciclofosfamida, que é associada à presença de sintomas uso de antidepressivos em seu tratamento. O tamoxifeno
psiquiátricos, embora isso 11ão seja uma u11animidade é um n1odulador seletivo de estrógeno, com propriedades
na literatura. Até mesmo o fato de não estar recebe11do estrogênicas e antiestrogênicas em diversos tecidos, sendo
tratamento antineoplásico pode ser um preditor de sin- que no tecido ma1nário ele inibe o efeito desse hormônio
tomas depressivos en1 pacientes com câncer avançado, no crescin1ento tumoral. O tamoxifeno é convertido em
considerando-se aqui todos os tipos. E111 relação ao gê- endoxifeno via sistema citocromial P450 2D6, sendo que
nero feminino, parte-se do dado sobre a ocorrência cerca esse metabólito é cerca de 100 vezes mais ativo que o ta-
de dt1as vezes maior em mulheres de depressão que em moxifeno, representando, portanto, a principal atividade
home11s. A observação geral é que o câncer de mama é a terapêutica desse fármaco. Desmerais & Looper (2009)
doença oncológica qt1e mais ct1rsa con1 depressão asso- revisaram o terna do uso adjuvante do tamoxifeno com
ciada. Baixo status socioeconômico parece ser um fator antidepressivos, enfatizando a possibilidade de interação
de risco, assim como Llm patamar mais elevado de nível farmacocinética e uma possível anulação dos efeitos tera-
edt1cacional parece ser um fator protetor, assim como o pêt1ticos pretendidos con1 a hormonioterapia. Fluoxetina
fato das 1nt11heres estarem casadas, quando comparadas e paroxeti11a diminuíram consideravelmente os níveis do
às solteiras ou separadas - t11n fator muito importante e11doxifeno; sertralina, duloxetina e fluvoxamina apresen-
nesta consideração é o suporte social. Não se deve esque- taram efeito moderado; citalopram teve u1n efeito leve ou
cer a estratégia de enfrentamento da doença (otimismo, mínimo, e venlafaxina não apresentou efeito de dirninui-
espírito de luta, percepção de controle versus fatalisn10, ção dos níveis de endoxifeno. Mirtazapi11a e nefazodona
desesperança, derrota). Fu11dame11tal, obviamente, é con- não têm sido extensiva1nente estudados, mas, em teoria,
siderar a história prévia de quadros psiquiátricos, particu- tendem a apresentar um efeito mínimo nessa interação.
larmente a depressão. Assim, ao se tratar mulheres com depressão que estejan1

277
Tratado de Saúde Mental da Mulher

recebe11do o tan1oxifeno, as opções são a ,,enlafaxina e1n ção; assin1, o seio restante pode represe11tar uma ameaça
prin1eiro lugar, qL1e ainda pode ter u111 efeito benéfico permanente por ocupar t1m lugar particular e equivocado
sobre os colaterais ,,aso111otores do ta1noxife110, con10 os na hierarquia da imagem corporal, por represe11tar a
fogachos. Citalopran1 tan1bém é uma boa opção, seguida sobre,1 ivê11cia si111bólica do aleitamento, da femi11ilidade
de 1nirtazapi11a, nefazodona e sertralina. Consideram-se e da sexL1alidade e podendo tornar-se "disfL111cio11al" por
alter11ativas con10 psicoterapia. O raloxifeno, um OLttro de,,er ficar intocado nas relações sext1ais e no aleitamento
antiestrogê11ico qL1e é metabolizado por co11jugação glu- dos recém-nascidos.
coronídea e 11ão via sistema citocromial P450, não é co11- A

siderado un1 substituto ao tamoxifeno, nem na adjt1, ância


1
EFEITO DO GENERO
nen1 na doe11ça n1etastática. É importante le111brar que Além das próprias qt1estões específicas inerentes ao
por ser o tan1oxifeno um modulador seletivo de receptor câncer de 1nan1a, ser u1n l1omem ou uma n1ulher com cân-
estrogê11ico de primeira geração, con1 propriedades es- cer tên1 diferenças quanto aos aspectos psicossociais, de
trogênicas e antiestrogê11icas, ele pode estar associado enfre11ta1ne11to, qt1alidade de vida, sexualidade e até mes-
ao aparecin1ento de sintomas ou até 111esmo síndromes mo nos parceiros do sexo oposto. Kiss & Mer)'n (2001)
depressivas agt1tlas, tal como geralmente ocorre em pe- descreveram st1a experiência en1 pacientes homens com
ríodos pré-menstruais, puerperais ou 11a me11opausa. Há câncer de próstata e ,nulheres com câncer de ma1na e
relato de caso na literatL1ra, em que a venlafaxina exerceu enfatizam, por exen1plo, a diferença de atitt1de en1 grupos
uma ótima opção, pelas razões já anteriormente expostas. de suporte, em que os hon1ens preferen1 compartilhar
Além disso, i11ibidores da aromatase, como o letrosole, informação, e11qL1anto as mulheres, en1oção. En1 relação
a11astrosole e exemestano não sofrem interferência dos aos parceiros, normalmente as parceiras aprese11tan1 11ível
antidepressivos. de sofrimento maior que os n1aridos, enaltece11do que o
papel do cuidado é u111 dos aspectos da fen1inilidade.

A medida da QV é um parân1etro fortemente estudado SEXUALIDADE


dentro de qualqL1er área da medici11a, e na oncologia não O câncer de n1ama pode afetar negativamente a se-
poderia ser diferente. Sua definição é subjetiva porqt1e xualidade das n1ull1eres en,·olvidas. Segundo Hickey e
agrega aspectos socioct1lturais da população en,,olvida cols. (2009), tal questão varia de acordo co1n a idade, o
assim con10 a percepção de cada indivídt10 sobre sua status menopausa! e fatores relacionados à natureza dos
própria saúde. É uma medida que colabora, antes de tudo, tratame11tos cirúrgicos e endocri11ológicos. A disfunção
na to111ada de decisões n1édicas. Em seu estudo clí11ico, sext1al é muito comun1 em mulheres qt1e cursam con-
Co11de e cols. (2005) identificaran1 fatores que afetan1 a juntan,ente com vaginite atrófica, podendo ainda estar
qualidade de vida de mulheres sobrevive11tes de câ11cer correlacionada à image1n corporal, à libido e à autoestin1a
de n1ama entre 45 e 65 anos de idade: a situação 1narital de st1bsequentes ao câncer. A vaginite atrófica pode vir em
estar casada ou ter um compa11heiro, sintomas de clima- decorrência do tratan1ento antiestrogê11ico (tamoxifeno e,
, . , .
ter1os, estar na pos-menopausa e tratamentos mais con- de forma bastante partict1lar, os inibidores da aromatase) e
servadores. Entre os sintonias mais descritos 11a perda da afeta cerca de t1n1 terço das n1ulheres pós-n1enopausadas,
qualidade de vida, estão os fogachos, nervosisn10, tontura. considerando-se que a menopausa pode ter sido conse-
quê11cia do tratamento hor111onal (me11opausa precoce).
~

CONSEQUENCIAS DOS TRATAMENTOS SOBRE A Como alternativa terapêutica, pode-se indicar o LlSO de
FEMINILIDADE estrogênicos vaginais que, em geral, tên1 absorção sistê-
A n1ama apresenta uma representação múltipla do fe- n1ica i11significa11te. Estrogê11icos sistên1icos deven1 ser
minino, podendo ser ,,ista con10 uma metonímia domes- evitados, particularn1ente 11as pacientes co1n tumores que
mo. Assim, tem ligações con1 a sexualidade, por exemplo, expressem o receptor de estrógeno. Em relação à disfunção
como ponto erótico, como elen1ento de visualização da sexual, há particttlarmente poucas opções efeti,·as e segu-
beleza feminina ou como ele1nento de ligação com a ma- ras de tratamento. Estudos com uso de silde11afil ou terapia
ternidade, por ser o órgão produtor do leite, con1 toda a con1 testostero11a têm fracassado em termos de eficácia. Há
co11sequência simbólica que isso traz. Assim, conforme alguma e,,idência que o uso do antidepressivo bupropio11a
o e11tendimento de Hannoun-Levi (2005), a abordagen1 pode ajudar. Deve-se lembrar que a disfL1nção sext1al pode
da sexualidade 110 contexto da relação cuidadora implica ser piorada ot1 n1esmo conseqt1ência do uso de antidepres-
u1na compreensão ate11ta da evolução psicológica das sivos, partict1larmente i11ibidores seletivos da recapturação
pacientes. A imagem corporal, cujo desen,•olvime11to é de serotonina (SSRI), duais (SNRI) ot1 tricíclicos.
i11timamente influenciado pelo desenvolvimento da per- O câncer feminino também pode afetar drastican1en-
sonalidade, das relações interpessoais (fa1niliares, profis- te aos parceiros das mulheres acometidas, no tocante
sionais e sociais) e pela cultura, pode ser modificada pela à sext1alidade e i11timidade. Há un1a din1inuição n1uito
111astectomia, que pode ser vivenciada con10 t1n1a mt1tila- significati,,a da frequê11cia ot1 mesn10 da qualidade das

278
Capitulo 29 - Considerações a respeito do câncer de mama e sua colaboração para o entendimento do universo feminino

relações sexuais, o que obriga uma an1pla renegociação próstata, e enco11traram um alto nível de ansiedade nessa
dos aspectos relacionais do casal. NlL1da11ças na sexualida- popL1lação, relacionada a preocupações a respeito do fu-
de estão associados a sentin1entos de autoculpa, tristeza, turo, enfrenta111ento da situação, n1edo da perda, solidão,
raiva ou falta de satisfação sexual. Há casos, bastante ex- responsabilidade con1 a prole e con1 as tarefas don1ésticas.
tremos, de abandono da mL1lher 1--1or parte do 1narido ou - ,
con1pa11heiro, que a vê desfigurada ou i11capaz de ate11der INTERVENÇOES PSICOLOGICAS E
às suas de111a11das de prazer sexual. PSICOTERAPÊUTICAS
Weinberger e cols. (2010), en1 brilhante revisão sobre
- -
REPRODUÇAO E GESTAÇAO a interface entre psiquiatria e câ11cer de ma111a, fizcran1
Os dados epidemiológicos de incidência de câ11cer de considerações sobre as inter,·enções psicológicas direcio-
n1ama aponta111 que cerca de 25% de 110, 0s casos da doen-
1 nadas à n,ulher co1n câncer de man1a. U1na das n1odali-
ça se dão em n1Lilheres pré-n1enopausadas, se11do 5°1> em dades avaliadas é a TGES (terapia de grupo de expressão e
mull1eres com n1enos de 40 anos de idade. Ao recebere1n SL1porte), em que as pacientes são e11corajadas a expressar
tal diagnóstico, essas 1nulheres se deparam co,11 di,·ersas seus sentin1entos sobre a doença e o efeito desta sobre
qL1estões e1n suas vidas, inclL1indo o desejo e pla11ejan1e11to suas vidas, a discL1tir problemas de orde1n física e sere111
de terem um fill10. Gorma11 e cols. (2009) estudaran1 as asserti,·as com seus cuidadores. Tan1bén1 apre11den1 técni-
questões qL1e poden1 interferir nessa decisão, co11sidera11do cas de hipnose para o manejo de dor e focam na busca de
que a gravidez pode acarretar L11na série de consequê11cias significado de sua doença. Um primeiro grupo a dese11-
11essas mulheres, inclL1i11do a própria sobrevida, e a segL1- volver essa modalidade teve grande êxito no aL1n1ento da
ra11ça de seu tratamento e dentro de um pressuposto da sobrevida dessas pacientes, porém esse resultado 11ão foi
literatura médica de que n1Ltlheres que tomaram a decisão replicado posteriormente. A TGES também pode ajudar
de engravidar após câncer de man1a fariam parte un1 gru- mulheres com câncer de man1a metastático a expressarem
po já pré-selecionado de n1L1lheres que teriam um status n1enos tristeza, ansiedade, fí1ria e confLtsão, além de uma
de saúde n1elhor, considera11do-se então que teriam uma manifestação álgica significanten1ente menor. Há ainda
doe11ça de aspecto 111ais benigno. Os pesquisadores con- efeito positi, 0 na redL1ção de sintomas traun1áticos e co11 -
1

clL1íram que a condição física e111 si não é un1 indicador sequente111ente menos co1nportamentos de esquiva.
dessa decisão, n1as si1n a co11dição mental mais favorá,,el A TCC (terapia cognitivo-comportan1e11tal) també,11 é
dessas n1ulheres, reconhecendo-se a necessidade de se am- u1na téc11ica de grande utilização 11essas pacie11tes, e a téc-
pliar estL1dos 11essa qL1estão. A decisão de engravidar pode nica inclui a ide11tificação de pensan1entos automáticos 11e-
en, olver as próprias dificuldades de fertilidade subsequen-
1 gativos e disfuncionais, pro1novendo o enfrentamento de
tes ao tratame11to de câncer de ma111a. Hickey e cols. (2009) situações estressoras, encorajando-se atividades que tra-
apo11tan1, em sua excelente re,,isão, as dificuldades ineren- gam u111 sentido de realização, promove11do a comunica-
tes às n1ulheres submetidas a tratamento antiestrogê11ico, à ção aberta e e11sinando técnicas de rela,xa1nento muscular,
falência ovaria11a qL1e pode ser decorrente de tratan1entos objetiva11do o manejo de estados ansiosos mais intensos.
qL1imioterápicos, alé111 do risco em si en1 engra,1idar no qL1e Há un1a n1elhora compro,,ada e111 ansiedade, depressão e
tange à recorrência do tun1or, particularmente em n1L1lhe- sofrimentos psíquicos de outras orde11s. Particularn1e11te
res cuja doença seja hormônio receptor positi, as. O desejo
1 en1 pacie11tes com câncer metastático, essa técnica resulta
de ter un1 fi.1110 pode ter que ser adiado para depois de um e1n grande melhora do hu1nor e da ansiedade.
período crítico de tratamento e pode envol,·er técnicas Há di,•ersas OL1tras forn1as de inter,,enção, 1nesn10 que
con10 fertilização in vitro e criopreservação do en1brião, breves, por exemplo: intervenções nutricionais, e1n que a
esti111ulação o,,ariana e criopreser,·ação do oócito, criopre- paciente recebe instruções a respeito de u1na dieta mais
servação do tecido ovaria110 e xenotransplante e SL1pressão saLtdável, ou educacionais, em qLte infor1nações preciosas
o,·ariana com agonistas do GnRH (hormônio liberador de a respeito da doe11ça são prestadas, facilitando o ajusta-
gonadodrofinas), cada técnica con1 vantagens e desvanta- 111ento. A1nbas as técnicas promovem 1nelhora 110 hL11nor,
gens, e11tre as qL1ais estão cha11ces reduzidas de sucesso ou 11as perspecti,·as dessas pacientes, e facilitan1 a n1elhora
o risco de se i111plantar micrometástase do tumor prirnário, na interação social das n1esmas. Estímulo à atividade fí-
no caso do xe11otransplante. sica pode estar relacionada à melhora na fadiga. Téc11icas
de cu11ho analítico promovem a busca de sig11ificado do
PACIENTES TERMINAIS E CUIDADOS PALIATIVOS processo con10 um todo, e são un1 recurso bastante co11si-
Atenção especial dever ser dada a cuidadores de pa- derado, en1bora haja Ltn1a maior dificuldade na a11álise de
cie11tes tern1inais. Gro,• e cols. (2005) estudaran1 o nível de seL1s resultados. Téc11icas em grupo, de 111aneira geral, são
a11siedade, depressão e qualidade de ,•ida en1 cuidadores un1 recurso muito in1portante para essas pacientes, parti-
de pacientes en1 fase final de cuidados paliativos, conside- CL1larmente quando se considera a saúde pública, para a
rando un1a a111ostra predo111inante de câncer de n1a1na e qual a otimização do tempo e espaço é n1L1ito in1portante.

279
Tratado de Saúde Mental da Mulher

-
CONCLUSOES ChochínoY H~l. Depression in cancer patients. Lancet Oncol.
200 l ;2:499-505.
A experiência de trabalho no setor de psiquiatria de um
Conde Di'l, Pinto-):eto A~l, Cabello C,, Santos-:::>a D, Costa-Paiva
hospital plenamente direcionado ao cuidado em 011cologia,
I., ~1artinez FZ. Quaht) of Life 111 Brazilian Breast Cancer Sur-
o ICESP (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo) de- ,·ivors Age 45-65 Years: Associated Factors. The Breast Journal.
monstra um 11úmero gra11de de atendi1nentos a mulheres 2005;11(6):425-35.
diagnosticadas con1 câncer de mama, diversas em termos Constanzo ES, Lutgendorf SK, Mattes w1I., Trehan S, Robinson CB,
de tipo histológico, estágio do tumor, tipo de tratamento Te,,·fik F et ai. Adjusting to life after treatn1ent: distress and quality
envolvido ou mesmo outros parâmetros oncológicos. of life follo,,·1ng treatment for breast cancer. Br1t1sh Journal of Can-
cer. 2007;97:1625-31. D01: 10.1038/sj.bjc.660409.
Pode-se associar de imediato que esse nún1ero ele,·ado
de atendimentos de mulheres com câncer de man1a na Dantzer R, O'Connor JC, Freund GG, Rodne,• \\'. Johnson l{\\', Kel-
ley K\'\'. Fron1 inílan1n1ation to sickness and depression: ,,·hen the
psiquiatria seja em virtude da própria epiden1iologia des- in1n1une systen1 subjugates the brain. Nature. 2008;9:46-57.
se câncer, o prin1eiro entre mulheres. No entanto, há algo
Den Oudsten BL, \"an heck GL, \'an der Steeg AF\\', Rouke1na
a ser considerado que é o elevado número de qt1estões JA, De \'ries J. Predictors of depressive sympto111s 12 n1011ths after
ou dema11das trazidas por essas mulheres ao profissio11al surgical treatn1ent of early-stage breast cancer. Psycho Oncology.
de saúde mental. Além das questões inerentes a qualquer 2009;18:1230-37. D01: 10.1002/pon.1518
tumor, como as que envolvem o futt1ro, o prognóstico, a Desn1erais JE. Looper KJ. Interactíons Bet\veen Ta1noxifen and
sobre,,ivência, há as questões que envolvem a busca de .-\ntidepressants Yia Cytochron,e P450 2D6. J Clin Ps\'chiatry.
2009;70( 12): l 688-9i.
uma nova significação dessa mulher em relação a sua
Early Breast Cancer Trialists' Colaborativc Group. Polychen10-
essência feminina. Retirar uma n1ama, quando não as
therapy for early breast cancer: an overvie\v of the randon1ised triais.
duas, envolve um processo mutilatório que pode, com al- Lancet. 1998; 19:930-42.
gt1ma facilidade, ser reparado pelas modernas técnicas de Early Breast Cancer Trialists' Colaborative Group. Ta1noxifen for
cirurgia plástica, devolvendo um aspecto de beleza a esse early breast cancer: an over,,ie\, of lhe randon1ized triais. Lancet.
órgão, 1nuitas vezes "melhor que antes,,, considerando-se 1998;16:1451-67.
as i1nposições estéticas do mundo da beleza atual. É só Geyer CE, Forster J, L1ndqu1st D, Chan 5, Ron1ieu CG, Píenko,,•ski
isso, é sin1ples assim? Para algt1mas 111ulheres, sim, para T et ai. Lapatinib plus Capecitabine for HER2-Posili\'c 1\dvanced
muitas outras, não. É muito simples achar que ape11as o Breast Cancer. N Engl J Med. 2006;355:2733-43.
aspecto estético ou externo foi alterado e 11t1trir esperan- Gorn1an JR, lloesch SC, Parker BA, 1ladlensk> I., Saquib '\l, Ne\v-
1nan VA et ai. Physical and n1cntal health correlates of pregnancy
ça que sua reparação seja simples ou rápida. Por aquela
follo\,·ing breast cancer. Psycho-Oncology. 201 O; 19:51 i-24. DOI:
mama, ora doente ou até mesmo extirpada, passou muito 10.1002/pon. l 6 l 4.
da sensualidade e sedução daquela n1ulher. Passou tam- Grov EK, Dahl AA, .N!oun1 T, Fossa SD. Anxiety. depression, and qual-
bém o leito que nutriu seus filhos, processo este que pode ity of lite in caregivers of patients ,vith cancer in late palliati\'e phase.
situar-se 110 imaginário de algu1nas n1ulheres que não Annals of Oncology. 2005;16:1185-91. D0l:10.1093/annonc/n1di210.
tiveram filhos. Halsted \'\'S. A clinicai and histological study of certa1n adeno-
O tratamento de câncer de mama "1nexe" de maneira carcinomata of the breast: and a br1ef considerationf the supracla-
vicular operation and of the results of operations for cancer of the
geral corn estas n1ulheres. Sua parte hormonal sofrerá
brcast fron11889 to l 898 at the Joh ns Hopkins llospital. ,\nn Surg.
intervenção em muitos casos, e essa instabilidade terá 1898;28:557-76.
conseqt1ências na sexualidade dessa mulher, mais concre- Hannoun -Levi Jivl. Traiten1ent du cancer du sein et de J'utérus:
tamente no seu desejo ou na secura vaginal. impact phys1ollogique et psychologique sur la fonction sex-
É in1portante ter atenção a todas essas e outras ques- uelle. Cancer/Radiothérapie. 2005;9: 175-82. D01: 10.1 O16/j.
tões quando se recebe essas mulheres no consultório, canrad.2004.11.005.
muitas vezes fragilizadas, porém, ao mesmo tempo recru- Hegel MT, N1oore CP, Collins ED, Kearing S, Gillock K. Riggs RL
et ai. Distress, Psychiatric Syndromes, a11d Iinpairment of Func-
tando forças arquetípicas de luta contra essa importante
tion in \\1on,en \\'ith Ne,,·ly Diagnosed Breast Cancer. Cancer.
doença. Há muitas deusas na psique feminina, e o traba- 2006;107:2924-31. D01: 10.1002/cncr.22335.
lho do médico é saber recrutar a força de cada uma delas. Hickey M, Peate ~1, Saunders CM, Friedlander w1. Breast cancer
in young ,,,on1en and its in1pact on reproductive function. Human
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA Rcproduction Update. 2009; l 5(3):323 39. D01: 10.1093/humupd/
Bard,.vell WA, Ancoli-Israel S. Breast Cancer and Fatigue. Sleep Med dn1n064.
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Caplette-Gingras A, Savard J. Depression in ,,,omen ,vith metastatic prostate and breast cancer. B.N1J. 2001;323:1055-8.
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280
Saúde mental da mulher e
espiritualidade

Rosângela Maria Moreno de Campos

"Quando você olhar para u1na pessoa, ern seus relaciona,nen- procurar ente11der sua si11gularidade, seus recursos mui-
tos, na terapia, na vida, veja a aitna dela através de tnuitas exis- tas vezes comprometidos ou escondidos pela sua saúde
tências, do tempo i1~fi11ito... É preciso enxergar essa parte do ser mental prejudicada.
hu,nano, a al,na imortal, não a sua _for,na _física tra11sitória, para Quando, ainda, un1a mull1er agrega à sua \'ida a sua
poder de _fato cornpreender e ajudar..." prática espiritual, con1 vivências de devoção, considera-se
Brian Weiss, 1999. que, n1ais un1a vez, o profissional que a ate11de precisa de
se11sibilidade para e11te11der, avaliar e tratar essa 1nulher e,
dentro de uma visão sistêmica, quando necessário, cuidar
-
INTRODUÇAO de sua fan1ília. Toda mt1lher está em interação consigo
Embora consciente do contexto em que este capítL1lo é mesma e com os seus, relacio11a-se l1oriz.ontal e vertical-
escrito - um tratado de saúde mental da mulher - é inevi- mente con1 as suas crenças. Quer seja ela religiosa ou não,
tável pensar nas diferenças de gênero masculino e femini- quantas vezes observamos seu apelo a Deus ou a um ser
110. Mulheres e homens pensam, sentem e comportam-se superior de sua fé?
de maneiras diferentes. Não é este espaço o lugar para Então outra questão surge: um adoecime11to físico,
discorrer sobre essas diferenças de gênero, mas apenas en1ocional, mental coloca a n1ulher mais vulnerável e,
len1brar e in1ediatamente voltar para o foco de nossa con- consequentemente, mais aberta aos aspectos espirituais?
tribuição, que é a mulher, sua saúde mental e a bem-vinda Ou a mulher, ou o ser ht1ma110 em geral, tem a 11eces-
possibilidade de colocar na roda da discussão a inclusão sidade ir1trínseca de buscar o transcendente? É possível
da espiritualidade. observar no caso de adoecime11to uma busca, conforto e
Surgem perguntas in1portantes. De que mulher está se apoio de algumas pessoas em sua espiritualidade. Obser~
falando? Em que contexto sociocultural ela está inserida? va-se, também, com muita freqt1ência que muitas pessoas
Qual é o seu sofrin1ento, sua angústia e temores? Em tê111 buscado atendimento por profissionais que têm uma
que fase da vida ela se encontra? Muitas outras questões escuta de acolhimento e respeito à dimensão espiritual.
podem ser incluídas aqui. Para responder a essas e OLl- O objetivo aqui é provocar e instigar reflexões que ,,i-
tras perguntas, seria necessária uma obra específica para sem entender, desve11dar e desvelar a con1plexidade do ser
isso, na qual ha\,eria a possibilidade de discorrer deta- mulher para poder cuidar e se cuidar. É procurar enten-
lhadamente sobre elas, as mulheres, e contextualizá-las. der a mulher a partir de seus vários ângulos existenciais
Considera-se ser de suma importância mais investigação para tratá-la do ponto de vista das respectivas ciências.
nessa área específica, visto ser rara a literatura e estudos O ambulatório de saúde mental da mull1er - ProMulher
científicos voltados para a mulher e sua espiritualidade. do Instituto de Psiquiatria do HC-FMUSP - tern-se co11-
Quando se está en1 contato com uma mulher, é 11ecessário ce11trado 110 ciclo reprodutivo feminino.
Tratado de Saúde Mental da Mulher

UM OLHAR E A POSSIBILIDADE DE ENTENDER A SAÚDE E ESPIRITUALIDADE


PSICOLOGIA DA MULHER É com grande entttsiasmo e interesse, depois de anos
Há alguns anos, ao iniciar meus atendimentos clínicos de pesquisa e e11vol,,i111e11to com sat'.Lde 1ne11tal e espiritua-
como psicóloga no ambulatório Protv1ulher, lembro-me lidade, que cito a defi11ição abaixo, segu11do a Orga11ização
de ter surgido uma questão de forma clara e direta: existe ~lundial da Sat'.1de (2010), e seu no,·o conceito de Saude:
uma psicologia só para a n1ulher?
Apenas um parêntese e algun1as inquietações neste Saúde é uni estado di11ân1ico de co111pleto ben1-estar _físico,
parágrafo. Confesso que tenho un1a preocupação, e por 111e11tal, espiritual e social e não apenas a ausência de doença.
que não dizer medo, quando percebo tantas di,·isões,
especializações nos diferentes ra1nos da ciência, principal- Segu11do a Q;\,1S:
n1e11te a n1édica e tambén1 en1 relação à psicologia. Talvez,
escrevendo, esteja fala11do de meti lado nostálgico quar1do Desde a Assembléia i\lundial de Saude de 1983, a inclusão
pe11so e111 n1édico de fan1ília, clínico geral. Tan1bém me de unia din1ensão "não n1aterial" ou "espiritual" de saude
refiro ao fato de, n1t1itas vezes, ,,er e ot1,·ir uma pessoa ser ven1 sendo discutida extensan1ente, a ponto de haver uma
tratada por tantos profissionais e especialistas e não se proposta para 1nodificar o conceito classice de "saude" da
sentir entc11dida, acolhida e nem tratada. Parece que falta Organização ~lundial de Saúde para "un1 eslado dinân1ico
t1m fecharnento do diagnóstico e tratamento com o qual a de con1pleto ben1-estar físico, n1ental, espiritual e social e não
pessoa si11ta-se integrada. Além disso, muitas vezes te11ho n1eran1ente a ausé11cia <le doença·: (\\'110 ~[AS/i\IHP/98.2)
ou, ido queixas de pacie11tes sobre tal situação. Ao n1esmo
1

ten1po uma das q11estões que me fascina em relação à área Assim, essa nova defi11ição de sa(1de torna tambén1
da saúde é a possibilidade de trabalho em equi~1e n1ulti- rele,,a11te e inclui a din1ensão da espiritualidade. Este li-
profissio11al. Grande possibilidade de troca! O que nen1 vro ,•e111 igualn1ente co11tribuir para atualizar, bern como
sempre acontece, apesar de uma equipe estar atua11do stigerir, a possibilidade de cuidar do ser huma,10 11a tota-
muitas vezes em um mesmo ambulatório, mesmo andar lidade de seu ser e não só 11a qt1estão da psique - aqui, a
etc. Percebo, ainda, que l1á falta de disponibilidade i11ter- psique fe1ninina. Son1os seres biopsicossociais, cultt1rais
na para ,•ínct1lo e11tre os profissio11ais, e aí n1e pergt1nto: e espirituais.
como fica o paciente tratado por un1a equipe assim? Essas Lott1fo Neto e cols. (2003) discorrem brill1antemente
são possíveis reflexões sobre uma equipe que é cuidadora, sobre as questões da saúde mental e religião. Salienta111
e contextualizo para a mulher. e descreven1 ao longo da história as interfaces entre a
É comt1m ouvir em rodas de amigos, quando o assunto psiquiatria, psicologia e religião. Consideram que tam-
passa a ser mulher, comentários con10: "É difícil entender bén1 outros profissionais de ajuda precisam co11hecer a
as mulheres!" Minha pergunta, e11tão, é: Quem quer real- inflt1ê11cia da religião na saúde e na doença. A cada dia,
mente entender a mulher? Considero que surgern muitas investigações e publicações científicas têm apontado para
curiosidades que giran1 em torno do que se espera das a influência positiva da fé sobre a sat'.1de, principalmente a
mulheres e quais suas próprias expectati,,as. mental. A experiência e expressão religiosa da natureza
Na obra Saiíde 1\1e11tal da 1\1ull1er, Cordás & Salzano humana tem sido cada vez mais valorizada, reconhecida e
(2006) apontam para o fato e localizam na história que so- objeto de pesquisa. A espiritualidade é um dos pilares na
n1ente no século XVIII a discussão sobre uma psicologia constituição de ser humano e pode ser tan1bém uma fonte
da mulher começa a ser considerada separadamente pela contínua en1 que se encontram ajuda e saúde.
sua essência e diferença da masct1lina. Consideram que: Ainda hoje encontramos profissionais en1 grandes
centros de pesquisas ava11çadas de todas as ciências ex-
Freud foi o pri111ciro teórico a estudar a n1ulher do ponto cluindo, dicotomizando o ser hun1ano e, tantas vezes, com
de vista estruturante e não mais puramente en1p1rico. Para muita dificuldade de integrar a espiritualidade em suas
ele a diferença anatômica per se não significa un1a di,·isão pesquisas e atendime11tos. Investigar a espiritualidade
e11tre os sexos no nível inco11scientc. A constituição do sexo tem sido t11n desafio para os pesquisadores pelo próprio
masculino e do sexo ferninino passaria pela compreensão caráter do ten1a. Dalgalarrondo (2008) diz que i11vestigar
do que ocorre na organização ps1quica da criança, quando a religião é complexo, ,,isto que, co1110 fenômeno ht1111ano,
da descoberta de tal diferença. E1nbora o inicio da obra de é experiencial, psicológico, sociológico, antropológico,
Freud remonte ao final do século XIX, foi so111ente a partir histórico, político, teológico e filosófico. Afirma, ainda,
de l 925 que o interesse pela sexualidade fe1ninina floresceu. que "implica abordage11s e dimensões várias e de distintas
(2006, p. 1) espécies da vida coleti,,a e indi,,idual. Ela é, 11ão se pode
negar, fenômeno hun1a110 de decisiva centralidade e de
A partir de Freud, até hoje, com esta obra e com cada complexidade incontornável" (2008, p. 16).
um qt1e aqui escreve e pesquisa, a n1ulher vem sendo mais Mesn10 corn tal dificuldade, pesquisadores se reúnem,
decifrada em seus enig1nas e sofri111entos. debaten1 e realizam pesquisas na área da espiritualidade

284
Capítulo 30 - Saúde mental da mulher e esp1ritual1dade

em vários centros avançados de pesquisa no Brasil e 110 a sua fé ou crença, fato já abordado aqui. Estan1os ainda
inundo, e u111 exemplo é o ProSer, no Instituto de Psiquia- en1 constante discL1ssão 110s n1eios acadêmicos científicos,
tria de FMUSP, con1 reuniões sen1anais de discL1ssão. procurando entender e defi11ir esses conceitos para poder
Lotufo Neto e cols. (2003) citam autores que falam e111 estudar e pesquisar as questões que envolvem a 1nani-
divórcio entre psiquiatria e religião e outros que mostram festação íntima espiritual ,,ivida e experienciada por um
que a paixão e11tre essas ciências ai11da 11ão morreu: i11di,1 ÍdLlO.
Como dito a11teriormente, sobre a possibilidade de
O casan1ento entre as perspectivas co111portan1entais e espi- relacio11a111e11to e11tre as perspectivas co1nportan1e11tais
rituais está longe, no futuro; a data do noivado ainda não foi e espiritt1ais, vale lembrar que, l1istorica1nente, Mendes
n1arcada, talvez seja n1elhor dizer que apenas con1eçaran1 a (2010) 110s relembra da importância das religiões na
nan1orar. Há os que auguran1 desastre nesta união. Nós dis- história da humanidade, não só em relação às questões
cordan1os [... ) (2003, p. 42) políticas e morais, n1as tan1bém quando dá sentido a
sofrime11tos presentes e à questão últi1na que é a morte.
É possível qt1e a observação acima leve em conta a Mudanças tên1 sido alcançadas ao lo11go dos ten1pos
possibilidade de um convívio respeitoso entre as ciê11cias en1 relação à in1portância da espiritualidade 110s diversos
e de u111 respeito aos limites e abrangências de cada urna. contextos sociais, inclusive em 11osso caso que trabalha-
Por toda a Antiguidade e Idade tvlédia, a psiquiatria e a mos com saúde. Nossos pacientes trazem diaria1nente
psicologia esti,1erarn interligadas com a religião e coexis- suas inquietações pessoais en1 relação à espiritualidade.
tira111 sen1 conflitos excessi, os. Ai11da hoje encontramos
1 Acolhemos, ignoramos, encan1inhamos, o qL1e fazemos?
pessoas ortodoxas, outras pouco flexí,,eis às questões tanto Os pacientes nos chegan1 en1 sua totalidade e singularida-
religiosas con10 emocionais no trato de si e das pessoas de e daí como lidan10s co1n eles? Será que tambén1 afetam
que as rodeia111 e daqL1elas que cuidam. Corno psicóloga, nossas i119L1ietações? É possível haver articulação entre a
percebo forte resistência de algu11s profissionais, co,no psi- psicanálise e a fé cristã, por exen1plo?
cólogos, psiquiatras e médicos, e,n relação à espiritualidade Na célebre obra Cartas e11tre Freud & Pfister ( 1998),
e en1 religiosos, quanto a considerar e englobar o aspecto ocorre u1n diálogo mL1ito interessante entre esses dois
ou dimensão en1ocior1al. Enfin1, observo rigidez dos dois grandes ho1nens que trocam cartas sobre suas crenças.
lados, religiosos pouco abertos em relação ao e111ocio11al Freud traz sua estimável, grandiosa e inegável cor1tribt1i-
e psicólogos, psiquiatras e médicos, em geral, con1 grande ção científica à aln1a huma11a, e Pfister, tarnbén1 gran-
resistência quanto à espiritualidade, como se não existisse diosa111e11te, contribui corno pastor e trata das questões
esse pilar do ser huma110. Assim, diagnostico como meca- espirituais. Ambos tinhan1 en1 comt1m a busca pela com-
nismo de defesa a negação do próprio ego pessoal dessas preensão do homem. Como todo bom diálogo, durante
pessoas. O desafio para todos nós pode ser o interesse, a ele surgira111 discordâncias e discussões mais acaloradas
i11vestigação científica, conhecimento para quebrar temores qt1e podem ser lidas e sentidas nessa obra.
e se abrir para a busca do 11ovo, visa11do à con1preensão E1n Cartas erztre Freud & P_fister (p.9), Joel Birman
holística do ser humano. considera:
Co111 essa 11ova definição de saúde e literaturas, con10
este livro, 110 qt1al profissio11ais de diferentes áreas trocan1 A correspondência entre Freud e o pastor Pfister, estabelecida
conhecin1entos, espero que as pessoas se abran1 no trato de forn1a sistemática e11tre 1909 e 1938, constitui talvez o
de si e dos outros. Se não se abrirem, já que poderen1os, arquiYo mais importante para batizarmos a relação entre os
muitas vezes, encontrar pessoas fechadas aos fenômenos discursos psica11alítico e religioso, co11siderando que algumas
subjetivos, será que não pode ha,,er tolerância para diálo- teses fundamentais deste debate foram assun1idas na vivaci-
, • •A. • • • •

gos entre as varias c1enc1as e seus respectivos c1ent1stas e dade de u1n diálogo arnigo e cordial, em que os interlocutores
entre ten1as específicos das diversas áreas? assun1iram posições discordantes face a essa problen1ática.

ESPIRITUALIDADE Durante muito tempo, a espiritualidade e a religião


Em AmatL1zzi e cols., Gilberto Safra diz que espiritua- foram negligenciadas no can1po da saúde me11tal. Hoje,
lidade é, para ele, "o sair de si e1n direção a u1n sentido os estudos científicos nessas áreas estão ai engati11hando.
último e o sustentar a transcendência 011tológica do indi- Acolher a espiritL1alidade do paciente nos atendin1e11tos de
víduo. O ontológico aponta para o ]ugar a partir do qual saúde tem sido dilema para muitos. Un1a maneira de enca-
a condição ht1mana se abre para a existência" (p. 205-11 ). rar esses dilemas são a consciê11cia pessoal dos profissionais
Neste momento, não cabe estabelecer diferenças e11tre e a possibilidade de debates entre as áreas e consciência
religiosidade, sagrado, espiritualidade e fé. Quando es- tambén1 dos limites entre elas.
cre,·o, e até agora, te11ho considerado mi11ha experiência Vários autores escrevem sobre a espiritualidade na
em clínica particular e hospitalar em que os pacientes, prática clínica, oferecendo L1n1 conhecimento e t1111a con1-
familiares e os profissionais evocam a Deus OLl se referem preensão maior para possível articulação entre as várias

285
Tratado de Saúde Mental da Mulher

práticas de ct1idado. Pesqt1isa e const1Jtas bibliográficas Suas oscilações de hun1or perderan1 111uita de sua intensidade
são i111portantes fo11tes de luz para esclareci1ne11tos diante e suas visitas ao hospital tornaran1-se raras. (p. 6 -7)
de possí,,eis dilemas 11essa área, proporcio11a11t-lo maior
tranquilidade e segt1rança na att1ação cl1r1ica. \,\ralsh (2005) traz t11na excelente co11tribuição à ciência
Pargament (2007), en1 sua obra, ao de defro11tar co111 ret1etindo sobre resiliência fa111iliar e destaca qt1e a resi-
essa qt1estão da al111a ht1rna11a, a espiritualidade, aco- liência é un1 co11ceito in1portante 11a teoria, 11a pesquisa e
lhe e fa7 t11na conexão qt1e considero brilha11te e ética no trata1ne11to e1n saude 1nental. Esse autor a <lefine como:
quando aborda a história de .Alice (sintetizada abaixo).
Quantas Alices tenho encontrado en1 minha att1ação Capacidade de se renascer da nt11'ersidnde _fortnlecido e co,n
profissio11al! 111ais recursos. Processo ativo ,te resistência, reestruturação e
A
creschnc11to 1:111 resposta à crise e ao ctes,~/io... As qualidades da
RESILIENCIA resiliencia pern1ite1n às pessoas se curare,n de .feridas doloro-
Escre,•er e cuidar de mulheres 11este mo111e11to n1e sas, assun1ire111 suas vicias e ire111 e111 .frente pnrt1 111•er e arnnr
1

remete à resiliência. Pargament (2007) relata a história plc11n111e11te. (2005, p. ..t)


de Alice e assi11ala a espiritualidade dela con10 fonte de
resiliência, força e co11solo para o e11frenta111e11to dos Estando ainda, n1t1itas vezes, a teoria, a pesquisa e a prá-
sofri1ne11tos e desafios. Da mesma forma, observo na tica tão fincadas nos deficits, patologias pessoais, familiares,
clínica recursos emocio11ais e espiritt1ais que poden1 ser a possibilidade de i11clusão, discussão e \'isão do profissio-
acessados, i11tegrados e reconl1ecidos co1no capacidades nal sobre as resiliências ,,en1 sugerir a possibilidade de se
de superação, re11asci1nento e saúde. Ta11tas vezes esses olhar para os potenciais individuais e relacionais.
rect1rsos parecen1 soterrados e fica111 i1nperceptíveis pela Os ele1ne11tos fu11da1nentais para a resiliência in-
história de vida e dores ,,ividas de 111uitas 111ulheres. Se- cluem os sistemas de cre11ça tà111iliar e e11volvem extrair
guem algt111s dados da história de Alice escritos por Par- significado da adversidade, perspectiva positiva, trans-
gament dura11te o trata1nento que realizou com ela: cendê11cia e espiritualiclade. \Valsh segue ainda, qL1a11to
à tra11scendê11cia e espiritualidade, ressaltando en1 uma
[... ] Alice tiJ1ha experin1cntado dor en1ocional durante a tabela de sistemas de crenças tàn1iliares: coração e aln1a
maior parte de seus 45 anos. ·rendo sido uma criança con1 da resiliê11c1a, o seguinte:
excesso de peso foi ridicularizada e insultada por seu pai e
descre,•ia se a si própria co1n a 1nes1na linguage1n que seu pai • valores 111ais amplos, propósito;
usara: ''grande e burra''. Desenvolveu os sintomas de transtor- • espiritualidade: fé, con1unhão, rituais;
no bipolar, pensamentos suicidas e passou por internações. • inspiração: vislu1nbre de novas possibilidades;
Vez por vez, ela c111ergia desses ciclos intacta, reconectando- • criatividade;
-se co1n as pessoas que ela amava e das quais cuida\'a (mãe • n1odclos de papéis e heróis;
idosa; idosos en1 abrigos; cegos; pessoas con1 doe11ça 1nental • transforn1ação: aprendizagem e saída da crise;
gra,·e. (2007, p. 4-5) • reavaliação, afirmação e alteração das prioridades da vida;
• co1npro1111sso de ajudar os outros; responsabilidade social.
Em um dado n101nento do tratan1e11to, Alice diz: (\\'alsh, 2005, p. 49)

Quando acabará meu sofritnento? (p.5) Considero este espaço ape11as con10 1notivador e i11stiga-
dor em relação aos temas abordados, e con, resiliê11cia não
Parga111ent relata que: é diferente. Espero fa,,orecer tambén, críticas e incô111odos
que façam os leitores saírem 1nuitas vezes do conforto de
Na prin1eira internação Alice diz que sent1u algun1a coisa st1a área e buscarem ampliar, entender, se entender para
que11te no centro do peito que a acal111ou. Afirn1a que era 111ell1or atender aqueles qLte o procuran1.
Deus que estava co1n ela e que estaria 11ão importa quão n1al
estivesse. (p. 6) PALAVRAS FINAIS
Mulheres \'istas e con1preendidas de seus e por
Com a aulorização de Alice, Pargan1ent durante o tra- seus próprios â11gulos. Mttlheres vistas e e11tendidas
la1ne11to co11ti11t1a falando sobre o: pelos olhares de pesquisadores e clínicos masculi11os.
tv1ulheres , istas e entendidas pelos olhares de pesqui-
1

se11tido de conexão espiritual que ti11ha sido, durante grande sadoras e profissionais fen1ini11as. Todos em busca de
parte de sua vida, a fonte de sua resiliência e de st1a força. Ela compreensão e atendi1ne11tos difere11ciados. Considero
tornou-se mais consciente de si mes1na, rnais confiante en1 riqt1íssima a possibilidade desses ,,ários â11gulos de
sua própria capacidade, e n1ais espera11çosa quanto ao futuro. con1preensão e atuação.

286
Capítulo 30 - Saúde mental da mulher e espiritualidade

En1 2010, em u111 grupo de psicoterapia por mim di- 111eus filhos, n1inha família (cuidar de min1). Estava confusa,
rigido, pude vivenciar várias histórias de mL1lheres com enxergava tudo ci11za, tinha 111edos, ne,n conseguia pedir
imensas dores en1ocionais passadas e presentes e1n suas ajuda e não conseguia chorar...
vidas. Histórias de abuso e1nocional, sexual e ,,iolê11cia Amo a Vida, e lutei 1nuito, para chegar até Vocês.
do111éstica passadas e atuais, que defino como que pare- Precisava de ajuda, 1nas finaln1e11tc consegui, e a cada dia,
ce11do um verdadeiro massacre à psique, à saúde 111ental. percebo o quanto n1inha Vida mudou, para Nlelhor!
Mulheres qt1e vinhan1 experime11tando dor emocional OBS. Qua11do chO\'e ouço o barulho da chuva, que 111aravílha!
durante a maior parte de suas vidas. No processo grupal, Se tenho dificuldades, dentro do n1eu lin1ite, Eu vou rcsol ·
as mu]l1eres traziam espontanea111ente Deus ou se refe- vendo (co,no posso). Afinal, estou consciente e 11ão mais
rian1 a sua fé ou cre11ça religiosa como suporte de e11fren- a11do (Dopada) por caln1antes. Posso dormir, Posso respirar.
tame11to, esperança e alí,,io. Descobri, que a pior dor, é aquela que Não Dói!
Finalizo co1n as foto5 das obras a seguir, trazidas por Descobri, que além de ren1édios preciso do ,nelhor re111édio
t11na dessas n1ulheres em tratan1ento no An1bulatório (0L1tro ser hun1ano).
ProMulher em que, no processo grupal final psicotera- Descobri, que Deus nos dirige para o lugar certo, e nos envia
pêutico, presenteia toda a equipe e demonstra seu don1 seus Anjos (gente que cuida da gente).
pela pintura. Seguem também as palavras escritas por essa Assi,n, Deus não escolhe os capacitados. Ele capacita seus
artista, tanto no se11tido da obra que fez bem como uma escolhidos. Para cuidar de sua n1aior criação: "Nós seus filhos
111ull1er que passou por grandes sofri1nentos, dores e1no- A1nados. (Miris, 2010)
cionais e agora 110s escreve (literalme11te) assi1n:
Minha home11agem a essa gra11de mulher e na pessoa
Hoje, agradeço a Deus, pelos Anjos que colocou e,n 111inha vida! dela agradeço as outras do grL1po de psicoterapia do a110
No passado, 1nuitas vezes não conseguia ser Eu n1csn1a, e des- 201 O. ML1lheres com ,,árias psicopatologias diferentes,
frtttar tt1do de B0111 que Deus n1e presenteou: Meu marido, muitas vezes comórbidas, mas que a equipe cuidadora

287
Tratado de Saúde Mental da Mulher

Cordas TA, Salzano FT. Saúde Mental da Mulher. São Paulo: Athe-
pode ver suas limitações, evoluções e busca de estabili-
neu; 2006.
dade emocional constante, 1nulheres guerreiras, extra-
Dalgalarrondo P. Religião, Psicopatologia & Saúde Mental. Porto
ordinárias. Mulheres que são conscientizadas, tratadas
Alegre: Artn1ed; 2008.
em seus dramas, traumas, de suas doenças 1nentais, mas
Freud EL, Heinrich M. Cartas entre Freud & Pfister [1909-1939].
rumo à busca da saúde mental e que prestam uma gra11de Un1 diálogo entre a psicanálise e a fé cristã. Tradução Karin Hellen
contribuição às ciências e também ensinaram e influe11- Kepler vVondracek e Ditmar Junge. \ liçosa: Ultimato; 1998.
ciaran1 a equipe que delas cuidou em psicoterapia. Lotufo Neto F, Zenon L Jr., Marti11s JC. Influências da Religião
A elas minha eterna gratidão! A elas mais uma vez, sobre a Saúde Mental. Sa11to André, SP: ESETec Editores Associa-
pelos seus depoimentos e buscas pessoais pude presenciar dos; 2003.
a espiritualidade emergindo de seus seres. Mendes S. Os lin1ites entre a espiritualidade e as crenças fan1iliares.
Considero que vamos espalhando sementes de saúde IX Congresso Brasileiro de Terapia Familiar. Resun1os. Búzios,
como profissionais dessa área. 2010.
Pargament KI. Spiritually lntegrated Psychotherapy. Nova York:
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA Guilfford; 2007. p. 4-7.
An1atuzzi MM et ai. Psicologia e Espiritualidade. São Paulo: Paulus; Walsh F. Fortalecendo a resiliência familiar [tradução Magda França
2005. p. 205-211. Lopes; revisão científica Claudia Bruscagin]. São Paulo: Roca; 2005.
Bruscagin C, Savi.o A, Fontes F, Gornes DM. Religiosidade e Psicote- Weiss BL. A Divina sabedoria dos Mestres. 2ª ed. Rio de Janeiro:
rapia. São Paulo: Roca; 2008. Sextante; 1999. p. 244.

288
Tratamento nutricional
no ambulatório de saúde
mental da mulher
Adriana Machado Saldiba de Lima
Adriana Kachani
Yvone Furtado

-
INTRODUCAO física estão també1n implicados no ganho de peso e na
'

A alimentação, fu11damental à sobrevivência humana, dificuldade da n1ulher e1n adequar-se a estética \rigente.
é t1m ato inscrito na origem cultural do hon1en1 desde os E é aí que os problemas aparecem. O corpo da n1ulher
registros n1ais remotos da civilização. É considerada tam- sempre foi uma expressão de fe1ninilidade e sexualidade.
bém uma forn1a de comunicação, u111a vez que o alin1ento, Paralelamente, as normas socioculturais atuais perpe-
a culinária e tudo o que circula a seu redor envolven1 fun- tt1am o estereótipo de associação entre n1agreza e atribu-
damentalmente a história familiar de cada i11divíduo, st1as tos positivos, sobretudo entre o gênero fen1i11ino. Ser belo
le1nbranças e sentimentos. 1 é ser bom. Dessa forn1a, para algumas n1ulheres, o desejo
O alimento nutre e represe11ta uma forn1a de receber de melhorar a aparência física, diminuir o descontenta-
an1or e cuidados. Considerando o aleitamento materno, n1ento do corpo e deixar de ser alvo de discrin1inações
n1omento inicial do desenvolvin1ento hun1ano, em que a parece motivar mudanças relativas a tan1anho e formas
alimentação está a ser\·iço da sobrevivência e também de corporais, nem que para isso sejam necessárias buscas
representações afetivas, da fome e do desejo, questio11a- i11cansáveis para a redução do peso. 4 Dessa forma, os mo-
-se de que forma o alimento, que é uma fonte de prazer delos exigidos culturalmente en1 relação à aparência física
e de harmonia social, transformou-se no grande inin1igo, atuam de forma repressi\ra na construção da i1nage111 cor-
gerador de ansiedade e culpas.· Pois, se nesse momento poral, afetando a autoestima, avaliação que o indivíduo
da história att1al existe u1na acentuada valorização da pes- faz de si e que engloba o autojulgan1ento em relação a
soa, que passa a ser considerada a responsável por tudo o competência e valores.;
que lhe ocorre, permitindo ao homem ave11turar-se pela Este capítulo trata de mulheres que, por necessidades
vida en1 busca de seu desejo,1 de outro modo, o fracasso especiais associadas a um alto custo pessoal, social e
também é atribuído a esse indivíduo, que não teve força físico, demandam tratamento psiquiátrico. Sabe-se qt1e
de vontade para se alin1entar corretamente ou fazer dieta essas mull1eres podem ,,ir a ter alterações no apetite e
tanto quanto deveria. 3 compt1lsões por doces e chocolate, que poden1 repercu-
Deve-se lembrar que tim con1porta1ne11to alimentar tir diretan1ente no peso, i1nage1n corporal e autoestima,
inadequado pode ser un1 sintorna de dificuldade afetiva dificultando o tratan1e11to. O fato é tão marcante e1n
ou outra situação confliti\'a não resol\'ida, uma vez que, certas doenças que a alteração de peso chega a ser critério
na sociedade pós-moderna, a co111ida pode ser utilizada diagnóstico, con10 é o caso do transtorno de hun1or, ca-
para preencher um vazio existencial. 1 Mas o ga11ho de racterizado, entre outros fatores, pelo manual diagnóstico
peso na mull1er não está \ i11ct1lado somente a isso. Me-
1
e estatístico de tra11stornos mentais (DS1vl-IV) 6 como
dicações psicotrópicas, t1utuação metabólica e hormo11al "perda ou ganho sig11ificativo de peso sem estar em dieta
(inclui-se aí o ciclo menstrual), altura, idade e atividade (p. ex., n1ais de 5% do peso corporal em um mês) ou di-
Tratado de Saúde Mental da Mulher

minuição ou aumento de apetite quase todos os dias': Se a O ciclo menstrual não influencia ape11as o apetite e
autoimagem positi, a é uma das condições de recuperação
1 tan1anho das refeições. Diferentes relatos de n1udanças e1n
de transtornos psiquiátricos, a tarefa de conquistá-la é um tipos de 1nacronutrie11tes ingeridos, alterações na seleção
importante desafio. - de produtos alime11tícios, bem con10 desenvolvimento do
ivlLtlheres tên1 necessidades nutricionais específicas desejo por detern1inados alimentos têm sido estudados ao
e são n1uito mais vulneráveis às deficiências vitamínicas e longo dos anos. Dye & Blundell 1 afirmam qLte conhecer os
n1inerais. Fatores que i11fluenciam o consumo alin1e11tar, efeitos dos nutrientes e SL1a relação com a depressão duran-
ou o controle da ingestão tornam-se in1portantes para te a fase pré-n1e11strual é importante, uma vez que a relação
unia boa qualidade de vida, bem como para manuten- dessa fase com a depressão já está estabelecida na literatura.
ção e preve11ção da recaída de problen1as psiquiátricos. A explicação para a escolha de alimentos específicos, de-
A flL1tuação hormonal associada ao ciclo menstrual é un1 non1inada corriqueiramente como compL1lsão alimentar,
exemplo. É importante identificar modificações alimen- serian, alterações bioquímicas ocorridas na fase pré-n1ens-
tares associadas ao ciclo reprodutivo femini110 para que trual, em especial a redução da serotonina no cérebro. As
seja possível lidar co1n o problema sem que haja conse- compulsões alimentares seriam, então, uma forma de auto-
qL1ê11cias para a saúde, qualidade de vida e autoestin1a des- n1edicação, na i11tenção de corrigir possíveis disfunções do
sas 111ulheres.ii neurotransmissor responsável pela modL1lação do humor e
sintomas pré-menstruais, entre outros. 1º·';· 16•1- 18
ASPECTOS NUTRICIONAIS NO TDPM (TRANSTORNO A serotonina é Llm neurotransmissor sintetizado a
DISFÓRICO PRÉ-MENSTRUAL) partir do triptofano, t1m an1inoácido essencial. Sabe-se
O TDPM (transtor110 disfórico pré-n1enstrual) é a que a serotonina está implicada na modulação do humor,
for1na n1ais grave da síndrome pré-menstrual, co1n predo- nos sintomas pré-rnenstruais, 110 controle alimentar, entre
mí11io de si11ton1as depressivos e ansiosos, que apresenta outros. Sugere-se que a seroto11ina tenha Ltm rit1no cíclico
prejuízos significativos 11as relações interpessoais, na que inflL1enciaria a flutuação do apetite e do consun10
produtividade acadêmica e profissional e na qualidade de energético total observados em mulheres durante a fase
vida. Cerca de 80% das mulheres apresentam, 110 mínin10, pré-menstrual. 1~· 17
alguns sinton1as psicológicos e físicos que surgem ou pio- Alimentos proteicos possuem uma boa quantidade
ram na fase pré-menstrual (p. ex., irritação, mau humor, de triptofano, porém não podem ser considerados uma
tristeza, ansiedade, angústia, descontrole emocional, in- boa fonte desse nutrie11te, uma vez que contêm outros
chaço, dores nas mamas). 9 aminoácidos, con10 tirosina, fenilalanina, valina, leucina e
A principal hipótese vigente para a etiologia do TDPM isoleucina, que competem em sua absorção. Isso significa
é a ocorrência de uma sensibilidade cerebral diferenciada que as dietas hiperproteicas elevam os níveis séricos de
aos efeitos da flutuação nor111al dos horn1ô11ios gonadais triptofano, mas este se torna pouco biodisponível, preju-
das 1nt1lheres acometidas, principalmente na fase de dicando a formação de serotonina. 15•16 •1-
ovulação. Essa sensibilidade teria etiologias multifatoriais Nas refeições normo e l1iperglicídicas, a biodisponi-
co1n pro, ável influência genética.
1 bilidade do triptofano é potencializada pela secreção de
Na fase lútea tardia do ciclo, ocorrem mudanças nu- insulina, que reduz o nível de aminoácidos que competem
tricionais e de comportame11to alimentar qL1e, caso igno- tan1bém pela barreira hematoencefálica. A insulina é o
rados, pode1n con1prometer tanto o diagnóstico quanto a transportador natural do triptofano para o SNC (sistema
conduta nutricional. 10 Uns dos aspectos mais citados na li- nervoso central). 111•19•2º Sendo assim, o aumento do desejo
teratura é o aumento de apetite, que poderia ser explicado por determinados alimentos, 11ormalmente ricos em car-
pelo aumento da den1anda energética nesse período, co111 boidratos, que acontece na fase pré-menstrual de muitas
relatos de aumento de consumo variando de 90 a 500 kcal/ 1nL1lheres, poderia ocorrer por u111 mecanismo hon1eostá-
dia. 12 Segundo Fra11kovith & Lebrum, 11 a temperatura tico buscando aumentar a disponibilidade do triptofano
corporal na fase pré-menstrual aume11ta de 0,3 a 0,SºC, e, consequentemente, a síntese de serotonina. i - Sa)'egh e
o que elevaria o gasto energético basal das pacientes. No cols. 19 testaran1 essa l1ipótese ao administrar diferentes
e11tanto, esse dado não é co11se11sual. Tai e cols. i -1 afirn1a- fórmulas de bebidas para 24 mulheres com diagnóstico
ran1 que o gasto energético basal não se altera durante a de transtorno disfórico pré-menstrual. A ingestão de unia
fase lútea tardia, uma vez qL1e o aumento de progesterona 1nistura de carboidratos simples e compostos, tais como
e estradiol retardarem 25% o lrânsito gaslrointestinal alto dextrose e maltodextrina foi efetiva na melhora de alguns
11a fase lútea; com o esvaziamento gástrico mais le11to, a dos sinton1as pré-menstruais, como alterações no hL1mor
absorção de 1nacronutrientes também fica mais demorada e aumento de apetite. Importante esclarecer que mulheres
e, consequentemente, a termogênese dos alimentos é me- que não apresentam uma depressão clínica nesse período
nor, o que não compromete o gasto energético basal, que tan,bém fazem as escolhas alimentares acima referidas,
se n1antén1 durante todo o ciclo. porén1 em escalas relativame11te menores. 11

290
Capítulo 31 - Tratamento nutricional no ambulatório de saúde mental da mulher

AlgL1ns estudos avaliaram a composição das co111pul- antes da concepção, con1 apropriadas modificações du-
sões ali1nentares na fase lútea tardia. D)'e & Blundel I afir- rante a gestação e a lactação.- 1
maram que apesar de mulheres com TDPtv1 terem con1- Existe forte e,,idência de que o peso pré-gestacional
pulsões mais severas, qualitativamente todas as mulheres materno, o padrão de ganho de peso e o ga11ho de peso
seguem a n1esma ter1dência, tendo elas TDPM ou TPM total durante a gestação são in1portantes fatores 11a de-
(tensão pré-menstrual), OLt não. Evans e colaboradores 1- terminação do peso do neonatal. O peso ao nascer tem
,,erificaram en1 dezenove mulheres un1 n1aior desejo por u1n in1pacto importante na n1orbidade e n1ortalidade do
alimentos ricos em carboidratos e gordura (p. ex., pipoca neonatal e também parece afetar sua saúde a longo prazo
co111 n1anteiga, biscoitos salgados, batata fritas, dorzuts, e o peso do adulto precocen1ente. Por exemplo, baixo (e
iogurtes, bolos, tortas, cookies, chocolate, sorvetes); ali- possivelmente alto) peso ao nascer pode i11tluenciar o
mentos ricos en1 proteínas e gordura (p. ex., atum, 1nan- risco futuro da cria11ça desenvolver diabetes, hipertensão
teiga de a111endoim, han1búrguer, queijos, nozes); e álcool. e doe11ça cardio,,ascular. 15.26
Comparando o consumo dos nutrientes no período pré e A depleção das reservas de nutrientes durante a gesta-
pós-1ne11strual, esses autores verificaran1 que houve um ção e a falta de recuperação no pós-parto podem aume11-
aumento do consumo de gorduras 11a fase pré-menstrual. tar o risco de depressão 11a 1nulher.. : -
Cross e cols. 1x também encontraram um au1nento de A obesidade é un1 importante assunto na gestação. Apre-
calorias totais i11geridas por pacientes con1 sobrepeso na valência de ganho excessivo de peso na gestação ,,em
fase pré-me11strual, calorias essas provenientes principal- aumentando. De acordo con1 Shieve e colaboradores, dois
n1ente do consumo de carboidratos, gordura e açúcares terços das n1t1ll1eres ganham n1ais peso na gestação do que
simples. Os alimentos n1ais citados na fase pré-menstrL1al é recon1endado pelo Institute Of Medicine (I0tv1, EUA). 28
pelas pacientes estudadas foram bolos e sobremesas; po- Há uma prevalência aun1entada de comorbidades
rén1, u1na vez qt1e esses alin1entos possuem tan1bém n1ui- psiquiátricas em mt1lheres obesas, cerca de 40 a 60% das
ta gordL1ra e algun1as proteínas, essa preferência alimentar pacientes, sendo mais con1uns quadros depressivos e
11ão pode ser considerada uma compulsão por açúcar. a11siosos. 29
O desejo por chocolate no período pré-n1enstrual O excessivo ganho de peso gestacional não é só respon-
é outra alteração alimentar muito observada e pouco sável por complicações durante a gestação; ele também
entendida. Existem apenas hipóteses para explicar esse contribLti para o aumento da retenção de peso no pós-
achado. BrL1insn1a & 'faren 16 acreditarn que substâncias -parto. Alén1 disso, esse ga11ho de peso pode contribuir
e11contradas no chocolate poderian1 ali, iar a disforia pré-
1
para que a puérpera tenl1a maior dificuldade e1n ,1oltar
-1nenstrual ou atuar con10 auton1edicação para a depres- a seu peso habitual ou en1 atingir seu peso adequado no
são e tristeza. Entre elas, N-aciletanola1ninas insaturadas, pós-parto. 29
lipídeos que poden1 ati,•ar os receptores canabinoides, Estudos en1 a11in1ais e huma11os têm 111ostrado rela-
i11duzindo u1n efeito de be1n-estar. Por sua vez, Michener ção e11tre baixas concentrações de zinco e sintomas de
e cols. 1 a,,aliaram o consumo de chocolate durante a fase depressão. Os autores sugere1n u1na pote11cial eficácia da
lútea tardia de mulheres com tensão pré-menstrual severa suple1nentação de zinco para esse transtorno mental. 30
e verificaram que ao administrar progesterona e alprazo- Um relevante grupo de e, idências inclui uma corre-
1

la1n, substâ11cias que agiriam, respectivamente, na taxa lação epide111iológica e11tre baixo consumo de peixe e
hormo11al e na modulação do hL1mor, 11ão conseguiram depressão. Rees e cols ..l n1ostrara1n correlação e11tre baixa
dimi11uir o desejo por chocolate nesse período, sugerindo co11centração de ácido graxo ômega-3 e depressão, assi1n
que a co111pulsão por esse alin1ento não seria u1na forn1a como reduzida concentração de ômega-3 em n1ulheres
de automedicação. wlacht & Mueller1 ' co11cordam com os não deprimidas durante o período perinatal.
autores, e explicam que os efeitos benéficos do consumo Os peixes são a primeira fonte dietética de acido graxo
do chocolate levaria111 de un1a a dt1as horas para surtir ômega-3,'· no entanto esses peixes pode111 estar conta-
resultados, o tempo qt1e levaria para ser digerido, assim, minados con1 poluentes do n1eio a111biente, tal como o
não poderiam fornecer a sensação de prazer imediata que mercúrio. 33
seus co11sumidores relata111 vi,•enciar. O co11sun10 de uma ou duas porções por se1nana de pei-
xe, preferencialme11te peLxes gordurosos, atinge o objeti,10
-
ASPECTOS NUT,RICIONAIS DA GESTAÇAO E de 200 mg/dia de DHA (ácido graxo ômega-3 docosa-he-
,
POS-PARTO xae11oico). 34·5 Mulheres que irão engravidar, estão grávidas
DL1ra11te o ciclo gravídico-puerperal ocorrem várias OLl amamentando de,1em co11sun1ir uma ou duas porções
modificações no organismo 1nater110 para garantir o cres- de peLxes ricos e111 ácido graxo ômega-3 e baixa co11centra-
cin1e11to e desen,1ol,1 in1e11to fetais, 1na11ter a higidez da ção de mercúrio. 3t1
- , .
gestante, SLta recuperaçao pos-parto e garantir a nutr1çao . - Gestantes e puérperas diabéticas tên1 maior proba-
do recém-11ascido pela lactação. 2-' Portanto, mudanças bilidade de experienciar depressão dura11te o período
dietéticas relacionadas com a gestação de,·em começar perinatal do que mulheres 11ão diabéticas. 3 O estresse

291
Tratado de Saúde Mental da Mulher

e111 lidar con1 uma doença crônica que apresenta riscos à circunstâncias que requerem ajustes e1nocionais difíceis
n1ulher e à criança pode exacerbar sintomas depressivos para a mulher. 15
nessas mulheres. 3s O alívio de outras queixas son1áticas relacionadas ao
O co11sun10 de alin1e11tos fonte de ferro tan1bén1 é im- período peri e pós-n1enopausa, como os fogachos ou ondas
portante nesse período. Existe uma forte associação er1tre de calor, é fL1nda111ental para pron10\ er a n1elhora de quali-
1

o aporte de ferro e a depressão no pós-parto __,., dade de vida dessas pacientes.·12 Muitos cuidados devem ser
Mães depressivas tên, mais dificuldade en1 se envolver ton1ados no 111anejo de tais pacientes qL1a11to ao aumento
nos cuidados con1 sua saúde e a do bebê: an1amentan, de peso e à disfunção sexual - que podem ter efeitos cola-
seus bebês com menor frequência, interrompem a ama- terais indesejáveis determinados antidepressivos.
mentação mais cedo e são me11os co11fiantes sobre suas A soja contén1 alta concentração de isoflavonas, que
capacidades para amamentar.·10 além de co11terem propriedades a11tioxidantes, pertencem
A gestação é um período crítico de intensa demanda à família dos fitoestróge11os, ou seja, têm propriedades es-
por nutrientes. A dieta da 111ulher e seus hábitos alin1en- trogê11icas. Já foi demonstrado que as isofla,1 onas 1nelho-
tares poden1 afetar de n1aneira significativa o aporte nL1- ram alguns sinto1nas da menopausa. En1 relação às ondas
tricional nesse período. 11 de calor (fogachos), os trabalhos são co11troversos. Existe
Na prática clínica, observa-se uma preocupação gran- uma associação inversa entre o consumo de isofla,,ona e a
de co1n o ganho de peso gestacional e a possível dificulda- i11cidência de depressão. 46 Os efeitos benéficos das isofla-
de em perdê-lo no período pós-parto. ' 'onas no cli1natério estão associados ao consumo de soja
O acompanhamento nutricional da gestante e da puér- 11a juve11tude associado a L1ma dieta rica e1n fibras e com
pera no atendimento ambulatorial faz parte de uma aten- pouca gordt1ra e a prática regular de exercícios físicos.
ção holística que ajuda a prevenir e/ou corrigir ,,ícios e Para isso é recomendável o consu1no de 25 g de proteína
tabus alimentares que podem ajudar no desenvolvin1ento de soja, 60 g de soja (3 colheres de sopa de grãos de soja)
de doe11ças relacionadas co1n o peso da n1ull1er. ou 100 mg de isotlavonas.
Hábitos alimentares sat1dáveis são ft1ndan1entais du-
ASPECTOS NUTRICIONAIS DO CLIMATÉRIO E rante o climatério, visto que é muito co1nun1 ocorrer neste
MENOPAUSA período aumento do ganho de peso e ingestão inadequada
O climatério pode ser definido como o período de dos nutrientes. O ganho de peso durante o climatério está
transição entre a fase reprodutiva, ou menacn1e, e a fase relacionado à ingestão calórica superior às necessidades
não reprodutiva, ou senilidade. Inicia-se em tor110 dos 40 energéticas, à dimi11uição do metabolisn10 basal e à maior
anos de idade e termina ao redor dos 65 anos. Durante tendê11cia ao sedentarismo, em virtude do próprio proces-
esse período, ocorre a menopausa. 12 A menopausa é re- so de envelhecin1ento. ,-
latada como a parada permane11te da menstruação, em Em decorrência da progressiva redução da função
consequência da perda definida da atividade folicular ovariana e, consequenten1ente, da prodt1ção de seus hor-
ovariana. 43 A perimenopausa é o período descrito desde mônios esteroides, há uma redução da massa óssea, que
os primeiros sintomas ou indicações de aproximação da pode ser mais agravada quando associada ao co11sumo
menopausa (cerca de cinco anos antes da menopausa) e inadequado de cálcio. Dessa for111a, durante o clin1atério
vai até doze meses após a menopausa. 4- há um aumento da prevalência da osteoporose - condição
Durante o clin1atério, ocorrem deficiências dos horn1ô- fisiopatológica caracterizada pela redução da massa óssea
nios esteroides ovarianos (estrógeno e progesterona) em e desestruturação de sua microarquitetura - e de osteope-
decorrê11cia da falência funcional das gônadas, resultante nia - diminuição da massa óssea. 11
da exaL1stão folict1lar. Dessa forma, diversos sintomas Para a maioria das mulheres, a osteoporose pode ser
podem ser observados, con10 ondas de calor ou foga - preve11ida por meio de uma dieta bala11ceada e rica em
chos, sudorese noturna, irritabilidade, fadiga, mudanças cálcio e vitamina D, atividade física regular, evitar o ci-
no metabolismo ósseo e lipídico e alterações do trato garro e o consumo excessivo de álcool, além de mo11itorar
genitoL1rinário e do funcionamento sexual. 42 Em virtude rotineiramente a massa óssea (densitometria) e usar me-
disso, existe uma preocupação com a qualidade de vida dicamentos, quando for necessário.·11
das mulheres nesse período. A dimir1uição da co11centração do estrógeno relaciona-
Durante a perimenopausa, ocorre aun1ento da inci- -se tambén1 con1 o aumento do ga11ho de peso durante o
dência de depressão en1 cerca de duas vezes.·1--1 A maior climatério e com a modificação da distribuição de gordu-
prevalência de estados depressivos no climatério está ra corporal, o qL1e resulta em Ltm acú1nulo de gordura 11a
associada ao medo de envelhecer, percepção de proximi- região abdon1inal. O acúmulo de gordLtra central implica
dade da morte, sentimentos de inutilidade e até carência o aun1ento do risco para doenças cardiovasculares, cân-
afetiva. O climatério é uma fase de transição física e cer de endométrio e mama; alé1n disso, favorece n1aior
social, coincidindo com o crescimento e independê11cia resistê11cia à insulina, o que explica a maior i11cidência de
dos fill10s, morte de familiares, viuvez e aposentadoria, diabetes tipo 2 em mulheres n1e11opausadas. 15 -~i;

292
Capítulo 31 - Tratamento nutricional no ambulatório de saúde mental da mulher

As alterações hormonais decorrentes da menopausa desconforto abdon1inal, diurese, menarca, número de ges-
podem levar a alterações do metabolismo lipídico das mu- tações, ganho de peso gestacional, aleitamento 1naterno,
lheres, ocorrendo aumento da concentração de triglicérides regularidade menstrual, dificuldades na TPM, histórico
plasmáticos, do colesterol total e da LDL (lipoproteínas do peso, qualidade de sono, entre outros. Em relação à
de baixa densidade) e diminuição da HDL (lipoproteí- história alimentar, deve-se questionar se a paciente foi
11a de alta densidade), caracterizando um perfil lipídico amamentada ou não, como era a alin1e11tação e peso na
pró-aterogê11ico. 49 i11fância e adolescência, se já fez dietas ou não e quais
O envelhecime11to, o aL1me11to do ganho de peso e o foram, alergias e i11tolerâncias alimentares, uso de st1ple-
acúmt1lo de gordura na região abdominal afetam a au- mentos, aversões e preferências alimentares, mastigação,
toimagem das mt1lheres no climatério, co11tribt1indo para consumo de líquidos durante o dia, entre outros. 52
menor autoestima e até declínio do desejo sexual. 45 Por- A anamnese deve ser complementada com a avaliação
tanto, a perda de peso nesse período melhora a imagem do consumo alimentar, que pode ser realizada por meio
corporal, aumentando a autoestima feminina. do recordatório habitual, no qual o paciente descreve
Já foi relatado que as mulheres no climatério conson1em sua rotina alin1entar em relação a frequência, horários e
mais alimentos industrializados e alime11tos gordurosos quantidades de alimento qt1e costumam ser consumidos
(fritt1ras, doces, salgadinhos) e, além disso, apresentam em um dia. 53 Para auxiliar a avaliação, é recomendável
baixo consumo de frutas e verduras. Isso pode acarretar qt1e o nutricionista inclua alguns inquéritos dietéticos
deficiências nutricionais. As deficiências nutricionais po- como o questionário de frequê11cia alimentar, desenhado
de1n se correlacionar con1 transtornos mentais, como a para obter informações qualitativas, semiqt1alitativas ou
depressão. 50 quantitativas sobre o padrão alimentar e a ingestão de
Alguns autores relatara1n que o consumo de fontes alimentos específicos, podendo assim, associá-lo com o
ali1ne11tares de triptofano ( carnes, peixes, leites, iogur- risco de doenças.
tes, queijos, nozes, castanhas e leguminosas) pode levar O exame físico deve ser realizado de forma sumária,
ao restauro dos níveis de seroto11ina e diminuição da utilizando-se a palpação e a inspeção. São observados a
depressão. 50 orientação, o discurso, o tipo físico, a mobilidade e prin-
Existe uma relação entre aumento da incidência de cipalmente os sinais de depleção nL1tricional, tais como
depressão e diminuição do consumo de fontes de ácidos din1inuição de tecido muscular e subcutâneo e perda de
graxos ômega-3. 50 •51 O consumo de 1,5 a 2 g por dia tem peso. É importante lembrar que os achados da i11speção
demonstrado estimular a elevação do humor em pacien- geral refletem desnutrição crônica mais do qt1e uma de-
tes deprimidos. E11tretanto, doses aci1na de 3 g não apre- pleção aguda. 54 Além dos sinais de deficiência de nutrien-
sentam melhores efeitos que o placebo. 51 tes que possam chamar a atenção, o exame físico deve
ser direcionado para avaliar a perda de gordura, massa
-
AVALIAÇAO E CONDUTA NUTRICIONAL muscular e presença de líquido no espaço extra-vascular.
Talvez o grande desafio de fazer uma avaliação nutri- Exames bioquímicos são 11ecessários, uma vez que
cional adequada num ambulatório de Saúde da Mulher se marcadores bioquímicos fornecem 1nedidas objetivas
deva ao fato de que, além de co11siderar cada fase de vida das alterações do estado nutricional, com a vantagem de
da n1ulher (puberdade, idade fértil, gestação, pós parto, possibilitar seguin1ento ao longo do tempo e de inter-
climatério e menopausa), também é necessário len1brar ve11ções nutricionais específicas. É importante salientar
que cada transtorno psiquiátrico tem st1as particularida- qt1e pacientes em tratamento psiquiátrico podem ter seus
des que devem ser consideradas no momento da avalia- exames alterados em função da prescrição de medicação
ção. De qualquer forn1a, os quatro grandes parâmetros da ou do consumo de drogas.
avaliação nutricional deve1n ser sempre incluídos: anam- A antropometria tem se mostrado muito útil em fun-
nese, exame físico, exames bioquímicos e antropometria ção de seu baixo custo, de prescindir de equipamentos
- pontL1ando-se que un1 parâmetro isolado não fornece sofisticados e de ser pouco invasiva. A relação entre peso e
diagnóstico nt1tricional completo. Nem sempre é possível altura, conhecida como IMC (índice de massa corpórea),
ter as condições ideais para realizar u1n bom diagnóstico, pode determinar o estado nutricional, classificando-o em
mas o profissional deve conhecer suas limitações, mini1ni- intervalos de valores: eutrofia, sobrepeso, grau de obesi-
zando erros de interpretação. 52 dade e desnutrição. 55 As medidas de circunferência tam-
A anamnese alimentar deve investigar os hábitos ali- bén1 são importantes, especialmente a circunferência da
mentares do paciente, sua história clí11ica e alimentar. cintura, que pode i11dicar aumento de risco para doenças
Questionar a respeito da história do paciente é impor- cardiovasculares. Essas 1nedidas aprese11tam algumas res-
tante para entender um pouco seus hábitos alimentares. salvas, visto qt1e variações fisiológicas podem levar a mo-
A história clínica deve conter comorbidades clínicas e dificações na composição corpórea. De qualquer forma, a
psiqt1iátricas, a11tecedentes familiares, cirurgias realiza- antropometria é necessária para determinar e monitorar
das, n1edicação utilizada, hábito intestinal, presença de o estado 11utricional das pacientes. 54

293
Tratado de Saúde Mental da Mulher

Passada a fase de avaliação, o 11utricionista de\'e seguir REFERÊNCIAS


com sua conduta nutricio11al, sempre priorizando ate11der 1. Brasiliano S, Bucaretch i HA, Kachani AT..1-\spectos psicológicos
às necessidades nutricionais de cada fase da vida, ben1 da alin1entação. ln: Cordás TA. Kachani AT. Nutrição em psi-
como eventuais restrições dietéticas específicas de comor- quiatria. Porto 1\legre· Artmed; 2009. p. 23-33.
bidades clínicas e interações medicamentosas. Cabe ao 2. Birman J. Arqui,·os do mal estar e daistência. Rio de Janeiro:
nutricionista auxiliar no fracionamento da dieta e nas es- Civilização Brasileira; 2006.
colhas alin1entares mais saudáveis, qL1e exclua1n ali111entos 3. Sasla\'sk,· LC. Bulin11a, anorexia ner,·oc;a: enfern1edades de la
;

de alto valor calórico e baixo teor nutritivo, sen1 esqL1ecer- cultura? ln: Beber E, Benedetti C, Goldvarg ~- Anorexia y bu-
-se do incentivo à hidratação, ao consumo de fibras e à lin1ia y otros transtornos de la conducta alin1entaria: practicas
prática de atividade física - essa última em casos em que interdisciplinarias. Buenos Aires: Atuei; l 996. p. 37-54.
não haja restrição. 29 4. Aln1eida GAN, Santos fE, Pasian SR, Loureiro SR. Percepção
A fim de que as pacie11tes se sintam n1otivadas, é im- de tan,anho e forma corporal de n1ulheres: estudo exploratório.
portante que sejam traçados objetivos realistas de curto, Psico! Est ud. 2005; l O( l ):2 7-35.
médio e longo prazo. As orientações devem ser feitas 5. Avancini JQ, Assis SG, Santos NC, Oliveira R\'C. Adaptação
gradati\ramente a fim de qLte os no,,os hábitos sejam in- transcultural da escala de auto estin1a para adolescentes. Psico!
corporados de forma definitiva em suas vidas. 11 ·29 Reflex Crít. 2007;20(3 ):397-405.
A dieta deve ser monitorada por meio do diário ali- 6. A1nerican Psychiatric Association (APA ). I)iagnostic and statis-
mentar, i11strumento no qL1al a paciente deve registrar o tica1 manual of n1ental disorders. 4 th. \ \'ashington: APA, l 994.
l1orário e consun10 alimentar ao longo dos dias. O diário 7. Kachani AT, Brasiliano S, Hochgraf PB. Papel do nutricionista
é Ltn1 instrun1e11to de automonitoração, que pern1ite à nun1a equipe n,ultidisciplinar para trata1nento de mulheres
paciente perceber e melhorar sua relação com o alime11to, dependentes qu1n1icas. ln: 10. Congresso da ABRA~D sobre
além de controlar sua ingestão diária. Para o nutricionista, drogas e dependências; 2008 jul/ago: São Paulo: Associação
é uma ferramenta útil por meio da qual a orientação pode Brasileira N1ultidiscíplinar de Estudos sobre Drogas. 2008.
ser individualizada de acordo com os hábitos alimentares 8. Kachani A'f. Comparação da con1posiçào alimentar e do consu-
do próprio indivíduo, além de ser uns dos termômetros mo alcoólico entre a fase folicular e a fase lútea tardia de 1nulhe-
para a,,aliar o comprometimento do paciente com o res dependentes de álcool [dissertação ]. São Paulo: Faculdade
tratamento. s.:!9 de Medicina da Universidade de São Paulo; 2008.
É fundan1ental também que se esclareça às pacie11tes 9. Zukov I, Ptácek R, Raboch J, Domlu,·ilová D, Kulelová H,
o risco de ganho ou perda de peso excessivo ao longo Fischer S, Kozelek P. Premenstrual dysphoric disorder--review
do tempo e que se esclareça crenças alimentares qL1e as of actual findings about mental disorders related to menstru-
1nulheres costumam ter. É comun1 que as pacientes se al cycle and poss1bilities of their therapy. Prague J\,1ed Rep.
sintam culpadas e envergonhadas a respeito do que con- 2010;111(1):12-24.
somem, e o profissional deve deixar claro que seu objetivo 1O. Sampaio HAC. Aspectos nutricionais relacionados ao ciclo
é ajudá-las e não julgá-las. Dessa forma, o nutricionista menstrual. Rev Nutr. 2002 Set;l 5(3):309-17.
deve sempre lembrar que situar o alimento apenas num 11. Dye I, Blundell JE. ,\lenstrual cycle and appetite contrai: im-
contexto científico e nL1tricional pode ser perigoso, visto plications for '"eight regulation. Hum Reprod. 1997 Jun;33
que o alin1ento é carregado de simbologias e significados, (4):291-301.
envolvendo muito n1ais do selecionar o acessí,,el, saudá\rel 12. 1:.vans S~l, Foltin Rv\', Fischn1an ~1\\'. Food "cravings'' and the
e barato; envolve prazer e lembrança e por esse motivo a acute effects of alprazolam on food intake in \V0111en \Vith pre-
questão nutricional não pode ser resolvida pela simples n1enstrual dysphoric disorder. Appetite. 1999 Jun;32(3):331-49.
substitL1ição por shakes e cápsulas. É preciso entender a 13. Frankovich RJ, Lebrun C,\1. ,\,lenstrual cycle, contraception,
alimentação nun1 contexto mais amplo e tentar entender and performance. Clin Sports Med. 2000 Apr;l9(2):25 l-7 l.
o que leva a paciente a comer além da fome.-5" 14. Tai .tvlivl, Castillo TP, Pi-Sunyer FX. Thern1ic eftect of food
No atendimento nL1tricional, a reeducação alimentar during each phase of the n1enstrual cycle. An1 J Clin Nutr. 1997
e o estabelecimento da eutrofia devem ser os pri11cipais Nov;66(5): 1110-5.
objeti\10s, a fin1 de que a paciente 1nelhore sua autoestin1a 15. Brzezinski A. Serotonin and pren,enstrual dysphoric disorder.
e sua qualidade de vida e previna comportamentos ali- Lancet. 1996 Feb l 7;347(8999):470-1.
111entares inadeqL1ados. 16. Bruinsma K, Taren DL. Chocolate: food or drug? J An1 Diet
Assoe. 1999 Oct;99( 1O): 1249-56.
-
CON':L!JSAO 17. Steiner .'v[, Pearlstein T. Pre,nenstrual drsphoria and the sero-
O aconsell1amento nL1tricional é uma ferramenta im- tonin systen1: pathophysiology and treatn,ent.) Clin Psychiatry.
prescindível no tratan1ento multidisciplinar da sa1ide 2000;61 Suppl 12:17-21.
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estilo de vida dessas pacientes são significativas e repre- intake during the n1enstrual cycle of over,veight ,von1en with
sentam benefícios à sua saúde. premenstrual syndrome. Br J Nutr. 2001 Apr:85(4 ):475-82.

294
Processamento emocional
no sexo feminino: da
pesquisa à clínica

Vinicius Guandalini Guapo


Cristina Marta Del-Ben

-
INTRODUÇAO e11tre os sexos 11a neurociência, Cahill 5 argumenta que
As especificidades da fisiologia e patofisiologia no sexo não há evidência que sugira qt1e a robt1stez dos resultados
fen1inino act1n1ulam t1m longo histórico de negligência na área das diferenças entre os sexos nas funções cerebrais
en1 diversas áreas da pesquisa em biomedici11a. Nas ciên- difira da robustez dos resultados enco11trados en1 outros
cias básicas, anin1ais machos domina111 largan1ente os dornínios da neurociência, e aponta co11cepções errô11eas
estudos, e esse \ iés masculino é mais pronunciado em
1 quanto à in1portâ11cia dessas diferenças no n1eio científico
disciplinas co1110 11eurociência (5,5 macl1os para 1 fên1ea) que prejudicam seu 111aior desenvolvimento. "Parece 11ão
e farmacologia (5 n1achos para 1 fên1ea). Na pesquisa em ha,,er fin1 no debate sobre as diferenças entre os sexos no
hu111a11os, a inclusão de n1ulheres em ensaios clínicos para cérebro': escreveu Thomas R. Insel, diretor do NIH (Na-
o desenvolvimento de 11ovas medicações era expressa- tional l11stitute of Health)."
111e11te desencorajada até 1993. Desde a apro\1ação do NIH Em 2001, o IOM (Institute of Medicine) publicou u,n
Re\ italization Act, naquele ano, pelo congresso an1erica-
1 relatório con1 o intuito de der11onstrar as falhas na litera-
110, o nt'.1mero de mulheres inclt1ídas em ensaios clí11icos tura sobre a importá11cia do dimorfisn10 sexual para os
aumentou sig11ificati\ramente,' en1bora continuem pouco cuidados co1n a saúde e esti111ular pesqt1isas nesse campo
representadas em áreas in1portar1tes do conheci,nento do conhecimento. Este capítulo prete11de sumarizar al-
1nédico. gt1ns achados sobre as particularidades das mulheres no
A pesquisa em neurociê11cia e psiquiatria não e, de processa1nento das emoções e discutir essas especificida-
111aneira algt1n1a, difere11te. U111 le\1antamento no banco des à luz do conheci1ne11to clínico disponível no ente11di-
de dados Tho,nson Reuters \\'eb of Science mostrot1 que n1ento de di,·ersos transtornos psiquiátricos.
apesar de as 111t1lheres contabilizarem n1ais de 60°10 dos
-
DESENVOLVIMENTO E EVOLUÇAO DAS DIFERENÇAS
diagnósticos de transtornos depressi,,os e ansiosos na
popt1lação, apenas 45º1> dos estudos a11in1ais sobre esses ENTRE OS SEXOS
tra11stornos utilizara111 fêmeas. ' Apesar do acún1ulo de Os genes dos crornossornos sext1ais determi11a111 o
e,·idências quanto a difere11ças entre ho111ens e mull1eres din1orfismo sexual no cérebro, ao menos de duas n1anei-
no processan1ento cogniti,10 e emocional, assim co,110 11a ras: uma ação r1as gônadas, i11duzindo difere11ças e11tre
a11atomia e ft1nções do SNC (sisten1a nervoso central), a os sexos na secreção de hormônios sexuais con1 efeitos
inclusão de n1ull1eres en1 estudos i11\ estiga11do o fu11cio-
1 específicos na difere11ciação sexual, e uma ação no cére-
11a111e11to cerebral ocorre apenas raramente, e, quando isso bro, ao diferenciar células cerebrais XX e XY, e, porta11to,
é feito, o cuidado 1netodológico em relação ao an1b1ente diferentes i11dependenten1ente do efeito dos hor111ô11ios
l1orn1onal dessas mulheres no mon1e11to da testagen1 é gonadais.s
precário. Sobre os seguidos questionamentos no 111eio Quanto ao papel dos hor1nônios sext1ais, set1 efeito
cie11tífico quanto à qualidade da pesqt1isa das difere11ças pode ser di,,idido em dois momentos da vida: os efeitos
Tratado de Saúde Mental da Mulher

dos l1ormônios gonadais na organização cerebral durante ansiedade generalizada) seja de 4,1 Qú em home11s e 7,7%
a vida pré-natal, porta11to perma11entes,9 e os efeitos ativa- e111 1nulheres, e a ocorrência de TP (transtorno de pâni-
dores dos hormônios gonadais e1n hun,anos adultos, que co) seja de 4°/o en, homens e 7,1 % em n1ulheres. O TEPT
são, por definição, flutuantes e transitórios e expressan1 (transtorno de estresse pós-traun1ático) tambén, é mais
a 111odulação exercida pelos hormônios sexL1ais en, un1 prevalente em n1L1lheres que em homens, e a estin1ativa
sistema 11ervoso ce11tral já desenvolvido. É importa11te da probabilidade de mulheres expostas a un, evento trau-
notar que, já que os cérebros n1asculino e feminino foran1 n1ático dese11volverem TEPT é maior que a de homens. 19
estruturados de maneira diferente dura11te o período or- Alén, disso, as ,,ariações de hu1nor e ansiedade decorre11-
ganizacio11al, eles podem respo11der de maneiras distintas tes do período pré-menstrual influem significa11temente
aos n1esn1os horn1ônios sexuais na vida adulta. na evolução desses transtornos. 20
Do ponto de vista e\·olutivo, o conceito de seleção Apesar de a cl1a11ce de l1omens e n1ulheres apresentar
sexual proposto por Charles Dar\vin parece esclarecedor. esquizofrenia ser bastante próxima, o início dos sintomas
Seleção sexual refere-se à co1npetiçào entre indi\ Íduos do
1
é precoce nos homens e a evolução da doença parece ser
n1es1no sexo por parceiros. Evidências vindas de OLttras diferente em l1on1e11s e mulheres.-' No caso do lra11stor110
espécies demo11stra111 que n1achos e fên1eas e,·oluíram afeti,•o bipolar, não parecen, existir diferenças significa-
de maneiras distintas e desenvolveram co1nportan1entos tivas no risco de n1ulheres e hon1e11s desen,·ol, eren1 esse
1

diferentes com o intuito de aume11tar suas chances de e11- transtorno, 2' 110 entanto, difere11ças na evolução da doen-
contrar Ltm parceiro. As fên1eas tendem a competir co111 ça parecem ter sig11ificado clínico rele,,a11te. 2 "
outras fên1eas de n1a11eira mais sutil, con1parada con1 a E11tre os possí,,eis fatores que explican, as c.iiferenças
maneira con, que os machos con1petem e11tre si, por isso e11tre os sexos nos transtornos mentais, os hormônios
dependcr11 ern n1aior grau do processan,ento de detalhes sexuais têm sido foco de atenção especial. Há diversas
mais finos de sua vi,1ência para au1nentarem suas cha11ces evidências que apontam para um in1portante papel dos
de sucesso reprodutivo. Dessa forma, pro,·avel1nente, elas l1ormônios sexLtais na saúde me11tal das mulheres durante
apresentam uma n1aior capacidade de relen1brar infor- o ciclo vital. Meninas antes da puberdade e, porta11to, sem
1nações n1ais detalhadas qt1e os homens em estudos de níveis flutuantes de hormônios sexuais, aprese11tam taxas
111emória, ou apresentam maior habilidade na percepção de depressão sin1ilares às de meninos. Essa similaridade
de expressões faciais. desaparece con1 o inicio da vida reprodutiva feminina,
co1n o aparecimento trma maior prevalência de depressão
DA CLÍNICA À PESQUISA en, mulheres, comparadas aos home11s. l l Alé111 disso,
Como e1n diversas áreas da medicina e da psiquiatria, o é nesse período qL1e as 1nulheres podem sofrer com o
conhecin1ento sobre o papel do sexo e dos hormônios se- TDPM (transtorno disfórico pré-menstrual), quando
xuais no processame11to de emoções parte da observação sintomas depressivos, ansiedade e irritabilidade ocorrem
clínica para então se desenvolver na pesquisa. Difere11ças em um período em que os níveis de ambos hormônios
11a epidemiologia, evolução, sintomatologia e resposta con1eçam a declinar ao final do ciclo menstrual, ou ainda,
ao tratamento de transtornos psiquiátricos em homens e com a depressão pós-parto, quando a súbita n1L1dança nos
mulheres têm sido observadas e motivam pesquisas que ambiente hormonal das mulheres parece relacionar-se
expliquem os mecanismos para tais achados. co1n alto risco de depressão e psicoses. A prevalência de
A depressão, transtorno de epidemiologia e impacto depressão em mulheres chega a seu auge durante a peri-
i111portantíssimo na popt1lação, tem incidência duas vezes me11opausa, período de oscilação intensa e imprevisível
1naior em mulheres do que em hon1ens. 11 Além disso, mu- dos hormônios gonadais, e provavelmente diminui após
lheres parecem diferir de homens quanto a características a menopausa, quando essa oscilação cessa::!~ Esses dados
mais específicas do transtorno depressi, 0, apresentam
1 co11siderados em conjunto sugerem que a t1utuação dos
con1 maior frequência qLte homens sintomas atípicos de hormônios gonadais, e não ape11as seus níveis, altos ou
depressão, como au1ne11to, ao invés de din1inuição, no sono baixos, predispõen, as n1ulheres a transtornos psiquiátri-
e apetite,• ' também estão mais propensas que homens a so- cos durante a \ ida.
1

freren1 de transtornos afetivos sazonais e apresentam unia


-
diferença de grande i1nportância clínica quanto ao suicídio: DIFERENÇAS ENTRE OS SEXOS NA FUNÇAO
mulheres estão mais prope11sas a tentativas de suicídio, po- COGNITIVA E EMOCIONAL NORMAL
rém ho1nens têm maior êxito no suicídio. 1~ Estudos apoian, Um passo importante na compreensão das diferenças
a ideia, ,,inda da prática clínica, de que existem diferenças e11tre os sexos 110s transtornos psiquiátricos é o estLtdo das
entre hon1ens e 111ulheres na resposta a antidepressivos, 14• 5 diferenças entre homens e mulheres na anatomia cerebral,
apesar de estt1dos com resultados 11egativos. 1" função cerebral e funções cognitivas e emocionais mais
Os transtornos a11siosos, de maneira geral, afetam simples relacionadas com essas patologias.
n1ais n1ulheres que homens. J\:lcLean e cols. 1 sugerem
1; Existem fortes evidências de um di1norfismo sexual na
que a ocorrê11cia, durante a vida, de TAG (transtorno de estrutura e função cerebral. Em média, o volume cerebral

298
Capítulo 32 - Processamento emocional no sexo feminino: da pesquisa à clínica

de mulheres é menor que dos homens. 25 Além disso, têm trado que os prováveis efeitos ansiolíticos do estrogênio
se mostrado diferenças entre os sexos em várias regiões em fên1eas ocorrem em razão da ativação de RE beta e
do cérebro consideradas de grande in1portância para não RE alfa, sugerindo, ainda um efeito ansiogênico com
habilidades cognitivas e processan1ento de emoções, tais a ativação de RE alfa. 39
como o hipocampo e amídala. 26 Estudos comportamen- Um ponto fundan1e11tal do entendin1e11to da função
tais têm demonstrado que homens e n1ulheres difere1n do estrogê11io no humor e comporta1nento é a interação
no desempenho em diversas tarefas cognitivas. Mulheres proposta em vários estudos entre esse horn1ônio e o siste-
parecem apresentar melhor desempenho em tarefas de ma seroto11érgico. EstL1dos em animais têm demonstrado
f1uê11cia verbal, memória, percepção e habilidades mo- a coexpressào de receptores de estrogênio e de serotonina
toras finas, enquanto os homens parecem desempenhar no núcleo da rafe-!º e rafe dorsal,~1 principalmente de
melhor tarefas de memória visual, habilidades espaciais receptores RE beta, reforçando a ideia de que os RE beta
e matemáticas. 27 O dimorfisn10 sexual no processamento estão associados de maneira mais consistente com a regL1-
cognitivo tem sido confirmado por estudos com novas lação da serotonina e efeitos ansiolíticos do que os RE alfa.
tecnologias que den1onstram diferenças entre os sexos De maneira geral, os estudos sugerem que a administra-
na fu11ção cerebral, co1no no fluxo sanguí11eo cerebral,2~ ção de estrogênio em ratas e primatas ovariectomizadas
síntese de serotonina29 e no processamento da memória aumenta a disponibilidade de serotonina e a produção
afetiva. 30 de seu metabólito 5-HIAA e111 várias áreas do cérebro,
O estrogênio tem sido relacionado con1 alterações incluindo a rafe dorsal, estriado, núcleo pré-óptico medial
significativas na cognição, memória e inclusive no apa- e núcleos amidaloides ventromedial e cortical.-12-+-1 Apesar
recimento de patologias como a doença de Alzheimer. 31 de alguns resultados co11flitantes e dúvidas quanto às ma-
A literatura sugere que pelo menos em algu1nas tarefas 11eiras como se dá a i11teração entre estrogênio e serotoni-
cognitivas as mulheres adultas apresentam um desempe- 11a, os dados da literatL1ra sugerem u1n efeito estimulante
nho que flutua junto com a flutuação de seus hormônios do estrogênio sobre a transmissão serotonérgica.
sexuais durante o ciclo menstrual normal. Halpern (2001) A progesterona também tem 1nostrado modular o
propõe que as tarefas que apresentam maior diferença l1umor e o processamento cognitivo e emocional de mu-
no desempenho entre homens e mull1eres são aquelas lheres. A administração de progesterona e os altos níveis
com maior probabilidade de apresentar uma flutuação desse hormônio durante a gravidez têm sido relacionados
dependente dos hormônios sexuais. Mulheres apresen- com ação anticonvulsivante, sedativa e ansiolítica. -15 --17
taram 1nelhor performance em testes de habilidade vi- Ainda, parte das mulheres em reposição hormonal com
suoespacial, tarefa eminentemente "masculina" durante estrogênio, que a princípio demonstrara1n melhora nos
a fase folicular de seu ciclo, enquanto apresentaram sintomas depressivos, apresentou um reaparecimento de
melhor performance em tarefas de habilidade verbal e sintomas de humor quando a reposição de progestero11a
motora fina, tarefas eminentemente "femininas" na fase foi iniciada,48 mostra11do u1na interação complexa en-
lútea.·'2.33 Esses resultados sugerem que o efeito dos hor- tre os papéis desses dois hor1nônios no humor. Apesar
1nônios sexuais nas fu11ções cognitivas não se restringem de os receptores de progesterona apresentarem grande
a uma maior ou menor atividade do SNC e sim um efeito distribuição no tecido cerebral, os principais efeitos da
complexo, provavelmente mediado por outros sisten1as progesterona no humor parecem depender da ação de
neurotransmissores. um de seL1s metabólitos, a alopregnanolona, qL1e, por sua
O 17-betaestradiol é o n1ais potente dos l1ormônios vez, não exerce efeito nos receptores de progesterona, mas
sexuais conl1ecidos como estrogênios. Os dois únicos atua co1no modulador positivo de receptores GABAA, de
receptores de estrogênios com especificidade para o maneira bastante similar aos benzodiazepínicos. -19
17-betaestradiol conhecidos no cérebro são o receptor
-
de estrogênio alfa (RE alfa) e o receptor de estrogênio PROCESSAMENTO DE EMOÇOES E
-
beta (RE beta). Estudos e111 ratos têm relacionado altos RECONHECIMENTO DE EXPRESSOES FACIAIS
níveis de expressão do RE alfa com áreas do cérebro Diversas tarefas psicológicas têm sido utilizadas em
ligadas a fu11ções reprodutivas, como o hipotálamo, 34 pesquisas que pretende1n elucidar o processamento de
enquanto áreas do cérebro ligadas a funções não re- emoções em humanos, tais como tarefas de flLtência ver-
produtivas, con10 córtex, hipocampo, núcleo olfatório bal, memória afetiva, falar em público, "go/no go" e reco -
anterior, cerebelo, rafe dorsal, substância nigra, área nl1ecimento de expressões faciais, entre outras. Cada uma
tegmental ventral do mesencéfalo e vários núcleos da das tarefas prete11de avaliar uma pequena parte do qL1e
base, aprese11tam n1aior expressão de RE beta. 35· 37 A amí- ge11ericamente se chama de processamento de emoções.
dala, estrutura envolvida com o processamento de e1no- O reconhecimento de expressões faciais será utilizado
ções e memória, tem demonstrado, em estudos ani1nais, como exemplo para uma discussão mais aprofundada
ser uma das regiões do cérebro com maior densidade de sobre as peculiaridades do processamento de emoções e1n
RE (RE alfa e RE beta). 38 Estudos em animais tên1 mos- mulheres e suas implicações clínicas.

299
Tratado de Saúde Mental da Mulher

Conforme proposto inicialmente por Darwi11, s1, a ex- faciais, tem sido demonstrado que a mímica feita pelo
pressão facial de e1noções ten1 un1 valor adaptativo na observador da expressão facial é parte importante no
comunicação social, já que revela algo sobre o esta- processamento desse estín1ulo.;2
do interno do indivíduo que é obser\1ável por outros. É aceito que existem ao menos seis categorias básicas
A natureza das expressões faciais pode ser considerada de emoções passí,1eis de reconhecimento por 1neio de
sob dois aspectos complementares: são respostas fisio- expressões faciais: rai,1a, asco, alegria, n1edo, tristeza e
lógicas a estímulos emocionais significantes e cumprem surpresa. Ekman e Friesen 53 sugerem que a identificação
uma importante função na comunicação social. "Minha de expressões faciais nas categorias citadas é universal, já
mulher está raivosa ou alegre?" "Meu cl1efe está triste que diferentes cultL1ras letradas e pré-letradas categorizam
ou surpreso?" "Meu filho está com dor ou com fome? " as expressões faciais de forma parecida.
A habilidade em responder a essas perguntas depende, Expressões faciais de emoções básicas têm sido larga-
entre outros fatores, da habilidade de cada um em reco- n1ente en1pregadas em estudos ,,oltados para o entendi-
nhecer emoções em faces. mento da fisiopatogenia dos transtornos me11tais. Entre os
Adolphs51 propõe que o reconhecimento de expressões pacientes com o diagnóstico estabelecido de transtornos
faciais depende de pelo menos três meca11ismos, prova- de ansiedade, existem evidências de comprometin1ento
velmente complementares: percepção da expressão facial, do processamento de expressões faciais. Pacie11tes com
conhecimento associado à expressão facial e mímica da Fobia Social apresentaram maior resposta de co11dutância
expressão facial. A capacidade de perceber expressões fa- da pele do que voluntários saudá,,eis a faces de medo
ciais pode ser considerada como uma característica inata apresentadas de n1aneira subliminar.~·1 Estudos de neuroi-
da espécie hL1mana. Talvez, 11ão seja necessário aprender n1agem funcional demonstraram que fóbicos sociais não
nada sobre o mundo para estar apto a discriminar e ca- medicados apresentaran1 ativações mais pronL1nciadas de
tegorizar emoções en1 faces. Apesar de esse mecanismo amígdala a faces aversivas (raiva, medo, asco), em compa-
inato provavelmente ser essencial no reconhecimento de ração com faces de alegria, do que voluntários saudáveis,
expressões faciais, ele dificilmente responderia por toda a se11do que a inte11sidade da resposta hen1odinâmica se
complexidade do processamento desses estímulos. correlacionou com a gravidade dos sintomas fóbicos. 53
Um momento complementar do reconhecin1ento de Com relação ao transtorno do pânico, verificou-se
expressões em faces é o de associar conhecimento à que pacientes sem agorafobia ou outras comorbidades,
percepção de determi11ada expressão. Ao perceber uma pareados co111 controles saudáveis, tiveram um prejuízo
face de raiva, é possível supor que a pessoa observada na identificação das expressões faciais, particularn1ente
está descontente com o comportamento atual do outro, nas emoções de tristeza e raiva. Os pacientes tambérn
que este outro deve interromper esse comportame11to ou demonstraram u111a tendência em identificar erronea-
mesmo que deve se preparar para um provável ataque. Ao n1ente como raiva as expressões de outras emoções. 56
perceber uma expressão de medo, é possível supor que a Pacientes diagnosticados com transtorno do pânico e em
pessoa em questao- . .
esta prestes a gritar ou correr, por estar homozigose para o alelo de risco 1O19G dos receptores
diante de algo amedrontador, que pode ser o observador serotoninérgicos do tipo 5-HTlA aprese11taram ativações
ou algo no ambiente. Perceber uma face de tristeza pode n1ais pronunciadas de amígdala a faces de alegria e ate11u-
remeter à hipótese de estar diante de alguém que precisa ação da ativação de regiões pré-frontais a faces de medo.
de ajuda, ou diante de alguém que de,,e ser ignorado por O mesmo padrão de aumento de ati,1ação da amígdala
estar demonstrando fraqueza, a depender de característi- para faces de alegria foi observado 110s pacientes porta-
cas individuais, como empatia e altruísmo do observador. dores do alelo curto do transportador de serotonina. 5-
Esses são exemplos de como se associa1n conhecimentos Em comparação com controles saudáveis, pacientes com
à percepção de um estímulo para dar significado a essa transtorno do pânico, sob uso de medicação, apresenta-
percepção, conhecimento este que não está presente no ram intensidade de sinal BOLD menor no córtex cingula-
estímulo, mas que o homem retém da experiência passada do anterior e amígdala do que controles saL1dáveis em res-
com o estímulo, ou mesmo de maneira inata. posta a faces de medo. As ativações do córtex cingulado
Um terceiro mecanismo no reco11hecimento de expres- correlacionara1n-se negativame11te co1n 111edidas subjeti-
sões faciais é o da mímica. A importância da mímica no vas de ansiedade. ,R Esse mesmo grupo demonstrou que,
reconhecin1ento de expressões faciais está apoiada por em resposta a faces de alegria, pacientes com transtorno
estudos que têm demonstrado que perceber um estímulo do pânico apresentavam ativações 1nais pronunciadas do
emocional, sentir un1a emoção e resgatar uma mernória cíngulo anterior, não sendo observadas diferenças entre
de conteúdo emocional envolvem processos 1ne11tais os grupos e1n regiões de amígdala. 59
coincidentes. Uma hipótese é a de que o reconhecimento Teorias cognitivas implicam uma tendência a inter-
de um determinado estímulo dependa, pelo menos em pretações negativas na psicopatologia de qL1adros depres-
parte, da resposta fisiológica do observador ao estímulo. sivos. Indivíduos deprimidos, ou com predisposição ao
No caso específico do reconhecimento de expressões desenvolvimento de depressão, teriam uma tendência em

300
Capítulo 32 - Processamento emocional no sexo feminino . da pesquisa à clínica

avaliar a si mesmos, os outros e eve11tos da vida cotidiana DIFERENÇAS ENTRE OS SEXOS NO


de 111aneira mais 11egati\·a do que coritroles saudáveis. RECONHECIMENTO DE EXPRESSOES FACIAIS
-
Pacientes com diagnóstico de depressão maior tendem É amplan1ente aceito entre especialistas na área das
a perceber com maior frequência ou acurácia estímL1los diferenças e11tre os sexos en, funções n1entais um melhor
e111ocionais negativos, como faces de tristeza, do que desempenho das mulheres quando comparadas aos ho-
controles saudáveis, assin1 como tendem a prestar me- me11s quanto ao reconhecimento de emoções em faces;
nos atenção a estímulos positivos, como faces de alegria. ainda assin1, uma a\raliação mais apurada da literatura
Algumas dessas anormalidades persistem após a remis- levanta questionamentos. Apesar de grande parte dos es-
são dos si11tomas e também são encontradas em indiví- tudos que encontraram alguma diferença no reconheci-
duos não deprin1idos, mas em alto risco de desen,,olver mento de e1noções em faces apontar para uma vantagern
depressão.60 das 1nulheres nessa habilidade,66 ·68 uma parcela significa-
Indivíduos deprimidos apresentam um viés negativo tiva de estudos não detectou diferença entre os sexos. 69
no julgan1ento de expressões faciais,61 particularn1ente No caso do emprego de uma medida mais objetiva, e1n
para a emoção de tristeza, com uma forte correlação detrimento da resposta subjetiva de voluntários, como é
com a gravidade dos sintomas depressivos. Além disso, o caso da ressonância magnética funcional (fMRI), gran-
o viés para o julgamento das expressões faciais ambíguas de parte dos estudos encontra diferenças significativas
como de tristeza parece ser um fator preditivo da persis- entre l1omens e mulheres na ati\·ação do SNC durante
tência dos sinton1as depressivos,6 - particularmente em o processamento de expressões faciais;-º no entanto, a
111ulheres. 6 ·\ direção e localização dessas diferenças parecen1 tão di-
Aumento da atividade neural para estín1ulos nega- versas que neste momento é impossível propor um atlas
ti,10s e din1i11L1ição para estímulos positivos em regiões fu11cional da difere11ça entre os sexos no reco11hecimento
cerebrais relacionadas con1 o processamento de emoções, de expressões faciais.
con10 amígdala e estriado ve11tral, também têm sido re- Os 1notivos para as divergências nos resultados são
latados en1 pacientes deprimidos.60 Usando ressonância muitos, porém a falta de controle do ciclo menstrual e
magnética fu11cional, Fu e cols. 64·65 demonstraram que pa- do ambiente hormonal das n1ulheres testadas na maioria
cientes deprimidos aprese11tavam ativações mais pro11un- desses estudos parece u1n ponto central nessa discussão.
ciadas de amígdala e estriado ventral a faces de tristeza e AlgL1ns estudos investigaram o efeito do ciclo menstrual e
uma resposta atenuada a faces de alegria nas regiões de do ambiente hormo11al das mulheres no reconhecimento
putâmen, hipoca1npo e estriado ventral, em con1paração de expressões faciais. O reconhecin1e11to de expressões
con1 controles saudáveis. O trata1nento crônico com anti- faciais de medo parece ser modulado pelas fases do ciclo
depressivos norn1alizoL1 as ativações cerebrais, atenuando menstrual. Mulheres dura11te a fase pré-ovulatória do ci-
a resposta neuronal da amígdala esquerda e do estriado clo menstrual reconheceram com n1aior acurácia as faces
ventral a faces de tristeza e aun1enta11do a resposta do de medo do que as mulheres na fase menstrual,-1 e os aLt-
estriado ventral a faces de alegria. tores propõem que o nível elevado de estrogênio na fase
Tomados em conjunto, os estudos com pacientes por- pré-ovulatória seja responsável por esse achado. Outro
tadores de transtornos ansiosos e depressivos apo11tam estudo-2 mostrou que mulheres com TDPM, durante a fase
para co1nprometimento no processame11to de expressões lútea, apresentaram um aumento na avaliação negativa de
faciais de emoções básicas. E11tre os transtor11os de an- expressões faciais, enquanto as mulheres qt1e não apresen-
siedade, o que se observa é un1a tendência a u1n maior ta,,am o diagnóstico de TDPM não demonstraram essa
reconhecin1e11to de expressões negativas, particularmente alteração da percepção de emoções com o ciclo menstrttal.
medo e rai,•a, enquanto nos transtornos depressivos há Con\-vay e cols.-3 relacionaram os níveis de progesterona
un1 prejuízo de reconhecimento de expressões de alegria de mulheres con1 a se11sibilidade a possíveis focos de con-
e attmento do reconhecimento de expressões negativas, tan1inação no ambiente (faces de asco con1 olhar desviado)
com ênfase em faces depressivas. e posSÍ\ eis focos de ameaça física no ambiente (faces de
1

De maneira geral, os estudos de neuroimagem apon- medo com olhar desviado) e detectou que os níveis de
tam para respostas hen1odinâmicas mais ace11tuadas progestero11a das n1ulheres estavam positi\1amente rela-
em pacientes do que co11troles saudáveis a apresentação cionados com a intensidade da emoção \'ivenciada com
de expressões faciais de emoções básicas. A amígdala esses estímulos, sugerindo que n1ulheres em fases da vida
ten1 sido particularmente envolvida na fisiopatogenia com altos níveis de progesterona, como na gestação, estão
de transtornos ansiosos e depressivos e, talvez por mais sensíveis, e provavelmente mais protegidas, de focos
isso, seja a estrt1tura cerebral mais estudada, sendo qt1e de contágio e ameaça física. Outro estudo--1 den1onstrou
alterações na sua ativação a faces en1ocionais tenham uma n1aior acurácia no reconhecimento de expressões
sido encontradas na maioria dos estudos co111 pacientes faciais em mulheres na fase folicular do ciclo menstrual
. ., .
ps1qu1atr1cos. e correlacio11ou negativamente os níveis de progestero11a

30 1
Tratado de Saúde Mental da Mulher

co1n o recor1hecimento de emoções em faces. Um estudo ~lesmo quando as fases do ciclo 111e11strt1al são con-
Sl1bseque11te do n1esn10 grupo-5 associou o resultado com- troladas e o nível de horn1ônios sexuais são menst1rados
porta111ental descrito a uma maior ativação da a1n1gdala de n1aneira adequada, as dificuldades não terminam.
medida por tMRI e e11controu uma correlação negati\'a A di,,ersidade na nome11clatura e pri11cipaln1ente 11a de-
entre os ní,,eis plasmáticos de progesterona e a resposta da li111itação dos dias do ciclo menstrual a ser estudado di-
amígdala a faces neutras, de medo e tristeza. ficulta, e n1uitas vezes i111possibilita, a comparação de es-
Um estudo do grl1po dos autores comparol1 o desen1-
·1, tudos sobre o processamento emocional das n1t1lheres en1
penho de mulheres em três fases disti11tas do ciclo mens- diferentes ambie11tes hor1nonais. A Figura 32. l representa
trual co1n o de hon1ens 110 reconhecimento de e111oções grafican1ente o período de dias que foi escolhido para a,,a-
em faces. Nll1lheres durante a fase folicular, porta11to con1 liação das n1ulheres e a non1enclatura utilizada para des-
baixos ní,·eis de estrogê11io e progesterona, reco11heceram cre\rer tal período en1 estudos que avaliara1n a n1odulação
co111 maior acurácia faces mostrando a e111oção rai\'a exercida pelo ciclo me11strual co1n o t1so de in1agem por
do qL1e n1t1lheres en1 outras fases do ciclo me11strual e ressonâ11cia n1agnética fu11cional.
homens. Uma correlação negati\'a entre os nÍ\'eis de es- Estudos con1 delimitação de um período longo de dias
trogênio e o reco11hecin1ento de expressões faciais de sob a mesn1a denon1i11ação para discrin1inar u111a deter-
raiva 11as mt1lheres sugere1n papel preponderante desse minada fase do ciclo me11strual corren1 o risco de agrupar
hormônio na modulação do processamento e111ocio11al 1nulheres em ambientes hormo11ais n1uito disti11tos, que
durante o ciclo reproduti, 0 da n1ulher. O n1esmo grt1po
1
alén1 de contribuir para a possibilidade de estudos com
de n1ulheres em fase do ciclo n1enstrt1al com baixos níveis rest1ltados negativos, pode minimizar os resultados que
de estrogênio e progesterona n1ostrou-se 1nais sensí,1el no são enco11trados. Air1da assim, esses estudos tê111 grande
reco11hecin1ento da en1oção tristeza do que n1ulheres em importância 110 can1po de conhecimento ao den1011strar
fase do cicl<) n1enstrual con1 altos ní, eis de estrogênio e
1 que, mesn10 con1 essa restrição metodológica, o efeito do
progestero11a. ciclo menstrLtal no processamento de en1oções pode ser
de111onstrado en1 diferentes tarefas psicológicas. A delimi-
-
CONCLUSOES tação mais restrita dos dias do ciclo n1enstrual a serem tes-
tados proporcior1a o reco11hecin1ento preciso do a111biente
hormo11al estudado e permite a elaboração de hipóteses
111ais precisas sobre o efeito de cada un1 dos horn1ônios
sexuais no processamento emocional de n1ulheres.
O mesmo estudo discutido anterior1ner1te não encon-
trou diferenças no reconhecin1ento de expressões faciais
ao con1parar homens e mull1eres qua11do desconsiderada
a fase do ciclo menstrual dessas n1ulheres. Esse achado
sugere que o grande número de estudos con1 resulta- A extrapolação de achados da neurociência básica para
dos contraditórios 11a literatura esteja relacionado a um o comportan1ento humano fora dos laboratórios de,,e ser
problen1a 111etodológico, a falta do controle do an1biente feita con1 extrema cautela e conhecimento de todas as
l1ormonal das mulheres. Diversos estudos aqui n1ostrados limitações desse processo; ainda assi 111, algu1nas consi-
elencan1 o an1biente hor1nonal, principaln1ente os níveis derações sobre os dados aqui n1ostrados das diferenças
de estrogênio e progesterona, co1no fator indissociá,,el aos entre home11s e mulheres e a importâ11cia dos hormônios
achados de diferenças entre os sexos no processamento sexuais no processa1nento de en1oções podem ser t'.1teis
emocio11al. Todo cientista interessado no dimorfismo para un1 melhor entendimento das peculiaridades clínicas
sexual no desen1penho cognitivo e emocional deve consi- no manejo de mulheres com transtornos psiqltiátricos.
derar o co11trole desses hormônios em estudos com mu- Uma n1aior habilidade 110 reconhecimento de expres-
lheres em idade reprodutiva ou durante a perin1enopausa, sões faciais 11as mulheres pode ser responsável por grande
períodos de flutt1ação dos hormônios sext1ais conforme o vantagen1 evolutiva para a espécie: a pronta identificação
ciclo n1enstrt1al. de emoções pode significar respostas n1ais rápidas e
O controle do ambiente hormonal 110 ciclo 1ne11strual precisas en1 situações de risco para si n1esmo ou para a
merece ate11ção especial 11a literatura científica. Apesar prole. No enta11to, é possí,,el que a exposição constante
de métodos de contagen1 a partir da data de 1ne11strua- a essa maior detecção de emoções, especifica111ente as
ção prévia ou posterior na estimativa da fase do ciclo negativas, seja, tambén1, ttm estressor capaz de aun1e11tar
1nenstrual terem sido usados em \ ários estudos, eles estão
1 a probabilidade de as 111t1lheres sofrerem com tra11stornos
relacionados com taxas de erro de até 46qo_-- A confirma- depressivos e ansiosos. Ao demonstrar que mull1eres em
ção das concentrações hormonais esperadas por n1edição fases do ciclo n1enstrual con1 altos níveis de progestero11a
direta é crítica 11a validação da fase n1e11strual. mostraran1-se 1nais se11síveis a faces ameaçadores com

302
Capítulo 32 - Processamento emocional no sexo feminino: da pesquisa à clín ica

co11teúdo de rai,,a e nojo, Con,vay e cols. 3 propõem que de que pacientes com "sociopatia adquirida" (um termo
essa característica proteja as mulheres de situações de introduzido por Damásio e cols. 11 6 para caracterizar in-
risco de agressão e contaminação, principalmente durante divíduos que após lesões cerebrais, principalmente no
períodos do ciclo ,,ital co1n altos 111veis de progesterona e córtex frontal, passam a preencl1er critérios diagnósticos
co111 L1n1a necessidade real de dimi11uição de riscos, con10 para transtorno de personalidade antissocial) apresentam
é o caso da gestação; no entanto, pode expor as n1ulheres um deficit global no reconhecin1ento de expressões fa-
a emoções negativas en1 períodos n1enos arriscados da ciais, especialmente de expressões de rai,,a. ,- 1" 1 Pacientes
vida, como no caso do período pré-menstrual. com sociopatia adquirida têm grandes dificuldades em
Investigando r11ulheres com TDPM, Rubinov.· e cols.-- socializar-se e forte tendência a reagir de forma agressiva
n1ostrara1n que, diferentemente de um grupo de mulheres a estímulos ameaçadores ou frustrantes do meio, entre
saudá,,eis, as 1nulheres com diagnóstico desse tra11storno outros sintomas. Davidson e cols. 119 propõem qLte a pro-
mostraran1-se 111ais propensas a experimentarem emo- pensão à agressão impulsiva está associada a dois fatores,
ções negativas ao sere1n expostas a expressões faciais dissociáveis apesar de claramente interconectados: baixo
dL1ra11te o período luteal de seus ciclos 111enstruais. Em limiar para a ati,·ação de afetos 11egati,,os e falha em
un1 estudo L1tiliza11do técnica de ressonância magnética responder adequadamente à antecipação dos resultados
fu11cional e urna tarefa de controle inibitório en1ocional 11egativos em agir com agressividade. Pode se supor que
(GO/NoGO e1nocional) Protopopescu e cols. - '4 propõem a propensão de mulheres na fase folicular de seu ciclo
um n1odelo de processan1ento de emoções em n1ulheres me11strual detectarem com 111aior facilidade raiva en1
co1n TDPM que i11clui un1a hiper-reati, idade da amígda-
1 expressões faciais possa estar relacio11ada a esse primeiro
la com controle i11adequado por parte do córtex pré- momento da agressão impulsiva, ou seja, a uma predispo-
-fro11tal. Esses achados, apesar de 11ão seren1 conclusivos, sição a detectar estímulos ameaçadores no ambiente. Essa
sugerem a existência de u,na neL1roa11aton1ia funcional do consideração é ,,alida diante do achado de Hall 20 de que
processamento de emoções em n1ulheres com TDPM, de os voluntários com 1naior pontuação em uma escala qL1c
certa 111aneira, parecida co1n a de n1ulheres sofre11do co1n mede a propensão em reagir con1 agressi,1 idade apresen-
tra11stornos ansiosos e depressivos, e ten1 como principal taram maior reconhecimento de raiva em faces que não
.
repercussão clínica o embasamento cie11tifico do diag- expressavam raiva.
nóstico de TDPM, que hoje figura como un1 diagnóstico Estudos em animais têm demonstrado uma relação
pro,,isório 110 DSM-IV, e do uso de antidepressivos no negativa entre serotonina e agressividade, particularmen-
tratame11to das mulheres con1 esse transtorno. te agressividade impulsiva. 121 Em humanos, estudos con1
Alguns estudos a,,aliaram a modulação exercida pelo depleção de triptofano demonstraram que baixos níveis
ciclo menstrual no processamento emocional. Mulheres de serotonina estão relacionados com propensão a agir
no período folicular e, portanto, com baixos ní,,eis séricos con1 agressividade, 1~~ 123 principalmente, mas não exclusi-
de estrogênio e progesterona mostraram-se mais sensíveis vamente, em indivíduos com traços de agressividade en1
ao reconhecimento de expressões faciais em dois estL1dos sua personalidade. Em contrapartida, o aL11nento da dis-
distintos. E1n Ltn1 deles, 1 o maior reconhecin1e11to de ponibilidade de serotoni11a, por meio de suplementação
expressões faciais aconteceu con1 todas as faces, inde- de triptofano 124 ou administração de D-fenfluran1ina L!~
pe11dentemente da emoção avaliada, e foi correlacionada diminuiu a probabilidade de os indivíduos reagirem com
co1n uma maior atividade da amígdala n1edida por flv1RI agressividade. Ainda, a administração de 20 mg/dia de
e tambén, co1n os níveis de progestero11a. O outro estudo-6 citalopram por Llm período de sete dias en1 voluntários
demonstrou que n1ulheres também no período folicular saudáveis prejudicou o reconhecimento de faces de rai,,a e
mostravam-se 111ais sensíveis ao reconhecime11to das medo, 126 além de diminuir a hostilidade subjetiva. 12- Mu-
expressões de raiva e tristeza, e encontrou uma correla- lheres em fase do ciclo menstrual co1n baixo estrogê11io e,
ção sig11ificati,·a con1 os níveis de estrogênio. Vistos e1n portanto, co111 pro,·ável redução da função serotonérgica,
co11junto, esses estudos sugerem um efeito dos hor1nônios reconheceram com maior facilidade expressões faciais
sexuais estrogênio e progesterona na modulação do pro- de rai,,a que n1ulheres en1 fases do ciclo rnenstrual con1
cessame11to emocional, a fim de diminuírem a percepção altos níveis de estrogênio e provavelmente melhor função
das emoções, particularmente as emoções raiva e tristeza, serotonérgica. Na clínica, o tratamento continuado com
de conteúdo negati,•o. ISRS (inibidores seletivos da recaptação de serotoni11a)
O reconhecimento de expressões faciais de raiva ten1 tem demonstrado eficácia em patologias que cursa111 com
alto valor no desempenho social do indi,•íduo. No co11- altos níveis de agressi,·idade e i111pulsividade, como o TPB
tato social, tern se argumentado I que as expressões de (transtorno de personalidade borderli11e), o TPA (trans-
raiva servern co1110 um si11al de que o comportamento torno de personalidade antissocial) 128 e o TEI (transtorno
atual de,·e ser i11terrompido, ou seja, o indi,•íduo de,·e explosivo intermitente). ' 9
colocar e1n uso 111ecanismos de inibição comportan1e11- Ainda a respeito do reconl1ecin1ento de expressões
tal dispo11íveis. Não traz surpresa, porta11to, o achado de raiva, Kessler e cols. 56 encontraram u1na tendência de

303
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Reiman e cols 78 Luteal médio -
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Nordstrom e
cais. 79 Somente mensuração dos hormônios s:e
-
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Smith e cols. 80 Luteal
Buchpiguel e
cais. 81 Somente mensuração de sintomas
Dietrich e
cols. 82 Luteal
Kaufman e
cais. 83
Rasgon e Com sintomas de
cais. 84 Sem sintomas de TDPM TDPM
Epperson e
cais. 85 Luteal médio Luteal tardio
Ances and Luteal
Detre 86 tardio
. .
Fernandez e
cols. 87 Luteal médio

Best e cais. 88 Luteal médio


Epperson e
cols. 89 Luteal médio
Goldstein e Folicular
cols. 90 precoce Folicular tardio
Protopopescu
e cols. 91 Luteal
Amin e cols. 92 Luteal médio
93 Luteal
ehoi e cols.
Eriksson e
cols. 94
Gizewski e
cols.º Luteal médio
Jovanov1c e
cols. 96 Luteal tardio
de Leeuw 97 Alto estrogênio
Cosgrove e
cols.q8 Luteal médio
Dreher e
cols. 99 Luteal
Schon1ng e
cols. 100 Luteal médio IQ
"O
10 Luteal
Batra e cols. 1;e:: :. ·
Derntl e
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cols 1" Luteal 1~
1
Konrad e ""O
...,
cols. 102 Luteal médio lg (!)
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Protopopescu Cl)

3
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e cols. 103 :::::,
......
Protopopescu o
e cols. 104 Luteal tardio 13o
Roberts e -or.
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cols. ,os a,
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Weis e cols. 106 o
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Jovanovic e X

cols. 107 Luteal 1~ (!)

Rupp e cols. 108 Luteal 1~-


Rupp e cols. 1 9 Luteal 15 ..
Tu e cols. 110 Ovulatório 1 fr
- - - -- -·
Derntl e cols. 111 Luteal ffi
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Goldste1n e Vl
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cols. 111 Meio do ciclo 1 1 Cl),

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Ossewarde e :::::,
---
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r.
cols. 113 Luteal tardio Cl)

Zhu e cols. 114 Menstrual Ovulatóno Outro período

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Tratado de Saúde M ental da Mulher

pacientes com transtorno do pânico i11terpretarem erro- l ifetiine prevalence, chronicity and recurrence. J Affect Disord.
neamente a existência de rai,·a em faces que, na ,·erdade, l 993;29(2-3 ):85-96.
não traziam essa emoção. Baixos ní,·eis de serotonina 12. Rapaport J\lH, Thompson P~l, Kelsoe JR, Golshan S, Judd LL,
fora111 relacio11ados co111 a fisiopatologia do transtorr10 do Gillin JC. Gender differences 111 outpatient research subjects
pânico, 1~0 e pacientes com transtorno de pânico apresen- ,, 1th affect1,·e disorders: a co111par1son of deo;criptive variables. J
tam boa resposta ao tratan1e11to con1 ISRS crônico. .\1 É Clin Psvchiatrv. l 995;56(2):67-72.
'
perti11ente ainda o dado de que mulheres com transtorno 13. Hirschfeld R~[. Russell J,\1. Asse-;sn1ent and treatment of suici-
de pânico apresenta111 aumento no número de ataques de dai patíents. ~ Eng) J ;\,1ed. 1997;337( 13 )·910-5.
pânico 11a pré-menstruação,10 período em que os níveis 14. Kornsteín SG, Schatzberg AF, Thase ;\[F, Yonkers KA, ~lc-
de estrogênio e progesterona já estão en1 qL1eda. Cullough JP, Keitner G I et ai. Gender differences in treatn1ent
O achado de que mulheres durante fase do ciclo mens- response to sertraline \'ersus in1ipran1ine in chronic deprcssion.
trual com baixos níveis de estrogênio e progesterona Am J Psychiatry. 2000;157(9):l-!45-52.
apresentam u111a maior sensibilidade ao reconhecin1ento 15. Gorman Jt\11. Gender differences in depression and response to
de expressões faciais de tristeza sugere, tambén1, uma psychotropic medication. Gend ~1ed. 2006;3(2):93-109.
relação entre estrogênio e depressão. Con10 discutido 16. liildebrandt 1\[G, Steyerberg E\\', Stage .KB, Passchier J, Kragh-
anteriorn1ente, u1n distúrbio 110 processamento de tristeza -~oerensen P, Group DUA. Are gender differences in1portant
parece estar relacio11ado tanto à ocorrência de transtornos for the chnical effects of antídepressants? Am J Psychiatr).
depressivos como à baixa função serotonérgica,60 e ajuda 2003; 160(9): 1643-50.
no entendi111e11to da observação clínica de aparecimento 17. Kessler RC, ~lcGonagle KA, Zhao S, Nelson CB, Hughcs ~1. Esh-
ot1 piora de sintomas depressivos em mulheres em fase len1a11 S et ai. Lifetime and 12-n1onth pre,·alence of 05~1-111-R
da vida reproduti,,a com grande oscilação de estrogênio, psychiatric d1sorders in the ünited States. Results fron1 the Natio-
além de trazer e,1idê11cias das ciências básicas para um nal Comorbidity Survey. Arch Gen Psychiatry. l 994;5 l ( l ):8- 19.
n1elhor ente11di1nento da resposta terapêt1tica de mulhe- 18. ~lclean CP, Asnaani A, Litz BT, Hofmann ~G. Gender difleren-
res deprimidas na perimenopat1sa à reposição de estrogê- ces in anxíetv, disorders: Prevalcnce, course of íllness, 1..on1orbi-
nio, 132 ou, ainda, do tratarne nto de sintomas vasomotores dity and burden of1llncss. J Psychiatr Res. 2011;45(8):1027-35.
dessas mulheres con1 medicações antidepressivas de ação 19. Rreslau N, Oa\'iS GC, Andreski P, Peterson FL, Schult;, LR. Sex
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306
Abordagem psicoterápica da
mulher na menopausa

Daniela Bulk Pacheco


Rosângela Maria Moreno de Campos

-
INTRODUÇAO bridores das diferentes abordagens psicoterapêuticas
Nas últimas décadas, a saúde da mulher, em especial seu imenso valor e contribuição à ciência psicológica e
daquela que transita pela menopausa, que será definida psiquiátrica, bem como às outras ciências que se inte-
adiante como parte do tema que será abordado neste ressam e estudan1 o ser humano, como a antropologia,
capítulo, tem merecido atenção en1 todo o mundo, pos- sociologia, filosofia, teologia, entre outras. Os grandes
sivelmente em decorrência da expectativa de vida que se mestres e fundamentadores do que é hoje a psicoterapia
tem observado em países desenvolvidos e naqueles em no mundo são Sigmund Freud, Jacob Levy Moreno, Carl
desenvolvimento. Gustav Jung, Carl Rogers e Aaron Beck, entre outros.
A expectativa de vida da popt1lação mundial, em geral, Este capítulo enfocará apenas as abordagens da terapia
vem aumenta11do nos últimos tempos. No Brasil, estin1a- cognitiva e do sociodrama construtivista, que são aque-
-se para o ano 2020 uma população total de 200 milhões las desenvolvidas atualmente pelos autores no Programa
de habita11tes, sendo cerca de 1O1 n1ilhões de mulheres, de Atenção à Saúde Mental da Mulher - ProMulher do
e 11 milhões delas na faixa etária dos 55 aos 64 anos de Instituto de Psiquiatria do HC-FMUSP (Hospital das
idade na pós-menopausa, período que envolve o climaté- Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de
rio. O climatério é um período de transição entre a tàse São Paulo). Convém ressaltar que a aplicação de uma
reprodutiva (menacme) e não reprodt1tiva (senilidade). abordagem tem a ver com o profissional que está atuan-
Co,n isso, os profissionais da sat'.1de mental acreditam do, sua escolha e momento pessoal. Há uma questão
haver a necessidade de uma interface com os demais cole- levantada apenas para reflexões pessoais: será que existe
gas da área da saúde, que cuidam e cuidaram dessas mulhe- um profissional que seja, apesar de ortodoxo, tão puro
res, pois inú1neras quei...xas, que \ ão além das físicas, estão
1 e111 sua atuação em relação à abordagem escolhida?
presentes nessa fase, acompanhando e fortalecendo muitas Este capítulo procura provocar a reflexão sobre a ques-
vezes os diagnósticos, como, por exemplo, a depressão. tão das abordagens psicoterapêuticas aplicadas ao trata-
Pensando nessa fase de transição pela qual toda mulher mento da mulher, bem como sobre essa fase específica de
devera passar, para poder fazê-lo de forma menos traumá- sua vida que é a menopausa.
tica, depressiva, acredita-se na parceria das abordagens ,

psicoterapêuticas, aco1npanhadas do tratamento clínico MULHER DO SECULO XXI:


devidamente orientado pelo set1 médico. TRANSGERACIONALIDADE VERSUS ALTRUÍSMO
Assim, refletir, estudar e escrever sobre a abordagem VERSUS CULTURABILIDADE
psicoterápica, em geral, pode conduzir o profissional Quais as heranças e crenças as mulheres vêm somando
a fazer t1n1a revisão histórica destas. Considera-se e ao longo dos tempos à sua carga histórica e cultural em
in1puta-se a cada um dos gra11des pensadores e desco- relação aos seus papéis e funções?
Tratado de Saúde Mental da Mulher

A mulher recebe transgeracionalme11te de outras mu- Empiricamente, observa-se no ambulatório ProMulher


lheres, bem como de suas relações em geral, influências que as n1ulheres menopausadas, com idade acin1a de 45
que afetam seu comportamento e maneira de ser em rela- anos, que não exerciam atividades fora de casa, demons-
.. . ' . ,. .
çao a s1 mesma e as suas conv1venc1as soc1a1s.
.. trara1n, por n1eio de entrevista semiaberta, um sofrin1ento
Muitas mulheres da década de 1960, que exerciam a emergencial para buscar um e11tendimento dos si11tomas
função doméstica, a haviam herdado de gerações ante- que esta\'am sendo acometidas; porém, não dispu11l1am
riores e, consciente ou inconscientemente, adotaram o de tempo, pois precisavam cuidar de netos, marido, casa.
modelo opressor subn1isso, e1n que também prevalecia Também são e11co11tradas n1ulheres que se declararam fe-
o 1nachismo da época, e 1núsicas, como "Amélia qt1e era lizes, satisfeitas em suas funções atuais de avós, cuidando
mulher de verdade", evidenciavam tal fato, bem como dos netos, por exemplo, para as filhas ou filhos trabalha-
podiam traçar e ditar suas ações presentes e futuras. Essas ren1. Esse foi um dado le,,antado quando da triagem para
n1ulheres passaram a educar suas filhas dentro de confli- atendin1ento psicoterápico de mulheres menopausadas
tos, con10 o de ser dona de casa ou não; com isso, surgiu o que chan1ou atenção em 2008, en1 um projeto sobre
ato que revolucio11ou a posição da mulher perante a socie- qualidade de vida no ProMulher. Esses dados não trazem
dade. Contudo, ainda se pode perceber que, na população nenhuma garantia científica, mas evidenciam um possível
atual de menopausadas, reflete-se um pouco do modelo conflito en1 suas escolhas.
que será chan1ado de "An1élia'~
Segundo o Manual do Climatério, elaborado pelo Mi- MENOPAUSA
nistério da Saúde em 2007, dados atuais têm mostrado A menopausa - do grego 1nens (mês) e pausa (pausa)
que o aume11to dos sinton1as e problemas da mt1lher nesse - ocorre em torno dos 50 anos de idade (48 a 52 anos) na
período reflete circunstâncias sociais e pessoais, e não maioria dos países industrializados, e corresponde a doze
somente eventos endócrinos do climatério e menopausa. 1neses de ausência de menstruação (amenorreia). Portan-
Se11do assim, muitas mulheres tendem a apresentar difi- to, seu diag11óstico é retroativo.
ct1ldades em definir sua própria experiência nessa etapa De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a
da vida. menopausa pode ser definida em quatro fases, quando
Por isso, é importante, antes de traçar uma intervenção a mttlher passa do ciclo reprodutivo ( fértil) para o ciclo
psicoterapêutica e medicamentosa e uma ação multipro- não reprodutivo:
fissional, dar atenção a essas mulheres que demonstram • pré-menopausa: a produção do hormônio feminino, o
sofrimento por não conseguirem romper com padrões estrôgenio, começa a diminuir antes da últin1a mens-
disfuncionais, bem como se perceberem como indivíduos truação (menopat1sa), podendo haver sintomas da
que 11ecessitam de cuidados. Hoje se encontram no mo- menopausa como irregularidades na me11struação;
delo de avó, e mt1itas vezes não conseguem diferenciar • perimenopausa: transição entre os períodos pré e pós-
t1ma ação altruísta de uma educação cultural de época; -menopausais. É nessa fase em que os sinton1as clima-
logo, não têm possibilidades de fazer muitas escoll1as. téricos apresentam-se de forma mais evidente, e pode
Isso faz pensar no paradigma do modelo sociocultural acontecer por volta dos 45 anos, per1nanecendo apro-
que conceitua a menopausa co1no o processo de desen- ximadamente até os 65 anos. Alguns dos sintomas mais
volvimento normativo e com impacto mínimo ott nulo na comu11s são os vasomotores (ondas de calor, como nas
vida da mulher, ou seja, vão modular a forma como elas regiões de pescoço, tronco e costas) e suores noturnos;
experimentam os sintomas. • menopausa: o marco dessa fase (climatério) corres-
Esse paradigma vai defender que tais dificuldades, ponde ao últin10 ciclo menstrual, somente reconhecida
associadas ao climatério, são culturalmente construídas, depois de 12 n1eses de sua ocorrência, e acontece em
alicerçando-se no envelhecimento, papel social e negati- torno de 48 a 50 anos; nessa fase, a mulher geralmente
vismo vivenciado pela mulher. apresenta ganho de peso;
Diante do papel que é desempenhado pela mulher, bem • pós-menopausa: inicia-se um ano após a última mens-
como o seu envelhecimento, também vemos o significado truação (menopausa), o que ocorre geralmente em
que a capacidade reprodutiva feminina, representada pelo torno dos 50 anos. Caracteriza-se por ausência da
,.'.itero jovem (fértil), tem 110 contexto social. menstruação (amenorreia). Nessa fase, há um au1nen-
Segundo Pimenta e cols. (2007), ao citaren1 Hunter to no risco de doenças como osteosporose e doenças
& Kuth (2002): as mulheres que manifestam, a priori, cardiovasculares.
a crença de que durante a menopausa se experimenta
dificuldades emocionais e sintomatologia física são mais Importante ressaltar que durante essas fases é co1num
prováveis de vir a manifestar hu1nor deprimido quando a n1t1lher experienciar t1t1tt1ações bruscas 110s hormônios,
chegarem ao seu climatério. que podem gerar alguns sinais e sintomas; os mais co-

312
Capítulo 33 - Abordagem psicoterápica da mulher na menopausa

muns são dores nas articulações, perturbação do humor Seu objetivo principal consiste em produzir mudanças
e do sono, irritabilidade, fadiga e diminuição da libido. nos pensamentos e nos sistemas de crenças (significados)
Segundo o Datasus a população fen1inina está em tor- dos pacientes, conduzindo-os a uma transformação emo-
no de 98 milhões, sendo qLte 35 milhões estão entre 35 e cional e comportamental dL1radoura, não perma11ecendo
65 anos, o que significa que 32% das mL1lheres no Brasil ape11as na sintomatologia. A partir da forma de pensar
estão na faixa etária em que ocorre o climatério. do paciente, ocorre uma mudança na emoção e na forma
Sendo assim, o estudo de Greer ( 1994) contribuiu para de se comportar, ou seja, a terapia cognitiva não atua na
entender as etapas (ciclos) e seus ritos de passagem na diminuição do sintoma, mas na reestruturação cognitiva,
vida das mulheres, especialn1ente a menopausa e o en- conhecida como tríade cognitiva (visão de si, do mundo
velhecin1ento. A autora assinala as consequências físicas e do futuro).
e e1nocionais que atormentam a maioria das mulheres Muitas mulheres me11opáusicas expressam suas tríades
durante determinados períodos do climatério. A n1eno- de forma negativa, ad,,indas do desconforto dos sintomas
pausa não é apenas uma mudança, mas uma transição, comuns desse período:
e, segundo a autora, muitas vezes necessita de melhores • visão de si: "estou ficando velha e cl1ata e ninguém me
estratégias para co11seguir enfrentar a nova fase, e assim aguenta mais. ";
voltar a se sentir bem, forte e feliz. • visão do mundo: "já não tenho mais valor para o merca-
do de trabalho, e em casa sirvo apenas para lavar, passar";
ABORDAGENS • visão do futuro: "não servirei para mais nada, meu
São abordados aqui os dois tipos de psicoterapia gru- marido não vai mais se interessar por mim'~
pal realizados pelas autoras deste capítulo no ProMulher
como tratamento para a menopausa, incluindo uma breve Segundo Beck, não é a situação (ou o contexto) que
contextualização teórica dessas abordage11s. determina o que as pessoas sentem, mas o modo como
elas interpretam (e pe11sam) os fatos em uma determinada
APLICABILIDADE DA TERAPIA COGNITIVA EM situação.
PACIENTES MENOPAUSA.DAS Ainda para Beck, as pessoas desenvolvem determi-
Para algu1nas mulheres, a menopausa é um alívio bem- nadas crenças sobre si mesmas, sobre outras pessoas e
-vindo: o fato de não precisar se preocupar con1 os perío- sobre o mundo por meio de suas primeiras experiências
dos de menstruação e controle de natalidade tornam- de desenvolvimento, extraindo sentido de seu a1nbiente.
-se uma libertação, possibilitando uma experiência mais A partir daí, há necessidade de organizar suas experiên-
tra11quila. Porém, outras já não experienciam os mes1nos cias de u1na forma coerente (adaptativa) funcional, trans-
sentimentos, dificL1ltando o gerenciamento de todas as formando-as em verdades absolutas.
fases do climatério. Alguns estudos apontam que a experiência negativa
Como já se sabe, 11a menopausa estão presentes alguns na entrada para o climatério pode estar relacionada com
sintomas ,,asomotores, sinto1nas depressivos e dificul - experiências anteriores ocorridas a cada menstruação e
dades psicossociais, o que pode levar a mulher a un1 11a primeira me11arca, ou seja, a forma como a 1nulher
prejuízo em sua qualidade de vida. Apoiada nessa pre- significou e vivencioL1 esses eventos durante esses anos.
111issa, a terapia cognitiva vem prestando atendimento Essas experiências geram interpretações que também
as pacientes menopausadas que aprese11tam dificuldades podem ser conhecidas como rotulações, as quais vão
em lidar com esse período de transição, atuando no foco constituindo uma rede de significados na estrutura cogni-
dos pe11same11tos depressivos e na tríade cognitiva dessas tiva, formando assim o sistema de crenças do indivíduo.
mulheres (visão de si, do mundo e futuro), com o objetivo É comum ouvir mulheres se queixarem dos desconfor-
de promover uma n1elhora em sua qualidade de vida. Tal tos que fora1n suas 1nenstruações, interpretando muitas
escolha advém de uma in,1estigação científica que aponta ,,ezes os sintomas como "cólicas", sendo eventos que "só
os estados depressivos con10 um dos sintomas mais debi- acontecem com elas': resultando em sentimentos de fra-
lita11tes do climatério, podendo evoluir para um quadro casso por não conseguirem ve11cer tais sintomas. Esses
de depressão grave. sentimentos trazem muitas vezes pensamentos de deses-
perança, levando-as a apresentarem comportamentos
agressivos, irritadiços e até mesmo depressivos.
Descrita por Aaron Beck como "uma abordagem estru-
turada, diretiva, ativa, de prazo limitado", usada inicial- O papel das crenças e pensamentos automáticos
..,. f ,..,...na•5
. . ° ,..~ ~r'"'P,..
-
111ente para tratar pacientes co1n depressão, atualmente
a terapia cog11iti,,a vem trabalhando em tratamentos de O modelo cognitivo afirma que a interpretação de
diversos transtornos psiquiátricos: transtornos de perso- uma situação (em vez de situação em si ), frequente-
nalidade, transtorno de ansiedade, fobias etc. n1ente expressa em pensamentos automáticos, influencia

313
Tratado de Saúde Mental da Mulher

as respostas emocional, comportamental e fisiológica O terapeuta cogniti\'O não rotula tais emoções no iní-
st1bsequentes. cio do tratamento, embora já possa reco11hecê-las. É im-
Mulheres menopausadas qtie enfrentam ondas de calor portante ressaltar que a postura de acolhime11to e empatia
expressam sua falta de habilidades em lidar com tal si11- com o paciente ajuda 110 processo de ressignificação de
ton1a com pensame11tos: "Eu não agt1ento mais isso!", ati- seus padrões disfuncionais.
\'ando conseque11temente uma resposta emocional n1ais Sendo assim, a terapia cognitiva vai participando
depressiva, ou seja, sua crença de desesperança. ati\ amente de todo o processo de correção dos padrões
1

O processamento de inforrnações do mundo inter110 e disfuncionais de avaliação de uma pessoa.


externo geralmente torna-se automático e fora da cons-
ciência, atendendo a funções básicas do organismo, co1no
a sobrevivência e a reprodução. Dessa forma, i11di\ Íduos 1
e11co11tro de dois: olhos nos olhos, jàce n _face. E quan-
''. .. U111

que apresentam transtornos psicológicos com frequência do estiveres perto, arra11car-te-ei os olhos e colocá-los-ei no lugar
111terpretam erronean1ente s1tuaçoes pos1t1vas, ou ate
• • - • • I
dos n1eus; e arrancarei n1eus olhos para colocn-los no lugar dos
neutras, sinalizando, assin1, que seus pensamentos auto- teus; então ver-te-ei co111 os teus olhos e tu ver-rne-ás corn os
máticos podem estar sendo tendenciosos. tneus ... E nosso encontro perrnanece a 111eta setn cadeins..."
No entanto, podemos afirmar que todas as pessoas têm (wloreno, 1978).
pensamentos automáticos; eles estão presentes na maior
parte do tempo. Embora não seja possível perceber de
n1aneira consciente, com um potico de treino é possí\·el Quando se escre\1e e se estuda o sociodrama constru-
detectar tais pensamentos, e ao fazer isso, o indivídt10 tivista, é necessário contextualizá-lo na história. Conside-
verifica a realidade dos fatos quando não está sofrendo de ramos que isso deve ser feito por qualquer pesquisador de
alguma desordem psicológica. qualquer área ou ciência, podendo assim ter conhecimen-
Para isso, a terapia cognitiva ensina algumas ferramen- tos históricos básicos sobre sua área ou o 1nétodo. Nesse
tas para avaliar os pensa111entos de forma estruturada, espaço, apenas cabe uma brevíssima pincelada histórica
principalmente quando se tornan1 afliti\1os, por meio de que pode servir de motivação para estudos mais avança-
técnicas con10 a da reestruturação cognitiva, que ajuda a dos por aqueles que assim o desejarem.
identificar os padrões disfuncionais desses pensamentos, O sociodrama construtivista remete historicamente ao
substitui11do-os por outros mais funcionais. psicodrama e a Jacob Levy Moreno, médico psiquiatra
Ao voltar ao exemplo anterior da mulher que en- ,,ienense, sett criador. Moreno teve um breve enco11tro
frenta as ondas de calor, ao dar a ela a possibilidade com Freud e se diferencia dele e de sua técnica por usar
de e11fretamento do seu padrão negativo, desafiando e mais a ação que a verbalização. O psicodrama como
ressig11ificando seus pensamentos automáticos, perce- metodologia terapêutica surge depois da psicanálise e da
bemos rapidamente uma melhora em seu humor, por psicoterapia de grupo.
exen1plo, "Eu não aguento mais isso!", é substituído O psicodrama é uma técnica psicoterápica qt1e recebeu
por "Essas ondas de calor são n1uito desagradáveis, influências do teatro, da psicologia e da sociologia e tem
111as sei que vai passar, preciso apenas esperar alguns na dramatização sua operação fundamental. "Dra1na"
.
n1111utos .
))
vem do grego e quer dizer "ação". É um método de ação
Com isso, o papel das emoções é fundamental para e de interação.
a terapia cognitiva. Afinal, uma das metas do terapeuta A sessão de psicodrama se compõe de:
cognitivo está no foco de alí\ io de sintomas e redução
1 • contextos:
110 nível de aflição do paciente, que se dá pela modifica- - social;
ção de seus pensamentos automáticos, por meio de suas - grupal;
' .
tecn1cas. - dramático;
• instrumentos:
As Emoções não são racionais e nem tampouco irracionais, - protagonista ou paciente;
, .
n1as adaptativas. (Greenberg & Paivio, 2000) - cenar10;
egos at1xiliares (terapeutas auxiliares ou cossocio-
Se trata de sinais internos, que nos dirigem para nos 1nanter dramatistas);
.
\'!VOS. diretor ou terapet1ta (sociodramatista);
- auditório;
O paciente que atua com emoções fortemente nega- • etapas:
tivas tende a apresentar dificuldades em resoluções de - aquecin1ento;
problemas, bem como a agir efetivamente ou obter grati- - dramatização;
, .
ficações prazerosas. - comentar1os.

314
Capítulo 33 - Abordagem psicoteráp1ca da mulher na menopausa

O psicodrama apresenta també1n técnicas, dentre as xera111 os óculos. O que a perda da visão ten1 a ver com a
quais estão: menopausa? Ten1 a ver com o envelhecin1ento?
• solilóquio; Obser,,a-se que há, muitas vezes, poucas informações
• espelho; científicas, entre elas sobre menopausa, que são acompa-
• inversão de papéis; nhadas de muitas dúvidas e incertezas sobre seus sinto-
• desdobran1ento do eu. mas, quadro clínico e até angústias que inúmeras vezes
acompanham esse período. Essa falta de esclarecimento,
O sociodrama é um dos métodos clínicos que foram desconhecin1ento e crenças tan1bém é observada nos
desenvol, idos a partir do psicodrama. OL1tros métodos
1
tàmiliares, e mais de perto no companheiro, fato coletado
foram o axiodrama, o desenvolvimento de papéis ( role nos contatos com destes no dia a dia do ProMulher. HoL1-
playirzg), psicodanças e várias outras modificações qL1e ve um caso, detectado en1 umas das triagens para inclL1são
podem ser estudas por pesquisadores da área interessa- no grupo psicoterapêutico, de u111 companheiro extren1a-
dos em conhecer e aplicar esse instrun1ento como técnica mente incornodado com a 1ne11opausa da compa11heira,
. , .
enquanto ela estava aparentemente muito bem .
ps1coterap1ca.
Rojas-BermL1dez (1997, p. 42) diz que no psicodrama O sociodrama construti, ista da menopausa pode ser,
1

"o centro de ate11ção se dirige para o i11divíduo, no socio- inicialmente, definido pelo terapeuta em un1 certo nún1e-
drama, volta-se para o grupo': o drama coletivo. O mé- ro de sessões até que ele estabeleça um número suficie11te
todo sociodramático contém as etapas de aquecimento, de encontros psicoterapêuticos que produza um trata-
dramatização e comentários usados no psicodrama. mento satisfatório. O terapeuta pode ser flexível qL1anto
O sociodran1a construtivista é um método de educa- ao número de sessões, depe11dendo do grupo em que ele
ção preventi,,a que Zan1pieri ( 1996) aplicou en1 relação está trabalhando no momento.
à AIDS e qL1e pode ser trabalhado con1 qualqL1er assunto
de interesse do pesquisador ou necessidade da população ESTRUTURACAO - DA5 PSlCOTERAP!AS G~UP.õ.!5
em que este atua. Diante da possibilidade de tratan1ento As mulheres menopausadas são avaliadas 110 An1bula-
psicoterapêutico, por n1eio do sociodrama construti,,ista, tório do Protv1ulher após convocação da irnprensa do I11s-
como método de trabalho, investigação e pesquisa, tem tituto de Psiquiatria do HC-FMUSP e segu11do os critérios
se aplicado tal abordage1n em relação à 1ne11opausa. Esse de inclusão e exclusão.
método pode ir se estruturando ao longo e em fL111ção da Durante a triagem, as n1ulheres são submetidas a u111a
necessidade da popL1lação atendida, podendo se fixar em entrevista semidirigida para obtenção da história clí11ica e
aspectos prioritários do ten1a ou das pessoas envolvidas. psiquiátrica da paciente - anamnese seguida pela aplica-
Observa-se mulheres com mitos, crenças negativas ção das escalas descritas a seguir.
em relação a, por exen1plo, sua sexualidade. Conforme Após a,,aliação, recebem o termo de consentin1ento
as constatações clínicas ocorridas pelas flutuações dos livre esclarecido, são matriculadas no a111bulatório e é
hor1nônios, pode ocorrer ditninuição da libido na mulher iniciada a psicoterapia.
con10 sintomas dessa fase, o que pode ser intensificado Após as interve11ções psicoterápicas sociodramáticas
e supervalorizado pela crença de que "11ão vou ser mais construtivistas, é realizado um reteste con1 a aplicação das
atraente': "n1eu con1panheiro não ,,ai 1ne desejar mais", mesmas escalas inicialmente aplicadas.
"soL1 velha': "sexo é para as mais jovens" etc., e que tam-
bé111 poden1 revelar baixa autoestin1a já existente ou seu
início. Poden1 surgir e têm sido acon1panhadas n1L1lheres
com muita ang(1stia e, muitas vezes, pouca esperança de • Ana1n11ese: entre,,ista sen1idirigida para obte11ção da
ter qualidade de ,,ida na menopausa, tanto e1n relação a história clínica e psiqL1iátrica da paciente.
sua sexualidade como ao provável ganho de peso, emer- • Exame psíquico: realizado por psiquiatras do Ambu-
gindo preocupações com as perdas e mudanças, até en1 latório do ProMulher.
relação àquelas que não tê111 nada a ver com a menopausa • Inventário de Depressão de Beck: escala de autoa-
(para citar un1 exemplo, ter de usar óculos por não teren1 valiação de depressão para medir, de acordo com a
n1ais a visão que tinham). Houve uma constatação na prá- pontuação, ausência de depressão (po11tuação nove ou
tica clínica no Proi\llulher que L1m incômodo e adaptação abaixo), depressão le,,e Oll moderada (pontuação de 10
às perdas se n1ostrou qL1ar1do, na aplicação das escalas a 18 pontos), depressão n1oderada a gra,,e (de 19 a 29
para o trata111ento como critérios de inclusão e exclusão, pontos) e gra,,e a severa (30 a 63 po11tos). Esse ques-
as mulheres precisaram de óculos para responder aos tionário possui 21 grupos de afirmação con1 quatro
qt1estionários porque não conseguiam n1ais ler con10 afir111ati, as cada, enumeradas de zero a três conforn1e a
1

antes. Surgiram comentários como "ter que usar óculos é intensidade do si11ton1a. É dada a instrução para leitura
u111 dos dramas dessa fase" (sic). Outras, quando ,·inham da parte inicial que consta no questio11ário com infor-
para a triage111 na hora de respo11der as escalas, 11ão trou- n1ações adicionais, caso 11ecessário.

315
Tratado de Saúde Mental da Mulher

• Escala Climatérica Greene: ,,isa medir a presença e As abordagens apresentadas neste capítulo não descon-
intensidade dos sintomas n1enopausais 11as áreas psi- sideram outros e11foques terapêuticos, ressaltando sempre
cológica (ansiedade, depressão), físico (somáticos), va- que os tratamentos associados são reco11hecidamente
somotor e sexual de acordo com o grau de intensidade, importantes, quando necessários.
ou seja, sintomas ausentes, le,,es (não incomodam), É recomendá,,el qt1e n1ais estudos sejam realizados, em
moderado (incomodam, mas não interferem na vida busca de compreensão cada vez mais próxima da realida-
diária) e intenso (incomodan1 e interferem na ,,ida diá- de dessas 111ulheres que procura1n atendimento, visando
ria). A escala possui 21 questões com pontuação de ze- ao reconhecin1ento, ao respeito e à humanização.
ro (ausência de sintoma), um (sintomas leves), dois
(sintomas moderados) e três (sintomas intensos) con1 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
nota de corte de dez pontos. Essa escala contém seis Abreu CN, Guilhardi HJ (org.). Terapia Con1portan1ental e Cog-
n1t1vo-Comportan1ental: Práticas Clinicas. São Paulo: Rocca; 2004.
questões para sintomas ansiosos; cinco para sintomas
depressivos; sete para sinton1as somáticos; duas para Allen LA, Dobkin RD, Boohar E.i\1, \\'oolfolk RL. Cogn1tive Behav-
ior 'Iherapy for .\(enopausal Hot Flashes: T,,·o cases reports - Toe
sintomas ,·asomotores e uma para sinton1as sexuais.
European ~lenopause Journal .\Iaturitas. 2006;54( l ):95 9.
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Ballone GJ, ~loura F.C. Depressão na i'Vlenopausa. ln: PsiqWeb.
escala de autoavaliação dos sintomas físicos e mentais Dispon í, el em: <h ttp://,,·,v,..,.psiq,,·eb.n1ed .br/site/?a rea=NO/
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lidade de vida. Esse questionário possui 37 questões Beck J. Terapia Cogniti\"a - teoria e prática. São Paulo: Artmed; l 997.
e pontua 36 com quatro alternativas: sim, sempre; Cheung LH, Callaghan P, Chang A~I. A Controlled Triai of
sim, algumas vezes; 11ão, não muito; não, nunca. As psycho-educafional interYentions ins preparing Chinese ,vomen
questões são divididas em sete grupos que avaliam of elective hysterecto1ny . International Journal of Nursing Studies.
depressão (sete questões), sintomas somáticos (sete 2003;40:207-16.
qL1estões), memória/concentração (três qt1estões), sin- Cordás TA, Salzano FT. Saude ~lentai da i'Vlulher. São Paulo: Ath-
tomas vasomotores (duas questões), ansiedade e te- eneu; 2006. p.49-71.
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questões), problemas de so110 (três questões), sintomas Paulo: r\rtmed; 1998.
menstruais (quatro questões) e atratividade (três ques- da Silva ~1 FG. Alterações cognitivas em mulheres com quadros
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hor111onal co1n estradiol transdérn1ico. São Paulo, 2004. Tese
dos sinton1as, avaliada pela média e desvio-padrão.
(Doutorado) Faculdade de ).Iedicina da Uni,ersidade de São
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'
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sintomatologia e também auxilia 11a elaboração do sen- therapy intervention to pro1note ,,•ight loss in1proves body con1-
tido existencial, melhorando as perspectivas diante do position and blood lipid profiles an1ong over,,•eight breast cancer
envelhecimento. survivers. Breast Cancer Res Treat. 2007; l 04: 145-52.

316
Aspectos éticos e legais
na assistência à saúde
mental da mulher
Leonardo Mariano Reis
Marun A. D. Kabalan

,
DA ETICA uma força de caráter, un1 equilíbrio de vida interior e un,
Segundo o Prof. Clóvis de Barros, a palavra ética tem bom grau de adaptação à realidade do mundo. Conside-
origem no termo grego ethos, que significava "bom costu- ram que a ética se vincula a três pré-requisitos: percep-
me", "costume superior': ou "portador de caráter". Natu- ção (consciência) dos conflitos, autonon1ia (condição de
ral1ne11te, os bons costumes são estabelecidos pela socie- posicionar-se entre a emoção e a razão, sendo que essa
dade e acabam se tornando um conjunto de normas que escolha é ativa e autônoma) e coerência.
,,isam à convivência salutar e ao be1n comum. Ainda, de Nesse sentido, o desenvolvimento de uma atitude
acordo com Barros, a ética, representada por essas regras ética passa pela percepção de inúmeros conflitos, pro-
compiladas para o estabelecin1ento de uma boa relação postos pelo que diz o coração e o que a cabeça pensa.
entre os l1omens, só existe na falta do a1nor. Ou seja, seria Ser ético é poder percorrer um caminho que é indicado
a ética um substituto para o amor: se os homens amassem pela emoção e pela razão, podendo posicio11ar-se 11a par-
mais e verdadei ra1nente, não haveria a necessidade de se te desse percurso que considerar mais adequada, 11a bus-
estabelecer o que é ético. Como não amam mais intensa- ca de uma atitude mais integrada, experimentada na
mente, não amam a tudo e a todos, é preciso que haja um prática da vida, em que se é capaz de levar e1n conta am -
conjunto de normas, de regras, um código, para que ajam bos os vértices, passando a poder ser responsabilizado
como se an1assem; urn amor artificialmente criado para e responsável pelos seus atos. A percepção do conflito
ma11utenção da eudain1onia e da boa convivê11cia entre psíquico, a liberdade e a coerência são as características
as pessoas. fundamentais da ética. Essa concepção apresenta o posi-
Segundo Lalande,~ ética é a ciência que ton1a por cionamento ético como um problema, pelo simples fato
objeto imediato o julgamento de apreciação sobre os de que o indivíduo não nasce ético, e si1n vai tor11ando -
atos qualificados bons ou maus. No Dicionário Básico -se ético com o seu desenvolvimento. Dito de outra
de Filosofia, Japiassú & Marcondes3 definem ética como maneira, o processo de humanização vai levando no seu
a filosofia que elabora uma reflexão sobre o sentido da interior à ética."
vida humana, os fundan1entos da obrigação e do dever, Segundo Moura Fé,-
a natureza do bem e do mal, concebidos, por exem-
plo, de modo absoluto e unitário, na ética hipocrática a necessidade ético-moral sinalizou parâmetros de co1npor-
tradicional, com seus princípios da beneficência e não tan1ento en1 todas as esferas da atividade hun1ana e, natu -
maleficência. ~ ralmente, tinha de alcançar o exercício das profissões. ~este
Cohen & Segre 5 apo11tam que o individuo deve ser sentido, a 1nedicina logo de1nonstrou preocupação com os
considerado ético quando tiver uma personalidade be1n ditan1es morais de sua prática, te11do un1 dos prin1eiros có-
integrada, quer dizer, que tenha uma maturidade emo- digos de ética profissional conhecidos. Sendo uma profissão
cional que lhe permita lidar com emoções conflitantes, em constante contato com situações que en,·olvem a vida, a
Tratado de Saúde Mental da Mulher

saúde, a doença e a morte, a atividade n1édica enseja, inevi- De acordo con1 Reich, 9 pode-se definir a bioética como
taYeln1ente, um campo propício às reflexões sobre o próprio
sentido da existência. Ao 1nesmo ten1po, por sua notável e o estudo sisten1ático da co11duta hun1ana na área das ciê11cias
necessária capacidade de i11ferência na \'ida das pessoas, traz da vida e dos cuidados da saúde, na 111edida e1n que esta
a prática médica para o cotidiano das grandes questões da conduta é exa1ninada à luz dos ,,aJore~ e princípios n1orais.
responsabilidade e dos lin1ites de sua utilização.
De acordo com Beauchamps e Chidress, 10 os princípios
É notável o extrordinário avanço técnico-científico da bioética são autonomia, beneficência, não maleficência
pelo qual passa a medicina a cada ano, em todas as áreas. e justiça.
São novas drogas, novos equipamentos, novos protoco- O princípio da autonomia, denominação mais comum
los e abordagens, novas descobertas, exames de imagen1 pelo qt1al é conhecido o princípio do respeito às pessoas,
aprimorados, materiais e medicamentos se11do testados, exige a aceitação de que elas se autogovernem, sejan1
estudos sobre células-tronco, biologia 1nolecular, cérebro autônomas, quer em sua escolha, quer em seus atos.
e células nervosas, avanços na neurorradiologia inter- O princípio da autonomia requer que o n1édico respeite a
ve11cio11ista, cirurgias com laser, cirurgias estereotáxicas, vontade do paciente ou de seu representante, em seus va-
transplantes de órgãos e tecidos e 111ais uma infinidade de lores morais e crenças. Reconhece o domínio do paciente
coisas que evolt1em a cada dia. sobre a própria vida e o respeito à sua intimidade. Li1nita,
Esse mesmo notável progresso 110 can1po das ciências portanto, a intromissão dos outros indivíduos no mundo
biomédicas tem obrigado os pesquisadores e ao próprio da pessoa que esteja e1n tratamento.
médico a enfre11tar novas situações que lhe exigem um O princípio da be11eficência requer que sejan1 atendi-
questionamento a respeito de qual conduta é correta e dos os interesses i1nporta11tes e legítin1os dos individt1os
quem deve adotá-la. O empreendimento de tal desenvol- e que, 11a medida do possível, sejam evitados danos. Esse
vimento tem colocado quem o constrói, ou aqt1ele que o princípio se oct1pa da procura do bem-estar e interesses
aplica, dentro de uma determinada atitude ética, uma vez do paciente por intermédio da ciê11cia 1nédica e de seus
que a utilização dos conhecimentos médicos, que trouxe representantes ou agentes.
tantos benefícios e ainda trará para a hur11anidade, deve Já o princípio da não maleficência está ft1ndamentado
ser feita de acordo com certas regras conhecidas e estipu- na in1agem do médico que perdurou ao longo da história
ladas pela coletividade, de forma a assegt1rar o respeito à e que está fundada na tradição hipocrática:
pessoa humana. 6
Além disso, deve-se ter respeitada a vontade e autono- usarei o tratan1ento para o bem dos enfermos, segundo mi-
mia do paciente, salvo em situações especiais, sobretudo nha capacidade de juízo, 1nas nunca para fazer o mal e a in-
na chamada sociedade do conhecimento, em qt1e a digita- justiça; no que diz respeito às doenças, criar o hábito de duas
lização e a universalização da informação pela internet se coisas: socorrer, ou, ao menos, não causar danos.
fazem presente a cada vez maior número de pessoas. Até
há pouco tempo, a influência de determinados programas O princípio da justiça exige equidade na distribuição de
de televisão era notória, no dia seguinte, quando o pa- bens e benefícios no que se refere ao exercício da n1edicina
ciente procurava o consultório, com os mesmos sintomas ou área de saúde. Uma pessoa é vítin1a de uma i11justiça
veiculados na mídia televisada, autodiagnosticado e, por quando ll1e é negado um bem ao qual tem direito e que
vezes, automedicado. Hoje, isso se dá diariamente pelos lhe é devido. Assim como o princípio da autonomia é atri-
sítios de bt1sca na internet, como o chamado "Dr. Google", buído, de modo geral, ao paciente, e o da beneficência, ao
e não é raro o médico se deparar discutindo com pacie11te médico, o da justiça pode ser postulado, além das pessoas
tão conhecedor do asst1nto que chegt1e a questionar sua diretamente vinculadas à prática n1édica (médico, enfer-
conduta. Daí outro motivo de suma importância para que meira e paciente), por terceiros, como poderiam ser as
o médico se atenha a postura ética e honesta para com o sociedades para a defesa dos direitos da criança, em defesa
pacie11te e seus familiares. da vida, ou grupos de apoio à prevenção da AIDS, cujas
Na tentativa de trazer para a prática a ética filosófica, atividades e reclamações exercem uma influência notável
de unir co11hecimento à ação, surgiram as éticas aplicadas na opinião pública pelos meios de comunicação social.6
na segunda metade do século XX. A bioética, neologis1no A bicética supera a ética médica por não se limitar ex-
cunhado pelo médico oncologista estadunidense Van clusivan1ente ao estabelecimento e à obediência de códigos
Rensselaer Potter, em 1970, é considerada a vertente n1ais e preceitos. Seu sentido amplo implica uma ação multidis-
desenvolvida das éticas aplicadas. Trata-se de uma nova ciplinar que agrega, além das ciências médicas e biológicas,
disciplina que estuda a ética das situações vitais, ou seja, também a Filosofia, o Direito, a Antropologia, a Ciência
uma nova ética científica da sobrevivência humana que Política, a Teologia, a Comunicação, a Sociologia, a Econo-
vincula a biologia às humanidades e à preocupação com mia.Trata-se, si1n, da contemplação da questão da "mani-
a qualidade de vida.li pulação da vida" por meio de wna prática interativa num

320
Capítulo 34 - Aspectos éticos e legais na ass stência à saúde mental da mulher

contexto particular que 111ovimenta, de n1odo concomitan- Parágrafo único. Caso ocorran1 quaisquer atos lesivos à per-
te, u111 saber, t11na experiência e un1a competê11cia norn1a- sonalidade e à saúde física ou mental dos pacientes confiados
tiva em direção aos problemas que surgem 11a pesqt1isa e ao 1nédico, este estará obrigado a denunciar o fato à autorida-
11a clínica. Nos dias de hoje, sua busca consiste nu111a ação de con1petente e ao Conselho J{egional de Medicina.
respo11sável por parte daqueles que de,,em decidir tipos de Art. 30. Usar da profissão para corron1per costurnes, co1neter
trata111ento, de pesqt1isa ou de outras formas de intervenção ou fa,·orecer cri1ne.
relativas à humanidade e ao biossistema terrestre. ~
Acompanhando esse ponto de vista, foi editado no RELAÇÃO COM PACIENTES E FAMILIARES
ano de 2009 um 110,10 código de ética médica, revisado, É vedado ao médico:
atualizado e a111pliado, que passou a vigorar a partir de 13 Art. 38. Desrespeitar o pudor de qualquer pessoa sob seus
de abril de 2010. O no,,o código traz 11ovidades co1no a cuidados profissionais.
pre,,isão de cuidados paliati,,os, o reforço à at1to11on1ia do Art. 40. Apro,·eitar-se de situações decorrentes da relação
paciente e regras para reprodução assistida e a manipu- 1nédico-paciente para obter vantagem física, en1oc1onal, fi-
lação ge11ética. Outros temas que tiveram suas diretrizes nanceira ou de qualquer outra natureza.
re,•istas, att1alizadas e a1npliadas se referen1 à publicidade
n1édica, ao conflito de interesses, à segunda opinião, à Dos princípios fundamentais, pode ser iniciada uma
responsabilidade n1édica e ao uso de placebo. 11 reflexão acerca do sigilo médico, que deve ser observado
Para qualquer especialidade ou área de atuação da sempre e em todo caso, salvo naqueles previstos na lei;
1nedici11a, é de extrema importância o profundo co11he- con10, por exen1plo, quando alguma inforn1ação declara-
cin1e11to dos artigos do Código de Ética, suas razões de da pelo paciente possa colocar en1 risco a comu11idade se
existir e implicações no âmbito do CPEP (Código de não revelada ou tipifique ato criminoso.
Processo Ético-Profissional). São destacados aqt1i alguns Na clínica psiquiátrica, é 11ecessário o acompanha-
artigos que são pedra fundan1ental do exercício ético da 1nento da família 11a maioria dos casos. Entretanto, desde
1nedicina e que pode1n ter correlação ou motivar conflitos que mentalmente capaz, o paciente deve ter st1a auto-
11a prática da assistência à saúde 1nental da mulher. nomia respeitada e guardado sigilo, n1esn10 da família,
quando for convenienteme11te solicitado. Ai11da no caso
PRINCÍPIOS FU!\'DA~1EN'fAIS de pacientes adolescentes, quando situações conflituosas
II O alvo de toda a atenção do n1édico é a saude do ser pode1n aparecer mais amiúde, o princípio fundamental
hun1ano, em benefício da qual deverá agir com o 1nàximo de XI deve ser buscado.
zelo e o n1elhor de sua capacidade profissional. O médico pode se deparar com situações claras e
I\' - Ao médico cabe zelar e trabalhar pelo perfeito desem- ób,,ias. Por exemplo, a paciente que relata ter u1n rela-
penho ético da Nledicina, ben1 con10 pelo prestígio e bom cionamento extraconjugal e pede confidencialidade. No
conceito da profissão entanto, podem aparecer situações co11flitt1osas como o
XI - O médico guardará sigilo a respeito das inforn1ações de caso de t1ma paciente portadora de DST que esco11de
que detenha conhecin1ento no desen1penho de suas funções, essa situação do parceiro; ou u1na jovem usuária de
con1 exceção dos casos i-,revistos en1 lei. drogas que pede para qt1e o n1édico guarde segredo dos
pais, já que eles imaginam que a filha está livre do vício
RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL após ser inter11ada em clí11ica de reabilitação; ou ainda,
É Yedado ao 111édico: revela durante a co11sulta que está grávida e induzirá un1
Art. 1° Causar da110 ao paciente, por ação ou on1issão, carac- abortan1ento.
terizável con10 1n1per1cia, imprudência ou negligência. A violência contra a mulher ainda é fato bastante co-
rnun1 e na maioria das ,,ezes perpetrada por age11tes que
DIREITOS HUJ\lANOS se encontram dentro do próprio domicílio, podendo ser
É vedado ao médico: o marido, o padrasto ou ot1tro próximo. O médico pode
Art. 22. Deixar de obter consent11nento do paciente ou de seu estar diante de uma situação con10 essa, no atendimento
representante legal apos esclarecê-lo sobre o proccdin1ento a de uma paciente, e sentir certa dificuldade se a agredida
ser realizado, salvo e1n caso de risco irninente de morte. solicitar que o n1édico não re,,ele o ocorrido a nenhurna
Art. 26. Deixar de respeitar a vontade de qualquer pessoa, autoridade.
co11siderada capaz física e mentalinente, em greve de fon1e, Desde os ten1pos hipocráticos até hoje, pelos Códigos
ou ali1nentá-la compulsoria111ente, deYendo cientificá-la das de Ética ~lédica e1n di,,ersos países, uma relação sexual
prováveis con1plicações do jejun1 prolongado e, na hipotese e11tre médico e paciente ten1 sido proibida, uma vez
de risco iminente de n1orte, tratá-la. que há uma disfuncionalidade nessa relação assimétrica,
Art. 28. Desrespeitar o interesse e a integridade do paciente classificada com incesto polin1órfico. 12 Representa un1
c1n qualquer instituição na qual esteja recolhido, indepen- desvio funcional em que ambos se pern1iten1 desenvol-
denten1ente da própria vontade. ,·er diferentes papéis daqueles socialn1e11te aceita,,eis,

321
Tratado de Saúde Mental da Mulher

podendo ser também entendido como uma perversão re- maior vulnerabilidade dos pacientes implica uma atitude
sultante da tra11sferê11cia e contratransferência na relação terapêutica de mais autoridade na relação com o paciente,
médico-paciente. o paternalismo, que restri11ge sua liberdade e responsabi-
Dois artigos do Código de Ética fazem menção à in- lidade para decidir sobre a própria ,rida.· '
teração sexual 111édico-paciente. O artigo 38 diz que é Extraímos da Declaração U11i, ersal sobre Bicética e
1

\·edado ao médico desrespeitar o pudor do paciente e não Direitos Huma11os da Unesco que
prevê local. E desrespeito ao pudor 11ão precisa necessa-
rian1ente caracterizar un1 abuso ou atentado: por n1eio a ,,ulnerabilidade hun1a11a deve ser levada e1n consideração,
de un1 si111ples co111e11tário é possí, el que haja falta de
1 o que corresponde a reconhecê-la como traço indelével da
respeito; por isso, é fu11dan1ental prestar n1uita atenção no condição humana, na sua irredutível finitude e fragilidade
falar e no agir com a paciente, pois estando ela fragilizada, con10 exposição permanente a ser ferida, não podendo ja-
tra11stornada, não se pode correr o risco de dar margem a mais ser supri111ida
qualquer interpretação que não seja a ética.
O artigo 40 fala que é vedado ao médico aproveitar-se e que
do ofício para obter qualquer tipo de vantage,n física ou
en1ocional. É claro qL1e a figura do n1édico, de curador, e indivíduos e grupos especialmente vulneráveis deve1n ser
o poder que ela ainda exerce no imaginário, associada à protegidos sen1pre que a inerente vulnerabilidade humana se
ulnerabilidade da situação de paciente, são elementos
, 1 encontra agravada por circunstâ11cias varias, devendo aque-
que acabam influenciando num comportamento sugestio- les ser adequadan1ente protegidos. 5
nável. Por isso, pre, ê o código que o profissional ético não
1

deve t1tilizar-se dessa posição para literalmente seduzir a Há situações em que o paciente não consente em seguir
paciente, obtendo va11tagem emocio11al, e muito menos um tratamento proposto, negando-se a to1nar determi-
para n1a11ter relação sexL1al. nado medicamento ou recusando um encaminhamento
Está claro que o an1adurecime11to psíquico ajuda na dado pelo médico para seu ajustamento e melhora da
percepção de tal co11flito, permitindo ao médico agir capacidade n1ental. Pode-se imaginar um caso de uma
eticamente. Pode ocorrer pela adoção de lin1ites morais, paciente adulta joven1 com diag11óstico recente de es-
que i1npõen1 un1a autoridade externa e promovem uma quizofrenia, em uso de antipsicóticos. Essa paciente tem
estrL1tura pela qual o sujeito pode lidar co1n os desejos n1elhora dos sintomas de delírios e alucinações, volta ao
sexuais.. ' seu estado afetivo anterior, reestabelece o juízo e resolve
O dilen1a ético de tratar uma mulher com anorexia i11terromper o uso da medicação. O médico faz toda a
nervosa tem sido relatado, e é reco,nendada uma rea, a- 1 orientação da importância da manutenção do tratamento
liação ética. Os protocolos para o trata1nento de, eriam
1
farmacológico à pacie11te e a seus familiares. A família
i11clt1ir recomendações para grávidas e pacientes portado- insiste com a jo,,em para que ela siga com o tratamento,
res de con1orbidades físicas severas. 13 O Código de Ética mas mesmo assin1, não consente. De fato, esse é o tipo
legisla claramente sobre isso quando, em seu artigo 26, de situação que coloca o n1édico em uma grande dúvida
veda o n1édico de alimentar pessoa em greve de fome, sobre o que fazer.
a não ser quando há risco iminente de 1norte. Há, en- Ivlais complexa é a situação de indicação de interna-
tretanto, uma ressalva, quando ele coloca pessoa física e ção ou da realização de procedimento mais invasivo. Há
mentalmente capaz, que no caso de pacie11te psiquiátrico situações clínicas en1 que a internação surge como uma
deve ser levada em conta. Cabe, pois, ao médico psiquia- decisão mais prudente a ser tomada, sendo em alguns
tra decidir sobre a capacidade de discerni1nento e estado n10111entos até imperativa. 6
mental do paciente com a11orexia nervosa, tratá-lo de for- De acordo com a Resolução do CFM 1.598/ 2000, em
n1a adequada e, se for co11veniente e necessário, interferir seu artigo 15:
forçosamente em sua nutrição.
No mesmo diapasão, deve-se considerar os casos de A internação de u1n pacie11te em um estabelecimento de
depressão maior, mania, dependência química, esquizo- assistência psiquiatrica pode ser de quatro n1odalidades: ,•o-
frenia e de1nais situações que trazem ao paciente un1a luntária, involuntária, co111pulsória por n1otivo clinico e por
n1aior vulnerabilidade cog11itiva e emocional, sobretudo, ordem judicial, após processo regular.
fazendo a correlação com artigo 22, que obriga a orien- Parágrafo primeiro - A inter11ação voluntária é feita de acor-
tar o doente e obter o consentime11to do 1nesmo, ou do do com a ,,ontade expressa do paciente en1 co11sentimento
representante legal, a11tes de realizar qualquer procedi- esclarecido firmado pelo n1esmo.
1nento. Essas características próprias ao fazer psiqL1iátrico Parágrafo segundo - A internação involuntária é realizada à
e à inserção social das práticas na saúde me11tal exigem margem da vontade do pacie11te, quando este não tem condi-
uma reflexão bicética mais cuidadosa. Na saude mental, ções de co11sentir mas não se opõe ao procedin1ento.

322
Capítulo 34 - Aspectos éticos e legais na assistência à saúde mental da mulher

Parágrafo terceiro - A internação co1npulsória por motivo Na prestação de serviços médicos, o facultativo assu-
clínico ocorre contrariando a vontade expressa do paciente, me uma obrigação de agir de modo perito, prudente e
que recusa a medida lerapêutica por qualquer razão. diligente, ou seja, de agir conforme os preceitos definidos
Parágrafo quarto - A internação compulsória por decisão pela literatura científica e pela boa prática médica, com
judicial resulta da decisão de um magistrado. emprego de todo zelo, dedicação e esmero no atendimen-
Parágrafo quinto - No curso da internação, o paciente to dos assistidos, consubstanciando-se 11t1ma obrigação
pode ter alteração na modalidade pela qual foi admitido de meios.
originariamente. O médico assume em seu labor a obrigação de garantir
uma assistência adequada e compatível com o atual estágio
Entretanto, o parágrafo terceiro foi revogado pela Re- da ciência e de acordo com os recursos ht1manos e materiais
solt1ção CFM 1952/2010. que estiverem a seu alcance, bem ainda em conso11ância
A Declaração sobre Questões Éticas Relacionadas com com as características específicas do paciente atendido.
Pacientes com Doença Mental, revisada em 2006 pela O médico não pode garantir um resultado que atenda a
Associação Médica Mundial, diz que todas as expectativas e necessidades dos pacientes assisti-
dos, haja vista que sua prestação de serviços está limitada
un1 paciente com doença mental que é incapaz de Iegalme11te à execução de atos profissionais tidos con10 aceitá,,eis,
exercer sua autonomia deve ser tratado como qualquer outro adequados e éticos, não podendo este assun1ir ou lhe ser
paciente que está legalmente, temporária ou permanente- atribuída uma obrigação de resultado.
n1ente, incon1petente. ,- A obrigação do médico é prestar seu labor mediante
o emprego dos métodos mais adequados e proceder de
Dada a situação de vulnerabilidade, o princípio da forma acurada en1 proveito da saúde do assistido, visa11do
liberdade e autonomia do paciente fica, pois, prejudicado, à obtenção do êxito pretendido, resultado este, entretanto,
e a justificativa ética que suste11ta a ação do médico, sem que pode não ser atingido, posto que, em vários casos, o
o consentimento do doente, é que ela vai no sentido da sucesso é inatingível, pri11cipalmente em casos de trata-
proteção e na busca de uma melhor condição psíquica que me11tos de patologias incuráveis.
lhe reestabelecerá a liberdade. O resultado, ainda que sejam empregados todo cui-
dado e zelo nas condutas profissionais realizadas em
DO<; ASPECTOS LEGAIS· DIREITO E PROCESSOS favor dos pacientes assistidos, pode não ser exitoso.
Atualmente muito tem se discutido sobre o chamado Por isso, a responsabilidade dos 1nédicos é subjetiva,
"Erro Médico·: principalmente em decorrê11cia da falta daí decorrendo que a responsabilidade civil médica so-
de conhecimento técnico daqueles que acusam os profis- mente pode ser atribuída mediante a verificação de uma
sionais médicos de terem cometido ato ilícito advindo de conduta culposa.
in1perícia, imprudê11cia ou 11egligência. A responsabilidade civil do 1nédico advém da violação
Dispositivos inseridos na Constituição Federal, Código de norma técnica à qual ele deveria ater-se, bem como de
Civil, Código de Defesa do Consurnidor e Código de Ética uma ação ou omissão culposa e1npreendida por ele e da
Médica asseguram aos pacientes uma gama de direitos qual decorre um dano ao paciente, ou seja, que haja u111
nu11ca outrora vistos e que vêm sendo empregados de nexo de causalidade entre uma conduta lesiva realizada e
forn1a cada ,,ez mais presente na atualidade. Tal fato se o dano experime11tado pelo assistido.
deve ao maior nível de conscientização de direitos pela Advoga-se a tese no sentido de que mesmo no caso de
sociedade e a uma maior divulgação de assuntos n1édicos haver o dano sofrido pelo paciente, não haverá respon-
nos n1eios de comunicação de massa. sabilidade obrigacional do médico quando este não age
De um ato médico realizado podem surgir questiona- com culpa ou dolo, posto que a responsabilidade médica
mentos nas searas cíveis, crin1inais, administrativas e éticas. somente deve existir quando o facultativo con1eter algttm
Neste capítulo estão sendo apresentadas algumas nuan- ato ilícito, ainda mais quando se sabe que o dano pode ter
ças jurídicas atinentes ao exercício da Medicina, mais es- ocorrido por fatores alheios à atuação do médico.
pecificamente na especialidade de Psiquiatria, tendo como A doutrina jurídica, a jurisprudê11cia e a lei são unís-
al,·o os operadores da arte de Hipócrates e os serviços de sonas em estabelecer que o dever de reparar somente
saúde mantidos por eles. subsiste nos casos de culpa ou dolo comprovados, ou seja,
que o médico te11ha, de modo i11equívoco, cometido um
ato ilícito do qual resultou em da110 para o paciente.
A responsabilidade do profissional n1édico decorre dos
atos realizados, consistente numa ação ou 11uma omissão,
em favor dos pacientes assistidos, abrangendo as questões Os Co11selhos de N1edicina são autarqt1ias federais do-
sob o enfoque da ética médica, do direito penal, do direito tadas de autonomia jurídica, financeira e admi11istrativa e
ciYil e do direito administrativo. são regidos pela Lei Federal de n. 3.268, de 30 de sete111-

323
Tratado de Saúde Mental da Mulher

bro de 1957, ha,1endo de se ressaltar que os profissionais tulos que demonstre111 que o profissio11al possui forn1ação
médicos so1nente podem exercer a Nledicina mediante a que o habilita a realizar o ato médico em questão, nt1nca
prévia inscrição perante o CRJvl. se esquecendo que, no Brasil, os acusados são detentores
Segundo a Lei, compete aos Conselhos de 1\-ledicina da garantia constitucional do exercício do an1plo direito
fiscalizar e julgar as qt1estões ligadas à ética médica, ra- de defesa e ao contraditório, garantia essa que fora obser-
zão pela qual os pacientes ou seus represe11tantes legais ,·ada quando da elaboração do Código de Processo Ético-
podem formular denú11cias em face de seus médicos -Profissional para os Conselhos de Ivledicina.
assistentes perante o Conselho Regional de Medicina do Toda a matéria de defesa de mérito deve ser de pronto
Estado onde este se e11contra inscrito. apresentada pelo profissional médico que for solicitado a
Os Conselhos de Medici11a, apesar de adotaren1 me- prestar esclarecime11tos pelo Conselho de Nledicina, sen-
canismos de filtragem e de triagem, isto é, de somente do essa uma boa oportu11idade de o 1nédico se livrar de
pro1noverem o encaminhamento de dent.:1ncias de,,ida- responder a un1 Processo Ético-Profissional.
mente fundamentadas e comprovadas, ainda assim sub- No caso de o Conselho de Medicina entender que a
siste um número ele,,ado de casos que, após os tramites denúncia tem subsistência fática e jurídica, este certan1ente
iniciais, acaba1n se transformando em Processos Ético- deliberará pela i11stauração do Processo Ético-Profissior1al,
-Profissionais, ou PEPs, qt1e têm natureza adn1inistrati,,a sendo o denunciado, 11essa hipótese, citado inicialmente
e rito processual apropriado ( Código de Processo Ético- para promo,,er sua defesa pré,,ia escrita, o que também n1e-
-Profissional para os Conselhos de Medicina). rece assessoramento jurídico, ainda que não seja obrigado.
Os próprios Conselhos de Medici11a podem instaurar Como matéria de defesa, o dent1nciado de,,e produzir
Processos Ético-Profissionais, independentemente de de- prova testen1u11hal, pericial e docun1ental, sendo de se ob-
11úncias formuladas por pacientes ou por representantes servar que a defesa, além de abranger a questão de mérito,
legais destes. São os casos em que os Conselhos de Me- com a promoção da defesa técnica, ainda deve incluir a
dicina att1am de ofício quando algum Conselheiro, ou os defesa jurídica e processual.
fiscais e agentes administrativos qtte atuam em funções de Após a apresentação da defesa escrita pelo n1édico
fiscalização tomarem conhecimento de alguma conduta denunciado, o Conselheiro do CRN1 nomeado para pro-
médica que seja possivelmente tida como afrontosa aos ceder com a instrução processual designará uma série
ditames entabulados no Código de Ética Médica. de audiências para a tomada dos depoi1ne11tos pessoais
O Código de Ética Médica traz em set1 bojo manda- das partes do processo e para a oitiva das testemunhas
n1entos éticos que norteiam as forn1as de proceder dos arroladas pelo denuncia11te e pelo denunciado, alén1 de
médicos nos relacionamentos com seus pacientes, com os outras que podem ser arroladas pelo próprio Conselheiro
tomadores de serviços, com os gestores da saúde pública e Instrutor, tudo isso visando à obtenção da ,,erdade real
privada, com os den1ais profissionais da saúde, bem ainda dos fatos postos a julgamento.
da divulgação de seu serviço à sociedade, entre outros. Ao final da fase de instrução do Processo Ético-
Sua leitura e obediência devem ser rotineiras. -Profissio11al, as partes são intimadas a formularem suas
Antes da instauração do Processo Ético-Profissional, alegações finais, em que o médico denunciado terá nova
instado a promover uma manifestação sobre um caso oportunidade de demonstrar qt1e não cometeu nenhuma
concreto, o Conselho de Medicina deverá encan1inhar conduta que pudesse ser considerada afrontosa ao Código
un1 expediente ao médico denunciado, solicitando dele de Ética Médica.
que apresente esclarecimentos por escrito, ,,isando com Depois de relatado e re,,isado, o Processo Ético-Pro-
isso à formação de um juízo sobre a acusação e, por- fissional segue para julgamento, o que se dá em sessão
tanto, deliberar pela instauração ou não de Processo do Conselho de Medicina designada para tal propósito.
Ético-Profissional. Nessa oportunidade, alén1 do denunciante, o denunciado
Nessa fase, ainda que não exista um processo, o médico e seu advogado podem fazer sustentação oral de sua tese
denunciado deve desde logo formular seus esclarecimen- de defesa, o que é recon1endá,·el se fazer, un1a vez que
tos de forma bastante clara e convincente de que seu labor boa parte dos conselheiros incumbidos do julgamento
seguiu as regras técnicas preconizadas para o ato médico somente tomará conhecin1ento dos fatos no decorrer
por ele realizado, elaborando documento escrito e prefe- dessa sessão.
rencialmente assessorado por um profissional do Direito, Os votos dos Conselheiros Julgadores são abertos, ou
fazendo acompanhar de todos os documentos pertinentes seja, o denunciado toma conhecime11to da votação na pró-
ao caso, como, por exemplo: ficha clínica e prontuário mé- pria sessão de julgan1ento, e na ocasião será deliberado pela
dico completo (exan1e físico, anamnese, hipótese diagnós- absolvição ou pela condenação.
tica, exames solicitados, prescrição medicamentosa, Sendo o denunciado absolvido, a pessoa que formulou
orientações etc.), resultados de exames complementares, a denúncia contra ele poderá apresentar recurso solici-
literatura científica que comprove a adequação e o acerto tando a reforma do julgado perante o Conselho Federal
das condt1tas realizadas, bem como os certificados ou tí- de Medicina.

324
Capítulo 34 - Aspectos éticos e legais na assistência à saúde mental da mulher

Se, pelo contrário, o denunciado for condenado e es- Além de estrito cumprimento das recomendações
tando ele i11co11formado com o julgamento de primeiro preconizadas, o psiquiatra de,,e docun1entar a assistência
grau, poderá i11terpor recurso a ser endereçado ao Con- prestada à mulher da melhor forma possível, anotando
selho Federal de Medicina, devendo reiterar toda sua todos os achados clínicos, hipóteses diagnósticas e tra-
tese defe11siva e, se possível, acrescentar novos ele111entos tamentos propostos e, 11a medida do possível, fazer-se
capazes de dar subsistência jurídica ao recurso e, de con- acompanhar de assistentes que eventualme11te poderão
seqt1ência, proporcio11ar a prete11dida reforma do jt1lgado servir de testemunhas em den1andas judiciais, além de
con1 o reconhecimento de sua i11ocência. entabular termo de consentimento informado que proteja
No Conselho Federal de lvledicina não ocorre no,,a suas ações profissionais.
i11strução processual. A instância recursai tão somente Os médicos podem cometer crimes tidos con10 pró-
avalia a legalidade dos atos realizados em sede de primeira prios, isto é, decorrentes do exercício da Medicina, con10,
instância e pron10,,e novo julgan1ento do PEP, sendo que por exemplo, os crimes de violação de segredo profissio-
para tanto é designada data para julgamento, e as partes nal e de omissão de notificação de doença co11tagiosa ou
podem comparecer para pro1noverem sustentação oral. de emissão de atestado falso.
Segundo a Lei, em caso de condenação ética, o médico No caso de o n1édico cumprir com seu dever e, porta11to,
denunciado poderá ser condenado a cinco tipos de penas, notificar as autoridades competentes quanto à existência de
quais sejam: advertência confidencial, censt1ra confiden- patologias de comunicação obrigatória, este não estará co-
cial, censura pública, suspensão do exercício da r,,ledicina metendo o crime de violação de segredo profissional.
por até trinta dias e cassação, sendo esta aplicada son1ente A revelação de segredo profissional também não cons-
em caso de confirmação da condenação pelo Conselho titui crime no caso da notificação de doença infectocon-
Federal de Medici11a. tagiosa à Saúde Pública, ben1 como no caso de notificação
Na hipótese de o rito processual não ter seguido a for- de crime de ação pública à autoridade policial competen-
ma legalme11te estabelecida, ou de haver vícios ou nulida- te, desde que o sujeito ativo da figura típica criminal seja
des insaná, eis na emissão do julgan1ento pelos Conselhos
1 a própria paciente. Além disso, se a paciente é vítima de
de Medicina, nos qt1ais reste caracterizado o abuso de po- algum crime, o psiquiatra deve proceder com a co1nuni-
der ou a realização de algum ato inquinado de ilegalidade cação policial.
ou inconstitucionalidade, em não sendo corrigidos en1 Citem-se, a título de ilustração, as figuras típicas crimi-
sede de juízo ad1ninistrati,,o, a decisão proferida pode ser nais de estupro: artigo 213 do Código Penal
atacada judicialmente n1ediante mandado de segurança
e outras medidas jt1rídicas a serem interpostas perante a constranger alguém, n1ediante violência ou grave an1eaça, a
Justiça Federal. ter conjunção carnal ou a praticar ou pern1itir que con1 ele se
pratique outro ato libidi11oso,
ASPECTOS LEGAIS QUANTO AO ATENDIMENTO
DE PACIENTES DO ,SEXO FEMININO POR para o qual está pre, ista a pena de 6 (seis) a 10 (dez) anos
1

PROFISSIONAIS MED1COS PSIQUIATRAS de reclusão, e artigo 216-A do Código Penal, que define o
A especialidade de Psiquiatria traz algumas particula- crime de assédio sexual como sendo
ridades na prestação de serviço a pacientes do sexo femi-
nino. De fato, diante de assistências n1édicas prestadas en1 co11slranger alguér11 con1 i11tuito de obter vantagem ou favo-
favor de pacie11tes co111 quadros psiquiátricos, o 111édico recin1ento sexual, pre\·alece11do-se o agente da sua condição
norn1almente obtén1 i11formações confidenciais e, con10 de superior e hierárquico ou ascendência inerentes ao exercí-
tal, terá acesso a dados que, em se tratando de crin1es, exi- cio do emprego, cargo ou função,
girá deste a tomada de providências não só médicas con10
tan1bém jurídicas, a fim de salvaguardar a integridade tipo penal este qt1e estabelece a pena de detenção de 1
da sat'.1de de suas pacientes, pri11cipalmente nos casos de ( um) a 2 (dois) anos.
co11figt1ração de crimes de violência sexual. O 1nédico psiquiatra deve se atentar ao máximo aos fa-
Ê recomendável que o psiquiatra, emprega11do de tos que lhe foren1 relatados por suas pacientes e portar-se
profissionalismo, experiência e tirocínio, conduza o tra- com máxi1no de profissionalisn10, orientando-as qt1anto
ta111ento adequado absolutamente dentro do rigor téc- a providêr1cias a seren1 tomadas no caso de estas serem
nico preconizado pela literatura científica, pelos eventos ,•ítimas de condutas criminais quando esti,•erem em plena
técnicos e científicos pron10,,idos pelas entidades mé- faculdade mental, ou a seus representantes legais quando
dicas, pri11cipalmente da especialidade, bem co1no pela estiverem acometidas de alguma doença me11tal.
for111a de proceder definida nas escolas médicas e nos
programas de especialização médica, fazendo isso sem se
-
co~.,cttJSOES
descuidar da ética e do bom senso, zela11do pela pre,,alên- Na hipótese de o n1édico deixar de executar o tra-
cia da razão em detrin1ento da en1oção. tarnento de forn1a adeqt1ada, ele estará sujeito a ser

325
Tratado de Saúde Mental da Mulher

processado perante as i11stâncias éticas, ci,•is, penais e 5. Cohen C, Scgre ~1. Definição de \'alores, n1oral, eticidade e
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326
Particularidades na
avaliação psiquiátrica
forense da mulher
Hewdy Lobo Ribeiro
Andrea Terrell
Antônio Carlos J. Cabral

INT~ODUCAO - O infanticídio é entendido na legislação atual como


A Psiquiatria Forense é uma st1bespecialidade da Psi- u111 crime praticado pela mulher em função de um estado
quiatria envolvida na interface Psiquiatria e Direito. Sua especial. Um dos pilares que conceituam o crime ou deli-
função é proporcionar o diálogo entre a Medicina e o to, no entanto, é a obrigatoriedade da culpa, e um de seus
Direito. No que ta11ge a essa interface, faz-se necessário eleme11tos é a imputabilidade. Para que exista a respon-
que o perito médico tenha conhecimento técnico em Psi- sabilização de atos pelo agente, esse deve ser plenamente
quiatria, além de ser in1prescindível o conhecimento jurí- capaz de entender o caráter de seus atos. Em especial 110
dico. Somados esses dois quesitos, o perito deverá fazer as infanticídio, existe um prejuízo nesse entendimento, o que
conversões de linguagen1 médica para que os operadores levou o legislador a adotar no Código Penal de 1940 uma
do Direito possam exercer suas funções legais. dimint1ição de pena por motivos fisiopsicológicos. Assim,
A principal distinção entre o psiquiatra forense e a ati- este capítulo abordará a perspectiva histórica do tema, os
vidade assistencial em Psiquiatria reside no compron1isso artigos qt1e o contemplan1 no atual Código Penal Brasilei-
explícito com a Justiça e não com o periciando. É papel ro e suas implicações psiqt1iátricas forenses.
do psiquiatra forense responder às questões do Direito de A Lei Maria da Penha será apresentada pela história
forma clara, objetiva e imparcial. Cabe ao juiz utilizar, ou emblemática da mulher fruto desta legislação, a maneira
não, as inforn1ações técnicas prestadas por esse profissio- diferenciada ao tratar a violência ao sexo femi11ino e sua
nal da maneira que julgar para o seu convenci1nento. abordagem especial à violência psicológica.
U1na das principais difict1ldades encontradas na práti-
ca forense é que, não raro, a avaliação com o periciando INFANTICÍDIO
ocorre após algum tempo do fato deflagrado. Isso causa O infanticídio é descrito desde os primórdios da hu -
dificuldade no exame, a qual pode ser dirimida com manidade. Na Roma Antiga, por exemplo, movidos pela
conl1ecin1ento técnico do tra11storno em questão, da escassez de alimentos, tribos bárbaras cometiam o assas-
leitura atenta dos autos do processo e da entrevista com sinato de seus filhos como uma maneira de aun1entar a
pessoas que presenciaram os fatos. Todo esse conjunto de oferta de alimentos para a população.
informações será levado em consideração para formar a A partir do século IV, o Cristianismo torna-se a reli-
convicção do n1édico perito. gião oficial do Império, o que mt1da o entendimento do
De uma n1aneira geral, a Psiquiatria Forense não distin- i11fanticídio, tornando-o uma ati\ idade pecaminosa.
1

gue diferenças de gênero, tendo seu conteúdo voltado para Na China contemporânea, a restrição da prole pelo
a doença mental e suas implicações. Na legislação, porém, Estado e a preferência por crianças do gênero masculi-
existem duas particularidades voltadas para o público no exercem pressões nos cidadãos, levando os casais a
feminino que competem diretan1ente com a Psiquiatria aba11donarem ou mesmo matarem suas crianças. Trata-
Forense. São elas o i11fanticídio e a Lei Maria da Penha. -se, portanto, de uma prática antiga que em diferentes
Tratado de Saúde Mental da Mulher

mome11tos da civilização foi sendo entendida e absor,·ida Nesse sentido, a questão temporal era bastante cla-
adeqt1adamente de acordo com cultura de cada país. ra, deLxando de existir a necessidade da con1provação
O primeiro país a adotar em seu código penal o in- médico-legal.
fa11ticídio como homicídio privilegiado foi a Át1stria, em É in1portante esclarecer tan1bén1 que n1uitas das ve-
1803. Entende-se como homicídio pri,,ilegiado aquele zes a pt1érpera pode cometer um homicídio en1 razão
impelido por relevante valor moral da con1unidade ou de un1a doe11ça 1nental, e 11ão sob influê11cia do estado
da própria pessoa, ou aquele praticado pelo domí11io puerperal. Assim, é enquadrada no artigo 26 do Código
inexorável da violenta emoção. Assim, a partir do século Penal qt1e diz:
XIX, a 111t1lher que comete o infanticídio passa a ter uma
atenuação da pena. É isento de pena o agente que, por doença n1ental ou desen-
No Brasil, o Código Criminal de 1830 trata pela volvin1ento 1ncntal inco1npleto ou retardado, era, ao ten1po
primeira vez o crime de infanticídio con10 homicídio da ação ou da on1issão, 1nteiran1ente íncapaz de entender o
pri,1 ilegiado, tendo como critério o conceito psicológico, caráter ilícito do fato ou de detern1inar-se de acordo con1 esse
ou seja, em que a infanticida tem a pe11a abrandada por entendimento.
ocultar sua deso11ra.
Atual1nente o infanticídio é tratado como crin1e pre- Para isso, será considerada inir11putável, ot1 seja, deve-
visto no Código Penal datado de 1940, vige11te até hoje. rá ser conduzida a tratamento compulsório, 11ão podendo
O texto diz em seu artigo 123: "Matar, sob i11fluência de ser responsabilizada criminal111ente pelo ato.
estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ot1 logo O estado pt1erperal con1pree11de as alterações da n1u-
após. Pena: detenção de 2 (dois) a 6 (seis) anos." lher no puerpério, as quais poden1 implicar condições
Compare-se ao texto do artigo 121, que , 1ersa sobre o psíquicas que prejudiquem sua capacidade de e11te11der o
homicídio simples: "~1atar alguén1. Pena: reclusão de 6 caráter ilícito de seus atos. A grande dificuldade está em
(seis) a 20 (vinte) anos': caracterizá-lo, somado ao hiato entre a a,,aliação n1édica
Assin1 o diploma legal aceita que, en1 sendo um cri- e o crime co1netido. Na literatt1ra médica, o chamado
me cometido em condições excepcionais, o infanticídio estado puerperal não é descrito. Sendo assin1, serão des-
merece um tratamento diferenciado, acarrelando um critas aqui as possibilidades de transtornos 1ne11tais no
,
abrandamento da pena. Ao adotar o critério biopsicoló- pos-parto.
gico, ou seja, de que, além de haver t1ma "doença men-
tal" (critério biológico), deverá estar presente também
a perda da capacidade cog11itiva e/ou voliti,,a, o Código Na psiquiatria, os transtor110s n1e11tais do pós-parto se
Pe11al de 1940 pede a comprovação médica desse estado distingue1n en1 disforia puerperal, ou bli,es, a depressão
, . ,
em contraposição aos códigos anteriores, que impunhan1 pos-parto e a psicose pos-parto.
somente o critério psicológico, dispensando avaliação A disforia pós-parto se caracteriza por alterações
técnica específica. leves do humor depressivo, geralmente autoli111itadas e
Porta11to, o papel da perícia forense tem importante com remissão completa, geralmente não apresenta11do
lugar em sua caracterização. Com a avaliação da mulher gra,1 idade. Ocorre nos primeiros 7 a 1O dias do pós-
e de suas condições psíquicas no momento da ação, ou -parto, durando algun1as horas ou dias. Observa-se uma
omissão, chega-se à conclusão do infanticídio. Ressalva-se exacerbação dos sintomas entre o quarto e qt1into dias do
que o fato de a mulher con1eter homicídio de sua prole pós-parto. Os resultados das investigações que associam
durante o puerpério 11ão i1nplica necessaria1ne11te infan- a Disforia Pós-Parto a variações biológicas ai11da carecem
ticídio. É impreterível a existência do estado pt1erperal. de comprovação.
Outro problema enco11trado 11a legislação é a falta de A depressão pós-parto é definida com todos os carac-
clareza do entendimento da questão temporal no texto teres da depressão classicamente reco11hecida en1 qual-
"durante ou logo após o parto': Para muitos doutrinadores quer época da ,,ida, exceto pelo período que deve ser,
do Direito, essa falta de consenso pode ser dirin1ida com segundo o DSrv1-IV-TR, de quatro semanas após o parto.
o entendimento de cada caso específico, para que não A depressão pós-parto ocorre em aproximadamente 10
haja injustiças. Nem sempre o Código Penal Brasileiro foi a 20% das n1ulheres. O fato de haver uma depressão
impreciso na relação temporal con1 o crime praticado; o pós-parto prévia eleva em 25% o risco de recorrência.
Código Crin1inal de 1890 trazia em seu artigo 298: Raran1e11te a depressão pós-parto acarretará suicídio ou
até i11fanticídio.
Matar recém nascido, isto é infante, 110s sete prímeíros dias Na psicose pós-parto, os quadros são graves de ocor-
de seu nascimento, quer empregando meios diretos e ativos, rência rara, não existindo u1na apresentação típica, po-
quer recusando à vítima os cuidados necessários à n1anuten- dendo cursar com agitação psicomotora, aluci11ações,
ção da vida e a in1pedir a sua morte. ideias delirantes que envolvem a cria11ça. Pode, ai11da,

328
Capítulo 35 - Particularidades na avaliação psiquiátrica forense da mulher

haver delírios e desorganização do comportamento. A fre- regime fechado durante dois anos. Começou então uma
quência em que ocorrem está em torno de O, 1 a 0,2%. batalha para não deixar impune tal crime, chegando a
. ,. . . . .
Nessa população, a taxa de infanticídio nos quadros não 1nstanc1as 1nternac1ona1s.
tratados está em torno de 4%. Alguns fatores de risco são Em 2005, na discussão criada em torno da questão,
descritos na literatura médica, como primiparidade, ser chegot1-se à proposta de um Projeto de Lei que, após inú-
mãe solteira, morte perinatal e cirurgia cesariana. Por se meras audiências e debates, tornou-se a Lei 11.340/2006,
tratar de sinton1as graves, a detecção precoce por parte sancionada pelo Presidente da República a 7 de agosto de
dos fan1iliares e médicos que assistem essa puérpera é in- 2006, entrando e1n vigor a 22 de setembro do mesmo ano.
dispensável, levando a internação hospitalar como forma Com isso, criou-se a Lei Maria da Penha, que leva esse
de preservar mãe e criança do impacto mais sério. nome para homenagear a mulher que não se calou diante
O DSM-IV-TR (Manual Diagnóstico e Estatístico de da violê11cia sofrida, responsável por coibir a violência
Transtornos Mentais em sua quarta edição, texto revi- sofrida de n1a11eira geral pela mulher brasileira.
sado) aborda, na seção dos transtornos do hun1or, o es- A Lei Maria da Penha provoca polêmicas no meio
pecificador "com início no pós-parto': Pode ser aplicado jurídico. Por dispensar à mulher um tratamento especial,
ao episódio depressi, 0 maior, maníaco, misto atual ou
1 segundo alguns críticos, nela existe inconstitucionalidade,
mais recente no transtorno depressivo maior, transtorno já que a própria ConstitL1ição da República Federativa do
bipolar I ou transtorno bipolar II, ou a um transtorno psi- Brasil de 1988, no seu artigo 5°, assume a igualdade de
cótico breve. A menção ao tempo é de inicio ocorrendo todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.
dentro de quatro semanas do período pós-parto. Porém tal crítica não procede, já que essas ações afirma-
A CID-1 O (Classificação Internacional das Doenças, tivas são de caráter temporário, com o intuito de corrigir
em sua décima edição), na parte destinada aos transtor- de_ficits 11esses grupos mais frágeis. Para não iguais, o trata-
nos mentais e de con1portamento, cataloga a seção F53 mento não pode ser igual. A lei visa, por isso mes1no, criar
co1no Transtornos mentais e de comportamento associa- mecanismos de proteção para esse grupo vulnerável, mini-
dos ao puerpério, não classificados em outros locais, ten- mizando as co11dições desvantajosas a que são submetidas.
do o início dentro de 6 sen1anas após o parto. Incluem-se O Brasil foi retardatário em ter uma legislação para
a depressão pós-parto e a psicose puerperal. coibir a violência doméstica. Durante o episódio de Maria
De acordo com a Psiquiatria, a mulher no pós-parto da Penha, o Brasil havia sido condenado pela OEA (Orga-
pode ter qualquer dessas alterações, cabendo ao perito nização dos Estados Americanos), em razão da maneira
detectar o prejuízo 110 entendin1ento de seus atos, mes- como conduziu o caso. Em 1995, a ONU (Organização das
mo que tra11sitoriamente. A grande dificuldade está no Nações Unidas), em sua IV Conferência Mundial, co11cluiu
momento em que essa perícia é realizada. Na maioria que a violência contra a mulher é um obstáculo aos Direi-
das vezes, a pericianda vai para o exame mental passado tos Humanos e às liberdades fundame11tais. A legislação
algum te1npo do fato desencadeado. E, não raro, o exame brasileira somente foi promulgada 11 anos depois, contras-
me11tal nesse mon1ento não estará alterado. O n1édico ta11do com a média dos demais países da An1érica Latina,
deve esmiuçar os sintomas daquele momento, colocando- em que tais leis surgiram entre os anos de 1996 e 1997.
-os numa perspectiva temporal, além de munir-se de A Lei Maria da Penha tem co1no cerne a punição à
avaliações médicas do mome11to, leitura atenta dos autos e ,·iolência exercida contra a mulher. Entende-se que a vio-
grande saber técnico. Para os legisladores do Direito, a ca- lência sofrida por homens e n1ulheres venha de lados dife-
racterização desse crime passa necessarian1ente pela mão rentes. Enquanto os ho1nens a sofrem no espaço público,
da ciência, tendo assim obrigatoriamente o auxílio dessa. a mull1er tende a ser atingida em sua unidade doméstica,
sendo, muitas das vezes, agredida por seus maridos, com-
LE' 11 ~An t -i{\nc I CI r,.11",,n•t, ')A DE~!~~- panheiros, filhos ou pais. Essa violência não distingue
E1n 1983, a farmacêutica ceare11se Maria da Penha raça, cor, estado civil e classe social. Portanto, o Estado
Maia Ferna11des foi alvejada por seu então marido, Marco não pode se ausentar de garantir a devida igualdade entre
Antônio Heredia Viveiros, enquanto dormia. Após longo os indivíduos, sendo necessário que existan1 políticas pú-
período de recuperação no hospital, retorna paraplégica blicas que assegurem a integridade da n1ulher.
para casa, voltando também a sofrer agressões de seu 1na- Segundo o artigo 5° da Lei 11.340/2006:
rido. Em nova te11tativa de homicídio, seu n1arido tenta
eletrocutá-la durante o banho. Maria da Penha, então, Para os efeitos dessa lei, configura violência doméstica e fa-
busca ajuda de familiares e, e111 1984, começa uma longa miliar contra mulher qL1alquer ação ou 01nissão baseada no
jornada para tentar condenar seu algoz. Após sete anos, gênero que lhe cause n1orte, lesão, sofrimento físico sexual ou
seu ex-marido foi conde11ado por júri popular a quinze psicológico e dano n1oral ou patri1nonial:
anos de prisão. A defesa conseguiu anular a sentença. Em I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como
1996, adveio uma nova conder1ação de dez anos e seis espaço de convívio pern1anente de pessoas, com ou sem vín-
n1eses, porém Marco Antônio não permaneceu preso em culo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

329
Tratado de Saúde Mental da Mulher

II - no âmbito da família, compreendida con10 a comunidade o tema, 1vlarie-France Hirigoyen, o assédio moral é toda e
formada por indi\'íduos que são ou se consideran1 aparen- qualquer conduta abusi,,a (como gesto, palavra, compor-
tados, unidos por laços naturais, por afinidade ou vontade tamento, atitL1de) que atente, por SL1a repetição ou siste-
expressa; matização, contra a dignidade ou a integridade psíquica
III - em qualquer relação íntin1a de afeto, na qual o agressor ou física de uma pessoa. Uma mulher pode passar toda
conviva ou tenha convi,·ido com a ofendida independente de uma ,•ida sendo din1inuída, manipulada por mentiras e
coabitação. desrespeitada por seu marido e sofrer calada, uma vez
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo que não tem a garantia de ser entendida pela sociedade.
indepe11de111 de orientação sexual. As próprias pessoas no entorno de um conflito, princi-
palmente de casais, posicionam-se de forma a não querer
Os tipos de ,·iolência contemplados nessa lei são a envolvimento nessa briga ou então aceitam essas ofensas
violência física, a psicológica, a sexual, a patrimonial e como maneira de ser de cada um. O que chama aten-
a n1oral. ção, nesses casos, é a recorrência desses atos, minando
A violência física é, na n1aioria das vezes, a ação n1ais as defesas da vítin1a, resultando em graves reperct1ssões
, .
emblemática, quando se pensa na Lei !vlaria da Penha. En- ps1qu1cas.
tende-se con10 qualqL1er injúria que atinja a integridade Muitas ,,ezes, toda essa problemática só será resolvida
física da mulher. Numa sociedade machista e patriarcal, a com a intervenção da Justiça. Para isso, a mulher deverá
violência doméstica é, não raro, aceita como exclusiva do encontrar un1 meio para que as agressões ocorran1 na
âmbito familiar, sendo tolerada e até justificada. presença de terceiros, munir-se de pro,1as por escrito,
A ,,iolência psicológica é expressa como qualquer con- como bilhetes, cartas, entre outros. Se hou,1er necessida-
duta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoes- de, poderá pedir à Justiça que autorize a escuta telefônica
tima, ou que prejudique seu pleno desenvol, in1ento, ou que
1
do agressor. Todas essas evidências servirão de prova para
vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, qL1e seja caracterizada a violência psicológica sofrida pela
crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, hu- mulher. Por se tratar de un1a conduta sub-reptícia, a víti-
milhação, manipulação, isolamento, vigilâ11cia constante, ma nem sempre percebe essa forn1a de violência, tendo
perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, então dificuldade para se proteger. Não raro, advém Ltm
exploração e li1nitação do direito de ir e vir, ou por qual- sentimento de culpa por todas as hu1nilhações sofridas,
qL1er outro 1neio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica gerando na mulher uma espécie de fracasso corn a falên -
e à autodetern1i11ação. cia desse relacionan1ento.
A violência sexual é entendida como qualquer condu- A questão do assédio n1oral transcende à vida a dois,
ta que a constranja a presenciar, a manter ou participar podendo estar presente na vida familiar, na escola e no
de relação sexual não desejada, mediante intin1idação, ambiente profissional.
ameaça, coação ou LISO de força; que a induza a comercia- A Lei Maria da Penha traz em sua essência o alerta que
lizar ou a utilizar, de qualquer modo, sua sexL1alidade, que a mulher está muito suscetível a diversas formas de vio-
a in1peça de usar qualquer método contraceptivo ou que a lência. Outra contribuição importante dessa Lei foi trazer
force a n1atrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, à luz a ,,iolência psicológica a que muitas mulheres são
mediante coação, chantagem, suborno ou ma11ipulação; ou submetidas, alertando para as humilhações repetidas, os
. . - , .
xingamentos constantes e as s1tuaçoes vexator1as, sem que
que lin1ite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e
reprodutivos. isso faça parte do cotidia110 de uma maneira geral. Porém,
A violência patrimonial é aquela entendida como cabe ressaltar que tais atitudes deverão estar presentes ro-
qL1alquer conduta que configL1re retenção, subtração, des- tineira1nente, de modo que os ataques sejam un1 ate11tado
truição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de à dignidade humana.
trabalho, docun1entos pessoais, bens, valores e direitos ou
recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer
suas necessidades. Outra forma de violência psicológica é o stalking, que
A violência moral é aquela entendida como qualquer se refere à ideia de perseguição persistente e implacá,1el
co11duta que configure calú11ia, difamação ou injúria. de sua víti1na. O conceito pode servir tanto para homens
Em se tratando de Psiquiatria Forense, o alvo da ava- quanto para mulheres, mas via de regra o sexo feminino é
liação deve ser a violência psicológica voltada para mu- o mais acometido. É difícil delimitar exatamente a condu-
lher. Diferentemente da ,,iolência física, ela é mais difícil ta, poré111, de maneira geral, refere-se à intrusão persisten-
de se caracterizar, já que os sinais deixados figuram na te na vida de uma pessoa, contatos indesejados, ameaças
subjetividade. e invasão de sua privacidade. A grande dificuldade de
Para e11tender a violência psicológica a que essas mu- caracterizar esta conduta é que nem sempre o persegui-
lheres são subn1etidas, é importante entender o conceito dor comete algum ato ilegal. Todo esse co11junto de ações
de assédio n1oral. Para uma das precursoras em abordar pode culminar em ameaças de morte, sequestro e até

330
Capítulo 35 - Particularidades na avaliação psiquiátrica forense da mulher

homicídio. Nesse particular, a Lei Maria da Penha sinaliza lin PTM, Andreucci ACPT. Mulher, sociedade e direitos hun1anos.
São Paulo: Rideel; 2010. p. 297-324.
para a possibilidade de caracterizar o stalking, ao incluir
entre as forn1as de violência a modalidade psicológica. Deln1anlo C, Delinanto R, Junior RD, Delmanto FMA. Código Pe-
nal con,entado. 8ª ed. São Paulo: Saraiva; 20 l O.
(')~ICl~CC' .- -ÕES CIN /\ ·~ Fernandes MAO, Cipriano RC. Constituição da República Federati-
va do Brasil. 16ª ed. São Paulo: Rideel; 201 O.
A noção de família foi alterada com a Constituição
Federal de 1988, passando a figurar igualitaria1nente ho- Hirigoyen ~1F. Assédio Moral: a violência perversa no cotidiano. 12ª
ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2010.
me11s e mulheres, preve11do as uniões estáveis entre os ca-
sais, reconhecendo todos os filhos, mesmo os concebidos Júnior JR, Ribeiro CS, Ribeiro HL. Psicose puerperal. ln: \'asconce-
Ios AJA, Teng c·r. Psiquiatria perinatal. São Paulo: Atheneu; 2010.
fora do casa111ento, e reconhecendo as famílias monopa-
p. 107-17.
rentais. Anteriormente a noção de família era originária
~lareira D. Transtorno do assédio moral - bullying: a violência silen-
do Código Civil de 1916, que trazia os papéis de homens e
ciosa. Rio de Janeiro: Wak; 2010.
mull1eres bem definidos, sendo eles responsáveis por pro-
Oliveira JS. Fundamentos constitucionais do Direito de Fan1ília. São
ver a unidade e elas en,1oltas com questões da educação
Paulo: Revista dos Tribunais; 2002.
dos fill1os e atividades domésticas. Havia uma hierarquia,
Organização Mundial da Saúde. Classificação de transtornos n1en-
alé1n de uma desigualdade entre os gêneros. A estrutura
tais e de con1portan1ento da CID-1 O. Porto Alegre: Artn1ed; 1993.
era patriarcal, cabendo poucos direitos às mulheres. Os
Palomba GA. Tratado de psiquiatria forense civil e penal. São Paulo:
fill1os gerados fora da unidade da fan1ília não era1n reco-
Alheneu; 2003.
nhecidos como tal. Muito desse ranço ainda permanece
Parodi AC, Gama RR. Lei tvlaria da Penha: comentários à I,ei
nos dias atuais o que, de certa forma, explica algumas for-
11.340/2006, l ª ed. Can1pinas: Russell; 2009.
mas de violência sofridas pelas mulheres. Com o advento
Pinheiro B. Teoria geral do delito. Rio de Janeiro: Elsevier; 2009.
da Lei Maria da Penha, existe a tentativa de corrigir sé-
culos de desigualdade de gêneros, promovendo maneiras Ribeiz SR!, Chang TMM, Teng CT. Depressão Pós-Parto. ln: Vas-
concelos AJA, Teng CT. Psiquiatria perinatal. São Paulo: Atheneu;
de proteção à mulher. Para que haja transformação social,
2010. p. 89-105.
é necessário haver conhecimento e muita educação no
Rocco PTP, Cunha JC, Meleiro AN1AS. Infanticídio. In: Serafim AP,
assunto. Por enquanto, ainda é necessária uma legislação
Barros D;\,1, Rigonatti SP. Temas en1 Psiquiatria Forense e Psicologia
qL1e lin1ite detern1inados atos e assegure o respeito em
Jurídica II. São Paulo: Vetor; 2006. p. 53-75.
virtude da parcela feminina da sociedade.
Rudá AS. Limites ten1porais do estado puerperal nos crimes de
infantic1dio. Jus Navigandi [internet], Teresina, ano 15, n.2635,
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA [atualizada en1 18 Set 2010]. Disponível e1n: http://jus.uol.eom.br/
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American Psychiatric Association. ;\,{anual diagnóstico e estatistico de Trindade J. ~{anual de Psicologia Jurídica para operadores do direi-
transtornos 1nentais DSM-4-TR. 4ª ed. Porto Alegre: Art1ned; 2000. to. 5ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado; 201 1.
Barros DM, Vasconcelos AJA. Infanticídio: aspectos clínicos e foren- Vasconcelos AJA. Depressão na gravidez. ln: Vasconcelos AJA, Teng
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perversa do patriarcado - quen1 ten1 medo do lobo mau? ln: Berto- 71-88.

331
Avaliação forense de
meninas em conflito com a
Lei, vítimas de maus-tratos
e de abuso sexual
Antonio de Pádua Serafim
Daniel Martins de Barros

-
INTRODUÇAO de atestar ou gerenciar suas ações, além de caracterizar os
Ao se elaborar um texto qt1e aborde a satLde da mull1er possíveis danos psíquicos decorrentes de uma experiência
e, e111 especial, de meninas e adolescentes com enfoque traumática associada à violência. 1.2 ,3 Para tal, investigan1-se
na avaliação forense, indubitavelmente se faz necessário os segui11tes sistemas: neuropsicológico, psicosse11sorial,
abordar também o contexto da psiquiatria e psicologia expressivo, afetivo, cognitivo, vivencial e político.
em StLa interface com a Justiça e com a saúde n1ental. Considerando a complexidade do funcionamento psi-
Visto isso, este capítulo está organizado em duas partes: a cológico humano, a estrutura do protocolo para realiza-
primeira descreve os co11ceitos e as práticas da psicologia ção da avaliação psicológica forense compreende:
e psiquiatria no contexto forense, e a segunda discorre • entrevista diagnóstica para avaliação da afetividade,
sobre as principais demandas para avaliação forense de expressividade e vivê11cias políticas;
meninas em conflito com a Lei e as questões relativas à • entrevistas estruturadas para avaliação psicossensorial;
violê11cia doméstica, maus-tratos e abuso sexual. • instrumentos para avaliação cognitiva e da personalidade;
• i11ventários e escalas para investigação da afetividade;
- • avaliação neuropsicológica que visa à detecção das
CONSIDERACOES
, FORENSES
disfunções psíquicas, comportamentais e cognitivas
de origem cerebral. São avaliadas as funções motoras,
A Psicologia Forense, ou Jurídica, como L1tilizada na perceptivas, sensitivas, de n1emória, linguagem, orien-
realidade brasileira, advém de urna estreita relação da Psi- tação temporal e espacial.
cologia Clínica para atender a demanda judicial. Recebe a
suste11tação teórica do modelo clínico, co11templa conhe-
cirnentos jurídicos e médico-legais. Ten1 como objetivo Na avaliação de pessoas em conflito con1 a Lei, quer sejam
esclarecer as questões judiciais relativas à área psicológica n1aiores de idade ou menores, homens ou n1ulheres, talvez
no tocante a uma ampla faixa do Direito. o aspecto mais importante a ser levado em conta não diga
Realiza o psicodiagnóstico criminal e o aco11selha1nento respeito diretamente às técnicas de entrevista, à psicopato-
psicossocial 11as demandas da Vara de exectição penal. Atua, logia apresentada, aos traços de personalidade etc. O prin-
ainda, na assessoria judiciária, no tocante à mediação de cipal desafio é n1anter a isenção. Parece fácil, mas quando
casais e1n litígio e tratamento de vítín1as de violência do- se é chamado para avaliar criminosos, é muito comum
méstica, te11do como objetivo a prevenção e o tratamento. desviar-se de uma avaliação médica, estritan1ente, e passar
Em termos de avaliação psicológica, visa determinar as para julgamentos do periciado, o que é uma extrapolação
possíveis causas que levaram o indivíduo a n1anifestar con- indevida e perigosa da função dos profissionais da saúde.
duta incon1patí,,el às normatizações vigentes de determi- Sendo um médico, especialista em transtornos men-
nada sociedade ou que suscite dúvidas qua11to à capacidade tais, o psiquiatra age como "psiquiatra forense" sempre
Tratado de Saúde Mental da Mulher

que for chamado a atuar nos casos e1n que haja qualquer • o homicídio por excesso de castigos físicos;
dúvida sobre a integridade ou a saúde n1ental dos indi- • o homicídio proposital.
víduos e1n co11flito com a Lei. 4 Seu papel de,,e se ater a
esclarecer à Justiça se há ou não presença de t11n trans- No Brasil, o CP (Código Penal) traz a figura do infan-
torno ou enfermidade 1ne11tal e quais são as implicações ticídio 110 artigo 123: "Matar, sob a influência do estado
dessa condição. No fim da co11tas, a justiça quer saber puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após.
geralmente se a pessoa tem ou não un1 diagnóstico, e se Pe11a: detenção, de 2 (dois) a 6 (seis) anos."
tal co11dição o i1npedia de discer11ir certo e errado ou de Ao dizer que é "sob a i11fluê11cia do estado puerperal" e
se autocontrolar. "dtrrante o parto ot1 logo após': a lei opta por 11ão delimitar
Quando da a,,aliação de n1e11i11as en1 conflito com a o tempo de forn1a arbitrária, ficantio a situação à 1nercê de
Lei, isso não é diferente. Pode até ser mais difícil, diante a11álises iI1di,·iduais, de acordo com o exar11e 111édico pericial.(,
de casos con10 o de tráfico de drogas, esn1agadora maioria Se a n1enor assassmou o filho na ,,igência de unia doença
dos casos. Na n1aioria das ,,ezes, a a,1aliação psiquiátrica psiquiátrica qL1e con1pron1eta o entendilne11to do que esta,•a
não traz o diagnóstico de transtornos n1entais, e se for fazendo ou sem autocontrole, ela é considerada inimputá,•el,
requerido ao psiqttiatra que se rnanifeste sobre o risco não recebendo pena, n1as sim u111a medida de segurança,
de reincidência, o n1ais prude11te a se fazer é declarar a com tratamento con1pulsório. Nesses casos, não se fala do in-
i1npossibilidade de realizar tal tarefa nesses casos em que fanticídio, mas sim de ho111icídio en1 razão de doe11ça n1ental.
a doença 111ental não tenha papel relevante.' Mas se a a,·aliação psiquiátrica n1ostrar que não há um
Especialn1ente complicados são os casos de filicídio, transtor110 n1ental e o crime houver ocorrido "durante ou
não raros em 111e11inas e1n conflito com a lei. Filicídio é o logo após o parto", nos termos da lei, a 111ãe respo11de de
nome de qualquer assassinato perpetrado por pai ou mãe acordo con1 o artigo 123 do código penal, tendo a pena
(inclt1si,•e pais adotivos) contra set1 filho. Uma tentativa abrandada agora não por moti,·o de doe11ça 111ental, n1as
de classificação, proposta por Oberma11,~ divide os casos pelo estado particular que é o puerpério, no ente11dime11-
de filicídio en1 cinco situações: to da legislação. Essa não é tima definição psiquiátrica, até
• o neonaticídio; porqt1e, na maioria das ,•ezes, tal estado já passot1 quando
• o hon1icídio e1n parceria com un1 parceiro ,1 iolento e da avaliação médica.
abusador; Na Tabela 36.1 estão expressas as principais demandas
• a negligência; de avaliação forense.

Incidente de insanidade mental Verificação da capacidade de imputação


Incidente de farmacodependência Verificação da eficácia do processo reeducando
Solicitação de progressão de pena (reinserção social; probabilidade de reincidência)

Vara cível, família e sucessão; infância e juventude


Interdição Interdição
Anulação de casamento e separação litigiosa Verificação da capacidade para atos da vida civil
Capacidade de "testar" (testamento) (danos psíquicos, neurofuncionais, psicológicos e
Modificação de guarda de filhos simulação)
Regulamentação de visita
Avaliação de transtornos mentais em ações de indenização

Acidentános e doenças prof1ss1ona1s Verificação da capacidade laborativa (médico-legal)


Doença decorrente das condições de trabalho Relação nexo-causal (o dano físico ou psíquico tem
Indenizações, doenças do crânio e encefálicas relação com o fato)
Erro ou negligência médica e hospitalar
Intoxicações (chumbo, mercúrio, monóxido de carbono, outras)

334
Capítulo 36 - Aval iação forense de meninas em confl ito com a Lei, vítimas de maus-tratos e de abuso sexual

O termo perícia vem do latim peritia, significando des-


E1nbora a interface saúde mental e JL1stiça trilhe por treza, habilidade e capacidade. A perícia e1n saúde n1ental
áreas como família, trabalho e civil, sem sombra de consiste no processo
dúvida as questões da área penal, principalmente decor-
rentes da violência, oc11pam maior espaço na literatura. da co1npreensão psicológica e psiquiátrica do caso, responder
Violê11cia, do latim violentia, significa o ato de violentar a uma questão legal expressa pelo juiz ou por outro agente
abusi\ amente contra o direito natural, exercendo cons-
1 (jurídico ou participante do caso), fundamentada nos que-
trangi1nento sobre determinada pessoa por obrigá-la a sitos elaborados pelo agente solicita11te, cabendo ao perito
praticar algo contra sua vontade. Configura-se co1no um investigar uma ampla faixa do funcio11amento mental do
fenôme110 multicausal e geraln1ente é expressa por atos indivíduo subn1etido à perícia (o periciando).
con1 intenção de prejt1dicar, subtrair, subestimar e subju-
gar, e11volvendo se1npre um conteúdo de poder, quer seja Fundamenta-se pela aplicação dos métodos e técnicas
intelectt1al quer seja físico, econômico, político 011 social. da investigação psicológica e psiquiátrica, com a finali-
Atinge uma camada n1ais vulnerável da sociedade como dade de subsidiar ação judicial, seja esta de que natureza
as crianças, adolescentes, n1ulheres, idosos, deficientes e for, toda vez que dúvidas relativas à saúde psíquica do
doentes mentais, sendo uma das causas mais comuns de periciando se instalarem. '
lesão grave além de danos a estrt1tura biopsicossocial.- Já o perito se configura como um auxiliar da Justiça,
Segu11do Mi11ayo e Souza,8 nos últimos anos, inúmeros pessoa hábil que tenha co11hecimento em determinada
pesquisadores têm te11tado con1preender e explicar o fe- área técnica ou científica que, sendo nomeada por auto-
nômeno da violê11cia e suas novas formas de manifestação ridade competente, deverá esclarecer um fato de natureza
a partir de seus in1pactos na vida e na saúde das pessoas. durado11ra ou permanente.
Dia11te do exposto, a necessidade de revisão dos co11ceitos Este capítulo aborda a aplicação da avaliação psiquiá-
tradicionais de violência e estendê-los a um conjunto de trica e psicológica considerando as demandas forenses de
eventos que vão além da violência física e que tên1 efeitos meninas em conflito com a Lei que respo11dem à 1nedida
sobre os indivídt1os se apresentam hoje como t1n1 objeti\10 socioeducativa, vitimas de maus-tratos e de abuso sexual.
em con1um das ciências que investigam o comportamento
humano. Souza e Lima9 ressaltam que, em razão das di-
-
DEMANDAS DA AVALIAÇAO FORENSE EM
ferentes formas de expressão, con1plexidade e polissemia MENINAS
desse fenômeno, violências, 110 plural, seria o ter1110 mais
adequado.
Pensando-se no contexto das relações sociais, tem- Segundo Stei11berg, 0 a adolescência se configura por 11m
-se hoje que essa relação, a cada dia, suscinta do sistema período relativo ao ciclo vital, composto por vivências de
judiciário novos desafios, o que inevitavelme11te incide sentin1entos positivos em relação a si n1esmo e à família,
em situações para as quais não apresenta elementos ou além da possibilidade do desenvolvimento de habilidades
procedimentos para lidar adequada1nente. Quando os para co11struir e manter relacionamentos próxi1nos, ben1
fenôme11os sociais pautados na conduta humana, esses como pela capacidade de responder adequadamente às
impõem à jt1stiça dúvidas; s11rge daí a interface com os demandas do meio no qual está i11serido. Steinberg ressalta
profissionais da saúde mental (psiquiatras e psicólogos), ainda que esse processo ocorre mesmo nos casos de ado-
visto que, em muitos casos, há necessidade da realização lesce11tes que possam apresentar problemas psicossociais.
de uma perícia em saúde me11tal. Para Ache11bach e Edelbrock, 1 quando a problemática
Tanto a Psiquiatria quanto a Psicologia estão voltadas da adolescência se enquadra no contexto psicossocial, este
para a compreensão do con1portamento humano. Cada tende a se manifestar por três fatores:
uma dessas ciências têm conhecimentos e procedin1entos • abuso de substâncias;
específicos e conhecimentos e procedimentos em comum. • problemas inter11alizantes ("voltados para dentro': se11-
Sendo assin1, configuram-se como Ciências que se do manifestos por meio de perturbações emocionais e
integram com o objeti\ 0 de avaliar e compreender os n1e-
1 cognitivas);
canismos que participam da manifestação do con1porta- • problemas externaliza11tes ("voltados para fora", n1a11i-
mento. É nesse aspecto principal1nente que a Psiquiatria, testos por meio de problemas comportan1entais OL1 de
a Psicologia e o Direito se i11tegra1n. O objeto de estudo atuação).
das três ciências é o con1portamento humano, abordado
sob prismas diferentes. Steinberg ( 1999) destaca que os problemas externai i-
Cabe ao psiquiatra e ao psicólogo investigar uma am- zantes mais co111uns 11a adolescência são a delinquência e
pla faixa do funcionan1ento me11tal do i11divíduo subme- as co11dutas antissociais, o que, sen1 dúvida, leva o joven1
tido à perícia ..\ ao conflito con1 a Lei.

335
Tratado de Saúde Mental da Mulher

De acordo com Mullis e cols., 11 a maioria dos jovens § 5° A liberação será compulsória aos vinte e um a110s de
em conflitos com a Lei em geral apresenta média de idade idade.
entre 14 e 16 anos, está inserida em áreas urbanas pobres § 6° E111 qualquer hipótese a desiI1ternação será precedida de

e de alta criminalidade, apresenta desempe11ho escolar at1torização judicial, OU\'ido o Ministério Público.
abaixo da n1édia para a faixa etária, histórico de abandono Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada
escolar, de abuso de álcool e outras substâncias, alén1 da qua11do:
presença de questões médicas relativas à sat'.1de mental. I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ame-
Ao se abordar a questão en\1 olvendo meninas em con- aça ou ,,iolência a pessoa;
flito com a Lei, uma breve apresentação das medidas so- II - por reiteração no con1etimento de outras infrações
cioedt1cativas se fazem necessárias. As disposições gerais graves;
que rezam as medidas socioeducativas encontram-se pre- III - por descumprin1e11to reiterado e injustificável da n1edi-
vistas nos artigos 112 a 130 do ECA (Estatuto da Criança da anteriormente imposta.
e do Adolescente) (Lei n. 8.069/90) e são aplicáveis aos § 1° O prazo de internação na hipótese do inciso III deste

adolescentes que incidirem na prática de atos infracionais. artigo não poderá ser superior a três meses.
§ 2° Em nenhuma hipótese será aplicada a inter11ação, haven-

Art. 112. Verificada a prática de ato i11fracional, a autorida- do outra medida adequada.
de competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes
medidas: Vistos esses apontamentos jurídicos, terá ênfase o
I - Advertência; (art. 115/ECA) consistirá en1 admoestação artigo 121 do ECA, relativo às meninas e1n medida so-
oral durante entrevista com juiz da Vara da Infância e Juven- cioeducativa privadas de liberdade. Dados da Fundação
tude, aplicável às iJ1frações de son1enos importância com o Casa de São Paulo (Ex-Febem), mostram que, no Estado
fito de alertar os pais para as atitudes do adolescente. de São Paulo, cerca de cinco mil jovens cumprem medida.
II - obrigação de reparar o da110; (art. 116/ECA) será cabível Desse total, 4% são meninas e 69% são prin1ários, isto
11as lesões patri1noniaís com o fito de despertar o senso de é, apresentam apenas un1a internação. Os delitos mais
responsabilidade do adolesce11te acerca do be1n alheio. frequentes são furtos e roubos. 19% cometeram extorsão,
III - prestação de serviços à con1unidade; art. 117/ECA) descumprin1ento da medida, dano, ato obsceno, viola-
consiste em uma forma de punição útil à sociedade, 011de o ção de domicílio, tráfico de drogas, ameaça, receptação,
infrator não é subtraído ao convívio social, desenvolvendo porte ou uso de drogas. Cri1nes graves (estupro, atentado
tarefas proveitosas a seu aprendizado e a necessidade social. violento ao pudor, sequestro e cárcere privado, latrocí-
IV - liberdade assistida; art.118/ECA) será cabível quando se 11io, intànticídio, homicídio doloso, homicídio culposo)
entender a não necessidade da internação de u1n lado e un1a abrangem cerca de 14% dessa população.
1naior necessidade de fiscalização e acompanhamento de Quando comparadas aos meninos, as meninas apre-
outro. O jovem não é privado do convívio fan1iliar sofrendo se11tam necessidades diferentes em relação a seus pares
apenas restrições a sua liberdade e direitos. masct1linos, uma vez que, muitas vezes, sofreran1 abuso
V - inserção em regi1ne de semiliberdade; (art.120/ECA) e exploração sexual, em sua maioria perpetrada pelos
pode ser determinado desde o início ou consistir em tra11- parentes próxiinos. 13•14 Esses autores enfatizam ainda a
sição para o semi-aberto, em qualquer das duas hipóte- presença de baixa autoestima e uma elevada i11cidência
ses a 1nedida deverá ser acompanhada de escolarização e de comportamento suicida. Alén1 dessas observações,
profissionalização. Andrade e cols. 15 destacam uma maior prevalência para
VI - internação en1 estabelecimento educacional; Art. 121. transtor11os mentais gerais, con1 cerca de 84% em relação
A internação constitui 1nedida privativa da liberdade, sujeita a 27% dos meninos.
aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à De um modo, tem -se que a prevalê11cia do transtorno
condição peculiar de pessoa en1 desenvolvimento. de conduta é de 6 a 16% entre os meninos e de 2 a 9% en-
§ 1° Será permitida a realização de atividades externas, a tre as meninas, em uma proporção de 4 a 12 meninos para
critérío da equipe técnica da entidade, salvo expressa deter- cada menina. 16 E1n relação aos tipos de delitos, meninos
rni11ação judicial en1 contrário. cometem mais crimes violentos e contra propriedades,
§ 2° A medida não comporta prazo determinado, devendo enquanto 1neninas estão mais envolvidas em fugas e rou-
sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundame11- bos menores. i -
tada, no máximo a cada seis meses. Em termos de saúde mental, dados do NUFOR (Pro-
§ 3° Em nenhuma hipótese o período máximo de internação grama de Psiquiatria Fore11se e Psicologia Jurídica) do
excederá a três anos. Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, que
§ 4° Atingido o limite estabelecido no parágrafo anterior, coordena as ações de atenção à saúde mental dos jovens
o adolescente deverá ser liberado, colocado e111 regime de em medidas de internação da Ft1ndação Casa na Cidade
semi-liberdade ou de liberdade assistida. de São Paulo, evidenciou qL1e cerca de 15% dos internos

336
Capítulo 36 - Avaliação forense de meninas em conflito com a Lei, vítimas de maus-tratos e de abuso sexual

apresentam quadros sugestivos de transtornos mentais, pelo Código Penal, os menores de 18 anos são inimputá-
confor1ne a Tabela 36.2. veis, distinguindo, assim, da inimputabilidade por doença
mental. Todavia, não é raro o Juiz determinar a realização
de avaliação médico-psiquiátrica e psicológica no âmbito
forense como recurso para auxiliá-lo na determinação da
medida socioeducativa cabível.
Con10 visto na Tabela 36.1, o diagnóstico de maior
prevalência entre os n1enores infratores é o de abuso e de-
Abuso de substâncias 168 26,7
pendência de drogas. Todavia, há de se considerar, mesmo
Personalidade antissocial 65 10,3 en1 menor frequência, a presença de outros transtor11os
psiquiátricos. Essa condição, por si só, impõe tanto ao psi-
Transtorno de conduta 54 8,6
quiatra como ao psicólogo um preparo não some11te para
Episódio depressivo 53 8,4 a realização de perícia, mas também para o processo de
avaliação diagnóstica para fins de aplicação de um plano
Outros transtornos de personalidade 40 6,4 terapêutico. Sabe-se que os referidos transtornos expres-
Transtorno afetivo bipolar 38 6,0 sos nessa população, podem ser tanto preexistentes ao ato
infracional como decorrência da condição de privação de
Transtorno mental orgânico 37 5,2 liberdade, isto é, os transtornos mentais decorrentes da
35 5,6 condição de confinamento. Essa avaliação se faz impres-
Transtorno de ajustamento
cindível, uma vez que a sintomatologia certamente terá
Transtornos ansiosos 33 5,2 repercussões importantes na adaptação da adolescente
ao programa de cumprimento da medida socioeducativa.
Transtornos psicóticos 27 4,3
A condição supracitada, por vezes, poderá indicar a
Retardo mental 26 4, 1 necessidade de internação em enfermarias hospitalares
ou em comunidades terapêuticas. Mais t1ma vez ressalta-
Transtornos hiperci néticos 26 4, 1
-se a necessidade da avaliação ampla para que, de fato,
Transtornos dissociativos 15 2,4 produza dados precisos que auxiliem o médico a julgar
que a instalação da unidade de internação na qual está in-
Outros transtornos não especificados 11 1,8 serida a adolescente não garanta a segurança, bem con10
o benefício a sua saúde decorrente de uma transferência.
Na n1aioria dos casos avaliados para fins de tratamento,
a internação não se faz necessária; a negativa da internação
Nesse contexto, a inserção das avaliações psiquiátricas não remete ao médico a prescrição pura e simples de me-
e psicológicas transcorre por duas distintas demandas. dicações. Este deverá levar em consideração o fator risco,
A primeira contempla a necessidade para fins diagnós- seja de sua vida ou de terceiros; nesse caso, o médico po-
ticos e tratamento médico, ação que atende a medida de derá prescrever o uso de psicotrópicos para a adolescente.
proteção prevista pelo artigo 98 e especificada no artigo A ação médica nessa condição deve ser pertinente a
101 do ECA: sua prática, isto é, o tratamento; o fato de a adolescente
responder a um processo jurídico pede que tanto o médi-
Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente co como a equipe envolvida no tratamento elaborem u1n
são aplicáveis sen1pre que os direitos reconhecidos nesta Lei comu11icado por escrito para conhecimento das autorida-
forem ameaçados ou violados: des competentes pela tutela do adolescente, destacando a
I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; necessidade e o benefício, seja do uso das medicações ou
II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; de outro procedime11to terapêutico. Enfatiza-se que o fato
III - em razão de sua conduta. de a adolescente estar en1 cumprimento de n1edida socioe-
ducativa não impõe à prática médica qualquer conduta de
Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. indiferença a que não autoriza a autonomia do adolescen-
98, a autoridade competente poderá determinar, dentre ou- te. Mesmo sendo menores de idade e considerados penal-
tras, as seguintes 1nedidas: mente inimputáveis, essa condição jurídica não caracteriza
V - requisição de tratan1enlo médico, psicológico ou psi- a incapacidade para questionar o seu próprio tratamento.
quiátrico, en1 regime hospitalar ou a1nbulatorial. O que deve ser ressaltado aqui é que, quando for im-
prescindível a aplicação da avaliação médico-psiquiátrica
E a segunda, para responder ou prestar esclarecimen- e psicológica, o foco específico desse procedimento deve-
tos ao juiz do Departamento de Execuções da Infância e rá ater-se apenas na investigação diagnóstica e orientação
Jt1ventude. De acordo com a Lei Brasileira, representada de condutas exclusivamente sob o ponto de vista médico-

337
Tratado de Saúde Mental da Mulher

-psiquiátrico e psicológico. O papel da perícia não \'isa à causas viole11tas é seis vezes maior do que a quantidade de
determinação de qualquer ação punitiva em termos de n1ortes pelo 111esmo moti,,o.
medida socioedLtcati\'ª· Apesar da pouca precisão dos dados disponí,,eis, há
un1 consenso entre pesquisadores de que os grupos po-
pulacionais 1nais ,rul11erá\'eis à ,,iolência são crianças e
jove11s até 24 anos, idosos, mulheres e pessoas com trans-
tornos mentais e deficiências.
Vic 1~ • -ll)n . •. ~- .. • ... .,.., .. .,..,...,. Vulnerabilidade é entendida, de acordo con1 o modelo
Em 2002, a OMS (Organização N1undial da Saúde) proposto por Castel, 10 como um processo dinâmico resul-
la11çou o pri1neiro Relatório Mundial sobre Violência e tante de un1 conjt1nto de aspectos não apenas individuais,
Saúde, cujo objetivo foi descrever sua n1agnitude e seu mas tambén1 coletivos e contextuais que associam preca-
in1pacto 110 mundo. O relatório di\ ulgou que, todo ano,
1 riedade econô111ica e fragilidade relacional. Segundo esse
um contingente de mais de um milhão de pessoas perde modelo, as populações suscetíveis de demandar interven-
suas vidas em razão da violência, enquanto um número ções sociais estão não somente ameaçadas pela insuficiên-
ainda maior apresenta sequelas físicas ou psicológicas. is cia de seus recursos 1nateriais, mas também fragilizadas
Ainda de acordo co111 esse relatório, a O!v1S definiu pela labilidade de seu contexto relacional.
violência como Nesse contexto, a violência contra a mulher também
ten1 sido ente11dida como um problema de saúde pública,
o uso intencional da força física ou do poder, real ou c111 já que são estimados índices de 111ortalidade, entre mulhe-
. , .
an1eaça. contra s1 propr10. contra outra pessoa, ou contra res na faixa etária dos 15 aos 44 anos, superiores aos do
un1 grupo ou u111a con1unidade, que resulte ou te11ha grande câncer, da malária, dos acidentes de trânsito e da guerra.
possibilidade de resultar em lesão, ,norte, dano psicológico, Os abusos físicos, sexuais e e1nocio11ais, a exploração se-
deficiência de desenvol,·imento, ou privação. ~ xual e os assassinatos contra as mulheres são pro,1ocados
con1 mais frequência, pelos próprios parceiros, conheci-
Em países como o Brasil, o ten1a violência vem se dos e familiares, embora elas também estejam sujeitas à
co11figurando con10 um dos principais problemas de violência provocada por estranhos.
saúde pública em razão do registro crescente no aumento Para as Nações Unidas, violência contra mulher é
das taxas de mortes por causas externas nas últimas três qualquer ato violento que resulta em dano Oll sofrimento
décadas, em especial por causa da violência (homicídios) físico, sexual ou mental, que inclui atos, coerção ou pri-
e acidentes. A OPAS (Organização Pan-Americana de vação de liberdade, tanto na ,,ida privada con10 pública. 21
Saúde) afirma qLte
Tipos de violência
a violência, pelo número de vitimas e n1agnitude de sequelas A expressão da violência don1éstica e maus-tratos se
orgânicas e emocionais que produz, adquiriu um carater manifesta pela violê11cia física, sexual, psicológica e a
endên1ico e se converteu em un1 problema de saúde pública 11egligência:22
en1 vários países. [... J Neste contexto, o setor saúde passa a • violência física: é a mais frequente, especialmente
constituir uma encruzilhada para onde confluem todos os quando a ,,ítima é i11defesa e está en1 desenvolvimento
corolários da violência, pela pressão que exercem suas víti- (110 caso de crianças). O caráter disciplinador da con-
111as sobre os serviços de urgência, de atenção especializada, duta exercida pelo progenitor ou por quen1 o substitua
de reabilitação física, psicológica e de assistência social. é um aspecto bastante relevante, \'ariando de uma
"palmada" a espancamentos e homicídios. No caso de
A realidade da violência no Brasil é preocupante, uma parceiros íntimos, a mulher é a vítima mais frequente,
,,ez que, desde o final da década de 1980, tem ocupado o pelo fato de normaln1ente ser mais fraca fisicamente; 21
segundo lugar nas causas gerais de morte entre a popula- • violência sexual: qualquer conduta sexLtal perpetrada
ção brasileira, assumindo o pri111eiro lugar nas causas de sem consentime11to. Pode envolver violência física,
óbitos nas faixas etárias de 5 a 49 anos.11 violência psicológica ou sedução. Pode ser desde pene-
Em 2005, segundo Deslandes e cols., 19 a violência cons- tração \'aginal e/ou anal, como tocar genitais ou seios,
tituiu a sexta causa de internação hospitalar. No entanto, ou fazer com que a vítima toque o agressor, contato
muitos pesquisadores relatam que essas taxas de morta- oral-ge11ital. O abuso sexual inclui desde carícias, olha-
lidade configuram ape11as a "ponta do iceberg" quando res perturbadores, até delitos de extren1a violência e
comparadas aos índices de morbidade e seus reflexos para morte;
a sociedade e para os serviços de sat'.1de. 9 Dados do SIM • violência psicológica: a violência psicológica é caracte-
(Sistema de Informações sobre Mortalidade - Ministério rizada por desrespeito, verbalização inadequada, hu-
da Saúde) mostram que o nún1ero de internações por milhação, ofensas, intimidações, traição, ameaças de

338
Capítulo 36 - Avaliação forense de meninas em conflito com a Lei, vítimas de maus-tratos e de abuso sexual

n1orte e de abandono emocional e material, resultando • exibição dos genitais do abusador para a vítima;
em sofrimento mental, humilhação, desrespeito e pu- • indução de prostituição de menores.
11ições exageradas. É a forma mais subjetiva, embora
seja muito frequente a associação con1 agressões cor- A correlação entre saúde mental e histórico de ,•io-
porais. Deixa profundas marcas no desenvolvimento, lência sexual se apresenta cada vez mais frequente em
podendo comprometer toda a vida mental. pacientes que procuram tratan1ento para diversos trans-
tornos mentais e do comportamento, bem como os pro-
Para Minayo e Souza,8 a violência doméstica contra a blemas clínicos do tipo disfunções sexuais. O abuso se-
mulher persiste 11a vida tardia e requer abordagens dife- xual em crianças, por exemplo, é, reconhecidamente, um
rentes, exigindo dos profissionais de saúde habilidades importante componente etiológico de vários distúrbios
em orientar e educar a comunidade sobre abuso e negli- psiquiátricos. 28 Já de acordo con1 Gabel,2 cerca de 33~o
gência. Mulheres que passam por situações de violência de todas as meninas con1 doença mental sofreram abuso
têm mais queixas de saúde do que as demais, recorre11do sexual antes de completaren1 oito anos de idade.
a serviços de emergência - con10 co11sequência direta De11tro do contexto da violência doméstica, tem-se
da violência - ou a serviços de atenção primária - como enfocado, nas pesquisas, a temática do abuso sexual in-
consequê11cia indireta. 2l fantil, a partir da casuística avaliada entre os períodos de
2007 a 2009 pelo Nufor. Num desses estudos, cujos dados
estão em preparação final para publicação, foi investigada
O termo abuso sexual foi utilizado pela primeira vez a prevalência de crianças e adolescentes vítimas de abuso
na França pelo médico-legista Ambroise Tardieu, em sua sexual, as repercussões psicológicas e comportamentais
monografia, que descreveu si11ais físicos em uma criança desse abuso, bem como a prevalência dos graus de pa-
brutalizada sexualme11te. Em 1857, Tardieu havia estuda- rentesco/outro tipo de relação do agressor com a vítima.
do 632 casos de violência sexual (co11tra meninas e meni- Foram estudadas 205 crianças e adolescentes vítimas de
nos), e esses estudos resultaram numa quase total descri- abuso sexual (130 meninas e 75 meninos), que passaram
ção de todas as formas de maus-tratos comuns nos casos por avaliação psicológica e psiquiátrica individualmente
de violência contra a criança e o adolescente reconhecidos entre 2007 e 2009. Investigou-se a frequência de gênero e
até os dias atuais. Embora o trabalho de Ambroise Tar- faixa etária, sinais psicopatológicos e alterações compor-
dieu tenha sido o marco 110 contexto da violência sexual tamentais nas vítimas e quem foi o agressor.
infantil, só há mais ou menos quarenta a11os despertou o Os resultados obtidos apontan1 os seguintes resultados:
interesse científico e clínico. 24•25•26 • as meninas são as maiores vítimas (63,4% de todos os
Para Gabel,2- todo abuso sexual pressupõe, pelo menos, casos);
um ou mais dos seguintes itens: o transgressor exerce um • os meninos com idade entre 3 e 6 anos se apresentam
poder sobre a vítima, o que significa que o primeiro é mais vulnerá,1eis, enquanto as meninas mais vulnerá-
mais "forte" do que o segundo; a vítima tem muita con- veis se situam na faixa etária e11tre 7 e 1O anos;
fiança no transgressor (implicando relação de dependên- • meninos e meninas expressa1n elevada incidência de
cia); e existe o uso delinquente da sexualidade, ou seja, o depressão e transtorno de estresse pós-traumático;
atentado ao direito que toda pessoa tem em relação a seu • as meninas expressam comportame11to rnais erotizado,
' . enquanto os meninos ficam mais isolados e agem com
propr10 corpo.
A OMS considera o abuso sexual como un1 dos maio- mais agressividade.
res problemas de saúde pl'.1blica, caracterizado como um
fenôrneno de maus-tratos na infância e na adolescência,
defir1indo essa violência da seguinte maneira: "A explo- Ta11to para os casos de maus-tratos e violência domés-
ração sexual de uma criança implica que esta seja ,,ítima tica como para os casos de abuso sexual, a den1anda que
de uma pessoa sensivelmente mais idosa do que ela com a suscinta a avaliação forense (psiquiátrica e psicológica)
finalidade de satisfação sexual desta:' se dá pelo fato de boa parte das situações anteriormente
Ainda de acordo com a OMS, o abuso sexual contra descritas não poderem identificar sua n1aterialidade, isto
a criança e o adolescente pode ocorrer das seguintes é, não há uma evidência física, e si n1 o relato do traL1n1a
formas: psíquico, ou dano psíquico. Nesse contexto, a avaliação
• ligações telefônicas obscenas do abusador para a cria11ça; forense tem como objeti\'O estabelecer o nexo de causali-
• ofensa ao pudor da criança (como, por exen1plo, a ex- dade, isto é, estabelecer se há de fato uma relação entre o
posição dos genitais à criança); quadro psíquico e a situação vivenciada.
• imagens pornográficas apresentadas à criança; Por definição, o dano psíquico seria "uma doença psí-
• relações ou tentativas de relações sexuais; quica 11ova na biografia de uma pessoa, relacionada cau-
• incesto; salmente con1 un1 e,'ento traumático (acidente, doe11ça,

339
Tratado de Saúde Mental da Mulher

delito), que tenha resultado em um prejuízo das aptidões 3. Serafim AP, Saffi F, Rigonatti SP. Práticas Forenses. ln: Leandro
psíquicas prévias e que te11ha caráter irre, ersí, el ou, ao
1 1 F Nlalloy-Diniz,

Daniel Fuentes, Paulo 1'-1attos, Neander Abreu
menos, durante longo tempo." (org.). Avaliação Neuropsicologica. Porto Alegre: Artn1ed;
O dano psíquico se caracteriza por un1 prejuízo emo- 2010. p. 313-7.
cional capaz de resultar en1 con1prometi1nento das fL111- 4. Barros DM. O que é Psiquiatria Forense. São Paulo: Brasiliense;
ções psíquicas, de forma súbita e inesperada, surgida 2008.
após um evento traumático (ação deliberada ou culposa 5. Oberman ~L .\lothers ,,·ho kill: Cross-cultural patlerns in and
de alguém e que traz para a vítin1a un1 prejuízo material perspectives on contemporary 111aternal filicide. International
ou moral decorrente da limitação de suas atividades habi- Journal of La,v and Psychiatry. 2003;26(5):493-514.
tuais ou laborativas). 29 6. Fragoso HC. Lições de Direito Penal. Parte Geral. Rio de Janei-
No Direito Penal, o dano psíqL1ico corresponde às ro: Forense; 2003.
7. Anderson TR, Aviles AM. Diverse faces of don1estic violence.
lesões graves que resultaram em prejuízo emocional prova- ABNF J. 2006;17(4):129-32.
velmente ou certamente incurável ou, menos drasticamente, 8. ~1inayo :V1CS, Souza ER. \ 'iolência e saúde con10 um can1po
e1n doença que incapacita por mais de trinta dias. interdisciplinar e de ação coletiva. Ciência & Saúde Coletiva.
199 8; 4 ( 3): 5 13-31.
Em princípio, todo prejuízo emocional ocasionado por 9. Souza ER, Lima .\1LC. Panoran1a da violência urbana no Brasil e
um acontecimento expressivo, seja uma doença profis- suas capitais. Ciência & Saúde Coletiva. 2007; 11 (suppl. ):1211 -22.
sional, acidente, delito, ou injúria emocional em que haja 1O. !)teinberg L. Adolescence. Ne,\ York: Knopf; 1999.
um responsável legal, pode ser suscetí,,el de ressarcimento 11. Achenbach T, Fdelbrock C. lhe n1anual for the youth self-
pecuniário (indenização). report and profile. Burington: University of Vern1ont. Adan1s
Autores ressaltam que o profissional (perito) deverá JA. & East PL; 1987.
indicar se o incidente de relevância legal demonstrou ter 12. ~1ullis RL, Corn1lle TA, i\1ullis AK, Huber J. Fen1ale juveline
exercido um papel importante na produção do prejuízo offending: A revie,\' of characteristics and contexts. Journal of
psíquico trazido pelo reclan1ante ao juízo; não deve tentar Child and Fa1nily Studies. 2004; 13:205-18.
buscar a confirmação do fato, para não dar uma interpre- 13. Lenssen SA, Doreleijers TA, \ 'an Dijk ~IE, Hartn1an CA. Girls
tação subjetiva ao caso e não comprometer a credibilidade in detention: \\'hat are their characteristics? A projecl to ex-
do trabalho pericial. 3º plore and docun1ent the character of this target group and the
significant ways in ,vhich it differs from one consisting of boys.
(,.... ''"'l"\~P
. . '
J\
-- .
r"t:C". S::!t,.I
. .
J\ IC:
' Journal of Adolescence. 2000;23:287-303.
O ponto de interseção entre saúde mental e o Direito 14. McCabe Ki\11, Lansing AE, Garland A, Hough R. Gender
é necessário em decorrência da crescente demanda so- differences in psychopathology, functional i1npairment, and
cial; porém, é tênue quando são abordadas determinadas familiai risk factors among adjudicated delinquents. Journal
temáticas, como no caso de meninas em conflitos co111 a of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry.
Lei e a questão dos maus-tratos e abuso sexual. Exausti- 2002;41 :860-8.
vamente, de modo proposital, são ressaltadas as possíveis 15. Andrade RC, Silva VA, Assun1pção FB Jr. Preliminary data on
consequências à integridade psíquica de meninas em dife- the prevalence of psychiatric disorders in Brazilian male and
re11tes contextos sociais e jurídicos. Esses apontamentos se fen1ale juvenile delinquents. Braz.ilian Journal of ~ledical and
tornam exequíveis diante da problemática, por exemplo, Biological Research. 2004;3 7: 1155-60.
do manejo com a vítima de abuso sexual ou da menina 16. Kaplan HI, Sadock BJ. Compêndio de psiquiatria. Porto Alegre:
qL1e responde a medida socioeducativa. É necessária uma Artes Y1édicas; 1997.
maior capacitação de profissior1ais da saúde mental no 17. Herrera VM, .McCloskey LA. Gender differences in the risk for
diálogo com a Justiça, para que sua ação não se restrinja delinquency among youth exposed to farnily violence. Child
apenas a uma ação determinista de causa e efeito, e igno- Abuse & Neglect. 2001;23(11):1037-51.
re seL1 real papel, que é o de avaliar uma ampla faixa do 18. Krug EG (org.). \Vorld report on violence and health (Relatório
funcionamento psicológico, n1antendo uma postL1ra de 1\.1undial de \Tiolência e Saúde). Geneva: \\7orl d Health Organi-
acolhimento e respeito à pessoa a ser avaliada, seja por zation; 2002.
qual natureza jurídica for o motivo da avaliação. 19. Deslandes SF, i\11inayo .MCS, Lima N1LC. Caracterização diag-
nóstica dos serviços que atenden1 viti111as de acidentes e vio-
REFERÊNCIAS lências en1 cinco capitais brasileiras. Ciência & Saúde Coletiva.
1. Bre,ver N, Willian1s KD. Psychology and Law: An Empirical 2007; l l (supl.): 1279-90.
Perspective. Ne,v York: Toe Guilford Press; 2005. 20. Castel R. As 1\.1etamorfoses da questão social. Petropólis: \ 'ozes;
2. Serafin1 AP, Saffi f. Psicologia lnvestigativa nos casos de suspei- 1998.
ta de abuso sexual. ln: Paulo BM. Psicologia na Prática Jur1dica: 21. \i\'HO. Violence against ,vomen. Disponí"el en1: <http://,v-v,v.v.1ho.
a criança en1 foco. Rio de Janeiro: Jmpetus; 2009. p. l 97-205. int/mediacentre/factsheets/fs239/en/>. Acesso em: 28 n1aio 2012.

340
Previdência social
e transtornos mentais
na mulher
Vânia Sato lkuhara

!t,JTRODUCAO- O casamento, desde a Antiguidade, serviu para a orga-


O estudo do comprometimento da saúde mental da nização dos bens e da ordem social. En1 alguns períodos,
n1ulher e de sua relação com a Previdê11cia Social precisa conseguir um bom parceiro era sinônin10 de se ter um
le,·ar en1 consideração os aspectos i11ere11tes ao universo bom en1prego. Esse fato mudou com a saída da mulher
feminino. Não somente aspectos fisiológicos, como a para o trabalho fora de casa, dando-lhe a possibilidade de
puberdade, gravidez, pL1erpério, amamentação e meno- se livrar da dependência de um casamento infeliz, cheio
pausa, con10 também os fatores ecor1ômicos, religiosos e de descaso e falta de amor.
estatais in1plicados. Enfim, a consideração do contexto no Na sociedade ocidental atual, o casamento legisla sobre
qual esta se encontra inserida, do ponto de vista social, dinheiro, propriedades e filhos, e, com esse controle, livra
fa1niliar e profissional, bem como do momento histórico o Estado da manutenção de fill10s abandonados e ex-

en1 que vive. -cô11juges mal sucedidos .
No início do século passado, a n1ulher con1eçou co11- De acordo com Bauman,2 ,,i, e-se em um mundo onde
1

quistar seLt espaço na esfera profissional, sail1do dos limi- i1npera o consumismo e reina o descartável.
tes de seu lar. Com isso, passou a assumir papéis sociais Há un1a população recém-criada, que se diverte e pas-
e econômicos cada vez mais expressivos. O corolário, no seia nos shoppi11gs, al,·o da manipL1lação do marketing,
entanto, foi uma sobrecarga de trabalho e responsabilida- que valoriza mais a marca do que se tem em detrimento
de. Isso porque o trabalho profissionalmente especializa- da pessoa, seu caráter e sua presença.
do não a dispensou de certas obrigações do lar, alén1 da Para suprir essa demanda consumista, a mulher traba -
exigência social e padrões de beleza cada vez mais rígidos. lha em excesso e, sentindo-se culpada por estar ausente de
Observou-se tan1bém un1a maior exposição ao uso de casa, acaba criando filhos "tiranos", que começam mandar,
bebidas alcoólicas e anfetamínicos. invertendo-se o papel de autoridade, tão necessário à se-
De fato, segundo o Comunicado do IPEA (I11stituto gurança e desenvolvimento desses.
de Pesquisa Econômica Aplicada), constatou-se que, en1 O trabalho, além de seu valor econômico e de subsis-
1998, 52,8% das brasileiras com 15 anos ou mais estava1n tê11cia, tem também seu valor social, reforça a autoestima,
ocupadas ou à procura de emprego; e111 2008, dez anos proporciona auto11on1ia e realização pessoal e contribui
depois, 57,6% participavam do mercado de trabalho. para a saúde física e mental da mulher.
Nesse mesmo período, a taxa de participação dos homens
flutuou de 81 para 80,5°10. SISTEMA PREVIDENCIÁRIO
Apesar do n1aior acesso da mulher ao mercado de A fu11ção do sistema previdenciário é pro, er financei-
1

trabalho e à escolarização, em 2008, 86,3º'6 das brasileiras ramente, por n1eio do auxílio doença, a população adulta
com dez anos ou mais despendiam 23,9 horas semanais que se encontra afastada do trabalho por doença ou inva-
com afazeres don1ésticos e cuidados con1 os filhos. lidez, desde que tenham feito doze contribuições mensais.
Tratado de Saúde Mental da Mulher

Para concessão do benefício, é realizado o exame n1édi- Os transtornos mentais, por sua peculiar subjetivi-
co pericial para constatar a doença em si e o comprometi- dade, constitt1em uma das mais complexas sitL1ações a
n1ento da capacidade laborativa do trabalhador. O auxílio serem avaliadas, pode11do gerar equÍ\'OCOS na conclusão
previdenciário é pago a partir do l 6Qdia consecutivo ao do médico perito sobre a incapacidade laborativa dos
afastamento, sendo os quinze primeiros dias pagos pelo requerentes.- Representa1n quatro entre as dez prir1cipais
l'\

empregador. causas de incapacidade en1 todo o mu11do e afetarn 25°10


O Decreto 3.048/99 do MPAS (1'.linistér10 da Previdên- da população em alguma fase da \•ida.
cia e Assistência Social) apresentou a Lista de Doenças t\liranda, em uni estudo descriti\'O, analisou as apo-
Profissionais e Relacionadas ao Trabalho, que contempla sentadorias dos ser\•idores da Uni\·ersidade Federal do Rio
doze categorias diagnósticas de tra11stornos mentais, \'i- Grande do Norte. Nas apose11tadorias por alie11ação ,nen-
sando reconhecer, diagnosticar e verificar o nexo causal tal, 58% eran1 ho111ens, e 421ro eram 1nulheres. 44°1<> oct1pa-
entre os tra11stornos 1nentais e o trabalho. \1am cargo de nível n1édio, 28%, elementar e 21 %, st1perior.
Segundo informações da OMS (Organização Mundial Os transtornos do humor causaran1 61 % dessas apo-
de Saúde),' a depressão gra\re é a pri11cipal causa de inca- sentadorias; os transtor11os do pensamento, 19º'6; e os
pacitação en1 todo mu11do e ocupa o qt1arto lugar entre as transtor11os mentais orgânicos, 11°10. Concluiu se que, 110
principais patologias. ambiente de trabalho, há um componente pouco aclarado,
No Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde, os 1
que causa ou precipita as n1anifestações psicopatológicas,
transtor110s n1entais ocupam a terceira posição entre as as quais se agra\·a1n com o tempo.
causas de concessão de benefício pre\•idenciário aos tra- As principais causas de benefícios concedidos 110 a110
balhadores formais, tais como auxílio doença, afastamen- de 1998 por incapacidade ten1porária em Porto Alegre,
to por n1ais de quinze dias e aposentadoria por invalidez. segu11do o trabalho realizado por Boff e cols. 1 ' forarn aci-
O MPAS e o INSS (I11stituto Nacio11al do Seguro Social) dentes e \'iolências, doenças osteomusculares e doe11ças
estabeleceram, em junho de 2007, as Diretrizes de Con- mentais. A depressão 11eurótica foi o diag11óstico 111ais fre-
duta Médico-Pericial e Transtornos Mentais, e, segundo quente entre as condições subjacentes à concessão de be-
Morana,s estas foram criadas sem a concordância de um nefício (S,4°10 do total e 9,1 °10 das doenças), seguido de si-
colegiado de especialistas ou a anuência da entidade repre- novite e tenossinovite (4,896 do total e 8% das doenças).
sentante da especialidade, a Associação Brasileira de Psi- Gastai e cols., 1 em seu trabalho Doe11ça mental, t1zulhe-
quiatria. Isso leva à conclusão de que se trata de critérios res e transformação social, conclL1íram que foram detecta-
visando cortar benefícios, com prejt1ízo para o servidor, das mudanças significativas nos motivos para adn1issão
que é avaliado dentro de critérios de um manual, e 11ão de mt1lheres para internação psiquiátrica, o que sugere
por u1n especialista capaz de compreender a verdadeira di- que as variações, tais como possível aumento da preva-
mensão da necessidade do benefício previdenciário, con1 lência do alcoolismo, tenham sido influenciadas pelos
maior probabilidade de simuladores utilizarem-se deles. determinantes biológicos das doenças mentais gra\'es e
Co111 a criação da carreira de médico perito, hou\1e o ta111bém pelas pressões sociais ad,•indas do novo papel da
reconhecimento da importância desse profissional, espe- mulher na sociedade.
rando que seja reconhecida também a 11ecessidade de es- O uso abusivo ou a dependência de álcool traz graves
pecialista em psiquiatria para diagnósticos mais precisos prejuízos à saúde física, te11do grande in1pacto 11a vida
e existência de nexo causal. social, familiar e laborativa. Alguns fatores biológicos es-
Sia110 e cols.ti corroboram as afirmações acima em seu pecíficos da mulher, como o menor volume de água e de
estudo, cujos dados sugerem a necessidade de melhor álcool desidrogenase, predispõem-na às consequê11cias do
qualificação dos peritos médicos para o trabalho com alcoolismo mais rapidamente.
os segurados que apresentem os possíveis transtornos Kandel et cols. 2 observaram um aumento cresce11te de
mentais. Consideram relevante a análise conjunta das abuso de álcool e outras drogas ilícitas como a Cantiabis
possíveis associações entre conclusões médico-periciais . e a coca1na.
satzva '

sobre capacidade laborativa, diagnóstico e características Um estudo de coorte realizado por Ross e cols. 1 cons-
socioden1ográficas e previdenciárias. tatou maior risco para suicídio e acidentes fatais e11tre
mulheres que consumian1 acima de três doses por dia de
TRANSTORNOS MENTAIS E CAPACIDADE bebidas alcoólicas.
r. j ~OR/\T! IA Considerando as simulações, Duque ~ diz que detectar
O adoecimento, temporário ou definitivo e o acidente a simulação é muito difícil para quem pe11sa que é fácil
de trabalho ameaçam a integridade, interferem na posi- ou simples, e que o melhor treinamento para a detecção
ção social e no modo de vida, causam sofrimento, tendo da simulação é a atividade clínica, a prática de ouvir seus
sen1pre um impacto negativo 11a vida da mulher e de sua pacientes. É nessa atividade que se aperfeiçoan1 o ouvido,
família. E se ocorrer por doe11ça mental, haverá o agra- a sensibilidade e o raciocínio para identificar a incongru-
vante do preconceito e da estigmatizaçâo. ência, o falso, o forjado.

344
Capítulo 37 - Previdência social e transtornos mentais na mulher

A trabalhadora adoecida se111 estabilidade no emprego A falta de tempo, a liquidez das relações e a fluidez no
ou fundo de garantia e sem condições de retornar ao tra- mercado de trabalho deixaram o ser humano com pouca
balho fica na depe11dência de manter o afastamento por paciência e tolerância. Com isso, ficou difícil acolher as
doença. diferenças, ponderar, enxergar os diversos pontos de vista
Muitas empresas não emitem a CAT (Comunicação e necessidades, pensar e propor solL1ções com benefícios
de Acide11te de Trabalho), para não produzir provas que para os diversos segmentos, conquistando-se parcerias e
as obriguen1 pagar os 8% do FGTS (Fundo de Garantia tentando conciliações. No contexto atual, há ausência de
do Tempo de Ser\riço) durante o afasta1nento. Com isso, planos de carreira e poucos e1npregos estáveis, porque
ta111bé1n evitan1 ter que respeitar a estabilidade no empre- o durável é ligado à ideia de opressão e dependência
go pelo período de un1 ano a partir da data do retorno. incapacitante.
1\esse aspecto, o sisten1a é perverso e acaba incentivando A dificuldade de diálogo, 110 ambiente de trabalho,
a sin1ulação por parte da trabalhadora. Isso porque ela, acaba muitas vezes nos serviços de saúde, principalmente
com 1nedo de retornar ao trabalho e ser despedida, o que nos pro11tos-socorros. O plantonista, ao atestar desacordo
é frequente, vê na sin1ulação um recurso para manter-se com patrão ou colega de trabalho, previsto na CID-1 O
afastada, un1a vez que só haverá estabilidade se configu- (Classificação Internacional de Doenças - décima edi-
rar-se o acidente de trabalho. ção) 15 pode dar margem a uma ação trabalhista.
A caracterização do 11exo causal entre o adoecer e o O afastamento en1 decorrência de un1 transtor110
trabalho realizado é bastante complexa. Trata-se de um n1ental pode causar redução do crescimento no trabalho
processo específico para cada trabalhador. É fundamental e dificuldade nas relações sociais e familiares, sendo im-
a coleta cuidadosa da história de vida pessoal, familiar, prescindíveis suporte e tratamento efetivo.
clí11ica e ocL1pacional. Isso inclui o ambie11te de traball10 A qualidade de vida no trabalho pode visar produção
co111 suas condições físicas, químicas e biológicas, além de e lucro, mas, sobretudo deve tentar conciliar os diferentes
sua organização (l1orário, ritmo, turnos etc.), seu 1nodo de interesses, valores pessoais e morais, estabelecendo rela-
\rida (convívio, alin1entação, moradia, lazer, uso de álcool ções humanas em que todos possam ganhar. Para isso,
e outras drogas) e sua capacidade de resolução de proble- é imprescindível a discussão democrática das diferentes
mas e de relacio11a1nento interpessoal. demandas, por meio da co11ciliação da competitividade,
Diante de u111a doe11ça ou u1n acide11te de trabalho produtividade e qualidade na organização do trabalho,
que a impede de retornar ao trabalho anteriormente fortalece11do a resiliência e, consequentemente, a sat'.1de
executado, esta não deve ser readaptada de maneira au- mental da mulher trabalhadora.
toritária, mesmo que mantido o salário a11terior. O novo
trabalho deverá ser sonhado e desejado, considerando-se REFERÊNCIAS
qL1e, ao escolher sua profissão, ela se preparou, despendeu l. IPEA. Co,nunicado N° 40: mulher e trabalho: avanços e conti
tempo, dinheiro, alén1 de todo investimento emocional. nu idade. 201 O. Dispon1vel em: <http://\'"'"".ipea.gov.br/ portal,
A conquista do cargo, salário ou poder foi fruto de sua 11nages/ stories/ PDFs/ co1nu nicado/ 100308_com un icadoipea40.
dedicação. pdf>. Acesso em: 18 fevereiro 2011.
A pessoa portadora de transtorno n1ental desperta 2. Baun1an Z. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços hu-
con1 bastante frequência a contratransferência negativa n1anos. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar;
por parte do exan1inador; por isso, além da excelência na 2006.
técnica e no saber, há qL1e se ter preparo para o relaciona- 3. Organização Mundial da Saúde, Organização Pan-a,nericana
111ento interpessoal, alén1 do dor11ínio de suas emoções. da Saude. Relatório sobre a saúde no mundo 2001: saúde 1nen-
O discer11i111e11to e11tre contratransferência, simulação, tal nova concepção, nova esperança. Genebra: Organização
os diversos tra11stor11os me11tais e as li111itações do sisten1a N1undial da Saúde; 200 l. Dispon1vel en1: <http://w,v\v. ,vho.
previdenciário co11stitL1i-se um 1neio de proteção e cui- int/,vhr/ 2001 /en/,vhr0l_djn1essage_po.pdf>. Acesso en1: 18
dado a essa pessoa que, por causa de sua doença, já te,,e fevereiro 2011.
considerá,•el sofrin1ento e ainda precisa estar às voltas 4. Ivlinisterio da Saude do Brasil. Doenças relacionadas ao tra-
com toda a burocracia exigida. O mínimo que se pode balho. 200 l. Dispon1vel em: <http:/' ''""'''.opas.org.br/siste,na/
querer é que o medico não aun1ente ainda mais o desgaste arquivos/Saudedotrabalhador.pdf>. Acesso em: 18 agosto 2011.
estéril por parte da sofrida trabalhadora. 5. :\torana H. Pericia do 1::--.:ss versus pericia judicial. Psych1atr)'
online Brasil [periódico na Internet] ; 2008 Ago;l3(8). Disponí-
-
(')"l(ll IA(./\ O vel em: <http: /,,·,,·,,·.polbr.1ned.br/ ano08/ for0808.php >. Acesso
A cultura do descartável, conceito descrito por Bauman,! em: 16 agosto 2011.
ta111bém se e11contra presente na relação entre en1pregado 6. Siano ,\K, Ribeiro LC, Ribeiro ~1S. Análise con1parativa
e empregador, in1pedindo um relacionamento construti\'O, do registro n1éd1co-pericíal do diagnóstico de transtornos
qL1e contribua para o crescimento de cada tim. n1enta1s de segurados do Instituto Nacional do Seguro So -

345
Critérios de classificação
de risco para uso de
psicofármacos na
gravidez e na lactação
Mário Francisco Juruena
Eduardo Pondé de Sena
lrismar Reis de Oliveira

- de ao menos um medicamento durante a gravidez, sendo


INTRODUCAO
O uso criterioso de psicofármacos é problema muitas que 40% foram consumidos durante o primeiro trimestre
vezes mesmo para o clínico mais experiente. Em várias de gravidez. 2•3
situações da prática do psiquiatra, não raro ele se de- Dados obtidos do 771e National Longitudinal Survey
fronta com situações em que deve pesar cautelosamente of Children and Youth relatam que, entre 1984 e 2003,
os riscos e benefícios advindos da psicofarmacoterapia. cerca de 33% das mulheres tomaram medicações durante
Assim, algumas populações podem ser alvo de cuidados a gravidez. 2 Dados dos Estados Unidos apontam qtie al-
redobrados quando da prescrição de psicofármacos. As- gumas mulheres são portadoras de doenças crônicas que
sim, crianças e adolescentes, indivíduos idosos, sujeitos requerem tratan1ento ao longo da gestação, e 50% dessas
polimedicados ou aqueles com problemas de sa{1de médi- gestações não são planejadas. 4 Os médicos devem estar
ca geral (p. ex., insuficiências renal e l1epática) ou, ainda, cientes de informações teratogênicas para poderem pres-
os que abusam de substâncias psicoativas são um desafio tar uma boa assistência a suas pacientes grávidas. Tomar
para uma correta orientação terapêutica. As gestantes e decisões acerca do manejo de condições médicas da ges-
lacta11tes não fogem dessa regra. O início dos transtornos tante, avaliando os riscos da exposição fetal a fármacos,
de humor e de ansiedade frequenten1ente ocorre durante é tarefa árdua para o clínico. Um estudo relatou que 91 %
a gravidez e o puerpério; muitas mulheres podem tomar das medicações aprovadas pelo FDA (Food and Drug Ad-
medicamentos psicotrópicos quando elas engravidam e ministration), entre 1980 e 2000, foran1 classificadas con10
no pós-parto. Esses medica1nentos facilmente se difun- indeterminadas em termos de segurança no uso durante
dem pela placenta - todos os psicotrópicos se difundem a gravidez. 5•6 Assim, os médicos são confrontados com a
através da placenta - e seu impacto sobre o feto é uma difícil e complicada tarefa de avaliar a segurança do uso
preocupação. No entanto, a descontinuação pode levar à de n1edicações na gestação e aconselhar suas pacientes,
recaída do quadro psiquiátrico, resultando em sintomas com base apenas em dados de pesquisa humana.
que afetam tanto a mãe quanto o feto. 1 Este capítulo abor- E1n relação especificamente à gestação, a inexistência
dará esse tópico importante da psicofarmacologia. compreensível do ponto de vista ético de dados de en-
A questão do possível efeito de fármacos utilizados saios clínicos randomizados determina que a obtenção
por un1a mulher grávida sobre o concepto é uma questão de dados sobre a segurança de fármacos provenha de
levantada no século XX, especialme11te após a tragédia relatos e séries de casos, estudos de caso-controle, estudo
da talidomida no início dos anos 1960. O Estudo Cola- de coorte, metanálise e estudos de bancos de dados admi-
borativo Perinatal, que avaliou 50 mil gestantes durante nistrativos ( em alguns países da Europa, por exemplo). -
a década de 1950 en1 centros universitários dos Estados Einarson - pormenoriza os diversos tipos de estudos, lis-
Unidos, registrou que 90% dessas mulheres fizeram uso tados a seguir.
Tratado de Saúde Mental da Mulher

independenteme11te, a\·aliam artigos aceitá\'eis para inclu-


Os relatos de casos, em geral, lin1itan1-se a nún1ero são 11a meta11álise. Se necessário, un1 terceiro re,·isor pode
reduzido de indi\ íduos. ContL1do, poden1 gerar a identifi-
1 ser\·ir para defi11ir um co11senso qua11do 11ão se obser,·an1
cação de um possível problen1a, indicando a necessidade questões não resol\·idas. Os pesquisadores extrae111 os
de aprofu11dar no estudo dos riscos e da segL1rança de un1 dados dos estudos incluídos na n1etanálise, construi11do
determi11ado agente terapêutico. tabelas 2 x 2 e analisando os dados dispo11Í\ eis.
1

As séries de casos poden1 conter diversos indi\'Íduos, Nesse caso, as bases de dados não são construídas para
às \'ezes mais de urna cente11a de sujeitos expostos a um fins de pesquisa farmacoepidemiológica, un1a \'ez que são
fármaco. Aqui há a limitação da ausência de um grupo de co11struídas para fins de avaliação da ad111inistração dos
comparaçao.- recursos financeiros dos go\·ernos. Assim, muitos dados
podem faltar para un1a i11ferê11cia mais acertada sobre o
uso de un1a droga e os desfechos da gra\•idez. E11treta11to,
por possuírem um a111plo nt1n1ero de i11divídt1os, essas
Em estudos comparati,1os de coorte, prospecti,·os, bases de dados poden1 trazer inforn1ações importantes.
muitas vezes utilizados por serviços de informação te- Esses registros poden1 ser produzidos por agências de
ratogê11ica, exposições a um fármaco são ide11tificadas e regula1ne11tação de saúde, organis111os de pesquisa i11-
seguidas ao longo do tempo. De particular interesse é \'e- depe11dente ot1 mesmo pelas companhias farmacêuticas
rificar a exposição de deter1ninado agente farmacológico (espontaneame11te e/ou por exigência de institL1ições de
a mulheres gestantes, principalmente nos seus primeiros licencia111ento de produtos). Essas grandes bases de dados
três meses de gra\ridez, quando se está processando a podem relatar dados prospectivos e retrospectivos. Elas
organogênese. Em seguida ao nascin1ento do bebê, os des- co11têm t1n1a grande qua11tidade de 111ulheres gestantes
fechos relacionados à gravidez são obtidos e comparados expostas a fárn1acos e seus dados se acumL1lam e são
aos desfechos de outras mulheres que não foran1 expostas atualizados e publicados por \'ários anos.
à droga em questão.

Da mesma for1na, n1es1110 sem o objetivo principal de


Os estudos de caso-controle são retrospecti,1os; nesse in\'estigar a relação da segurança e do risco da exposição
caso, o desfecho é conhecido e um determinado grupo é de uma droga à gestante, esses bancos de dados apresen-
co1nparado a u1n outro grupo que apresentou o mesmo tan1 uma grande quantidade de i11forn1ações (an1ostras
desfecho (nesse tipo de estudo em questão, as proles a muito grandes) e podem ser úteis para pesquisa.
serem comparadas apresentam os mesn1os defeitos ao
11ascimento). Os dois grupos são pareados co11forme in1-
portantes \1ariáveis e se vai buscar a evidência de algun1 Alguns países, especialmente na Europa, opera1n re-
tipo de exposição. Nos estt1dos de caso-controle (usados gistros que seguem os dados de mãe e bebês prospectiva-
e111 estudos de teratologia, por exemplo), necessita-se de mente. Na ausê11cia de ensaios co11trolados ra11don1iza-
um menor número de casos para se detectarem defei- dos (nível 1 de evidência) os in,1estigadores consideram
tos raros, em comparação com os coortes prospectivos dados obtidos dessas fontes com nível de evidência 11-2:
comparativos. "E\•idências obtidas por estudos ben1 desenhados de
coorte e estudos analíticos de caso-controle, frequen-
temente oriundos de diferentes centros ou grupos de
A metanálise é un1 recurso bastante utilizado para se pesquisa". 8
in\ estigar o uso de fármacos na gestação, uma vez que
1
, -
a maioria dos estudos observacionais dos desfechos das PSICOFARMACOS E GE5TAÇAO
gestações tem tamanhos de amostra reduzidos. A n1etaná- É estabelecido que todas as drogas psicotrópicas po-
lise combina resultados de vários estudos, aumentando-se tencialn1e11te poden1 atingir o feto, por causa de suas ca-
o tamanho da amostra, de modo que se possa ter un1a racterísticas farn1acocinéticas que permiten1 a sua livre e
afirn1ação mais correta relacionada à segurança e ao risco rápida difusão através da placenta. Os efeitos para a sa(1de
de determinada droga. A busca da literatt1ra deve ser co11- embriofetal decorrentes dessa passagem poden1 se tradu-
duzida por um mínimo de dois pesquisadores, utilizando- zir teoricamente em 1nalformações, toxicidade neonatal
-se todas as bases de dados disponíveis. Na metanálise, ou sequelas con1portamentais e111 lo11go prazo. Sendo
aceitam-se estt1dos caso-controle, estudos de coorte e re- assim, a prescrição de drogas psicoativas 11a gestação deve
sumos de eventos científicos. Os critérios de inclusão e e11volver um esforço para o médico de estabelecer uma
exclusão de estudos são exect1tados pelos revisores, que, decisão baseada 11a relação risco versus benefício.

348
Capítulo 38 - Critérios de classificação de risco para uso de psicofármacos na gravidez e na lactação

Ao se co11siderar a prescrição de medicações à gestante, Estudos comparativos podem ser úteis para se com-
de,'e-se estar atento ao fato dos riscos do tratamento, bem preender de que modo o uso de fármacos pode estar
como preocupar-se com o impacto de tra11stornos men- associado a complicações. A incidência de malfor1nações
tais não tratados para a gestante e o feto. O dilema é gran- congênitas na população geral é cerca de 3%; assim, o
de, por 11ão haver escolha li,,re de risco. Os psicofár1nacos fato de uma criança ter sido exposta a uma medicação no
(e seus metabólitos) atravessam a placenta facilmente. útero e ter uma malformação não significa dizer que esse
Os riscos para o co11cepto do uso dessas medicações por evento está necessariame11te relacionado à droga. Para
parte de sua n1ãe gestante inclue111: que haja suspeita de associação com o e,,ento, a droga
• Danos reprodutivos deve au111entar a i11cidência daquela malformação espe-
Os da11os reproduti, os na espécie humana podem ser
1 cífica ou apresentá-la numa frequência maior do que a
agrt1pados en1 classes principais: esperada em estudos comparativos.
- n1orte do concepto; É necessário notar que a formação de diversos órgãos
- n1alformações; se dá no i11ício da gravidez, estando quase con1pleta na 12·1
- retardo de crescin1ento i11trauterino; e semana após a concepção. Contudo, as pacientes pouco
- dcficiê11cias fu11cionais, incluindo aqui o retardo frequentemente descobrem que estão grávidas antes de
me11tal. seis a oito semanas, período no qual passos críticos para o
desenvolvimento já deven1 ter ocorrido.
Esses danos podem tanto ter uma causa genética co1110 O FDA (Food and Drug Administratio,1) classifica as
ambiental e, muitas ,,ezes, un1a combinação dessas duas 1nedicações en1 cinco categorias, quanto a sett risco tera-
(etiologia 111 ultifatorial). Estima-se que cerca de 15°/4> de togênico, mostradas a seguir, na Tabela 38.1.
todas as gestações reconhecidas terminem em aborto e
que 3% de todos os recén1-nascidos vivos apresentem
algu,n defeito congênito.

• Agente teratogênico
É definido como qualquer substância, organisn10,
agente físico ou estado de deficiência que, estando pre-
se11te durante a ,,ida embrionária ou fetal, produz uma A Estudos adequados e bem controlados do
alteração na estrutura ou função da descendência: medicamento em mulheres grávidas não
- teratogê11ese estrutural (n1alformações congê11itas); mostraram aumento no risco de anormalidades
- co1nplicações na gestação (abortan1ento, prematuri- para o feto em nenhum trimestre da gestação.
dade, baixo peso ao nascer); B Estudos em animais não revelaram risco
- complicações perinatais (si11ton1as de intoxicação fetal, contudo não há estudos adequados e
- sedação ou de abstinência de medicações admi- bem controlados em mulheres grávidas OU
nistradas próxin10 ao parto, hipertensão pulmonar estudos em an1ma1s mostraram algum risco,
neonatal persistente); não encontrado em estudos adequados e
- complicações a longo prazo - teratogênese co1npor- bem controlados em humanos.
tame11tal (distúrbios neurocon1portamentais; desfe- c Estudos em animais de laboratório mostraram
chos relacionados ao neurodesen,,olvimento). algum efeito adverso; contudo não há estudos
adequados e bem controlados em mulheres
As evidências mais rece11tes acerca dos efeitos a longo grávidas OU nenhum estudo foi conduzido em
prazo associados à psicopatologia materna não tratada e an1ma1s e não há estudos adequados e bem
sua implicação no desen,1olvin1ento infantil são co11,1incen- controlados em mulheres grávidas
tes (prematuridade, baixo peso ao nascer, rnenor circun-
D Estudos adequados e bem controlados ou
ferência da cabeça, baixos escores Apgar e disfunção HPA
estudos observacionais em mulheres grávidas
(hipotálamo-pituitário-adrenal], possi,,eln1ente levando a
demonstraram risco para o feto Contudo,
L1n1 risco aumentado de psicopatologia posteriormente
os benefícios da terapia (avaliação do risco-
na vida, atrasos do desenvolvimento ou dificuldades nas
-benefício) podem pesar mais que os riscos
áreas cognitiva, emocional ou social). Entretanto, tudo isso
potenciais.
deve ser co11trabala11çado con1 os efeitos 11ão conhecidos a
longo prazo da exposição in i,tero de un1 agente psicofar- X Contraindicada na gravidez. Estudos adequados
n1acológico. Um dado aponta que n1t1lheres portadores de em an1ma1s, ou em mulheres grávidas, ou
tra11stornos depressi, 0 maior que i11terrompem suas medi-
1 relatos 1nvest1gat1vos demonstraram ev1dênc1a
cações antidepressi,,as na gra,,idez têm 50 a 75°10 de risco pos1t1va de anormalidades fetais causadas pelo
de recaída, risco este ainda 1naior quando se considera as medicamento que claramente pesam mais do
gestantes co1n diagnóstico de transtor110 bipolar. que qualquer possível benefício para a paciente.

349
Tratado de Saúde Mental da Mulher

Embora de fácil uso, algu11s pesquisadores da área eia de toxicidade n1aterna. O efeito adverso sobre
de psiquiatria peri11atal 11ão consideram tal classifica- o desen,,ol,·i111e11to embriofetal não de,,e ser em
ção perfeita para ser o gL1ia terapêutico para o clínico. co11sequê11cia secL1ndária não específica d.e outros
Alguns estudiosos acreditan1 que tal classificação pode efeitos tóxicos.
supersimplificar a complexidade de ponderar riscos para • Categoria 3
o feto versi,s necessidade de adequado manejo cl111ico de - Substâncias que causam preocupação para a fertili-
condições médicas maternas.~ Interpretações errôneas de dade humana: resultados, em estudos apropriados
ní,·el de risco podem aco11tecer quando se entende que o en1 ani1nais, que fornece1n suficiente evidência de
111esn10 cresce da categoria A até a X. Em algumas situa- efeitos ad,·ersos sobre a fertilidade, 11a ausê11cia
ções, n1edicações da categoria C, para as quais existen1 de 0L1tros efeitos tóxicos, mas cLLjas evidências são
it1forn1ações referindo risco baixo para hun1anos, pode111 insuficie11tes para classificar a SL1bstâ11cia na catego-
ser preferíveis às da categoria B que 11ão apresentan1 ria 2. O prejLtízo 11a fertilidade não deve, entretanto,
estudos en1 humanos. Ademais, há fármacos dentro de ser u111a co11sequência secundária não específica de
u111a 111es111a categoria que não apresentam o mes1110 ris- outros efeitos tóxicos.
co reproduti,'o. Por exen1plo, o FDA classifica a maioria - Substâncias que causam possí,1eis efeitos tóxicos
dos antidepressi, os na categoria C; contudo, a segurança
1 sobre o desen\·ol,·in1ento (embrio-fetal): resulta-
entre eles varia claramente dentro dessa mesma categoria. dos, en1 estudos apropriados em animais, os quais
Assim, a classificação do FDA tende a ser substituída por pern1iten1 un1a forte suspeita de efeito tóxico para
descrições qL1e sumarizarn e interpretam os dados dispo- o desenvolvin1e11to na ausência de toxicidade ma-
níveis a respeito de riscos de toxicidade e teratogênese. 111 terna, n1as cuja evidência é insuficiente para colocar
Outras classificações poden1 con1plementar o guia a substância 11a categoria 2. O efeito adverso sobre
terapêutico para o clí11ico, como a classificação das o desen\ olvime11to não deve ser L1n1a consequência
1

substâncias tóxicas para a reprodução, segu11do a OECD secu11dária não específica de outros efeitos tóxicos.
(Organização para Cooperação Econômica e Dese11,·olvi-
n1e11to ), descrita a seguir. 1." Ao estudar as n1edicações psicotrópicas 11a gestação,
de, e-se ter en1 1nente que nenhum psicofár1naco foi com-
1

• Categoria 1 pletamente i11,1estigado em tern1os de riscos. Os riscos


- SLLbstâncias que prejL1dicam a fertilidade hun1ana: podem ser conceitualizados, como segue:
existe evidência suficiente para estabelecer unia • aqueles riscos dirigidos à mãe, incluindo efeitos co-
relação causal entre a exposição hLLmana e o efeito laterais da 1nedicação e também o risco de piora da
prejudicial sobre a fertilidade. condição clínica ou de recaídas;
- Substâ11cias que causam toxicidade do desen,,olvi- • os riscos para o feto e o infante ad,1indos tanto de
n1ento (embriofetal) em hun1anos: existe e,,idência terem exposição à medicação qua11to a de tere111 sua
suficiente para estabelecer un1a relação caLLsal entre mãe não tratada ou i11adequadamente tratada durante
a exposição humana à substância e subsequente a gravidez.
efeito tóxico sobre o desenvolvimento da prole em
humanos. No ciclo de ,,ida reprodutivo da 1nulher, a gestação
• Categoria 2 ocL1pa importância sui generis. O fato de qL1e parte con-
- Substâncias que podem causar efeitos adversos na siderá,,el de mulheres torna-se grávida sem um devido
fertilidade em humanos: existem e,1idências sufi- planejan1ento é preocupação para elas e u111 fator estressar
cientes para se pressupor que a exposição humana importante. Por exen1plo, alguns estudos apo11tan1 que 25
à substância pode resultar em prejuízo da fertili- a 35% das mulheres grávidas tên1 sintomas depressi,,os
dade, baseadas em claras evidências, em estudos importantes. 1' 1.i
em animais, de efeitos adversos sobre a fertilidade Outros estudos sugerem que 10% das mulheres grávi-
que ocorrem na ausêr1cia de outros efeitos tóxicos. das preenchen1 os critérios para depressão 1naior,1·115· 1" e
O prejuízo na fertilidade não deve ser uma co11se- até 18% das mulheres apresentam sinto1natologia depres-
quência secundária não específica de outros efeitos si,1a elevada dura11te a gestação. i-
, .
tOXICOS. A boa notícia é qL1e dados mais recentes sugerem que
- Substâncias que podem causar toxicidade do de- o tratamento das mulheres gestantes con1 sintonias de-
senvolvimento (en1briofetal) em humanos: exis- pressi,,os é factível, L1n1a ,,ez que elas possan1 ter acesso a
tem evidências SL1ficie11tes para se pressupor que a ser,,iços de saúde e tenham seu diagnóstico esclarecido.
exposição hL1mana à substância pode resultar em Infelizmente, dados da literatura apontan1 que apenas
toxicidade do desenvolvirnento, baseadas en1 claros 11 % das mulheres gestantes com sintomas depressivos es-
resultados, em estudos apropriados em animais, colhen1 o tratamento com medicações. 111 De OL1tro modo,
nos quais os efeitos foram observados na ausên- 1nL1itas que recebem trata1nento farmacológico fazem uso

350
Capítulo 38 - Critérios de classificação de risco para uso de psicofármacos na gravidez e na lactação

de doses inadequadas de 1nedicamentos, seja por relu- • evitar a terapia farn1acológica e co11tinuar a ama-
tância delas próprias ou de seus prescritores. O problen1a mentação;
é que essa estratégia pode expor duplamente o feto ao • descontinuar a amamentação durante o uso do tãrmaco;
risco da medicação e da condição psiquiátrica subtrata- • co11tinuar com a amamentação e o uso do fármaco. 22
da. Mulheres grávidas recebendo pequenas quantidades
de medicamentos experime11tam os mesmos sintomas
-
CS~l51Dl=P.~\COE5 Fl~JAIS
depressivos em relação às mulheres que não recebem Há uma grande l1eterogeneidade de estudos encontra-
qualquer fármaco. 19 dos na literatura, a maioria deles com pequenos 11úmeros
Em relação ao transtorno bipolar, não se dispõem de amostrais e que apresentam dificuldade de isolar os efeitos
n1uitas informações acerca dos riscos da utilização de embriofetais das drogas psicoativas de pote11ciais fatores
psicofármacos em mulheres gestantes ou lactantes. Entre- de confusão associados, como uso de álcool ou outras
ta11to, dado ao fato de existirem elevadas taxas de recaída drogas pela gestante. Adicionaln1ente, há sitt1ações 11a
durante a gestação e o período pós-parto, o clínico de\'e clínica psiquiátrica nas quais a interrupção da medicação
tomar uma decisão terapêutica qt1e envolve a avaliação pela gestante pode levar à exacerbação de seus sintomas,
dos riscos inerentes ao 11ão trata1nento da condição versus acarretando, então, mais riscos para o feto de que a ma-
a exposição ao(s) psicotrópico(s) in i,tero (ou na lacta- nutenção de seu uso, con10 no caso do transtorno bipolar.'
ção). Talvez o clí11ico, a paciente e seus familiares estejam O clínico deve estar atento e continuamente atualiza-
mais propensos a aceitaram os benefícios do tratamento do qua11do lidar con1 mulheres en1 períodos de gestação
(em contraposição a seus riscos), principaln1ente nas e lactação. Medir riscos e benefícios é se111pre decisão
mulheres portadoras do tra11storno bipolar do tipo I. No difícil a ser tomada. Convém uma discussão an1pla co1n
caso dos tra11stornos bipolares II SOE (sem outra espe- a paciente e também com a família para que se tenha1n
cificação), o clínico n1uitas vezes fica em dt'1,,ida sobre a oportunidades de discutir todas as dúvidas inere11tes à
decisão terapêutica a ser tomada. utilização de psicofárn1acos. É dever do clínico informar
De maneira geral, o transtorno bipolar requer ,,ários tudo que estiver a seu alcance e111 termos da segurança
medicamentos para um controle adequado da e11fern1i- dos n1edicame11tos. Mt1itas vezes, a consultoria a um cole-
dade, seja 11a fase agt1da do tratame11to, seja na fase de ga experiente no cuidado à saúde mental da n1ulher pode
1nant1tenção. Esse é un1 outro proble111a para o clí11ico ajudar muito. Deve-se len1brar sempre o clí11ico de docu-
que deseja seguir o corolário da n1onoterapia na condução me11tar em prontuário médico todas as discussões acerca
terapêutica de suas pacientes grávidas. dos riscos e be11efícios da psicofarmacoterapia dirigida às
Um estudo apontou taxas de recorrê11cia do transtorno gestantes e lactantes. 6
bipolar em mulheres grávidas de 71 %.-~º
REFERÊNCIAS
,
pr!rr\Cl\~l\n~rnc:; N/\ 1
-
orTl\(1\1'\ 1. Altshuler LL, Cohen LS, y{oline NIL, Kahn DA, Carpenter D,
A a111ame11tação é, de fato, acompanhada por i11úmeras Docherty JP et ai. Treatment of depressio11 in wo1nen: a sun1 -
vantage11s clínicas e psicossociais, tanto para a mãe como n1ary of the expert consensus guidelines.J Psychiatr Pract. 2001
para o infante. Uma vez que a n1aioria dos psicofármacos N1av;7(3): 185-208.
'
é excretada no leite n1aterno, a n1ãe lactante qt1e requer 2. Garriguet D. w1edication use among pregnant \VOmen. Haealth
tratarnento psicofarmacológico co11stitui-se em um desafio Rep. 2006; 17(2):9-18.
para o clínico, qt1e terá de tomar decisões importantes e 3. Juruena MF (org. e ed.). Nlanual Prático de Psicofárn1acos en1
pesar riscos e benefícios. De,'e-se lembrar que as mães co1n Saúde ~lentai. Hospital ;\,laterno Infantil Pres. \'argas. Secreta-
transtornos mentais não tratados, ou inadequadamente ria w1unicipal da Saúde de Porto Alegre, Prefeitura w1unicipal
tratados, terão dificttldades de interações com o seu bebê. de Porto Alegre. 2003;9-84.
A situação ideal, 11em sempre possível, seria a 1nãe rece- 4. Trussell J. Toe cost of unintended pregnancy in the United
ber tratamento psicofarmacológico integral e continuar States. Contarception. 2007;75(3 ):168-70.
a amamentar o seu infante. Geralmente, a excreção de 5. Lo \\')', Friedn1an J~t. Teratogenecity of recently introduced
drogas no leite ht1mano é descrita como uma porce11tagem 111ec.iications in hun1an pregnancy. Obstet Gynecol 2002;
da dose n1ater11a. A excreção no leite 1naterno de menos 100(3):465-73.
de 10% é geralme11te compatível con, a amamentação e é 6. Juruena J\IF Psicofarn1acos na gestação e a1narnentaçào ln:
improvável que prodt1za reações ad\'ersas no lactente.~' E1n ~lanual pratico de psicofármacos ern saúde mental. Hospital
geral, as drogas atravessam a barreira 111amária por dift1são .\1aterno Infantil Pres. \ 'argas. Secretaria N[unicipal da Saúde
simples, en1bora alguns fár1nacos possam requerer un1 de Porto Alegre, Prefeitura ~lunicipal de Porto Alegre; 2003.
sistema de transporte 1nediado por carreador. p. 29-35.
Na mulher lactante que necessita de uso de um psico- 7. Einarson A. R1sks/Satet)' of psychotropic medication use dur-
fármaco, três possibilidades se oferece1n ao clínico: ing pregnance. Can J Clin Pharmacol. 2009; 16( 1):e58-e65.

351
Psicofarmacologia durante a
gravidez e a lactação

Amaury Cantilino
Adrienne Einarson
Juliana Fernandes Tramontina

-
INTRODUCAO te. O que ambos precisam saber é que não existe escolha
A prevalência de depressão na gravidez é da ordem de livre de risco. Todos os psicofármacos disponíveis e seus
7,4%, 12,8% e 12% para o lº, 2!,> e 32 trin1estres respectiva- metabólitos atravessam a placenta, principalmente por
n1ente. O TOC (transtorno obsessi\'O con1pulsivo) tende difusão simples. Os riscos para o concepto do uso dessas
a ser precipitado ou exacerbado nesse período. Sabe-se medicações durante a gravidez incluem teratogênese
ainda qL1e mulheres com transtorno bipolar estão parti- estrutural (malformações congênitas), teratogênese com-
cularmente predispostas a recaídas caso as 111edicações de portan1ental (sequelas neurocomportamentais em longo
ma11utenção sejam retiradas na gravidez e que mulheres prazo) e toxicidade perinatal (sintomas de intoxicação
com esquizofrenia apresentavam maior probabilidade de ou de abstinência de medicações administradas próximo
ruptura placentária e bebês com baixo peso e ano1nalias ao parto).
cardiovasculares congê11 itas. É interessante observar que estudos comparativos po-
Alén1 disso, alterações fisiológicas da gravidez, con10 au- dem correlacionar melhor o uso de determinados n1edica-
n1ento da volemia, do metabolismo hepático e da excreção mentos a algumas complicações. Por exemplo, a incidência
renal, podem fazer mL1lheres tratadas com psicofár1nacos de malformações congênitas na população geral é cerca de
teren1 recaídas no terceiro trimestre por diminuição dos 396; assim, o fato de uma criança ter sido exposta a u111a
níveis plasmáticos dessas substâncias. Ou seja, a gesta- medicação no útero e ter uma malformação não significa
ção e o puerpério tên1 sido reconhecidos como períodos dizer que esse e\rento está relacionado ao medicamento.
de vulnerabilidade para o aparecimento e agravamento de Para que haja suspeita de associação con1 o evento, o medi-
transtornos psiquiátricos, pois as rápidas mudanças físicas ca1nento deve aume11tar a i11cidência daquela malformação
e psicossociais da gestação e do puerpério podem não específica ou apresentá-la numa frequência maior do que a
apenas complicar transtornos preexistentes como també1n esperada en1 estL1dos comparativos.
desencadear diversas condições médicas psiquiátricas. Mesmo em estudos comparativos, muitas vezes 11ão
Dessa forma, é fundamental que tanto clínicos quanto há controle de variáveis que confu11dem con10 pré-natal
pacientes tenham um conhecimento atual e consistente inadequado, uso de outras medicações, e uso de álcool,
sobre os diferentes dados que possam esclarecer as parti- nicotina e outras drogas. Essas potenciais variáveis de
cularidades relacionadas ao uso de psicofármacos durante confundimento tendem a ser mais presentes em pacientes
a gravidez e a lactação. com transtornos psíquicos, o que pode trazer um viés na
interpretação de dados comparativos co1n mulheres sem
-
GESTACAO • • I
transtornos ps1qu1atr1cos.

A po11deração relativa aos riscos da exposição às me- Um outro aspecto a ser obser,,ado é que a formação
dicações versus o impacto de u1na doença não tratada básica principal dos diversos órgãos do siste1na se dá 110
nos resultados obstélricos e no desenvolvimento infantil início da gravidez, estando quase completa na 12ª semana
torna-se Ltm grande dilen1a para o clí11ico e para a pacien - após a co11cepção. No entanto, as pacientes pouco fre-
Tratado de Saúde Mental da Mulher

quente1nente descobrem que estão grávidas antes de seis Uma ,·ez ingerida pelo recém-nascido, alguns outros
a oito semanas, período no qual passos críticos para o fatores afetam a transferência da n1edicação para o plasma
desenvolvimento já devem ter ocorrido. do bebê, conforn1e pode ser observado na Tabela 39.2.

LACTACAO -
Algumas considerações a respeito do período de lac-
tação devem ser feitas, pois a maioria dos psicofármacos
é excretada no leite n1aterno já que tem baixo peso 1nole-
cular e alta lipossolubilidade. Nessa fase, uma ,,ez que se Função renal Recém-nascidos, sobretudo pré-
pode i11terromper a an1amentação, a exposição do bebê às e hepática do -termos, têm uma capacidade
n1edicações é uma escolha. recém-nascido diminuída para metabolizar, filtrar e
En1 con1paração a crianças alimentadas com leite arti- excretar medicações.
ficial, as crianças alimentadas com leite materno durante Aleitamento É dif1cil medir em ml a quantidade
os pri111eiros seis n1eses de vida apresentam n1enor possi- materno exclusivo de leite que um lactente recebe
bilidade de teren1 doenças respiratórias, imunológicas e durante uma mamada, mas a
gastrintestinais. A an1amentação também traz be11efícios norma padrão é que ele requeira
psicológicos, uma vez que tende a aumentar a interação 150 mi/kg/dia de leite. Assim, um
n1ãe-bebê. É considerada un1a norma biológica, e a que- lactente de cinco semanas que está
bra dessa norma de, e ser uma decisão cuidadosa.
1
em aleitamento materno exclusivo
Di,,ersos fatores podem afetar a concentração dos provavelmente será exposto a uma
medica111entos no leite materno. Eles são mostrados 110 quantidade de medicamento maior
Tabela 39 .1. do que um bebê de nove meses que
mama três vezes por dia.
Há variação da exposição conforme
o tempo de aleitamento materno.

Nível plasmático Há associação entre o nível A excreção da droga no leite é descrita con10 a porcen-
do medicamento plasmático da medicação e a sua tagem da dose materna (por kg), OLI seja, a dose materna
na mãe concentração no leite materno. ajustada pelo peso. Geralmente uma excreção no leite
Relação entre tempo de meia-vida no menor que 10% é considerada con1patível con1 a ama-
Tempo de
sangue materno e no leite. Assim, por mentação. Medica1nentos com grande número de relatos
meia-vida
exemplo, medicações de me1a-v1da de acompanhamento de recém-nascidos expostos as va-
longa mantêm níveis circulantes por riáveis de maior utilidade para o entendime11to da relação
maior tempo no sangue materno, e, entre psicofármacos e lactação são os níveis séricos do
consequentemente, no leite.
medicamento no plasma dos recém-nascidos e o perfil de
e,,entos adversos nesses lactentes em curto e longo prazos.
Lipossolubilidade Drogas lipossolúveis tendem a
se concentrar mais no leite, que
CLASSES DE PSICOFÁRMACOS E USO NA GRAVIDEZ
é gorduroso. Ps1cofármacos são
E NA LACTACAO -
frequentemente encontrados em
A dec isão qL1anto ao uso de psicofármacos durante a
concentrações maiores no leite
gravidez e a lactação deve ser embasada no conhecimen-
materno do que no plasma da mãe.
to dos possí, eis benefícios para a mãe e nas informações
1

Ligação proteica Apenas o medicamento livre é sobre os pote11ciais riscos para o concepto. AlgL1mas
transferido para o leite. Substâncias dessas informações relevantes são resumidas a seguir,
com alta ligação proteica (> 90%) baseadas sobretudo nas revisões de Cantilino & Sougey;
têm menor passagem para o leite. Einarson e Ne,,vport e cols., mas ta1nbém nas revisões
Tempo de Após o quarto dia do nascimento de Moretti, Viguera e cols., Yonkers e cols., Iqbal e cols.,
pós-parto do bebê, o aumento dos níveis de Cott e cols., Gjerdingen, Malone e cols. e na American
prolact,na e a d1minu1ção dos de Academy of Pediatrics, além de outros artigos de rele-
progesterona intumescem as células vância citados ao longo do texto. É preciso alertar o lei-
epiteliais diminuindo a passagem de tor de que a maioria das informações nessa área é deri-
medicamento para o leite. Precaução vada de relatos de casos ou de estudos retrospectivos de
maior deve ser tomada no pós-parto caso-controle. Já existe um nún1ero razoável de estudos
,mediato. prospectivos de coorte, mas ensaios clínicos controlados

354
Capítulo 39 - Psicofarmacolog1a durante a gravidez e a lactação

para pesquisar segurança de psicofármacos na gravidez e ma malformação clinicamente significativa parece estar
na lactação não têm sido realizados por questões éticas. consistentemente associada a seu uso. No final de 2005,
Contudo, isso não significa que se de\'e desvalorizar os estudos levantaram a possibilidade de aumento da chan-
dados disponíveis, mas interpretar os achados e enten- ce de malformações em bebês expostos à paroxetina no
der suas limitações. primeiro trimestre, sobretudo anomalias cardíacas. Logo
e1n seguida à divulgação desses relatos, pesquisadores
coletaram dados de serviços de informação em teratologia
Pelo impacto negativo sobre a gestação e o concepto, a de vários países e chegaram à conclusão de que não havia
depressão e os transtornos de ansiedade na gravidez ten- diferença nas taxas dessa malformação entre o grupo de
dem a ser tratados com psicofármacos. A gravidez não expostos à paroxetina e o grupo de não expostos. A con-
protege a mulher desses transtornos nem de possíveis trovérsia quanto à relação entre paroxetina e malforma-
recaídas. Não é raro acontecer de um clínico se deparar ções congênitas, no entanto, persiste. Recentemente uma
com uma paciente com história de depressão, em uso de coorte dinamarquesa envolvendo vários ISRS sugeriu um
antidepressivo e eutímica quando recebe o exame positivo aumento da probabilidade de defeitos de septos cardíacos
de gravidez. Cohen e cols. observaram prospectivamente relacionado ao uso de sertralina e citalopram, mas não de
32 mulheres nessa situação que optaram por descontinuar paroxetina. A sertralina e o citalopram, em estudos ante-
• - A •

o medicamento. Dessas pacientes, 75% tiveram recaídas r1ores, nao se mostraram teratogen1cos.
durante a gravidez, mais comumente no primeiro trimes- Outra discussão foi gerada com base em estudos que
tre e naquelas com história de depressão mais crônica. sugeriram associação de uso de ISRS a partir da 2Qil
É importante ressaltar que a depressão na gravidez está semana de gestação e HPPN (hipertensão pulmonar
associada a uma série de complicações conforme apresen- persistente nos neonatos). Contudo, o fato de apenas
tadas no Quadro 39.1. 3,7% dos neonatos com HPPN terem sido expostos a
um ISRS, somado ao fato de ser a HPPN uma condição
rara, que afeta aproximadamente 0,19% dos recém-
-nascidos, leva autores a considerem que algo que é
estatisticamente significativo nesse caso pode não ter
tanta relevância clínica.
• Crescimento fetal diminuído A maior quantidade de estudos na gravidez foi realiza-
• Perímetro cefálico d1m1nuído da com os ADT (antidepressivos tricíclicos), a fluoxetina
• Parto prematuro e outras complicações obstétricas e a sertralina. Pelo maior número de estudos mostrando
segurança, facilidade posológica e baixo perfil de efeitos
• Grávidas deprimidas têm chance maior de abusarem de
colaterais, grande parte dos autores sugere que o antide-
álcool, terem comportamento suicida, negligenciarem
pressivo de escolha na gravidez deveria ser a fluoxetina.
os cuidados pré-natais e terem nutrição inadequada Os outros ISRS e bupropiona também não parecem causar
• Crianças com alterações comportamentais em longo prazo malformações. Nada tem sugerido que haja um aumento
de defeitos congênitos quando da exposição a antidepres-
Quanto aos riscos de complicações obstétricas rela- sivos mais novos como venlafaxina, n1irtazapina e esci-
cionados aos antidepressivos pode-se citar o de apare- talopram, mas os estudos ainda são proporcionalmente
ci1nento da DHEG (doença hipertensiva específica da em pequeno número. Ainda não existem dados com a
gravidez). Um estudo comparou 199 grávidas usando duloxetina, contudo um grande estudo de coorte está
ISRS (inibidores da recaptura de serotonina) com 5.532 atualmente em andamento por Einarson e cols.
grávidas sem uso dessas medicações quanto ao apareci- Sintomas e complicações neonatais parecem estar
mento de DHEG. O grupo de expostas teve hipertensão associados à exposição a antidepressivos no final da gra-
gestacional numa taxa de 19,1 %, enquanto o grupo con- videz. Esses sintomas em geral são leves e transitórios, e
trole apresentou DHEG numa taxa de 9°1>. Outro aspecto podem acontecer em decorrência de efeitos diretos dos
é o risco de abortamento espontâneo. Numa re\risão a resíduos das medicações sobre o bebê ou de síndron1e de
partir de acompanhamentos de mulheres expostas e não retirada. Existem relatos de que o tratamento com ADT
expostas a antidepressivos, observaram-se taxas de 12,4% ao longo da gravidez pode ocasionar síndrome de retira-
e 8,7%, respecti\ramente. Tanto a respeito de abortamento da no neonato com mioclonias e co11vulsões tra11sitórias,
espontâneo como de DHEG, novas pesquisas são necessá- taquipneia, taquicardia, irritabilidade e sudorese profusa.
rias para separar o que pode ter sido efeito da medicação Pode ocorrer constipação intestinal e retenção urinária
do que pode ser devido ao transtorno de humor de base. em decorrência de efeitos anticolinérgicos. ISRS podem
É importante que se saiba que os antidepressivos têm ocasionar hipotonia, dificuldade para alimentação, hipo-
sido utilizados há décadas e o volume de informação per- glicemia, hipotermia e agitação. Apgar mais baixo tem
tinente a eles é considerado grande. Ainda assim, nenhu- sido associado ao uso de fluoxetina no 32 trimestre.

355
Tratado de Saúde Mental da Mulher

Importante frisar, no e11tanto, que até hoje não está início precoce na ,,ida, como a esquizofrenia e o transtor-
bem estabelecido se esses sintomas de toxicidade neonatal no bipolar. Abrir mão do uso nessas condições colocaria a
descritos anteriormente ocorrem em decorrência dos an- mãe em risco acentuado de recaída de transtornos gra,,es,
tidepressivos ou da depressão, já qt1e existem importantes podendo interferir 110s cuidados pré-natais ou resultar em
dificuldades operacionais para o controle de \'ariá\1eis dano direto ao feto.
11as metodologias empregadas. Isso também vale para a A despeito de ocasionarem reações extrapiran1idais 110
associação entre parto prematuro e a11tidepressivos. Um neonato, os antipsicóticos de alta potência são preferí,·eis
estt1do analisou aproximada1nente 120 mil prontuários 11a gravidez para minimizar efeitos anticoli11érgicos, hipo-
de recém-nascidos no intuito de observar o impacto de tensivos e anti-histaminérgicos. As preparações de longa
se interromper o ISRS utilizado na gravidez pelo menos ação (depot) devem ser e, itadas no intuito de limitar a
1

até quatorze dias antes do parto. Obser\'Ou-se que con- duração de qualquer efeito tóxico no neonato.
trolando variáveis de potencial confundimento (con10 A maioria dos dados que existem em relação aos antip-
gravidade da doença materna), reduzir a exposição a ISRS sicóticos típicos deve-se a seu uso na hiperê1nese gravídi-
no final da gravidez não tem efeito clínico significati\ 0 na
1 ca, em especial os agentes de potê11cia n1ais bai.,xa, con10
adaptação neonatal do recén1-nascido. Esses achados aler- a clorpro111azina. Uma metanálise realizada por Altshuler
tan1 para a possibilidade de os eventos adversos neonatais e cols. incluiu 2.591 bebês expostos no primeiro trin1estre
não ocorrerem em razão de efeitos agt1dos de antidepres- a antipsicóticos típicos de baixa potê11cia. Foi encontrado
sivos, como toxicidade ou síndrome de retirada. um aume11to pequeno, mas estatisticame11te sig11ificati, 0,
1

Alguns a11tidepressivos deveriam ser evitados na gra- no risco relativo de n1alformações congê11itas. Não foi
videz. Os i11ibidores da monoaminoxidase podem exa- enco11trado um padrão definido de malformações. No en-
cerbar a hipertensão específica da gravidez e interagir tanto, esse dado é controverso, uma ,,ez qt1e há estudo
com medican1entos tocolíticos, que são usados para inibir envolvendo cerca de 20.000 mulheres expostas mostrando
trabalho de parto. A freqt1ência de convulsões é n1aior nas não haver associação dessas substâncias com 1nortalidade
grávidas que recebem maprotilina qua11do comparadas neonatal ou anomalias i111portantes quando fatores con10
àquelas que usam outros tricíclicos. idade materna, uso de outras medicações e idade gestacio-
Crianças expostas intraiítero a ADT e ISRS foram nal foram controlados. Estudos em humanos 11ão encon-
estudadas até 7 anos de idade, e nenhuma diferença foi traram evidências de anormalidades comportamentais,
observada numa extensiva bateria de n1edidas do 11euro- emocionais ou cog11itivas em crianças aos quatro a11os
desenvolvimento. O coeficiente de inteligência, desenvol- expostas 110 útero a essas n1edicações.
,,imento de linguagem, temperamento, hun1or, nível de Sinais associados à exposição no terceiro tri1nestre a
atividade e comportamento não foram diferentes daqueles antipsicóticos típicos de baixa potência incluen1 taqui-
encontrados em crianças não expostas. cardia, disfunção gastrintestinal, sedação e hipotensão.
Durante a lactação, devem-se preferir nortriptilina, Dependendo do grau de exposição, esses efeitos persistem
sertralina e paroxetina; cada uma delas foi estudada en1 por alguns dias. Sinais extrapiramidais associados a doses
bom número de casos sem efeitos relevantes observados mater11as mais altas de agentes de alta potência incluem
no lactente. Essas três medicações apresentam níveis plas- hiperati, idade, reflexos tendinosos hiperativos, tensão
1

máticos em geral extremamente baixos ou indetectáveis musct1lar e movimentos anormais. Esses sinais podem
no recém-nascido. Os demais ADT e a venlafaxina n1os- persistir por meses. Sinais adicionais são tremores, alte-
tram tambén1 níveis baixos ou indetectáveis no recém- rações na sucção, arqueamento das costas e choro agudo.
-nascido e ausência de efeitos ad,1ersos, n1as o número As medicações utilizadas para tratan1ento das reações
de estudos é ainda baixo. A fluoxetina pode atingir ní,,eis extrapiramidais também são alvo de pesquisas. Obser-
plasmáticos altos no recém-nascido, causando vômitos, vou-se aumento de malformações associadas ao uso de
diarreia, cólicas e dimint1ição do sono. Um estudo sugeriu difenidramina no segu11do mês. Quanto à prometazina,
que a fluoxetina via leite materno pode causar diminuição estudos sugerem que, e111 doses terapêuticas, oferece risco
da curva de peso-crescimento, com uma média de 392 consideravelmente pequeno, contudo, há aumento leve de
gramas a menos no 62 mês. No entanto, de,1e-se ponderar malformações orofàciais e polidactilia, sobretudo em do-
que o melhor antidepressivo a ser usado na lactação é ses mais altas. Os dados envolvendo biperideno e amanta-
aquele que se mostra mais eficaz para a paciente, desde dina são em número insuficiente para qualquer avaliação.
que os possíveis eventos adversos no recém-11ascido sejam Como regra geral, sugere-se que essas n1edicações sejam
bem monitorados. evitadas ou utilizadas na menor dose possível.
Mulheres com transtornos psicóticos crônicos, em
geral, apresentam fertilidade din1int1ída em relação a
Os antipsicóticos são medicamentos bastante prescri- controles. Isso ocorre parcial1nente em decorrência da
tos na clínica durante a gravidez e a lactação, já que são l1iperprolactinemia secundária ao uso de antipsicóticos
utilizados frequentemente em distúrbios crônicos e de típicos. O uso de atípicos como a clozapina e a olanzapina,

356
Capítulo 39 - Psicofarmacologia durante a gravidez e a lactação

que não tên1 esse efeito, pode ter aumentado essa taxa de associação entre ataques de pânico e parto prematuro,
fertilidade ao longo dos últin1os anos. Sabe-se que um descolame11to prematuro de placenta e aumento da re-
dos pri11cipais efeitos dessas SL1bstâ11cias é o aumento de sistência da artéria uterina (que pode levar a crescimento
peso, sendo que a obesidade na gravidez tem se n,ostrado uterino retardado e baixo peso ao nascer).
t11n fator de risco para defeitos 110 tubo neural en1 bebês. Estudos de caso-controle mostraram um aumento do
U111 risco aun1entado desses defeitos en1 bebês expostos risco de fendas orofaciais (como fenda palatina e lábio
a antipsicóticos atípicos foi sugerido, por uma associação leporino) associado à exposição pré-natal ao diazepa1n.
entre ga11ho de peso e deficiência de folato. Contudo, Esse risco parece ser maior do que na população geral,
de,·e-se le,•ar e1n consideração que pacientes esquizo- mas o risco absoluto é muito baixo, observa11do-se um
frênicos não medicados, tanto do sexo masct1lino como aumento de 6 em 10.000 para 7 em 10.000. Um grande
do sexo femini110, tenden1 a apresentar níveis séricos de estudo de coorte que envolveu cerca de 2.000 mulheres
folato mais baixo qt1e a população geral, o que também expostas a benzodiazepí11icos na gravidez concluiu haver
aun1enta a possibilidade de defeitos no tubo neural. As- t1m número um pouco maior do que o esperado de pilo-
sim, é aconselhá,·el a SL1plen1entação de folato con1 altas roestenose e atresias do trato digesti,,o e nenhun1a evidên-
doses (p. ex., 4 mg/dia) para mulheres em uso de atípicos cia de aumento de n1alformações orofaciais. Considera-se
qL1e deseje1n engravidar. que o potencial teratogênico relacionado aos benzodiaze-
Os dados relacionados aos atípicos dt1rante a gravidez pínicos é n1uito baixo.
mostram que não parece haver aumento de taxas de mal- Especial atenção deve ser dada à toxicidade neonatal e
formações, abortamento espontâneo ou parto prematuro à possibilidade de síndrome de abstinência. Essas situa-
quando há exposição à olanzapina, risperido11a, clozapina ções têm manifestações clínicas diferentes, como mostra
ou quetiapir1a. No entanto, o número de mulheres acom- a Tabela 39.3. Assim, no manejo da grávida em uso de
panhadas até o momento é proporcionaln1ente muito me- algum benzodiazepínico, sugere-se a diminuição gradt1al
11or do que o encontrado para os típicos. Considerando da dose no final da gestação, quando for possível, para
estudos que avaliam o quanto o medicame11to ultrapassa a evitar esses problen1as.
barreira place11tária, observa-se que a quetiapina tem
a 1nenor taxa reportada de passagen1 pela placenta entre
todos os psicofárn1acos já estudados: a concentração plas-
n1ática no co11cepto é 23% daquela encontrada na mãe.
Relatos con1 a ziprasidona, o aripiprazol e a paliperidona
ainda são raros e não permitem avaliação.
Apesar de os fabricantes das n1edicações sugerire1n
e,·itar o uso dessas substâncias na lactação, a maioria dos Manifesta por inquietude,
Síndrome do "bebê
casos não mostra sinais de toxicidade ou de atraso no hipertonia, hiper-reflexia,
mole" com h1poterm1a,
dese11volvimento. Quando os a11tipsicóticos típicos de alta tremores, diarreia e vômitos.
letargia, esforço
potê11cia forem necessários no pós-parto, a i11terrupção da Aparece normalmente
respiratório débil e
an1amentação não se justifica na maioria das vezes, desde
dificuldades para se alguns dias após o
que haja obser,,açào atenta quanto aos possíveis efeitos nascimento do bebê e pode
alimentar. Ocorre logo
no neonato. durar eventualmente até
após o nascimento.
É mais intensa três meses após o parto.
quando secundária Parece ser mais frequente
Os benzodiazepínicos são utilizados para n1últiplas
a benzod1azepín1cos com benzodiazepínicos de
indicações em psiquiatria, entre as quais os transtornos de meia-vida curta, como o
1n1etáve1s
ansiedade se destacam, sobretudo, por terem muitas vezes
alprazolam.
caráter crônico. Nesses casos, procura-se evitar seu uso
na gravidez, já que ot1tras possibilidades terapêuticas (p.
ex., terapia cognitivo-comportame11tal e ISRS) mostram- Estudos para avaliação de efeitos cognitivos e co111-
-se eficazes e n1ais seguras. Caso eles seja1n necessários, portan1entais da exposição intrauterina aos benzodia-
sugere-se que sejan1 usados 11a menor dose e no tempo zepínicos geram controvérsias. Há relatos de retardo do
. CL1rto poss1ve1s.
111a1s ' .
desenvolvimento mental e psicomotor em crianças com
No entanto, não se deve privar a mulher de tratamento dois a11os de idade que foram expostas a essas substâncias
adeqt1ado nas situações 011de eles se 111ostraren1 11ecessá- no útero. Contudo, outros estudos 11egam esse achado. Es-
rios. Obser,·a-se, por exemplo, que mais da 111etade das tudos e111 animais mostram n1ais consistenten1ente deficits
n1ulheres com história pregressa de transtorno do pânico nas capacidades de n1e1nória e de aprendizado em longo
podem ter recorrência durante a gravidez, e as crises prazo. Un1 estudo de acompanhamento e comparativo em
precisam ser prontamente controlada&. Estudos mostram humanos mostrou não haver e\•idência de que o clordia-

357
Tratado de Saúde Mental da Mulher

zepóxido pudesse levar a alterações no desen\ olvime11to


1
vezes. Partict1larn1ente ha\ eria suscetibilidade n1aior ~1ara
1

psicon1otor (aos 8 meses de idade) e 110 coeficiente de t11na malforn1ação conhecida por a11omalia de Ebstei11.
inteligê11cia (aos 4 anos de idade) en1 crianças expostas Hoje se sabe qt1e a teratogênese relacio11ada ao lítio é
quando comparadas às 11ão expostas. relati,·amente 111odesta; 11esses estudos prelin1inares n1e11-
Os benzodia1epínicos também de\•erian1 ser e\·itados cionados, ha,·ia um forte \'iés de seleção nos registros.
11a lactação, en1bora não haja co11trai11dicação para o seu O risco de ha\·er a anomalia de Ebstein e111 recén1-11asci-
uso, especialmente se for en1 doses baixas. Sonolência e dos expostos ao lítio 110 primeiro trimestre foi re\ isado, 1

reflexo de sucção diminuído pode111 aparecer e111 lactentcs e11tão, cor11 estudos co11trolados, e foi e11contrada u1na
expostos a essas medicações a que já estavam expostos taxa de 0,05°10 . Essa taxa é dez \'Czcs n1aior do que 11a
no útero. Quando expostos apenas 110 pós-parto, apare11- população geral, 1nas n1enor do qt1e o risco inicialme11te
ten1e11te aprese11tan1 n1e11or potencial de efeito ad\ erso.
1
apresentado, de\•ido aos vieses de registros voluntários.
Sugere-se que os de 111eia-vida n1ais ct1rta (alprazolam, O lítio, quando utilizado no segu11do e terceiro tri111es-
lorazepam) são n1ais seguros na lactação, desde que o tres, pode ocasio11ar bócio no neo11ato co111 l1ipotireoi-
uso seja por pouco ten1po, intermite11te, en1 doses baixas dismo. Caso a mãe te11l1a usado doses tóxicas, o recém-
e i11iciadas após a prin1eira sema11a de ~1ós-parto. Caso -nascido pode apresentar cianose, l1ipotonia, bradicardia,
seja1n usados em doses mais altas e cronican1e11te, pode1n hepato1negalia, ir1\ ersâo da onda T no eletrocardiograma,
1

provocar letargia. A11álises n1ostran1 que as conce11tra- cardiomegalia, sangran1ento gastrintestinal e con,·ttlsões.
ções do alprazolam no leite materno são muito baixas e A 111aioria desses efeitos é autolimitada e te11de a se resol-
provavelmente não resultariam em efeitos no lactente. \·er entre a pri1neira ou segunda sen1a11as. Na Tabela 39.4,
Se1npre que um bebê estiver exposto a un1 benzodiazepí · st1gere-se conduta pertinente ao tiso de lítio en1 mulheres
nico, deve ser monitorado quanto a depressão do SNC e grávidas.
apneia. Também 11a lactação, pode ocorrer síndrome de O lítio está presente 110 leite 11t1111a co11centração de
abstinência nos bebês quando utilizados cro11icamente e aproximadan1e11te 40'ro da encontrada 110 soro mater110.
interrompidos bruscan1ente. Assin1, há possibilidade de intoxicação lítica se o recén1-
Os dados sobre os agonistas parciais dos be11zodiaze- -nascido apresentar hidratação i11adequada ou infecção.
pínicos, con10 zopiclone e zolpidem, são muito escassos e E\ entos ad\crsos co1no letargia, hipoto11ia, hipotermia,
1

não permitem avaliação. cianose, alterações no eletrocardiogran1a e 110s hormô11ios


tireoidianos acontecen1 com relati\ a frequência. O uso do
1

lítio dura11te a lactação é desencorajado e sugere-se qt1e,


O tratame11to farmacológico do TB (transtorno bipo quando houver estrita necessidade e desejo da n1ulher
lar) durante a gestação e lactação é um desafio clínico. de aman1entar, haja rigoroso 111011itora111ento dos 111Yeis
Esse transtorno pode colocar uma mulher grá\1 ida e o seu plasmáticos do recén1-nascido.
bebê em risco significativo em virtude de possíveis com-
prometimentos como hospitalização prolongada, ideação AVP r.:.~:,,1,... ··1 /n ..,..ir~ ~·: div=, /,..~,.. ... +,.. "'"' r.,:,.r1;,..1
suicida, perda de emprego e do suporte social, além de Em comparação con1 o lítio, os efeitos teratogêni-
má nutrição, parto prematuro, falta de cooperação com cos associados ao A\TP ocorrem 1nais frequenten1ente.
os cuidados pré-11atais e um risco aumentado de psicose O AVP pode ocasionar retardo no cresci1nento i11traute-
pt1erperal. Há tambén1 o risco de recaída quando da sus- ri110, displasia óssea, deficiência de ossos lo11gos e dígitos,
pensão do tratamento. Se o lítio, por exemplo, for inter- sindactilia, anormalidades craniofaciais e defeitos cardí-
rompido em bipolares eutímicas, a taxa de recaída chega acos. Além disso, relatos de casos sugerem aumento de
a 52% ao longo das quarenta semanas de gravidez. Das frequência de autisn10 após exposição ao valproato 110
mt1lheres que descontinuam o trata111ento na gravidez e terceiro trimestre. Mulheres usando essa medicação estão
se 111antên1 estáveis, 70% passam a apresentar o quadro co111 risco at1mentado, sobretudo, de teren1 bebês con1
patológico no puerpério. Ou seja, espera-se que apenas defeitos do tubo neural; a taxa de espinha bífida é cerca de
uma em cada seis mulheres co1n esse transtorno que es- qui11ze vezes maior em neonatos que fora1n expostos. Isso
tejan1 sen1 tratan1e11to farmacológico n1antenha-se está,rel ocorre pro\•avelmente porque essa medicação tem efeito
ao longo do ciclo grá\rido-puerperal. Em contraponto a antagonista no n1etabolismo do ácido fólico. O cl111ico
isso, as medicações mais comumente utilizadas para o seu (ieve considerar a suplementação de 5 mg por dia de ácido
tratamento aprese11tam alguns riscos releva11tes para uso fálico quando do planejamento da gravidez, OLI até mes-
neste período. mo para aquelas mulheres em idade reprodutiva usando
essa medicação. Na Tabela 39.4, há recornendações quan-
Lítir) to à conduta frente a pacie11tes grá\1 idas usando AVP
Estudos retrospectivos realizados nos anos 1970 su- Quanto à lactação, seu uso parece ser seguro, conside-
gerian1 que a exposição ao lítio estava associada a um rando as baixas taxas de eventos adversos reportados nos
aun1ento do risco de doença cardíaca congênita em 400 recém-nascidos.

358
Capítulo 39 - Psicofarmacolog1a durante a gravidez e a lactação

expostos parece ser igual ao da população geral, exceto se


A carbamazepina está associada aos n1esn1os riscos re- a la111otrigina foi utilizada em doses acima de 200 mg/d
lacionados ao AVP, contudo, com menor frequência e gra- ou associada a alguma outra medicação Leratogênica. Não
vidade. Por exemplo, defeitos do tubo neural são mais fre- há relato de toxicidade neonatal. Também não há relato
quentes em 11eonatos expostos à carbamazepina do que na de eventos adversos sig11ificativos nos recém-nascidos ex-
popLtlação geral, mas essa ta,"l(a é a n1etade daqLtela observa- postos durante a lactação. Esses fatores fazem a lamotrigi-
da con1 o AVP. Na Tabela 39.4, há recomendações quanto à na ser considerada uma medicação relativan1ente segura
conduta frente a pacientes grávidas usando carbamazepina. para uso na gravidez e lactação.
SeL1 LISO na lactação tambérn parece relati,,an1ente segu-
ro, embora existam raros relatos de caso de l1iperexcitabi-
lidade e l1epatite colestática em lactentes expostos. Assim, Uma pesquisa con1 cerca de 250 casos estudados sugere
icterícia e alterações sono-vigília devem ser n1onitoradas. qL1e a oxcarbazepina, quando utilizada em monoterapia,
11ão parece au1nentar o risco de n1alformações. Outros
:- ...•,..,,,• n~ estudos são necessários, contudo, para se ter uma melhor
L
Dados de segurança relacionados à lamotrigi11a na avaliação dos riscos relacionados a essa medicação duran -
gravidez têrn surgido ein gra11de 11úmero rece11temente. te a gravidez e a lactação. O mesmo vale para os outros
O risco de malformações como L1m todo em neonatos anticonvulsivantes não mencionados neste capítulo.

Lítio • Embora dados recentes sugiram que a incidência de anomalias cardíacas seJa mais baixa do que se pensava,
sugere-se que uma ultrassonografia nas mães que utilizaram lítio no primeiro trimestre seja realizada em torno
da vigésima semana de gestação, com o objetivo de detectar possíveis malformações cardiovasculares, além
de ecocardiografia e eletrocardiograma nos recém-nascidos logo após o parto.
• As concentrações séncas do lítio devem ser monitoradas mensalmente no início da gravidez e semanalmente
próximo ao parto. Deve-se evitar dieta pobre em sal e depleção sódica para prevenir toxicidade pelo lítio.
Ao mesmo tempo, sabe-se que o clearence de lítio aumenta de 50 a 100% na gravidez, retornando ao
normal após o parto. Também após o parto, a mudança rápida dos fluidos maternos por causa de intensa
sudorese, perda do líquido amn1ót1co e de sangue ocorrida no parto pode aumentar marcadamente os
níveis de lítio na mãe, e cuidado especial deve ser tomado em relação à posologia e hidratação.
• A retirada do lítio entre 24 a 48 horas antes do parto resulta numa redução de 0,28 mEq/L na concentração
plasmática materna (e presumivelmente também na fetal). Consequentemente, em partos programados,
caso seja possível clinicamente, recomenda-se a suspensão do tratamento nessas 24 a 48 horas anteriores
ao parto e reintrodução do medicamento logo em seguida. 22
AVP (ácido • Grávidas em uso de AVP podem fazer ultrassonografia d1ngida a defeitos do tubo neural na vigésima semana.
valproico ou • O nível materno de alfafetoprotefna sérica também pode ser um indicador de malformações do tubo neural.
divalproato de • No intuito de m1nim1zar os efeitos da deficiência de fatores da coagulação provocada pelo AVP, que pode
sódio) provocar hemorragia 1ntracerebral no recém-nascido, recomenda-se a administração de 1O a 20 mg de
vitamina K por via oral nas mães que esteJam usando essa medicação a partir da 3& semana de gestação.
• O recém-nascido deve receber 1 mg de vitamina K 1ntramuscular ao nascimento. Esse procedimento
já é feito de rotina nas maternidades brasileiras.
Carbamazep1na • Embora os riscos relacionados ao uso de carbamazepina se1am menores do que os do AVP, sugere-se
que os mesmos cuidados recomendados para gestantes em uso de AVP devem ser seguidos naquelas
em uso de carbamazepina.
Lamotrigína • Embora o risco de malformações pareça ser menor do que com AVP, sugere-se que se faça ultrassonografia
morfológica em torno da vigésima semana.
Oxcarbamazepina • Embora os estudos iniciais não mostrem aumento da chance de malformações congênitas, sugere-se
fazer ultrassonografia morfológica em torno da vigésima semana.

359
Tratado de Saúde Mental da Mulher

inclusive a escassez de pesquisas prospectivas e contro-


O clínico deve discutir com pacie11te, familiares e ladas, além da carência de dados sobre possíveis sequelas
obstetra os riscos e benefícios das medicações durante neurocon1portamentais. SL1gere-se que essa discL1ssão e a
a gravidez e a lactação. O médico deve saber que as decisão do tratamento sejam cuidadosamente docL1men-
categorias do FDA para uso de medicações na gravidez tadas em prontuário.
podem ser falhas, e o tratamento deve considerar as A Tabela 39.5 mostra algumas sugestões para atualiza-
informações clínicas publicadas. O psiquiatra pode ten- ção e busca de informações complementares sobre uso de
tar fazer a paciente entender as limitações dos estudos, medicações na gravidez e na lactação.

1. Avaliar se a terapia medicamentosa pode ser substituída por adequadamente psicoterapia.


2. Considerar a gravidade do transtorno, história pessoal e familiar de evolução da doença.
3. Preferir medicamentos já estudados e sabidamente mais seguros.
4. Preferir monoterapia. Os efeitos de combinação de medicamentos são menos conhecidos.
5. Ter atenção não só aos efeitos teratogênicos, mas também à toxicidade neonatal.
6. Caso tenha havido necessidade de aumentar a dose ao longo da gravidez, deve-se lembrar de retornar às doses pré-
-gravídicas após o parto.
7. Avaliar possibilidade de administrar a medicação a partir do segundo trimestre de gravidez. Durante o primeiro trimestre
de gravidez, acontece praticamente toda a organogênese.
8. Usar a menor dose e pelo menor tempo possível, pois, na maior parte das vezes, os riscos são dependentes da dose; mas
não deixar a mulher exposta a subdoses, o que seria danoso para a mãe e para o bebê.
9. Todos recém-nascidos expostos a medicações no útero ou pelo leite materno devem ser monitorados quanto a efeitos
tóxicos; escolher medicamentos que passem minimamente para o leite durante a lactação.
1O. Programar horário de administração do medicamento à mãe, evitando que o período de concentração máxima no sangue e no
leite materno coincida com o horário da amamentação. Em situações em que a programação de posologia é flexível, a mãe pode
ser orientada a tomar sua medicação imediatamente antes ou após a amamentação, reduzindo, assim, a exposição do bebê .

Gravidez-segura http://gravidez- No Gravidez-segura, encontram-se informações para médicos e pacientes


Vinculado ao SIAT segura.org/ (cônjuges e familiares) sobre os efeitos na gestação de medicamentos e de
(Sistema Nacional de outros agentes físicos, químicos e biológicos.
Informações sobre
Teratógenos, Brasil)
Reprotox www.reprotox.org Apresenta um resumo com os principais efeitos de medicamentos,
produtos químicos, infecções e agentes físicos na gestação, reprodução e
desenvolvimento.
TERIS http://depts. É uma base de dados formatada para aux11íar médicos ou outros
Teratogen wash1ngton.edu/ profissionais da saúde na avaliação dos riscos de possíveis exposições
lnformat,on System terisweb/teris/index. teratogênicas em gestantes.
html
TOXNET http://toxnet.nlm. É um conjunto de bases de dados que abrange toxicologia, produtos
TOX1cology Data nih.gov químicos perigosos, saúde ambiental e áreas afins.
NETwork

(Continua)

360
Capítulo 39 - Psicofarmacolog1a durante a gravidez e a lactação

,
LACTMED http ://toxnet. nIm. E uma base de dados de drogas e outras substâncias às quais as mães
nih. gov/cg1-bin/sis/ podem estar expostas durante a lactação. Inclui informações sobre níveis
htmlgen ?LACT de substc'.:inc1as no leite e sangue do recém-nascido e seus possíveis efeitos
adversos na amamentação. Fornece as declarações da Academia de
Ped1atr1a Americana sobre a compatibilidade da amamentação e sugere
alternativas terapêuticas aos medicamentos quanto indicado.
DART http ://toxnet. nIm. É uma base de dados que abrange a teratologia e a literatura de
Developmental nih .gov/cg1-bin/s1s/ desenvolvimento e toxicologia com publicações a partir de 1950.
and Reproductíve htmlgen ?DARTETIC.
Toxicology Database htm
Motherisk www.motherisk.org É uma instituição assistencial, de pesquisa e de ensino dedicada ao
Programa realizado aconselhamento pré-natal sobre drogas, produtos químicos e doenças.
no Hospital for Fornece informações baseadas em evidências e guias sobre a segurança ou
Sick Children, em risco da exposição do feto ou recém-nascido a diversos produtos químicos,
Toronto, Canadá doenças ou agentes ambientais.

Einarson A, Koren G. Nev.' antidepressants in pregnancy. Can Fan1


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361
Tratamentos biológicos para
transtornos mentais da
mulher: a EMTr e a ECT
no tratamento da
depressão na gestação
Marco Antonio Marcolin
Renata Sciorilli Camacho
Angelina Maria Freire Gonçalves
Martin Luiz Myczkowski

-
INTRODUÇAO A ECT (eletroconvulsoterapia) é uma opção ampla-
Recentemente, pôde-se observar um aun1ento no núme- mente discutida e pode trazer muitos benefícios, mas
ro de publicações e novos estudos referentes ao tratamento apresenta alguns inconvenientes, como a necessidade do
da depressão na gestação. Esse é um tema complexo que uso de anestésicos e o deficit cog11itivo posterior às aplica-
requer atenção especial, em razão do impacto negativo ções, bem como o risco de ocorrerem co11vulsões durante
que o transtorno depressivo pode ocasionar tanto na mãe e as aplicações.
na gestação como no bebê. Por esse motivo, cada vez mais Vários estudos demonstram a eficácia da EMTr (esti-
se tem dado importância ao tema, até mesmo em termos mulação magnética transcraniana repetitiva) na depres-
de saúde pública. são, tanto em nosso meio quanto em outros centros de
.
Estima-se uma prevalência de depressão na gravidez pesquisa.
da ordem de 7,4% no primeiro, 12,8% no segundo e 12% A EMT é um procedimento localizado que ati11ge
no terceiro trimestre; no entanto, apenas 18% das mães apenas até 3 cm do córtex e, portanto, não atinge o feto,
deprimidas procuram tratamento. podendo ser uma alternativa eficaz e segura para o trata-
Um estudo com 1.558 mulheres detectou 17% das mento da depressão em gestantes.
gestantes com sintomas significativos para depressão na . -
gestação tardia, 18% no puerpério imediato e 13% entre TRATAMENTO FARMACOLOGICO DA DEPRESSAO
-
a sexta e a oitava semanas do puerpério. O mesmo valor NA GESTAÇAO
(13%) foi encontrado no sexto mês do puerpério. A decisão de oferecer tratamentos biológicos às gestan-
Estudos recentes revelaram qt1e transtornos psiquiátri- tes deve sempre considerar os riscos e benefícios de cada
cos subdiagnosticados e não tratados em gestantes podem caso em particular e envolver uma interação constante
levar a graves consequências materno-fetais, até mesmo entre a paciente, sua família, o obstetra e o psiquiatra.
durante o trabalho de parto. Por exemplo, mulheres com Além da preocupação médica com o problema, são muito
diagnóstico de esquizofrenia ou depressão maior apresenta- relevantes os cuidados sociais, comumente envolvidos com o
ram elevado risco para complicações na gravidez, trabalho desenvolvimento da depressão no período gestacional.
de parto e período neonatal. Entre essas complicações, há Devem ser medicadas aquelas pacientes que apresen-
anormalidades placentárias, hen1orragias e sofrimento fetal. tam prejuízos no seu bem-estar, nas atividades sociais e
O tratamento farmacológico é uma das possibilidades; familiares ou até n1esn10 no ato de cuidar da sua gestação
no entanto, sempre oferece algum risco, visto que todos de maneira adequada, podendo levar a prejuízos no tra-
os antidepressivos atravessam a placenta e pode1n levar a balho de parto e na saúde de seu bebê. Schou (1998), na
malformações ou, mais tardiamente, a alterações compor- Dinamarca, reco1nenda avaliar a relação risco-benefício
tamentais ou de desenvolvimento nos filhos das pacientes do tratamento antidepressivo durante e depois da gravi-
tratadas com essa modalidade de terapia. dez, e considera o uso um fator de baixo risco.
Tratado de Saúde Mental da Mulher

Wisner e cols. (2000) publicaram Lima importante re\'i- possa \'ir ao tratame11to desacorr1pa11hada, e a necessidade
são a respeito do uso de psicotrópicos na gestação. Entre do jejum, que pode trazer prejuízos à mull1er grá,,ida e ao
os vários co11ceitos levantados por essa equipe, esta\ am a
1
feto em desen,rol\rime11to.
essencialidade do consentimento informado e o respeito En1 2007, um artigo questionot1 a segt1rança da ECT
pelos \'alores e preferências da pacie11te por parte do mé- ao relatar t1n1 caso de uma gestante st1bn1etida a esse
dico, que sen1pre colocará com clareza sua experiência tratan1ento e qt1e apresentou t1111 recém-nascido con1 n1úl-
na discussão; a paciente será convocada a participar da tiplos infartos cerebrais. Uma re\•isão de artigos de 1966
melhor forma possível da decisão. a 2007 constatou que não há nenhun1 estudo prospectivo
As opções de tratamento são oferecidas, incluindo- e controlado, havendo apenas três relatos demonstrando
-se a de não tratar. Entre as opções estão os tratamentos que não haveria nenhum efeito noci\'O a lo11go prazo nos
biológicos (os medicamentos são descritos levando-se em filhos das n1àes submetidas à ECT.
co11sideração SL1a eficácia e os riscos particulares para mãe Em 300 casos relatados entre os anos de 1942 e 1991,
e feto). Os possíveis riscos envol\ em a toxicidade fetal,
1
encontrou-se risco ao redor de 9% para complicações
considerando-se a morte intrauteri11a, malforn1ações físi- como arritmias cardíacas fetais (cinco casos) e sangra-
cas, prejuízos de crescimento, teratogenicidade co1nporta- mento \'aginal (cinco casos), dois casos de contrações ute-
mental e toxicidade 11eonatal. rinas, quatro trabalhos de parto prematt1ros, ci11co casos
De\'e ser informado à gestante que o ato de não tratar de abortan1ento, três casos de n1orte fetal ou natin1orto,
poderá trazer muito mais danos ao feto em razão do um caso de estresse respiratório neo11atal e cinco casos de
estresse e dos efeitos sobre o eixo hipotálamo-hipófise- teratogenicidade.
-adrenal, con1 aumento de cortisoides e dar1os ao feto. Assim, pode-se conclt1ir qt1e ai11da não há t1m método
Situações extre1nas, con10 tentativa ou risco elevado de totalmente eficaz e seguro, e apesar de a ECT ser conside-
suicídio ou um estado psicótico no qual a paciente não rada segura, ainda necessita de mais estudos para que se
responde, até mesmo do po11to de \'ista legal, pelos seus possa tirar co11clusões 111ais precisas.
atos, te11derão à decisão por se tratar compulsoriamente.

Apenas 18% das gestantes com transtor110 depressivo


A ECT é considerada tratamento de escolha em algu11s n1aior procuram tratan1ento, e a paciente que apresenta
casos de depressão na gestação, por exemplo, nos casos depressão na gestação é considerada uma gestante de alto
mais graves. Episódios depressivos com ideias suicidas, risco. Há riscos em não se tratar a paciente, co1110 precá-
quadros de mania, catato11ia ou psicose pode111 11ecessitar rios ct1idados pessoais por parte da mãe e consequências
de i11ternação, e freqL1entemente o tratamento de escolha para o feto e a criança.
nesses casos é a ECT. Duas revisões recentes constataram As complicações da gravidez com depressão tambén1
que seu uso é seguro e eficaz durante a gestação Não hou- incluem baixo ganho de peso; baixa aderência ao pré-
ve nenhum caso de ruptura prematura de placenta. -natal; aumento do uso de substâncias e prematuridade.
O risco é 1nínimo durante a gravidez, tanto em rela- Alguns estudos associam estresse, depressão e ansiedade
ção à própria ECT como em relação aos medicamentos durante o parto a baixo peso ao nascer, me11ores índices de
utilizados durante o procedimento, fazendo da ECT t11n Apgar e perímetro cefálico do recém-nascido diminuído.
recurso útil no tratamento de transtornos psiquiátricos A depressão na gestação ta1nbém é uni importante fator
em gestantes. Maletzky (2004) realizou um estudo de re\ i- 1
de risco para depressão pós-parto, levando a consequê11cias
são de 27 casos, descrevendo que em quatro desses casos qL1e nos casos mais graves podem chegar ao infanticídio.
a condição de gestante foi a principal indicação para a A opção de tratar também aprese11ta seus riscos. En1
escolha de ECT como medida terapêutica. Essa escolha se relação às opções de tratame11to, ainda não há uni n1étodo
deu dessa escolha foi em função da segurança do método totalmente eficaz e seguro, visto que, para o tratan1e11to
em relação aos riscos que podem haver quando ocorren1 farmacológico, a teratogenicidade ainda é incerta, mas
transtornos depressivos nessa fase. A ECT seria um pro- estudos st1gerem que possa haver cardiotoxicidade com
cedi1nento adequado também como alternativa à far1na- paroxetina; hipertensão pulmonar no neonato com ISRS
coterapia co11vencional às mulheres qL1e não poderiam ser (i11ibidores seletivos da recaptura da serotonina) e pren1a-
expostas a determinados tipos de medicações durante a turidade com antidepressivos em geral.
gravidez, ou àquelas que não responderam ao trata1nento Pode-se concluir então qt1e nenhu1na escolha é livre de
farn1acológico. risco, e, porta11to, o trata1nento dessas pacientes deve levar
No entanto, a ECT ten1 alguns inconvenientes, como en1 consideração a relação risco-benefício, considerando-
a necessidade do uso de a11estésicos e aparato hospitalar, a -se cada caso em particular e optando pelo trata1nento
possibilidade de ocorreren1 convulsões, o deficit cognitivo que traria menos prejuízos à mãe e ao feto em desen\rolvi-
posterior às aplicações, que faz con1 que a paciente não me11lo, visando a uma gestação o 1nais saudável possível.

364
Capítulo 40 - Tratamentos biológicos para transtornos mentais da mulher:
a EMTr e a ECT no tratamento da depressão na gestação

Un1a opção à tàrn1acoterapia e à ECT poderia ser a 1.200 pulsos de estímulo no total, sendo L1n1a aplicação
Ei\t1T, qLte teria a vantage1n de 11ão 11ecessitar de drogas por dia em duas semanas de tratamento. Não foi utilizada
a11estésicas, não levar a prejuízos cognitivos (portanto, nenhun1a medicação durante o tratamento. Para avalia-
a paciente pode ir desacompanhada), não necessitar de ção dos resultados, utilizou-se a escala de Han1ilton para
jejum e ter risco 111enor de causar convulsões do que a depressão de 24 itens. O escore caiu de 35 para 12, e a
ECT. Essa téc11ica seria, portanto, ainda mais inócua ao pacie11te foi considerada eutímica; no entanto, hou,,e uma
feto, levando-se em consideração que o tratamento apro- recaída em dois meses. Foi, então, submetida a outra ses-
priado para a depressão na gestação seria aquele capaz de são de tratan1ento, no córtex pré-frontal dorsolateral es-
oferecer 111aior segurança à mãe, ao feto e, posteriorn1en- qL1erdo e direito (em razão da ansiedade), ocorrendo uma
te, à criança, minin1iza11do-se os riscos e aumentando os nova remissão, e uma última recaída 2,5 meses depois.
be11efícios. A paciente foi, portanto, submetida a mais oito aplicações
A EMT é uma téc11ica segura, por meio da qual se utili- com bons resultados, e o filho nasceu saudável. Nesse
za um campo eletromag11ético para ir1duzir a passagen1 da caso, observaram-se sua segurança e eficácia, e mostrou-
corrente elétrica através do tecido cortical cerebral, resul- -se tan1bém a in1portância da manutenção na EMT, o que
tando nun1a despolarização neuronal, a qual se mo,,e para já é conhecido nesse tipo de tratamento.
estrL1turas sL1bcorticais através de transmissão sináptica. Há 11a literatura mais um estudo no qual o autor sugere
A E:tv1T é localizada e atinge apenas até três centíme- a EMT como alter11ati,1a para o tratamento não farmaco-
tros do córtex; portanto, 11ão atinge o feto, podendo ser lógico da depressão 11a gestação, além de sugerir também
un1a alternativa eficaz e segura para o tratamento da de- outras n1edidas alternativas como atividades físicas, foto-
pressão en1 gestantes. terapia e acupuntura.
O prin1eiro relato de caso no qual a EMT foi utilizada ,
co1no tratamento da depressão 11a gestação te,1e um resul- ABORDAGEM PEDIATRICA
tado positivo, ou seja, l1ouve n1elhora do quadro clínico da Apesar de a gestação ser 11or1nalmente co11siderada
pacie11te, qL1e tinha 36 anos e estava no segundo trimestre un1 período de ben1-estar en1ocional e de se esperar que
da gestação. Utilizou-se uma frequê11cia de 5 Hz, cinco a chegada da maternidade seja um momento jubiloso
segu11dos de estímulo, 25 segundos de intervalo durante 11a vida da mulher, o período peri11atal 11ão a protege de
vinte mi11utos, a 100% do limiar motor. Foram realizados transtornos do hL11nor. Na gestação e no puerpério, ocor-
quatorze dias de trata1ne11to durante três semanas. Con10 rem i11ún1eras alterações físicas, hor1nonais, psíquicas e de
resultado, encontrou-se boa tolerabilidade e ren1issão do ir1serção social que podem refletir diretamente 11a saúde
quadro clínico (tratava-se de un1a depressão ansiosa), e o n1ental dessas pacientes e, consequentemente, de seus
filho nasceu saudá,,el. filhos. Segundo Kessler e cols. ( 1997), uma a cada cinco
Os autores enfatizan1 a in1portância de oferecer un1 n1ulheres apresentarão um episódio de depressão 1naior
tratame11to seguro para a mãe e para o feto e1n dese11vol- durante a vida, sobretudo na faixa etária de 20 a 40 anos,
vimento. Nesse caso em particular, a paciente apresentou co1n n1aior probabilidade dura11te a gra,1 idez.
boa tolerâ11cia ao tratan1e11to e boa resposta terapêutica, Alguns estL1dos sugerem que 10 a 16% das grávidas
que foi atribuída pelos autores a diversos fatores, entre preenchem critérios diagnósticos de depressão maior.
eles o n1ecanis1110 por meio do qual a EMT afeta o n1eta- Além disso, cada vez n1ais se observam sintomas subclí-
bolismo cerebral. 11icos, frequenten1ente negligenciados, incorrendo e1n
Co11cluiL1-se qL1e a EMT, em condições cor1troladas e riscos para a 1nãe e o feto em dese11volvimento. Segundo
con1 parâmetros de estin1ulação be111 definidos, co11siste ivlarcus e cols. (2003), 869'o das grávidas com quadro
em un1 111étodo seguro para a 111ãe e o feto. depressivo 11ão recebe1n qualquer tratamento, refletindo
A EMT seria mais segura do que os antidepressivos, ainda o estigma que gira em torno do diagnóstico. Nesses
que atra,·essam a placenta e aprese11ta111 algum risco, casos, o acompar1hame11to pré-natal deveria incluir uma
podendo levar a efeitos con10 a teratogê11ese, toxicidade equipe co1nposta não só pelo obstetra, n1as também por
neonatal OLl alterações con1portan1entais e cognitivas nas psiquiatra e pediatra.
crianças das mães tratadas com esse 1nétodo. Evidências sugeren1 que a depressão pós-parto se ini-
Em 2008, outro estudo apontou a EMT con10 uma cia durante a gra, idez. Desde que a depressão n1aterna
1

alternativa possível para a depressão na gestação como estabelece papel significativo no desenvolvimento da
alternativa à Ec1·, apesar dos poucos relatos de casos cria11ça, a detecção precoce e a 1nanute11ção de humor
publicados. eutímico 1naterno são fundan1entais no sentido de evitar
Em 201 O, hou\'e outro relato de caso de u111a gestante complicações ao 11ascimento e período 11eonatal, alén1 de
,., . . . . . .
de 28 anos con1 tra11storno depressivo n1aior e que estava conseque11c1as cogn1t1vas, emoc1ona1s e con1porta111enta1s
110 segundo trimestre da gestação. Fora111 utilizados como em longo prazo.
parân1etros de estin1ulação: 1 Hz de frequência, 90% do A abordage1n terapêutica da depressão durante a gravi-
li111iar motor, 20 segundos de intervalo entre as séries, dez inclui psicoterapia, n1edicações antidepressivas e ECT.

365
Tratado de Saúde Mental da Mulher

Con10 exposto previan1ente, unia possibilidade a se nal (PIGs = < IOºlo); alen1 disso, há maior ocorrência de
considerar en1 casos de depressão de moderada a gra\'e é pré-eclan1psia e hipertensão gestacional.
a utilização da EN1Tr (estin1ulação magnética tra11scrania Neonatos ct1jas n1ães se aprese11ta111 deprimidas dura11-
na). O método, que consiste em estín1ulos repetidos e111 te a gravidez tê1n altos 111,·eis de cortisol ao nasci1ne11to,
região pré-frontal esquerda, vem sendo avaliado desde aun1e11to da atividade fro11tal ao EEG, di111inuição da
1993. A partir de então, t1n1a série de estudos demons- resposta ,·agal e aun1ento da freqtiência cardíaca. São
traram t11n efeito antidepressivo significati\'o e maior do cria11ças mais chorosas e com sono irregular. Alé1n disso,
que o tratame11to sha1n (controle com bobinas inati\ as).1 a ansiedade a11tenatal relaciona-se a distúrbios con1porta-
Apro\1ada pela FDA (Food and Drt1g Administration ), mentais e en1ocionais em pré-escolares.
em 2008, a principio para casos em que se obser\'OU tà- i\llulheres 11ão tratadas tên1 maior risco de depressão
lê11cia de tratamento, vem se mostrando u111a alternativa pós-parto, acarretando menor capacidade para as obri-
potencial, tendo em \'ista ação localizada, poucos efeitos gações n1ater11as e 111enor ,,ínculo con1 seus filhos. Para a
colaterais e baixo risco fetal. Até o mon1e11to, existem seis mãe deprimida, os cuidados con1 o recén1-nascido pode1n
relatos de casos pL1blicados relacionados ao uso durante a ser opressi,,os, le,·ando a estresse, ansiedade, se11timentos
gravidez. Em todos, a terapêutica foi segura para o dese11- de isolamento e falta de sincronicidade das relações e11tre
- . .
a mae, pai e criança.
\'0l\·in1ento fetal e efetiva para o tratamento da depressão.
No entanto, alén1 da an1ostragem pequena, 11ão há se- Reações e111ocionais negati\·as de mães deprimidas
guin1ento a longo prazo das crianças expostas. Segundo levan1 a reações de 1nedo na cria11ça, acarretando, en1
trabalho realizado por n1eio de questionários aplicados a longo prazo, prejt1ízo en1ocional e cogniti,,o, sobretudo
grá\•idas em centros médicos, com esclarecimento do n1é- 11a area da linguagem. De maneira geral, são crianças
todo de Etv1Tr como alternativa terapêutica, observou-se mais agitadas, chorosas, irritadiças, com distúrbios de
un1a melhor aceitação por parte das 1nulheres investiga- sono (menor tempo de sono profundo); ,,ocalizan1 pot1co
das, sugerindo que o desconhecir11ento cat1sa insegura11ça e têm n1enos expressões faciais positi, as se co1nparadas a
1

qL1anto ao seu LISO por parte das pacientes. filhos de mães 11ão deprimidas. Para crianças expostas nos
Estudos recentes relatam a frequência con1 que grávi- primeiros quatro meses de ,,ida a Llm ambie11te em que
das optam por evitar ou descontinuar medican1e11tos a11ti- a mãe apresenta-se depri1nida, mesmo que depois essa
depressivos dura11te a gestação, por n1edo de danos a seus inicie tratamento, a te11dência é qt1e os sintomas descritos
filhos. Segundo Cohen e cols. (2006), 68% apresentan1 acima se 1nantenham.
recidi,•a do qt1adro depressivo quando há suspe11são de O temperamento i11fa11til pode ser definido co1110 o
terapêutica pré, ia, contra 26°10 das que conti11t1am o uso.
1 estilo comportamental resultante da relação e11tre o 1neio
A depressão não tratada ou não diagnosticada afeta e os cL1idados recebidos. No enta11to, a maneira con10 o
o co111portan1ento materno e sua habilidade de obter ten1peran1ento é exibido e percebido afeta o desenvol,,i-
ct1idados, favorecendo cornportamentos de risco, como mento das relações entre mãe e criança. Vários estudos
pré-natal irregular, má nutrição, con1 conseqt1ente baixo sugeren1 que alterações associadas ao humor n1aterno
ganho de peso e retardo de crescimento fetal intrauteri110, alteran1 a percepção das características da criança. De
uso de álcool, cigarro e st1bstâ11cias ilícitas, deterioração maneira geral, n1ães deprimidas revelam maior difict1lda-
da função social e emocional, maior risco de autoagres- de quanto à percepção do temperamento de set1s filhos se
são e atitudes que possan1 afetar a gravidez, chegando con1paradas às 1nães não deprimidas.
ainda à possibilidade de suicídio. Essas mulheres são n1ais A avaliação do temperamento infantil pode ser feita
sintomáticas, referindo 1nais dor, desconforto durante a por meio de um questionário de características da criança
gravidez, mais náL1seas, epigastralgia, sinton1as gastroi11- (ICQ - Infa11t Characteristics Questio11naire), desen-
testinais e tontura. Gestantes deprimidas requeren1 partos volvido por Bates e cols. em 1979. Aplicado aos pais ou
mais prolongados e dolorosos, com maior necessidade de cuidadores, aborda basicamente dificuldades de tempera-
analgesia peridural. mento pela identificação de quatro subescalas en1 que são
Observa-se, ainda, 1naior ocorrência de abortos es- analisadas difict1ldade, impropriedade, apatia e imprevi-
pontâneos, aumento da resistência da artéria uterina, sibilidade, \ isando às idades de 6, 13 e 24 1neses. Mães
1

n1icrocefalia, escore de Apgar baixo e necessidade de cui- deprimidas e seus parceiros apresentam tima percepção
dados neonatais. Algt1ns estudos st1geren1 qtie a depressão maior de crianças temperamentais por meio de resultados
materna, sobretudo no segundo e terceiro trimestres da com escore ICQ mais altos.
gravidez, leve à alteração do eixo neuroendócri110 mater- Com relação ao tratamento farn1acológico, os ISRS são
no, com aumento da liberação de hormônios vasoativos os mais comumente utilizados. Todos atra,,essam a pla-
en1 nível hipotalâmico, pituitário e placentário, alterando centa, atingem o líquido amniótico, aun1e11tando o risco
o fluxo sanguíneo uterino e resultando em partos prema- de teratogê11ese, sobretudo se usados no primeiro trimes-
turos (< 37 sema11as), recém-nascidos de baixo peso ao tre da gestação. Preconiza-se n1011oterapia, já que a asso-
nascin1ento (< 2.500 g) Oll peqtienos para idade gestacio- ciação de drogas le,,a a Lima ex~1osição fetal ainda 1naior.

366
Capítulo 40 - Tratamentos biológicos para transtornos mentais da mulher:
a EMTr e a ECT no tratamento da depressão na gestação

De acordo con1 alguns estudos, a frequência de abortos passagem pequena atra,,és do leite, possibilitando uma
espontâneos correlacionada ao tratamento n1edicame11to- maior segurança quanto ao seu uso.
so, 11a verdade, pode ser un1a 1nanifestação da depressão A ECT é considerada segura e efetiva no trata1nento
por si só. Com relação aos efeitos teratogênicos, existe de transtornos graves de humor durante a gravidez, sen-
uma controvérsia grande entre os trabalhos publicados. do u1na alternativa quando l1á fall1a terapêt1tica medica-
O uso de flL1oxetina está associado a anomalias n1enores mentosa. Consiste 11a indução de tima crise comicial sob
como sindactilia, segundo Chambers e cols. ( 1996); pa- anestesia geral. Várias sessões são 11ecessárias. Andersen
roxetina, de acordo com re,,isão desen,,olvida por Glaxo e Reti (2009), em u1n trabalho de revisão de literatura
Sn1ithKline e1n 2005, aumenta em 1,5 a 2 ,,ezes o risco de abrangendo os períodos de 1941 a 2007, a11alisaram 339
1nalformações cardíacas, sobretudo septais. casos. Do total, 78% apresentaran1 ren1issão ao rnenos
No e11ta11to, mais recenten1ente de1nonstrou-se que a parcial dos si11tomas depressivos. Ocorreram 25 casos
frequência de malformações cardíacas em crianças expos- de complicações fetais ou 11eonatais, sendo pelo n1enos
tas no primeiro tri1nestre à paroxeti11a é a mes1na das não onze relacionadas à ECT, inclusive dois óbitos. Verifica-
expostas. De qualquer forn1a, nesses casos recomenda-se ran1-se vi11te casos de complicações maternas, sendo oito
o acompanhamento fetal com ecocardiogra1na. Toe Na- relacionadas à ECT.
tional Birth Defects Prevention Study (2007) enco11trou De acordo con1 algu11s estudos, as alterações materno-
associação entre ISRS, sobretudo paroxetina, no primeiro -fetais associadas à ECT podem ser divididas de acordo
trimestre e ocorrência de cranioestenose, onfalocele, com o período gestacio11al. Assin1, durante o primeiro
anencefalia e microcefalia. Outro estudo, desen,,olvido trimestre, observan1-se mais comume11te metrorragia,
pela Slone Epide111iology Ce11ter Birth Defects Study, falso aborto espontâneo e cistos pulmonares; durante o
correlaciona sertralina a maior incidê11cia de onfalocele. segundo trin1estre, observan1-se morte neo11atal, 111alfor-
O L1so de ISRS durante o terceiro trimestre de gestação mações co1110 hipertelurisn10, atrofia óptica, retardo men-
está associado à síndrome de baixa adaptação 11eonatal em tal, dificuldade respiratória, bradicardia fetal e hemat(1ria,
30% dos casos. O primeiro relato de caso ren1onta o ano alén1 de metrorragia e falso aborto; no terceiro trimestre,
de 1973 (Webster e cols.). Ainda permanece incerto se o contrações ltterinas, parto pren1aturo, dor abdominal,
mecanismo de ação está relacionado à toxicidade da dro- placenta prévia e infarto cerebral fetal. Diante o exposto,
ga Olt a sua retirada. Outros sinônimos empregados são essa forma de trata1nento deve ser revista e a,,aliada caso
"síndrome de abstinência neonatal" ou "síndrome neu- a caso, con1 acompanhando da gesta11te en, an1biente
rocon1porta111ental neonatal': Caracteriza-se por quadro hospitalar.
autolimitado de taquicardia, l1ipoto11ia, vô111itos, hipogli-
ce1nia, irritabilidade, choro inconsolável, dificuldade de ABORDAGEM COGNITIVO-SOCIAL
alimentação, con,rulsões, distúrbios de sono, desconforto A EMT, especialn1ente quando utilizada de forn1a re-
respiratório e tren1ores finos, implicando em aumento de petida (EMTr), tem sido investigada, há mais de 10 anos,
cuidados intensivos neonatais. como n1étodo terapêutico para várias condições, como, por
Chambers e cols. (2006) observaram que 1º«> das exemplo, transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno de
crianças expostas a ISRS depois da vigésima se111ana estresse pós-traumático, síndrome de Tourette, esquizofre-
de gestação apresentan1 risco de hipertensão pulmo11ar nia etc. Porén1, a maior parte das pesquisas concentra-se na
persistente. Na popLtlação geral, é um quadro bastante terapêutica dos transtornos depressivos isoladan1ente ou
raro, com uma frequê11cia de um a dois recém-nascidos en1 co1nparação cor11 medicações antidepressivas. A EMTr
para cada 1.000 l1abitantes. Caracteriza-se por alteração foi comparada à ECT e investigada como coadjuva11te para
vascltlar pulmonar, levando à hipoxemia, insuficiência acelerar e potencializar a resposta a antidepressivos.
respiratória grave e necessidade de suporte respiratório. A introdução da EMT como técnica em neurofisiolo-
A taxa de óbito gira en1 torno de 1O a 20%. gia, neurologia, psiquiatria e outras áreas das neurociên-
O uso de farmacoterapia no período puerperal en1 cias difundiu-se, tanto na área clínica como de pesquisa.
mães que a111ame11tam deve le,1ar e111 conta o balanço A EMT estin1ula o córtex cerebral humano de modo
entre os possíveis efeitos ao recen1-nascido (sabe-se que seguro e não i11vasi, 0 e quando comparada à estimulação
1

todas as drogas em uso, em especial as ISRS, passam elétrica transcraniana, apresenta a vantagen1 de ser técni-
para o leite n1aterno), con10 toxicidade à droga e altera- ca praticame11te indolor.
ções comportamentais em longo prazo, contra o risco Estudos demonstram ql1e a ENITr pode n1odL1lar a
para 1nãe e para a criança de não se tratar o distúrbio de excitabilidade neuronal cortical e induzir modificações
humor. Entre as ISRS, a fluoxetina atinge altos níveis no funcionais em algumas áreas corticais relacionadas às
leite, com meia-vida longa, le,,ando a acún1ulo 110 sangue funções se11siti, as, motoras e cognitivas.
1

da criança (i11clusive de seu metabólito, a 11orfluoxetina), A EivIT \'em sendo utilizada en1 diversos estudos ex-
acarretando cólicas, choro intenso e vô1nitos. De outro perimentais nos quais se pode observar correlações entre
modo, estudos con1 sertrali11a e paroxetina revelar11 Lima funções cogniti\ras e áreas corticais específicas. Baterias

367
Tratado de Saúde Mental da Mulher

neuropsicológicas completas vên1 sendo incluídas nos Para a,,aliação dos fatores cognitivos, foi utilizada a
estt1dos de EMT como fonte de informações a respeito da segui11te bateria de testes neuropsicológicos: WCST (teste
segurança, ações específicas e eficácia dessa técnica. Diver- de vVisconsin de classificação de cartas); WAIS III (escala
sos estudos mostram que essa técnica é segura e pode, ain- de inteligência Wechsler para adultos, terceira edição),
da ocasionar um aumento da performance cognitiva dos subtestes semelhanças, completar figuras, dígitos ordem
pacientes submetidos ao tratamento co1n EMT. A EMT direta/inversa e códigos; RAVLT (teste auditivo verbal de
utilizada em altas frequências passou a ser un1a técnica Rey); teste de trilhas - A/B; teste de Stroop - versão Vic-
neuromoduladora das funções mentais, sendo capaz 11ào toria; e FAS (teste de flt1ência verbal) - categoria Anin1al.
só de recuperá-las co1no também de melhorá-las. Fi11almente, para avaliação dos fatores sociais, foi uti-
Recentemente, a EMTr tem sido estudada como alter- lizada a EAS (escala de adeq11ação social) de vVeissman e
nativa para o tratamento da DPP (depressão pós-parto), Both\vell.
qt1e acomete de 1Oa 20% das pt1érperas. Em estudo trans- Os resultados apontam para un1a melhora significativa
versal brasileiro, com mulheres no 10° dia de puerpério, do quadro depressivo-ansioso, aparato emocio11al-ocupa-
foi encontrada prevalência de 16% de sintomas depressi- cional e qualidade de vida, mesmo após duas semanas do
vos. Nesse período, o nún1ero de internações psiqt1iátricas término do tratamento e, no que dizem respeito às funções
é sete vezes maior do que a média de internações dura11te cognitivas, as puérperas passaran1 a desenvol,,er melhores
toda a gestação. condições de memorização e aprendizagem, flexibilidade
Os transtornos depressivos, em geral, desencadeiam e agilidade mental, psicomotricidade, rapidez e atenção.
substanciais prejuízos a ,,árias funções cognitivas, o que Também, a EMTr e/ou o efeito antidepressivo desta
não é diferente na DPP. Isso gera condições comporta- passot1 a consolidar uma melhora em alguns aspectos
mentais prejudiciais na co11duta das mães no cuidado com comportamentais no âmbito social das pacientes, o que
seus bebês, que passam a sofrer consequências negativas refletiL1 em uma mell1or qualidade dos relacionan1entos
diretas em seu desenvolvin1e11to. Além disso, essas mulhe- interfamiliares. Essa melhora é de ft1ndan1ental importân-
res apresentam uma adequação social bastante acometida, cia para o bem-estar da mãe e, conseque11temente, para o
principalmente na dinâmica de seus relacionamentos desenvolvi1nento neuropsicomotor, afetivo e comporta-
interpessoais. mental do bebê. Isso trará desdobramentos qt1e poderão
O tratamento para DPP envolve, principalme11te, a utili- perdurar por toda uma vida para essa criança.
zação de antidepressivos e/ou psicoterapia, porém as medi- Alén1 disso, considerando a segurança da EMT, já am-
cações podem levar à toxidade do bebê por meio da ama- plamente comprovada em outros estudos, e o benefício
mentação. Sendo, assim, a EMTr, considerada t1ma técnica da não toxidade farmacológica via amamentação, essa
segura e de eficácia terapêutica compro,,ada para depressão, técnica poderá, por meio da comprovação co11statada e
torr1a-se uma alternativa com grandes possibilidades de efi- tambén1 pela replicação de est11dos semelha11tes, ser usa-
cácia para o tratamento desse quadro, com a vantagem da da com eficácia e segurança en1 pacientes com episódio
preservação segura do benefício da amamentação. depressivo no pós-parto e, da mesma maneira, ser empre-
Myczkowski e cols., em estudo controlado, randomiza- gada para o tratamento da depressão durante a gestação,
do e duplo-cego, avaliaram a eficácia da EMTr nessa ma- impedindo a intensificação dos sintomas e cronificação
nifestação de alteração de humor, abordando os aspectos do episódio depressivo como fator de risco no pós-parto.
clínicos, cognitivos e sociais e1n quatorze puérperas. A EMT fornece i11formações valiosas sobre a anatomia
Os parâmetros de estimulação utilizados foram os se- e fisiologia de vários circuitos 11e11ronais. É instrun1ento
guintes: intensidade de 120% do limiar motor, freqt1ência que provavelmente se tornará indispensável no diagnós-
de 5 Hz, 10 segundos de duração da série, 20 segundos de tico e na terapêtitica neuropsiquiátrica. Cli11icamente, a
intervalo entre as séries, 25 séries por sessão, totalizando EMT é alternativa ao ECT em casos de depressões graves
2.500 estímulos por sessão, 20 sessões, co1n aplicação no e refratárias, podendo pote11cializar ou constituir alterna-
córtex pré-frontal dorsolateral esqt1erdo. tiva à farmacoterapia, particularmente porque seu perfil
As pacientes foram acompanhadas dura11te seis sema- de efeitos colaterais é benigno.
nas e avaliadas, imediatamente, a11tes do início do trata- A EMT não implica a necessidade de anestesia ou
mento, após a vigésima sessão de EMTr e duas sema11as indução de convulsões e não indt1z sequelas cognitivas.
após o término do mesmo. Para avaliação dos fatores Diante do prolongado período de latência para o início
clínicos, foram utilizados os seg11intes instrumentos: da resposta às drogas antidepressivas, além dos possíveis
HAMD (escala de depressão de Han1ilton - 17 itens); efeitos colaterais e potencial de toxidade, a EMT pode
EPDS (escala de Edinburgh para depressão pós-parto); atuar con10 agente acelerador da resposta farmacológica.
HAMA (escala de ansiedade de Hamilton); GAS (escala Trata-se de Ltm instrume11to útil para mapeamento de
de avaliação global do funcionan1ento psicossocial); CGI áreas do córtex cerebral, com potencialidade para induzir
(escala de impressão clínica global); e SF-36 (questio11ário alterações plásticas, que podem facilitar a reabilitação e
de qualidade de vida). o tratamento de pacientes com vários tipos de alterações

368
Capítulo 40 - Tratamentos biológicos para transtornos mentais da mulher:
a EMTr e a ECT no tratamento da depressão na gestação

Cooper PJ, Campbell EA, Day A, Bond A. Non-psychotic psychi-


relacionadas ao SNC, sendo, portanto, tarnbém un1a al-
atric disorder after childbirth. A prospective study of prevalence,
ternativa de tratamento para ,,ários distúrbios comuns à ÍI1cidence, course and nature. Br J Psychiatry. l 988 Jun; 152: 799-806.
11atureza de gênero femi11ino.
Edhborg M, i'v1atthiesen A, Lundh W, \t\1idstron1 A. Son1e early indi-
Atualn1e11te, a EMT ve111 sendo pesquisada intensa- cators for depressive sympton1s and bondimg 2 n1onths postpartum-
n1ente, e os métodos de pesquisa envol,,em principal- A study of ne\.\ n1others and fathers. Archives of Women's ~1ental
mente a mensL1ração da sintomatologia dos transtor11os Health. 2005; 8( 4 ):221-231.
me11tais e 11eurológicos. A neuropsicologia te1n a instru- Ei11arson A, Pistelli A, DeSantis i'vl, i'v1alm H, Paulus WD, Pa11chaud
n1entação específica para aferir prospecti,,an1ente a evo- A et al. Evaluation of the risk of congenital cardiovascular defects
lução dos tratame11tos e o resultado das pesquisas, alén1 associated ½'ith use of paroxetine during preg11ancy. An1 J Psychiatry
2008; 165( 6):749-52.
de dissecar as ÍL1nções mentais envolvidas e demonstrar o
Faisal-Cur)' A, Tedesco JJ, Kahhale S, lvfenezes PR, Zugaib M. Post-
potencial de eficácia terapêutica. A necessidade de escalas
partun1 depression: 111 relation to life events and patterns of. Arch
clínicas net1ropsiquiátricas e de baterias de testes neurop- \\'on1en ~lent Health. 2004;7(2): 123-31.
sicológicos, tornou o neuropsicólogo fundamental nessa
Field T, Diego LV1, Hernandez-Reif M, Figueiredo B, Schanberg S,
ati,,idade de pesquisa. Kuhn C. Sleep disturbances in depressed pregnant \VOn1en and their
A EMT já passou a ter utilidade clínica comprovada ne\\'borns. Infant Behav Dev. 2007 feb;30( l ): 127-33.
e aprovada como terapêutica a11tidepressiva e de outras Forn1an DR, O 'Hara MW, Stuart S, Gorn1an LL, Larscn KE, Coy
condições. Diversos estudos apontam para o uso da téc- KC. Effective trcatment for postparlum depression is not sufficient
nica e1n ,,árias condições psicopatológicas. A neuropsico- to in1prove the developing mother-child relationship. Dev Psycho-
logia tem papel fundan1ental nessa investigação. pathol. 2007;19(2):585-602.
Free111an i'vIP. Antenatal Depression: Navigating the Treatn1e11t Di-
-
("~. ·-·_L•<;l'\O len1n1as. Am J Psychiatry. 2007;164(10):1457-9.
O tratamento da depressão na gestação é u1n processo Garcia KS, Flynn P, Pierce KJ, Caudle ivl. Repetitive transcranial
magnetic stin1ulation treats postpartun1 depression. Brain Stin1ul.
complexo e que envolve inúmeros fatores, principaln1ente
20 l O Jan;3( l ):36-41.
a relação risco-be11efício. Nenhum tratamento é livre de
George i\-IS, Nahas Z, Kozel A, Li X, Yan1anaka K, Mishory A et al.
riscos, e o fato de não tratar ta1nbém pode ser prejudicial
i'vlechanics and current state of transcranial n1agnetic stin1ulation.
à mãe e ao bebê. Estudos ainda são escassos, e o efeito exa- CNS spectrums. 2003;8:496-512.
to dos psicotrópicos no feto em desenvolvimento ainda é Guse B, Falkai P, \Vobrock 1'. Cognilive effects of high-frequency
desconl1ecido. A ECT pode ser un1a boa opção para os repetitive transcranial magnetic stin1ulation: a systen1atic re-
casos graves, porém também não é livre de riscos. Ser1do vie\.,1. Journal of Neural Trans,nission. 20 l O; 117( 1): l 05-22.
assim, a escolha da EMT para o tratame11to da depressão Hen1els ;\,IE, Einarson A, Koren G, Lanctot KL, Einarson TR.. Anti-
11a gestação pode ser uma boa opção, apesar de também depressant use during pregnancy and the rates of spontaneous abor-
ha,,er carê11cia de estudos que comprovem sua eficácia e tions: a meta-analysis. Ann Pharmacother. 2005;39(5):803-9.
segurança 11essa fase da vida da n1ulher. Jablensky AV, ~lorgan \~ Zubrick SR, Bo,ver C, Yellachich L. Preg-
Ot1tras possibilidades de estudos poden1 ser con- nancy, delivery, and neonatal complication in a population cohort
of ,vomen \\·ith schízophrenia and major affecti\'e disorders. An1 J
sideradas. A cada dia a EMT vem recebendo avanços
Psychiatry. 2005; 162( l ):79-91.
tecnológicos, e iniciam-se estudos com indução de cam-
Josefsson A, Berg G, Nordin C, Sydsjo G. Prevalence of depressive
pos magnéticos para neuron1odulação de áreas mais
syn1ptoms in late pregnancy and postpartun1. Acta Obstet Gynecol
profundas do cérebro. Abre-se uma gama cada vez maior Scand. 2001;80(3):251-5.
de ações terapêuticas com a EMT, e a n1ulher e as pato- Kaplan L, Evans L, Monk C. Effects of mothers prenalal psychiatric
logias com repercussões mentais especificas no gênero status and postnatal caregiving on infant biobehavioral regulation:
poderão também ser beneficiadas. Depressões decorren- ca11 prenatal programn1ing be n1odified? Early Hun1 Dev. 2008
tes de casos oncológicos e patologias horn1onais, tensão April;84( 4):249-56.
pré-menstrual e 1nenopausa são outros alvos a serem Kin1 DR, Sockol L. Barber JP, ~1oseley wl, Lamprou 1, Rickels K et
estudados. ai., A survey of patient acceptability of repetitive transcranial mag-
netic stimulation (T~lS) during pregnancy. J Affect Disord. 201 l
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369
Perspectivas futuras para a
saúde mental da mulher

Karina Abunasser Pereira Leite Calderoni


Douglas Motta Calderoni
Quirino Cordeiro

l~lTRODUCA- O turnos rotativos e, além disso, metabolizam as drogas de


A preocupação com a saúde mental da mulher vem forma diferente dos homens. 2
sofrendo mudanças significativas nos últimos tempos, As mulheres estão mais expostas a estressores in-
levando-se em consideração a saúde da mulher como um controláveis, tanto psicológicos como físicos, incluindo
todo, bem como a busca por garantir seus direitos decida- violência, abuso e estupro muito mais frequentemente do
dã, considerando-se as particularidades dos diferentes con- que os homens. 2
textos apresentados pelas mulheres ao longo de sua vida. Por conta de todas essas diferenças biológicas e psicos-
As particularidades e variações da expressão dos trans- socias entre os gêneros, serviços que ofereçam tratamento
tornos mentais nas mulheres, assim como os tipos de específico para os transtornos mentais femininos são neces-
tratamentos, são os principais focos de interesse dos sários.• O atendimento da saúde mental da mulher no Brasil
especialistas da área. 1 Questiona-se também por ql1e as permanece limitado pela falta de serviços especializados e
n1ulheres são mais vulneráveis e correm mais riscos de de- pouco treinan1ento ou produtividade em pesquisa nessa
senvolverem alguns transtornos. O que causa as diferen- área do conhecimento. Apesar disso, nos últimos anos hou-
ças entre os gêneros? Como é possível identificar melhor ve uma série de iniciativas promissoras para a integração de
as mulheres que estão sob risco? Que medidas preventivas serviços ginecológicos e de saúde mental, visando oferecer
poden1 ser adotadas? 2 um atendimento clínico multidisciplinar à mulher. 4
A literatura demonstra que sempre há fatores múltiplos Diante desse panorama, o presente capítulo abordará
envolvidos na maior prevalência de vários transtornos as perspectivas futuras nos principais transtornos mentais
mentais no sexo feminino, entre eles vulnerabilidade ge- na mulher.
nética, fatores hor1nonais e outros fatores biológicos, além
de aspectos psicológicos e ambientais. 3 TRANSTORNOS DE ANSIEDADE
As mulheres sofren1 de transtornos de humor específi- Os transtornos de ansiedade são o grupo de trans-
cos, como transtorno disfórico pré-menstrual, depressão tornos psiquiátricos mais prevalentes na população em
puerperal e perimenopáusica, assim como transtornos geral. Apenas recentemente os pesquisadores voltaram
de humor e de ansiedade associados à infertilidade e a sua atenção para a ocorrência de transtornos de ansiedade
gestações abortadas. As n1ulheres sofrem mais de trans- especificamente em mulheres. Dados de pesquisa epide-
tornos alimentares, transtorno de ansiedade generalizada, miológica na população geral dos EUA revelaram que as
transtorno de estresse pós-traumático. As mulheres são mulheres apresentam um risco significativamente 1nais
também menos tolerantes ao uso de álcool e apresentam alto do que os homens de desenvolverem um transtorno
maior prevalência de transtornos mentais relacionados de ansiedade ao longo da vida.
à dor. São influenciadas em maior grau pela sazonalida- Dados de várias amostras epidemiológicas têm su-
de, mudança de fuso horário nas viagens e trabalho em gerido que as mulheres têm probabilidade duas vezes
Tratado de Saúde Mental da Mulher

maior de preencherem os critérios para transtorno do para orientar o trata1ne11to de depressão er11 relação ao
pânico, TAG (transtorno de ansiedade generalizada) e sexo do paciente.
TEPT (transtorno de estresse pós-trau111ático) ao longo QL1a11to a co111portamento sL1icida, qL1e aparece de
da ,·ida e de aproximadamente uma vez e 1neia 111aior de n1aneira in1portante nos pacientes com transtor11os de-
preencherem critérios para TOC (transtorno obsessi,,o- pressivos, sabe-se que, na n1aioria dos países, os ho111ens
-compulsivo) e FS (fobia social) ao longo da vida, quando cometen1 n1ais suicídio e as mulheres aprese11ta111 111ais
co111paradas aos home11s. As evidências na literatura tam- tentati,,as de suicídio. Algumas teorias te11tam explicar
bém 111ostrara1n que, além de ocorrer 111aior pre,·alência este paradoxo. A prin1eira está relacionada ao 111étodo: os
de transtornos de ansiedade nas mulheres, as difere11ças homens tenden1 a usar métodos ,,iole11tos, qL1e são 111ais
de gê11ero ta111bém existe111 na apresentação clínica e nas letais. A segunda é sobre a diferer1ça de pre,·alê11cia de
características de tais transtornos. :V1ulheres com transtor- depressão, 111aior em mulheres, e abL1so de álcool, 111aior
11os de ansiedade relatam maior gravidade dos sintomas e entre ho111ens. l11clui-se també1n o fato de qL1e as mL1lheres
te11den1 a apresentar com n1ais frequência un1a ou 111ais procuram n1ais tratame11to, o que 1nuitas ,,ezes pode in1-
comorbidades psiquiátricas en1 comparação aos home11s. pedir o SLticídio. U1na outra teoria sugere qL1e a111bos os se-
Essas diferenças poden1 servir para complicar os trans- xos te11dem a adotar comportan1entos autodestrL1tivos de
tornos e podem resultar em un1 curso n1ais crônico da acordo co1n suas origens culturais. Assi1n, as te11tativas
doença e em n1aior prejuízo funcio11al e11tre as mulheres. de suicídio seriam "n1ais aceitá,,eis" entre 111L1ll1eres. Estu-
E, idências de vários estudos tê1n sugerido que os fa-
1 dos sobre aspectos sociais e culturais de hon1c11s e 111ulhe-
tores ge11éticos e os hormônios sexuais fe111ininos poden1 res, be1n como as características de cada gênero, podern
dese1npenhar papéis in1portantes na expressão dessas contribuir para au1nentar a 11ossa compree11são sobre esse
difere11ças entre os gêneros. Apesar disso, há escassez de tema. Para efeitos de prevenção do suicídio, estratégias
dados relativos à resposta ao tratamento e11tre mull1eres específicas devem ser desen,1ol,1 idas le,·a11do en1 conta es-
con1 transtornos de ansiedade en1 con1paração aos ho- sas características. Um esforço ati,·o poderia ser feito para
1nens, e as lin1itadas evidências dispon1,·eis são variáveis e incluir os homens e1n progran1as de tratamc11to, enqL1anto
an1plan1ente inconclusivas. para as mulheres, a disponibilização de tratan1ento eficaz
Futuros estudos ge11éticos e de neuroimagem podem para depressão, além de técnicas terapêuticas para lidar
ajudar a elucidar a base neurobiológica das diferenças epi- com as crises relacionadas a aspectos da vida diária, po-
demiológicas e de apresentação clínica observadas entre deria111 ajudar a prevenir tentativas de SLticídio.s
mulheres e l1omens. Mais estudos i11vestiga11do as difere11-
ças de gê11ero na resposta ao tratamento a várias inter, en-
1

ções farmacológicas e psicossociais utilizadas para tratar a En1bora o TAB ocorra qL1ase igualmente em ambos os
ansiedade nas mulheres são também 11ecessários.· sexos, a fenon1enologia e o curso do tra11storno diferem
no ho1nem e na mL1lher."· Há e,,1dê11cias de que mulheres
TRANSTORNOS AFETIVOS bipolares, rr1ais que os hon1ens, apresentarian1 início mais
As diferenças entre os gêneros neste grupo de trans- tardio (em especial na quinta década de ,·ida), ciclage1n
tornos psiqL1iátricos ocorrem nas taxas de pre,,alência, rápida, mais episódios depressi, os, n1ais 111ania disfórica
1

apresentação clínica e resposta terapêLttica. que eufórica, estados mistos e mais TAB tipo 2 (oscilando
entre fases de depressão e hipon1ania), ai11da que os acha-
dos nem sempre seja1n consistentes. Ainda faltan1 111ais
Observa-se que há maior risco para transtornos de- estudos que possan1 identificar com clareza as causas des-
pressivos entre as mulheres, oscilando entre 1,6 e 3,1 n1u- sas diferenças, além de estudos controlados e com maior
ll1eres para cada homen1, dependendo do país de origem.6 número de participantes. Comorbidades clí11icas como
A maior prevalência de depressão no sexo feminino alterações da fu11ção tireoidiana, enxaquecas e obesidade
ocorre principalmente nos anos de ,,ida reproduti,1a, o são 1nais con1u11s em n1ulheres. 9
que sugere en,1ol,1 imento importante de fatores hormo- O impacto da oscilação hormonal dL1rante o ciclo
nais. ~ Nas mulheres, o pico de incidência é ao redor dos menstrual sobre o curso do TAB é ainda n1alcompreendi-
45 anos, para a partir de então diminuir. 6 do. 11 11 Um estudo realizado con1 293 mulheres e1n idade
Dados atuais sugerem que a farmacocinética dos anti- pré-menopausa con1 TAB acon1panhadas prospecti,•a-
depressivos também pode ser substancialmente diferente mente por Ltm a110 evidenciou que aqL1elas qLte têm au-
entre hon1ens e mulheres. Da mesma forma, a resposta mento de sinton1as maniformes no período pré-n1e11strual
aos antidepressivos pode ser bastante variá,,el, ha,·e11- têm pior e,,olução do transtorno, n1enor ten1po e11tre as
do, ainda, diferenças nos efeitos adversos e tempo para recidivas e n1aior gra, idade dos sinton1as, entretanto elas
1

resposta. Apesar das diferenças em potencial entre os não são mais suscetí,1eis à ciclagen1 rápida. Esse aumento
gêneros 11a farmacocinética e farmacodinâmica de n1e- de si11to111as n1aniforn1es no período pré-n1e11strual pode
dicações antidepressi,1as, mais pesquisas são necessárias ser um n1arcador clínico de gra,·idade e maior propensão

372
Capítulo 41 - Perspectivas futuras para a saúde mental da mulher

à recaída e1n mulheres en1 idade reprodLtliva portadoras ciclos. 14· 15 Evidências recentes sugerem que a sensibilidade
de TAB. individual a variações cíclicas nos níveis de hormô11ios
En1 um estL1do realizado com sessenta mulheres com gonadais podem predispor o TDPM. 16
TAB (trinta co111 TAB tipo l e trinta con1 TAB tipo 2) Estudo que avaliou o hun1or e cognição em 29 n1ull1e-
e sessenta mulheres saudáveis, foi evidenciado que há res com ciclo menstrual (quatorze que preencheran1 os
aun1ento do interesse sexual e111 pacientes com TAB tipo critérios do DSM-IV para TDPM e quinze sem TDPM)
1, en1 comparação co1n TAB tipo 2 e controles nor1nais. identificou que mulheres com TDPM apresentam humor
Porén1, esse estudo é li1nitado pelo pequeno tamanho da disfórico, maior desejo e consumo de certos alimentos e
amostra. No,,as investigações con1 amostras maiores são pior desempenho cognitivo durante a fase lútea. Outro es-
necessárias para esclarecer aspectos do comportamento tudo realizado co1n 33 mulheres com TDPM e 26 mulhe-
sext1al das pacientes com TAB, já que tal questão é im- res assintomáticas identificou que as primeiras apresenta-
porta11te para a condução segura de 1nL1lheres con1 tal ram maior pre,,alê11cia de transtornos de personalidade.
transtorno. 1-' Transtorno de personalidade anancástica foi o transtor110
Quanto ao tratamento, há algun1as evidências de que de personalidade mais comum no grL1po. Porém, ainda
os efeitos colaterais das medicações podem ser difere11tes há a necessidade de maiores estudos multicêntricos que
em homens e 1nulheres, especialmente no caso de lítio e possam confirmar a relação entre esses transtornos e o
valproato. 12 O tratan1e11to durante a gravidez e o período TDPM. 1-
pós-me11opausa exige análise cuidadosa, assim como o Alterações no sistema serotonérgico en1 mulheres com
trata111ento dL1rante o período reproduti,,o, pois alguns TDPM pode ser o mecanisrno subjacente aos sintomas
estabilizadores de humor inflL1enciam o metabolismo observados; correspondentemente, o tratamento com
de anticoncepcionais orais. Devem ser feitos mais estL1- ISRS (inibidores seletivos de recaptação da serotonina)
dos específicos em relação às diferenças entre os efeitos continua a ser o tratamento de escolha. 18 Os ISRS podem
colaterais, o uso con1binado co1n OL1tras medicações, a ser utilizados de forma intermitente ou ao longo do ciclo
int1uência dos efeitos colaterais, principalmente ganho de mer1strual; medican1entos que inibem a atividade ovaria-
peso, e outras alterações que influenciam na autoestima na cíclica e no\·os contraceptivos orais com progesterona
da mulher. 12 também podem ser utilizados. 16 De acordo con1 os e11-
saios clínicos encontrados em um artigo de revisão, 14 os
antidepressivos, especialmente os ISRS, parecem ser efica-
A SPM (síndrome pré-menstrual) constitui un1 tra11s- zes no TDPM. Todavia, resta1n diversas incertezas qt1anto
torno altamente prevalente entre as 1nulheres e1n idade à superioridade dessas substâncias sobre psicofármacos
fértil. Estudos brasileiros têm encontrado taxas entre 35 OLI medicamentos não psiquiátricos, bem como à duração
e 45% entre pacientes ambulatoriais e de 25% 11a popu- do tratame11to, a seL1 efeito no longo prazo, e a se o trata-
lação geral. Entre os sinais e si11tomas n1ais comu11s estão mento pode ser feito apenas de forma intern1itente. 14
irritabilidade, ganho de peso, edema (principalmente de Há estudos que comparam diversas abordagens psi-
abdon1e e 111amas), n1astalgia, tristeza, fadiga, cefaleia, cossociais, como terapia cognitivo-comportamental, téc-
labilidade afeti,'a, episódios de choro, ansiedade, tensão e nicas de relaxamento e grupos de apoio. Tais abordagens
alterações do apetite (particularmente avidez por alime11- mostraram eficácia, porém ainda são necessários estL1dos
tos ricos en1 carboidratos, como chocolate). A presença controlados com amostras maiores e mais homogêneas
de L1n1a única manifestação clínica durar1te a fase lútea e utilizando critérios atl1alizados para o diagnóstico de
do ciclo menstrual é sL1ficiente para a caracterização de TDPM. Como essas modalidades de tratamento apre-
u1n quadro de SPM. A DPM (disforia pré-menstrual), sentam resposta satisfatória, baixo custo e um 1nenor
ou TDPM (transtorno disfórico pré-menstrual), acomete potencial iatrogênico, são consideradas uma alternativa
e11tre 3 e 8% das mulheres dura11te seus a11os reprodutivos. promissora. 19
Ela representa un1 subtipo de SPM no qual as ma11ifesta- ,
ções são mais graves e 1nais numerosas e em que predo- TRANSTORNOS DO CICLO GRA\/lDICO-PUERPERAL
minam as alterações do humor e do comportamento. Para No que se refere ao tema saúde 1nental da mull1er no
a forn1ulação do diagnóstico de TDPM, é necessário que período de gestação e puerpério, diversos aspectos ai11da
ocorra pelo n1enos uma alteração do hun1or - irritabilida- necessitam de maiores reflexões e estudos. Muitas n1ulhe-
de, tristeza, ansiedade ou labilidade afetiva -, en1 um total res apresentam tristeza e ansiedade nessas fases de suas
de, 110 n1ínin10, cinco si11tomas; que o quadro clínico cau- ,,idas. Os lin1ites entre o fisiológico e o patológico preci-
se grave prejuízo 11as atividades ocL1pacionais, conflitos sam ser melhor delimitados, fato este que gera dúvidas e
nos relacionamentos interpessoais ou isolame11to social; discussões em obstetras, clínicos e psiquiatras.
e qt1e a maioria dos ciclos dos últimos doze meses tenha Nas últimas décadas, alguns estudos têm investigado
sido sintomática. Além disso, esse diagnóstico precisa mais sobre o tema, mas algumas questões air1da estão em
ser co11firmado prospectivamente por pelo me11os dois debate: os transtornos puerperais poderiam ser u1na n1a-

373
Tratado de Saúde Mental da Mulher

nifestação de um tra11storno prévio não adequadamente pouca atenção ten1 sido dedicada a esse diagnóstico. Há
tratado? Seria a gestação ou o puerpério fatores proteto- necessidade de instrumentos de rastreame11to confiá,,eis e
res ou de risco para o desencadeamento de transtornos \'alidados para as 1nulheres 11esse período de vida. 24 Mais
psiquiátricos? As alterações hormonais que ocorrem estudos nessa área de\·em ser feitos para proporcior1ar o
nesse período poderiam estar envolvidas 11a sua etiologia? diagnóstico precoce e tratar11ento adequado às pacie11tes,
Quais seriam os principais fatores de risco? En1 quais si- evitando quadros dramáticos e graves que podem ocorrer.
tuações seria adequado usar psicofárn1acos como 1nedida A in,,estigação sobre os tra11stornos de humor no pós-
de tratamento? 20 -parto tem se concentrado principaln1ente em transtorno
depressivo maior, TAB tipo 1 e psicose puerperal. As im-
plicações do diagnóstico equi,·ocado de depressão bipolar
Estudos têm sugerido qL1e a gravidez não protege as tipo 2 como transtorno depressivo n1aior no período pós-
mulheres do surgimento ou a persistência dos transtornos -parto podem prejudicar o tratamento e retardar a melho-
de humor. A n1anute11çào do tratamento com antidepres- ra da paciente. 25 Assim, de,·em ser feitos mais e melhores
sivos é freqi1entemente indicada durante os anos reprodu- estudos e111 relação a esse quadro clínico.
tivos. Assim, as mulheres têm enfre11tado decisões difíceis A psicose puerperal costuma ter início n1ais abrL1pto.
sobre o tratamento con1 psicotrópicos na gra\·idez. O tra- Estudos verificara1n que 2, 3 das mulheres que apresenta-
tamento de transtornos psiquiátricos durante a gravidez ram psicose puerperal iniciaram a sintomatologia nas duas
requer uma avaliação rigorosa dos riscos e benefícios primeiras semanas após o parto. Apesar de o suicídio ser
das i11tervenções propostas e os riscos documentados e raro no período puerperal, em geral, sua i11cidência nas
teóricos associados com os transtornos psiquiátricos não pacientes com transtornos psicóticos é alta, 11ecessitando
tratados como a depressão. ~' muitas ,·ezes de internação hospitalar por esse motivo,
Em uma revisão dos estudos realizados para estabele- ben1 como pelo risco de infanticídio. Sinton1as depressi-
cer o risco de aborto espontâneo em mulheres expostas a vos, mais do que 1naníacos, em geral, estão associados aos
antidepressivos durante o primeiro trimestre da gravidez, quadros em que ocorrem infanticídio ou suicídio.
de 1980 a 2008, foram selecionados apenas dez estudos. Estudos recentes sustentam a hipótese de que a mulher
Apenas três dos dez estudos relataram associação signi- portadora de psicose puerperal que con1ete infanticídio
ficante entre o aumento da taxa de aborto e exposição a necessita mais de tratamento e reabilitação do que de
antidepressi,,os. Muitas falhas metodológicas nos dese- punição legal, a fi1n de se evitarem outras fatalidades de-
nhos dos estudos fora1n encontradas em todos os estudos correntes da gravidade do quadro. A educação fan1iliar é
considerados. Diante disso e da falta de fortes evidências fundamental nesse período."
sobre essa questão, mais estudos prospectivos e bem es- ,
truturados são necessários para avaliar o risco de aborto CLIMATERIO E MENOPAUSA
espo11tâneo en1 n1ulheres expostas ao tratamento versus o
risco de depressão materna não tratada:"!~
Medicamentos, eletroconvulsoterapia e psicoterapia
são opções importantes para o tratamento, mas cada uma A sintomatologia do climatério envolve os tradicio11ais
tem suas limitações. A estimulação magnética transcra- sintomas net1rovegetativos (011das de calor, ou fogachos,
niana deve ser sistematicamente estudada co1110 uma sudorese, palpitações, enxaquecas) e uma ,,ariedade de
opção de tratamento potencial para as mulheres com sintomas neuropsíquicos: insônia, deficit de men1ória,
transtorno depressivo maior dL1rante a gravidez. 2' falta de confiança, alterações e humor, ansiedade, i11dispo-
sição, diminuição da libido, difici1ldade de concentração,
perda de energia, irritabilidade, depressão e labilidade
Os transtornos psiquiátricos puerperais são classica- emocional. Esses sintomas podem surgir ocasionaln1ente
mente classificados como disferia do pós-parto (blues na 1nulher que ainda menstrua ou, como é n1ais con1um,
puerperal), depressão pós-parto e psicose puerperal. com o início das alterações menstruais. 26
No caso da depressão puerperal, muitas mulheres A associação entre falê11cia o,,ariana e sintomatologia
sentem que as expectati,,as sociais são de que elas estejam psíquica não parece ser direta. E1n um estudo epiden1io-
satisfeitas e acabam se sentindo culpadas por estarem ex- lógico americano, foram acompanhadas 996 mulheres
perimentando sintomas depressivos em um momento que
'
em pre-menopausa . anos consecutivos,
por tres .
con1 a,,a-
deveria ser de alegria. 2° Ações de informação ao público liações semestrais de sintomas psíquicos, alterações hor-
e psicoeducacionais podem ser importantes para a di1ni- monais e características dos ciclos rnenstruais. O estudo
nuição da estigmatização desse quadro, levando assim as revelou que mulheres con1 antecedentes depressivos apre-
mulheres ao tratamento correto. sentaran1 mais alterações hormonais, sendo a depressão
O TAB é u1n problema importante de saúde mental un1 fator de risco associado ao dese11volvimento precoce
entre as mull1eres no período perinatal, no entanto, de características perin1enopausais.

374
Capítulo 41 - Perspectivas futuras para a saúde mental da mulher

Fatores como estilo de vida, atividade profissional, pausa 11ão só falhou em melhorar a memória, cognição
exercícios físicos e dieta podem int1uenciar o aparecin1en- e qualidade de vida, como também aumentou o risco de
to dos sintomas neuropsíquicos. Aspectos socioculturais demência, portanto, contradisse os estudos observacio-
desen1penhan1 importante papel nessas 1nanifestações. nais e experimentais. Assin1 sendo, novas pesquisas serão
Nas sociedades en1 que se valoriza mais a estética e a necessárias para esclarecer essas controvérsias. Os dados
jovialidade, co1no o Brasil, pode ocorrer uma avaliação disponíveis até o momento indicam que não se deve pres-
negativa dessa fase da vida, influenciando a reação emo- crever primariamente a estrogenioterapia con1 o objetivo
cio11al da n1ulher durante o climatério. de preve11ir depressão, doença de Alzheimer ou piora da
função cognitiva. 19

A depressão na 1nenopausa tem un1a etiologia multi- TRANSTORNOS


,
RELACIONADOS AO USO DE
fatorial. Os fatores preditivos são: antecedentes de episó- ALCOOL E DROGAS
dios depressivos, síndrome pré-menstrual e/ou depressão Os transtornos por uso de substâncias estão entre os
pós-parto; comorbidade co1n os sintomas principais da maiores problemas de sal'.1de pública da atualidade. Para
me11opausa; n1enopausa 11ão tratada con1 reposição hor- enfrentar e entender as consequências físicas, psíquicas
monal; estresse existencial importante; índice de n1assa e sociais causadas pelas drogas, foram desenvolvidas vá-
corporal elevado; baixo nível socioeconômico. A depres- rias linhas de pesquisa que vê1n esclarecendo diferentes
são na menopausa é 1nais resistente aos antidepressivos aspectos desse complexo transtorno. Apesar disso, ainda
em co1nparação com as mulheres na pré-menopausa, e não existe consenso sobre o melhor tratamento, prova-
ten1 melhores resultados qua11do os antidepressivos são velmente porque não existe homogeneidade entre os de-
combinados reposição hormonal. 2:- pendentes químicos. 30 O consenso na literatura sobre essa
As \'ariações nos níveis de horn1ônios sexuais e nos pa- heterogeneidade vem levando pesquisadores a delin1itar
drões de secreção hormonal ao longo da vida contribuem subgrupos de dependentes que poderiam se beneficiar
para a vulnerabilidade das mulheres aos transtornos de de abordagens mais específicas. Entre esses subgrupos,
hu111or e depressão maior. No entanto, ainda há contro- destacam-se as mulheres. 30
vérsia em considerar a dimi11uição de estrogênio con10 fa- As diferenças de gênero nos transtornos por uso de
tor etiológico específico que contribui para a depressão na substâncias e os resultados do tratamento específico para
menopausa. ' Os estudos existentes tên1 lin1itações meto- mulheres têm sido um foco de pesquisa nos últimos anos.
dológicas importantes, como imprecisões 11a definição de Existem pesquisas recentes sobre o papel dos hormônios
estado n1enopausal; a1nostras pequenas ou heterogêneas; esteroides gor1adais no 1necanis1no de fissura levando à
escalas psicon1étricas inadequadas; presença de fatores recaída, e as diferenças do sexo na reatividade ao estresse
confL111didores. Apesar das limitações, a maior parte dos e recaída ao uso de substâncias. 31
estudos populacionais sugere maior prevalência de trans- Nos primeiros anos de pesquisa do NIDA (National
tor11os depressi\'OS na perimenopausa, ao contrário do Institute on Drug Abuse), muitas das pesquisas sobre as
qL1e ocorre 11a pós-menopausa, com resultados ainda con- mulheres foram relacio11adas com o diagnóstico e trata-
traditórios e inconclusivos nos estudos controlados. 26 •28 mento na gravidez. Atualmente, o foco tem sido ampliado
para todas as mulheres, independe11te da fase de vida, e
EFEITOS DOS ESTEROIDES SEXUAIS NO HUMOR E tem sido mostrado que tratamentos e abordagens especí-
NA COGNICÃO ficas são mais eficazes. 31
Estudos experimentais e obser,1acio11ais sugere111 que Os fatores femininos para o início do uso passam por
os esteroides sexuais apresentan1 uma série de efeitos so- depressão, sentimentos de isolamento social, pressões
bre o cérebro e que, potencialmente, afetam a cognição e profissionais e familiares, além de problemas de saúde
o humor. O uso dos estrogênios na peri e pós-menopausa física. Em geral, as mulheres se iniciam nas drogas por
está associado à melhora da co11centração, humor, n1emó- intermédio dos parceiros, enqua11to os homens o fazem
ria e sono. Está também associado a retardo no declínio com os amigos. }
da função cognitiva, característico do envelhecimento, e Comportamentos de risco relacionados ao sexo decor-
os dados sugeren1 também um papel dos estrogê11ios no rentes do uso de substâncias fazem as mulheres ficarem
retardo do início da doença de Alzhein1er. Vários estudos mais expostas ao vírus HIV e outras doenças sexualmente
obser,,acionais indicam, ainda, que os estrogênios atuam transmissíveis. 31
melhorando o humor e tê1n ação antidepressiva. Já a pro- Evidências sugerem que n1ulheres com transtornos por
gesterona e seus derivados têm mostrado efeitos opostos uso de substâncias encontram mais obstáculos no acesso
aos dos estrogênios. ao tratame11to. 33 3·1 Estudos sobre intervenções, campanhas
No e11tanto, dados de estudos randomizados e con- para facilitar o acesso ao tratamento de mulheres, am-
trolados mostrara1n que a associação de estrogênios e bientes de tratamento específico, entre outras medidas,
progestagênios utilizados en1 mulhere5 11a pós-meno- devem ser mais utilizados para que a detecção precoce do

375
Tratado de Saúde Mental da Mulher

problema, acesso e ma11utenção do tratame11to sejam mais Grupos de pré-púberes con1 tra11stor110 de deficit de aten-
eficazes nas mulheres. 32 ção e hiperatividade apresentam o dobro de mães que
O tratamento multidisciplinar, con1 o objeti,ro de tinham fumado durante a gra,1idez. Futuras n1ães corren1
reintegrar a pacier1te na sociedade, tem se destacado 11ão um risco três ,,ezes n1aior de ter filhos con1 transtor11os de
só em relação à aderência (permanê11cia no tratamen- hiperati, idade se fu111arem dura11te a gravidez. Crianças
1

to), como também em relação à evolução e à desejada expostas à nicoti11a durante a gestação parecem apre-
abstinência. 34 Mais estudos de avaliação dos programas sentar maior prevalência de uso de drogas, distúrbios de
exclusi,ros para n1ulheres poderão justificar o i11creme11to con1portamento e depressão. Há algun1as hipóteses para
de recursos em pessoal, trei11amento e serviços necessá- tentar explicar essas associações, entre elas a de que a
rios à sua manutenção, levando assim a un1a din1inuição 11icotina atuaria esti1nula11do o siste1na n1oti,,acio11al cere-
dos custos sociais da dependência feminina. 'º Vale a pena bral dopami11érgico ( dopamina é u111a substâ11cia quín1ica
ressaltar que existem significati,,an1e11te mais estudos que co1nunica as células ner,•osas e11tre si) durante uma
enfocando o proble1na do alcoolismo do que de outras tàse crítica do desenvolvimento cerebral do feto, o que
drogas entre as mulheres. 30 predisporia tardiamente a ur11 risco aun1entado do uso de
outras drogas 11a adolescência.
Portanto, en1bora estudos retrospecti,1os n1ereça111 uma
A dependência do álcool em mulheres se dá a partir análise crítica n1ais rigorosa, a hipótese de que o tabagis-
da ocorrência de eventos significativos, con10 a n1orte do 1no na gravidez predispõe a doe11ças 1nentais na infâ11cia e
cônjuge ou uma separação, diferentemente dos homens, adolescência é bem razoá, el. A ú11ica dl'.1, ida que restaria
1 1

que não apontam um dese11cadeamento especial. 30 seria em relação ao período de amame11taçào. Será que a
Estudos recentes revela1n que as n1ulheres são mais exposição da cria11ça à nicotina por meio do leite materno
propensas que os l1omens a beberem em resposta à frus- 11ão é o mais importante nesses efeitos?
tração ou mágoa, e qL1e beber demais é mais prejudicial De qualquer forn1a, programas de prevenção do taba-
para as mulheres que para os hon1e11s, física e psicolo- gismo n1aterno durante a gra,1 idez deven1 ser incentivados
gican1ente. Segu11do os realizadores desses estudos, está na rede de saúde pública, pelos inún1eros malefícios que
claro que as mulheres se beneficiam de grupos de gê11ero essa prática pode acarretar aos filhos das mães fumantes.
único no tratan1ento de problemas como depressão ou Deve haver maior atenção e divt1lgação desses dados, para
a11siedade, bem co1no o ma11ejo adequado em torno de que as mulheres sejam informadas sobre esses riscos.
preocupações específicas biológicas e emocionais do sexo
feminino. 35
Um estudo multinacional que comparou homens e As mull1eres dependentes experi1nentan1 u1na variedade
mulheres quanto ao padrão de consun10 de álcool em de problemas de saúde qt1e podem estar relacionados tanto
locais públicos (bares e restaurantes) e pri,,ados (casas e ao uso da droga co1no ao seu estilo de vida. As dependentes
festas) mostrou qtte, quanto maior a igualdade entre os de cocaína apresentam de forma geral n1aior ocorrência de
gê11eros, menor a diferença entre os padrões. Os autores amenorreia, dismenorreia, infertilidade e doenças sexual-
propõem que os resL1ltados sejam usados para traçar es- 1nen te transmissíveis. Qt1anto a problen1as obstétricos, há
tratégias de prevenção e intervenção específicas para cada frequência aumentada de trabalho de parto pre111aturo,
população. Sugerem ainda mais estt1dos para entender os anomalias congênitas, retardo de crescimento, descola-
diferentes tipos de danos, tanto para homens como para rnento prematuro de placenta, baixo peso ao 11ascer, morte
1nulheres, associados ao consumo en1 locais diferentes. neonatal e síndrome da morte súbita na i11fância. 30
Tanto estudos qualitativos como qua11titativos serão ne- Discute-se a pertinência do diag11óstico de crack ba-
cessários. Tais pesquisas devem direcionar interve11ções bies, que serian, recém-nascidos con1 alterações neu-
futuras. Finalmente, também não está claro ainda como as rocomportamentais - alterações do ciclo sono-vigília,
111udanças na frequência de beber em locais públicos diz tremores, din1i11uição da ingestão de alin1entos, hiper-
respeito à saúde e consequências negativas do álcool. No tonia ou hipotonia e hiper-reflexia. Esse quadro dura de
entanto, a possibilidade de que o aumento da igualdade oito a dez semanas e há sempre a preoct1pação de danos
de gênero pode influenciar os padrões de consumo de permanentes. 'º
álcool deve servir de estímulo para futuros estudos sobre
igualdade de gênero e comportamento na área da saúde. 36
Mulheres que t1sam 111aconha 11a adolescência tên1
un1 risco maior para depressão e transtornos ansiosos,
Mulheres que fumam mais aprese11tam maior propen- segundo pesquisas atuais. O uso de n1aco11l1a pode preju-
são de terem filhos con1 distúrbios de co11duta. O tabagis- dicar não só o desenvolvimento do bebê, como trunbém
1110 parece ser um fator de risco isolado para o distúrbio gerar sequelas cog11itivas e psicológicas futL1ras durante a
de condt1ta entre os adolesce11tes filhos de mães fumantes. infâ11cia.

376
Capítulo 41 - Perspectivas futuras para a saúde mental da mulher

Postula-se tambén1 que mudanças induzidas pela ma- gregar diferentes profissionais, com distintas formações
conha no funcionan1ento dos hormônios ligados à re- acadêmicas, são peças fundamentais quando se pensa
produção estariam ligadas ao fato de muitas mulheres na construção de políticas públicas consistentes para o
usuárias de n1aconha darem à luz bebês de baixo peso. tratamento mais adequado das mulheres que apresentam
Aparente1nente, existe relação positiva entre quantidade transtor11os mentais.
fumada e o peso do recém-nascido.'º
Mais estudos deven1 ser feitos, gerando dados que REFERÊNCIAS
possam ser usados para intervenções psicossociais, din1i- 1. Rennó Jr J. Aspectos gerais das doenças mentais femininas. ln:
nL1indo assim os malefícios causados por essa substância Mentes Femininas. 1• ed. São Paulo: Ediouro; 2008. p. 25-8.
muitas vezes inocentada pelo público em geral. 2. Steiner M. \i\'omen's mental health: \Vhat don't •vve knO½'? lte,
Bras Psiquiatr. 2005;27(2):S4 l-2.
TR :,., ~'5TOR.N05 ~-L'~-~FNTA RES 3. Rennó Jr J. Há razão para tratamentos específicos do gênero
Os tra11stornos alimentares constituem importante feminino? ln: Mentes Fen1ininas. l ·' ed. São Paulo: Ediouro;
problen1a que acomete as sociedades contemporâneas, 2008. p. 185-90.
especialmente as adolescentes e adultas jovens. 4. Rennó Jr J, Fernandes CE, Mantese JC, Valadares GC, Fonseca
As pacientes com transtornos alimentares apresentan1 AM, Diegoli :W1 et ai. Women's mental health in Brazil: clinicai
distorção de sua imagem corporal. O resultado de tais challenges and perspectives in research. Rev Bras Psiquiatr.
quadros clínicos é a gradativa deterioração física e men- 2005;27(2):S73-6.
tal, inicialme11te com sinto111as leves, tais como queda 5. Kinrys G, Wygant LE. Anxiety disorders in ,vomcn: does gen-
dos cabelos, até con1plicações cardio,,asculares, renais e der matter to treatment? Rev Bras Psiquiatr. 2005;27(2):S43-50.
endócrinas tão graves que poden1 levar à morte. 6. Moreno DH, Dias RS, Kerr-Correa F, Moreno RA. Transtornos
As facilidades para se alimentar mal n1odernan1ente, do Humor. ln: Saúde Mental da Mulher. l ª ed. São Paulo: Athe-
juntame11te com a cultura do emagrecin1ento, podem ter neu; 2004. p. 105-40.
favorecido o aumento dos transtornos alimentares, espe- 7. Bigos KL, Pollock BG, Stankevich BA, Bies RR. Sex differences
cial1nente entre as mulheres, talvez porque a cultura da in the pharmacokinetics and pharmacodynamics of antidepres-
magreza fosse mais forte entre elas. sants: an updated review. Gend Med. 2009;6( 4):522-43.
Todos os trabalhos n1ostram que mais de 90% das pes- 8. Stefanello S, Cais CfS, :W1auro MLF, Freitas GVS, Botega NJ.
soas portadoras de transtornos alimentares são mulheres Gender differences in suicide attempts: preliminary results of the
e, entre elas, aquelas com idade entre 14 e 18 anos, embo- n1ultisite intervention study on suicidai behavior (SUPRE-~1ISS)
ra, l1oje em dia, cada vez mais essa idade venha decres- fro1n Campinas, Brazil. Rev Bras Psiquiatr. 2008;30(2):139-43.
ce11do perigosa1nente para meninas menores de 12 a11os. 9. Rennó Jr J. Os enigmáticos mundos dos transtornos borderline
Os padrões de beleza atL1ais e a rejeição social à obesidade e bipolar. ln: Mentes Fen1ininas. 1ª ed. São Paulo: Ediouro;
fe1ninina fazen1 con1 que as adolescentes sintan1 um im- 2008. p. 143-76.
pulso inco11Lrolável de estar sempre n1agras. 1O. Dias RS, Ker-Correa F, Torresan RC, Santos CHR. Bipolar affec-
A identificação precoce da ocorrência de tais quadros tive disorder and gender. Rev Psiquiatr Clín. 2006;33(2):80-91.
é extren1amente in1portante, bem como o trata1nento por 11. Dias RS, Lafer B, Russo C, Dei Debbio A, Nierenberg AA,
equipes multidisciplinares especializadas no manejo de Sachs GS et ai. Longitudinal Follo\,1-Up of Bipolar Disorder
pacientes com esse tipo de transtorno, já que a resposta in Women With Pren1enstrual Exacerbation: Findings From
terapêutica, muitas vezes, é vagarosa, necessitando de S1'EP-BD. An1 J Psychiatry. 2011 Feb 15. [Epub ahead of print)
experiência na condução desses casos, os quais, n1uitas 12. Burt VK, Rasgon N. Special consi<lerations in treating bipolar
vezes, ,,ên1 con1 comorbidades psiquiátricas graves, como disorder in ,,•on1en. Bipolar Disord. 2004;6( 1):2-13.
tra11stornos de personalidade, qL1e tambén1 precisam ser 13. Nlazza tv!, Harnic D, Catalano V, Di Nicola Nl, Bruschi A, Bria
tratados adequadamente. P et ai. Sexual behavior in \\'Omen with bipolar disorder. J Affect
Disord. 2010 Dec 2. [Epub ahead of pru1t]
-
C0 "~ CI L, S.A. O 14. Cheniaux E. Tratamento da disforia pré-1nenstrual con1 an-
E111 decorrência das \'árias especificidades que existem tidepressivos: revisão dos ensaios chnicos controlados. J Bras
11a etiopatoge11ia, aprese11tação clínica, tratamento e pre- Psiquiatr. 2006;55(2): 142-7.
venção de muitos dos transtornos mentais que acometem 15. Rennó Jr J. Ligação entre tensão pré-n1enstrual e mente feminina.
as mulheres nos mais variados períodos da ,,ida, é extre- ln: Mentes Fen1ininas. l ª ed. São Paulo: Ediouro; 2008. p. 37-52.
n1an1ente importante que as pacientes recebam abordagem 16. Cunningham J, Yonkers KA, O'Brien S, Eriksson E. Update on
terapêutica que leven1 em consideração esses aspectos. research and treatment of pren1enstrual dysphoric disorder.
A existência de equipes terapêL1ticas multidisciplinares Harv Re" Psychiatry. 2009; 17(2): 120-37.
especializadas no tratamento de transtornos mentais que 17. Sassoon SA, Colrain IM, Baker FC. Personality disorders in wo-
acon1eten1 as n1ulheres é fator de grande rele,,ância no men ,, ith se,ere pren1enstrual syndrome. Arch \\'omens N1ent
âmbito da saúde pública. Ser,,iços que conseguem con- Health. 2011 Feb 7. [Epub ahead of print]

377
Violência contra a mulher,
saúde mental e
assistência integral
Julia Garcia Durand

-
INTRODUÇAO Também os profissionais de saúde apresentam dificulda-
Este capítulo trata das repercussões da violência perpe- des na assistência a esses casos. Usualmente não pergunta1n
trada por parceiro íntimo contra a mulher em sua saúde sobre a violência porque não identificam qual a intervenção
mental, bem como do modo como essa qL1estão tem sido a ser feita, não se se11tem habilitados, veem-se sem tempo
incorporada às práticas assistenciais. A inclusão desse para o devido atendimento de assunto tão complexo ou
tema neste livro representa importante passo na supera- até tão próximo por já o teren1 vivenciado pessoalmente. li'
ção do paradoxo que caracteriza a situação brasileira. De Acima de tudo, não admitem ser concernente ao atendi-
um lado, a literatura reitera forte associação entre essa for- mento em saúde de modo geral e da saúde n1ental espe-
ma de violência e certos transtornos mentais, e de outro, cificamente. Isso porque ainda prevalece nesse campo o
há uma incipiente capacitação e frágeis condições para a enfoque naturalista e cientificista que pouco considera os
atuação dos profissionais de saúde mental nessa área. Em laços estruturais entre corpo, subjetividade e sociedade,
OL1tras palavras, embora a VPI ( violência contra a mulher
por parceiro íntimo) esteja recebendo atenção crescente
da sociedade e seja considerada problema de saúde pú- · [)iYersos autorc:. que se \'Oltaran1 para a \'iolência sofrida por

blica e violação dos direitos humanos, responsável por protiss1onais de saudc, sobretudo por enfern1e1ras e auxiliares de en-

prejuízos importantes à vida mental das mulheres, é ainda fern1age1n, notara111 que as taxas de ,·1olênc1a por pan..e1ro \Uperan1 a
pouco visível nas práticas dos profissionais de sa(1de em da população cn1 geral en1 di,·crsos pa1scs. Jansscn e cols. ( 1998), por
geral, e da saúde mental, em particular. exe111plo, encontrararn taxas, entre 198 cnfern1e1ra..-, obstetri1e, de un1
Dimensão importante dessa problemática é a difícil hospital canadense, de 26,9ºi, para a \'ioléncia psicológica l 4,6o/o para
comunicação entre as mulheres em situação de violência e a violéncia f1sica e 8,lºu para a violência sexual. Segundo o~ autores, a
os profissio11ais que as assistem. Embora elas procurem os taxa de, ioléncia por par(ciro inlin10 sofrida por entcrn1e1ras cn1 algun1
serviços, também experimentam barreiras significativas 1non1enlo da ,·ida (38º'0) superou o 1nd1ce entre n1ulhercs canadenses
para a exposição de seu sofrime11to. A literatura indica da população cm geral 29°-0 ). Diaz-Ola\'arrieta e cols. ( 2001 - identifi-
que não revelam a violência sofrida porque se sentem en- caram, entre 1.150 profiss1ona1s de cnfcrn1agc1n (283 enf1.?rn1eiras e 867
vergonhadas, muitas vezes culpadas, ambíguas no desejo auxiliares e técnicas) da área hospitalar do ~léxico, -t0°1c, de violéncia psi-
de que o outro intervenha 11essa situação e também receo - cológ1ca e 14«/·o (164) de ,1olencia física e/ou sexual. :---o Brasil. Oliveira
~

sas das repercussões que ta l revelação poderia ter sobre & J)' ()li,·eira (2008) ohser,·ara1n quL, en1 con1paração con1 dados da
sua vida, de seus filhos ou de seu parceiro. Alén1 disso, população de n1ulhcrcs brasileiras, a~ taxa!> de Yiolência física ou sexual
não revelam porque não recebem crédito no que relatam, e ª" forrnas isoladas de \'iolencia foram 111a1orc-; entre as profissionais de
nem apoio institucional. enfern1agen1 paulistas.
Tratado de Saúde Mental da Mulher

joga11do para segundo plano as dimensões que ultrapassam A seguir apresenta-se o panoran1a das pre\'alências
o modelo biomédico. A \ iolência por parceiro íntimo é
1 da \ 1 PI 110 inundo, com destaque para as estimati\'as na-
vulgarmente definida como problema social, descaracteri- cionais, e suas repercussões na saude n1ental da 1nL1lher.
zando-a como problema da saúde e alvo de suas práticas. Ao final e por meio de um caso clí11ico, reflete-se sobre
Sejan1 quais forem os motivos, as barreiras co111unicati- os ca1ninhos e as barreiras enco11tradas na assistência a
vas tornam a violência pouco visível na esfera das práticas esses casos e os princípios orientadores para o cuidado e
• • •
profissionais em saúde, reduzida ora às suas repercussões ass1stenc1a.
estritamente físicas, como hematon1as e cortes, ora aos
enquadra111entos si11to1natológicos do sofrimento dentro DEFINIÇÃO DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E
do leque dos tra11stor11os n1entais. Tais barreiras observa- PANORAMA DAS PRJ:VALÊNC!AS
das são danosas, uma vez que impossibilitam o cuidado Na literatura, o termo ",,iolência contra a mulher" tem
adequado e eficaz da ,,iolência e1n suas múltiplas dimen- sido en1pregado tanto de ma11eira n1ais abrangente para
sões dentro do campo da saúde, tais como o impacto na caracterizar os n1ecanismos que produzem desigualdades
vida e1nocional, física e reprodutiva, a maior \'lllnerabi- sociais e11tre homens e mulheres, tan1bén1 chan1ados de
lidade a agravos à saúde, associada aos co1nportan1e11tos ,,iolência sin1bólica, assim como para indicar de forma
de risco como sexo desprotegido, hábito de fumar, abuso de 1nais delimitada às ações ou omissões contra a 1nulher
álcool e outras drogas, além de maiores taxas de suicídio e que causem morte, lesão, sofrin1ento físico, sexual ou
tentativa de suicídio, o risco de repetição da violê11cia nas psicológico e dano moral ou patrimonial. Esta última
futuras relações e gerações e o impacto direto e indireto defi11ição tem sido empregada 110 sentido de demarcar o
nas pessoas cuidadas pelas mulheres SL1brnetidas à violên- problema na construção de um campo mais defi11ido de
cia, sobretudo os filhos. Também dificultam o trabalho ações e inter,,enções.
fora deste campo a articulação co1n a rede intersetorial Em 1993, a ONU (Organização das Nações Unidas)
que envolve a justiça, a polícia e a assistência social. ofereceu a primeira defi11ição oficial de violência co11tra
Ao contrário do se11so comun1, parte considerável das a mulher, por ocasião da Conve11ção sobre a Eliminação
mulheres em situações de violência to1nou decisões e re- de todas as Formas de Discri1ninação contra a Nlulher.
alizou ações no sentido de romper com a ,,iolência, mas De acordo com a Declaração dali resultante, o termo
muitas vezes não foram bem-sucedidas quando recorre- refere-se a "qualquer ato de violê11cia baseada em gê-
ram às instituições especializadas. A busca de alternativas nero que resulte en1 lesão OLl sofrimento físico, sexual
é, em geral, truncada, e está repleta de desencontros, de- ou psicológico, i11cluindo ameaças, coerção ou privação
sestímulos e falta de acesso. Essa trajetória fracassada em de liberdade, em espaço público ou pri,,ado': Esses atos
busca de ajuda foi nomeada con10 "rota crítica" por pes- i11cluem agressões praticadas por parceiro, abuso sexual
quisadores da Organização Pana1nericana de Saúde. Nes- contra a criança, relação sexual forçada e mutilação geni-
se sentido, vale ressaltar que "estando 11a rota da maioria tal. Ta1nbém abrangem violências não maritais, tais como
das mull1eres, que por um motivo ou ot1tro os utiliza, os estupro, assédio, tráfico de 111ulheres, prostituição forçada
serviços de saúde tên1 o dever de constituir-se con10 um e estupro de guerra.
local de acolhimento e elaboração de projetos de apoio, ao Embora a violência contra os homens tan1bén1 seja
invés de ser mais um obstáculo na tentativa empreendida 1nuito frequente, ela é cometida en1 sua grande parte por
pelas mulheres de tra11sformação de sua situação'~ outros homens e1n espaços públicos, sendo eles frequen-
Assin1, incorporar a temática da violência no atendi- temente estranhos ou conhecidos casuais. No caso das
mento à saúde representa respeitar o pri11cípio de integrali- mulheres, as estatísticas tên1 mostrado que seus principais
dade da assistência. Isso não significa querer resolvê-lo em agressores são pessoas de seu con\ í,,io familiar e afeti,,o,
1

sua totalidade, mas considerá-lo objeto da prática e parte em SL1a maioria, seus parceiros. Portanto, a violência
do processo de enfrentan1ento desse problema que, en1 contra a mulher carrega a peculiaridade de ser, predomi -
geral, envolve outras instâncias, alén1 da saúde. É, portanto, nantemente, um fenômeno das relações de i11timidade,
em complen1entaridade com a rede intersetorial que os ser- e ocorre no ambiente domiciliar. Nesse sentido, ela é
viços de saúde precisam se reconhecer e estabelecer os três diferente de outras formas de violência interpessoal, pelo
eixos do seu trabalho nessa área: a detecção, a intervenção envolvi1nento emocional entre as partes e, muitas vezes,
cabível a cada esfera profissional e o encami11hamento, le- pela depe11dência financeira. Essa diferença traz implica-
vando sen1pre en1 co11ta as particularidades de cada caso.** ções profundas no n1odo como a mulher agredida vive e
e11frenta a situação.
No Brasil, estudo de base populacional estimou a
•• \'ale 111,,n.:ar qut.: conforn,e a lei especifica t\ lana da Penha, L.lp1tulo ocorrência de violência contra as mull1eres, realizado
III§ 3°, "serão adn1itiJo~ con10 nH:ios de rro,a os laudos ou prontuarios com amostra representativa nacional de 2.502 mull1eres
n1~dicos for11el.'.1dos por hospitais t. postos th: !'-aúd1/: cabendo ao, nll!di- de 15 anos ou mais. Nessa investigação, 43% das brasi-
cos. in.:luín.•111 estt'S C\'entos en1 suas açóes e registros. leiras declararam ter sofrido ,,iolência praticada por um

380
Capítulo 42 - Violência contra a mulher, saúde mental e assistência integral

hon1e1n 11a \'ida; un1 terço admitiu ter sofrido algu1na Experiências de violência na fan1ília de origem, tais
forn1a de violê11cia física, 13%, sexual e 27%, psicológica. con10 testen1unhar agressões contra a 111ãe, sofrer abuso
Maridos, ex-maridos, namorados e ex-namorados fora111 sexual na infância ou violência física cometida pelos pais
os pri11cipais agressores en1 88% dos autores de tapas e aun1entam o risco de sofrer violência por parceiro na vida
en1purrões e 79% dos perpetradores de relações sexuais adulta. Tais fatores sugerem que a violência que ocorre
forçadas. no interior das relações de intimidade é, muitas vezes,
E111 outro estudo populacio11al realizado en1 duas re- vivida como evento traumático, que se inscreve 11a cadeia
giões do Brasil (município de São Paulo e Zona da Mata de transmissão do continente genealógico familiar como
de Pernambuco), Schraiber e cols. (2007) observara1n que experiência impensável, indizível e inconfessável. Muitas
27,2% das n1ulheres e1n São Paulo e 33,7% en1 Per11an1- vezes, o pacto de silêncio estabelecido entre crianças abu-
buco relataram ter sofrido VPI física ao mer1os uma vez sadas sexualmente por familiares e o abusador faz com
11a vida, e a violência sexual foi relatada e111 10,1 % em São qLte o silê11cio seja transmitido entre gerações, levando
Paulo e 14,3% em Pernan1buco. à reprodução da violência sexual nas gerações seguintes.
En1 48 pesquisas de base populacional realizadas no A dor, a crueldade e a vergonha vividas pelas crianças que
mu11do, entre 10 e 69% das n1ulheres relataran1 ter so- assistem à violê11cia doméstica entre seus pais também são
frido ao menos algum episódio de violência física pelo experiências, muitas vezes, impensáveis e inconfessáveis,
parceiro dura11te a vida. O perce11tual de mulheres agre- qLte são transmitidas em sua forma bruta para as outras
didas 110 ano anterior às entrevistas variou de 3 a 27%. gerações. Con10 reflete Benghozi,
Essa grande variação foi atribuída à adoção de diferentes
procedimentos metodológicos e a diferentes formas de a gestão da herança traun1atica da vergonha está dia11te de
co11ceituação da violê11cia, dificultando a cornparabili- un1 in1passe. O risco constante, quando há um traun1alismo
dade dos dados. psíquico não n1etabolizado, é a repetição da ce11a da violên-
De n1odo geral, os estudos mostram qL1e o fenôn1eno cia, mes1no depois de várias gerações. A víti111a se torna car-
é corre11te 11a sociedade e transcende fronteiras de país, rasco. Ele é encontrado nas terapias de família com relações
classe social, raça, cultL1ra e escolha sexual. Está ligado à incestuosas e corn ,·iolência intrafàmiliar.
aceitação social da violência e se entrelaça co111 os atri-
butos de 111ascL1linidade e de \ririlidade, ben1 co1no con1 VIOLÊNCIA POR PARCEIRO ÍNTIMO NA GESTAÇÃO
as normas hierárqLticas de gênero, que dão "direito" ao Também é um fenôn1eno comum no período da gesta-
home111 de controle sobre be11s e comportamentos femi- ção. Embora estudos tenham mostrado que esse período
ninos. Cont1itos em torno disso, quando a mulher desafia não representa maior risco de a mulher sofrer violência,
esse controle ou o hon1em não pode mantê-lo, estariam ele també1n não representa 1nenor risco. E1n re\ isão de 1

associados à SLLa ocorrência. Além disso, as más condi- treze estudos norte-americanos, canadenses e de outros
ções socioeconômicas constituem risco para VPI, ai11da países desenvolvidos sobre violência no período da gesta-
que de forma moderada ou 11ão linear. Sugere-se que o ção, Gazmararian e cols. ( 1996) apontaram para a varia-
estresse relacionado às más condições de vida e à não- ção de prevalência estimada de 0,9 a 20%, estando a maior
-garantia de acesso a bens e serviços constituiria a base parte deles entre o espectro de 3,9 a 8,3%. Essa grande
dessa associação. variação foi tan1bém atribuída à adoção de diferentes
procedin1entos n1etodológicos co1n relação à maneira en1
FATORES ASSOCIADOS À VPI que foi feita a entre,,ista, sua frequência, momento da ges-
Não há co11senso em relação aos fatores socioden10- tação em que a entrevistada se enco11trava e características
gráficos associados a essa forma de violência. A idade do entrevistador (gênero, atividade profissional e raça).
ten1 se mostrado pouco associada en1 muitos estudos, Ca1npbell e cols. (2004), em revisão sobre os estudos
mas há pesquisas que sugerem risco aumentado para as fora dos EUA, observan1 que o espectro das prevalências
jove11s, especialme11te 11as ocorrências do último ano. de violência física 11a gestação é de 3,4 a 11 % e1n países
A 111aior escolaridade n1ostrou-se como fator de pro- i11dustrializados (Austrália, Suécia, Suíça e Inglaterra) e
teção à VPI em diversos estudos, porém i11vestigações de 3,8 a 31,7% nos países em desenvolvin1ento. Segundo
realizadas na Nicarágua, no México e 110s Estados Unidos as autoras, a 1naior prevalência encontrada foi no Egito
relataram associação inconsistente ou apenas relacionada (31,5%), seguido da Índia (21 a 28%) e da Arábia SaL1dita
à violência moderada. Embora a associação entre violên- (21 º,ú). Todavia, as autoras não discriminan1 o tipo e a
cia e raça/et11ia tenha sido menos i11vestigada, estudos gra\1idade da violê11cia referida.
11orte-americar1os apresenta111 maior prevalê11cia entre No Brasil, Schraiber e D'Oliveira (2002, A), avaliaram
afro-americanas. Todavia, qLtando controlada por ou- un1a amostra de 2.645 mulheres entre 15 e 49 anos e apo11-
tras variáveis sociode111ográficas, tal associação costuma taram índices de 8<ro de n1ulheres que relataram violência
desaparecer, sugeri11do que raça ou etnia serian1 fatores física no período da gestação na cidade de São Paulo e 11 %
correlacionados à condição social. na Zona da Mata do Per11ambL1co. Durand e Schraiber

381
Tratado de Saúde Mental da Mulher

(2007), en1 estudo com 1.922 usuárias de ser\·iços de aten- saúde n1ental, con10 depressão, a11siedade e fobias, sinto-
ção à sat:1de na Gra11de São Paulo, observaram prevalência 1nas físicos como dor crônica, doenças psicossomáticas,
de 20% de alguma forn1a de violência por parceiro 1ntin10 transtornos gastrointestinais, síndron1e do cólon irritável
11a gestação. Este t'1ltimo estudo mostrou que as mulheres e tima variedade de co11sequências reprodt1tiv·as tan1bén1
que sofre111 violência na gestação têm pre\'alê11cia aproxi- são con1uns a essas pacientes. Hern1an (2002) descre,·e o
n1ada111ente duas vezes maior de violência física grave na estado psicológico dessas mulheres como u1n qt1adro que
vida, e111 relação àqt1elas que sofre111 VPI fora da gestação. envoJ,,e muitos sinton1as con1uns ao transtorno do es-
A conclusão das autoras é de que a VPI nesse período tresse pós-traumático, mas inclui sintomas adicio11ais de
de\•e ser vista co1no si11al de \'iolência basta11te gra\'e, e re- depressão, ansiedade, idealização do agressor e disso-
força os achados da revisão realizada por Can1pbell e cols. ciação pro,·ocados pela natureza crônica do traun1a.
(2004), segt1ndo a qual as 1nulheres que sofrem \ iolência
1 Segundo essa autora, e111 clima de co11stante an1eaça e de
na gestação têm risco três vezes 111aior de sofrer tenta- controle do parceiro sobre o seu corpo e suas atividades
ti\•a de l1omicídio ou ho111icídio completo, comparadas diárias de sono, alin1e11tação, lazer e trabalho, a n1ulher
àquelas qt1e sofreran1 VPI fora da gestação. Essas at1toras sente-se sem meios para e, itá-los. Muitas vezes, por meio
1

chamam a atenção para o fato de que, em diversas cida- de intimidações e humilhações, a mulher é isolada de sua
des norte-a1nerica11as, o homicídio representa a principal fan1ília e de st1a rede social, o acesso a recursos próprios
cat1sa de 111orte pré e pós-natal. é restringido e seus movimenlos, monitorados. Dá-se
Esse panorama mundial da \'iolência por parceiro ín- origem, então, a um processo de desesperança e desâni-
ti1no na vida e durante a gestação revela que esse tema é mo, no qt1al a habilidade da mt1lher em iniciar ações fica
recorrente, grave e precisa ser to1nado como violação de reduzida e o seu funcionamento psicológico, prejudicado.
direito e questão de saúde pública. A seguir apresenta-se Aliado a isso, é con1um o parceiro recorrer a estratégias
un1a re\1 isão da literatura sobre problemas de sat'1de men- de sedt1ção e recompensas, com agrados e promessas de
tal associados à violência por parceiro íntimo, apontando mudança, por meio dos quais consegue que a relação
para a ~1roximidade entre os fenômenos da violência e o perdure. En1 longo prazo, as respostas dessas n1ulheres à
adoecin1ento psíquico. violência provocan1 1nuda11ças em sua perso11alidade e as
tor11a111 ,,uJ11eráveis à repetição do fenômeno.
REPERCUSSÕES DA VPI NA SAÚDE MENTAL DA
MULHER TRANSTORNOS MENTAIS COMUNS: DEPRESSÃO E
A associação entre violência por parceiro íntin10 e pro- AN5!EDADE
ble1nas de saúde mental tem sido reiterada e1n inúmeros A depressão é um grande problema de saúde mundo
estudos realizados n1undo a fora. ln\·estigações epidemio- a fora, responsável pela perda considerável de anos sau-
lógicas internacio11ais revelan1 que as agressões físicas e dáveis de vida. No Brasil, estima-se que a depressão afete
sexuais na vida adulta são importantes fatores associados e11tre 5 e 10% dos adultos. Pesquisa recente, de Schmidt e
à ocorrência de transtorno depressivo e de a11siedade, cols. (2011 ), en1 dez países desenvolvidos e oito países em
transtorno do estresse pós traun1ático, tentati,·a de suicí- desenvolvimento e11controu a pre\'alência mais elevada na
dio, uso de drogas ilícitas e de álcool. região metropolitana de São Paulo. Essa situação é parti-
Em relatório recente acerca do custo da violência para cularmente aguda entre n1ulheres adultas, que apresentam
a saúde realizado pela VicHealth (2004) estimou-se que a taxas aproximadamente duas \'ezes maiores que a dos ho-
,•iolência doméstica é o principal fator de risco associado mens er11 muitos países. Pesquisadores têm sugerido qt1e
à morte em mulheres at1stralianas entre 15 e 44 anos, res- essas diferenças na incidência estejam relacionadas não a
pondendo por 10% das n1ortes, das quais mais da metade aspectos biológicos, 1nas à pobreza, à discrimi11ação e à
foram causadas por st1icídio. Nesse relatório, os autores violê11cia de gê11ero.
observam que 60% dos problemas de saúde associados No Brasil, os estudos epidemiológicos que relaciona1n
à VPI são problemas de saúde mental, e outros 15<ro são transtornos mentais à violê11cia sofrida pelas mulheres
problen1as relacionados ao maior Liso de tabaco, álcool e aumentam, embora ainda sejam escassos. Em estudo, de
drogas ilícitas entre essas mulheres expostas. Adeodato e cols. (2005), realizado com 100 n1ulheres qt1e
Estudos clínicos têm descrito o efeito que a violência sofreram agressão de seus parceiros e prestara1n quei.xa
pode causar 110 estado psicológico e físico da mulher e na Delegacia da Mulher do Estado do Ceará, co11statou-se
o classificam como "síndrome da mulher espancada" ou que 65% delas apresentaram escores elevados em sinto-
"síndrome traumática complexa': 'A'alker ( 1979) descre- mas somáticos, 78% em sintomas de ansiedade e insônia,
ve que os sintomas apresentados por essas mulheres se 26% en1 distt'1rbios sociais e 61 % apresentara111 pontuação
parecem com os de prisioneiros de guerra e constituem na escala Beck acin1a de oito, o que sugere depressão gra\1e
prolongado padrão de afeto depressivo e sensação ge- ou moderada.
neralizada de desesperança, medo e retraimento social. Ludermir e cols. (2008) investigaram a associação entre
McCaule)' ( 1995) identifica que, além dos sinton1as de a VPI e a presença de TMC (transtorno me11tal comun1)

382
Capítulo 42 - Violência contra a mulher, saúde mental e assistência integral

110 1nunicípio de São Paulo e na Zo11a da Mata de Recife 15 e 24 anos, a taxa aumentot1 e111 4 vezes, passando de
e observaran1 diferença estatisticamente significativa da 0,5 para 2.
pre, alência de TMC entre as mulheres que sofreram qual-
1 Se, por um lado, os dados disponíveis 1nundial111ente
quer tipo de violê11cia (49%) e aquelas que não sofreran1 sugerem que o suicídio é mais prevale11te entre homens,
, 1 iolência ( 19,6%). Notaran1 que, independentemente das por outro há evidências de que as tentativas de suicídio
caracter1sticas den1ográfi.cas e socioeconômicas, do tipo são duas ou três vezes mais freque11tes en1 mulheres.
de relação con1 o agressor, dos eventos de vida estressa11- A maior prevalência de suicídios e111 ho1nens tem sido
tes e do apoio social, a VPI está associada à ocorrência parcialmente atribL1ída ao uso de métodos 111ais letais,
de T!v1C. como, por exemplo, as arn1as. As mulheres, em contras-
Outro estudo realizado 110 Rio de Janeiro, Lovisie cols. te, tendem a optar por meios mais brandos, n1enos letais,
(2005), com 230 mulheres no terceiro trimestre da gravi- con10 o uso de pílulas e cortes. Em algu1nas culturas,
dez, apo11tou que ter sido exposta à violência no ano ante- há maior aceitabilidade e acesso ao uso de arn1as pelos
rior era fator de risco para depressão durante a gestação. homens do que pelas 1nulheres, o que se constitui en1 un1
Lurdemir e cols. (201 O) realizaram estudo longitL1dinal forte fator de gênero relacionado às diferenças nas taxas
co1n 1.045 mulheres usuárias de serviços de atenção pri- de suicídio entre os sexos.
mária do Recife, do terceiro trin1estre da gestação ao pós- Em geral, os dados disponíveis acerca de te11tativa
-parto, i11, estigando a exposição à violê11cia por parceiro
1 de suicídio são poLtco confiáveis, levando-se em co11ta a
íntimo e a ocorrência de depressão pós-parto, estimada dificuldade em se obter informações a esse respeito. Sabe-
por 1neio da escala de depressão pós-parto de Edinburgh. -se que apenas uma minoria dos casos de tentativas de
Observaram qLte 270 mulheres (25,8%, 95% CI 23,2 a suicídio chega às instituições de saúde, permanecendo a
28,6) aprese11tara1n depressão pós-parto, e aquelas co1n efetiva mag11itude do problen1a subnotificada e invisível.
as n1aiores taxas de violência psicológica duranle a gravi- A OMS (Organização Mundial da Saúde) estin1ou que em
dez apresentaram maior possibilidade de desenvolveren1 média apenas 25<ro dos indivíduos co1n ideação ou ten-
depressão pós-parto (adjusted OR 2,29, 95º,b CI 1,15 a tativa de suicídio chegam a algu111a instituição de saúde.
4,57). Nesse estuc.io, a violê11cia psicológica na gestação A ideação de suicídio é Llm fe11ôn1eno ainda mais freque11-
se n1ostrou fortemente associada à depressão pós-parto, te do que a tentativa e o suicídio, todavia sua exte11são é
independenteme11te da violência física e sexual. pratican1ente desconhecida.
EstL1dos com diferentes delineamentos e desenhos
TE~JTATIVA DE SUICÍDIO an1ostrais apresentararn associação entre a ocorrê11cia de
As taxas de suicídio na população geral no Brasil au- VPI e as te11tativas de suicídio. Maselko & Patel (2008)
mentaran1 21 %, e11tre 1980 e 2000, passando de 3,3 para 4 realizaram estudo longitudinal com amostra populacio-
mortes para cada 100.000 habitantes. É co11siderada baixa nal de 2.494 mulheres en1 Goa, 11a índia, e notara111 que
comparativamente a outros países da Europa Orie11tal e a exposição à VPI mostrou-se fator preditivo de te11tativa
ao Sirilanka, porém, em termos de números absolutos, de suicídio (OR:5,18; IC 95º1>; 1,55 a 18,75), independe11-
está entre os dez países con1 maior nún1ero de n1ortes, ten1ente de doe11ças físicas.
pouco mais de 6.000 por ano. Em consonância com as Dois estudos transversais con1 an1ostras populacionais
te11dências mundiais, essa taxa no grupo etário entre 15 notaram forte associação entre a ocorrência de ideação e
e 24 anos aumentou em dez ,,ezes (de 0,4 a 4 para cada te11tativa de suicídio e violência. Dura11d (201 O) realizou
100.000 habitantes), e o grupo entre 25 e 34 a11os aL1me11- estudo com 940 mulheres do Município de São Paulo e
tou en1 quase duas ,,ezes, passando de 3,1 para 5,5. observou que as mull1eres que sofrera1n violência grave 11a
En1bora seja comu1n encontrar na literatura sobre vida apresentaram prevalê11cia 3,7 vezes n1aior de tentati-
suicídio taxas de homens e mulheres agregadas, impor- \'a de suicídio. FanslO½' & Robinso11 (2004) e11tre\•istara111
tantes diferenças de padrões nesses grupos são obser- 2.855 111ulheres de duas regiões da Nova Zelândia e obser-
vadas. Mundialmente, constata-se que o SLticídio é mais varam que as mulheres que sofreram VPI física n1oderada
frequente nos grupos 111asculinos do que nos femi11inos, e severa apresentara111, respectivame11te, pre,,alências 2,62
chegando a un1a razão n1édia de 3: 1, similarmente ao e 3,97 vezes maior de ideação suicida e prevalência 2,98 e
Brasil. O espectro da razão das taxas de hon1e11s e de mu- 7 ,63 vezes maior de tentativa de suicídio.
lheres é amplo e ,•aria 110s difere11tes países entre 1,5: 1 en1 ,
Ci11gapura a 10,4: 1 em Porto Rico, o que sugere forte as- USO DE ALCOOL
sociação con1 fatores de gênero do contexto sociocultural. Os estudos sobre a relação entre a violê11cia por parcei-
A análise dos dados brasileiros por sexo e idade revelou ro ínti1no e o uso de substâ11cias psicoati,,as são, em geral,
que, embora as taxas de suicídio e11tre as mulheres te- voltados ao consumo dessas sL1bstâncias pelo agressor,
nha1n decrescido no período entre 1980 e 2000, passando que atL1aria con10 fator desinibidor e facilitador da vio-
de 2 para 1,6 por 100.000 habitantes, 110 grupo entre lê11cia. Entreta11to, o problema do consumo de álcool tem

383
Tratado de Saúde Mental da Mulher

se agravado no Brasil, sobretudo entre as mulheres, o qL1e tan1bé1n alvo de violência; ela não presencia, mas convive,
pode ser evidenciado pelo aumento expressivo da taxa interage e é cuidada pela mãe en1 situação de violência por
. ' .
de pessoas que relatan1 terem tido ao menos um episódio de parceiro 1nt1mo.
co11sumo excessivo de álcool nos últi1nos trinta dias, entre Com relação à pri1neira situação de exposição, Fantuzzo
os anos de 2006 e 2009. Entre as mulheres, esse aumento e cols. ( 1997) sugerem que, mesmo não sendo alvo direto,
foi de 27%, e entre os homens, de 13%. os filhos de mulheres em situação de violência usualmente
Embora sejam menos freqL1entes os estudos acerca assistem, escutam e interferem nas cenas de violência. Em
do uso de álcool pelas 1nulheres que sofrem violência, consequência, manifesta1n constelação de sintomas se,ne-
assiste-se a un1 crescimento do interesse pelo alcoolismo lhante àquela de crianças negligenciadas ou que são vítiinas
em mL1lheres e pela st1a forte relação com a questão da diretas. Quanto à segunda situação, estudos mostran1 que as
violência de gênero. Durand (2010), e1n estudo realizado crianças expostas à violência entre adultos apresentam ris-
co1n amostra populacional no Município de São Paulo e co aproximadame11te sete vezes maior de sofrer diretamen-
na Zona da Mata de Pernambuco, mostrou que i11depen- te violência t1sica e sexual em comparação com os filhos
dentemente do TMC, dos eve11tos de vida estressantes de mulheres que não as sofrem. Ross (1996) aponta que,
e do estado marital, as 111ulheres que sofrem violência quanto mais frequente e intensa é a violência por parceiro
física ou sexual no ano anterior à entrevista apresentan1 íntin10, maior a probabilidade de a criança ta111bén1 sofrer
prevalência ci11co vezes maior de proble111as relacionados violência pelo parceiro agressor. Alé1n disso, Straus ( 1995)
ao uso do álcool, tais con10 problemas com dinheiro, no observa que as n1ull1eres em situação de violência por seus
trabalho, con1 a família, co1n autoridades etc. Duas princi- parceiros n1a11ífestam mais comportamentos agressivos
pais explicações têm sido levantadas para esse fenômeno. contra seus filhos. Eisenstat e Bancroft apontam que cerca
Uma delas propõe que o álcool seja fator desencadeante de 50 a 70% das mães de crianças vitimas de violência estu-
de situações de violência, seja porque a mulher alcooli- dadas em serviços pediátricos americanos também foram
zada fica mais impulsiva e agressiva, seja porque é vista vitin1as de violê11cia por seus parceiros íntimos no passado
como n1ais disponível sexualmente e com menor status OLl no momento e1n que a pesquisa foi realizada. No Rio
social. A outra e11tende o uso de álcool como consequên- de Janeiro, Reichenhein1 e cols. (2006) realizaram estudo
cia da violência, utilizado pelas n1ulheres para aliviare1n em serviço de saúde e observaram índice de 12,2% de coo-
ou redLtzirem a dor sentida. corrência da violência física conjugal e contra filhos de até
dezoito anos, menor do que os observados fora do Brasil.
REPERCUSSÕES DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE DOS Nas duas pri1neiras situações anteriormente descritas,
FILHOS: AS MULHERES COMO CUIDADORAS operam mecanismos diretos entre a exposição e o impac-
Além dos danos à saúde das mulheres, o impacto na to negati,ro no funcionan1ento das crianças. A terceira
saúde daq1.1eles que convivem e são cuidados por elas, situação de exposição, por sua vez, envolve mecanismos
sobretL1do seus filhos, também tem recebido atenção cres- indiretos, nos quais a violência repercute negativamente
cente. A preocupação mais geral com a saúde das crianças na saúde 1nental mater11a e em suas condições de cuidar
que prese11ciavam ou eran1 indiretamente atingidas pela dos filhos, trazendo consequências para o funcionamento
violência entre adultos emergiu, por volta dos anos 1970, destes. Jaffe e cols. ( 1990) descrevem que as crianças que
à medida que começaram a ser publicadas as primeiras são criadas em ambientes de violência por parceiro íntimo
descrições acerca dos problemas psicológicos vividos podem sofrer sérias conseqL1ências psicológicas e físicas,
pelas crianças que iam para os abrigos com suas mães, 11a medida em que suas necessidades básicas de apego
como meio de escapar da violência da casa. Segundo e sua rotina de alimentação e sono estão prejudicadas.
Edleson ( 1999), a exposição dos filhos à violência entre Além disso, a mãe que vive com medo de seu 1narido
adultos foi a dimensão da violência doméstica reconheci- pode estar incapaz de lidar com as demandas das crianças,
da mais tardiamente, e as crianças nessas condições eram e estas ressentem a distância e a falta de disponibilidade
chamadas de vítimas "silenciosas': "esquecidas" ou "não da cuidadora.
• • •
1ntenc1ona1s .
>)
Mais especificamente entre os filhos em idade esco-
Atualmente, há indícios da associação entre a exposição lar (de 5 a 12 anos), os problemas de comportamentos
à violência e a presença de sintomas de trawna, quadros de- denominados externalizantes e internalizantes são os
pressivos e de ansiedade, bem con10 con1portamentos agres- 1nais comumente descritos na literatura. Os compor-
sivos, problemas de conduta e baixo desempenho escolar. tamentos externalizantes se referem à atuação 11egativa
Embora aprese11tem diferenças na defi11ição do con- da criança direcionada ao an1bie11te externo, por meio
ceito de exposição da criança à violê11cia, muitos autores de agressividade, hiperatividade, desobediê11cia às re-
o define1n como o fato de a criança ser filha de uma m u- gras e desafio à autoridade. Essa situação pode vir a
lher en1 situação de violência por parceiro íntimo (VPI). desencadear un1a série de problemas 110 a1nbiente da
Esse conceito é amplo e abrange três possíveis situações: escola qL1e irá agravar suas dificuldades no ambiente
a criança presencia violê11cia contra sua mãe; a criança é doméstico, podendo cl1egar a comporta1nentos de fuga

384
Capítulo 42 - Violência contra a mulher, saúde mental e assistência integral

de casa, especialmente entre os homens. Os problemas internada em um hospital psiquiátrico ao longo de três
de comportamentos internalizantes, tais como trans- semanas, até que o efeito da medicação netiroléptica e a
torno do estresse pós-traumático, depressão, ansieda- remissão dos sinton1as fossem alcançados. Coere11te com
de e retraimento ta1nbém têm sido observados nessa sua orientação, a equipe que ate11deu a essa paciente, logo
população. que alcança a remissão dos sintomas psiquiátricos, decide
acionar o parceiro, que vem buscá-la no hospital e a leva
CAMINHOS PARA O ENFRENTAMENTO DO PROBLEMA para viver novamente em sua casa. Maria sai do hospital
t.JO c:~r.~PO DA SAÚDE: Urv1 ESTUDO DE CASO em un1 qt1adro de dissociação, sem saber dizer o que se
O caso de Maria*** exemplifica a rota de busca por passou con1 ela, e volta a viver com o agressor, que passa
ajuda realizada por uma mulher com tra11storno psiqui- a tratá-la con10 "louca" e se autoriza a agredi-la de forn1a
átrico que ,,ive situação de violência praticada por seu crescente. Embora no n1omento da alta tenha sido indica-
parceiro íntimo. Nessa rota, evidenciam-se falhas e desar- do acompanhamento a1nbulatorial em alguma instituição
ticulações entre instituições de saúde mental em três eixos de saúde mental, a paciente 11ão te,,e o auxílio devido na
da prática assistencial, isto é, na detecção da violência e procura dessa instituição, ne111 recebeu qualqL1er registro
da sua interface com os problemas de sat'.1de mental vi - dos procedimentos e diagnósticos médicos realizados ali.
vidos, na intervenção e no encan1inhamento dos casos. A equipe qt1e atende seu filho observa suas dificul-
A não integração do trabalho nas diversas instituições re- dades psíqt1icas e a e11caminha a u1n CAPS (Centro de
sultou em complexo e ineficaz processo de cuidado, além Atenção Psicossocial). Sem registro de sua história médi-
de aun1entar a vulnerabilidade dessa mulher a novos epi- ca pregressa, os profissionais do CAPS fazem ot1tro diag-
sódios de violência. Esse caso ilustra também as lacunas nóstico - transtorno dissociativo - e a medicam com anti -
encontradas não apenas i11terna1nente nas instituições de depressivos e tranquilizantes. Ali, também, a intervenção
saúde mental, mas entre esses serviços e a polícia, a justiça foi focada nos sintomas psiquiátricos, e a violência, agora
e a assistência social. crescente, com an1eaças de homicídio, qt1eimaduras com
Maria é uma n1ulher de 33 anos que vivia com urn
, - .
agua quente e111 suas costas e agressoes contra a criança,
parceiro havia dois anos e com set1 filho de 6 anos, de um não foi detectada.
primeiro relacionamento afetivo-conjugal. Possuía precá- Vale ressaltar aqui que, en1 ambas as instituições de
ria rede social, restrita a conhecidos do bairro onde vivia saúde n1ental nas quais essa mulher foi atendida, ficaram
e ao parceiro, homen1 que a acolheu em st1a casa, quando perdidos o compron1isso ético-político do cuidado in-
havia sido despejada de sua n1oradia por dificuldades tegral e o sentido teórico-conceituai de violência como
financeiras para pagamento do aluguel. Não mantém violação de direitos, negação do agir ético e con1u11icati,1 0
relação co111 os demais membros de sua família. Seu filho e uso instrumental de poder/autoridade. A redução das
tem diagnóstico de transtorno invasivo do desen,,olvi- condutas médicas à remissão dos sintomas psiquiátricos,
mento (autis1110) e está em acompanhamento em uma desacompanhada de t1n1a escuta qualificada para detecção
instituição pública de saúde mental infantil. Maria não e intervenção no fenômeno da violência, a despeito de
trabalha e vive com o benefício social LOAS, recebido do suas marcas no corpo, inviabilizou ações voltadas ao en-
Estado pelo diagnóstico de seu filho. Teve un1a internação frentamento da questão. E mais, sern o desenvolvimento
psiquiátrica prévia, porém não possui documentos ou um de projetos assistenciais integrados, a rede interna ao setor
informante que possa realizar um relato objetivo sobre de saúde mental ficoti frágil, fragmentada, e o compro-
essa experiência. Nenhuma instituição a acompanhou misso ético das intervenções, prejudicado.
co1n maior co11stâ11cia para realizar un1 diagnóstico longi- Diante do agravamento da situação de violência, a
tt1dinal. É, portanto, uma 1nulher que apresenta condição equipe que acompanha seu filho a encaminhou à Delega-
de grande \'Ulnerabilidade dada sua escassa rede social e cia de Defesa da Mulher e ao CAISM (Centro de Atenção
familiar, sua precária condição de saúde mental e o adoe- Integral à Saúde da Mulher), de onde foi abrigada com
cimento de seu filho. seu filho em casa de acoll1ida a mulheres em situação
Sua situação foi agravada após t1m episódio de agres- de ,1 iolência. Nessa instituição especializada, após longo
sões verbais e físicas de seu parceiro atual, após o qual e estressante processo de rompimento com o agressor,
Maria apresenta hematomas em seu corpo, inclusive en1 no,10 surto psicótico acometeu essa mulher. A ausência de
seu rosto, e desencadeia um surto psicótico, com altera- profissionais qualificados nessa instituição para lidar co111
ções de pensamento de cunho persecutório, alterações problen1as n1entais e a postura refratária seus profissio-
da senso-percepção e agitação psicomotora. Perambula nais a absorver un1a paciente em tais condições tornaram
pelas rt1as, apresentando alucinações de que pessoas as intervenções bastante truncadas, até ela ser encami-
mortas saem do chão e delírios de que estranhos querem nhada para nova internação psiquiátrica. Mais uma vez,
tirar seu filho dela. Le,,ada pela polícia, é medicada e o trabalho em rede se rompeu, não haver1do articulação
entre o CAPS, no qual a paciente realizava atendimento
•• • '\on1e fic t 1cio. psiquiátrico ambulatorial, e a casa de acolhida .

385
Tratado de Saúde Mental da Mulher

Qual cuidado cabe aos profissionais de saúde mental como brincadeiras, desenhos e histórias, além de escuta
oferecer às mulheres em situação de violência? Além de qualificada das mães e/ou dos cuidadores.
socorrer as queixas e patologias, a equipe de profissio- Em st1ma, o caso aqui apresentado retrata como a
nais de saúde mental deve propiciar a identificação dos especialização dos saberes, no caso do saber psiquiátri-
episódios de violência, combatendo sua banalização. co, pode restringir a con1preensão do caso aos sintomas
Para tanto, é necessário uma escuta sem julgamento, 1nanifestos, limitando a apreensão do fenômeno em suas
garantindo tempo, a1nbiente continente, sigilo e respeito múltiplas dimensões e do alto risco à vida nele envolvi-
para que o relato da violência possa acontecer. Além de do. Além disso, esse caso mostra como se faz necessário
oferecer acolhimento imediato, enfrentando diretamen- repensar a estratégia comum aos profissionais de saúde
te a violência, é necessário também ter referências à rede mental de bt1scar o apoio ao tratamento dos pacientes nas
intersetorial, conhecê-las, considerando duas possibi- famílias e nos parceiros. A violência por parceiro íntimo
lidades complen1entares de atuação: acionar a polícia, expõe a fragilidade de tais estratégias e impõe o desafio de
a justiça e os serviços específicos de atenção a casos de se construir novos direcionamentos do trabalho.
violência, como os CAISM, Casas Abrigos, CREAS, que Outro ponto a ser tratado nesse caso relaciona-se à
dispo11ibilizan1 saberes mais especializados; ou atuar posição refratária da casa de acolhida a mulheres em si-
inter11amente ao sistema de satide, com ações específi- tuação de violência no recebimento dessa paciente. A ale-
cas em suas esferas primárias, secundárias e terciárias, gação de falta de profissionais qualificados para lidar com
assistindo aos casos de violência como parte da atenção sujeitos com transtornos mentais aponta outro paradoxo:

em seus serviços. se essas instituições não estão capacitadas para receber
Buscar decisões compartilhadas com a mulher, apoian- pacientes com problemas de saúde mental, para onde vão
do seu fortalecime11to e emancipação, sem cair em u1n as mulheres nessas condições?
processo de vitin1ização, é outro princípio orientador O caminho de enfrentamento do problema da violência
para o ate11dimento a esses casos. Mesmo que a mulher contra a mulher ainda está repleto de desafios a serem
e111 situação de violência esteja alienada em relação às superados, sendo a apropriação dessa questão nas práticas
suas próprias ações, para que o profissional de saúde se assistenciais em saúde mental um deles, se não o maior de-
sinta apto a ajudá-la, ele precisa receber treinamento e les. O que se acentuou neste capítulo é a urgência que esse
supervisão constante, aprendendo inclusive a lidar com tema impõe à clínica em saúde mental, em seus diversos
seus próprios sentimentos diante da violência. níveis da assistência (das UBS, CAPS e pro11to-socorros aos
Em ot1tras palavras, do ponto de vista assistencial, hospitais), de reconstrução da escuta ampliada do st1jeito
é fundamental a1npliar a capacitação dos profissionais ali assistido. O cuidado das pessoas que sofrem violê11cia,
de saúde para que se estabeleça uma via de mão dupla de e não apenas destas, tem exigido que a frag1nentação e a
identificação e cuidado. Por uma via, as mulheres com medicalização da prática clínica especializada deem lugar a
agravos à saúde mental precisam ser identificadas, as uma postura humanizada e compreensiva. Caso contrário,
experiências de violência a eles associadas precisam ser continuará sendo um obstáculo ao e11frentamento desse
reconhecidas e o cuidado adequado deve ser oferecido a problema, onerando ainda mais as suas instituições, já bas-
elas. Por outra via, as mulheres, nas quais experiências de tante procuradas, na medida em que os casos de violência
violência pelo parceiro foram detectadas, precisam ser in- não detectados tendem a retornar aos serviços.
vestigadas quanto à sua condição mental para serem apro-
priada1nente tratadas. Em outras palavras, não importa BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
por qual via de entrada - seja pela identificação do so- Adeodato VG, Carvalho RR, Siqueira VR, Souza FG, Matos E. Qua-
frimento mental, seja pela violência -, o fenômeno como lidade de vida e depressão em mulheres vítimas de seus parceiros.
Rev Saúde Pública. 2005;39(1):108-13.
um todo necessita ser abordado, levando-se em conta a
Benghozi P. Traumatismos precoces da cria11ça e transmissão gene-
cadeia 1nais ampla de eventos que o compõe. Além disso,
alógica en1 situações de crises e catástrofes humanitárias. ln: Correa
as estratégias de intervenção voltadas às mt1lheres devem O (org.). Os avatares da transmissão psíquica geracional. São Paulo:
ser conjugadas ao cuidado dos filhos, sobretudo daqueles Escuta; 2000. p. 89-100.
cujas mães apresentam agravos na saúde mental. Há in- Bogat GA, Dejonghe E, Levendosky AA, Davidson WS, Eye AV.
dícios fortes de que os prejt1ízos causados pela violência Trauma symptoms among infant exposed to intimate partner vio-
na vida emocional da mãe repercutem negativamente na lence. Child abuse & neglect. 2006;30:109-25.
interação que esta estabelece com seus filhos e são trans- Bourdieu PA Dominação Masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Bra-
mitidos para as gerações segL1intes. sil; 1999.
Vale destacar que o atendimento dessa população re- Campbell JC. Health consequences of intin1ate partner violence.
quer um ambiente suficie11temente seguro, profissionais Lancet. 2002;359: 1331-6.
sensíveis ao tema e capazes de reco11hecer sintomas e Coid J, Petruckevitch A, Chung WS, Richardson J, Moorey S, Feder
identificar casos. Com relação às crianças, é preciso ain- G. Abusive experiences and psychiatric morbidity in won1en pri-
mary care attenders. Br J Psychiatry. 2003;183:332-9.
da disponibilizar recursos não verbais de expressão, tais

386
O manejo dos transtornos
psiquiátricos graves e
persistentes: o papel das
Unidades Materno-Infantis
Jerônimo de A. Mendes Ribeiro
Sheila Vardanega
Benício N. Frey

- no depressivo grave. 3 Sabe-se que pelo menos 2% das no-


INTRODUÇAO
A gestação e o pós-parto são períodos em que é co- vas mães serão encaminhadas a uma equipe psiquiátrica
mum a ocorrência de transtornos psiquiátricos, tanto de durante esse período, e 4 em cada 1.000 delas necessitarão
primeiros episódios quanto de recorrência de condições ser internadas, sendo que cerca de 1 a 2 a cada 1.000 de-
preexistentes. Ao contrário do que se acreditava anos senvolverão psicose puerperal. 4
atrás, a gestação não confere proteção co11tra recorrên - A maioria das mulheres que desenvolvem problemas
cia de transtornos mentais graves, particularmente se mentais durante a gestação ou após o parto sofre de trans-
a mulher tiver interrompido seu tratamento ust1al no torno depressivo leve, geralmente acompanhado de an-
início da gravidez. Transtornos psiquiátricos graves nas siedade. Durante a gestação, o risco de desenvolvimento
últimas semanas da gestação e nas primeiras após o par- de transtornos mentais graves (esquizofrenia, transtorno
to apresentam uma série de características clínicas, in- bipolar e transtorno depressivo grave) é minimamente
cluindo tendência a início súbito, rápida deterioração e aumentado ou não difere do risco desses transtornos
relativa boa resposta ao tratamento farmacológico. 1 Isso, em geral. Entretanto, o risco de desenvolver tra11storno
somado às necessidades especiais das mulheres e seus bipolar e depressão grave é marcadamente elevado após
bebês nessa fase da vida, ten1 levantado a necessidade o parto, particularmente durante os primeiros três meses.
de serviços especializados em transtornos psiquiátricos A maioria dos casos de PP (psicose puerperal) inicia na
perinatais, tanto 110 ân1bito nacional como internacio- primeira semana pós-parto, e mais de 90% desses episó-
nal. Este capítulo revisa brevemente a prevalência dos dios ocorrem até o terceiro mês. 5
transtornos mentais graves no período pós-natal e os O Reúno Unido é pioneiro na assistência perinatal, e
riscos para a mãe e para o recém-nascido. Em seguida, os últimos dois relatórios elaborados6·' demonstraram que
discute o desenvolvimento e as características das UMis mais da metade das mortes 1naternas por suicídio tinham
(Unidades Materno-Infantis), criadas com o objetivo de uma história pregressa de transtorno mental grave. Além
preve11ir a separação mãe-bebê em situações em que a de história prévia de PP, deve-se ter em mente, sobretudo
mãe 11ecessita de hospitalização psiquiátrica, e finaliza em primíparas, que história familiar de transtorno bipolar
com exemplos sobre o ft1ncionamento de UMis 110 Rei- aumenta o risco de uma mulher dese11volver PP. 8
no Unido e na Austrália. A recomendação atual sobre cuidados para mães com
transtornos mentais graves de ocorrência no pós-parto,
pe]o menos no Reino Unido e outros países da Europa,
além da Austrália e Nova Zelândia, é de mantê-las junto
Pelo menos 10% das primíparas desenvolvem un1 de seus bebês sempre que possível. 9 Esses países há déca-
transtorno depressivo no primeiro ano após o parto, 2 das das têm promovido a integração entre assistência de saúde
quais e11tre 1/3 e a metade delas sofrerão de Llm transtor- mental com os ct1idados perinatais.
Tratado de Saúde Mental da Mulher

Do ponto de vista neurobiológico, di\'ersos estudos


em anin1ais e huma11os demonstraram que a separação
1naterna logo após o parto causa alterações em siste-
Até recentemente, acreditava-se que a taxa de suicídio mas neurotransr11issores en\'Ol\'idos 11a etiopatogenia de
materno era mais baixa do que se pensava anteriormente, transtornos de hun1or, ansiedade e psicoses. Além disso,
e tinha-se un1a expectativa de que a gestação conferisse a separação n1aterna pós-parto também altera a resposta
um "período protetor". 10 Entretanto, os últimos relatórios do eixo HHA (hipotálamo-hipófise-adre11al) e, por co11-
no Reino Unido observaram que o suicídio materno é sequência, a liberação de corticosteroides em situações
muito mais comum do que se pensa\'a anteriormente, e de estresse.
que o suicídio é, na verdade, a principal causa de morte Estudos en1 n1odelos anin1ais mostraram qL1e ratos
n1ater11a do período puerperal, sobretudo en1 n1ulheres adultos que tinham sido separados de suas mães logo após
com transtor110 mental grave. 11 12 Entre as n1ulheres que o parto apresentaran1 maiores nÍ\ eis basais de corticoste-
1

cometerarn suicídio, e111 70% dos casos o risco já existia rona (análogo ao cortisol em hL1ma11os ) en1 comparação
durante a gestação, mas menos da metade dessas mulhe- aos ratos adultos qL1e ha\1 iam sido criados por suas n1ães,
res te\'e um plano terapêutico desen\'Ol\•ido e colocado em o que sugere que separação maternal está associada a
prática. Além disso, em uma 111i11oria dos casos, o plano uma resposta exagerada ao estresse que persiste dL1rante
de manejo instituído foi considerado adequado ou comu- a fase adulta. 1s Un1 estudo mais recente demonstrou qL1e
nicado entre a maternidade e os serviços psiquiátricos, e a a hipersecreção de corticostero11a após separação n1aterna
maioria não estava sob o cuidado de um psiquiatra. precoce estaria associada a un1 aume11to da expressão dos
Outro risco importante associado aos transtornos receptores tipo 2 dos glicocorticoides e dos receptores
mentais graves no período puerperal é o de infanticídio, do hormônio de liberação de corticotrofina tipo 1 110
um desfecho que ocorre em aproximadame11te 4C}'o das hipocampo de ratos adolescentes. ~ Esse estudo revelou
mulheres co111 PP. 13 En1 um estudo envolvendo mulhe- um n1ecanismo epige11ético pelo qual separação n1aternal
res filicidas internadas em uma unidade psiquiátrica precoce pode alterar a resposta do eixo HHA ao estresse.
forense durante um período de vinte anos, 75,6C}'o foram Além de alterar o eixo HHA, a separação materna pre-
diagnosticadas com depressão maior e 24,4º'<> com trans- coce também pode afetar os sisternas dopaminérgico e se-
torno bipolar na admissão. Na alta, 73,3% tinhan1 sido rotonérgico. Por exemplo, ratos adolescentes que ficaram
rediagnosticadas como tendo transtorno bipolar com separados de suas mães por três horas dL1rante as primei-
base em episódios hipomaníacos ou maníacos durante ras duas sema11as pós-parto aprese11taram un1a din1i11ui-
a detenção. 1·1 Esse estudo reforça a alta associação entre ção da atividade dopaminérgica na região mesolímbica,
transtorno bipolar no período pós-parto e risco de i11- alé,n de uma din1inuição dos nÍ\ eis de serotonina nos
1

fanticídio e a in1portância do diagnóstico correto, pois núcleos da rafe. 'º Esses achados vão ao e11contro de outros
um manejo errô11eo desses casos pode levar a desfechos dois estudos en1 que n1acacos Rhesus recém-11ascidos se-
catastróficos. Um exemplo disso seria o aparecin1ento de parados de suas n1ães no período pós-parto foram avalia-
um estado confusional agudo 110 pós-parto, aco1npanha- dos na infância 21 e na idade adulta. 22 Dura11te a infância, a
do de sintomas físicos "inespecíficos" em uma mulher separação maternal precoce le\10u à n1etilação do gene da
com uma história prévia de transtorno de humor que po- proteína de tra11sporte da serotonina, e tal alteração epi-
deria ser erroneamente atribuído a sintomas depressivos genética foi associada a uma maior reatividade emocional
puerperais. Isso reitera a necessidade de un1a avaliação e 110s n1acacos jovens separados de suas mães. Na idade
co11stante n1onitoramento de mulheres que apresentam adulta, n1acacos submetidos à separação materna precoce
depressão pós-parto associado a circunstâncias clínicas apresentaram un1 aumento de resposta ao estresse, e tal
adversas, pois essa confusão diagnóstica pode postergar o comportan1ento foi associado em parte a polin1orfismos
diagnóstico e manejo apropriados. nos genes do tra11sportador da serotonina e do gene da
enzima inibidora da monoamino-oxidase. Em conju11to,
esses estudos em modelos anin1ais sugerem forteme11te
que a separação mater11a precoce leva a alterações do eixo
A hospitalização de mães sem os seus bebês pode HHA e de sisten1as neL1rotransmissores associados a an-
... . . - , -
trazer consequenc1as negativas 11ao so para a 1nae, mas siedade e humor e resposta ao estresse que persistem até a
ta1nbém para o bebê. A mãe frequentemente desen\ olve 1 \•ida adulta. Embora esses tipos de estudos sejam difíceis
sentimentos de culpa obsessivos em razão da dificuldade de replicar em l1u111anos, investigadores da Finlâ11dia
psíquica/emocional de CL1idar do bebê. 1~ A criança, por avaliaram a resposta hormonal ao estresse en1 indivíduos
sua \'ez, pode ser afetada tanto pela separação como pelo (idade n1édia de 63 anos) que foram separados apenas do
transtorno mental materno, o que torna crucial a aborda- pai na Segunda Guerra Ivlu11dial, e111 comparação aos que
gem terapêutica conjunta, que promova o \' Ínculo e iden- foram separados do pai e da mãe e indivíduos que 11ão fo-
tifique e aborde as 11ecessidades emocionais parentais. 16 1- ram separados dos pais. Nesse estudo, apenas o grupo que

390
Capítulo 43 - O maneJo dos transtornos ps1quiátncos graves e persistentes· o papel das Unidades Materno-Infantis

foi separado de ambos apresentaram aumento do cortisol nos graves, como a psicose puerperal e a depressão suicida
salivar e aumento do ACTH plasmático durante um teste fossem manejadas por especialistas, sem compron1eter o
de resposta ao estresse. Além disso, aqueles que sofreram vínculo entre a mãe e o recém-11ascido. 26 Nos anos que
separação na i11fância precoce apresentaram uma resposta se seguiram, essa experiência facilitaria a introdução de
n1aior ao estresse do que aqueles separados mais tarde na internação, nos serviços psiquiátricos de adultos, das mães
i11fância ou durante a fase escolar. 23 Em suma, esse estudo mentalmente enfermas com seu bebê. Estima-se que en1
está de acordo com os estudos em animais sugerindo que 1985, na I11glaterra e País de Gales, ha,,ia 150 leitos, pro-
a separação precoce está associada a alterações de respos- duzindo cerca de 1.200 hospitalizações conjuntas no ano.
ta ao estresse que persisten1 ao longo da vida. Na França, em 1950, foram feitas internações ocasionais
Dessa forma, hospitalizações conjuntas entre mãe e conju11tas até a abertura, e1n 1979, da primeira Unidade
bebê sob a forma de Unidades Materno-Infantis (UMis) Materno-l11fantil em Creteil, com três leitos para mãe e
previnen1 a separação em uma fase crítica do dese11,,olvi- três berços. Em 2005, na França, havia dezessete UMis em
mento da criança. Estudos iniciais de Spitz2·1 e Bo\vlby~' tempo integral con1 cerca de sessenta leitos. Esse nt1mero
demonstraram pela primeira vez o in1pacto psíquico, é, contudo, ainda longe dos 594 leitos psiquiátricos que
cog11itivo e quanto ao dese11vol,1imento afetivo e emocio- seriam necessários para atender a todas as necessidades
nal ocorrido com a criança, quando separada, mesmo por do país. Essa prática se estendet1 também a alguns países
breves períodos, de sua mãe. As competê11cias do recén1- europeus (Bélgica, Holanda, Luxemburgo e Alemanha, a
-nascidos, incluindo a sua capacidade de comunicação partir da década de 1990), e da Oceania (Nova Zelândia e
e interação com os adultos, foram descobertos ao longo Austrália). Infelizme11te, algumas UMis dos Estados Uni-
do desenvolvimento do apego e da vital importância do dos, da Suíça, de Israel e do Canadá foram descontinuadas
relacionamento e11tre o bebê e seu principal cuidador no por motivos financeiros, ao que parece relacio11ados a
seu desenvolvimento ernocional. problemas de reembolso dos seguro de saúde. 1-

UNIDADES MATERNO-INFANTIS
Embora não exista u111a definição clara do que se
constitua un1a UMI, esse termo é aplicado qua11do tima
Até a primeira metade do séct1lo XX, separar a mãe instalação tem uma unidade psiquiátrica feminina em que
do bebê era considerada a melhor medida a ser adotada o bebê possa também ser acomodado, desde grandes en-
se a mãe necessitasse de cuidados residenciais ou por fermarias inteiramente separadas de outras unidades e em
necessidade de institucionalização. Foi apenas ao final fu11cionan1ento 24 horas, até locais onde exista uma estru-
dos anos 1950 que essa prática começou a mudar e foram tura mínima qt1e permita e assegure a segurança da mãe
estabelecidas as primeiras instalações que permitirian1 e do bebê, em caráter menos restritivo, en1 um contexto
a internação psiquiátrica conjunta no Reino Unido. 11 mutidisciplinar e que possibilite o manejo do transtorno
Atualmente, existe um crescente interesse nos transtornos n1ental da mãe e que possa dar as condições mínimas de
relacionados ao pós-parto, mas esse tema vem sendo estt1- promover a interação mãe-bebê.
dado há mais de 150 anos. Em 1858, Louis Victor Marcé, Esses serviços foram desenvolvidos em resposta à cres-
um psiquiatra francês, aluno de Esquirrol, publicou um ce11te demanda e reconhecimento da alta prevalência de
livro, intitulado Treatise on the psychoses of preg,-zat 1vo- transtornos mentais em mulheres no pós-parto. Embora
n1en, a,-1d newly delivered and nursing 1nothers. Marcé é o principal objetivo das UMis seja de promover relações
co11siderado un1 dos fundadores da Psiquiatria Perinatal. saudáveis n1ater110-infantis e mi11imizar a interrupção do
Cronologicamente, o Reino Unido foi pioneiro no campo aleitamento materno, ,,ários outros benefícios clínicos
da Psiquiatria Peri11atal. De fato, seu contexto histórico a e práticos são aparentes. Uma in1portante vantagem é a
partir da Segunda Guerra Mundial é muito particular, por possibilidade de os médicos observarem diretan1ente as
causa da evacuação de cria11ças nos arredores de Lo11dres i11terações entre mães e bebês, para que as áreas de difi-
dt1rante a Blitz, en1 1940, que revelot1 os efeitos preju- culdade possam ser abordadas por meio de orientação,
diciais da separação de crianças de suas famílias. Desde apoio e modelagem de cuidados infantis adequados. Isso
e11tão, a presença dos pais acompanhando seus filhos em é particularmente útil para algumas mulheres, para as
enfermarias pediátricas durante o dia e à noite passou a quais a presença do bebê desencadeia manifestação de
ser incentivada. si11tomas clínicos (por exemplo, aumento da a11siedade e
A primeira vez em que um bebê foi adn1itido em uma pensamentos obsessivos). As U11idades Materno-Infantis
unidade psiquiátrica em conjunto com sua mãe foi em também podem ajudar a minimizar a possibilidade de
1948, pelo psiquiatra britânico Tom Main. Isso motivou, que mães gravemente deprimidas evitem seus bebês e dá
a partir de então, o desenvolvimento de estudos, por con- às mães muito ansiosas a oportunidade de ganhar expe-
ce11trar os transtor11os psiquiátricos pós-parto, facilitar a riência, permitindo que outros cuidem do bebê. Outro
observação de centenas de casos e pern1itir que transtor- be11efício dessas unidades especializadas é a oportunidade

391
Tratado de Saúde Mental da Mulher

de que as mulheres possam i11teragir com um grupo de individual, familiar ou de casal, além de terapia ocupacio-
outros pacientes confrontando preocupações similares. nal, aromaterapia, massagem para mãe e bebê, serviços de
O apoio social e normalização inerente a esse cenário advocacia, serviço social, entre outras. A enfermage1n 11e-
podem ser tremendamente úteis aos pacie11tes perinatais, cessita de treinamento apropriado e l1abilidades especiais
muitos dos quais sentem vergonha ou culpa e são reticen- que envolvam os cuidados de mulheres e bebês nesta fase
tes em admitir a sua angústia. Finalmente, em um nível crucial de suas vidas. Algt1n1as UMis estão anexas a un1a
prático, unidades mãe-bebê permitem que as mães, que enfermaria psiquiátrica ou a uma unidade de psiquiatria
são frequentemente as cuidadoras primárias das crian- infa11til enqt1anto outras são Ltnidades construídas próxi-
ças, mantenham esse papel ao invés de atribuí-lo a outro mas a um centro obstétrico ou a um departamento de pe-
1nembro da família. diatria, e a minoria adn1ite mulheres com seus parceiros
Embora existam muitos benefícios de admissão con- e/ou crianças de idade superior a un1 ano.
junta mãe-bebê, obstáculos podem limitar a execução de No que se refere aos custos, as UMis são uma das for-
tais programas. Uma preocupação é a possibilidade de mas mais caras de assistência em saúde, com custos com-
riscos de saúde para bebês internados em um hospital paráveis a u11idades de psiquiatria forense e a enferma-
geral (por exemplo, a exposição a doenças infecciosas). rias de cuidados intensivos. 16 Isso se deve à necessidade
Outra barreira é o espaço e equipe adicio11ais necessá- de equipes altamente capacitadas e especializadas que
rios para acomodar o cuidado dos lactentes. Por fim, trabalhem de maneira multidisciplinar e usualmente em
um obstáculo importante é a dificuldade de obtenção de caráter de plantão 24 horas.
aprovação e reembolso financeiro por uma empresa de se-
guro em razão da falta de familiaridade com essa abor-
dagem. Embora unidades materno-infantis ainda sejam
relativame11te novas e exijam avaliação en1pírica, diversos ., _ ; eu,,· '(l

relatórios têm fornecido evidências preliminares, sugeri11- No Reino Unido, existem cerca de trinta serviços de in-
do que essa forma de tratamento é efetiva e aceitável para ternação em Unidades Materno-Infantis que fazem parte
os pacientes. 28 da rede pública de assistência psiquiátrica. Apesar da falta
As indicações para internação em uma UMI são ba- de ensaios clínicos controlados ra11domizados que ava-
seadas, na maioria das vezes, 11a condição psiquiátrica liem sua eficácia, as UMis são atual1nente preconizadas
materna. Mas, em alguns casos, a indicação pode ser a por tima série de documentos e políticas do Reino Unido
possibilidade de trabalhar o vínculo mãe-filho. O objetivo para os cuidados de mulheres com doença rnental grave
pode ser não o de manter, a todo custo, o bebê junto de no período pós-parto. As características de funcionan1en-
sua mãe, mas sim trabalhar a ligação entre eles, a fim de to desses serviços são muito variáveis e11tre si. Em âmbito
estabelecer a melhor estrutura possível, especialmente nacional, há muito menos leitos do que o 11ecessário, e há
quanto aos relacionamentos de curto prazo, a encontrar un1a desigualdade de Acesso em: todo o país. Há pouca
ou recuperar relações harmoniosas e seguras com seu consistê11cia em relação a instalações, gestão e financia-
bebê, mas também devem incluir a ajuda à n1ãe e sua mento, rotas de referência, a gravidade da doença das
condição. Dois tipos de situações podem ser esquematica- mull1eres admitidas, e apoio para os cuidadores.
mente distinguidas: em primeiro lugar, as situações previ- Um estudo descritivo transversal identificou doze
síveis e planejáveis, em que a mãe já é conhecida e tratada UMis, sendo que dez UMis localizavam-se em um hospi-
para psicose afetiva ou não afetiva, transtorno depressivo tal psiquiátrico e dois como uma ala de um hospital geral,
crônico, um transtorno grave de personalidade, ou teve totalizando 91 leitos disponíveis. Os encaminhamentos
um episódio pós-parto anterior. Nesses casos, as UMis se mais comuns seguiam esta ordem:
tornam parte de um continuum de cuidados, que permi- • serviços psiquiátricos ambulatoriais ( comu11itários,
tem oferecer à n1ulher uma perspectiva tranquilizadora psiquiatras, equipes de cuidados residenciais ou de
de detecção e manejo precoces de deterioro clínico. Em intervenção em crise);
segundo lugar, há situações imprevistas, de descompen- • clínicos gerais;
sação psicológica materna intensa e aguda (como psicose • assistentes sociais, parteiras, enfermarias obstétricas,
puerperal, depressão pós-parto maior e transtornos de agentes de saúde da comunidade;
ansiedade, como adaptação e TEPT, por exemplo). A hos- • serviços de internação psiqt1iátrica;
pitalização em t1ma UMI pode então combinar cuidados • outras (trabalhadores da área da saúde n1ental que não
para a mãe, e a prevenção e/ou tratamento de distúrbios pertenciam ao sistema nacional de saúde, policia, agên-
de interações precoces. cias de justiça criminal etc.).
As modalidades de tratamento encontradas nas UMls
variam conforme a unidade, incluindo atendimento clíni- Entre os critérios de admissão, 92% responderam que
co psiquiátrico, terapêutica farmacológica, TCC, terapia a crise necessitaria de uma internação hospitalar em en-
cognitivo-analítica, terapia psicodinâmica, em abordagem fermaria aguda não especializada, e que a internação e1n

392
Capítulo 43 - O manejo dos transtornos psiquiátricos graves e persistentes: o papel das Unidades Materno-Infantis

uma UMI teria como objetivo evitar a separação da mãe e ou transtorno de ajustamento com humor deprimido.
do bebê. Uma delas tinha como objetivo ajudar a mulher Outras apresentam queixas psicológicas inespecíficas,
em crises que não resultariam em internação em enfer- como reação a trauma, exaustão e fadiga nos cuidados
n1aria geral. Outra UMI teria como al\10 mulheres que, do recém-nascido, por estes apresentarem dificuldades
inicialmente admitidas em uma enfermaria geral aguda, com sono, manterem-se acordados durante à noite etc.
necessitassem de cuidados complementares antes da alta Problemas comumente apresentados incluem alterações
hospitalar. Cabe salientar que uma pequena proporção de comportamento, perturbação do sono ou dificuldade de
das unidades aceitava gesta11tes, apenas uma UMI possuía alimentação da criança e ansiedade, esgotamento, de-
um leito exclusivo para gestante e duas delas aceitavam pressão clínica e transtornos de ajustamento maternos.
gestantes apenas no terceiro trimestre. Esses serviços têm a obrigação legal de ajudar as famílias
Quanto aos recL1rsos terapêuticos, todas as UMis ti- em que as crianças foram identificadas como de risco
nham um psiquiatra-chefe e rotineiros empregados pelas para maus-tratos ou negligência. Os programas focam no
unidades. Quase metade (42%) não estava autorizada ou apoio aos pais para aquisição de competências nos cuida-
apta para praticar psicoterapia, e apenas 33% ofereciam dos com o bebê e auxiliar as mães a descansar e adquirir
TCC e uma ou mais modalidades de psicoterapia, in- habilidades de resolução de problemas. Há longas listas de
cluindo cognitivo-analítica e psicodinâmica. Além disso, espera para a admissão.
todas as unidades davam acesso a atividades recreacio - No Estado australiano de Victoria,31 há duas unidades
nais, e a maioria (75%) oferecia serviços advocatícios. privadas e três unidades públicas que oferecem programas
A duração média das internações era de oito semanas e, de apoio aos pais. A equipe terapêutica inclui clínicos
no geral, 45~6 das mulheres tinham si11to111as psicóticos gerais, um pediatra corno diretor médico, um psicólogo
na admissão.~9 clínico e enfermeiros especializados em obstetrícia, ma-
ternidade e atenção à saúde da criança e/ou psiquiatria.
A ·1strílic Alguns me1nbros da equipe de enfermagem estão igual-
A Austrália ten1 un1a ampla rede de assistência à mu- mente qualificados como consultores de lactação. A inter-
lher que enfrenta proble1nas relacionados à maternidade, consL1lta de especialista dos serviços de ginecologia, psi-
oferecendo cuidados especializados em nível secundário quiatria e fisioterapia estão facilmente acessíveis. Mães e
(serviços residenciais de suporte para mães) e terciário bebês devem ter uma condição clínica diagnosticável e ser
(UMis), tanto em nível público como privado. Todas as encaminhados para internação por um médico. A maioria
consultas n1édicas e serviços ambulatoriais são finan- é encaminhada por médicos de clínica geral e alguns por
ciados em um nível acordado pelo regime de governo. pediatras, ginecologistas-obstetras e psiquiatras. Aqueles
Esse n1odelo permite um acesso universal ao sistema que procuram admissão tem que ter seguro de saúde
hospitalar público em que o tratamento é subsidiado sem privado ou ser capaz de pagar os custos da internação. Os
custos. Além disso, os indivíduos podem optar por inves- diagnósticos de internação mais comuns são: transtornos
tir em seguros privados de saúde que lhes permitem ser alimentares ou de sono na criança e depressão maior ma-
tratados por n1édicos de sua escolha em hospitais privados. terna com episódio de início 110 pós-parto, ansiedade ge-
Há uma série de unidades especializadas na materni- neralizada, transtorno de ajustamento ou exaustão clínica.
dade precoce que oferecem uma gama de serviços para
os pais e crianças que estão enfrentando dificuldades.
-
('")I\IClf')CP.I\ rncc CII\I " 1
'"

Na região metropolitana de Nlelbourne, existem quatro A prevalência de transtornos mentais no pós-parto é


UMis, três delas públicas, com vinte leitos, e un1a privada, alta, e, 11essas situações, a hospitalização materna se faz ne-
que dispõe de seis leitos. Todas oferecem cuidados agu- cessária se houver riscos para a mãe ou para o bebê. A des-
dos para mulheres experimentando sintomas psicóticos peito disso, a elaboração de estratégias multidisciplinares
(esquizofrenia, psicose puerperal e transtorno bipolar), que permitam identificar as necessidades imediatas para
depressão maior, transtornos relacionados ao uso de SPA, o manejo do transtorno mental subjacente sem interferir
de personalidade e alimentares. A taxa de ocupação nes- na interação mãe-bebê tem sido de certa forn1a negligen-
sas unidades é de 80%, e a duração média de internação ciada no Brasil. A partir da segunda metade do século XX,
fica entre duas e quatro semanas. 30 serviços especializados nessa área tem sido implementa-
Un1 diferencial na assistência perinatal desse país é dos sobretudo em alguns países da Europa e Oceania, nos
oferecer os chamados "serviços residenciais». Esses servi- quais mães com transtor11os n1entais graves que necessi-
ços não são considerados unidades psiquiátricas, e a mãe tem hospitalização são internadas junto com seus recém -
não necessariame11te necessita ter um diagnóstico de trans- -nascidos. Até o presente n1omento, não existem ensaios
torno mental para participar. Mesmo assim, mais de 50% clínicos randomizados que demonstrem claramente a
das mulheres que participan1 desses programas preen- efetividade das UMis em comparação a unidades de in-
chem critérios diagnósticos para um transtorno 1nental ternação padrão, 32 e há relativamente poucas pesquisas
con1um, como depressão leve a moderada, ansiedade qualitativas exan1inando as experiências de 1nulheres em

393
Trata do de Saúde M ental da M ulher

UMis. Dados preliminares apontaram que mulheres que 17. Rutter M. Clinicai implications of attachment concepts:
eram admitidas em unidades não especializadas se sen- Retrospect and prospect. J Child Psychol PS)'Chiatry.
tiam mais isoladas, e a maioria das mulheres que foram l 995;36:549- 71.
internadas em UMis consideraram que o tratamento seria 18. Stiller AL, Drugan RC, Hazi A, Kent SP. Stress resilience and
mais difícil se elas não tivessem sido admitidas em uma vuh1erability: The association \Vith rearing conditions, endocri-
unidade especializada. Considerando-se que a manuten- ne function, immunology, and an.xious behavior. Psychoneuro-
ção de UMis está associada a um custo relativamente ele- endocrinology. 2011 Oct;36(9): 1383-95.
vado, estudos prospectivos qualitativos e quantitativos são 19. Lit,·in Y, Tovote P, Pentkowski NS, Zeyda T, King LB, Vascon-
fundamentais para um melhor planejamento e desenvol- cellos AJ et ai. Maternal separation modulates short-term beha-
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394
,
INDICE REMISSIVO

A da tireoide, 31
Abscessos cerebrais, 39 hematológicas, 36
Abuso de substâncias, 3 imunológicas, 36
Acetato de medroxiprogesterona, 170 neurológicas, 36
Acidentes ,,asculares, 34 Alucinógenos, 116
Ácido(s) uso de, 3
ALA (alfalinolênico), 52 Amtriptilina, 169
EPA, 52 Anorexia nervosa, 46, 155, 231
graxos essenciais, 52 Ansiolíticos, 169
linoleico, 52 Anticonvulsivantes
valproico, 1O1 durante a gestação, orientações para uso, 104
Acidose no transtorno afetivo bipolar, 1O1
metabólica, 41 Anticorpos antinucleares, 36
respiratória, 41 Antidepressivos, tratamento de sinto1nas vasomotores com, 68
Adolescência Antioxidantes, 54
anorexia nervosa, 49 Antipsicóticos, 104
hábitos alimentares inadequados, 49 11a gestação e ama1nentação, 147
transtornos alimentares, 49 nas mulheres, efeitos secundários dos, nas, 142
Adolescentes com transtornos alimentares, alterações clínicas prescrição para mulheres, diretrizes ba!>eadas em evidências
em, 233 para, 142
Adrenal, alterações da, 33 Aparelho reprodutor feminino, doenças do, 35
Adrenalecto,nia bilateral, 34 Artrite, 36
Adversidade fetal e neurodesenvolvimento, 195 Aspiração folicular, 198, 199
Alcalose metabólica, 41 Atrofia urogenital, 35
Álcool, dependê11cia de, no gênero fe1ninino, diagnóstico e Autoimagem femi11ina, 26
tratame11to, 123-129 Avaliações forenses de n1eninas, 337
Alcoolismo, 50 em conflito com a Lei, vítimas de maus-tratos e de abuso
Aldeído desidrogenase, 3 sexual, 333-340
Alterações
da glicen1ia, 34 B
da adrenal, 33 Bulimia nervosa, 46, 156, 231
Tratado de Saúde Mental da Mulher

,-
'- de drogas ilícitas 11a mulher, particularidades, 111-121
Cálcio, 42 de substâncias, 3
Calor, ondas de, 35, 60 de tabaco na mulher, diagnóstico e tratame11to, 131-136
Câncer de mama Depressão
anti psicóticos e, 142 diagnóstico, 62
relações com a saúde 1ne11tal, 275 maior, critérios do DSM-IV-TR para, 62
tratamento, 274 na perimenopausa, teorias para, 61
Capacidade laborativa, transtornos mentais e, 344 11a transição menopausal, 61
CAPS, ver Centros de atenção psicossociais pós-parto, 4, 94
Carbamazepina, 103 consequências da doença e impacto na criança, 95
Carboidratos, 53 tamoxifeno e tratamento da, 277
Carbonato de lítio Desenvolvimento fetal, impacto da doença afetiva no, 100
na gestação, orientações quanto ao uso, 102 Desnutrição, 39
no transtor110 afetivo bipolar, 101 Desordens do relacionamento mãe-bebê, 4
Centros de atenção psicossociais, 20 Diabetes mellitus, 34
Cessão temporária de útero, 200 Diagnóstico ge11ético pré-implantacional, 200
Cetoacidose diabética, 34 Diferenças entre sexos
Choque séptico, 40 desenvolvi1nento e evolução das, 297
Ciclo na função cognitiva e emocional normal, 298
menstrual no reconhecimento das expressões faciais, 301
representação esquemática da delimitação Disfunção( ões)
dos dias do, 304 sexual(is)
reprodutivo, l diagnóstico de, faatores a serem investigados
Clepto1nania, 252 para o, 215
Climatério, síndrome do, 35 feminina
Clonidina, 135 classificação, 21 O
"Cólicas", 313 critérios diag11ósticos para, segundo
Comer compulsivo", 159 o DSM-IV-TR, 212
Complicações obstétricas e malformações, antipsicóticos e, 143 diagnóstico e tratamento, 209-218
Compra compulsiva, 253 esquema de tratamento, 217
Confuso, conteúdo da consciência, 39 raciocínio diagnóstico para, 213
Co11sciência, 2 tratamento, 215
conteúdo da, 38 secundária aos IRSS, antídotos para, 216
11ível de, 38 Disn1enorreia, 133
Corticosteroide, psicose induzida por, 37 Dispareunia, 26,
Crack, 116 Distúrbio(s)
Crise addisoniana, 33 do equilíbrio
ácido-base, 41
D hidroeletrolítico, 40
DALY (disability adjusted life years), 9 hidroeletrolíticos, 41
Delirante, conteúdo da consciência, 39 Ooença(s)
Deliriu1n, 38 clínicas que afetam a saúde n1ental
Demência da mulher, 31-43
características clínicas, 244 de Cushing, 34
diagnóstico, 244 do aparelho reprodutor feminino, 35
epidemiologia, 242 endocrinológicas, 32
etiologia, 244 gliais, 39
exan1es complementares, 246 iI1fecciosas, 39
mulheres e, 242 ligadas à reprodução, 3
principais causas, 245 neurológicas, 38
trata1nento, 246 reumatológicas, 36
Demenciado, conteúdo da consciência, 39 Drogas ilícitas prostituição
Dependência en1 mulheres e, associação entre, 115
de álcool no gênero feminino, diagnóstico violência e1n mulheres, associação entre, 115
e tratamento, 123-128 Drunkorexia, 48

396
índice remissivo

E F
Edinburgh Postpartun1 Depression $cale (EPDS), 89 Falência
Efeitos dopamino-bloqueadores, 2 gonadal, 72
Eixo corticotrófico, 194 ovariana, 72
Eletroconvulsoterapia, 148 Fecundação em laboratório, 199
Embrião(ões) Fen1inilidade, 278
co11gelamento de, 199 Ferro, 54
transferência de, 198 Fertilidade, preservação de, 199
Emoções, processamento de, 299 Fertilização in vitro, 198
Encefalites, 39 Fibromialgia, 37
Envelhecimento Fitoterápicos, 172
populacio11al, 241 Fluoxetina, 168
reprodt1tivo, 72 Flutuações hormonais, 89
EPDS (Edinburgh Postpartum Depression $cale), 89 Fobia social, 178, 228
Erite1na malar, 36 Fogachos, 60
Escala lnternacio11al de Dernência Folato, 53
associada ao HIV, 266 Folículo ovariano, 72
Espern1atozoides, injeção intracitoplasmática de, 199 Fósforo, 42
Espiritualidade, 285 Fotossensibilidade, 36
saúde e, 284 Função
Esqt1izofrenia ovariana, 60
e1n mulheres, l 38-143 sexual feminina, depressão, envelhecimento e, 213
influência da idade de início e gênero no curso da, 141
medianas de incidência, prevalência, risco e mortalidade G
distribuídas na população "Gangorras hor,nonais': 1
em mulheres, 139-143 Ganho de peso, antipsicóticos e, 142
mulheres com, particularidades 110 tratan1ento Gestação
farn1acológico, 141 depressão na, 89
Estabilizadores do humor, 358 o risco de não tratar, 92
no transtorno afetivo bipolar, 1Ol o risco de tratar, 92
Estado(s) tratamentos, 91
confusio11ais, 38 doenças afetivas na, fatores de risco, 100
hiperglicêmico hiperosn1olar, 34, 35 transtornos psiquiátricos na, 5
Estimulação ovariana, 198 Gestante bipolar, planejame11to da gravidez, 108
Estradiol, 4 Glicemia, alterações da, 34
Estresse Globulina ligadora de esteroides sexuais, 5
gestacio11al Gravidez
aspectos clínicos e neuroe11dócrino, 193-196 indesejada, pânico diante de uma, 28
adversidade fetal, 195 tra11stornos alimentares e, 46
eixo corticotrófico, 194 Gravidez e lactação
neurodesenvolvimento, 195 medicações na, stigestôes de sites para obtenção de
programação fetal da expressão gênica, 194 informações, 361
restrição de crescin1ento intrauterino, 194 psicofarmacologia durante, 353-361
pós-traumático relacionado com o trabalho psicofármacos na, 347-352
de parto, 4
Estrogênios, 66 H
funcio11amento cerebral e, 73 Hipercalcemia, 42
Estrógeno, 6 Hipercortisolis1no, 34
Etogestrel, 171 Hipernatremia, 41
Expressão gên ica, progran1ação fetal da, 194 Hiperpotasse111ia, 42
Expressão(ões) Hipertensão intracraniana, 39
faciais reco11hecímento de, 299 Hipertireoidismo, 32
gênica, programação fetal da, 194 Hipocalcemia, 42

397
Tratado de Saúde Mental da Mu lher

Hipocortisolismo, 33 Lomotrigina, 103


Hipoglicemia, 35, 39 Lúcido, conteúdo da consciência, 38
Hiponatremia, 41 Lúpus
Hipopotassemia, 42 discoide, 36
Hipotireoidismo, 32 eritematoso sistémico, 36
Hipoxia, 39 induzido por drogas, 36
HIV sistémico, 36
infecção pelo, 263
mulheres e, 263 l\n
neurovegetativos associados ao, 265 Nlaconha, 117
transtornos psiquiátricos em pessoas que vivem co1n, 265 Mag11ésio, 42
Hormônio(s) Mania, 268
corticotrófico, 33 Maternity blues, 82
folículo estimulante, 72 Memória
liberador de corticotrofina, 33 transição menopausa! e alterações de, 71-76
liberador de tireotrofina, 31 vieses de, 14
luteinizante, 72 Menacme, 35
tireoestirnulante, 31 Meninas
tireoideanos, 31 em conflito com a Lei, 335
vítimas de violência doméstica, maus-tratos e
1 abuso sexual, 338
Impulsividade, 249 Meningites, 39
Indústria do tabaco e as mulheres, 134 Meningoencefalites, 39
Infância Menopausa, 312
deficiências nutricionais na, 48 idade da, 59
e adolescência precoce, 133
transtornos ali111entares, 230 Modelo de atuação psicológica en1 reprodução assistida, 202
transtornos ar1siosos na, 227 Morbidade psiquiátrica, l 3
lnfecção(ões) Morte súbita do recém-nascido, 134
do sistema nervoso cer1tral, 39 Mulher(es)
pelo HIV, 263 alimentação e saúde 1nental nos diferentes momentos da
Infertilidade, 28, 133, 197 vida da, 45
Injeção intracitoplasmática de espermatozoides, 199 aspectos éticos e legais na assistência
Insen1inação intrauterina, 197 à saúde, 319-325
Interações medicamentosas entre antidepressivos e dependência( s)
anti rretrovirais, 269 de drogas ilícitas na, particularidades. 113-121
Interconsulta psiquiátrica do tabaco na, diagnóstico e tratamento, 131-136
em hospital universitário, uso de, 24 do século XXI, transgeracionalidade, versus altruismo versus
na ginecologia obstétrica, razões para solicitar, 25 culturabilidade, 311
Intervalo QT, prolongamento do, antipiscóticos e, 142 em tratamento para abuso e dependência de drogas,
Intoxicação exógena, 39 perfil, 117
Isquemia difusa, 39 esquizofrenia em, 138-143
fase adulta da, 50
J indústria do tabaco e as, 1345
"Janela da vulnerabilidade': 1 inglesas em tratan1ento para dependência química, status
Jogo patológico, 256 parental e cuidados com a prole, 119
Jovens infratores, frequência de diagnósticos, 337 na menopausa, abordagem psicoterápica da, 311-317
na terceira idade, síndromes clemenciais e
1 psicofarmacologia na, 241-247
Lesão(ões) demência, 241
discoide, 36 envelheciinento populacional, 241
encefálicas, 39 saúde 1nental da, classificação em, novas perspectivas, 3
infratentoriais, 39 transtor11os
supratentoriais, 39 alimentares nas, 153-160
Libido, diminuição da, 26 mentais da, epidemiologia dos, 9-17

398
índice remissivo

uso de drogas ilícitas por, lições e melhores práticas Programa Médico de Fa1nilia, 20
no tratamento, 120 Prolactina, níveis de, antipsicóticos e, 142
violência contra a, 15 Proteínas, 53
Psicoeducaçào, 5
1\1
Psicoestimulantes, 268
Nortriptilina, 135 Psicofarmacologia durante a gravidez
e a lactação, 353-361
Psicofár1nacos na gravidez e na lactação, critérios de
OHSS, \'er Síndron1e da hiperestimulação º''ariana classificação de risco de uso de, 347-352
Olanzepina, 106 Psicologia forense, fundamentos, 333
Ôinega-3, 52 Psicose, 82
Ondas de calor, 35, 60 induzida por corticosteroide, 37
Oócito(s) na gestação e no pós-parto, 145-152
doação de, 200 Psicoterapias grupais, estruturação das, 315
doadoras, questões polêmicas sobre, 204 Psiquiatria forense, fundamentos, 333
receptoras de, questões polêmicas sobre, 205 Puerpério, transtornos associados ao, 82
Opioides, 117
uso de, 3
Orgasn10, ausência de, 26 QS-F, ver Quoeficiente sexual
Ortorexia, 47 Qualidade de vida, 278
Osteoporose, antipisicóticos e, 142 Queixas
Oxcarbazepina, 103 psíquicas, 26
uroginecológicas, 29
n
Questionário
Pacientes CES-D, 64
mcnopausadas, aplicabilidade da terapia coginitiva em, 313 da saúde da mulher, 65 para auxiliar no diagnóstico
psiquiátricos e suas necessidades ginecológicas de disfunções sexuais na prática clínica, 212
e obstétricas, 29 PHQ-9, 63
Paroxetina, 169 Quetiapina, 106
Parto pós-lrau1nático, estudos qua11titativos sobre, 186 Quoeficiente sexual, 212
Perfil das 1nulheres em tratamento para abuso e dependência como interpretar, 213
de drogas, 117 versão feminina, 214
Perícia e1n saúde em saúde mental e justiça, 335
~
Perimenopausa, 1, 312
aspectos psiquiátricos da, 59-69 Recai/ bias, 14
definição, 59 Reconheci1nento de expressões faciais, 299
Período perinatal, 99 Reprodução assistida, situações especiais, 200, 6
PGD, ,,er Dianóstico genético pré-implantacional Reprodução assistida, 6
Pílula anticoncepcional, 169 aspectos socioculturais, 204
População de 80 anos ou 1nais de idade por sexo. Brasil, 242 conceitos gerais e aspectos psicológicos
Pós-menopausa, 312 en,,olvidos, 197-206
aspectos psiquiátricos da, 59-69 conceitos gerais, 197
Pós-parto, transtornos psiquiátricos no, 5 doadoras de oócitos, questões polêmicas sobre, 204
Potássio, 42 ética profissional, 203
Pregorexia, 47 modelo de atuação psicológica em, 202
Pré-menopausa, 312 papel do psicólogo, 204
PreYidência social e transtornos mentais na mulher, 343-346 questões polên1icas sobre doadoras de óocitos, 204
Processamento e1nocional no sexo feminino da pesquisa receptoras de oócitos, questões polêmicas sobre, 205
à clínica, 297-310 situações especiais, 200
da clí11ica à pesquisa, 298 tecnologias
desenvolvimento e evolução das diferenças aspectos psicológicos envolvidos, 201
entre os sexos, 297 complicações, 201
diferenças entre os sexos no reconheci1nentos de expressões Reprodução, gestação e tabagismo
faciais, 30 l dismenorreia, 133
diferenças entre sexos na função cognitiva e emocional, 298 gravidez, 134

399
Tratado de Saúde Mental da Mulher

infertilidade, 133 T
menopausa precoce, 133 Tabaco, dependência de, 11a mull1er, diagnóstico
Resiliência, 286 e tratamento, 131-136
Restrição do crescrimento intrauterino, 194 Tabagisn10 na saúde da 1nulher, i111pacto do, 132
Risperido11a, 106 doenças
RRDs (reproductive related disporders), 3 cardiorrespiratórias, 132
cardiovasculares, 132
,.
cerebrovasculares, 13 2
SAF, ver Sí11dron1e Fetal pelo uso do álcool neoplasias, 132
Sáude respiratórias, 132
da mulher Tabagismo, reprodução, gestação e, 133
questionário da, 65 TAG, ver Transtorno de ansiedade generalizada
tabagismo na, 132 TDAH, v'er Transtornos de déficit de atenção e hiperatividade
mental da mulher Tecnologias de reprodução assistida (TRA), complicações, 201
aspectos éticos e legais na, 319-326 Telescoping, efeito, 114, 4
aspectos nutrológicos que influenciam na, 45-56 Tensão pré-me11strual, 29, 163
cérebro, nutrição e, 50 Teoria(s)
espiritualidade e, 283-288 da janela da vuh1erabilidade, 61
doe11ças clínicas que afetam a, 31-43 dominó, 61
perpsectivas futuras, 371-3 78 para depressão na perimenopausa, 61
políticas públicas, 18-20 Terapia(s)
terapias nutrológicas e, 51 cognitiva, menopausa e, 313
classificação em, novas perspectivas, 3 de reposição de nicotina, 135
Selênio, 54 hormonal, 66
Sepse grave, 39 nutrológicas e saúde 1nental da mull1er, 51
Serosite, 36 sociodramática construtivista, 314, 8
Sertrali na, 168 Terceira idade, síndromes den1enciais e psicofarmacologia na
Sexualidade, 278 1nulher na, 241-247
Sinal(is) Teste SDS, 89
de Kernig, 39 Tibolona, 67
de Lasegue e Brudzinski, 39 Tireoide, alterações da, 31
Síndrome(s) Tireotrofina, 31
burn out, 28 Tirox.ina, 31
da hiperestin1ulação ovariana, 201 TOC , ver Transtorno obssessivo compulsivo
da resposta inflamatória sistêmica, 39 Torporoso, nível de consciência, 38
do climatério, 35 Transição menopausa!
dos ovários policísticos, transtornos psíquicos da, 85 alterações de memória e a, 71-76
fetal pelo uso do álcool, 125 aspectos neuroendócrinos na, 72
metabólicas depressão na, 61
antipsicóticos e, 142 fisiologia, 59
parâmetros na, 143 mudanças hormonais durante, 61
pré-menstrual, 35, 80 sintomas característicos, 62
Sintomas vaso1notores, 60 Transtorno( s)
SIRS, ver Síndrome da resposta inflamatória sistêmica afetivo bipolar, na gestação, manejo do, 106
Sistema nervoso central, infencções do, 39 alimentares, critérios diagnósticos pelo DSM-IV, 15 7
Sódio, 41 ansiosos na infância e adolescência, 227
Solventes, 117 associados à perimenopausa, 83
Sonolento, nível de consciência, 38 associados ao ciclo reprodutivo, 80
SOP, ver Síndrome dos ovários policísticos associados ao puerpério, 82
Substâncias borderline, 53
abuso de, 3 de ru1siedade na mulher e aspectos gênero-específicos, 175-182
dependências de, 3 de con1pulsão alimentar periódica, 159
quí,nicas de acordo com seu potencial critérios diagnósticos DSM-IV, 160
teratogênico, 349 de déficit de atenção e hiperatividade, 233

400
índice remissivo

de estresse pós-traumático, 179 Tromboembolisn10 venoso, antipsicóticos e, 142


critérios diagnósticos DSM-1 V, 187
de pânico, 177 u
depressivo n1aior, 226 Úlceras, 36
nas mulheres, 80 Unidades materno-infantis
disfó rico pré-me11strual, 81 papel das no manejo dos transtornos psiquiátricos graves e
abordagem conjunta da psicologia e psiquiatria, 163-174 persistentes, 389-394
comorbidades, 167 Útero, cessão temporária de, 200
DSM-IV TR, 166
\/
tratan1ento, 168
distímico, 226 Yareniclina, 135
do in1pulso no sexo feminino, 249-261 Vida reprodutiva, estágios, 60
do limite da personalidade, 53 Vieses de memória, 14
1nental(is) Yigil, nível de consciência, 38
diagnóstico e tratamento de crianças e adolescentes do Violência
gênero feminino com, 225-238 conjugal, 15
e capacidade laborativa, 344 contra a mulher, 15, 85
obsseivo-con1pulsivo, 178 física, 15
critérios diagnósticos segundo DSM-IV, 189 Vitaminas, 53, 55
psicóticos, 269
. ., . ,,
ps1qu1atr1cos
em mulheres vive11do com HIV/ AIDS, 263-270 YLD (anos vividos com incapacitação causada
graves e persistentes, papel das unidades pela doença), 9
materno-infantis no rnanejo dos, 389-394
psíquicos da síndrome dos o,,ários policísticos, 85 z
Tricotilomanina, 250
Triptofa110, 55 Zinco, 54

401
,
SUMARIO

J Aspectos Gerais da Saúde Mental da Mulher, 1


Joel Rennó Jr.
Hewdy Lobo Ribeiro

2 Epidemiologia dos Transtornos Mentais da Mulher, 9


Maria Carmen Viana
Camila Magalhães Silveira
Laura Helena 5. G. de Andrade

3 Políticas Públicas: Saúde Mental da Mulher, 19


Marcos Pacheco de Toledo Ferraz

4 Interação entre a Clínica Ginecológica e a Equipe de Saúde Mental, 23


Gislene Cristina Valadares
Luciana Valadares Ferreira
Maria Carolina Lobato Machado

5 Doenças Clínicas que Afetam a Saúde Mental da Mulher, 31


Fernanda Martins Gazoni
Letícia Sandre Vendrame
Salete Aparecida da Ponte Nacif
Renato Delascio Lopes
Antonio Carlos Lopes
6 Aspectos Nutrológicos que Influenciam a Saúde Mental da Mulher, 45
Durval Ribas Filho
José Alves Lara Neto
Luiz Roberto Queroz
Maria Dei Rosario Zariategui De Afonso
Cristiane Felisbino Silva

7 Aspectos Psiquiátricos da Perimenopausa e Pós-menopausa, 59


Patrícia de Rossi
Rodrigo Cerqueira de Souza
Nilson Roberto de Melo

8 Alterações de Memória e a Transição Menopausa!, 71


Maria Fernanda Gouveia da Silva
Leiliane Tamashiro
Martha M. Romiti

9 Transtornos Mentais por causa de Condições Ginecológicas Endócrinas, 79


Rodolfo Strufaldi
Luciano Melo Pompei
Marcelo Luís Steiner
César Eduardo Fernandes

1O Depressão na Gestação e no Pós-parto: Diagnóstico e Tratamento, 89


Renata Sciorilli Camacho
Virgínia Loreto

11 Transtorno Afetivo Bipolar no Período Perinatal, 99


Vera Tess
Rodrigo da Silva Dias
Tania Yumi Takakura
Mariana Bogar

12 Particularidades da Dependência de Drogas Ilícitas na Mulher, 113


Alessandra Diehl
Daniel Cruz Cordeiro
Ronaldo Laranjeira

13 Diagnóstico e Tratamento da Dependência de Álcool no Gênero Feminino, 123


Patrícia Brunfentrinker Hochgraf
Sílvia Brasiliano
14 Diagnóstico e Tratamento da Dependência de Tabaco na Mulher, 131
Arthur Guerra de Andrade
Verena Castellani

15 Esquizofrenia em Mulheres, 139


Si/via Scemes
Mariânge/a Gentil Savoia
Manica L. Zilberman
Helio Elkis

16 Psicoses na Gestação e Pós-parto, 145


Mariane Vargas Nunes Noto
Cristiano de Souza Noto
Rodrigo Affonseca Bressan

17 Transtornos Alimentares em Mulheres, 153


Alexandre Pinto de Azevedo
Angélica de Medeiros Claudino
Táki Athanássios Cordás

18 Transtorno Disfórico Pré-menstrual: Abordagem Conjunta da Ginecologia


e Psiquiatria, 163
Mara Solange Carvalho Diegoli
Renata Demarque
Mariana Bagar

19 Transtornos de Ansiedade na Mulher e Aspectos Gênero-específicos, 175


Luiz Vicente Figueira de Mel/o
Fábio Corregiari

20 Transtornos de Ansiedade na Gestação e Pós-parto, 183


Carla Fonseca Zambaldi
Amaury Cantilino

21 Aspectos Clínicos e Neuroendócrinos do Estresse Gestacional, 193


Si/via Lucía Gaviria Arbe/aez

22 Reprodução Assistida: Conceitos Gerais e Aspectos Psicológicos Envolvidos, 197


Artur Dzik
Alcina de Cássia Meire//es
Gilberto Costa Freitas
Maria Cavagna
23 Disfunção Sexual Feminina: Diagnóstico e Tratamento, 209
Carmita H. N. Abdo

24 Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade em Mulheres: da Infância


à Idade Adulta, 221
Paulo Mattos

25 Diagnóstico e Tratamento de Crianças e Adolescentes do Gênero Feminino


com Transtorno Mental, 225
Tania Yumi Takakura
Enio Roberto Andrade

26 Síndromes Demenciais e Psicofarmacologia da Mulher na Terceira Idade, 241


Edson Shiguemi Hirata
Cassio Machado de Campos Bottini

27 Transtornos dos Impulsos no Sexo Feminino, 249


Tatiana Z. Filomensky
Hermano Tavares
Monica L. Zilberman

28 Transtornos Psiquiátricos em Mulheres Vivendo com HIV/AIDS, 263


André Malbergier
Valéria Antakly de Mel/o

Considerações a respeito do Câncer de Mama e sua Colaboração para o


29 entendimento do Universo Feminino, 273
Fábio Scaramboni Cantinel/i
Oren Smaletz

30 Saúde Mental da Mulher e Espiritualidade, 283


Rosângela Maria Moreno de Campos

31 Tratamento Nutricional no Ambulatório de Saúde Mental da Mulher, 289


Adriana Machado Saldiba de Lima
Adriana Kachani
Yvone Furtado

32 Processamento Emocional no Sexo Feminino: da Pesquisa à Clínica, 297


Vinicius Guandalini Guapo
Cristina Marta Del-Ben
33 Abordagem Psicoterápica da Mulher na Menopausa, 311
Daniela Bulk Pacheco
Rosângela Maria Morena de Campos

,
Aspectos Eticos e Legais na Assistência à Saúde Mental da Mulher, 319
34 Leonardo Mariano Reis
Marun A. D. Kabalan

35 Particularidades na Avaliação Psiquiátrica Forense da Mulher, 327


Hewdy Lobo Ribeiro
Andrea Terrell
Antônio Carlos J. Cabral

36 Avaliação Forense de Meninas em Conflito com a Lei, Vítimas de Maus-tratos


e de Abuso Sexual, 333
Antonio de Pádua Serafim
Daniel Martins de Barros

37 Previdência Social e Transtornos Mentais na Mulher, 343


Vânia Sato lkuhara

38 Critérios de Classificação de Risco para Uso de Psicofármacos na Gravidez


e na Lactacão, 347
~

Mário Francisco Juruena


Eduardo Pondé de Sena
lrismar Reis de Oliveira

39 Psicofarmacologia Durante a Gravidez e a Lactação, 353


Amaury Cantilino
Adrienne Einarson
Juliana Fernandes Tramontina

40 Tratamentos Biológicos para Transtornos Mentais da Mulher: a EMT


e a ECT no Tratamento da Depressão na Gestação, 363
Marco Antonio Marcolin
Renata Sciorilli Camacho
Angelina Maria Freire Gonçalves
Martin Luiz Myczkowski

41 Perspectivas Futuras para a Saúde Mental da Mulher, 371


Karina Abunasser Pereira Leite Calderoni
Douglas Motta Calderoni
Quirino Cordeiro
42 Violência Contra a Mulher, Saúde Mental e Assistência Integral, 379
Julia Garcia Durand

43 O Manejo dos Transtornos Psiquiátricos Graves e Persistentes:


Papel das Unidades Materno-Infantis, 389
Jerônimo de A. Mendes Ribeiro
Sheila Vardanega
Benício N. Frey

Índice Remissívo, 395


A necessidade de atender à maioria dos interesses de médicos de tcN•
lidades que atendem mulheres, profissionais de outras áreas, conto
Nutrição e muitas outras, levou-nos a convidar notórios profissionaít-
América Latina para disponibilizar o Tratado de Saúde Mental da Mu
teúdo dos Capítulos, escritos por colaboradores de reconhecida e
notoriedade em atuações de clínica, docência e pesquisa, faz desta uma
indispensável, para consulta constante por profissionais que, de forma diri
indireta, atuam na saúde mental da mulher e necessitam de conhecimentos da
para serem aplicados na prática clínica.

Boa leitura.
Joel Rennó Júnior
Hewdy Lobo Ribeiro

ISBN : 978-85-388-0326-3

788538 803263
Joel Rennó Junior
Hewdy Lobo Ribeiro

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