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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

2020•16(2)•pp.107-113 Comunicações breves | Brief communications

Lia Silvia Kunzler 1,2


Maria Cecília Ferreira-de-Lima 1 Uso de Imagens Para a Reestruturação Cognitiva:
Yu Hua Feng 1
Relato de Caso
The Use of Imagery in Cognitive Restructuring: Case Reports

Resumo
Os processos cognitivos envolvidos nas imagens mentais e as áreas corticais ativadas
são semelhantes às situações reais, indicando o potencial terapêutico do uso de
imagens para o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento. O objetivo
do presente estudo foi apresentar três relatos de casos em que o uso de imagem
foi a técnica determinante para conseguir o desfecho terapêutico desejado: (1)
reestruturação cognitiva de crenças nuclear e condicionais distorcidas para alcançar
comportamentos desejados; (2) reestruturação cognitiva de crenças intermediárias
através do desenho como coadjuvante no tratamento oncológico; (3) fortalecer crenças
nucleares e condicionais saudáveis. O uso de imagem se mostrou efetivo nos três casos
apresentados, pois através desta intervenção foi possível a identificação de crenças,
a reestruturação cognitiva e a regulação emocional. Consequentemente auxiliou
na resolução de problemas, na amenização do sofrimento e do comprometimento
global, pois facilitou o desenvolvimento de novas habilidades para o enfrentamento
de situações estressantes e conflituosas, o que propicia uma melhor qualidade de vida.
Palavras-chave: Imagem mental; Reestruturação cognitiva; Regulação emocional.

Abstract
In mental imagery, the involved cognitive processes and the activated cortical areas
are similar to those of real-life situations, thus indicating a potential therapeutic
use of images to develop coping skills. The aim of the current article is to present 3
cases in which the use of imagery was a determining technique to ensure the desired
therapeutic outcome:1) cognitive restructuring of distorted core and conditional
beliefs to achieve desired behaviors; 2) cognitive restructuring of intermediate beliefs
through drawings to enhance oncologic treatment; 3) strengthening of healthy core
and intermediate beliefs. The use of imagery allowed for the identification of beliefs,
cognitive modification and emotional regulation, and was shown to be effective in the
1
Mental Health, Clínica de Psiquiatria e 3 presented cases. Therefore, imagery has helped with problem solving, suffering relief,
Psicologia - Brasilia - DF - Distrito Federal -
and global compromise, as it promotes the development of new coping strategies for
Brasil.
2
Universidade de Brasília, Hospital Universitário stressful and conflicting situations, which, in turn, contributes to a better quality of life.
- Brasilia - DF - Distrito Federal - Brasil. Keywords: Mental imagery; Cognitive restructuring; Emotional regulation.

Correspondência:
Yu Hua Feng
E-mail:fengbr2@gmail.com

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema


de Gestão de Publicações) da RBTC em 12 de
Agosto de 2020. cod. 130.
Artigo aceito em 12 de Outubro de 2020.

DOI: 10.5935/1808-5687.20200016

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INTRODUÇÃO comportamento, tanto o indesejado quanto o desejado (Kunzler,


2008). Exercícios preenchidos compõem um “arquivo pessoal”
As imagens mentais (IM) são representações neurais que pode ser evocado em momentos estressantes futuros,
construídas a partir de informações sensoriais e variam facilitando a tomada de decisão saudável e assim promovendo
desde memórias intrusivas involuntárias sobre o passado, a autonomia do indivíduo (Kunzler & Araujo, 2013). A TCC
até devaneios voluntários sobre possíveis eventos futuros, sistematiza e ensina os pacientes a identificar, questionar
podendo envolver todos os sentidos e evocar memórias e corrigir os pensamentos distorcidos, sendo que o uso de
decorrentes de experiências sensoriais diversas e não imagens para reestruturar as cognições que determinam os
apenas restritas à visão. A construção de IM ocorre quando o pensamentos disfuncionais vem sendo estudada e aplicada
estímulo sensorial acessa a memória, causando a sensação (Kunzler, Naves, & Casulari, 2018, 2019).
de ver ou ouvir algo mentalmente, caracterizando-se por O uso de imagens tem efeito emocional mais poderoso
sua semelhança subjetiva com as impressões sensoriais que a análise verbal de eventos (Hales et al., 2015). Esta
perceptuais (Saulsman, Ji, & McEvoy, 2019). característica pode ser modulada no contexto clínico a partir
Os mecanismos da IM ativam áreas cerebrais que da perspectiva usada na IM: a visão pela primeira pessoa tem
respondem de forma semelhante às emitidas em situações reais maior impacto emocional e o ponto de vista de observador pode
(Albers, Kok, Toni, Dijkerman, & de Lange 2013), pois evocam auxiliar o distanciamento da emoção em questão, facilitando
memórias emocionais e os estados afetivos correspondentes, e a reestruturação e as mudanças comportamentais (Burnett
em determinadas situações podem desencadear pensamentos et al., 2017; Holmes & Mathews, 2010). E a interação entre o
disfuncionais, o que torna frequente a presença de imagens processamento de IM e informações sensoriais reais facilita
perturbadoras nas psicopatologias (Holmes & Mathews, 2010; que os contextos trabalhados por imagem sejam incorporados
Hales et al., 2015). Imagens mentais intrusivas negativas são à memória com maior facilidade, consequência observada nas
frequentes em indivíduos com transtornos mentais, inclusive terapias nas quais modificação guiada de imagens (image
de morte e suicídio, além da pobreza de capacidade de rescripting) é realizada para abordar traumas passados
produzir imagens mentais positivas (Holmes, Blackwell, Burnett, (Arntz, 2012).
Renner, & Raes, 2016; Weßlau, Cloos, Hofling, & Steil, 2015). A A imaginação guiada é o processo de usar imagens
reestruturação destas imagens pode auxiliar na redução das mentais de forma proposital, estruturada e monitorada, para
intrusões imagéticas e consequentemente na redução dos conduzir a exploração de conteúdos específicos na terapia. O
sintomas (Yamada et al., 2018). Por estes motivos, as imagens indivíduo desenvolve um novo controle sobre o modo como ele
são conteúdos importantes na abordagem comportamental, representa experiências do passado. Auxilia a mudança de um
sobretudo em intervenções de dessensibilização e inundação, estado mental, da autoimagem e do comportamento, produzindo
pois, como considerado por Aaron Beck desde resultados positivos da saúde (Bazzo & Moeller, 1999). A
os primórdios da terapia cognitivo comportamental visualização é a representação de um objeto, acontecimento
(TCC), as imagens são de importância crucial para compreender ou sensação através da imagem, habilidade que gera uma
o sofrimento humano, e não apenas as decorrentes de imagem mental e, na perspectiva cognitiva, transforma a figura
lembranças, mas também as dos sonhos e das fantasias a ser trabalhada e consequentemente a emoção associada,
(Hackmann, Bennett-Levy, & Holmes, 2011; Stopa, 2009). recriando um conteúdo emocional que proporcione bem estar
Em 1971, numa descrição sobre os padrões cognitivos, e pode ser utilizada como estratégia de solução de problemas
Beck concluiu que os mesmos esquemas regem tanto os sonhos (Cabete, Cavaleiro, & Pinteus, 2003). É um recurso que pode ser
como as imagens diurnas (Rosner, Lyddon, & Freeman, 2002), explorado em diversos contextos de doenças como depressão,
envolvendo tanto as cognições que conduzem ao funcionamento na oncologia, em intervenções cirúrgica, na pediatria e no
saudável quanto ao não saudável. Estas estruturas cognitivas Transtorno de Estresse Pós-Traumático (Cabete et al., 2003).
são consideradas a chave para a compreensão dos transtornos A utilização da imaginação e do desenho são estratégias
psicológicos e base para as intervenções da TCC (Kunzler, adicionais na construção de cognições saudáveis, por amenizar
2008; Kunzler & Araujo, 2013; Padesky, 1994). A prática da os sintomas que acarretam prejuízo no desempenho de
TCC é baseada na combinação da reestruturação cognitiva atividades globais. A reestruturação cognitiva através de
e técnicas cognitivo-comportamentais (Range, Falcone, & imagens pode ser abordada em quadros psiquiátricos, tais
Sardinha, 2007), e que se fundamenta na racionalidade teórica como: ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático
de que a emoção e o comportamento são determinados pela (Maier, Schaitz, Kroener, Connemann, & Sosic-Vasic, 2020;
maneira como o indivíduo interpreta as situações, e não pela Kunze, Arntz, & Kindt, 2019), transtorno bipolar (O’Donneli,
situação em si (Beck, 1963; Knapp & Beck, 2008). Simplicio, Brown, Holmes, & Heyes, 2017; Berg, Voncken,
Com base nesta premissa, a proposta da TCC é auxiliar Hendrickson, Houterman, & Keijsers, 2020), personalidade
o paciente a desenvolver estratégias de enfrentamento em borderline (Shaitz, Kroener, Maier, Connemann, & Sosic-Vasic,
situações diversas, através da compreensão do seu padrão de 2020), e depressão (Weßlau et al., 2015; Holmes et al., 2016).

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Como exemplo, pacientes depressivos referem um Paciente C., 25 anos de idade, foi encaminhada pelo
esquema com conteúdo de “Eu sou um fracasso”. Quanto mais seu departamento de graduação da Universidade de Brasília
grave os sintomas, maior o comprometimento de habilidades de (UnB) para acompanhamento médico-psicoterápico devido
reestruturação cognitiva, mas quando os pacientes são capazes ao baixo rendimento acadêmico, frequentes reprovações e
de questionar seus pensamentos, a regulação emocional é abandonos de semestres acadêmicos. Ela cursava o 8º ano e
alcançada (Beck, 1963, 1964). Nesse quadro pode ocorrer também foi pressionada a concluir o curso de Graduação ou ser jubilada
o empobrecimento das imagens mentais positivas e o aumento de da Universidade. A pressão sofrida para a conclusão do curso
intrusões imagéticas perturbadoras (Morina, Deeprose, Pusowski, foi um fator precipitante para os sintomas depressivos.
Schmid, & Holmes, 2011). O treinamento para aumentar a Alguns dados de sua história pessoal são relevantes:
intensidade e a clareza de imagens mentais positivas pode melhorar desde a infância, seus pais cobravam perfeição. Era obrigada a
o afeto e favorecer a ativação comportamental; a reestruturação cuidar da casa e de seus irmãos. Como consequência, ela se via
das cognições associadas às intrusões negativas são estratégias como má e sem valor se não fizesse as coisas com perfeição.
importantes na abordagem das depressões (Holmes et al., 2016). Ela desenvolveu então a seguinte crença intermediária ou
A modificação de imagens mentais e memórias aversivas nesse condicional: “Se eu não for perfeita, então eu sou um fracasso”.
transtorno pode melhorar o humor e a incidência das intrusões Aos 14 anos de idade, C. foi diagnosticada com sintomas
mentais (Morina, Lancee, & Arntz, 2017; Yamada et al., 2018). depressivos, tendo feito uso de vários antidepressivos desde
As técnicas da TCC são frequentemente adaptadas para o então. Morava em uma cidade do interior de seu Estado natal,
tratamento de doenças físicas, incluindo o câncer, pois ao receber sentindo-se diferente dos outros adolescentes. Tinha dificuldade
este diagnóstico, a reação inicial mais comum é de choque e para fazer parte do grupo que a estigmatizava pelo fato de ser
desesperança, seguidos por sintomas de ansiedade, raiva, culpa paciente psiquiátrica, gostar de estudar e ler e ter um excelente
e depressão, com maior ou menor gravidade. A TCC auxilia na desempenho escolar.
adaptação aos problemas decorrentes da doença, com foco no bem- Mudou-se para Brasília, aos dezessete anos de idade,
estar e controle da qualidade de vida (Scott, Williams, & Beck, 1994). quando ingressou em uma universidade pública federal. Foi
Estratégias da TCC, como a reestruturação cognitiva, encaminhada por dois professores de seu departamento.
a autoinstrução e o relaxamento, são frequentemente usadas, Em sua primeira consulta, os seguintes sintomas foram
prescritas e adaptadas para o tratamento de doenças físicas, evidenciados: emocionais – anedonia, tristeza, isolamento e
incluindo o câncer, pois pode ser usada adicionalmente ao raiva; cognitivos – prejuízo acadêmico; comportamentais –
tratamento medicamentoso (Melton, 2017). A pobreza de problemas com colegas e professores por ser agressiva; e
imagens positivas nos pacientes oncológicos com depressão fisiológicos – distúrbio do sono e cansaço.
pode prejudicar o envolvimento em ações necessárias para Os objetivos do tratamento incluíram a reestruturação
o tratamento do câncer (Holmes et al., 2016), as técnicas de cognitiva e a construção de comportamentos mais saudáveis.
imagens mentais pode auxiliar na reestruturação efetiva de Dentre os comportamentos, alguns foram mais importantes,
cognições e crenças e a produção de imagens mentais positivas tais como concluir a universidade depois de 10 anos de seu
que auxilia a combater a disforia e a manter comportamentos ingresso, estabelecer relacionamentos, melhorar os contatos
mais saudáveis (Pictet, Couhgtey, Mathews, & Holmes, 2011). sociais, fortalecer o relacionamento com professores, colegas
O objetivo do presente estudo é demonstrar que e amigos, ler romances, brincar com crianças, não ficar tanto
a utilização de imagens mentais com ou sem auxílio do tempo sozinha, deixar o cabelo crescer e usar roupas coloridas.
desenho pode ser uma estratégia adicional na construção de O plano de tratamento para a reestruturação cognitiva
cognições saudáveis, amenizando sintomas que acarretam e consequente remissão dos sintomas depressivos somente
prejuízo no desempenho de atividades globais. Para este fim, se mostrou eficaz quando o recurso pessoal da paciente foi
serão apresentados os relatos de três casos em que o uso utilizado: o desenho. Para facilitar a prática do maior número de
de imagem auxiliou na reestruturação cognitiva, permitindo situações, seu caderno de desenho foi utilizado. C. representou
que os pacientes construíssem visualmente os pensamentos os seus pensamentos disfuncionais com desenhos, assim
distorcidos e a partir destes construir imagens que conduziram como as maneiras possíveis e mais saudáveis na construção
para cognições saudáveis, facilitando o enfrentamento frente das respostas alternativas e adaptativas. A consequência da
ao evento estressor. Os dois primeiros casos expressaram as construção de pensamentos e comportamentos saudáveis foi
imagens mentais em formato de desenho e no terceiro relato o equilíbrio das emoções.
as imagens mentais foram expressas verbalmente. A cognição relacionada com os sintomas, em nível de
crença nuclear, foi “Eu sou um fracasso.” Como estratégia de
RELATOS DOS CASOS enfrentamento, C. usava uma máscara para esconder seu
fracasso. A maneira saudável de lidar com a aflição gerada
Caso 1: Uso de imagem para a reestruturação cognitiva pelo acionamento da crença nuclear foram asas para voar e
de crenças nuclear e condicionais distorcidas para alcançar se afastar do fracasso, que representaram a esperança em
comportamentos desejados concluir a Universidade e alcançar os outros comportamentos

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estabelecidos como objetivo da terapia. As asas coloridas, recurso do desenho.


detalhadas em uma borboleta representaram o seu maior A paciente procurou atendimento psicoterápico por
tesouro, a transformação. Após desenhar a máscara e as asas, estar bastante preocupada com sua filha. Apresentava
C. decidiu entalhar e colorir as asas da transformação (Figura 1). sintomas depressivos. Referiu desesperança em relação ao
seu prognóstico e tratamento. Os pensamentos distorcidos pela
emoção foram identificados: “Meu caso é muito grave. Minha
filha será abandonada. Estou com o pé na cova” (Figura 2).

Figura 1. Seu maior tesouro: Borboleta da transformação

Como fator saudável foi identificado que a paciente


desempenhava bem o seu trabalho no estágio; quando se
dedicava no semestre, ela era elogiada pelo desempenho;
e quando ela estava bem, as pessoas gostavam de estar
próximas a ela. Desde o início do tratamento, dois professores
da aluna ofereceram-se para colaborar para melhores Figura 2 . diagnóstico de câncer simbolizado com o pé na cova
resultados acadêmicos, sendo que um deles foi o seu orientador
no projeto de conclusão do curso. Depois de dois anos de A proposta de reestruturação cognitiva através do
tratamento, C. apresentou o seu projeto e foi parabenizada desenho foi aceita pela paciente. Ela fez desenhos ligados ao
pela banca de avaliação – a maquete de uma escola do ensino tratamento e cuidados com a saúde - um hospital, a paciente
fundamental foi feita com minúcia e dedicação. Como o seu e a mensagem “exercício”, flores da renovação e pássaros
orientador necessitou se afastar da universidade para concluir vivendo em harmonia. Algumas crenças condicionais foram
o pós-doutorado, C. foi selecionada pelo departamento para reestruturadas: “ Se eu recebi o diagnóstico de câncer, eu
desempenhar a função de professora substituta. tenho de me estruturar emocionalmente e fisicamente; Apesar
Caso 2 – A reestruturação cognitiva de crenças do diagnóstico, eu posso ter uma boa sobrevida, basta eu
intermediárias através do desenho como coadjuvante no reformular minha vida; Para superar a doença, seguirei as
tratamento oncológico. orientações médicas e praticarei atividade física; Com a
Paciente M. recebeu o diagnóstico de câncer de mama quimioterapia, eu perdi todo o cabelo, mas ele cresceu forte e
aos 38 anos de idade. Dois anos antes, sua mãe falecera por ondulado, como eu sempre quis; Com o diagnóstico, eu não
metástases decorrentes de câncer de mama com evolução de acreditava mais no amanhã, mas agora todo o dia é um novo
4 anos. Sua história é repleta de casos de câncer de diversos amanhã; Como eu quero ter a melhor qualidade de vida, voltarei
órgãos em diversas idades. a caminhar e cuidarei da saúde mental; Eu decidi fazer o que
Quando os resultados dos exames foram comparados, os médicos aconselharam; Cada dia é uma renovação e sinto
evidenciou-se que o prognóstico de M. era, em princípio, pior que estou vivendo em harmonia” (Figura 3).
do que de sua mãe. Logo, a expectativa de vida seria inferior a Caso 3 – Uso de imagens mentais metafóricas para
4 anos. Em virtude da gravidade do caso e da intensidade da fortalecer crenças nucleares e condicionais saudáveis.
desregulação emocional, tanto do ponto de vista físico quanto Paciente J. procurou atendimento psiquiátrico mais uma
o mental, foi proposto o enfrentamento da situação com o vez aos 48 anos por ter história de depressão de longa data

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Figura 3 . Crenças intermediárias para os cuidados com a saúde

e resposta errática com as medicações, além de resultado Como alternativa, aceitou tentar encarar a crença como
insatisfatório da psicoterapia no passado. J. era casada havia algo externo a si, uma entidade que a fazia se sentir inferior ou
oito anos, não tinha filhos e era servidora pública, assim não digna de amor. Em uma sessão, trouxe espontaneamente
como o marido. Relatava muita ansiedade e autocrítica além uma imagem metafórica na qual se via pequena e vulnerável
de tristeza, desânimo e pouca esperança de melhorar. Havia frente à crença que aparecia como um monstro branco disforme
parado há alguns anos de se dedicar a trabalhos manuais com que gritava e a subjugava. Esta imagem foi aos poucos sendo
papel que era seu hobbie, referiu redução do prazer de estar refinada e modificada e após algumas semanas, uma nova
na companhia de suas melhores amigas e se criticava e se imagem surgiu, em que a crença apareceu grande, como um
culpava por não se esforçar mais a socializar. adulto e J. a mandava calar.
J. é filha única de mãe solteira, tendo sido criada pela Nesta imagem, a crença foi diminuindo de tamanho até
mãe e pelos avós, que eram, segundo seu relato, pouco virar uma criança que era mandada embora. Mais recentemente,
comunicativos e afetivos. Estudou na infância na escola onde a crença foi vista como uma pessoa insistente e chata querendo
a mãe era professora e desde cedo se sentia diferente: “Não se impor, e J. se visualizou entrando num cômodo da casa e
tenho pai, sou diferente, sou defeituosa.” deixando a crença no corredor, falando sozinha.
Sempre foi tímida e ansiosa e se comparava com O trabalho de imagem ajudou a paciente a identificar
colegas mais extrovertidas e consideradas mais bonitas: “Não a ativação da crença em várias situações de sua vida, e a se
tenho nada para oferecer aos outros.” Conheceu seu pai aos 12 sentir com mais recursos para enfrentá-la e reduzir seu impacto
anos e culpou-se quando ele faleceu há alguns anos por não no seu dia a dia. Relata ainda que seu humor se mantém bom,
ter conseguido se aproximar emocionalmente a ele: “Não sou se sente mais assertiva nas relações, inclusive no casamento,
uma pessoa boa, pois não consegui ser próxima do meu pai.” e conseguiu retomar atividades prazerosas e as amizades que
J. concordou em iniciar terapia com objetivo de lidar com lhe são tão importantes.
a depressão. Foi utilizada a ativação comportamental como
estratégia inicial para combater a anedonia: foram programadas CONSIDERAÇÕES FINAIS
atividade prazerosas semanais, tais como café com uma amiga,
tomar sol e voltar a ler. Quando seu humor começou a melhorar, Nos três casos apresentados, pode-se observar e
decidiu planejar um lanche com as duas melhores amigas em confirmar a efetividade do uso de imagens nos processos
sua casa e passou algumas semanas escolhendo detalhes, de identificação de crenças, reestruturação cognitiva e
flores e cartões para recebê-las. No dia, se sentiu muito feliz e regulação emocional. A visualização demonstrou ser efetiva
próxima às amigas, o que não havia sentido há vários meses. A na resolução de problemas, na amenização do sofrimento e
partir dessa experiência de aceitação e afiliação, foi começado do comprometimento global, pois facilita o desenvolvimento
o trabalho de reestruturação cognitiva de algumas crenças de novas habilidades para o enfrentamento de situações
de menos-valia como “Se as minhas amigas gostam de estar estressantes e conflituosas, o que propicia uma melhor
comigo, então eu tenho valor para elas; Se me preocupo e gosto qualidade de vida.
das minhas amigas, então sou uma pessoa OK”. Também foi observado que o grau de habilidade para
Com a melhora do humor e da disposição, começou a o desenho ou da criatividade que o indivíduo apresenta não
ter mais esperança que poderia de alguma forma diminuir o interferiu na qualidade da resposta apresentada no processo da
impacto da crença de inferioridade, e cognitivamente passou a reestruturação cognitiva, apontando que o uso de imagem pode ser
enfraquecê-la com a reestruturação cognitiva e experimentos utilizado, independente do recurso individual de cada paciente em
comportamentais. No entanto, emocionalmente seguia crendo relação às ferramentas estudadas. A elaboração de um desenho
ser diferente e sem valor. Foi então proposto trabalho de técnico e amador apresentaram desfechos semelhantes, assim
imagens, mas J. não se sentia preparada para abordar crenças como o relato inicial de não ter criatividade para a imaginação não
antigas com a técnica da cadeira vazia, com frequência usada ter comprometido o uso satisfatório da técnica.
nas TCC de Terceira Onda para lidar com estas questões O presente estudo constatou que com o treinamento
(Pugh, 2018). específico para o uso da imagem em intervenções da TCC, o

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profissional amplia as possibilidades de recursos que o paciente Kunze, A. E., Arntz, A., & Kindt, M. (2019). Investigating the effects of
pode utilizar na busca de pensamentos saudáveis e funcionais, imagery rescripting on emotional memory: A series of analogue
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construindo um trabalho de colaboração. É fundamental o
10.1177/2043808719850733.
respeito por parte do terapeuta às possibilidades de adaptação
dos recursos para melhor aproveitamento das técnicas. A TCC Kunzler, L. S. (2008) A contribuição da terapia cognitiva para o tratamento
do transtorno obsessivo-compulsivo. Brasília Médica; 45 (1):30-40.
tem como uma de suas características principais o trabalho
colaborativo do terapeuta e do paciente que puderam utilizar a Kunzler, L.S. & Araujo, T.C.C.F. (2013). Cognitive therapy: using a
specific technique to improve quality of life and health. Estudos
criatividade para tratar seus sintomas, para então basear os seus
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pensamentos na realidade e não em hipóteses não realistas. 166X2013000200013.
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