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PSEUDO-DEPRESSÃO: PATOLOGIZAÇÃO DA INFELICIDADE COTIDIANA

Autor: Cauê Silva Campos Vasconcelos


Orientador(a): Gueira Vilhena
RESUMO:
Estudos anteriores mostraram que muitos indivíduos que usam antidepressivos e
ansiolíticos não têm história atual ou ao longo da vida de transtornos mentais, logo, o
que houve foi um aumento na prescrição de medicamentos antidepressivos
desproporcional ao número de doentes. O grande número se dá pela visão
epidemiológica e patológica presente nos manuais psiquiátricos, ligada a interesses
financeiros dos laboratórios e indústrias farmacêuticas. Todos esses fatores culminaram
para uma “epidemia de depressão”, ou sob a óptica do artigo, à uma “patologização da
infelicidade” na vida cotidiana; com uma ampla divulgação de rotulações psiquiátricas.
Os dados indicam que os antidepressivos são comumente usados na ausência de
indicações claras baseadas em evidências, logo, muitos indivíduos que são indicados a
tomarem medicações antidepressivas podem não ter preenchido os critérios necessários
para algum transtorno mental, se tornando propícios a desenvolver algum tipo vício e
dependência na medicação, criando outro problema/sintoma, ao invés de sanar o
problema inicial, que era o estado de angústia/tristeza. Recorreu-se aos fundamentos da
psicologia analítica no que diz respeito a psicoterapia e a relação dialética.
Palavras-Chave: depressão; antidepressivos; pseudo-depressão; psicoterapia.

INTRODUÇÃO:
Pseudo é um prefixo utilizado para indicar um teor falso cujo conteúdo não é real ou
verdadeiro. No caso, o título Pseudo-Depressão foi uma referência ao termo utilizado
no livro Fundamentos Psicanalíticos, de David Zimmerman, o uso dele neste artigo foi
escolhido para elucidar não necessariamente uma falsa depressão, mas sobre o discurso
que se faz sobre uma epidemia de depressão e as rotulações psiquiátricas impostas pelo
discurso médico e pelos manuais psiquiátricos; transmitido de forma sensacionalista
pela mídia e pelos dados estatísticos, dando ao paciente a “falsa ideia” de depressão.

O DSM-V define o Transtorno Depressivo (propriamente dito) como um distúrbio


que acomete o sujeito por pelo menos duas semanas, acompanhado de intensa tristeza,
baixa autoestima, isolamento social e perda de interesse em atividades antes prazerosas.
A depressão se caracteriza por ser um transtorno multifatorial, causado quase sempre
por um conjunto de fatores que desencadearão o quadro depressivo. Costuma-se dividir
esses fatores em três grupos: Fatores Endógenos (biológicos), Fatores Exógenos
(ambientais) e Fatores de Ordem Psíquica.

As questões ambientais estão inseridas no contexto social e cultural, ligadas a fatores


como: o sedentarismo, estresse, luto, comportamento de manada (termo usado por
Nietzsche para descrever situações em que indivíduos em grupo reagem todos da
mesma forma, embora não exista direção planejada) ou influência do Efeito Werther
(refere-se a um pico de emulações de suicídios depois de um suicídio amplamente
divulgado, nome do romance Os Sofrimentos do Jovem Werther do alemão Johann
Wolfgang von Goethe). Já a ordem psíquica está relacionada às questões pessoais do
indivíduo, acontecimentos passados, traumáticos, dilemas e conflitos internos. Os
fatores endógenos estão ligados ao somático, ao organismo, questões hormonais e
metabólicas. Na depressão há a diminuição nos níveis dos neurotransmissores
serotonina, noradrenalina e dopamina – responsáveis por transmitir informações entre
os neurônios, especialmente relacionadas à regulação de humor, energia, sono e
motivação. Com menos “mensageiros”, a comunicação entre neurônios fica prejudicada
e também a regulação das funções desses neurônios. A partir daí o corpo e a mente
começam a “padecer". Mulheres parecem ser mais vulneráveis aos estados depressivos
em virtude da oscilação hormonal a que estão expostas principalmente no período fértil.
A hereditariedade genética também deve ser levada em conta como um fator nesse
grupo, dando ao indivíduo uma pré-disposição a desenvolver o transtorno.

Os pacientes “pseudo-depressivos” não se encaixariam no quadro depressivo


exatamente por não cumprir as exigências necessárias nos três grupos de fatores. Logo,
não sabe se o paciente sofre de transtorno de ansiedade, se está passando por um
processo de luto ou se houve algum evento desagradável em sua vida.

Muitos pacientes confundem a depressão com o transtorno de ansiedade, um dos


distúrbios mais comuns. A ansiedade está ligada a um estado desagradável de tensão,
apreensão e inquietação, de fonte conhecida ou desconhecida, geralmente ligado ao
medo de eventos futuros; enquanto a depressão está profundamente ligada com os
acontecimentos passados.
OBJETIVOS:
O objetivo geral do artigo é argumentar, por meio de dados e estudos científicos, o
porquê do aumento do uso de antidepressivos, amplamente difundidos pela indústria
farmacêutica após o lançamento do DSM-V, em 2013, e a forma como o paciente é
tratado diante do discurso médico, como o diagnóstico clínico impacta diretamente no
tratamento do mesmo a visão que se cria de uma patologização da infelicidade
cotidiana.

METODOLOGIA:
O método escolhido foi o de pesquisa bibliográfica, qualitativa descritiva. No presente
estudo foi realizada uma revisão bibliográfica da literatura disponível, ou seja, fontes
primárias de informação como livros, artigos, dissertações e folhetos explicativos. Os
artigos foram escolhidos através das palavras-chave na base de dados daScielo:
depressão,antidepressivos, indústria farmacêutica, discurso médico, pseudo-depressão,
psicoterapia. Os critérios de exclusão foram: hipotireoidismo, hipertireoidismo,
remissão do episódio psicótico agudo, esquizofrenia, bipolaridade, transtorno bipolar;
devido ao fato da depressão estar presente em doenças endocrinológicas, depressão
bipolar tipo 1 e 2, e após a remissão do episódio psicótico agudo na esquizofrenia.

RESULTADOS E DISCUSSÃO:
1. A indústria farmacêutica
“Vivemos uma Geração Prozac”, a frase é de autoria de Elizabeth Wurtzel, jornalista
estadunidense, que em seu livro “Prozac Nation” (Geração Prozac), narra as suas
experiências com a doença. A história de Elizabeth é a história da Geração Prozac, dos
Estados Unidos da Depressão, e ao desfecho da história vemos um amontoado de
pessoas comuns, em suas rotinas, que silenciosamente consumem e convivem com o
Prozac e outros antidepressivos.

Curiosamente houve um aumento de 400% nas vendas de antidepressivos nas últimas


décadas. Somente no Brasil a venda da medicação subiu 50% nos últimos cinco anos,
segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) com base em dados do
IMS Health, instituto que faz auditoria do mercado farmacêutico. Em 2012, foram
vendidas 42,33 milhões de caixas, o que significa que um em cada cinco brasileiros
consumiu uma caixa por ano, principalmente após a publicação da 4ª e 5ª edição do
DSM (Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais). Um estudo sobre o
painel de membros do DSM (DSM-5 Criticized for Financial Conflicts of Interest),
demonstrou que dos 170 membros que produziram os critérios do DSM-4 (publicado
em 1994), 56% tinham algum vínculo financeiro com empresas farmacêuticas. Isto
incluía o financiamento de pesquisas, consultorias e pagamentos por palestras. Já para
os membros dos painéis convocados para elaborar o DSM-5, esse interesse e influência
aumentou significativamente, cerca de 70% dos membros da força-tarefa relataram
relações com a indústria dos fármacos e nos painéis sobre transtornos de humor e
esquizofrenia, 100% dos especialistas tinham ligações com a indústria farmacêutica.

Com a reorganização das ações de Saúde Mental, depressão e ansiedade ganharam


espaço na Atenção Básica, sendo os psicofármacos um dos recursos terapêuticos
utilizado para o tratamento, mas diversos estudos relatam o uso indiscriminado destes
medicamentos pela população. O estudo publicado no The Journal of Clinical
Psychiatry, relata: “Nossos dados indicam que os antidepressivos são comumente
diagnosticados na ausência de indicações baseadas em evidências claras”, muitas
pessoas estão viciadas em antidepressivos sendo que a maioria utiliza esses remédios
apenas para melhorar o humor e se sentirem melhor. Muitos médicos denunciam o que
se chama de “medicalização da vida”, a tendência de tratar com remédios qualquer tipo
de emoção humana. Essa tendência seria, para alguns profissionais, o fruto de uma
relação mútua entre psiquiatras e laboratórios, chamada de biopolítica. Há um
comportamento generalizado, às vezes dos próprios pacientes, em recorrer aos
antidepressivos para tratar qualquer tipo de sintoma. Diante de um contexto globalizado
e de redes sociais, onde o sujeito precisa constantemente estar feliz e sorrindo, não há
espaço para a ansiedade e a tristeza, é ignorado que certos fatos e mazelas são
necessárias para a construção da personalidade do indivíduo.

2. O discurso médico
Os manuais psiquiátricos atuais abandonaram qualquer pretensão teórica em favor de
uma visão epidemiológica, ou seja, estatística, visando o diagnóstico e tratamento
imediato. A linguagem da “doença” implica que as raízes dessas angústias emocionais
se fundamentam em anormalidades em nosso cérebro e em nossa biologia, comumente
chamados de "desequilíbrios químicos". Isso nos torna cegos para as causas sociais e
psicológicas dessas angústias. Na obra Prática da Psicoterapia, Jung já comentava
sobre esse discurso médico estatístico:

O médico comum parte do pressuposto de que o exame do paciente deve


levar (...) ao diagnóstico da sua doença (...) A psicoterapia constitui uma
visível exceção a essa regra: para ela o diagnóstico é extremamente
irrelevante, na medida em que (...) nada se ganha, principalmente no que
diz respeito ao prognóstico e à terapia. (...) Quanto ao prognóstico, ele é
extremamente independente do diagnóstico. (JUNG, 1966, pp. 82 e 83,
grifos nossos).

O diagnóstico clínico é de uma natureza bem diferente no que diz respeito a


psicoterapia, pois o psicólogo faz algumas constatações que não servem para serem
comunicadas ao paciente, pelo contrário, devem ser mantidas em sigilo e servem como
orientação na terapia. Não interessa, ao terapeuta o quadro clínico, mas sim o quadro
psicológico. Pouco importa o nome que se dê: neurose, histeria, fobia, depressão ou se o
paciente é melindroso. Ao comunicar o paciente seu diagnóstico, o psicoterapeuta está
abandonando sua posição de igualdade, essa atitude se transforma numa violência
contra o paciente, pois coloca o terapeuta numa posição de autoridade capaz de fazer
afirmações e julgamentos ao seu respeito.O verdadeiro diagnóstico psicológico só se
revela ao final do tratamento.

As perturbações nervosas na depressão são de origem psíquica e exigem um


tratamento da psique que sofre e suas funções “mais complexas e profundas” mal
podem ser incluídas no campo da medicina, “nesses casos o médico precisa ser
psicólogo e um conhecedor da alma humana” (JUNG, 1916, pp.19). Todo o
procedimento psicológico difere daquele adotado pelo médico. Trata-se de enxergar
toda a personalidade do sujeito e levar em consideração o ser humano que ali está e não
reduzi-lo a sua doença. Não é a doença que precisa de tratamento, mas a pessoa é que
necessita.

CONCLUSÃO:
A intenção aqui não é dar a impressão de que os antidepressivos são vilões que tem
como função impregnar o cérebro com sua substância e criar viciados em potencial.
Pelo contrário, são aliados no tratamento de uma doença e na preservação de uma vida.
E que tomá-los ou não, não é uma escolha. Não falamos a um doente cardíaco para
abandonar seus remédios, afirmando que o certo é deixar o coração bater sozinho e se
fortalecer. Assim também não se deve privar o sujeito num quadro depressivo do
tratamento com antidepressivos. O ponto é: o medicamento sozinho não acabará com a
doença e a medicação é para aqueles que realmente tem depressão.

Nós não devemos diagnosticar muito mais pessoas com "doenças mentais" sem
sentido, dizendo-lhes que estas decorrem de anormalidades cerebrais, e prescrever
medicações. A depressão não é medida como se mede glicemia, anemia ou hipertensão.
Exatamente por esse escasso padrão de detecção, a depressão tornou-se um conceito
maleável, posto a serviço dos interesses da indústria farmacêutica, para incrementar a
venda de medicamentos. O que houve foi que se elegeu a depressão como a doença a
ser cada vez mais alargada, para explicar situações da vida, como conflitos, desgosto,
desemprego, separação, luto, e formatar como doença. Nisso há uma tendência de se
catalogar os comportamentos e afetos humanos e através de uma conclusão, talvez não
tão consciente, entre a indústria farmacêutica e a psiquiatria, e desenvolver uma
medicação adequada a cada um deles. O homem é um ser complexo, e as alterações
bioquímicas não seriam a causa, nem necessariamente o efeito. É algo que acontece tudo
ao mesmo tempo, o homem pensa a partir de processos simbólicos e neuroquímicos
simultaneamente.

REFERÊNCIAS:

ALMEIDA, Ana Filipa. Efeito de Werther, v. 1, 2000, pp. 37.

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membros do painel do DSM-IV e do DSM-V com a indústria. Disponível em:
<https://doi.org/10.1371/journal.pmed.1001190/>. Acesso em: 24 out. 2018.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão, v. 9, 1991.


FILHO, Naomar de Almeida, Introdução à Epidemiologia, v. 4, 2006, pp.11, 34, 73,
124.

JUNG, Carl Gustav. A Prática da Psicoterapia, v. 1, 1966, pp. 82 e 83.

JUNG, Carl Gustav. Presente e Futuro, v. 1, 1957, pp. 14.

NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da Moral, v. 7, 2009.

PSIQUIATRIA, Sociedade Americana. DSM-V (Manual de Diagnóstico e


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TAKAYANAGI, Yoichiro. Uso de Antidepressivos e História da Vida de


Transtornos Mentais em uma Amostra da Comunidade: Resultados do Estudo
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<https://www.psychiatrist.com/jcp/article/Pages/2015/v76n01/v76n0106.aspx>. Acesso
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WHALEN, Karen. Farmacologia Ilustrada, v. 6, 2016, pp.121.

WURTZEL, Elizabeth. Prozac Nation, v. 1, 1994.

ZIMMERMAN, David Epelbaum. Fundamentos Psicanalíticos: Teoria, Técnica,


Clínica: Uma Abordagem Didática, v. 3, 1999, pp. 222.

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