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UNIG

SAUDE MENTAL ‘ PSIQUIATRIA


SOFRIMENTO MENTAL
PROF RICARDO CHALITA HITTI
■ INTRODUÇÃO
Aqueles a quem os deuses querem destruir, primeiro deixam-no louco. (Eurípides) Os
problemas de saúde mental representam um terço do total de casos de doenças não
transmissíveis (DNTs), sendo fatores significativos de morbidade em todo o mundo,
segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Segundo a própria OMS, em 2020,
as DNTs serão responsáveis pela segunda principal causa de morbidade no mundo.
Assim, problemas de saúde mental impactam desde a pessoa no seu contexto
individual até suas famílias, gerando sofrimento em todos os envolvidos. Além disso,
encontram-se dentre as principais causas de perdas de dias no trabalho segundo a
Organização Internacional do Trabalho (OIT). Tais quadros são comumente
incapacitantes, evoluindo com absenteísmo e redução de produtividade. Nesse
sentido, a OMS apontou a relevância da atuação da Atenção Primária à Saúde (APS)
na promoção da saúde mental dos indivíduos e das comunidades. Dentre essas
recomendações, destaca-se a função das equipes de APS no desenvolvimento de
ações visando ao rastreamento, ao tratamento e ao encaminhamento, quando
necessário, dos usuários que possuem quadros de sofrimento mental. É sempre
importante entender qual é a experiência do sofrimento para aquela pessoa; quais
sentimentos ela tem sobre o que está acontecendo com ela; que ideias ela tem sobre
essa enfermidade; qual é o impacto funcional no seu dia a dia; quais expectativas ela
tem sobre o atendimento médico e se ela já foi a outros profissionais de saúde.
Sendo assim, promover a relação médico–paciente e se utilizar das habilidades de
comunicação são fundamentais no manejo dessas situações
■ OBJETIVOS
Ao final da leitura o aluno será capaz de
A discutir o conceito de sofrimento mental comum (SMC) e seus significados;
contextualizar as múltiplas variáveis implicadas no SMC;
B reconhecer que a individualização de cada caso de SMC é a melhor abordagem
dessa temática; observar o contexto familiar como de grande importância na
abordagem dos casos de SMC;
C identificar os avanços e as dificuldades dos manuais diagnósticos com relação ao
SMC e como ponderar suas contribuições;
D caracterizar o exame do estado mental como parte da abordagem da pessoa em
SMC;
E problematizar as principais terapias para o paciente.
■ SOFRIMENTO MENTAL COMUM
O conceito de SMC, ou transtorno mental comum (TMC), foi proposto por Goldberg e
Huxley e se refere às pessoas que apresentam sintomas não psicóticos, como
insônia, fadiga, irritabilidade, esquecimento e dificuldade de concentração.
Das pessoas que apresentam sintomas não psicóticos, cerca de 90% apresentam
manifestações de sintomas depressivos e/ou ansiosos, além de queixas somáticas,
que podem produzir incapacidade funcional, mas que não preenchem, em sua
avaliação inicial, os requisitos para os diagnósticos nos manuais de diagnósticos
como o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, em sua quinta
edição (DSM-5), ou a décima revisão da Classificação Estatística Internacional de
Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID-10).
Quando não abordados de maneira adequada, boa parte daqueles que apresentam
um quadro de SMC pode evoluir para transtornos mentais mais severos, como
depressão e ansiedade. Estudos recentes têm sugerido que o contexto
socioeconômico, como, por exemplo, o local onde as pessoas residem e sua renda,
pode ter um papel na etiologia e no prognóstico do SMC.
■ PREVALÊNCIA DOS TRANSTORNOS MENTAIS COMUNS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À
SAÚDE
Há muito interesse na avaliação de prevalência do SMC na APS. Em estudo realizado
na região Oeste de São Paulo, denominado São Paulo Ageing and Health Study
(SPAH), com o objetivo de investigar a saúde de idosos com 65 anos de idade ou
mais, os autores concluíram que a prevalência de TMC foi de 43,1% na população
estudada. A prevalência de TMC no sexo feminino foi altamente significante (52,4%),
enquanto no sexo masculino foram somente 26,6%. A faixa etária de 40 a 64 anos
mostrou-se mais suscetível a apresentar TMC.
Os indivíduos com maior escolaridade, que possuíam uma ocupação e que contavam
com a presença de saneamento básico e os indivíduos com maior renda familiar
apresentaram menor prevalência de TMC. Em estudo realizado com uma população
assistida pela Estratégia de Saúde da Família (ESF) no município de São João Del Rei,
em Minas Gerais, a prevalência de TMC encontrada foi de 43,70% de TMC.
Novamente, o sexo feminino apresentou um maior risco de TMC (48,37%), enquanto
o masculino apresentou um percentual bem inferior (34,41%). Com relação ao uso de
psicotrópicos, 28,60% dos sujeitos faziam uso, sendo os antidepressivos os mais
relatados. Os portadores de TMC apresentaram maior propensão de fazer uso de
medicamentos. Em geral, há maior risco de polifarmácia em relação às pessoas sem
TMC (2,53 vezes mais chance). Ainda no mesmo estudo, a prevalência de TMC
mostrou-se inversamente proporcional à renda familiar. Quanto menor a renda
familiar, maior a prevalência de TMC. Com relação à renda, 58,62% dos indivíduos
com salário inferior ao mínimo, 46,23% dos com renda de 1 a 3 salários mínimos e
16,67% dos com renda acima de três salários mínimos apresentaram indícios de
TMC. Em estudo realizado em João Pessoa, na Paraíba, a prevalência de TMCs como
a depressão e a ansiedade em mulheres mostrou-se superior à prevalência nos
homens (59,40% em mulheres e 26,90% em homens). O mesmo estudo mostrou que
também existe uma maior prevalência de depressão e ansiedade em indivíduos de
meia-idade e em idosos (40 a 65 anos de idade; 55,2% acima de 65 anos de idade).
Com relação à ocupação, as mulheres que realizam serviços domésticos são as mais
propensas (65,5%), e, quanto à existência de alguma prática ou sofrimento de
violência, o estudo mostrou associação significativa, estando presente em 15,2% dos
indivíduos com risco para depressão e ansiedade.
Em estudo realizado no Rio Grande do Sul, a prevalência de pessoas com um ou mais
diagnósticos psiquiátricos foi de 51,1% dos usuários de uma unidade de ESF. O
distúrbio mais encontrado foi o transtorno depressivo maior (17,6%), seguido pelo
transtorno de ansiedade generalizada (11,5%) e pela distimia (11,3%). Doenças
crônicas como o diabetes melito (DM) e a hipertensão arterial foram relatadas por
38,7% da população que frequentava a ESF — desta, 57,38 % apresentavam um ou
mais transtornos mentais. Em Sorocaba, SP, a prevalência de TMC foi de 35,3%,
predominando na faixa etária de 50 anos ou mais (51,1%). A prevalência também foi
maior nos indivíduos com renda mensal inferior a R$ 300,00 e nos que cursaram
somente até o 5º ano do Ensino Fundamental.
Assim, podem ser destacados como fatores de risco para o TMC:
ser do gênero feminino; estar na meia-idade; viver na pobreza; estar desempregado;
possuir baixo suporte social; ter baixos níveis de escolaridade. Em contrapartida,
podem ser destacados como fatores de proteção ao TMC a prática de atividade física,
a prática de atividade artística (pintura, canto, dança) e o suporte familiar e social.
A rede familiar pode ser fonte tanto de saúde quanto de doença, dependendo de
como as relações de afeto e de responsabilidade são estabelecidas.

1. Qual é a definição de SMC?

2. Os problemas de saúde mental têm fundamental importância para a saúde


pública, impactam desde a pessoa no seu contexto individual até suas famílias,
gerando sofrimento em todos os envolvidos. Analise as afirmativas a seguir e
assinale a alternativa correta.
I — Segundo a OMS, os problemas de saúde mental representam um terço do total
de casos de DNTs no mundo.
II — Os problemas de saúde mental são fatores significativos de morbidade em todo
o mundo. III — Segunda a OMS, os transtornos mentais serão responsáveis, até 2020,
pela primeira principal causa de morbidade no mundo.
IV — Os transtornos mentais encontram-se entre as principais causas de perdas de
dias no trabalho.
Quais estão corretas?

A) Apenas a I, a II e a III.
B) Apenas a I, a II e a IV.
C) Apenas a I e a II.
D) A I, a II, a III e a IV.

3. Segundo Goldberg e Huxley, assinale a alternativa que descreve indivíduos


portadores de SMC.
A) Indivíduos com incapacidade funcional causada por sintomas psicóticos e por
episódios de insônia, fadiga e irritabilidade.
B) Indivíduos com queixa de insônia, irritabilidade e que, em algum momento,
apresentam alguma psicose.
C) Indivíduos com sintomas psicóticos, além de insônia, fadiga, irritabilidade,
esquecimento, dificuldade de concentração e queixas somáticas.
D) Indivíduos com sintomas não psicóticos, como insônia, fadiga, irritabilidade,
esquecimento e dificuldade de concentração.

4. Quanto à prevalência do TMC, assinale a afirmativa correta.


A) Os estudos não mostraram significância com relação à maior prevalência em
indivíduos de um determinado sexo.
B) A prevalência de TMC em usuários da APS mostrou-se insignificante, mantendo-se
inferior a 20% dos sujeitos em estudo.
C) Estudos mostram que a prevalência de TMC é maior em indivíduos de baixa renda.
D) O grau de instrução não mostrou relação com maior vulnerabilidade ao TMC.

■ SOFRIMENTO MENTAL E CICLOS DE VIDA FAMILIAR


“Família” não é uma expressão de definição simples, talvez passível de descrições. É
possível descrever as várias estruturas assumidas pela família ao longo dos tempos,
mas não defini-la apenas como sendo um padrão predeterminado.
A família e a dinâmica familiar têm sido modificadas ao longo do tempo, com seus
laços sendo aumentados e redefinidos. Todavia, os processos relacionais que
facilitam o desenvolvimento dos indivíduos não dependem de a família ser
constituída por um casal que mora na mesma casa ou separado ou ainda que seja
composto por indivíduos do mesmo sexo Assim talvez o que mais influencie na
mesma casa ou separado, ou, ainda, que seja composto por indivíduos do mesmo
sexo. Assim, talvez o que mais influencie na construção/remodelação de tais laços
seja o grau de afeto envolvido entre as pessoas da família, sem qualquer estereótipo.
É chamado ciclo de vida ou ciclo vital o processo evolutivo pelo qual a família passa
ao longo da vida.
CRISES ESPERADAS OU NORMATIVAS
Em cada etapa do ciclo de vida, há desafios e algumas tarefas a serem cumpridas,
exigindo ajustes, adaptações e reorganização da estrutura familiar, assim como de
cada um de seus membros. Chamam-se essas etapas de “crises esperadas” ou de
“normativas” do ciclo vital. A forma como as famílias passam por essas etapas/crises
influencia o crescimento biopsicossocial de cada um de seus indivíduos, constituindo
fator de risco ou proteção para transtornos físicos e/ou psíquicos. Para fins didáticos,
neste artigo, são propostas as divisões do ciclo vital nas seguintes etapas:
adulto jovem; casamento; gravidez, parto e puerpério; primeira infância; filhos em
idade escolar; adolescência; ninho vazio; processo de morte.
Adulto jovem Vivendo sozinho ou com família, a consolidação da etapa de vida do
adulto jovem passa pela construção da autonomia financeira e emocional. Nesse
sentido, esse período é fundamental para que as etapas posteriores da vida familiar
possam se realizar com solidez.
As principais formas de adoecimento na fase de adulto jovem são as de ansiedade.
Casamento/vida a dois A família nuclear tradicionalmente conhecida surge do
encontro de dois adultos jovens independentes, que escolhem livremente deixar
suas famílias de origem para constituir uma nova unidade após um período de
namoro. Mesmo em tempos de descrédito da instituição do casamento, muitos
jovens querem casar. Constituir um casal é uma tarefa difícil. Mesmo com grande
tempo de namoro, a coabitação traz surpresas boas e ruins de se enfrentar. Se o
casal não souber negociar e resolver problemas, pode haver o aparecimento de
sintomas de depressão e ansiedade (“Ele/ela não me entende”), assim como
disfunção sexual, uma vez que as relações estão complicadas.
Em um contínuo, a violência (física e psicológica, entre outras) pode ser o resultado
de o casal — ou um dos parceiros — não estar conseguindo construir uma forma de
se comunicar adequadamente. Em geral, a agressão é associada ao fato de o homem
estar com sua autoestima baixa, seja por questões relacionais e/ou sociais.
Todos casos de adição a álcool e/ou drogas ilícitas são facilitadores e instigadores da
violência e devem ser abordados sempre se considerando também os diversos
contextos que influenciam o indivíduo (familiar, econômico, espiritual, social,
cultural e outros).
Gravidez, parto e puerpério O grande desafio do casal é ampliar, no período de
gravidez e puerpério, o escopo de cuidados e fazer a reavaliação de alguns acordos.
A mulher grávida se torna mais introspectiva e sensível. Inseguranças, medos e uma
série de pensamentos podem povoar a mente da mulher nessa fase. Se houver
histórico de depressão ou ansiedade, na gravidez, espectros dessas enfermidades
podem reaparecer.
Após o nascimento, o casal assume um segundo papel (o de pai e mãe, além do de
homem e mulher). A mãe pode se sentir sobrecarregada com os cuidados do filho
recém-nascido. O homem pode se sentir preterido ou distante durante todo o
processo, seja por não saber como se aproximar ou por achar que os cuidados com o
filho recém-nascido não fazem parte de suas funções.

A equipe de saúde deve acompanhar o processo de perto, longitudinalmente,


participando da rede de apoio, estimulando a participação do homem em todo o
processo e identificando fatores de resiliência para que o casal perpasse esse período
da melhor forma possível.
Primeira infância Na etapa da primeira infância, são frequentes os transtornos de
alimentação, de sono e de eliminação. Todos eles podem estar associados a algum
grau de insegurança dos pais, principalmente no caso de ser o primeiro filho.
Infecções de repetição e dores frequentes podem estar associados a dificuldades de
vínculo da criança com os pais. Uma investigação do contexto em que se deu a
gestação pode auxiliar no acompanhamento dessa família.
Filhos em idade escolar Um mundo novo se abre tanto para a família quanto para a
criança quando esta ingressa no ambiente escolar. Esta passa a ter de lidar com
papéis de autoridade, socialização e competência no desempenho das tarefas
escolares. Problemas de conduta ou de aprendizado podem estar associados, em
geral, à dificuldade da família em dar apoio à criança.
Dificuldades específicas de aprendizagem e transtorno de déficit de atenção e
hiperatividade (TDAH) podem se manifestar na fase da idade escolar. Uma vez
identificados precocemente pela família, pela equipe de saúde ou pela escola e, com
a colaboração mútua destes, podem ser sanados por medidas inespecíficas
(psicoeducação, reforço escolar, por exemplo). Quando necessário, pode-se
referenciar a família a outro especialista em tempo hábil.
Se os pais não estão conseguindo dar suporte adequado aos filhos, deve-se verificar
se os pais se encontram com algum problema (depressão ou ansiedade, por
exemplo) ou, ainda, se estão passando por alguma dificuldade no relacionamento
familiar/conjugal.
Adolescência Quando os filhos chegam à adolescência, normalmente os pais estão
chegando à meia-idade, e os avós, à velhice. Quanto mais tranquilos estão os pais e
os avós com essa nova fase, mais tranquila será a adolescência dos filhos. Devido a
situações econômicas, sociais e culturais, essa etapa pode ser mais longa ou mais
curta (nas classes mais populares/empobrecidas, por exemplo). As crises graves que
em geral os adolescentes apresentam são fruto de um contexto familiar de crise
(crise de meia-idade e conjugal, por exemplo). Os filhos respondem com frequência
com sintomas individuais, como depressão, ansiedade, transtornos de conduta,
excesso/abuso de álcool, uso de drogas ilícitas e início de sexualidade sem cuidados,
entre outros.
O médico de família e comunidade (MFC) deve estar atento ao contexto de inserção
familiar quando estiver avaliando o adolescente.
Ninho vazio
Quando os filhos saem de casa, deixam seus pais novamente sozinhos, face a face
consigo mesmos e um com o outro, vivendo a crise da meia-idade. O ninho vazio é
uma fase de novos desafios e recomeços, mas também pode estar associado a
doenças crônicas, a perdas e a projeções sobre o futuro.
É comum a procura do serviço de saúde, principalmente pela mulher, com queixas
vagas e múltiplas, como cefaleia, desânimo, astenia, distúrbios do sono, dispareunia
e leucorreia, entre outras. Essas queixas podem ser a expressão das dificuldades de
adaptação à nova situação. O casal que passa pela crise do ninho vazio de maneira
saudável encontrará novos projetos de vida e irá se adaptar aos novos desafios,
geralmente com algum envolvimento social. As unidades básicas de saúde (UBS)
podem se tornar pontos de apoio para novas atividades (grupos de convivência,
atividade física e artesanato, por exemplo), promovendo o bem-estar psíquico e
físico do casal.
Processo de morte
A preparação gradativa para o envelhecimento e a morte se dá melhor quando a
pessoa vivenciou bem as crises e os desafios de cada etapa de seu desenvolvimento.
A equipe de saúde deve estar preparada para dar suporte e permitir que o processo
de morte seja vivido da melhor forma possível. Famílias com pacientes sem
possibilidades curativas se beneficiam de cuidados paliativos adequados, que podem
ser ofertados pela APS em conjunto com serviços de atenção secundária.
Uma morte bem enfrentada é uma oportunidade de crescimento para toda a família.
Todavia, uma morte problemática pode carregar culpas e assuntos mal resolvidos
que vão reverberar nas próximas gerações.

CRISES NÃO ESPERADAS OU PARANORMATIVAS


Desemprego, separação conjugal e doenças graves e/ou incapacitantes em um
membro da família são alguns exemplos de crises que, em geral, não são esperadas
de ocorrer. São chamadas de “paranormativas”, ou “não esperadas”. Essas crises
tendem a desestabilizar a estrutura familiar.
A forma como a família perpassa pelas crises programadas lhe confere mais
resiliência e maior capacidade de passar de forma mais saudável pelas crises não
esperadas.
■ AVANÇOS E DIFICULDADES DOS MANUAIS DIAGNÓSTICOS COM RELAÇÃO AO
SOFRIMENTO MENTAL COMUM
As classificações de doenças são estruturadas de forma a permitir aos profissionais
de saúde interpretar os problemas do paciente como um mal-estar, uma doença ou
uma lesão.
Não tem a pretensão de expor a metodologia de cada sistema de classificação de
doenças, mas sim de expor brevemente sobre os mesmos e despertar uma reflexão
necessária, com o intuito de poder contribuir para que o MFC experimente e escolha
aquele que melhor se ajuste a sua prática. A CID, cuja décima revisão ocorreu em
1990, tem sido utilizada como fonte dos códigos relacionados com as doenças em
todo o mundo.
Especificamente, apresenta as classificações associadas aos transtornos mentais em
seu Capítulo V (transtornos mentais e comportamentais), com códigos que variam de
F00 a F99 (por exemplo, transtorno depressivo recorrente sem especificação —
código F33.9).
O DSM-5, que teve sua quinta edição em 2013, constitui outro manual classificatório
dos transtornos mentais muito utilizado na psiquiatria. Desde sua primeira edição,
publicada em 1950, o DSM vem evoluindo na busca por um diagnóstico mais preciso
para os transtornos mentais. Em sua quinta edição, o DSM-5 apresenta critérios que,
uma vez satisfeitos, indicam determinado transtorno. Tais critérios foram elaborados
a partir de consenso dos médicos psiquiatras da Associação Americana de Psiquiatria
com as contribuições da estatística na base de sua concepção. Essa versão tem
suscitado diversas críticas ao redor do mundo.
A Classificação Internacional da Atenção Primária (CIAP), em sua segunda edição
(CIAP-2), de 2003, surge a partir da necessidade dos profissionais da APS de dispor de
um sistema de classificação mais condizente com sua prática. A CIAP abriu novos
horizontes no mundo das classificações, quando da sua publicação, em 1987, pela
The World Organization of National Colleges, Academies and Academic Associations
of General Practitioners/Family Physicians (WONCA), hoje mais conhecida por
Organização Mundial de Médicos de Família.
Pela primeira vez, os MFCs tinham meios de classificar usando uma classificação que
levasse em consideração muito mais do que a doença. O emprego da CIAP exige
certo grau de treinamento, porque, tradicionalmente, o profissional de saúde tende
a pensar apenas em doenças claramente estabelecidas, sem considerar ou valorar a
experiência do indivíduo que busca atendimento e seu contexto socioambiental.
Esse manual apresenta, na seção “P”, os códigos relacionados com problemas da
esfera psíquica (por exemplo, tristeza/sensação de depressão, código P03).
Os sistemas de classificação auxiliam em relação a uma linguagem comum sobre
determinados problemas de saúde ao redor do mundo. Possuem legitimação em
relação aos sistemas previdenciários e trabalhistas como ferramentas de
comunicação entre os profissionais envolvidos. Além disso, contribuem quanto aos
estudos estatísticos, como prevalência/incidência de determinadas enfermidades e
taxas de mortalidade, entre outros.
Uma série de críticas tem sido feitas, sobretudo ao DSM-5, o qual aumentou o
número de transtornos mentais em relação ao manual anterior (DSM-IV). A tônica
das críticas tem se concentrado no fato de essa última versão do DSM expandir o
número de diagnósticos de transtornos mentais a situações que não devam ser
consideradas como enfermidades em si (por exemplo, homossexualidade,
comportamento hiperativo em crianças luto e síndrome da psicose atenuada) Isso
ocorreu talvez com a prerrogativa de se evitarem riscos de cronicidade em crianças,
luto e síndrome da psicose atenuada). Isso ocorreu talvez com a prerrogativa de se
evitarem riscos de cronicidade ou agravamento de uma determinada enfermidade
(por exemplo, depressão e risco de suicídio e risco de psicose no futuro). Além disso,
há um contexto político bastante controverso, que envolve seu uso por indústrias
farmacêuticas e seguradoras: críticos do DSM5 argumentam que a expansão dos
transtornos foi influenciada por motivos de lucro. Assim, muitos especialistas da área
de saúde mental criticaram essa versão do DSM, levando em conta os riscos em se
tratar, inclusive com medicamentos, pessoas com diagnóstico pouco ou não definido,
aumentando, assim, os riscos de exposição a determinados fármacos. Além disso, há
as questões (muitas vezes estigmatizantes) advindas de categorizar os indivíduos
como portadores de um determinado transtorno.
Na prática clínica do MFC, os manuais não devem ser tidos como um fim em si
mesmo, nem tampouco como a voz final sobre a condição da pessoa que é atendida.
Sobretudo em relação às enfermidades mentais, os sinais e os sintomas
apresentados pelas pessoas devem ser entendidos como expressão de uma
confluência de fatores psíquicos, biológicos, ambientais, culturais e sociais. Dessa
forma, torna-se fundamental entender o sofrimento psíquico como fenômeno
complexo, dando-se espaço para as narrativas das histórias das vidas das pessoas
atendidas e das circunstâncias por elas vivenciadas.
O MFC tem dois grandes aliados, que é a abordagem centrada na pessoa e a
longitudinalidade do cuidado. Faz-se necessário o entendimento de que o MFC não
atende às “doenças” presentes nos manuais (como entidades autônomas e
independentes do indivíduo que adoece), mas sim as pessoas com experiências
singulares em seu processo saúde-adoecimento.
Talvez o sistema classificatório que mais se adapte ao trabalho cotidiano do MFC e
que mais leve em consideração outros fatores que não os de ordem, sobretudo
biológica/estatística/anatomopatológica, mas também aqueles de ordem familiar,
ambiental e social, seja o CIAP-2. Neste, não há a preocupação acerca da etiologia
em si, mas sim dos motivos de consulta que levam as pessoas à unidade de saúde.

5. Por que o contexto político do DSM-5 é considerado controverso?

6. Sobre o sistema de classificação de enfermidade mental a ser adotado pelo MFC,


orienta-se A) escolher a CID-10, uma vez que é a mais universalmente aceita.
B) adotar o DSM-5, que constitui o guia maior da psiquiatria.
C) levar em consideração somente o CIAP-2, sendo este o manual específico para os
profissionais da APS.
D) escolher o manual levando-se em conta que nenhum deles contempla todas as
possibilidades e que apresenta também limitações.
7. Como são denominadas as etapas vivenciadas pela família ao longo da vida?
A) Ciclo vital.
B) Crises esperadas.
C) Processo evolutivo.
D) Crescimento biopsicossocial.

8. Dentro do ciclo de vida da família, o surgimento da violência pode ser resultado de


qual processo?
I — Falta de comunicação entre os parceiros.
II — Estresse com o ninho vazio.
III — Autoestima baixa no homem.
IV — Ausência de filhos no matrimônio. Quais estão corretas?
A) Apenas a I e a III.
B) Apenas a II e a III.
C) Apenas a I e a IV.
D) Apenas a II e a IV.

■ AVALIAÇÃO DO ESTADO MENTAL DO PACIENTE


Antes de abordar o exame do estado mental, ou entrevista psiquiátrica, vale
ressaltar que este foi desenvolvido com o intuito de diagnosticar transtornos
psiquiátricos, não sendo adequado para o início de uma consulta, sem antes se ter a
real probabilidade de o paciente ser portador de uma patologia psiquiátrica. A
medicina de família e comunidade, sendo uma especialidade médica consagrada, é
dotada de uma epistemologia própria, e este olhar deve ser o fio guia do MFC.
Ao atuar na APS, o MFC lida com uma miríade de pessoas com as mais diversas
situações de saúde e doença, muitas vezes inespecíficas e transitórias. Além disso,
mesmo quando diante de um quadro provável de transtorno depressivo ou ansioso,
este muitas vezes vem acompanhado de outras situações que o MFC irá buscar
englobar de forma integral. A consulta deve conter, como elencado a seguir,
elementos de toda e qualquer avaliação:
a identificação; o motivo do atendimento; a história da moléstia atual; a história
patológica pregressa; a história fisiológica; a história pessoal, familiar e social.
Nem sempre a avaliação do estado mental será iniciada e finalizada em um único
encontro. Como uma de suas especificidades é o acompanhamento longitudinal,
muitas vezes mais de um encontro com o paciente será necessário. O MFC pode,
ainda, lançar mão, eventualmente, de entrevista com a família (conferência familiar)
e de visitas domiciliares.
No exame psíquico, são descritas apenas as alterações presenciadas durante a
entrevista. A cada encontro, pode haver mudanças da apresentação e da
sintomatologia psiquiátrica. Muito embora sejam feitas divisões da avaliação de
cada um dos componentes do psiquismo, há uma influência mútua entre as diversas
funções mentais. Em verdade, essas divisões são meramente didáticas, para o
melhor entendimento das mesmas; porém, elas se apresentam e devem ser
avaliadas simultaneamente.
As condições em que se está sendo avaliado o paciente também devem ser descritas,
pois podem ter impacto e influenciar diretamente na anamnese: no consultório, no
domicílio, na enfermaria, sozinho, junto a um ente familiar, amigo ou alguma figura
de autoridade (cuidador, policial, assistente social, conselheiro tutelar ou advogado,
por exemplo).
Serão apresentadas, a seguir, as funções psíquicas de forma relativamente
hierarquizada. Assim, caso a consciência esteja alterada, todo o resto do exame
psíquico estará comprometido, se o afeto estiver muito deprimido, a
psicomotricidade estará afetada, e assim por diante.
Vale ressaltar que o conteúdo aqui apresentado é uma súmula das funções psíquicas
e das principais alterações das mesmas. O tema é vasto, e existem manuais
específicos contendo diversos materiais sobre as funções psíquicas e suas inúmeras
alterações. Não é o objetivo deste artigo esgotar esse tema, nem tampouco os
autores acreditam ser útil ao MFC debruçar-se exaustivamente sobre temática mais
voltada ao psiquiatra.
CONSCIÊNCIA
A consciência pode ser definida como “o todo momentâneo da vida psíquica”.
Constitui a integração de todos os processos mentais em determinado momento.
A avaliação mais básica do exame do estado mental se dá ao se analisar o quão
desperto e funcionando está o sistema nervoso central
A avaliação mais básica do exame do estado mental se dá ao se analisar o quão
desperto e funcionando está o sistema nervoso central (SNC) do indivíduo. Caso haja
alterações muito severas nesse nível, não é possível se acessar as demais funções
psíquicas. Em geral, graduam-se os níveis de consciência em
estado vígil — nível no qual o indivíduo está em seu estado mais alerta;
sonolência — neste nível, o paciente oscila entre a vigília e o sono, podendo fazer
contato ao despertar;
torpor (ou obnubilado) — neste nível, o indivíduo acorda com muita dificuldade, não
plenamente desperto e podendo apresentar discurso confuso; estupor
(semi comatoso) — neste nível, o indivíduo não é capaz de se manter em alerta,
respondendo apenas a estímulos vigorosos, em geral, físicos;
coma — representa o maior grau de rebaixamento do nível de consciência, estado
no qual o indivíduo não acorda, independentemente dos estímulos aplicados.
Sobre a qualidade da consciência, essa pode estar estreitada, quando o foco da
consciência encontra-se muito restrito, estando geralmente presente em quadros de
intoxicação e ansiedade, ou dissociada, quando o indivíduo vivencia momentos dos
quais não se lembra ao retomar a integridade.
ATENÇÃO E CONCENTRAÇÃO
Chama-se de atenção à capacidade de o indivíduo direcionar e focalizar sua
consciência e atividade mental para determinado estímulo ou objeto (interno ou
externo).
A capacidade de atenção e concentração pode ser voluntária ou ativa, quando se
pretende direcionar a atenção a um determinado objeto (um livro ou uma música),
ou involuntária ou passiva, dirigindo o foco a estímulos que não são os principais
(como, enquanto lendo um livro, percebem-se os ruídos ao redor). Quanto maior o
grau de atenção voluntária, menor o de involuntária, e vice-versa. Quadros
depressivos e ansiosos podem cursar com perda ou dificuldade na atenção
voluntária.
A concentração reflete a capacidade em manter a atenção de maneira voluntária.
ORIENTAÇÃO
A orientação é a capacidade de um indivíduo estimar sobre o tempo, o espaço, as
pessoas e sobre si mesmo em seu ambiente corrente.
Os quadros orgânicos facilmente podem afetar a orientação temporal, assim como a
espacial. A orientação autopsíquica refere-se ao conhecimento de si mesmo e está
prejudicada em processos demenciais, por exemplo. A orientação alopsíquica diz
respeito à percepção do tempo e do local onde se está situado (orientação temporal
e espacial, como já mencionado).
MEMÓRIA
O aprendizado é o processo pelo qual se adquire conhecimento sobre o mundo. A
memória representa o armazenamento desse conhecimento. Essas informações
dizem respeito a todo tipo de aprendizado — da experiência perceptiva e motora às
vivências internas (ideias, pensamentos e emoções).
Pode-se dividir a memória, em princípio, em três níveis — remota ou de longa
duração, de curta duração e imediata. A memória imediata está intimamente ligada
à atenção. A memória pode ser testada por avaliações simples, como gravar palavras
ou nomes. Os déficit de memória podem dar origem a confabulações (falsas
memórias criadas pelo paciente para preencher lacunas na memória), comuns entre
pacientes portadores de quadros demenciais, como a doença de Alzheimer.
PENSAMENTO
A palavra “pensar” vem do verbo latino pendere, que significa “examinar”,
“ponderar”, “ficar em suspenso”. O pensamento está relacionado com a antecipação
de acontecimentos, com a construção de modelos da realidade e com a simulação de
seu funcionamento.
A avaliação do pensamento se dá quanto à forma, ao curso e ao conteúdo. Quanto à
forma, relaciona-se com a estrutura do pensamento, com a conexão entre as ideias e
seu encadeamento lógico. As alterações dessa ligação ocorrem principalmente nos
quadros maníacos e psicóticos. O curso do pensamento refere-se à velocidade e ao
ritmo dos pensamentos, podendo este estar acelerado, típico dos quadros de mania,
ou lentificado, comum em quadros de depressão. O conteúdo dos pensamentos diz
respeito à temática do pensamento, às qualidades e às características das ideias.
Assim, avalia-se se há algum tema que domine ou polarize o discurso sobre outros
temas (por exemplo, culpa, pecado, ruína, morte, riqueza, poder, misticismo e
religiosidade).
LINGUAGEM
A linguagem é avaliada principalmente por seu conteúdo verbal. A avaliação da
linguagem se dá quanto a dois aspectos: forma e conteúdo. Quanto à forma, avalia-
se a velocidade do discurso, podendo estar aumentada (comum em quadros ansiosos
e maníacos e em quadros de intoxicação aguda por metanfetaminas) ou lentificada
(intoxicação por canabinoides, benzodiazepínicos, em quadros depressivos). Sobre o
discurso, este pode estar acelerado — além de o paciente falar rápido, fala em
grande quantidade (logorreia). O quadro de mutismo pode ocorrer nos transtornos
depressivos graves. Os quadros de afasia (Wernicke e Broca, por exemplo) podem
confundir o MFC em sua avaliação. O conteúdo do discurso normalmente
acompanha o conteúdo do pensamento.
SENSOPERCEPCÃO
A sensopercepção constitui a primeira etapa da cognição, ou seja, do conhecimento
do mundo externo. Refere-se ao entendimento dos objetos reais, ou seja, aqueles
que estão fora da consciência.
A sensação é um fenômeno passivo, físico e objetivo que resulta das alterações
produzidas por estímulos externos sobre os órgãos dos sentidos (olhos, ouvidos,
pele, língua, nariz). A percepção está relacionada com a identificação e a
discriminação das impressões sensoriais, dando significado às sensações, ao agrupar
sensações parciais a representações.
As alucinações são as alterações mais marcantes da qualidade da sensopercepção.
São definidas como presença de percepção sem estímulo real.
A sensopercepção pode estar aumentada (hiperestesia), como nos quadros ansiosos
e na mania e nos casos de intoxicação por anfetaminas, e pode estar diminuída
(hipoestesia), como nos quadros depressivos e na esquizofrenia.
JUÍZO E CRÍTICA
O juízo é a capacidade de o indivíduo dar valor a fatos e ideias. Sua alteração mais
clássica está em quadros de delírio.
Os delírios são ideias não encadeadas adequadamente no fluxo dos pensamentos,
irrefutáveis, de conteúdo improvável e que normalmente não fazem parte de um
conjunto de crenças socialmente aceitas. Apesar de muitas vezes terem conteúdos
bizarros, podem ter certa plausibilidade, como os delírios de ciúme ou de
perseguição no trabalho, por exemplo. Os delírios podem advir de interpretações
delirantes (interpretando fatos do dia a dia de maneira psicótica); de intuição
delirante (quando este simplesmente surge, como uma revelação inquestionável); ou
de percepção delirante (ao receber um estímulo qualquer, o indivíduo o entende
como explicação para os delírios). Os delírios de conteúdo místico, de grandeza e
persecutórios são os mais comuns. Os quadros de depressão grave podem
apresentar episódios de delírios.
A crítica é definida como a capacidade de o indivíduo perceber sua própria condição,
estando ausente em quadros de psicose ou parcialmente ausente em situações em
que o indivíduo sabe que algo está errado, porém não sabe definir adequadamente o
que ocorre consigo.
AFETO E HUMOR
O afeto é a manifestação de resposta emocional de alguém aos diversos eventos
internos e externos, memórias, ideias e reflexões, refletindo o momento do
indivíduo e sua ressonância com os demais indivíduos e situações. Alegria, tristeza,
raiva, vergonha, calma e surpresa são algumas das possíveis manifestações do afeto.
O afeto pode estar aumentado, diminuído ou embotado (ausência de afetos ou de
ressonância afetiva). Sua modulação pode estar diminuída nos quadros depressivos,
embotada em quadros como a esquizofrenia e aumentada nos quadros de mania.
O humor representa o todo da vida emocional.
Se o afeto pode ser visto como um retrato de determinado momento do indivíduo, o
humor é um filme, ou seja, um contínuo, ou uma média, dos afetos do indivíduo. Em
geral, o humor se encontra rebaixado em quadros de depressão ou levemente
rebaixado em caso de distimia ou aumentado nos quadros de mania ou hipomania.
Diz-se que o indivíduo é eutímico quando seu humor tem variações ao longo do
tempo compatíveis com os acontecimentos de sua vida.
VOLIÇÃO
A volição é definida como a intenção dirigida ao objetivo, com base em motivação
cognitivamente planejada.
A hipobulia ou abulia (redução e abolição da vontade, respectivamente) está
presente em diversos quadros, como, por exemplo, de desânimo, de luto e de
depressão.
PSICOMOTRICIDADE
A psicomotricidade é a exteriorização motora do estado psíquico, podendo se
manifestar, em situações exacerbadas, como síndromes hipercinéticas (aumento de
atividade motora, inquietação, dificuldade em manter-se parado), as quais são
comuns em transtornos ansiosos. Já as síndromes hipocinéticas (redução de
atividade motora, lentificação, letargia) são comuns em quadros depressivos.
INTELIGÊNCIA
Normalmente, a inteligência é avaliada no decorrer da própria entrevista, muito
embora possa ser testada objetivamente, solicitando-se que o paciente interprete
provérbios ou faça contas matemáticas simples.

9. A avaliação mais básica do exame do estado mental se dá ao se analisar o quão


desperto e funcionando está o SNC do indivíduo. Um indivíduo que se encontra
sonolento e que, quando acordado, não consegue ficar plenamente desperto e
apresenta discurso confuso, encontra-se em
A) estado vígil.
B) sonolência.
C) obnubilação.
D) estupor.
10. As funções psíquicas devem ser avaliadas criteriosamente, respeitando sua
organização hierárquica. Em um determinado caso, no qual o indivíduo apresenta-se
com ideias improváveis, advindas de interpretações delirantes, com ideias de ciúme
e perseguição, pode-se dizer que existe a possibilidade uma disfunção do(a)
A) afeto.
B) humor.
C) volição
D) juízo.

11. Quando do exame psíquico em pacientes em SMC, o que deve ser descrito?
A) Apenas as alterações presenciadas durante a entrevista.
B) As reações da família do paciente em seu ambiente doméstico.
C) A história clínica do paciente e os transtornos hereditários familiares.
D) Apenas os transtornos hereditários familiares.
12. Com relação às funções psíquicas, assinale V (verdadeiro) ou F (falso) para as
assertivas apresentadas a seguir.
( ) A atenção é a capacidade de o indivíduo direcionar e focalizar sua consciência e
atividade mental para determinado estímulo ou objeto.
( ) A orientação é a capacidade de um indivíduo estimar sobre o tempo, o espaço e
as pessoas, incluindo ele próprio.
( ) A memória é o processo pelo qual se adquire conhecimento sobre o mundo.
( ) A crítica é a manifestação de resposta emocional de alguém aos diversos eventos
internos e externos, memórias, ideias e reflexões.
Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta.

A) V — F — V — F
B) V — V — F — F
C) F — F — V — V
D) F — V — F — V

■ ABORDAGEM TERAPÊUTICA NOS TRANSTORNOS DEPRESSIVOS E ANSIOSOS


Ao propor um tratamento para os transtornos depressivos e ansiosos, devem-se
afastar outros diagnósticos que podem estar desencadeando os sintomas, como:
tireoidopatias;
anemias;
efeitos de medicações em uso pelo paciente;
abuso de álcool e outras substâncias entorpecentes.
Enfim, torna-se fundamental afastar enfermidades de cunho sobretudo orgânico por
meio de uma boa avaliação clínica (anamnese e exame físico), bem como da
solicitação judiciosa de exames complementares, quando necessária.
Uma breve explicação ao paciente sobre seus sintomas e possibilidades diagnósticas
e terapêuticas pode conferir confiança e recursos psíquicos para o indivíduo lidar
com a situação.
Inicialmente, há dois tratamentos de primeira linha que se complementam, a
psicoterapia e a farmacoterapia, que serão abordados a seguir.
PSICOTERAPIAS
As psicoterapias consistem em tratamento de primeira escolha para a ansiedade e a
depressão, em conjunto ou não com o uso de medicamentos.
Psicoterapias devem ser encorajadas fortemente, principalmente quando houver
autodepreciação e dificuldades relacionais.
Existem diversas modalidades de psicoterapias, influenciadas por diversos
pensadores (Freud, Jung e Lacan, entre outros.), cada uma com suas estruturas, e
não é o objetivo deste pormenorizar cada uma delas. O ideal é que cada pessoa
possa escolher a corrente que melhor se adequar a si. Muitas vezes, há dificuldade
em se conseguir acesso à psicoterapia, devido a dificuldades financeiras, ao acesso
restrito no Sistema Único de Saúde (SUS), ao preconceito ou à resistência tanto do
profissional médico quanto do paciente. Quebrar esses preconceitos é parte
fundamental do processo de melhora do paciente.
TRATAMENTO FARMACOLÓGICO
O tratamento farmacológico se baseia, fundamentalmente, no uso de
antidepressivos. Existem estratégias de associação e de potencialização que se
utilizam de diversos antidepressivos e de outras classes de medicamentos. Como o
enfoque deste artigo é na APS, será abordado eminentemente o campo da
monoterapia.
Atualmente, há uma imensa gama de medicamentos antidepressivos de diversas
classes. Todavia, apesar de todo o alarde da indústria farmacêutica, as evidências de
superioridade, em especial em casos de sintomatologia leve e moderada, no
tratamento de transtornos depressivos e ansiosos, são escassas. Assim, a escolha do
antidepressivo deve ser baseada primariamente em três aspectos:
na disponibilidade dos medicamentos — principalmente ao lidar com a rede pública
de saúde e com pessoas das mais diversas condições financeiras, cabe ao MFC lançar
mão daqueles disponíveis ao sujeito pelo SUS ou de medicamentos genéricos, por
exemplo. na experiência do médico com antidepressivos — há uma imensa gama de
medicações disponíveis, e a indústria farmacêutica tende a convencer os médicos
com publicações nas quais se mostra que a medicação X é superior à medicação Y;
entretanto, como a literatura tem demonstrado, não há clara superioridade de uma
classe em relação à outra, principalmente nos casos de transtornos leves a
moderados, assim, o mais adequado é que o MFC se familiarize com alguns
antidepressivos em sua prática e tenha o mais pleno manejo dos mesmos. na
indicação de tratamento de comorbidades — INDICAÇÃO DE ANTIDEPRESSIVO PELA
COMORBIDADE
Doença clínica Antidepressivo de escolha Cefaleias — profilaxia de enxaqueca,
cefaleia tensional, cefaleia crônica induzida por abuso de analgésicos.
antidepressivos tricíclicos em doses diárias mais baixas (por exemplo, amitriptilina,
12,5 a 50mg; nortriptilina, 25 a 50mg; imipramina, 25 a 100mg). antidepressivos de
“ação dupla” (venlafaxina, 75 a 225mg; mirtazapina, 15 a 60mg, duloxetina, 40 a
120mg). Dor — dores neuropáticas em geral (por exemplo, neuralgia pós-herpética,
neuropatia diabética), fibromialgia. antidepressivos tricíclicos em doses diárias mais
baixas (por exemplo, amitriptilina, 12,5 a 50mg; nortriptilina, 25 a 50mg; imipramina,
25 a 100mg). antidepressivos de “ação dupla” (venlafaxina; mirtazapina, duloxetina).
Insônia primária antidepressivos tricíclicos em doses diárias mais baixas (por
exemplo., amitriptilina, 12,5 a 50mg; nortriptilina, 25 a 50mg); mirtazapina, 15 a
60mg; paroxetina, 20 a 80mg. TPM ou TDPM ISRS Síndrome do colo irritável ISRS
Doenças de pele com componente emocional (por exemplo, vitiligo, psoríase) ISRS
Tabagismo nortriptilina, 75mg; bupropiona, 150 a 300mg. Disfunção sexual
bupropiona, 150 a 300mg.
TPM: tensão pré-menstrual; TDPM: transtorno disfórico pré-menstrual; ISRS: inibidor
seletivo de recaptação de serotonina. Fonte: Adaptado de Cavalcanti e
colaboradores (2013).
Classes de antidepressivos A seguir serão feitas algumas considerações sobre as
principais classes de antidepressivos (tricíclicos, ISRS e duais) e suas aplicações.
Tricíclicos Os tricíclicos são medicamentos amplamente disponíveis, com custo baixo
e com grande utilidade no tratamento de depressão e ansiedade. Além disso, têm
boa utilidade no tratamento de comorbidades, como nas síndromes álgicas e na
insônia.
Os efeitos colaterais dos tricíclicos não costumam ser bem-tolerados (boca seca,
ganho de peso, hipotensão, retenção urinária e constipação intestinal),
principalmente em doses altas (até 300mg, em alguns casos, como a amitriptilina).
Vale ressaltar a utilidade dos tricíclicos também para a suspensão do tabagismo
(como a nortriptilina e a amitriptilina) em doses intermediárias (normalmente cerca
de 75mg/dia). Para o tratamento de depressão, as doses variam, em geral, entre 50–
200mg.
Inibidores seletivos de recaptação de serotonina
Os ISRS são uma classe de medicações amplamente utilizada, segura e eficaz para o
tratamento de depressão e ansiedade. Apresentam efeitos colaterais mais suaves do
que outras classes de antidepressivos, sendo muitas vezes a primeira opção de
psiquiatras e médicos de família, tendo na fluoxetina seu maior representante, por
ter custo baixo e por ser amplamente disponível no SUS.
O perfil de efeitos colaterais comuns dos ISRS já é bastante conhecido (cefaleia,
tontura, sintomas gastrintestinais, irritabilidade e disfunção sexual), sendo que a
sertralina, o escitalopram e o citalopram possuem menos interações
medicamentosas, sendo melhores opções quando houver múltiplas associações
entre fármacos e doenças hepáticas. A sertralina tem especial destaque, por ser bem
tolerada por idosos e por ser uma boa opção nesse grupo de pacientes. Vale ressaltar
que, caso o indivíduo esteja em uso de varfarina, este deve evitar o uso de sertralina,
preferindo o uso de citalopram ou de escitalopram, muito embora sejam de custo
mais elevado. Além disso, quando comparados, não há grande superioridade entre o
citalopram e o escitalopram (derivado do citalopram), ficando a escolha pela
preferência e experiência do médico.
Sugere-se, sobretudo em idosos, iniciar o uso de ISRS com doses menores e ir
aumentando progressivamente (por exemplo, uso em dias alternados de 20mg de
fluoxetina na primeira semana e, a partir da segunda semana, utilizar dose plena).
Antidepressivos duais
Os principais neurotransmissores envolvidos na gênese dos transtornos depressivos
e ansiosos são os de noradrenalina, os de serotonina e os de dopamina.
Os antidepressivos duais atuam em dois ou mais desses receptores. Teoricamente,
esses medicamentos teriam maior potência no tratamento de transtornos
depressivos e ansiosos, o que só se provou em casos severos e refratários às
medicações de primeira linha (tricíclicos e ISRS). A desvantagem mais marcante é seu
alto custo. A bupropiona apresenta ação dopaminérgica e noradrenérgica de baixa
potência, sendo considerada pouco útil em monoterapia no tratamento de
transtornos depressivos e ansiosos em relação a outros medicamentos de primeira
linha.
As principais indicações da bupropiona são no tratamento do tabagismo e em alguns
casos de desejo sexual hipoativo.
A bupropiona pode ser usada também como potencializador, conjuntamente a ISRS,
em casos refratários. Deve-se ter cuidado com seu uso principalmente em pacientes
portadores de epilepsia, pois a mesma diminui o limiar convulsivo. Sua dose habitual
varia de 150 a 300mg ao dia em duas tomadas, evitando-se tomá-la próximo ao
horário de dormir (o medicamento pode causar dificuldade de sono ou insônia).
Outros fármacos pertencentes à classe de antidepressivos duais são a duloxetina, a
venlafaxina e a mirtazapina. Todos apresentam especificidades e não fazem parte do
perfil de utilização nos TMCs, normalmente sendo reservados a distúrbios
refratários.
■ ERROS MAIS COMUNS NA ABORDAGEM AO SOFRIMENTO MENTAL COMUM
Os erros mais comuns cometidos na abordagem ao SMC são os seguintes:
não diagnosticar transtornos orgânicos que podem simular quadros de depressão e
ansiedade (anemia, hipo ou hipertireoidismo, por exemplo); subvalorizar os
sintomas iniciais do paciente, entendendo-os como “sem importância” ou “factícios”;
desconsiderar as narrativas das histórias de vidas das pessoas, assim como as
circunstâncias em que os sinais/sintomas surgiram; centrar a consulta em “encaixar”
os sintomas do paciente em uma classificação (DSM-5 e CID-10, por exemplo);
centrar o cuidado na figura do profissional médico; não atentar ao abuso de álcool e
outras drogas; realizar prescrição mal indicada de benzodiazepínicos, focando
apenas no tratamento de sintomas, sem aprofundar em suas origens;utilizar
subdoses de medicação; não manter a terapia medicamentosa pelo tempo adequado
e não monitorizar o tempo de tratamento para avaliar se haverá ou não indicação de
manutenção do medicamento (por exemplo, transtornos depressivos leves a
moderados podem necessitar de medicamentos por períodos de 6 meses a 1 ano);
não informar ao paciente o fato que boa parte dos fármacos apresentam efeito no
tratamento, sobretudo após 2 a 3 semanas de uso; não avaliar ativamente o risco de
suicídio, normalmente com a justificativa de não querer “induzi-lo” (o que já está
provado que não ocorre, mas o contrário, sim: não abordar o suicídio aumenta suas
chances); referenciar muito precocemente a pessoa ou demorar em referenciá-la ao
serviço de psiquiatria.
13. O que se pode afirmar sobre o tratamento psicoterápico de pacientes em SMC?
A) Não deve ser associado ao tratamento com antidepressivos.
B) É o tratamento de primeira escolha para síndromes hipocinéticas.
C) É o tratamento de primeira escolha para ansiedade e depressão.
D) Deve ser desencorajado fortemente quando houver evidência de dificuldades
relacionais.

14. Quais são os principais neurotransmissores envolvidos na gênese dos transtornos


depressivos?
A) Acetilcolina, noradrenalina, serotonina.
B) Noradrenalina, serotonina e dopamina.
C) Dopamina, glutamato e noradrenalina.
D) Serotonina, dopamina e acetilcolina.
15. Na abordagem ao SMC, deve-se ficar atento para se não cometer erros comuns,
os quais são apresentados nas afirmativas a seguir.
I — O não diagnóstico de transtornos orgânicos que podem simular quadros de
depressão e ansiedade.
II — A subvalorização dos sintomas do paciente.
III — A centralização da consulta em “encaixar” os sintomas do paciente em uma
classificação (DSM-5 e CID-10, por exemplo).
IV — A investigação do risco de suicídio. Quais estão corretas?

A) Apenas a I e a II.
B) Apenas a III e a IV.
C) Apenas a I, a II e a III.
D) A I, a II, a III e a IV.

■ CASO CLÍNICO
E.F.M., 35 anos , cisgenero, feminina, branca, viúva, evangélica , natural de Poços de
Caldas, trabalhadora da área de saúde em nível técnico, compareceu à consulta na
UBS próxima a sua casa, onde nunca havia se consultado antes, relatando estar se
sentindo desanimada, chorosa, triste e “revoltada com as pessoas ao seu redor”. A
paciente relata o motivo da consulta: “Não sinto alegria de viver.” Refere desejo em
ser referenciada ao psiquiatra.
Durante a consulta com seu MFC, a paciente diz que esse quadro clínico teve início
há três meses, quando seu marido, com quem foi casada por seis anos, faleceu de
distrofia muscular progressiva. Desde então, ela passou a ter dificuldades pontuais
no trabalho, sem prejuízo de suas funções como um todo.
“Doutor, não consigo mais fazer nada do que fazia antes sem me sentir triste. Minha
vida está uma droga. Me sinto um lixo humano.”, diz ela. As dificuldades em dormir
à noite e o pouco apetite passaram a ocorrer durante a semana.
16. Com base no caso clínico apresentado, o MFC deveria
A) fechar o diagnóstico de depressão e referenciar a paciente ao psiquiatra.
B) iniciar sertralina na dosagem de 100mg ao dia.
C) concluir o diagnóstico de luto patológico e iniciar lorazepan na dosagem de 2mg à
noite e referenciar a paciente para o serviço de psicologia.
D) problematizar a situação de vida pela qual a paciente está passando, orientar
sobre possíveis causas de seu sofrimento e manter seu diagnóstico em aberto,
pactuando nova consulta em intervalo de tempo breve.
17. Caso, durante o segmento da paciente, opte-se pelo uso de medicação, a mais
indicada dentre as listadas a seguir seria
A) sertralina, 50mg.
B) venlafaxina, 75mg.
C) lítio, 300mg.
D) lorazepan, 2mg.

■ CONCLUSÃO
As pessoas que apresentam SMC constituem boa parte das demandas nos serviços
de APS de todo o mundo. Dessa forma, os MFCs devem estar preparados para lidar
com esse tipo de enfermidade. Mais uma vez, reforçam-se os princípios da APS,
como o favorecimento do acesso e o cuidado coordenado, integral e longitudinal,
como estratégicos no enfrentamento de tal questão. Além das questões vinculadas
aos serviços de saúde em si, percebe-se a grande influência de fatores, sobretudo de
ordem socioeconômica (desemprego, má habitação, violência e baixa renda, entre
outros) na prevalência dos TMCs. Nesse sentido, especialmente nos países em
desenvolvimento, tem-se na imensa desigualdade social o caldo propício para a
perpetuação do SMC na população. Assim, fazem-se necessárias ações de cunho
intersetorial, no sentido de se reduzir (ou quiçá abolir) as grandes disparidades
sociais. Mais uma vez, o MFC, como recurso da comunidade a qual assiste, pode
suscitar reflexões junto a esta (por meio de grupos de discussão locais, nas mídias
sociais, nas rádios e TVs locais e nos conselhos de saúde, entre outros) no sentido de
empoderá-la para lidar melhor com suas fragilidades e fortalecer sua resiliência para
superá-las. A utilização racional dos recursos disponíveis, por meio de uma avaliação
clínica judiciosa e do uso criterioso das ferramentas terapêuticas (medicamentosas e
não medicamentosas), contribui para o manejo adequado das situações de
enfermidade, melhorando a qualidade de vida das pessoas (em termos relacional,
laboral e familiar, entre outros). A pedra angular para o MFC ter êxito no segmento
de seus pacientes será a utilização dos princípios da abordagem centrada na pessoa,
em consonância com os pressupostos do paradigma da integralidade biopsicossocial
e da interdisciplinaridade no compartilhamento de informações e decisões.

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