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01222016 2089
ARTIGO ARTICLE
do estado do Rio de Janeiro, Brasil
Patricia Constantino 1
Simone Gonçalves de Assis 1
Liana Wernersbach Pinto 1
Abstract The aim of this article is to assess the Resumo O artigo tem como objetivo analisar as
mental health status of inmates and people in condições de saúde mental dos presos e custodia-
custody in the state of Rio de Janeiro and the as- dos do estado do Rio de Janeiro e sua relação com
sociation between mental health and imprison- o aprisionamento, através da análise de escala de
ment using the Beck Depression Inventory and depressão e do Inventário de Sintomas de Estres-
the Lipp Stress Symptom Inventory for Adults. se. Amostra: 1573 indivíduos, obtidos por amos-
Sample: 1,573 individuals, via stratified sampling tragem estratificada proporcional ao tamanho.
with probability proportional to size. Study pop- População estudada: mais da metade possui até
ulation: more than half have up to 29 years old; 29 anos; 70,6% têm cor da pele preta/parda; 80%
70.6% were black/brown; 77.4% had strong fam- têm religião, 77,4% com bom vínculo familiar;
ily ties; 42.9% had been incarcerated for under a 42,9% têm menos de um ano de prisão; 22,9%
year; and 22,9% performed work tasks in pris- trabalham no presídio. Estresse: 35,8% dos ho-
on. Stress: 35.8% of men and 57.9% of women. mens e 57,9% das mulheres. Fatores associados ao
Factors associated with stress among men: length estresse entre homens: tempo de prisão e vínculo
of time in prison and family ties. Male prison- familiar. Presos com 1 a 9 anos de prisão possuem
ers who had been in prison for between 1 and 9 uma chance igual a 0,55 a daqueles com menos
years are 0.55 times less likely to experience stress de 1 ano de reclusão; aqueles com vínculo regular
symptoms than those who had been in prison for e ruim possuem chance maior em relação àqueles
less than a year; those with regular/weak family com bom vínculo. Entre as mulheres, o vínculo re-
ties are more likely to experience stress than those gular/ruim representa maior chance de desenvol-
with strong ties. Women with only regular/weak vimento dos problemas de saúde mental; trabalho
family ties are more likely to experience stress; representou proteção contra o estresse. Depressão:
work tasks performed in prison was a protective 7,5% das mulheres e 6,3 % dos homens apresen-
factor. Depression: 7.5% of women and 6.3% of tam sintomas depressivos graves. Entre os homens,
men. Among men, practicing a religion, main- praticar alguma religião, ter bom vínculo familiar
1
Departamento de Estudos taining strong family ties, and performing prison e trabalhar na prisão são fatores protetores. En-
de Violência e Saúde Jorge
Careli, Escola Nacional de
work tasks are protective factors. Among women, tre mulheres, apenas vínculo familiar associou-se
Saúde Pública, Fundação an association was found between depression and com sintomas depressivos.
Oswaldo Cruz. Av. Brasil family ties. Palavras-chave Saúde mental, Depressão, Estres-
4036/700, Manguinhos.
21040-361 Rio de Janeiro
Key words Mental health, Depression, Stress, se, Prisões
RJ. paticons@fiocruz.br Prisons
2090
Constantino P et al.
cor de pele preta/parda. Aproximadamente 80% A manutenção de um bom vínculo com a fa-
dos detentos praticam uma religião, seja frequen- mília foi relatado por 77,4% dos presos, sendo o
temente ou às vezes. Em relação à situação conju- percentual entre as mulheres um pouco inferior
gal, verificou-se que as categorias solteiro e casado (68,7%). Verificou-se que 73,9% dos homens re-
são as mais usuais, perfazendo, respectivamente, lataram receber visitas no presídio, enquanto que
47,2% e 43,7%. No grupo das mulheres, contudo, entre as mulheres este percentual foi de 58,6%.
o percentual de solteiras se destaca, totalizando Com relação ao tempo de prisão, chama a
58,8% das detentas. atenção o fato de que cerca de 42% dos homens
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Constantino P et al.
e 47% das mulheres têm menos de um ano re- Dentre as mulheres se observou associação
clusos. Apenas 3,2% dos detentos têm tempos de estatisticamente significativa apenas com as va-
prisão iguais ou superiores a 10 anos. Quanto à riáveis vínculo familiar (p = 0,04) e trabalho na
realização de trabalho na prisão, este foi mencio- prisão (p = 0,01) na análise bivariada. Também
nado por apenas 22,9% dos presos. no ajuste do modelo logístico (Tabela 3), apenas
O estresse, aferido pelo Inventário de Sinto- essas duas variáveis permaneceram no modelo
mas de Estresse para Adultos de Lipp, foi observa- final. Assim como observado nos outros mode-
do em 35,8% dos homens e 57,9% das mulheres. los, a existência de um vínculo regular ou ruim
Observa-se que 7,5% das mulheres apresenta- representa maior chance de desenvolvimento dos
ram sintomas depressivos grave, contra 6,3% dos problemas de saúde mental (OR = 1,95; IC95% =
homens. Ainda com relação à depressão, chama 1,06-3,63). Quanto ao trabalho, ele representou
a atenção o elevado percentual de detentos com proteção também contra o estresse entre as mu-
sintomas depressivos moderados (24,8% entre os lheres (OR = 0,53; IC95% = 0,33 – 0,85).
homens e 39,6% entre as mulheres). Contudo,
estes dados devem ser analisados com cautela, Depressão
visto que esta variável possui grande quantidade
de dados faltosos, o que impossibilitou o cálcu- A análise bivariada entre o desfecho depres-
lo do escore para 48% dos homens e 46,1% das são entre homens com todas as demais variáveis
mulheres. Este problema não foi observado para apresentadas na Tabela 1 mostrou associação
a escala que aferiu estresse, para a qual o percen- estatisticamente significativa entre o desfecho e
tual de perdas foi de apenas 1,5%. situação conjugal (p = 0,028), religião (p = 0,002),
vínculo com a família (p = 0,005), visitas na pri-
Estresse são (p = 0,011), faixa etária (p = 0,03) e trabalho
na prisão (p = 0,02). A seguir, todas as variáveis
A análise bivariada entre o desfecho estresse que apresentaram p-valor inferior a 0,20 foram
entre os homens e as demais variáveis mostrou consideradas na etapa de modelagem. Os resulta-
associação estatisticamente significativa apenas dos do modelo final ajustado são apresentados na
com a tempo de prisão (p < 0,001). Tabela 4. Verifica-se da tabela que as variáveis re-
Na Tabela 2 vê-se os resultados do modelo ligião, vínculo familiar e trabalho na prisão foram
ajustado para avaliar fatores associados à presen- as únicas que permaneceram no modelo final
ça de estresse nos presos do sexo masculino. Fi- ajustado aos dados de depressão. Observa-se da
caram no modelo final tempo de prisão e vínculo tabela que aqueles que relataram praticar algu-
familiar. Verifica-se da tabela que os presos com ma religião eventualmente possuem uma chance
1 a 9 anos de prisão possuem uma chance igual a de apresentar sintomas depressivos 2,34 vezes a
0,55 a daqueles com menos de 1 ano de reclusão. daqueles que relataram fazê-lo frequentemen-
Quanto ao vínculo, aqueles com regular e ruim te. Com relação ao vínculo familiar, observa-se
possuem uma chance maior (1,81), em relação uma chance maior entre aqueles que o mantém
àqueles com bom. de forma regular ou ruim (OR = 2,46; IC95% =
Tabela 2. Variáveis relacionadas ao estresse entre homens que permaneceram no modelo final.
Tabela 3. Variáveis relacionadas ao estresse entre mulheres que permaneceram no modelo final.
Tabela 4. Variáveis relacionadas à depressão entre homens que permaneceram no modelo final.
que ratificam a preocupação com estes transtor- familiar tanto para homens quanto para mulhe-
nos mentais entre pessoas aprisionadas, especial- res na prisão. O tempo de prisão foi fator relevan-
mente no sexo feminino15,25-30. te para explicar o estresse apenas entre homens,
Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos6 com o transtorno mais frequente nos presos no-
apontou que 73% das mulheres em prisões esta- vatos, em relação aos que estão com 1 a 9 anos de
duais e 55% dos presos do sexo masculino tinham prisão. Já o trabalho na prisão mostrou-se fator
pelo menos um problema de saúde mental. Nas protetivo apenas para as mulheres.
prisões federais, a taxa encontrada foi de 61% das Segundo a Lei de Execução Penal brasileira,
mulheres e 44% dos homens e em cadeias locais, o trabalho do condenado tem finalidade educa-
75% das mulheres em comparação com 63% dos tiva e produtiva; todavia, na prática, é visto pre-
presos do sexo masculino. Um estudo realizado ferencialmente como forma de diminuir custos
em Chicago4 constatou que 6,4% dos homens e operacionais ou de manter o preso ocupado28,34.
15% das mulheres tinham uma doença mental Em um estudo realizado no Rio Grande do Sul,
grave, como esquizofrenia, transtorno bipolar os presos se ressentem pela inexistência de crité-
ou depressão maior. Estudo realizado em Far- rios de seleção para o trabalho e pela inércia da
mington31 mostrou que mais de dois terços dos instituição em buscar uma tarefa em que possam
detentos preenchiam os critérios para pelo me- encontrar significado35.
nos um transtorno psiquiátrico ao longo da vida, Canazaro e Argimon14 identificam uma asso-
quase a metade com transtorno de ansiedade, e ciação significativa entre o tempo de reclusão e a
mais de um terço com transtorno afetivo. As esti- intensidade da depressão em mulheres presas do
mativas de morbidade psiquiátrica nas mulheres Sul do Brasil, diferente do resultado do presente
são superiores às dos homens, com exceção do artigo, que mostrou associação apenas entre os
transtorno de personalidade antissocial31. Todos homens. Segundo os autores, os sintomas se tor-
estes dados reiteram ser crucial o oferecimento nam menos frequentes após 26 meses de prisão.
de serviços de saúde mental nos presídios, com O estudo apontou ainda que as presas que exer-
especial atenção para o sexo feminino. cem alguma atividade laborativa dentro da pri-
O perfil mais comum do preso do Rio de Ja- são apresentam menos sintomas depressivos, a
neiro é jovem, com a cor de pele preta ou parda, exemplo do que se encontrou no presente artigo.
que pratica alguma religião, solteiro (especial- Como fatores associados ao surgimento de
mente mulheres) ou casado e com bom vínculo estresse no contexto prisional, Ahmad e Azlan18
familiar (especialmente homens). A maioria está destacam que a percepção de controle sobre a
há pouco tempo na prisão e poucos (22,9%) rea- vida é severamente abalada no contexto prisio-
lizam trabalho nela. Minayo20, descrevendo mais nal. Outros fatores que facilitam seu surgimen-
detalhadamente esta população, argumenta que to são: o ambiente impróprio, a superlotação, a
são pessoas pobres, com baixa escolaridade, que alimentação, o sedentarismo e as relações sociais
tinham mais empregos informais que formais estabelecidas.
antes de serem detidos e que correspondem ao As modelagens realizadas tomando a depres-
estrato comumente denominado “classes popu- são como desfecho mostram que, novamente,
lares”. Dados do Departamento Penitenciário apenas a preservação do bom vínculo familiar
Nacional32 sobre o total de presos no Brasil indi- é fator protetor para ambos os sexos. Entre ho-
cam que: 75,2% dos encarcerados têm penas que mens, outras duas variáveis mostraram-se im-
vão até no máximo oito anos; 93,8% são homens; portantes: a prática mais frequente de alguma
67% são pardos e negros; 55,3% dos detentos têm religião e o trabalho na prisão.
entre 18 e 29 anos de idade; e 57% são solteiros. Poucos estudos no Brasil abordaram a saúde
Estes dados comprovam o perfil jovem, masculi- mental em população carcerária e a relacionaram
no, pardo ou negro e com menos tempo prisional com a religiosidade. Em uma pesquisa realizada
no país. Como descreve Wacquant33, as prisões com 358 mulheres encarceradas em São Paulo,
brasileiras são “campos de concentração para po- uma maior religiosidade pessoal associou-se a
bres” que mais se assemelham a empresas públi- menor frequência de transtorno mental à análise
cas de “depósito industrial de dejetos sociais” do bivariada, embora o resultado não tenha se man-
que instituições que servem para alguma função tido no modelo multivariado36. Nesta pesquisa,
penológica (como reinserção). as mulheres que se declararam muito religiosas
Os resultados das modelagens realizadas ten- e religiosas apresentaram menos frequência do
do o estresse como variável de desfecho mostra- transtorno do que aquelas que se declararam
ram a relevância da preservação de bom vínculo pouco religiosas ou sem religião. A literatura in-
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Colaboradores Referências
P Constantino, SG Assis e LW Pinto participaram 1. Lima RS, Bueno S, coordenadores. Anuário Brasileiro
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