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Centro de Estudos José de Barros Falcão

43ª Turma do Programa de Formação em Psiquiatria


Disciplina Clube de Revista

Resenha de Artigo Clínico

Coordenador: Dr. Hugo Yamanoi


Cursista 1° ano: Nadja Melo Oliveira

REFERÊNCIA
Porto Alegre-RS
Junho/2022
Este trabalho consiste em um breve resumo sobre o artigo “Relationship
Between Depression and Subtypes of Early Life Stress in Adult Psychiatric
Patients”, como requisito para avaliação parcial da atividade científica clube de
revista. A sua escolha se deu pela afinidade com a temáticas abordadas:
Transtornos Relacionados a Trauma e a Estressores e Depressão.

A maioria das pessoas apresentam sintomas de medo ou ansiedade ao


ser exposta a um evento potencialmente traumático ou estressor grave.
Espera-se que esses sintomas desapareçam após um determinado tempo,
entretanto alguns indivíduos irão sofrer cronicamente com notável sofrimento
psíquico e comprometimento funcional.

Episódios depressivos podem se desenvolver após situações de


estresse, porém ressalta-se que os transtornos relacionados a trauma e a
estressores precisam, indispensavelmente, da exposição a um evento
potencialmente traumático ou a um estressor grave (NARDI, 2022).

No artigo em questão se examinou a relação entre depressão e subtipos


de estresse no início da vida. O estresse precoce considerado no estudo se
refere a uma variedade de experiências traumáticas que podem surgir
durante a infância e a adolescência como abuso, negligência, perda ou
divórcio dos pais, cuidadores com transtornos psiquiátricos, abandono,
privação de alimentos e abrigo, dentre outras experiências.

O estudo teve como amostra 81 pacientes psiquiátricos adultos com


idade entre 18 e 65 anos atendidos na Unidade Hospitalar Dia de um Hospital
Geral Universitário. Foram excluídos pacientes com transtornos mentais
agudos causados por uma condição médica geral ou resultantes do efeito
fisiológico direto de uma substância, retardo mental, pacientes em um episódio
psicótico agudo, déficits cognitivos e doenças neurológicas progressivas e
degenerativas.

A avaliação do diagnóstico psiquiátrico foi realizada por dois


psiquiatras seniores treinados e certificados para o uso de uma entrevista
padronizada pelo MINI International Neuriopsychiatric Interview (MINI). Teve-
se como resultado 75% dos transtornos psiquiátricos correspondendo a
transtornos de humor, como transtornos depressivos e transtorno bipolar. Os
demais diagnósticos avaliados foram transtornos de ansiedade, transtornos
alimentares e outros. 

As características clínicas e sociodemográficas da amostra foram


obtidas por meio da aplicação de um questionário sociodemográfico
desenvolvido pelos pesquisadores. Foi ainda aplicada a Escala de
Deseperança de Beck para avaliar a extensão das crenças positivas e
negativas sobre o futuro dos entrevistados.

Com relação aos subtipos de estresse no início da vida, foi aplicado


um questionário retrospectivo de autorrelato que investiga o histórico de abuso
e negligência na infância e pode ser aplicado a adolescentes (a partir de 12
anos) e adultos: o Childhoood Trauma Questionnaire (CTQ).

O CTQ avalia cinco subtipos de estresse precoce: abuso emocional


(agressões verbais ao senso de valor ou bem-estar de uma criança ou
qualquer comportamento humilhante ou degradante dirigido a ela), abuso
físico (agressões corporais que representou um risco ou resultou em lesão),
abuso sexual (contato ou conduta sexual entre uma criança menor de 18 anos
e um adulto ou pessoa mais velha), negligência emocional (não atender às
necessidades emocionais e psicológicas básicas como amor, pertencimento,
carinho e apoio) e negligência física (não prover necessidades físicas básicas
como comida, roupas, segurança e saúde, assim como também supervisão
parental inadequada que ponha em risco a segurança da criança).

Para a análise estatística do estudo, foi utilizada a técnica de


regressão logística múltipla pelo programa estatístico Stata 9 a fim de testar
a relação entre depressão e abuso emocional quando controlado por variáveis
independentes. A análise univariada da depressão foi realizada com cada uma
das variáveis independentes analisadas.

Realizou-se ainda a análise de associação entre estresse precoce e


todos os transtornos psiquiátricos presentes na amostra. Entretanto, não houve
diferença significativa entre os grupos com e sem estresse precoce em relação
à distribuição dos diagnósticos psiquiátricos.

Além disso, foi feita uma segunda análise estatística, comparando os


subtipos de estresse precoce com transtornos psiquiátricos. Assim, foi
encontrada associação significativa apenas entre o subtipo abuso
emocional e os diagnósticos psiquiátricos. 

Aqueles com p < 0,30 ou que são relevantes na literatura para o Modelo


Bruto: Transtorno Depressivo + Abuso Emocional, Modelo 2 = Modelo Bruto +
Gênero; Modelo 3 = Modelo 2 + História Familiar de Transtornos
Mentais; Modelo 4 = Modelo 3 + Tentativa de Suicídio e Modelo 5 = Modelo 4 +
Desesperança foram incluídos nos modelos múltiplos usando a estratégia
regressão Stepwise quando a associação entre depressão e abuso emocional
na infância foi ajustada para todas as variáveis independentes.

 Restaram para análise as variáveis com p< 0,20 ou que se ajustaram as


variáveis dependentes. Também se utilizou o Qui-quadrado para análise da
ocorrência de subtipos de estresse precoce e o Teste t de Student para
análise dos escores do questionário CTQ.

Os resultados da pesquisa mostraram que, na amostra estudada, os


participantes eram predominantemente mulheres, com menos de 40 anos de
idade, relatando prática religiosa e com histórico familiar de transtorno
mental. Quanto ao diagnóstico psiquiátrico, 54% dos pacientes atendidos no
hospital apresentavam depressão, seguido de transtorno bipolar (21,0%).

 Os demais diagnósticos avaliados foram: Transtornos de Ansiedade


(12,3%), Esquizofrenia e Outros Transtornos Psicóticos (6,2%), Transtornos
Alimentares (3,7%), Transtornos Dissociativos (1,2%), Transtornos do Controle
de Impulsos não classificados em outra parte (1,2%). 

Sabendo-se que, para que um estudo seja estatisticamente significativo,


o intervalo de confiança deva ser de 95% (p < 0,05), teve-se, nesta pesquisa, a
associação da depressão com abuso emocional (p = 0,002) e abuso sexual
(p = 0,01), além de demonstrar certa tendência para a negligência física (p
= 0,08).

A análise das chances de ocorrência de depressão, segundo as


características epidemiológicas, mostrou que as mulheres estão mais expostas
em relação aos homens. Além disso, também foi observado um aumento de
cerca de quatro vezes na chance de depressão entre pessoas que sofreram
abuso emocional ou sexual na infância ou que relataram pelo menos uma
tentativa de suicídio ao longo da vida. Pacientes com alto nível de
desesperança também apresentaram maior chance de depressão.

No estudo evidenciou-se um percentual em torno de 70% de pacientes


depressivos com abuso emocional e, a partir dos resultados da análise de
regressão logística múltipla, foi encontrado um odds ratio (estimativa de
risco) de 4,38 vezes de ocorrência de depressão em pacientes com abuso
emocional na infância, demonstrando assim a importância deste precoce
subtipo de estresse como um gatilho para desencadear o transtorno
depressivo. 

Encontrou-se também uma predominância de pacientes depressivos no


sexo feminino (72,8%) e, a partir da análise estatística, foi observado que
pacientes com abuso emocional na infância e do sexo feminino
apresentaram uma razão de chance de ocorrência de 4,04 vezes em
desenvolver depressão.

Já 77% dos pacientes do estudo tinham histórico familiar de transtornos


psiquiátricos e, a partir da análise de regressão, pacientes com histórico de
abuso emocional, pertencentes ao sexo feminino e histórico familiar de
transtorno mental tinham uma razão de chances de 3,84 vezes mais
desenvolver depressão.

Ainda na pesquisa, mais de 70% da amostra tinha histórico de tentativa


de suicídio, o que, pela análise estatística, ficou evidenciado que pacientes
com abuso emocional na infância, do sexo feminino, com histórico de
doença mental na família e tentativa de suicídio apresentaram uma
estimativa de risco de 3,71 vezes para desenvolver depressão.

Por fim, outro ponto instigante identificado no estudo foi a associação


ente depressão e desesperança, em que se observou que pacientes com
abuso emocional na infância, do sexo feminino, com histórico de
transtornos mentais, tentativas de suicídio e desesperança tiveram a
razão de chances de 3,23 vezes desenvolver depressão.

O estudo ressalta, entretanto, uma limitação metodológica quanto à


pesquisa do estresse precoce em adultos com transtornos psiquiátricos,
enfatizando ainda ser necessário avaliar o estresse da vida atual. Assim,
sugere que novas pesquisas possam ampliar o conhecimento sobre estresse
passado e presente, favorecendo para uma melhor compreensão da doença
depressiva.

Tem-se, pois, um excelente estudo individuado, longitudinal,


observacional e retrospectivo (estresse precoce ← depressão), contribuindo
para um melhor entendimento sobre a relação abuso emocional como fator de
estresse precoce e depressão. Como o próprio artigo ensina, o abuso
emocional sofrido pelos pacientes é, muitas vezes, discreto e invisível.
Reconhecê-lo nos que sofrem com depressão, é imperativo.
REFERÊNCIAS

MARTINS-MONTEVERDE Camila Maria Severi; BAES Cristiane Von Werne;


REISDORFER Emilene; PADOVAN Thalita; TOFOLI Sandra Márcia de
Carvalho; JURUENA Mário Francisco. Relationship Between Depression and
Subtypes of Early Life Stress in Adult Psychiatric Patients. Front
Psychiatry. 2019 Feb 5;10:19. doi: 10.3389/fpsyt.2019.00019 - disponível em
https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fpsyt.2019.00019/

NARDI Antonio Egidio; SILVA Antônio Geraldo; QUEVEDO João (orgs.).


Tratado de Psiquiatria da Associação Brasileira de Psiquiatria. Porto
Alegre: Artmed, 2022.

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