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Centro de Estudos José de Barros Falcão

43ª Turma do Programa de Formação em Psiquiatria


Disciplina Atividades Científicas

Resenha de Caso Clínico

Coordenador: Dr. Fernando Helene


Cursista 1° ano: Nadja Melo Oliveira

Porto Alegre-RS
Junho/2022
Este trabalho tem como objetivo realizar uma análise sobre um caso
clínico apresentado por uma aluna do terceiro ano do Programa de Formação
em Psiquiatria do Centro de Estudos José de Barros Falcão. Sua escolha
surgiu pelo interesse no tema abordado (síndrome psicótica) e pelos
possíveis diagnósticos diferenciais que o permearam.

As síndromes psicóticas se caracterizam por experiências como


alucinações e delírios, desorganização marcante do pensamento e/ou
comportamento ou mesmo comportamento catatônico. São frequentes
alterações na vida pessoal, familiar e social, sendo uma condição de acentuada
gravidade. (DALGALARRONDO,2019).

No caso apresentado pela aluna, temos uma paciente denominada M.L,


sexo feminino, branca, de 56 anos, do lar, natural de Cachoeira do Sul-RS,
procedente de Porto Alegre-RS, católica e recentemente viúva. De acordo com
o caso, o motivo principal da internação da paciente seria o fato de ela estar
conversando com o marido já falecido.

Foi relatado que a paciente apresentou um surto psicótico durante a


missa de corpo presente, chegando, inclusive, a agredir o corpo do marido e as
pessoas que tentavam acalmá-la no momento. Ela foi atendida inicialmente no
Pronto Atendimento do IAPI e depois encaminhada para o Hospital Espírita de
Porto Alegre, onde a aluna teve conhecimento do caso.

De acordo com a apresentação da cursista, que, sob meu ponto de


vista, não mostrou muita coerência na ordem cronológica dos acontecimentos,
além de escassas informações na história da doença atual, a paciente M.L
começou a apresentar alucinações auditivas dois dias após o falecimento do
companheiro.

Em seu primeiro contato com a paciente, referiu que a M.L se


encontrava sonolenta e restrita ao leito. Na ocasião, estava em uso de Ácido
Valproico 1g/dia e Risperidona 4mg/dia, sendo esta última reduzida depois
para 2mg/dia. Entretanto, após dois dias de internação, a paciente já estava
andando pelos corredores e a aluna contou que, inclusive, não a reconheceu,
pois estava bem arrumada e com cabelo alinhado.
Nas entrevistas posteriores, a aluna referiu que a paciente tinha
consciência da morte do marido, porém não demonstrava sentimento de
tristeza, chegando até a sorrir e comentar seus planos para o futuro. O humor,
inclusive, não foi muito bem explorado pela cursista, apesar de, na descrição
do primeiro exame do estado mental, observá-lo hipotímico. Relatou, por fim,
que a medicação foi mantida com boa resposta e a M.L não apresentou mais
agressividade, nem outro sintoma psicótico, recebendo, com três semanas, alta
hospitalar.

O luto, neste caso apresentado, tornou-se de forma muito evidente um


fator desencadeante para o adoecimento de M.L. Existe claramente uma
mudança no psiquismo, na cognição, na afetividade, no pensamento e no
comportamento da paciente antes e depois da morte do esposo. A M.L iniciou,
pois, um quadro psicótico caracterizado com alucinações auditivas,
desorganização do pensamento e comportamento durante o seu luto.

O diagnóstico nosológico final de Transtorno Psicótico Breve serviu


muito bem para o caso, uma vez que preenchia todos os critérios do Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da 5ª edição (DSM -5). São
eles: os critérios A: presença de um (ou mais) dos sintomas a seguir, sendo
pelo menos um deles (1), (2) ou (3). 1. Delírios; 2. Alucinações; 3. Discurso
desorganizado e 4. Comportamento grosseiramente desorganizado ou
catatônico. A paciente em questão apresentava alucinações auditivas,
discurso e comportamento desorganizados.

Nos Critérios B, a duração de um episódio da perturbação é de, pelo


menos, um dia, mas inferior a um mês, com eventual retorno completo a um
nível de funcionamento pré-mórbido. A paciente retornou ao seu
funcionamento prévio após três semanas, sendo a duração da
perturbação, portanto, inferior a um mês.

Já nos critérios C, por fim, a perturbação não é mais bem explicada por
transtorno depressivo maior ou transtorno bipolar com características
psicóticas, por outro transtorno psicótico como esquizofrenia ou catatonia, nem
se deve aos efeitos fisiológicos de uma substância ou a outra condição médica,
tendo a paciente completo preenchimento deste critério.
No caso de M.L, poderiam ser contestadas também as possíveis
hipóteses de Esquizofrenia e Transtorno Depressivo Maior com
características psicóticas e o Transtorno Afetivo Bipolar com
características psicóticas, assim como foram explanadas e descartadas na
apresentação.

Entretanto, despertou-me a curiosidade de investigar outros possíveis


diagnósticos, que surgiram durante o debate do caso, mas não foram
elucidados pela aluna em seu trabalho. Tratam-se de transtornos relacionados
a trauma e estressores, como: Transtorno de Estresse Pós-Traumático e
Transtorno de Estresse Agudo.

O Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) e o Transtorno de


Estresse Agudo são marcados por aumento do estresse e da ansiedade após
exposição a um evento traumático ou estressante (SADOCK, 2017). Isso
certamente foi observado na paciente que se descompensou após morte
inesperada (infarto fulminante) daquele quem era seu maior companheiro
na vida.

As pessoas também tendem a revivenciar o evento traumático em seus


sonhos e em seus pensamentos diários, porém isso não foi bem explorado
pela aluna. Deixo a seguir os critérios diagnósticos do DSM-5 de cada
transtorno.

Primeiramente, com relação ao Transtorno de Estresse Pós-


Traumático, os critérios do DSM-5 que se aplicam a adultos, adolescentes e
crianças acima de 6 anos de idade são:

Critérios A: exposição a episódio concreto ou ameaça de morte, lesão


grave ou violência sexual em uma (ou mais) das seguintes formas: 1. Vivenciar
diretamente o evento traumático. 2. Testemunhar pessoalmente o evento
traumático ocorrido com outras pessoas. 3. Saber que o evento traumático
ocorreu com familiar ou amigo próximo. Nos casos de episódio concreto ou
ameaça de morte envolvendo um familiar ou amigo, é preciso que o evento
tenha sido violento ou acidental. 4. Ser exposto de forma repetida ou extrema a
detalhes aversivos do evento traumático (como, por exemplo, socorristas que
recolhem restos de corpos humanos; policiais repetidamente expostos a
detalhes de abuso infantil).

Critérios B: presença de um (ou mais) dos seguintes sintomas


intrusivos associados ao evento traumático, começando depois de sua
ocorrência: 1. Lembranças intrusivas angustiantes, recorrentes e involuntárias
do evento traumático. 2. Sonhos angustiantes recorrentes nos quais o
conteúdo e/ou o sentimento do sonho estão relacionados ao evento traumático.
3. Reações dissociativas (por exemplo, flashbacks) nas quais o indivíduo sente
ou age como se o evento traumático estivesse ocorrendo novamente. 4.
Sofrimento psicológico intenso ou prolongado ante a exposição a sinais
internos ou externos que simbolizem ou se assemelhem a algum aspecto do
evento traumático. 5. Reações fisiológicas intensas a sinais internos ou
externos que simbolizem ou se assemelhem a algum aspecto do evento
traumático.

Critérios C: evitação persistente de estímulos associados ao evento


traumático, começando após a ocorrência do evento, conforme evidenciado
por um ou ambos dos seguintes aspectos: 1. Evitação ou esforços para evitar
recordações, pensamentos ou sentimentos angustiantes acerca de ou
associados de perto ao evento traumático. 2. Evitação ou esforços para evitar
lembranças externas (pessoas, lugares, conversas, atividades, objetos,
situações) que despertem recordações, pensamentos ou sentimentos
angustiantes acerca de ou associados de perto ao evento traumático.

Critérios D: alterações negativas em cognições e no humor associadas


ao evento traumático começando ou piorando depois da ocorrência de tal
evento, conforme evidenciado por dois (ou mais) dos seguintes aspectos: 1.
Incapacidade de recordar algum aspecto importante do evento traumático
(geralmente devido a amnésia dissociativa, e não a outros fatores, como
traumatismo craniano, álcool ou drogas). 2. Crenças ou expectativas negativas
persistentes e exageradas a respeito de si mesmo, dos outros e do mundo (p.
ex., "Sou mau", "Não se deve confiar em ninguém", "O mundo é perigoso",
"Todo o meu sistema nervoso está arruinado para sempre"). 3. Cognições
distorcidas persistentes a respeito da causa ou das consequências do evento
traumático que levam o indivíduo a culpar a si mesmo ou os outros. 4. Estado
emocional negativo persistente (por exemplo, medo, pavor, raiva, culpa ou
vergonha). 5. Interesse ou participação bastante diminuída em atividades
significativas. 6. Sentimentos de distanciamento e alienação em relação aos
outros. 7. Incapacidade persistente de sentir emoções positivas (por exemplo,
incapacidade de vivenciar sentimentos de felicidade, satisfação ou amor).

Critérios E: alterações marcantes na excitação e na reatividade


associadas ao evento traumático, começando ou piorando após o evento,
conforme evidenciado por dois (ou mais) dos seguintes aspectos: 1.
Comportamento irritadiço e surtos de raiva (com pouca ou nenhuma
provocação) geralmente expressos sob a forma de agressão verbal ou física
em relação a pessoas e objetos. 2. Comportamento imprudente ou
autodestrutivo. 3. Hipervigilância. 4. Resposta de sobressalto exagerada. 5.
Problemas de concentração. 6. Perturbação do sono (p. ex., dificuldade para
iniciar ou manter o sono, ou sono agitado).

Critérios F: a perturbação (Critérios B, C, D e E) dura mais de um


mês. Critérios G: a perturbação causa sofrimento clinicamente significativo e
prejuízo social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do
indivíduo. Critérios H: a perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos de
uma substância (como medicamento ou álcool) ou a outra condição médica.

A paciente M.L pode até ser enquadrada nos critérios A, por ter
vivenciado a perda do marido por uma doença inesperada e nos critérios
E, por ter apresentado comportamento irritadiço e surtos de raiva, além
de resposta de sobressalto exagerada durante a missa de corpo presente,
como também satisfazer os critérios G e H. Entretanto, isso apenas não
fecha o diagnóstico para TEPT como já abordado. Ela não possui critérios
B, C e D e seu quadro clínico foi completamente revertido após três
semanas.

O Transtorno de Estresse Agudo, por sua vez, possui 5 critérios: A, B,


C, D e E. Os Critérios A são equivalentes aos critérios A de TEPT já
mencionados, tendo, portanto, a paciente preenchido este requisito, uma
vez que vivenciou diretamente um evento traumático (morte do
companheiro).
Já os critérios B exigem a presença de nove ou mais sintomas de
qualquer uma das cinco categorias de intrusão, humor negativo, dissociação,
evitação e excitação, começando ou piorando depois da ocorrência do evento
traumático. A paciente não preenche esses critérios, pois somente dois
sintomas de excitação foram observados, como comportamento irritadiço
com surtos de raiva e resposta de sobressalto exagerada durante a missa
de corpo presente. Ela deveria possuir, no mínimo, nove, das cinco categorias.

Entretanto, quanto aos critérios C, que consistem na duração da


perturbação, sendo de três dias a um mês depois do trauma, temos sim
concordância com o caso clínico em questão que se resolveu em três
semanas.

O mesmo ocorre para os critérios D, em que se observa também


cumprimento pelo caso, uma vez que a perturbação causa sofrimento
clinicamente significativo e prejuízo no funcionamento social, profissional ou em
outras áreas importantes da vida da paciente, conforme esses critérios.

Já parte dos critérios E se opõem ao diagnóstico nosológico da


paciente. Nesses critérios, tem-se que a perturbação não se deve aos efeitos
fisiológicos de uma substância (medicamento ou álcool, por exemplo) ou a
outra condição médica (como lesão cerebral traumática leve), o que é
concordante até então, porém não deve ser mais bem explicada por um
TRANSTORNO PSICÓTICO BREVE, o que não é aceitável, pois estamos sim
diante de um caso clínico com este diagnóstico firmado.

A apresentação do caso de M.L foi considerada por mim interessante,


uma vez que me permitiu um melhor estudo sobre os transtornos relacionados
ao trauma e ao estresse. Este trabalho me mostrou, portanto, a relevância de
nos aprofundarmos cada vez mais na psiquiatria clínica, cujo conhecimento é
denso e amplo, caso queiramos conduzir da melhor forma possível os nossos
pacientes.
REFERÊNCIAS

DALAGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos


transtornos mentais. 3.ed- Porto Alegre: Artmed,2019.

Referência rápida aos critérios diagnósticos do DSM-5 [recurso


eletrônico]/ [American Psychiatric Association; tradução: Maria Inês Corrêa
Nascimento... et al.] ; revisão técnica: Aristides Volpato Cordioli ...[ et al.]. -
Porto Alegre : Artmed, 2014.

SADOCK, B.J. Compêndio de Psiquiatria: ciência do comportamento


e psiquiatria clínica. 11.ed-Porto Alegre: Artmed,2017.

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