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Transtornos Psicóticos:

Avaliação e manejo

Alex F. de Oliveira
O Grito - Edvard Munch, 1893. Psiquiatra, Ms em Filosofia
Objetivos de aprendizagem
1) Conhecer os elementos essenciais da avaliação do
paciente psicótico:
1.a) Fluxograma de avaliação do mhGAP para diagnóstico
diferencial e reconhecimento de “red flags”;
1.b) Comunicação clínica com o paciente psicótico;
2) Conhecer os elementos essenciais para o manejo das
síndromes psicóticas
1.a) medicamentoso: antipscóticos
1.b) Intervenção psicossocial para o paciente psicótico e sua
família;
Vinheta Clínica
T.A. é um advogado de 35 anos, casado e pai de dois filhos, foi
trazido ao consultório do psiquiatra por insistência da família que
acredita que o mesmo está apresentando ideias de perseguição. O
paciente repreende os familiares e diz ser verdade que existe um
complô contra ele. Informa que após se formar em Direito começou a
estudar para concurso para magistrado, mas não consegue ser
aprovado porque existe uma perseguição contra ele em todos os
concursos. Fala da existência de uma lista com seu nome no qual
nunca irão permitir que seja aprovado. “Toda prova que faço eles já me
olham diferente e sei que já existe a ordem de me reprovar”. Informa
que essa percepção vem desde a escola, ficou mais acentuada no curso
de direito, e só passou na prova da OAB porque deixou a barba crescer
e talvez não o reconheceram mas que agora existe uma lista que
checam com sua documentação e isso lhe impede de passar na prova.
Vinheta Clínica
Os familiares não acreditam nessa versão e relatam não haver
qualquer propósito para isso e que o paciente já apresenta cismas
desde a época da escola, com os professores, depois na universidade e
agora nos concursos. T.A. não apresenta outras queixas, nega sintomas
depressivos ou ansiosos, nega ouvir vozes que lhe relatam tal
conspiração que tanto se diz vítima. Apesar da queixa de longa data,
T.A. nunca fez tratamento psiquiátrico ou neurológico, é hígido
clinicamente, trabalha em seu escritório e consegue sustentar sua
família.
1. Que habilidades você precisaria para ao menos conseguir fazer sua
referência ao especialista? Como você escreveria essa referência e
como comunicaria isso ao paciente?
2. Como popor uma conduta medicamentosa inicial para esse
paciente e como orientar a ele e sua família?
1.1) Caracterização Clínica: sintomatologia
• Denominador comum: prejuízo do teste da realidade;
• Sintomatologia:
1. Delírios;
2. Alucinações;
3. Desorganização do pensamento: descarrilamento,
afrouxamento dos nexos associativos, salada de palavras;
4. Desorganização grosseira do comportamento: catatonia,
desleixo, agressividade infundada, vestimenta e
comportamento sexual incomum;
5. Sintomas negativos: embotamento afetivo,
empobrecimento do pensamento (alogia), perda da
iniciativa (abulia ou avolia), isolamento social;
1.2) Caracterização Clínica: diagnóstico
• Classificação pelo DSM V:
– Esquizofrenia: mais de 6 meses com pelo menos 1 mês de sintomas
produtivos e evolução com sintomas negativos ;
– T. esquizofreniforme: mais de 1 mês e menos de 6 meses, sem
declínio funcional posterior;
– T. psicótico breve: menos de 1 mês de sintomas;
– T. delirante: delírio sem outros sintomas psicóticos por pelo menos 1
mês;
– T. psicótico induzido (por condição médica ou substâncias)
– T. esquizoafetivo: sintomas psicóticos persistentes fora dos episódios
do humor (mania ou depressão)
* T. personalidade esquizotípica: padrão global de déficits sociais e
interpessoais, distorções cognitivas e perceptivas e excentricidades
comportamentais abaixo do limiar para o diagnóstico de t. psicótico.
1.2) Caracterização Clínica: diagnóstico
• Dificuldades diagnósticas:
– 8.580 respondentes sem diagnóstico de transtorno
psicótico obteve prevalência de sintomas psicóticos em
5,5% da amostra;
– Fatores independentes associados aos sintomas foram
uso/abuso/dependência de álcool e Cannabis, eventos
estressares recentes, baixa capacidade intelectual
– Parece haver um continuum entre sintomas psicóticos com
mínima repercussão funcional até quadros graves;
– Delírios e alucinações NÃO SÃO patognomônicos de T.
psicótico
1.2) Caracterização Clínica: diagnóstico
• Dificuldades diagnósticas:
– Experiências anômalas:
• Video: Distinção entre experiências espirituais e
transtornos mentais - Prof. Alexander Moreira-Almeida
(https://www.youtube.com/watch?v=FJ9HNDElb0g)
• Características:
– Ausência de sofrimento ou incapacitação;
– Ausência de outros sintomas da síndrome psicótica;
– Insight;
– Compatibilidade com tradições religiosas/espiritualistas
– Controle da experiência com o treinamento;
– Motivador de crescimento e significado pessoal
1.3) Caracterização clínica: Comorbidades

• 75% são fumantes, 30 a 50 % apresentam critérios para abuso


ou dependência de álcool, 15 a 25% para canabis e 5 a 10%
para cocaína;
• Mortalidade 2 a 4 vezes maior que a população em geral: 4 a
10% de mortalidade por suicídio e o maior motivo são
doenças cardiovasculares;
• Aumento da morbidade clínica (síndrome plurimetabólica):
tabagismo, sedentarismo, negligência com dieta e uso de
antipsicóticos;
2.1) Avaliação clínica: diagnóstico diferencial
1. Há uma síndrome psicótica?
– alterações do pensamento: 1) desorganização, 2) delírios ;
– alterações da sensopercepção: 3) alucinações;
– alterações psicomotoras (do comportamento): 4)
comportamento grosseiramente desorganizado ou
catatonia,
– 5) sintomas negativos: embotamento afetivo, hipobulia,
isolamento social e declínio cognitivo;
– Outros sintomas secundários: agitação, alterações da
atitude (juízo crítico), medo, raiva;
OBS: 1) delírios e alucinações não são patognomônicos de um
transtorno do espectro da esquizofrenia;
2) Esquizofrenia: 2 sintomas por 6 meses, sendo 1, 2 ou 3 obrigatórios
2.1) Avaliação clínica: diagnóstico diferencial
2. Há uma explicação orgânica para os sintomas?
– delirium (condição clínica aguda, como infecções,
hipoglicemia, hiponatremia etc);
– Exclua alteração mental provocada por substâncias:
efeitos colaterais de medicações (ex. corticoides),
intoxicação/abstinência ao álcool ou drogas ilícitas;
– Demência e outras doenças neurológicas primárias
(como tumores cranianos);
– Doenças sistêmicas com comprometimento
neurológico (Lupus, AIDS, Sífilis, def. B12...)
2.1) Avaliação clínica: diagnóstico diferencial
3. Os sintomas se devem a um transtorno do humor?
– É um episódio maníaco? exaltação, irritabilidade,
aumento da autoestima, hiperatividade,
distraibilidade, redução do sono,
desinibição/impulsividade (para comprar, sexual,
comportamento social inconveniente...). Diferencial
com sintomas produtivos;
– É uma depressão grave com sintomas psicóticos?
Diferencial com sintomas negativos;
*OBS: se T. humor com sintomas psicóticos é
mandatório avaliar risco de suicídio;
2.2) Avaliação clínica: red flags
• Ideação suicida:
– fatores gerais de risco: masculino, solteiro, sem suporte
familiar, desemprego, história familiar de suicídio,
tentativas anteriores, comorbidades com uso de
substâncias e evento adverso recente;
– fatores específicos da doença: hospitalização recente,
alucinações de comando, alto padrão sóciocultural pré-
mórbido e maior consciência de doença;
• Agressividade (minoria tem risco aumentado):
– Fatores de risco: abuso de substâncias, personalidade
antissocial e doença neurológica associada
2.3) Avaliação clínica: comunicação clínica
• Diretrizes gerais da comunicação:
– O objetivo é o mesmo de qualquer consulta centrada na
pessoa: entender em que crê, o que sente e como aquilo
impacta sua vida (não é preciso concordar com nada, nem
desautorizar o que a pessoa sente);
– É preciso dar alguma resposta ao que a pessoa traz: tente
pensar reações mais adaptativas diante do seu sofrimento
(p. ex: checar com pessoas de confiança se tem mesmo
alguém falando impropérios, ou atividades de distração
quando estiver sendo incomodado pelas vozes);
2.3) Avaliação clínica: comunicação clínica
• Diretrizes gerais da comunicação :
2.3) Avaliação clínica: comunicação clínica
• O que fazer:
1. Não evitar o assunto trazido pelo paciente (p. ex:
desconversar perguntando se ele está tomando remédios
quando ele diz ser Jesus Cristo);
2. Explorar os sintomas procurando criar entendimento, sem
criticar ou tirar sua legitimidade, nem fingir que acredita;
3. Se o paciente desestabilizar, dar um passo atrás (p.ex: “se
você não se sentir bem falando sobre isso, podemos falar de
outras coisas e voltarmos quando você se sentir melhor ou
em outro dia...”);
2.3) Avaliação clínica: comunicação clínica
• O que fazer:
4. Debater sobre os significados da experiência e coping, i.e.,
como enfrentar a situação: p. ex: normalizar dizendo que
uma pessoa pode escutar coisas através da mente sem nada
passar pelos ouvidos; ou questionar o valor de verdade do
que as vozes dizem; ou explorar as evidências de porque
acredita na crença delirante e se há mínima dúvida; (“o
problema não são as vozes, mas como elas mexem contigo”);
5. Fechar a sessão: vínculo e acordos (p. ex: como responder
alternativamente às vozes até a consulta com o psiquiatra...)
2.3) Avaliação clínica: comunicação clínica
• Estratégias de comunicação:
– Estruturar mais a consulta: avisos de transição, sumarizar,
perguntas fechadas, decompor enunciados complexos em
etapas simples;
– Checar compreensão;
– Não confiar que suas pistas sociais conseguirão comunicar
(seja concreto e objetivo);
– Não despertar desconfiança: fundamente porque faz tal
pergunta, não tentar “advinhar” o que ele quis dizer;
– Aceitar negociações com pouco avanço
3.1) Manejo: quadro geral
1. Avalie segurança da pessoa e de terceiros;
2. Comece medicação antipsicótica!
3. Intervenção Psicossocial:
I. Psicoeducação;
II. Aborde estressores e fortaleça apoio social
III. Promova funcionalidade
IV. Encaminhe para reabilitação psicossocial

• Simulação: avaliação e manejo


3.1) Manejo: Intervenções Psicossociais
I. Psicoeducação:
– Afirme vinculação dos sintomas com um transtorno
mental;
– Afirme a necessidade de medicação;
– Afirme a característica crônica e prováveis recaídas:
ensine sobre o reconhecimento de sintomas agudos;
– Oriente sobre o papel de estresse e do sono na
evolução;
– Recomende evitação álcool e outras drogas;
– Não culpe a pessoa ou cuidadores pelos sintomas!;
3.1) Manejo: Intervenções Psicossociais
I. Psicoeducação para cuidadores:
– Não tente convencer a pessoa do tema delirante; em
vez disso promova apoio concreto;
– Evite expressão de hostilidade e críticas constantes;
– Promova liberdade dentro das possibilidades da
pessoa;
3.1) Manejo: Intervenções Psicossociais
II. Reduzir estressores e fortalecer suporte:
– Mobilize a rede de apoio intersetorial
– Estimule retomar atividades sociais, de lazer,
esportes, trabalho etc;
– Sugira novos sistemas de apoio quando faltam ou
falham os de costume da pessoa/família;
3.1) Manejo: Intervenções Psicossociais
III. Promover funcionalidade geral:
– Facilitar ocupação e atividades econômicas;
– Estimule habilidades sociais;
– Estimule vida independente compatível com seu
contexto;
– Estimule os potenciais criativos;
Referências
1) LEITE, R.F.M, FRANCO, R.S. Psicoses no contexto da medicina de
família e comunidade. In:GUSSO, G., LOPES, J.M.C. Tratado de
medicina de família e comunidade: princípios, formação e
prática. Porto Alegre : Artmed. 2012. 2 v;
2) UNDRILL, G. Communicating with the Psychotic Patient. In:
COLE, S.A., BIRD,J. The medical interview: the three function
approach. 3rd Ed. Philadelphia : Elsevier-Saunders, 2014. (livre
tradução de Ana Paiva)
3) WORLD HEALTH ORGANIZATION. mhGAP intervention guide
for mental, neurological and substance use disorders in non-
specialized health settings: mental health Gap Action Programme
(mhGAP) – version 2.0. Geneva: WHO Press, 2016. Sessão PSY –
Psychoses da p. 33 a 44;

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