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CAPÌTULO 6

DEPRESSAO E LUTO: UM RELATO DE CASO

A análise do comportamento é derivada de uma posição do behaviorismo


radical proposto por B. F. Skinner, este behaviorismo trata-se de uma filosofia da
ciência do comportamento. Esta filosofia preocupasse com o objeto e método da
psicologia.

O comportamento é definido pela relação organismo-ambiente mediante o


contexto no qual ocorreu e em meio ao tempo e espaço. Inclui-se eventos privados e
públicos. Os eventos privados são aqueles comportamentos que só podem ser
acessados pelo próprio indivíduo (subjetividade), os públicos por outro lado são
aqueles disponíveis a observação. Ambos causados por agentes externos.

Skinner acredita que os comportamentos (respostas) são suscetíveis aos


eventos antecedente (contexto) e aos eventos que sucedem (consequências). Esta
proposição comumente conhecida como tríplice contingência, enfatiza o conceito de
analise funcional ou causal. Na analise a previsão do comportamento é feita para
controlar as variáveis envolvidas no comportamento, de forma que ao manipula-las
mantem-se ou alteram-se os comportamentos.

Os analistas do comportamento acreditam que o organismo-ambiente possuem


influencia mutua uns sobre os outros, sendo assim o indivíduo é aqui visto como ativo
e agente de transformação do ambiente ao seu redor, à medida que também é
transformado pelo mesmo. Deste modo esquemas de reforçamento passado e atuais
são importantes.

Em casos depressivos, busca-se no ambiente causas, baseando-se nas


interações do organismo com o ambiente procura-se identificar o que instalou, bem
como as consequências que mantem tais repertórios, visando modificar tais
contingências e alterar o padrão comportamental do indivíduo que apresenta o quadro
depressivo.

DEPRESSAO SOB A OTICA DA ANALISE DO COMPORTAMENTO

Eventos observáveis em pessoas com depressão são comuns, tais como perca
ou redução de atividade, choro, irritabilidade e crises de ansiedade, porém tais
eventos em nada ajudam ao analista do comportamento. Para o mesmo o que terá
importância será a descrição funcional, ou seja buscar a função do comportamento.
A depressão segundo Ferster 1973, trata-se de uma diminuição de
comportamentos que eram reforçados positivamente, aumentando-se os
comportamentos de fuga e esquiva de estímulos aversivos e comportamentos de
lamentações acrescidos dos choros e irritações. Essas interrupções de reforçadores
podem ser atribuídas a diferentes causas, essa interrupção quando em um sujeito
limitado que não se adapta a nova contingência e falta de reforçadores, ocasionam
diminuição ou extinção de atividades, o que gera um quadro depressivo.

O luto é um processo de perda, no qual as contingências ambientais geradoras


de reforço acabam por não estarem mais presentes no ambiente, deste modo passa-
se a ter uma modificação no ambiente, que antes era reforçador e agora já não é mais.

Fases do luto, sob a visão de Grandi (2016), sobre os apontamentos de


Elizabeth Kubler-Ross:

1. Negação: emissão de respostas em frequência alta mesmo sem a


consequência dos reforçadores.
2. Raiva: emissão de respostas em formas e intensidades variáveis.
3. Barganha: ocorrem oscilações cíclicas do responder, onde existem
momentos de altas frequências de emissão de comportamento
seguidas de períodos longos sem emissão devido à falta de reforçador.
4. Aceitação: diminuição da frequência de emissão de respostas, e a
resposta volta a corroer na mesma frequência que ocorria antes de ser
reforçada.

A vivencia do luto perpassa os três níveis de seleção: filogenético,


ontogenético e do cultural. Cada nível apresentará influencia na forma
como o indivíduo irá lidar com tal perca de reforçadores.

O DSM – 5, aponta a não elaboração do luto como transtorno do luto


complexo persistente. Seu diagnóstico é considerado, a partir de pelo
menos 12 meses após a morte de alguém com qual o indivíduo possuía um
vínculo afetivo próximo, caracterizado por saudade demasiada, dificuldade
de aceitação da morte em questão, lembranças angustiantes, evitaçao
excessiva de lembranças da perda. Além disso é necessário também
apresentar sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no
funcionamento psicossocial.

O estudo em questão objetiva um a analise funcional de comportamentos


depressivos de uma paciente diagnosticada com episódios de depressão,
transtornos de ansiedade e reação aguda ao stress. Junto a aplicação de
uma intervenção analítico-comportamental para modificar tais
comportamentos (dificuldade em aceitar a morte da filha, pesar, choro,
medos excessivos e comportamentos respondentes como boca seca,
taquicardia, tremores e tontura).

METODO:

PARTICIPANTE

R., 56 anos, sexo feminino, analfabeta funcional, casada há 39 anos com


E., 58 anos, mãe de dois filhos: H, (sexo masculino, 38 anos) e P, (sexo
feminino falecida há 3 anos e 9 meses aos 32 anos de idade). Era
cozinheira e serviços gerais.

Diagnosticada por um médico psiquiatra, CID 10 F:32 – episódios


depressivos, e posteriormente por outro CID 10 F:41 e F:43,0 – outros
transtornos de ansiedade e reação aguda ao stress respectivamente.

Medicada com escitalopram – 20 mg, cloridrato de venlafaxina – 37,5 mg,


hemitartarato de zolpidem – 6,25 mg e clonazepan – 2,5mg/ml.

MATERIAIS E AMBIENTE

Os encontros se deram em dois locais distintos, um era um consultório


psicológico padrão no IGAC, e o outro era em ambiente laborativo da
participante.

Foi utilizado: termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), no qual


são dispostas informações sobre o processo terapêutico, contatos de
responsáveis, sigilo e confidencialidade, divulgação de livre poder de parar
com a intervenção se assim desejado; questionário de história vital, que
visa saber da história de vida da paciente abarcada em treze aspectos
distintos; folhas de atividades diárias; vídeo – A girafa, fases do luto em
formato de desenho, lúdico e ilustrativo ( Elizabeth Kubler- Ross).

PROCEDIMENTO

Selecionada por meios das fichas disponibilizadas pelo IGAC, selecionada


por ser maior de idade e pelo fato de a sua ficha cadastral estar disposto a
descrição urgente. O agendamento da primeira sessão foi por telefone,
tendo o total de 34 sessões de 50 min, sendo 8 de avaliação inicial, 22 de
intervenção e 4 de follow-up.
1ª sessão: leitura do TCLE e assinatura do mesmo pela paciente, ficando
a mesma com uma via. Estabelecimento do contrato terapêutico acerca de
sigilo, horários e faltas. E entrevista clínica para investigação das queixas
que estendeu-se até a segunda sessão.

3ª a 8ª sessão: aplicação do questionário de história vital, que foi


preenchido pela própria terapeuta devido a paciente ser analfabeta.

A intervenção incluiu procedimentos como programa semanal de atividades


diárias (PAD), psicoeducação das fases de luto, dialogo socrático, metáfora
de funeral, imagens, respiração diafragmática e prevenção de recaída.

O PAD – visando aumentar as atividades exercidas pela paciente e seu


acesso a reforçadores, foi utilizado da seguinte forma: através de figuras
impressas, conforme informações coletadas nas sessões que foram sendo
coladas a cada hora e dia da semana na folha de atividades diárias.
Incluíam-se atividades laborais, de lazer e cuidado pessoal. Esse material
foi entregue a paciente para fixa-lo em lugar visível em sua casa.

Psicoeducação das fases do luto e vídeo da Girafa sobre as fases -


visando levar a paciente a discriminas comportamentos realizados em
decorrência da perda de sua filha e a função dos mesmos, explicou-se as
fases do luto e apresentou-se o vídeo sobre as mesmas de maneira lúdica
e ilustrativa.

Diálogo socrático: finalidade de elaborar questionamentos para


exploração a respeito de temas como desejar a morte do pai e do neto,
como também explorar comportamentos que emitia na relação com o pai e
o marido e as consequências geradas em decorrência disso.

Metáfora do funeral: leva-se a participante imaginar seu funeral por meio


de conversa ou imaginação propriamente dita, e analisar como as pessoas
ali presentes lembrariam dela e o que estaria escrito na sua lapide. E o que
a mesma queria que as pessoas ali se lembrassem acerca dela.

Emprego de imagens: foi solicitado que a mesma trouxesse fotografias de


momentos agradáveis da infância e adolescência dos filhos. A
apresentação das fotos emparelhadas a música instrumental visando que a
mesma voltasse a sentir prazer em ouvir música, coisa que atualmente era
aversiva devido despertar lembranças acerca de sua filha.
Respiração diafragmática: aplicação da técnica avisava acrescentar na
paciente uma ferramenta a ser utilizada em situações aversivas, dando a
mesma um maior controle cardiorrespiratório e sobre o SN parassimpático
ajudando-a controlar seus comportamentos respondentes.

Prevenção de recaída: adverte-se a paciente da possibilidade de surgirem


desafios emocionais, para prevenir o retorno ao quadro inicial, buscando
orienta-la sobre técnicas e comportamentos já emitidos, auxiliando a
discriminar como comportar-se em tais situações caso surgissem na
atualidade.

Follow-up: sessões realizadas com intervalo de 35 dias após a


intervenção. Monitorar como a paciente estava comportando-se em seu
ambiente sem as intervenções terapêuticas, bem como analisar se as
melhoras ocasionadas na terapia haviam se mantido.

RESULTADOS E DISCUSSAO

A paciente apresentava tristeza profunda devido a morte de sua filha e


sentia muita falta dela. Alegava que as pessoas ao seu redor já não
aguentavam mais suas lamentações. Apresentava também insônia, medos
excessivos em situações novas ou quando estava sozinha ou ainda quando
tinha que receber/visitar alguém e ocorrência de comportamentos
respondentes.

Em sua infância existiam contingências aversivas, como 8ª filha de 11


irmãos, apenas 4 eram vivos e outros morreram em decorrência de álcool,
câncer, crack, desaparecimento. Sua mãe era agredida durante a gestação
pelo marido, que em decorrência do álcool esteve ausente durante seu
parto.

Seus pais separavam-se e reconciliavam-se constantemente, levando-a


morar com sua avó dos 5 aos 14 anos onde foi agredida sexualmente por
seu tio com que dividia a cama, coisa que ninguém sabia. Encerrando o
ciclo quando começou a menstruar.

Sua avó demonstrava não gostar dos netos ali, R., passava então o dia na
casa de uma mulher conhecida voltando pra lá apenas a noite. Ela e seus
irmãos também passaram períodos morando em albergues e praças, além
da casa de uma tia também.

Descrevia seu pai como um homem ruim, que batia neles e na mãe,
alcoólico que molhava os colchoes para que os mesmos não dormissem a
noite. Quebrava moveis, jogava comida fora. A chamava de peste,
despertando medo dele. Suas irmãs foram agredidas sexualmente pelo
mesmo que foi denunciado.

Aos 14 anos, conheceu E. e foi morar na casa de sua sogra um ano depois
após se casar com ele. Seu pai mesmo sendo contrário ao relacionamento
foi ao casamento, sua mãe porem não foi pois não gostava da sogra de R.

Aos 16 teve o primeiro filho, e aos 21 sua filha. R., não possuía um bom
relacionamento com a sogra, o que piorou com o nascimento da filha a qual
a mesma não gostava. Aos 3 meses do nascimento de sua filha mudou se
para Goiânia vindo de são Paulo.

Durante a infância e adolescência de seus filhos R. trabalhava muito para


sustentá-los, trabalhando em 3 empregos. Seu marido a traia e era
compulsivo com jogos chegando a perder tudo que eles tinham,
posteriormente trabalhando com galos que ainda sim traziam prejuízos
financeiros.

Entre 1995 e 1999 fez tratamento para hanseníase, finalizando-o aos 37


anos. Perdeu seu emprego na época devido aos donos da casa na qual
trabalhava pedir pra que ela fosse embora após seu diagnóstico.

2007, 43 anos sua mãe faleceu devido a diabetes, acometida também de


câncer. R., era a única filha que cuidava da mesma, paralelamente estava
separada de E. que estava com outra pessoa.

Aos 45, sua filha ficou gravida o que foi extremamente aversivo para a
mesma, devido ao aborto legalizado realizado devido a deficiência
apresentada no bebê, posteriormente teve M. prematuro e diagnosticado
com TEA aos 4 anos, na terceira gestação apenas sua filha teve um filho
saudável.

Aos 51 anos, sua filha com 30 foi acometida por câncer de mama que
afetou a coluna, levando-a a falecer após 2 anos e 6 meses, nesse meio
tempo foi submetida a cirurgias, quimioterapia e internações. R., então
dependia seu tempo para cuidar de casa, família, filha, netos, marido e pai.

Nos últimos 10 dias de vida de sua filha no hospital R. ainda não aceitava
sua doença. Porem um dia antes, relata que entregou tudo a Deus. Na
morte de sua filha, apenas ela estava presente. Seus netos ficaram sob sua
responsabilidade com a ajuda do pai dos mesmos e da sogra. Seu filho e
marido não falavam sobre o ocorrido.

Devido à sobrecarga que ela possuía, pensou em envenenar seu pai e seu
neto mais velho M. objetivando matá-los, porem ficava com receio de falhar
e acabou por abandonar a ideia.

Durante a avaliação inicial, verificou-se o desenvolvimento de uma relação


terapêutica compassiva, afetuosa e genuína que propiciou
compartilhamento aberto de informações e mudanças comportamentais.

Wielesnka 2014, alerta que é papel do terapeuta perceber possíveis efeitos


que a relação terapêutica tem sobre as mudanças comportamentais do
cliente, pois as interações da díade terapeuta-paciente são fundamentais
para a mudança. Sendo necessário identificar aspectos que contribuam
para a construção, manutenção e consequências dessa relação.

Notou-se também mudanças em seu repertorio comportamental, adquirindo


dias para si mesma, para seus netos e para praticar exercícios físicos.
Porem inicialmente essas mudanças estavam sobre o controle da
contingência estabelecida pela terapeuta. O que posteriormente se
modificou ficando sobre o controle de esquemas de reforçamento positivo,
fazendo com que a paciente se engajasse nas atividades que despertavam
prazer na mesma.

A paciente relatou que não sentia as sensações de pânico ao sair de casa,


alegando ter ido a vários lugares por conta própria, e até mesmo sentindo-
se bem com isso. Recebeu também pessoas em casa pro jantar e ficou feliz
com isso.

A paciente alegou também, que sua relação com o marido melhorou, após
a saída de seu pai da sua casa, abrindo assim novos esquemas
contingenciais.
Apresentou também mudanças no repertorio comportamental, derivados da
psicoeducação sobre as fases do luto, conforme visto na tabela a seguir:

A princípio suas alegações estavam evidenciadas nos primeiros estágios do


luto, e a medida que o processo terapêutico foi sendo realizado as
mudanças começaram a ocorrer, permitindo-a chegar ao ponto de
aceitação.

Através do diálogo socrático foi possível perceber o que mantinham os


comportamentos de seu pai e esposo baseado em suas descrições,
evidenciando assim a importância do diálogo não apenas como um
questionário, mas como uma fonte de reflexão do indivíduo que avalia e
soluciona a temática levantada.

Por meio da metáfora do funeral, R. afirmou que queria ler em sua lapide:
fui uma boa pessoa, uma lutadora. Ela viveu a vida de um jeito feliz!
Ela sempre sorriu, trabalhou e cuidou dos netos. Mostrando assim
mudança no repertorio verbal apresentado no início do processo.
O emprego de imagens possibilitou que R., falasse das mesmas sem choro
ou tristeza, permitindo-a discriminar os comportamentos desejáveis e não
desejáveis em determinados contextos.

Da técnica de respiração, percebeu-se que auxiliou a mesma em situações


de tensão e emergência acalmando-a e tranquilizando-a.

As sessões que antecederam ao follow-up, foram de extrema importância


pois R., sentia estar voltando à estaca zero, sendo assim a terapeuta
trabalhou com ela sobre recaídas e uso de ferramentas durante o processo.

No follow-up, estava vulnerável devido a estar lidando com situações ruins


com seu pai porem mostrou-se forte e apta a expressar-se diretamente ao
mesmo suas opiniões.

Nota-se que, a opinião de R., a respeito da terapeuta e do processo foi


extremamente importante para o desenvolvimento eficaz do processo
terapêutico.

CONSIDERAÇOES FINAIS

Foi possível analisar funcionalmente os comportamentos depressivos da


mesma baseado em sua história de vida e eventos aversivos, como a
retirada de reforçador decorrente da morte de sua filha.

Em relação a intervenção analítico-comportamental, pode-se afirmar que foi


efetiva pois houve mudanças no repertorio comportamental da mesma,
diminuindo os comportamentos inadequados e aumentando/construindo
novos comportamentos aceitáveis que faziam com que a mesma entrasse
em contato com reforçadores positivos.

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