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Roberto Banaco: a despatologização


da doença mental
RESUMO: Roberto Alves Banaco é psicólogo, professor no Programa
de Mestrado Profissional em Análise do Comportamento
Roberto Alves Banaco, Aplicada do Paradigma, do Centro de Ciências e Tecnologia
a convite do curso de do Comportamento, estabelecido na cidade de São Paulo.
Psicologia, ministrou a Além disso, é membro do Conselho e da Comissão de
palestra “Despatologizando
a psicopatologia: um Acreditação da Associação Brasileira de Psicoterapia e
analista do comportamento Medicina Comportamental.
apresenta sua proposta
de entendimento da
doença mental”. Banaco Em sua palestra, Banaco apresentou a proposta de um
apresenta sua concepção analista do comportamento para a compreensão das
das psicopatologias, a
partir do aporte teórico da
análise do comportamento,
que compreende os
comportamentos como
funcionais e adaptativos
dentro do contexto
em que ocorrem.

AUTORAS:

Graciela Sanjutá Soares


Faria – professora e
coordenadora do curso
de Psicologia do UniBrasil
Centro Universitário.

Sulliane Teixeira Freitas


– professora do curso de
Psicologia do UniBrasil
Centro Universitário.

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psicopatologias, entendendo-as como sociedade entende as psicopatologias como
comportamentos funcionais e adaptativos, comportamentos disfuncionais, anormais
totalmente explicados a partir das relações e indesejados por serem prejudiciais, a
que o indivíduo estabelece com o ambiente. Análise do Comportamento pressupõe que
todo comportamento é funcional dentro
Em uma primeira discussão, Banaco do contexto em que ocorre, ou seja, existe
afirmou que os extremos “saúde e uma razão para que ele ocorra, e essa
doença” não são representativos de todos explicação é buscada na interação do
os possíveis estados do ser humano, e indivíduo com o ambiente. Tal compreensão
devemos considerar variações graduais tem origem na oposição aos modelos
entre tais extremos. Uma segunda médicos que entendem os comportamen-
discussão referiu-se à questão de que os tos psicopatológicos como disfuncionais,
estados mencionados anteriormente não expressões de experiências traumáticas
são permanentes e podem se modificar em e como sintomas que refletem suas
função de condições biológicas, condições causas subjacentes.
de vida do indivíduo ou até mesmo situações
estressantes. Foi ressaltada a importância Banaco discorreu sobre o surgimento
de se considerar múltiplas variáveis na do Behaviorismo para contextualizar as
análise do ser humano, divergindo, assim, de argumentações que visava sustentar.
uma postura de rotulação e estigmatização. Destacou que a história da Filosofia
Behaviorista é marcada por uma oposição
A ideia de “normal e anormal” nas ao modelo médico e seus pressupostos.
psicopatologias pode ser balizada por Explicações passaram a ser insuficientes,
diversos critérios. Por exemplo, o critério pois não eram passíveis de comprovação, e
estatístico, em que algo será chamado de também porque havia muitas interpretações
“normal” por motivo de ser frequente, e de permeando o estabelecimento de diagnósticos.
“anormal” por ser observado apenas em
alguns casos. Outro exemplo de critério é o
O Behaviorismo diferencia-se por adotar
do sofrimento, em que será “normal” quem
uma postura funcionalista, que busca
não sofre e “anormal” quem apresente
entender o valor de sobrevivência que um
algum sofrimento. Outros critérios foram
comportamento tem para o organismo. A
mencionados por Banaco, para frisar a
argumentação funcionalista sustentou-se na
ideia de que não existe uma definição
influência de áreas do conhecimento como
absoluta para as condições ditas “normais”
a Biologia e a Fisiologia, em pesquisas e
ou “anormais”, visto que são estabelecidas
estudos com animais para compreensão do
diante de parâmetros.
ser humano, no foco em variáveis ambientais
e em sua relação com o comportamento.
Essas argumentações serviram de base
para que fosse apresentada a compreensão
analítico-comportamental das psicopatologias A concepção analítico-comportamental sobre
aos alunos do curso, objetivo primeiro da os transtornos psiquiátricos baseia-se no
palestra. Banaco explicou que enquanto a pressuposto de que todo comportamento

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apresentado por um indivíduo foi selecionado A sociedade exerce vários tipos de controle
a partir de contingências filogenéticas, sobre os indivíduos, que muitas vezes
ontogenéticas e culturais, inclusive os são coercitivos. Por assim serem, trazem
que são chamados de psicopatológicos. consigo efeitos colaterais que afetam
Banaco buscou explicar a complexidade tanto o indivíduo como o grupo. Dentro de
de fenômenos comportamentais à luz do uma lógica de seleção comportamental,
modo causal de seleção por consequências. comportamentos que beneficiem o grupo se
Afirmou, ainda, que a sensibilidade aos sobrepõem aos que beneficiem apenas o
aspectos do mundo é tão importante que indivíduo. Banaco explica que a sociedade
toda hora que algum aspecto entra em cria agências de controle social tais como
contato com o organismo, modifica-o, governo, religião, economia, educação, para
selecionando a ação que o antecedeu. garantir que o benefício do grupo prevaleça.
Somos sensíveis a estimulações e por Como resultado disso, surgem expectativas
meio de condicionamentos respondentes de ação sobre o indivíduo e seus
podemos passar a reagir ao mundo de formas comportamentos passam a ser rotulados.
aprendidas. Pareamentos entre estímulos São indesejáveis os comportamentos
podem conduzir à sensibilidade a condições ditos ilegais, pecaminosos, e ações que
previamente neutras. Quando aversivas, definem o indivíduo como improdutivo ou
passamos a evitá-las. Medos, fobias e incapaz. São exigidos repertórios tais como
transtornos de ansiedade em geral podem competir, controlar, buscar felicidade e
ser entendidos sob essa ótica. Somada evitar sentimentos negativos, ser bonito, ser
à sensibilidade, nossa história de vida saudável. Quando esses comportamentos
descreve as relações que estabelecemos tornam-se exacerbados, podem revelar
com o ambiente, modificando-o e sendo por uma psicopatologia do comportamento.
ele modificados, ou seja, sofremos ação de São exemplos de influência cultural
reforçamento. Assim, por meio de exemplos, sobre comportamentos psicopatológicos
Banaco explicou como comportamentos a depressão nos anos 80, alavancada
são adquiridos e mantidos e porque, muitas pela crise econômica e pela recessão, e a
vezes, mesmo sofrendo as consequências ansiedade nos anos 90, que preconizava a
aversivas, não conseguimos mudar. cultura ao corpo, geração saúde, controle
e recuperação das condições financeiras.
Apesar desse entendimento funcional a
respeito dos fenômenos comportamentais, A psicoterapia surge como uma agência
Banaco afirmou que não se pode negar que eles de controle social, um produto cultural,
trazem sofrimento. Sofrimento esse, motivo da que tem como finalidade desfazer os
procura por psicoterapia. Essa busca surge no efeitos do controle aversivo, melhorar e
momento em que há conflito entre os três níveis promover o autoconhecimento. Banaco
de seleção do comportamento (biológico, sinalizou que os rótulos mencionados
história de vida pessoal e práticas culturais). Os anteriormente são entendidos socialmente
comportamentos são selecionados em todos como ausência de autocontrole, que por
os níveis, porém, o autor explica que existe sua vez é sinônimo de transtorno. Logo, a
uma prioridade social pelo controle cultural. sociedade cria a psicoterapia como uma
forma de reverter tais comportamentos.

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Banaco buscou “despatologizar” os compor- A palestra proferida teve grande importância
tamentos psicopatológicos elucidando no sentido de prover um novo entendimento
que são comportamentos que podem sobre o tema das psicopatologias. A
ser totalmente explicados a partir de mensagem passada foi a de que não há
determinações ambientais e que, por sentido nos conceitos de normalidade ou
isso, não há razão para entendê-los como anormalidade e de que é possível olhar
anormais. Argumentou que a partir da leitura para os comportamentos “psicopatológicos”
de manuais de transtornos psiquiátricos assim como se olha para qualquer outro
podemos nos identificar com muitas das comportamento, pois são sempre a melhor
descrições que lá estão, o que muda é forma do indivíduo lidar com o ambiente,
a quantidade, a latência e a duração. que pode se tornar hostil a depender da
São essas dimensões que definem algo sensibilidade do indivíduo, da sua história de
como psicopatológico. A “psicopatologia vida e das práticas culturais mantidas pelo
comportamental” é entendida como déficit grupo no qual está envolvido.
ou excesso comportamental, com finalidade
de adaptação ao ambiente, que leva a algum
tipo de sofrimento, com reações emocionais
intensas. É a busca do indivíduo em se
ajustar a certas condições, visando reduzir
a aversividade do contexto em que se
encontra. Se o comportamento se mantém
apesar dos prejuízos que causa ao indivíduo,
certamente ele tem uma função importante
de eliminar um sofrimento ainda maior.

Para Banaco, a mudança desse cenário,


visando a prevenção das psicopatologias
e a promoção da saúde comportamental
depende da mudança das práticas
culturais. Se são elas, em grande medida,
as responsáveis pelo sofrimento dos
indivíduos, é a partir de sua mudança que
o comportamento passa a mudar. Práticas
culturais menos aversivas e controladoras,
tais como redução de jornada de trabalho,
ócio criativo, educação não coercitiva
diminuem a exigência de desempenho dos
indivíduos, e afetam, por consequência, A coordenadora do curso de Psicologia do UniBrasil,
Graciela Sanjutá Faria, o palestrante Roberto Banaco e a
déficits e excessos comportamentais. professora da UFPR Maria Virgínia Filomena Cremasco

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