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COMPORTAMENTO DESVIANTE
1
Defensor Público em Minas Gerais, Professor de Direito Penal e Processual Penal da Faculdade de Direito
da UFJF e da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do Instituto Vianna Jr. e Mestrando em Ciências
Penais pela UFMG. Publicado originalmente na Revista Brasileira de Ciências Criminais, vol. 43,
IBCCRIM. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2003.
2
A fundação de uma ciência experimental da psicologia é atribuída a Wilhelm Wundt, que reuniu, à luz do
espírito positivista, os métodos da ciência natural que estavam sendo utilizados, em meados do sec. XIX,
para explicar os fenômenos mentais e o modelo empirista para a descrição do funcionamento dos sentidos.
A partir dos estudos de Wundt, assinalou-se o início da primeira posição sistemática ou escola de
pensamento em Psicologia: o Estruturalismo, hoje relacionado aos estudos de Titchener. Cf. SCHULTZ,
Duane e SCHULTZ, Sydney Ellen. História da psicologia moderna. 6a ed. São Paulo: Cultrix, 1994, p. 72
e 75-76.
sobretudo nos Estados Unidos, passando-se de uma visão Estruturalista para
Funcionalista.
mudança de concepção foi imperceptível na época em que ocorreu. Aos poucos, o valor
merece destaque.
3
Cf. SCHULTZ, Duane. História da psicologia moderna. São Paulo: Cultrix, 1990, p. 198. A psicologia
funcional, como salientou J. B. Watson em artigo publicado em 1913 na Psychological Review (A
psicologia como o behaviorista a vê), afastou o uso de elementos, no sentido estático dos estruturalistas,
acentuando a significação biológica dos processos conscientes e descartando a análise de estados
conscientes em elementos isoláveis de introspecção.
4
Os estudos de Thorndike e Pavlov apresentam formulações semelhantes, partindo-se de uma teoria
objetiva e mecanística da aprendizagem, centrada unicamente no comportamento manifesto e mínima
referência à consciência ou processos mentais. A aprendizagem deve refletir o estudo do comportamento
considerado objetivamente, em termos de ligações concretas entre estímulos e respostas, desconsiderando-
se elementos mentais ou a experiência consciente.
2. WATSON E A ESCOLA BEHAVIORISTA DE PENSAMENTO
irrelevantes.
hábito etc.
3. O MÉTODO BEHAVIORISTA
ciência natural.
consciência. Assim, tão logo a psicologia consiga, com o behaviorismo, obter dados
etc., todos poderiam utilizar estes dados de maneira prática em suas atividades.
observação; reflexo condicionado; relato verbal (de forma restrita); testes. Os resultados
são tratados como comportamento por amostragem e não como medidas de qualidades
condições: o homem passa a ser visto como objeto de observação, “uma máquina
estímulo-resposta”6.
5
WATSON, John B. Psychology as the behaviorist views it. Psychological Review, 1913, 20
6
SCHULTZ, Duane. op.cit. p.232
4. OBJETO DE ESTUDO DO BEHAVIORISMO
glandulares. Como ciência do comportamento, deve tratar unicamente de atos que podem
a resposta.7
5. TESES FUNDAMENTAIS
destes conceitos.
7
SCHULTZ, Duane. op. cit. P. 233
de capacidades, temperamentos ou talentos hereditários. A influência irresistível do
ambiente é enfatizada.8
que a emoçõe pode ser compreendida como situação objetiva de estímulo, em resposta
“Watson acreditava que o medo, cólera e amor são as únicas respostas emocionais não
8
WATSON, J. B., apud SCHULTZ, Duane. op. cit.. p. 235
9
WATSON, J. B. apud SCHULTZ, Duane. op. cit.. p. 236
10
SCHULTZ, Duane. op. cit. p. 237
inacessíveis à observação e demonstração empírica. Watson, com sua “teoria periférica
behaviorismo metodológico.
Ao atingir o apogeu, grafando o seu nome como uma Escola, e antes que
11
SCHULTZ, Duane. op. cit. p. 248.
12
Holt não concordava com a completa rejeição da consciência e dos fenômenos mentais. Sugeriu que a
consciência deveria estar relacionada com o realismo epistemológico, segundo o qual os objetos existem tal
como são percebidos. A forma heterodoxa de behaviorismo de Holt habilitou-o a usar grande variedade de
fontes e interessar-se por problemas fora da corrente principal do behaviorismo norte-americano. Cf.
SCHULTZ, Duane. op. cit. p. 248-249.
13
Para Weiss, todo o comportamento era passível de análise e redução a entidades físico-químicas.
Compreendida na Física, a Psicologia não se deveria ocupar de entidades metafísicas, como a consciência.
Ao lado de uma forte acentuação dos componentes biológicos do comportamento, o homem é biológico,
mas também social (“biossocial”). Cf. SCHULTZ, Duane. op. cit. p. 250.
14
Aluno de Watson na Universidade Johns Hopkins, Lashley defendia uma psicologia cada vez mais
objetiva, opondo-se ao estudo da consciência através da introspecção, mas acreditava que as conexões
estímulo-resposta do condicionamento não representavam a melhor abordagem acerca do comportamento.
Cf. SCHULTZ, Duane. op. cit. p. 251.
A partir de 1920, o movimento behaviorisra começa a se ramificar,
15
Para o operacionismo, que surge mais como princípio geral do que como Escola de pensamento, a
validade de uma descoberta científica ou interpretação teórica depende da validade das operações usadas
para se chegar a essa descoberta ou interpretação. A sua finalidade é tornar a terminologia científica mais
precisa e objetiva. Todos os conceitos desprovidos de referenciais físicos devem ser rejeitados.
16
O princípio fundamental do sistema de Tolman é a introdução da noção de comportamento intencional.
A intencionalidade no comportamento, todavia, poderia ser definida em termos comportamentais objetivos,
sem recorrer-se à introspecção. Cf. SCHULTZ, Duane. op. cit. p. 257.
17
Entre essas variáveis independentes observáveis e até certo ponto controláveis e a variável dependente
observável (comportamento-resposta final) há um conjunto de fatores inferidos e não-observados, as
variáveis intervenientes, que são as determinantes reais do comportamento. A variável interveniente é o
que se passa no interior do organismo e que provoca uma dada resposta em reação a um dado estímulo.
Essa variável interveniente não pode ser objetivamente observada e, por conseguinte, não pode ser aferida
cientificamente, a menos que seja relacionada diretamente com a variável experimental (independente) e a
variável de comportamento (dependente).
18
Cf. SCHULTZ, Duane. op. cit. p. 259.
Com relação à aprendizagem, Tolman propôs uma teoria cognitiva,
condicionamento simultâneo:
aprendizagem por um ensaio (...). Repetição e reforço não constituem parte essencial. A
sua (...) lei formal de aprendizagem estabelece o seguinte: ‘uma combinação de estímulos
19
Cf. SCHULTZ, Duane. op. cit. p. 263.
Com a publicação de Principles of Behavior (1943), Hull descreve um
estímulo e uma resposta e nada mais.22 Seu interesse, antes de explicar o comportamento,
é descrevê-lo.
20
O comportamento humano envolve interação contínua entre o organismo e o meio ambiente. Os
estímulos objetivos externos e as respostas comportamentais objetivas são fatos observáveis. Essa
interação, entretanto, opera num contexto mais amplo, não definível absolutamente em termos observáveis
E-R. Esse quadro de referência mais amplo é a adaptação biológica do organismo ao meio. Não se concede
espaço, mantendo-se fiel ao estudo objetivo da psicologia do comportamento, para noções mentalistas
(consciência, intenção etc.).Considerava o comportamento automático e cíclico, passível de redução à
terminologia das ciências exatas, a partir de uma imagem mecanicista do homem. Cf. SCHULTZ, Duane e
SCHULTZ, Sydney Ellen. op. cit. p. 273-274.
21
Cf. SCHULTZ, Duane e SCHULTZ, Sydney Ellen. op. cit. p. 273.
22
Cf. SCHULTZ, Duane. op. cit. p. 276
Skinner defende um sistema estritamente empírico, sem um quadro
relacionando a qualquer estímulo observável conhecido. Isto não quer dizer, como anota
pesquisas sobre problemas de aprendizagem. Seus estudos incluíram, entre outros temas,
23
O comportamentalismo descritivo estrito proposto por Skinner tem sido chamado de abordagem do
organismo vazio. Cf. SCHULTZ, Duane e SCHULTZ, Sydney Ellen. op. cit. p. 280.
24
No laboratório de I. Pavlov, o cão nada pode fazer senão responder ao estímulo oferecido pelo
experimentador, não agindo “por conta própria”; o comportamento operante do rato na caixa de Skinner
(“aparelho de condicionamento operante”) é instrumental na obtenção do estímulo (alimento), não
recebendo a recompensa alimentar (estímulo reforçador) enquanto não oferece o comportamento adequado
(acionar a alavanca). Cf. SCHULTZ, Duane. op. cit. p. 278.
25
SCHULTZ, Duane. op. cit. p. 278.
generalização. Trabalhou com animais e também com seres humanos, seguindo a mesma
reforçada por aprovação verbal ou pelo conhecimento de ter sido dada a resposta correta.
recebimento de alimento.26
intermitente. Suas pesquisas demonstraram que quanto mais curto for o intervalo entre
26
A única área em que Skinner vê diferenças entre o rato e o homem é a do comportamento verbal. Cf.
SCHULTZ, Duane e SCHULTZ Sydney Ellen. op. cit. p. 284.
27
SCHULTZ, Duane. op. cit. p. 281
resultados obtidos em laboratório para a toda a sociedade.28 Numa visão mecanicista e
“Se quisermos desfrutar das vantagens da ciência no campo dos assuntos humanos,
que aquilo que o homem faz é o resultado de condições que podem ser especificadas e
que, uma vez determinadas, poderemos prever e até certo ponto determinar suas ações”.
“não se deve deixar a questão da liberdade pessoal interferir com a análise científica do
ciência ao comportamento humano se, por alguma estranha razão, nos recusamos a
nas escolas, prisões etc. O objetivo, no âmbito do presente trabalho, é mostrar como o
28
Em 1948, Skinner publicou um romance, intitulado Walden Two, em que descreve uma comunidade rural
de 1.000 pessoas, onde todos os aspectos da vida, desde o nascimento, são “controlados” pelo
reforçamento. V. Walden Two: uma sociedade para o futuro. São Paulo: Ed. Universitária.
29
SKINNER, J. B. 1953, p. 6/322, apud SCHULTZ, Duane. op. cit. p. 284-285.
modificação do comportamento desviante atuaria nas pessoas da mesma forma como o
desde já ressaltar que, no modelo skinneriano, não se usa a punição: ninguém é punido
por não exibir o comportamento desejado; as pessoas são reforçadas (ou recompensadas)
8. BEHAVIORISMO E CRIMINOLOGIA
comportamento dos outros homens, a exemplo do que sucedeu com Adão e Eva ao
tendência permanece uníssona até meados do séc. XX, quando Skinner, publicando
Waden Two, esboça, a partir da ficção, uma sociedade modelada pelo apoio positivo.32 Já
30
SCHULTZ, Duane e SCHULTZ, Sydney Ellen. op. cit. p. 286.
31
Gênesis. 3, 16-24
32
GEISER, Robert L. Modificação do comportamento e sociedade controlada. Rio de Janeiro: Zahar
editores, 1977, p. 10
33
A respeito das concepções behavioristas sobre responsabilidade, mérito e culpa, v. BAUM, William M.
Compreender o behaviorismo – ciência, comportamento e cultura. Porto Alegre: Artmed, 1999, p. 191-
200.
No decorrer dos tempos, instrumentos os mais variados foram e continuam
homem. Primordialmente, a força; gestos ameaçadores e até a força física. Num segundo
pessoas obstinadas, que não querem modificar o seu comportamento para adequá-lo ao
que a sociedade delas exige. Embora a humanidade tenha sido recoberta por um verniz de
comportamento social. O homem não governa sua alma e não é senhor do seu destino,
podendo ser controlado por forças ambientais fora de sua percepção e sem o seu
34
GEISER, Robert L. op. cit. p. 14
livres agentes para determinar nosso próprio comportamento impede a solução dos
“(...) podemos combinar privação sensorial com drogas, hipnose e a hábil manipulação de
indivíduo (...) Prevejo o dia em que conseguiremos converter o pior dos criminosos num
cidadão decente, respeitável em questão de meses – ou talvez menos que isso. O perigo é
Técnicas que exigem, note-se bem, pouca ou nenhuma participação ativa do sujeito, o
35
No âmbito da aplicação do behaviorismo à criminologia, do ponto de vista prático, as ações meritórias
seriam reforçadas pela comunidade, ações condenáveis seriam “punidas”. Se é pragmática a punição dos
comportamentos inadequados, também assim deveria funcionar com o reforçamento dos comportamentos
desejáveis. O Poder Público gerenciaria o comportamento social com maior eficiência se tomasse decisões
sobre reforço e punição com maior transparência, abertamente. A eficiência seria maior quanto maior fosse
o fortalecimento do comportamento desejável com reforço positivo, em detrimento de métodos aversivos.
Controle do comportamento por meio de ameaças e punições pode funcionar a curto prazo, mas resulta em
rebeldia e desafeto a longo prazo. Um comportamento anti-social modelado por uma longa história de
reforço não pode ser alterado, muitas vezes, com a superposição de uma nova contingência artificial de
reforço. Prevenir o crime, em muitas circunstâncias, é prover uma história de reforço para o
comportamento de “respeito pelo bem jurídico.” Assim, as intervenções que ignorarem a história de reforço
do comportamento criminoso tende ao insucesso. Cf. BAUM, William M. op. cit. p. 199-200.
36
MCCONNELL, J. V. Criminals can be brainwashed – now. In Psychology Today Review, abril de 1970,
p. 74, apud GEISER, Robert L. op. cit. p. 77-78
que faz com que ele se sinta mecanicamente controlado, além de violentar a sua
respiração – o intervalo de trinta a sessenta segundos em que a pessoa fica sem respirar
lavagem cerebral, baseadas, com alguma reserva, nos princípios da teoria skinneriana.40
37
GEISER, Robert L. op. cit. p. 16
38
É importante registrar que Skinner era um humanitário, que tinha por meta uma vida melhor para as
pessoas e a sociedade, apesar da natureza mecanicista do sistema que propôs. Assim, as técnicas
empregadas na prática institucional, adquirindo contornos punitivos, não podem ser atribuídas ao sistema
skinneriano. V. SCHULTZ, Duane e SCHULTZ, Sydney Ellen. op. cit. p. 287.
39
Impotente, a pessoa ouve uma preleção acerca do seu comportamento violento e agressivo, com
sugestões de que, se tal comportamento persistir, será submetida a novo tratamento. Combinação de castigo
e condicionamento clássico. Cf. GEISER, Robert L. op. cit. p. 76.
40
Em 1962, Edgar Schein sugeriu que a lavagem cerebral, a exemplo da que teria sido empregada pelos
chineses em prisioneiros de guerra americanos no Vietnã, para solução dos problemas dos detentos das
prisões americanas: “lavagem cerebral não em termos de política ética e moral, mas sim em termos de
modificar deliberadamente o comportamento e as atitudes de um grupo de homens que possui o controle
quase completo do ambiente em que vive a população cativa.” A lavagem cerebral é uma coleção de
técnicas com diversas variações, podendo usar reforços positivos para amoldar o comportamento. Por outro
As técnicas de modificação de comportamento usadas nas prisões
comportamento – fato que se verifica também no Brasil. Porém, sobretudo nos Estados
lado, pode envolver também privação sensorial e social, seguida de reforço para o comportamento
desejado, mas também dolorosa super-estimulação sensorial, com a cessação do estímulo dependendo do
comportamento correto. A sensação de isolamento e abandono que resulta da lavagem cerebral deixaria a
pessoa confusa e hiper-sugestionável. O apoio de antigos padrões de comportamento é dramaticamente
enfraquecido pelo afastamento dos colegas, da família e daqueles a quem estima. O prisioneiro é levado a
crer que aqueles a quem respeita são indignas dessa consideração e precisa desconfiar deles. Privado do seu
apoio (reforço), mostrar-se-ia ansioso por adotar as ponderações e aceitar os reforços de quem executa a
lavagem cerebral. O prisioneiro é reforçado, contanto que adote o novo e desejado comportamento, criando
artificialmente uma situação em que a ambigüidade e os padrões estão ausentes ou confusos; a pessoa
torna-se, em geral, receptiva a quem lhe oferece um quadro de referência alternativo. Cf. GEISER, Robert
L. op. cit. p. 74
41
GEISER, Robert L. op. cit. p. 78
comportamento desviante. O filme A Laranja Mecânica, dirigido por Kubrick, advém do
ameaças de morte ao diretor, e a pedido dele próprio, o filme foi retirado de cartaz na
Inglaterra pela Warner Bros, permanecendo proibida a exibição no Reino Unido de 1973
Alex.43
não consegue cometer os atos a que foi condicionado a não fazer: sente ânsias, vômito,
dores e vertigens. Alex não pode mais praticar atos anti-sociais, ainda que tenha o desejo
de cometê-los.44
42
O livro A Laranja Mecânica foi publicado em Nova Iorque por W.W. Norton Inc. no ano de 1962 e
também na Europa. Na América do Norte, ao contrário do que ocorreu na Europa, o livro “perdeu” seu
capítulo final. Kubrick não teve notícias desse capítulo a tempo. A versão que lhe chegou às mãos era a
americana, sem o capítulo 21. Mesmo o filme tendo sido realizado na Inglaterra, só veio a descobrir o
“capítulo fantasma” após o término do trabalho cinematográfico. Nada muito relevante para Kubrick que se
disse satisfeito com o final da versão americana e que não a mudaria. No capítulo final (capítulo 21 - ou
capítulo 7 da parte III), Alex aparece com mais idade, renuncia seus modos violentos, casa-se e tem filhos.
Torna-se, assim, um “indivíduo respeitável e produtivo” à sociedade. Cf. BELO, Warley Rodrigues. “A
laranja mecânica” – comentários criminológicos sobre a violência juvenil. Disponível na internet:
www.direitocriminal.com.br [09.06.2001]
43
Mantemo-nos infensos, aqui, à discussão sobre eventuais aspectos funcionais da violência e da
criminalidade para a sociedade (macro-social), concebidos inicialmente por Emile Durkheim
(DURKHEIM, Emile. As regras do método sociológico. 6a. ed. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1972, p.
58) e desenvolvidos por pensadores como Maffesoli (MAFFESOLI, Michel. Dinâmica da Violência. São
Paulo: Vértice, 1987, p. 55), Zaffaroni e Pierangelli (ZAFFARONI, Eugênio Raúl e PIERANGELI, José
Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro – Parte Geral. São Paulo: RT, 1997, p. 312), numa crítica
coincidente com a moderna crítica da Criminologia ao Direito Penal positivo (V., ainda, a respeito,
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal – introdução à sociologia do
direito penal. 2a ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999).
44
Alex foi incluído em um novo modelo de “reinserção social” porque cometera atos de ultra-violência: o
“Ministro da Justiça”, em revista ao pátio onde Alex estava preso, julgou-o petulante, violento e anti-social,
portanto apto à nova versão de tratamento. Aí está o aspecto utilitário, social, planificado da violência
individual de Alex. O próprio “Ministro da Justiça” vai ao encontro de Alex para saber de seu pronto
restabelecimento de saúde no hospital depois que ele se joga pela janela. O Ministro (leia-se poder
dominante) interessado na recuperação do delinqüente, em especial daquele delinqüente, que havia
rompido com o velho tratamento de recuperação e iniciado um novo tratamentoWarley Belo vê aí um ciclo
de violência: Alex contra a sociedade e a sociedade contra Alex, defendendo o acerto de sua afirmação de
que a violência é funcional: identificação dos valores da sociedade contra os atos de Alex e uma renovação
No plano real, “longe” da ficção, o primeiro trabalho de modificação do
comportamento com delinqüentes adultos, numa “prisão de segurança máxima”, foi feito
fichas, eram gastos com TV, sinuca, cigarros, cinema etc. Após a experiência da
pedófilos eram projetadas, numa tela, fotos de crianças nuas tiradas de revistas
parte interior das coxas. O choque, apesar de baixa intensidade, liquidaria as fantasias
contracondicionamento aversivo.46
(ou inovação) no mecanismo de “domesticação do criminoso”. W. Belo, Sem se prender, como nós, à
análise do método, expõe que uma das conseqüências apontadas dos atos de “ultra-violence” praticados por
Alex redundaram em uma renovação. “O sistema de recuperação de delinqüentes se modificou por
decorrência de Alex”. A violência, no dizer de Belo, é ambígua: cria e destrói. O “tratamento” de
“domesticação” é a finalização de um longo ciclo. Para o autor, no behaviorismo, tal como interpretado no
filme, há “uma certa ingenuidade na crendice de ser, o homem, condicionável tal como os animais”. BELO,
Warley Rodrigues. op. cit.
45
Embora o programa funcionasse, de modo geral, problemas administrativos, como distorções e abusos
cometidos por agentes penitenciários, ocasionaram seu fim. Cf. GEISER, Robert L. op. cit. p. 64
46
Cuida-se de contracondicionamento porque sua finalidade é condicionar uma resposta negativa
(aversiva) a um estímulo que, por condicionamento anterior, provocava uma resposta (ou abordagem)
positiva. Quando a foto de criança é substituída pela de uma mulher, o choque cessa. Essa técnica de
modificação de comportamento é mais próxima do modelo clássico de condicionamento proposto por Ivan
Pavlov do que do reforço negativo de Skinner, haja vista que o choque não cessa em virtude de qualquer
Os precursores do método imaginaram a técnica aplicada em ampla escala.
tema familiar. Para o controle em ampla escala dos detentos, economia de fichas, ou
conforto. Para alcançar o terceiro e último nível, deveria demonstrar capacidade para
a direitos constitucionais.49
ACLU – União das liberdades civis americanas), que vislumbraram nos programas
oficiais uma forma de “controle mental”. Técnicas como a psicocirurgia, terapia aversiva
49
GEISER, Robert L. op. cit. p. 66
50
Embora os programas de modificação comportamental fossem voluntários, sem a adesão ao
“tratamento”, os prisioneiros não receberiam livramento condicional. GEISER, Robert L. op. cit. p. 63
cognitivos”51; mentalistas portanto. O comportamentalismo permanece vivo, mas se
apresenta hodiernamente de uma forma distinta daquela promovida nas décadas que
9. NOTA CONCLUSIVA
Walden Two skinneriano, a partir de uma vida programada socialmente, fez dos
comportamento demonstrou, na prática, que certos presos eram capazes de reagir muito
Patuxent de Maryland, precisaram ser trancafiados por longos períodos, às vezes em celas
negativos.53
51
BRUNER, J. S. apud SCHULTZ, Duane e SCHULTZ, Sydney Ellen. op. cit. p. 288.
52
Para maior aprofundamento do estudo acerca do desafio cognitivo no âmbito do comportamentalismo,
remetemos o leitor aos capítulos 9 e 15 da História da Psicologia Moderna, de Duane Schultz e Sydney
Ellen Schultz. op. cit. p. 288-292/400-404.
53
GEISER, Robert L. op. cit. p. 70.
Percebe-se que, na prática, os postulados de Skinner foram deturpados.
Privar alguém de reforços positivos é uma das definições skinnerianas para o castigo.
Reforços negativos são meio de fuga; sair de uma dessas celas poderia até ser visto como
reforço negativo, mas colocar alguém numa delas, sem dúvida, é punição. Os problemas
sistema. Vários dos programas foram utilizados pela Administração como artifícios dos
certo ponto, quando operada devidamente, com voluntários apenas e reforços positivos;
repressiva.54
de crédito – se for essa a palavra justa – pelas práticas vigentes. Jamais recomendei o uso
54
GEISER, Robert L. op. cit. p. 71.
Preocupo-me com o ambiente da prisão e mesmo assim apenas com os seus aspectos
compensadores...”55
nosso sistema penitenciário e juízo de execução penal: qual a extensão dos direitos à
igualdade, privacidade, dignidade, devido processo em relação aos presos? Os presos têm
direitos civis básicos que impedem sejam utilizados como “recompensas” num programa
Até que ponto pode o programa institucional “forçar” um detento a modificar seu
mas estrutural. A visão mecanicista do homem, como uma máquina que interage em
social em que se insere; sua limitação, enfim, para controlar a multiplicidade de fatores
55
Time, 1o de abril de 1974, p. 5, apud GEISER, Robert L. op. cit. p. 77.
externos que atuam sobre o indivíduo numa sociedade aberta, além da desconsideração
pessoas que nele vivem. É bem possível que a revolta e violência, na sociedade e nas
sistema violento. Punição gera frustração, a qual, por sua vez, leva a ataque aos
o povo rebela porque não lhe é prestada a devida assistência, há violência porque é a
forma de se externar algum tipo de inconformismo. Falamos de desejo de viver fora dos
modificação do comportamento.
56
GEISER, Robert L. op. cit. p. 80
57
BELO, Warley Rodrigues. op. cit.
Como quer que se vejam as intenções de Skinner, quer o consideremos
como é o caso da criminologia. A grande questão continua sendo mais deontológica que
como não podemos responsabilizar Einstein pelo lançamento de bombas atômicas contra
vítimas indefesas, não podemos condenar Skinner pelos excessos cometidos pelos
[09.06.2001].
4. SCHULTZ, Duane. História da psicologia moderna. 4a ed. São Paulo: Cultrix, 1990.