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Beata Alexandrina Maria da Costa

VIDA E OBRAS DA BEATA ALEXANDRINA MARIA DA COSTA

AUTOBIOGRAFIA
COLÓQUIOS
SENTIMENTOS DA ALMA

AUTOBIOGRAFIA
APRESENTAÇÃO
Uma vez, num artigo do Boletim de Graças, o Pe. Humberto citou um seu amigo, o Padre salesiano
Eduardo Pavanetti, que dizia:

«Já há muito sabe quanto aprecio a vida e a espiritualidade da Alexandrina: pode, portanto, imaginar
como me é agradável a leitura do último livro que recebi há pouco tempo. Como também me alegrei com
o título «Cristo Jesus na Alexandrina». Tudo o que faz para a Alexandrina, fá-lo par a Igreja: o futuro da
Alexandrina na renovação interior da Igreja há-de ser muito grande e incisivo. A Igreja, depois destas
loucuras materialistas, deve voltar para a «Mística», que é a sua verdadeira vida. E a Alexandrina há-de
dizer uma palavra muito forte e universal.»

Estamos em crer que este alvitre é plenamente justificado, porque a Alexandrina é uma figura
excepcional. Veja-se o retrato que o mesmo Pe. Humberto sobre ela escreveu:

«Ao ser interrogado frequentemente acerca da Alexandrina, eu costumo afirmar:

“Na minha já não breve vida sacerdotal abeirei-me de muita gente, de todas as categorias, mas nunca
encontrei nenhuma (inclusive sacerdotes e religiosos) tão humana e espiritualmente perfeita, sob todos
os aspectos, como a Alexandrina. Nunca!”

Recordando os frequentes contactos que tive com aquela alma de escol, iluminando-os com os
conhecimentos ascéticos que as leituras espirituais da minha vida sacerdotal me fornecem diariamente,
não consigo descobrir nela a mais pequena sombra de imperfeição. Antes pelo contrário, descubro cada
vez melhor a beleza, o requinte e o heroísmo da virtude da Alexandrina. Sinto-me cada vez mais levado a
admirar a maravilhosa acção da graça de Deus naquela alma.

Se eu tivesse de apontar a virtude em que ela mais se distinguiu, não saberia fazê-lo, porque não houve
uma que brilhasse nela mais do que as outras: foi excelente em todas, numa harmonia perfeita. Mesmo
naquelas que exteriormente foram mais provadas: por ex. na obediência à Autoridade eclesiástica e aos
seus directores; na paciência posta tão rudemente aprova quer pela doença, quer pelas pessoas que a
visitavam de maneira importuna; na caridade para com o próximo, sobretudo com os que lhe causavam
gravíssimos desgostos.

A sua personalidade verdadeiramente gigante era escorada por um espírito de humildade muito convicta
e evidente que aflorava dos seus lábios e mais ainda das suas atitudes interiores, como facilmente se
pode deduzir da leitura atenta dos seu diários: por um total desapego da sua vontade, sempre ansiosa
em buscar e cumprir a vontade de Deus à custa da renúncia total dos seus desejos e gostos pessoais.

Era verdadeiramente uma criatura consagrada de uma forma total ao seu Deus, em espírito de imolação,
para reparar as ofensas que lhe são continuamente dirigidas, e para salvar-lhe almas, todas as almas.
Uma tal consagração não se explica sem um grau eminente de amor de Deus: amor insaciável, ardoroso,
avassalador. Não saberia melhor definir esse amor do que aplicando-lhe o adjectivo «seráfico», no
sentido mais completo da palavra.

Não encontro paralelo desse amor a não ser na vida dos grandes amantes de Deus, reconhecidos pela
Autoridade da Igreja.

Mais ainda que os factos, que podiam causar impressão, foram estas virtudes sólidas e excepcionais que
me ligaram à Alexandrina: foi delas que me ocupei e preocupei tomando, no devido tempo, a sua defesa
à custa de muitas amarguras.

Foi igualmente o mesmo motivo que me levou a exigir que ditasse os seus sentimentos de alma, sem os
quais teriam ficado ignoradas as suas riquezas espirituais nos seus aspectos mais íntimos e, portanto,
mais preciosos.

Turim (Itália), 2 de Julho de 1965.

In fide (em fé).

Pe. Humberto M. Pasquale

***

A seu modo, as seguintes palavras de Jesus, do último dia em que a Alexandrina pôde ditar os
Sentimentos da Alma (2/9/55), confirmam quanto disse o P.e. Humberto:

Numa angústia lancinante (eu, Alexandrina) repeti os meus actos de fé:

“Creio, Jesus, creio que foi para mim o vosso nascimento, a vossa morte, o vosso calvário.

Creio, Jesus, creio!”[1]

Os meus abismos são tão negros e profundos que só um Deus podia penetrar neles.

Foi assim que Jesus fez.

Desceu à minha profundeza, trouxe à superfície

e iluminou o meu pobre ser com uns raiozinhos da sua luz:

“Vem cá, minha filha, luz e farol do mundo!


Tu que és treva inigualável, és luz que brilha, farol que tudo ilumina.
A treva é para ti, a luz é para as almas.

Vem cá, luz de quem Eu sou luz, farol de quem Eu sou farol!
Não posso Eu fazer-te brilhar com o Meu brilho?
Não posso Eu fazer que sejas farol como Eu sou farol?”

O Pe. Humberto, ou os seus amigos Salesianos, abriram a Autobiografia da Beata Alexandrina com esta
observação:

A Autobiografia, redigida por ordem do Padre Mariano Pinho, S. J., foi ditada por Alexandrina, aos
poucos, a D. Maria da Conceição Leite Reis Proença, professora de Balasar. Em apêndice, recolhem-se
outros pormenores apontados pelo Padre Humberto Maria Pasquale e Padre Ismael de Matos,
salesianos, em conversa adrede tida com a Alexandrina.

Este livro é assim a primeira obra de fôlego que a autora ditou. E não é uma obra qualquer, é antes o
átrio que dá acesso às restantes. Há nela páginas notáveis, que nos introduzem no âmago das
experiências místicas que a Alexandrina viveu. De facto, ao tempo em que a ditou, estava-se no início
dos anos quarenta, quando ocorreu a consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria, quando o
P.e. Terças fez a sua publicação, quando o Pe. Mariano Pinho teve de abandonar a sua direcção
espiritual, quando, deixando de viver visivelmente o fenómeno da Paixão, já passara a vivê-lo apenas na
intimidade, etc. Numa palavra, ela percorrera já grande parte da sua caminhada mística.

Repare-se que a autora não menciona muitas coisas que com ela se passaram. O exemplo mais
significativo é o de calar o papel que teve na consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria.

Oxalá que os amigos e admiradores da Alexandrina possam, com esta cópia digitalizada e ilustrada
da Autobiografia, tornar ainda mais arraigada a devoção que já lhe dedicam.

José Ferreira

AUTOBIOGRAFIA
Balasar, 20 de Outubro de 1940

Depois de uns momentos de oração, a implorar auxílios do Céu e a luz do Divino Espírito Santo para
poder fazer o que o meu Padre espiritual me determinou, principio a descrever a minha vida, tal qual
como Nosso Senhor ma for recordando, embora com grande sacrifício.

NASCIMENTO E BAPTISMO
― Eu chamo-me Alexandrina Maria da Costa, nasci na freguesia de Balasar, concelho da Póvoa de
Varzim, distrito do Porto, a 30 de Março de 1905 [2], numa quarta-feira de trevas, e fui baptizada a 2 de
Abril do mesmo ano, era então Sábado de Aleluia.

Serviram de padrinhos um tio de nome Joaquim da Costa e uma senhora de Gondifelos, Famalicão, de
nome Alexandrina.

PRIMEIROS ANOS DA MINHA INFÂNCIA

― Encontro em mim, desde a mais tenra idade, tantos, tantos defeitos, tantas, tantas maldades que,
como as de hoje, me fazem tremer. Era meu desejo ver a minha vida, logo desde o princípio, cheia de
encantos e de amor para com Nosso Senhor.

Até aos três anos de idade não me recordo de nada, a não ser de algum carinho que dos meus recebia.
Com os meus três anos recebi o primeiro mimo de Nosso Senhor.
Como era desinquieta e, enquanto minha
mãe descansava um pouco, tendo-me
deitado junto dela, eu não quis dormir e,
levantando-me, subi à parte de cima da
cama para chegar a uma malga que
continha gordura de aplicar no cabelo –
conforme era uso da terra – e, por ter visto
alguém fazê-lo, principiei também a aplicá-
la nos meus cabelos. Minha mãe deu por
isso, falou-me e eu assustei-me. Com o
susto, deitei a malga ao chão, caí em cima
dela e feri-me muito no rosto. Foi preciso
recorrer imediatamente ao médico que,
vendo o meu estado, recusou-se a tratar-
me, julgando-se incapaz. Minha mãe
levou-me a Viatodos, a um farmacêutico de
grande fama, que me tratou, embora com muito custo, porque foi preciso coser a cara por três vezes e
levou bastante tempo a cicatrizar a ferida. O sofrimento foi doloroso. Ah, se desta idade soubesse já
aproveitar-me dele!... Mas não. Depois de um curativo, fiquei muito zangada com o farmacêutico; este
ofereceu-me alguns biscoitos e vinho, que depois de amolecidos no vinho queria que os comesse. Eu
tinha fome e, às vezes, até chegava a chorar porque não podia mexer os queixos. Não aceitei a oferta e
ainda maltratei o farmacêutico. Ora aqui está a minha primeira maldade.

Pelos quatro anos e meio de idade, punha-me a contemplar o céu (abóbada celeste) e perguntava aos
meus se poderia chegar-lhe se pudesse colocar umas sobre as outras todas as árvores, casas, linhas dos
carrinhos, cordas, etc., etc. Como me dissessem que nem assim chegaria, ficava descontente e saudosa,
porque não sei o que me atraía para lá.

Lembro-me de que, nesta idade, tinha em casa uma tia doente, que morreu de cancro, e chamava-me
para ir embalar um filho, primeiro fruto do seu matrimónio, serviço que fazia com toda a prontidão,
quer de dia quer de noite.

Já nesta idade amava muito a oração, pois lembra-me que minha tia pedia-me para rezar com ela a fim
de obter a sua cura.

DESENVOLVIMENTO DA MINHA INSTRUÇÃO RELIGIOSA.


FREQUÊNCIA DA CATEQUESE
― Comecei a frequentar a catequese e a dar mostras de um grande defeito, a teimosice. Um dia fui à
doutrina à igreja e o coadjutor do Senhor Abade, P.e. António Matias, indicou-me o lugar que devia
tomar entre as meninas da minha idade, mas, como ia acompanhada de outras mais velhas, quis tornar
lugar delas. Por mais carinhos que o Reverendo me fizesse e me mostrasse santinhos, eu não fui capaz de
ceder à sua ordem. Dias depois, Sua Reverência convenceu-me e ficou sendo muito meu amigo e até me
abrigava da chuva debaixo do seu viatório, de casa à igreja e desta a casa. Lembro-me que era muito
teimosa.

Quando me encontrava na igreja, punha-me a contemplar os santos, e os que mais encantavam eram as
imagens de Nossa Senhora do Rosário e S. José, porque tinham uns vestidos muito bonitos e eu desejava
ter uns iguais aos deles. Não sei se seria já princípio da manifestação da minha vaidade. Queria ter uns
vestidos assim, porque perecia-me que ficava mais bonita com eles.

E, se nesta idade manifestava os meus defeitos, também mostrava o meu amor para com a Mãe do Céu, e
lembra-me com que entusiasmo cantava os versinhos a Nossa Senhora e até me recordo do primeiro
cântico que entoei na igreja, que foi «Virgem pura, tua ternura, etc.»
Gostava muito de levar flores às zeladoras que compunham o altar da Mãezinha.

VIVEZA DE CARÁCTER

― Era viva e tão viva que até me chamavam Maria-Rapaz. Dominava as companheiras da minha idade e
até as mais velhas do que eu. Trepava às árvores, aos muros e até preferia estes para caminhar em vez
das estradas.

Gostava muito de trabalhar: arrumava a casa, acarretava a lenha e fazia outros serviços caseiros. Tinha
gosto que o trabalho fosse bem feito e gostava de andar asseadinha. Também lavava roupa e, quando
mais não tinha, era o meu aventalinho que trazia à cinta. Quando não sabiam de mim, era quase certo
encontrarem-me a lavar num ribeiro que corria perto de casa.

Um dia, fui com a minha irmã e uma prima apascentar o gado, entre ele uma égua. A certa altura, a égua
fugia para o lado do campo que estava cultivado e, como a fosse tornar, ela atirou-me ao chão, dando-me
com a cabeça, e depois colocou-se sobre mim; de vez em quando raspava-me o peito com uma pata sobre
o meu coração, como quem brinca. Levantava-se, relinchava e voltava a fazer o mesmo. Fez assim
algumas vezes, mas não me magoou.

As minhas companheiras gritaram e acudiram várias pessoas que ficaram admiradas de eu sair ilesa da
brincadeira do animal.

Quando me encontrava com umas primas que moravam distantes, cantava com elas pelos caminhos a
Ave-Maria. Também gostava de cantar cantigas do campo e até me lembro do lugar em que cantei a
primeira quadra e da letra da mesma. Era assim:

Ó Maria, dá-me lume,


Que eu bem o vejo luzir.
Bota o teu amor cá fora,
Que eu bem o vi p’ra lá ir.

Uma vez fui visitar a minha madrinha e tive de atravessar o rio Este, que levava grande corrente,
chegando a abalar umas pedras que serviam de passadiço; e, sem reparar no perigo a que me expus,
atravessei a corrente por essas pedras e a água ia-me levando. Foi milagrosamente que escapei à morte,
bem como minha irmã que me acompanhava. Gostava muito de a (a madrinha) visitar, porque ela dava-
me bastante dinheiro. Pouco depois, morria ela, e foi o meu primeiro desgosto. Tinha pena dela, do folar
e da roupa dos sete anos que me tinha prometido. Minha avozinha soube amenizar esse desgosto,
dando-me o folar todos os anos.

Tinha eu 6 anos quando, de noite, me entretinha, por muito tempo, a ver cair sobre mim inúmeras
pétalas de flores de todas as cores, parecendo chuva miudinha. Isto repetiu-se várias vezes. Eu via cair
estas pétalas, mas não compreendia; talvez fosse Jesus a convidar-me à contemplação das suas
grandezas.

IDA PARA A PÓVOA A FIM DE FREQUENTAR A ESCOLA

― Em Janeiro de 1911, fui com a minha irmã Deolinda para a Póvoa de Varzim, para frequentarmos a
escola. Não quero pensar quanto sofri com a separação da minha família. Chorei muito e durante muito
tempo. Distraíam-me, acariciavam-me, faziam-me todas as vontades e, depois de algum tempo, resignei-
me.

Continuei a ser muito traquinas: agarrava-me aos americanos e deixava-me ir um pouco e depois
atirava-me ao chão e caía; atravessava a rua quando eles iam a passar, sendo preciso o condutor deles
acusar-me à patroa. Muitas vezes fugia de casa e ia apanhar sargaço para a praia, metendo-me no mar,
como fazem as pescadeiras; trazia-o para casa e dava-o à patroa, que o vendia depois aos lavradores.
Com isto afligia a patroa, pois fazia isto às escondidas, embora rapidamente.

PRIMEIRA VISTA DE JESUS À MINHA ALMA


― Foi na Póvoa de Varzim que fiz a minha Primeira Comunhão, com sete anos de
idade. Foi o Senhor Pe. Álvaro Matos quem me perguntou a doutrina, me confessou e
me deu pela vez primeira a Sagrada Comunhão. Como prémio, recebi um lindo lenço
e uma estampazinha. Quando comunguei, estava de joelhos, apesar de pequenina, e
fitei a Sagrada Hóstia que ia receber de tal maneira que me ficou tão gravada na alma,
parecendo-me unir a Jesus para nunca mais me separar d’Ele. Parece que me
prendeu o coração. A alegria que eu sentia era inexplicável. A todos dava a boa nova.
A encarregada da minha educação levava-me a comungar diariamente.

RECEBI O SANTO CRISMA

― Foi em Vila do Conde onde recebi o Sacramento da Confirmação, ministrado pelo Ex.mo e Rev.mo
Senhor Bispo do Porto.

Lembro-me muito bem desta cerimónia e recebi-a com toda a consolação. No momento em que fui
crismada, não sei o que senti em mim; pareceu-me ser uma graça sobrenatural que me transformou e
me uniu cada vez mais a Nosso Senhor. Sobre isto, queria exprimir-me melhor, mas não sei.

AMOR À ORAÇÃO

― À medida que ia crescendo, ia aumentando em mim o desejo da oração. Tudo queria aprender. Ainda
conservo as devoções que aprendi na minha infância, como: Lembrai-vos, ó puríssima Virgem Maria, Ó
Senhora minha, ó minha Mãe, o oferecimento das obras do dia – Ofereço-Vos, ó meu Deus –, a oração
ao Anjo da Guarda, oração a S. José e várias jaculatórias.

Quando ia a passeio com a patroa para o campo, acompanhada com outras meninas, fugia do convívio
delas e ia colher flores que desfolhava para fazer tapetes na igreja de Nossa Senhora das Dores. Era em
Maio e toda me comprazia de ver o altar da Mãezinha adornado de rosas e cravos e de respirar o
perfume dessas flores. Algumas vezes, oferecia à Mãezinha muitas flores que minha mãe
propositadamente me levava.

O capelão de Nossa Senhora das Dores organizou várias comissões de meninas para angariar meios para
o culto da mesma capela. Essas comissões espalhavam-se pelas freguesias vizinhas da Póvoa de Varzim.
Eu fui para a Aguçadoura e aceitávamos tudo o que nos dessem, como batatas, cebolas, etc. Por mais que
pedíssemos, pouco arranjámos e tivemos a má ideia de saltar a um campo e tirámos batatas, cerca de
dois quilogramas. Fui eu uma das que fiz tal acção, enquanto outras vigiavam. Entregámos as ofertas,
não contando nada do que se tinha passado.

DEDICAÇÃO PELA ENCARREGADA DA MINHA EDUCAÇÃO


― Lembro-me de ir acompanhar a minha patroa a Laundos cumprir uma promessa a Nossa Senhora da
Saúde. Connosco foi uma filha dela e a minha irmã. Esta ajudava-a pegando-lhe na mão, porque ia de
joelhos, e eu ia à frente dela e arrumava-lhe todas as pedrinhas que encontrava no caminho. A filha, que
era mais velha do que nós, foi para a brincadeira.

Era muito dedicada à mulherzinha e, quando me davam qualquer coisa, como frutas, doces, etc.,
repartia com ela, que ficava toda satisfeita. Eu procedia assim porque o meu coração assim o queria,
apesar de ser muito má.

Uma ocasião, a minha irmã pediu-lhe licença para ir estudar à casa de uma colega que morava perto de
nós, e eu também queria ir. Como ela não me deixasse, chorei e por fim chamei-lhe «poveira»; estava
zangada. Não me castigou, mas disse-me que não podia confessar-me sem lhe pedir perdão. Minha irmã
disse-me o mesmo. Isto fez-me muita repugnância e, como quisesse confessar-me e comungar, venci o
orgulho. Pus-me de joelhos e, de mãos erguidas, pedi-lhe perdão. Ela comoveu-se até às lágrimas e
perdoou-me. Senti uma grande alegria por já poder no dia seguinte confessar-me e receber Jesus.

PERSEGUIÇÃO DOS GUARDAS-REPUBLICANOS

― Depois de umas férias, ia para a Póvoa, eu e a minha irmã; tínhamos quem nos acompanhasse, mas só
depois de atravessarmos a freguesia. Íamos pelo caminho-de-ferro e avistámos ao longe dois guardas-
republicanos. Tivemos medo deles e refugiámo-nos na volta de um caminho. Como minha irmã levasse
um cestinho com linho, eles imaginaram que ela levava fósforos (espera-galegos) – proibidos naquele
tempo – e perseguiram-nos. Nós fugimos e gritámos muito. Aos nossos gritos acudiram várias pessoas.
Já estavam para fazer fogo quando compreenderam que não éramos portadoras de tal contrabando.
Felizmente desta vez escapámos à morte.

Ainda na Póvoa de Varzim, lembro-me que tinha muito respeito pelos sacerdotes. Quando estava
sentada à porta da rua, só ou com a minha irmã e primas, levantava-me sempre à sua passagem, e eles
correspondiam tirando o chapéu, se era de longe, ou dando-me a bênção se passavam junto de mim.
Observei algumas vezes que várias pessoas reparavam nisto e eu gostava e até chegava a sentar-me
propositadamente para ter ocasião de me levantar no momento em que passavam por mim, só para ter o
gosto de mostrar a minha dedicação e respeito pelos ministros do Senhor.

REGRESSO À TERRA NATAL

― Passados dezoito meses, como minha irmã fizesse exame, viemos embora. Minha mãe queria que eu
continuasse, mas sozinha não quis ficar; fiquei a saber pouco. Voltámos ao lugar onde nascemos e aí
estivemos quatro meses; depois fomos morar para perto da igreja, numa casa da minha mãe.

Uma vez minha mãe deu-me uns soquinhos. Eu


fiquei tão contente com eles, porque eram lindos!...
Para ver a figura que fazia com eles, preparei-me
como se fosse à Missa, calcei-os e depois ajoelhei-me,
pondo-os à minha frente, fingindo que estava na
igreja. Como era vaidosa!

Era muito amiga da minha irmã, mas, quando me


zangava com ela, atirava-lhe com o que tivesse à
mão. Lembro-me de fazer isso pelo menos duas
vezes. Quero que o meu génio não fique encoberto.
Também gostava de lhe fazer partidinhas e, quando
me levantava primeiro do que ela, punha-lhe à porta
do quarto paus a impedir-lhe a passagem para ela
cair, quando por ali passasse. Era mesmo como quem lhe chamava preguiçosa. Fazia várias partidas
deste género. Também as tinha de mau gosto, pois uma vez levantei a tampa de uma caixa e deixei-a cair
com força, começando a gritar, fingindo assim que me magoei. Minha irmã acudiu logo e afligia-a
bastante. Ficava muito pesarosa por a ter ofendido. Não guardava ódio nenhum, antes queria acariciar
as pessoas que ofendia. Apesar de tudo isto e de subir às árvores – pois trepava muito bem – nunca fiz
mal às avezinhas. Não era capaz de tirar os ninhos, nem de brincar com os passarinhos. Sofria muito
quando via ninhos desfeitos ou quando ouvia o piar triste e dolorido dos pais pelos filhinhos. Cheguei a
chorar com pena das avezinhas que ficavam sem os sus filhinhos ou destes que perdiam os seus pais.

Nas reuniões de família, não sei o que dizia, mas dispunha bem as pessoas que me rodeavam, que se
riam a bom rir. Minha mãe dizia: «Os fidalgos têm um bobo para os fazer rir e eu não sou fidalga, mas
também tenho quem me esteja a fazer festa».
AS MINHAS PRIMEIRAS CONTEMPLAÇÕES
― Pelos nove anos, quando me levantava cedo para ir trabalhar nos campos e quando me encontrava
sozinha, punha-me a contemplar a natureza. O romper da aurora, o nascer do sol, o gorjeio das
avezinhas, o murmúrio das águas entravam em mim numa contemplação profunda que quase me
esquecia de que vivia no mundo. Chegava a deter os passos e ficava embebida neste pensamento, o
poder de Deus! E, quando me encontrava à beira-mar, oh, como me perdia diante daquele grandeza
infinita! À noite, ao contemplar o céu e as estrelas, parecia esconder-me mais ainda para admirar as
belezas do Criador! Quantas vezes no meu jardinzinho, onde hoje é o meu quarto, fitava o céu, escutando
o murmúrio das águas e ia contemplando cada vez mais este abismo das grandezas divinas! Tenho pena
de não saber aproveitar tudo para começar nesta idade as minhas meditações.

OS MEUS ESCRÚPULOS

― Lembro-me de dizer duas palavras que tomei por pecados, sendo uma delas «diabo». Fiquei muito
envergonhada e custou-me muito a confessar-me delas. Não gostava de ouvir conversas maliciosas e,
embora não compreendendo o sentido delas, chegava a dizer que me retirava se não falassem doutra
forma. Também me indignava toda quando presenciava cenas indecentes entre pessoas adultas. Tinha
medo de perder a minha inocência e receio que Nosso Senhor desse algum castigo.

Foi aos nove anos que fiz pela primeira vez a minha confissão geral e foi com o Sr. P.e. Manuel das
Chagas. Fomos, a Deolinda, eu e a minha prima Olívia, a Gondifelos, onde Sua Reverência se
encontrava, e lá nos confessámos todas três. Levámos merenda e ficámos para arde, à espera do sermão.
Esperámos algumas horas e recorda-me que não saímos da igreja para brincar. Tomámos nosso lugar
junto do altar do Sagrado Coração de Jesus e eu pus os meus soquinhos dentro das grades do altar. A
pregação dessa tarde foi sobre o inferno. Escutei com muita atenção todas as palavras de Sua
Reverência, mas, a certa altura, ele convidou-nos a ir ao inferno em espírito. Para mim mesma disse:
«Ao inferno é que eu não vou! Quando todos se dirigirem para lá, eu vou-me embora!», e tratei de pegar
nos soquinhos. Como não vi ninguém sair, fiquei também, não largando mais os soquinhos.

AMOR AOS POBREZINHOS, DOENTINHOS E VELHINHOS

― Era muito amiga dos velhinhos, pobrezinhos e enfermos e, quando sabia que alguém não tinha
roupinha para se vestir, pedia-a a minha mãe e ia levar-lha, ficando por vezes a fazer-lhe companhia.
Assisti à morte de alguns, rezando o que sabia e, por fim, ajudava a vestir os defuntos, o que me custava
imenso; fazia-o por caridade: não tinha coração para deixar sozinha a família dos mortos e, por serem
pobrezinhos, fazia-o com muito gosto.

Dava esmola aos pobres e sentia grande alegria em fazer obras de caridade. Algumas vezes chorava com
pena deles e por lhes não poder valer em todas as suas necessidades. A minha maior satisfação era dar-
lhes daquilo que tinha para comer, privando-me assim do meu alimento. Quantas vezes fiz isto!... Apesar
de muito criança ainda, dei muitas vezes conselhos a pessoas de bastante idade, evitando até que
praticassem crimes horrendos, e de tudo guardava absoluto silêncio. Vinham ter comigo e faziam-me
conversas que não eram próprias da minha idade, e eu confortava-as e dizia-lhes o que entendia.
Presenciei e soube de viários casos que por caridade não contei.

Quanto hoje estou agradecida a Nosso Senhor por ter procedido assim: era a Sua graça e não a minha
virtude!

AMOR À ORAÇÃO

― Gostava muito de ir à igreja e chegava-me para junto da minha catequista [3] e rezava quanto ela
queria. Não deixava dia nenhum de rezar a estação ao Santíssimo Sacramento, meditada, quer fosse na
igreja quer em casa, até pelos caminhos, fazendo sempre a comunhão espiritual assim:
«Ó meu Jesus, vinde ao meu pobre coração! Ah, Eu desejo-Vos, não tardeis! Vinde enriquecer-me das
Vossas graças; aumentai-me o Vosso santo e divino amor. Uni-me a Vós! Escondei-me no Vosso Sagrado
Lado! Não quero outro bem senão a Vós! Só a Vós amo, só a Vós quero, só por Vós suspiro! Dou-vos
graças, Eterno Pai, por me haverdes deixado a Jesus no Santíssimo Sacramento. Dou-Vos graças, meu
Jesus, e por último peço-Vos a Vossa santa bênção! Seja louvado em cada momento o Santíssimo e
Diviníssimo Sacramento da Eucaristia!»

Também dizia várias jaculatórias, como «Bendito e louvado seja…» e «Graças e louvores se dêem…»

Gostava muito de fazer meditações ao Santíssimo Sacramento e à Mãezinha e, quando não podia fazê-las
de dia, fazias de noite, às escondidas de todos, reservando uma vela, que escondida, para esse fim. Vidas
de santos ou meditações muito profundas não me satisfaziam, porque via que em nada ma assemelhava
aos santos e, em vez de me sentir bem, faziam-me mal.

GRAVE DOENÇA
― Aos doze anos, tive uma doença muito grave, chegando a receber os últimos sacramentos. Preparei-
me para morrer, e lembro-me que estava bem disposta para a morte. Um dia em que a febre estava
muito alta, delirei, mas lembro-me que pedi à minha mãe que me desse Jesus; ela deu-me um crucifixo e
eu disse-lhe: «Não é esse que eu quero. Eu quero o Senhor do sacrário.»

PERÍODO MAIS DOLOROSO DA MINHA VIDA DE TRABALHO

― Dos doze aos catorze a os vivi com regular saúde. Minha mãe pôs-me a servir em casa de um vizinho,
mas, ao ajustar-me, tirou certas condições, como: confessar-me todos os meses, passar as tardes dos
domingos em casa, para ir à igreja e estar sob o domínio dela, não andar de noite, etc. A combinação foi
de cinco anos, mas não estive até ao fim. O patrão era um perfeito carrasco; chamava-me nomes,
obrigava-me a trabalhar mais do que as forças que tinha. Tinha mau génio e pouca paciência – até os
animais o conheciam, porque batia-lhes e assustava-os, sendo quase impossível chamar o gado, quando
ele ia junto do gado. Envergonhava-me sem causa, fosse diante de quem fosse, e eu sentia-me
humilhada. Apesar de estar no princípio da minha mocidade, não sentia alegria com aquele triste viver.
Um dia fui à azenha levar a fornada, mas era já noitinha quando lá cheguei e, portanto, muito tarde
quando regressei a casa, pois gastava no caminho uma hora. Depois que cheguei a casa, ralhou-me
muito, insultou-me e até me chamou ladra. O pai dele, homem velhinho, revoltou-se contra ele,
defendeu-me, dizendo que eu não tinha tido tempo para mais. Todos os dias vinha ficar à casa, e naquele
dia, como estava melindrada – porque a minha consciência não me acusava a mais pequena falta –
queixei-me a minha mãe que, depois de se informar do caso, não me deixou voltar, apesar de pedir
muito para que continuasse a trabalhar lá. Minha mãe, vendo que ele não cumpria o contracto, tirou-me
de servir.

Uma vez estive das dez horas da noite às quatro da manhã na Póvoa de Varzim a tomar conta de quatro
juntas de bois, porque o patrão e um seu amigo ausentaram-se de mim; e eu, cheia de medo, lá passei
aquelas horas tristíssimas da noite. Enquanto vigiava o gado, ia contemplando as estrelas que brilhavam
muito e serviam de minhas companheiras.

Foi aos doze anos que me deram o cargo de catequista e cantora; trabalhava com muito gosto, tanto num
cargo como noutro, mas pelo canto posso dizer que tinha uma paixão louca.

Quando comungava e me encontrava no meio das minhas companheiras a dar graças, sentia uma
humilhação tão grande que julgava a mais indigna de receber Jesus-Hóstia!...

UM SONHO

― Uma noite, ia da cozinha para a sala com ma candeia acesa e ela apagou-se. Tratei de a acender,
voltando à cozinha, mas ela apagou-se por várias vezes, tendo de andar abaixo e acima. Não me recordo
que fosse vento que a pudesse apagar. Da última vez em que tentei acendê-la, caí, entornei o petróleo,
que me saltou para a boca. Julgando que era o mafarrico, disse: «Podes ir embora, que hoje não arranjas
nada». Fui deitar-me muito sossegada, adormeci e tive um sonho que se gravou na minha alma para
nunca mais me esquecer. Foi assim:

Subi ao Paraíso por umas escadinhas tão estreitinhas que mal me cabiam as pontas dos pés. Foi com
muita dificuldade e com muito tempo que lá cheguei, porque não tinha nada onde me amarrar. Pelo
caminho, via algumas almas que ficavam ao lado das escadas, dando-me conforto sem me falarem. Lá
em cima, vi ao centro, num trono, Nosso Senhor, e, ao lado d’Ele, a Mãezinha. Todo o céu estava cheio
de bem-aventurados. Depois de contemplar tudo isto, tive que vir à terra, o que eu não queria. Desci com
muita dificuldade e encontrei-me na terra, e tudo tinha desaparecido. Depois, acordei.

UMA TARDE DE RECREIO


― Uma vela tarde, fui passear com as minhas primas para um monte próximo de casa, onde andavam
algumas jumentinhas a pastar. Atirei-me para cima duma delas; como não sabia montar, fui cair, pouco
depois, entre o mato; mas não me feri nos picos dele. Ri-me a bom rir com as minhas companheiras.

Quando recordo estas brincadeiras, tenho pena de as ter feito; antes queria só ter amado Jesus.

UM SALTO
― Até aos catorze anos, trabalhei nos campos e com tal cuidado que me pagavam
o jornal como a minha mãe. Uma vez, andava a apanhar hera numa carvalheira para
dar ao gado e caí dela abaixo, ficado algum tempo sem me poder mexer e sem
respirar, levantando-me pouco depois para continuar o meu serviço.

Uma ocasião, estando eu, minha irmã e uma pequena mais velha que nós a
trabalhar na costura, avistámos três homens: o que tinha sido meu patrão, outro
casado e um terceiro solteiro. Minha irmã, percebendo alguma coisa e vendo-os
seguir o nosso caminho, mandou-me fechar a porta da sala. Instantes depois,
sentimos que eles subiam as escadas que davam para a sala e bateram à porta.
Falou-lhes minha irmã. O que tinha sido meu patrão mandou abrir a porta, mas,
como não tivessem lá obra, não lhes abrimos a porta. O meu antigo patrão conhecia
bem a casa e subiu por umas escadas pelo interior da habitação e os outros ficaram
à porta onde tinham batido. Ele, não podendo entrar pelo interior por um alçapão
que estava fechado e resguardado por uma máquina de costura, pegou num maço e
deu fortes pancadas nas tábuas até rebentar o alçapão, tentando passar por aí. Minha irmã, ao ver isto,
abriu a porta da sala para fugir, mas essa ficou presa, e eu, ao ver tudo isto, saltei pela janela que estava
aberta e que deitava para o quintal. Sofri um grande abalo porque a janela distava do chão quatro
metros. Quis levantar-me logo, mas não pude, porque me deu uma forte dor na barriga. Com o salto
caiu-me o anel que usava, sem dar por ela. Cheia de coragem, peguei num pau e entrei pela porta do
quintal para o eirado onde estava a minha irmã a discutir com os dois casados. A outra pequena estava
na sala com o solteiro. Eu aproximei-me deles e chamei-lhes «cães» e disse que o deixavam vir a
pequena ou então gritava contra eles. Aceitaram a proposta e deixaram-na ir.

Foi nesta altura que dei pela falta do anel e disse-lhes de novo: «Seus cães, por vossa causa perdi o meu
anel». Um deles, que trazia os dedos cheios de anéis, disse-me: «Escolhe daqui um.» Mas eu, toda
zangada, respondi: «Não quero.» Não lhes demos mais confiança; eles retiraram-se e nós continuámos a
trabalhar. De tudo isto não contámos a ninguém, mas minha mãe veio a saber tudo. Pouco depois,
comecei a sofrer mais e toda a gente dizia que foi do salto que dei. Os médicos também afirmaram que
muito concorrera para a minha doença.

SOFRIMENTOS FÍSICOS E MORAIS


― Aos catorze anos e quatro meses, deixei o trabalho para sempre, embora há meses trabalhasse com
muito custo. Principiei a consultar médicos, coisa que me custava imenso. Eles tratavam-me de várias
doenças; a princípio tudo corria bem e todos tinham pena de mim e eu só sentia o desgosto dos meus
males. Isto durou bem pouco tempo. As minhas maiores amigas, pessoas da família e o próprio pároco
revoltaram-se contra mim. Chegaram a fazer caçoada de mim, do meu modo de andar, da posição que
tinha na igreja…, mas eu não podia estar doutra forma.

O Sr. Abade dizia-me que eu não comia porque não queria e se morresse que ia para o inferno. Quando
me ia confessar dizia-me também que o meu maior pecado era não comer. Estas palavras fizeram-me
sofrer muito sozinha; com Nosso Senhor é que eu desabafava.

Quando ia de casa para a igreja e desta para casa, olhava os montes em volta e pensava fugir e refugiar-
me onde mais ninguém me visse, mas Nosso Senhor nunca me deixou fazer isto. Chorei tanto, tanto ao
ver-me na situação em que me encontrava… não me recordo bem do tempo que durou este sofrimento,
mas sei que não chegou a um ano.

Como piorasse cada vez mais e ao verem o mau estado, foi o próprio Sr. Abade quem aconselhou minha
mãe a levar-me a um médico conhecido dele. Foi esse que me veio tirar do martírio em que vivia,
dizendo aos que lhe perguntavam que não comia porque não podia. Apesar de estar longe de
compreender todos os meus sofrimentos, era muito meu amigo.

DORES SEM ALÍVIO, DOZE ANOS DE PREOCUPAÇÃO CONTÍNUA

― Nosso Senhor aliviou-me de um, mas deu-me outro sofrimento maior ainda [4]. Só dele teve
conhecimento Jesus e, alguns anos mais tarde, o meu Pai espiritual.

Passaram-se seis anos de doença, um pouco a pé, outro pouco na cama. Durante este período cheguei a
estar cinco meses sem me levantar, continuando no mesmo sofrimento moral por espaço de doze anos
sem nunca, nunca dizer nada a ninguém. Quando me encontrava sozinha e presa no meu leito, voltava-
me para o quadro da entronização do Sagrado Coração de Jesus, pedia-lhe que me libertasse de tal
sofrimento, que me desse luz para conhecer o que havia de fazer, enquanto ia chorando muitas lágrimas.

Não deixei de pedir muito à Mãezinha para que intercedesse por mim nas mesmas intenções.

TRATAMENTO A SÉRIO DA MINHA DOENÇA,


VÁRIAS PRETENSÕES DE CASAMENTO
― Com os meus dezasseis anos, pouco mais ou menos, fui continuar o meu tratamento para a Póvoa de
Varzim.

Numa manhã, quando me dirigia para a igreja, percebi que alguém apressadamente se aproximava de
mim. Era um militar que se dirigia a mim a pedir-me namoro. Recusei imediatamente, mas como ele
insistisse e não deixasse de me acompanhar, disse-lhe que se retirasse, que ia para a igreja. Pediu-me
licença para estar comigo quando voltasse da igreja. Prometi-lhe que estaria, só para me livrar dele, com
a ideia de trocar o caminho. Ao voltar, pus-me a ver se o via e, como nada enxergasse, vim pela mesma
rua. A certa altura surgiu-me ele, não sei de onde, e disse-me: «Ó menina, você que me prometeu?», e
tratava de me acompanhar a casa. Parei e falei-lhe, dizendo que era doente e que minha mãe não
consentia que eu namorasse. Custou-me muito a convencê-lo. De repente, apareceu a minha irmã e
ralhou-me, pensando que eu estava a namorar. Não voltei mais por aquele caminho, com receio de me
encontrar com ele. Com isto, tudo terminou. Várias vezes me vi apoquentada por rapazes a pedirem-me
namoro, mas nunca aceitei. Cheguei a dizer a um que me falava em casamento: «Não deixo a minha
família por causa de um homem.»

Sendo do conhecimento do Senhor Abade que um outro me pretendia, Sua Reverência falou-me assim:
«Se queres o rapaz, isso é tudo comigo.» Eu respondi-lhe: «Eu estou boa para casar!», pois já me sentia
bastante doente e, além disso, não tinha inclinação nenhuma para o casamento.

Às vezes pensava, se um dia fosse casada, como educaria os filhinhos para serem todos de Nosso Senhor.

VIGILÂNCIA DA QUERIDA MÃEZINHA

― Com os meus dezoito anos, vi-me num perigo muito grande, inesperadamente. Lembro-me que levava
o meu tercinho na mão e que apertei uma medalha da Nossa Senhora das Graças e, de repente, livrei-me
do perigo. Foi sem dúvida a Mãezinha do Céu a velar-me. Oh, como lhe estou agradecida!...

DESEJOS DE SER CURADA,


CONFORMIDADE COM A VONTADE DE DEUS

― Aos dezanove anos acamei e, desta vez, não tive, como da outra, quem me dissesse: «Deixa passar
algum tempo, que ainda virás a levantar-te.» Nesta altura, o médico do Porto, Sr. Dr. João de Almeida,
informou minha mãe de que temia que eu entrevasse.

A partir desta ocasião, comecei a ter por enfermeira minha irmã, porque minha mãe ocupava-se em
serviços do campo e minha irmã costurava. Tive momentos de desânimo, mas nunca de desespero. Nada
no mundo me prendia, só tinha saudades do meu jardinzinho, porque amava muito as flores. Algumas
vezes fui vê-lo, matar essas saudades, ao colo da minha irmã. Tinha muitas saudades de Jesus, da nossa
igreja e, quando havia festas do Sagrado Coração de Jesus ou Missas cantadas, eu chorava amargamente.
Como era cantora, entristecia-me muito por ver a minha irmã, que também cantava, e eu ficar. Quantas
vezes ela me dizia: «Se lá pudesses estar deitadinha, eu levava-te ao colo!» Chorava ela por ir e eu ficar e
chorava eu por a ver a sair e não poder acompanhá-la, mas conformava-me sempre com a vontade de
Nosso Senhor. A pouco e pouco, fui-me habituando à cama e fui perdendo todas as saudades.

Nos primeiros anos, fazia por me distrair e até pedia que jogassem às cartas comigo, outras vezes jogava
eu sozinha. Tenho pena de não ter pensado desde o princípio como penso agora, de viver só unida ao
meu Jesus.

Cheguei a fazer algumas promessas para ser curada, como: cortar rente o meu cabelo (que era para mim
grande sacrifício), dar todo o meu ouro e vestir-me de luto toda a minha vida, ir de joelhos desde a
minha casa até à igreja. Minha mãe, irmã e primas fizeram também grandes promessas. Por fim,
compreendi que a vontade de Nosso Senhor era que estivesse doente. Deixei de pedir a minha cura. No
decorrer dos anos, estive várias vezes às portas da morte; preparava-me com os últimos Sacramentos e
esperava a hora da morte resignada. Na medicina, não tinha outro alívio senão um bocadinho de
morfina que me injectavam.

A DEVOÇÃO À MÃEZINHA, PREDILECÇÃO PELO MÊS DE MARIA

― Todos os anos, no mês de Maio, fazia o mês da Mãezinha. Gostava muito de o fazer sozinha: meditava,
cantava, rezava e chorava algumas vezes ao mesmo tempo que pedia à Mãe do Céu que me libertasse da
grande tribulação que estava a passar. Cantava o «Tantum ergo» como se estivesse na igreja e fosse
receber a bênção de Nosso Senhor. Como não tinha o Santíssimo Sacramento em casa, nem nenhum
sacerdote que me viesse dar a bênção, pedia a Nosso Senhor que ma desse do Céu e de todos os
sacrários. Oh, que momentos tão felizes!... Sentia cair sobre mim todas as bênçãos e amor de Nosso
Senhor! Nestes momentos, pedia a Jesus para abençoar toda a minha família e todas aqueles que me
eram queridos.

Como não tinha nenhuma imagem da Mãezinha, nos primeiros anos, vinha uma de casa do Senhor
abade – o Coração de Maria. Durante o mês, tudo estava bem, mas ao terminar sentia grandes saudades
quando tinha de ficar sem a imagem. Principiei a pensar na maneira de arranjar uma que fosse só
minha. Como não tinha dinheiro, várias pessoas ajudaram-me. Uma amiga deu-me uma franguinhas
que minha irmã foi criando até porem ovos, para mais tarde nascerem pintainhos. Assim fui arranjando
a quantia precisa para a imagem, redoma e altarzinho, etc. Não sei descrever a consolação que senti ao
ver que possuía para sempre a imagem da querida Mãezinha e que ficaria a contemplá-la dia e noite.

NOVOS DESEJOS DE SER CURADA.


INTEIRA CONFORMIDADE COM A VONTADE DIVINA
― Como me falassem dos milagres de Fátima e sabendo eu, em 1928, que várias pessoas iam à Cova da
Iria, nasceram em mim desejos de ir também. O médico assistente e o meu pároco não me deixaram,
dizendo que era impossível ir tão longe, se eu mal consentia que me tocassem na cama. O Sr. Abade
dizia-me que pedisse daqui a acura e que, depois, iria a Nossa Senhora de Fátima agradecer tão grande
graça. O médico prometeu passar o atestado se o milagre se desse.

Nesse ano, o Sr. Abade foi a Fátima e perguntou-me o que queria de lá. Pedi-lhe que me trouxesse uma
medalha, mas ele ofereceu-me um terço, uma medalha, o «Manual de Peregrino» e alguma água de
Fátima. Sua Reverência aconselhou-me a fazer uma novena a Nossa Senhora e a beber água de Fátima
com o fim de ser curada. Não fiz uma, mas muitas. Cantava muito e dizia às pessoas vizinhas que me
visitavam: se um dia me vissem pelo caminho e me ouvissem cantar, era eu que ia agradecer a Nossa
Senhora o benefício que recebia. Pensava que seria curada, mas enganei-me; era a minha grande
confiança na Mãezinha e em Jesus que me fazia falar. Pensava: se for curada, vou logo, logo para
religiosa, pois tinha medo de viver no mundo. Nem sequer visitava a minha família. Queria ser
missionária, para baptizar pretinhos e salvar almas a Jesus.

Como não consegui nada, morreram os meus desejos de ser curada e para sempre, sentindo cada vez
mais ânsias de amor ao sofrimento e de só pensar em Jesus.

Um dia em que estava sozinha e, lembrando-me de que Jesus estava no sacrário, disse:

«Meu bom Jesus, Vós preso e eu também. Estamos presos os dois: Vós preso para meu bem e eu presa
das Vossas mãos. Sois Rei e Senhor de tudo e eu um verme da terra. Deixei-Vos ao abandono, só
pensando neste mundo, que é das almas a perdição. Agora, arrependida de todo o coração, quero o que
Vós quiserdes e sofrer com resignação. Não me falteis, bom Jesus, com a Vossa protecção.»

OFERECI-ME A JESUS COMO VÍTIMA

― Sem saber como, ofereci-me a Nosso Senhor como vítima, e vinha, desde há muito tempo, a pedir o
amor ao sofrimento. Nosso Senhor concedeu-me tanto, tanto esta graça que hoje não trocaria a dor por
tudo quanto há no mundo. Com este amor à dor, toda me consolava em oferecer a Jesus todos os meus
sofrimentos. A consolação de Jesus e a salvação das almas era o que mais me preocupava.

Com a perda das focas físicas, fui deixando todas as distracções do mundo e, com o amor que tinha à
oração – porque só a orar me sentia bem – habituei-me a viver em união íntima com Nosso Senhor.
Quando recebia visitas que me distraíam um pouco, ficava toda desgostosa e triste por não me ter
lembrado de Jesus durante esse tempo.

PEQUENINOS SACRIFÍCIOS POR AMOR DE JESUS

― Por amor de Jesus e da Mãezinha, fazia sacrificiozinhos como: deixava de me ver ao espelho,
chegando a tê-lo muitas vezes na mão; não falava quando me apetecia, e vice-versa; deixava de dormir
durante a noite para fazer companhia a Jesus. Comungava sacramentalmente poucas vezes, mas vivia
unidinha a Ele o mais possível. Consentia que as moscas me mordessem, etc., etc.

COMO HONRAVA JESUS E A SSª VIRGEM

― Para honrar Jesus e a SSª Virgem, escrevia em papeizinhos, santinhos, etc., o que se segue:
«Amo-Vos, Jesus, de todo o meu coração. Compadecei-Vos desta pobre doentinha e levai-a para Vós
quando for da Vossa vontade. Sim, amado Jesus? Nunca Vos esqueçais de mim, que sou uma grande
pecadora.»

Em 1930:

«Ó meu querido Jesus, quero ir visitar-Vos aos Vossos sacrários mas não posso, porque a minha doença
obriga-me a estar retida no meu querido leito de dor. Faça-se a Vossa vontade, Senhor, mas, ao menos,
meu Jesus, permiti que nem um momento se passe sem que à portinha dos Vossos sacrários eu vá em
espírito dizer-Vos:

Meu Jesus, quero amar-Vos, quero abrasar-me toda nas chamas do Vosso amor e pedir-Vos pelos
pecadores e pelas almas do Purgatório.»

Em Maio de 1930, escrevi assim nas capas de um livrinho:

«Ó minha querida Mãe do Céu, vinde apresentar ao Vosso e meu querido Jesus, nos Vossos sacrários, as
minhas orações e fazer mais valiosos os meus pedidos. Ó Refúgio dos pecadores, dizei a Jesus que quero
ser santa! Sim, Santíssima Virgem? Ah, dizei-Lhe também que quero muitos sofrimentos, mas que não
me deixe sozinha nem um momento, porque só tenho que confundir-me, porque nada sou, nada possuo,
nada valho. Dizei-Lhe que O amo muito, mas que O quero amar ainda muito mais. Quero morrer
abrasada no amor de Jesus e no Vosso. Sim? Dizei-Lhe muitas coisas de mim; fazei-Lhe todos os meus
pedidos. Confio, confio em Vós! Ó Maria, dai-me o Céu!»

Em 1931, escrevi no verso de um santinho isto:

«Ó minha querida Mãe, rogai a Jesus por esta filhinha tão pobre, tão pecadora. Não há outra como eu.
Não mereço ser atendida. Como me tenho eu atrevido a ofender o meu querido Jesus!? Que miserável eu
tenho sido por ter ofendido o meu Jesus!»

AS MINHAS ORAÇÕES
E UNIÃO ÍNTIMA COM JESUS SACRAMENTADO

― Pela manhãzinha, principiava a fazer as minhas orações, começando pelo sinal da cruz, e logo me
lembrava de Jesus Sacramentado, fazendo a comunhão espiritual e dizendo esta jaculatória: «Sagrado
Coração de Jesus, este dia é para Vós.» Repetia-a por três vezes. Depois, continuava: «A Vossa bênção,
Jesus! Eu quero ser santa! Ó meu Jesus, abençoai a Vossa filhinha que quer ser santa.» Dizia também:
«Louvado seja Nosso Senhor… As Três Pessoas da Santíssima Trindade me abençoem, assim como S.
José, Maria Santíssima e todos os Anjos, Santos e Santas do Céu! Que as bênçãos desçam sobre mim e
nada terei que temer. Serei santa: são esses os meus mais ardentes desejos.» Rezava três Gloria Patri.
Depois oferecia as horas do dia assim: «Ofereço-Vos, ó meu Deus, em união…», Pai-Nosso, Ave-
Maria e Glória ao Pai… «Sagrado Coração de Jesus que tanto nos amais…» e o Credo.

Depois continuava: «Ó meu Jesus, eu me uno em espírito, neste momento e desde este momento para
sempre, a todas as Santas Missas que de dia e de noite se celebram na Terra. Jesus, imolai-me convosco
a cada momento no altar do sacrifício; oferecei-me convosco ao Eterno Pai pelas mesmas intenções
porque Vós mesmo Vos ofereceis.»

Voltada para a Mãezinha, dizia-lhe: «Ave Maria, cheia de graça! Eu vos saúdo, ó cheia de graça! Ó
Mãezinha, eu quero ser santa! Ó Mãezinha, abençoai-me e pedi a Jesus que me abençoe!»

E consagrava-me a ela assim: «Mãezinha, eu Vos consagro os meus olhos, meus ouvidos, minha boca,
meu coração; a minha alma, a minha virgindade, a minha pureza, a minha castidade; a pureza e a
virgindade de ……...
Aceitai, Mãezinha, é Vossa, sois Vós o cofre sagrado, o cofre bendito da nossa riqueza. Consagro-Vos o
meu presente e o meu futuro, a minha vida e a minha morte, tudo quanto me deram a mim, rezaram por
mim e ofereceram por mim. Ó Mãezinha, abri-me os Vossos santíssimos braços, tomai-me sobre eles,
estreitai-me ao Vossos santíssimo Coração, cobri-me com o Vosso manto e aceitai-me como Vossa filha
muito amada, muito querida, e consagrai-me toda a Jesus.

Fechai-me para sempre no Seu Divino Coração e dizei-lhe que O ajudais a crucificar-me, para que não
fique no meu corpo nem na minha alma nada por crucificar. Ó Mãezinha, fazei-me humilde, obediente,
pura, casta na alma e no corpo. Fazei-me pura, fazei-me um anjo. Transformai-me toda em amor,
consumi-me toda nas chamas do amor de Jesus. Ó Mãezinha, pedi perdão a Jesus por mim! Dizei-Lhe
que é o filho pródigo que volta a casa do seu bom Pai, disposto a segui-Lo, a amá-Lo, a adorá-Lo, a
obedecer-Lhe e a imitá-Lo. Dizei-Lhe que não quero mais ofendê-Lo. Ó Mãezinha, obtende-me uma dor
tão grande dos meus pecados, que seja tal o meu arrependimento que eu fique pura, que eu fique um
anjo! Pura como fiquei depois do meu Baptismo, para que pela minha pureza mereça a compaixão de
Jesus de O receber sacramentalmente todos os dias e de possuí-Lo para sempre em mim até dar o último
suspiro. Mãezinha, vinde comigo para os sacrários, para todos os sacrários do mundo, para toda a parte
o lugar onde Jesus habita sacramentado. Fazei-Lhe a minha humilde oferta. Oh, como Jesus ficará
contente com a oferta mais pobrezinha, mais miserável, mais indigna!... Ó Mãezinha, eu quero andar de
sacrário em sacrário a pedir favores a Jesus, como a abelhinha de flor em flor, a chupar-lhe o néctar! Ó
Mãezinha, eu quero formar um rochedo de amor em cada lugar onde Jesus habita sacramentado, para
que não haja nada que possa intrometer-se entre o amor e ir ferir o Seu Santíssimo Coração, renovar as
Suas Santíssimas Chagas e toda a Sua Santa Paixão. Mãezinha, falai no meu coração e nos meus lábios,
fazei mais fervorosas as minhas orações e mais valiosos os meus pedidos.

Ó meu Jesus, eu me consagro toda a Vós. Abri-me de par em par o Vosso Santíssimo Coração. Deixai
que eu entre nesse Coração bendito, nessa fornalha ardente, nesse fogo abrasador. Fechai-o, meu bom
Jesus, deixai-me toda dentro do Vosso Santíssimo Coração, deixai-me dar aí o meu último suspiro,
embriagada no Vosso divino amor, queimada nas chamas do amor. Não me deixeis separar de Vós na
terra senão para me tornar a unir a Vós no Céu, por toda a eternidade.

Jesus, vou convidar a Mãezinha! É Ela quem Vos vai falar por mim. Vou e já venho, sim, meu Jesus?

Ave Maria, cheia de graça, eu vos saúdo, cheia de graça! Mãezinha, vinde comigo para os sacrários, vinde
cobrir o meu Jesus de amor. Oferecei-Lhe tudo quanto se passar em mim, tudo quanto tenho costume de
oferecer, tudo quanto se possa imaginar, como actos de amor para Nosso Senhor Sacramentado.»

Dizia três vezes: «Graças e louvor se dêem a cada momento…» e fazia a comunhão espiritual já descrita.
Nesta altura, dizia tudo isto que se segue a Nossa Senhora, para Ela repetir ao Seu amado Filho por
mim:

«Ó Jesus, cá está a Mãezinha, escutai-a, é Ela quem Vos vai falar por mim.

Ó querida Mãezinha do Céu, ide dar beijinhos aos sacrários, beijos sem conta, abraços sem conta, mimos
sem conta, carícias sem conta, tudo para Jesus sacramentado, tudo para a Santíssima Trindade, tudo
para Vós. Multiplicai-os muito, muito e dai-os de um puro e santo amor, dum amor que não possa mais
amar, cheios de umas santas saudades por não poder ir eu beijar e abraçar a Jesus sacramentado e à
Santíssima Trindade a Vós, minha Mãe querida. Pois não sois Vós a criatura mais amada e mais querida
de Jesus? Oh! dai-os então em meu nome, com esse amor com que amais e sois amada.

Ó meu Jesus, eu quero que cada dor que sentir, cada palpitação do meu coração, cada vez que respirar,
cada segundo das horas que passar, sejam

actos de amor para os vossos Sacrários.


Eu quero que cada movimento dos meus pés, das minhas mãos, dos meus lábios, da minha língua,
cada vez que abrir os meus olhos ou os fechar, cada lágrima, cada sorriso, cada alegria, cada tristeza,
cada atribulação, cada distracção, contrariedades ou desgostos, sejam

actos de amor para os vossos Sacrários.

Eu quero que cada letra das orações que reze, ou oiça rezar, cada palavra que pronuncie ou oiça
pronunciar, que leia ou oiça ler, que escreva ou veja escrever, que conte ou oiça contar, sejam

actos de amor para com os vossos Sacrários.

Eu quero que cada beijinho que Vos der nas vossas santas imagens ou da vossa e minha querida
Mãezinha, nos vossos santos ou santas, sejam

actos de amor para os vossos Sacrários.

Ó Jesus, eu quero que cada gotinha de chuva que cai do céu para a terra, toda a água que o mundo
encerra, oferecida às gotas, todas as areias do mar e tudo o que o mar contém, sejam

actos de amor para os vossos Sacrários.

Eu Vos ofereço as folhas das árvores, todos os frutos que elas possam ter, as florzinhas oferecidas
pétala por pétala, todos os grãozinhos de sementes e cereais que possa haver no mundo, e tudo o que
contêm os jardins, campos, prados e montes, ofereço tudo como

actos de amor para os vossos Sacrários.

Ó Jesus, eu Vos ofereço as penas das avezinhas, o gorjeio das mesmas, os pêlos e as vozes de todos
os animais, como

actos de amor para os vossos Sacrários.

Ó Jesus, eu Vos ofereço o dia e a noite, o calor e o frio, o vento, a neve, a lua, o luar, o sol, a
escuridão, as estrelas do firmamento, o meu dormir, o meu sonhar, como

actos de amor para os vossos Sacrários.

Ó Jesus, eu Vos ofereço tudo o que o mundo encerra, todas as grandezas, riquezas e tesouros do mundo,
tudo quanto se passar em mim, tudo quanto tenho costume de oferecer-Vos, tudo quanto se possa
imaginar, como

actos de amor para os vossos Sacrários.

Ó Jesus, aceitai o Céu, a terra, o mar, tudo, tudo quanto neles se encerra, como se esse «tudo» fosse meu
e de tudo pudesse dispor e oferecer-Vos como

actos de amor para os vossos Sacrários.

Nestas ocasiões em que fazia estes oferecimentos a Nosso Senhor, sentia-me subir, sem saber como, e ao
mesmo tempo um calor abrasador que parecia queimar-me. Como não compreendia a causa deste calor,
ponha-me a observar se estava a transpirar, porque me parecia impossível, sendo dias de grandes frios.
Sentia-me apertada interiormente, o que me deixava muito cansada.

Não tenho a certeza, mas deveria ser numa dessas ocasiões que eu senti esta exigência de Nosso Senhor:
SOFRER, AMAR e REPARAR.

COMO JESUS ME ENVIOU O MEU DIRECTOR ESPIRITUAL


― Eu não tinha nem sabia sequer o que era um director espiritual; apenas tinha o meu pároco como guia
da minha alma.

Como minha irmã fizesse um retiro aberto das Filhas de Maria, tomou
nessa ocasião para seu director espiritual o conferente desse retiro, o Sr. Dr.
Mariano Pinho. Este, sabendo que eu estava doente, mandou pedir as
minhas orações, prometendo orar por mim. De vez em quando, mandava-
me um santinho. Passaram-se dois anos, e sabendo eu que ele estava
doente, sem saber como, senti tanta pena que comecei a chorar; minha
irmã perguntou-me porque chorava, se o não conhecia sequer. Respondi-
lhe: «Choro, porque ele era meu amigo e eu também sou dele.»

Em 16 de Agosto de 1933, Sua Reverência veio à nossa freguesia fazer um


tríduo ao Sagrado Coração de Jesus, tomando-o então para meu director
espiritual. Não lhe falei nos oferecimentos que fazia ao sacrário, nem nos
calores que sentia, nem na força que fazia elevar, nem nas palavras que
tomei como uma exigência de Jesus. Pensava que era assim toda a gente. Só
passados dois meses é que lhe falei nas palavras de Jesus e do resto nada
disse, porque nada compreendia como coisas de Nosso Senhor. Apesar de Sua Reverência não me dizer
que eram palavras de Nosso Senhor, eu continuei sempre e cada vez mais unida a Nosso Senhor. Quer
de dia quer de noite eram os sacrários os meus lugares predilectos.

Em 8/9/1933, escrevi nas costas de um retrato meu assim:

«Ave Maria, eu vos saúdo, ó minha Mãe Santíssima. Ó minha querida Mãezinha, que hei-de eu dar-Vos
no dia do Vosso aniversário? Não tenho mais nada que Vos dar, dou-Vos o meu corpo e a minha vida.
Quero ser toda Vossa. Não rejeiteis a minha oferta, ó minha querida Mãe. Rogai a Nosso Senhor por
mim, ouvistes? Quero ser toda, toda Vossa. Dou-Vos quanto tenho.

Ó meu Jesus, não rejeiteis nada do que peço à Vossa Mãe!

Sois minha Mãe muito querida. Oh, quem me dera ter uma boa oferta para Vos dar, mas ao menos tenho
a boa vontade! Dai-me o Céu!»

Em Agosto de 1934, voltou a fazer outra pregação aqui e então é que abri a minha consciência. Nesta
altura fui muito tentada pelo demónio, porque lembrava-me que, uma vez que expusesse a minha vida,
não mais quereria ser meu director espiritual. Nessa altura Nosso Senhor disse-me:

«Obedece em tudo ao teu Padre espiritual. Não foste tu quem o escolheste, mas eu quem to enviei.» Sua
Reverência apenas me perguntou a forma como ouvi estas palavras e não me disse que era nem que não
era Nosso Senhor.

Passados dias, como minha irmã soubesse que demorava por muito tempo a fazer as minhas orações,
perguntou-me o que é que eu dizia. Nessa ocasião, expliquei-lhe em que me ocupava durante todo
aquele tempo e o que sentia nessas ocasiões, dizendo-lhe que certamente era a fé e o fervor com que
fazia todas as minhas orações e ela concordou comigo. Pediu-me para que lhe dissesse tudo, para se
tornar fervorosa.

COMO HONRAVA JESUS E A SANTÍSSIMA VIRGEM

― No ano de 1934: «Ó minha Mãezinha do Céu, eis aqui aos Vossos santíssimos pés uma alma que vos
deseja amar. Ó minha amável Senhora, eu quero um amor que seja capaz de sofrer só por amor de Vós e
por amor do meu querido Jesus! Sim, do meu Jesus que é o tudo da minha alma. Ele é a luz que me
alumia, é o pão que me alimenta, é o meu caminho pelo qual eu quero seguir. Mas, minha soberana
Rainha, sinto-me tão fraca para passar por tantas contrariedades da vida!... Que será de mim sem Vós ou
sem o meu querido Jesus? Ó minha Mãezinha do Céu, lá do trono em que estais, vede este meu triste
viver. Vinde em meu auxílio. Abençoai-me e pedi a Jesus por mim, vossa indigna filha.»

Noutra ocasião de 1934: «Ó Jesus, que melhor companhia posso eu ter aqui neste leito de dor, se Vós
estiverdes sempre em mim, que só para Vós quero viver? Ó Jesus, sabeis bem todos os meus desejos,
que são: estar sempre presente nos vossos sacrários, não me esquecer deles um momento. Dai-me força,
bom Jesus, para assim o fazer:

Ainda em 1934:

«Ó meu Jesus, meu Amado,


No altar sacramentado,
Por meu amor encerrado
Nesse sacrário de amor.

Quisera estar contigo, ó Jesus,


Dia e noite e a toda a hora,
Porém, agora não posso ir,
Bem o sabeis, ó meu bom Pai!

Estou presinha de pés e mãos;


Mais presa quisera estar,
Juntinha a Vós no sacrário,
Não me ausentar um só momento.

Ó Sacramento tão adorado


Do meu Jesus, do meu Amado,
Eu Vos saúdo aqui do leito,
Vinde morar neste meu peito!

Fazei, Senhor,
Dele um sacrário
Para eu poder,
Ó bom Jesus,
Ser Vossa esposa.

Ó meu Amado,
Realizai os meus desejos
Que são, Senhor,
Possuir-Vos em mim
Sacramentado.

Perdão, meu Deus, eu não sou digna de tamanha graça, de Vos receber, mas não olheis para a minha
miséria, mas sim para a Vossa infinita misericórdia. Sim, meu querido Jesus?»

No dia da Anunciação, em 25 de Março de 1934: «Ave Maria, cheia de graça! Eu Vos saúdo, ó cheia de
graça! Soberana Rainha do Céu e da terra, Mãe dos pecadores, eu, a mais indigna de todas as Vossas
filhas, Vos agradeço de todo o coração, ó Santa Mãe de Deus, por terdes consentido que o meu
amabilíssimo Jesus encarnasse em Vossas puríssimas entranhas para redenção da humanidade. Sim,
minha Mãezinha, encarnar, nascer, viver trinta e três anos no mundo e por fim morrer numa cruz pelos
miseráveis filhos de Eva! Entenda quem puder tantos excessos de amor, que eu por mim só tenho que
confundir-me e lamentar este meu pobre coração por não ter correspondido a tanta bondade dos meus
dois queridos amores, Jesus e Maria! A mais indigna das Vossas filhas.»

Em 1934: «Meu Jesus, estou doente, não posso ir visitar-Vos às Vossas igrejas, mas, meu querido
Paizinho do Céu, estou a cumprir a missão que Vós destinastes para mim. Seja feita a Vossa santíssima
vontade em todas as coisas. Meu Bem-amado, Vós sabeis os
meus desejos, que são estar na Vossa presença no Santíssimo
Sacramento. Mas, já que eu não posso, mando-vos o meu
coração, a minha inteligência para aprender todas as Vossas
lições, o meu pensamento para que só em Vós pense, o meu amor
para que só a Vós ame, só a Vós busque, só por Vós suspire, só
Vós, meu Jesus, em tudo e por tudo. Vós no sacrário preso e
abandonado e eu, Jesus, presa também. Mas fazei, Senhor, que
eu abandone tudo o que é do mundo, buscando-Vos só a Vós em
todas as coisas, que sois a luz da minha inteligência, sois as
minhas delícias, sois todo o meu bem. Oh, eu vos mando tudo
quanto tenho que Vos possa agradar e fazer-Vos companhia no
Vosso sacrário de amor!»

Em 1934: «Queria, ó meu Jesus, na Vossa presença estar dia e


noite, a toda a hora, unida a Vós estar, e não Vos deixar, meu
Jesus, sozinho na Sacramento, nem um momento me ausentar e
dar-Vos o que possuo e que tudo a Vós pertence: o meu coração,
o meu corpo com todos os seus sentidos. É toda a minha
riqueza.»

A Nossa Senhora, em 1934: «Ó minha Mãezinha do Céu, eu tenho tanta, tanta confiança em Vós que não
sei explicar-Vos o amor que Vos tenho.

Ó minha Mãe, é muito, mas queria muito mais, muito mais; só Vós me podeis alcançar essa graça e
também o amor ao Vosso e meu querido Jesus. Ai, aumentai-mo muito, muito! Abrasai-me em chamas
de puro amor! Sim, sim, minha boa Mãezinha!?»

CONHECIMENTO PERFEITO DA VOZ DE NOSSO SENHOR.


VISÕES CELESTES

― Foi em Setembro de 1934 que eu compreendi que era a voz de Nosso Senhor e não uma exigência,
como julgava. Foi então que Ele me pediu e falou assim: «Dá-me as tuas mãos, que as quero crucificar;
dá-me os teus pés, que os quero cravar comigo; dá-me a tua cabeça, que a quero coroar de espinhos
como Me fizeram a Mim; dá-me o teu coração, que o quero trespassar com uma lança, como Me
trespassaram a Mim; consagra-Me todo o teu corpo, oferece-te toda a Mim, que te quero possuir por
completo e fazer o que Me aprouver.»

Nosso Senhor pediu-me isto duas vezes. Não sei dizer a minha aflição, pois não queria escrever e não
queria dizer à minha irmã, mas também não queria ficar calada, porque compreendia que não era a
vontade de Nosso Senhor. Tinha que dizer ao meu Pai espiritual. Resolvi-me a fazer o sacrifício, pedindo
à minha irmã que escrevesse em meu nome tudo o que lhe ia ditar. Ela não olhava para mim, nem eu
para ela e, depois da carta escrita, tudo morreu para nós ambas, não falando mais no assunto.

Até esse tempo, sentia uma grande alegria para mim receber uma carta do meu director espiritual.
Desde então, toda essa consolação espiritual desapareceu. Temia que ele me maltratasse, dizendo-me
que tudo era falso. Eu cedi ao convite de Nosso Senhor, mas pensava que esses sacrifícios fossem só
sofrimentos, embora maiores; não pensava em nada de sobrenatural. O meu director obrigou-me a que
escrevesse tudo, e durante dois anos e meio não me disse que era Nosso Senhor – o que me fez sofrer
bastante, apesar dos meus poucos conhecimentos.

Desde então, tinha Jesus à minha ordem, falando-me de dia e de noite. Sentia grande consolação
espiritual; não me assustavam os meus sofrimentos. Em tudo sentia amor ao meu Jesus e sentia que Ele
me amava, pois d’Ele recebia carícias sem conta. Só me desejava sozinha. Oh, como me sentia em no
silêncio e muito unidinha a Ele!...
Jesus desabafava muito comigo. Dizia-me coisas tristes, mas as consolações e o amor que me fazia sentir
obrigavam-me a esquecer o Seus desabafos. Passava noites e noites sem descansar, a contemplar
quadros que Jesus me mostrava e em conversa íntima com Ele. Umas vezes, via Jesus como jardineiro a
cuidar das florinhas, regando-as, guiando-as, etc; passeava pelo meio delas, mostrando-me variedade de
flores. Noutras vezes, aparecia-me em tamanho natural, mostrando-me o Seu Divino Coração cercado de
raios de amor.

Também vi a Mãezinha uma vez, representando Nossa Senhora do Carmo, com o Seu Divino Filho nos
braços. Outras vezes como Nossa Senhora da Conceição. Oh, como era bela!... Só queria amá-la e a
Jesus! Só me sentia bem a sós com Eles!

COMO MARTIRIZAVA O MEU CORPO

― Tudo queria fazer por Seus amores e, para provar que Os amava, algumas vezes fazia bolinhas de cera
a atava-as na ponta de um lencinho e com ele batia no meu corpo, escolhendo os lugares onde mais
podia sofrer, como fossem nos joelhos e sobre os ossos, ficando com o meu corpo denegrido das
pancadas.

Outras vezes atava a trança dos meus cabelos aos ferros da minha cama e puxava a cabeça com toda a
força para a frente, para assim mais sofrer.

Ou então dava nós na ponta da trança, açoitando-me com ela nas costas, no peito, nos braços e em todas
as partes onde a trança chegava.

Na tarde de um domingo, tinha tantas ânsias de amor divino, não cabendo em mim de ansiedades,
suspirava por ficar sozinha, vendo partir todos os meus para a igreja. Como de costume, queriam fazer-
me companhia, mas eu preferia ficar sozinha, pois só com Jesus é que me sentia bem. Logo que me
deixaram a sós com Jesus, foi então que lhe provei quanto O amava. Peguei num alfinete que segurava
as minhas medalhinhas espetando-o sobre o meu coração; mas como não visse aparecer sangue,
enterrei-o ainda mais e retorci as fibras até rebentarem, surgindo sangue. Tomei a caneta e um santinho
e com o meu sangue escrevi assim:

«Com o meu sangue Vos juro amar-Vos muito, meu Jesus, e seja tal o meu amor que morra abraçada à
cruz! Amo-os e morro por Vós, meu querido Jesus, e nos Vossos sacrários quero habitar, ó meu Jesus.
Balasar, 14/10/1934:»

Logo que acabei de escrever isto, foi tal a repugnância e aflição que senti, tentando rasgar
imediatamente o santinho, mas não seu o que foi que me impediu de o fazer; não senti nenhuma
consolação com esta prova que Lhe dei. Quando minha irmã regressou da igreja, eu estava numa grande
inquietação; não lhe disse o que tinha feito, mas mostrei-lhe o santinho, e ela exclamou: «Ai, minha
marota, o que tu fizeste! Assim que o Sr. Pe. Pinho o souber…» Eu respondi-lhe: «Ai, não lho digo!» Mas
contei isso e tudo o mais que tinha feito. Sua Reverência perguntou-me quem tinha dado licença, ao que
respondi: «Não sabia que era preciso pedir licença.» Desde então proibiu-me de voltar a fazer coisas
deste género.

A PRIMEIRA MISSA CELEBRADA NO MEU QUARTINHO.


PRINCÍPIO DA PERDA DOS NOSSOS BENS
― Em 20 de Novembro de 1933, tive a graça de ter pela primeira vez o Santo Sacrifício da Missa no meu
quarto. Principiou Nosso Senhor a aumentar-me os Seus miminhos, para também aumentar o peso da
minha cruz.

Bendito seja Ele e bendita a sua graça que nunca me faltou!


Começámos agora a sofrer muito com a perda dos nossos
bens. Nesse tempo, já a nada do mundo tinha apego, contudo
sofria amarguradamente por ver que tudo quanto
possuíamos não chegava para satisfazer as dívidas de que a
mãe era fiadora. Eu dizia que não queria ficar com o valor de
um tostão, enquanto tivéssemos que pagar. Faltou-me muitas
vezes o alimento que melhor poderia comer e só me
alimentava daquilo que tínhamos, mas que prejudicava o
meu estado de físico. Sofria em silêncio e não dizia que comia
dessas coisas por não ter outras melhores, e minha família
julgava que eu comia com gosto e assim não a desgostava
pedindo-lhe aquilo que não tinha para me dar. Tudo que me
ofereciam para comer cedia à minha irmã, porque nessa
altura ela encontrava-se bastante doente. Eu pensava assim:
já que não tenho cura, que ao menos ela possa melhorar.

A minha família chegou a passar muitas privações e até, por vezes, chegaram a comer o caldo sem
adubo, porque não contávamos a nossa vida a ninguém. Chorei muitas lágrimas, mas procurava sempre
que não me vissem chorar. Era de noite que desabafava com o meu Jesus e com a Mãezinha. Benditas
lágrimas que mais me uniram a Jesus e a Maria e mais firmaram a minha confiança n’Eles.

Esta situação durou cerca de seis anos. Procurava ser o conforto da minha família. Quantas vezes ela
chorava em altos gritos e eu dizia-lhes que confiassem em Nosso Senhor. Ele também tinha sido pobre e
alegrava-me por Jesus nos ter assemelhado à Sua pobreza.

Cheguei a ter medo de ficar acompanhada pela mina mãe, porque ela procurava estar comigo sozinha
para desabafar e, por mais que a confortasse e lhe dissesse que tivesse confiança, ela na sua dor dizia-me
palavras desagradáveis. Eu pedia quase continuamente a Jesus que nos valesse e, no fim da Sagrada
Comunhão, dizia a Jesus: - «Vós dissestes: pedi e recebereis; batei e abrir-se-vos-á. Eu peço e hei-de ser
ouvida; bato e hei-de ser atendida. Ó Jesus, não Vos peço honras, grandezas, nem riquezas, mas peço-
Vos que nos deixeis a nossa casinha, para que minha mãe e irmã tenham onde viver até ao fim da vida,
para que minha irmã tenha onde colher as florinhas para compor o Vosso altar na igreja, aos sábados. Ó
Jesus, todas as florinhas são para Vós. Jesus, acudi-nos, que perecemos! Levai esta notícia longe, a quem
nos possa acudir! Não Vos peço este nem aquele meio, porque não sei! Confio em Vós!»

É bem verdade, nunca é demais a confiança! Em nossa casa não havia momentos de alegria. Quantas
vezes nos faltava aquilo que nos era indispensável e eu, no fundo, estava sempre alegre com a vontade de
Deus. Confiava cegamente n’Ele. Escondia o mais possível a minha dor, procurando em tudo animar os
meus. A minha prece foi ouvida. Passaram-se seis anos de aflições e de lágrimas. Jesus ouviu a nossa
prece. Foi mesmo longe, muito longe que uma senhora veio dar remédio ao nosso mal, que não acabou
por acanhamento meu. Não disse tudo quanto devíamos, porque Nosso Senhor assim o permitiu, para
que se prolongasse por mais tempo o meu sofrimento. Deu-nos ela o bastante para não vendermos a
nossa casinha. Eu chorei mais de confusão do que de contentamento ao receber tão grande graça de
Nosso Senhor. Não sabia como havia de Lhe agradecer. Parecia que estava louquinha e dizia a Jesus:
«Muito obrigada! Muito obrigada!»

É indizível a alegria que a minha mãe e irmã sentiram quando receberam a quantia que as aliviou das
grandes preocupações em que viviam. É impossível descrevê-las, pois foram tantas e tão grandes!... Que
Jesus aceitasse todas estas aflições, e bendito Ele seja por tudo. Só com Ele se podia vencer!

COMO HONRAVA JESUS E A SANTÍSSIMA VIRGEM

― Em 1935: «Coração meu, a quem amas a não ser o teu Jesus? É a riqueza do Céu, é o amor dos
sacrários, o alimento das almas famintas do Seu amor, é o pastor compassivo das ovelhas desgarradas
que há muito Lhe têm fugido. Procura-as por toda a parte, chama-as, não descansa enquanto as não
alcança. Depôs de as ter consigo, abraça-as, acaricia-as.»

O mês de Maria, em 1935 – Desejosa de consolar a Mãezinha e por seu amor sofrer alguma coisa, pensei
em escrever nuns pedacinhos de papel uns pensamentos todos os dias do mês de Maio. Em cada dia
tirava um à sorte e procurava viver segundo o que estava escrito. Isto só com o fim de consolar Jesus por
meio da Mãezinha. Eis o que saiu para cada dia do mês:

1 – Por amor de Maria Santíssima e de Jesus Sacramentado, sofrerei tudo para obter um
amor doido a Jesus Sacramentado e para que seja amado de todos no Santíssimo
Sacramento.

2 – Por amor de Maria Santíssima e de Jesus Sacramentado, sofrerei tudo pelas intenções
do meu padrinho e família.

3 – Por amor de Maria Santíssima e de Jesus Sacramentado, sofrerei tudo pelos pecadores que me estão
muito recomendados.

4 – Por amor de Maria Santíssima e de Jesus Sacramentado, sofrerei tudo por todos os pecadores do
mundo.

5 – Por amor de Maria Santíssima e de Jesus Sacramentado, sofrerei tudo para obter um amor doido a
Maria Santíssima.

6 – Por amor de Maria Santíssima e de Jesus Sacramentado, sofrerei tudo pelos sacerdotes.

7 – Por amor de Maria Santíssima e de Jesus Sacramentado, sofrerei tudo pelas intenções que me estão
recomendadas.

8 – Por amor de Maria Santíssima e de Jesus Sacramentado, sofrerei tudo pelo meu director espiritual.

9 – Por amor de Maria Santíssima e de Jesus Sacramentado, sofrerei tudo para obter o amor dos anjos,
dos querubins e dos serafins.

10 – Por amor de Maria Santíssima e de Jesus Sacramentado, sofrerei tudo sem em queixar.

11 – Por amor de Maria Santíssima e de Jesus Sacramentado, sofrerei tudo pelo que for da vontade de
Nosso Senhor.

12 – Por amor de Maria Santíssima e de Jesus Sacramentado, sofrerei tudo em memória da Paixão de
Nosso Senhor.

13 – Por amor de Maria Santíssima e de Jesus Sacramentado, sofrerei tudo pela minha mãezinha.

14 – Por amor de Maria Santíssima e de Jesus Sacramentado, mortificarei o mau corpo.

15 – Por amor de Maria Santíssima e de Jesus Sacramentado, sofrerei só para viver para
Jesus e para Maria.

16 – Por amor de Maria Santíssima e de Jesus Sacramentado, sofrerei tudo pelo Santo
Padre e pelas necessidades da Santa Igreja.

17 – Por amor de Maria Santíssima e de Jesus Sacramentado, sofrerei pelas Dores de Nossa Senhora.

18 – Por amor de Maria Santíssima e de Jesus Sacramentado, sofrerei pela minha querida Çãozinha.
19 – Por amor de Maria Santíssima e de Jesus Sacramentado, entrego-Lhe o meu corpo como vítima e
renovo o meu voto de virgindade e pureza.

20 – Por amor de Maria Santíssima e de Jesus Sacramentado, sofrerei tudo para só pensar em Jesus e
Maria.

21 – Por amor de Maria Santíssima e de Jesus Sacramentado, sofrerei tudo para ser muito amiga do meu
Anjo da Guarda.

22 – Por amor de Maria Santíssima e de Jesus Sacramentado, guardarei o silêncio.

23 – Por amor de Maria Santíssima e de Jesus Sacramentado, sofrerei tudo para obter o amor da
Santíssima Trindade.

24 – Por amor de Maria Santíssima e de Jesus Sacramentado, sofrerei para alcançar tudo de Nosso
Senhor e ser santa.

26 – Por amor de Maria Santíssima e de Jesus Sacramentado, renovarei o voto de oferecer tudo pelas
Almas do Purgatório.

27 – Por amor de Maria Santíssima e de Jesus Sacramentado, sofrerei tudo, em primeiro lugar, pela
Nossa Cruzada Eucarística e por outra que me foi recomendada e por todas do mundo inteiro.

28 – Por amor de Maria Santíssima e de Jesus Sacramentado, sofrerei tudo pela conversão e
necessidade de toda a minha família.

29 – Por amor de Maria Santíssima e de Jesus Sacramentado, sofrerei tudo pelos


pecadores que estão para mais depressa irem para a presença do Senhor.

30 – Por amor de Maria Santíssima e de Jesus Sacramentado, sofrerei tudo para obter o
amor de todos os santos e santas.

31 – Por amor de Maria Santíssima e de Jesus Sacramentado, não comerei sobremesa.

No primeiro de Maio, aos pés de Maria: um verdadeiro e sincero amor da minha parte para com a minha
Mãe Santíssima e para com Jesus Sacramentado.

Em 1 de Maio de 1935: «Mãe de Jesus e Mãe minha, ouvi a minha oração: eu Vos consagro o meu corpo
e todo o meu coração. Purificai-me, Mãe Santíssima. Enchei-me do Vosso amor. Colocai-me mesmo Vós
junto a Jesus nos sacrários, para lhe servir de lâmpada enquanto o mundo durar.

Aceitai, ó Mãe do Céu, as flores que colhi durante este mês bendito; reverdecei-as e perfumai-as.
Entregai-as a Jesus por mim. Abençoai-me, santificai-me, ó minha querida Mãezinha do Céu!

Em 1936, já sem forças para escrever por minha mão e querendo dar a mesma prova a Jesus e à
Mãezinha do ano anterior, pedi à minha irmã para escrever os pensamentos que se seguem em
bilhetinhos, para em cada ia tirar um, sofrendo e amando segundo essa intenção. Seguem os
pensamentos:

1 – Por amor de Jesus e para muita consolação da Mãe do Céu, vou sofrer tudo pelos sacerdotes,
para que eles sejam o que Jesus quer: cumpridores dos seus deveres e muito santos.

2 – Para consolar muito, muito a querida Mãezinha do Céu, vou sofrer neste dia para que Jesus seja
amado, muito amado na Santíssima Eucaristia.

3 – Por amor de Jesus e de Maria Santíssima, sofrerei neste dia pelas intenções das pessoas que tenho
costume de pedir mais em particular.
4 – Por amor de Jesus e de Maria Santíssima, sofrerei neste dia pelo bom êxito das missões, para que em
breve ressoe dum cantinho ao outro do mundo a palavra de Jesus, única verdade.

5 – Por amor de Jesus e de Maria Santíssima, sofrerei tudo hoje pelos pecadores que me estão
recomendados.

6 – Por amor de Jesus e de Maria Santíssima, e como prova da minha gratidão para com Eles, sofrerei
hoje pelo meu Pai espiritual. Devo-lhe tanto, tanto!...

7 – Por amor de Jesus e da Mãezinha do Céu, sofrerei neste dia pela paz das nações e para que Jesus as
converta.

8 – Por amor de Jesus e para obsequiar a querida Mãezinha do Céu, sofrerei tudo para que Ela seja
amada e querida por todos os que vivem e hão-de ao fim dos séculos, e que em breve a ela seja
consagrado o mundo inteiro.

9 – Por amor de Jesus e da minha Santíssima Mãe, sofrerei hoje tudo pela minha irmãzinha da Sertã,
pelas melhoras da irmã dela e por todas as suas necessidades.

10 – Por amor de Jesus e de Maria Santíssima, sofrerei tudo hoje para a canonização e beatificação de
todos os santos, para que seja dada muita honra e glória a Nosso Senhor.

11 – Por amor de Jesus e de minha Mãezinha do Céu, sofrerei hoje tudo pelo meu Pai espiritual, pela
minha família e pelas necessidades por que mais se interessa e lhe são mais recomendadas.

12 – Por amor de Jesus e de Maria Santíssima, sofrerei hoje tudo por toda a família da Çãozinha.

13 – Por amor de Jesus e de Maria Santíssima, sofrerei tudo neste dia pela minha irmã, para que ela seja
muito santa.

14 – Por amor de Jesus e da minha Mãezinha do Céu, sofrerei hoje tudo pelo Sr. Padre Manuel Araújo,
pela irmã e sobrinha.

15 – Por amor de Jesus e de Maria Santíssima, sofrerei tudo pelos sacerdotes que desprezaram a
lei de Nosso Senhor, esquecendo-se do honroso nome de Seus discípulos, para que voltem a amar
Jesus e as almas.

16 – Por amor de Jesus e da Mãe Santíssima, sofrerei neste dia pela conversão dos pecadores que estão
mais perto de dar contas a Nosso Senhor, para que morram em estado da Sua divina graça.

17 – Por amor de Jesus e da Mãezinha do Céu, sofrerei tudo para que não venha o bolchevismo para
Portugal.

18 – Por amor de Jesus e da minha Mãezinha do Céu, sofrerei neste dia pelas pessoas que me são mais
queridas, para que Nosso Senhor lhes conceda todas as graças e as faça santas.

19 – Por amor de Jesus e da minha Mãezinha do Céu, sofrerei neste dia para que seja dada muita honra
e glória à santíssima Trindade e que todos conheçam o divino tesouro que trazem dentro de si.

20 – Por amor de Jesus e da minha Mãezinha do Céu, sofrerei hoje tudo pela Çãozinha, para que seja
muito santa, e pelas suas necessidades.

21 – Por amor de Jesus e da minha Mãezinha do Céu, sofrerei tudo neste dia pela conversão dos
pecadores do mundo inteiro. Tanto, que não queria que fossem mais alminhas para o inferno!...

22 – Por amor de Jesus e da minha Mãezinha do Céu, sofrerei hoje tudo pelas necessidades do meu
padrinho e família, para que nosso Senhor os ajude.
23 – Por amor de Jesus e da minha Mãezinha do Céu, sofrerei tudo hoje para ser mais humilde, mais
obediente, mais pura, toda abrasada no amor do querido Paizinho e da querida Mãezinha do Céu.

24 – Por amor de Jesus e da minha Mãezinha do Céu, sofrerei hoje tudo para obter de Nosso Senhor a
graça de chegar ao maior grau de santidade.

25 – Por amor de Jesus e para agradar muito à querida Mãezinha do Céu, quero hoje orar e sofrer muito
pelo Santo Padre. É o pai espiritual do mundo inteiro, é luz e guia de todas as almas, precisa do nosso
auxílio.

26 – Por amor de Jesus e da minha Mãezinha do Céu, sofrerei hoje tudo pelo bom resultado da «Acção
Católica» e da nossa «Cruzada».

27 – Por amor de Jesus e da minha Mãezinha do Céu, sofrerei hoje tudo pelo bom resultado da Acção
Católica e da Cruzada Eucarística do mundo inteiro. Que todos fossem santos, é o meu desejo.

28 – Por amor de Jesus e da minha Mãezinha do Céu, sofrerei hoje tudo por toda a minha família.

29 – Por amor de Jesus e da minha Mãezinha do Céu, sofrerei hoje tudo pelas necessidades da minha
mãe, para que ela seja muito santa.

30 – Por amor de Jesus e da minha Mãezinha do Céu, sofrerei tudo neste pelo triunfo da Santa Igreja.

31 – Por amor de Jesus e da minha Mãezinha do Céu, sofrerei hoje tudo para me converter
deveras a Nosso Senhor, cumprindo em tudo a Sua santíssima vontade, sendo o que Ele quer que
eu seja.

Em 31 de Maio de 1936 escrevi assim:

Mãezinha, eu venho humildemente aos vossos pés depor as flores espirituais que durante o mês colhi.
Estou envergonhada e confundida. Que pobreza! Em que estado Vo-las entrego! Estão tão murchas, tão
desfolhadas! Mas Vós, ó querida Mãezinha celestial, podeis transformá-las. Reverdecei-as, abrilhantai-
as e ide consolar e perfumar com elas a Jesus por mim. Falai-lhe das minhas penas e das minhas
aflições. Bem sabeis tudo o que me faz estar atribulada. Fazei-Lhe comigo de novo todos os meus
pedidos e despachai Vós, em nome de Jesus, Vo-lo peço, as pobres flores por quem foram oferecidas.
Fazei de um modo particular que com todas elas eu faça um belo ramalhete para oferecer ao Santo
Padre, neste dia do seu aniversário.

Querida Mãezinha, neste último dia do Vosso bendito mês, como despedida, já que nada mais tenho
para Vos dar, dou-Vos todo o meu corpo e Vos peço, por quem sois, que mo guardeis e me tomeis para
sempre nos Vossos santíssimos braços, como Vossa filha muito querida. Abençoai-me, pedi a Jesus
Sacramentado que me abençoe também e toda a Santíssima Trindade.

Adeus, Mãezinha, perdoai-me tudo.

A pobre Alexandrina Maria da Costa (a assinatura é da própria Alexandrina).

AS MINHAS ORAÇÕES E UNIÃO COM JESUS SACRAMENTADO


― Ó meu querido Jesus, eu me uno em espírito, neste momento e desde este momento para
sempre, a todas as santas Hóstias da terra, em cada lugar onde habitais sacramentado. Aí
quero passar todos os momentos da minha vida, constantemente, de dia e de noite, alegre ou
triste, só ou acompanhada, sempre a consolar-Vos, a amar-Vos, a louvar-Vos e a glorificar-
Vos. Ó Meu Jesus, eu queria tantos actos de amor meus, constantemente a cair sobre Vós, de
dia e de noite, como a chuva miudinha cai do céu para a terra num dia de inverno. Não queria
só meus, mas de todos os corações de todas as criaturas do mundo inteiro!... Oh, como eu Vos
queria amar e ver amado por todos!... Vede, Jesus, os meus desejos, aceitai-mos já, como se eu Vos
amasse. Ó Jesus, nem um só sacrário fique no mundo, nem um só lugar onde habiteis sacramentado,
sem que hoje, e desde hoje para sempre, em cada momento da minha vida, eu esteja lá sempre a dizer:

«Jesus, eu amo-Vos! Jesus, eu sou toda Vossa! Sou a Vossa vítima, a vítima da Eucaristia, a
lampadazinha das Vossas prisões de amor, a sentinela dos Vossos sacrários! Ó Jesus, eu quero ser vítima
dos sacerdotes, a vítima dos pecadores, a vítima do Vosso amor, da minha família, da Vossa Santíssima
Paixão, das Dores da Mãezinha, do Vosso Coração, da Vossa santa Vontade, a vítima do mundo
inteiro!... Vítima da paz, vítima da consagração do mundo à Mãezinha!»

MORTE APARENTE

― Em 1935, Nosso Senhor preveniu-me de que iria morrer antes da festa da Santíssima Trindade de
1936. Como não conhecia outra morte, pensava que era deixar este mundo e partir para a eternidade.
Nesse tempo, tudo eram mimos, consolações e alegrias espirituais. À medida que se ia aproximando o
dia da Santíssima Trindade, aumentava a minha alegria e contentamento. Ia passar no Céu a festa dos
meus tão queridos Amores, como lhes chamava: Pai, Filho e Espírito Santo.

Os males do corpo iam aumentando e tudo dava sinal da minha partida. Dois dias antes, Nosso Senhor
disse-me que morreria das 3h às 3,5 da manhã e que mandasse vir o meu Pai espiritual. Assim o fiz. Ele
chegou ao cair da tarde e passou a noite junto de mim. Preparei-me para morrer. Sua Reverência fez
comigo um acto de inteira resignação e conformidade com a vontade de Deus. Pedi perdão à minha
família, a cantar de alegria, assim:

Feliz, oh, feliz


Se eu tal conseguia,
Morrer a cantar
O nome de Maria!

Feliz quem mil vezes,


Na longa agonia,
Com amor repete
O nome de Maria.

A aflição ia aumentando, à hora marcada por Nosso Senhor, não sei o que senti, deixando de ouvir o que
se passava à volta de mim. O meu Pai espiritual e a minha família rezaram o ofício da agonia, acenderam
uma vela benzida, meteram-ma nas mãos, mas eu já não dei por isso, e assim estive algum tempo.

Julgavam-me já quase morta e choravam por mim. Nessa altura, já ouvi os choros dos meus; principiei a
respirar e, pouco a pouco, reanimei-me, mas, ainda debaixo do mesmo estado, pensei: Estais a chorar e
eu sempre morro. Estava sempre a ver quando aparecia na presença de Nosso Senhor. Não tinha pena
por deixar o mundo e os meus queridos. Quando via que ia melhorar e que não se cumpriam as palavras
de Jesus, caiu sobe mim uma tristeza que não se pode calcular e um peso esmagador.

Eram horas do meu Director espiritual se retirar, não tendo tempo para me dizer umas palavrinhas de
conforto. Passei a festa da Santíssima Trindade como uma moribunda e dentro de mim tudo era morte.
As lágrimas corriam-me, as dúvidas eram quase insuportáveis, porque não só me tinha enganado no que
dizia respeito a este dia, isto é, à morte, como também em tudo quanto Nosso Senhor me tinha dito
antes deste dia. Nos dois primeiros dias a seguir, parecia-me que todo o mundo estava morto. Não havia
sol, nem lua, nem dia para mim. Era quase insuportável o meu viver. Aproximavam-se de mim a
Deolinda e a Çãozinha, únicas pessoas que sabiam do caso, e diziam: «Não falas para nós? Não te ris?»
Eu respondia-lhes: «Retirai-vos de mim!” Já não sou a mesma! Jamais me vereis rir; não haverá sol que
me alumie!» – e chorava. Debaixo da maior dor e amargura, falava-lhes de tal forma que elas não
tinham mais que me dizer.
Estavam as duas a combinar em ir uma delas ter com o meu Director espiritual, quando de repente
apareceu o Sr. Dr. Oliveira Dias, que vinha em nome do meu Pai espiritual confortar a minha alma. Sua
Reverência tinha-lhe contado tudo e, como não pudesse vir pessoalmente, pois estava em pregação,
compreendendo bem o meu sofrimento, tratou de nos aliviar.

Sua Reverência, o Sr. Dr. Oliveira Dias, esclareceu-me o caso, contando-nos várias passagens que se
tinham dado com alguns santos e desde então fiquei a saber que se tratava da morte mística, da qual
nunca tinha ouvido falar. O Sr. Dr. Oliveira Dias pareceu-me um anjo que veio do Céu serenar a
tempestade da minha alma. Continuei a viver muito atribulada, pois Jesus pareceu morrer também,
ficando alguns meses sem ouvir a Sua divina voz. Quando aumentava a agonia da alma, recordava os
casos que me tinham sido contados e animava-me com o que dizia o meu Pai espiritual.

UMA VISÃO

― Pelos fins do ano de 1936, numa noite, apresentou-se diante de mim, a pequena distância, um prado
muito viçoso e florido. As flores eram açucenas. E tantas que eram!... E tão perfeitas!... Por entre ela
pastava um grande rebanho de ovelhinhas, sendo impossível contá-las. O pastor era Jesus, em tamanho
natural, muito belo e com um cajado na mão. Aproximei-me desse prado e, quando ia entrar nele, tudo
se transformou num caminho árido e seco. Caminhei por uma encosta difícil de subir. Ao cimo do
monte, havia um caminho bastante assustador, porque tudo eram silvas e espinhos. Ao meu lado
esquerdo, ouvia gemidos de ovelhinhas. Queria aproximar-me delas para ver a causa dos seus gemidos,
mas uma enorme ribanceira, escura, profunda, impedia-me de ver as ovelhinhas e a causa dos seus
sofrimentos. Sentia que sofriam muito.

Continuei a caminhar por aquele caminho e, mais acima, ao lado direito, ouvia a mesma coisa. Nessa
altura, vi a causa de tão grande sofrimento: estava uma ovelhinha, de lã branca, mas muito suja e presa
pela lã a enormes espinhos, caída sobre eles. À primeira impressão, entendi que aqueles gemidos não
podiam ser de saudades pela sua mãe, porque a ovelhinha já era grandinha. Ao ver o estado dela, tive
tanta pena que me aproximei e, com todo o amor e carinho, fui vagarosamente depreendendo-a dos
espinhos. Depois de a soltar, desapareceu da visão.

Isto nunca mais me esqueceu e conto-o com a maior facilidade, porque ficou-me bem gravado na minha
memória e na minha alma.

[1] Como a S. Teresinha, também à Alexandrina, na sua «última, tremenda fase» (como lhe chamou Jesus) a assaltaram angustiantes
dúvidas contra a fé. Em 10/06/55, pedia-lhe o Divino Mestre: «Repete o teu “creio” sem fé; diz-me que me amas, sem amar. Não são os
sentimentos de fé e as consolações que me consolam; mas esta luta constante na maior dor».
[2] O ano de nascimento indicado pela Alexandrina na autobiografia não corresponde ao da certidão de baptismo, que indica o ano de
1904, devido a um erro de cédula pessoal passada pelo escrivão da Póvoa, que fez o assento de perfilhação da Deolinda e da Alexandrina.
Esta medida legal foi tomada por ocasião duma grave doença da mãe, para assegurar às duas crianças o direito de herdar o que era dela.
[3] Josefina Alves de Sousa, vulgarmente chamada «Josefina-Escola», por viver no edifício da escola, juntamente com seu irmão professor.
[4] O sofrimento moral a que alude a Alexandrina com tanta discrição fica plenamente desvendado nesta recomendação feita pelo P.e
Pinho à Deolinda logo que tomou conta da sua alma: «Nunca deixe sua irmã sozinha quando cá vier visitá-la o Abade.»

AUTOBIOGRAFIA
2

UMA GRANDE CRISE, SINTOMAS DE MORTE

― Em fins de Abril de 1937, passei por uma grande crise que me levou às portas da morte. Principiei a
vomitar de dia e de noite, nada conservando no estômago. Nos primeiros dias, fiquei em profunda
prostração. Não conhecia as pessoas, não tinha fome, nem sede. O Sr. Abade leu-me as orações da
agonia por três vezes. Não me lembro senão de uma vez de
poucas palavras. Ouvia gritos, mas não pensava que morria,
porque o meu estado físico assim o permitia.

Havia talvez um ano que recebia diariamente Nosso Senhor, pois


até aí recebia-O raras vezes no mês, o que me fazia sofrer muito
e sentir muitas saudades de Jesus. Não sei o que foi, mas talvez
um milagre, que levou o Sr. Abade a trazer-me Nosso Senhor
todos os dias. Eu pedia a Jesus esta graça e tinha quem a pedisse
muito por mim. Foi uma das minhas maiores alegrias alimentar-
me do Pão dos Anjos todas as manhãs.

Neste período da minha doença – não sei se de manhã se de


tarde – vi entrar no quarto o Sr. Abade e, conhecendo-o, disse-
lhe: «Eu quero receber Nosso Senhor.» Ele respondeu-me:
«Sim, minha menina, vou buscar-te uma hóstia por consagrar e,
se a não vomitares, trago-te Nosso Senhor.» Assim o fez. Logo
que engoli a hóstia por consagrar, imediatamente a vomitei. Sua
Reverência estava para desistir em me trazer Nosso Senhor, e
alguém disse: «Sr. Abade, uma hóstia por consagrar não é
Jesus.» Foi então que se resolveu a ir buscar uma consagrada. Recebi-a e não vomitei. Nunca mais deixei
de receber Jesus Sacramentado por causa desses vómitos. Quantas vezes entrava o Senhor Abade no
meu quarto para me dar Nosso Senhor, e eu a vomitar! Logo que recebia Jesus, cessavam os vómitos,
nunca vomitando antes de passar meia hora. Como era assim, o Senhor Abade nunca temeu em me dar a
comunhão. A crise durou bastante tempo, mas, durante dezassete dias, estive sem tomar nada,
absolutamente nada. A minha medicina foi Jesus.

Eu dizia: «Morro à fome e à sede», pois sentia uma sede abrasadora e uma necessidade de comer muito
grande. A minha maior pena depois que me senti melhorzinha era lembrando-me que, se tivesse
morrido durante aquela crise, não teria tido perfeito conhecimento da morte.

A PROTECÇÃO DESVELADA DE JESUS E DA MÃEZINHA

― Durante o mês de Maio, ficava sozinha e, para fazer as minhas rezas, acendia umas velinhas com um
acendedor. Uma vez aconteceu de cair um morrão e incendiar a vela, fazendo grande labareda, podendo
incendiar as toalhas do altarzinho ou estalar a redoma. Quis apagar com um apagador que tinha junto de
mim, mas nada consegui; quando estava para deitar o castiçal ao chão, tudo se apagou. Não quero
pensar na aflição que senti por não poder levantar-me e pôr termo a uma pequena coisa que podia ser a
causa da ruína da nossa casa.

Um dia em que houve necessidade de ficar sozinha por algum tempo, sofri um grande susto. Veio junto
de mim ma vizinha saber se eu precisava de alguma coisa. Ao retirar-se, deixou a aporta da varanda
aberta e, pouco depois, entrava pela nossa casa uma cabrinha que tínhamos e encaminhava-se para a
sala onde tínhamos os vasos de begónias e avencas muito floridos e viçosos. Com eles adornavam-se os
altares da nossa igreja por ocasião das festas. Ao vê-la dirigir-se para lá, chamei-a, e ela, olhando para
mim, não fez caso. Atirei-lhe uns bocadinhos de maçã, mas não os comeu. Fui-lhe mostrando a maçã e
chamando por ela até que se aproximou de mim. Agarrei-a e dei-lhe a maçã e fui sustentando nela duas
horas, ora fazendo-lhe mimos, ora dando-lhe sapatadas. Quando minha irmã chegou, ficou admirada
como, na minha cama, pude segurar o animal tanto tempo. Atribuo isto a um milagre, pois a porta da
sala estava aberta e, se a cabrinha não (sic) comesse, estragaria tudo. Quanto devo a Jesus! Estava presa
no leito, mas Ele poupou-me este desgosto.

Pouco tempo depois, sofri outro, mais doloroso. Minha irmã estava apara fora da terra e minha mãe fora
ao mercado da terra e eu fiquei com uma pequena, à ordem da minha mãe, para me servir, até que esta
chegasse da feira. A pequena, apesar de ter mais de vinte anos, entendeu que devia ausentar-se antes de
minha mãe chegar e assim o fez. Quando ela saiu, falei-lhe assim: «Querendo ir, vai, que elas encontrar-
me-ão aqui viva ou morta.»

Logo que ela saiu, vieram para junto de mim uns gatinhos fazerem-me festa, levantando as patinhas no
ar para lhe dar a minha mão e puseram-se em cima da minha cama. Mas, como os não quisesse ali,
sacudi-os e foram para o chão. Mementos depois, senti que um deles caiu à água e morreu afogado.
Ouvi-o lutar com a morte na água e miava muito. A mãe dele miava também. E eu, que não tinha
coragem para ouvir tudo aquilo, principiei a chorar e dizia: «Ó Mãezinha, permiti que venha aqui
alguém para lhes acudir. Valei-me, Jesus, Santa Teresinha e vários santos!» Também dizia: «Coitadinho
de quem está presinho!»

Por acaso, vieram duas pessoas e, ao ouvirem os meus soluços, entraram no meu quarto e ficaram
pesarosas ao verem a minha aflição. O gatinho estava morto. Não me impacientei. Chorava com pena
dos animaizinhos, mas não ofendi Jesus. Este caso foi origem de grandes aflições morais, porque minha
mãe e minha irmã não levaram a bem o procedimento da pequena. Tudo lhe perdoaram, e eu perdoei
também.

Como gostava de ficar sozinha – e principalmente aos domingos, quando havia adoração ao Santíssimo
sacramento – dizia a todos os meus que fossem e que me deixassem a sós com Jesus. Pouco depois de
todos saírem, pus-me a orar e ouvi alguém abrir a porta da rua, subir as escadinhas, mas, já falando
muito alto, dizia: «Abre-me a porta.» Pela voz conheci a pessoa. Fiquei muito assustada. Ai, que seria de
mim se ele conseguisse entrar! Apertei nas minhas mãos o meu tercinho com toda a confiança, enquanto
a pessoa continuava a empurrar a porta com toda a força. Pensava na forma como havia de falar e,
assustada, nem sequer podia respirar. Como não conseguiu abrir a porta, retirou-se, deixando-me em
paz. Fiquei tão cheia de medo que não mais tornei a ficar sozinha, a não ser que me fechassem à chave.

Atribuí esta graça a Jesus e à Mãezinha, que me livraram daquela má companhia, pois antes me queria
ver acompanhada pelos demónios do inferno.

PRIMEIRO EXAME DA SANTA SÉ [5]

― Em 1 de Maio de 1937, recebi a vista de Rev.mo o Padre Durão. Vinha mandado da Santa Sé para
examinar o caso da consagração do
Mundo a Nossa Senhora. O meu desejo
era viver ocultamente, sem que ninguém
soubesse o que se passou. Sua
Reverência entregou à minha irmã um
cartão do meu Director espiritual e
disse-lhe que mo lesse. Ao ouvir as
palavras do cartão que eram assim «Vai
aí o Sr. Padre Durão; fale-lhe à vontade e
responda-lhe a tudo o que lhe
perguntar», fiquei admirada e disse para
a minha irmã: «Que hei-de eu dizer-
lhe?» Não sabia que era preciso estes
exames para casos destes. Minha irmã
animou-me e disse-me: «Dirás o que
Nosso Senhor te inspirar.»

Fiquei surpreendida quando me fez perguntas das coisas de Nosso Senhor, mas, sem a mais pequena
hesitação, comecei a responder às suas perguntas. Sua Reverência disse-me que só queria que lhe
dissesse o principal, pois não me queria cansar, visto ser grave o meu estado. Respondi-lhe que não
sabia que era o principal. Sua Reverência disse-me: «Gosto disso, gosto disso.» E foi quando me falou da
consagração do mundo a Nossa Senhora. Depois de me fazer várias perguntas, com muito bom modo,
disse-me: «Não se enganará?» Ao ouvir estas palavras, passou-me pela mente o engano da minha morte
e pensei assim: «Isto é contra mim, vou já dizê-lo.» Então respondi: «Enganei…» E contei-lhe o que se
tinha passado na Festa da Santíssima Trindade de 1936. Sua Reverência não mais me disse se estaria
enganada, e falou assim: «Estas coisas custam muito, não custam?» Respondi: «Custam e fico triste.» E
comecei a chorar. Sua Reverência pediu-me para o não esquecer nas minhas orações e prometeu-me
nunca me esquecer no Santo Sacrifício da Missa.

Ajoelhou-se, rezou três Ave-Marias a Nossa Senhora e algumas jaculatórias. Despediu-se de mim e
retirou-se. Chorei muito e fiquei muito atribulada e triste por se saber o que há tanto tempo de passava
ocultamente. Escrevi logo ao meu Director espiritual, contando-lhe tudo. Sua Reverência respondeu-me
imediatamente sossegando-me e dizendo que era tudo para glória de Nosso Senhor.

PERÍODO EM QUE O DEMÓNIO MAIS ME APOQUENTOU

― Se a vida material melhorou nesta altura, redobraram os assaltos do demónio que há meses me vinha
ameaçando. Foi em Julho de 1937 que o «manquinho», não satisfeito
de me atormentar a consciência e de me dizer coisas demasiadamente
feias, principiou a atirar-me abaixo da cama e de noite e a qualquer
hora do dia.

A princípio, até para as pessoas da casa fui encobrindo, menos para a


minha irmã, passando por ser aflições do coração. A pouco e pouco, o
mal foi aumentando e teve que o saber minha mãe e uma pessoa que
vivia connosco. Quem observava os tombos que eu dava abaixo da
cama mostravam-se muito pesarosos, não supondo nada do que se
tratava. Passavam-se os dias e o mal aumentava sempre. Uma noite
atirou-me para o chão, passando por cima da cama de minha irmã,
que ficava junto de mim. Ela levantou-se, pegando em mim ao colo, e
dizia: «Anda para a tua caminha.» Mal ela me deitou, levantei-me
rapidamente e dei uns assobios. Reconhecendo imediatamente o mal
que tinha feito, principiei a chorar e disse para minha irmã: «Ai, o que eu fiz!» Ela sossegou-me,
dizendo: «Não te aflijas, que não foste tu.» Na noite seguinte, voltou a acontecer o mesmo, e disse-lhe
em voz alta: «Não me deito» – afastando-a de mim. Quando reconhecia que fazia mal, chorava.

Uma noite em que passei com o mafarrico as coisas piores que se podiam imaginar, o que tudo
desconhecia e ignorava, chorava amargamente e pensava não receber o meu Jesus sem me confessar.
Nesse dia, o Sr. Abade não estava na freguesia para vir trazer Nosso Senhor, mas pensava quanto me
custaria ter de dizer que não comungava sem me reconciliar, com receio que o Sr. Abade me perguntasse
a causa, e ter de lhe dizer tudo, tudo, e não querer abrir-me com ele. Minha irmã, ao ver as minhas
lágrimas, procurava consolar-me por todas as formas. Como não conseguisse, disse-me que à tarde iria
falar com o meu Director espiritual que se encontrava a fazer uma pregação numa freguesia vizinha da
nossa. Disse-lhe que nada adiantava, pois não lhe diria a ele o que se tinha passado. Pedi-lhe um postal
de Nossa Senhora e, com grande sacrifício, descrevi por maior o sucedido, guardando-o debaixo do
travesseiro até que chegasse a hora de o ir entregar. De repente, entrou no meu quarto o meu Director,
acompanhado por um seminarista, trazendo-me Jesus-Hóstia para eu receber. Como soubesse que
estava para banhos o nosso pároco, teve a boa lembrança de me vir trazer Jesus. Quando Sua Reverência
me disse que trazia Nosso Senhor para receber, respondi-lhe: «Não posso comungar sem me confessar.»

As lágrimas e a vergonha não me deixavam falar. Com muito custo disse que tinha escrito um postal e
que o guardava sob o travesseiro. O meu Director tomou-o, leu-o e tudo compreendeu, sossegando-me e
dizendo-me que tudo previa em face de tudo quanto se tinha passado, mas não me tinha prevenido de
nada.

Foi tremenda esta tribulação, que se repetiu por várias vezes. Tinha ataques muito furiosos duas vezes
por dia, pelas nove ou dez horas da noite e depois do meio-dia, durante cerca de uma hora ou mais.
Durante os ataques, sentia em mim toda a raiva e furor do inferno. Não podia consentir que me falassem
de Nosso Senhor e na Mãezinha, nem podia ver as Suas imagens, cuspindo-as e calcando-as aos pés.
Também não podia consentir junto de mim o meu Director; chamava-lhe nomes, queria espancá-lo e
tinha-lhe uma raiva de morte, assim como a algumas pessoas da casa. Ficava com o meu corpo
denegrecido com as pancadas e a escorrer sangue com as mordeduras. Também dizia palavras muito
feias para quem estava junto de mim. Hoje gostava que muita gente presenciasse só para temerem o
inferno e não ofenderem a Jesus.

Depois que passava a influência do demónio e recordava o que tinha feito e dito, sentia horrorosos
escrúpulos; parecia-me ser a maior criminosa. Foram meses de doloroso martírio. Muito mais tinha que
dizer sobre este assunto, mas não posso. A minha alma não resiste ao relembrar tais sofrimentos.

JESUS MOSTRANDO-ME AS SUAS DIVINAS CHAGAS

― Uma noite, apareceu-me Jesus em tamanho natural, despido, apenas com uma faixa à cinta e nas suas
divinas mãos, pés e lado, estavam abertas profundas chagas. O sangue
escorria em abundância. Da chaga do lado escorria até à cintura,
atravessando a faixa, indo cair ao chão. Jesus sentou-se ao meu lado, ficando
com as pernas ao dependuro. Beijei com muito amor as chagas das mãos e
ansiava por beijar as dos pés. Como estava deitada, não lhes chegava, e nada
disse a Jesus. Mas Ele, que conheceu os meus desejos, com as Suas mãos
tomou um pé, levantou-o e deu-mo a beijar; depois o outro, deixando-os cair
para a mesma posição. Depois, contemplei a chaga do lado e todo o sangue
que dela corria. Muito compadecida, atirei-me para os braços de Jesus e
disse-Lhe: «Ó meu Jesus, quanto sofreste por meu amor!» Fiquei um
poucochinho encostada ao peito de Jesus e depois desapareceu-me Nosso
Senhor.

Escusado será dizer que jamais se apagará da minha mente tudo isto e
recordarei sempre, como sempre me estivesse presente. Sinto o meu coração
ferido ao recordar este quadro. Só por obediência e amor a Jesus falo nisto.
Penso que a apresentação de Nosso Senhor neste estado seria a prepara-me
para o que agora vou descrever. Que Ele me dê forças e a Sua graça para o
poder fazer.

Em 23 de Julho de 1938, escrevia: «Jesus é a minha força, é o meu amor, é o meu esposo. Deixai, meu
Jesus, que eu, a Vossa a louquinha de amor, Vos diga, não com os lábios mas com o coração: só a Vós
pertenço.

Não tenho nada, nada que não seja de Jesus.

É bem duro falar assim, quando se sente o contrário! Nas horas mais amargas da minha vida, nos dias
de tanta luta, em que o demónio me diz o contrário, só o contrário.

Maldito! Não te pertenço! Tu és só digno de desprezo! És a mentira!

Jesus é todo meu e eu sou toda de Jesus. Coração meu, grita alto, muito alto ao teu Jesus, que O amas!
Sim? Que O amas mais que todas as coisas da terra e do Céu!!!

Sou de Jesus na alegria, sou de Jesus na tristeza, sou de Jesus nas trevas, nas horríveis tribulações, na
pobreza, no abandono total.

Por Jesus sofro tudo para O contemplar, para salvar as almas.

Enviai, Jesus à Vossa Alexandrina, à Vossa vítima, tudo quanto se possa imaginar, tudo o que houver e
que se possa chamar sofrimento. Com Vós, Jesus, com o Vosso divino auxílio e o da Vossa e minha
querida Mãezinha, tudo venço. Nada temo.

Eu beijo-te, eu abraço-te, ó Cruz bendita do meu Jesus!!!»

O MEU RETIRO ESPIRITUAL

― Sempre que ouvia falar em pessoas que iam fazer um retiro, eu dizia: «Todos o fazem, só eu não! Eu
não sei o que é um retiro.»

Cheguei a dizer isto várias vezes na presença do meu Director espiritual. Este prometeu-me pedir licença
ao Sr. Padre Provincial e, uma vez que ele o autorizasse, viria aqui fazer-me um. Por altos desígnios de
Deus, a licença foi concedida e, em 30 de Setembro de 1938, veio o meu Padre espiritual principiá-lo.

Já há tempos que sentia grandes agonias na minha há alma e por vezes prestes a cair em assustadores
abismos. Nestes dias redobraram os meus sofrimentos. Os abismos eram aterradores. A justiça do Pai
Eterno caía sobre mim e Ele bradava-me repetidas vezes: «Vingança, vingança, etc.» Aumentavam os
meus sofrimentos da alma e do corpo. É impossível descrevê-los, só sentidos e presenciados. Passava os
dias e as noites rolando pela cama, a ouvir a voz assustadora do Eterno Pai.

Na manhã de 2 de Outubro de 1938, disse-me Nosso Senhor que iria passar por toda a Paixão, do Horto
ao Calvário, só não chegaria ao «Consummatum est». Seria a primeira vez no dia 3 e depois ficaria a
passar pela Paixão todas as sextas-feiras, pouco depois do meio-dia, às 3 horas, mas na primeira vez
ficaria até às 6 horas, a desabafar comigo, fazendo-me os Seus queixumes.

Não disse que não a Nosso Senhor. Preveni o meu Director espiritual de tudo que Nosso Senhor me
disse. Esperava o dia e a hora com grande aflição, pois nem eu nem o meu Director fazíamos ideia do
que se ia passar. Na noite de 2 para 3 de Outubro, se era grande a agonia da alma, também foi grande o
sofrimento do meu corpo, começando a vomitar sangue e a sentir dores horríveis. Vomitei bastantes dias
seguidos e, durante cinco dias, não tomei alimento algum. Foi neste sofrimento que eu fui para a
primeira crucifixão. Que horror eu sentia em mim! Que medo e até pavor!... É indizível a minha aflição.

PRIMEIRA CRUCIFIXÃO

― Depois do meio-dia, veio Nosso Senhor convidar-me assim: «Olha, minha filha, o Horto está pronto e
o Gólgota também, aceitas?»

Senti que Nosso senhor me acompanhou por algum tempo no caminho do Calvário, depois senti-me
sozinha, vendo-O a Ele lá no alto, em tamanho natural, pregado na cruz. Percorri todo o caminho do
Calvário sem O perder de vista… era junto d’Ele que eu tinha de ir parar.

Vi por duas vezes Santa Teresinha. Na primeira vez, via vestida de freira, entre duas irmãs, à porta do
Carmelo. Na segunda, vi-a cercada de rosas e envolvida num manto celestial.

Nota – Dado que a Alexandrina nunca se dispôs a descrever a Paixão, transcrevemos a


carta seguinte, em que descreve ao seu Director espiritual os sentimentos da sua alma
durante as horas que precediam a Paixão.

Balasar, 7/4/1939.

«Busco um bocadinho de alívio para o meu sofrer. Espero a hora da minha crucifixão. Nem posso falar.
O coração está em marcha acelerada. É uma revolta, é uma barafunda na minha alma. O peso esmaga-
me. Trevas, noite medonha e triste; estou num abandono tremendo. Figura-se-me que ando no meio de
todo o ódio, de tribunal em tribunal. Pobre de mim! E não recebi Jesus! Mas confio que Ele suprirá a
falta nas Comunhões espirituais, apesar do nojo que tenho de mim mesmo e horror à minha enorme
miséria.
Ontem a temperatura acalmou. Que horror eu sentia! O meu
corpo era-me trespassado todo, de um lado ao outro, com
agudos ferros. Que momentos tão terríveis! Apesar do
bocadinho de alívio, fiquei sempre numa noite escuríssima,
numa tristeza profunda. A noite, passei-a, posso dizê-lo, quase
que toda a fazer companhia a Nosso Senhor Sacramentado e
concentrava-me um pouquinho em toda a tragédia da noite.
Parecia que Jesus me convidava ao Horto. Que movimento de
gente! Mas tudo isto era sentido na minha alma.

Ai, meu padre, parece que tudo isto que estou a dizer-lhe é
mentira! Ai, tantas dúvidas!... Ai, ai os medos de toda a Paixão!
Já disse à Deolinda: do modo que sinto o coração, é preciso um
milagre para eu resistir. Jesus seja comigo! Não digo mais nada,
que não posso.»

Aqui, interrompeu a carta, porque logo se seguiu a Paixão. Sua


irmã Deolinda assim no-la descreve:

«Ai, meu padre, o que foi o dia de sexta-feira santa! É bem


sexta-feira da Paixão! Antes de principiar, oh, como se via nela
cara de aflição! Ela temia passar este dia! E dizia-me: Ai, se eu
vejo este dia passado!... Eu confortava-a quanto podia e acariciava-a; apesar de eu também estar cheia
de medo e muito aflita.

Durante a Paixão, eu não podia passar sem chorar e vi correr lágrimas pelas faces de quase todos os
assistentes. Que espectáculo tão comovedor! A agonia no Horto foi muito demorada e aflitiva… Ouviam-
se gemidos muito profundos e por vezes via-se soluçar. Mas a flagelação e a coroação de espinhos é que
foi! Os açoites forma tomados de joelhos, com as mãos (como que) atadas. Eu cheguei-lhe uma almofada
para debaixo dos joelhos e ela retirou-se dela, não quis. Tem os joelhos em mísero estado. Os açoites
não tinham conta! Levaram tanto tempo! Ela desfalecia tanto! Os golpes na cabeça (com a cana na coroa
de espinhos) foram inumeráveis. Vomitou por duas vezes durante a Paixão: era água, porque mais nada
tinha que vomitar. O suor era tanto que os cabelos estavam empastados e, ao passar-lhe a mão por cima
de toda a roupa, ficava molhada. Quando acabou a coroação de espinhos, ela parecia um perfeito
cadáver.

O Sr. Cónego Borlido veio assistir com mais duas pessoas. Também veio o Sr. Dr. Almiro de Vasconcelos
com a esposa e a irmã D. Judite.»

Continua a Alexandrina:

Durante alguns dias foi doloroso todo o meu sofrimento. Continuaram os vómitos de sangue e uma sede
abrasadora, que não havia água que me saciasse. Eu não podia beber, mas passava dias e noites seguidas
com a água a corre pela boca, não podendo engolir nenhuma. Cheguei a cansar-me e a cansar as pessoas
que me tratavam. Depois de passar muita e muita água pela minha boca ainda exclamava: «Dai-me
água, muita água, pipas de água!» Parecia-me que estava a arder, nada havia que me saciasse.

Sentia uns cheiros horrorosos; não queria que as pessoas se aproximassem de mim, porque todas e tudo
me cheirava a cães mortos. Davam-me violetas e perfumes a cheirar, mas tudo repelia, porque era
sempre o mesmo mau cheiro que me atormentava.

Não passei sem sentir mau paladar nos dias em que me alimentava e, desde que comia, de tudo tinha
nojos, porque tudo me sabia aos maus cheiros que tinha.
Quanto não teria eu que dizer sobre isto, se pudesse descrever tudo quanto sinto! Falta-me a coragem,
pois custa-me tanto lembrar estas coisas!...

DÚVIDAS E RECEIOS DE ENGANAR.


EXAMES DOS MÉDICOS E TEÓLOGOS

― Assim como iam aumentando as graças e favores para comigo, assim cresciam também as dúvidas e
receios de me enganar e enganar o meu Director espiritual, bem como
todos os que conviviam comigo. Crescia o meu martírio, momento
para momento. Tudo me aprecia falso e inventado só por mim. Meu
Deus, que dor para o meu coração! As trevas caíam sobre mim; não
havia luz que me mostrasse o caminho. Por mais que o meu Director
me infundisse confiança, não havia quem me confortasse. Contudo,
entreguei-me nos braços de Jesus, confiada a não ser arrastada pela
corrente.

Sofria por ver as lágrimas em todos os que me rodeavam e pensava:


Meu Deus, se falta a coragem a eles, como não há-de faltar-me a mim?

Que grande humilhação ter de ser observada! Ah, se eu pudesse sofrer


sozinha, sem que pessoa alguma me visse!... Bastava que Jesus
soubesse quanto por Ele sofria.

Logo na segunda crucifixão, principiaram os exames feitos por uns


Padres da Companhia de Jesus. Que vergonha eu sentia! Não nas
horas da crucifixão, mas antes e depois!...

Principiei a sentir que o meu Director espiritual sofria muito no íntimo, por minha causa, isto é, por
tudo o que se passava.

Sucederam-se a estes os dos médicos, que foram bem dolorosos, deixando o meu corpo em mísero
estado. Parecia-me que andava a ser julgada de tribunal em tribunal, como se tivesse praticado os
maiores crimes. Quanto me custava vê-los entrar no meu quarto e, depois de me examinarem e
observarem, vê-los reunir-se numa sala para discutirem e minha causa, deixando-me sob o peso da
maior humilhação.

Se não me engano, foi na terceira crucifixão que vieram os médicos examinar o meu caso. É difícil e sei
que não posso descrever todo o meu sofrimento. Deixavam o meu corpo martirizado, mas outras coisas
havia que me custavam muito mais. A vergonha que me faziam passar! Triste cena eu fazia diante deles!
Nem a maior criminosa seria julgada num tribunal com mais cuidado! Se pudesse abrir a minha alma e
deixar ver o que nela se passa, porque estou a reviver esses dias, fá-lo-ia só com o fim de fazer bem às
almas, mostrando quanto sofro por amor de Jesus e das almas. Foi só por isto que me expus a tais
sofrimentos.

Quando o meu Director espiritual me falou em ser examinada pelos médicos, foi para mim um grande
tormento, uma grande barreira que se levantou em minha alma. Queria sofrer escondida, que só Jesus
soubesse do meu sofrimento. Mandava a obediência. Calei-me e tudo aceitei por Jesus. Faltavam os
médicos para completar o meu calvário. Alguns foram verdadeiros algozes que no meu caminho
encontrei.

Resolveram que fosse ao Porto. Custou-me muito a convencer-me, devido ao estado em que me
encontrava. Temia não poder fazer a viagem e, ao convite do médico assistente, respondi-lhe: «Então o
Sr. Doutor, em 1928, não consentiu que eu fosse a Fátima e agora que eu tenho piorado tanto quer que
eu vá ao Porto?» Sua Exa. disse-me: «É verdade que não consenti, mas agora queria que fosse.»
Perguntei-lhe se o meu Director espiritual sabia do caso e, como me afirmaram que sim, cedi ao pedido.
No dia 6 de Dezembro de 1938, pelas 11 horas, fui tirada da minha cama para uma auto-maca. Naquela
manhã, fui muito visitada por pessoas amigas e em quase todas via lágrimas nos olhos, assim como nas
pessoas da minha família. Eu procurava alegrar a todos, fingindo que nada sofria. Foi dolorosa a minha
viagem, pois foram precisas três horas e meia para chegar ao Porto. Parámos inúmeras vezes.

No Porto, no consultório do Sr. Dr. Roberto de Carvalho, tirei a radiografia e por ele fui tratada com todo
o caminho. Disse-me assim: «Ai minha menina, quanto sofres!»

De lá fui transportada para o Colégio das Filhas de Maria imaculada, onde me trataram muito bem. O
que mais me custava era sofrer os ruídos da rua, chegando por vezes quase a perder os sentidos. Lá, fui
examinada pelo Sr. Dr. Pessegueiro, exame este que só serviu para maior sofrimento meu.

No regresso a casa, voltei a ter uma viagem penosa. Quando me encontrei no meu quartinho, vi-me
cercada de várias pessoas amigas. Em 26 de Dezembro de 1938, fui visitada e examinada pelo Sr. Dr.
Elísio de Moura, que me tratou cruelmente, tentando sentar-me numa cadeira com toda a violência.
Como nada conseguisse, atirou-me ara cima da cama, fazendo várias experiências que me fizeram sofrer
horrivelmente. Tapou-me a boca, atirou-me contra a parede, fazendo-me dar uma forte pancada. Vendo-
me quase desmaiada, disse-me: «Ó minha Joaninha, não percas os sentidos!».

Sem querer, chorei, mas todas as minhas lágrimas ofereci a Jesus com os meus sofrimentos, que foram
muitos, pois o que digo nada é do muito que passei. Tudo lhe desculpei, porque ele vinha em missão de
estudo.

SEGUNDO EXAME DA SANTA SÉ

― Em 5 de Dezembro de 1939, recebi a visita do nosso Sr. Abade, acompanhado pelo Ex.mo e Rev.mo
Senhor Cónego Vilar que, depois de me ser apresentado, ficou a sós
comigo. Falámos de várias coisas de Nosso Senhor cerca de duas
horas, para depois entrarmos verdadeiramente no assunto que o
trouxe aqui. Sua Reverência disse-me assim: «A Alexandrina deve
estranhar a minha visita, não me conhece…»

Sorri-me e respondi-lhe: «Eu sei com certeza ao que V. Reverência


vem aqui.» Ao que ele disse: «Diga, diga, Alexandrina.» Então disse
eu: «Vem de mando da Santa Sé», pois era o que eu sentia na minha
alma nesse momento. Sua Reverência confirmou, dizendo: «É isso
mesmo.» E apresentou os documentos que tinham vindo de Roma.
Fez-me várias perguntas a que respondi. Não falei da crucifixão, mas
falou-me ele, dizendo: «Parece que há mais qualquer coisa que se
passa há meses…», apontando a Paixão, mostrando desejo de vir
assistir, como veio logo na primeira sexta-feira seguinte.

Falando disto ao meu Director espiritual, este aconselhou-me a que


lhe falasse com toda a franqueza. Visitou-me quatro vezes, mas só
duas foram obrigatórias. Se não me engano, logo da primeira vez
disse-me: «Olhe, Alexandrina, gostava de há muito a ter conhecido, mas não queria ter vindo como
vim.» Confiou-me o segredo da sua partida para Roma, pois naquela ocasião só era sabedor o Sr.
Arcebispo.

Como me sentia muito bem a conversar com ele e como tinha toda a licença do meu Director espiritual,
falámos muito, mesmo muito de Jesus, porque sentia-me como que mergulhada num abismo de
santidade e sabedoria, o que raras vezes me acontece, mesmo com sacerdotes. Disse-lhe que não falava
assim com outros senhores Padres, porque não era feitio meu, mas sim pela confiança que nele sentia.
Sua Reverência respondeu-me: «Faz muito bem, Alexandrina, em nada dizer porque, se lhes dissesse,
eles não a compreenderiam.»
Chorei quando Sua Reverência se despediu de mim na partida para Roma. Prometeu escrever-me de lá,
dizendo-me que ficaria a ser a sua intercessora na terra. Recebi algumas cartas dele em que mostrava ter
em mim inteira confiança. Respondi-lhe, e ajudámo-nos mutuamente com orações a Nosso Senhor.

OPINIÕES DO POVO. NOVOS TORMENTOS

― Jesus ia-me pedindo mais sacrifícios. Com os exames médicos e da Santa Sé, foi-se o caso tornando
mais conhecido. Era um martírio para mim! Queria viver escondida de todos!

Apesar de a minha família não me contar o que a meu respeito diziam lá fora, muitas vezes sabia como
comentavam a minha vida. Coitadinhos dos ignorantes que tantas mentiras diziam! Afirmavam que a
minha ida ao Porto tinha sido para receber mensalmente uma tença (mensalidade) que o Sr. Dr. Oliveira
Salazar ficaria a mandar-me. Para uns era de 500$00, para outros de 300$00 e 200$00. Tanto valia
desfazer as mentiras como nada. Eles ficavam sempre na sua.

Outros diziam que fui tirar o «retrato de santa», isto é, avaliar a minha santidade por meio de uma
máquina. Minha irmã disse (para desfazer essa ideia): «Se isso pudesse ser, também eu queria tirar esse
retrato para ver no ponto em que estava.»

Que pena tenho que as coisas do Senhor sejam tão mal compreendidas!...

Outros então diziam que todos os senhores Padres que me visitavam andavam a pedir esmolas por essas
freguesias fora para me darem, e portanto que não me faltava nada.

Diziam que eu talhava o ar, fazendo de mim bruxa, que era corpo aberto; chegando várias pessoas a
aproximar-se de mim para fazerem várias perguntas, como se eu adivinhasse. Falavam-lhes muito
serenamente, fingindo não as compreender, mas, quando insistiam comigo, respondia-lhes: «Eu não
adivinho, nem ninguém adivinha. Nós não temos o direito de penetrar nas consciências alheias. Isso é só
para Nosso Senhor.»

Quando me contavam o que diziam a meu respeito, eu fingia não sofrer, mas sofria amargamente e
respondia: «Eles falam de mim? É porque têm que dizer. Eu não tenho; deixai que falem para eles. Que
Nosso Senhor lhes perdoe, que eu também lhes perdoo. Falam, falam e falarão. Não há quem os cale:
uns contra mim, outros a favor de mim.»

E assim o tempo ia passando.

VISITA DE UM MÉDICO ENVIADO POR DEUS


― Em 29 de Janeiro de 1941, recebi a visita dum Sr. Padre conhecido, acompanhado por várias pessoas
da sua freguesia. Apresentou-mas na chegada, mas só depois de conversar muito fiquei a saber que um
deles era médico. Ao saber que tinha junto de mim um médico, corei de vergonha, não por estar a mentir
do que tinha falado do meu sofrimento, mas por não o esperar aqui. Sua Excelência conservou-se calado
e sorridente. Não sei o que sentia intimamente por ele. Mal eu pensava que, dentro em pouco, ele seria
meu médico assistente.

Principiou a examinar-me minuciosamente, mas com toda a prudência e carinho. Depois de feito o seu
exame, achou conveniente convidar o Sr. Dr. Abel Pacheco e o meu médico assistente naquela altura,
que vieram conferenciar a meu respeito. Fiquei muito triste, porque já estava cheia de exames médicos,
mas cedi, tendo sempre em vista a vontade de Nosso Senhor e o bem das almas.

Foi no dia 1 de Maio do mesmo ano que fui examinada pelo Sr. Dr. Abel Pacheco. O exame durou poucos
minutos, contudo causou-me grande sofrimento para o corpo e para a alma. No corpo, porque as suas
mãos pareciam de ferro, e na alma, porque já sentia humilhações e o resultado daquele exame. Com tudo
isto ainda estava longe do fim. Fui prevenida pelo Sr. Dr. Dias de Azevedo que seria melhor voltar ao
Porto, consultar o Sr. Dr. Gomes de Araújo, se fosse essa a vontade de
Nosso Senhor. Pediu-me que pedisse luz divina sobre o caso, porque em
nada queria contrariar Nosso Senhor.

Pedi durante um mês. Mas, quanta mais luz pedia, mais em trevas
ficava, tornando-se assim a dor da minha alma cada vez mais profunda,
não sabendo o que havia de fazer, até que Nosso Senhor me disse que
era da Sua divina vontade que fosse ao Porto.

O meu estado físico era gravíssimo, temiam tirar-me do leito para tão
longa viagem; até eu temia, e muito, pois se não consentia que me
tocassem no corpo, como havia de poder ir tão longe!... Animada com as
palavras de Nosso Senhor, confiava n’Ele e, sob a Sua acção divina,
preparei-me para sair na madrugada de 1 de Julho de 1941. Eram quatro
horas da manhã, já eu tinha feito as minhas orações e, para fingir que ia
muito alegre, principiei a chamar minha irmã, dizendo-lhe que íamos
para a cidade. Só por este meio escondia a minha dor e alegrava os
meus. Quando dizia isto, senti o automóvel que pouco depois chegava a nossa casa. Entrou no meu
quarto o Sr. Dr. Dias de Azevedo, acompanha por um senhor amigo. Depois de conversarmos um pouco,
minha irmã vestiu-se e preparámo-nos para sair. Às 4,50 partimos, era ainda de noite, para não alarmar
o povo, e saímos da nossa freguesia sem encontrar ninguém.

Em que silêncio ia a minha alma! Mergulhada num abismo de tristeza, mas sem me separa um momento
da união íntima do meu Jesus, ia-lhe pedindo sempre toda a coragem para o exame que ia ter; e pelo seu
divino amor e pelas almas oferecia todo o meu sacrifício. Chamava pela Mãezinha e pelos santos e santas
a quem mais amava. Não ligava importância a nada e tudo o que se me deparava causava-me profunda
tristeza. De vez em quando, interrompiam o meu silêncio perguntando-me se ia bem. Agradecia, sem
sair do abismo em que ia mergulhada. Era já dia claro quando parámos em casa do senhor que nos
acompanhava, na Trofa. Era aí que eu ia descansar e receber o meu Jesus, esperando pela hora de seguir
para o Porto. Antes de continuar a minha viagem, levaram-me ao jardim do Sr. Sampaio. Amparada e
sob a mesma acção divina, fui até junto de umas florinhas, que colhi, dizendo: «Quando Nosso Senhor
criou estas florinhas, já sabia que hoje as vinha aqui colher.» Depois, fui fotografada em dois lugares
escolhidos. Desloquei-me de um lugar para o outro por meu pé, o que nunca pude fazer depois que
acamei, pois nem sequer podia voltar-me de lado, na cama. Só um milagre divino, porque sem ele não
me mexia, nem sequer consentia que me tocassem.

Depois, entrei no carro, segui a viagem, e a minha alma sofria horrivelmente. À distância de seis
quilómetros do Porto, Nosso Senhor retirou a Sua acção divina. Principiei a sentir todos os sofrimentos
do meu corpo e tornou-se tormentosa o resto da viagem e disse, não por saber a distância que faltava,
mas o meu estado fez-me falar assim: «Já estamos perto do Porto.» E alguém me disse: «Estamos,
estamos.» Porque tinha visto que só faltavam os 6 quilómetros a que me referi.

A ida de carro para o consultório foi o que há de mais doloroso. No corpo, sentia o maior martírio, e na
alma a maior agonia, parecendo que morria.

Antes de entrar na sala de consultas, dizia aos que me levavam nos braços: «Pousai-me, pousai-me,
ainda que seja no chão!» De repente, apareceu o médico e instalou-me numa cama de observações, e aí
estive até que fosse observada. Pouco antes de ir para a sala de consultas, Nosso Senhor tirou-me a
agonia da alma, deixando-me só os sofrimentos físicos. Já podia resistir melhor.

Principiou o exame que foi muito doloroso e demorado. Quando me despia, disseram-me que não me
afligisse. E eu, recordando o que fizeram a Nosso Senhor, disse: «Também despiram Jesus», não
pensando em mais nada. O Dr. Gomes de Araújo, apesar de me parecer um pouco brusco, foi prudente e
delicado.
De o regresso a casa, voltou Jesus a exercer sobre mim as Sua acção divina para continuar a minha
viagem, mas deu-me de novo as agonias da alma. Ao passar em Ribeirão, fui descansar em casa do Sr.
Dr. Dias de Azevedo, a esperar pela noite, para poder entrar na freguesia sem ninguém perceber.

Tanto numa casa como na outra, fui tratada por todos com muito carinho, mas nada me confortava.
Sorria a tudo, encobrindo o mais possível a minha dor. Saí de lá já de noite, e tudo me convidava a um
silêncio cada vez mais profundo. Tudo me passava despercebido. Durante a viagem, só reparei numas
flores do jardim de Famalicão, porque me chamaram a atenção para elas. Chegámos a casa era meia-
noite e assim conseguimos que ninguém desse pela minha saída.

Depois desta viagem, os sofrimentos agravaram-se muito, muito. Tudo o que deveria sentir no dia da
viagem guardou-me Nosso Senhor para o dia seguinte, piorando sempre cada vez mais.

CARTA A NOSSA SENHORA

«Balasar, 30/4/1941

Querida Mãezinha

Ao principiar o Teu mês bendito, venho pedir-Te a Tua bênção, o Teu amor, para eu poder amar o Teu e
meu querido Jesus. Quero amá-Lo tanto, tanto, quero ser uma louquinha de amor, quero só viver e
morrer de amor! Ajudai, minha querida Mãezinha, o Vosso Jesus a imolar e sacrificar esta que quer dar
o sangue e a vida pelas almas e pelo Vosso Jesus. Dá-me, Mãezinha, a Tua pureza, a Tua humildade, a
Tua obediência; dá-me as tuas virtudes para que eu seja santa, para dar toda a glória ao Teu Jesus para
quem só quero viver.

Mãezinha, peço-Te esta esmolinha do Céu: quero que o mês de Maio seja para mim o último que passo
na terra. Quero ir depressa gozar do Teu Jesus e da Tua companhia. Quero continuar junto de Ti a
implorar perdão e misericórdia para o mundo Teu. Tua filha a mais indigna, pobre Alexandrina.

P.S. – Hei-de fazer cair uma chuva de graças e de amor sobre aqueles e aquelas que na terra me são
queridos. Sempre a Tua filha, Alexandrina.»

VISITA DO REVº PADRE TERÇAS.


CONSEQUÊNCIAS DESTA VISITA

― Em 27 de Agosto de 1941, recebi a visita do Sr. Abade acompanhado pelo Sr. Padre Terças e outro
sacerdote. Esta visita foi para mim de grande desgosto, pois fiz o sacrifício de responder às perguntas
que o Sr. Padre Terças me fez diante de todos, o que me custou imenso. Respondi a tudo
conscientemente, porque prensava que viria em estudo como outros tinham vindo. Só Nosso Senhor
pode avaliar quanto me custou ter de falar do assunto da Paixão, e foi sobre isto que mais me interrogou.
O nosso Pároco disse-me que Sua Reverência queria voltar aqui na próxima sexta-feira, dia 29. Não
queria ceder ao pedido sem consultar o meu Director espiritual, mas, como me disseram que se tinha de
retirar para Lisboa nos dias imediatos a este, consenti dizendo: «Eu penso que Vossa Reverência não
vem aqui por curiosidade.» Como me afirmasse que não, cedi prontamente, embora me fizesse sofrer
muito a sua visita na sexta-feira. Sua Reverência não faltou, mas trouxe consigo mais três sacerdotes.
Mal eu pensava que esta visita vinha erguer para mim um novo calvário. Não levou muito tempo que Sua
Reverência publicasse o que observou e o que soube de mim.

Que Jesus tenha em conta a dor que me causou aquela publicação, por saber que a minha vida foi
publicada e os meus segredos revelados, aquilo que tanto tempo escondi.

De vez em quando, chegavam-me aos ouvidos vários comentários a meu respeito. Eram espinhos que me
cravavam no peito, mesmo sem as pessoas darem por isso. Eram variadas as impressões com que
ficavam as pessoas que liam o livro ou ouviam falar de mim.
A minha ida ao Porto e a publicação da minha vida fizeram inquietar os espíritos dos Superiores do meu
Director espiritual a ponto de o proibirem de vir junto de mim e de me prestar a assistência religiosa que
necessito, assim como o proibiram também de me escrever e de receber as minhas notícias.

Depois disto, principiei a viver de ilusões: virá hoje o meu Director espiritual, virá amanhã? Vinham ao
meu pensamento mil e uma coisas. Impressionava-me por me lembrar que perdia o tempo em coisas
inúteis, mas não era capaz de desviar o meu espírito do que tanto me fazia sofrer. Passava algumas horas
persuadida de que tudo podia suceder como eu pensava. Um dia, persuadi-me de que, apesar de não ser
prevenida pelo meu Director espiritual, este viria celebrar o Santo Sacrifício da Missa no meu quartinho.
Pensei: vem amanhã no comboio sem me prevenir. Principiei a ouvir o comboio ao longe e, ao chegar ao
apeadeiro, pareceu-me que o comboio teve lá grande demora, motivada por desastre de que foi vítima o
meu Director espiritual, sendo apanhado por uma perna que lhe ficou logo cortada. Queriam levá-lo
para a Póvoa, mas, como Sua Reverência dissesse que vinha visitar-me, pediu que o trouxessem à minha
presença. Senti como se o visse entrar no meu quarto nos braços de várias pessoas, quase moribundo.
Uma das pessoas trazia a perna na mão. Quando se me representou aquele quadro tanto ao vivo na
minha alma, senti como que me pusesse de joelhos diante de Nossa Senhora, exclamando: «Ó Mãezinha,
mostrai aqui o Vosso poder», que era o de colar a perna. Depois disto, figurou-se-me que não tinha
vindo à nossa casa e que o levavam para o Hospital. Ao saber-se de tudo isto, senti que os seus irmãos
em religião se regozijavam e diziam: aqui está uma prova evidente de que Nosso Senhor não queria que
ele fosse junto dela.

Parecidas com estas ilusões tive mais, mas não me fizeram sofrer tanto como esta.

A minha vida foi toda uma vida de sacrifício; quase posso dizer que não sei o que é gozar, do que não
sinto nenhuma pena. Sinto-me no fim da vida e, se junto à pena de ter ofendido Nosso Senhor eu podia
juntar o gozo deste mundo, era um horror para mim. Só ter gozado o pecado, que horror!

Anseio pela eternidade, porque só lá saberei agradecer a Jesus o ter-me escolhido para viver esta vida de
sacrifício, ansiando só por amar Jesus e salvar as almas.

Sei bem que poucas almas me compreenderão, mas uma só coisa me basta: Jesus tudo compreende.

O MEU ENTERRO

― Os meus desejos são que o meu enterro seja pobrezinho. Quero que o meu caixão seja de forma a não
ser muito bom, nem muito fraco, para não chamar a atenção de ninguém. Quero ir vestida de branco,
como «Filha de Maria», mas muito modesta. Porém, sei que tenho um vestido muito bom, melhor do
que era minha vontade: ofereceram-mo e, como não tenho vontade própria, por ser mais perfeito, aceito
tudo o que me quiserem dar.

Se não for proibido pela Santa Igreja, quero no meu caixão muitas flores. Não porque as mereça, mas
sim porque as amo muito. Se fosse por merecimento meu, nada tinha e nada levaria.

A minha vontade é ir para a terra, sem caixão de chumbo. Também não quero ofício, porque minha mãe
não tem posses para isso.

No trajecto do meu enterro, queria o máximo recolhimento. Causa-me dó presenciar e ouvir a maneira
como se fazem os acompanhamentos fúnebres.

Não quero autópsia; basta o meu corpo em exposição, enquanto viva, às consultas dos médicos.

A MINHA CAMPA

― Quero ser enterrada, se puder ser, de rosto virado para o sacrário da nossa igreja. Assim como na vida
anseio estar junto de Jesus Sacramentado e voltar-me para o sacrário as mais vezes possíveis, quero
depois da minha morte continuar a velar
o meu sacrário e manter-me voltada
para ele. Sei que com os olhos do meu
corpo não vejo o meu Jesus, mas quero
ficar assim para melhor provar o amor
que tenho à Divina Eucaristia.

Quero que a minha campa seja rodeada


de plantas chamadas martírios, para
assim mostrar que os amei na vida e os
amo depois da morte. A entrelaçar com
os martírios quero roseirinhas de trepar,
mas daquelas que têm muitos espinhos.
Amo e amarei durante a vida os
martírios que Jesus me dá e os espinhos
que me ferem e amá-los-ei depois da
morte e quero-os junto de mim, para
mostrar que é com espinhos e com todos os martírios que nos assemelhamos a Jesus, que consolamos o
Seu Divino Coração e que salvamos as almas, filhinhas de todo o Seu Sangue. Que maior prova de amor
podemos dar a Nosso Senhor senão sofrendo com alegria tudo o que é dor, desprezo e humilhações?!
Que maior alegria podemos dar ao Seu Divino Coração senão dando-Lhe almas, muitas almas por quem
Ele sofreu dando a vida?!

Quero também ao cimo da minha campa uma cruz, e junto dela, uma imagem da querida Mãezinha. Se
puder ser, gostava que uma coroa de espinhos envolvesse a cruz. A cruz é para sinal que a levei durante a
vida e amei até à morte. A Mãezinha é para mostrar que foi Ela quem me ajudou a subir o caminho
doloroso do meu calvário, acompanhando-me até aos últimos momentos da minha vida. Confio que
assim será. Ela é Mãe, e como Mãe não me deixará sozinha no último transe da minha vida.

Amo a Jesus, amo a Mãezinha, amo o sofrimento, e só no Céu compreenderei o valor de toda a minha
dor!!!

QUARENTA DIAS PASSADOS NA FOZ (1943)

― Para satisfazer os desejos e vontade do Sr. Arcebispo Primaz, mais uma vez me sujeitei a uma nova
conferência, que se realizou no dia 27 de Maio deste ano. Quando me comunicaram isto, novo
sofrimento se apoderou do meu espírito, mas como visse em tudo só a vontade santíssima de Deus,
aceitei, como sempre, por obediência, pois o que mais me custava era o ter de me sujeitar a mais um
exame médico. Quando me disseram o dia em que os médicos vinham, pedi com todo o amor à minha
querida Mãe do Céu que me desse a calma precisa para tudo suportar com coragem e resignação, pois
era por Jesus e pelas almas que a tudo me ia sujeitar.

No dia combinado, compareceram o meu médico assistente,


Sr. Dr. Manuel Augusto Dias de Azevedo, o Sr. Dr. Henrique
Gomes de Araújo e o Sr. Dr. Carlos Lima. Quando chegaram
junto de mim, eu encontrava-me na maior serenidade e
calma. Nosso Senhor tinha ouvido e acedido ao meu pedido!
As primeiras palavras de um dos médicos foram para saber
se eu sofria e por quem oferecia esses sofrimentos; se sofria
contente e se ficaria satisfeita, se Nosso Senhor de um
momento para o outro me tirasse esses mesmos sofrimentos.
Respondi que realmente sofria muito e que oferecia todos
estes grandes sofrimentos por amor de Nosso Senhor e para conversão dos pecadores. Novamente me
perguntaram qual era a minha maior aspiração e eu respondi: «É o Céu!» Então disse-me se eu queria
ser uma santa como Santa Teresa, Santa Clara, etc., e subir às honras do altar, deixar nome como esses
grandes do mundo. «É o que menos me preocupa!»

Querendo tirar-me a confiança em Deus, propôs-me o seguinte: Se para salvar os pecadores fosse
necessário perder a própria alma, que faria? «Eu tinha toda a confiança que no fim de salvar as outras, a
minha seria salva também; mas, se no fim perdesse a minha, então, não, pois nem Nosso Senhor seria
capaz e pedir uma coisa dessas... E ainda digo mais: prometi a Nosso Senhor os meus olhos, que é o que
tenho de mais querido no meu corpo, se isso fosse necessário para converter Hitler, Staline e todos os
outros causadores da guerra.»

— E por que não come?

— Não como porque não posso, sinto-me cheia, não tenho necessidade de comer, mas sinto saudade da
comida.

Depois começaram a fazer o exame médico, que eu suportei sempre bem disposta. Foi muito rigoroso,
mas, ao mesmo tempo, tiveram cuidado com o meu corpo.

No fim resolveram — visto eu não estar em condições de fazer a viagem — mandar para cá duas
religiosas para se certificarem da veracidade de eu não me alimentar.

Quando eles se ausentaram, Nosso Senhor fez-me sentir que a resolução que eles tinham tomado não ia
ter realização e fiquei à espera de notícias que me trouxessem nova maneira de pensar dos médicos.

A 4 de Junho, veio cá o médico assistente, juntamente com o meu confessor ordinário, comunicar-me a
resolução dos médicos e convencer-me, e à minha família, para eu ir para o Refúgio da Paralisia Infantil,
num quarto particular, estar lá um mês, para verificarem, mais de perto, tudo o que em mim se passava.
Eu respondi imediatamente que não, mas logo me arrependi do que tinha dito e da obediência devida, e
disse que sim, porque não queria desobedecer ao Senhor Arcebispo, deixar mal situados o meu Director
e o médico assistente, e todos aqueles que tanto se têm interessado por mim. Pus, porém, umas
condições:

1) de poder receber a Jesus todos os dias;

2) de minha irmã me acompanhar sempre;

3) de não ter mais exame nenhum, porque ia para observação e não para exame.

Durante aqueles dias que cá estive, pedi a Jesus e à Mãezinha que me dessem forças e coragem para ser
a coragem dos meus, que se encontravam desolados. Quantas vezes, durante a noite, com o coração
oprimido e as lágrimas a bailarem-me nos olhos, eu pedia a Jesus que me ajudasse, pois parecia-me que
me iam faltar as forças e via-me sem coragem para mim, quanto mais para dar aos outros!

Chegou o dia 10 de Junho, em que estava tudo preparado para a minha partida para a Foz. A amargura
que se apoderou de mim era enorme, mas, ao mesmo tempo, sentia uma coragem tão grande que com
ela podia encobrir o que ia na minha alma. Confiava tanto em Jesus, e estava tão convencida do seu
Divino auxílio que até julgava, que, se necessário fosse, Jesus enviaria os seus próprios anjos a ajudar-
me no exílio onde ia encontrar-me. Quando o médico chegou junto de mim, não teve coragem para me
dizer que era preciso partir, mas eu disse-lhe então: «Vamos! quem não vai não vem.»

Então começaram as despedidas. Só Nosso Senhor sabe quanto me custou esta separação, pois todos os
meus vieram abraçar-me e beijar-me cheios de dor. Eu só olhava para o Sagrado Coração de Jesus e para
a querida Mãezinha a pedir-Lhes que me dessem coragem e forças.

Ao descer as escadas na maca, disse-lhes para os animar: «Coragem! Tudo isto é por Jesus e pelas
almas!» Não pude dizer mais nada, tal era o aperto que sentia em meu coração e seria impossível conter
as lágrimas. Era isso o que eu não queria, não por mim, mas para não ser causa de maiores dores para os
meus. Quando fui posta na maca, rodeada por mais de cem pessoas, via as lágrimas nos olhos de quase
todos, ouvia os gritos de minha mãe e mais pessoas de família. Era indizível a minha dor. Era
ansiada (sic) de partir, mas partir depressa. O meu coração pulsava com tanta força que parecia
arrancar-me as costelas. Nessa ocasião disse a Jesus: «Aceitai, meu Jesus, todas as pulsações do meu
coração, por Vosso amor e para salvação das almas.»

A viagem foi difícil de fazer, pois o meu coração sentia imenso e parecia por vezes que ia sucumbir.
Olhava para a minha irmã e via-a muito desolada. O médico dizia-me que, com doentes como eu, não
custava fazer viagens, porque me via sempre com um sorriso nos lábios, mas só Jesus sabia a amargura
que ia no meu coração e as torturas do meu pobre corpo. Com as trepidações da auto-maca, eu sentia
grandes aflições no coração, mas repetia sempre: «Tudo por Vosso amor, meu Jesus, e que a noite
escura que sinto na minha alma, sirva para dar luz as almas!»

Ao chegar às últimas casas de Balasar, vi que o Sr. Sampaio levantou as cortinas da auto-maca e notei
que as lágrimas assomaram aos olhos do médico, que ia a meu lado e exclamou: «Coitadinhas!» Ao ouvir
estas palavras, perguntei-lhe o que era. Disseram-me que umas crianças, à beira da estrada, lançavam
flores para o nosso carro. Senti-me então cheia de compaixão para com as criancinhas, enquanto as
lágrimas teimavam deslizar-me nas faces, o que a custo pude conter. Quando chegámos a Matosinhos, o
médico levantou a cortina da janela da auto-maca para eu ver o mar. Então um silêncio enorme se
apoderou do meu coração e, ao ver o movimento contínuo das ondas e a sua vinda até à praia, eu pedi a
Jesus que o meu amor fosse também assim sem interrupção e duradoiro.

Chegámos perto do Refúgio, e o Sr. Dr. Gomes de Araújo não quis que a auto-maca fosse até à porta e
para isso disse aos bombeiros que virassem a maca e me levassem assim pela rua, cobrindo-me o rosto
para que ninguém me visse. Logo nessa ocasião, o meu coração mais triste ficou, pois adivinhava já o
que seriam para mim esses longos trinta dias que iria passar nessa casa. Enquanto ma transportavam de
rosto encoberto, parecia-me estar num caixão. A minha tristeza subia, e eu perguntava a mim mesma:
«Que crime fiz eu?»

A subida das escadas do Refúgio foi um martírio, por eu estar de cabeça para baixo. Só no quarto
descobriram-me o rosto, e eu vi-me então rodeada pelo Sr. Dr. Araújo e algumas das senhoras que iam
servir de vigias, enquanto eu lá estivesse. Colocaram-me na cama que já estava destinada para mim.

À minha irmã mandaram-na para outro quarto, contra o que eu tinha pedido, pois este era um dos
maiores sacrifícios que podíamos fazer, tanto uma como a outra. Como havia eu de passar sem ela, que
me dava todas as voltas precisas e me ajudava com as suas carinhosas palavras a levar este doloroso
calvário?...

Estava apenas na cama quando a Deolinda se apresentou à porta trazendo uma mala, em que tínhamos a
nossa roupa. O médico, Dr. Araújo, ao ver a minha irmã, berrou alto: «Essa mala lá fora!...». Foi espinho
sobre espinho. Principiou a dar ordens: «As vigias, as vigias! A doente pode dizer o que quiser, mas as
senhoras não têm licença de a interrogarem».

Depois de dar todas estas ordens, retirou-se, ficando o médico assistente e duas senhoras que estariam
ali permanentes para vigiarem todos os seus movimentos.

À noitinha já, ao retirar-se para vir embora o Sr. Dr. Dias de Azevedo, então não consegui reter por mais
tempo as lágrimas que me banhavam os olhos. O meu médico teve ainda esta fineza, este respeito pela
minha dor ― mais do que respeito, carinho: «Coragem, amanhã voltarei cá!»

Chorei sentidamente, mas logo ofereci essas lágrimas tão amargas ao meu querido Jesus. Ao verem-me
tão desolada, sempre consentiram que essa noite ficasse junto de mim a minha irmã juntamente com
uma das senhoras enfermeiras para ela aprender as voltas que a minha irmã me costuma dar, mas
ajuntou logo: «Só por esta noite, porque amanhã não fica».
No dia seguinte, que era sexta-feira, começou então para mim o verdadeiro calvário naquela casa. Na
ocasião do êxtase, como acontece todas as sextas-feiras, a minha irmã veio para junto de mim,
encontrando-se também o médico assistente e uma enfermeira.

Nada escapou aos observadores, nem os pequenos pormenores que foram depois espalhados e
comentados. Tais como estes: o Sr. Sampaio ter puxado pelo relógio, … a minha irmã ter ajoelhado ao pé
de mim para ouvir as palavras do êxtase, … uma enfermeira ter chorado, etc.… O Sr. Dr. Azevedo
escreveu, como sempre as palavras do êxtase para entregar aos médicos. A Deolinda, que devia por
ordem estar apartada do quarto, andava amargurada e pedia: «Nem ao menos poderei ver a minha irmã
à porta do quarto? A minha vista alimentá-la-à, talvez?» E debruçada sobre a minha cama, chorava
inconsolável.

Foi então que eu lhe disse: «Não te aflijas, Nosso Senhor há-de estar connosco!» A vigia que chorara
durante o êxtase, batendo-lhe no ombro, disse-lhe: «Não chore, o Sr. Dr. Araújo é de muita caridade!»
Mas foi o bastante para nunca mais essa vigia poder aproximar-se de mim, a não ser nos últimos dias,
quando já havia provas de verdade, e mesmo assim, só acompanhada por outras pessoas.

Deve-se isto, e muitas coisas mais, a uma vigia que foi o meu carrasco durante os dias da Foz. Deus
Nosso Senhor lhe perdoe.

Nessa noite, comecei a sentir uma crise tremenda de vómitos que, como sempre, muito mal me fazem e
tanto me afligem, mas mais ainda aí, onde não tinha a não ser uma vez quem me amparasse.

No sábado, veio novamente o Sr. Dr. Gomes de Araújo ver como eu me encontrava e saber de tudo o que
se tinha passado. A minha prostração era tão grande que não dei conta de quando bateu à porta, que
estava sempre fechada à chave; só o ouvi quando, ao pé da minha cama, dizia à enfermeira: «Está
pronta! Está pronta!» Foi então que abri os olhos e disse-lhe: «Ó Senhor Doutor, em casa também tenho
estas coisas.» A resposta dele, muito pronta e imperiosa: «Menina, não pense que vem aqui para
jejuar!» Compreendi onde queria chegar e senti-me profundamente ferida.

Quando soube do que se tinha passado na sexta-feira, exigiu os escritos do êxtase e foi então que disse
berrando: «Parece impossível que o Dr. Azevedo, sendo um rapaz tão inteligente, se deixe levar por estas
coisas. Isto tem que acabar. No entanto, que desapareçam todos os relógios para ela ignorar as horas...»
(Como se Nosso Senhor precisasse deles!)

Ao ver o meu estado, queria medicar-me, mas eu não o consenti, nem o consentiria. Quantas vezes as
enfermeiras vieram junto de mim, convencidas de que eu tinha morrido. Foram cinco dias de contínua
agonia, mais da alma do que do corpo, pois durante estas crises não consentiram que a minha irmã
viesse para junto de mim, eu que em casa chegava a precisar que duas pessoas me aliviassem. Julgavam
todos que esta crise era devida à falta de alimentação, porque ao verem-me completamente isolada e
sem ninguém que me pudesse levar qualquer alimento, eu sentiria necessidade de o pedir ou então que
estava a morrer. Como estavam enganados! O meu alimento vinha-me da Hóstia bendita da minha
Comunhão de cada manhã.

Foi durante esta crise que voltou a visitar-me o médico assistente e, depois de informado pela minha
irmã lá fora da minha prisão, ao pé da minha cama, foi aconselhado pela vigia de que eu precisava de
tratamento. E eu que ainda não tinha conta de ele entrar, abri os olhos para ele e ouvi que ele dizia para
a mesma: «Esta doente veio para aqui para ser observado e nada mais. Creio que o Sr. Dr. Araújo
cumprirá com as condições. Não consinto que se lhe dê uma injecção ou outro medicamento, a não ser
que ela o peça. E as senhoras verão que, passada esta crise, as olheiras desaparecerão, as cores voltam, o
pulso volta ao seu normal. Não digo mesmo ao seu normal, talvez devido aos ares do mar... O que lhes
afianço é uma coisa: morrerão as senhoras, morrerei eu, mas ela cá no Refúgio não morre.»

Sentado ao pé de mim, veio dar-me um pouco de alívio de que precisava. Porque Nosso Senhor assim
permitiu e achou bem; passados cinco dias os vómitos desapareceram por completo e a cor natural do
rosto voltou juntamente com o brilho dos olhos. À nova visita do médico assistente que ia
frequentemente ver-me, a vigia teve esta frase: «Veja, Senhor Doutor! Olhe essa cara!» Ele, muito
delicado sempre, mas com firmeza: «Foi com os bifes que comeu e com as injecções que levou.»

Jesus quis mais uma vez mostrar o seu poder nesta humilde criatura sua. Contudo, todas as senhoras-
vigias cumpriram bem as ordens do médico, pois não me abandonavam um momento. A porta do meu
quarto só se abria para dar passagem aos médicos ou às enfermeiras.

À nova transformação que houve em mim, nem o médico nem as enfermeiras se queriam convencer de
que era possível eu continuar a viver sem me alimentar. Porque se usavam argumentos para me
atemorizarem, passava-se de repente a frases que mostravam carinho e interesse pela minha pessoa. Eu
ouvi dizer nas conferências que tinham uns com os outros que o meu caso seria de histerismo ou outro
qualquer fenómeno que não sabiam explicar. Um dia em que se aproximou de mim o Sr. Dr. Dias de
Azevedo, eu disse-lhe o que ia na minha alma tão amargurada: «Para ser tratada como histérica não
preciso de estar aqui.» Mas ele respondeu-me que tivesse coragem e confiança. Eu assim fiz, para
cumprir em tudo a vontade santíssima de Deus. O Sr. Dr. Gomes de Araújo visitava-me sempre duas ou
três vezes ao dia e sempre a horas desencontradas, para ver se conseguia descobrir alguma coisa, penso
eu, e algumas vezes entrou no meu quarto já sendo noite, sendo ele a vigia que foi baptizada por alguém
com o nome de «cardeal-diabo».

Ainda que eu vivesse até ao fim do mundo, nunca mais poderia esquecer a impressão que me causava o
abrir e fechar das portas pelo médico, porque estava sempre à espera do que ele iria dizer. Sentia uma
impressão tão grande que o meu coração estremecia e a minha alma mais triste se sentia. E quantas
vezes dizia e repetia a Jesus: «Que esta noite sirva para dar luz a ele, às pessoas que me rodeiam e a
todas as almas que se encontram nas trevas».

Nas conversas e interrogatórios, que várias vezes me fez, empregou o Sr. Doutor todos os meios
possíveis, para me convencer a alimentar-me e fazer-me sentir que não devia fazer assim, porque Deus
não gostava. Até pelos escrúpulos me quis levar. Mais, a enfermeira tentou muitas vezes levar-me pelo
lado do coração; uma das vezes que falou comigo, até queria ver se conseguia tirar-me a fé. Serviu-se de
quantos meios tinha ao seu alcance, e, com interrogatórios intermináveis e torturantes para me levar a
desanimar, julgando que tudo isto, quanto se tem passado em mim, fosse influência humana e não de
Deus. Se em todos os dias que era interrogada pelo médico me parecia ter diante de mim um lobo com
pele de cordeiro, neste dia, pior ainda: parecia-me ver nele o próprio Satanás, com as suas artes, com
seus sorrisos manhosos, a tentara tirar-me a fé e a persuadir-me que tudo era ilusão.

«Convença-se, a menina — dizia ele — que Deus não quer que sofra. Se quer salvar os outros, que os
salve Ele, se é verdade que tem poder para isso! Se é verdade que Deus recompensa aqueles que sofrem,
para si já não tem recompensa para lhe dar, pelo que tem sofrido».

Mas, meu Deus, eu sei que Vós sois infinito, infinito no poder, infinito nos Vossos prémios.

Se fosse como ele diz, por quem sofro eu?

Acompanhava as suas palavras com um olhar maliciosos de demónio. (Assim me parecia.) Eu, então
respondi-lhe:

«São tão grandes, tão grandes as coisas de Nosso Senhor, e nós somos tão pequeninos, tão pequeninos,
ao menos eu!» Ficou-se; e depois, indignado, disse: «Tem razão; mas eu sou pessoa maior um bocado!»
– e saiu.

«Quão longe estava o médico de conhecer esta lei do amor das almas! Se ele soubesse o valor duma
alma, veria então que nada é demais tudo quanto façamos para as salvar.
Era uma chuva constante de humilhações e sacrifícios. Oh, se eu soubesse sofrer bem, quanto tinha que
oferecer a Jesus! Estavam sempre a aparecer coisas novas que humilhavam e sacrificavam. Tinha aos
pés da minha cama um retrato da pequenina Jacinta, que me mandaram para lá. Eu olhava-a com amor
e, então, já sem temer que as vigias contassem ao médico, dizia assim: «Querida Jacinta, tu, tão
pequenina, soubeste o que isto custa! Ajuda-me, lá do Céu onde estás.» Só o auxílio do Céu, só as
orações de almas boas podiam ser a minha força, para subir tão doloroso calvário e suportar o peso de
tão pesadíssima cruz!

Era interrogada pelo Sr. Dr. Gomes de Araújo todas as vezes que ele vinha junto de mim. Repetia
frequentes vezes as mesmas perguntas e todas as vezes me deixava assustadíssima, dizendo quase
sempre: «Temos muito que conversar.»

Logo que eu o via sair do quarto, respirava fundo e dizia para mim mesma: Graças a Deus que já estou
livre de ti. Mas logo o pensamento que ele depressa voltava me deixava um sofrimento bem amargo.

Um dia, sentado ao meu lado direito, procurou todos os meios para convencer-me de que tudo isto que
se passava eram ilusões minhas e então principiou com uns rodeios, muito ao longe, sobre a Medicina,
falando num professor seu e num Colégio do Porto onde ele tinha gasto muitas horas de noite no seu
estudo, não tinha dormido, e tinha escrito muitas páginas e convencido de que tinha acertado com o seu
estudo, foi ao encontro do professor contar-lhe o resultado das suas lições. O professor dizia-lhe: «Tem a
certeza do que diz?» E ele afirmava-lhe, uma e outra vez, que sim, por esta e por aquela forma. A
conversa já ia longa e eu fitava-o como se nada compreendesse, e dizia para mim mesma: «Andas por
tão longe, para vires cair tão perto!» Enquanto ele continuava dizendo: «Eu estava convencido que tinha
feito um belo estudo; o professor deixou-me dizer tudo e depois disse-me: “Não vê que está enganado,
que não pode ser nada disso, por esta e por aquela razão?” Eu fiquei: Meu Deus, tantas horas perdidas!
Tantas horas de ilusões! Tudo caiu por terra!» — Eu, que já via há muito tempo aonde ele queria chegar,
sorri-me e disse: «Não cai, Senhor Doutor. Tenho à minha frente um Director muito santo e muito sábio
e estudou o caso por alguns anos. E, se a obra é de Deus, não há nada que a deite por terra».

Ele, um pouco embaraçado, disse-me: «Ai não!...» ― fingindo com as suas palavras que não era isso o
que ele queria dizer. Dada a minha resposta, depressa se retirou, e já era tempo.

Ai, meu Jesus, só convosco podia desabafar, só para Vós eram as minhas lágrimas. Cantava com o maior
dos entusiasmos. Mas dentro em mim e até aos meus próprios olhos parecia-me não haver sol nem dia.
Algumas vezes, durante a noite, lembrava-me: o que estará, agora, minha irmã a fazer? Estará a chorar?
E lembrando-me que ela sofria tanto por minha causa, uma vez não pude conter as lágrimas. Chorei,
chorei. Só receava que Jesus ficasse triste pelas minhas lágrimas. Mas Ele bem sabia que tudo queria e
aceitava por Seu amor, com desejo imenso de lhe dar todas as almas. E oferecia-Lhe as minhas lágrimas
como actos de amor para os sacrários. Quanta mais amargura, mais amor, não é, meu Jesus? Aceitai. Foi
minha mãe visitar-me aos 16 dias e aos 30. Tinha tanta saudade dela! Estava tão pouquinho tempo junto
de mim e sempre sob os olhares curiosos das espias! Ela chorava e eu fingia não ter coração: sorria-me e
gracejava com ela, acariciava-a, e com o meu sorriso enganador escondia a amargura que me ia na alma,
e retirava as lágrimas que teimavam deslizar-me nas faces. Animava-a e desabafava intimamente
sozinha com o meu Jesus. Era a minha cruz, e quem não havia de levá-la por amor d’Aquele que morreu
por mim?

Assim iam passando os dias nesta luta constante, alternados pela mudança das senhoras enfermeiras,
que iam e vinham conforme a vontade do médico. Com algumas sofri imenso porque chegaram a ir além
dos direitos que lhes competiam e dos deveres que tinham a cumprir. Ao aproximarem-se os dias que o
médico tinha dito que nos iria pôr mais à vontade, visto estar convencido da verdade, deixando minha
irmã passar mais algum tempo junto de mim e da vigia que desempenhava a sua missão, concedendo
também, aos 29 dias, uma visita, embora de fugida, das irmãs franciscanas do Refúgio, pensávamos
também mandar dizer aos meus o dia do regresso, mas, sem o esperarmos, deu-se o contrário.
Uma das vigias informou do que se passava, a meu respeito, um médico que não me conhecia nem
conhecia o caso, o que levantou novas dúvidas.

Atreveu-se esse médico a dizer que não podia ser, que as vigias facilmente se deixavam enganar e que só
acreditaria, mandando para lá enfermeiras da sua confiança.

O Sr. Dr. Araújo, um pouco indignado por não acreditarem na observação feita por ele, exigiu que o
mesmo mandasse então uma pessoa da sua confiança. E escolheu uma irmã dele. Quando nós
pensávamos ver suavizada a nossa dor, foi então que se nos pediu nova prova, mais triste e dolorosa.

O Sr. Dr. Araújo procurou convencer-nos de que era conveniente passar lá ainda dez dias, embora ele
estivesse convencidíssimo da verdade, e, contra a vontade de minha irmã, ele insistiu que era preciso
ficar para convencer o outro médico. Eu respondi-lhe: «Quem está trinta está quarenta». Assim é que
ficou resolvido.

O Dr. Álvaro, na verdade, nem exigia tanto tempo, bastava-lhe só, para se convencer, que eu ficasse
quarenta e oito horas sem comer e sem evacuar, e não exigia mais.

Foi o mesmo Dr. Araújo que, delicadamente, para honra do seu nome, convidou a senhora a ficar mais
um dia, depois mais outro.

Mesmo depois de cumprida a sua missão, essa senhora voltou várias vezes a visitar-me, convencida
enfim da verdade. Este último tempo foi um verdadeiro calvário e eu oferecia a Nosso Senhor e à
Mãezinha este grande sacrifício. Dura prova, meu Deus!

O Dr. Araújo, sem me dizer o que ia fazer, tomou a borracha que tinha sobre o estômago e um garrafão
de água que as vigias tinham para molharem o pano da cabeça e infundiu lá o que ele quis para eu, que
ignorava o facto, se chupasse do pano ou da borracha, como o outro médico afirmava, houvesse em mim
algum transtorno que eles lá sabiam, exigindo das vigias que eu não pedisse que me fosse mudado o
gelo. Assim o fiz, apesar de, por vezes, ela tentar mudá-lo. Eu respondia: «Põe-se fora de mim para
arrefecer. Manda o Sr. Doutor e é assim que eu cumpro.» Voltou-se então ao rigor de antes ou pior,
proibindo de qualquer forma até que se me falasse de Jesus, julgando que com isso podia tirar o que
anda dentro de nós. «Não consinto – dizia ele – que chame a sua irmã a não ser uma vez por noite.» A
vigia, muitas vezes, como que a tentar-me, durante a noite, com carinho impostor (não quer dizer que
ela seja impostora, mas era a impressão que me deixava): «Santinha, minha santinha – dizia-me –
sempre nessa posição! Eu chamo, eu chamo a sua irmã.»

― Muito obrigada, minha senhora, não quero. Manda o Senhor Doutor: é só uma vez que ela vem.»

E quando, de facto, a minha irmã vinha por sua vez dar-me o jeito na cama, segundo o médico permitira,
a vigia acendia a luz, abria a porta e punha-se a par com a minha irmã. Logo que a irmã se retirava,
fingindo compaixão e cuidados pelo frio que eu podia apanhar, descobria-me mais, para ver se alguma
coisa me tivesse deixado debaixo da roupa.

Eu compreendia muito bem e abria os braços sobre as almofadas para ela ver melhor, fingindo não
compreender. «Só por Vós, Jesus!»

Não faltaram as seduções para ver se eu tomava alguma coisa das suas comidas. Quando me mostravam
os petiscos sem dizer nada, eu contentava-me com sorrir-lhes… E quando ofereciam a comida com
palavras, eu agradecia: «Muito obrigada!», mas sempre a sorrir, mostrando não compreender a sua
maldade.

Quantas vezes me foi tirada a roupa toda para ser examinada!

Quando me via só, e principalmente de noite, parecia-me que o tempo tinha duração da eternidade.
Sentia que o meu coração fosse como uma árvore que enraizasse com as suas veias pelo soalho e pelas
paredes e que a fúria de tanta tempestade as arrancava, ficava-me tudo por terra… e que todos e tudo me
calcassem. A fúria da tempestade era tão grande que, por fim, sentia que quisesse arrancar essas veias e
tudo caísse por terra. Dizendo isto, sinto de não dizer nada do que eu passei nesses dias… Tudo se me
apresenta pavorosamente à minha memória. Que tormento! … Só o amor de Jesus pode vencer e a
loucura das almas!

Sentindo aproximar-se o médico: «Lá vem o carrasco visitar a pobre encarcerada pelo amor de Jesus e
das lamas. Não ofendi ninguém a não ser a Vós, meu Jesus, mas os homens querem que desta maneira e
sem o pensarem eu pague assim as minhas ingratidões.»

Vendo a minha irmã desalentada que aparecia de vez em quando à bandeira da porta a perguntar se eu
estava pior… procurava encorajá-la. Coitada! Ela ouvira a conversa do médico que o meu
envenenamento era certo, por eu não evacuar. Coitados deles!... Jesus sabe fazer as coisas melhor do que
os homens!

Na véspera da partida, fora o dia das visitas. Passaram ao pé de mim todas as criancinhas do Refúgio, a
quem dei rebuçados e com quem rezei por todos o da casa.

A minha irmã sentia-se outra e todos o notaram. Fui visitada talvez por mil e quinhentas pessoas… Os
polícias tiveram de intervir para manter a ordem. Achei muita graça a um dos polícias que, encarregado
de manter a ordem, se limitou a pôr-se ao meu lado e ali ficou todo o tempo, contentando-se com dizer
de vez em quando ao povo: «Passem! Passem!»

Que impressão, meu Deus, aquele burburinho do povo! Não valeram as súplicas da minha irmã para que
acabassem com aquilo. Não valeram de nada os polícias. O mesmo médico teve de ir à janela a dizer que
se devia acabar porque era impossível mais movimento para me não matarem. Quanta gente julgava que
a própria doente tivesse morrido! Eu, de facto, fiquei humilhada, abismada e cansadíssima com o nojo
de mim mesma pelos beijos recebidos, as lágrimas, etc. que me deixaram no rosto, a dizer-me uma
estima que não mereço e não quero.

A primeira coisa que eu fiz foi pedir à minha irmã que me lavasse. No dia da partida, de manhã, o
Médico, que não dormira quase nada, pela responsabilidade, chegou ao Refúgio onde muita gente
esperava para poder visitar-me… e depois de estar um pouco comigo, deixou entrar algumas pessoas.

Foi então que nos disse que ficássemos à vontade e que a observação terminara; deixou a minha irmã
comer ao pé de mim e disse-me: «No mês do Outubro terão lá, em Balasar, a minha visita, não como
médico espião, mas como amigo que as estima.»

Beijei, reconhecida, a mão do Sr. Dr. de Araújo e agradeci reconhecida todos os cuidados que tiveram
para comigo, e fiz isso com toda a sinceridade, pois sabia muito bem que, embora tivesse sido áspero
para comigo, mostrou toda a seriedade com que devia ser tomado o meu caso.

Naquela tarde do dia 20 de Julho, foram as despedidas das religiosas e das vigias. Todas as vigias me
fizeram oferta das suas prendas. Algumas delas vieram assistir à minha partida. Estava já dentro da
auto-maca e foi uma despejar sobre mim um frasco de perfume. Trazia consigo um ramo de cravos,
oferta de uma senhora, horas antes de eu me retirar. No decorrer da viagem, ofereceram-me dois ramos
de flores. Recebi-as por delicadeza, apesar de não prever o resultado que vinha a dar, que havia de vir
pouco depois a ser causa de maiores sofrimentos para mim. Penso que as pessoas que mas ofereceram
era por saberem a estima e a loucura que eu tinha por elas. Só Jesus sabe quanto eu amo florinhas,
porque amo o Autor delas. Quantas vezes as queridas florinhas me serviam para meditação – via nelas o
poder, a bondade e o amor de Jesus! Nem o perfume, nem as flores, nem a multidão do povo que
rodeava o nosso carro no decorrer da viagem foram motivo da mais pequenina vaidade para mim.
Quando parámos para eu descansar e eu via tanto povo a aproximar-se de mim com tantas exclamações,
eu dizia logo ao meu médico assistente, que vinha ao meu lado: «Vamos, vamos, Sr. Doutor!»
Por vezes, pensava que me tornava impertinente, mas ele tinha muita paciência comigo.

Durante a viagem, vivi mais dentro em mim do que fora. O mar, tudo o que se me apresentava aos meus
olhos, convidavam-me ao silêncio, à vida íntima com Deus. Não tinha de que ter vaidade: tudo isso eram
motivos para me humilhar e fazer pequenina até desaparecer. O que seria de mim se fosse julgada pelo
mundo! Deitaram tanta malícia onde não havia nenhuma. Perdoai-lhes, Jesus! Não conhecem as Vossas
coisas!

Comovi-me com as lágrimas das vigias e das pessoas. Foi preciso telefonar à polícia para conter o povo.
E saí daquela bendita casa alegre por ter cumprido o meu dever e por regressar aos meus e ao meu
querido quartinho, de que tivera tantas saudades. Quando cheguei ao meu quartinho, parecia mentira
entrar nele. Houve lágrimas, mas desta vez muito diferentes: eram de alegria. Depois de estar na minha
cama, por muito tempo, não pude consentir que me tocassem, soltava grandes gemidos com dores das
mais dolorosas. Foi o efeito da viagem. Agora digo eu: Por quem me sacrifiquei assim? Seria isto
também por vaidade? Ó mundo, ó pobre mundo! Vaidade, mas pelo quê? Que somos nós sem Deus?
Quem seria capaz de sofrer tanto por uma grandeza e uma vaidade do mundo?

Quarenta dias passados na Foz: só Jesus sabe o que eu lá passei, quantos espinhos a ferirem-me,
quantas setas cravadas em meu coração! Quantas humilhações, quantas humilhações!

Razão tinha o meu médico na minha ida para lá, ao colocar-me na testa um pano molhado, em dizer-me:
«Tem por aqui uns cabelos brancos, mas quando vier ainda há-de ter muitos mais.» E, de facto, assim
aconteceu: ele já adivinhava tudo o que me esperava. Mas é tão bom passarmos por tudo por amor de
Jesus!

APÊNDICE
«Desde os meus seis ou sete anos não gostava de estar ociosa, e então ocupava-me em pôr tudo em
ordem em casa. Gostava muito de ir ao rio lavar roupa. Quando mais não tinha que lavar, tirava o meu
aventalinho e ia lavá-lo. Entretinha-me a arrumar a lenha, pondo as achas encasteladas e muito
direitinhas.

Às vezes, era no jardim que trabalhava, ocupando-me a cuidar das plantas que haviam de dar flores que
ofereceríamos para adornar os altares da igreja.

Gostava de tudo perfeito e asseado, mesmo quando doente.

Tinha nojo do que estava sujo e fazia limpezas, as mais custosas, porque alegrava-me de ver tudo
limpinho.

Pouco depois de virmos da Póvoa de Varzim – onde aprendi o pouco que sei – viemos morar para o
Calvário. A casa onde vivíamos não era assim como é hoje. Tinha a cozinha na parte de baixo. Na
primeira noite que passámos aqui, minha mãe mandou-me despejar fora da porta da cozinha uma
gamela de água. Eu tive medo e por essa razão disse à minha mãe que não ia. Ela deu-me uma bofetada.
Por má vontade nunca disse à minha mãe: eu não vou. Deus me livre! Ela procurava-nos a cara e não sei
onde devíamos ir encontrá-la!...

Minha irmã, com os seus 12 anos, principiou a aprender a costurar. Uma das primeiras peças de
vestuário que fez foi uma camisa para mim. A camisa era muito larga e com um talho como se fosse para
um rapaz. Eu, apesar de ter os meus nove anos, escarneci da obra e da costureira. Peguei nela, vestia por
cima da roupa que trazia e vim assim até à nossa casa. Minha irmã, às gargalhadas, ia dizendo: «Ó
Alexandrina, tira a camisa, que é uma vergonha!...» Eu não me importei; vim assim e também me ria à
vontade.
Em Santa Eulália de Rio Covo (tinha eu os meus 11 ou 12 anos) viviam meus tios que adoeceram com
uma febre intitulada a espanhola. Minha avó foi tratar deles, mas adoeceu também. Para olhar por eles
foi minha mãe que também ficou doente. Por fim, fomos nós, apesar de ser novinhas. O meu tio morreu
à noite e ficámos lá até à Missa do sétimo dia.

Foi preciso ir ao arroz, mas tinha que passar pelo quarto donde meu tio morrera. Ao chegar à porta do
quarto, senti-me tomada de medo. Não entrei. A minha avó veio dar-mo. À noite, era preciso ir fechar a
janela. Chegando à parte da sala, disse comigo: Eu hei-de perder o medo. E passei devagar, mesmo com
esta intenção. Abri a porta, passei por onde tinha visto o cadáver e fui ao quarto onde ele morreu. Desde
então, nunca tive medo. Venci-me a mim mesma, à minha custa.

Quando tinha doze ou treze anos, tinha muita força. Um homem começou a fazer-se muito forte com
outras raparigas. Ele estava sentado. Eu dirigi-me a ele e voltei-o. Ele pôs-se a gritar: «Deixa-me! Deixa-
me!» Mas deixei-o só quando quis. O meu fim era só: como ele era homem, que mostrasse a sua força.

Aos treze anos dei uma bofetada a um homem casado que me tinha dirigido uns palavrões… Virei as
costas a um rapaz rico que me esperava num lugar solitário, por onde eu tinha de passar, para me falar
em namoro.

Com catorze anos, tinha muito gosto em assistir aos moribundos. Lembro-me de um homenzinho que
estava a morrer e de uma pequena minha amiga. Fui à casa do homenzinho e encontrei-o no meio duns
manteirinhos velhos. Vim a casa e pedi à minha mãe que lhe emprestasse roupa de cama. Minha mãe
fez-me a vontade e eu, muito contente, fui levar a roupa e fiquei a fazer companhia às filhas. O homem
durou uns doze dias. Apareceu em casa do doente um homem a pedir lenha à filha dele, mas ela não a
tinha. Começou a disparatar. Eu disse: «Ela não tem tido tempo de a ir arranjar; que há-de fazer?» O
homem respondeu: «Se não fosse pela generosidade da tua mãe, levavas duas bofetadas!» Não mas deu,
porque eu calei-me. Quando não, era ele capaz de mas dar e eu ficava com elas…

Veio aqui uma rapariga dizer que estava a morrer uma vizinha. Minha irmã
pegou num livro e num garrafãozinho de água benta e foi à casa da moribunda.
Seguiram-na duas aprendizas de costura. Eu fui também. Minha irmã começou a
ler as orações da boa morte. Estava nervosa e tremia, pois custava-lhe muito
assistir aos moribundos. A minha irmã acabou de ler quando a mulherzinha
morreu e disse: «Até agora fiz o que pude; agora não tenho coragem para mais.»
Vi a filha ao pé da mãe da morta. A neta fugiu e eu não tive coragem para a
deixar só. Fiquei a ajudar a lavá-la e a vesti-la. Estava cheia de chagas. Exalava
um cheiro horrível. Julguei que caía sem sentidos, porque me sentia mal. Outra
mulher que se encontrava no quarto, percebendo o meu estado, foi buscar uns
raminhos de sardinheiras e deu-mos a cheirar. Só vim para casa depois de tudo
pronto.

Com os meus dezasseis anos, e já doente, fui à casa de uma vizinha onde minha
irmã estava a trabalhar de costura. Ao deparar com um fato de rapaz, vesti-o e apareci junto da minha
irmã e da dona da casa. Riram-se a escangalhar. Depois disse-me a dona da casa: «Olha, vai pela estrada
fora, que os meus filhos e o meu marido andam a podar as videiras por cima da estrada.» Eu pensei que
me conheceriam, mas resolvi e fui. Os senhores não me reconheceram e, muito admirados, pararam de
trabalhar, para ver se conheciam o cavalheiro. Da janela da casa, minha irmã e a dona da casa
encheram-se de rir.

Entre os meus 17-18 anos, eu e a minha irmã partimos daqui para irmos a Aldreu, com o fim de fazermos
flores artificiais por conta das zeladoras e a pedido do pároco. Eu já andava doente. Fui para ajudar a
Deolinda e virmos embora mais depressa. Hospedámo-nos na residência do Pároco. Dois rapazes dos
lados de Viana foram lá e queriam namorar com a Deolinda, mesmo nas vésperas de virmos embora.
Pediram ao pároco para jogarmos as cartas. Pusemo-nos à lareira e o jogo passou-se em conversa. O
pároco, quando nos viu, dirigiu-se aos rapazes assim: «Ai, ai! Então estou aqui há quatro anos e nunca
vieram cá jogar e hoje vieram?»

Na noite seguinte, quando havíamos de vir embora, houve grande trovoada e chuva que fez muita lama.
Sendo eu muito doente, a sobrinha do pároco emprestou-me uns socos e a minha irmã veio descalça.
Um quarto de hora depois de sairmos de casa, desatou a chover novamente. O sangue espirrava-me dos
pés, por causa do calçado não ser meu e por ter os pés muito mimosos, pois havia muito tempo que me
não descalçava. As dores eram muitas e, por fim, tive de me descalçar, molhando-nos todas. Quando
chegámos à estação, o comboio tinha partido haviam passado cinco minutos. Minha irmã desatou a
chorar ao ver como eu estava. Eram nove horas da manhã. Só havia comboio às 11 horas, mas só parava
em Barcelos, não nos convinha esse comboio. Esperámos na estação. Apareceram uns professores de
Aldreu que nos levaram a tomar café. Só continuámos a viagem mais tarde, até que chegámos a casa da
tia em Santa Eulália. Ela preparou-nos uma boa refeição e não queria que viéssemos embora por nos ver
cansadas e ser tarde. Teimámos e prometemos vir só até Chorente, onde vivia a tia Felismina. De lá
viemos até Balasar, onde chegámos alta noite. Batemos à porta, mas a mãe não estava em casa. Uma
vizinha disse: «Olhem, a Sra. Matilde está a morrer.» A vossa mãe estava lá. Fomos ter com ela. No dia
seguinte fui a casa da moribunda. Uma sobrinha dela disse-me: «Precisava tanto de ir a casa…» Eu
respondi: «Vá, que eu fico.» E ela: «Não tens medo? – Eu não tenho medo nenhum!» Daí a pouco, a Sra.
Matilde agonizava. Eu rezei sempre aquilo que entendia, mas sem medo nenhum.

**********
[5] Nota do P.e Pinho: «Esqueceu a narração de como, em Setembro de 1936, se escreveu para a Santa Sé sobre a Consagração.

LIVRO 2

COLÓQUIOS
DA BEATA ALEXANDRINA
I

Os colóquios que enchem as páginas dos Sentimentos da Alma ocorriam principalmente à sexta-feira,
mas também havia regularidade nos dos primeiros sábados. Tendo em conta o dia em
que se verificavam, fala-se então dos «colóquios das sextas-feiras» e dos «colóquios
dos primeiros sábados», que têm algumas características próprias.
Na segunda metade de 1953, houve os «colóquios cantados». Neles, que eram públicos
(«êxtases públicos»), a Beata Alexandrina, a dada altura, cantava de improviso os
diálogos entre ela e Jesus.
Em 1954 e 1955, houve os «colóquios de fé», assim chamados por ser então posta à prova a fé da Beata,
que era atormentada pelas dúvidas mais angustiosas.
Os colóquios que se transcrevem de seguida foram seleccionados quase aleatoriamente: estão aqui estes
como podiam estar outros. Houve apenas o cuidado de que a selecção exemplificasse cada um dos
grupos mencionados (embora, como se compreende, à parte os dois dos primeiros sábados, todos os
outros sejam de sexta-feira).
Os textos, conforme os dactilografou o Pe. Heitor Calovi, contêm poucos parágrafos. Nesta cópia,
introduziram-se sempre que se julgou conveniente.
Optei por dar um título a cada um dos colóquios, retirando-o duma frase dirigida à Beata Alexandrina
por Jesus ou Nossa Senhora.
Para entender muito do que adiante vai escrito, deve ter-se em conta sobretudo a importância que é
preciso atribuir à alma-vítima; e a Beata repetidamente declara: «Sou a vossa vítima». Repare-se
também que o Pe. Pinho intitulou a primeira obra que lhe dedicou de «Vítima da Eucaristia» e a ideia de
vítima está também no título da segunda, «No Calvário de Balasar».

8 de Dezembro de 1944, sexta-feira (Imaculada Conceição)

Minha filha, venho com o meu divino Filho fazer-te a entrega da humanidade e fechá-la em teu
coração

Longe de raiar o dia – dia que para mim não raiou – principiei a fazer as minhas orações e a preparar-
me para a visita de Jesus. Não podia rezar, cheia de pavor, sobrecarregada de
vergonha, dor e humilhações. Era levada de casa em casa, de rua em rua; sofria
no mais íntimo da alma. Chorava para dentro; para dentro suspirava. Esmagava-
me o peso das humilhações.
Meu Deus, que dor tão íntima e tão profunda! Era como uma dor sem fim. Não
era capaz de ver onde ela podia parar.
Jesus, como poderei suportar tão grande martírio? Se me faltais, não resisto,
morro, morro depressa.
Com esta dor não pude ter um momento de alegria, nem podia lembrar-me que
era o dia da Mãezinha, dia tão predilecto para mim, dia da Imaculada Conceição.
Jesus, pobre de mim, não posso estar aqui!
Veio Jesus. Aqueceu-me logo com o calor do seu amor divino. Acariciou-me e disse-me:
— A tua dor, minha filha, é dor de salvação. Esse mar imenso de sangue que continuamente derramas do
teu coração é onde são mergulhados os pecadores. É no sangue da tua dor que eles são purificados, é
sangue da nova redenção.
Tu és a segunda arca de Noé. Em ti guardo os pecadores; em ti, como nessa arca, guardo tudo para a vida
do novo mundo.
A tua dor, a tua imolação é dor e humilhação de vida mais para as almas que para os corpos. Coragem,
filhinha! Nada temas.
A chuva que sobre a nova arca cai não é de condenação, é de salvação: é chuva de humilhações,
desprezos e sacrifícios. A arca não está em perigo: navega nas alturas. Uma vez que baixem as águas da
perseguição, verá o mundo a riqueza que continha, que era de salvação.
Filhinha, amada querida, Eu não estou sozinho, está comigo a minha bendita Mãe; escuta o que ela te
diz.
Jesus à esquerda, a Mãezinha, à direita, tomou-me para o seu regaço, apertou-me fortemente contra o
seu sacratíssimo Coração, cobriu-me de carícias e disse-me:
— Minha filha, venho com o meu divino Filho fazer-te a entrega da humanidade e fechá-la em teu
coração. Ficam as chaves na posse do teu Jesus e da tua querida Mãezinha.
Dei-te o meu santíssimo manto e a minha coroa de rainha: foste coroada por mim. És rainha dos
pecadores, és rainha do mundo, escolhida por Jesus e por Maria.
Hoje, dia da minha Imaculada Conceição, fazemos-te a entrega do teu reinado. Principia desde hoje, é
teu, guia-o, governa-o e guarda-o. Guarda-o na terra assim como o guardarás e governarás depois nos
céus.
Escolhi este dia que em minha honra é guardado, para que em união comigo seja festejado o dia em que
te entreguei o reinado da humanidade.
Quando o mundo disto tiver conhecimento, comigo serás louvada.
Senti como se me abrissem o peito e dentro o coração; foi aberto por Jesus e pela Mãezinha. Depois de
depositarem nele alguma coisa, fecharam-no novamente. Fechou-o à chave a Mãezinha e depois Jesus.
Bafejaram-no e acalentaram-no docemente. Depois fiquei entre Jesus e a Mãezinha come no meio duma
prensa. De tanto que me estreitaram entre os seus Corações divinos, parecia-me não poder resistir a
tanto amor, ir morrer naquelas duas chamas divinas. Uma vez a Mãezinha, outra vez Jesus, uniram seus
lábios aos meus, bafejavam-me e davam-me a sua vida divina. E a Mãezinha continuou:
— Filhinha amada, querida do meu Jesus, recebe a vida de que vives, recebe a vida do Céu, recebe-a e
dá-a às almas.
E continuou Jesus:
— Minha pomba bela, branco lírio, pura açucena, estrela cintilante que cintilarás noite e dia para luz e
guia dos pecadores, para luz e guia de quantos Me quiserem seguir e amar com amor mais puro e mais
forte: coragem, filhinha, não temas a guerra do mundo! Espera-te o Céu para te abraçar, espera-te o Céu
para nele guardar o maior tesouro que tenho na terra. És de Jesus, és da Mãezinha. Espera-te toda a
corte celeste.
Ó Conceição pura, ó Mãe de Jesus,
Guarda o meu corpo cravado na cruz;
Cravado na cruz, à cruz abraçado,
Guarda-o, Mãezinha, ó Conceição pura,
Mãe do meu Esposo amado!
Recebi novas carícias de Jesus e da Mãezinha, fiz-lhe a entrega de mim mesma e de todos os que me são
queridos e por fim do mundo inteiro, incluindo também os que me fazem sofrer.
Mãezinha, faço-Vos a entrega da humanidade, guardai-a, que é Vossa, salvai-a, só Vós podeis.
Envergonho-me por ter recebido de Vós a entrega do mundo. Que pode esta miséria sem a Vossa
protecção?
Ó Jesus, ó Mãezinha, a Vós me entrego como o soldado que quer combater e defender o vosso reinado.
Quero lutar, quero obedecer: mandai; eu com a vossa graça tudo cumprirei; serei forte. Com a graça e a
força do Alto será salvo o mundo.
Desprendi-me de Jesus e da Mãezinha com grande custo. Unida a eles, vencia o mundo, nada temia.
Agora tudo temo, nada posso.
Ai que saudades tenho do Céu! Quando irei para lá?

18 de Maio 1945, sexta-feira


Tudo será conhecido, minha

tudo será conhecido no livro da tua vida


Bendirei ao Senhor.
Recebi de Jesus neste mês bendito da querida Mãezinha mais um miminho que veio abrir-me a
sepultura e mais espinhos que vieram cravar-se na chaga do meu coração sempre a sangrar, não a
deixando assim cicatrizar. De vez em quando é avivada fortemente.
Bendirei sempre a Jesus e à Mãezinha, mas confesso: se não fossem as
graças do Céu, teria desesperado e morrido.
Que grande amor o de Jesus! Quanto Vos devo, meu amor! Convosco
venci e vencerei sempre! Não pude ter uma palavra de queixume; ainda
mais mereço pela minha miséria.
Estou como a pombinha de bico aberto, a bater as asas prestes a
perder-se, sem ter onde pousar. Tenho sede de luz, tenho sede de
conforto.
Já que na terra me tapam todos os caminhos, deixai-me, Jesus, deixai-me, Mãezinha, entrar nos Vossos
Corações amantíssimos; ainda que nada sinta, deixai-me ao menos a certeza que vivo neles.
Lá estou livre de ódios e perseguições, lá estou certa de que Vos amo e não Vos ofendo.
Se o meu corpo pudesse encobrir-se nas trevas para não ser mais visto nem lembrado, como nas trevas
foi encoberta a minha alma, assim morreria, não seria falada, como são os desejos do meu Prelado. É
com todo o amor que aceito e obedeço às suas ordens. Não nasceu dentro de mim a mais pequenina
sombra de ódio contra ele e contra os seus companheiros. Antes pelo contrário, dizia:
Meu Jesus, compadecei-Vos deles, não compreendem mais, não conhecem os sofrimentos de uma alma.
Meu Jesus, se pudesse prostrar-me diante de Vós e de mãos levantadas soubesse agradecer-Vos os
miminhos que me dais!
Com o coração a sangrar de dor, não pude com os lábios rezar a «Magnificat», mas rezei-a com o
pensamento.
Dai-me forças, Jesus, para sofrer e não me condeneis Vós, porque a sentença dos homens nada vale a
não ser para meu maior martírio.
Foram os homens que me prepararam o sofrimento de hoje, para mais me assemelhar a Jesus e
acompanhá-lo no caminho do Calvário.
E lá vou eu, presa com cordas, mas com amor, abraçada à cruz. Sou vítima das opiniões dos homens, sou
vítima das lágrimas dos meus. Se eu pudesse sofrer sozinha!
Bendirei ao Senhor, não quero perder um momento.
Os meus olhares continuam a não ser meus. Fitam-se cheios de ternura num e noutro coração que mais
se deixa compenetrar destes olhares tão cheios de doçura e amor. Os olhares não vão para todos por
igual; os corações, a sua correspondência, é que fazem merecer tudo quanto estes olhares encerram.
Tinha tanto para dizer neste ponto! São tantos os que queria atrair e abraçar a mim!
O que é isto, meu Jesus? É sempre a minha cruz. Neste conjunto de sofrimentos, o meu calvário com o
de Jesus, o coração oprimido com o peso esmagador da dor abafava, não resistia.
Poderei vencer, Jesus? Resistirei tanto? Só com Vós. Valei-me. Tenho medo.
Sentia tanto o meu abandono e o de Jesus! O meu corpo sangrava, dava as últimas gotas de sangue.
Ele veio.
― Amo-te tanto, minha filha! Assemelhei-te a Mim e o teu calvário é o meu. Tem coragem. Os espinhos
que te ferem foram os meus. As varas que te açoitam foram as minhas e a cruz minha foi também.
Foi o amor a causa dos espinhos, dos açoites, da cruz, do Calvário, da morte. Prendeu-Me o amor à cruz,
prendeu-Me ainda nos sacrifícios até ao fim dos séculos. E tu, minha pomba bela, à minha imagem presa
foste também; prendeu-te o amor ao meu Divino Coração, prendeu-te o amor às almas. Deixa-te ferir,
minha amada; cada espinho que te fere sai um da minha sagrada cabeça e do meu Divino Coração. Vês
como tenho tantos!
Jesus apresentou-me a sua sagrada cabeça e o seu Coração Divino. Que grande sebe
agudíssima o feria! Enterneci-me tanto por Jesus e disse-Lhe:
Aceito tudo o que seja dor, mas quero tirar de Vós todos esses espinhos e não deixar
sinal algum dos ferimentos.
Principiei a tirar espinhos de Jesus que tinha ao meu dispor. Em poucos instantes
desapareceram todos e nem a sagrada cabeça nem o Coração Divino ficaram
chagados: nem um sinal de sangue. Tudo desapareceu.
― Vês, minha esposa querida, como o teu novo sofrimento cicatrizou todas estas feridas que Eu tinha?
Coragem! Anima-te! Eu não te falto. Duvidar de Mim é ofender-Me.
Ainda que te dissesse que o que te prometi vinha já, não te enganava, não te enganava ainda que levasse
anos, pois os anos, em comparação com a eternidade, representam um já. Mas não demoro, confia.
Vou deixar-te, minha filha, um pouco mais libertada do demónio; para poderes resistir, preciso de
operar milagres. Se soubesses com os combates do demónio as almas que arrancaste dos abismos e
conduziste a Mim! Estão firmes, não voltam a ofender-Me gravemente; salvam-se.
Para resistires ao teu penoso calvário, vou vir a ti frequentes vezes, mais delas silencioso. São êxtases de
amor, mas deles receberás sempre, sempre toda a abundância das minhas graças, ternuras e amor.
És rica de Mim, és rica de virtude. É por isso que os teus olhos atraem, têm carinhos, têm doçura, têm
prisões, têm amor.
É por isso que o teu sorriso tem meiguices, tem tudo o que é do Céu. Não vives, vivo Eu. São meios de
salvação e chamamentos para as almas.
Não é por acaso verdade, minha filha, que Eu no meu Calvário possuía duas vidas, humana e divina? Até
nisso te pareces comigo. No teu calvário tens também a vida divina; é Cristo que está em ti. Nada temas.
Vem o Jardineiro divino ao seu jardim a ver as maravilhas que nele operou e o fruto de tantas canseiras.
Vem o Rei ao palácio da sua esposa, o Redentor divino à sua redentora, à nova salvadora da
humanidade.
As minhas maravilhas em ti não ficam ocultas, não consinto no seu escondimento. Hão-de brilhar! São a
minha glória; são salvação das almas. Tudo será conhecido, minha doutora das ciências divinas, tudo
será conhecido no livro da tua vida.
És a heroína do amor, a heroína da dor, a heroína da reparação, a heroína dos combates, a rainha dos
heroísmos.
Recebe conforto, filhinha, recebe o Meu amor divino. Quando vier a ti nos Meus colóquios, uno-Me a ti
com este amor. Venho dar vida e conforto ao teu coração, ajudar-te nas tuas trevas.
És minha sempre e Eu sempre em ti habito!

COLÓQUIOS CANTADOS
16 de Outubro de 53 – Sexta-feira
Dou-vos a paz, filhos meus. Dou-vos o meu amor, todo o amor do meu divino Coração

Não me movo, não dou um passo na minha eternidade. Ela foi, é e será sempre a mesma, está sempre no
seu princípio.
Quanta dor, quantos mistérios nesta eternidade! Se eu soubesse falar dela!
Eu sei, eu sinto que nela está o poder e a grandeza de Deus. Toda a eternidade é
Deus, ela toda está baseada em Deus. Como Ele, ela não teve princípio e não
terá fim.
Como tudo isto é grande, meu Deus, como tudo isto é grande!
Se a minha ignorância me deixasse falar, se a minha cegueira me deixasse ver,
se a minha inutilidade não me roubasse tudo, eu poderia falar e guiar, ser útil
ao serviço do Senhor.
Nada sou, nada posso, nada valho. Vejo em mim o pecado com toda a maldade;
sou um mundo de vícios, sou um inferno de ódio e revolta contra o Senhor.
Ó meu Deus, ó meu Deus, não me falteis! Ai de mim, sem a vossa força, neste
estado de alma em que me encontro!
Sofro a dor da vossa perda, mas não desisto da minha revolta e ódio contra Vós. Valei-me, Jesus, valei-
me, Mãezinha! Só a vossa força e o amor dos vossos Corações suporta a minha cruz.
Sinto que estou do Céu e da terra abandonada. Os espinhos variados não têm conta a ferirem-me, o peso
das humilhações esmaga-me, faz-me desaparecer. Tenho que esconder tantas coisas, tanta dor,
sofrendo-as em silêncio, só com os olhos em Vós e a Vós abandonada.
Não pode ser mais sábio aquele que sabe compreender a dor. Não pode usar de maior caridade aquele
que se compadece dela.
Senhor, Senhor, meu Pai, sem nenhum sentimento de confiança nem de esperança, confio e espero em
Vós. Sou a vossa vítima.
Vendi o meu Horto e o meu Calvário. Foram estes os meus sentimentos de ontem, quando prostrada no
solo do Horto. Vendi os méritos e o Sangue de Cristo; vendi a minha salvação e fui para a perdição.
Suei sangue e reguei a terra. Mais tarde rasguei os meus vestidos e com este gesto a alguém que estava
dentro de mim rasguei o coração.
Hoje, na viagem para o Calvário, procedi na mesma, fugindo de Cristo e vendendo quanto era de Cristo.
A sua dor era infinita. E eu de longe, muito longe arrastei-O pela terra e retalhei-Lhe o coração.
Cheguei ao fim da montanha, ou melhor, chegou lá a minha maldade para o crucificar.
Continuei com a minha traição e crueldade. Não fiz outra coisa senão golpeá-Lo e ofendê-Lo. Até que Ele
expirou; deu a vida por mim.
E nesse tempo o amor do seu divino Coração mergulhou, abundou em Si toda a humanidade.
Fiquei como morta também, como que se o meu espírito se separasse de mim. Não foi por muito tempo.
Jesus apressou-Se a dar-me a vida e falou-me assim:
― Vim trazer a paz ao mundo. Dou-vos a paz, filhos meus. Dou-vos o meu amor, todo o amor do meu
divino Coração.
Desci do Céu, desci do Céu, entrei neste coração puro. É puro, porque possui a graça, e de delícias,
porque me delicio nele.
Estai atentos, bem atentos. Desci do Céu, dei entrada neste coração, não para este coração, mas para os
vossos corações.
É por este canal que a vós Me comunico. É por esta vítima que Eu Me dou a vós.
Desci, desci para as almas e não para ti, esposa querida.
O teu colóquio é de dor. A vida que Eu dou é vida de perdão e de amor.
Vou terminar, vou terminar em breve este prodígio maravilhoso, esta riqueza divina.
As almas, as almas! Felizes daquelas que aproveitam das graças concedidas neste calvário!
As almas, as almas! Felizes das almas que por esta luz se guiaram e se deixam iluminar.
Se os meus colóquios fossem para ti, só a ti falava, como fiz nos primeiros anos de vida íntima, de união
contigo.
Avante, avante, heroína, avante, louquinha das almas, louca do sacrário, louquinha da cruz!
Coragem, coragem, o Senhor está contigo, mesmo que O não sintas, mesmo que quase te persuadas que
Ele te fugiu.
A tua vida na terra é para mais e mais aureolares a tua cruz no Céu. Será cruz resplandecente, cruz
triunfadora, cruz de salvação.
Coragem, coragem, minha filha, o fim da tua vida na terra é para mais, muito mais almas salvares. O teu
tormento indizível, o teu tormento incompreensível é o bálsamo e a salvação de milhões, de milhões de
almas; bálsamo para as suas chagas, salvação para as suas almas.
― Ó Jesus, ó Jesus, não sei como hei de viver!... Não permitais que em Vós perca a confiança. Não me
deixeis desfalecer.
Consolai-Vos, consolai-Vos, Jesus com a salvação de tão grande número de almas que me
dissestes. Sou a vossa vítima, não me falteis, Senhor. Sou a vossa vítima. Eu confio em Vós.
― Confia, confia, heroína forte! Confia, farol do mundo! Confia, escora de meu Pai!
Hás de perseverar até ao fim. Já te prometi a perseverança. Hoje mesmo renovo a promessa.
Hás de perseverar, hás de perseverar até ao fim.
No meio das tuas faltas, onde Eu me escondi, foste sempre fiel às minhas graças, correspondeste ao meu
amor.
Criei-te para as almas e a tua nobilíssima missão no Céu vai continuar. O fogo do meu amor por ti será
dado ao mundo, mesmo lá do paraíso.
Vem receber a gota do meu divino Sangue.
Houve o choque, o grande choque dos nossos corações. Como de costume uniram-se, o de Jesus ao da
sua esposa e vítima. A gota do Sangue passou. Passou o puro alimento divino que te faz viver.
Haja luz, haja luz. Faça-se luz. Ouvi e atendei ao mandado do…
(Numa voz forte, cantou estas frases num tom muito bonito:)
Ao tempo que Eu bato
Ao coração do filho que feriu
E rasgou meu Coração.
Vem a Mim, meu filho,
Vem a Mim, filho meu,
Vem a Mim, meu filho,
Vem a Mim, filho meu!
Vem ao Coração,
vem ao Coração do Senhor,
Do Senhor que é teu, que é teu!...
Ó Jesus, que saudades me dais. Quereis deixar-me, quereis deixar-me, meu Amor, quereis deixar-me
desta forma? Bendito, bendito sejais!
― Coragem, minha filha, é mais uma luz, e será dada até ao terminar dos meus colóquios.
Coragem e fica na cruz. É mais uma prova do meu amor. Coragem!
É mais um convite para os homens; é mais uma luz, para que se faça luz.
Fala ao mundo, fala às almas, fala às almas.
Fala ao mundo para quem foste criada. Fala às almas, que és o porta-voz de Jesus.
Fala ao mundo e convida-o à penitência, à oração e emenda de vida. Fala ao mundo e diz que Jesus quer
reparação.
― Ó meu Jesus, perdão, meu amor, perdão para o mundo, perdão para o mundo.
Perdão para o mundo e não Vos esqueçais dos meus pedidos e todas as minhas intenções.
Perdão, perdão.
Obrigada, Jesus, obrigada, meu Amor.

23 de Outubro de 53 – Sexta-feira
Brada sempre. O teu brado é o brado de Jesus

O meu brado não sobe, mas sim mergulha-se nos abismos. O Céu não me escuta, Jesus e a Mãezinha
parece que não querem socorrer-me; mas a justiça de Deus, essa esmaga-
me, essa vem punir-me sem eu ter onde esconder-me, sem eu lhe poder
fugir.
Meu Deus, meu Deus, ouvi o meu brado angustioso, ouvi os gemidos da
minha agonia mortal. Que pavor, Senhor, que pavor o da minha alma!
Eu queria fugir e não posso, por toda a parte me cercam negras muralhas
que chegam da terra ao céu. Só me rodeiam leões e feras que tentam
devorar-me. Eu, nas trevas mais negras, na eternidade mais assustadora,
eternidade que não permite que nem um só momento se passe, tenho que
entregar-me, estou vencida, o Céu não vem dar-me socorro e da terra não
existe.
Ai meu Deus, como eu sou vício, como eu sou pecado! Ai Jesus, como todo o meu ser se desfaz na lepra
mais nojenta! Que vergonha, não posso ver-me, sou um mundo de podridão, e nada mais neste mundo
existe. Foram os vícios que a este estado me reduziram. Não terei cura, não há remédio para mim.
Que dor, Senhor, que dor infinita, mas esta dor é vossa, não posso suportá-la, sois Vós que a sofreis. E
eu, na minha inutilidade, não tenho reparação, não posso apagar e fazer desaparecer os crimes da minha
vida.
Senhor, Jesus, ainda assim quero amar-Vos. E hei de amar-Vos, mesmo com os sentimentos dos
tormentos desesperadores do inferno e sem sentimentos de que Vos amo, de que confio e espero em Vós,
de que em Vós creio.
Tudo cai sobre mim. Não sei se ainda mais alguma coisa me espera. O meu sofrimento é indizível, mas
eu serei sempre a vítima de Jesus.
Tive junto de mim o santo sacerdote) que durante alguns anos foi luz e guia da minha alma (Pe.
Humberto, cujo nome ela evita mencionar nos Sentimentos da Alma, a pedido do próprio). Era motivo
de me alegrar, mas essa alegria foi só aparente.
Quanto este encontro me fez sofrer! Que tristes recordações! Só o meu Paizinho (Pe. Mariano Pinho), o
primeiro que o Senhor pôs no meu caminho, não vem.
Os homens prenderam-no com cadeias mais duras; só a força divina pode quebrá-las.
Este santo sacerdote celebrou a santa Missa. Parecia mais um anjo do que um ministro do Senhor. Nada
disto me consolava, mas tudo servia para mais e mais me fazer desaparecer no abismo da minha miséria,
do meu nada.
O meu peito serviu-me ontem de solo do Horto. Dentro dele senti o palpitar aflitíssimo do Coração
divino de Jesus que Lhe fazia levantar as costelas e rasgar todas as veias. Que forte suor de sangue!
Para mim tudo isto foi inútil, para mim de nada valeu o Horto e de nada me serviu o Calvário.
Não foi só doloroso, foi dolorosíssimo, mas, ah!, eu não sei dizer o que foi esta viagem. A minha
ignorância é tal que não descobre um pequenino fiozinho do véu.
O Calvário não foi para mim, porque eu o desprezei, não quis aproveitar-me dos seus méritos.
Senhor, que desespero, que eternidade desesperadora! Quis vingar-me sempre de Vós, sempre contra
Vós blasfemei, mesmo com ver-Vos na cruz crucificado.
Vós na cruz a dar a vida por mim e eu a sentir a minha língua maldita e blasfemadora como a dos
condenados do inferno. Vós no cimo do Calvário e eu afastada de Vós o mais que se pode imaginar.
Ó dor, ó dor infinita! Neste afastamento continuei enquanto que Jesus sofria na cruz a sua agonia. Não
foi por muito tempo. Com a ressurreição de Jesus houve a minha ressurreição. A sua voz divina falou-me
assim no meu coração:
― Calvário, Calvário, sim, minha filha, basta o nome de Calvário. O Calvário foi para Mim de morte e de
vida e continua a ser para ti à semelhança do teu Deus e Senhor.
Morri e dei a vida ao mundo. Tu morres e dás a vida às almas. O meu Calvário é o teu calvário, mas
calvário de vida, de toda a vida.
Fala, minha filha, fala no teu calvário, brada, brada sempre. O teu brado é o brado de Jesus.
Quero almas, quero almas, quero almas! Vejo-as a fugir. A minha dor é infinita.
Fala às almas. Fala às almas, fala ao mundo.
Previne-o dos castigos, da justiça do Senhor.
O que o mundo tem de sofrer! Oh, como vai ser rigorosamente punido pela justiça divina! Tanto
convidei, tanto avisei, tanto o chamei!...
O meu convite, o meu chamamento, o meu aviso não foi ouvido. Ah, se ele fizer penitência, se ele se
convertesse deveras para Mim!...
― Ó Jesus, ó meu doce amor, não Vos esqueçais que sois Pai.
Ó Jesus, ó meu doce amor, chamai mais, convidai, convidai sempre com o vosso convite amoroso.
Eu não sei o que pressinto, Jesus. Eu não sei o que cai sobre mim. Venha o que vier, seja o que for. Eu
sou e serei sempre a vossa vítima, mas peço-Vos, meu Jesus, com toda a minha alma, com todo o meu
coração: perdoai, perdoai, perdoai.
Ai, fazei que o mundo se converta. Se não poupais os corpos à justiça do vosso Divino Pai, poupai ao
menos as almas às penas eternas do inferno.
O que virá, meu Jesus. Eu estou apavorada.
― Coragem, avante, esposa minha! É a tua missão a desempenhar, a tua missão de vítima, a tua cruz a
suportar.
Avante, avante, esposa querida! Conta, conta com o peso da tua cruz dia a dia mais difícil de levar,
dificílima de levar.
Minha filha, minha filha, as almas são tuas. Só à custa de dor e sangue, só à custa da própria vida as
podes salvar.
Haja luz, faça-se luz!
Ó minha filha, ó querida esposa, ó flor eucarística, tem coragem! Ainda não é hoje que vou deixar-te de
falar, ou finjo que vou deixar-te.
― Ó Jesus, sinto como se fosse hoje a despedida. Que pena eu tenho, que pena eu tenho!... Foi pelo
tempo que parecia que Vos aborrecia.
― O mundo, o mundo, minha filha, precisa deste martírio doloroso, da tua, penosíssimo, penosíssimo,
penosíssimo, minha filha, mas de grande mérito, o maior mérito.
Eu virei sempre, sempre dar-te a gota do meu divino Sangue; mas previno-te, venho dar-te conforto,
sem que tu sintas o mínimo conforto.
O teu colóquio comigo vai ser um colóquio de fé. Crê, crê sem alegria. Crê, crê sem consolação. Crê, crê,
que estou contigo.
― Seja feita, Senhor, seja feita, Jesus, seja feita, meu Amor em tudo a vossa divina vontade. Sede a
minha força, sede.
― Vem receber a gota do meu divino Sangue.
Houve a união dos nossos corações, os dois num só coração. A gota do Sangue passou.
(Depois disto cantou:)
― Vem, meu filho,
Toma a tua cruz.
Vem, meu filho,
Segue os meus passos.
Toma a tua cruz,
Vem pedir perdão,
Vem pedir perdão
Ao teu Jesus, ao teu Jesus, ao teu Jesus.
- Quantas vezes te ofendi, Senhor!
- Quantas vezes te ofendi, Senhor!
Aqui estou aos teus pés,
Aqui estou aos teus pés,
Contrito e humilhado, Jesus.
Perdão, perdão, perdão, Senhor!
Perdão, perdão, meu Pai, meu Pai
E meu Criador!
― Vai em paz, minha filha. Fica na tua cruz. Convida, convida as almas. Não te canses, minha filha. O
teu fim está perto. Coragem, coragem!
― Obrigada, obrigada, meu Jesus. Não Vos esqueçais de tudo quanto Vos tenho pedido. Perdoai, perdoai
ao mundo inteiro!
FIM

LIVRO 3
SENTIMENTOS DA ALMA
Balasar, 19 de Fevereiro de 1942

Meu bom Jesus :

Sinto o meu coração retalhado pela dor. Terei ainda mais golpes para ferir-me ? Faça-se a Vossa
vontade. Cravada na cruz convosco, escorendo sangue e na maior agonia, vejo-me e sinto-me de todos
abandonada. Não posso viver no mundo, tenho medo. Jesus vinde depressa, vinde, levai-me para o Céu.
Os homens tentam desviar de mim, arrancaram-me para sempre aquilo que me servia de alívio, que
podia dar-me conforto. Tiraram-me o meu pai espiritual, proibem-no de me escrever a mim e de eu lhe
escrever a ele. Permiti-me Vós, ao menos, meu Amado, desabafar convosco. Estou sozinha no meio da
tempestade e ela não serena. Abro-vos o meu pobre coração, só Vós sabeis ler o que nele está escrito com
dor e sangue, só Vós compreendeis e podeis avaliar o meu sofrer. O mundo desconhece-o, os homens
nada compreendem. Deixai-me dizer a Vós o que Vós dissestes ao Vosso Eterno Pai : Perdoai-lhes, meu
Jesus, porque eles não sabem o que fazem, estão ceguinhos, falta-lhes a Vossa luz divina : iluminai-os a
todos e a todos dai o Vosso amor. O Jesus, todos os meus pressentimentos me tem saído certos. Poderão
eles ainda proibirem que Vos receba sacramentalmente ? Ai de mim, seria como o golpe que me tiraria a
vida se Vós com o Vosso divino poder me não conservásseis. Digam o que disserem, façam eles o que
fizerem, o que nunca conseguirão é tirar-me desta união íntima com Vós. Roubarem-me Jesus
Sacramentado, sim, não duvido que o façam ; tirarem-me do meu coração o tesouro riquíssimo que eu
adora, que eu amo acima de todas as coisas, o Pai, o Filho, o Espírito Santo, nunca, nunca os homens o
conseguirão : teriam para isso fazer-me viver sem coração e sem alma. Impossível ! Venha a força do
mundo inteiro, seja ela toda contra mim : separar-me desta grandeza inifinita, deste amor infindo,
nunca, só o pecado, só esse me pode separar. Mas eu confio plenamente em Vós, é de Vós, meu Jesus,
que eu tudo espero, embora que o sentir da minha alma me chegue quase a persuadir que me engano a
mim mesma. Sinto quem não Vos amo, sinto que nada de Vós posso esperar por tão grande ser a minha
miséria. Que confusão a minha ! Que grande é o meu desfalecimento ! Levantai-me, meu Jesus, ajudai-
me, assim pregada na cruz, a subir todo o caminho doloroso do calvário. Em cada degrau que passo
quero deixar escrito com o sangue que das minhas feridas corre : Jesus, Jesus, não vejo o Céu, retirou-se
de mim todo aquele azul do firmamento, perdi, roubaram-me tudo o que era vida. Só sinto dor, só sinto
e vejo a morte. Não tenho a quem recorrer : só por Vós e pela Mãezinha posso chamar. Pobre de mim !
Quantas vezes com a minha dor não me atrevo a olhar-vos ! Ouvi-me sempre, mesmo que eu não vos
chame ; dizei à Mãezinha que me ampare, dai-me toda a força do Céu. Todos os ruídos que oiço recordo
o meu Paizinho Espiritual. Será elle que vem ? Que vida de ilusão. Cada pensamento que me vem à ideia
deste tão duro penar são setas que se espetam no meu coração, são açoites que me despedaçam o corpo e
a alma. Que mal fiz eu, que crime pratiquei ? O meu Jesus, se não fosse por Vosso amor, se não fosse o
desejo ardentíssimo de vos dar as almas, recusava-me a tudo. Queria amar-vos muito, nunca ofender-
vos para ganhar o Céu, mas não queria a crucifixão, não queria ouvir na terra a vossa doce e meiga voz,
não queria ver a vossa Divina Imagem nem dolorosa nem gloriosa ; tinha uma eternidade inteira para
contemplar-vos e para ouvir-vos falar. Perdoiai-me os meus desabafos, Jesus, bem vêdes que só
convosco posso desabafar. Já que me escolhestes para a dor, ja que me destinastes para tão grandes
martírios, eis a tua vítima, eis a tua escrava, Jesus ; fazei de mim on que quizerdes, a tua benção, meu
Amado. Diz à Mãezinha que me abençoe e proteja. Sou tua mais indigna filhinha, pobre

Alexandrina

20 de Fevereiro de 1942
Jesus, venho ao vosso encontro. Onde estais Vós ? Não poderei encontrar-vos ? Ouvi ao menos as
minhas mágoas. Se Vós me faltais, não tenho ninguém. Vistes-me na manhã de hoje orava na cruz
convosco em tão grande agonia, com os olhos levantados para o Céu que senti e vi desaparecer sem a
mais pequenina esperança de voltar a vê-lo e de nele poder entrar ? Que tristeza a minha de ver tudo
perdido e sem remédio ! Uma vez descida da cruz, principiei a sujbir o calvário. Ia tão fraca ! Caminhava
quase com o rosto em terra ; aqui e além caía, feria-me dolorosamente : ficava em sangue. Que medo,
que pavor até, ao recordar-me que em pouco ia ser crucificada sem auxílio nenhum da terra. Valeu-me o
vosso divino amor ; viestes Vós ao meu encontro.

— “Minha filha, faltam-te as forças humanas ; tem coragem, nunca te faltarão as forças divinas. O
calvário é o caminho dos meus eleitos, o calvário é o caminho das minhas esposas, o calvário é o
caminho das minhas curcificadas. É pelo calvário que eu dou o perdão aos pecadores, é pelo calvário que
eu dou amor aos coracões. Ânimo, ânimo, minha louquinha, a tua Mãezinha e o teu Paizinho
Acompanham-te, auxiliam-te numa união íntima”.

— Obrigada, meu Jesus. Animada com as vossas doces palavras fui para o Horto. Nunca vos encontrei,
mas a vossa força divina venceu em mim. Senti ; logo no princípio o descaramento com que os soldados
se apresentariam no Horto para a prisão. Senti que à frente viria Judas com todo o veneno em seus
lábios. Senti no meu corpo os pontapès que um pouco mais tarde, quando me arrastassem pelas cordas,
me haviam de dar. Tive no meu coração os Vossos sentimentos, quando víeis à vossa frente todos os
pecados e crimes do mundo. Se com todos estes sofrimentos todas as almas se salvassem ! Mas ai,
quantos ainda se perdem não se aproveitando do meu sofrer. O Jesus, senti o meu corpo banhar-se em
sangue, ficando os vestidos pegados a ele e pegados à terra. Mas mais, muito mais ainda sofreu o Vosso
corpo delicado e divino. Na flagelação e coroação de espinhos velastes sempre por mim. Ao abrigo e
amparo de um amor santo e puro, senti inebriar-se-me a alma e numa suavidade e paz descansei por
algum tempo.

Veio depois a Mãezinha tomar-me em seu regaço, apertou-me em seus braços, acariciou-me. Com tudo
isto, tive muitas vezes que chamar por Vós e por Ela. Assustado com a tristeza e abandono, desfalecida a
mais não poder, não tinha forças para caminhar. Sempre em vão indicava o Céu ; o abandono era total,
tinha que ser sozinha que eu agonizava na cruz. Nessa dolorosa agonia cravou-se-me no coração uma
lança ; tinha que sentirn toda aquela dor ainda antes de expirar. Pobre de mim, pobre da Humanidade
que não conhece quanto sofrestes, ó Jesus !

Terminada a crucifixão continuei a viver aparentemente sozinha. Ia recordando a retirada que me


fizeram do meu Paizinho Espiritual. Mais uma prova do vosso infinito amor, meu Jesus. Fizestes que o
Sr. Doutor não só cuidasse de suavizar as dores do meu corpo, mas também que suavizasse a dor
dolorosa e profunda da minha alma. Vós que tudo conheceis, serviste-vos dele para preparardes o meu
coração para receber a último golpe. Obrigada, meu Jesus ; outra coisa não sei dizer. Deixai-me repetir
convosco : A minha alma está triste até à morte. Perdi a luz, perdi tudo. A tua bênção e o teu perdão,
meu Amor.

27 de Fevereiro de 1942

Jesus, dai-me as vossas forças divinas, quero a minha dor e sem elas nunca o conseguirei. Chore o meu
coração noite e dia se assim o quiserdes, mas alegrem-se os meus olhos, sorriam-se os meus lábios. Seja
o vosso santo amor e as almas toda a base do meu sofrer. Estou como a pombinha que nos ares dia e
noite bate as asas ; não tem onde poisar, ampara-a o vosso poder. Faltam-lhe as forças, não pode
continuar seu voo, cai por terra, não tem quem se compadeça dela se lhe faltais Vós. Jesus, sou eu que
vagueio nos ares, sou eu a ser destruída pela tempestade, sou eu a mais indigna das vossas filhinhas em
luz e sem amparo. O Jesus, não sabia eu que ainda tinha tanto para Vos dar. Que grande é a minha
ignorância ! Pensava já ter-vos dado tudo ; enganei-me, viestes agora fazer a última colheita. Colhei
tudo, colhei depressa e colhei-me depois para Vós. Dei-vos definitivamente no dia 20, até quando mo
quiseres dar, o meu Paizinho Espiritual. Dei-vos no dia 24 toda a correspondência que dele tinha, a qual
me serviu de luz e encaminhou para Vós. Vistes bem quão grande foi o sacrifício, não pelo apego que às
cartas tinha, mas sim por me serem pedidas em dias de tanta dor. Quando as tomei nas minhas mãos e
para as unir a todas as atava com uma fita branca, ouvistes, meu Amor, o que ia dizendo ? Jesus mas
deu, Jesus mas tirou. Ao entregá-las para não mais lhe passar a vista dos olhos parece que todo o meu
corpo estremeceu. Mas querendo fazer-me forte, murmurei sempre : Não é o meu Jesus digno de muito
mais ? Tudo é pouco para Ele que tanto me ama e tudo deu por mim ; tudo é pouco para lhe salvar as
almas. Depois disto, mandei que me tirassem da parede o seu retrato. Isto, meu Jesus, pouco ou nada
podeis ter em conta ; eu não tinha por ele a mais pequenina estima, de boa vontade o mandaria lançar ao
fogo. A dor que me causou foi só por ver que até com isso pegaram, que até isso servia de base para
fazerem a quem estava in ocente. Meu Jesus, custa-me tanto servir de instrumento de sofrimento para
os outros ! Contemplai todo o meu sacrifício e lançai os vossos olhares divinos cheios de compaixão.

Está próxima, Jesus, a minha crucifixão. Vêde-me na cruz cravada convosco, de olhos levantados para o
Céu, que já não vejo, a bradar sempre : Jesus, Jesus, porque me abandonaste ? Estou sozinha, faltam-me
todos os auxílios do Céu e da terra. Aceito para consolar-vos, tudo aceito, tudo sofro para que se fechem
as portas do inferno.

Depois da crucifixão

Meu bom Jesus, velais sempre sobre mim, estais sempre a fortificar-me com a vossa graça e força
divinas. Animastes-me dizendo :

— “Minha filha, minha loucura, é na tua crucifixão que está toda a salvação das almas. É no teu duro
penar que está a minha consolação e na tua completa imolação que está a minha glória, é no teu calvário
que está a minha completa alegria. Coragem, coragem ! Não te falta Jesus com a Mãezinha e o teu
Paizinho. Tens en ti a graça divina”.

Caminhei para o Horto. Não se podem comparar as agonias e tristezas humanas com as Vossas. Quanto
sofrestes por meu amor. Terei eu coragem de negar-vos alguma coisa ? Oh ! não, meu Jesus, não. Dai-
me força para que eu não use de tal ingratidão. As trevas do Horto eram aterradoras. Todos os
sofrimentos eram pavorosos. Os pecados do mundo eram a prensa mais dura que apertava o meu
coração e o Vosso. Era o pecado, só o pecado a causa de todos os sofrimentos ; era o pecado que eu
sentia a rasgar-me as veias ; era o pecado que afastava de mim o Céu, deixando-me no maior abandono,
obrigando-me a suar sangue. Foi o pecado, só o pecado o algoz de toda a Vossa Paixão. Quanto Vos devo,
meu bom Jesus, por sofrerdes em mim e me associardes a Vós. Já não podia resistir mais e segredou-me
a Vossa voz divina :

— “Tens, minha filha, sempre à tua frente o amor do teu Jesus”.

Ó meu Amor, sinto desaparecer dia à dia, momento a momento, as forças do meu corpo e da minha
alma ! Só quando Vós crucificado em mim poderei vencer. Eu já não vivo, porque tudo em mim é morte.
Fui flagelada, fui coroada de espinhos, descansei no vosso divino Coração ; apertava-o com amor ao
meu : prender-vos para sempre, não me separar mais de Vós eram os meus desejos. Tive uns
momentozinhos que deixastes cair sobre mim a vossa divina Graça e uns raiozinhos do vosso Amor
aqueceram o meu coração. Quando descansei na Mãezinha Ela unia aos meus os seus lábios santíssimos
demorando-se assim todo o tempo do meu descanso. Isto não são consolações, meu Jesus, bem sabeis
que tudo isso desapareceu para mim, são os auxílios que me dais, sem os quais era impossível a minha
crucifixão. Fui para o calvário, a cada passo sentia-me cair por terra, a perder a vida. Estava pregada na
cruz; das chagas escorria o sangue como dumas fontes. Os insultos que ouvia golpeavam-me todo o
corpo. A dor do coração fazia-o ansiar com tanta força que parecia levantar-me o peito a pontos de o
abrir. Chamar por vós, bradar ao Céu, tudo era inútil. Só trevas e abandono, só agonia mortal.

Ó meu Jesus, passou a crucifixão, a noite já vai alta e no alto do calvário estou eu de braços abertos, na
cruz pregada, na noite mais triste e tenebrosa a bradar sempre: Ó Céu, ó Céu, ó Céu que me
abandonaste. Ó terra que me desprezaste e me odeias. O meu brado perde-se num mundo de abandono,
o meu eco perde-se num mundo que não tem fim. Estou só, Jesus, a tiritar de frio e de fome. Estou cega,
perdi a luz. Já não existirá no mundo, meu Amor? Todo ele é trevas, todo ele é cegueira. Juntai, meu
Jesus, a este duro penar, a dor que me causa ao ser notada a falta do meu Paizinho aqui. Jesus, Jesus,
permiti tudo, menos o escândalo; eu não quero que sejais ofendido, mas muito menos ainda naquilo que
me diz respeito. Perdoai a todos, perdoai a mim e dai-me a vossa bênção, Jesus.

6 de Março de 1942

Jesus, prolonga-se a minha agonia, não tem fim o meu calvário. As negras trevas da noite não podem
jamais terminar para mim; não vejo o caminho, não posso seguir nem voltar para tràs; não tenho guia,
não tenho vida. Sinto o coração e a alma a despedaçarem-se em bocadinhos. Por amor de quem aceito
tudo isto? Por vós, meu Jesus, só por vós e pelas almas. Servi-vos da minha tristeza e agonia, servi-vos
do sacrifício que me levou ao extremo para dares a paz ao mundo, meu Jesus, para que o vosso divino
Coração possa receber de mim toda a alegria, consolação e amor possível, para que sejam realizados
todos os vossos desejos, para que as almas sejam salvas. Se eu não vivo para as salvar, se os meus
sofrimentos não bastam para lhes evitar o inferno, depressa, meu amor, depressa, levai-me então para
vós; não se pode viver assim; que ao menos me reste esta esperança: a minha agonia consola o seu
divino Coração. Apressai-vos, Jesus a socorrer-me; fazei que eu seja firme nos meus propósitos. Dai-me
para os meus lábios um sorriso enganador no qual eu possa esconder todo o martírio da minha alma;
basta só vós terdes conhecimento de todo o meu padecer. Percorrei, meu Jesus, todo o meu corpo,
coração e a alma, vede se encontrais mais alguma coisa que vos sirva para vós; quero dar-vos tudo, tudo.
O retirarem de mim o meu Paizinho espiritual e todos os sacrifícios que a esse se seguiram, levaram-me
a sofrer ao máximo. E agora, meu Jesus, sabê-lo aqui t0227o pertinho de mim e eu como a avezinha
triste em dias de inverno a morrer de fome, não poder falar-lhe, não poder receber dele alimento e vida
para a minha alma; é de morrer de dor. Reine e impere o vosso amor, só ele pode vencer.

Prometi-vos, meu Jesus, sofrer em silêncio, não ter um desabafo enquanto pudesse caber no meu peito a
dor do meu triste padecer. Agora não posso mais, Jesus, estou esmagadinha. Esmagam-me as
humilhações, desprezos e abandonos. Perdi a vida da terra, perdi a vida do Céu; sou inútil para vós.
Pobre alma que outra coisa não sente senão medo e pavor. Triste coração ansioso por possuir o sangue
do mundo inteiro para em todos os caminhos do calvário ladrear com letras de sangue: amor, amor, o
amor de Jesus! E nada tem e de nada serve para o consolar e amar. Ó Jesus, ouvi o brado da minha
alma; eu só quero amar-vos, pecar nunca. Eu sou miséria, eu sou nada; sinto-me envergonhada, estou
desfalecida. Mas a minha vontade quer seguir todos os caminhos travessados por vós. O meu corpo está
na cruz. Sinto a minha cabeça cercada de espinhos sem poder voltá-la dum lado para o outro, todos eles
me ferem agudíssimamente; é dolorosíssimo todo o sofrimento dele. Mas os meus lábios só querem
balbuciar: Mais, mais, meu Jesus, mais. A vontade tão louca a aproximar-se da crucifixão; o corpo, a
pobre natureza arrepiante quer retirar-se, não tem coragem para tanto. A hora aproxima-se. Sede vós, ó
Jesus, toda a força da vossa filhinha que aparentemente se sente de tudo e de todos abandonada.

Depois da crucifixão

Chegou a hora, Jesus, e ao extremo chegou a minha aflição. Sentia que já não podia mais. O
esmagamento abria-me o peito, e vós como sempre viestes em meu auxílio, infundistes em mim a vossa
força divina.

— Ó minha amada, minha querida filha, é este o caminho, segue-me; é a via dolorosa, é o caminho do
clavário. Fui eu que te escolhi, é a salvação das almas, é a minha glória. Coragem, minha amada! Tenho
mais consolação e alegria na tua crucifixão do que em todos os sofrimentos e amor das almas do mundo
inteiro! Alegra-te, confia! Vais em breve, muito em breve receber o prémio de todos os teus sofrimentos.
Tem coragem! O teu Paizinho está aqui para te auxiliar com o teu Jesus e a tua Mãezinha querida.

Caminhei convosco, meu Jesus; cheguei ao Horto, mas já tão só! Recordava as vossas divinas palavras,
só elas eram a minha força. Lá nunca vos encontrei nem ouvi falar. Triste noite e abandono. Que onda de
crimes caía sobre mim. Por todo o Horto estavam marcados os caminhos das almas. Cada um deles
estava selado pelo vosso Sangue divino. Que tristeza ver tantas almas retirarem-se dele e até desprezá-lo.
Por todos os caminhos surgiam essas almas com variados sofrimentos para vós. Doce Jesus, que dor
imensa para o vosso divino Coração ser tão maltratado pelas almas para quem só tivestes amor. Que
confusão! Que medo tão pavoroso que transformava o vosso Coração e o vosso Corpo em sangue! Pobre
de mim! Que era eu no meio desse Horto, meu Jesus? Uma pequena bola, um inútil instrumento
manejado por vós. Seguiram-se os passos da Paixão; aqui e além ficava desfalecida. Durante a flagelação,
confesso, meu Jesus, que nunca senti tanto abandono do Céu e da terra. Era só raiva desenfreada no
meu pobre corpo; estava já no auge a minha aflição; ou era aliviada ou morria. Senti então um pronto-
secorro da terra e a vossa graça divina desceu sobre mim, descansei em vós por algum tempo até receber
a vida que precisava. A minha alma transformou-se, passou da mais extrema dor e agonia à suavidade e
à paz.

Fui para a coroação de espinhos. Senti-me obrigada a descansar na Mãezinha; senti nesse momento e
por mais algumas vezes que o meu Paizinho espiritual, aquele que de mim retiraram, desejava dar-me
alívio. A Mãezinha tomou-me em seus braços, cobriu-me com o seu manto, beijava-me, e vós beijáveis-
me, meu Jesus. Ouvi que vós dizíeis para Ela:

— É minha filha e é tua filha, minha Mãe, é filha dos nossos amores.

Segui para o calvário; a cada passo que dava, era a menos um momento de vida, perdia-a rapidamente.
Faltava-me auxílio do Céu, não tinha luz que me mostrasse o caminho. Foi quase agonizante que na cruz
fui pregada. Os insultos do calvário abafavam-me os gemidos: apenas se ouvia o sangue cair no chão. Os
gemidos e as lágrimas da Mãezinha faziam-se sentir no meu coração. Rompi então em extrema agonia a
bradar ao Céu e a perguntar-lhe a causa de tamanho abandono. O meu brado não foi ouvido, pareceu-me
não ser atendida; tinha que morrer sozinha. E agora, meu Jesus, já algumas horas da noite são passadas,
não cessa a minha dor, não passa a minha agonia, sinto prolongar-se o meu abandono. Perdoai-me, meu
Jesus, parece-me não acreditar em vós. As palavras que me dissestes não podiam ser dirigidas para
mim; eu sou uma criatura vil, não posso consentir que deiteis sobre mim os vossos divinos olhares. O
que eu sou, o que eu sou, meu Jesus. Perdoai-me, abençoai-me, meu Jesus; contudo desejo amar-vos.

7 de Março

Meu bom Jesus:

Passei quase a noite a fazer-vos companhia; não perdi a minha união convosco. Chorei, porque não
podia esconder mais a minha dor; foram para vós as minhas lágrimas. As trevas atingiram toda a altura
da terra ao Céu, esconderam-me o azul do firmamento. E eu tão abandonada, perdida em tanta
escuridão: a minha dor era mortal. Ainda sem raiar o dia entrastes vós no meu quarto, baixastes ao meu
coração. Passei ainda uns momentos na mesma dor; depois raiou na minha alma o vosso Sol divino,
gozei da vossa doce paz e ouvi a vossa divina voz:

— “Minha amada, ó minha amada, o meu amor consome-te. Em ti há só oiro finíssimo; o meu fogo
divino tudo em ti purifica. Que riqueza em teu coração! Tenho nele toda a consolação e delícias. Deste-
me tudo, tudo recebi e guardei. Vim ao jardim da minha esposa, nele colhi muitas flores; guardei todo o
seu perfume. É para distribuir às almas: é ele que as atrai para mim. Diz, minha louquinha, ao teu
Paizinho, que o é é sê-lo-á sempre; não consenti nem consentirei que to tirem; que lhe mando todo o
meu amor e da minha Mãe bendita. Basta, basta a experiência dos homens. O golpe que te foi dado teria
sido fatal se eu não velasse por ti, se não te amparasse e cobrisse toda a protecção divina.

Eu quero-o depressa com todo o seu cuidado a par com a tua alma. Diz ao Sr. Doutor que tudo quanto a
ti faz, a Mim é feito, em ti o recebo. A recompensa é eterna, dou-lhe todo o meu amor, de ti tudo
receberá. Todos os filhinhos dele ficam sob a tua protecção; nenhum deles se perderá; todos terão no
Céu um lugar de predilecção. Eu quero-o sempre, sempre vigilante junto da planta que lhe confiei; não
poderá viver sem todo o seu cuidado. O fim aproxima-se rápido, toda a glória e triunfo são de Jesus”.
Deixei de vos ouvir, meu Amor, e quase logo principiou a sangrar de dor o meu coração. No entanto, a
vossa força divina fortaleceu-me; sofro, mas com mais vida. Não quero duvidar das vossas palavras,
espero ume resolução firme, espero a transformação completa dos corações humanos. Só o poder de um
Deus pode renovar tantos obstáculos. Espero em vós, meu Jesus: não me deixeis morre de fome, não
deixais que caia de todo no desalento. Deixai-me todo o amor, toda a confiança, todo o desejo de sofrer
por vós. A bênção, meu Jesus, para a pobre

Alexandrina

13 de Março

Jesus, hei-de vingar-me, e vingar-me com toda a força, daqueles que tanto me têm feito sofrer. Sabeis
como, meu Amor? Com orações mais fervorosas, com todos os meus sacrifícios para que eles vos
conheçam e vos amem. Se vos amassem como vós quereis, não procederiam assim. Perdoai-lhes, bom
Jesus. Tudo quanto dizem de mim, eu sem vós, sem a vossa graça, julgo-me capaz de muito mais. Se me
deixásseis sozinha um momento, seria o bastante para eu praticar os maiores crimes. Eu só tenho que
agradecer àqueles que me humilham e me ferem. Abriram-me um novo caminho para eu vos seguir mais
de perto, com mais perfeição e amor. A tudo quero sorrir e seja sempre e primeiro que tudo esse sorriso
para vós. O meu pobre coração está retalhado, não cessam de o pisar e na mesma chaga continuamente
ferir. Não importa, só importa o vosso Amor, esse basta-me, esse quero possuí-lo ainda que para isso
seja esmagada e por todos tratada como escrava. A vós, meu Jesus, já me dei como escrava e
continuamente me dou. Inclino a cabeça para receber de vós o cutelo de toda a dor e sacrifício. E no
íntimo do meu coração vou dizendo sempre: Faça-se, Jesus, faça-se como quereis.

Jesus, morrem os meus lábios de sede e de fome, e de sede morre a minha alma. A sede do meu corpo
sois vós que permitis que eu a não possa saciar; ofereço-vos o sacrifício, aceito-a por amor, para que
possais vós saciar a sede de todos os corações. A sede e fome da minha alma é causada pelos homens,
são eles que me deixam morrer, não permitem que a minha alma se alimente e se sacie naquela fonte
que vós escolhestes. Ó Jesus, ó Jesus, compadecei-vos de mim, olhai a minha alma como a avezinha
perdida, a perder a vida ao desamparo.

Ai de mim sem vós! Que dor, que dor, meu Jesus! Que trevas! Que escuridão tão assustadora! Que
caminhos tão cobertos de espinhos! Caio às cegas sobre eles, neles dilacero o meu corpo, perco o meu
sangue. É pelas almas. Pondes à minha frente, diante dos meus olhos a minha enorme cruz; vejo-a
claramente, nela sou cravada continuamente. E agora, Jesus, de momento para momento vai sendo a
minha agonia mais dolorosa. De longe a longe solto um gemido, já quase sem vida; os meus olhos
perdem a luz; morro abandonada, cheia de medo. Aproxima-se a crucifixão; amparai-me, velai por mim,
meu Jesus.

Depois de crucifixão

Meu Jesus, ao aproximarem-se para mim os momentos de maior angústia, ouvistes, meu Jesus, a minha
voz quase sumida a dizer-vos que me levásseis para vós, que já não podia mais? Perdoai-me, meu bom
Jesus, perdoai-me, meu Amor. É verdade que o meu desfalecimento era tanto, o meu corpo não tinha
forças, não era capaz de mover-me. A vontade queria seguir-vos, essa estava firme e vós viestes ampará-
la, destes-me a vossa vida, fortalecestes-me com a vossa doce voz:

— “Minha filha, amada minha, dá a esmola a Jesus que bem poucas vezes te será pedida. Sem ela,
morrem de fome os pecadores e milhares cairiam no inferno. Sem ela, Portugal não teria paz e todo o
universo não receberia a paz desejada; sem ela não estaria o meu divino Amor em muitos corações, em
muitas almas. Coragem! O teu Paizinho ampara-te, auxilia-te com Jesus e a Mãezinha”.

Caminhei para o Horto de cada vez com mais tristeza, trevas e dor. Sentia-vos, meu Jesus, revestido de
mim a chamardes as almas. Dizíeis-lhes a agonia do vosso divino Coração, mostráveis-lhes como ele
estava ferido e só por amor. Que ingratidão! Eu sentia elaas a voltarem-vos as costas, a desprezar-vos.
Pobres almas, não querem escutar-vos; fugiam de vós, loucas, para a perdição. Retiravam-se as almas
para um lado e o Eterno Pai para o outro, irado contra vós, deixando-vos no maior abandono. Eu já
quase não podia resistir ao sentir a vossa dor, a vossa amargura; fazia estalar as pedras. Não podia ver-
vos fugir para a solidão, meter-vos sob a terra, esmagado com um universo de pecados. Não sei exprimir
a vossa dor, meu Jesus; não tenho palavras que expliquem a infinidade do vosso amor. Levantei-me do
Horto para continuar a ser o mesmo instrumento em vossas divinas mãos em todos os passos da Paixão.
Aumenta o abandono de crucifixão para crucifixão; o desfalecimento é mais, mil vezes mais. Do Céu não
posso esperar auxílio, da terra tudo me querem tirar. Ó Jesus, ó Jesus, para onde hei-de voltar-me? Só
com a obediência tão mal compreendida resisto a um mar de dores. Na flagelação inclinei-me a vós, foi o
vosso divino Coração o meu abrigo, nele recebi a vida que estava quase perdida. Resguardada por vós,
olhava todos os sofrimentos, mas enquanto descansava não os temia. O vosso divino abrigo dava-me
força, suavizava-me a minha dor Quando sem dó nem piedade batiam na minha cabeça e nela se
enterravam agudíssimos espinhos, fui descansar na querida Mãezinha. Então, como a criancinha que
brinca no regaço de sua mãe, atirava-me a Ela, lançava-me ao seu pescoço, beijava-a, abraçava-a e por
Ela era acariciada.

Mirava para um e outro lado, por todos eles surgiam sofrimentos; sabia que eram para mim; o meu
coração sorria a tudo e dizia: tudo recebo por amor. Ó meu Jesus, isto são alívios, não consolações, bem
o sabeis. Tenha o vosso divino Coração a consolação que eu poderia ter. Brilhai nas almas enquanto que
eu sofro nas trevas. Fui para o Calvário, fui para a cruz; o desfalecimento era de morte, os insultos caíam
sobre mim. O corpo e a alma estavam tomados de medo e pavor. Bradar ao Céu era o mesmo que bradar
a nada. Morrer sozinha, morrer em dor entre lágrimas e suspiros, morrer para dar vida, morrer para que
as trevas se transformem em luz, eram as minhas ânsias.

Terminou este martírio, meu Jesus, e o meu pobre coração não teve uns momentos de alívio; continuou
a sangrar; não podia esperar horizontes alegres. Quase tudo cava apressadamente a minha sepultura.
Olho para trás, olho para a frente, não vejo ninguém por mim, tudo é revolta, tudo é desprezo. E
continua a minha vida de ilusões. Dar-me-ão o meu Paizinho espiritual? Virá hoje, virá amanhã? Meu
Jesus, eu não pratiquei nenhum crime; sofro inocente, sofro por vosso amor, sofro para dar-vos almas.
Antes sofrer uma vida inteira inocente do que sofrer um só momento culpada. Meu Jesus, foram-me
dadas de novo as cartas do meu Paizinho. Para quê? O sacrifício está feito. Foi o mesmo que colocá-las
sobre um cadáver que nada sente. Manda a obediência, eu aceito. A vossa bênção e perdão.

20 de Março

Jesus, não quero mais viver de ilusões; quero viver só de amor e de confiança. Cortai em mim tudo o que
é terreno, quero só esperar em vós, quero ser forte, mas não posso, sinto-me definhar dia a dia. E sinto
na minha alma que novos assaltos estão para cair sobre mim. Tudo é revolta. Prevejo um mundo de
leões laçarem-se a mim com toda a raiva para me devorarem. Que angústia na minha alma! Que tristeza
profunda no meu coração! A alma treme de medo com todo o meu corpo; não posso viver assim. Será
porque o fim se aproxima? Venha ele, venha depressa. O Céu é a minha esperança. Quero, por todos os
caminhos percorridos durante a veda, deixar escrito com o meu sangue o vossa amor. São caminhos de
luta, caminhos de negras trevas; trevas como nunca, abandono como nunca imaginei passar. Levanto as
minhas mãos ao Céu, para o Céu que tantas vezes fitei e contemplei com amor, mas não o vejo. Brado
com toda a força, do fundo do coração, e o meu brado não sobe, parece-me Jesus não ouvir! Abandono,
que completo abandono!... Jesus, Jesus, compadecei-vos de mim, parece-me que vos perdi e que perdi a
Mãezinha. Afastaram de mim na terra o amparo, guia e luz que me tínheis dado. Jesus, Jesus, olhai a
louquinha perdida que tudo sofre e aceita por vosso amor, para dar-vos as almas. Jesus, Mãezinha,
quero sofrer tudo; as forças não me ajudam. Estou sozinha, posso dizer convosco: Pai, porque me
abandonaste? Quereis assemelhar-me a vós? Obrigada, meu Jesus. Submeto-me ao peso da vossa Cruz.
Sinto arrancarem-me o coração, sinto que vou morrer esmagada, mas quero balbuciar sempre: Ó como é
doce morrer por amor! Ó como é doce cumprir a vontade do Senhor! Jesus, à medida que se aproxima a
crucifixão, o pavor aumenta, sinto-me cravada na cruz, dando de longe a longe um suspiro até que seja o
derradeiro. A agonia aumenta, São dados ao meu corpo maus tratos sem piedade. Ó mundo, ó mundo
que não conheces a dor nem o amor de Jesus. Só com ele se abraça a Cruz, só com ele se caminha para o
martírio!

Chegou a hora da crucifixão: não a podia temer mais. O meu corpo não tinha forças; perdi para mim
todo o auxílio do Céu. Obrigada, meu Amor, apresentastes-vos a dar-me conforto.

― “Minha filha, escuta: é Jesus que se aproxima, vem beber à tua fonte, vem saciar a fome com a tua
esmola. É com a tua crucifixão que o mundo recebe paz. Coragem! O teu Paizinho auxilia-te de longe
como se estivesse aqui. Eu não o retirei de ti. Acompanho-o com a tua Mãezinha para te amparar.
Coragem, coragem”.

Caminhei para o Horto, meu Jesus, com as vossas divinas palavras, por algum tempo gravadas em meu
coração. A pouco e pouco com as trevas nada via, com o desfalecimento nada podia. Sofria como se
nunca vos tivesse ouvido nem encontrado. Que abandono triste! Principiei a sentir lançadas no meu
coração, que o desligaram do meu peito, fazendo-o cair ao chão, sendo nele esmagado, maltratado. Não
era o meu, mas o vosso, meu Jesus. Que dor me causava ver-vos sofrer assim e sentir que vós vos
queríeis cobrir de terra, sendo ela o véu que encobria os pecados de que estãveis revestido. Impossível.
Vós não podíeis fugir à vista do Eterno Pai. Ele vía-vos todo manchado, revoltava-se contra vós. Eu ouvia
os vossos suspiros, sentia as vossas lágrimas. Não tínheis quem fosse testemunha delas; os apóstolos
dormiam; despreocupados de tudo, não viam que suáveis sangue. Só quando vos levantastes para os
chamardes, eles viram os vossos vestidos ensopados. Sem nada discorrerem, continuavam o sono. Pobre
Jesus! Sofríeis sozinho. Que lição para mim! No palácio de Herodes senti em meus ombros a capa de rei
e na cabeça a cora; senti no meu coração a vossa dor por tanto que vos fizeram sofrer. Na flagelação fui
descansar ao vosso Coração divino. Era grande como o Universo, podia percorrê-lo todo, mas não,
estava muito ferida; inclinei-me para vós, descansei até que de novo voltassem os algozes.

Na coroação des espinhos descansei nos braços da Mãezinha, senti que o seu manto me cobria, a sua
santíssima Mão acariciava-me, o rosto dela junto ao meu suavizava a minha dor. Sentia-me cansada,
sem alegria. Em seus braços não vinham ferir-me, mas quando fui para eles já ia em sangue.

Caminhei para o calvário, sentia que era impossível chegar ao cimo; fugia-me a vida, falhavam-me as
forças. Invoquei a Mãezinha, invoquei o vosso divino Nome, meu Jesus, pedi as vossas forças divinas.
Ouvi que me dizíeis:

― “Hei-de encher com a minha divina riqueza o Cireneu que com tanto amor te acompanha no caminho
do Calvário, assim como o Cireneu que primeiro te escolhi. Auxilia-te de longe como se estivesse aqui. É
grande a recompensa, serão falados através dos séculos, assim como aqueles que mais de perto te
acompanham na tua dor e ta suavizam”.

Cheguei ao calvário. Sentia um a meus pés onde estava crucificada e outro em meu coração. Tudo era
escuridão e abandono total. Por entre o som de grandes blasfémias ouviam-se suspiros, caiam lágrimas
de amargura e dor. Bradei ao Céu de todo o coração; ele estava fechado, não se abriu para mim. Ó dor, ó
dor, ó abandono que és aceite só por amor!

Terminou toda a paixão; porém a dor tem que atingir seus limites. Soube que tinha razão em sentir os
novos assaltos na minha alma. Que pena, Jesus, que se não conheça o valor da obediência e tudo o que
operais nas almas. O coração estala-me de dor. As humilhações deitam-me por terra. Ser forte, só
convosco, Jesus. Que hei-de eu fazer pelos que me fazem sofrer? Aceita, Jesus, os nojos que eu tenho,
que me não permitem saciar a sede dos meus lábios, para que eles não tenham nojo de vós revestido nas
almas, para que vos amem e conheçam as vossas verdades. Dai-lhes tudo, meu Jesus, que eu tudo dou
por eles. Perdoai-me, Jesus. Dai-me a vossa bênção, graça e amor.

27 de Março
Jesus, ouvi as minhas palavras; parece-me que já abafadas com o peso da morte. Mais uma vez quero
dizer-vos: sou vossa no tempo e vossa serei na eternidade; só a vós me dou e só a vós quero pertencer. É
com a alma em agonia e o coraçáo retalhado de dor que os meus lábios mais uma vez balbuciam estas
palavras: só por amor.

As negras trevas não me deixam ver; só sangue sinto escorrer do meu pobre corpo. Sinto-me sozinha,
roubaram-me o meu conforto, o alívio da minha alma, o meu amparo na terra. Tenho que lutar
abandonada no combate mais difícil. Por vezes não posso resistir às saudades de ver celebrar no meu
quarto o Santo sacrifício da Missa. Tudo roubado, tudo perdido! Perdoai, meu Jesus, aos que me
causaram tudo isto, para todos peço a vossa compaixão e a vossa luz para a sua cegueira.

No meio deste mar de sofrimento e neste lutar de negras trevas, de noite escuríssima, a minha alma goza
a maior paz. Não temo comparecer na vossa divina presença. Lembra-me, por vezes, se será orgulho da
minha parte. Não o conhecerei, meu Jesus? Estará escondido na minha ignorância? Vós destes-me a
graça de eu conhecer o abismo da minha miséria, mas ao mesmo tempo vejo que maior, infinitamente
maior, é o abismo do vosso amor, a vossa misericórdia e compaixão. Confio cegamente em vós e em vós
espero. Ó meu Jesus, é o manquinho infernal que tenta inquietar-me, arrancar de mim a paz da
consciência, prender-me de alguma forma às coisas terrenas. Quando me sinto mais desprendida do
mundo e em maiores ânsias de voar para vós, para a Pátria celeste que me espera, aparecem-me
rapidamente na minha imaginação estas coisas que tanto me atormentam: “tens muita pressa de deixar
os teus, que nunca mais voltas a ver; com a morte tudo acaba, não há Céu nem inferno”.

Jesus, Jesus, eu amo-vos, eu creio em vós, vós não enganais ninguém: não deixeis o maldito confundir-
me. Eu não queria que estas palavras se soubessem; não quero escandalizar ninguém, não quero tirar a
fé a quem tem pouca e mais profundar no erro aqueles que nenhuma têm. Perdoai-me se não devia dizê-
lo. Meu bon Jesus, meu doce Jesus, tenho chorado com medo à minha crucifixão. Ai de mim e pobre de
mim sem vós! Não me falteis, por quem sois, com a vossa força divina; eu não tenho força, a minha vida
está perdida. Durante a noite e na manhã de hoje animou-me a vossa divina presença. Apresentastes-vos
à minha frente, de cruz aos ombros, inclinado para a terra, desfalecido e sem vida, rodeado de vil
canalha. Ao ver assim um Deus sofrer por meu amor, não posso recusar-vos a minha crucifixão; aceito
por vosso amor, aceito pelas almas. Revesti-vos de mim, vivei em mim, movei o meu corpo sem vida.
Está próxima a crucifixão, não me falteis, meu Jesus, dai-me graça, força e amor.

Depois da crucifixão

Jesus, não me falteis com as vossas forças para que eu possa descrever o melhor possível o que sofrestes
na vossa santa Paixão e a vossa protecção e amor para com esta pobrezinha. É para vossa maior glória e
proveito de todas as almas.

Os olhos do meu corpo pareciam quase não verem ao aproximarem-se os momentos da crucifixão.
Assustava-me o meu desfalecimento; o abandono em que me encontrava levava-me à sepultura. Que
tormento! Não ter vida e ter que lutar contra o mundo. Desceu sobre mim a vossa vida e o vosso amor,
ouvi a vossa doce e meiga voz:

― “Minha filha, ó amor de Jesus, coragem, não temas, não temas. O caminho do Calvário está a
terminar: vem trilhar os últimos espinhos. Das feridas por eles feitas nascem fontes de salvação. As
almas necessitam de tudo. Jesus consola-se na tua crucifixão, encontra em ti toda a reparação que se
pode encontrar na terra. Coragem! Jesus não te falta com a sua Mãe bendita. O teu Paizinho
acompanha-te em espírito com a minha graça, auxilia-te em união connosco”.

Fui para o Horto: no meio do abandono relembrava as vossas doces palavras que por algum tempo se
conservaram gravadas em meu coração. Depois, com os golpes que nele senti, pelos maus tratos que me
foram dados pela humanidade, tudo desapareceu. E aí, sozinha, em profundo silêncio, na maior
escuridão, que se na morte, procurava esconder-me para sempre, ser a terra o meu esconderijo, não
ouvir as ameaças do Eterno Pai. Meu Deus, meu Deus! E eu sozinha! Não corria uma aragem, nem as
folhas das oliveiras se mexiam a não ser para curvarem seus ramos, em sinal de adoração, por terra. Ó
dor, ó agonia de Jesus, ó loucura de amor de Jesus pelas almas! Não eram meus estes sofrimentos, mas
vossos, só vossos, meu Jesus.

Segui os passos da Paixão: aqui e além caía sucumbida, esmagada pela dor. Repetidas vezes invoquei o
nome de Jesus e da Mãezinha; pedi as vosas forças, porque todas as minhas estavam perdidas. Obrigada,
meu Jesus, convosco fui resistindo. Na flagelação, ao ser resguardada em vosso divino Coração, via à
minha frente os algozes preparados com os açoites para mais castigarem o meu corpo. Eu coberta com o
vosso divino Amor não os temia. Na coroação de espinhos, quando estava nos braços da Mãezinha, via
também enlearem à minha frente agudos espinhos uns aos outros preparando novo capacete para na
cabeça me cravarem. As carícias da Mãezinha fizeram-me esquecer que eles se preparavam para mim.
Oh! Como é grande o vosso poder e o vosso amor, ó Jesus!!!

Caminhei para o calvário sem vida para chegar ao fim; não podia caminhar, escasseavam-me as forças.
Na segunda queda, obrigou-me a obediência a entrar de novo no vosso divino Coração; ouvi que vós me
dizíeis:

― “Minha filha, todas as minhas graças e todo o meu amor se estendem sobre o Cireneu que te auxilia e
sobre todos os seus descendentes até ao fim, e sobre o teu Paizinho aqui presente a teu lado e sobre as
almas que mais de perto te tratam, e com o meu amor te acariciam, suavizando a tua dor. Não se chama
a isto amor da terra”.

Fui cravada na cruz. A cada pancada que davam para me cravar, caía em desfalecimento. Todo o calvário
estava escurecido, mal se ouviam os supiros da Mãezinha: eram abafados com as blasfémias, sentía-os
mais no meu coração. Parecia-me que ia em pouco expirar em vós e que vós me queríeis afirmar que eu
não morreria sem vir junto de mim o meu Paizinho. Ó meu Jesus, esta luz que me destes obriga-me a
mais confiar em vós. É certo que nunca tive abandono comparado a este; nunca fui ferida tão
cruelmente, mas em vez de esfriar na minha fé, na minha confiança, no meu amor para convosco, mais
me sinto atraída para vós. Tudo me convida a amar-vos, tudo me inspira a pedir-vos perdão para os que
me fazem sofrer. Perdoai-lhes Jesus, e dai-me o meu Paizinho ao menos na hora da morte para, pela
última vez, lhe abrir a minha alma. Confio, Jesus, que não faltais ao meu pedido e que cumpris à letra as
vossas promessas.

― Perdoai-me, Jesus; dai-me a vossa bênção.

3 de Abril

Em Sexta-feira Santa, às 11,30 horas.

― “Não temas, minha filha, que não és mais crucificada. A crucifixão que tens é a mais dolorosa que se
pode imaginar na história. Vou levar-te comigo para o Céu; vais comigo direitinha com a tua Mãe
querida. Diz ao teu Paizinho: logo depois da tua morte vou dar a paz em sinal que quero a consagração
do mundo à minha bendita mãe por ti tantas vezes pronunciada, mas antes hão-de cumpri-se os meus
desejos e a minha divina promessa.

No sábado de Aleluia, depois de comungar, às 6 horas da tarde, Nosso Senhor falou-lhe assim:

― “Coragem, minha filha ; Jesus está contigo e estará até ao fim. Tens sido fiel em receberes as minhas
graças e o meu amor! Eu serei fiel em as distribuir e o meu amor com toda a abundância. Amo o teu
Paizinho, amo o médico que com tanto amor te acompanha. Coragem! Um pouco mais! Bem pouco
durará a batalha. A tua Mãezinha querida vem ao teu encontro e acompanha-te ao Paraíso, assim como
virá ao encontro do teu Paizinho e do Sr. Doutor e os acompanhará ao Paraíso. É o prémio, é a
recompensa que lhes dou”.
Desde Sexta-feira Santa principiei a sentir-me morta no calvário no meio das maiores trevas e
abandono. Caíram sobre mim todos os leões. Não deram sepultura ao meu corpo; vinham as aves
nocturnas e, apesar das negras trevas, viam para comer o meu corpo. Fiquei sempre neste sofrimento e
agora sinto essas aves a enterrar o bico nos meus ossos e reduzirem tudo em cinzas. A cruz onde fui
cravada caíu por terra, mas ainda sinto uma parte do meu corpo presa pelos cravos. Agora essas aves
ainda têm muito que escabulhar no meu corpo que não tem vida nenhuma da terra, apenas o meu
coração sente uma vida que não é humana, é vida divina; essa vida divina dá-lhe sangue e sinto a
humanidade inteira a beber essa vida divina como se fossem avezinhas. Agora sinto que só depois dessas
aves nocturnas reduzirem os meus ossos a cinzas é que poderei partir. Eu nunca mais me sinto agora na
cruz: é sempre o sofrimento que está dito. Este não é menos doloroso. Sinto os leões a aproveitarem-se
mais da carne, mas da carne que já está podre, nojenta, e as aves com os seus grandes bicos metem-nos
nos ossos e broqueiam-nos. Não compreendeis quanto sofro, nem eu mesma sei explicar.

Deixaram a minha alminha no meio da montanha entregue à maior tempestade, negra, tristíssima,
árida; deixaram-me no abandono. Caíram sobre mim todos os leões! Como é triste a ingratidão dos
homens!...

No dia em que veio a meu Paizinho a alma sentia-se confortada, mas logo que ele se retirou, senti-me
como que esquecida dele e da Santa Missa de que eu tinha tido tantas saudades. Nem mo deram, nem
mo emprestaram: ele veio como que fugido. Tudo isto morreu comigo no calvário, a não ser quando
Nosso Senhor mo dá milagrosamente para meu conforto e isto acontece algumas vezes por dia.

De 13 para 14 de Abril, durante a noite, senti a presença do meu anjinho da guarda. Ele queria aliviar-
me, levantar o meu corpo para o suavizar de tanta dor.

De 14 para 15 de Abril, ele, o demónio, também por aqui andou. Aquelas sombras pretas que eu via
quando tinha as coisas de demónio, esta noite andaram aqui abaixo e acima.

No dia 16, hoje, sinto que as aves já vão cá para baixo, ventre, em cima tinham mais que escabulhar.
Agora sinto que as aves vêm ao tronco que está transformado em cinzas e remexem-nas a ver se ainda
encontram alguma coisa que comer. Como nada já encontraram, vão para o ventre juntarem-se às
muitas outras que já lá estão enterrando os bicos até encobrirem as cabeças.

Os medos que sentia à crucifixão transformaram-se em saudades. Quanto não havia de custar a Nosso
Senhor estar com o seu santíssimo Corpo na Cruz se a mim me custa tanto ter o meu pousado na cama!

Disseram-lhe: “Mas Nosso Senhor esteve só três horas, e tu estás há muito tempo!” E ela respondeu:
“Nosso Senhor tinha-o tanto todo em ferida, e o meu não está.

Tenho sentido tantas saudades pela crucifixão, que me lembrava que só se aprecia uma coisa depois que
se perde. Se a tivesse agora, abraçava-a num eterno abraço, figurando-se-me que nunca mais desligava
os braços e que ficava assim eternamente. Lembrava-me: se fosse agora, como amaria a paixão e os
tormentos de Nosso Senhor! Pensava em mandar buscar a roupa da crucifixão para a ver, beijar e
abraçar. Ao ver a esteira sobre a qual passava a paixão disse: ― Deixai beijar essa esteira!

E beijou-a.

Na noite de 19 para 20 de Abril de 1942, a Mãezinha veio por duas vezes junto de mim e por uma das
vezes acariciou-me.

Ao perguntar-lhe se era linda, disse: “Era bela! Bela! Oh! Como era bela! Como não hei-de querer ir
para o Céu para a ver eternamente?!...”

“Como vinha vestida? ― “Era luz, luz, a luz mais brilhante; vestia mantos de cores.”
Nunca pensei poder haver tantas agonias da alma. Sinto que era o bastante para me tirar a vida, se Jesus
não ma sustentasse. Parecia-me que o meu Paizinho sofria muito, e não me enganei. Passados dias,
soube do sucedido. Os meus sofrimentos redobraram. Esta vida divina que sinto sustentar meu coração
vai levantando-o ao alto, cada vez mais alto para ele receber os últimos golpes. É ferido por todos os
lados. Picam-me em todos os sentidos. As aves já comeram quase todo o ventre, já as sinto pelos rins. O
meu corpo já quase nem cinzas tem. Levaram-me à mais alta montanha e os ventos espalharam as cinzas
e foi na maior escuridão que ouvi uma espécie de um toque para reunir todas as aves e à uma pousaram-
se no meu corpo. Agora já vão nas ancas. Posso dizer: A minha alma está triste até à morte, tão triste ela
está que nada há no mundo que a possa alegrar. A cruz onde fui crucificada não existe; já nem os pés
sinto presos pelos cravos.

Sinto a alma como se fosse um corpo preso de mãos e pés, mas toda escuridão e onde não penetra a mais
pequenina luz e onde não pode entrar a mais pequenina ponta de ar. Abandonou-me o Céu e a terra,
mas as minhas cinzas respeitam. São os sentimentos da minha alma. Ontem ao receber ordem do
Prelado para ser levada para Coimbra a fim de ser observada pelo Sr. Doutor Elísio de Moura, passou-
me pela mente: que mal compreendido é o sofrimento. Estou certa que se experimentassem o que se
passa no meu corpo por uns momentos, não havia no mundo quem se atrevesse a trazer-me ao
conhecimento tal coisa.

Com os olhos fitos no Céu, pude dizer: Seja tudo por amor de Jesus. Ele é digno de tudo. As almas tudo
merecem, porque custaram o sangue de Jesus. A agonia da minha alma prolonga-se, agrava-se mais e
mais. Só o Céu pode pôr termo a tudo isto. Nosso Senhor me aceite tudo e seja comigo, porque só com
Ele se pode vencer. Que amargura, que amargura não ter o meu Paizinho para meu conforto e minha
luz!

27 de Abril

Pedia a Jesus com toda a confiança para morrer na primeira sexta-feira de Maio, para poder jã passar o
primeiro sábado no Céu. Ao saber de todo o sofrimento do meu Paizinho, para justificar a sua inocência,
ofereci a Jesus, se fosse do seu divino agrado, me desse mais treze dias de vida e depois ir passar o dia da
Ascensão no Céu, sofrendo assim mais este tempo para Jesus satisfazer os meus pedidos.

Nesse mesmo dia, disse-me Nosso Senhor:

― “Minha filha, diz ao teu Paizinho que confie plenamente em mim. O meu divino Coração é todo-
poderoso. Eu venço e triunfo com ele. Eu amo-o e ele nunca me ofendeu”.

Mais tarde um pouquinho, voltou Jesus a dizer-me:

― “Diz ao Sr. Padre Frutuoso que diga ao teu Paizinho que Eu atendo a tudo o que me pede a minha
filhinha e que tenha sempre na mente dele que Eu tenho poder para mover à Céu e a terra”.

2 de Maio – Primeiro sábado

“Bem-aventurados os humildes e perseguidos pelo amor de Jesus. Esses é que são os eleitos do Senhor e
os santos do seu divino Coração. Está quase finda a missão da crucificada de Jesus na terra. Jesus vai
dar-lhe a morte mais encantadora, mais cheia de amor. Vem Jesus, vem Maria, vem José, toda a
Trindade divina. Vêm os Anjos, vêm os Santos conduzirem ao Paraíso aquela que tanto amou Jesus na
terra. Desce o Céu ao quartinho da heroína de Jesus. Que glória para Portugal, para o mundo inteiro!
Que alegria e triunfo para o Paraíso. Diz, diz, minha filha,, ao teu Paizinho Eu que o amo, que é o filho
predilecto da minha Companhia. Quanto mais o fazem sofrer, mais o meu divino amor se irradia nele.
Jesus vai conduzir ao seu divino Coração a ovelha perdida; Jesus não demora. O Céu é dele, a coroa está
tecida. É de espinhos, abrilhantada com as pedras mais preciosas. Diz, diz, minha filha, ao Sr. Doutor
que o prémio que no Céu lhe está preparado é o maior que se pode dar à medicina. O Coração de Jesus
está radiante com ele por todo o cuidado e espero que tem tido com a crucificada de Jesus. Ele sentirá na
terra a contínua protecção da salvadora da humanidade. Diz, diz, minha filha, à tua irmãzinha, à tua
Çãozinha, que estão ao abrigo de Jesus, guardadas para sempre no seu divino Coração. Jesus será o
prémio, a recompensa de todos os que sofrem com a sua benjamina. Jesus é tudo para as almas que a
amam e que por ela são amadas”.

Obrigada, obrigada, meu Jesus. Recompensai a todos por mim, pagai-lhes com o vosso divino Amor e
permiti que eu lá do Céu a todos conforte e a todos assista em suas necessidades. Ó meu Jesus, conheço
que sois vós; não posso separar-me da vossa divina presença. Quizera ir já convosco para o Céu.

― “Mais um pouquinho e o dia chegará”.

Obrigada, meu Jesus.

3 de Maio

Meu Deus! Meu Deus! O brado agonizante da minha alma perde-se na montanha e não é ouvido na
terra, nem no Céu; digo isto repetidas vezes com o pensamento, enquanto vou sentindo as aves
devorarem-me as coxas e a agonia na alma que se não pode explicar e aumenta ao saber de tantas
mentiras que de mim dizem e ao sentir que ainda depois da minha morte tudo isto continuarás, sendo
motivo de grande sofrimento para os meus. Eraa meu desejo que todas as mentiras morressem comigo.

De 4 para 5 de Maio; durante a noite, veio repetidas vezes a Mãezinha, muito bela, apresentar-se à
minha frente junto da minha cabeceira, suavizando a minha dor.

Na mesma noite, o Anjinho da Guarda com as suas asinhas inclina-se sobre mim fazendo por aliviar o
meu corpo.

6 de Maio

Ó trevas, ó trevas, ó negras e assustadoras trevas! Ó Céu, ó Céu, dá-me a tua luz! Recebi tamanhos
golpes no meu coração e sinto que ficou tão aberto e tão retalhado que me parece não ter forma de
coração humano; contudo é um fontenário de sangue que brota com toda a abundância. É a vida divina
que o faz brotar e sinto toda a Humanidade a beber dele com toda a força, com receio que ele se esgote.
O meu estado de alma agravou-se assim depois de saber o muito que fazem sofrer o meu Paizinho,
contudo não perco a minha confiança de que Jesus há-de justificar a sua inocência.

Agora sinto que as aves nocturnas já vão a chegar aos joelhos. Todo o corpo está quase en cinza. E não
vira Nosso Senhor buscar-me?

7 de Maio

Com a aflição da minha alma eu dizia assim: Que tristes e amarguríssimas são as últimos dias da minha
vida. Tirai, meu Jesus, da minha amargura toda a doçura e alegria para vós e proveito para as almas.

8 de Maio

Já não podendo mais com o peso das humilhações, com a agonia e negras trevas que sentia na minha
alma, porque tudo me abafava a confiança que tenho em Jesus, eu dizia: Se aqueles que me tiraram o
meu Paizinho experimentassem o que era sofrer, davam-mo para meu conforto. E segredava para Jesus:
Juro)vos que confio em vós! Recordando que já não tinha crucifixão, senti tão grande dor no meu
coração que me parecia chorar lágrimas de sangue e lembrava-me que se eu fosse de novo crucificada
era bastante para aliviar o sofrimento da minha alma! Que saudades, que saudades, meu Jesus, não ter
agora a crucifixão!
Agora as aves andam abaixo dos joelhos e sinto o coração a perder a vida divina. Vou caindo lentamente.
Tudo desaparece em mim.

Também sinto que a humanidade já não bebe com aquela força que bebia, porque o sangue se vai
acabando.

O mafarrico tem-me consumido a imaginação, pretendendo prender-me às coisas da terra; mas quanto
mais ele tenta fazê-lo, mais Nosso S enhor me eleva para Ele.

12 de Maio

Hoje a vida divina do meu coração comparo-a a uma lâmpada amortecida que a cada momento parece
apagar-se. Já não nasce o sangue senão de longe a longe uma gota, que já mal se pode beber. Eu hoje
dizia a Nosso Senhor assim: Meu Jesus, Mãezinha, vede a aridez da minha alma, vede o abandono que
ela sente do Céu e da terra. Lançai sobre mim vossos divinos olhares de compaixão. Acudi-me, acudi-me,
não me deixeis morrer de susto no meio das trevas. A minha alma está tímida com os assaltos do
demónio. Quer acusar-me e lançar-me ao rosto tudo o que há de pior, apresentando-me a minha vida
inteira cheia de enganos. Jesus não me deixa por muito tempo combater as dúvidas, mas ele enraivecido
enche-me de pavor. Se eu pudesse ter um sacerdote sempre junto de mim! É o meu Paizinho quem eu
quero, pois foi esse que Jesus me prometeu e que os homens me tiraram.

As aves sinto-as já nos pés, mas como que aborrecidas por não encontrarem que comer. Vão mexendo e
remexendo as poucas cinzas que me restam. Ai, o dia mais feliz da minha vida é o dia da minha morte!

14 de Maio – Dia da Ascensão

Eu quisera dizer quanto a minha alma tem sofrido, mas apenas tenho experimentado, e não sei explicar.
Horrorosos sofrimentos passaram por mim! Nunca pensei poder sofrer tanto. Hoje sinto-me mais
aliviada um bocadinho, mais redobrada a minha confiança em Jesus e na Mãezinha, com mais forças
para combater o inferno que se tem revoltado contra mim.

O meu coração continua como a lâmpada amortecida. De longe a longe vai deitando uma gotazinhas de
sangue que a Humanidade ainda vem aproveitá-las. Cada uma delas parece ser a última. Sinto que ele
ainda está preso à vida divina por um fiozinho comparado a um arame fininho que à mais pequenina
cloisa pode partir.

No meu corpo já não sinto as aves; parece-me já não existir dele nem sequer o mais pequenino bocado
de cinza.

Sinto que quem me sustenta a vida do meu coração é Jesus, só Jesus, parecendo-me estar ligada à Pátria
celeste por aquele fiozinho.

Viva Jesus! Viva Maria! Viva a Santíssima Trindade a quem amo tanto!

24 de Maio

Jesus suspendeu-me a crucifixão: parece-me que me suspendeu a vida. Só Ele pode avaliar a minha
tristeza e saudade. Não tenho o sofrimento da cruz; já não me sinto nela, escondeu-se-me por completo,
mas tenho maior cruz ainda, são maiores os meus sofrimentos. Não posso viver no mundo. O tempo não
passa, as horas parecem-me séculos, os dias e as noites eternidades. Quantas vezes levanto os meus
olhos ao Céu para exclamar: Jesus, ó meu querido e saudoso Jesus! Mãezinha, ó minha querida e
saudosa Mãezinha! Santíssima Trindade, ó minha querida e saudosa Trindade, para quem só quero
viver, a quem me entrego, a quem só quero amar. Pobre de mim! Digo que amo e não tenho coração para
amar, não tenho corpo senão para a dor, sou como uma bola de espuma que depressa se desfaz. Que
trevas, meu Jesus, que securas, que amarguras, que agonias as da minha alma.
O fiozinho da vida divina que estava ligado ao meu coração, apesar de sentir que o não tenho, ainda está
ligado ao lugar onde ele habitava. Sinto que ele está a cada momento a querer quebrar. A fúria da
horrenda tempestade dá-lhe todos os abalos. Do pequenino lugar que ocupava o meu pobre coração sai,
de longe a muito longe, umas escassas gotas de sangue. Agora é que eu sinto quanto a pobre
Humanidade necessita dele; toda ela sequiosamente o que sugar. Ó meu Jesus, não abandoneis a
pobrezinha que sempre em vós confiou e confia. Apesar de tudo sentir perdido por entre as trevas, é de
vós que tudo espero.

O demónio quebrou todas as cadeias que o prendiam, caiu sobre mim. Luto sozinha, combato a sua
raiva. Ó minha querida Mãezinha, tiram-me o meu Paizinho nestes tristes dias em que eu mais precisava
dele.

Sinto)me abandonada de todos a não sr quando mo dais milagrosamente para conforto da minha alma;
o q ue tão raras vezes acontece. Perdoai a todos os que me ferem, perdoai tanta cegueira; eles de mim
estão perdoados. No lugar do meu coração já não cabem mais espadas; tenho sofrido por todos os lados,
tenho recebido sofrimentos de quem menos esperava. Ó meu Jesus, para todos o vosso perdão, o vosso
amor e a vossa compaixão. Purificai, santificai, abrasai no vosso divino amor e levai para junto de vós
sem demora a vossa filhinha agonizante.

Desde o dia 24 de Maio, dia do divino Espírito Santo, em que eu pedia toda a luz e todo o fogo do seu
divino Amor, do seu Amor santificador, o estado da minha alma modificou-se, mas nesse dia de tarde eu
ainda dizia: Eu já não tenho vida da terra, só tenho corpo para a dor. A partir deste dia, deixei de sentir o
que até ali sentia quase continuamente, que eram nojentas serpentes cheias de toda a imundice, que
entravam pela boca e saíam arrancadas não sei por quem, fazendo lembrar os condenados do inferno
atormentados pelos demónios. Não podia ouvir o chilrear dos passarinhos ao alvorecer e ao anoitecer do
dia, apesar de me lembrar que estavam a louvar o seu Criador. Os seus gorjeios feriam muito a minha
alma. Nada podia ouvir de alegria. A minha sede era abrasadora, as saudades de me alimentar não as sei
exprimir e tudo isto me parecia levar ao desespero por sentir que era impossível saciar os meus desejos.
Logo dizia ao meu Jesus: É por vós que sofro, e saciai vós a vossa sede de amor, a sede que tendes das
almas.

No dia 25 notaram diferença em mim, eu não tinha outra a não ser a transformação da minha alma.
Deixei de sentir as grandes amarguras, trevas, securas e agonias a não ser de longe a longe e passageiras,
para sentir grandes desejos de voar para o Céu, chegando a sentir impulsos que me faziam levantar,
figurando-se-me que tinha asas e formava voo para o Céu. Tendo inteira confiança em Jesus e na
Mãezinha e sempre conforme com a sua vontade. No meio de tudo isto a minha alma sente-se em festa,
que por vezes chego a cantar com júbilo e alegria:

“Ver a Deus, ver sempre,


sempre Deus: eis o Céu!
Quem me dera lá ir, etc.”

Parece-me ir para a Pátria celeste, para o meu Jesus, de pé, de braços abertos, a descansar em seu divino
regaço.

Já que não posso saciar-me dos desejos e saudades que tenho dos manjares da terra, suspiro, morro e
anseio por ior saciar-me dos manjares celeste e só esses valem para a eternidade. O fio divino que liga ao
lugar onde habitava o meu coração está quase a quebrar, parece-me que foi limado. O que lhe tem valido
é a tempestade só de longe a longe lhe dar uns pequeninos abalos. Agora sim, agora posso dizer: O Céu
está perto, vou ver o meu Jesus, vou ver a minha querida Mãezinha, vou gozar do Paraíso, vou amar os
meus Amores eternamente. Deixo o mundo sem saudade, não lhe pertenço, não sou dele. [1]

31 de Maio – Festa da Santíssima Trindade


A cair da tarde, sentia o fiozinho divino a quebrar de todo. Naquele meu estado de alma estava a ver o
que Jesus inventaria para mim da sua Ciência divina, a não ser que tudo acabasse com a minha morte.
Na segunda-feira seguinte, dia 1 de Junho, de manhãzinha, senti que tinha falhado por completo o
fiozinho que para o lugar do meu coração se prendia, mas a ciência de Jesus ainda tinha mais que dar;
pouco tempo depois vi e senti descer do Céu à terra para o lugar do meu coração raios de luz mais
brilhante que o sol, pareciam vindos do Coração do meu Jesus, ligando-se e reflectindo-se para sempre
no lugar do meu coração. Tinha que me embeber toda naqueles raios de amor, o que dia a dia me vão
embebendo cada vez mais, deixando-me transformada neles. Esses raios vão-me levantando da terra
para o Céu. São um canal no qual eu me tenho de transformar e por dentro dele passar. É por ele que eu
vou para Jesus.

Já me sinto elevada a uma certa altura da terra. Momentos há em que não posso resistir a tantas
saudades do Céu. Espero ver o meu Jesus dentro em pouco com a minha querida Mãezinha e todos os
meus amores por quem aspiro; porém quero que se cumpram todas as promessas de Jesus, quero que
me dêem o meu Paizinho que sem eu dar motivos para isso e em momentos tão amargos mo retiraram.
Parece que só isso e a determinação da consagração do mundo pelo Santo Padre me obrigam a ainda
viver na terra, triste exílio que não posso suportar.

[1] Ignoramos a fonte desta adição. Provavelmente Alexandrina que neste período vive a segunda morte mística. Dom Humberto.
“Estou fina, fina das ideias! Em 27 de Maio, quando assistia ao mês da Mãezinha, eu tive este pressentimento que me deixava em paz:
Morro em Maio, vem a paz em Junho. O meu Paizinho espiritual vai ser libertado e vem-me assistir à morte. Morrerei no sábado à
tardinha, o meu enterro na segunda-feira, no primeiro dia do mês de Jesus”.

4 de Junho – Dia do Corpo de Deus

— “Não temas, minha filha, o teu Jesus. Quem o possui e ama deveras não o pode temer. Jesus quisera
que todos falassem nas bondades do seu divino Coração com toda a simplicidade e amor. Jesus quisera
que todos falassem nas bondades do seu divino Coração, da sua ternura, da sua compaixão, do seu
perdão. Jesus é louco por todos os filhos seus. Jesus ama-os apaixonadamente e a todos quer dar os
tesouros inesgotáveis do seu amável Coração. Jesus a todos quer ver à volta do seu Sacrário a amá-lo e a
recebê-lo com aquele amor e carinho como as andorinhas com os seus filhinhos. Que timoratos são os
que temem deveras a Jesus e todos aqueles que desconfiam das suas bondades e misericórdia! O amor e
a confiança é tudo para a alma que deveras ama e pertence a Jesus!”

Ó Jesus, eu confio plenamente em vós. Vós ides atender ao smeus pedidos, ides, Senhor? E depois ides
logo levar-me para o Céu, sim, meu Jesus? Que desejos e saudades eu tenho dele! Não posso viver aqui,
meu Jesus! Este exílio é aterrador!

— “Jesus vai alcançar à louquinha da Eucaristia tudo o que ela lhe pede. Jesus não pode deixar de velar e
olhar pelo filho predilecto a quem tanto ama! Jesus não pode deixar no momento final a sua esposa em
abandono completo. Jesus vai dar-lhe tudo e vai dar-lhe o Céu”.

Obrigada, Jesus, para sempre: um eterno obrigada!

6 de Junho – Primeiro sábado

— “Minha filha, minha filha, Jesus anda como a avezinha que não pode poisar, que não pode descansar.
Jesus anda louquinho a pedir amor amor a todos os corações. Que tristeza amar e não ser amado; amar e
ser ofendido! Mas ainda bem que a louquinha do amor divino ama-o apaixonadamente, ama-o como
Jesus o deseja, ama-o com o amor mais puro e desprendido de tudo o que é terreno; é amor santo, é
amor divino. Foi por este amor que Jesus se enlouqueceu pela sua louquinha; é pelo amor da louquinha
da Eucaristia que Jesus se apaixona pelas almas que a amam. É por este amor tão puro que Jesus lhe vai
dar uma morte de amor, amor, só amor. Jesus está louco de alegria, Jesus está contentíssimo com o
Paizinho da sua benjamina querida. São as humilhações por que está a passar que o hão-de glorificar e
exaltar. O prémio é grande no Céu e grande será na terra ainda a recompensa. Jesus está louco, louco de
alegria com o Sr. Doutor, com o santo cuidado com que ele está a desempenhar tão grande missão. Jesus
escolheu-o para velar pela sua crucificada e as almas a quem mais amo. O Coração divino de Jesus está
superabundante de graças para derramar sobre todas elas. O mundo, Satanás odeia-as e odiá-las-á. A
sua causa é só a soberba e o orgulho: só isso é a razão da sua raiva. Porém Jesus ama-as com sua bendita
Mãe, triunfa e vence com elas, e só isso basta”.

Ó meu Jesus, defendei-as sempre, amai-as sempre apaixonadamente, triunfai e vencei com elas. Levai-
me então depressa para o Céu para eu fazer descer sobre elas as vossa graças e as vossas bênçãos. Sim,
sim, meu Jesus; confio que sim, meu Amor.

— “Está o Céu mais próximo da louquinha de Jesus do que está a terra”.

Levai-me, levai-me então para lá; só por ele suspiro!

6 de Junho, deviam ser 13 horas solares

Estando a Deolinda deitada a meu lado e junto à minha cama, dormindo ela, vi a horrenda figura de
Satanás perto de mim entre a cama e o local onde repousava a Deolinda. Satanás estava montado num
cão escuro, malhado de preto, e Satanás tinha as mãos de macaco, com seus dedos separados, vestido de
vermelho; era um vulto informe, cabeça baixa, olhos levantados para me fitar. Não o vi entrar nem o vi
retirar; todavia assustou-me e tentei chamar a Deolinda que, doente dos dentes, dormia por efeito de
uma pastilha de Vermon e por isso mesmo não ouviu a minha voz. Creio que a chamei duas vezes;
depois desisti de a chamar com pena de lhe perturbar o repouso. Entretanto Satanás desapareceu.

9 de Junho – pelas 13 horas

Em alguns dias precedentes eu ouvia umas harmonias muito suaves, como toques de acordes de
instrumentos celestes, executando música angélica; e apreciando a doçura dessa música divina, eu
esquecia-me do mundo e da vida terrena, perdia a noção de mim própria e parece que passava a viver
numa região estranha onde tudo é ventura e inefável.

Foi então que no dia 9 de Junho de 1942, pelas 13 horas, me apareceu sobre a cama descendo do Céu a
figura deslumbrante de Mãezinha que parece se fixou em minha frente um pouco para a minha
esquerda. Vestia ricos vestidos brilhantes, de cores variadas, trazia os pés nus, chegou-se a mim para me
acariciar e com sua mão direita apontou para o Céu. Parecia comovida com o meu sofrimento a
prometer-me a recompensa e a inspirar-me confiança. O trono em que veio era brilhantíssimo como
ouro pálido em que o sol projectava os seus mais brilhantes raios. Foi inefável a consolação que me
deixou a primeira aparição. Por uns minutos me tem desaparecido para novamente me aparecer, agora
mais junto de mim, do lado direito, e pude ver distintamente que agora era o Imaculado Coração de
Maria. Também me acariciou como da primeira vez, porém não fez o gesto de apontar o Céu. A sua
presença consolou-me profundamente e essa consolação celeste permaneceu na minha alma, que por
alguns dias gozou aquele conforto maravilhoso. Este conforto era como que um íman que me elevava
para Jesus, sentindo-me então na bem-aventurança.

12 de Junho – Dia do Sagrado Coração de Jesus

De tarde, talvez pelas 18 horas solares, eu vi novamente aquele feixe de raios celestes que me haviam
visitado e que tanto me aproximavam do Céu. Agora nova elevação, novo conforto e parece que agora me
puseram mesmo juntinho à porta do Paraíso, faltando-me apenas bater e entrar! Deixaram-me umas
ânsias devoradoras do Céu, que por vezes me custam a suportar. Parecia-me que tinha duas asinhas para
voar e força de voar, mas qualquer coisa me estorvava o movimento das asas; uma pressão sem prisão
mo tirava, que eu não vencia, e por isso me angustiava. Todavia a impressão de que essa prisão das
minhas asas era qualquer coisa de maldade dos homens contra a vontade do meu amado que suspirava
por me receber e por me possuir no seu amor.
27 de Junho

O meu viver: que pequenino sopro de vida! Só corpo para sofrer e nada, nada mais! Que saudades do
Céu! Que ânsias tão consumidoras! Os raios divinos arrastaram-me mesmo, mesmo para as portinhas do
Céu, mas um não sei quê humano obriga-me a viver na terra, obriga-me à imolação contínua. Não me
dão o meu Paizinho. Pobre de mim, e eu não posso esperar mais! Miro e remiro o meu corpo a ver se
ainda existe. O que nele se passa só Jesus o conhece. Parece-me que nem posso ter união com Jesus nem
ao amor que me há-de matar. O que é a vida da vítima! Contudo não me arrependi pela minha oferta a
Jesus e pelas almas. Ele derrama sobre mim de vez em quando os raios do seu amor. Foi no dito dia 27,
que era sábado, e eu sem poder rezar redobrava o meu esforço por lhe estar unida na Eucaristia longe de
pensar receber dele tão depressa a recompensa. Jesus, eu toda para vós e vós todo para mim. Eu quero
estar sempre unida a vós em todas as prisões de amor. Que maravilha! De repente, à minha frente vi um
sacrário. A portinha estava fechado, mas por todas as frestazinhas da porta do sacrário saíam numerosos
raios dourados; davam toda a luz e todos eles vinham bater e repousar no meu pobre peito. Não foi uma
ilusão minha, pois nunca pensei Jesus pagar com tanta generosidade o meu grande esforço.

4 de Julho – Primeiro sábado

― “Sol brilhante, sol esplendoroso será aquele que se vai reflectir no mundo. Os homens não querem
deixar reflectir seu brilho. Ai deles, pobres daqueles que se opõem à frente dos caminhos do Senhor!
Jesus todo se consola e alegra nas almas suas amadas. Jesus todo se delicia no arminho das almas puras.
Os raios do amor divino formam sobre elas uma auréola brilhante e encantadora que atrai a si o mundo
e os corações. Os que se dizem amigos de Jesus não conhecem as almas suas esposas. Jesus está
descontentíssimo com a maior parte dos seus discípulos: não têm luz, não a procuram, não sabem, não
procuram saber. Lançam-se como Satanás a deitarem por terra as obras do Senhor. Desviam de si as
bênçãos divinas e toda a protecção da Virgem Maria. A Mãezinha celeste está preparada para vir buscar
a sua filhinha para junto de si. O prémio é brilhantíssimo. A dor do Paizinho da louquinha de Jesus tem
dado toda a glória e triunfo ao Céu. Pobres daqueles que assim o têm feito sofrer. Jesus nada deixa sem
recompensa. Jesus dá toda a graça e amor ao médico da alma e ao médico do corpo da louquinha da
Eucaristia. Jesus será todo e tudo para eles”.

27 de Julho

Os homens tornam-me pesada e triste a minha vida na terra! Oh! Triste não, deixai-me dizer: tudo o que
é suportado por amor de Jesus e das almas, é alegre e consolador! Pobres daqueles que se opõem contra
a vontade de Jesus! Fui subindo, subindo vagarosamente e muito ferida com os sofrimentos que os
homens me inventaram. Subi e tive que suspender viagem à portinha do Céu. É lá que me encontro
parada há longos dias, aparecendo-me uma entreaberturazinha; compreendi que era a entrada para o
Paraíso. Porém foi tal a prisão que os homens me fizeram, que tenho que demorar por largo espaço de
tempo. Até quando? Só Jesus o sabe. Eu fio e espero nele. Os meus voos estão presos fortemente e só
Jesus os pode desprender, só Ele pode transformar os corações dos homens que nada compreendem e
não sei o que julgam de mim. É doce amar e seguir a Jesus, mas ai de mim se Ele me abandona um só
momento! Ele deu-me sinal de que tudo na terra estava completo. Era de noite, mas tenho a certeza de
que não dormia e estava em meu juízo perfeito. Apareceram à minha frente dois Anjos: que belos que
eles eram! Só do Céu podiam vir! Um sustentava nas suas mãozinhas uma cora brilhante e toda
completa, e o outro a par una grande palma de martírio. Tudo isto deu conforto à minha pobre alma.
Animei-me ao ver que Jesus me mostrava, que a minha missão na terra estaria terminada, mas por mais
que me esforçasse por me desprender destas prisões terrenas, não consigo. Esperarei que que Jesus me
solte, pedindo-lhe sempre por aqueles que me prendem. Pobrezinhos! Não compreendem a grandeza
nele e nas almas. Hei-de sofrer por eles. Se não fossem os sofrimentos causados por eles, não poderia
dar tanta glória a Jesus e salvar-lhe as almas. Que grande dor ver-me assim tão pertinho do Céu! Querer
entrar e não poder! Por vezes me custa conter as lágrimas. Parece-me morrer de saudades! Na terra não
tenho vida, nem nada que me satisfaça! Só o Céu, só no Céu!... Só o Céu será a minha vida, só no Céu
serão satisfeitas as minhas ânsias! Que belo que ele é! Quisera que todos já na terra o conhecessem!
Pobres daqueles que desprezam a Jesus e seguem a Satanás.

1º de Agosto – Primeiro sábado

― “O Coração de Jesus com o de sua Santíssima Mãe alegram-se e enchem-se de regozijo com os
sofrimentos da louca, louca de Jesus, da crucificada do calvário e com os sofrimentos do seu Pai
espiritual, que o tem sido é e será por toda a eternidade. Que meses de tanta honra e glória para o Céu.
As almas esposas de Jesus, as almas martirizadas, a imolarem-se por Jesus e pelas almas. Jesus e Maria
anseiam por verem brilhar no mundo inteiro este farol resplandecente. Os homens tentam apagá-lo e
destruí-lo, mas em vão. Jesus escondido na sua vítima submete-se aos seus falsos juízos. Jesus
escondido na sua vítima sujeita-se à vontade de seu Pai espiritual e do médico da sua louquinha. Tudo o
que fizerem para glória do Altíssimo, Jesus acolherá bem. Nada seria preciso, Jesus mesmo não o queria
se os ceguinhos quisessem ver. Que cegueira e crueldade! Sujeitam aos maiores martírios as almas mais
amantes de Jesus. Levam às maiores humilhações aqueles que são as pupilas mais queridas dos olhos de
Jesus. Jesus, o Rei de Amor, tem vencido e sempre vencerá. Ama com toda a loucura de amor as almas e
que amam e rodeiam a sua crucificada. São belos os desígnios de Jesus. Tudo é encantador o que Ele
deixa transparecer através da sua amada”.

Ó meu Jesus, que grande é o vosso amor para comigo! Dai-me toda a coragem precisa, dai-me o vosso
amor infinito e levai-me para a minha Pátria. Sou do Céu e não da terra, sou vossa e não do mundo.

― “Em breve vai o Céu gozar esse grande triunfo, ver entrar nele a maior heroína da
humanidade”.

Obrigada, obrigada, meu Jesus!

15 de Agosto

― “É com os laços mais firmes e do mais puro amor que Jesus enleia ao seu divino Coração e de sua
Santíssima Mãe a sua louquinha de amor, a vítima de maior imolação, a maior alegria e glória do
Altíssimo que tem e poderá ter na terra. É com os mesmos laços de amor que Jesus prende aos mesmos
divinos Corações o Pai espiritual da sua benjamina, o médico e almas amadas que por ela se sacrificam.
As predilecções da heroína do calvário são as predilecções de Jesus. Jesus ama apaixonadamente a sua
benjamina, mais do que às pupilas dos seus olhos. Vai dar-lhe o Céu. Vai dar-lhe toda a glória e todo o
amor para ela distribuir às almas”.

Ó meu Jesus, são tão doces as vossas carícias e da vossa querida Mãezinha!

― “É a recompensa de tanta dor e martírio; é a loucura de amor que Jesus e a Mãezinha têm pela sua
crucificada. É com o mesmo amor que Jesus e Maria ama e se dá às almas amantes da sua louquinha.

A Santíssima Trindade inclina-se, o divino Espírito Santo estende os seus raios, irradia-os sobre este
cofre riquíssimo do Santíssimo Coração de Jesus”.

Obrigada, obrigada, meu Jesus!

26 de Agosto

Não custam as nossas ofertas a Jesus; dizer-lhe que todo o corpo é dele, dizer-lhe: Sou vossa para o
martírio e para a cruz; mas quando se sentem os rigores da sua divina Justiça, quando Ele dá sinal que
tomou a sério e as utilizou do nosso frágil instrumento, para assim salvar o mundo, é de morrer. Que
tremenda e aterradora é a Justiça divina! No dia 21 de Agosto, que era sexta-feira, Jesus veio como de
costume desabafar comigo, mimoseando-me com os seus doces e ternos carinhos. Neste dia a sua
bondade infinita não quis dispensarmos. Tinha que sofrer, tinha que experimentar o que o Eterno Pai
reservava para o mundo culpado, mas sobretudo para Portugal. Sentia tudo em fogo, tudo em ruínas.
Eram tais as labaredas que incendiavam Portugal, que não deixavam nele pedra sobre pedra, nem se
podia descobrir o maior edifício. Com todas as queixas de Nosso Senhor, com todo o peso da justiça
divina, fiquei deveras assustadíssima durante dois dias e duas noites. Repetidas vezes todo o meu ser
estremecia aterrado de medo. As labaredas continuavam e eu sentia-me no meio de toda esta destruição.
Era impossível poder resistir a este sofrimento se ele se prolongasse por muito tempo e se Jesus não
tivesse para ele um atenuante. O que vou descrever não juro que foi a realidade, se bem que me parece
poder jurar.

Deviam ser 4 horas da manhã, formou-se sobre mim um Paraíso. Este era formado só de anjos
formosíssimos, brilhantes como ouro. Só via cabecinhas a asinhas; com estas esvoaçavam
continuamente, fitando-me todos com os seus olhos brilhantes. Compreendi que aquele bater de asas
era a chamar-me para o Paraíso. A minha alma sentiu tanto conforto que me fez sair fora de mim. Já não
vivia na terra e uma força invisível me fez subir e aproximar-me desses anjinhos. Não sei o que me
sustinha no ar. Desde então, todo esse medo das ameaças do Senhor foi suavizando, o brilho dos anjos,
aquele bater de asas vence tudo o que é dor, tudo o que ameaça o mundo e Portugal. O Céu pode mais
que a terra! O amor de Jesus é mais forte que a sua divina Justiça! A minha alma obriga-me a descrever
tudo isto deixando ao juízo do meu Pai espiritual se isto foi sonho ou ilusão minha ou a verdadeira
realidade. Parece-me que não dormia e o conforto que me deu só do Céu podia vir. Foi um remédio
divino.

5 de Setembro – Primeiro sábado

― “A dor das almas amadas e vítimas de Jesus são a sua glória, o seu triunfo. Como é sublime, como é
belo o caminho dos eleitos do Senhor. A crucificada de Jesus sofre com as almas que a rodeiam, mas dias
virão, e não longe, toda a dor se transformará em alegria. Jesus alegra-se, Jesus consola-se com os que
sofrem. A dor é a maior prova do amor de Jesus para a alma e da alma para Jesus. A dor é a salvação dos
pecadores”.

Jesus, o meu martírio tem salvo muitas almas?

― “Milhares, milhares ; depressa o verás, louquinha de Jesus”.

Jesus, aquele Senhor Padre José era aquele de quem há muito me tínheis feito queixa e por quem eu
sofria? Salvou-se?

― “Era, era, minha louquinha ; está salvo, mas lá muito no interior do Purgatório. Necessita de orações,
muitas orações. Ofendeu muito a Jesus, mas foi grande o seu arrependimento, a sua dor. Que grande
dita para uma crucificada e esposa de Jesus dar-lhe as almas que tanto o magoaram e feriram!”

Bendita seja toda a dor qua me dais, bendito seja o remédio das almas!

― “Escuta, filhinha amada. Em nome de Jesus afirma, jura ao teu Paizinho que ele é amado por Jesus e
Maria loucamente. O amor de Jesus ultrapassa todos os abandonos dos homens. Os homens estão cegos,
mas tempo virá que chorarão sua cegueira. Jesus reina, Jesus triunfa, Jesus não consente que o seu filho
predilecto desista do seu posto. Será sempre no tempo e na eternidade o Pai espiritual, o guia e a luz da
louquinha de Jesus. Jesus pede ao médico da sua crucificada para que ele peça ao Senhor Arcebispo que
faça que a sua causa triunfe, que faça que o mundo seja consagrado ao Imaculado Coração da Virgem-
Mãe. Que escutem a voz de Jesus, que se apressem a salvar o mundo, a salvar Portugal. Jesus ama o
Doutor Azevedo e sobre ele derrama todas as graças divinas e o seu Amor. Venham os estudos se assim o
querem, mas sem grande demora, porque o Céu aproxima-se”.

Jesus, obrigada pelas vossas carícias e pelas da Mãezinha que me tem em seus braços, beija-me e
acaricia-me docemente.

20 de Setembro
Triunfai em min, meu Jesus. Sinto que se vai abrindo o caminho que tão amargamente tenho seguido e
que só por vosso amor e pelas almas o tenho trilhado. Já quase posso entrar no Céu; à custa de muita
dor vai passando a tempestade. Que aguaceiro tão forte. Que fúria, que fúria que tanto tem ferido o meu
pobre coração. Bendito sejais vós, meu Amor, bendita seja a vossa mão santíssima que vai desviando do
meu caminho tudo aquilo que me estorva de seguir.

Sinto que o Céu está aberto quase de par en par para me receber. Já posso entrar, meu Jesus? Não sei
que estado é agora o da minha alma. Parece que me sinto entre o Purgatório e o Céu; na maior parte do
tempo não sinto nem grande dor, nem grande gozo. Contudo, em alguns momentos, ai de mim, Jesus,
vejo-me em cinza do abismo; sem nada ter que me sustente, lá vou a cair nele. E logo vindes vós livrar-
me de tão grande horror, amparais-me, desviais-me dele. E eis-me de novo confiada só no amor do
vosso santíssimo Coração, a viver da esperança. Não caio, Jesus ampara-me, Jesus sustenta-me. E,
louquinha por vós, lanço-me para os vossos divinos braços e sinto que vós com todo o amor me estreitais
e acolheis. Com Jesus, toda a amargura é doce, toda a dor se torna suave. Ah! Se todos conhecessem o
amor de Jesus!...

30 de Setembro

Depois da Sagrada Comunhão

Senti que Jesus unio os seus divinos lábios aos meus, assim como unia também ao meu o seu divino
Coração, abrindo-o de par em par para toda me receber, e dizia-me:

― “Minha filha, lábios com lábios, coração com coração, amor com amor para se abrasar num só fogo
divino. Minha filha, tenho-te pedido toda a reparação, pedi-te por último a reparação da gula; não te
pedirei mais nada. Sou tão ofendido! Roubam, calcam aos pés o alimento dos pobres. As ânsias que tens
de te alimentares são as ânsias que os pecadores têm de satisfazer os seus apetites, as suas paixões. As
saudades que sentes da alimentação são as saudades que eu tenho de possuir as almas. Tudo termina,
mas não como meus breves. Que grande é a tua glória! O mundo não te compreende, alegra-te; também
não me compreenderam a mim e ainda muitos não me compreendem.”

3 de Outubro – Primeiro sábado

― “Jesus está compenetrado de profunda amargura e tristeza com os pecados do mundo. Sangra, sangra
continuamente. Que sebe de espinhos, que mar de dores no seu divino Coração. Depressa, depressa a
Consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria. Jesus já não pede, mas sim lembra aos homens
os seus divinos desejos. Jesus já não pede, mas indica aos homens os meios, o caminho de salvar a
humanidade. Depressa, depressa, consagre-se o mundo à Rainha dele. Então virá a paz, raiará o sol em
toda a humanidade. Jesus não falta ao que promete. Jesus triunfa e brilha nas almas com o seu brilho e
sol divino. Jesus regozija-se e alegra-se nas almas vítimas. Jesus regozija-se e consola-se nas almas que o
amam. Depressa, depressa, vinde a Jesus, é Ele que vos chama. Quisera Jesus infundir-se nas almas e
nos corações, ser neles fogo, fogo, só amor. Jesus quer hoje mais que nunca dar-se a conhecer a todos os
filhos seus. É pela louquinha da Eucaristia, é pela crucificada do Calvário que Jesus está a ser e o será
através dos tempos muito conhecido e amado”.

Ó meu Jesus, são os meus desejos. Que eu não tenha um momento na minha vida que vos dê uma
negativa. Reinai e reinai sempre no meu pobre coração.

― “Não é pobre, filha amada, não é pobre, filha querida. Tens o brilho, a candura do lírio e da açucena.
És riquíssima, possuis a riqueza divina. És encanto e os atractivos da Trindade divina, és a glória da
Corte celeste”.

― Ó meu Jesus, se assim é, como creio, todo o brilho e beleza é vossa, toda a riqueza vos pertence. Eu
sou pobrezinha, eu sou nada!
― “Escuta, filhinha. Dize ao teu Pai espiritual que o Coração divino de Jesus está aberto para ele, que o
ama louca e apaixonadamente. A prova mais clara que Jesus lhe dá é fazê-lo passar por tão grandes
humilhações e sofrimentos, assemelhando-o tanto a Ele. Dize ao teu médico, dize a essa grande alma,
dize a esse infundidor da minha divina luz e amor nos corações, que o amo com todo o amor, e tanto
mais o amarei quanto mais ele cuidar de mim e da minha causa. A pbra é de Deus, e Deus sempre
triunfará”.

― Obrigada, obrigada, meu Jesus!

7 de Novembro – Primeiro sábado

― “Alegra-te, filha amada, alegra-te, filha querida, com Jesus e a tua Mãezinha querida, alegra-te porque
estão realizados os desejos de Jesus. Alegra-te porque grandes bênçãos vem para a terra culpada. Minha
filha, minha filha, atractivo meu, encanto dos meus olhos. Jesus vê na sua louquinha a maior alegria do
mundo. Jesus vê na sua benjamina todos os encantos do se divino Coração. Eis por que Jesus se serve
dela para ser o seu canal divino. O mundo recebe pela crucificada do calvário todas as graças e o amor de
Jesus. Diz, diz, minha filha, ao teu Pai espiritual, àquele escolhido por mim para tua luz, que o meu
divino amor se estende sobre ele na maior abundância, que ele faz em tudo a minha divina vontade. Sim,
sim, Jesus está contentíssimo com ele e desgostoso com aqueles que o fazem sofrer inocentemente. Diz,
diz, minha filha, ao teu pai espiritual, àquele que escolhi para te guiar para mim, diz-lhe que diga ao
Santo Padre que a promessa está feita, que ele irá direito da terra ao Céu, não vai para o Purgatório. E
como prémio de cumprir a vontade divina terá toda a luz do Espírito Santo, não irá nunca contra a
vontade divina, terá luz para fazer a vontade divina durante todo o seu reinado na terra. Jesus está
contentíssimo com ele; grande prémio receberá de Jesus pela sua louquinha de amor quando ela estiver
no Céu junto do seu trono. Jesus vai levar a sua amada para o Céu. Jesus vai fazer que os homens
terminem a guerra. Diz, diz, minha filha, ao teu médico, não posso deixar de ter para com ele as maiores
provas de amor por ter sido o amparo, o braço firme da causa divina em momentos que os homens
tentaram destruir. A causa de Jesus não cai, levantar-se-á cada vez mais.

Triunfo, triunfo, amor, amor, amor. Cai sobre a louquinha de Jesus, sobre os que a rodeiam e amam e
por quem ela intercede, amor, amor, amor sem fim”.

― Ó meu amado Jesus, estou confundida, humilhada e abatida. Nada mais sei dizer; perdoai-me as
minhas faltas; digo-vos um eterno obrigada. Dai-nos a paz, alcançai-me tudo o que vos peço, meu Jesus.

5 de Dezembro – Primeiro sábado

― “Ó bela, ó bela, ó bela, ó pura, ó encanto de Jesus! Está próximo o noivado eterno, as núpcias
celestiais. Estão quase realizadas todas as profecias de Jesus. Vem o louquinho da sua louquinha levar
para si a sua amada. É chegada a hora da luz, é chegada a hora de resgate. Diz, minha filha, diz, amada,
diz ao teu Paizinho: sou louco, louco de amor por ele e com ele vou triunfar. É chegada a hora de ele
tomar o seu posto, é chegada a hora de os homens o deixarem fazer a minha divina vontade. Dentro em
pouco termina a guerra; vão ser dias de glória e de triunfo. Filhinha, filhinha, Eu e minha bendita Mãe
somos louquinhos de amor por ti! E loucos somos por aqueles que te amam, e loucos somos por aqueles
que te amparam. Que reserva têm eles em nossos santíssimos Corações! Diz, filhinha, diz ao teu
Paizinho, que o sofrimento dele está escrito no Céu a letras de oiro. Diz, filhinha, diz ao teu médico que o
amo, que cuido dele e dos seus como ele cuida de ti e da minha causa. Que grande consolação ele tem
dado ao meu divino Coração. Toma, filhinha, toma o meu amor, espalha-o pelos que te são queridos e
diz-lhe que esse amor é o meu”.

Obrigada, meu Jesus. Dai-me essa imensidade de amor: nunca me cansarei de o espalhar sobre a terra.

13 de Dezembro
Na manhãzinha do dia 13, quando estava a rezar à Mãezinha “Avé Maria” com jaculatória por várias
intenções, vi a Mãezinha de Fátima em tamanho natural elevada a grande altura, suspensa no ar. Em
baixo à volta dela um universo de povo para quem ela se inclinava e olhava com todo o carinho. O meu
coração parecia não caber dentro do peito; batia com tanta força! Senti-me atraída para Ela, pareceu-me
sair fora de mim e ser transportada para outra região e já não vivia na terra. Não sei o tempo que me
demorei lá.

25 de Dezembro – Uma hora da noite

Depois de fazer os meus pedidos a Jesus ― e tinha tanto que lhe pedir ! ― disse-lhe : Não vos peço para
vos ver no presépio, pois sei e confio que estais no presépio do meu coração, mas peço-vos para me
alcançardes o que vos peço. Ele dignou-se dizer-me:

― “Minha filha, minha filha, sempre firme na tua fé, sempre firme na tua confiança, Jesus não te engana
e tu não te enganas que é Jesus. Os confundidos são os que te fazem sofrer. A hora do triunfo não
demora. As tuas festas estão concluídas na terra; vais vê-las no Céu com todo o brilho, com todo o amor.

O Céu está aberto para ti, minha amada, já quase podes entrar. Recebe todo o amor e toda a graça de
Menino Jesus com todo o direito de o distribuíres àqueles que te rodeiam, que te amam, que te são
queridos”.

― Ó meu Jesus, queria palavras para vos agradecer como vós sois digno, mas não as sei; queria dar-vos
toda honra, glória e amor, queria dizer-vos tudo. Como nada sei, apenas vos digo: Obrigada, para
sempre obrigada, meu Jesus.

No fim da Sagrada Comunhão

― “Confia, confia, minha filha, dou-te o teu Paizinho. Tenho em conta a reparação e
consola-ção que destes ao meu divino Coração. Eu venci o mundo e venço os corações dos
homens”.

30 a 31 de Dezembro

Pelas 1 e 30 horas estava banhada em suores, sentia dores agudíssimas em todo o meu corpo: não podia
descansar. Por vezes sentia a necessidade de dormir e grande cansaço na minha cabeça. Como não podia
dormir, dizia a Jesus: Gozai vós, meu Amor, enquanto en sofro. Aceitai as minhas dores para reparar o
muito que sois ofendido e a querida Mãezinha. Seja tudo pelo vosso amor e pelos pecadores. Assim ia
passando as horas unida a Jesus Sacramentado e a toda a Santíssima Trindade. Sentia-me feliz na
minha dor. De repente, sem eu nisso pensar, desceram sobre a minha cama duas alas de anjinhos muito
lindos, batendo as asas. À frente abriu-se, como se fosse a abóbada do Céu: Que lindo! Que lindo! Uma
pomba branca nas maiores alturas deixava cair muitos e muitos raios de luz. Num trono, mais abaixo,
estava Jesus sustentando na mão uma grande cruz. Ele era belo e bela era a cruz. Era cruz de Redenção.
A seu lado estava a Mãezinha sentada como Rainha. À volta um grande número de pessoas vestidas de
vestes diferentes. Que beleza era tudo isto! Ao contar estas coisas, a minha irmã disse: Vale a pena sofrer
tudo isto: dores, suores e angústias da alma para gozar, embora em rápidos momentos, coisas tão belas!
Que riqueza é o Céu! Se todos o conhecessem! Não ofendiam a Jesus, ao menos com o desejo de irem
gozar o Céu!

Porém este gozo foi para vós, meu Jesus. Passados poucos momentos, já as dúvidas me atormentavam.
Enganar-me-ia? Seria ilusão minha? Meu Deus, não quero enganar ninguém!...

2 de Janeiro de 1943

— “Ao calor divino a alma sente-se bem. No coração da sua esposa Jesus tem as suas delícias. Amada,
amada, amada, prepara-te para o Céu. Há um ano que Jesus preveniu a sua amada para a luta; agora
previne-a para o Céu. O Céu é rico, é cheio de encantos. O prémio é riquíssimo, a coroa é de pérolas
preciosas. Diz, filhinha, diz, ó bela de Jesus, ao teu Pai espiritual que tudo, tudo vai receber do Céu por
este canal de Jesus. Jesus ama-o com toda a loucura de amor. Jesus tudo lhe vai dar pela sua louquinha
da Eucaristia. Jesus tudo lhe vai dar por aquela que ele preparou e guiou para Ele. Que prémio, que
prémio ele ainda na terra vai receber de Jesus. Ó filha amada, ó filha querida, vais receber de Jesus
todas as graças, todo o amor que lhe pedires. Vais dar o prémio, vais dar amor aos que te são queridos.
Vais dar o prémio, vais dar amor e todas as graças de Jesus ao teu médico e a todos os seus. Jesus é
riquíssimo e rica faz a sua esposa. Ela vai velar no Céu por aqueles que na terra tanto cuidam dela. Ela
vai ser a jóia riquíssima, o cadinho que limpa os pecadores. Os pecadores enriquecem-se e salvam-se
com a amada de Jesus”.

— Ó Jesus, ó Jesus, eu não sou digna que me digais tanta coisa. Eu não mereço ouvir as vossas doces
palavras, mas já que assim vos dignais falar-me, ouvi-me: Dai-me o meu Paizinho, transformai o coração
dos homens, tomai-me para vítima de todos os que me fazem sofrer. Levai-me para o Céu, levai-me,
levai-me, mas não me falteis com o meu Paizinho; quero vê-lo, quero abrir-lhe a minha alma. Confio que
não falteis às vossas promessas, juro-vos que confio e tudo espero de vós.

— “Confia, confia, filhinha, o teu Jesus não te falta”.

6 de Fevereiro

— “Ó minha filha, como é grande para contigo o amor do teu Jesus! Jesus deu à sua benjamina toda a
riqueza do seu Coração. Jesus deu à louquinha da Eucaristia todo o fogo divino que o abrasa. Jesus é
belo e em beleza transformou o coração e alma da sua esposa. Se o mundo conhecesse a beleza e a
riqueza da amada de Jesus, ao vê-la ajoelhava. Cobre-a toda a graça divina, enche-a toda a riqueza do
Céu”.

Ó meu Jesus, sendo eu tão má, como vos encantastes tanto de mim? Já não vedes em mim as misérias,
já esquecestes o muito que vos ofendi?

— “Jesus esqueceu tudo, assim como a sua louquinha que Jesus esqueça os crimes dos pescadores. Que
sublimes são os teus desejos, ó filha minha, ó esposa querida. À vista deles, à vista de tanta compaixão,
Jesus tem que perdoar aos pecadores”.

Sim, meu Jesus, desejo que perdoeis, desejo que esqueçais todas as ofensas: são vossos filhos. Ao
considerar que vos custaram o vosso sangue, não posso recusar nenhum sofrimento por eles.

— “Não recusas, ó filha, e Jesus tudo aceita. O teu prémio está pronto e a coroa completa; os anjos estão
com ela para te coroarem, eles anseiam, eles querem descer para ta colocarem”.

Ó meu Jesus, eu anseio por voar para vós. Eu anseio por deixar este mundo que tanto odeio.

— “E não demoras a deixá-lo; muitos te verão partir com saudade. Diz ao teu Pai espiritual que ele está
todo em meu divino Coração; diz-lhe que Jesus o disse. Ele é o mestre, ele é o guia, ele é sempre o
director e Pai espiritual da tua alma. Diz-lhe que tome à letra tudo que te tenho dito. Que quero que o
seu amor seja conhecido. Diz, minha filha, diz ao te médico que o meu divino amor e a minha divina
graça o cobrem. Diz-lhe que o amparo, diz-lhe que lhe guardo todos os filhos dele: são para mim, o Céu é
de todos eles. Recebe agora as carícias da tua e minha querida Mãe, recebe-as de Jesus”.

— Obrigada, Jesus! Obrigada Mãezinha!

6 de Março – Primeiro sábado

— “A vida na dor, a vida na paz e no amor de Jesus. O amor eleva a alma, purifica-a, santifica-a. Gozar de
Jesus é gozar o Céu na terra. Filhinha, filhinha, Jesus ama-te, Jesus quer-te na sua Pátria. Filhinha,
filhinha, Jesus ama-te e ama-te a sua bendita Mãe com a maior loucura de amor. O teu lugar no Céu é
junto do seu trono. A tua coroa brilha lá no alto com todo o brilho e candura. Que encantador lugar o teu
entre as virgens mais puras. Dá almas, dá almas, dá almas, minha filha, ao teu Jesus. Dá fogo, dá fogo,
dá fogo, minha filha, ao teu Pais espiritual para ele dar às almas. Jesus ama-o com todo o amor e dá-lhe
toda a luz para ele as guiar e lhas conduzir. Dá, minha filha, dá ao teu médico a bênção de Jesus para ele
e para todos os filhos seus. Dá, filhinha, dá aos que te amam o fogo divino, o amor de Jesus. Amor que te
abrasa e consome, amor que é a tua vida e será a tua morte. Estende e espalha na terra o amor que será
a salvação da pobre humanidade, da humanidade corrompida, da humanidade culpada. Filhinha,
filhinha amada, escuta a tua Mãezinha querida:

— Eu amo-te, amo-te e dou-te a ti a ternura e o amor do meu Santíssimo Coração. Dou-te a minha
pureza, dou-te a minha graça; és o encanto de Jesus, nada te será negado por mim e por ele. Pede, pede,
pede para distribuíres. Recebe e dá aos que te amam, que por nós também são amados. Pede, recebe e dá
aos pecadores; suspiro que se reconciliem com o meu Jesus, que todos se salvem. Recebe as carícias de
Jesus, recebe as da tua querida Mãezinha”.

Mãezinha! Mãezinha! São tão doces e tão ternos os vossos miminhos! Muito obrigada, Jesus! Muito
obrigada Mãezinha, fazei de mim o que quiserdes!

24 de Março

Depois da Sagrada Comunhão

— “À sombra da Eucaristia. Este é o alimento que gera as virgens, as mais puras, as mais queridas e
amadas do meu divino Coração. Quanto me deves, minha filha, quanto me deves, minha amada, tu e
toda a humanidade, por eu ter instituído este Alimento sagrado. Que bem que me sinto, minha
louquinha, ao abrigo do teu coração. Nele encontro toda a riqueza, toda a pureza, toda a candura, todo o
amor. Encontro nele tudo que Jesus espera duma alma que só e ele pertence. Dou-me a ti por amor, és o
meu paraíso na terra”.

3 de Abril – Primeiro sábado

— “Minha filha, levanta os olhos ao Céu, tem coragem, Jesus te amparará. O fim aproxima-se. O
combate será renhido. Minha filha, minha filha, se fosses amada por todo o mundo não te assemelhavas
a Jesus. Restam-te alguns amigos firmes e fortes à semelhança do teu esposo Jesus. Alegra-te, amada!
Que grande dita assemelhares-te a mim! Filhinha, filhinha, alegra-te, quantos e quantos depois da tua
morte chorarão as suas culpas, as suas faltas. Quantos e quantos depois da tua morte desejariam falar-
te, pedir-te perdão por te terem perseguido e combatido. Filhinha, filhinha, diz ao teu Paizinho que
ainda na terra muitos lhe hão-de pedir perdão. Que a sua humildade há-de ser exaltada. Diz-lhe que
todo este sofrimento lhe tem purificado o seu coração e a sua alma, que está mais pura do que o oiro.
Diz-lhe que tinha que passar por todos estes vexames para que a causa de Jesus brilhe como eu quero
que ela brilhe. Diz-lhe que eu o amo apaixonadamente e que o tenho coberto com o meu divino Amor. Ó
minha amada querida, diz ao teu Paizinho que o lugar dele no Céu está reservado ao lado da Santíssima
Trindade. Diz-lhe que toda esta luta na terra está a terminar. Confias, confias, minha filha?”

— Ó meu Jesus, como não hei-de confiar em vós? Vós não enganais! Quem confiou em vós e ficou
confundido? Sede a nossa força, Jesus, e terminai então tanto sofrimento.

— “Inclina-te, inclina-te, minha bendita Mãe, beija e abraça a tua filhinha, minha esposa e minha
crucificada”.

— Mãezinha, vela por mim, vela pelo meu Paizinho, vela pelos que me são queridos. Entre Jesus e a
Mãezinha estou bem, não corro perigo.

— “Filhinha, diz ao teu médico, afirma-lhe que ele vai ficar no Céu ao lado da sua esposa, rodeado de
todos os seus filhos como de um coro de anjos; é o prémio da fidelidade dela à minha graça”.

Jesus, Mãezinha, não vos separeis mais de mim!


— “Não temas, não estás só. Tempo virá em que o mundo todo desejará pôr-se ao abrigo da tua graça, da
tua pureza, do teu amor a Jesus”.

— Ó Jesus, estou humilhada, sinto-me envergonhada aos vossos divinos pés. Mas venha tudo o que vós
quiserdes e seja tudo como vós dizeis.

— “Amada de Jesus, amada de Maria, amada da Santíssima Trindade, amada de toda a corte celeste”.

Ó Jesus, sou um trapo imundo onde todos limpam os pés; como podeis vós dizer de mim coisas tão
lindas?!... Muito obrigada, meu Amor.

24 de Abril

Depois de receber Nosso Senhor Sacramentado e de lhe fazer muitos pedidos, disse-lhe: Dais paz, dais
paz, meu Jesus?

— “Sim, minha filha, sim. Dou a paz não porque o mundo a mereça, mas porque tanto me pedes, minha
louquinha, minha amada. Confia, confia!

1º de Maio – Primeiro sábado

— “Minha filha, minha filha, que beleza uma alma em graça! Que beleza, que encantos os de uma esposa
de Jesus! Jesus enamorou-se da sua Alexandrina, preparou-a para ser o seu tabernáculo riquíssimo na
terra. Alegra-te, minha louquinha, alegra-te com o teu Jesus. Diga o mundo o que disser, faça o que fizer,
Jesus é teu, todo teu, tu dele, toda dele. A cegueira dos discípulos de Jesus e dos que se dizem seus
amigos, desgostam-me mais do que os crimes dos pecadores. Jesus imola as suas vítimas para os salvar.
E aqueles que deviam possuir sempre a luz divina, não a querem, não vão à sua procura tentando deitar
por terra as causas mais sublimes de Jesus, aquilo que ele preparou de mais rico na terra, de maior
glória para si e proveito para as almas. Coragem, coragem, filhinha; quem tem a Jesus não teme, quem o
possui, possui toda a força. Coragem, coragem, ó minha amada: são os últimos combates, depois deles
vem o Céu. Diz, ó filhinha, diz ao teu Paizinho que embora Jesus não devesse consentir novos exames, os
consente, sendo aqui no lugar onde te colocou. São provas duras para ti e para ele, mas é também a
maior prova de amor que Jesus tem à sua louquinha e ao seu director por Ele escolhido. Diz-lhe que Eu
vos amo e estou convosco. Diz, minha filhinha, diz ao teu médico que foi o preferido a desempenhar tão
nobre missão, que quero que a desempenhe fortemente, mostrando-se diante dos médicos e ao mundo
como soldado forte que nada teme. Ele que seja o guerreiro da causa de Jesus. Quero que ande para a
frente, que venham os médicos junto de ti, mas que venham com toda a prudência”.

— Ó meu Jesus, e vós não me faltais com a vossa graça e força divina?

— “Não, não, filhinha querida, conta com o teu Jesus e a tua Mãezinha querida, que não te faltam com a
graça e força do Céu”.

— Obrigada, meu Jesus, confio em vós, eu sou só miséria. Quero esquecer-me o que sou para confiar só
em vós.

13 de Maio

Jesus dai-me força para mais esta vez desabafar convosco. É a filhinha que vem a seu Pai a pedir auxílio
para a luta da vida. Se os espinhos que me ferem e a montanha íngreme do meu calvário me levam ao
maior dos desalentos, deixando-me por terra na noite mais escura e nos sofrimentos mais agudos e
profundos. Por outro lado, a voz doce e suave que repetidas vezes se me faz ouvir (“Coragem, minha
filha, que é por mim; anima-te que é Jesus”) obriga a levantar-me e a caminhar com canseira. Chama-
me Jesus, Ele quer as suas almas. E para onde caminho? Pobrezinha que eu sou, que ceguinha que nada
vejo. Depois de levantar-me não tenho luz no caminho, não ouço a vossa divina voz que me chama. Meu
Deus, se me faltais, não tenho ninguém! Tende de mim compaixão, vede que os homens levaram para
longe de mim aquele que me guiava por caminho direito e seguro ao vosso divino Coração. Quantos me
odeiam e desprezam! Quantos me caluniam! A interrogar-me a mim mesma dizendo: Que mal lhes fiz
eu? Logo me vem ao pensamento: Que mal nos fez Jesus a não ser amar-nos e morrer por nós? E logo
me sinto obrigada a perdoar-lhes e a repetir muitas vezes: Perdoai-lhes, meu Jesus, permiti que se
convertam e se abrasem no vosso divino Amor. Mas só vós, meu amor, sabeis a minha dor e amargura.

Sinto-me sozinha! Pegou em mim um incêndio que tudo queimou e destruiu. Tudo perdi. Nem ao menos
vós, meu Jesus, baixais do Céu à terra vindo ao meu quartinho pelo santo Sacrifício da Missa. Que
saudade, que pena: tudo me roubaram! Tende dó, Jesus, deste pequenino sopro de vida que já não é
como um agonizante que de momentos a momentos sempre pode respirar. Vede, Jesus, é pior ainda. A
minha respiração é mais tardia, parece-me demorar dias e dias; e assim vou perdendo a vida. Estou
como uma luz que se apaga para nunca mais se acender. Os meus olhos parece-me que perderam a luz
da terra; não posso viver a vida humana. Mas com tudo isto confio em vós. Deixai que a minha confiança
vá tão longe quanto pode ir: deixai que ela aumente na medida do possível. Foi nos vossos santíssimos
braços que me entreguei e no vosso santíssimo coração que fiz a minha morada. Viver e morrer convosco
como é doce, meu Jesus! Que mais virá ainda? Venha o que vier, presa com as cadeias do vosso amor
nada temo. A tempestade não cessa. Ouço o zunir dos ventos furiosos e destruidores. Ouço o eco do
trovão que tudo faz tremer. Deixai-me ó Jesus, ou antes permiti que eu fite para sempre o meu olhar nos
vossos divinos olhares para nunca mais de vós os retirar, para ver todo o martírio como vindo de vós, e
nada temer, ser forte convosco. Temer só o pecado e ter sempre diante de mim a minha miséria. Que sou
eu sem Jesus? Como lhe tenho correspondido ao amor sem igual com que tenho sido amada? Pobre de
mim! Como ousei ofender-vos?

27 de Maio

— “Minha filha, minha filhinha, não temas, não temas, que nada tens que temer. Tens em ti a força do
Céu e da terra. A carne e o sangue de Jesus é o teu alimento. Grava em teu coração a minha divina
Imagem e nos momentos da tua aflição olha para ela e contempla-me crucificado. Tem coragem? É a
onda de crimes que alastra o mundo. Compadece-te da minha dor. Desagrava-me, minha filha, repara
pelos pecadores. Tem coragem! A minha divina vontade há-de cumprir-se. Minha filha, minha filha,
meu amor”!

Abraçava-me, acariciava-me, beijava-me, e ao mesmo tempo que recebia os ósculos de Jesus, sentia
entrar-me força para o meu coração. Ó como Jesus é bom! Como Ele e só Ele é a força dos fracos!

5 de Junho – Primeiro sábado

— “A alma fiel não teme a cruz; toma-a, abraça-a, acaricia-a, leva-a só por amor! Os espinhos com que
Jesus adorna na terra as suas crucificadas transformar-se-ão no Céu em pétalas das rosas mais belas e
viçosas. Mais ainda: transformar-se-ão em pérolas, em pedras preciosas. Como é encantador para Jesus
uma virgem que a Ele toda se dá e por Ele tudo sofre!”

— Meu Jesus, eu dou-me a vós, eu sofro por vós, despedaçai de dor o meu coração; eu quero amar-vos,
eu quero dar-vos as almas. Cobri de espinhos todo o meu pobre corpo, mas o que sou eu sem vós?
Miséria, meu Jesus, só miséria.

— “Tu és grande, tu és forte, minha amada. Serás grande para o mundo e grande aos olhos de Deus.
Estás rica, estás rica, meu amor com os maiores dons e as maiores riquezas do Céu. Que belo é Deus, que
belo é Jesus e belas faz as suas almas. Vais, minha louquinha, vais, minha heroína, dar a maior prova, a
última prova de amor a Jesus e ás almas. Não temas, não temas, Jesus e Maria estão contigo, o divino
Espírito Santo iluminar-te-á sempre. Tu és o cofre riquíssimo que Jesus tem na terra; tens muito que
distribuir às almas”.

Ó Jesus conto com toda a graça, força e amor do Céu.


— “Diz ao teu Paizinho que Jesus te escolheu; diz ao teu médico que Jesus te confiou, diz à tua irmãzinha
que te acompanha nas tuas dores, diz a todos que te ajudam a subir o doloroso calvário, que serão para
eles as primeiras bênçãos, as primeiras graças, tudo o que é do Céu. Diz ao teu Paizinho que já cá na
terra tem um trono em meu divino Coração. Diz-lhe que Jesus e Maria o amam loucamente. Diz-lhe que
já nesta luta mais não pode, te acompanhe sempre, sempre com orações, sempre, sempre com aquela
união de almas com que Eu vos uni. Diz ao teu médico que seja forte com a força do meu divino Coração.
Que te acompanhe sempre, sempre, que te ajuda a levar a cruz. Que conte sempre com as graças e
bênçãos do Senhor para ele e todos os seus; todos eles terão a perseverança final. Acaricia-te Jesus,
acaricia-te a Mãezinha: são ternuras, doçuras, amor do Céu”.

— “Toma conforto, ó minha filhinha, esposa do meu Jesus, salvação de todos os filhos meus. Como és
amada de toda a corte celeste!”

Estas últimas palavras foram da Mãezinha.

6 de Julho

Depois de ter oferecido de véspera a Nosso Senhor o sacrifício da minha partida, longe de raiar o dia,
num desabafo profundo eu disse: Ó meu Jesus, eu só quero fazer a vossa santíssima Vontade. Logo o
ouvi na sua infinita bondade:

— “Coragem, minha filha, mais uns dias. É a minha causa, é pelas ovelhinhas queridas do meu divino
Coração”.

13 de Julho

Depois da Sagrada Comunhão

No meio dum grande desalento da alma, pedindo a Jesus conforto, ele disse-me:

— “Anima-te, anima-te, minha filha, anima a rua irmãzinha. Vais para a tua casinha; a luz está feita.
Felizes daqueles que procuram ver e por ela se deixam guiar através dos tempos. Anima-te que é Jesus.
Não exijo mais sacrifícios desta espécie nem os consinto. Vais livre de perigo, Jesus continua a fazer o
seu milagre. Vais, até que voes da terra ao Céu”.

7 de Agosto – Primeiro sábado

— “Transportes de amor, júbilos de alegria, hinos de louvor. Vem Jesus, vem Maria ao ninho dos seus
amores, vêm cumprir a sua promessa e reparar a falta da sábado passado. Não convinha que Jesus
falasse naquela prisão dolorosa[1]. Ei-lo contente, Ei-lo cheio de alegria, com sua bendita Mãe. Está
agora no seu sacrário, na sua vivenda contínua na terra. Foi duro o teu penar, filhinha, foi duro o penar
da tua irmãzinha naquela prisão. Avante! Foi por Jesus, foi pela sua glória, foi pela salvação de milhares
e milhares de pecadores. Que triunfo para o Coração do teu Jesus, do teu esposo. Ei-lo a ser exaltado, Ei-
lo a ser glorificado nos seus queridos humilhados. Jesus agradece tão grande glorificação, tão grande
triunfo. Basta, basta agora, minha filha, não sais mais do teu quartinho, do paraíso de Jesus, dos seus
encantos na terra. Ei-lo, Ei-lo contente e alegre. É Jesus a provar ao teu Paizinho quanto o ama. É Jesus
a mostrar ao mundo quanto ama a sua louquinha, quanto por ela tem sido glorificado. Diz, filha, diz,
amor, diz ao teu Paizinho, diz ao teu médico que todas as suas humilhações vão ser exaltadas. Jesus
está-lhes agradecido pelo triunfo, pela conquista da sua causa. Os homens tentaram deitá-la por terra,
Jesus velou: eles cooperaram. Tudo o que é de Jesus não cai, no meio de todas as tempestades segura-se,
brilha, triunfa. Reina Jesus com a sua louquinha. Triunfa Jesus com os queridos da sua amada”.

— Ó meu Jesus, muito obrigada. Triunfai e reinai para vossa glória, para que se salvem as almas. Quero
ser sempre pequenina aos olhos do mundo, mas grande no amor, grande no poder de vos salvar as
almas, desse poder que é vosso, desse poder que só a vós pertence.
— “Inunda-te, inunda-te, filhinha no amor de Jesus e no da tua querida Mãezinha; dá-o como quiseres
às almas minhas amadas que são as amadas tuas. As carícias de Jesus, as carícias de Maria, as loucuras
do amor divino”.

[1] NOTA : Refere-se Nosso Senhor ao tempo que a Alexandrina passou no Refúgio da Paralisia Infantil, na Foz do Douro, e que a própria
descreve em capítulo à parte, na sua Autobiografia.

4 de Setembro – Primeiro sábado

― “Estou tão bem, minha filha! Que morada tão doce, deliciosa e agradável é o teu coração! Alegra-te,
consola-te, és o palácio onde habita Jesus. Que flores tão encantadoras e perfumadas o adornam! Queres
saber, filhinha, queres saber, amor, que flores são essas?

São as tuas virtudes, são as tuas dores, são os dons com que o teu Esposo te enriqueceu. Estás cumulada
dos dons divinos. És o lírio, és a açucena onde Jesus tem todos os seus encantos. És a violeta pequenina
e escondida. A tua humildade encanta à Céu e a terra.

Suspiro, filhinha, suspiro por te levar para a minha Pátria, sem demora, para a Pátria que também é tua:
criei-te para ela. O teu lugar está alto, tão alto junto da Divindade. Só lá conhecerás deveras o valor do
sofrimento. Só lá verás a missão que te confiei. Milhares e milhares de pecadores salvos por ti, que hinos
encantadores te serão entoados por eles à tua chegada! Todo o Céu te espera a render homenagem. É a
esposa querida, a maior amada de Jesus”.

― Ó meu Jesus, não sei dizer-vos nada. Revestistes-me com o que era vosso e com o que é vosso vos
encantastes. Encobristes com o vosso brilho, com a vossa grandeza a enormidade das minhas misérias.
Tendo dó de mim, Jesus.

― “Jesus, o teu amor por amor enriqueceu. E tu, esposa fiel por amor correspondeste e foste fiel. A obra
está a terminar, a tua missão na terra está quase cumprida. Diz ao teu Paizinho que a prova de quanto eu
o amo e que ele é o filho mais querido que eu tenho na Companhia foi pôr-te à sua frente, foi dar-te a ele
para ele te guiar para mim. Amo-o; ele tem sido fidelíssimo ao meu divino Coração. Diz ao teu médico
que a prova do meu divino Amor para com ele foi escolhê-lo para desempenhar tão espinhosa missão.
Espinhosa, mas de maior consolação e alegria para mim. As minhas bênçãos, o meu amor caem sobre ele
e os seus com toda a abundância. Os filhos dele são pérolas queridas do meu divino Coração, são jóias
saídas e purificadas sempre do cofre riquíssimo de Jesus. Ó minha filha, ó amor, recebe as carícias de
Jesus, recebe as ternuras da tua Mãezinha querida”.

“Filhinha, filhinha, salva a humanidade comigo, salva comigo Portugal. És a esposa mais querida de
Jesus, és a filha mais amada do meu santíssimo Coração”.

Ó Mãezinha, ó Mãezinha, aceitai as minhas dores, salvai com elas a humanidade, salvai com elas o nosso
querido Portugal.

― “É salvo, é salvo, é salvo com dor e amor”.

― Muito obrigada, Mãezinha! Agradecei por mim a Jesus.

18 de Setembro

― “Minha filha, amor, amor, amor. O teu coração e o meu é um só; estás toda transformada em mim.
Eu sou a tua vida; não tens a vida humana, tens a vida divina. Não tens a vida da terra, vives a vida do
Céu. A tua vida terá sempre espinhos, um espinho penetrará outro espinho e assim crucificada à minha
semelhança passarás ao Céu cravada na cruz por amor de mim. Pede-me, minha filha, pede-me o que
quiseres em nome do meu divino Sangue e em nome das dores de minha Mãe Santíssima, tudo
alcançarás”.

2 de Outubro – Primeiro sábado

― “Estou a recrear no meu palácio; palácio entesourado com os tesouros divinos. É riquíssimo o teu
coração, que belo adorno para mim, minha filha. Gozo em ti, alegro-me em ti, tu és o jardim perfumado,
tu és o jardim adornado com todas as flores. E eu gozo por ser Senhor de tudo isto; eu gozo por possuir o
aroma de flores tão belas. O mundo não te conhece, minha amada? Conheço-te eu, conhece-te Jesus. És
bela, és bela, és rica, rica serás na terra e no Céu. Quem chamar pelo teu nome quando estiveres no Céu,
nunca o chamarão em vão. Vais ser poderosa com o Todo-Poderoso. As palavras do teu Esposo Jesus vão
cumprir-se, vão cumprir-se à letra, à letra, minha amada. Os teus espinhos transformaram-se em rosas,
o teu martírio num paraíso. Tudo, tudo, salvação para os pecadores, consolação para mim. Brilhou o sol,
apareceu a luz. Brilha agora a luz dos humildes, triunfam e são exaltados. Minha filhinha, minha
filhinha, encanto meu. Diz ao teu Paizinho que o fogo do meu divino Coração se estende sobre ele. A
minha morada divina é a morada dele, é a fornalha onde ele há-de habitar sempre, sempre na terra e no
Céu. Vou pela humanidade dele dar-lhe o poder de atrair a mim todas as almas, ansiosas por me
possuírem e as que andam arredadas do meu divino Coração. Sou eu, Jesus, que falo sempre em seus
lábios. Quando ele estender a bênção sobre os filhos meus, sou eu que os abençoo. Dou-lhe todo o poder
na terra para ele abrasar os corações e as almas e converter os pecadores. Que espere tudo de mim,
assim como Eu dele tudo recebo. Diz, minha filha, diz ao teu médico, que à sombra do manto da minha
bendita Mãe e ao calor dos raios do meu divino Coração está o lar dele por Nós abençoado. Será o jardim
cultivado por Nós; Eu e Maria seremos os jardineiros. Se ele me for fiel, será o lar mais rico de todo o
Portugal. Rico de graças, rico de amor, rico para o Céu. Dou-te tudo o que é meu, meu amor, para tu
tudo dares em meu nome aos que te amam, aos que te rodeiam, aos que te amparam e protegem. Dou-te
tudo o que é meu para tu tudo dares a toda a humanidade, de quem te nomeio protectora”.

― Ó meu Jesus, estou envergonhada. Oh! Como eu me sinto tão pequenina. Eu só merecia o inferno, não
sou digna das vossas graças. Distribuí vós as vossas graças. Tomai as minhas mãos, manejai com elas;
aceitai todo o meu corpo, seja ele o vosso instrumento; trabalhai, Jesus, não cesseis. As almas perdem-
se, o mundo está em perigo.

― “Recebe, filhinha, as carícias do teu Jesus, da tua Mãezinha; recebe o nosso poder. És toda nossa, és
toda nossa, és filhinha, és esposa do meu Jesus. Recebe dos nossos ósculos conforto para tudo”.

― Obrigada, obrigada, Mãezinha! Obrigada, obrigada, Jesus!

31 de Outubro – Transformação da alma

No dia de Cristo-Rei, senti-me como se morresse o meu corpo e o meu espírito, e acabasse por completo
a minha existência no mundo. É indiscritível a dor que isto causou. Mas mais ainda: sentia-me no
Purgatório! Que dor, meu Deus, que dor! Há dias que sentia passar por mim umas labaredas julgando eu
que era efeito da sede ardente que continuamente sentia, mas enganei-me. Essas labaredas
continuaram; não eram as labaredas do fogo da terra. Tinham um brilho encantador. Passavam por mim
horas seguidas, atormentando o meu corpo e todos os seus sentidos. Atingiam a maior altura e todo o
meu ser ficava embebido nelas. Causavam-me dores indizíveis. Mas, apesar disso, eu sentia necessidade
de me mergulhar nelas, para assim me purificar. Como a borboleta louca pela chama, eu estava também
louca e queria de braços abertos entrar naquele fogo que atormentava mas não destruía, vivendo só
numa ânsia; libertada daqui vou para o meu Jesus. Eu não sabia o significado de todo este sofrimento.
Soube sentir e mais nada. Jesus veio explicar-mo.

6 de Novembro – Primeiro sábado

― “Estás, minha filha, na posse do teu Deus. A tua vida não tem nada de humano, é só divina: já vives
aqui só a vida do Céu. O adorno que eu dou às minhas esposas mais queridas são espinhos e dos
espinhos mais agudos. Mas tu transforma-los com tanta doçura e amor que todos ficam em pedras
preciosas. Que encanto, que riqueza é o teu coração, ó minha pomba bela. O arminho não se mancha,
cada vez mais branco e puro. Sentias, minha filha, o teu espírito que morreu? Fui Eu que assim o
permiti: morreu para o mundo, mas vive mais e melhor para o Céu. A aflição que sentes do fogo do
Purgatório é a verdade, é a realidade. Estou a purificar-te para depois da tua morte não teres que estar
lã, vais direitinha para Mim. Assim o quer a minha bendita Mãe para saberes o que as nossas almas
queridas lá sofrem; dá-o a conhecer ao mundo. Sofre tudo, tudo oferece por elas. Mas não temas, meu
amor, meu encanto, estás amparada por mim e por minha bendita Mãe; não cais, não vacilas. Estamos
encantados contigo, Ela e Eu velamos por ti mais, muito mais do que aquela mãe que dia e noite vela
pelo seu filhinho. Tu és a alegria de Jesus, és a alegria de Maria. Nós ao contemplar-te esquecemos os
crimes da terra culpada, da humanidade sem ti perdida. Vais em pouco, dentro em pouco para o Céu,
mas confia, minha filha, o teu Paizinho vem. A missão dele não acabou, continua ainda; continua
enquanto vives e depois da tua morte ainda[1]. Ele é jóia da minha Companhia, por isso mesmo o
escolhi para te guiar para mim. Amo-o mais do que às pupilas dos meus olhos. Diz-lhe que de novo lhe
mando todas as minhas riquezas e amor e a graça de atrair para mim as almas. Ele não demora, minha
filha, a dar-te a luz que necessitas. Diz também ao teu médico, meu encanto, diz-lhe, afirma-lhe com
toda a verdade, que pela missão que lhe confiei, pela missão que te diz respeito e ele com tanto amor e
boa vontade vai desempenhando, dar-lhe-ei luz e graça para desempenhar com sua esposa a missão do
lar, para guiar, encaminhar pelo caminho mais seguro todos os filhos para mim. As minhas bênçãos e
amor caem sobre eles com toda a abundância. São meus, todos meus, todos para mim, todos para o
Céu”.

― Ó meu Jesus, humilhada e confundida estou eu diante de vós. Não mereço nada; muito obrigada,
Jesus.

― “Pois nada mereces, minha filha : faço eu com que tudo mereças. Criei-te assim bela e encantadora
aos meus divinos olhos, aos de minha bendita Mãe. Recebe as nossas carícias, recebe todo o nosso amor,
recebe toda a luz e graça do divino Espírito Santo com a promessa de que não te enganas e de que as
minhas divinas promessas serão cumpridas”.

― Ó Jesus, ó Mãezinha, são carícias de Mãe, mas só de uma Mãe como vós. Que doces são os vossos
beijos, Mãezinha, enchem-me de vós, dão-me força para viver, coragem para combater.

9 de Novembro

O que penso sobre a guerra e a minha confiança em Deus.

Quando me falam da guerra e do perigo em que Portugal está, sorrio a tudo, pois o meu coração redobra
de confiança chegando a dizer a Jesus: Jesus, confio em vós! E digo para quem me fala: Não será tanto
assim, Nosso Senhor é de infinita misericórdia! Não é porque nós merecemos mais do que as outras
nações. Não têm os pais muitas da vezes as sua predilecções para com um dos seus filhos? Assim
acontece com Nosso Senhor. Muitas vezes estas conversas faziam-me sofrer pelo que ouvia do mundo e
pelo que sentia de Nosso Senhor e ouvia, quando ele me dizia repetidas vezes: “Confia, confia, minha
filha”. Temia muitas vezes ser o demónio, mas os efeitos dele não se faziam sentir na minha alma. Ao
ouvir as palavras “confia, confia, minha filha”, sentia muita paz e força capaz de vencer a guerra.

Chegou-me aos ouvidos de que o Santo Padre tinha sido preso, e eu não me convenci disso, tomei por
confusão do povo. Desde pequenina que rezo pelo Santo Padre, mas desde há muito que venho rezando
mais, compadecida do muito que ele sofria. Agora que ouço isto, rezo mais. Apoderou-se de mim uma
dor tão grande e uma compaixão por ele que por vezes me parecia não resistir. Sentia na minha alma um
luto, como quando morre um pai de família que deixa todos os seus filhos órfãos. Os dias foram
passando e nesta luta constante não me canso de oferecer a Jesus todos os meus sofrimentos e por eles
peço a paz. Queria aliviá-lo e confortá-lo, libertá-lo de todo o seu sofrimento e não sabia como. Um dia,
depois de comungar, senti um grande desejo de escrever a Sua Santidade. Sem poder resistir a ele, disse
para minha irmã: Vou escrever ao Santo Padre. Dá-me a caneta e o papel. E tratei de o fazer, pedindo a
Nosso Senhor toda a luz e força e de novo ofereci o sacrifício que fazia. Escrevi o Seguinte:

Santíssimo Padre:

Sei que nestas horas trágicas que passam pela humanidade, depois de Jesus o coração que mais
sofre é o de Vossa Santidade. Jesus sofre porque é ofendido, e Vossa Santidade sofre por ver o mundo
em guerra, em ódios, em crimes. Ai, quanto sofre também o coração da mais pobre, da mais miserável
e indigna das vossas filhas por não livrar o Coração divino de Jesus dos crimes da humanidade, para
não ser mais ferido, e por não poder aliviar dor tão dolorosa e profunda que aniquila e trespassa o
coração do meu querido Pai espiritual e pai de todo o mundo.

Ó meu querido Paizinho, eu nada valho, eu nada posso, sou pobrezinha e miséria, mas Jesus pode
fazer-me forte e poderosa e é com Jesus e com a querida Mãezinha que estou ao lado de Vossa
Santidade para com os meus sofrimentos o ajudar a levar tão pesada cruz.

Queria beijar a terra onde Vossa Santidade põe os pés, queria andar de rasto por onde quer que
passasse o meu querido Paizinho como sinal da minha dor por o ver sofrer e do meu profundo
respeito.

Coragem, coragem, Santíssimo Padre, Jesus não falta, a força vem do Alto, a guerra acaba, a
paz reinará entre os homens, mas sempre com dor e sacrifício e o reinado de Vossa Santidade
continuará sempre por entre espinhos, mas Jesus nunca faltará com toda a sua graça e amor para o
meu querido Paizinho poder subir alegre tão doloroso calvário. Foi ele quem escolheu tão terno filho
para pai de tos nós, para nos dar as santas luzes do divino Espírito Santo. É triste o reinado na terra,
por causa da malícia dos homens, mas será alegre e glorioso no Céu, como prémio de tanta dor e de
tanto amor a Jesus.

Santíssimo Padre, sou uma filha vossa, doente há vinte e seis anos e paralítica há quase
dezanove. Esta minha carta representa um enorme sacrifício, pois estou deitada na cama, com o meu
pobre corpo trespassado das mais agudas dores, mas é uma prova de amor, santo amor ao meu
querido Santo Padre.

Ai, meu Pai, se fosse possível eu dizer quanto sofro no corpo e na alma! Que triste e dolorosa tem
sido a minha vida! É só alegre com os olhos em Jesus. Pai, meu Pai, dai-me a vossa bênção apostólica,
suavizai a minha dor, tende dó de mim e perdoai-me o meu atrevimento. Eu não tomei conselho com
ninguém, pois já vai para dois anos que não tenho director. Manda quem pode e obedece quem deve. A
bênção, a bênção, meu Pai, e o perdão para o mal escrito, mas eu não sei escrever melhor.

Nunca esqueço Vossa Santidade, nem na terra, menos no Céu. Eu não sei falar para o meu
querido Paizinho. Perdão, perdão!

Sou a pobre

Alexandrina Maria da Costa.

11 de Novembro

Depois de lhe escrever, fiquei mais aliviada, cheguei até a sentir contentamento, mas pouco duradouro.
No dia seguinte ao que mandei para o correio, depois de comungar, era enormíssima a dor que sentia
por Sua Santidade e era grande a minha preocupação a respeito das manobras e exercícios militares e
apesar de toda a minha confiança, causava-me sofrimento o que ouvia dizer, e dizia a Nosso Senhor sem
pensar, sem pensar obter qualquer resposta: Ó meu Jesus, libertai o Santo Padre, dai paz ao mundo
inteiro, dai, meu Jesus. E Nosso Senhor respondeu-me:

― “Sim, sim, minha filha, dou a paz, dou a paz, e em breves dias. Confia, Jesus não te engana”.
E depois continuava eu:

― Ó meu Jesus, meu Jesus, livrai Portugal da guerra! Nós não o merecemos, mas compadecei-vos de
nós! Livrais, meu Jesus, livrais Portugal?

― “Sim, minha filha, Portugal é livre, não entra em guerra; não tenho eu a crucificada deste calvário ao
lado da minha bendita Mãe a sustentar o braço do Eterno Pai?”

Passada cerca de uma hora, ouvi dizer que estaríamos entregues aos franceses e mataram o Santo Padre.
Ao ouvir esta notícia, senti tão grande dor que o meu coração pareceu estilhaçar-se; fiquei sem poder
respirar, sem poder falar e sem poder orar. Com os olhos fitos no Coração de Jesus, dizia com o
pensamento: Valei-me, Jesus, valei-me. Mãezinha, não me deixeis vacilar. Oferecia a Nosso Senhor todo
o sofrimento para que o Santo Padre fosse libertado, persuadida de que não tinha morrido e que não era
verdade o que se dizia do nosso querido Portugal.

Foi um dia de tremenda luta. Eu pedia a Nosso Senhor que me mandasse alguém que me pudesse
confortar, porque não queria ofendê-lo com o meu desânimo. Passaram-se horas de grande agonia.
Sentia-me no meio de uma tremenda tempestade que tudo destruía com a maior fúria e eu sem ter quem
me acudisse. Fitava Jesus, fitava a Mãezinha, pedia todo o auxílio do Céu. Nosso Senhor veio confortar-
me dizendo:

― “O Santo Padre não morreu ! Vive ainda, a sua missão continua”.

Repetiu-me por várias vezes muito no íntimo do meu coração:

― “Confia, confia ; Jesus não te engana !”

Porém, o demónio, não satisfeito de me ver sofrer sem do meu sofrimento tirar resultado, enraivecido,
repetia-me frequentemente:

― “Portugal em guerra, Portugal em guerra !”

Dizia-me com tanta raiva que me fazia sentir pavor. Figurava-se-me que ouvia tocar vários sinos pelo
Santo Padre; qualquer ruído, pareciam-me já peças de artilharia em Portugal. Com tudo isso, conservei-
me sempre firme na confiança de Jesus. Isto passou-se em 14 de Outubro de 1943, e no dia 10 do mesmo
mês Nosso Senhor tinha-me dito pouco mais ou menos o que disse no dia 14. No dia seguinte, apesar de
me dizerem que tudo era falso, sentia momentos de grande temor, pois esperava por alguém que me
dissesse que era realidade. Maldito demónio que tentava tirar-me a paz e fazer perder a confiança
naquele que não engana nem pode ser enganado. Chegou o meu confessor e esforçou-se por me
sossegar, o que só na confissão conseguiu. Sempre desejosa de orar pelo Santo Padre, fazia-o sempre,
mas foi diminuindo dia a dia aquela dor que por ele sentia.

[1] Será bom lembrar aqui que o Padre Mariano Pinho foi o primeiro biógrafo da Alexandrina.

4 de Dezembro – Primeiro sábado

— “O teu coração, minha filha, é o palácio real da realeza divina, é o trono mais belo e encantador que eu
encontrei na terra. É um foco atraente que atrai para mim os pecadores. É um fogo ateador que ateia os
corações e as almas sequiosas do meu amor. Quisera eu que o mundo bem depressa conhecera a
consolação que dás ao meu divino Coração e ao da minha bendita Mãe. Consolas-nos; dás-nos a maior
das alegrias. Amas-nos com o amor mais puro e perfeito. Reparas os crimes de milhões e milhões de
pecadores. Como és encantadora aos olhos da Santíssima Trindade! Ó bela, ó bela, ó amor do amor
divino. Olha, minha filha, os homens não se apressam a dar o brilho que Eu desejo à minha Causa, mas
Eu estou contigo. O seu desleixo será punido, a recompensa será o castigo. Diz, minha filha, diz, minha
esposa querida, diz ao teu Paizinho: o meu divino amor nele está cada vez mais. Amo-o, amo-o
verdadeiramente. Dou-lhe a graça de atrair para mim as almas, dou-lhe a graça de as incendiar no meu
divino Amor. Diz-lhe que é com dor, que é com mágoa que Eu afirmo: os meus castigos vão continuar
sobre a Companhia. Tem lá tantas almas que me desgostam, tantas que não são perfeitas como quer e
exige o meu divino Coração. Não têm a minha caridade, escandalizam as almas. Se eles olhassem para as
minhas ameaças, se atendessem aos meus pedidos, não teriam sido tão castigados. Eu velo, eu velo pelos
que são meus. Eu velo pelos que me amam. Diz, minha filha, diz ao teu médico que a fidelidade dele às
minhas graças, a fidelidade dele aos meus desejos é a minha alegria. Que seja firme, em cuidar da minha
causa. Coloquei-o ao teu lado para te amparar e defender, porque assim defende-me a mim. Chovem
graças, chovem bênçãos sobre ele e todos os seus, sobre os queridos do seu coração. Tem coragem, meu
encanto, não desanimes no teu martírio, não desalentes no teu calvário; só assim os pecadores são
salvos, só assim o mundo recebe as graças desejadas. Vives no Purgatório, a barreira que te separa. Fui
eu que assim permiti. Agora já não estás no mundo, vives como se não vivesses. O teu tormento é
inigualável. Nunca o dei a nenhuma alma. Queres consolar-me, minha filha? Queres continuar nesta
dor?”

— Tudo, meu Jesus, tudo que vós quiserdes. O meu anseio é não viver sem vos dar consolação um
momento só, meu Jesus. Viver para vos consolar, viver para vos salvar as almas, é a minha aspiração.

— “Coragem, então, filhinha. Se soubesses quanto bem vai fazer às almas, quando souberes o tormento
que te foi dado! O teu espírito morreu para o mundo, a tua vida é a vida das almas no Purgatório, mas
não estás a sofrer só por ti. Depressa, depressa a dar a conhecer ao mundo quanto elas sofrem; depressa,
depressa é às almas minhas amadas a libertá-las. Recebe o amor, todo o amor do teu Jesus, as carícias
celestes”.

— Ó Mãezinha, muito obrigada. Ó Mãezinha, abençoai, beijai e orai por mim a Jesus.

Fevereiro

Senti a minha alma desprender-se da terra e subir mais alto, ficando a vivificar o meu corpo, que ficou cá
em baixo, como que uma corrente eléctrica que servia de união entre os dois. Este desprendimento
custou imenso ao meu corpo cujos olhos fitavam-se em Jesus crucificado para alívios das suas dores. No
entanto, à minha alma sentiu-se no regaço da Mãezinha, sustentando comigo o seu divino Filho morto.

Este facto deu luz à minha inteligência, dando-me a conhecer que o que Jesus me prometera a 15 de
Agosto de 1943, ter-se-ia realizado não na forma que eu julgava mais natural, isto é, que eu teria ido para
sempre para o Céu, mas que iria para voltar.

Esta luz não foi impressão de um momento, mas sim uma nova transformação que se operou em mim e
que me obrigou a dizer que certamente não teria morrido, mas que Jesus referia-se com certeza a este
novo estado da alma.

Convenci-me de tal forma, que nunca mais pensei dar-se, no dia marcado por Jesus, a morte real.

13 de Maio

Nova transformação na minha alma. Morreu por completo aquele pequenino sopro de vida. Já não sinto
aquela respiração que de longe a longe sentira. Vive em mim a dor e essa de toda a qualidade e espécie.
Morri, morri para o mundo e para as criaturas. Tudo baixou ao túmulo para ficar para sempre sepultado.
Meu Deus, que horror! Já não vivo, só vive a minha dor amada, só vive o meu inexplicável martírio.
Poderá ele, sem a minha vida, dar a vida às almas? Poderei ser ainda útil à humanidade? Ó Jesus, ó
Jesus, posso assim amar-Vos e consolar o Vosso santíssimo Coração? Pobre de mim! Depois do ódio e
do abandono, depois do esquecimento, do desprezo, baixei à minha sepultura, já vivo na eternidade e
sem que me désseis o meu Paizinho e sem ter de novo aqui a Santa Missa. Nunca mais, meu Jesus;
nunca mais posso ter alegria, a não ser com os olhos em Vós. Podem de novo darem-me tudo o que me
roubaram, sinto que para mim tudo é morte e que já é tarde para me ser restituído aquilo que eu mais
amava e estimava depois de Vós, ó meu Jesus. Ai a Santa Missa! O meu director espiritual! E tudo mais,
meu Jesus, tudo mais! Que horror! Como resistir a tanto? Não fui eu, meu Amado, fostes Vós em mim,
foi o Vosso Amor. Obrigada, meu Jesus! Continuai a dispensar-me, dai-me força.

A minha eternidade não tem luz : é uma eternidade que não Vos ama, que não Vos louva, que não Vos
vê, que não Vos goza. Tremenda eternidade. Não ver a Jesus é uma eternidade de morte. Só a dor triunfa
sobre a morte. É o que vivo na eternidade que sinto. Seja qual for o estado da minha alma, Jesus,
apressai-Vos, cumpri as Vossas santas promessas. Eu espero, eu espero, confiada por Vosso amor. Dai,
Jesus, dai a vida às almas com a minha morte, com a minha eternidade. Dai-lhes a Vossa eternidade ;
dai-lhes o Céu, o Céu, ó Jesus.

29 de Maio

Estava em grande aflição e depois de receber a Jesus, desabafava com Ele mas sem contar obter
resposta. Mas Ele, bom como sempre, dignou-se aliviar-me :

— Diz, minha filha, à tua irmãzinha, que estou a ver até que ponto chega a confiança dela em Mim. Ela
desempenha junto do teu Calvário o papel que, junto do meu, desempenhou minha Bendita Mãe. Diz-lhe
que muito espero dela. Se assim não fosse, não a associava tanto ao teu martírio.

E, referindo-se a quem tanto nos fazia sofrer, disse :

— Vá, tende coragem. Satanás está raivoso, estende sobre Vós as suas garras infernais. Confia, ele não
vence. Ela é uma insensata : usou para Vós com a maior das ingratidões, mas perdoai-lhe de todo o
Vosso coração, assim como Eu lhe perdoo. Se soubesse quanto sofro ! Recebe-me friamente, por hábito,
por rotina. Que mágoa para o Meu divino Coração !

16 de Junho

Foi no dia 16, festa do Sagrado Coração de Jesus. Não posso esquecer : Jesus, repetidas vezes tinha
confirmado o que me tinha dito e prometido no princípio da minha crucifixão, que era um prémio de eu
me deixar crucificar, que estavam as portas do Inferno fechadas desde o meio dia da sexta [feira] até à
meia noite do domingo, da meia noite de sol. Quando o meu Jesus deu por terminada a minha
crucifixão, ou antes, quando mudou a forma de me crucificar, eu continuei a lembrar a Nosso Senhor em
todas as sextas-feiras, à hora de costume, que continuasse a ter fechadas as portas do Inferno porque me
julgava com o mesmo direito. Pois fostes Vós que me negastes a crucifixão, e não fui eu a negá-la, disse
eu. Veio Nosso Senhor, pegou em mim e colocando-me nos braços da Mãezinha, disse-me :

— Minha filha, minha filha, vem descansar e tomar conforto nos braços de tua Mãezinha. És acariciada e
acalentada por Jesus e por Maria.

Sentia então as carícias de Um e de Outra.

— “És embalada pelos Anjos. Vou dizer-te, minha filha, os dias que tens mais à tua conta para estar o
inferno fechado. Dou-te a quinta-feira de tarde em honra da minha Eucaristia e pelo amor que tens a Ela
e pelo que me levou a ficar preso aí, passando assim à sexta-feira de manhã. Dou-te a quarta-feira de
manhã em honra do meu querido pai São José, a quem tu tanto amas. Ó minha filha, quanto eu desejo
vê-lo amado. Olha, minha filha, quero, exijo que digas que quem tiver a ele devoção firme e constante,
não me ofende gravemente a ponto de se perder”.
Pedi mais a Nosso Senhor que me desse duas horas da segunda-feira e da terça-feira : não escolho horas,
Jesus, mas quero que sejam aquelas que mais almas tiverem que cair no inferno.

— “Sim, meu encanto, dou-te tudo, pelo amor com que te deixas crucificar” [1].

25 de Junho

Foi ao cair da tarde, já o sol estava quase a estender-se na noite, mas para mim não tinha havido sol nem
dia : tudo era noite. O desânimo, o abatimento, a luta constante que sentia na minha alma eram quase
insuportáveis. Meu Deus, antes o inferno do que perder-Vos. Que hei-de fazer a isto ? Jesus, Mãezinha,
valei-me, não me deixeis cair. Ó meu Deus, ó meu Deus, o Céu parece não existir. Continua a luta, e o
tormento das dúvidas e de nada vale o meu brado pelos santos. Confio, Jesus, confio, Mãezinha, mas o
tempo passa, para mim não há socorro, sinto abandono da terra e do Céu. Jesus, Jesus, pobre de mim!
Não quero enganar-me nem enganar ninguém. Nova prova de amor de Jesus : veio Ele levantar-me do
abismo das trevas e da morte. Toma-me em seus divinos braços, inclina-me ao seu divino lado, dá-me a
beber o seu Sangue do seu divino Coração. Que maravilha! Que bondade infinita! Sentia o Sangue do
Coração de Jesus passar para mim com toda a abundância. E Jesus, cheio de doçura, ia dizendo-me:

— “Coragem, minha filha, toma conforto. O meu divino Sangue, a minha carne são o teu ,alimento e a
tua vida”.

Jesus encheu-me, ressuscitou-me, raiou o dia, brilhou o sol e aqueceu-me com os seus raios. Já o mundo
nada podia contra mim. Oh! Como é bom Jesus, e que ingrata sou eu para com Ele!

[1] Este último trecho foi ditado pela Alexandrina ao Rev. Sr Padre Humberto Pasquale, salesiano, por ela não ter tido
forças para acabar. Esta revelação deu-se às 11 horas da noite do dia 16 de Junho de 1944.

3 de Julho

Não sei se devido ao meu sofrimento, fiquei em grande prostração e quase como que esquecida que o
[Jesus] tinha recebido. Ó meu Deus, que estado o da minha alma ! De repente, vi Jesus à minha frente,
pregado na cruz, e logo desapareceu. Se morta me sentia, morta continuei : a vida parecia não existir
para mim. Passaram-se uns momentos. De novo veio o meu Amado, mas desta vez cheio de encantos. É
o Coração santíssimo de Jesus. O seu divino Rosto era tão belo ! Tudo era brilho, tudo era luz !
Aproximou-se de mim e segredou-me ao mesmo tempo que me entregava o seu divino Coração com uma
grande chaga da qual saía uma enorme chama doirada que podia incendiar e queimar todo o mundo :

— “Guarda, minha filha, em ti o meu divino Coração para que os pecadores não possam mais feri-lo”.

Não sei como o Coração do meu Jesus infundiu-se em mim. Perde-se em mim e eu nele. Oh ! Como é
grande o amor de Jesus!... Que transformação a da minha alma! Já tinha vida, coragem e força para
caminhar.

Ó sofrimento, como és doce quando és levado por amor de Jesus. Mas ai, quanto custa querer consolar e
não poder, guardar o seu divino Coração para satisfazer os seus santíssimos desejos e não saber como.
Pobre Jesus, a quem entregais o Vosso Coração para guardar?! Aonde, Jesus, o poderei esconder para
não ser mais ferido? Eu sou miséria e podridão. Transformai-me, purificai-me e depois entrai em mim.
Amo-Vos e sou Vossa.

20 de Julho

Jesus, poderá ser, será possível a morte falar, o coração de um cadáver sentir saudades do Céu e ânsias,
ânsias de voar para Vós, louco, louco por se esconder, por se perder na imensidade do Vosso divino
Amor? Jesus, Jesus, é a minha dor que Vos fala, é ela que vive, é uma dor que nos fala, é ela que vive, é
uma dor que nela se encerram todas as dores. Jesus, sinto que o meu corpo já não é um cadáver no qual
os vermes da terra ainda não penetraram, um cadáver que, depois de alguns dias ter baixado ao túmulo,
pudesse ainda ser reconhecido. Não, meu Jesus, não, nem cinzas tenho, tudo desapareceu. Ó meu Deus,
que morte a minha, lede na minha dor: é por Vós, é pelas almas. Aguentai com o peso que me causou a
morte, vede que sem Vós não resisto a tantas saudades do Céu e com tantas ânsias de Vos amar não
posso estar aqui. A noite não tem estrelas, não há sol. Ó dor, ó dor, só tu vives, só tu vives, só tu vives,
mas não amas, não amas a Jesus, não vives para Jesus. Ouvi, Senhor, o meu brado! Chegue até Vós o
meu clamor! Que será de mim, meu Deus, que será de mim, sem Vós.

Ó luta, ó luta, ó tremenda luta. Jesus, há um ano que terminou o meu martírio na Foz: acabo de
relembrar nestes quarenta dias tudo que lá passei. Tendes em conta, Jesus, tão doloroso martírio? Eu
não voltei à Foz, mas quase posso dizer sofri tanto como quando lá estive. Fizeste, ó meu bom Jesus, que
tudo se renovasse: o meu sangue ia-se espalhando gota a gota pelo solo, revivi tudo, Jesus. Tomai conta
de toda a minha dor, e, pelas almas, fechai o inferno. Fazei que eu Vos ame e Vos faça amado: tenho
fome de Vos dar o mundo inteiro. Ai, meu Jesus, e as saudades de me alimentar não sou eu, não é o meu
corpo que sente fome e sede, pois eu já não existo, mas é um coração, é uma alma como se fora a minha
que sente essa fome e essa sede. Ouviste, meu Jesus, que este tão duro penar me obrigou a dizer : dava
tudo, dava o mundo, dava a vida, se fosse possível, só por uma pequenina alimentação. Que ânsias, que
ânsias, meu Jesus, de tudo possuir, para tudo dar. Estou louca, estou louca, Jesus, quero amar-Vos,
quero dar-Vos almas. Jesus, depois de tudo isto, não sei o que é dor, não sei o que é sofrer, tudo
desconheço, nada me pertence. Lançai para mim os Vossos divinos olhares que quero fitar para sempre
os meus em Vós. Tende dó, Jesus, tende piedade.

27 de Julho

Trevas da noite, horrores da morte! Continua, Jesus, o brado da dor; escutai, é ela que chora, é ela que
grita pelo Vosso socorro. Jesus, é dor que sente dor, é dor que outra vida não tem a não ser a dor: tudo
mais, meu Jesus, tudo mais baixou ao túmulo, passou para a eternidade. Não vejo luz; parece-me, ó meu
Deus, que nunca conheci a luz, não sei o que é luar, o brilho do sol, nem o cintilar das estrelas. Não sei o
que é a vida nem o amor de Jesus. Ó meu Deus! Como pode ser este estado que tem vida e tem coração
que sente, e que sente ele? Sente que foi rasgado e trespassado por dura lança, sente que não pode ser
mais ferido, sente que depois de estar assim tão maltratado que ainda houve corações que lhe cravaram
com outra dura lança fazendo lembrar a Mãezinha das Dores. Grande crueldade e ingratidão. E o que
tenho sido eu para Vós e para a Mãezinha!

Mas mais ainda a minha dor tem olhos que choram lágrimas de sangue e choram continuamente na
maior das amarguras, tem pés, tem mãos para ser crucificados, tem cabeça para ser coroada de espinhos
até penetrar os ouvidos, invadindo a dor todo o corpo. Jesus, estou num sobressalto, não sei o que
pressente a minha dor. Ai, que horror, tudo é tempestade, ameaças, ouço zunir os ventos, os ecos dos
trovões terríveis, ameaças de destruição, tudo fugiu espavorido e eu sozinha no meio do mar, sem barco,
sem leme e sem luz, prestes a afundar-me para sempre no abismo do mar. Horror! Horror! A
tempestade rasga as nuvens, o Céu abre-se e revolta-se contra a terra. Meu Deus, meu Jesus, que me
espera ainda? Em Vossos santíssimos braços me entrego.

1º de Agosto

Escutai, Jesus, a minha dor quase moribunda. Duro golpe lhe foi dado. Ó dor, ó dor que matas a dor, ó
dor que só por Jesus podes ser conhecida. Com os olhos em Vós, Jesus, as calúnias, as humilhações, os
desprezos, os ódios, o esquecimento têm a doçura do Vosso Amor. Venha tudo, ó Jesus, venha tudo o
que Vos aprouver. Morra o meu nome como sinto que morreu o meu corpo e a minha alma, para que
viva o Vosso divino Amor nos corações e a Vossa graça nas almas. Eis, meu Amado, porque me deixo
imolar. Mas como resistir a tanto? Ó Jesus, olhai este coração que rebenta, desfaz-se em dor, não pode
com tanto aperto se não vindes em meu auxílio. Vinde, vinde, ó Jesus, socorro, socorro, Jesus. Querem
privar-me de tudo, até me ameaçam de eu ficar sem Vos receber, proibindo o Senhor Abade de vir junto
de mim a não ser em perigo de vida, isto no caso de eu não obedecer. Obedeço, obedeço, meu Jesus, com
a Vossa divina graça! XE "Obediência, como eu te amo" Ó santa obediência, como eu te amo por Jesus e
pelas almas. Lançaram-me a público sem consentimento meu, de nada soube e agora, meu Jesus,
querem à custa da minha dor apanhar as penas que o vento tão furioso espalhou! Como, Jesus, como?
Ai, nunca mais, meu Jesus, nunca mais. Oh! Quem me dera viver escondida; ai, quem me dera amar-Vos
como tanto desejo ser Vossa, meu Jesus, a mais não poder ser, mas perdoai, ó Jesus, perdoai-me, sem
ter esta vida assim! Ai, quantos que nada desta vida conhecem e são santos, e eu, meu Jesus, cheia de
misérias! Oh! Que saudades dos anos que já lá vão! Tantos colóquios tive convosco e sem que nada se
soubesse. Dava vidas, meu Jesus, dava mundos para viver escondida. Perdão, Jesus, querer, não tenho
vontade. Meu Deus, se eu soubesse que com o meu sofrimento a Vossa consolação era completa! Se eu
pudesse viver fechada neste quartinho, sendo Vós, meu Jesus, e estas pobres paredes testemunhas das
minhas dores, sem que os meus e todos os que me são queridos pudessem recordar que eu vivia aqui e
que em dia algum da vida eu tenho vivido na companhia deles, então já não sofria. Mas vejo que quem
sofre mais é o Vosso divino Coração, e que os que me são queridos sofrem comigo, não podem esquecer-
me, então faz-me sofrer a mais não poder. Quantas vezes não posso conter as lágrimas, cega, cega de
dor! Vem-me ao pensamento : é mais perfeito não chorar, Jesus fica mais contente. Fito os meus olhos
no Crucificado, levanto-os ao Céu, fico por algum tempo a contemplar Jesus e logo as lágrimas que me
pareciam nunca mais ter fim, estancam: sinto vida nova. Meu Deus, que luta tremenda, ai de mim sem
Vós, Jesus, Mãezinha, valei-me: sou a Vossa vítima. Ó Santa Teresinha, Santa Gema, ó São José e santos
meus queridos, valei-me. Ó Céu, ó Céu, conto contigo. Nunca, meu Jesus, me deixeis cansar, nunca
deixeis parar meus lábios repetindo sempre: Amo-Vos, Jesus, sou a Vossa vítima. Dêem-me os homens a
sentença que quiserem, não importa. Dai-me Vós, ó Jesus, a sentença de vencerdes em mim e de eu Vos
amar e Vos dar almas. Jesus, não vejo o meu passado nem presente, vejo só o futuro, vejo o meu sangue
correr por entre espinhos, entre uma noite tremenda e escura vai a minha dor que tem vida, caminhar
por entre ele, banhar-se, ensopar-se nele. Ó meu Deus, que tormento, não sei dizer-Vos o que sinto,
sofro e a dor desaparece à medida que vou sofrendo. Nada me pertence e morro de dor, Jesus, e tenho
sede de mais dor. Jesus, só Vós me compreendeis : tenho fome, tenho sede, morro, morro, ô Jesus !

10 de Agosto

Jesus, olho para um lado, olho para outro, não vejo ninguém, temo e tremo : ai que pavor ! Não cessa a
luta, vejo por entre a escuridão o meu sangue correr e a dor quase moribunda segue o seu caminho.
Sangue e dor, morte e eternidade. Escutai, ó Jesus, ouvi, ó Mãezinha, é uma dor agonizante, não há
quem se compadeça da minha dor. Olhai, olhai, ó Jesus, vede-a ensopada em sangue. Jesus, Jesus, não
me deixeis sem Vos receber : perder tudo, tudo, mas comungar ; perder tudo, mas possuir-Vos. Ao ouvir
lá fora risos como de quem goza uma grande alegria, sem eu querer, quase sentia saudades de gozar
dessa alegria também. Meu Deus, que vida tão mal compreendida ! Se não fosse o amor de Jesus, se não
fossem as almas, não estava sujeita aos juízos dos homens, não tinha que lhes obedecer. Estes
pensamentos passavam rápidos como um relâmpago. E sentia-me como que obrigada a trocar todas as
alegrias pelo amor de Jesus. Jesus, Jesus é digno de tudo. As almas, as almas !

Este pensamento vibrou dentro de mim, acendeu uns desejos mais firmes de caminhar por entre
espinhos, banhada em sangue, só em sangue. Deu-me um conhecimento claro do que é Jesus e do que é
o mundo. Meu Deus, levanto-me aqui para cair além. A luta continua. Sinto saudades da minha
crucifixão das sextas-feiras, temo os primeiros sábados, temo qualquer dia ou hora, meu Jesus, em que
Vos dignastes falar-me. Não será isto perfeito ? Tende pena, tende dó. Temo a minha fraqueza, temo
vacilar, horroriza-me o sofrimento, mas confio em Vós. O meu querer é o Vosso, meu Jesus. Que estou
aqui a fazer ? Não permitais que eu seja a desgraça das almas. Preocupa-me tanto dizer-se que só certas
coisas são precisas para tranquilização delas. Ó Jesus, espero em Vós, confio em Vós. Sossegai a minha
pobre alma. Passaram-se algumas horas. Ia alta, bem alta a noite. Tudo em casa estava em descanso, só
a minha dor, a minha tremenda luta continuava. Veio de repente Jesus, estreitou-me em chamas de
amor.
— “Dá-me a tua mão, minha filha. Não te prometi eu levantar-te do teu desfalecimento ? Anda para os
braços da tua Mãezinha, vem tomar conforto”.

Senti-me logo nos braços da Mãezinha e como uma criancinha lancei meus braços ao seu pescoço. Ela
apertou-me docemente e acariciou-me cobrindo o meu rosto de beijos. Eu não sei se chorava se não, mas
sentia que chorava. Ela limpava-me com o seu santíssimo manto as lágrimas e dizia-me :

— “A tua dor, minha filha, o teu martírio arranca das garras de Satanás as almas que ele com tanto furor
me roubou. O inferno está fechado ; é a raiva dele : coragem ! A tempestade passa. Recebe graça, recebe
amor e a luz do divino Espírito Santo”.

E sobre um trono riquíssimo vi o divino Espírito Santo em forma de pomba, deixando cair sobre mim, lá
do alto onde estava, raios dourados e à espécie de fitinhas de várias cores e cheias de brilho. Tudo isto
era belo e luminoso. Fiquei mais forte. Pouco depois, numa doce paz, adormeci.

12 de Agosto

(Resumo)

Talvez pelas duas horas da tarde, encostada nas minhas almofadas e deitada sobre a minha cruz numa
amargura profunda, invocava Jesus, só Jesus. Uns toques harmoniosos prenderam a minha atenção.
Julguei tratar-se de sons terrenos e olhei para os lados com a maior atenção para descobrir donde vinha
tufo aquilo. Mas vinham do alto... Compreendi-o bem e nessa altura o coração palpitou com força até eu
não poder mais resistir... Passou toda a tempestade... senti-me arrebatada numa doçura e suavidade
grande. A harmonia componha-se de muitos sons, como de tantos instrumentos... Ouvia-os a todos, mas
um dentre eles me prendia mais... Não sei quanto durou esta absorção... talvez meia hora.

15 de Agosto

Depois de meia hora de alívio concedido no dia 12, voltei para o meu estado de amargura. Chegou o dia
da Mãezinha e, ao recordar o dia que era... e a alegria que havia no Céu, parecia-me não resistir às dores
desta terra. Veio o momento da Comunhão. Poucos minutos depois de ter recebido Jesus, senti como
que um assalto dentro de mim. Pareceu-me que foi Jesus, como se fosse um ladrão, a entrar e a sair logo
levando consigo esse pouco de vida que dá vida à minha dor. Senti-me morta mas continuei a sofrer
mais por sentir-me sem esse pouco de vida que era a vida da minha dor. Senti que me faltava tudo e,
como que separada, cortada ao meio, ficando aqui o meu cadáver, e lá no alto, no Céu, aquele roubo que
era a parte de mim mesma. Esta parte estava mergulhada no gozo completo, menos o da vista de Deus,
sem dar, porém, à parte que ficou na terra, alívio nenhum, pelo contrário, esmagando-a num abismo de
dor sem fim. Passei o dia todo numa ânsia dolorosa de possuir outra vez aquela parte de mim que me
pertencia e sem a qual eu era cadáver. Foi um dia que me pareceu não ter fim : passei-o num brado
contínuo a Jesus e à Mãezinha e a perguntar-me : “Ó meu Deus, sem vida como posso viver ?” Na tarde
desse dia, ouvi novamente as harmonias do dia 12 e foi como que um calmante ao meu sofrimento, sem
o qual me parece não teria aqui resistido muitas horas. À noite, não me lembro a hora, foi-me restituído
o roubo, dei-me conta disso por me sentir reviver.

8 de Setembro

Continuo a sofrer dolorosa e amargamente ; mal sei explicar.

Não cabem em mim as ânsias que tenho que o meu Pai espiritual venha a tomar de novo a direcção
espiritual da minha alma. Não sei porque tenho juntamente um susto, um medo dele.

Ó meu Deus, que tormento tão doloroso ! Vai desaparecendo a vida da minha dor sem que ele me seja
dado. O mesmo se dá com o médico, a quem tanto devo. Ansiosa de o ver sempre junto de mim, mas
sempre assustada tanto dele como das pessoas que tanto amo. Sinto-me sozinha, completamente
sozinha ; para mim não há amigos na terra.

A tempestade continua, são estes os sentimentos da minha alma. E eu, sozinha, ó meu Deus, só Vós
podeis valer-me. Mas, ai ! Pobre de mim ! Parece-me que mesmo Vós me abandonastes. O que mais virá,
meu Deus ? Lanço os olhos pela janela do meu quarto... Estava de nuvens. Fitei nelas os meus olhares.
Admirava a grandeza do Criador. Rasgaram-se essas nuvens et entre elas o azul do Céu. Não pude
resistir a tanta saudade. Queria voar para lá, mas que distância entre mim e o firmamento. Chorei,
chorei muitas lágrimas. Recordava então: se não fosse por Vós, ó Jesus, e pelas almas, não me sujeitaria
aos juízos dos homens. Preferia antes gozar o mundo. Estes pensamentos infundiam em mim mais
desejos ainda de amar a Jesus e de o possuir e de me dar toda a Ele e às almas.

Aproximavam-se os dias em que eu ficaria sem receber a Jesus. Meu Deus, como hei-de passar sem
Vós ? Ó Jesus, ó Mãezinha, valei-me, valei-me. Não posso viver sem Jesus. Jesus velou, a Mãezinha
compadeceu-se da minha dor.

Sem me deixar um só dia sem o receber, enviou para junto de mim um Reverendo Padre Salesiano (Dom
Humberto Pasquale) que por uns dias se esforçou por iluminar e sossegar a minha alma. Compreendi
que era compreendida por ele ; isso apesar do meu grande sofrimento dava-me coragem e conforto.
Depois de ele me ouvir de confissão, senti uma alegria e suavidade na minha alma e, esforçada não sei
porquê, cantei cânticos a Jesus e à Mãezinha, voltando depois às minhas ânsias, às mesmas dores, ao
mesmo martírio. Além deste, tive, nestes dias, outros dois breves alívios trazidos em tempos diferentes à
minha alma por toques e harmonias do Céu. De ontem para hoje, custou-me imenso a noite. Nunca ela
passava, nunca chegava o dia. Estava aterradíssima, assustadíssima com tudo e com todos. Senti a certa
altura que o mau caiu sobre mim ficando eu abrigada entre ele e a terra. Ao receber o meu Jesus, fiquei
na mesma secura, nas mesmas trevas, apenas mais uma nova união das almas. Mas, em tanto
desfalecimento, sem coragem de levantar os olhos para a Mãezinha, pareciam não ser meus, assim como
parecem não serem os meus sofrimentos.

Setembro (sem data)

Como Jesus tinha prometido, sem marcar nem dia nem hora, achei-me na noite do dia... diante de uma
multidão enorme de gente (homens e mulheres de idade diferente). Sentia, não sei como, que na
multidão havia sacerdotes. A certa altura abriu-se a multidão ficando visível no espaço de duas alas um
sacerdote que conheci porque já passou em minha casa. A sua presença assustou-me, mas muito, e
exclamei comigo mesma : “Eu conheço-te !” — e depois desapareceu. Após uns dias em que eu não
alcancei o significado desta visão, apareceu-me Jesus. Foi de noite. Nunca mais esquecerei a forma sob a
qual Ele me visitou então. Vinha como um mendigo. A minha alma sentia-o tiritar de frio, todo molhado,
esfarrapadinho a pedir-me para eu o deixar esconder no meu coração para aí desabafar comigo.

— Á Minha filha, aquele número de almas que te mostrei, entre as quais um sacerdote, são as que estão
com mais risco de se perderem. Que horror, minha filha, que crimes eles cometem!”

Fazendo-me sentir a malícia com que pecavam, sobretudo na impureza... e dizia-me depois que eles
praticavam o crime de matarem os filhos inocentes. E continuava :

— “Matam a vida das minhas almas !”

Ofereci-me a Nosso Senhor por todos até que consegui que Ele me prometesse o Céu para aquele que eu
tinha conhecido e para mais alguns que, por mais de uma vez já foram por Deus ameaçados com o
inferno.

Nesta tarde, Jesus prometeu-me seus alívios. Levantei-me pelas cinco horas, da minha cruz, tendo
desaparecido todas as dores. Vesti-me sozinha e fui dar um passeio até à sala e, da janela querida, fiz
uma visita ao meu Jesus do sacrário. Depois de uma hora, acometida pelas dores de costume, voltei à
cama. À noite foi-me concedido outro prazo em que estive sentada na borda da cama. Aproveitei-o para
cantar louvores ao meu Jesus e à Mãezinha, até que arrebatada, abraçada a Ela, senti-me outra vez presa
à minha cruz.

9 de Setembro

Depois de receber o meu Jesus, foi-me por um pouco suavizada a dor da minha alma e o meu Amado
concedeu-me juntamente uma maior intensidade de união, que já ontem sentira, com todas as pessoas
que eu amo e que nestes últimos tempos me odeiam. Ao mesmo tempo dizia-me Nosso Senhor :

— “União pura, união santa, união divina na terra e no Céu. Dá, minha filha, a quem o merece (Padre
Humberto Pasquale) os meus agradecimentos e os de Maria, o meu amor e o de Maria.

Coragem, filha amada, sobre o Calvário, quero vê-lo regado com todo o teu sangue. O sangue que lava e
purifica as almas”.

Voltei logo às dores dolorosas do corpo e da alma.

— Ó meu Deus, a tempestade não acalma. Tende dó de mim ; vede como estou ferida. Tentam arrancar-
me dos Vossos braços. Prendei-me, Jesus, prendei-me ; não consintais que de Vós me separem. Perder
tudo, tudo o que é da terra, mas possuir-Vos a Vós, Jesus. Ai de mim, sinto-me abandonada, sozinha,
sozinha, sem ter por quem chamar, sem ter a quem recorrer.

Ó Jesus, ó Mãezinha, ouvi-me Vós, ouvi o brado da minha dor. Eu quero amar os Vossos Corações
Santíssimos, mas ai de mim, não sei o que é amor, desconheço-o, parece-me que não existe no mundo.
Compadecei-Vos das minhas ânsias, dai-me o amor que desejo, de Vós espero, Jesus, para Vós a para a
Mãezinha o quero. Deixai-me perder em Vós, deixai-me enlouquecer, embriagai-me, embriagai-me nos
Vossas chamas divinas. Jesus, quero-Vos, Jesus, busco-Vos, vou ceguinha à procura de Vós. Para Vós,
Jesus, os meus suspiros, a minha vida que sinto desaparecer, que sinto perder. Ai, meu Jesus, quatro
dias são passados sem eu Vos receber. Olhai a minha alma que está faminta, morre de fome, Jesus.
Vinde Vós, com o Vosso alimento ; perco a vida porque me faltais Vós, que sois Vós a vida da minha dor.
Olhai esta pequenina quase apagada ; acendei-a, Jesus, fazei-a reviver. Olhai a minha alma, Jesus, vai
louquinha a procurar-Vos aos Vossos sacrários, quero receber-Vos, quero possuir-Vos. Estais nos
sacrários, Jesus, deixai-me ir ao Vosso encontro, deixai-me viver aí. Deixai a minha dor, já mais que
moribunda, deixar junto de Vós o seu último sopro de vida. Ó meu Jesus, ó meu Amor, não ter nada, não
ter ninguém por mim, ouvir só os horrores da tempestade, sentir os sofrimentos causados pelas
criaturas custa muito, Jesus ; mas passar sem Vos receber, custa mais, muito mais ; não posso, não
resisto, vinde a mim. Ó Jesus, que pobreza a minha, que miséria, que dor. Não confio nas minhas
palavras, não confio em nenhum dos meus sentimentos. Que horror, que horror, que grande maldade.
Sem poder estender meus braços, é em espírito que os estendo sobre a minha cruz. E de braços abertos,
com os olhos em Vós que, alegre, recebo tudo o que me dais. É em espírito, Jesus, que uno os meus
braços para estreitar e prender para sempre tudo o que me fere, tudo o que é cruz. Amo, amo, Jesus,
tudo o que vem das Vossas divinas Mãos ; amo sem conhecer o amor, amo sem o possuir. Amo nesta
doce esperança, amo nesta confiança ; sou de Jesus, só a Ele pertenço, só quero o que Ele quer. Jesus
quer ser amado, há-de, portanto, fazer que eu O ame. Confio, confio, espero em Vós, meu Jesus.

Meu Jesus, não posso viver aqui. Continuam as minhas ânsias. Quero amar-Vos, quero morrer de amor.
Morro por Vos dar almas. Quero vê-las todas, todas dentro do Vosso Coração. Tudo isto é nada, Jesus,
nada para mim. Não encontro no mundo satisfação nenhuma. Quero agradecer-Vos os Vossos
benefícios (refere-se à Comunhão que lhe foi levada pelo Padre João Pravisano, Salesiano) e nada sei
dizer-Vos, nada sei agradecer-Vos. Se ao menos, Jesus, eu pudesse acreditar nos sentimentos que me
dais, se pudesse convencer-me que as minhas ânsias são Vossas e os desejos que tenho de Vos amar Vos
pertencem, mas nada disso. Não vejo, não sinto senão a dor e essa mesma desaparece. Vai perdendo a
sua vida por completo. Dolorosos são os sentimentos da minha alma. Ouvi o meu brado, os terríveis
combates do inimigo. Parece-me, Jesus, quando Vos chamo, quando invoco o Vosso divino amor e da
querida Mãezinha, que não sou ouvida. Sinto o meu brado ficar abafado no montão de cinza do meu
pobre corpo que já é um cadáver como há pouco sentia, mas cinzas, só cinzas, meu Jesus. Parece-me
estar já num cemitério e quando, no meio da agonia da minha alma, imploro o auxílio do Céu, esse
brado, em vez de subir ao alto, perde-se abafado nesse montão de cinza e na cinza de outros cadáveres
que jazem no cemitério em que me encontro, cuja extensão eu não sei medir. Tende dó, Jesus. Vede
quanto sofre a minha pobre alma. Não caibo em mim de dor. Não cabe em mim o meu coração em
ânsias de Vos amar e voar para Vós. Não digo bem, meu Jesus, este coração não é o meu, não sei a quem
pertence. Aonde está ele, ó Jesus, a quem pertence ? Tudo morreu, Jesus, tende dó de mim. A minha
vontade é a Vossa, só Vossa, bem o sabeis, bem o sabeis, meu Amor. Vede que sou miséria, que sou nada
e nada posso sem Vós. Vede lá, Jesus, não me falteis, Jesus, espero em Vós, confio em Vós. A luta é
tremenda, não me bastam as vezes que oiço a Vossa doce voz a infundir-me voragem e a dizer-me que é
por Vós, que é para Vos consolar. Quero mais, Jesus, necessito de mais, muito mais. O demónio lança-
me em rosto que é só para minha satisfação que eu me submeto aos tratamentos mandados por Vós e
pela obediência. Ainda que fosse pelo mundo inteiro, Vós o sabeis, ó Jesus, eu não me submeteria a um
só tratamento.

O demónio aparece-me em diferentes alturas do dia e da noite em forma de homem acorrentado pela
cinta ; outras vezes em forma de leão também então preso, mas pelo pescoço, fingindo assaltos
tremendos, mas sem conseguir tocar na minha pessoa. Sinto-me ao pé dele como uma criança que está
aterrada, mas que não mede o perigo que podia causar.

Sob a forma de homem cospe na terra e me insulta a fingir nojo por mim ; outras vezes bate palmas e dá
gargalhadas a fazer troça por sentimentos maldosos que ele julga e quer convencer-me terem-me levado
aos tratamentos ; outras vezes ainda toma atitudes provocantes a convidar-me ao mal. Desde o começo
destas perseguições sinto o meu corpo rasgado, as minhas entranhas e o coração como que a sair
violentamente do meu ser.

O meu brado a Jesus, o meu único brado contra o inimigo é : “Meu Jesus, sou a Vossa vítima”.

Nestas alturas, o demónio, em forma de leão, redobra os uivos e os assaltos e, quando em forma de
homem, pronuncia as palavras mais indecentes contra a minha pessoa, a do médico e a de outras
pessoas.

Depois da Sagrada Comunhão :

Sentia-me tão desanimada, tão abatida e nada sabia dizer a Jesus. Esforçava-me por repetir muitas
vezes : “Ó meu querido Jesus, meu Amor, ó meu querido Amor, eu sou Vossa”. Passaram-se alguns
momentos sem eu nada mais dizer a Nosso Senhor. Veio Ele :

― “Gosto tanto, minha filha, consola-me tanto, minha pomba amada, o tu dizeres-me: “Meu Jesus, meu
querido Amor, eu sou Vossa!” Que alegria, que consolação e que glória para Mim! Repete-o muitas
vezes. Coragem ó minha amada. Não temas os assaltos do demónio. Tem coragem. Só assim, pedindo-te
este sacrifício, Eu posso ser reparado de tão graves crimes. Dá-me tudo o que te peço para glória minha e
salvação das almas. Foi por isso que te escolhi o médico muito querido do meu divino Coração. Diz ao
meu querido Padre Humberto que ele foi escolhido por Mim para vir junto de ti. Não venho com a
pressa que ele quer para seu estudo, mas depois de receber as minhas divinas luzes, quero que ele vá
junto do teu Paizinho e querido do meu divino Coração, para quem mando todo o meu amor e em união
com ele ampararem e defenderem a minha divina causa, ajudados com aqueles que são amigos meus e
cuidam dela e daquilo que é meu. Vai, filhinha, dar ao meu querido Padre Humberto a abundância do
meu divino Amor, dá-o aos que te rodeiam e amparam : são todos queridos meus. XE "Perfume : das
tuas virtudes" Diz ao meu querido Padre Humberto que o perfume, é perfume divino, é o perfume das
tuas virtudes. Digo isto, porque ele precisa para estudo dele”.

Neste colóquio com Nosso Senhor, por duas vezes me senti obrigada a deixá-lo, chamada por quem me
estava ao lado, com a impressão de quem desperta de um sono... esforçada, mas sem ligar a quem a
chamava... Senti-me obrigada a ajoelhar, levantar as mãos ao Céu para assim melhor louvar a Nosso
Senhor. Sentia umas ânsias de me desfazer em fogo divino e nesse amor infundir os corações e as almas,
mas com abundância maior nessas que Jesus chamou queridas do Seu divino Coração. Jesus repetia
palavras de loucura, de amor por mim.

O demónio, durante os tormentos, continua a estar longe de mim. Sempre sinto a união com Nosso
Senhor ; durante esse tempo, ainda mais me sinto unida a Ele. Hoje, nesse transe, senti como que uma
aragem acariciadora e Jesus disse-me:

― “Paz, paz, a minha paz, minha filha, é contigo. Eu estou bem unido a ti : só a tua força não me separa
de ti”.

Senti em mim um novo alento, embora por poucos instantes.

28 de Setembro

Sentia hoje o demónio ao meu lado e dentro em mim sentia ânsias insuportáveis de amar a Jesus, de Lhe
dar almas, conhecê-lo e fazê-lo conhecer. Louca por amor, repetia : “Jesus, Jesus, amor, amor!” No meio
disto, não podia conter as lágrimas em sentir a minha miséria, o meu lodo em que vivi e me causava
horror a lama em que vivi.

Nada valiam as minhas ânsias, tudo perdido. XE "Dor quase sem vida" Sentia-me num cemitério
imenso e a minha dor quase sem vida, mesmo como se ela já não estivesse a mexer-se, apenas coberta de
cinzas, lembrando-me aqueles bichos que nos pinhais fazem a sua casa sob os montõezinhos de terra... e
da madeira moída. No meio disto, é sempre a minha oferta a Jesus como vítima e receio sempre de O
ofender. É um combate tremendo quase contínuo. XE "Vivo sem viver" Vivo sem viver ― amo sem
amar.

29 de Setembro

Nesta manhã veio Jesus baixar a esse cemitério, juntou-se aos bichos, cobriu-se com as mesmas cinzas.
Tudo era morte dentro de mim. Morte que se misturava como que a um gemido de toda a humanidade.
Jesus não deu em mim sinal de vida. Fiquei em travas tristes, numa dor amargurada. As almas, as
almas, o amor de Jesus obriga-me a tudo sofrer.

Já sinto a amargura em mim da partida do Sr. Padre Humberto que tanta luz e conforto tem dado à
minha pobre alma. Sinto-me humilhada e abatida ; não sei como hei-de agradecer a Jesus o benefício de
o ter feito chegar junto de mim. Peço à Mãezinha que me ajude na minha dor e por mim dê o meu
agradecimento a Jesus por tantas graças recebidas.

2 de Outubro

Pude por dois dias respirar melhor : dignou-se Jesus suavizar por algum tempo os meus sofrimentos.
Hoje sobrecarregou-me mais com o peso amorosíssimo da Sua cruz. Sinto-me à porta da eternidade.
Dois combates violentos do demónio lá me conduziram. Ó meu Deus, que tremendo sofrimento ! Lutei,
lutei, implorei o auxílio de Jesus, da Mãezinha e de S. José. Jesus, pela Vossa cruz, pelo Vosso amor,
valei-me, não quero ofender-Vos. O demónio provocava-me continuamente, ameaçava-me com palavras
feias e aterradoras. Eu era um monstro encaixado noutro monstro maior ainda. Com os olhos no
crucifixo dezenas e dezenas de vezes repetia : “Jesus, sou a Vossa vítima”. Enraivecido, escarrava no
chão e dizia-me :

― “Pior te é ainda. Dizes que não queres pecar, mas olha como pecas”.
Chorei com grande dor. Ao mesmo tempo dizia a Jesus : “Aceitai as minhas lágrimas ; quero que cada
uma delas seja um mar imenso de amor no qual eu possa encerrar todos os Vossos sacrários para não
poderem ser mais feridos e atacados pelos filhos Vossos. O primeiro combate ofereci-o a Jesus por um
sacerdote em grande perigo. O segundo ofereci-o por todos os sacerdotes. A fúria do demónio era
aterradora. Parecia-me estar envolvida num nevoeiro de trevas que quase não me deixava ver. Ó meu
Jesus, e as dúvidas de ter pecado ?! Não podia recordar-me que estava na presença de Deus, que O tinha
dentro de mim, a minha vida íntima com Ele. Que confusão Ele ter visto tudo, ter assistido a tão feia
cena ! Terminada a luta, não podia ver nem ouvir nada, sentia-me morta, à porta da eternidade. Era já
noite ; veio Jesus.

― “Minha filha, entre ti e o demónio há uma grande distância ; no meio de Vós estou Eu. São manhas
dele, não é nada do que ele te pinta et te faz passar ; está preso por Mim. Não o deixo aproximar-se de ti.
Coragem, minha amada, minha pomba bela. És minha, toda minha. O teu corpo é puro, é inocente, é
imaculado para Mim”.

Revivi mais e pude por algum tempo sossegar.

3 de Outubro

Mais triste que a noite preparei-me esta manhã para a visita de Jesus. Não sabia como poder recebê-lo.
Recordava o que tinha passado e se uns ardentes desejos de receber a Jesus vibravam na minha alma,
por outro lado, uma dor e confusão imensa me deixavam prostrada. Ó meu Jesus, não ter eu um
sacerdote a quem diga o que foi passado ! Veio o meu Jesus : esforcei-me por O amar e por Lhe dizer
todas as coisas. Só queria consolá-lo e viver para Ele. Pobre de mim ! Fiquei fria, mesmo gelada. Ia
caminhando o meu pequenino ser que é um pouco de pá desfeito, mesmo a desaparecer coberto de
outras cinzas, tantas cinzas, uma imensidade de cinzas ! E este pequenino ser só de longos em longos
dias dá sinal de ainda ter vida, vai penetrando, vai infundindo-se nesse cemitério imenso. Silêncio
profundo, tudo é morte, tudo é morte. Sem luz e sem vida, chegou-me às mãos uma carta de quem tinha
direito a dizer-me algumas coisas que me pudessem aliviar. Animei-me, senti até por alguns minutos
alegria que suavizou a minha dor e deu-me força para os grandes combates que ia ter. Veio o demónio
com as suas artes manhosas. Falava-me de longe, mas falava-me escandalosamente. Meu Deus, valei-
me, dizia eu ; se Deus não me vale, quem me há-de valer ? Renovava a minha oferta de vítima a Jesus, ao
que o demónio se dizia :

― “Cada vez te é pior, mais ofendes a Deus, mais te hei-de combater”.

Bradava ao Céu, chorava, só receosa de ofender a Jesus. Ouvia o malvado cuspir e cheio de raiva dizer
coisas horrorosas contra mim. “Pecas, pecas, etc.” ― dizia ele. Veio Jesus no fim do último combate.

― “Minha filha, estou em ti, sempre em ti ; contigo, sempre contigo. Não temas, não consinto que Me
ofendas, não posso consentir isso, minha esposa e amada minha. Tu és vítima, filhinha, deixa-te imolar
por amor”.

― Sim, meu Jesus, mas olhai, meu Amor, vencei em mim. Vede que o malvado me deixa sem forças para
combater. Não me deixeis, meu Jesus, perder a confiança em Vós.

― “Confia, diz-me que és minha, diz-me que Me amas e isso me basta”.

Quando o demónio me dizia que não se separava de mim e que eu ia ser atacada mais fortemente, foi
dum momento para o outro que ele me deixou. Veio Jesus e fugiu ele.

4 de Outubro

Durante a noite fui atacada violentamente pelo demónio. Com os olhos levantados ao Céu, chamei por
Jesus, chamei pela Mãezinha, implorei socorro. Ouvi do malvado o que nunca disse nem pensei na
minha vida. A luta foi tremenda. Afirmou-me muitas vezes que eu ofendia a Deus o mais gravemente.
Atirei-me para os braços de Jesus e da Mãezinha ; parecia-me não ser aceite por Eles. Contudo não
deixei, quando me era possível, de invocar os seus santos Nomes. Só ouvia a voz maliciosa de Satanás.
Disse então a Jesus :

― Coloco-me no altar do sacrifício, deixo-me imolar por Vosso amor e pelas almas, seja qual for a
imolação. Fiz de conta que era mártir : de boa vontade aceitava o martírio, custasse o que custasse, fosse
qual fosse o sofrimento que Jesus lhe aprouvesse dar-me.

Ó meu Deus, não quero pecar ; ofender-Vos não, meu Jesus !

Continuou a luta e eu já sem forças, parecia que o demónio fazia de mim o que queria, conseguindo tudo
quanto desejava e me afirmava. Ouvi uma voz que me dizia :

― “Basta, basta, Satanás : retira-te para o inferno com tuas artes manhosas e infernais. Vem, minha
filha, para os meus braços, descansa em meu Coração”.

Senti-me nos braços de Jesus e senti que Ele me fazia entrar no seu divino Coração ao mesmo tempo que
ouvia ao longe o demónio uivar e gritar desesperado. E numa grande paz adormeci fechada no Coração
divino. Atormentava-me a ideia de ter pecado e receava de não poder receber Jesus por quem sempre
suspiro olhava para uma imagem do seu divino Coração que tenho ao lado da minha cama e parecia-me
que Ele já não olhava para mim. Meu Deus, que vida de dor e de amargura ! Ai de mim ! Não sei como
posso viver sem ter vida ! Ó meu Jesus, não permitais que eu deixe de Vos receber, não consintais que eu
Vos perca pelo pecado.

Talvez meia hora depois da vinda de Jesus começaram os combates que se repetiram por algumas vezes
durante o dia. Sentia ser tentada por quem me rodeava. Temia e temo ser o demónio o causador de eu
perder a minha união com Jesus. Não posso recordar-me que estou sempre na sua divina presença. Não
quero separar-me d’Ele, mas vejo-me tão ameaçada ! Sinto-me esmigalhada e humilhada na presença do
meu Jesus, de quem não me posso separar. O que será de mim, meu Jesus !

6 de Outubro

Não posso olhar para Jesus, tenho vergonha que Ele o meu viver. Que será de mim, meu Deus ? Sinto-
me obrigada a deixar de Vos receber. O demónio continua com os seus ataques violentos. Lança-me em
rosto o que há de pior. Diz-me que não é ele, mas sim que sou eu que digo e faço tudo.

― “Olha como tu pecas e tens coragem de enganar ?”

E mais, e muito mais ainda. Meu Deus, e eu viver na Vossa presença ! Eu não quero separar-me de Vós,
nem quero que de mim desvieis os Vossos olhares. O horror que me causam as minhas iniquidades
querem-me obrigar a dizer : montanhas caí sobre mim, escondei-me, escondei-me.

Ontem, meu Jesus, ao terminar um tremendo combate, ouvi a Vossa doce voz que me animava dizendo :

― “Não pecas, não pecas, minha filha, dás-me uma grande prova do teu amor. Anima-te com as palavras
de quem tem direito de te animar. Confia, confia”.

Senti-me logo outra, meu Jesus, mas por tão pouco tempo ! Veio logo o demónio dizer-me tudo o que há
de mais feio e levar-me a duvidar de Vós.

Hoje estava assustadíssima a preparar-me para receber-Vos. Só Vós, meu Jesus, vistes como foi dolorosa
e triste a minha preparação. A Vossa vinda ao meu coração fez desaparecer tudo e reviverem em mim as
ânsias maiores e desejos de Vos amar. Senti paz, doce paz por algum tempo. Bendito sejais, Jesus :
depressa veio a dor. Esta morte total que sinto em mim. Uma força invisível vai-me arrastando sem eu
dar sinal algum de vida por entre as cinzas deste cemitério imenso. Vou baixando, vou profundando ao
fundo, muito ao fundo, levada não sei por quem. Estou morta, não tenho vida. Mas, ah ! Bem sei : é o
Vosso divino amor que me leva, sois Vós, são as almas, nada mais. Confio, Jesus, confio !

7 de Outubro

― “Minha filha, a pureza e a candura das virgens encanta o meu divino Coração. Sinto-me bem à sombra
da tua graça, da tua pureza. Anima-te, minha pomba bela. Só duma virgem casta e pura Eu posso tirar
tal reparação. Coragem, querida, coragem, amada, tu não pecas, não desgostas o teu Jesus ; estou
contigo a amparar-te, está contigo a tua Mãezinha. Tiramos em ti a reparação que desejamos. Que
alegria e consolação para nós ! As tuas lutas com Satanás permito-as Eu e exijo-as, mas só as podia exigir
duma virgem como tu aureolada da mais heróica pureza e virtude. Olha, minha filha, olha : oferece-mas
pelos sacerdotes. São tão poucos em Portugal os padres seculares que são puros e castos ! É tão
pequenino o número ! É por isso, meu encanto, que de ti exijo dois sacrifícios. Anima-te com a palavra
afirmativa do teu Jesus : não pecas, não me ofendes. Estás no fogo mais ateado sem te queimares sem
ficares com a mais pequenina mancha. Estás no fogo para apagares as paixões, vives no fogo para
purificares os outros. Se não fosse a ordem da obediência que tens, as tua lutas seriam constantes.
Obedeço aos que tu obedeces, mas necessito, meu encanto, exijo de ti tudo isto. Nas horas que os
combates forem mais violentos é nas que as paixões atingem o seu auge. Vê depois por quantas mais
almas tens que reparar, quantos pecadores pecam contra a pureza com toda a gravidade. Repara,
repara ! É neste dia consagrado à minha Bendita Mãe que Eu tenho estes desabafos contigo. Diz ao teu
Paizinho que ele vai ser posto à frente da tua alma, que vai retomar o seu cargo, levar-te à entrada do
Paraíso e que lhe mando uma enchente das minhas graças, do meu amor. Que se dê inteiramente às
almas logo que se sinta de asas soltas que voe, voe como a pombinha que, depois de muito tempo presa,
volta saudosa ao seu querido ninho. Diz ao teu médico que continue com toda a vigilância sobre ti :
necessitas dela. Escolhi-o para isso, preciso dele para te amparar. Que cuide de ti com todo o cuidado e
amor. Que Me veja a Mim em ti, que faça de conta que lhe apareci para ele cuidar de Mim. Não espero só
para a eternidade para lhe dar a recompensa. Já a tem sentido aqui na terra e continuará a senti-la. Dá-
lhe abundância das minhas bênçãos, das minhas graças, do meu amor para ele a para todos os que lhe
são queridos. Recebe, filhinha, do teu Jesus e da tua querida Mãezinha coragem para as tuas lutas. Eu e
Ela compadecemo-nos do teu sofrer”.

A Mãezinha acariciou-me, cobriu-me de beijos, encheu-me de amor com Jesus e repetia-me :

― “Coragem, coragem, minha filha querida e do meu Jesus”.

― Jesus, Mãezinha, que dolorosos sofrimentos me pedis. Não tenho coragem para dizer-Vos que não,
mas tenho coragem para Vos jurar : não quero pecar, quero só amar-Vos e dar-Vos as almas.

A vinda de Jesus ao meu coração, que é cinza e já tão desfeita, por pouco tempo fez brilhar a luz e
suavizou a minha dor. Estou sempre tímida e aterrada. As lutas do inimigo apavoram-me. Ele ameaça-
me descaradamente e diz-me :

— “Assim pecando vais comungar ? Isto não termina mais. Dizes que amas muito à tua Mãe do Céu...
olha se Ela te vem acudir. Agora estou cá eu”.

Outras vezes finge não ser culpado de nada do que se passa. Muito sentado lá ao longe, parece que grava
em minha alma os seus olhares maliciosos e tenta mesmo de longe escarrar-me ; os escarros não chegam
a mim. Desafia-me dizendo :

— “Vês como queres tudo isso ?”

Bate as palmas, dá gargalhadas. No meio da fúria, não sei porquê, de repente ele é obrigado a retirar-se
para onde eu não o veja, não o sinta, não o ouça. Quando se retira, uiva muito ao longe
desesperadamente. Ó Jesus, que vergonha a minha ! Nem ao menos me atrevo a levantar os olhos para
Vós. E Vós sois tão bom, Jesus ! No momento em que baixais a mim, ao menos me deixais sentir que a
gravidade do mal não é aquela que me parece na hora do combate e em quase todo o resto do tempo.
Que vida, Jesus ! Não há alegria para mim, sempre a viver no receio de pecar. Viver sem viver, sofrer
sem sofrer. Só Vós compreendeis, meu Jesus. Tende dó. Aqui me tendes : sou a Vossa vítima. Que mais
vem ainda ? O meu coração já há dias que sente sobre ele um grande assalto. Tem de ser esmagado de
dor. Mas se ele é cinza, como pode ser ? Que mais me dais, Jesus ? Estarão mais golpes para ferir-me ?
Ou será isto resultado dos assaltos de demónio ? Estou pronta, Jesus, abraço por amor à Cruz.

9 de Outubro

O demónio continua com os seus tremendos ataques e manhas infernais. Influenciou de tal maneira a
minha imaginação até chegar ao ponto de julgar ter consentido nos maiores crimes e vai repetindo com
satisfação infernal, acompanhada por olhares maliciosos :

— “Vês como consentiste ?”

E ao longe sempre sentado de perna alçada desandando a cara ao lado como se tivesse nojo de tal coisa,
escarra para o chão e vai dizendo :

— “Olha a tua Mãezinha por quem chamas e a quem dizes que amas muito, olha se Ela vem acudir-te”.

Repete-me as palavras mais indecentes e fala-me no que há de pior : coisas que eu desconhecia. Nos
momentos de maior perigo, sinto-me como se despertasse de um sono e é então que brado ao Céu, de
alma e coração :

— Jesus, não quero pecar ! Valei-me, valei-me ! Não quero, não quero ofender-Vos ! Ó Mãezinha, tende
dó de mim !

Cheguei até a dizer a Jesus :

— Se para Vos não ofender é preciso renunciar ao Céu, renuncio, Jesus, de boa vontade, a uma
eternidade de gozo para não ter um momento de Vos ofender. Antes o inferno !

Depois de horas seguidas, que duram umas vezes o dia inteiro ou grande parte da noite, sinto o meu
corpo prostrado a ponto de não ser capaz a minha irmã sozinha de me erguer para o mais pequeno
movimento. Assim vou continuando arrastada sem sinal algum de vida. As minhas cinzas a desaparecer
aprofundando momento a momento na imensidade do cemitério em que me encontro. Vou enterrando-
me e sinto sobre mim uma montanha sob a qual penetram também muitas feras diferentes, passando
sobre as cinzas que vão desaparecendo. Enterram nelas o focinho causando em mim um sentimento de
terror.

Antes de receber a Jesus estou em grande tribulação que, causada pelo demónio, aproveita-a para
repreender-me :

— “É assim que te preparas ?”

Não sei descrever a luta que se passa em mim para tranquilizar-me e convencer-me de que não dei
consentimento. Mas Jesus chega ao meu quarto trazido pelo sacerdote e uma grande paz volta à minha
alma, esquecendo completamente o que se tem passado. Pouco depois volta a tempestade que não tenho
palavra para descrever e que mal posso esconder às pessoas queridas, que não queria ver sofrer por
minha causa.

11 de Outubro

Ontem, Jesus, compadecido da minha dor, trouxe junto de mim a quem eu pude abrir a minha alma e
que eu não espertava nem teria pedido. Custou-me muito ; fiz um enorme sacrifício a falar e olhando
para Jesus ofereci-o por aqueles que ocultam as suas culpas por maldade. Chorei lágrimas de alívio e de
vergonha, mas entrou logo em mim uma grande paz, desaparecendo da minha alma toda a treva,
dúvidas e tudo o que era dor. Senti uma força que me fez levantar, cantei a Jesus e à Mãezinha pelo
espaço de uma hora e meia.

Durante a noite, vi num grande abismo de trevas um grande número de demónios, vestidos de fogo
escuro, os quais me fitavam com olhares aterradores e ameaçadores mas sem proferirem palavras. Por
graça de Deus, a visão durou muito pouco ficando eu muito assustada. Ao receber hoje a Jesus, senti que
Ele me estreitou fortemente e abrasou-me em suas chamas divinas e disse-me :

— “Prendo, minha filha, o teu coração ao meu. Prendo a todos os que te são queridos ! Dá; minha filha,
ao meu querido P. Humberto, os meus contínuos agradecimentos. Diz-lhe que lhe dou o meu divino
amor com toda a abundância para ele dar às almas e quero dele de cada vez mais ânsias de se dar a elas
por meu amor porque com isso consola-me muito”.

Sinto-me hoje mais livre dos assaltos do demónio, mas sinto em minha alma terríveis ameaças. Ele está
como esteja preso e mudo.

Passou em mim um desejo veemente de poder bradar a Jesus que O amo e ser tão forte o meu brado que
obrigasse todo o Céu a implorar de Jesus para mim o amor que eu tanto desejo, isto é, o amor com que
Jesus é digno de ser amado. Encarrego a todo o Céu para O amar por mim.

Quantas vezes nos ataques mais violentos em que me parece consentir no mal, mas em que o
pensamento e o afecto não se afastam do meu Jesus, sinto-me estar num lugar de martírio onde alguém
me condena, e a minha cabeça estar já separada do corpo. A minha língua junta a ela enquanto o meu
sangue se derrama pela terra, ela vai repetindo : “Amo-te, Jesus, amo-te, amo-te, Jesus !”

12 de Outubro

De manhã, tinha feito a minha preparação para receber a Jesus e chegou o meu pároco e colocando o
Suspirado da minha alma sobre a mesa depois de acender as velas, disse-me :

— “Aqui tens Nosso Senhor a fazer-te companhia um bocadinho. Vem aí o Sr. Padre Humberto e dá-to”.

Logo que ele se retirou, uma força vinda não sei de onde, obrigou-me a levantar-me. Ajoelhei-me à
frente de Jesus, inclinei-me sobre Ele. O meu rosto e o meu coração nunca tinham estado tão pertinho
d’Ele. Que felicidade a minha, gozar tão de perto da minha loucura. Segredei-lhe muitas coisas minhas,
de todos os que me eram queridos e do mundo inteiro. Sentia-me arder naquelas chamas divinas. Jesus
falou-me também.

— “Ama, ama, ama, minha filha, não tenhas outra preocupação a não ser a de amar-me e dar-me almas.
Onde está Deus está tudo, há o triunfo, há a vitória”.

Pedi aos anjos para virem louvar e cantar a Jesus comigo e cantei sempre, até que fui obrigada pelo
Senhor Padre a ir para a minha cama.

Presa e abrasada no amor divino, comunguei. Momentos depois, disse-me Jesus :

— “São maravilhas, são provas dadas por Mim. Diz, minha filha, ao meu querido Padre Humberto : Fui
Eu que tudo permiti. Da minha parte, nada mais é preciso. É só necessário agora lutar, lutar, combater
com os olhos postos em Mim. A causa é minha, é divina. Pobres homens que imolam assim as minhas
vítimas. Pobres almas que assim ferem o meu divino Coração. Consolo-me no amor desta pomba
inocente, desta vítima amada, senhora dos meus tesouros e de toda a minha riqueza. Vem, ó mundo
inteiro, vem depressa a esta fonte beber. É água que lava e purifica, é fogo que ateia e santifica”.

Meu Jesus, amo-Vos, sou toda Vossa, sou a Vossa vítima. Obrigado...
(NOTA : Neste instante, tendo percebido o Sr. P. Humberto que ia acabar-se a comunicação da
Alexandrina com Jesus — por ter lido nos êxtases anteriores que acabavam quase sempre pela palavra
“obrigada” — pediu-lhe prontamente para que oferecesse a Nosso Senhor todo o seu amor e o amor de
todas as almas que lhe são queridas e lhe estão confiadas. Viu-se, então, a Alexandrina ofegante, como
que a transbordar alguma coisa, e : “Aceitai o amor do Padre Humberto e de todas as almas que lhe são
queridas. Aceitai o amor do P. Humberto e todas as almas que lhe são confiadas. Aceitai o amor de todas
as que me são queridas e do mundo inteiro”. — “Estou entregue de toda a oferta”. — Obrigada, meu
Jesus !) [1]

Não foi muito duradoira a paz da minha alma ; voltei para a cruz, dores e trevas e as dúvidas a
atormentarem-me. Levantei os olhos para o Sagrado Coração de Jesus e disse-lhe :

— Confio, confio em Vós. Bem sabeis que não quero enganar ninguém ; podeis lá consentir que eu me
engane e engane alguém ? Vós não me enganais. Olhai, meu Jesus : ainda que todos os que estão ao meu
lado me desprezassem e abandonassem, convencidos de que eu estava no erro e eu não tivesse ninguém,
ninguém por mim, ainda confiava em Vós. Juro-Vos, juro-Vos, ó Jesus. E se Vós por mim, quem contra
mim ? Ó Mãezinha, vede a minha dor e compadecei-Vos da Vossa pobre filhinha. Eu não sou digna do
Vosso amor, eu não mereço ser Vossa filha, mas sou, Mãezinha, e só a Vós quero e ao meu Jesus.

Passaram as dúvidas e eu fiquei sempre mergulhada na dor e nas trevas. Pouco depois do meio dia, uma
onda de frescura passou por mim, refrescando a minha alma e todas as cinzas do meu corpo. Gozei
duma grande paz e suavidade. Não sei bem ao certo, mas talvez por espaço de duas horas.

Ao aproximar-se a noite, voltei a sentir o mesmo, desta vez por menos tempo. Como Jesus e a querida
Mãezinha olham por mim, tomando e caminhando com a minha cruz. Bendito seja o Amor do Céu !

16 de Outubro

Caminhando sempre arrastada por alguém, sem já há tanto tempo darem sinal de vida, lá vão as minhas
cinzas aprofundando-se, momento a momento neste cemitério imenso num abismo sem fim. Uma
montanha de ruínas, de misérias e de crimes cai sobre elas enfunando-as mais e mais nesse abismo. Ó
meu Deus, tudo passa, tudo desapareceNão sei pelo que sinto agora uma chuva de sangue cair sobre
estas pobres cinzas amortecidas, quase a desaparecerem por completo. Esse sangue forma rios, banha
essas cinzas que ficam mergulhadas nele, ficando assim numa massa de sangue, só sangue. O que é isto,
meu Jesus ? Não o sei : é dor para mim e o resto basta que Vós o saibais. Se no meio disto eu Vos
amasse ! Os meus desejos são profundos, são vivíssimos. Eu não queria que um só momento da minha
vida se passasse sem eu repetir sempre : Amo-Vos, meu Jesus, eu amo-Vos. Não queria outro
movimento nem outra palavra para os meus lábios. Jesus, o demónio enfurecido não cessa os seus
combates ; sede comigo para eu resistir, é furor diabólico. Num deles, dos mais violentos, acusava-me
como a maior das criminosas.

— E dizes que és inocente e que não queres pecar e é só isso o que tu queres.

Dizia-me mais, muito mais.

— Ó meu Deus, bem sabeis que não me tenho por inocente e que por graça e misericórdia Vossa conheço
a minha miséria. Meu Jesus, sou a Vossa vítima.

Enquanto que eu renovava a oferta a Jesus e lhe dizia : não quero pecar, o demónio repetia :

— Criminosa ! Criminosa !

E Jesus dentro de mim, prontamente a defender-me :

— “Inocente ! Inocente !
O demónio espavorido, de cara voltada para trás como que a olhar alguém, fugia para muito longe,
desesperado. Não ouvia bem, mas parecia blasfemar contra Jesus. Tudo se serenou e pouco depois eu
adormeci.

Vivo triste e aterradíssima. Meu Deus, que medo eu tenho de pecar. Ainda hoje ouvia ao longe as
seduções e palavras feias de Satanás. Às suas tremendas ameaças, cada vez me aterrava mais. Olhei para
Jesus crucificado e disse :

— Bendita seja a cruz de cada dia, benditos sejam os sofrimentos de cada momento !

Fez-me lembrar um condenando que vai para o martírio, mas que vai porque é obrigado, e enquanto
caminha, desesperadamente vai amaldiçoando tudo. Assim me acontecia a mim. O demónio levava-me
com as suas manhas, desafiava-me com as suas maldades. O amor a Jesus e às almas obrigava-me a
caminhar. No auge da minha aflição, as minhas maldições foram estas :

— Sou Vossa, Jesus ! Tudo por Vós e pelas almas ! Não quero pecar ! Ai, pecar não, meu Jesus ; sou a
Vossa vítima.

Ao terminar a luta, o coração a desfazer em dor, banhada em suores, acabei com lágrimas, com o triste
receio de ter pecado. Bem sabeis, Senhor, que não quero ofender-Vos ; confio em Vós e nas palavras de
quem me dirige. Em recompensa da minha dor, dai-me almas, todas as almas e o Vosso amor sem fim.

17 de Outubro

Hoje sinto o meu corpo em um tal cansaço, basta dizer : está moído, é cinza, só cinza. O demónio deixou-
me mais em paz, ou melhor, Jesus assim o permitiu. Mas ele serviu-se do meu estado de desfalecimento
para me atacar violentamente. Foi só um ataque no dia de hoje, mas valeu não sei por quantos.
Chamando-me muitos nomes feios, dizia-me :

— Dizes que sou eu que te atormento, e vês que és tu que queres pecar. Hoje não tens feito nada do
costume, porque te sentes cansada. Vês que és tu que pecas e queres pecar.

Continuando a dizer-me as coisas mais horrorosas, acrescentou :

— Prepara-te para uma noite de crimes, para uma noite de ofensas a esse Deus a quem dizes amar, o
qual tem por ti o maior aborrecimento e desprezo.

O combate foi aterrador a mais não poder ser. Foi no auge de tanta agonia que recorri a Jesus e à
Mãezinha. O meu pobre coração parecia-me que tinha o movimento e o barulho de uma fábrica. O meu
peito era peque nino para o conter. Jesus, sou a Vossa vítima, Jesus, não quero pecar ; Mãezinha, valei-
me ; ai, o que será de mim ! Banhada em suor, principiei a chorar. Depois de reflectir bem no perigo em
que estava metida, exclamei profunda e dolorosamente :

— Ó meu Deus, eu estou na Vossa divina presença. Que vergonha, que vergonha, meu Jesus !

Depois disto, uma voz vinda só de Deus tranquilizou a minha alma ; sosseguei e não pensei por algum
tempo que tinha ofendido a Jesus. Fiquei em ânsias de O amar e dizia-lhe :

— Ó Jesus, se houvessem novas invenções de amor, como ei Vos queria amar ! Se houvessem fábricas
que inventassem amor e me fosse possível construir o mundo todo em fábricas, era isso o que eu fazia,
Jesus. Queria ver o mundo todo, o Céu e a terra a amar-Vos por mim. Não cabo em mim, Jesus ; Jesus,
meu doce Amor, fazei que eu Vos ame, vede os meus desejos, vede as ânsias que me consomem.

18 de Outubro
O demónio bem me ameaça, mas de nada valeram as suas ameaças. Jesus não consentiu que ele me
atormentasse durante a noite.

Nesta manhã, quando me preparava para comungar, atormentaram-me as dúvidas por algum tempo.
Depois de Jesus entrar no meu coração, tudo que eram dúvidas desapareceram, senti uma grande paz e
doce união sem me poder separar daquele por quem só suspiro. Esta doçura e suavidade de alma, estas
ânsias e loucura de amor por Jesus deram alento, deram vida às cinzas do meu pobre corpo. De tudo
necessitei. Após umas horas da sagrada Comunhão inventou o maldito novos meios de me atormentar.
Eram horas do comboio, nele deviam regressar da Póvoa minha mãe e uma prima. Foi minha irmã
esperá-las ao apeadeiro. A demora era grande ; não aparecia ninguém. Principiou o malvado, um pouco
retirado de mim, com as maiores injúrias e afrontas, com as palavras mais indecentes e feias.

— Olha, minha criminosa, tua mãe e tua prima estão mortas ; o corpo delas está em ruínas, nem um
hospital, nem um cemitério. Umas galgueiras estão abertas para as sepultar no lugar do desastre, a elas e
a centenas e centenas de pessoas : não escapou uma só. Tantos inocentes mortos por tua causa, que és
culpada. Deus não via outra forma de castigar e punir os teus crimes ; foi para te castigar que procedeu
assim. Manda-me aqui avisar-te que tudo isto foi por tu O ofenderes tão gravemente. Tua irmã foi ao seu
encontro, foi vítima junto das ruínas delas.

Via e sentia na minha alma as galgueiras, o sangue e todos aqueles estilhaços desastrosos. Não eram
cadáveres, era sangue, eram as carnes todas em bocadinhos. Meu Deus, tudo isto por causa minha !
Sentia-me de verdade das maior criminosas e a causadora de todo aquele desastre.

— Ó Jesus, confio em Vós, espero que tudo isto é mentira. Perdoai-me, tende misericórdia de mim. Bem
sabeis que os meus desejos são de Vos amar ; nada de pecado, nada de desgosto para Vós.

O demónio às gargalhadas, acompanhadas de nomes, fingia tocar viola. Recordou-me a minha prima
que havia ordem de quem tinha autoridade para isso de o mandar retirar. Pegando no crucifixo,
aspergindo água benta, usou das palavras que tinha ouvido dizer e ele retirou-se. Mas antes de se retirar,
enfurecido escarrava virado para o rosto dela. Cheguei a perguntar-lhe se ela sentia os escarros ;
respondeu-me que não. Foram duas horas de luta. Lutei sempre com os olhos em Jesus e sem dar uma
palavra ao inimigo. Estava cansada e aterrada de tão triste cena. Veio Jesus com o seu bálsamo divino,
curou por algum tempo as minhas chagas.

— “Minha filha, minha filha, não acredites em Satanás : é meu inimigo, é inimigo das almas. Não houve
desastre nenhum, foi apenas um atraso ; os teus estão para chegar. Confia no teu Jesus que te dá tudo ;
dá-te paz, doçura e amor. Confia, confia : sou o teu Jesus, louquinho de amor por ti. Confia plenamente
em Jesus”.

Não duvidei mais. Minutos depois, chegavam todos os que me eram queridos. Pobres almas, que se
deixam convencer por Satanás. Pobre de mim, se Jesus me abandonasse um momento só ; seria eu então
a mais desgraçada.

20 de Outubro

Meu Deus, falham-me as minhas forças, o corpo é cinza, a dor morre também. Tudo passa, vem a
eternidade e eu de mãos vazias. Quero chorar, Jesus, sinto que é necessário banhar o mundo de lágrimas
e de sangue. Quero chorar as minhas culpas, quero chorar as do mundo inteiro. Quero sofrer, desejo
sofrer e sofro e sinto que a dor não é minha ; sinto que não sou eu que sofro. Ó miséria, ó miséria. Que
ruínas no meu pó, nas minhas cinzas. Trato com o meu Jesus friamente, trato com Ele tão de longe. Meu
Deus, que horror, que distância me separa de Vós ! Parece-me não haver nada no mundo que possa
conduzir-me ao Vosso amor e unir-me para sempre ao Vossa divino Coração. Senhor, eu não sou eu, não
posso estar aqui, esta vida não é minha, Jesus, tende compaixão, não Vos retireis de mim, não volteis as
costas à mais miserável das Vossas filhas. Jesus, sou miséria, mas é com esta miséria que eu quero amar-
Vos, é mesmo assim que eu quero ser Vossa, inteiramente Vossa. Deixai, Jesus, esta pobre filhinha
desprender seus voos, deixai-me, deixai-me voar para Vós. O Céu, o Céu, Jesus, criaste-me para ele !
Vede as minhas lutas com Satanás. Esta noite ! Meu Deus ! Tentou o maldito levar-me ao desespero de
salvação. Dizia-me que já me não salvava.

— Deus já lavrou a sua sentença de condenação para ti. Tu queres gozar e podes gozar todos os prazeres
à vontade porque já não tens salvação.

Dava gargalhadas, chamava-me os nomes mais feios e dizia-me :

— Queres salvar as outras almas e não salvas a tua. Estás condenada, estás condenada.

Gargalhadas, mais gargalhadas e gestos maliciosos.

— Sou a Vossa vítima, Jesus, quero sofrer tudo e não pecar. Quero amar-Vos, quero louvar-Vos. Sou
vítima, Jesus, sou vítima das almas. Dou-Vos o meu sangue, dou-Vos tudo, tudo. O demónio estava
furioso, atirava-se para mim com fúria de leão. Como estava preso com cadeias de ferro e não conseguia
chegar-me, uivava de desesperação e mordia nele mesmo e dizia-me :

— O inferno está fechado, mas o teu corpo é que as paga. Olha que noite de crimes. Sofres pelos outros e
não sofres por ti. Renuncia a todos os sofrimentos, renuncia a todas as ofertas que fizeste a Deus ; diz-
lhe que não queres nada, porque afinal já estás condenada. Fechaste o inferno para os outros e abriste-o
para ti. Que eternidade desgraçada te espera ! Acredita no que te digo.

— Antes o inferno, meu Jesus ! — brado ao Céu no meu tão tremendo combate. — Antes o inferno que
pecar ! Antes uma eternidade desgraçada, do que desgostar-Vos na mínima coisinha. Amo-Vos, amo-
Vos, meu Jesus, nas lutas, nos combates, no calvário e na cruz.

Serenou a tempestade e adormeci. Pouco depois preparei-me para comungar, triste, triste e como um
mendigo a tiritar de frio. Tinha medo de receber a Jesus, não era digna de o receber, de o possuir. Ele
veio, esquecido da minha miséria ; uni-me a Ele, aumentaram-me as ânsias de O amar. Quero corações,
quero línguas para O amarem e louvarem por mim. Ó Jesus, ó Mãezinha, o Céu dá-me amor para eu
amar com esse amor.

24 de Outubro

Morri, morri para o mundo, morri para tudo. Deu o último suspiro aquele pequenino sopro de vida que
já há muito vinha a agonizar, desaparecendo de toda a força que o arrastava pelo cemitério imenso. Até
os próprios bichos desapareceram, aqueles que vinham sobre as minhas cinzas e sobre outras que não
eram minhas, mas que estavam ao meu cuidado. Há dias que principiou a cair uma chuva de sangue,
vinda do alto. Choveu sangue e ainda continua a chover. A princípio banhou as cinzas. Depois levou-as
de tal forma até que desapareceram, já não existe nada. O sangue continua a vir do alto ; cai sobre o que
está limpo, já não tem mais que lavar.

— Ó meu Deus, como posso eu falar duma coisa que não existe ! Eu sou nada, vou falar da dor, da dor
que não é minha, da dor que não me pertence. Ó meu Jesus, sinto a dor e não sou eu que sofro, faltou a
vida à dor que era minha. Vejo-a agora a sofrer de rasto, faz-me lembrar a cobra quando lhe falta o
veneno. Vejo esta dor envolta na lama e no lodo tombando para um e outro lado. Essa vida que era dela
está a viver mais alta, deixou-a para não mais voltar. Vive lá em cima, muito lá em cima, olhando a dor
cá em baixo e olha-a com compaixão. Esta vida que vive no alto é uma vida semelhante àquela vida de
que falei no dia da Assunção da Mãezinha, deste mesmo ano. Não sei exprimir melhor os meus
sentimentos.

Ó Jesus, Vós sabeis e compreendeis tudo ; eu não sei que vida é esta. Tende dó de mim, valei-me nos
meus combates, nas minhas lutas com Satanás. Ele continua a seduzir-me ao mal. Quer instruir-me com
as suas lições vergonhosas e maliciosas. Vede que tudo sofro por Vosso amor e pelas almas. Vede que
não quero pecar, não quero ferir o Vosso divino Coração. Feri-lo sim, feri-lo sempre mas com setas de
amor, não com o pecado ; não quero ferir-Vos, não quero desgostar-Vos. Por Vossa bondade e amor, ele
não tem vindo tão frequentes vezes. Mas ai, meu Jesus, a manha dele ! Quando vem, vem mais furioso e
desastrado. E faz sofrer tanto a minha pobre alma quando me diz :

— Vês como és tu que queres pecar e pecas quando queres ! Agora que sentes o teu corpo desfalecido,
entregas-te aos prazeres menos vezes. Vês como és tu em não eu ?

E insulta-me então com todos os nomes feios e maus. Ameaça-me que vou ter uma noite de crimes e
depois demora-se a vir, deixando-me na alma desejos de pecar. Depois, quando vem, lança-me em rosto
esses sentimentos de manha alma para assim me afirmar mais que sou eu que quero, que sou eu que
peco.

— Meu Jesus, bem sabeis que não quero. Ó Vós vedes como fico assustada quando o ouço ao longe com
as suas ameaças. Fico sempre aterrada a ver quando chega a hora do martírio. Banhada em suor e
lágrimas, recorro a Vós nos momentos mais graves. Jesus, valei-me ! Mãezinha, mostrai que sois minha
Mãe, entregai-me a Jesus como vítima, quero desagravá-lo, quero reparar mas não quero pecar.
Entreguei-me a Ele como escrava ; quero servi-lo, quero amá-lo e dar-lhe almas. Pecar, nunca, ó Jesus, ó
Mãezinha ! Sou vítima, sou vítima !

No último ataque, das 11 à meia noite desta mesma noite, banhada em suor chorei sentidas lágrimas. O
coração não podia resistir mais. Quantas vezes repeti :

— Sagrado Coração de Jesus, tenho confiança em Vós ! Juro-Vos que não quero pecar. Valei-me,
Mãezinha, valei-me lá do Céu.

O malvado punha-se ao lado, dançava, batia palmas. Dizia-me que os meus escritos estavam na mão
dele, que ia ser uma vergonha em todo o Portugal. Eles não chegam mais à mão do P. Humberto nem do
P. Pinho ; e chamava-lhes nomes feios. Pronunciava também o nome do Médico e dizia-me dele coisas
feias. Desesperado, gritava ao longe :

— Não os posso ver, tenho-lhes raiva, odeio-os !

Terminada a luta, fiquei tristíssima, só com o receio de ter pecado.

— Ó Jesus, eu quero confiar em Vós e na palavra de quem me dirige. Pobre de mim, se aqui confio e me
encorajo, ali desfaleço e fico duvidosa. Vinde, Mãezinha, em meu auxílio. Valei-me, valei-me, Jesus.

Fiquei em paz. Muito unida aos sacrários, contente por estar acordada, dizia :

— Jesus, quero velar, quero amar pelos que estão a dormir. Quero sofrer, quero reparar pelos que estão a
pecar.

Assim passavam as horas e eu estava em mim para falar com as personagens divinas da minha alma.
Sinto por tantas vezes a sua realeza divina dentro em mim ! Gosto tanto de viver na solidão e no silêncio
com estas Personagens ! Sinto que o divino Espírito Santo no seu trono, no trono do meu coração, no
meio do Pai e do filho, mas acima deles, bate as suas asinhas brancas como para me despertar e dizer-
me que estão ali. Irradia-me com o seu amor, dá-me efusões do seu fogo divino, leva-me a santas
inspirações, move-me a praticar obras boas, obras de caridade e tantas vezes com tanto sacrifício. Para
quantas coisas sinto a sua acção divina. Quando estou em êxtase com Jesus e Ele me manda escrever
tudo, eu não chego a dizer-lhe nada, mas fico triste por me lembrar que não sou capaz. E Ele, que tudo
conhece, diz-me logo :

— “Vai, que o divino Espírito Santo está contigo, tens toda a sua luz divina”.

E é bem verdade ! Vou para escrever, lembro-me de tudo, compreendo tudo sem dificuldade. Sinto uma
luz que alumia todos os caminhos. O divino Espírito Santo ! Com a sua luz vejo tantas coisas nas almas,
ansiosas tantas vezes por mas dizerem e não têm coragem.

Dá-me o Espírito Santo conhecimento de tudo. E quantas vezes pressentimentos reais, como da vinda de
pessoas junto de mim, acontecimentos, etc. ... O divino Espírito Santo é fogo que me ilumina e eleva
muitas vezes às alturas : perco-me nele, irradio-me nele. Oh ! Quem me dera todas as almas
conhecessem e sentissem nelas a presença do Pai, do Filho e do Espírito Santo ! Meu Jesus, tenho tantas
ânsias de Vos amar ! Desfaleço com tantas saudades do Céu. Que tristeza viver aqui ! Tende dó de mim !
Sinto-me tão ferida, e por pessoas que desconhecem ferir-me assim ! Assemelhai o meu coração ao
Vosso. Por Vosso amor quero perdoar a todos, por Vosso amor e por amor às almas aceito estes espinhos
que tão profundamente ferem a minha cabeça em tantas horas do dia. Se o mundo compreendesse a
dor ! Se o mundo compreendesse uma ofensa feita a Vós, não pecava, só Vos amava. Jesus, dai-me amor
sem fim, dai-me amor para todos. Dai-me força e coragem para eu obedecer escrevendo tudo como me
mandam. Que repugnância, meu Jesus, em tudo que escrevo ! Se não fosse a obediência, não escrevia
nada apesar da grande necessidade que sinto de o fazer. Amo a obediência, custe o que custar ; quero ser
fiel, quero obedecer em tudo.

Muito obrigada, meu Jesus, pelo alívio que me destes trazendo junto de mim quem tão bem compreende
a minha alma. Com os olhos fitos em Vós, embora sempre na cruz, pude respirar mais fundo. Ó cruz, ó
amor do meu Jesus, quero-te, quero-te, morro por ti.

25 de Outubro

Dia a dia, momento a momento, torna-se a minha vida mais penosa e triste. Por um lado a ordem da
obediência obriga-me a viver escondida não recebendo pessoas para assim, a pouco e pouco ficar
esquecida. Ó meu Deus, se eu tivesse querer, era assim que eu queria ; mas que engano ! Quanto mais
me querem escondida, mais me fazem conhecida. Chegam-me visitas dum lado e doutro. Despertou
agora a curiosidade dos médicos : que tormento para mim ! Ó almas, ó almas, quanto é preciso sofrer
para Vos salvar ! Ó Jesus, ó Jesus, quanto custa a conquista do Vosso amor.

Esta manhã, quando me preparava para a visita do meu Amado, sentia-me triste e amargurada. Meu
Deus, receber-Vos assim, tão cheia de misérias ! Tende dó de mim, Jesus ! Ó Mãezinha, purificai o meu
coração, o meu corpo e a minha alma ; preparai-me para a visita de Jesus. Ele veio, fez serenar tudo,
sentia-o na minha alma, suavizou a minha dor unindo-me toda a Ele. A seguir uns momentos, deram-me
a notícia que os meus escritos que se julgavam perdidos e que o demónio afirmava estarem na mão dele
tinham aparecido. Senti muita alegria. Já que tinha Jesus em meu coração, aproveitei a ocasião de Lhe
agradecer mais de perto. Pouco depois principiaram as visitas. De Jesus recebi força para tão grandes
sacrifícios. Eram duas horas e meia da tarde e entraram no meu quarto cinco homens. Tive logo o
pressentimento de que algum deles era médico. Principiaram a interrogar-me ; não sei porquê, os meus
olhos fitavam-se mais num. Soube depois que era esse o médico. Como tinha o pressentimento de que
estava a falar com um médico, respondia a tudo e fazia por me explicar bem da minha doença. Não me
faltou a serenidade. Ó Jesus, só Vós sabeis quanto custa tudo isto. Quando acabará, ó meu Deus ? Com
certeza só com a minha morte ! Respondia com firmeza, pois a verdade só tem um caminho. Chegou a
ocasião de me falarem na alimentação. Duro golpe ! Quem me dera que ninguém soubesse !

— “Então não come nada ?”

Eu não sabia se estava a falar com pessoas religiosas. Mas sem respeito humano, respondi :

— Comungo todos os dias.

Um silêncio profundo por uns momentos se travou sobre todos ; nem um gesto, nem um sorriso. Pouco
depois retiraram-se muito delicada e respeitosamente. Ó Jesus, ó Mãezinha, divino Espírito Santo, dai a
Vossa santa luz a estas almas ; fazei que sejam só Vossas e sigam os Vossos caminhos. Que as minhas
humilhações e sacrifícios sirvam para a salvação de todos. Ó Jesus, quero viver para Vos amar e para a
salvação das almas !
26 de Outubro

Durante a noite tive com o demónio um violento combate. Eu Deus, tantas coisas feias, tantos gestos e
ameaças e convites para o mal ! Não sei o que ele punha em minha alma, não sei das manhas de que ele
se servia, o que me parecia era a minha alma tinha desejos de pecar e que os meus lábios pronunciavam :
quero pecar, troco à Céu, troco Jesus pelos prazeres, pelos gozos do mundo. Isto eram manhas do
demónio ; Jesus bem sabia que eu não queria pecar. Mãezinha, guardai-me, valei-me, oferecei-me a
Jesus como vítima. Dizei-lhe que não renuncio aos sofrimentos, mas que renuncio ao pecado. Pecar,
não ; amar-Vos, sim ! Amar-Vos a Vós, amar a Jesus ! O maldito, no meio de horríveis coisas, convidava-
me a que o beijasse. Então redobrei de forças e atirava beijinhos para a Mãezinha e dizia-lhe :

— Dai-os a Jesus e levai-os por mim aos sacrários.

Procurava entrar em mim o mais intimamente possível e aí beijar o Pai, o Filho e o Espírito Santo, rico
tesouro que possuo. O demónio retirou-se mostrando-se contente por me ter levado ao ponto que
desejava e afirmava-me eu ter pecado gravemente. Apesar dos meus esforços para não ofender o meu
Jesus, fiquei triste e duvidosa. Unidinha aos sacrários, mas envergonhada diante de Jesus. Queria
acreditar nas palavras de quem me dirige, que não pecava, e custava-me a acreditar. Eram quatro horas
da manhã e eu desfalecidíssima preparava-me para a visita de Jesus. Ele não esperou que eu o recebesse,
veio consolar-me antes. Chamou-me :

― “Minha filha, vem para os meus braços. Deixa a tua cruz, descansa em mim, toma conforto”.

Senti que Jesus me desprendeu da cruz, via-a separada de mim : era grande. E eu então sentia-me nos
braços de Jesus, estreitada por Ele ao seu divino Coração. Ao ouvir que Ele me dizia :

― “Sacia a tua fome, sacia a tua sede, recebe o meu Sangue que é a tua vida, o teu alimento. Estou em ti
como Rei no palácio do teu coração. Venho a ti como esposo fiel e cheio de amor. Venho a ti como Pau
cheio de doçura, ternura e compaixão”.

Chegou aos meus lábios o seu Sangue divino, deu-mo a beber por algum tempo. Depois senti o meu
coração e peito aberto, e dentro em mim caía uma chuva de sangue. Jesus dizia-me :

― “Recebe, é o Sangue das minhas veias. Toma coragem, enche-te de mim para levares a tua cruz. Se
soubesses o bem que estás aqui a fazer às almas, morrerias de pasmo. Confia nas palavras de quem te
dirige. Não me ofendes ; confia nas palavras afirmativas do teu Jesus, que valem mais do que uma jura.
Confia, confia ; não me ofendes, não posso consentir que me ofendas”.

Dito isto, estreitou-me de novo forte e docemente. De novo fiquei na cruz de pés e mãos cravadas e a
cabeça bem penetrada de agudos espinhos inclinada bem firme sobre a cruz. Pouco depois, comunguei ;
não senti novos alívios. Passei o dia abraçada à cruz. Ai, quantas recordações tristes ! Quantas
amarguras e torturas de alma ! Quantas ânsias de amar o meu Jesus ! Quantos pensamentos ! Eu só
queria quem me ensinasse a amá-lo ! A chuva de sangue vinda do alto continua a cair sobre o cemitério,
mas já não encontra cinzas para lavar : tudo desapareceu. Bendito seja o amor de Jesus, benditas sejam
as suas invenções para salvar as almas !

28 de Outubro

Hoje foi um dia cheio; espinhos, só espinhos penetraram o meu corpo de cima a baixo ; nem um só
bocadinho me foi poupado. Tantas contrariedades ! Tantos sofrimentos ! Meu Jesus, por Vosso amor.
Tudo o que é por Vosso amor não custa ! Olhava o Santíssimo Coração de Jesus, olhava-o crucificado na
cruz e murmurava ao mesmo tempo que sorria aos sofrimentos. Bendita seja a cruz de cada dia, bendita
a dor de cada momento.

Passavam-se as horas e com elas iam passando as dores e angústias da minha alma. De vez enquanto era
ferida por novos golpes. O demónio de longe a longe ameaçava-me e atormentava-me a imaginação.
Queria confiar em Jesus e não podia, queria confiar nas palavras de quem me dirige e não me era
possível, queria confiar em mim mesma, nos sentimentos da minha alma, pior ainda.

— Ó meu Deus, ó meu Deus, se no meio disto eu Vos amasse ! Ficava por algum tempo com os olhos
fixos no Sagrado Coração de Jesus. Que sede de O amar ! Era já noite, feriram-me agudas espadas.
Pratiquei actos de humildade não por entender que fosse necessário fazê-los, mas sim para dar bom
exemplo de ensinar alguém a ser humilde para consolarem a Jesus e o amarem cada vez mais. Durante a
noite com o coração a sangrar de dor via correr dum lado e do outro muitos regatozinhos de sangue.
Sobre eles poisavam bandos de pombinhas sem conta bebendo o sangue e de contentes batiam às asas. A
amargura da minha alma continuava. O demónio com as suas feias palavras e acções tentava levar-me
ao desânimo, ao desespero. Fazia actos de f é a ver se tinha confiança para melhor resistir. Ó amargura,
triste amargura !

30 de Outubro – Dia de Cristo Rei.

Logo de manhã na preparação para a comunhão esforcei-me por consolar a Jesus. Pedi à Mãezinha que
Lhe fizesse a oferta das minhas orações e de todas as coisas para Sua maior glória, para que Ele
triunfasse e reinasse no mundo inteiro em todos os corações. Dei-me a Jesus por Maria. Veio Jesus para
o meu coração. Voltei aos mesmos regatozinhos de sangue : tantos, tantos bandos de pombinhas alegres,
satisfeitas bebendo, levantando-se aqui e poisando-se acolá. O sangue corria e eu sem saber de onde.
Terminou a visão e eu sem saber o que significava, mas nem por isso me preocupava. A agonia da minha
alma não me deixava pensar em nada disso. Fingia no meio dos meus que estava muito satisfeita para
assim ver em todos a paz e a alegria. Fui visitada por muita gente. Perguntas esquisitas, coisas
desagradáveis : faziam-me sofrer muito.

Ó Jesus, ó Mãezinha, tudo por Vosso amor, dai-me coragem para eu sorrir a tudo sem dar a conhecer a
minha dor. Sentia-me tão nada, um nada que nunca existiu. Sentia-me morta e morta toda a
humanidade, mas era tal morte que nunca teve vida. Ó meu Deus, que há-de ser de mim, que doloroso
tormento. Pelo meio desta mortandade apareciam ânsias quase insuportáveis de amar a Jesus, amar
sem sentir, amar sem conhecer o amor. Chegou a noite. Terríveis ameaças do demónio atormentavam-
me e enchiam-me de medo e pavor. Meu Jesus, quero só o que Vós quiserdes, estou pronta para tudo,
não me deixais ofender-Vos.

O demónio é mentiroso, mas desta vez não mentiu. Ontem com feias palavras mandava-me preparar
para a noitada e não faltou. Eu não sei bem, mas talvez das 10 para as 11 horas veio ele com toda a fúria e
maldade infernal. Ó meu Deus, nem posso pensar, ai que horror ! Lutei, lutei por muito tempo. O grande
tormento da minha alma era parecer-me que ele conseguia que eu dissesse : não quero Jesus, não quero
Maria, não quero o céu, odeio-os, volto-lhe as costas, quero o prazer, quero gozar. Eu não o juro, mas
parece-me que não dizia nada disto. Só de longe a longe eu podia chamar por Jesus ou pela Mãezinha e
oferecer-me como vítima e escrava. Uns momentos em que me parecia pecar sem remédio apertei como
pude na minha mão o crucifixo e a Mãezinha e dizia-lhes : amar sim, pecar não. E foi tal a aflição do meu
coração que pensei que morria por espaço de muito tempo. Vinha-me ao pensamento a realização das
promessas de Jesus e animava-me. Eu quero o céu, mas quero uma morte de amor, não quero morrer
nas mãos de Satanás. Via-me sobre um horroroso abismo ; por entre as trevas dele sobressaíam uns
ganchos rebicados muito polidos. Assustadíssima porque me parecia cair nele sem remédio, fiquei
desfalecida. O coração estava em fortes arrancos e aflito fazia grande ruído ; parecia-me que a morte
estava para aquele momento. Só com a minha mente dizia : Ó meu Jesus, se eu ao menos não pecasse
não me importava todo este sofrimento. Fiquei nesta prostração e triste agonia. O pecado, o pecado, que
preocupação a minha. Passaram-se uns momentos : nova visão de sangue e bandos de pombinhas. Mas
desta vez falou-me Jesus :

― Não pecas, não pecas, minha filha. Confia, meu amor, tem coragem. Exijo de ti esta reparação. Vistes
aquele abismo ? Com este sofrimento evitas de cair nele muitas almas. Os ganchos que nele estão são as
prisões em que ficam presas para sempre. Este sangue é o sangue da tua dor, do teu martírio. As
pombinhas que nele bebem são as almas que por nele se lavam e purificam. Alegra-te querida, alegra-te,
amada, és minha, só minha. Não pecas, amas-me, reparas, desagravas o meu divino Coração. Amo-te,
amo-te, minha loucura.

A noite ia adiantada, uns pequeninos intervalos de sono, queria estar muito unidinha a Jesus, esforçava-
me para isso, mas mal podia. Com una lanterna que ardia fitava o seu divino Coração, fitava a Mãezinha
e a Jesus pequenino em seus braços, pedia-lhe amor, graça e pureza, pedia-lhes tudo. Chegou a hora de
comungar : fiquei unida a Jesus. Pouco depois passou-me pelo pensamento o grande combate da noite,
desfaleci mais ainda. Indiferente a tudo e de tudo depreendida, sentia lá no alto aquela vida que já me
pertenceu enquanto que a dor lutava e rastejava no lodo nojento e na lama. De vez em quando o Divino
Espírito Santo batia as asas em meu coração e dentro dele infundia o seu biquinho como para me
alimentar e dar coragem. Sinto-o em mim em forma de pomba. É já noite. O que me espera nela ? Jesus
o sabe.

31 de Outubro de 1944

Tudo desconhecia, nada compreendia. A maior parte deste dia passei-o sem sentir nem vida nem morte,
nem tempo nem eternidade. Parecia-me não existir, portanto nada me esperava. Não deixava de viver a
minha vida íntima com Deus, entrar muitas vezes em mim para adorar as personagens divinas que
vivem no meu coração e na asinha alma. Mas sem nada sentir, sem nada me pertencer vivia assim como
por um hábito. Aproximava-se a noite ; nasceram em mim uns desejos de missionar, queria correr todo
o mundo à conquista das almas. Como estas ânsias, já não cabiam em mim disse para Jesus e para a
Mãezinha : XE "Correr o mundo de joelhos" Se Vós me désseis toda a graça e amor eu queria ir de
joelhos bater à porta de todos os corações da humanidade, aqueles que estivessem em graça dava-lhes só
amor e aos que estivessem em pecado dava-lhes tudo, graça e amor. Queria enchê-los a mais não poder,
deixá-los a transbordar. Queria ver sair de todos eles as chamas como duma chaminé, para todos eles
formarem uma só chama, um só amor. Queria fechá-los Jesus com uma chave só Vossa para que
nenhum deles pudesse abri-lo para assim nunca deixarem de amar e nunca perderem a graça. Ó Jesus, ó
Mãezinha, quero amar-Vos quero que todos Vos amem. Quero a graça e a pureza do meu corpo e da
rainha alma e quero que todos os filhos Vossos a possuam. Sou a Vossa vítima. Era já noite, veio o
demónio com toda a fúria, veio em forma de crocodilo, assustou-me muito, veio até pertinho de mim,
mas não me tocou. Com as suas artes manhosas parecia-me que fazia de mim tudo quanto ele queria.
Dizia-me : Venho para satisfazer os teus desejos não porque eu quisesse vir. Tenho nojo de ti ; e
mostrava-se muito enojado. “Tu pecas o mais gravemente e podes pecar à vontade porque Deus já não te
quer nem eu te quero, não me serves, para mim quero pessoas puras e honestas”. Parecia-me que eu
mesma dava risadas de contentamento e que repetia uma e muitas vezes : troco tudo por um gozo, por
um prazer. Quero pecar, quero pecar, com esta e com aquela pessoa e nomeava-as. Meu Deus, creio
firmemente que me parecia dizer tudo isto, mas que não disse. As palavras e ensinamentos eram
horrorosos. Desconheço muitas coisas, outras nunca as disse nem as pensei. Que luta triste e tremenda.
Por mais que uma vez parecia-me morrer. Fiz as minhas ofertas a Jesus, mas com tal desfalecimento que
parecia-me nada valer.

Meu Jesus querer é poder ! Bem sabeis que só quero amar-Vos e nada, nada de ofender-Vos. Fiquei
triste e tímida. Que vida a minha meu Deus ! Seja tudo por Vosso amor. O malvado retirou-se
desesperado.

[1] “No caderno original não consenti que a Deolinda escrevesse estas palavras do êxtase por serem a mim dirigidas.
Faço-o hoje, por obrigação de consciência. Escrevi-as eu mesmo durante o êxtase. A Alexandrina só falava nos êxtases
das sextas-feiras e primeiros sábados. Deu-se aqui uma excepção que muito me admirou e impressionou, porque
pareceu-me uma resposta a um pedido meu feito a Nosso Senhor, a quem roguei dar-me uma prova de que a causa que
eu defendia como divina num relatório ao Sr. Arcebispo era verdadeiramente tal. A Alexandrina ignorava este pedido
feito por mim no dia anterior”. — In fide Sacerdotis.

Balasar, 3 de Setembro de 1965. P. Humberto M. Pasquale, Salesiano.

1 de Novembro – Dia de todos os Santos


Logo de manhãzinha ao preparar-me para receber o meu Jesus encarreguei-os de amarem por mim a
Jesus, à Mãezinha e toda a Santíssima Trindade. Duvidosa de ter ofendido o meu Jesus pedi-lhe muito
perdão de todos os meus pecados e pedi à Sãozinha que lhe pedisse também perdão porá mim. Queria
fazer uma comunhão muito fervorosa e santa. Veio Jesus, avivou em mim os desejos de mais e mais
amor. Envergonhadíssima da minha miséria não podia fitar os meus olhos em Jesus nem sabia
conversar com Ele. Meu Deus, meu Deus, que vergonha ! Queria esconder-me de baixo de todas as
montanhas. Assim o fiz : corri para elas e todas caíram sobre mim. Então pude dizer : Ó meu Jesus, o
meu amor não tem outro fim senão o de amar-Vos ; quero amar-Vos, quero amar-Vos, mas não com o
fim de parecer bem, nem de agradar às criaturas. Clamei sempre o amor de Jesus debaixo do peso
esmagador de tão tremendas montanhas. Queria viver a vida do Céu, recordar o que ia lá em cima em
tão grande dia, queria festejá-los e com eles louvar ao Senhor, mas não podia, só clamava : quero armar-
Vos Jesus. O meu brado não se fazia ouvir, não ecoava cá fora, perdia-se, abafava-se debaixo dos
rochedos. Que fazer meu Deus! Aceitar com alegria tudo o que vem das Vossas benditas mãos. Sou Vossa
e tudo é para Vós. De vez em quando entremeavam-se por entre estes desejos de amor ameaças do
demónio.

Chegou a noite, veio ele todo furioso. Usou de todas as manhas : nomes, feios nomes e lá arranjou de me
fazer sentir na minha alma os desejos de pecar. São coisas dele porque eu pecar não quero, antes
milhões de infernos do que a mais leve falta ! Eu parecia-me sorrir de contentamento ao que ele me
dizia ; mas não, meu Jesus, não ! O caso era só para lágrimas, muitas lágrimas.

Prolongou-se a luta ; já não podia mais. Bradava ao Céu sempre que podia. Queria ter sempre em meus
lábios o nome de Jesus e da Mãezinha e a oferta de vítima, mas não tinha forças para o fazer
continuamente. Ainda ele estava furioso abriu-se à minha frente um medonho abismo. Ao mesmo tempo
ouvi a voz de Jesus, mas com tanta doçura que fez desaparecer o cansaço do meu corpo e tudo o que era
dor da minha alma.

— “Vês minha filha, liste abismo ? Se não fosse a tua reparação tinham caído nele muitas, muitas almas !
Coragem com o sacrifício que te peço. Aparta-te maldito para o inferno, deixa descansar a minha virgem
inocente, a minha vítima amada. Não pecas minha querida, não pecas minha pomba bela; Descansa
inclina-te para mim”.

Tomou-me Jesus em seus Santíssimos braços uniu o meu rosto ao d’Ele, cobriu-me de caricias, fiquei
sossegada e sem sentir nenhum cansaço. O maldito lá se foi desesperado. O que seria de mim se Jesus
não vinha em meu auxilio.

2 de Novembro

Lutei, lutei sempre, clamei, bradei ao Céu. Que triste dia ! No cimo da mais alta montanha bradava por
socorro com toda a dor da rainha alma. Parecia-me que cá de baixo toda a humanidade me fitava, fitava-
me sem compaixão. Não houve quem se compadecesse da minha dor. Clamei por Jesus e pela
Mãezinha : nem ao menos do Céu me veio conforto. Parecia-me a minha alma rasgar-se em pedacinhos.
A dor destruía-a assim como destruía todo o ser que não me pertencia. Ó meu Deus, não posso viver
aqui. Ó Jesus , ô Mãezinha revivem em mim as ânsias de Vos amar, chamo por Vós, não Vos vejo, não
Vos ouço, parece-me que não existis. E eu não conheço o amor. Ó meu Deus, como posso eu amar sem
conhecer o amor, e amar aquilo que não existe ? Jesus, Mãezinha, creio que existis, confio, confio. Que
este sofrimento sirva para reparar por aqueles que pecam na Vossa divina presença e com tanta malícia
como se Vós não vísseis nem existísseis. Era já noite ; de um momento para o outro sem nisso pensar
senti-me no Horto prostrada por terra em agonia. Senti então umas saudades tão grandes da minha
crucifixão que mal pude resistir. Saudades, tristes saudades. Temia aproximar-se o dia da sexta-feira por
causa do êxtase. Mas oh ! que amor à minha crucifixão. Temo os colóquios com Jesus talvez pelo muito
que me têm feito sofrer os homens não Jesus, mas sinto umas saudades de morrer de tudo o que Ele me
fez passar da Sua santa Paixão. Aquilo que era de horror quando a tinha é-o agora de saudade por a não
ter. O demónio ameaçou-me muito, mas desta vez não veio com os seus ataques violentos. Bendito seja o
Senhor.
4 de Novembro – Primeiro sábado

Passei horas de tremenda luta com o demónio durante a noite. Disse-me tudo o que há de pior ;
afirmou-me que não era amada por Jesus nem por Maria. Que eu pecava como queria e quando queria ;
que era eu que queria pecar e não ele que me fazia pecar. Fiquei muito triste, quase que a não acreditar
nas palavras de Jesus. Meu Deus se é assim como podeis falar-me e dizer-me coisas tão lindas ? Novo
esforço da minha parte : confio, confio, meu Jesus, cegamente e sem limites. Muito tímida principiei
cedo a preparação para a minha comunhão. Chegou Jesus, recebi-o. Ele não se apressou a falar-me.
Passaram-se alguns momentos, depois segredou-me :

— Minha filha, flor mimosa de pétalas tenras, puras e perfumadas, canteiro do meu jardim onde estão
enraizadas as flores mais aromáticas das mais heróicas virtudes. São rosas minhas, são flores divinas.
Vem meu anjo, vem descansar no teu Jesus, na tua querida Mãezinha. Confia, tu não me ofendes, confia,
a tua luta é do demónio não és tu que a queres sou Eu que de ti exijo tal reparação» ; só duma virgem
casta e pura a posso exigir.

Ouvi ao meu lado direito uma voz muito terna, muito meiga que dizia :

— Dá-me meu Filho a tua e minha filha para em meus braços descansar.

— Aceita minha Mãe é minha e é tua ; acaricia-a, enche-a do teu amor.

Jesus colocou-me nos braços da Mãezinha Ela abraçou-me, acariciou-me tão meiga e docemente ! O
meu rosto unido ao d’Ela, coberto de ternura e carícias... posso dizê-lo : nunca me senti assim ; gozei já o
Céu. Parecia-me estar envolta numa nuvem. Mãezinha, Mãezinha, que felicidade a minha o que será
gozar de Vós eternamente no Céu !

— Ó minha filha, ó amada do meu Jesus, confia, confia ! Está para breve, muito breve o teu Céu, o teu
gozo eterno. Confirmo minha filha as palavras do teu e meu Jesus. Tu não O ofendes. Compadeço-me de
ti ao ver-te em tão tremenda luta por saber quanto amas a pureza ; é por isso que te amo e te ama Jesus.
Ele precisa da tua reparação. Se soubesses como Ele é ofendido na virtude da santa pureza !

Acariciou-me de novo e Ela mesma me entregou a Jesus.

— Aceita meu Filho a tua filha. Dá-lhe agora o teu amor, acaricia-a tu.

Jesus abrasou-me em seu amor, acariciou-me também.

— “Minha filha, tem coragem, enche-te de Mim para lutares. Tenho o meu divino Coração tão ferido !
Não posso mais com os crimes da impureza. Olha fulanos e fulanos”.

Nomeou-mos, novos e velhos, mulheres e homens entre eles alguns sacerdotes.

— “Quando vierem junto de ti diz-lhes que estou ferido, magoado, muito magoado. Chama-os, atrai-os
para Mim. Diz, minha filha, ao teu Paizinho, ao encarcerado cativo por meu amor e amor das almas, são
espinhos causados por eles, diz-lhe que por ti lhe dou todo o meu amor, graças e riquezas, que tudo é
dele. Diz-lhe que sou o mesmo Deus, não falto às minhas divinas promessas, que ele vai ser libertado, de
tudo libertado, posto em liberdade. Diz o teu médico que continue deveras a cuidar de ti, de ti e da
minha divina causa. Dá-lhe os meus agradecimentos, diz-lhe que a vitória é dele e de todos os que
trabalham com ele. Para todos o meu amor, a minha paz e agradecimentos. Diz-lhe que como prova do
seu trabalho incansável lhe prometo o meu amor e a salvação a todos os que são dele. Maior prémio
ainda : prometo-lhe à hora da morte o arrependimento das suas faltas, ficará puro, não irá sofrer ao
purgatório, passará a gozar o Céu. Ainda terás esta promessa para mais”.

Acariciou-me de novo a Mãezinha com Jesus. Chamou-me Ela :


— “Ó estrela luminosa e cintilante, com teu brilho dás luz ao mundo e guias as almas para mim e para
Jesus. Dá em meu nome o meu amor àqueles a quem tanto amas porque também Eu os amo com Jesus”.

Mãezinha, Mãezinha, Jesus meu Amor, muito obrigada ! Nem com uma eternidade de joelhos Vos
agradecia tão grandes benefícios. Custou-me tanto a desprender de Jesus e da Mãezinha ! Parecia não
haver nada que cortasse as cadeias de amor que a Eles me prendiam. Vim para a dor quase logo para a
imolação, para o sacrifício. Sou vítima, sou de Jesus, sou das almas. Morro por não amar, morro depois
de tudo isto por não sofrer. Ó cruz, ó cruz, ó bendita cruz !

7 de Novembro

Não falo de mim nem da dor, pois não tenho vida e sinto que a dor não é minha ; não tenho nada, nada
me pertence. Ó minha cruz amada, só Jesus te conhece ! Ó meu Deus, não posso estar aqui. Que horror,
que tormento este ! Quando chega a hora de receber o meu Jesus é tal a vergonha que sinto, que nem sei
exprimir. Queria recebê-lo, mas que Ele não soubesse que descia a mim. O horror das minhas misérias,
do meu nada são a causa desta vergonha. Não posso lembrar-me que a maior grandeza, o amor sem
igual desce à maior frieza, ao maior abismo de miséria, ao nada que não existe. Todo este sofrimento
quase me obriga, quase me convence a não acreditar nos êxtases, nem em Jesus, nem na Mãezinha.
Como pode Jesus e a Mãezinha amarem esta imensidade de misérias ? Como pode Jesus amar-me com
tal excesso de amor ? Como pode Ele chamar-me poderosa e dizer-me coisas tão lindas ? Que bondade a
de Jesus ! E que confusão a minha ! Quero olhar para o Coração Santíssimo de Jesus e não posso, vem-
me esta dúvida : se eu estou enganada ? Depois da minha morte, quando todos estivermos no Céu, todos
sabem que nada era como eu dizia. Acto de fé : Creio, meu Deus, eu creio, eu creio ! Sois Vós, sois Vós
que me dizeis tudo ! Não me deixais enganar assim como Vós não Vos enganais. Ó meu Jesus, não pode
ser como me parece, as minhas dúvidas me obrigam a crer. O Céu não deixa de ser Céu. Se eu me
sentisse envergonhada, lá por ver que a minha vida tinha sido de ilusões, sofria, deixava a Vossa Pátria
de ser um gozo completo. Confio, Jesus, eu não me engano. Tende dó de mim. Vede o martírio da minha
alma. Queria olhos para chorar lágrimas de profundo arrependimento, e não as tenho. Queria vida para
só a Vós servir ; não possuo ; queria coração para Vos amar, e não é meu. Que fazer, Jesus ? Entregar-me
a Vós, à Vossa infinita misericórdia que tudo perdoa e encarregar todo o Céu de Vos amar por mim. Ó
Céu, ó Céu, ama, ama em meu nome o teu e meu Criador. Ó Jesus, dá-me o teu bendito amor para que
com ele eu te amar e à Mãezinha querida.

No meio destas ânsias de amor e de dor dolorosa das minhas culpas, bateu asas o divino espírito Santo
no mais íntimo da minha alma. Procedeu para comigo como as avezinhas para com os filhinhos quando
estão no ninho. Com o seu bico de fogo alimentou o meu coração e depois escondendo-o dentro em
meus lábios, alimentou todo o meu ser. Senti nova vida, podia amar e servir o meu Jesus. Estes
momentos são pouco duradouros ; depressa volto à minha cruz, depressa deixo de ter vida. Mas é bem
unida à cruz, ferida com os mais agudos espinhos que eu quero bradar sem cessar : amo-Vos, Jesus, fazei
que este brado de amor ecoe no mundo inteiro para que ele só conheça o amor e dele desapareça tudo o
que é ofensa para Vós. Jesus, valei-me, defendei-me das lutas de Satanás. Sou por ele tão humilhada !
Trata-me como a criatura mais vil, mais imunda. Que lições tão feias ele me dá ! Atormenta deveras a
minha alma. Diz-me :

— Se queres consolar Jesus, não faças nenhum tratamento, olha que Ele não quer. Diz àquele fulano (e
chamou-lhe um nome feio) que não queres que ele venha cá mais.

Uma vez que o médico veio visitar-me e levou o carro por um caminho que não era costume, ele
conseguiu fazer-me sentir na minha alma um grande desastre ; o carro destruído e ele sem vida, todo em
pedaços. Ele batia palmas, dançava, dava gargalhadas e dizia-me :

— Olha a desgraça daquela casa ! Foi a recompensa que ele recebeu das suas vindas aqui.

Mas isto misturado com nomes feíssimos. Aproveitava todas as ocasiões de atormentar a minha pobre
alma. Nestes dias que a esposa dele esteve em perigos de vida, ele encontrou uma boa ocasião de me
fazer sofrer. Dizia-me a noite passada :

— A mulher daquele (e usava o mesmo nome feio) não tem vida até amanhã. Olha a recompensa que lhe
deste de tanto trabalho. Dizes que és poderosa : salva-a. Ele agora abandona-te, está convencido da
verdade.

Queria atirar-se a mim desesperado ; como estava preso, não podia. Mostrava-se então satisfeito com
gargalhadas, gestos maus e com palavras indecentes. Eu queria convencer-me que era falso o que ele me
dizia, mas era-me quase impossível. Ó cruz do meu Jesus, eu te abraço e te quero. Ó meu Deus, eu confio
em Vós, sou a Vossa vítima. O demónio não sabe o futuro : como pode ele dizer-me isto ? Confio em
Vós ; o que é dele é mentira. Jesus, é por amor que me deixo imolar, é por Vós e pelas almas que tudo
aceito. Custa muito mais a Vós verdes as almas irem para o inferno. Dai-me a Vossa força bendita : com
ela não temo o sacrifício.

9 de Novembro

A agonia da minha alma é extrema. O demónio não tem vindo com os seus combates. Foi por obediência
que eu disse a Jesus que até nova ordem não permitisse que ele viesse. Um dia antes de receber este
mandato já ele não veio ; eu não sabia a ordem que vinha, mas sabia-o Jesus, e obedeceu ― bendito Ele
seja ! ― em tudo me dá exemplo ! Oh ! Quem me dera imitá-lo ! Contudo, não deixa com todos os
rodeios o maldito de ver se consegue tirar-me a paz, levar-me ao desespero. Vem sobre mim como um
ladrão que assalta uma casa ; vem de repente e só para apanhar o roubo faz barulho. Não me toca, nem
usa as manhas do costume, é só com palavras e bafejos assustadores.

― Pecas quando tu queres ; queres mostrar-te virtuosa e obediente, e nada disso tens ; és a criatura mais
criminosa, odiada e amaldiçoada por Deus, condenada ao inferno. Eu cá te espero em breve ; hei-de
destruir-te esse corpo. Impostora ! Queres passar pelo que não és !

― Ó meu Jesus, só quero a Vossa vontade, tudo me faz sofrer. Que pavor sinto na minha alma ! A noite
em que estou mergulhada não deixa os meus olhos verem o azul do firmamento. Parece-me não existir
céu, nem Jesus, nem Maria. Ó meu Amor, vede a agonia que sinto. Eu quero dar-Vos tudo, tudo quanto
me pedis, mas ai ! meu Jesus, se eu tivesse vontade quando exigis de mim alguns sacrifícios, bem vedes
que é verdade o que Vos digo, preferia durante esse tempo estar no inferno. Não tenho querer, aceito ; o
que tu queres, meu Jesus, quero eu também. Se a minha vontade existisse, não escrevia mais letra a
dizer os sentimentos da minha alma nem de tudo aquilo que me dizeis. Gostava que morresse o meu
nome e tudo aquilo que em existe. São tantos os espinhos que me ferem ! O peso das humilhações
esmaga-me. É no meio disto que eu quero amar-Vos. Inventai, Jesus, maios para eu Vos amar. A ciência
humana tem para o mundo tantas invenções, e para o Vosso divino Amor não inventam eles nada !
Jesus, quero amar-Vos : ensinai-me, quero viver sempre no escola do amor. Aqui não posso, aqui não sei
amar-Vos, só no Céu, só no Céu eu compreenderei tudo, só lá poderei amar-Vos com o amor que desejo.
Quando chegará ele ? Quando será o dia da minha partida ? Quando será o dia que da morte passo à
vida ! Ó Jesus, não vo-lo peço, não quero faltar ao que prometi ; dai-mo quando Vos aprouver, mas dai-
me já amor, amor, amor que me queime e faça morrer de amor. Meu Deus, que distância me espera de
Vós !... As minhas misérias causam-me terror. Perdoai-me, dai-me uma confiança ilimitada, deixai-me
esconder para sempre em Vós para só a Vós ver e amar.

14 de Novembro

Para ditar os sentimentos da minha alma tenho que fazer violência sobre mim mesma. Parece-me que
vou esforçada para o lugar do martírio, que deveras me atemoriza. Mande-me a obediência, custe o que
custar, Jesus, aceitai mais este sacrifício.

Que dias angustiosos tenho passado. Não encontro Jesus nem a Mãezinha, por mais que os chame e vá à
sua procura. São variados os meus sofrimentos. Em algumas horas anda o meu espírito a vaguear pelos
ares sempre por entre as trevas mais aterradoras sem encontrar onde poisar para descansar um só
momento. Quer subir, subir, chegar ao Céu, mas não vê, não o encontra, já não existe. Não está lá Jesus
nem a Mãezinha, não ouvem o brado que os chama, não vêem as ânsias nem o martírio deste pobre
espírito. Ó meu Deus, tudo perdido ! Ó Jesus, para que é tanto sofrer ? Já não há Céu, nem almas para
salvar, tudo deixou de existir. Ó Jesus, sou sempre a Vossa vítima. Confio na Vossa existência, confio no
Céu onde estais e que a mim me espera para Vos amar e gozar. Tristes horas, tristes dias os do meu
viver. Ó santíssima Vontade do meu Jesus, quero-te, amo-te, abraço-te num abraço eterno. Transforma-
se a minha agonia. Horas horrorosas de triste confusão. Morre a minha alma. Ó horror, ó horror,
tremendo horror ! Meu Deus, como é isto ! Morreu a minha alma, morreu tudo o que me pertencia !
Foram as misérias, as maldades, os crimes vergonhosos do meu pobre corpo que lhe causaram a morte.
Sem alma, sem vida, sem nada como posso eu estar aqui ? A quem pertence esta dor, esta agonia ? Não
sei, Jesus. Ai, que triste confusão, é quase um desespero. Ó Jesus, ó Mãezinha, o que será de mim se não
vindes em meu auxílio ? Se me faltais Vós, quem poderá acudir-me ? Sangue de Jesus, dores da
Mãezinha, sede a minha força neste martírio ; estou nele por Vosso amor, estou nele pelas almas. Não
posso conformar-me com a morte da minha alma ; sinto querer revoltar-me contra Vós. Lembro-me os
condenados do inferno. O que será este martírio toda a eternidade ?

Horas da noite alerta numa união contínua com Jesus. As suas prisões de amor são as minhas prisões,
sempre consumida em ânsias de o amar. Tudo em silêncio e eu com Ele. Não estais só, meu Amor, eu
estou convosco, amo-Vos, sou toda Vossa. Com uma lâmpada a arder, fito o Coração Santíssimo de Jesus
e a Mãezinha querida ; peço-lhes bênçãos, graças e amor para mim, para os que me são queridos, até
para o mundo inteiro, por todos os quero amar. Falta-me a coragem, não tenho amor, e amar a quem ?
Aterram-me as minhas misérias. Que vergonha, que confusão ! O peso das humilhações cai sobre mim.
A minha alma sente as censuras, os rumores das tempestades lá ao longe. Caminho a custo,
atemorizada. Espinhos sem conta, uma chuva deles caiem sobre mim. Alma, coração e todo o corpo
ficam dilacerados, banhados em sangue. Olhei para trás, não vi o passado, todos os caminhos que trilhei
desapareceram. Meu Deus, que destruição ! Á minha frente uma medonha montanha ; impossível, não
posso subi-la, não posso recuar atrás nem ao menos um passo. De repente, senti-me cair de joelhos, de
mãos postas, olhos no alto invoquei o nome de Jesus e da Mãezinha. Gritei, gritei do íntimo da minha
alma. O meu brado não subia acima, escondia-se por entre os rochedos da montanha, ensopava-se no
meu sangue e nas minhas carnes retalhadas pelos espinhos para ali morrer comigo. A agonia da alma
aumentou, já não podia bradar. Sem sentir nenhum auxílio, com a aflição o coração bateu com tanta
força parecendo-me ir perder a vida. Oh ! É bem doce, meu Jesus, morrer por Vós ! Ou amar-Vos ou
morrer. Sofrer, sofre para Vos dar almas ! O divino Espírito Santo, nas horas mais aflitivas bate as suas
asas brancas e grandes como as de uma águia fazendo-me sentir uma aragem suavíssima e animadora.
Com o bico grande introduze-lo no meu coração como para o retocar e fortificar. Num destes momentos
segredou-me Jesus muito do íntimo :

― “Estou aqui, minha filha, no paraíso do teu coração, no ninho das minhas delícias. Sofre contente, que
é para Mim”.

Reanimei um pouco, parta quase logo desfalecer. As minhas comunhões, por maior esforço que eu faça,
não são aquilo que eu desejo ; não amo como queria amar, não sei falar a Jesus. Quando dum lado e do
outro vêm novos golpes a ferir-me, quando as provações uma e outra vez vêm bater-me à porta, caio
desfalecida. De repente levanto os meus olhares para Jesus e digo-lhe :

― É assim que eu aceito e quero o que Vós quereis. Como sou fraca, Jesus, tendo dó, a minha grande
miséria é digna de compaixão.

Retomo as forças e dou mais uns passos para diante. O demónio não me tem atormentado com os seus
ataques, mas atormenta-me com as suas mentiras e com palavras escandalosas. Vem perto de mim como
para me assaltar, ameaça-me :

― Hei-de destruir o teu corpo ― e acrescenta muitas coisas feias. Pecas como queres e quando queres.

Fingindo-se satisfeitíssimo bate palmas, dança e dá gargalhadas.


― Olha, fulano e fulano não voltam cá, abandonaram-te ; julgavam-te uma inocente e és... (e diz-me o
que há de pior).

Com novas gargalhadas diz-me :

― Proibiram-nos de vira aqui.

― Meu Jesus, não me deixa o pai da mentira ! É meu inimigo, mas também é Vosso. Necessito de
amparo, dai-me coragem, não me deixeis pecar. Sou pobríssima, dai-me a Vossa riqueza ; sou ceguinha,
dai-me a Vossa luz. Sou Vossa, Jesus, e sou das almas.

15 de Novembro

Voltaram os ataques do demónio. Nestas noites veio ele com toda a raiva e furor. Atormentou-me
deveras. O que ele me fazia sentir no corpo não o digo aqui. Dizia-me :

― Olha como estás, que esposa de Jesus ! Renuncia a isso. Diz-lhe que não és sua esposa. Olha que Ele
tem nojo de ti, não te quer.

Nomeava-me o nome de várias pessoas com palavras muitíssimo feias e dizia-me que era com elas que
eu queria pecar. Queria instruir-me no pecado.

― Vou consumir-te durante a noite. Hei-de destruir teu corpo. Podes viver do prazer como vives do
amor. Pecar é muito melhor ! Hei-de levar-te ao prazer.

A dançar, a dar gargalhadas, dizia-me :

― Olha, o Padre Humberto e o médico não voltam cá : foram proibidos de virem aqui. ― E acrescentava
nomes feios.

O demónio às vezes também fala verdade. O pressentimento do Rev.mo Senhor Padre Humberto estar
proibido de cá vir já eu o tinha há dias. A luta seguiu-se por espaço de muito tempo. Ele fazia tal ruído
mais forte do que uma tempestade. Assustava-me. Estava cansada de tanto lutar. Sempre que podia
chamava por Jesus e pela Mãezinha e dizia-lhes :

― Não quero, não quero pecar !

Veio Jesus em meu auxílio. Disse-lhe :

― “Aparta-te, maldito, vai para o inferno, deixa a minha vítima, já estou contente com a sua reparação”.

Ele fugiu espavorido. De longe a longe olhava para trás, revoltado contra Jesus. Fiquei tão triste ! Ao
principiar a minha preparação para comungar, veio-me ao pensamento a luta passada. Atemorizei-me.
Ai ! Como hei-de receber o meu Jesus ? De repente, tudo esqueci; pude recebê-lo e ficar muito unidinha
a Ele. Horas depois, ao ver os meus com alimentos que eu tanto gostava, senti saudades quase
insuportáveis de me alimentar com coisas que me soubessem. Calei-me, não disse nada, ofereci a Jesus o
meu sacrifício e as minhas saudades para reparar por aqueles que só têm saudades do pecado e se
alimentam com coisas que ofendem a Jesus. Era já quase noite, recebi notícias que mais me fizeram
acreditar nos sentimentos da minha alma. Meu Deus, que golpe profundo no meu coração. Não me foi
dito, mas levou-me a crer que havia proibição do Sr. Padre Humberto vir junto de mim. Eu dizia :

― Faça-se a vontade de Nosso Senhor. O que Deus quiser ; bendita seja a minha cruz.

Pude erguer as minhas mãos, rezei o Magnifiact em sinal de agradecimento.

― Ó meu Jesus, aceitai, mais tenho que Vos oferecer.


Senti uma força em meu coração que não sei explicar. Queria cantar e entoar hinos de louvor e
agradecimento a Jesus. Rezei as orações da noite com todo o entusiasmo e força. Haviam lágrimas,
muitas lágrimas junto de mim. Disse algumas palavras de conforto sem nada adiantar; via a meu lado
uma sepultura aberta para minha irmã, parecia-me ter sido eu quem cavei a terra, quem lha abri. Jesus,
sou eu quem estou a sepultar minha irmã, mas é sem querer. O coração então sangrava de dor, mas
sangrava profundamente. Ó Jesus, ó Mãezinha, tudo por Vosso amor e pelas almas. Fique eu sozinha,
deixem-me todos, mas não me deixeis Vós. Confio, confio.

16 de Novembro

Ó meu Deus, que tremendas são as minhas lutas com Satanás. Tanto me faziam sofrer as minhas
dúvidas e ainda agora mais outras causadas por ele. Veio furioso contra mim. Que ruídos assustadores à
minha volta. Usou das suas malícias infernais, fez que eu sorrisse ao pecado e às pessoas cúmplices nele.
Não lhe dei palavra. Chamava por Jesus sempre que podia, jurei-lhe não o querer ofender.

― Amar-Vos, amar-Vos, meu Jesus, esconder-me em Vós, em Vós desaparecer para sempre ; sou a
Vossa vítima : amar-Vos sempre, pecar não.

O cansaço da luta levou-me às portas da morte. E o demónio sem compaixão usava das suas maldades
cada vez mais furioso. Tantas coisas que desconheço, tantas que nem por um só momento me vieram ao
pensamento. Lança-me tudo em rosto pondo-me por a mulher mais desgraçada do mundo. Esgotada de
tanta luta, senti no coração uma dor como se me dessem uma facada. O coração que tanto tinha
palpitado de aflição deixou de respirar, ia perdendo a vida. Não vi Jesus nem o ouvi ; senti na minha
alma a sua divina presença. Fez com toda a autoridade ao demónio sinal para ele se retirar ; e ele a uivar
fugiu desesperado. Ele não chega a tocar-me, ser-se das suas manhas. São tão grandes e tão graves, meu
Deus, se o mundo as conhecesse não Vos ofendia tão gravemente.

Terminada a luta, ficaram as dúvidas, tremendo receio de ter pecado. Um susto se apoderou de mim.
Com os pressentimentos que tinha que tanto me faziam sofrer, espero com ansiedade o Sr. Abade, a ver
se ele me dizia que lhe tinham dado ordem para não voltar a dar-me Jesus. Chegou e nada disse, mas o
receio continua. Virá ainda isso, meu Jesus ? Tudo me roubam, só faltais Vós. Também tentarão retirar-
Vos de mim ?

― Ó meu Deus, tudo mereço pelas minhas maldades e misérias. Eu estou certa, meu Jesus, confio que se
assim procederem, Vós suprireis por outra forma ; bem sabeis que só vivo para Vós.

Chegou o Sr. Padre e uma família de Mogofores. Custou-me muito ; novos espinhos me feriram ao ver
que não vinha aquele que tão bem compreendia a minha alma. Procurei esconder a minha dor com o
sorriso. Manifestei os meus pressentimentos. Procuraram esconder o mais que puderam. Compreendi
tudo. Na despedida, não sei dizer que dor, que golpe tão profundo. Senti em mim umas santas saudades
pelo roubo que me tinham feito pela maldade dos homens. Tudo entreguei a Jesus, para todos pedi
perdão e o seu divino Amor. Vontade do meu Deus, oh ! Como et te quero e te amo ! Senti-me mais forte
e assim pude continuar a encobrir com o sorriso a dor que me ia na alma, que me fazia despedaçar. Meu
Jesus, tudo por Vós ! Vós ainda sofreis mais !

18 de Novembro

Se eu não tenho vida, o que é que sofre ? Se eu não existo, porque me perseguem ? Meu Deus, meu Deus,
sinto que morri e estou aqui. Sinto que passei para a eternidade e estou no mundo. Ó vida, minha triste
vida. O demónio não me deixa. Neste último ataque parece que redobrou a sua malícia.

― Pecas quando eu quero, como eu quero e levo-te aonde quero. Olha que vida tu tens ! Que vida de
sofrimentos, quando podias gozar. Desengana-te, olha que Deus não te quer, abandonou-te, odeia-te, tu
és minha : podes pecar à vontade.
Dava-me as suas falsas e vergonhosas lições. Prometia o mundo como recompensa pelos crimes. Sem lhe
dar resposta, eu dizia a Jesus :

― Ainda que me desse o mundo por um só pecado, não o queria, meu Jesus, ainda que soubesse que não
me condenáveis, que não me pedísseis conta, não, meu Jesus, nem uma leve falta : o Vosso divino Amor
não o merece. É por amor e não por temor que eu não quero ferir-Vos nem desgostar-Vos na mínima
coisa.

Eu parecia-me um trapo imundo debaixo das manhas de Satanás. A fúria atingiu toda a altura. Clamei
muitas vezes : Jesus, Jesus, Mãezinha ! De repente Ele apareceu, serenou a tempestade sem me pôr a
sua divina Mão, senti que foi só o seu Sopro divino que docemente me levou às almofadas. Uma doçura e
suavidade suavizou o cansaço do meu corpo, a dor da minha alma e deu-lhe uma grande paz. Já muito
calma e serena, na posição de costume, disse-me Jesus :

― “Eu vi, minha filha, Eu assisti, tu não pecaste, deste-me toda a consolação. Só dum anjo em carne, só
duma virgem pura, pura, inocente, inocente, inocente posso exigir esta reparação, a maior das
reparações. Amo-te, amo-te, minha pomba querida”.

Fiquei numa suavidade e par serena. Adormeci por um pouco, parecia-me dormir com Jesus para agora
combater com as minhas dúvidas, tristezas e amarguras. Ó dor bendita, quanto te amo ! Em ti só vejo
Jesus e as almas !

21 de Novembro

Vou ditar o que me vai na alma para obedecer e não para satisfazer os meus desejos. Tenho sempre
diante de mim a enormidade das minhas misérias passadas e receio sempre novas quedas. Que horror
para mim ver sempre o que tenho sido. Como posso eu, só miséria, dizer alguma coisa ? Tristes, bem
tristes são estes pensamentos e receios. A minha confusão aumenta por me ver de mãos vazias, sem ver
nada de bem do tempo que já lá vai. Vou para a presença do meu Jesus sem nada, mesmo nada ! Meu
Deus, e sem vida para praticar o bem, e sem possuir amor para Vos amar. Só para amar e praticar o bem
é que a vida é breve, “ que a não sinto, é que a não tenho. Para ir para Vós, ó Jesus, para amar-Vos e
bendizer-Vos eternamente, uma hora é uma eternidade. Como posso estar aqui ? A minha vida fugiu
para o alto e de lá contempla o lugar onde deixou este pobre corpo enquanto que ele pertence não sei a
quem, enquanto que ele vai lutando e sofrendo sofrimentos que só por alto sei exprimir. Vêm de dentro
de mim ondas de fogo, fogo abrasador ; sinto até queimar-me a língua. Quantas vezes peço para me
levarem aos lábios um pouco de água a ver se consigo saciar minha sede. Impossível : os ardores dela
continuam, e quantas vezes mando retirar a água sem a poder engolir. Oh ! quanto sofrem os
condenados do inferno !

Nestes três dias, só de domingo para segunda, fui atormentada pelo demónio violentamente. Usou das
maldades e palavras feias do costume. Vi talvez dúzias deles à minha frente, em forma de esqueletos, e
tinham junto a eles lugares feíssimos do inferno. O malvado para persuadir-me do que me dizia e fazia
sentir, afirmava-me que não era ele só que fazia mal, mas que eram muitos ; que ia ser uma noite de
pândega e de gozo ; e depois daquele combate seguiram outros, a um por um. Foi muito demorado :
estava banhada em suor. Bradei tanto ao Céu. Parecia-me tal sofrimento nunca mais acabar ; e assim o
diziam as ameaças que eu ouvia. De repente não sei por ordem de quem, desapareceram todos. E eu, por
espaço de muito tempo, repeti se cessar :

― Ai Jesus, ai Mãezinha ! Meu Deus, se aqui me aliviam, ali me ferem ; se aqui me amparam, ali me
deitam por terra.

Sinto continuar ao longe horrores de tempestade. Sinto corações revoltados contra mim, tentam matar
meu nome, tentam matar tudo que em mim existe. Enquanto que dentro destas pobres paredes eu sofro
a mais não poder. Anda o meu nome a correr mundo como folha que a tempestade arrastou. Sou
humilhada, sou enxovalhada, sou perseguida e caluniada. E por quem, meu Jesus ? Bem sabeis por
quem. É por Vós, só por Vós e pelas almas. Sinto este corpo numa massa de sangue, sinto-o entre duas
montanhas no meio das quais é esmagado até desaparecer reduzido ao nada. E o brado de aflição não
sobe ao cimo das montanhas. Meu Deus, tudo morto, tudo perdido ! E eu sozinha, sem ter ninguém. Não
há um raio de luz que vá penetrar entre essas duas montanhas no lugar do suplício. Quem poderá valer-
me ? Não há ninguém. Se houvesse e eu pudesse, iria de joelhos a pedir socorro e que tirassem do
cativeiro aquele que tanto sofre e que tanta falta me tem feito e faz. Ai, quanta luz eu teria recebido e
quanto amor Jesus de mim a mais possuiria ! Se eu pudesse, iria de joelhos junto daqueles que me fazem
sofrer e perguntava-lhes :

― Onde vos ofendi ? Como vos ofendi ? Dizei-me em quê, e perdoai-me ; e se não vos ofendi, porque me
tratais assim ? Por que razão me feris tanto ? É preciso não ter coração.

Perdoai-me ó Jesus, e perdoai a todos porque não sabem o que fazem. Se soubessem, não procederiam
assim. Ai, Jesus, tende dó de mim, parece-me não poder mais.

Há um mês que não me confesso ; a minha alma tem fome, necessita da graça da absolvição. Meu Deus,
meu Jesus, compadecei-Vos da agonia da minha alma, compadecei-Vos deste corpo que não é corpo e
parece que não é meu. Mergulhada nesta dor de que dou uma pequenina ideia, esmagada com o peso de
todos os sofrimentos sem poder respirar, num abatimento que nem podia, nem me lembrava de pedir
socorro ao Céu.

Foi de noite, não sei a hora, vi a meu lado a Mãezinha de Fátima ; nã se demorou, não me falou. Senti
que Ela veio mostrar-me que não estava sozinha, que Ela estava a meu lado. Libertada destas tristes
amarguras, entrou em mim uma suavidade, pude adormecer. Os homens podem fazer tudo, podem
sentenciar-me conforme os seus juízos, o que não podem é priva-me destas visães, privarem-me de amar
a Jesus, tirarem-me a minha união com Ele, nem arrancarem-me do meu coração a união com aquelas
que Ele, e só Ele, permitiu, que Ele e só Ele colocou neste coração tão pequenino no amor, mas tão
grande nos desejos de o amar e nas ânsias de só a Ele pertencer. Todos estes sofrimentos, que só Jesus
conhece a dor imensa que me causam, só Ele os vê e compreende deveras, fazem nascer dentro em mim
novos desejos, profundas ânsias se só para Jesus viver, de só a Ele pertencer e a Ele só amar. O peso da
dor faz rebentar em meu coração tão vivos e amantes desejos de caminhar por entre espinhos e procurar
Jesus e as almas como o trovão com o seu estrondo estremecedor faz rebentar as águas na profundidade
da terra. Sofro ? Não importa. Amo Jesus : isso me basta. Pedi para me colocarem sobre o meu peito,
amparada pela minha mão a açucena que me foi oferecida para levar para a sepultura. Senti-me tão
alegre e ao mesmo tempo umas saudades quase insuportáveis de ver chegado esse dia, o dia da minha
verdadeira felicidade, da minha verdadeira vida.

Nesta manhã, ao receber o meu Jesus, senti-me tão abrasada no seu divino Amor, tão unidinha a Ele e
tão a sós com Ele, desabafei as minhas mágoas. Pedi-lhe, como de costume, que não queria enganar-me
nem enganar ninguém. E Ele tão terno, tão cheio de compaixão por mim, disse-me muito baixinho :

― “Nunca, nunca, minha filha, consentirei que te enganes. O que te digo é para vos animar e provar que
eram esses os meus desejos. O meu tempo é breve ; é por isso que te digo ‘em breve’ e é em breve que as
minhas divinas promessas hão-de realizar-se ; o que te digo, é assim que eu quero : os homens é que vão
contra a minha divina vontade. Eu venço e hei-de triunfar sobre eles”.

― Aceitai, meu Jesus, as minhas lágrimas : hoje não pude vencer-me. Foram lágrimas de amor e de dor
pelos meus pecados. Aceitai a minha dor por todos os que a não têm, aceitai as minhas lágrimas por
todos os que deviam chorar as suas culpas e não as choram. Entrego-me à cruz para sofrer e ao Vosso
divino Amor para Vos amar.

23 de Novembro

De dentro de mim sai um brado de profunda aflição e extrema agonia. Não sou ouvida. De mãos
levantadas ao Céu uma e muitas vezes imploro socorro. De nada valem os meus brados. Não existe quem
possa compadecer-se da minha agonia. Aterrorizada, louca de dor, sinto-me no cimo da mais alta
montanha, sem ver nada, porque a escuridão é de densas trevas, continuo : Socorro, socorro ! Socorro de
onde, se nada existe, tudo é morte na terra e no Céu ? A minha alma chora, chora sem cessar, uma dor
indizível que não pode explicar. Fitei o Coração Santíssimo de Jesus e exclamei :

― Ó dor, ó dor que não és compreendida ! Mas não me importa, meu Jesus, basta ser compreendida por
Vós, não pelo prémio que me dais, mas sim para Vos aproveitardes do meu sofrimento para a salvação
das almas.

Ao sentir que o meu corpo já não podia sofrer mais e como sentia a alma muito ferida pelo muito que me
fazem sofrer, tive este desabafo com a minha irmã :

― É preciso não terem coração para me fazerem sofrer assim em cima de tanto sofrer.

Referia-me aos sofrimentos dados à alma em cima de tão grande martírio do corpo. Meu Deus, que
estou eu a dizer ? Como posso falar da minha alma se ela já morreu ? Como posso falar do meu corpo se
ele já desapareceu, nem cinzas existem ? Quem fala, Jesus ? Quem sofre ? Quem vive aqui ? Falais Vós,
sofreis Vós, viveis Vós, só Vós, meu Amor. Ai, meu Deus, não posso pensar nisto, não posso aguentar
estes tristes sentimentos. Aguentai, Jesus, aguentai por mim.

O demónio trabalha com canseira num ataque aterrador para persuadir-me que o que sentia era
verdade, dizia-me que eram mil demónios num só, que só assim podia ser. Acrescentava coisas muito
feias.

― Não queiras ser vítima de Jesus, entrega-te a mim por vontade e por amor. Eu não te faço sofrer como
Ele, comigo só terás gozo, sempre gozo. Olha como tu pecas.

Oferecia-me a Jesus o mais que podia e ele então mais se enfurecia contra mim. Afirmava-me nunca me
deixar, mas sem saber como, fugiu deixando-me banhada em suor e como que o meu corpo desfeito. O
último ataque terminado quase à meia noite. Eram oito horas e meia, estávamos a rezar em família ;
dum e do outro lado eu ouvia à minha volta assobios desesperadores. Conheci que eram assobios
infernais ; fiquei assustadíssima. Pouco depois de terminadas as orações, formou-se à minha frente por
entre chamas, uma dança de demónios. Eram tantos como chuva ; todos dançavam, mas só um falava
dizendo-me o que há de mais feio e vergonhoso. Nas horas dos combates tudo sei, tudo conheço, tudo é
malícia, tudo é horror. Depois desconheço as coisas, ficando-me o temor de ter pecado, a lembrança da
presença de Deus e de ter de comungar. Meu Deus, e nem um sacerdote para me ouvir de confissão.

As manhas de Satanás mudaram-me de posição. Um banho de suor ensopou-me a roupa, não podia
estar mais tempo assim, não tinha força para pedir que me dessem outra posição.

― Jesus e Mãezinha, valei-me.

Veio Jesus e disse-me :

― “Vem cá, minha filha, Satanás odeia-te, mas Eu amo-te. Satanás persegue-te, e Eu venho em teu
auxílio. Amo-te, és minha filha, és minha esposa, és minha amada. Sabes porque te odeia e persegue ?
Pelas almas que me dás. Anda, meu encanto, vem descansar”.

Fiquei na posição do costume por espaço de muito tempo sem poder descansar, mas com muita paz,
unidinha a Jesus e a pedir coisas à Mãezinha.

26 de Novembro

Que vida é a minha, Jesus ? É Vossa ou a quem pertence ? Não posso aguentar o sofrimento que me
causa a morte da minha alma ; não posso estar aqui sem ela : não compreendo, não posso convencer-me
desta separação. Esta perda que eu sinto causa-me uma dor de enlouquecer. Triste penar o meu ! Corro
o mundo por entre trevas a bradar sempre : Socorro ! Socorro ! Não vejo nada, não encontro ninguém,
não sou ouvida, parece que só eu existo aqui. Tanta vez invoco o nome de Jesus e o da querida Mãezinha.
Tanta vez quero levantar os meus olhos para o Céu : Me Deus, falta-me a coragem. Jesus não me ouve.

E como pode a Mãezinha ouvir-me e atender-me assim tão manchada como estou ? Posso eu atrever-me
a levantar os olhos à Pátria celeste da sua habitação para de lá receber algum alívio ? Triste confusão a
minha ! Ai, meu Jesus, todo o meu ser é despedaçado. Não tenho coragem, meu Jesus, ai de mim, não
posso estar na Vossa divina presença, coberta de maldades e crimes como estou. Se uma vez ou outra de
repente me passam pelo pensamento alguns do títulos que me dais é para meu maior tormento, é só
para minha maior vergonha e confusão. Como, Jesus, como podeis falar assim à mais indigna das Vossas
filhas, a este abismo de miséria ? Quero redobrar a minha confiança em Vós, confio cegamente. O que eu
quero é amar-Vos ; e confio que Vos amo sem sentir amor, sem sentir um coração para Vos amar. Creio,
creio, meu Jesus ! Vós desprendeis-me de tudo e de todos. Faça-se a Vossa divina vontade. Deixei de
sentir em mim a presença do divino Espírito Santo. Tudo isto me causa maior horror. Tudo desaparece,
tudo foge de mim, até as próprias criaturas. Quero resistir a tanta dor, e desfaleço, não posso. Para Vos
dar maior consolação, ó meu Jesus, quero sofrer em silêncio, sozinha, sem desabafo a não ser convosco.
Ofereço-Vos o sacrifício de calar e sofrer ; fico indiferente a sentir que não Vos dei a mais pequena
consolação. Ó minha vida, ó minha cruz, quero-te, amo-te porque creio que em ti está Jesus. Jesus,
Jesus, vede esta dor, vede este pobre ser a lutar, a lutar sozinha no meio do mundo. Olhai este coração
que grita e chora, vede esta dor que despedaça mundos e mundos. Hoje no fim de comungar principiei
logo a desabafar com o meu Jesus. Vede a minha agonia, vede a minha dor, vede este coração que tanto
deseja amar-Vos, vede e compadecei-Vos de mim, meu Jesus. Dizia isto para desabafar, para alívio do
meu penar e não com o fim duma resposta ; nem nisso pensava. Mas Jesus, primeiro que tudo,
incendiou-me o coração em chamas abrasadoras, parecia-me arder todo o meu peito ; e logo principiou a
falar-me meigamente :

— “Minha filha, a tua agonia é a minha alegria, a tua dor é a minha consolação, as tuas lágrimas são os
meus sorrisos pela alegria e reparação que me dás. Coragem, filhinha, nada temas. Coragem para todas
as provas que vierem e possam ainda vir. Tens o teu Jesus, que podes temer ? Tens graça, tens força para
combateres e venceres milhares e milhares de mundos. A vitória é minha, só minha. A glória é minha e
dos que cuidam do que é meu”.

Fiquei com mais força, com mais alento ma minha alma. Foi pouco duradoira. Depressa voltei ao mesmo
penar. Espinhos dum lado e do outro, rumores de tempestades, um sentir de alma como se elas nunca
acabassem, ânsias de ir para o Céu e ao mesmo tempo temor à morte. Não sei, mas parece-me que este
medo de morrer é o mesmo que me causa a lembrança de viver na presença de Deus. Penso se será efeito
dos ataques do demónio. Parece)me mentira ele deixar-me dois dias e duas noites em paz ; será depois
para maior tormento. Seja o que Jesus quiser : o que eu quero é não pecar.

27 de Novembro

O dia de hoje raiou lindo ; só para a minha alma era triste, muito triste. Que tremenda escuridão !
Tristes lembranças me atormentavam. Os sentimentos de alma teimosos não me deixavam sossegar,
esperava-os novos acontecimentos. Quando o Sr. Abade me deu Jesus, fitei-o a ver se ele movia os lábios
para me dizer alguma coisa ; a alma sentia-o : havia alguma (coisa) de novo. Já há dias que eu ocultava
os pressentimentos que tinha, dando por necessidade ao escrever uma pálida ideia de tudo o que sentia ;
fazia assim para não fazer sofrer minha irmã. Sofria em silêncio, fitando Jesus e a Mãezinha,
desabafando só com eles. O Sr. Abade nada me disse. Dei graças a Jesus friamente, embora os meus
desejos fossem de me abrasar até morrer queimada no amor de Jesus. Passavam-se as horas e eu sempre
na minha profunda tristeza e amargura. Meu Deus, queria morrer para tudo. Aí vem a sexta-feira e o
primeiro sábado, dois dias em que me falais. Há tantas almas que nada disto conhecem e ama-Vos, e são
santas ! E eu, meu Jesus, que miséria ! Podia amar-Vos e desconhecer tudo isto. Ah ! se eu tivesse
querer ! Mas não tenho, meu Jesus, nem o quero. Para mim é um duro tormento Jesus dizer-me
quaisquer palavras para outras pessoas. Tem-nas dito para algumas pessoas, não para muitas. Eu não
sou capaz de as dizer às pessoas a não ser por escrito e se por algum motivo sou obrigada a fazê-lo, faço-
o com enorme sacrifício. Se não é necessário, nunca digo : Olhe que Nosso Senhor disse... ou outras
frases quaisquer. Nem com minha irmã tenho essa liberdade ; não a posso ter, tenho vergonha. Quando
Nosso Senhor me diz palavras de queixumes de algumas pessoas em geral, sem nomear os nomes,
quando estou a ditá-las estou tão tímida, queria ocultá-las, queria dizer menos, assim como quando me
diz a mim palavras de louvor. Que vergonha, meu Jesus, só Vós podeis e sabeis avaliar quanto tudo isto
me faz sofrer.

Eram duas e meia da tarde, senti passos ; ainda sem ver, conheci que era o Sr. Abade. Quando o vi
sozinho, sem vir apresentar nenhuma visita, pensei logo que era chegada a hora de novas provas. Entrou
no meu quarto, sentado a meu lado, principiou a interrogar-me quem era o meu director, etc. Disse-me :

— Faço isto por ser obrigado, custa-me dizer-to, mas tem paciência, tem que ser até que sejam dadas
novas ordens, até que seja levantado isto. Não te podes mais confessar ao Sr. P. Humberto, não posso
deixá-lo trazer-te Nosso Senhor sem que ela traga uma licença escrita do Sr. Arcebispo.

Respondi-lhe serenamente :

— Obedeçamos, Sr. Abade. Louvado seja Deus, bendito Ele seja !

Perguntou-me se eu sabia porque o Sr. P. Humberto aqui tinha vindo. Respondi-lhe que não sabia.

— Mas ele é teu director ?

— Confessei-me a ele duas ou três vezes.

Depois de reflectir vi que tinham sido pelo menos quatro, mas não disse de menos por maldade.

— Não costumo fazê-lo, mas vi que ele compreendia muito bem a minha alma, e confessei-me. Mas o
meu confessor, o Sr. P. Alberto, bem sabe eu que me confessei com ele.

— Mas é teu director ?

— Tem-me dirigido. Mas disse que não queria de forma alguma meter-se, pôr os outros de parte. Isto
era, o meu director Rev.mo Sr. P. Pinho e o confessor Rev.mo Sr. P. Alberto e que achava bem ele saber
que eu me tinha confessado com ele.

O Sr. Abade cheio de caridade para comigo, disse-me :

— Ele pode vir aqui como visita e aconselhar-te por escrito.

Terminado o interrogatório, retirou-se. Logo alguém da minha família entrou no meu quarto a
perguntar-me o que havia de novo. Respondi a sorrir :

— São miminhos de Jesus.

Continuei a sorrir porque durante todo o tempo em que fui interrogada sentia em mim uma força tão
grande que tudo pude recever com resignação e alegria. Sentia-me tão forte que me parecia não haver
espadas, setas nem espinhos que me pudessem ferir. Bem pouco tempo durou esta força. Pude com ela
ainda dar à minha irmã algumas palavras de conforto :

— Não te aflijas, se Deus (é) por nós quem contra nós ? Jesus é digno de todo o nosso amor ! Seja tudo
pelas almas !

A pouco e pouco fui desfalecendo debaixo do peso da dor ; o coração por duas vezes me falhou,
parecendo-me perder a vida. Algumas lágrimas de resignação deslizaram pelas faces ; ofereci-as a Jesus
como actos de amor. Meu Deus, eu por graça Vossa não tenho apego a nada do mundo, nem às
criaturas ; o que eu quero é receber-Vos, meu Jesus, mas não me importa ser este ou aquele sacerdote,
Vós sois sempre o mesmo Jesus, sois Vós sempre o suspirado da minha alma. É verdade que ela
necessita de luz e de quem a compreenda. Tiram-me tudo ! Faça-se a Vossa Vontade ! Ficai Vós, meu
Jesus, e isso me basta.

Chegou o médico junto de mim ; desabafei com ele. Animou-me muito, como sempre. Ao despedir-se de
mim, disse-me :

— Então, fica com muita coragem ?

— Fico, sim, Sr. Doutor, mas eu tenho coração para sofrer ; se eu o tivesse também para amar !

Falei assim porque sinto não ter coração para amar o meu Jesus a queria morrer de amor por Ele.

Com o terminar do dia, rezei por duas vezes o Magnificat ; foram actos de agradecimento ao meu Jesus
por me ter dado um dia cheio dos seus miminhos, por me ter dado mais meios de o poder consolar e dar-
lhe provas do meu amor para com Ele e para com as almas.

— Sinto, meu Jesus, que não param aqui as minhas provas. Venha o que vier, sede sempre comigo.
Confio, confio, espero em Vós.

30 de Novembro

Passa um dia, passa um ano, passa outro e eu cada vez em mais sofrimentos. Não sei como se pode
sofrer assim, como se pode resistir a tanto. Não quero dizer, nem posso dizer que sofro, pois não sou eu
que sofro, é Jesus que sofre em mim. A minha alma morreu, mas sente a dor ; sente-se rasgada, ferida e
destruída. Morreu, não é minha, não sei para onde foi. Do meu corpo até as cinzas se apagaram e
desapareceram, mas mesmo assim, sente que o coração está numa bolsa de espinhos, é um sedeiro deles.
O mundo esmaga essa bolsa a tal ponto que só ficam os espinhos. Nem coração, nem sangue, nem nada.
Ai, meu Deus, quanto custa esta separação da alma do corpo. Quanto custa não ter vida e sentir dor.
Tudo foge de mim, não sinto a presença do Espírito Santo, não sinto amor a Jesus. De longe a longe
tenho ânsias de O amar ; são ânsias, é um amor que nasce para logo morrer. É um fogo que destrói
amortecido, não se vê sinal de labaredas.

— Ó dor que matas o amor ! Ó dor, que quem és tu e por quem sofres ? Jesus, estou no cimo do Calvário,
pregada na cruz.

Não cessa o meu pavor e o meu brado. Pobre de mim ! Mas não é ouvido, é abafado pelo zunir dos
ventos, pela fúria das tempestades que não cessam, continuam sempre. É abafado pelos gritos da
humanidade que contra mim se revolta. No alto da cruz não posso levantar os olhos para Vós, meu
Jesus, tenho vergonha e parece-me não ser por Vós também ouvida. O peso das humilhações tudo abafa
e esmaga. Sinto que perdi na terra toda a alegria e conforto. E do Céu, meu Jesus, sinto que nada recebo
também. Quero confiar, meu Jesus, e confio, mas parece-me que da minha Pátria nado posso esperar.

Ontem ao receber-Vos, depois de pedir-Vos tantas coisas, ia a pedir-Vos também o alívio da minha dor ;
recordei-me a tempo : não pedi. Vós que me dais o sofrimento não podeis faltar-me com a força e graça
precisa. Consolai-Vos, então, Jesus, consolai-Vos sempre. Ó meu Deus, perdoai-me os meus desabafos.
Num desânimo cheguei a pedir ao meu médico se podia fugir daqui para fora, para onde nunca mais se
soubesse de mim. Meu Jesus, não queria sair para fugir à dor, bem o sabeis, queria fugir para ficar
esquecida, para não ser estorvo das almas, para as não trazer em desassossego como alguém afirma. Eu
não peço vingança para os que me fazem sofrer, eu desejo para todos o que desejo para mim : a maior
graça, o amor maior. Não são palavras saídas só dos meus lábios, saiem-me do coração e da alma. Sofro
da parte dos homens, sofro da parte do demónio. Que violento combate. Apareceu-me de noite na figura
de bichos aterradores que eu desconheço. Apareceu-me também na figura duma serpente medonha, de
boca aberta, a língua fora rastejando pelo chão. Veio até perto de mim, ficou retirado talvez dois palmos
de distância. A par comigo abriram-se barreiras fundíssimas, negras, assustadoras. De entre elas
abriam-se também vulqueirões de fogo, labaredas negras subiam a grande altura. No meio delas
estavam muitos demónios atormentando as almas, dando-lhes maus tratos que o maldito na mesma
ocasião com suas manhas me dava a mim. Ele afirmava tocar-me, mas parece-me que posso jurar que
não : eram só as suas manhas infernais. Falo assim agora, mas no momento da luta parece-me ser
verdade tudo quanto ele diz. Por obediência quis expulsá-lo, tinha licença do confessor para o fazer.
Lembrar-me, bem me lembrei, mas fazê-lo, não foi para mim. Parecia-me que ele me obrigava a
dizer : — “Quero pecar, quero gozar”. Mostrando-me a luta das almas no inferno, dizia-me :

— É ali que estás condenada, é ali o teu lugar. Agora pecas com esta e com aquela pessoa.

Passado algum tempo, já nomeava outras pessoas sempre no meio de nomes feios e palavras
escandalosas. Terminada a luta, já quando eu podia recorrer ao Céu, chamar por Jesus e pela Mãezinha
e renovar a oferta de vítima e dizer : — “Não quero pecar, não quero pecar”, ele dançava, batia palmas e
às gargalhadas dizia :

— Não queres pecar desde que já pecaste ; desde que estás satisfeita “ que recorres a Deus.

Eu sem lhe dar atenção repetia sempre : — “Não quero pecar ! — Disse-me Jesus :

— “Não pecas, não, minha filha. Posso lá consentir ser ofendido por uma esposa minha ? Alegra-te, não
me ofendes, isto é a reparação que te peço ; diz que a quero, que necessito dela”.

Com a voz de Jesus o demónio desapareceu e eu fiquei em paz, muito em paz.

Hoje vieram novos espinhos ferir-me. Ó meu Deus, quantos estragos deu a tempestade que me tendes
feito sentir. Vi ao longe, vi tudo. Tanta maldade ! Mas talvez sem querer, irreflectida. A minha amargura
chegou ao extremo : queria respirar, e não podia. Tanta calúnia, tanta perseguição, uma humilhação
contínua. Voltada para o Sagrado Coração de Jesus, já não o via porque era noite e se não fosse, talvez o
não visse, com as lágrimas que me bailavam nos olhos e deslizavam pelas faces. Chorei, chorei, ao
mesmo tempo que lhas oferecia, disse-lhe ;

— Ó meu Jesus, nunca, nunca procurei enganar criatura alguma, nunca me veio ao pensamento fazer o
bem para lhes agradar ou passar por ser boa. Nunca me veio ao pensamento a tentação de enganar-Vos,
meu Jesus. Sei que era impossível, mas bem sabeis que nunca tal me lembrei ; não quero passar pelo que
não sou. Por graça Vossa conheço a minha miséria, sou má por minha culpa, só por minha culpa, e por
Vossa misericórdia confesso humildemente que o sou. Nunca veio ao meu pensamento servir-me de Vós
para remediar os meus males ou os dos meus, a não ser implorar o Vosso auxílio e confiar sempre que
tudo remediáveis. Jesus, vede a agonia da minha alma. Estou em paz porque tudo o que Vos digo é
verdade, bem o sabeis. É a Vós que hei-de dar contas e não ao mundo ; a sentença dele só serve para
fazer-me sofrer, mas não para condenar-me. Se eu pudesse, meu Jesus, se eu pudesse descer da minha
cama, passar a noite no chão do soalho duro para fazer penitência e implorar as Vossas divinas graças
para todos aqueles que sofrem por minha causa ! Se eu sofresse sozinha ! Custa-me tanto sofrerem
aqueles que me são tão queridos e a quem eu tanto devo pelo que têm feito por mim. Parece-me uma
ingratidão, meu Jesus. Remediai Vós tudo isto e compadecei-Vos da minha dor ; estou louca com ela,
banhada em sangue, despedaçada. Nestas horas de tanta angústia, posso dizê-lo, é bem verdade :
venceis Vós, vence o Vosso amor. Por mim não podia, desesperava. Já só com o pensamento pude rezar
o Magnificat. Tinha tanto que agradecer ao Senhor ! Foram tantos e tão grandes os miminhos ! Aceitei-
os por Jesus e a Jesus os ofereci. As almas, as almas têm que ser salvas. Quero dar ao meu Amado esta
consolação.

1º de Dezembro – Sexta-feira

Durante a noite fui assaltada pelas manhas do demónio. Aflige-me muito ; aterrou-me ; a sua linguagem
foi vergonhosa, assim como as acções e conselhos. Lutei, lutei com as suas artes. Ele afirmou-me bem eu
que pequei. E eu durante a luta dizia para Jesus :

— Como posso estar eu em tão grande fogo sem ser queimada ? Pecar não quero, meu Jesus.

Quis de novo expulsar o demónio, mas não foi para mim ; nem uma só palavra pude dizer. Ele estava
raivoso, com a maior fúria ; não sabia como libertar-me dele. Jesus não veio, ou antes, não o sentia nem
o via. O que sei é que ele de repente retirou-se enquanto que eu fiquei a dizer :

— Jesus, pecar, não !

Este brado moribundo penetrou tanto em meu coração e ecoou em meus ouvidos, que já lá vão quase 24
horas e ainda ouço e sinto no coração a dor que me causou. A cada momento passa pelos meus ouvidos
esta voz dorida : — “Jesus, pecar, não !”

Fiquei num grande desalento, num profundo pesar a parecer-me que tinha ofendido o meu Jesus. E
nesta amargura passei o dia de hoje. Juntou-se mais a dor de ser sexta-feira. Ó meu Deus, não posso
recordar-me : que medo eu tenho ! Veio a madrugada. Sentia-me numa prisão, triste, cansada, cheia de
medo e vergonha. Mais tarde, de mãos presas e a cabeça a parecer que sangrava com a dor e ferimentos
dos espinhos, parecia-me que era levada a correr ruas. Grande multidão de curiosos olhavam-me, uns
com dó, outros com desdém. Ouvia a burburinho do povo ; ruídos enormes. Sentia-me sozinha. Olhei a
Jesus crucificado, julguei-me abraçada à Cruz e disse-lhe :

— Meu Jesus, que importa que todos me deixem, se me ficais Vós ? Se Vos possuo e estais comigo, não
estou sozinha.

Já de tarde sentia-me na Cruz ; a alma cravada com o corpo, ambos na mesma dor e agonia. A alma
levantava os olhos ao Céu, nada via a não ser dor e morte, nada podia dizer a Jesus. Ele veio, e veio cheio
de amor.

— “Vem, minha filha, louca de dor e amor, ao meu encontro. É dor que salva as almas, é loucura de amor
por mim. Se o mundo conhecesse esta vida de amor, esta união conjugal de Jesus com a alma virgem,
com a alma que escolhe para sua esposa ! Mas não conhece, e porque não conhece, calunia-a, despreza-
a, persegue-a. Ó minha pomba bela, tu és esposa e és mãe, mãe que não deixa de ser virgem ; és mãe dos
pecadores, são filhos da tua dor, filhos do teu sangue que vais perdendo gota a gota, filhos do teu amor.
Minha filha, lá do Céu muitas vezes ouvirás da terra muitos pecadores chamarem-te, aclamarem-te pelo
doce nome de mãe. Aclamar-te-ão aqueles que se virem livres das garras do demónio e conhecerem que
foram livres por ti, aproximando-se assim do meu divino Coração. Grande amor, ditosa dor que te levou
a mereceres de Jesus tão honrosos e elevados títulos !”

— Meu Jesus, meu Jesus, que envergonhada e confundida estou. Se eu pudesse ocultar tudo isto ! Se
fosse só para Vós e para mim ! Confunde-me ouvir isto e ver a minha miséria !

— “Já sabes que necessito da tua miséria para esconder em ti as minhas grandezas e omnipotência.
Escreve tudo, escreve, minha filha. Se o que te digo ficasse oculto, de nada valia ao mundo. Mãe dos
pecadores, nova redentora, salva-os, salva-os. És a nova redentora escolhida por Cristo. Nunca houve
nem voltará a haver no mundo sofrimento que se iguale ao teu. Nunca houve nem voltará a haver vítima
desta forma imolada, porque nunca houve tanta necessidade como hoje, nunca o mundo pecou assim.
Dezanove séculos são passados que Eu vim ao mundo e trouxe agora a nova redentora escolhida por
mim para relembrar ao mundo o que Cristo sofreu, o que é a dor, o que é o amor e loucura pelas almas.
És a nova redentora que vens salvá-los, és a nova redentora que incendeias na humanidade o amor de
Jesus. Nova redentora que serás falada enquanto o mundo for mundo. Minha filha, livro onde estão
escritas com dor e sangue letras de oiro e pedras preciosas todas, todas as ciências divinas ! Coragem,
amada, não temas as tempestades, não temas o estrondo do trovão que traz consigo nuvem que orvalha
graças, amor e maná celeste. Enche-te, minha filha ; é de amor e maná que vives ; enche-te para dares às
almas”.
— Obrigada, meu Jesus !

Senti-me mergulhada no amor de Jesus e com tanta intensidade que terminado o colóquio pensei não
aguentar o fogo que me devorava o coração. Pensei e cheguei a falar numa toalha molhada em água para
apagar o fogo que tanto me abrasava. Receosa que me fizesse mal, não o usei. Por vezes parece apagar-se
e perder todo o calor ; de novo volta a incendiar-se, mas com tal viveza que parece destruir-me. Além do
fogo que recebi de Jesus, recebi também um nevoeiro brilhante que caiu sobre mim em grande
abundância. Era doce, era suave, deu-me vida, senti-me viver, senti-me forte para sofrer.

— Ó meu Jesus, que doçuras e encantos tem a Vossa vida divina !

2 de Dezembro – Primeiro sábado

Noite de dor, noite de tristeza e trevas. Veio o demónio desempenhar o seu papel infernal. A luta mais
violenta durou nada menos duma hora. Apareceu-me em forma de serpente medonha ; era da grossura
de qualquer uma pessoa, coberta de escama, comprida e feia. Enrolava-se de tal forma que parecia um
monte delas e não uma só. Cheguei a assustar-me. Com as suas palavras feias, gestos maus, calcava aos
pés as cabeças das pessoas com quem ele diz que eu peco. Fingia esmagar tudo.

— Estás condenada ao inferno. Diz que queres o prazer, diz que queres pecar. Ou desistes da tua oferta
de vítima ou te esmago esse corpo e engulo-te como se fosse um leão.

E fazia tentativas para me chegar a engolir. Nos momentos mais aflitivos foi que eu recorri ao Céu ;
atormentada com o susto de pecar, chamei por Jesus aflitivamente. O que se passou, só em confissão o
direi. Como Jesus vela e ampara quem não quer ofendê-lo ! Fiquei libertada, apesar das ameaças serem
do combate durar toda a noite. Não sei se foi Jesus que o mandou retirar ou se foi ele que assim o quis.
Eu ouvia a afirmação que era eu que não queria por já estar cansada. Apesar da noite estar luminosa, eu
fiquei na maior escuridão e num tristeza de morte. Uma palavra ou outra a desabafar com e meu Jesus e
com a Mãezinha querida ; pouco podia dizer-lhes, a vergonha não me deixava. Meu Deus, como posso eu
amar-Vos e consolar-Vos desta forma ? Ó Mãezinha, ao o primeiro sábado, que comunhão a minha !
Passou-me pela ideia pedir a Jesus que não me falasse. Que horror, que timidez eu tenho aos êxtases.
Tive medo de com estes pensamentos desgostar o meu Jesus. Veio a hora de eu comungar. Momentos
depois principiou Ele a falar-me com a sua costumada doçura e amor :

— “Minha filha, pomba querida, branco lírio, açucena cândida e pura, vem cá e escuta-me. O Esposo que
ama e é fiel desabafa com a sua esposa as suas dores e mágoas. Olha, Eu estou tão magoado, está tão
ferido o meu divino Coração ! Os pecadores não cessam com os seus crimes, cada vez me ofendem mais
com as suas desonestidades e impurezas. O goz, a carne, a maldita carne. E pelos sacerdotes sou também
tão ofendido ! E há tantos que não me ofendem na impureza, mas ofendem-me noutros pontos ; dão
tantos estragos, escandalizam tanto ! Tem coragem ! Desagrava-me com as lutas do demónio. Dá-me,
dá-me esta reparação. Tem coragem, anima-te, dá-me tudo, sofre tudo. A tua pureza não se mancha, a
sua auréola e candura encantam a Majestade divina, alegram o Céu. Coragem, amada minha, não temas
a guerra desarmada contra ti, não temas porque estou contigo. Não temas porque é certo o triunfo da
minha divina causa. Diz ao teu Paizinho que lhe dou a afirmação do meu divino amor. Os homens
retiraram-no de ti, mas eu não o retirei ; cada vez vos uno mais dentro em meu divino Coração. Ele foi e
será sempre o teu verdadeiro director. Os meus breves são sempre assim ; tudo neste mundo é breve em
comparação à eternidade. A afirmação das minhas divinas palavras para que ele saiba que está na
verdade, que as minhas promessas hão-de cumprir-se. Que o criei para as almas para ele se dar
inteiramente a elas. Dá ao teu médico novos agradecimentos. Diz-lhe que me alegro ao ver a sua firmeza
na minha divina causa. São assim os amigos do Senhor, combatem sem temor. Diz-lhe que ele em união
comigo estamos a operar milagres em ti conservando-te a tua vida aqui na terra. Diz ao teu querido P.
Humberto que o trouxe aqui para defender a minha divina causa ; não foi ele que veio. Coragem, e toda a
firmeza. E o meu querido P. Alberto que seja assíduo a teu lado até que cesse a perseguição e os maus
juízos. A dor é filha do amor. É com dor e amor que dás a vida aos filhos meus. Só esta dor e este amor
podiam ser dados a uma vítima a quem foi dado desempenhar na terra a mais alta e sublime missão. Os
amigos da minha divina causa ostentam em suas mãos o pendão do triunfo e do reinado divino.
Coragem, minha filha, é Jesus que te pede, coragem, coragem. Assemelho-te a mim. Eu também fui
perseguido. Em todos os tempos a minha Igreja e tudo aquilo que é meu foram perseguidos também.
Como não há-de ser perseguida agora a minha causa mais rica, a missão mais dificílima ? Coragem,
coragem, amada, amada ! É a raiva de Satanás”.

No mesmo tempo veio para o meu lado direito a Mãezinha tomando-me para os seus braços. Pediu-me
coragem em nome do seu divino Filho.

— “Anima-te, minha filha, anima)te, peço-te em nome do meu amor e do teu e meu Jesus. Aceita, sofre
tudo, consola o seu divino Coração ferido com os pecados do mundo. Olha, filhinha, venho confirmar as
palavras do meu divino Filho. És rainha dos pecadores, és rainha do mundo. Aceita o meu santíssimo
Manto, é teu, faz o meu lugar. Envolve nele, põe à tua volta os que te são queridos e mais de perto
partilham a tua dor. Os que partilham dela e cuidam da causa do eu Jesus são queridos do teu coração,
do meu e do de meu bendito Filho. Aqueles que mais associamos ao teu sofrimento são aqueles a quem
mais de perto queremos purificar. Coloca depois em volta todos os pecadores. Podes cobrir com o meu
Manto o mundo inteiro, chega para todos. Aceita a minha coroa, és coroada por mim ; és rainha”.

Meu Deus, que vergonha a minha ! Como eu era pequenina, mesquinha ao pé da Mãezinha. Que
vergonha ao sentir Ela colocar sobre os meus ombros o seu santíssimo Manto e sobre a minha cabeça
uma coroa de rainha que da sua santíssima cabeça tirou para colocar na minha. Mãezinha, Mãezinha,
que vergonha tenho de Vós e de Jesus. Eu não sou digna de tal. Oh ! que miséria a minha !

— “Coragem, filhinha, não te envergonhes. Estás purificada pelo sofrimento e pelo Sangue do teu Jesus,
que purificou tudo ; tens a alvura do arminho. O brilho da tua pureza e das tuas virtudes iluminam o
mundo, irradia-o o teu perfume. Enche-te, recebe amor, é meu, é de Jesus. O amor, carinho e carícias
que recebes de nós atraiem a ti as almas. Dá tudo em nosso nome aos que te são queridos. Enche-te para
salvares o mundo inteiro. Enche-te, é teu, pertence-te, salva-o”.

A Mãezinha e Jesus inundaram-me de amor e depois das suas ternas carícias retiram-se. Fiquei com
mais vida e mais alegre.

Á medida que o tempo vai passando, a alegria foge, a vida vai falhando. Contudo, grito e gritarei
sempre : — “Amo Jesus e a Mãezinha ; quero o que Eles quiserem !”

4 de Dezembro

O tempo não passa, a eternidade não chega. Não poderei, Jesus, ver ainda uns raiozinhos de luz, viver
ainda entre os meus uns momentos de alegria ?

Vontade santíssima do meu Deus, quero-te, amo-te com todo o coração e com toda a minha alma. Ando
como um ladrão fugitivo a esconder-me de tudo e de todos. Mas mesmo assim, mal posso aguentar a dor
que me causa ver a distância que me separa de Jesus : Ele no Céu e eu na terra. Meu Deus, quando
poderei ver-Vos e amar-Vos ? Secou em mim aquela fonte da qual nasciam em mim ânsias de Vos amar
e possuir. Tudo desaparece, tudo morre, só a dor não. Essa ocupa-me todas as horas do dia e da noite.
Amar não sei ; amor não possuo. A dor sim, a dor existe com toda a força e agudez. Para onde foi a vida
da minha dor ? Ó meu Deus, como convencer-me da morte da minha alma ? Horas há que ela vive e
sinto-a despedaçar-se uma e milhares de vezes ; é mais custosa a dor dela do que a do corpo. Tenho tido
fortes tentações contra a fé : não há Céu, não há inferno, não há santos, não há anjos e Deus não existe. E
se Ele não existe, como posso eu temê-lo ? Sempre a esforçar-me por viver na sua divina presença e
sempre a esconder-me d’Ele. Nem por um só momento quero separar-me d’Ele, e sempre cheia de
vergonha e confundida por Ele lançar sobre mim os seus olhares divinos. A minha vida são ilusões. Não
vi o Céu, não vi o inferno, não ouvi a Jesus. Isto são momentos de tribulações aterradoras ; é o demónio
que me faz sugerir tudo isto. Meu Deus, creio em Vós e confesso-me a mais miserável de todas as
criaturas, mas confio na Vossa misericórdia, no Vosso perdão. XE "Inferno: vi-o tantas vezes" Sei
que existe o Céu e o inferno, vi-o, vi-o, meu Jesus, por tantas vezes. Confio que centenas e centenas de
vezes tenho ouvido a Vossa terna e doce voz. Creio, creio, confio em tudo, meu Jesus.

Estas duas noites passadas Jesus poupou-me aos ataques violentos do demónio. Hoje fui assaltada por
ele fortemente. De dentes descarnados, em forma de leão, descia uma montanha do meio de negros
arvoredos, a uivar desesperadamente. Ao chegar perto de mim, abriu a boca para me engolir. A minha
alma apavorou-se, sentiu mais ainda do que o corpo. O corpo mesmo ficou sem poder fazer nem
consentir que me fizessem qualquer movimento ; julgava-me mesmo às portas da eternidade. Os gestos
eram feíssimos assim como os nomes que me chamava e às pessoas cúmplices do crime, como ele diz.
Lançava as patas sobre as mesmas pessoas, amarrava-as com a sua grande boca pela cabeça como se
fosse para as tragar e engolir. Tremenda tragédia ! O meu coração, de tanto que palpitou, quase perdia a
vida de cansado. Chamei por Jesus e pela Mãezinha tantas, tantas vezes ! Mas ele, com a sua voz
aterradora abafava tudo, dizendo-me :

— Pecaste, pecaste, estás cansada de pecares.

Fiquei tão desanimada ! Que triste vida ! Triste com o receio de ofender o meu Jesus. Que horror ! Que
horror ! Só vejo lama e sou lama, lama que todos calcam com nojo e aborrecimento ; lama que nenhuns
olhos querem ver, caminhos que ninguém por aborrecimento quer trilhar. Jesus, quero seguir-Vos,
quero tudo por amor de Vós. Aceitai o meu desfalecimento e a minha desconsolação para só Vós serdes
consolado, para só Vós serdes amado !

7 de Dezembro

Grande sofrimento, triste e doloroso. Ai, meu Jesus, não sei exprimir quanto sofro, não compreendo tal
dor. Choro, choro sempre a perda do meu corpo, a morte da minha alma. A cada passo sinto em mim
como que uma bomba que vai explodir tudo. Tremo apavorada. Prenderam-me os voos ; estou como a
pombinha na escuridão, sem ver caminho, batendo as asas no ar sem poder descer, sem poder subir, de
asas presas, temerosa de cair desastradamente.

— Ó meu Jesus, que será de mim ? Vede bem o meu sofrimento, tende compaixão, compadecei-Vos de
quem só confia em Vós.

Hoje de manhã cedo era tal a dor que sentia em mim, era tal a repugnância e a vergonha que me causava
o ver que todo o povo se preparava e esperava novos acontecimentos. Parecia-me ver grupos aqui e acolá
fazendo comentários. Meu Deus, espera-me a sexta-feira ! Que medo ! Tudo isto que eu sinto vejo, por
Vós passou, meu Jesus. São sofrimentos Vossos, que tanto sofrestes por meu amor. Os meus olhos
parecem penetrar no íntimo de toda a multidão que ocupa as ruas. A minha alma sente tudo. Ao lado de
uma montanha, perto de entrar numa cidade, a figueira amaldiçoada por Jesus. Mais abaixo alguém traz
à cabeça uma bilha de água. Há encontros, falam, preparam-se para novos acontecimentos. Vi tudo,
senti tudo. Oh ! quanto sofria em silêncio. A figueira de que acima falei, tive o conhecimento que a vi
verde, florescida ; e hoje já seca, como lenha velha para o lume. Eu não pensava em nada disto, antes
pelo contrário ; quando principiava a sentir estes sentimentos de alma, esforçava-me por me distrair e
fazer de conta que nada sentia. O meu esforço era inútil, de cada vez se avivavam mais estes sentimentos
de alma. Este meu esforço de nada querer sentir não é para fugir ) dor nem à vontade do meu Jesus, mas
sim o receio de ser confusão minha ou ilusão. Estou convencida que não é. Nosso Senhor, ao ver tal
receio e medo de engano não podia deixar-me enganar. Ninguém como Ele sabe que não quero enganar
ninguém. As manhas do maldito continuam cada vez mais, parece que a sua malícia refina. Diz-me o que
há de pior. Ai, meu Deus, que coisas tão feias ! Blasfema contra Nosso Senhor, acusa-o como réu de
culpa e faz que eu diga tudo, ou parece-me que digo e depois afirma-me que sou eu e deixa-me quase
nessa persuasão. Só com Nosso Senhor a alma e o pobre corpo pode resistir a tanto. O coração de aflito
faz ruído enorme, com a receio de pecar e dizer tantas coisas contra o meu Jesus. Na última luta fiquei
quase sem vida. Murmurava :

— Ó meu Jesus, ó minha querida Mãezinha ! Meu Deus, que triste vida a minha ! Que será de mim ?
Não podia mover-me e necessitava de alívio. Veio Jesus com as suas santíssimas mãos, colocou-me na
posição que eu desejava, cobriu-me de carócoas e como a mãe que se deita ao pé do filhinho para o
adormecer, disse-me :

— “Descansa comigo. Não é triste a tua vida, filhinha, é vida de reparação e sacrifício. Alegra-te comigo,
com a consolação que me dás. Não pecas, não, minha amada”.

Senti logo paz na minha alma. Muito chegadinha a Jesus, depressa pude adormecer, coberta com as
suas carícias, abrasada no seu amor.

8 de Dezembro – Sexta-feira

Longe de raiar o dia — dia que para mim não raiou — principiei a fazer as minhas orações e a preparar-
me para a visita do meu Jesus. Não podia rezar, cheia de pavor, sobrecarregada de vergonha; dor e
humilhações. Era levada de casa em casa, de rua em rua ; sofria no mais íntimo da minha alma. Chorava
para dentro ; para dentro suspirava. Os meus lábios não podiam ter uma palavra de queixume.
Esmagava-me o peso das humilhações. Meu Deus, que dor tão íntima e tão profunda ! Era uma dor sem
fim. Não era capaz de ver onde ela podia parar. Jesus, como poderei suportar tão grande martírio ? Se
me faltais, não resisto, morro, morro depressa. Com esta dor não pude ter um momento de alegria, nem
podia lembrar-me que era o dia da Mãezinha, dia tão predilecto para mim, dia da Imaculada Conceição.
Nem ao menos podia respirar. Jesus, pobre de mim, não posso estar aqui ! Veio Jesus. Aqueceu-me logo
com o calor do seu Amor divino ; acariciou-me e disse-me :

— A tua dor, minha filha, é dor de salvação. Esse mar imenso de sangue que continuamente derramas do
teu coração, é onde são mergulhados os pecadores. É nesse sangue da tua dor que eles são purificados, é
sangue da nova redenção. Tu és a segunda arca de Noé. Em ti guardo os pecadores ; em ti, como nessa
arca, guardo tudo para a vida de novo mundo. A tua dor, a tua imolação é dor e imolação de vida mais
para as almas do que para os corpos. Coragem, filhinha, nada temas. A chuva que sobre a nova arca cai
não é condenação, é de salvação. É chuva de humilhações, desprezos e sacrifícios. A arca não tem perigo,
navega nas alturas. Uma vez que baixem as águas da perseguição, verá o mundo a riqueza que continha,
que era de salvação. Filhinha, amada querida, Eu não estou sozinho, está comigo minha bendita Mãe.
Escuta o que ela te diz”.

Jesus à esquerda, a Mãezinha, à direita, tomou-me para o seu regaço, apertou-me fortemente contra o
seu santíssimo Coração, cobriu-me de carícias e disse-me :

— “Minha filha, venho com meu divino Filho fazer-te a entrega da humanidade e fechá-la em teu
coração ; ficam as chaves na posse do teu Jesus e da tua querida Mãezinha. Deite o meu santíssimo
Manto e a minha coroa de Rainha ; foste escolhida por mim. És rainha dos pecadores, és rainha do
mundo, escolhida por Jesus e Maria. Hoje, dia da minha Imaculada Conceição fazemos-te a entrega do
teu reinado ; principia desde hoje, é teu, governa-o, guarda-o. Guarda-o na terra assim como o
guardarás e governarás depois no Céu. Escolhi este dia que em minha honra é guardado para que em
união comigo seja festejado o dia em que te foi entregue o reinado da humanidade. Quando o mundo
disto tiver conhecimento, comigo serás louvada”.

Senti como se me abrissem o peito e dentro o coração ; foi aberto por Jesus e pela Mãezinha. Depois de
depositarem nele alguma coisa, fecharam-no novamente. Fechou-o à chave a Mãezinha e depois Jesus.
Bafejaram-no e acalentaram-no docemente. Depois fiquei entre Jesus e a Mãezinha como no meio de
uma prensa. De tanto que me estreitavam entre os seus corações divinos, parecia-me não poder resistir a
tanto amor, ir morrer naquelas chamas divinas. Uma vez a Mãezinha, outra vez Jesus, uniam seus lábios
aos meus, bafejam-me e davam-me a sua vida divina. E a Mãezinha continuou :

— “Filhinha amada, querida do meu Jesus, recebe a vida de que vives, recebe a vida do Céu, recebe-a e
dá-as às almas”.
E continuou Jesus :

— “Minha pomba bela, branco lírio, pura açucena, estrela cintilante que cintilarás noite e dia para luz e
guia dos pecadores, para luz e guia de quantos me quiserem seguir e amar com o amor mais puro e mais
forte. Coragem filhinha, coragem, amada, não temas a guerra do mundo ! Espera-te o Céu para te
abraçar, espera-te o Céu para nele guardar o maior tesouro que tenho na terra. És de Jesus, és da
Mãezinha. Espera-te toda a corte celeste”.

Ó Conceição pura, ó Mãe de Jesus


Guarda o meu corpo cravado na Cruz
Cravado na Cruz, à Cruz abraçado
Guarda-o, Mãezinha, ó Conceição pura,
Mãe do meu Esposo amado !

Recebi novas carícias de Jesus e da Mãezinha, fiz-lhe a entrega de mim mesma e de todos os que me são
queridos e por fim do mundo inteiro, incluindo também os que mais me fazem sofrer.

— Mãezinha, faço-Vos eu entrega da humanidade, guardai-a que é Vossa, salvai-a, só Vós podeis.
Envergonho-me por ter recebido de Vós a entrega do mundo. Que pode esta miséria sem a Vossa
protecção ? Ó Jesus, ó Mãezinha, a Vós me entrego como o soldado que quer combater e defender o
Vosso reinado. Quero lutar, quero obedecer : mandai ; eu com a Vossa graça tudo cumprirei, serei forte.
Com a graça e força do Alto será salvo o mundo.

Desprendi-me de Jesus e da Mãezinha com grande custo. Unida a Eles, vencia o mundo, nada temi.
Agora tudo temo, nada posso. Ai que saudades tenho do Céu. Quando irei para lá ?

9 de Dezembro

Na manhãzinha de hoje não podia fazer as minhas orações nem preparar-me como devia para receber o
meu Jesus. É indizível a minha dor. As lágrimas por vezes tentaram deslizarem-me nas faces. Parava de
orar e dizia :

— Ó meu Deus, ó meu Deus ! A alma rasgava-se como um trapo velho, fio por fio, esmigalhava-se,
derretia-se. Jesus, como hei-de viver assim ? Veio a hora de comungar. Nem a visita de Jesus me deu
alívio nem alegria ; fiquei no mesmo estado de alma. Dei-lhe graças o melhor que me foi possível. Pus-
me depois a ler a correspondência que me entregaram. A segunda carta que li fez brilhar uns raiozinhos
de luz na minha alma. Levantou-se de mim o peso esmagador que despedaçava todo o meu ser. Sem
faltar a santa obediência, já o Sr. P. Humberto podia escrever-me para assim aliviar um pouco a minha
dor e dar-me luz no meio de tantas trevas. Sem saber como, a um impulso de amor, pude ajoelhar-me na
minha cama, levantar as mãos, rezar o Magnificat, coisa que costume rezar sempre quando recebo
miminhos de Jesus, quer venham ferie-me, quer suavizar o meu sofrer. Entoei louvores a Jesus
Sacramentado e ao seu santíssimo Coração testemunhando-lhe a minha confiança n’Ele assim como à
Mãezinha, a quem com minha irmã e primas entoei um cântico de amor. Depois dum muito obrigada ao
Céu, caí sobre a minha cama, ficando logo na minha tão amada cruz. A minha alegria logo morreu. Eu
não costumo entregar-me a ela, aceito tudo como Jesus quer, mas se me entregasse à alegria, bem pouco
tempo me alegrava. Depressa nasce, depressa morre. Até os êxtases com o meu Jesus morrem como se
por mim não passassem. Passei o resto do dia mergulhada no sofrimento a sentir na minha alma a
grande humilhação que os Rev.mos Senhores Padres Salesianos passaram por minha causa,
coitadinhos ! Por fazerem bem e aliviarem uma pobre alma, sofrem também. Oh ! como é doce o
sofrimento levado por amor de Jesus e das almas ! Ofereci a Jesus e à Mãezinha a consolação que eu
podia sentir com esta boa nova. Disse-lhes que era para os seus santíssimos Corações a consolação que
eu devia sentir assim como a alegria. Tirai, Jesus, de tudo isto proveito para as almas. São elas e o Vosso
amor o único fim da minha vida.

11 de Dezembro
A minha alma espera novas provas, o meu coração novos golpes que o venham ferir. Estou cheia de
medo. O que me espera ! Que mais virá, meu Jesus ? Estou cansada de tanto sofrer. O corpo desfalece,
mas a vontade está pronta, suspira e só quer a Vossa vontade divina, Senhor.

Ontem principiei a sentir e hoje ainda mais posso dizer que me parecem mais insuportáveis, as ânsias de
salvar o mundo. É tal a loucura e o amor que sinto pelas almas, que me queria dar toda a elas. Quero
todo o sacrifício e de boa vontade me deixo imolar para as salvar. Queria um punhal em minha mão para
com ele abrir o coração numa chaga tão profunda que me desse sangue para escrever por toda a terra :
“Convertei-vos, pecadores, não ofendais mais a Jesus ! O Céu é tão lindo ! E Ele a todos criou para lá”.

Eu queria ir de joelhos ou de rastos por toda a parte do mundo deixar bem vivas estas palavras escritas
por mim e com o meu sangue. Nem um palmo de terra queria que ficasse sem estas letras : “Convertei-
vos, convertei-vos, pecadores”. Não sei o que mais hei-de fazer, meu Jesus, por Vós e pelas almas.

Durante a noite fui assaltada pelas manhas do manquinho. Ouvia os seus assobios desesperados, ranger
de dentes e uivos. Depois gestos, palavras feias e maliciosas. A meu lado e até debaixo de mim, abriram-
se grandes barreiras, abismos sem fim. Nuns escombros feíssimos estavam grandes serpentes e enormes
crocodilos que serviam de tormento e terror para uma massa que penso ser a almas que neles estavam.
Cansada da luta e a parecer-me que caía naqueles abismos, não podia chamar por Jesus. E o maldito
dizia-me :

― Chama por mim, diz-me que é a mim que me queres, que não queres Deus, que queres o pecado, que
queres gozar.

E procurava instruir-me com as suas feias lições. Nos momentos mais tremendos, ao terminar a luta, foi
que eu pude recorrer ao Céu, chamar por Jesus. E já a chorar, dizia-lhe : ― Que é isto, meu Jesus ?
Enquanto que o maldito em forma de leão dizia-me :

― Pecaste ! Pecaste !

O mais que se passou tenho necessidade de o dizer, mas só em confissão e com muito custo.

A minha dor e lágrimas pareciam-me ser duradoiras, mas não foram. No mesmo lugar onde estavam os
abismos, apareceu-me um formoso jardim cheio de flores. Lírios, açucenas e mais variedades. Que
lindas, que belas ! Por entre elas sobressaiam raios, muitos raios mais brilhantes que o oiro. Contemplei
tudo sem saber o seu significado. No mesmo instante disse-me Jesus :

― “As flores deste formoso jardim são as tuas heróicas virtudes. As suas pétalas são tenras, finas,
delicadas ; o seu aroma é atraente. Os raios são do meu divino Amor. Não chores, filhinha, a tua pureza
não se mancha nos combates do demónio. Sais deles cada vez mais pura, mais encantadora. É a
reparação que de ti exijo. Se não fosse esta reparação, caiam nos abismos que agora viste tantas e tantas
almas, ficando lá eternamente”.

Ao deixar de ouvir Jesus, vi de novo o demónio em forma de leão, de dentes descarnados, lá de longe,
mas fazia tentativas para me engolir, e insultava-me ao mesmo tempo. Eu já não chorava e estava em
paz, naquela paz que só de Jesus vem. Com a sua força divina, nesta ocasião não temi o demónio.
Compadecida das almas que podiam cair em tão tremendos abismos, aceitava e sofria tudo o que Jesus
quisesse. As minhas lágrimas eram de dor, receosa de ter pecado. Depois de ouvir a Jesus, sosseguei e
fiquei em paz, sequiosa do seu Amor, ansiosa por lhe dar almas. XE "Amar Aquele que não é
amado" Não quero estar na terra senão para as salvar e amar Aquele que não é amado.

14 de Dezembro

O meu corpo e o meu espírito são assados em grelhas vivas ; não sei dizer a minha dor, dor que sinto
sem saber de que é, nem a quem pertence. Que fogo consumidor ! Parece-me enlouquecer com a dor que
ele me causa. Ouço ao longe grandes ruídos, faz-me lembrar um tremor de terra quando se faz ouvir
ainda sem se sentir. Mas a minha alma ouve e sente. Foi tempestade que passou e deixou tantos estragos
que muito tempo serão lembrados e falados. Ao longe, muito ao longe, há comentações, o meu nome é
falado, enxovalhado, envolto em lama como folha que nela apodrece. Estou envergonhada ; a minha
alma sente tudo e desfaz-se em dor.

― Ó meu Jesus, eu quero que estas manchas, esta lama que sobre o meu nome cai, sirvam para lavar as
almas dos pecadores para que delas desapareçam os crimes com que Vos ofenderam para se poderem
salvar. Quero sofrer inocente e não culpada, Jesus. Ó Jesus, que vida a minha, envergonho-me dos
homens, envergonho-me de Vós. Por graça Vossa, dos homens sou vítima inocente ; por minha culpa e
miséria, de Vós, meu Jesus, sou vítima culpada. Devo sofrer, quero sofrer porque Vos ofendi. Perdoai-
me, perdoai-me, Jesus, valei-me, valei-me, só de Vós posso esperar, só em Vós posso confiar. Dos
homens já vejo que nada posso receber. Tudo me roubam, todo o alívio humano desaparece como o
fumo, leva o seu caminho. Caiu sobre mim a guerra do mundo e a guerra do inferno. O demónio
apareceu-me na figura de um grande cão. Lembrei-me dos cães que se atiram para morderem sem
darem sinal. Ele queria morder-me, ou melhor, engolir-me. Quando não me ataca violentamente,
atormenta-me sempre :

― Pecas quando queres. Não pecaste hoje, nem pecas agora porque estás cansada.

Na noite passada veio fortemente acompanhado de muitos demónios em forma de negros esqueletos.
Formaram à minha frente bancadas e camas pretas. ― “São bancadas e camas de delícias”, dizia ele,
enquanto que os outros, junto delas, se entretinham. Dizia-me coisas feíssimas e parecia-me que me
obrigava a repeti-las.

― Não chamas por Deus.

E parece-me que muitas vezes não chamava, que obedecia às suas ordens. De novo voltei a passar pelo
que aqui não digo. Nos momentos de maior transe sei que fiquei como que moribunda repetindo só com
o pensamento muitas vezes : “Ó meu Deus, ó meu Deus, ó meu Deus !”

Debaixo de mim estavam esses medonhos abismos de que já tenho falado ; e eu suspensa sem estar
amarrada a nada, a ver quando caia neles. À voz de Jesus, os demónios fugiram e os abismos
desapareceram. Jesus mudou-me de posição e disse-me :

― “Minha filha, sobre estes abismos estão as almas ; o que as sustém de caírem neles para sempre é a
tua reparação nunca sentida, nunca experimentada, nunca vista. Dor, imolação sem igual. Diz-me,
minha filha, pombinha amada, diz-me, desabafa comigo ; confias que não me ofendes ?”

― Ai, meu Jesus, meu Jesus, quero confiar e confio, mas custa-me tanto convencer-me de que não peco,
que não Vos ofendo no meio de tão grande perigo !

― “Sossega, sossega, meu anjo, só me dás consolação, reparação e provas a grandeza do teu amor ao
meu divino Coração”.

Fiquei por algum tempo unida a Jesus, cheia de mimo como a criancinha junto de sua mãe, dorida
apenas da dor que tinha sentido.

Novo tormento para a minha alma, tormento que deveras me faz sofrer e não me deixa sossegar. Queria
esconder-me dentro dum cofre do qual ninguém pudesse nem soubesse abri-lo. Quero abraçar o meu
peito num abraço que ninguém pudesse arrancar. Quero guardar não sei o quê que me foi entregue e
tenho que velar e vigiar. Não sei como, meu Deus, conseguir guardar, guardar bem, guardar tudo. Fujo,
Jesus, fujo para o Vosso divino Coração : seja Ele o cofre bendito que me guarde para sempre a mim e a
esta entrega que me foi feita, a que tantos cuidados me sujeita. Aí estou bem, aí estou segura, não corro
perigo eu nem aquilo que tenho que olhar e vigiar. Guardai-me, sim ? Guardai-me para sempre.
É quinta-feira, é já noite. Grande tormento ! Ó meu Deus, cada sexta-feira que se aproxima é uma morte
para mim. Sinto como se estivesse num convívio de alegria e eu falasse com os que falavam e sorrisse
com os que sorriam. E a minha alma em grande agonia deixa a terra, sobe ao Céu para só exclamar :
― “Meu Deus, meu Deus, o que me espera !” Enquanto que esse convívio de alegria dura, o coração lá
fora é esmagado, maltratado, escarnecido e desprezado. Todos sorriem de escárnio, á espera de novos
acontecimentos. Jesus, sou a Vossa vítima e nada mais !

15 de Dezembro

Cedo, ainda sem raiar o dia, despertei dum leve sono. Ó meu Deus, é sexta-feira ! Caiu sobre mim uma
noite escura. Jesus, a cada momento que passa parece-me caminhar para a morte, não como quem
caminha por amor e alegria, mas como quem tem à morte o maior horror e repugnância. Sepultada
nesta dor, chegou a hora de receber o meu Jesus. Fiz-lhe os meus pedidos. Ao fazer-lhos recordei-lhe
algumas coisas.

― Confio, confio, meu Jesus ! Para não confiar nisto tinha que não acreditar em nada.

Disse isto para desabafar e ao mesmo tempo mostrar a Jesus a minha confiança, longe de pensar obter
d’Ele uma resposta. Mas Ele deu-ma.

― “Assim é, minha filha, é mesmo assim. Confia, são palavras de um Deus, são palavras do teu Esposo
Jesus que te ama e não permite, não consente que te enganes”.

Animei-me mais, ganhei mais força para resistir à dor e aguentar com os empurrões, gracejos e
escárneos que recebia. Tinha que sofrer tudo em silêncio, de lábios cerrados. Sentia a dor de alguém que
chorava ao ver quanto eu sofria e esse alguém era amor de mãe. Em silêncio uni a minha dor a essa dor.
Veio Jesus com a sua terna e doce voz e disse-me :

― “Minha filha, une a tua dor à minha, suaviza-a no amor do meu divino Coração : Eu suavizo a minha
no teu. Ama-me, és por mim amada, és cofre de riqueza, depositária dos dons divinos. Minha filha, anjo
querido, a tua dor foi adornar o manto e a coroa que a tua Mãezinha te entregou. Que brilho, que brilho
com ela foi dado. É dor de glória, é dor de salvação. É mar de martírio, é mar de imolação. Minha filha,
jardim celeste de flores divinas, prado mimoso que apascentas os pecadores. Apascenta-los de graça,
pureza e amor ; guarda-os, guia-os, pastorinha divina, pastorinha escolhida por Jesus. Purifica-os,
purifica-os para mim ; guia-os, encaminha-os ao meu divino Coração. Minha filha, mestra das ciências
divinas, guarda o que há oito dias em teu coração foi depositado por mim e minha bendita Mãe : é o
mundo, são os pecadores. É valor infinito, é o meu divino Sangue. São almas salvas pela tua dor. Esse
anseio de quereres guardar e não saberes como, é tormento que vai consumir-te até à tua morte ; dia a
dia aumentará mais. Minha filha, onde está escrito tudo o que é divino. Em ti aprenderão a amar, em ti
aprenderão a sofrer, em ti aprenderão a conhecer como Eu me comunico às almas. Não o sabem, não o
estudam. Fazem com isto sofrer tanto o meu divino Coração ! Tem coragem ! Quem comigo sofre,
comigo vence. Quantas lágrimas de arrependimento chorarão ao verem que o teu nome agora tão
manchado é comigo e minha bendita Mãe na terra e no Céu glorificado ! Vem, minha bendita Mãe, vem
confortar a minha e tua filhinha, vem cobri-la das tuas carícias”.

Veio logo a Mãezinha, tomou-me para o seu regaço, apertou-me com ternura de amor, beijou-me,
acariciou-me e disse-me :

― “Minha filhinha, rainha escolhida por mim e meu divino Filho, estarás no Céu a meu lado e do meu
divino Filho em trono de rainha, Eu como Rainha do Céu e tu como rainha da terra”.

― “Minha Mãe ― disse Jesus ― alimenta-a, dá-lhe a tua vida, a vida da alma de que viveu sempre e vive,
a vida do corpo de que necessita”.
Principiou a Mãezinha a bafejar com os seus santíssimos Lábios unidos aos meus. Senti-me forte na
alma e no corpo. Jesus fez o mesmo, bafejou-me, acariciou-me. E continuou Ele :

— “Estou, minha filha, com minha bendita Mãe a dar-te aquele conforto que dos homens devias receber.
Quando há anos te dizia que seria Eu o teu director, referia-me a estes tempos, não era para pôr de parte
o teu director. Sim, precisava dele em união comigo para te guiar e lavar às alturas que o meu divino
Amor exige. Eu já via a crueldade e perseguição dos homens. Coragem ! O teu nome que sentes
enxovalhado, em breve será falado com respeito e comigo louvado”.

— Obrigada para sempre, meu Jesus. Quantas mais coisas me dizeis, mais miserável e mesquinha me
sinto diante de Vós.

O teu caminho, Mãe de Jesus,


Dá-me conforto para levar a Cruz.
Para levar a Cruz nesta amargura
Por entre trevas, em tanta secura.
Ó Mãe de Jesus, dá-me o teu amor
Para amar com ele o teu e meu Senhor !

18 de Dezembro

Valei-me, Jesus, da terra não posso esperar auxílio. Sinto-me de todos abandonada e como se todos se
revoltassem contra mim. Ai de mim sem Vós um momento só ! Sempre, sempre rumores de tempestade,
sempre, sempre uma dor quase insuportável, uma dor sem fim. Não posso estar aqui, meu Jesus,
consomem-me as saudades do Céu. Não posso ver e sentir a distância que me separa de Vós. Um fogo
por vezes insuportável abrasa o meu coração, vem-me à boca, parece queimar-me os lábios. De nada vale
a água com que os refresco por algum tempo para depois deitar fora. É fogo, fogo, sempre fogo. E sinto
que não Vos amo e que não conheço o amor. Pobre de mim, não sei viver. Estou cansada de tanto esforço
fazer para guardar em mim o que Jesus e a Mãezinha me entregou. Sinto como se estivesse sempre de
braços cruzados sobre o peito com toda a força possível a defender, a guardar em mim. Outras vezes vou
louca a fugir dum grande assalto. Vem sobre mim não sei quem, uma multidão sem conta, quer roubar-
me o que tenho em meu coração e eu fujo numa corrida doida para esconder tudo. Quero enrolar à volta
de mim cadeias, fortes cadeias, prisões, grossas prisões para nada me poder ser roubado. Duro tormento
para a minha alma, nada consigo. Nas horas que assim sofria, tive um terrível assalto do demónio. Senti
então como se ele me roubasse tudo ; fiquei sem coração, sem peito, sem nada. Era uma simples casca de
ovo que dentro em si nada tem. Sentia que o roubo me foi levado tanto para longe ! Obrigava-me a
dizer : — “Não quero guardar dentro de mim nada, quero pecar, quero gozar”. Afirmava-me que eu
pecava com muitos demónios, com certas pessoas e nomeava-as, dizendo delas e de mim as coisas mais
feias. Estava desesperado. Blasfemava contra Jesus e acusava-O réu de crimes, fazia-me tremer de medo
ao ouvir o que ele dizia a Jesus. Raras vezes consegui pedir socorro ao Céu. Estava num banho de suor,
num cansaço que não sei explicar. Sempre disse, sem querer dizer : — “Meu Jesus, não posso mais”.
Cessou o ataque e eu sem poder mover-me. Tristíssima por me ver privada daquele tesouro imenso que
dentro em mim possuía e com o receio de ter pecado, murmurava sozinha :

— Meu Deus, meu Deus, eu sem luz, sem guia, sem um sacerdote com quem possa desabafar tudo isto. Ó
Céu, ó Céu, ó Jesus, ó Mãezinha. Os abismos tinham desaparecido, mas os meus ouvidos ainda ouviam
ao longe os ruídos do demónio. Sentia fortemente a sua raiva. Nesta amargura, em posição violenta
passou-se um bom pedaço. Se Jesus não me acode, quem poderá valer-me ? Ó meu Deus, por Vosso
amor e pelas almas. Ouvi então Jesus :

— Não pecaste, minha filha, não pecaste, confia, deste-me a maior das consolações, deste-me toda a
reparação possível. Olha, filhinha, o teu Anjo da Guarda, encarregado de te guardar, recebe agora missão
de velar mais por ti mudando-te de posição quando necessitares nestes combates. Anima-te, Eu estou
contigo”.
Fiquei logo na posição do costume. E após uns momentos, principiei a sentir que ainda tinha em mim
aquele rico tesouro que o demónio me tinha feito desaparecer. A minha alma sentiu tanta alegria ao ver
que possuía aquela riqueza e eu queria abraçar o rico tesouro, queria beijá-lo. Senti a alegria de uma mãe
que tendo perdido o seu filho, de novo voltou a encontrá-lo. Não sei dizer a alegria da minha alma. Não
sei dizer os cuidados que isto me dá, estou sempre receosa que alguém possa roubar-mo. Tudo quero
fazer, tudo quero sofrer para que não corra perigo. Ontem, sem reflectir, disse uma palavra que me
pareceu desgostar a Jesus. Fiquei tristíssima. Humilhei-me diante de Nosso Senhor, estava
envergonhada.

— Perdoai, meu Jesus. O que sou eu sem Vós ?

Esta dor acompanhou-me o resto do dia e a maior parte da noite. Na madrugada, ao fazer a minha
preparação para a vinda de Jesus, não pude resistir à dor. Chorei, chorei ; que pena eu tinha de ter
magoado o Coração divino de Jesus. Queria um sacerdote que com a santa absolvição purificasse a
minha alma.

— Purificai-me, Jesus, purificai-me Vós. Vede a dor que tenho de Vos ter desgostado. Estou sozinha, sem
nenhum conforto da terra. Não me falteis Vós. Perdoai-me, perdoai-me ! Aceitai a dor que tenho de Vos
desgostar por todos os que pecam gravemente e não a têm.

Esta dor continuou no decorrer do dia e sempre a vigiar o que tenho guardado em meu coração. Umas
ânsias destruidoras de possuir mundos, milhares deles e bradar-lhes sempre : “Amai, amai Jesus !”

— Meu Deus, não sei se vencerei, não sei se resisto a tanto sofrimento. Quero ver-Vos por todos amado e
não quero saber-Vos ofendido. Não posso sentir a Vossa dor. Ó pecado, triste pecado, que tanto feres a
Jesus. Ó Amor, ó meu Amor, que espécie de miminhos tendes próximo para me dardes. Eu espero-os, eu
pressinto-os. Tenho medo. Se me ferirem muito, amo-Vos. Quanto maior for a dor, com a Vossa graça,
maior será o meu amor. Ó Céu, vale-me, acode-me.

21 de Dezembro

O tempo não passa, tenho já neste mundo a eternidade. Quando verei a Deus ? Quando sairei da morte
para ressuscitar para a vida ? Ó meu Deus, que pavor estar aqui ! Só ruídos de grande vendaval se fazem
sentir na minha alma. Que peso esmagador de humilhações, calúnias e desprezos. Ó Jesus, aceitai este
abandono que sinto, para Vos consolardes do abandono em que Vos deixam os homens. Aceitai toda a
prova, todo o meu penoso calvário para vos salvar almas, para Vos ama como mereceis e sois digno. Ó
meu Jesus, para onde hei-de fugir eu ? Onde posso esconder-me para não poderem roubar a riqueza que
dentro em mim depositastes ? Jesus, vede o meu cansaço. Queria guardar em muitas casas de ferro nas
quais não houvesse entrada, queria viver debaixo do chão para não poder ser assaltada. Parece que o
inferno vem sobre mim, não sei como defender-me ; dai-me abrigo no Vosso divino Coração, guardai-me
nele e guardai o que em mim depositastes. Sinto que tudo me querem roubar ; e depois, Jesus, que
contas poderei eu dar ? Ó vida, ó vida minha ! Que medo eu tenho da minha vida que não é vida, é só
morte, tremenda morte. Parace que não posso respirar ; que grande é o meu desfalecimento. Que
tremendas trevas e securas. Desejava o meu confessor para meu conforto e purificação da minha alma.
Ele veio, usou para mim de muita caridade, esforçou-se por me animar, mas em vão : Sinto-me pior
ainda. Da terra não me vem conforto. Ó meu Deus, que será de mim ? Estou parada na encosta da
subida, não posso nem sei caminhar. Nem um passo para a frente, não vejo. O demónio cai sobre mim,
se não é ele são as suas malditas manhas. Pega por todas as coisas. Num ataque mais violento tentou
fazer-me como me fez Jesus e a Mãezinha, entregar-me o mundo, mas um mundo de gozos e de
prazeres. Gozar, gozar, pecar.

— Pecas com todo o inferno, pecas com toda a terra.

E fazia-me sentir como se assim fosse, queria convencer-me disso. Tantas vezes quero recorrer ao Céu e
não posso. Depressa cedo às suas ordens. Ouço os insultos de palavras criminosas e parece-me repetir
com ele e muitas vezes eu sozinha aquilo que ele quer. Ao terminar o maior perigo é que do fundo da
alma posso bradar ao Céu para assim depois ser maior o meu tormento ; para ele mais e melhor poder
dizer-me que pequei. Jesus não veio dizer-me nada ; senti apenas como uma aragem suave que me levou
à minha posição do costume. A minha tristeza era de morte e um desânimo sem igual. Meu Jesus, se eu
não pecasse ! E eu Vos amasse por mim e por todos ! Se eu Vos salvasse as almas ! Se Vos desse toda a
consolação ! Não sei falar-Vos, meu Amor. Vede o que me vai na alma, nada sei dizer-Vos. Tenho desejos
de dizer-Vos tudo, para Vos dar tudo, tudo sofria. Tenha tanto que Vos agradecer ! Gosto tanto de Vos
dizer : “Doce Coração de Jesus, sede o meu Amor”. Só o consentires-me de poder dizer-Vos que sois o
meu Amor e a Mãezinha que é a minha salvação, sinto que não me chega a eternidade para dizer-Vos :
“Muito obrigada”.

Recebi ontem muitos miminhos Vossos, uns doces, outros espinhosos, fizeram-me sangrar o coração.
Foram mais humilhações que recebi para mim e para os meus. A minha alma sentiu a sua chegada ; já os
esperava assim, como ainda espero mais. Oh ! como é bom sofrer, ser pequenina, desaparecer por Vosso
amor ! Morra o meu nome para reinar o Vosso, meu Jesus. Desapareça eu esmagada pela dor, para só
Vós aparecerdes nas almas louvado e glorificado com amor. Obrigada, meu Jesus, por tufo o que me
alegra e faz sofrer. Obrigada, meu Jesus, pelo santo médico que me destes. O que seria de mim neste
caminho tão espinhoso do Calvário ? Vejo que sois Vós a confortar-me, a animar-me em seus lábios.
Quantas horas gastas junto de mim ! E apesar de tudo, quando está ausente, tenho dele um medo
atormentador ; medo que não tem razões de ser. É assim com todas as pessoas que eu mais estimo :
apesar da sua estima, sinto-me separada delas. Estou sozinha, tenho que estar sozinha. Ó meu Jesus,
quando me dais o meu Paizinho ? Que ânsias eu tenho que ele me seja dado ! Que necessidade tem dele
a minha alma ! E mesmo assim, temo vê-lo, tenho medo, horroroso medo. Meu Jesus, é quinta-feira,
caminho morta para a morte. O meu coração está tão ferido, é tão maltratado ! A minha alma vê todos os
sofrimentos que a esperam. O meu espírito está no Senhor, os meus olhares n’Ele estão. E em silêncio
vou exclamando : “Meu Deus, meu Deus, meu Pai, meu Pai !”

22 de Dezembro

O demónio desempenha o papel de um grande ladrão ; faz tremendos assaltos ao meu coração. Quer
entrar mesmo dentro dele, roubar-lhe a riqueza que lhe foi depositada. Como não pode conseguir
roubar-ma, enraivecido, tenta estrangular-me. Parece-me que estou em sua boca de leão retalhada entre
os dentes. Mas não é só a raiva do demónio, não são só os seus assaltos, sinto-me assaltada pelo mundo.
Ó meu Deus, o mundo a roubar o mesmo mundo ! Sinto um cansaço tal que me deixa prostrada. Quero
guardá-lo, quero escondê-lo. Tenho uns desejos mais do que imensos de purificar este mundo como a
mim mesma. Quero ser pura, pura, e quero que ele seja puto. Quero amar a Jesus com um amor louco,
apaixonado, e quero-o a ele também no mesmo amor. Quero banhar-me no Sangue de Jesus para
transformar-me no mesmo Jesus, e quero o mundo em igual banho, na mesma transformação. Quero-
lhe como a mim mesma ; não o posso amar mais. Que fazer para ele, meu Jesus ? Fazei Vós o que eu não
posso nem sei.

Nesta manhã, ainda cedo, ao lembrar-me o dia que era, exclamei : “Meu Deus, é sexta-feira ! Silêncio e
dor profunda ! Se existisse o meu querer e eu pudesse fazer desaparecer do mundo este dia !” Jesus,
perdoai-me, nas Vossas mãos me entrego ; a Vossa divina vontade, só ela se faça. Não é para fugir à dor,
bem o sabeis ; é o medo de mim mesma, de me enganar.

Senti-me sozinha na prisão, enquanto que tudo descansava. Que dor de alma e lágrimas silenciosas !
Recebi grande lição de Jesus. Ele, que via e sabia tudo, enquanto que a alma chorava de dor e amargura,
pedia para todos perdão. O seu divino Coração compadecido, a todos queria possuir ; parecia esquecer-
se da sua dor, para só nos amar. Depois, senti-me na cruz, e o sangue a cair das mãos e pés com
abundância. Com o estremecer da cruz, avivaram-se mais as feridas dos espinhos, e uma chuva de
sangue caia deles, banhavam-me o rosto. Ó Jesus, tudo por vosso amor ; nem força tenho para respirar.
A pouco e pouco, perdi todo o sangue : parecia-me estar moribunda. Principiei a sentir na minha alma
uma paz suave e doce ; era paz celeste. Parecia-me deixar o mundo, ir gozar o Céu. Fiquei por muito
tempo como que a dormir um sono terno, aquecida por um calor, que me queimava o coração e irradiava
todo o peito. Principiou Jesus a falar-me :

— “Minha filha, não vives a vida do mundo, desprendeste-te de tudo o que é dele. Vives no Céu, vives do
que é divino. Os teus caminhos são caminhos de Cristo ; é por isto que não és compreendida. Olha, meu
anjo, é sublime a tua missão ; é a mais rica das missões. Eis a razão porque és odiada e perseguida ;
odiada por Satanás, pelas almas que lhe roubas. Perseguida pelo mundo, porque não compreende a vida
que vives, o que é a minha vida nas almas. Não temas, filhinha, não te é roubado o tesouro imenso que
com minha Mãe te entreguei. É só para teu maior martírio, proveito para as almas e grande glória para
Mim. Fechei-o com Minha bendita Mãe com chaves de oiro ; selámos-te o coração com selos divinos.
Que dor para o Meu divino Coração ao ver a tua dor. É preciso estudar, aprofundar, para compreender a
vida de Cristo nas almas. Quando te criei, criei-te com tal perfeição, perfeição que só podia purificar e
desempenhar a missão que há de mais sublime. Assim como já destinei as almas que te haviam de guiar,
almas que compreendem, almas que só vivem a minha vida, a vida íntima comigo. Os que cuidam de ti,
cuidam de Mim. Era Meu desejo que todos os meus discípulos estudassem estas ciências divinas. Não as
estudam, não as compreendem. Dou-lhes as luzes precisas ; tentam apagá-las. Em vão : nada
conseguem. Em todos os tempos necessitei de vítimas, agora mais do que nunca necessito delas. Já te
destinei, minha redentora, para nesta época vires ser imolada, época em que a humanidade se
mergulhou num mar imenso e lodaçal de vícios. É o que sentes a roubar o mundo. É o vício que pode
mais que o homem ; é o vício ladrão de tudo o que é meu. Ó pastorinha divina, rainha do mundo, sou Eu,
Jesus, que te elejo, que te elevo às alturas. Guarda, salva o que te entreguei. Apascenta o rebanho no
prado da pureza, no prado da caridade; da humildade e sobretudo no do amor. Quem ama, e ama
deveras, não ofende o seu Amado. Ó lírio perfumado, açucena pura, irradia o mundo com os teus
aromas, com as tuas virtudes que são aromas celestes, aromas que atraem a ti o rebanho que te confiei e
que por ti vem a Mim e por ti sobe ao Céu. Coragem ! Nada temas. A glória é Minha, o triunfo é Meu. Em
todo o tempo, foi a minha Igreja perseguida, como não há-de ser agora aquilo que a Ela pertence, o que
há de mais rico e de maior nobreza ? Nunca assim imolei nem imolarei outra vítima ; nunca recebi de
nenhuma tantas almas nem volto a receber. És mãe, mãe dos pecadores, rainha deles. Depois de Mim e
minha bendita Mãe não há como tu quem tenha sobre eles tanto poder. Coragem, minha estrela
cintilante, farol de toda a humanidade”.

Tudo ouvi de Jesus sem dizer palavra. Ele a falar e eu a arder em fogo, fogo consolador, fogo que me
prendia mais ao Seu divino Coração. Ao mesmo tempo, recebi um conforto que me levantava as forças
que tanto precisava para aguentar com a minha cruz. Ó meu Jesus, o que hei-de eu dizer-Vos ? Quanto
mais falais, mais se apodera de mim a minha pequenez. Humilho-me, humilho-me, Jesus, tenho
vergonha da minha miséria, tenho vergonha de Vos utilizardes de mim para tão altos fins. Trabalhai Vós,
falai Vós, tudo Vos pertence e falais das Vossas grandezas.

— “Ó vilota querida, puro asilo onde habito ; habito em ti na terra, como no Céu habitarás com meu
Eterno Pai. És a minha Alexandrina transformada em Cristo, só em Cristo”.

— Obrigada, meu Jesus, meu Rei de Amor !

24 de Dezembro

Será possível com este cansaço, com este sofrimento demorar neste exílio muito tempo ? Meu Deus, se
assim o quereis, a tudo resisto. O meu cansaço é de sofrer, é de querer abraçar o mundo, apertá-lo num
abraço eterno. Queria vê-lo todo num hino de louvor a Jesus, num só fogo de Amor divino. Não sei mais
o que hei-de desejar, não sei onde esconder-me com ele. Queria voar para o Céu e comigo levar o
mundo, todo o mundo, não deixar aqui criatura alguma mas não sei o que é : quero subir com ele e uma
força invencível, ou que me parece invencível, arrasta-me para baixo, tenta roubar-mo. Ó meu Jesus,
que contas Vos darei eu do tesouro que me entregastes ? Nestas ânsias dolorosas, mas de querer
purificar-me e purificar o mundo, de amar o meu Jesus e fazer que todo o mundo o amasse, sem saber
como consegui-lo para mim, quanto mais para a humanidade inteira, principiei a chorar ; chorei
lágrimas amargas, lágrimas que só o Céu as via. Ofereci de novo o meu coração a Jesus, pedi-lhe que
viesse nascer a ele. Enquanto isto se passava, eu não via, mas a minha alma sentia que o demónio
bailava à minha volta. De longe a longe ouvia alguma palavra feia das dele. Apavorisei-me. Vinha vindo a
noite ; para a minha alma não tinha havido dia. Enquanto que o demónio ao longe me ameaçava e o
medo mais se aproximava de mim com receio que ele viesse fazer das dele, ouvi Jesus muito no íntimo
do meu coração.

— “Minha filha, não temas, tu não pecas, Eu não te deixo pecar ; dá-me esta reparação, dá-me esta
consolação que só de ti posso receber. Combate com Satanás. Repara-me pelos crimes que na noite que
se aproxima vão praticar. Noite que devia ser tão santa e sou nela tão ofendido ! Oh ! quanta inocência
perdida !”

Jesus dizia-me isto com muita dor e mágua. Deixei de O ouvir ; senti-me mais forte. Passaram-se alguns
minutos, não sei quantos, principiei a ouvir o demónio com sua voz infernal a convidar todos os seus
camaradas para virem pecar comigo. Senti que eles obedeceram, vieram todos desempenhar o seu papel.
Pensei bem na morte. O coração não tinha força para mais ; só por Nosso Senhor não morri. Custou-me
muito os nomes e palavras vergonhosas que ele me disse, mas sobretudo o que me causou maior dor, foi
o receio de pecar e as blasfémias que ele disse contra Jesus e acusá-Lo como criminoso ; isso é que eu
não podia ouvir. Até tinha medo de ele dizer tais coisas do meu Criador. Se não fosse o amor do meu
Jesus e o amor às almas; dizia-lhe um não. Sofrer, está bem, mas ver que Jesus ao eu combater com o
demónio também ouve dele coisas aterradoras. Oh ! quanto me custa ! Ai, a quanto se sujeitou Jesus por
meu amor e por todas as almas !

25 de Dezembro

Os dias de festa são sempre para mim de profunda tristeza. Esforço-me sempre para consolação dos que
me rodeiam mostrando-me alegre : a minha alegria é fingida. Fito Jesus, a Mãezinha, elevo o meu
pensamento ao Céu e por amor aceito a dor. É por amor que a tristeza para mim é alegria. Não olhando a
terra, firmo no Céu, só no Céu, os espinhos são rosas, a dor é doçura. À meia noite do dia de natal, não
falando da noite que me ia na alma, dores agudíssimas pareciam retalhar-me todo o corpo. Não chorava,
mas gemia ; só Jesus sabe quanto eu sofria. Principiei a ouvir fogo e repique de sinos. Pedi que me
trouxessem imas imagensinhas do Menino Jesus. Colocadas sobre o meu peito queria aquecê-las. O
calor que lhe dei não era o que eu queria dar-lhes ; queria queimá-las com fogo de amor. Queria dizer-
lhes muitas coisas e não sabia. Estreitei-as ao meu peito docemente e continuei os meus
gemidos. — Estou certa que Jesus os aceitou e não ficou triste. Ninguém como Ele via quanto eu sofria ;
ninguém como Ele sabe que mesmo gemendo é por amor que gemo e quando mais não posso. Não sei os
minutos que se passaram, o que sei é que passei a outra vida e ouvi Jesus no meu coração.

— “Nasci no presépio do teu coração, minha filha. É o Esposo que vem à sua esposa, é o Rei que vem à
sua rainha. Sou Rei do Céu e da terra. Como estou bem aqui, ó rainha do amor. O presépio que Me dás
não é áspero como o de Belém, é fofo com as tuas virtudes. No te presépio não sinto os rigores do frio ;
sou aquecido com o amor mais puro e abrasado. Tu és a minha estrela, estrela que guias o mundo como
outrora guiou os Reims Magos no caminho de Belém. Diz, minha filha a todos os que cuidam de ti, aos
que te são queridos, amam e rodeiam que lhes dou abundância das minhas graças, um enchente do meu
divino Amor, um lugar reservado em meu divino Coração com a promessa do Céu”.

Não vi o Menino Jesus, mas enquanto que Ele me falou estava junto a mim uma grande palmeira de
Anjos, centos ou milhares de Anjos, muitos deles com seus instrumentos desciam do alto e rodeavam-
me. Tinha graça a pressa com que desciam. No meio deles estava uma grande escada ; de todos os
degraus desciam para mim numerosos raios dourados. Eram como setas a penetrarem no meu peito e
Jesus dizia-me :

— “São as tuas virtudes, são raios de amor divino. Recebe, é a tua vida”.

Aqueles raios fortaleceram-me, davam amais luz do que o sol mais brilhante. Vi tudo claramente. Não
sei o tempo, mas foi demorada esta visão. Desprendi-me a custo, ia como os que caminham e olham para
traz, dando a conhecer que querem alguma coisa. Eu desejava voltar ao mesmo. Não voltei à visão, mas
voltei à dor.

Veio o dia ; dia sem luz e vida sem vida. Sempre a querer guardar com toda a segurança o mundo dentro
em mim continuei a minha alegria fingida. Todos os mimos que recebi e carinhos de pessoas de tanta
estima passavam como se não fossem para mim. Ao terminar o dia disse para mim : “Onde passei este
dia ? Parece-me que estive morta para Jesus e para todos quantos me rodeiam. Vivi mas não senti a vida.
Sofri, mas não foi minha a dor. Não vivi para Jesus, não senti que O amava.”

Não sei dizer melhor e nada digo do que me vai na alma. Ó minha triste vida tão mal compreendida !

28 de Dezembro

Sorrio à minha cruz, mas ó meu Deus, com quanta agonia de alma. Vejo o tempo da minha vida todo
perdido. Parece-me que não vivi para Deus nem para as almas ; passei no mundo como se não passasse.
Que contas darei ao meu Deus ? Anseio por sair deste exílio. E como hei-de aparecer diante do meu
Jesus de mãos vazias ? Sinto que nada fiz por Ele nem para Ele. Estou mais gelada do que o gelo.

Depois da Sagrada Comunhão, ao sentir-me assim tão gelada, ao ver-me tão longe de Jesus apesar de O
receber, a minha alma chora de tristeza e dor. Sou como um cadáver que nada sente, pois a dor que sinto
não é minha, as lágrimas que choro minhas não são. O cadáver não ama nem sente o amor com que é
amado. Ó morte, ó morte, que tremenda és. Que tristeza ! Morte do corpo e morte da alma. Por tudo sou
esmagada, esmaga-me o peso das humilhações, esmaga-me o peso do abandono e desprezo, esmaga-se a
dor angustiosa de guardar o mundo, de o não deixar cometer nem um só pecado, de fazer com que todo
ele ame a Jesus com toda a graça e pureza. Esmaga-me o peso da ânsia sem fim de entrar no Céu com o
Universo inteiro a entoar a Jesus um hino de louvor, um hino eterno. Ai meu Jesus, o que me espera !
Ouço ao longe a tempestade que se espalha ao largo e outra que se aproxima. A sua fúria vem ferir meu
coração. Deixá-lo, deixá-lo sangrar. Tomai conta Jesus, tomai conta do sangue que dele correr, é sangue
derramado por Vosso amor, é sangue que corre à procura das almas. Quero salvá-las todas, todas. Ó
prova, dura prova, mas amada prova ; em ti vejo Jesus, em ti vejo a salvação das almas. Ai, tanto quero
ver junto de mim os que me são mais queridos e tanto medo tenho deles. Estou sozinha, vivo sozinha. Ó
meu Jesus, e quando me dais o meu Paizinho espiritual ? Quando realizais as Vossas divinas
promessas ? Vivo da esperança e da confiança em Vós. Confio no Vosso amor e na Vossa misericórdia
infinita. É quinta-feira, triste quinta-feira. Caminho morta para outra morte. Que medo, que pavor. É já
noite. A minha alma apavorada fugiu para um ermo, quer-se sozinha ; está envergonhada fugiu para a
solidão para aí chorar lágrimas de maior agonia. Oh ! quantos sofrimentos ela vê para ela e para o corpo,
vê tudo, nada lhe é oculto. O demónio anda como os ladrões a formar os seus assaltos, atormenta-me se
dó nem piedade. Nem posso pensar nas coisas que ele me diz, tão feias, tão criminosas, contra mim,
contra pessoas da minha maior estima e contra Jesus que é o que mais me aflige. Afirma-me
descaradamente que ofendo a Deus e nesse ponto perece-me ele falar verdade. Chama todos os
demónios para virem pecar comigo e eles vêem com toda a manha infernal. Que triste e doloroso penar.
Parece-me que chego a ir às portas da eternidade. Não sei como o coração não me abre o peito com tanta
força que bate. Quando me parece morrer é que eu chamo mais facilmente por Jesus e pela Mãezinha :
se não é com os lábios é com o coração e com o pensamento. Mas é ao terminar da luta, ao fim do perigo,
pois antes o maldito raras vezes me deixa. Quem poderá acudir-me ? Que socorro posso esperar a não
ser do Céu ? pobre de mim.

29 de Dezembro

Não desaparecem do mundo as sextas-feiras ! Ó meu Deus, corro para a morte e a morte para mim ! Que
dor esta tão angustiosa ! A minha cabeça está dilacerada. O meu corpo com os maus tratos
despedaçado ; é só sangue, é uma chaga viva. É tal a aflição e dor da minha alma que sinto e parece-me
ver nela o desespero duma criatura. Por graça e grande misericórdia do Senhor não estou desesperada ;
sinto o efeito da desesperação, mas estou calma e serena, sequiosa de mais dor, sequiosa de mais
purificação e mais amor. Só com isto o mundo será salvo ; só com estas cadeias fortes o poderei prender.
O sangue corre, a vida vai fugindo ; foge para dar a vida, vai louva a salvar o mundo Meu Jesus, dai-me a
dor que eu tanto amo, dai-me a purificação que eu tanto desejo. Guardai-me em Vós e na Vossa e minha
querida Mãezinha. Ouvi a minha alma num brado contínuo de agonia pela dor que sente e de ânsias de
Vos entregar o mundo. Queria-o ver nas minhas mãos para vo-lo oferecer como o sacerdote vê em suas
mãos a Sagrada Hóstia e a oferece ao Eterno Pai.

— Jesus, olhai para mim, vede as ânsias tão agoniosas e imolai-me como Vos aprouver para Vos dar
amor e com ele a humanidade. Queria dizer-Vos muito, mas como nada sei, nada Vos digo.

No meio destas ânsias veio Jesus :

— “Minha filha, anjo da terra, flor mimosa, flor cândida do Paraíso. Vem minha filha recolher mais uma
prova do meu esposório contigo, da minha união conjugal”.

Neste momento Jesus tomou a minha mão beijou-me e acariciou-me e estreitou-me docemente e Ele.
Fiquei como que a nadar num mar de gozo, num mar de amor. Jesus continuou :

— “Recebe a efusão do meu amor divino, recebe-o porque é a tua vida e tu és a vida das almas. Coragem
minha filha, mais um pouco, o teu Céu está perto, agora está perto. Em breve a tua alma desprendida da
terra voará ao Céu como a pomba branca e pura voa ao seu ninho. O teu ninho é o Céu junto do trono da
Majestade divina ao lado da minha bendita Mãe. Voa a rainha da terra para o seu esposo celeste, para
junto do Rei do Céu. É junto a Mim, minha filha, que tu vais continuar a vigiar, a governar o teu reinado
na terra. Não fica nela herdeiro da tua coroa nem do teu reinado. A ti entreguei o reinado do mundo, do
Céu governarás. Quanto te deve o mundo por e que por ele tens feito e por Eu o ter guardado no cofre
riquíssimo do teu coração. És um mar de dor, és um mar de amor. Estás transformada no infinito, tens
sobre as almas poder infinito. Quanto te é devedora a humanidade, quanto te é devedor Portugal. O
mundo devia estar destruído. Foi para evitar males maiores que permiti haver ainda os males presentes.
Pede, pede de novo muita oração e penitência. Coragem, minha querida jardineira, jardineira do jardim
celeste, agricultora divina. Semeia, colhe para Jesus. Semeia graça, semeia pureza, semeia amor. O amor
é a mais bela flor. Quem ama é puro, não ofende O seu Amado. Quem ama sofre por amor. Ó filhinha
amada, a tua dor tem sido a salvação das almas, guia e amparo dos pecadores. Escuta, filhinha, escuta os
anjos a entoarem-me louvores e um Te Deum de acção de graças pela vítima que escolhi, pela redentora
que ao mundo dei. Todo o Céu vê a glória que me deste, todo o Céu vê o valor da tua dor. Escuta, escuta
as vozes celestes. Este louvor é ao terminar o ano. Este louvor é dado em teu nome e em nome dos que
sofrem contigo, dos que cuidam de ti e da minha causa divina. Dá a todos o meu agradecimento divino.
Olha o que te digo na última sexta-feira deste ano, na última que te falo e renovo a tua crucifixão : não te
enganas, nunca te enganaste. Anima-te, tem coragem para a luta. Antes da tua morte todas as minhas
divinas promessas serão compridas. O esposo que ama a sua esposa não a engana nem a deixa enganar”.

Quando Jesus me mandou escutar ouvi as vozes celestes dos anjos, vozes tão harmoniosas que
arrebatavam a alma ao Céu. Só a alma podia ouvir, só ela podia gozar. Jesus disse-me :

— “É neste arrebatamento, num êxtase de amor saído por entre a dor que voarás ao Céu”.

— Obrigada, meu Jesus, abençoai esta pobrezinha que tão miserável e pequenina à vista da Vossa
grandeza desaparece. Dai-me força, dai-me amor.

31 de Dezembro

Quase todos os dias ora dum lado ora do outro vêm espinhos, por vezes bem agudos, cravarem-se em
meu coração. Recebo-os sempre com alegria embora com custo : manda-os Jesus ; sejam bem-vindos ;
são mimos do Senhor. São mimos que ferem ! Também eu, por minha miséria, cravo em Jesus espinhos
muito mais dolorosos e Ele é inocente eu não sou. Estes pensamentos animam, dão-me coragem para
abraçar por amor tudo o que de Jesus vem. Que vida tão dolorosa a minha ! Meu Deus, como são
variados os sofrimentos que me dais ! Passo horas do dia e da noite em ânsias dolorosas de guardar o
mundo. Jesus modificou agora estas ânsias. Umas horas quero gradá-lo, mas é como se fosse obrigada.
Não sei pelo quê, não sei o que é : quero prendê-lo e não sei de onde me vem a força para o fazer, não é
por mim, alguma coisa me obriga ; parece-me ser o amor que se sujeita a prendê-lo. Ao mesmo tempo
faço-o com repugnância, parece-me que ele era digno de esquecimento e desprezo. Vêm outras horas
que tenho tanta pena de sentir pelo mundo a repugnância e o aborrecimento e avivam-se em mim vivos
desejos de o conquistar e de o possuir, enlouqueço-me tanto de amor por ele que me faz lembrar um pai
a quem lhe fugiu o filho e voltando a casa o pai em vez de o castigar abraça-o e cobre-o de carícias. Eu
louca de alegria a querer abraçar toda a humanidade chego a exclamar “Ó mundo, estou louca de ti ; ó
como eu te quero, como eu te amo. Em ti vejo Jesus”.

Tantas coisas queria dizer destas ânsias que me consomem. Como pode ser isto, amar o mundo,
aborrecer o mundo, querer possuí-lo se eu quero deixá-lo.

— Ó meu Deus, ó meu Jesus, ponde em mim os Vossos olhares, ampara-me, assim vencerei !

Durante a noite fui assaltada, mas assaltada tormentosamente. Já durante a tarde a minha alma sentia
que ele andava a rodear-me. De longe a longe ouvia dele palavras de ameaça. Veio então não sei a que
hora nem o tempo que ele demorou. Sei que foi muito. Convidou o inferno para vir atormentar-me.
Dizia-me o que há de feio, feio e horroroso. Durante a luta passei por vários abismos ; uns mais
espaçosos, outros mais fundos. Mas apesar de muito feios ainda sobressaiam neles uns raiozinhos de luz.
O último foi o mais aterrador ; fantasmas negros o rodeavam. Eram tantos, tantos demónios, mais
negros que o carvão, em várias formas e caras tão feias. E eu prestes a cair neles. Parecia-me perder a
vida, o coração batia aflitivamente. O suor banhava-me o corpo. O maldito afirmava-me pecar e que
gostava de pecar. A hora era grave. Meu Deus, que tanto perigo. Pelos meus lábios saíam zunidos como
tempestade furiosa. Eu mesma dizia coisas. Ai que raiva a do maldito. Ouvia o ranger dos dentes e
querer-me estrancinhar. Só então eu repetia :

— Ó Jesus, ó Mãezinha, ó Mãezinha, valei-me, sou a Vossa vítima, sou a Vossa escrava. Ouvi então
Jesus :

— “Desempenha ó anjo do Céu a missão que te confiei. Toma em tuas mãos a minha esposa querida, o
meu anjo em carne, leva-a, coloca-a no seu lugar. Não pecaste, minha filha, convence-te, não pecaste.
São altos os juízos divinos. Escolhi-te para reparares por todos os pecados. Se não fosse a tua reparação
quantas almas se perderiam. As que caíssem neste último abismo nunca mais de lá saiam. São os que
preferem o pecado Deus ; pecam com toda a malícia, com todo o conhecimento. Antes querem o prazer
do que possuir a Deus. Eis a razão porque não querias nas tuas mãos o terço”.

Por um acaso, quando principiou a luta possuía nas mãos o terço da Mãezinha. Durante o combate não o
quis, arrumei-o. Continuou Jesus :

— “Os abismos que ainda possuíam luz são aquelas almas que pecam por fraqueza, mas temem o
pecado, querem vencer-se. Em ti vence o amor, a tua loucura por elas. Não pecaste, anima-te, minha
pomba bela”.

Terminado isto, estava já na minha posição, confiei em Nosso Senhor, mas fiquei muito dorida do que se
tinha passado. Sempre a causa do meu sofrimento é o medo de pecar.

Logo que pude, cedo ainda, principiei as orações da manhã. Sentia que Jesus não me ouvia palavra, mal
as pronunciava logo morriam. Via todos os sofrimentos passados durante o ano sem nenhuns me
pertencerem nem nenhumas orações, se me pertenceram, mal nasceram morreram. Estava a terminar o
ano e eu sem nada ter que dar a Jesus. Principiei a ver de tal forma a minha miséria, o meu nada !
Recordava o meu Pai espiritual prisioneiro e a sofrer tanto por minha causa ! Pensava em todas as luzes
que me foram tiradas e que tanta falta me fizeram para me guiarem e aproximarem de Jesus. Pensava no
meu médico assistente e pessoas queridas que tantos cuidados, carinhos e amor me têm dispensado. E
eu assim, tão nada e miserável ! Não pude resistir, principiei a chorar.
— Ó meu Jesus, ai, tantos cuidados e passos perdidos por minha causa ! Ai, o que eu sou e a quem eles
pensam fazer as coisas. Recompensai-os, meu Deus, enchei-os de Vós, do Vosso amor.

Foi um dia cheio de amargura. Recebi alguns mimos que me deram alegria. Quando a alma principiava a
senti-la, a saboreá-la, logo vinha Jesus com um corte separar tudo. Faça-se a Vossa vontade, ó meu
Amor, por Vosso amor.

À meia noite agradeci a Jesus todos os benefícios recebidos durante o ano e tudo o que me tinha feito
sofrer. Pedi para que rezassem comigo um “Te Deum” em acção de graças. Terminado ele, acrescentei :

— Obrigada por tudo, meu Jesus, por toda a dor e por toda a alegria. Perdoai as minhas ingratidões para
convosco. Que me espera agora no novo ano ? Mandai-me o que quiserdes, Jesus, que tudo aceito, mas
não me falteis com a graça precisa e dai-me todo o Vosso amor.

4 de Janeiro de 1945

– Jesus, quais são os miminhos que de Vós vou receber neste novo ano? Estou cheia de medo, ou mais
ainda, cheia de pavor. Venha o que vier, pelo muito que eu seja ferida, humilhada e abatida, com a Vossa
graça divina a tudo direi: “Seja bem-vindo, faça-se a vontade de Jesus; sou vítima do meu amor, vítima
das almas”. Confesso, meu Jesus, que o meu maior receio é a minha fraqueza, temo ofender-Vos. Confio
em Vós; seja firme o meu amor e subirei alegre o meu calvário. Reparai e vede, Jesus, as ânsias que
tenho; se não fôsseis Vós, tiravam-me a vida. Queria nascer agora, mas já Vos conhecer para nunca
manchar o meu corpo. Queria que comigo nascesse o mundo inteiro e que todo ele já Vos conhecesse
também para não se deixar manchar. Queria um coração novo, mas que sempre Vos tivesse amado para
nunca deixar de Vos amar. O mesmo querer tenho para todas as criaturas, para assim Vos amarem com
o mesmo amor que para mim desejo. Onde hei-de esconder-me e comigo esconder o mundo? Onde hei-
de purificar-me e purificar o mundo a não ser em Vós? Escondei-me, purificai-me. Fazei-me nascer
agora para a graça e para o amor e comigo nascer o mundo, mas de tal forma como se eu nem ele Vos
tivesse ofendido. Não sei onde estou; não vivo neste exílio nem vivo no Céu. Parece-me viver entre ele e a
terra. Fui para esta morada, comigo levei o mundo, morada sem luz, sem vida e sem nada. A minha alma
rasga-se de dor, é indizível o que sinto em mim. Meu Deus, que derrota! Não tenho luz, e roubaram-me
os guias de tão tremendos caminhos. Morro na escuridão, Jesus, morro desfalecida. Vinde, vinde com a
Mãezinha, dai-me força, dai-me vida.

Não posso pensar nos combates do demónio, tremo de horror. Ele arma tantas ciladas para prender-me!
Forma tantos assaltos à minha alma! Parece-me morrer de dor. Ouço a sua voz maldita desafiadora. E
quando fica só assim! O que mais me aflige é quando ele faz o que há de pior. Na manhãzinha de ontem,
preparava-me para comungar e logo a alma principiou a sentir os seus assaltos. A minha preparação foi
um terrível combate. Que vergonha a minha à chegada de Jesus ao meu coração! À voz de chamada do
demónio vieram muitos demónios. E o maldito dizia-me:

– Tu és o manjar mais delicioso para todos os demónios do inferno. Olha como te preparas para
comungar. É assim que és uma esposa de Jesus! Não és, não és, Ele não te quer, és minha, dá-me o teu
coração. Se mo deres por vontade, dou-te o mundo com todos os encantos, grandezas e prazeres.

Nesta altura, consegui renovar a Jesus a minha oferta de vítima e escrava.

– Não quero o mundo nem nada que lhe pertença, meu Jesus, o que eu quero é não pecar. Amar-Vos só
e não magoar o Vosso Coração divino.

O demónio redobrou de raiva. Sentia que o que ele queria era que eu lhe desse de boa vontade o meu
coração e com ele o mundo. O meu corpo estava desfeito com o cansaço. O momento era grave. Ao
parecer-me estar tudo perdido, não haver remédio para mim, bradei ao céu de alma e coração:

– Pecar não! Valei-me, Jesus!


Cessou a luta, mas ficaram-se na alma uns tristes efeitos. Uma tristeza tão grande por não ter pecado,
parecia-me que gostava ter ofendido a Jesus. Que aflição a minha! O demónio, mais retirado, continuava
raivoso; queria voltar a arrancar-me a alma e a despedaçar-me o corpo. A pouco e pouco, uma suavidade
e paz apoderaram-se de mim, invadiram-me toda. Jesus fez-me sentir que tudo o que se passava na
minha alma eram efeitos do demónio. Era ele que tinha pena de eu não ter pecado e estava raivoso por
não o ter conseguido. Chegou logo Jesus para eu O receber; gozava uma grande paz, mas muito triste,
tímida e envergonhada. Logo que O recebi, esqueci por algum tempo tão tremenda e feia luta.

Hoje, voltou o maldito com outro ataque infernal. Só Jesus vê a dor que me vai na alma. Disse-me que
eram as pessoas cúmplices do meu crime, ensinou-me a pecar.

– Meu Deus, como sair disto sem Vos ofender? Só com a Vossa graça. Por misericórdia Vossa, só nos
momentos da luta eu sei e compreendo as lições do mafarrico. É mais uma prova do Vosso infinito amor.
Só Vós sabeis quanto eu quero amar-Vos e reparar as ofensas feitas contra o Vosso divino coração e
nunca manchar o meu corpo nem a minha alma. Triste quinta-feira que me dás a sexta!

A minha alma está cansada de tantos sofrimentos, de tanta dor que a espera. Temo as horas que se
aproximam, temo a morte. O céu está revoltado com tanta ingratidão da terra. Temo tudo, mas por tudo
quero passar; quero morrer para dar a vida!

5 de Janeiro de 1945 – Sexta-feira

Sinto necessidade de escrever e não queria dizer nada do que me vai na alma. Faço-o por obediência.
Que tristes horas correm para mim, que grande agonia se apoderou da minha alma. Sinto que tantas
ruas são banhadas com o meu sangue. Vejo tanta revolta e indignação. Estou tão humilhada! O meu
corpo está como uma só chaga. O sangue da cabeça causado pelos espinhos banha-me todo o corpo. Eu
de braços abertos entrego-me à cruz, deixo-me crucificar. Estou num brado contínuo:

– Pai, meu Pai, também tu me abandonaste! Sou a tua vítima, dou-me a ti pelas almas. Ó meu Deus, se
eu tivesse querer, preferia o inferno a este sofrimento e ao tempo dos meus colóquios conVosco. Sim,
meu Jesus, se eu estivesse no inferno, em vez de Vos falar e Vós a mim, não temia enganar-me nem
enganar ninguém e não seria tão perseguida do mundo. Perdoai-me, Jesus, o meu desabafo! É o horror
que tenho ao engano, à mentira; é o temor que tenho de mim mesma, é o medo das sextas-feiras. Se elas
desaparecessem e eu desaparecesse também no Vosso amor infinito! Venha todo o sofrimento, venha a
cruz, venha a morte, tudo abraço, sou a Vossa vítima, Jesus.

Destes sofrimentos passei para um inundamento de luz, paz e doçura. Jesus demorou a falar-me,
deixou-me por bastante tempo gozar daquilo que era d’Ele. Falou-me depois.

– Minha filha, cheia de graça, pureza e amor. Minha filha, rico tesouro daquilo que é divino. És cheia de
graça, pureza e amor, és rica do que é divino, porque guardaste em ti com todo o cuidado, esmero e
amor, o que do céu te foi dado. Correspondeste à graça, és cheia de graça. Minha filha, fonte divina,
fonte de toda a humanidade. És fonte divina, porque em ti existe tudo o que é divino. És fonte da
humanidade, porque a ti vem ela beber e purificar-se; és água pura, és fonte salvação. Minha filha, hino
de louvor, de amor e reparação. Se pudesses ver o louvor que recebi, a vassalagem e homenagens
angélicas que me foram dadas no céu pela reparação que me deste, pelas almas que salvaste com a dor
com que te deixaste imolar! Foi um ano cheio de amor, foi um ano cheio de salvação. Minha filha, flor
angélica, mimo da Trindade divina, mimo de Maria, mimo de toda a corte celeste.

— A dor que sofreste embelezou o céu, está adornado com ela, está escrita a letras de oiro e pedras
preciosas. Está escrita também a ingratidão e a maldade dos homens contra ti e contra a minha divina
causa. Espera-te um ano cheio de amarguras e também cheio de alegrias, por ti só experimentadas como
sol brilhante que aparece para rapidamente se esconder entre as nuvens. Nada temas, é esta a tua vida. É
vida que dá a vida, é dor que dá amor. Não te preocupes por nada veres do que fizeste, do que sofreste,
do que amaste. Não sofreste, não deste, não amaste por ti, tudo me deste a mim. Nada poderás ver no
mundo, tudo passou para a pátria celeste; tudo está de posse do teu Rei, do teu Esposo. Tudo verás,
quando tiveres comigo o teu encontro eterno. Sofre tudo, aceita tudo com alegria. As tuas asinhas
brancas, as tuas asas de alvura como a pombinha canseirosa voa ao longe à procura de alimento que dá a
vida aos seus filhinhos. Tu és a vida das almas, a mãe dos pecadores, a rainha do mundo, a rainha do
amor. Minha filha, espelho cristalíssimo onde toda a humanidade há-de ver-se e à tua imitação
transformar-se. Anseio, anseio por te ver na minha Pátria, para que todo o mundo conheça e aprenda na
tua vida, minha filha, escola sagrada das ciências divinas. Coragem, vida que dás a vida, dor que dás
amor. Recebe o meu amor divino para levantar-te do teu desfalecimento e para receberes a vida de que
vives.

O meu coração recebeu uma infusão de amor, senti as ânsias que Ele tinha de me ver no céu e senti as
homenagens que os anjos davam a Jesus ao entoar-Lhe um prolongado hino de grande louvor e
agradecimento. Ó quanto me custou separar-me de Jesus para viver aqui. Que diferença o céu da terra, o
amor de Jesus do das criaturas.

6 de Janeiro de 1945 – Primeiro sábado

Durante a noite rodearam-me tantos, tantos demónios! Era aterrador! Nenhum me tocou, mas vinham
para perto de mim em tão grande número, de asas negras, olhares feios, cornos tão compridos, quase me
tocavam. Uns de boca aberta como dum grande animal, língua de fora, deixavam sair à espécie dum
fumo escuro que formava como que labaredas da mesma cor. Outros apresentavam-se em figuras de
animais desconhecidos para mim; eram feios e aterradores.

Cansada desta prolongada visão, passei por um ligeiro sono. Mal despertei, logo me veio à lembrança o
primeiro sábado. Para mim estes dias são de grande confusão.

– Meu Jesus, se eu pudesse fugir para onde o sábado não existisse! Perdoai-me, meu Amor, bem sabeis a
causa de tudo isto. Eu podia amar-Vos com grande amor e sem me falardes. Ó Mãezinha, não fiqueis
triste comigo. Tenho medo, muito medo, mas só quero a Vossa vontade e a do meu Jesus.

Ai que dia sem luz, que noite sem luar. O coração aniquilava-se, a dor despedaçava-o. Veio o meu Jesus,
pus-me a nadar no mar do Seu infinito amor. Desapareceu a dor, o medo, o aniquilamento, e logo a Sua
divina voz se fez ouvir.

– Minha filha, estrela luminosa, venho ao mar da tua dor buscar para mim consolação e alegria,
reparação que dá a salvação. Tu és fonte de vida e de salvação. Espalha pela humanidade os aromas
divinos, aromas celestes das tuas angélicas virtudes. Ó planta tenra do teu jardim celeste, ó flor angelical
que eu neste calvário plantei. O teu perfume delicia-me, irradia o céu, irradia a terra. És flor que sai de
entre os espinhos, és perfume que sobressai por entre o sangue. Abraça a tua cruz, leva-a por amor. O
sangue corre? Deixa-o correr, é sangue de banho salutar para os pecadores. A cruz é sinal de redenção. O
teu sangue corre e correrá sempre, enquanto estiveres na terra. É com esse sangue que desempenhas a
missão que te dei. A dor não sairá do teu corpo, a amargura da tua alma.

— O amor divino em ti é superabundante, são cadeias do mais fino oiro para prenderes os pecadores.
Minha filha, esposa querida, que mereceste ser por Jesus elevada à maior altura, dei-te os mais honrosos
títulos, dei-te toda a riqueza do meu divino coração. És rainha, eu sou rei. Dei-te o reinado, dei-te a
humanidade, filha do meu sangue. Dei-te o meu amor: possui-lo no mais alto grau e perfeição.

– Basta, basta, meu Jesus. Eu sei que falais de Vós, de mim não podeis falar assim. Eu humilho-me e
envergonho-me ao ver a minha miséria, gostava mais que mostrásseis que a conheceis e que dissésseis o
muito que Vos ofendi.

– Sossega, minha pomba bela, a minha paz é contigo. Com a consolação e alegria que me dás esqueço as
tuas faltas, faltas que permito para esconder as minhas maravilhas, o tesouro das minhas riquezas, o
meu amor infinito. Coragem, estou contigo! O rei está sempre ao lado da sua rainha, não abandona o seu
trono. Diz, minha filha, ao teu paizinho que o inferno nada pode contra o céu nem os homens contra o
seu criador. Dá-lhe o meu amor com toda a abundância. Diz-lhe que é grande a consolação que me dá
pela sua obediência e grande humildade. A sua libertação chega, a minha divina palavra não falta. Ele
vem junto de ti antes da tua morte. Tenho-vos mais unidos do que se ele sempre estivesse ao teu lado a
guiar-te e a dar luz à tua alma. A vossa união é do céu e não da terra. Que esteja firme, sempre firme.
Esta recomendação de firmeza para ele e para quem a tenho dado não quer dizer que não estão firmes, é
uma prova de que estão na verdade e que neles nada deve haver de medo nem temor. Diz ao teu médico
que os combates do demónio concorrem para o agravamento dos teus males. Haja, pois, da parte dele
toda a vigilância. Temos de conservar-te a vida até que raie o dia para nunca mais se escurecer. Diz-lhe
que a ele e a todos os que com ele coloquei a teu lado para te ampararem e defenderem a minha causa
dou o nome de vassalos. São eles que defendem a guerra contra o rei divino e contra a sua rainha e
esposa.

— Coragem a todos, o que é de Deus não morre; é certo o triunfo. Vou dar-te o sangue do meu divino
coração, a minha vida divina da qual só vives e dás às almas. Dou a tua irmã como prémio da sua dor
junto à tua cruz a promessa do céu sem o purgatório. Ainda darás essa alegria a mais alguém. Não te
digo tudo hoje pelo muito que te custa.

Dito isto, do Coração divino de Jesus saíram muitos raios doirados que vieram ligar-se ao meu coração.
O sangue de Jesus principiou a passar para mim, senti-me viver. Jesus cobriu-me de carícias e chamou
pela Mãezinha.

– Dá, minha mãe, à tua filhinha a vida da graça, da pureza e amor. Levanta-a, que está caída. Dá-lhe
tudo o que é teu para ela dar às almas. Guarda-a, que é tua e minha.

A Mãezinha tomou-me em seus braços. Ao tempo que me acariciava, juntou os lábios delas aos meus.
Foi um sinal de alimento celeste; encheu-me, fiquei forte.

– Minha filha – dizia ela – dá ao mundo a vida que de mim recebes. A ti o confiei, eu e Jesus, em ti o
guardamos, está fechado em teu coração. Não temas, não te é roubado por satanás. Dás às almas que te
rodeiam e a quem amas a graça, a pureza e o amor que de mim recebes. Diz-lhes que tudo lhes manda a
Mãe de Jesus. Assim como passa dos meus lábios para os teus, tudo passará dos teus para os deles. Com
um beijo teu tudo receberão. Quando, com este pensamento de dares o que te dou, beijares alguém, é o
Espírito Santo que te inspira, é para essa alma receber o que agora te dou.

Neste momento veio Jesus, fiquei entre Ele e a Mãezinha como numa fornalha de fogo vivo. E dizia-me:

– Vive, vive, filha amada, vive com esta vida do céu. Recebe e ama. Sofre e dá amor. A dor e o amor são o
triunfo de todo o combate. Coragem, o teu calvário é o de maior salvação. Nenhuma gota do teu sangue
se perderá; é por meu amor, é para as almas.

Deixei Jesus e a Mãezinha. Passados uns momentos, voltei para Eles e fiquei por algum tempo como que
a dormir naquela fornalha de amor. Com as horas que passaram já tudo fugiu. Sinto-me no cimo do meu
calvário a bradar ao céu:

– Estou sozinha, estou sozinha. Sustentai-me, Jesus, amparai-me, Mãezinha, não me deixeis cair.

8 de Janeiro de 1945

Sinto na minha alma como se me estivessem a preparar alguma traição. Estou cheia de medo e em
tantas trevas que me parece que até o sol foi encerrado numa nuvem negra para nunca mais aparecer,
para nunca mais brilhar.

– E o dia, meu Jesus, o dia nunca mais raia para mim. Ah! E se mesmo assim eu Vos amasse! Se eu fosse
Vossa e vivesse só para Vós! Vede, meu Jesus, o meu coração sequioso de Vós. Eu quero dizer ao céu que
caia sobre mim e me esconda e guarde e comigo esconda e guarde toda a humanidade. Ai o mundo, meu
Jesus, o mundo que tanto me preocupa. Queria mares, universos de sangue para derramar por ele.
Queria mundos e céus de amor para Vos amar por ele. Não cesseis, meu Jesus, a minha imolação, para
que não cesse para ele a Vossa graça e o Vosso perdão. Se me permitissem, meu Jesus, queria
penitenciar o meu corpo, queria fazer dele o mais doloroso escravo para toda a humanidade salvar.
Pobre de mim, temo fazê-lo sem licença e não tenho um guia. Jesus, espero em Vós, em Vós confio, faça-
se a Vossa vontade; sede a minha luz, o meu caminho.

Que tremendas são as manhas do demónio. Como posso eu dar honra e glória ao meu Deus! Parece-me
mentira, mas não quero duvidar das divinas palavras do meu Jesus. Sofro tanto com estes ataques! Se o
mundo soubesse o que é o inferno e a maldade e a fúria do demónio, com certeza não pecaria tanto. Veio
esta noite numa fúria desastrosa contra mim. Maldades, mais maldades, palavras e lições feias. O meu
corpo parecia já estar desfeito de tanto cansaço. Ele queria que eu dissesse:

– Busco, quero e amo os prazeres; troco tudo por um só prazer, até o próprio Deus. Não quero o céu,
quero o mundo, quero pecar.

– Pecar nunca – disse eu.

– Quero o inferno, meu Jesus, prefiro uma eternidade de inferno e não quero gozar um só momento, não
quero o prazer, não quero o mundo. O que eu quero é não perder um momento de consolação e
reparação para Vós e de salvação para as almas. Valei-me, Jesus, dai-me o inferno, mas não me deixeis
pecar. Amar-Vos, sim, só, só amar-Vos.

Tudo isto disse a Jesus só com o pensamento, porque não podia mais. Foi o bastante para a fúria do
demónio aumentar. Lutei, murmurando sempre, dizendo a Jesus que não queria pecar. A minha luta era
sobre um grande abismo, nem podia respirar. O meu coração tinha a aflição da morte. O demónio fugiu
à voz de Jesus, que disse:

– Desempenha, anjo meu, a quem sempre obedeceste, desempenha a missão que eu dei sobre a minha
Alexandrina, o meu anjo em carne; leva-a ao seu lugar.

Senti-me levada como por uma aragem suave para a minha posição. E Jesus continuou:

– Se pudesses ver, minha filha, como sou ofendido nesta hora contra a virtude da santa pureza, morrias
de pasmo ou antes de dor. Mas a tua reparação consolou-me, fez-me esquecer o muito que me ofendem.
Esta consolação só podia ser tirada duma de pureza angélica.

Dito isto, Jesus estreitou-me com muito amor ao seu Divino Coração e repetiu por três vezes:

– Amo-te, amo-te, amo-te, meu amor; não pecaste, não me ofendeste.

Fiquei confiada nas palavras de Jesus, mas triste, tão triste, o coração em tanta dor, mais, muito mais do
que uma ferida dolorosa depois do tratamento.

– Jesus, já que assim o quereis, seja a minha vida como Vos consolar e agradar mais. Aqui me tendes
pronta para tudo, meu Senhor.

Mal posso confiar. Envergonha-me a minha vida. A virtude que eu mais amo e na que mais sofro. Só por
muita graça e misericórdia de Jesus não O tenho ofendido gravemente.

– Ó meu Deus, tenho vergonha de mim mesma, como a não hei-de ter de Vós? Perdão, meu Jesus,
perdão, meu Amor.

11 de Janeiro de 1945

Continuo a sentir na minha alma e mais forte ainda uma grande traição, negra, cruel traição.
– Serão, meu Jesus, ciladas armadas para mim, ou será a traição que para Vós foi preparada e por amor
dos filhos Vossos Vós tudo sofreste? Ó meu Deus, valei-me, tende dó de mim; mal posso respirar com a
minha dor. Será por hoje ser quinta-feira?

Será a traição que traz a morte. Sinto o martírio que me espera, sinto que o brado dos que se
compadecem da minha dor é abafado pela multidão contrária e revoltosa contra mim.

– Eis aqui a escrava do Senhor. Sim, Jesus, sou a Vossa escrava. Se eu pudesse passar de hoje para
amanhã no inferno, não para fugir à dor, mas sim aos colóquios que tenho conVosco… Perdoai-me, por
quem sois, ó Jesus. Perdoai-me pelas dores da querida Mãezinha. Tenho tanto medo desta vida, vida que
sinto não ser minha. Passa o tempo, vem a eternidade e eu sem dar um passo para o céu, sem aumentar
no Vosso divino amor. Jesus, Jesus, o dia não raiou, mergulhei-me nas trevas para sempre, para sempre.
Vem um espinho, vem outro espinho, eu tudo aceito, tudo sofro com o fim de Vos consolar e dar almas e
sou sempre a mesma; sempre a mesma frieza, sempre a mesma miséria, sempre a mesma morte.

É dor que destrói o coração. Eu, sem dar a conhecer o que sinto, ofereço a Jesus o meu sacrifício e vou
murmurando sozinha:

– Comprai com ele, Jesus, comprai com ele as almas. Poderá esta minha dor servir de utilidade para
elas? Vede, Jesus, é dor que só o Vosso divino amor pode vencer. Ai, meu Jesus, tenho tanta vergonha de
Vós! É tão grande a minha miséria! Quero viver na Vossa divina presença e não posso, tenho vergonha,
tenho medo, medo das criaturas que me são mais queridas, a quem mais amo. Tenho medo de todas e de
todas vivo separada.

É a guerra do demónio. Ó tormento, tormento aterrador. Que raiva infernal. Se lhe fosse possível tirar-
me a vida, quantas ele já me tinha tirado, se eu mais do que uma possuísse. Depois de principiar com as
suas manhas, diz-me:

– Queres escrever e não tens quê. Fazes isto quando queres e dizes que sou eu para teres que escrever.
Mil demónios num só pecam contigo. Dá-te a mim como te deste a Deus, beija-me com amor como
beijas o crucifixo. Olha que eu não te faço como Ele, não te dou que sofrer. Olha que Deus não tem céu
para te dar. Goza, goza comigo, goza os prazeres do mundo.

E não me deixa bradar ao céu. Mete-se entre mim e Jesus, para Ele não me ouvir, e dança à minha
frente. Dá-me as suas ordens criminosas e, quando não cedo prontamente, enraivece-se e sinto como se
ele estrancinhasse e patanhasse toda. O meu corpo parece ficar todo esmigalhado por ele. São só os
efeitos, porque ele não se aproxima de mim a ponto de me tocar. As palpitações do coração não dão vez
umas às outras, as pancadas fazem grande barulho. Depois das lutas, umas vezes sinto que passa uma
aragem que me levanta e põe na minha posição. Nesta noite não foi assim; estava caída ao lado das
almofadas e sem poder levantar-me nem ao menos mover-me para nada, já não podia mais estar
naquela posição. Muito triste, só repetia:

– Valei-me, valei-me, Jesus.

Senti-O a meu lado.

– Minha filha, esposa querida, amor do Amor, esposa que conhece nem quer outro amor, outro amado.
O meu sopro divino basta para levantar-te às alturas, transportar-te ao teu lugar.

Senti o sopro de Jesus e, no mesmo instante, estava nas minhas almofadas. Continuou Jesus:

– Diz, minha filha, o que queres de mim?

Respondi:

– O Vosso amor.
– Que queres que eu faça?

– A Vossa divina vontade.

Jesus estreitou-me ao seu Divino Coração docemente e acrescentou:

– A minha vontade é que tenhas coragem nos sofrimentos que te peço, é que me desagraves assim desta
forma. Repara, repara, minha virgem pura, minha virgem louca de amor por mim.

Pouco depois, adormeci num leve sono e ligeiro. Vi S. José, vi a Mãezinha com uma criancinha ao colo
agarrada ao seu pescoço santíssimo. Ela sorria alegremente para mim. Por detrás dela e acima um
bocadinho estava um quadro riquíssimo cheio de luz. Continha duas pessoas no meio e em cima uma
pomba branca. Aos lados, umas cabecinhas pareciam-me anjos. Com esta visão não me parecia viver na
terra. O que será a vida do céu sempre, sempre a ver a Deus!

12 de Janeiro de 1945 – Sexta-feira

Que dor a minha, ó meu Deus, se não sois Vós quem poderá compadecer-se dela. Que horror aos
sofrimentos e êxtases das sextas-feiras, que horror aos ataques do demónio. Já tive hoje momentos que
me parecia que a tudo ia dizer a Jesus que não. Senti-me sozinha na prisão, de mãos atadas, olhos
cerrados na tristeza mais profunda, de lábios mudos sem dar resposta a nada. Senti o meu corpo
despedaçado pelos açoites e as carnes calcadas aos pés. Ao sentir-me assim, lembrei-me do sofrimento
de quando Jesus permitia a minha crucifixão. Sentia também o meu sangue a correr e o coração como
que calcado aos pés. Sentia na minha alma olhares de terna compaixão pelos que me faziam sofrer. Era
tal o horror que me causava o inferno, a perda das almas eternamente que, em vez de os aborrecer,
queria-os, amava-os para salvar as almas. Via que só a dor os podia salvar. Veio o demónio ao encontro
destes terríveis sofrimentos. Combati com ele, banhei-me em suor. Quando ele tentava instruir-me no
pecado, pedia-me que lhe desse o meu coração com amor, ao menos enquanto pecava com ele e com
quem ele lhe apetecia dizer-me. Horror, horror, horror! Momentos de tanto perigo. Levantei os meus
olhos ao céu a pedir socorro, e cessou a luta. Mas parece-me, se viesse naquele momento todo o céu a
dizer-me que não tinha pecado, quase não acreditaria. Meu Jesus, estar tantas vezes num fogo vivo e não
me queimar! Faltou-me a minha respiração. A dor quase me desnorteou. Fiquei com os olhos levantados
e firmes no céu a dizer a Jesus que não queria pecar, e o meu corpo ficou na cruz, e ia murmurando
sempre:

– Jesus, sou a Vossa vítima. Mas, se assim vou neste aumento de dor, de horror e medo, não venço, não
resisto a tanto. Tendes de sofrer e resistir só Vós, meu Jesus, bem sabeis por mim que nada posso.

Veio Jesus, falou-me tão meigamente:

– Minha filha, flor solitária, mimo da humanidade, dor que salva, amor que tudo vence. Minha filha,
jardim do paraíso, em ti semeei, a ti vem o mundo colher flores de virtudes, flores de amor. Minha filha,
tesouro escondido, em ti se encerram as riquezas divinas. Tesouro escondido, porque quase tudo
desconhece o que em ti depositei. Minha filha, pomba branca, pomba angélica, a tua vida é um trinado
de louvor a Jesus, a toda a Trindade divina e à minha Mãe santíssima. Venho a ti, estou em ti, deste
palácio não posso ausentar-me. O réu não deixa a sua rainha. És porto de abrigo, és porto de salvação, és
o abrigo dos pecadores, a salvação da humanidade. É aterradora a guerra? Nada temas. O rei com a sua
rainha, rainha com o seu rei poderoso, tudo vence. Os soldados estão firmes, combatem pelo seu rei,
obedecem aos seus mandados.

– Ó meu Jesus, sou tão pequenina, como podeis encontrar-me! Sou só miséria, como podeis fitar em
mim os Vossos divinos olhares! Tenho vergonha, não posso levantar os meus para Vós. Compadecei-Vos
de mim. Eu sou flor, eu sou jardim, sou tudo o que dizeis, porque Vós semeais, Vós cultivais; sois Vós o
jardineiro, sois Vós a flor, sois Vós tudo, tudo, tudo, meu Jesus. Sois o porto de salvação, porque a
mesma salvação sois Vós. Reparai e vede a minha dor, tende dela compaixão. Quero amar-Vos e não sei
como, quero sofrer pelo mundo para o salvar e não sei sofrer. Temo o meu desfalecimento, temo cair
para não mais me levantar.

– Não temas, flor mimosa, adorno do meu divino Coração, não temas, porque não estás só, os anjos
acompanham-te dia e noite, fazem sentinela ao palácio da minha rainha. S. José veio visitar-te. Viste-lo
com a minha bendita Mãe? A criancinha que ela tinha ao colo, de braços atados ao seu pescoço, eras tu
mesma, minha filha. És a criancinha de Jesus, és a mesma de Maria. Com Ela salvarás o mundo que te
foi confiado, o mundo que hás-de salvar. Dei-te, é teu, não temas, que não te é roubado. Viste o painel
que por detrás e acima da minha bendita Mãe e de S. José pudeste contemplar? Era o da Trindade
Divina, Trindade que te ama, Trindade que se consola em ti. É o céu a contemplar-te, é o céu a dar-te a
vida, vida de que vives e para quem vives. É teu o céu e é de muitas almas a quem salvares, almas que
sem os teus sofrimentos nunca se salvariam. Vão gozar de mim, vão gozar do céu, a ti o devem, à tua
imolação, ao teu sacrifício, ó minha querida redentora. Recebe o meu amor, ó amor meu, dá-o, distribui-
o com abundância por toda a humanidade. Em breve, será conhecida, em breve, será espalhada a tua
dor, o teu amor inigualável.

– Obrigada, meu Jesus. Que todo o mundo se salve, que todo o mundo Vos ame louca e
apaixonadamente: são os meus desejos, são as minhas ânsias. É essa e só essa a causa do meu sofrer.
Tenho tantas, tantas ânsias e saudades do céu! Queria voar para lá e, quando não pudesse entrar para
dentro, queria ao menos arrancar do meu peito o coração e metê-lo dentro do Paraíso e dizer: Jesus,
Mãezinha, aqui tendes o meu coração, dentro dele está o mundo, guardai-o, que é Vosso; vou para a
terra sofrer e amar, enquanto esse mesmo mundo for mundo. Ah! Se eu pudesse fazer assim! Se eu
pudesse dar esta consolação a Jesus! Entregar-Lhe o mundo todo, todo salvo! Ó meu Jesus, não deixeis
ir mais almas para o inferno: são Vossas, é o Vosso sangue, não o deixeis perder.

13 de Janeiro de 1945

Há dias que principiei a ter um sofrimento indizível (embora diga alguma coisa, mas não digo nada)
pelas criancinhas que estão no limbo e que morreram sem baptismo. Não posso pensar que elas passem
uma eternidade sem ver a Nosso Senhor, sem gozar d’Ele, e ao mesmo tempo não sei se sinto pena ou
saudade que Nosso Senhor tem pelas criancinhas. Com os olhos no meu crucifixo, cheguei a dizer a
Jesus se me deixasse ir ao limbo baptizá-las; à falta de água, abria o meu peito, tirava sangue do meu
coração para um vaso; depois de as baptizar a todas, deixava o restante do sangue. As criancinhas iam
para o céu, eu voltava para a terra, enquanto o mundo for mundo, para de vez em quando ir lá baptizá-
las.

16 de Janeiro de 1945

Lembro-me do tesouro que Jesus e a Mãezinha guardaram no meu coração, mas já não tenho aquelas
ânsias de o guardar e de tudo fazer por ele. Agora já não me preocupa. Estou como que cansada de tudo
por ele ter feito. O que agora me faz sofrer, e sofrer deveras, é sentir que tudo o que podia fazer fiz e
agora mais nada posso fazer para o salvar.

– Ó meu Jesus, que hei-de eu fazer, que hei-de eu sofrer? Eu quero a todo o custo salvar a humanidade,
e a minha alma sente que não tem mais que dar, que não tem mais que fazer, que não há sofrimento o
qual não sofresse por ela. Ó meu Deus, que penoso martírio! Remediai Vós, meu Jesus, remediai este
mal. Tendes o meu corpo, tendes o meu sangue, é Vosso, utilizai-Vos, para que o mundo seja salvo. Não
o deixeis mais sair do meu coração. Não me deixeis ter mais um momento de vida que não seja para Vos
amar e para o amar a ele. O mundo, Jesus, as almas, o preço do Vosso sangue não quero que ele seja
calcado aos pés, não quero que sirva de condenação para as almas. Estou pronta, meu Jesus, a dar a
minha vida a cada momento, enquanto o mundo for mundo, se isso for possível, para as salvar. Jesus,
sou vítima do mundo, primeiro que tudo do Vosso divino amor.

No dia 13, entre visitas de muita estima, veio uma que eu já esperava e que muita falta tinha feito à
minha alma. Esperava-a e recebi-a friamente; tudo me era indiferente. Olhava-a e por vezes parecia-me
não a ver, não ser a realidade. Era um preso, saído da prisão, visitar um cadáver que lhe pertencia. Ó
dor, ó amargura, ó trevas aterradoras. Já é tarde para me darem alegria, já é tarde para receber
consolação a minha pobre alma. Os meus olhos pareciam não verem o segundo roubo que me foi feito. O
que será ao ser-me restituído o primeiro?

– Jesus, sou a Vossa vítima, o Vosso amor, a salvação das almas, a todo o custo, a todo o custo. Agora
sofro pela minha frieza, a minha indiferença por essa visita a quem tanto devo. Parece-me que a
desgostei, que a feri. Ó Jesus, sempre tudo pelo Vosso amor.

Durante a noite, que passei quase sempre alerta e unida a Jesus e no meio dum mar de dores de corpo e
da alma, fui assaltada cruelmente pelo demónio. Lutei com ele perto de duas horas. Nuns momentos,
dizia-me pecar com um, noutros, dizia-me pecar com outros. Chamava pelos camaradas para virem
pecar comigo. Quando eu conseguia não dizer nem fazer aquilo que ele queria, enraivecia-se muito mais
ainda e, para despedaçar-me, formava saltos desesperados. Quando podia, bradava ao céu; quando não
podia, lutava só. Nuns momentos muito assustadores, disse:

– Mãezinha, Mãezinha, vede o perigo em que estou, valei-me, não me deixeis pecar nem manchar o meu
corpo nem a minha alma.

Só se morre, quando Jesus quer. Se assim não fosse, neste combate teria morrido. Fiquei caída, banhada
em suor e sobre um abismo medonho sem um pequenino fio que me sustentasse. Olhava-o assustada,
ouvi Jesus a dizer-me assim:

– Este abismo, minha filha, é o abismo dos viciosos, entregues ao prazer e à carne. Ai deles sem a tua
reparação. Anjo meu, anjo querido, apressa-te a desempenhar a tua missão.

No mesmo instante, uma suave aragem levou-me às minhas almofadas. Continuou Jesus:

– Vamos, minha filha, desabafar os dois. Eu contigo as minhas mágoas e tu comigo as tuas. Coragem, tu
não me ofendes. Sais destes combates com a tua alma cada vez mais pura e mais brilhante aos meus
divino olhos. Que grande consolação dás com isto ao meu Divino Coração tão ferido.

– Ó meu Jesus, custa-me tanto este sofrimento! Tenho tanto medo de pecar! Velai por mim, eu quero só
o que Vós quiserdes. Vede todo o sofrimento que me vai na alma. Que triste agonia.

– Anima-te, minha amada. Tiro da tua agonia toda a consolação para mim. A tua morte dá a vida às
almas. Não te deixei sentir consolação da visita do meu querido Padre Humberto nem a ele de te ver
consolada; foi para tirar todo o proveito para as almas. Foi para que os homens vejam o que é a alma
abraçada à cruz e firme no amor de Jesus, para que não levem as coisas pelo lado do entusiasmo. Dá ao
meu Padre Humberto os meus agradecimentos por ter vindo dar vida à alma da minha esposa, da minha
vítima amada. Dá-lhe as minhas graças, bênçãos e amor, a ele e a toda a congregação. Ele está preso
duma só asa, só um voo lhe foi cortado. Eis porque lhe mando bênçãos e graças para toda a congregação.
É o prémio que lhe dou com minha Bendita Mãe a quem ele ama, e Ela o ama tanto. Com os seus
olhares, em união com ele, tanto bem tem feito às almas. Quero que te ampare, já que te não pode
amparar aquele que anseia voar junto de ti, o teu paizinho, a quem cortaram os voos e, não satisfeitos,
por todos os lados o ataram. Quanto isto tem ferido o meu Divino Coração! Mas, oh quanta consolação
para o meu Divino Coração e proveito para as almas do sofrimento dele eu tenho tirado. Coragem, pois,
para combater tudo o que vier. Coragem e firmeza, como os soldados que no meio do maior combate
nem ao menos estremecem. Dou a todos os que cuidam da minha divina causa a certeza da vitória.
Minha filhinha, eu não demoro a vir com minha Bendita Mãe a dar-te a nossa vida divina. Necessitas
dela, é dela que vives, a tua é-te roubada pelos pecadores e pelos perseguidores da minha causa divina.

– Sinto-me desfalecida, Jesus, sinto-me inclinar para a morte, não para esta morte que sinto, mas para a
morte que é a vida que me dá a eternidade, que me dá o céu, onde não poderei ter receio de Vos ofender.
Venha a dor, venha o amor, eu bendirei tudo o que vier das Vossas mãos divinas. Conto só conVosco, por
mim só tenho dúvidas e receios.

Retirou-se Jesus ou escondeu-se; ficou silencioso na minha alma, na minha alma tão ferida, tão receosa
de ter pecado. Aproximava-se a hora da visita de Jesus Sacramentado e não se apagava da minha
memória a luta de satanás. Que tristeza receber a Jesus depois de ter passado por tão feias coisas. Passei
o dia morta para tudo, só viva para a dor. Ai, meu Jesus, como é triste a minha vida; só seria alegre,
muito alegre, se, no meio de tudo isto, eu Vos amasse, e as almas fossem salvas.

18 de Janeiro de 1945

– Ó meu Deus, fugir para onde, se não há esconderijo para mim. Tristes horas me esperam. Sinto em
mim um mar imenso de sofrimentos. Estou como se a morte estivesse para bater-me à porta. Apesar da
ingratidão contra mim, ingratidão sem limites, quero todos os sofrimentos, quero abraçá-los. Só a dor e
a morte serão o remédio de tantos males. Sinto de joelhos, inclinada na presença do Eterno Pai para ser
imolada como a mártir que de boa vontade se entrega e inclina diante do carrasco para ser degolada. A
minha alma está triste até à morte. À vista de tantos sofrimentos, não pode ter alegria. Se a minha morte
fosse a vida para toda a humanidade! Ó trevas, ó horror, ó meu Deus, que para tantos tudo é perdido,
tudo é inútil; de nada valem as minhas dores, o meu martírio, a minha morte. Estou louca. Agora
levanto-me, estendo os meus braços e com olhares de quem tudo pode fito-os no Eterno Pai. Pai, ó meu
Pai, aqui tendes a Vossa vítima, vítima que a todos quer salvar, mas não me abandoneis, não me deixeis
envolta nas trevas, entregue ao demónio. Pobre de mim, meu Jesus, que ânsias consumidoras. Quero
meios, mais meios para salvar o mundo. Não os encontro, não os conheço; nada mais posso fazer por ele.
O meu coração está louco, louco pela humanidade, louco por todas as almas. Se eu tivesse vítimas que
por mim se deixassem imolar, para que eu com elas pudesse salvar as almas que se perdem, e perda
irremediável! Ó Jesus, nada tenho, nada posso conseguir. Queria ir ao limbo baptizar as almas. Queria ir
ao inferno arrancar de lá as que lá estão condenadas. Impossível! Ó Jesus, tende dó, tende compaixão,
dai ao menos remédio que evite a perda de mais almas. Abrasai corações em zelo de amor por elas,
corações que Vos amem por todos os corações, vítimas que só pensem em se deixarem imolar por Vosso
amor e por toda a humanidade. Que sede, que sede, Jesus, eu tenho de almas. É sede insuportável. Ai
que saudades do céu! Sinto-me caída sobre a terra nua, desfalecida, sem força para resistir a tudo isto.
Valha-me o Vosso amor, Jesus, sim, só ele será a minha força.

O demónio, sem dizer palavra, andava como o leão enfurecido, de dentes descarnados, a arrancar-me as
entranhas e a deixá-las retalhadas pelo solo. O mesmo queria fazer-me ao coração, formava assaltos para
ele, mas sem lhe tocar. Eu sentia a raiva que ele lhe tinha e as ânsias que tinha de o apanhar. Depois
principiou com uma desencadeada de palavras e lições feias.

– Vamos pecar, vamos gozar – dizia ele. Dá-me tudo o que eu te peço, peca por vontade, peca por amor.
Dá-me o teu coração. Se o possuir, possuo tudo.

Pelo meio disto entremeava palavras e gestos feíssimos. Parecia-me estar a ele entregue inteiramente, só
a ele entregue. Por algumas vezes pude fitar a Jesus Crucificado, Jesus pequenino, a Mãezinha e S. José.
Raras vezes lhes pude pedir que me valessem. Na tremenda luta, no auge da aflição, a minha língua ficou
como que destravada, e eu exclamei:

– Pecar não, pecar não. Valei-me, Jesus, não quero manchar a minha alma.

Serenou tudo por alguns momentos. Depois voltou o maldito, mas mais de longe, mostrando-se
satisfeito, a dançar e a afirmar-me que eu tinha pecado. Fiquei tão triste! Sentia o meu coração numa
bola de sangue. Sozinha desabafei com Jesus:

– Ó meu amor, quando terminará tudo isto? Tudo me aterroriza, temo ofender-Vos, temo falar-Vos,
temo não Vos amar. Que será de mim, Jesus! Corre para mim a sexta-feira a passos de gigante. Bem
vindo seja o que é por Vós. Velai por este nada, compadecei-Vos desta miséria, miséria sem igual. Sou
sempre a Vossa vítima, meu Amor.

19 de Janeiro de 1945 – Sexta-feira

(Durou três quartos de hora)

– Para onde caminho, Senhor? Que será de mim, meu Jesus?

Tudo é medo, tudo é pavor. Caminho apressadamente por entre ruas escuras e estreitas. Caio
desfalecida, esmaga-me o peso das humilhações. Sou arrastada por duas cordas. Sinto o meu rosto por
terra, as faces muito feridas. A dor dos agudos espinhos vem penetrar-me até ao coração; dor que parece
dar-me a morte. Sinto os joelhos, os ombros e mais partes do corpo em dolorosas chagas. Envergonhada
de tanta curiosidade, na tristeza mais profunda que se pode imaginar, a custo vou caminhando, caindo
repetidas vezes. Neste caminho vem ao meu encontro a mulher, a mulher querida, compadecida da
minha dor. Com que ternura e amor limpa do meu rosto o suor, o sangue e o pó. Os laços da mais
estreita amizade prendem os nossos corações. É indizível o que queria dizer dela, os louvores que queria
dar-lhe. Oh! como queria que ela fosse falada por este acto tão heróico. No alto da montanha, que
desespero sinto em mim, é desespero de amor. Tudo me causa horror: a morte, a morte, o abandono, ó
meu Deus. De joelhos, levanto os olhos para o Eterno Pai, dou-Lhe o meu sinal de aceitação a tudo.
Baixo os olhos, entro em mim e num abraço mais íntimo estreito tudo ao meu coração. Entrego-me à
morte. Os algozes continuam o seu bárbaro papel. Quadro horroroso! Que nojo e vergonha de mim
mesma. O meu corpo e a minha alma a desfazerem-se em lepra. Espero a minha hora.

Passei da dor ao amor, do calvário, da cruz ao tabor. Principiei a sentir o amor de Jesus fortemente no
meu peito e no coração e a Sua divina presença em mim; e logo ouvi a Sua voz, doce e suave:

– Vem o céu a prestar homenagens ao Rei do céu, à rainha da terra no seu encontro demorado. Era meu
desejo, minha amada, minha pomba querida, que o mundo conhecesse a forma como me dou à minha
esposa, à alma virgem. Queria que o mundo conhecesse e compreendesse este amor: o amor com que te
amo, o amor com que me amas a mim, o amor às almas, o amor à cruz. Era meu desejo, desejo, grande
desejo que o mundo conhecesse a tua vida, vida do amor mais puro, vida de heroicidade, vida de
heroísmos com toda a abundância. A tua vida é um painel riquíssimo onde está retratada a vida divina, a
vida mais completa de Cristo crucificado. Os homens, os homens, minha filha, opõem barreiras
escandalosas a esta vida que eu desejava fosse conhecida para glória minha e bem das almas.

– Ó meu Jesus, por eu não ter querer quero o que Vós quereis; se assim não fora, queria viver escondida,
viver como se não vivesse, viver como se nunca tivesse existido, contanto que Vos amasse e as almas
fossem salvas. Mas, se assim o quereis, o remédio está nas Vossas divinas mãos; fazei que os homens
procedam doutra maneira.

– Não, não, minha amada querida, não é assim.

– Perdoai-me então, meu Jesus, perdoai-me, se Vos ofendi.

– Sossega, não me desgostaste. Onde estão as graças que lhes dei? Não se utilizaram delas,
desprezaram-nas, calcaram-nas a seus pés. Utilizaram-se da sua vontade própria, do seu orgulho, dos
seus juízos, das falsas luzes. Que mágoa para o meu divino coração. Coragem, filhinha, vence a minha
divina causa e com ela vencem os que por ela lutam. Tu és o verdadeiro caminho, estrada de oiro,
estrada real, cercado de um lado e do outro das pedras mais preciosas, das maravilhas do Senhor. Felizes
almas, felizes pecadores que nela entrarem que vão a porto de salvação. Os teus olhares, os teus
carinhos, as tuas ternuras, tudo leva ao céu. São olhares, ternuras e carinhos atraentes que atraem a ti as
almas. Por ti vêm a mim. Vais agora, minha filha, receber a vida divina, a vida que te alimenta e dá vida,
a vida que dás às almas. Vais receber o meu divino sangue.
Jesus uniu o Seu divino Coração ao meu assim como o Seu santíssimo rosto e lábios se uniram aos meus.
O meu coração parecia-me estar colado ao de Jesus e do Seu Coração divino passava para o meu sangue.
Sentia o meu a dilatar-se, a dilatar-se, era grande, muito grande. Sentia também receber vida dos lábios
de Jesus para os meus. Ele cobria-me de carícias e dizia-me:

– Dou-te o meu sangue, a minha vida por onde eu quero e como quero.

Esta união foi demorada. Depois de algum tempo, Jesus chamou:

– Vem, minha Mãe, minha bendita Mãe, dá a tua vida celeste, dá as tuas graças e riquezas a esta minha
filha e esposa e também tua filhinha querida.

Jesus desuniu de mim o Seu santíssimo rosto e lábios, mas deixou sempre ligado o Seu divino Coração.
Tomou a Mãezinha o lugar de Jesus; uniu o seu santíssimo rosto ao meu, estreitava-me, cobria-me das
suas carícias e bafejava-me com tanta doçura. Senti que d’Ela recebi muita vida, e dizia-me:

– Minha filha, esposa do meu Jesus, tabernáculo do meu Jesus, sacrário do meu Jesus, onde Ele habita
sempre, sempre.

E Jesus dizia-lhe:

– Dá-lhe, minha Mãe, as riquezas do céu, dá-lhe todo o teu amor. Ao menos tu e eu a darmos-lhe a sentir
o nosso amor e consolação, já que das criaturas, a quem ela ama e que estão a seu lado, não recebe
consolação, não sente que elas a amam e até delas tem medo. Tirei-lhe tudo, tudo, tirei-lhe para minha
glória, tirei-lhe para a salvação das almas, tirei-lhe para abrilhantar a escora que sustenta o braço do
meu Eterno Pai, para ela, ao ver tal brilho, tais encantos, se esqueça do seu poder e use de misericórdia,
só de misericórdia para o mundo. Tirei-lhe tudo, espremi-a, espremi-a, dela consegui os licores
deliciosos.

– Desprende-te de nós, minha filha, vai para a tua cruz, para a tua vida de amor.

O meu coração estava cheio, cheio; Jesus fechou-o para não sair dele o sangue, e disse:

– Este é o sangue que germina, gera e dá a vida às virgens como tu.

– Obrigada, meu Jesus, obrigada, Mãezinha. Custa-me tanto desprender-me de Vós, sair deste amor!
Sim, por Vosso amor desprendo-me, mas antes dai-me este amor para dar às almas que eu amo e me são
tão queridas; dai-mo para eu dar a todos os meus, dai-mo para eu dar àquela alma que está em perigo e
por quem Vos ofereci hoje os meus sofrimentos. Quero que ela se salve e como sinal disso não quero que
morra sem todos os sacramentos. Dai-mo para eu dar às almas que tanto me fazem sofrer, para que Vos
conheçam melhor e Vos amem cada vez mais. Dai-mo para dar ao mundo inteiro, para que ele seja salvo.

– Vai, ó nova redentora, salvadora dos pecadores, vai, obedece, escreve tudo, faz esse sacrifício, dá o
nosso amor como desejas, com toda a abundância.

– Obrigada, Jesus e Mãezinha, obrigada sempre na terra e no céu.

Voltei à minha cruz, ao mar imenso das minhas dores. Já lá vão algumas horas e o meu coração ainda
arde como uma grande fornalha.

– Bendito seja Jesus e o Seu amor.

22 de Janeiro de 1945

– O meu sofrimento, o que se passa na minha alma, nem eu sei dizê-lo; mas sabe Jesus, conhece-o, sabe
que não minto, que não vivo para enganar. Ao menos isto: Jesus conhece e só Ele poderá pedir-me
contas. Sinto que sou um mundo de pecados, de podridão. Sinto que sou um mundo de frieza e de
ingratidão. Sinto que sou um mundo de esquecimento e desprezo por Jesus e sinto que sou um mundo
de sangue. Que dor para mim ao sentir que tudo fiz e nada mais posso fazer pelo mundo. Mas, meu
Deus, o que fiz eu, se tudo o que sofro e tudo o que faço não me pertence! Como posso sentir que tudo fiz
pela salvação do mundo! Não dei por ele a minha vida, mas essa mesma já a ofereci a Jesus. O que é este
mundo de sangue que eu sinto que sou? Vós o sabeis, ó meu Deus, isso basta. Parece-me que toda a
humanidade é banhada nele. Ai, se eu soubesse o que podia fazer para a salvar! E as pobres criancinhas
do limbo? Não desisto da minha oferta, dos meus pedidos a Jesus para as ir lá baptizar. Oh! se eu
pudesse! Se Jesus o consentisse! Eu queria estar de joelhos, enquanto o mundo fosse mundo, claro está,
sempre com a graça e força de Jesus, para obter d’Ele esta graça: baptizar as criancinhas. É insuportável
a dor que me causa a lembrança de elas ficarem uma eternidade inteira sem amarem a Jesus, sem O
verem, sem O louvarem. Que pena, que pena, meu Jesus, parece que morro de compaixão por elas. E as
almas que estão no inferno! Ó meu Jesus, não ter ele fim! Não sei se me faço compreender. A minha
alma sente uma dor indizível não tanto pela dor que elas lá sofrem, mas sim por não poderem mais ver a
Deus. Oh! que negro sofrimento, parece-me mais do que desespero. Meu Jesus, nem sei o que digo:
queria sofrer tudo, tudo e remediar todos estes males. Ó meu Amor, ó meu Amor, Vós, sim, Vós vedes,
Vós acreditais na sinceridade das minhas palavras; não saem só dos meus lábios, saem do mais íntimo
do meu coração, do meio da maior dor e agonia da alma. Sim, meu bom Jesus, sabeis que não é intrujice,
como alguém diz que a minha vida o é. Por graça e misericórdia Vossa nunca pensei em tal. Há em mim
alguma coisa de bom, de louvável? Não o sinto, não o conheço. Mas, se o há, a Vós pertence, não é meu.
Oh! quantos espinhos ferem este coração que já não existe senão para sofrer. É do fundo da alma que
Vos peço perdão para os que tão cruelmente me ferem. Sou ferida por aqueles de quem menos devia ser,
mas também eu procedo assim por Vós, meu bom Jesus. Perdoai-me. A minha alma sente que muitos
dos que me têm ferido querem agora limpar-se, mas a mim não podem, sou trapo imundo, ainda se
sujam mais. Ai, como estou magoada, mas antes milhões de vezes sofrer inocente do que uma só vez
culpada. Não quero perder um momento a minha união com Deus.

Passei a noite alerta, muito alerta; pedi tantas coisas ao meu Jesus! Repetidas vezes renovei-Lhe a minha
oferta de vítima. agradeci-Lhe mais o benefício que me concedia de eu não dormir, pois assim melhor
Lhe podia fazer companhia e conversar mais a sós com Ele, viver mais a vida d’Ele e só com Ele
desabafar. Sem eu querer, vinham-me ao pensamento tantas, tantas coisas que me fizeram e fazem
sofrer, e dizia:

– Jesus, passam-se semanas, meses e anos e eu encerrada dentro destas pobres paredes. Elas e Vós sois
testemunhas das minhas agonias e lágrimas. Fiz alguma coisa para parecer bem, para merecer louvores
ou para enganar? Por grande misericórdia e graça Vossa nunca o fiz, meu Jesus. Sou a Vossa vítima,
aqui me tendes prisioneira neste quarto, por Vosso amor e pelas almas. Nunca gozei o mundo nem as
suas falsas alegrias. O meu gozo, a minha alegria é o Vosso amor e a salvação das almas.

Nesta conversa e unida a Jesus, fui assaltada pelo demónio. Usou das suas manhas, das suas malícias,
dizia-me:

– Hoje é só comigo que tu pecas, é para pecares com mais amor, abraça-te a mim.

Dizia coisas vergonhosas que não posso dizer. Não me deixava recorrer a Jesus; só ao terminar da luta o
pude conseguir deveras. E, neste momento, uma multidão de anjos em torno cercavam a minha cama.
De repente, fiquei na minha posição e o demónio retirou-se para longe, de onde me afirmava
alegremente que eu tinha pecado. a visão dos anjos, o brilho da sua luz aliviaram-me a minha dor. Eles
estavam como que admirados de tal tragédia, mas compadecidos de mim. Mas as palavras afirmativas
do demónio causaram-me tal ferimento e impressão que de verdade parece-me que, quando chamei por
Jesus, já era tarde e só por graça d’Ele não O teria ofendido. Já passaram tantas horas, e este receio, esta
dor cá estão em meu coração vivamente. Recebi o meu Jesus tão cheia de medo e com tanta pena e
receio de ter pecado. Ai, meu Deus, que vida a minha. Na noite anterior a esta, combati por muito tempo
com o maldito; combati sempre sobre abismos, mas variados, alguns eram aterradores. Sobressaíam
sobre mim as labaredas de fogo quase preto e faziam tal estrondo, tal ruído que pareciam de cascas
verdes de lenha. Dizia-me o demónio:

– Este é o prazer desordenado, este é o prazer mais delicioso. Goza, goza comigo, é tão bom gozar, etc.

Ofereci a Jesus os meus suores, o medo de pecar por aqueles que nada temem e nada sofrem por ofender
e ver Jesus ofendido. Sinto que a minha oferta nada vale. A dor que me causa todo este martírio tira-me
a alegria e a consolação de tudo.

– Ó meu Deus, se eu pudesse convencer todas as almas do que se sofre no inferno! Se eu pudesse fazer-
lhes conhecer o que é uma ofensa feita a Vós, a dor que causa ao Vosso amantíssimo Coração! Sinto-me
envergonhada, meu Jesus, por nada fazer por Vós e por nada saber dizer da dor que sinto ao saber-Vos
ofendido e por não Vos amar nem Vos fazer amado. É a verdade pura que me sai dos lábios e do coração.
Não é assim, meu Jesus? Que grande graça ao menos Vós saberdes que não minto, que não intrujo. Por
tudo isto dai-me amor, amor, almas, sempre almas.

25 de Janeiro de 1945

Deixaria o sol e a luz do dia de existirem no mundo? Parece-me que a noite mais tormentosa e escura o
invadiu todo. Não há luz, não há alegria, não há vida. Morri eu e sinto que morreram todos os que me
são queridos. Tive o meu médico junto de mim, parecia-me que não o via, era como um cadáver ao pé
doutro. Ele, como sempre, na sua bondade e santidade, procurou levantar-me do meu desfalecimento,
infundir-me coragem e confiança.

– Ó meu Deus, que indiferença! O que ele dizia parecia não ser para mim. Tinha até medo dele, muito
medo. Jesus, tirais-me tudo, dai-me o Vosso divino Amor em troca desse tudo que me tirais. Dai-me um
mundo de almas e dai-me mundos e mundos do Vosso amor infinito. Quero amar-Vos com esse amor e
amar-Vos por esse mundo de almas que Vos peço. Tenho sede, Jesus, tenho sede, sede que me abrasa e
consome, sede que aqui na terra nunca mais pode ser saciada. Tenho sede de amar-Vos e ver-Vos amado
por esse mundo de almas que Vos peço. Tenho sede de sofrer, sofrer a mais não poder, para conquistar e
salvar para Vós esse mundo.

– Ó mundo, ó mundo, sem querer pertencer-te, sem querer amar-te, amo-te loucamente, quero-te a todo
o custo, não posso deixar-te, ó mundo querido, sem ver-te salvo, inteiramente salvo. Estas ânsias, estes
desejos não me pertencem, não nascem de mim; eu sou morte, só morte. Sejam de quem forem,
pertençam a quem pertencerem, são para Jesus, são para O consolar, são para O amar.

– Ligai, meu Jesus, o meu coração ao Vosso, que nada haja que nos possa separar. Ligai também a Vós
os corações do mundo inteiro; não quero que haja outra coisa nesta pobre humanidade a não ser amor,
amor puro ao Vosso coração divino. Quero que esta vida seja uma vida só de louvor para Vós. Que mais
posso desejar, Jesus, que mais posso sofrer? Queria arrancar o meu coração e entregá-lo a arder nas
chamas mais fortes e do amor mais ardente e poder dizer-Vos: este é o amor de toda a humanidade, este
é o amor de todos os filhos Vossos. Amor, Amor, meu Amor, quero dizer-Vos tudo pelo mundo e por ele
sofrer tudo sem excluir ninguém. É verdade, meu Jesus, isto que Vos digo, são sinceras as minhas
palavras, não é intrujice minha, por graça Vossa não sei intrujar. Quando, nestes dias, Vos oferecia as
minhas dores quase insuportáveis, os ardores da febre e frequentes vezes me oferecia como vítima, sem
eu querer, quantas vezes me vinha ao pensamento: não é intrujice, Jesus, é a verdade para a minha
oferta, e todos os sofrimentos os suporto por Vosso amor e pelas almas.

Que amargura, que triste amargura esta frase causou à minha alma: tudo sem uma intrujice. Nosso
Senhor não tem permitido, nestes dias de sofrimento indizível, que eu seja atacada pelo demónio. Só
uma vez ou outra ele lá vem com as suas falsas palavras:

– Não é verdade que pecas quando tu queres? Agora que a doença te aflige mais não queres o gozo, não
queres o prazer.
Cobrindo-me de insultos, retira-se.

– Ó meu Deus, que mar de sofrimento à minha frente! Que triste quinta-feira! Quanta falsidade me
preparam!

É já noite; sinto-me numa grande reunião, num convívio de grande intimidade, as conversas são
animadoras. Dois quadros tão diferentes se apresentam na minha alma: uma traição sem igual e um
amor sem igual. Um amor, uma doçura, uma ternura sobre essa traição que não há corações, não há
lágrimas que o possam explicar. Quantos convites cheios de doçura a essa traição. O traidor resiste, a
nada se rende, não se sente bem ao pé do cordeirinho, vítima inocente. Não sei dizer as bondades e
delicadezas de Jesus. Queria que a minha alma fosse um livro onde todos pudessem aprender as
bondades, ternuras e o amor de Jesus.

28 de Janeiro de 1945

Jesus hoje pede-me dois sacrifícios, um da alma, outro do corpo. Da alma, por ter de ditar tudo o que ela
sente e sofre; do corpo, por ser tão grave o meu estado que nem posso mover os meus lábios para falar.
Parece-me que com cada palavra que pronuncio me vem arrancado o coração e as entranhas. Confio em
Jesus que me vai auxiliar ao menos para dizer as suas divinas palavras. Resumo os sentimentos da
minha alma. De manhã logo, quando me sentia correr para a morte e a morte correr para mim, corria
porque impulsos de amor me obrigavam a correr. Só o sangue e a morte seriam a salvação do mundo, e
eu queria salvá-lo. Quantas vezes, no trajecto que percorri, caí desfalecida, e parecia mesmo, mesmo
perder a vida. Perder a vida para dar vidas dava-me forças, voltava a caminhar. No calvário, na cruz,
sentia o meu sangue sair de mim a jorros. Calma e serena, com o espírito só em Deus, esperava o
momento da maior felicidade, o momento da salvação. Veio depois Jesus, tão cheio de ternura e amor
por mim.

– Minha filha, tabernáculo divino, sacrário onde habito, prisão de doçura e amor. Prendi o meu coração
ao teu, ataram-nos os laços do mais santo amor; prenderam-me, prenderam-me os teus laços
encantadores, laços brilhantes, laços do mais puro e fino oiro. Minha esposa, minha esposa, nada há que
possa separar-nos, nada há que possa cortar os laços matrimoniais que nos prendem. Ó minha pomba
bela, minha rainha, meu palácio. Rainha do Rei Celeste, palácio da Sua habitação. Minha filha, vida de
amor, língua de louvor, pureza angélica. Por ti o mundo será puro; pela tua língua o mundo Me louvará;
pelo teu amor seráfico o mundo me amará. Ó pomba, ó bola, ó jardim divino, és tu o jardim, eu o
jardineiro. És jardim de virtudes de encantos, encantaste o meu Coração. És e serás sempre o encanto
dos pecadores.

– Isso, sim, meu Jesus, isso quero eu encantá-los para Vós, custe o que custar, meu amor. Peço-Vos a
grande graça de os fechardes a todos em Vosso Divino Coração; não quero que nenhuma alma se perca,
não quero, não quero, meu Jesus. Eu não Vos nego os sofrimentos, não me negueis também as almas.

– Filhinha, filhinha, heroicidade do mundo, heroicidade sem igual, assim como sem igual é a tua dor, o
teu amor. És rica, és poderosa. Preparei em ti um armamento forte, armamento de guerra; não é de
armas nem fogo destruidor, é armamento das virtudes mais heróicas, da pureza mais angélica, de amor
de Querubins e Serafins. Preparei em ti o que preparam as nações para combater as guerras. O
armamento que em ti depositei não é só para combater Portugal, mas sim o mundo inteiro. Combaterás,
minha filha, e vencerás. Partes para o céu e na terra ficará sempre o armamento divino que em ti
guardei, e tu, ó pomba branca, ó pomba angélica, recolheste-o em ti, abraçaste-o sofrendo, abraçaste-o
amando. Tu és, minha esposa amada, um novo evangelho assim como és a nova redentora. Novo
evangelho, onde está escrita, gravada, bem gravada a vida de Cristo crucificado. Vida de dor, vida de
amor, vida de loucura pelas almas, vida de caridade, vida das ciências e doutrinas de Cristo Redentor.
Assemelhei-te a mim, retratei-te em mim, ó vítima querida, ó inocente salvadora deste ditoso calvário.
Salva-me as almas, põe-nas ao abrigo do manto que por minha bendita Mãe te foi dado. Coragem,
filhinha. Já que tanto te amei, tanto a mim te assemelhei. E, porque assim a mim te assemelhei, à
semelhança minha és caluniada, perseguida e desprezada. Nada temas. Dias de sol brilhante e
resplendoroso se aproximam, sol que nunca mais se escurecerá, brilho que nunca mais desaparecerá. A
causa é minha, o triunfo é certo. Será esta minha causa destruída, quando destruída para sempre for a
minha Igreja, a minha doutrina. Descansa, minha filhinha, descansa em meus divinos braços. Sofres
muito? Sofres ao máximo? É o meu divino amor. Alegra-te, são salvas muitas almas. Toma conforto em
meu Divino Coração.

Senti-me nos braços de Jesus, por Ele fui muito acariciada. Sentia a ternura do Seu Divino Coração e a
compaixão pelos meus sofrimentos. Teve-me em Seus divino braços por espaço de algumas horas. Fez-
me lembrar a mãe que não abandona o seu filhinho, quando ele está moribundo. Eu sofria muito, é
certo, mas confortada com os miminhos de Jesus e as Suas ternas carícias. Humilha-me, aterra-me tanta
bondade de Jesus para comigo.

1º de Fevereiro de 1945

– Dai-Me forças, dai-me graça, meu Jesus, se quereis que eu dite o que me vai na alma, se quereis que eu
cumpra o meu dever de consciência. Não tenho forças, Jesus, e ditar os sentimentos da minha alma
causa-me tanta repugnância!

Parece-me que não só morri, mas que nunca existi no mundo. Mas existe agora e existiu sempre a minha
negra ingratidão, as minhas maldades e horrorosos crimes; fazem-me tremer e arrepiar de pavor. Desejo
tanto os sofrimentos, sinto que os quero tanto, parece-me que estou louca por eles. Quanto mais sofro
mais quero sofrer, mas sofro apavoradamente. Amo a dor e quero a dor e tenho dela o maior medo, o
maior pavor. Corro para os sofrimentos numa alegria doida de os abraçar e ao mesmo tempo parece-me
que com eles choro lágrimas de sangue e deles me queria esconder. Ó horror, tremendo horror! Quero
sofrer, quero fugir à dor.

Nestes dias, em que tanto tive de dar a Jesus, não pude ter um momento de alegria ao oferecer-Lhe os
meus sofrimentos. Muitas vezes repetia: por Vós tudo, meu Jesus, e pelas almas. Esse tudo, que oferecia
a Jesus, não era meu, não era nada. Passei dias, passei noites neste estado, a dar, a oferecer, sem ter que
dar, sem ter que oferecer. O que fiz eu? Entreguei-me à cruz, de mãos e pés cravada nela, dizia:

– Aceitai-me, Jesus, tal qual me sinto. Não sofro? Aceitai os desejos que tenho de sofrer! Não amo?
Aceitai as ânsias que tenho de amar. Não sou eu, não vivo. Não tenho que oferecer? Aceitai tudo de
quem é como se eu vivesse, se eu sofresse, se tudo me pertencesse. Estou na cruz, dei-me à cruz, espero
da cruz passar à Vossa glória, ao Vosso amor, ao Vosso céu. Confio, confio, meu Jesus. Sinto na minha
alma tantos maus-tratos! E sinto também remorsos ou não sei quê de várias pessoas que me têm feito
sofrer. O que é isto, meu Jesus? Não bastam os sofrimentos que me causaram, ainda tenho de sofrer a
traça que lhes rói a alma! Sou a Vossa vítima, Jesus. Pecar não, mas tudo o que seja para eu Vos amar e
Vos dar glória: quero tudo, aceito tudo, meu Jesus.

O demónio não veio ainda com os seus ataques tremendos. Tem-me aparecido, sim, em forma de
tremendas feras, feios esqueletos, a fazer-me gestos maus e a dizer-me se ainda não estou restabelecida
das minhas forças para continuar a minha vida de vícios, de gozos e de crimes. Nesta noite, apareceu-me
em forma de homem, de pé junto da minha cama. A altura dele era quase a do meu quarto. Na cabeça
tinha um chapéu grande, parecia-me de ferro. Vestia três cores: vermelho-encarnado, verde e preto. O
rosto parecia um monstro, olhos muito feios. Demorou-se junto de mim, mas não me tocou. A visão foi
assustadora, ele podia engolir-me inteira. Que mais poderá ele pintar!

Sou sempre a vítima de Jesus. Os espinhos não cessam de cair sobre mim, caem com tanta força! Ferem-
me o corpo, ferem-me a alma. E, há dois dias, sem receber o meu Jesus! Onde hei-de ir buscar a força
para os suportar? Estão sempre gravados diante de mim os quadros tristíssimos que Jesus desenhou na
minha alma: o mundo, o limbo, o inferno. Quantas vezes nem posso respirar, para nada vejo remédio,
nada posso fazer por eles. Só agora, caminha para dois dias que a minha alma sente uma chuva
miudinha, chuva de nevoeiro, uma chuva de sangue que orvalha a humanidade inteira. Sofro
incessantemente com isto, não por ver e sentir esse orvalho de sangue, porque é orvalho de amor, é
orvalho que dá de tudo, mas sim porque esse sangue que orvalha sai de mim mesma, sai do meu
coração, das veias do meu corpo.

— Ó que dor, ó que dor, que só ela tirava a vida ao mundo! Ó tarde de quinta-feira que me trazes tudo;
que mar de sofrimento! Estou tão manchada, causa-me tanta repugnância ver-me assim! Tenho tanta
vergonha que o Eterno Pai me veja e observe a traição que me preparam! Se pegassem em mim e me
pusessem à boca duma fera, não teria tanto medo, não me causariam tanto horror os sofrimentos de lá
como me causam estes e a sexta que se aproxima. Ó sofrimento que por tão poucos és compreendido!
Aumentai em mim, Jesus, amor, só amor.

2 de Fevereiro de 1945 – Sexta-feira

Escusado é fugir, nem esconder-me; não posso, não tenho para onde. Tudo é noite. E sinto-me à porta
do inferno. Ó meu Deus, que tormentos arrepiantes me esperam.

Chegou a sexta-feira, triste sexta-feira! Vi a minha cruz, vi-a ainda cedo; preparavam-na a toda a pressa.
Ela era precisa, fosse qual fosse a sentença que eu recebesse. Dentro da minha alma sentia a mansidão, a
bondade sem igual; dentro dela também, e ao mesmo tempo, sentia contra a mesma bondade e
mansidão o ódio, o rancor, o desespero e uma autoridade orgulhosa; orgulho sem igual. Feras contra o
Cordeirinho mais pequenino e inocente. Meu Deus, que dor por esse cordeirinho tão cheio de bondade!
Senti essa autoridade orgulhosa ainda antes de lavrar a sentença contra o cordeiro inocente; com um
furor diabólico rasgaram de cima a baixo os seus vestidos.

Ao encontro destes sofrimentos vieram os sofrimentos causados pelo demónio. Ele anda desesperado,
não sei porquê, mas certamente por Jesus não ter deixado, ainda não continuou as suas manobras
infernais. Veio para a minha frente em figura de fantasmas, mas de tal altura que não lhe via o princípio
nem o fim. Mostrava-se muito nojento por mim. Senti-o a querer escarnecer-me dentro da boca, piores
ainda, não as digo aqui, é porco, é escandaloso. Ele não se satisfaz com tudo isto; a sua raiva é por não
conseguir fazer o que tantas vezes tem feito.

— Jesus, aceitai o meu sacrifício, custa-me tanto falar; é obediência, santa obediência; se não fosses tu,
sofria sozinha, em silêncio, só Jesus o sabia.

E hoje, dia da Mãezinha, e eu ainda sem comungar, sem receber do meu Jesus força para tanta dor, dor
que desfaz, dor que rasga e volta a rasgar a minha pobre alma. Subi a montanha do calvário com tanto
custo, sempre a parecer ir expirando. Clamei, clamei sem cessar:

— Pai, ó meu Pai, até tu me deixas, até tu me abandonas!

O meu sangue corria, encosta abaixo. Escondeu-se o sol, encobriu-se envergonhado de tanta malícia. E
eu, envergonhada, estava na cruz, despida, à vista da canalha mais vil. Os meus vestidos foram cortados
e distribuídos. A minha tristeza e amargura não cessaram. A alma tremia com dor e com medo como o
corpo treme de frio. A bradar sempre por Jesus, Ele veio e trouxe com Ele um sol luminoso e abrasador.
Cessaram as tremuras da alma, o medo e toda a dor; só tinha paz, só tinha luz e amor. O coração
principiou a receber uma vida que não sei explicar, todo o peito se me abrasou em chamas. Que
suavidade eu gozei e por muito tempo. A abóbada do céu desceu sobre mim toda ela almofadada em
algodão, a qual envolvia os anjos com instrumentos. Ouvia os seus hinos maravilhosos, não os
compreendia bem, mas sei que eram a Jesus Sacramentado. Ouvi as palavras Corpus Domini Jesu
Christi, senti que Jesus se deu a mim e me prendeu mais e mais a Ele. Os anjos continuavam a cantar;
por entre eles sobressaiu um canal fortíssimo directamente a mim, dele caíam chamas de fogo e muitas e
muitas coisas, tudo entrava para mim. E então principiou Jesus a dizer-me assim:

— Este canal, minha filha, é do coração da tua e minha Mãe Bendita; dele recebes o nosso amor na maior
das abundâncias; dele recebes as nossas graças, virtudes e dons, riquezas divinas e tudo o que é do céu.
Dele recebes vida para viveres, vida para dares às almas. É este o orvalho, o sangue que sentes cair sobre
a humanidade. É uma mistura que faço das minhas riquezas, das minhas graças com a tua dor. És a nova
redentora. Passo para ti tudo pelo canal da minha Bendita Mãe; és tu com Ela que salvas o mundo. Não
te entristeças, minha filha, por não me receberes na Eucaristia. Quanto mais fores humilhada e a minha
divina causa combatida mais maravilhas, maiores prodígios opero em ti. A minha divina ciência tem
sempre que dar-te e tu, minha pomba bela, tens sempre que oferecer. Já que é sem igual a tua dor, o teu
martírio, é sem igual o meu amor, as minha maravilhas em ti. São luzes confusas para aqueles que as
não quiseram ver claras. Vida maravilhosa e prodigiosa é a tua, ó filha querida. Tu és orvalho que
fecunda e dá vida. Tu és de Jesus, tu és das almas. És a bolinha de Jesus, és a bolinha dos meus
entretimentos, dos meus encantos, assim como és a bolinha de encantos atraentes para os pecadores. És
de Jesus e és deles. És vítima que amas e encantas o céu, és vítima que dás a vida momento a momento
pela humanidade. Recebe toda esta vida divina, dá-a ao mundo faminto, dá-a ao mundo em perigo. A ti
o entreguei, a ti o confiei. Tenho eu, Jesus, toda a confiança em ti. Confio tanto quanto tu me amas,
quanto amas as almas. És rica comigo, comigo as salvas, comigo e minha Bendita Mãe. Vai, minha
jardineira, para a minha agricultura. Vai dar, vai distribuir.

— Deixai-me, meu Jesus, dar tudo o que de Vós recebi a todos aqueles onde vai agora o meu
pensamento.

E nomeei as pessoas a Jesus. Ainda abrasada no Seu divino amor, cantei à Mãezinha:

No meu calvário, na minha cruz,

Clamei alto, clamei sempre

Por ti, ó Mãe, ó Mãe de Jesus!

Mãe, ó Mãe de Jesus,

Mãe, ó Mãe do meu Senhor,

Vem, dá-me luz, vem dá-me amor,

Suaviza a minha cruz!

Desprendi-me de Jesus. Desapareceu o céu com todo o brilho, e o canal do coração da Mãezinha
desapareceu com ele. Fiquei de novo sozinha na minha cruz, mas com o coração a arder, todo o peito
está em chamas. Com a força que recebi pude ditar tudo isto sem grande sacrifício das minhas palavras.
Sinto ainda o fogo no coração, mas os lábios já mal têm força para mover-se.

5 de Fevereiro de 1945

Na noite de dois para três ainda longe de aparecer o dia, ao recordar-me que era o primeiro sábado, senti
em mim uma alegria indizível, até a mim me causou espanto; eu, que tenho tanto medo e tanta
repugnância aos êxtases, como podia ansiar e alegrar-me com a lembrança de que Jesus ia falar-me?
Numas ânsias loucas do céu, esperava com alegria o colóquio com Jesus. Enganei-me: nesse dia ainda
não comungara, e Jesus não me falara como de costume. Esperei uma hora, esperei outra, sem O ouvir.
Oh! quanto eu sofri! Como não Lhe falei, sofri por não Lhe falar. Se Ele tivesse vindo, sofria talvez com
receio de me ter enganado. Bendito seja o sofrimento de cada dia. Estava tão triste! Parecia-me que o
mundo tinha coalhado de gelo. Queria possuir o mundo e aborrecia-me dele. Estava cansada de viver,
sem sentir a vida.

— Ó Jesus, seja tudo para Vossa maior honra e glória. Servi-Vos de tudo para eu Vos amar e fazer
amado. Aceitai tudo, para que as almas sejam salvas. Valei-me, Jesus, valei-me, só o céu pode dar
remédio a tantos males.

Esperei todo o sábado, todo o domingo, sem que Jesus viesse, sem que me falasse.
— Ó meu Deus, não pode ser maior o meu abandono.

O demónio rodeava-me em forma de feras; sempre gestos pecaminosos e porcos. Arreliava-me por Jesus
não me ter falado; dizia-me que Ele não voltava a falar-me. Veio a noite. Quando rezávamos o nosso
terço, já ele me ameaçava e dançava à minha frente de contentamento. Depois que fiquei sozinha, ele
principiou a chamar os camaradas dos infernos para virem pecar comigo. Que ia ser uma noite de
pecados, prazer e gozo.

— Agora já descansaste, já queres voltar à mesma vida de vícios.

Parecia-me que tinha as mãos atadas; não tinha o terço nem a Mãezinha e não podia bradar ao céu. O
coração custa-lhe muito a resistir às suas manhas infernais, parecia-me morrer. Pude então dizer a
Jesus:

— Morrer não me importa e morrer da forma que Vos agradar mais, mas pecar não, isso nunca; valei-
me, Jesus.

A Sua divina voz fez-se ouvir. Ele falou em meu coração:

— Anjo bendito, obedece à voz do teu Senhor; levanta a minha vítima inocente, livra-a das garras de
Satanás.

Nestes momentos, eu estava sobre uns abismos medonhos traçados a sangue. Fiquei de repente nas
minhas almofadas, já de mãos soltas e libertada do demónio. Não sei dizer a dor que sentia, desfazia-me
o coração. Que pena eu tinha de Jesus! Que receio de O ter ofendido! Não fiquei assim por muito tempo.
Voltou Jesus a falar-me:

— Não te entristeças, minha filha, tu não pecaste. Não queres dar-me consolação? Não queres dar-me
reparação? Necessito tanto dela nesta hora! Olha, vim ao teu coração buscar alegria, vim ao teu coração
buscar amor, consolação e a reparação que desejo. Alegra-te, confia, em ti encontro tudo. Não queres
alegrar-me? Alegra-te comigo.

— Bem sabeis, meu Jesus, que tudo Vos quero dar, que só quero viver para Vós e para as almas. Mas
sabeis também que a minha tristeza, a minha dor, é o receio de ter pecado. Não posso viver sem Vós.

— Não pecas, filhinha, não te deixo pecar; não vives sem mim. Olha, queres saber porque ontem não te
falei? Olha, dei-me a ti com mais amor, com mais intimidade do que se comungasses e não te falei para
mais de ti receber. Por não te falar, foi que te tirei o medo e o receio de falares comigo e pus em ti as
ânsias, os desejos de me ouvires e de mais te unires a mim. Procedi assim, primeiro para aclarar mais e
melhor a tua vida, para dar mais luz àqueles que não querem ver. Quero que eles vejam, que eles
conheçam como me comunico a ti, como é a minha vida em ti. Em segundo lugar, para saciar mais a
minha sede em ti e tu a tua em mim. Tu és a fonte pura, és fonte de água cristalina. Vem o Rei beber à
fonte da sua rainha, e a rainha sacia a sua sede no seu Rei. Vem o Esposo matar as suas ânsias divinas na
sua esposa amada, na esposa sem igual. Vem o jardineiro ao seu jardim, ao jardim que aos pecadores
pertence. Venham eles a ele colher as flores angélicas. Venham eles a ele abrilhantarem-se, venham eles
a ele perfumarem-se; são aromas celestes, são aromas divinos. Ó mundo, que não conheces a
preciosidade que te foi dada. Estuda, aprende, pratica. Diz, minha filha, ao teu paizinho que tudo vai a
caminhar para o seu fim; comparando-se com os meus breves, o tempo que falta para ele estar junto de
ti a desempenhar e a terminar a tua missão na terra é um abrir e fechar de olhos, é a rapidez do
relâmpago. Eu não falto, as minhas palavras cumprem-se. Entrega-lhe o meu divino Coração com a
abundância do meu amor, do amor com que o amo, do amor com que quero que ele se dê às almas.
Criei-o para elas, são elas a causa da sua dor. Diz, minha filha, ao teu médico que lhe dou o meu amor, os
meus agradecimentos para ele e para os que com ele trabalham na minha divina causa. Diz-lhe que
continue comigo a operar milagre. Vigilância, toda a vigilância. Como prémio do sacrifício dele um
orvalho salutar cairá sobre ele e os que lhe são queridos até a finalidade dos seus dias. É orvalho de
amor, orvalho de riquezas do céu. Sacrifício, sacrifício. Ele mereceu ser escolhido por Jesus para cuidar
da sua esposa mais amada, da sua vítima mais querida. Mãe, minha bendita Mãe, vem comigo dar as
tuas carícias, a tua vida celeste à nossa filha querida. Vem dar-lhe o que ontem lhe havíamos de dar; dá-
lhe a vida do céu, a vida que na terra vive sem a sentir.

Inclinou-se a Mãezinha para mim, tomou-me nos seus braços, cobriu-me das suas ternas carícias,
acalentou-me, bafejou-me e dizia-me:

— Recebe a vida que te é dada, recebe-a e dá-a aos pecadores, ó pombinha do meu Jesus. Consola-O,
sofre tudo por Ele. A nossa consolação e alegria são uníssonas; o que dás a Jesus eu recebo também, o
que me dás a mim recebe Jesus.

— Ó Mãezinha, é só por Ele e por vós que eu quero e amo os meus sofrimentos. Dai-me força, velai por
mim. Estou em tanta dor! Tenho tanto receio de pecar!

— Ó pombinha querida, tabernáculo riquíssimo do meu Jesus, repara, repara, não temas pecar. Posso lá
consentir que manches a tua pureza, eu que tanto a amo e tanto me consolo ver-te ao meu lado
aureolada, enriquecida de pureza angelical! Coragem! Como eu te amo, como te ama Jesus!

Fui de novo estreitada fortemente por Jesus e pela Mãezinha e logo me senti na minha cruz. Quase logo
me vieram as dúvidas e a dor dolorosa de ter pecado e de enganar. Exclamei:

— Jesus, ó meu Jesus, eu não quero enganar-me nem enganar ninguém.

Jesus segredou-me de novo:

— Paz, paz na tua alma, sossega, filhinha, não enganas, não te enganas. É Jesus que te fala, é o Jesus
louquinho por ti, que to afirma.

Hoje já comunguei, bendito seja Jesus. Enlouqueci-me tanto ao recebê-lO! Senti por alguns instantes a
grandeza do Seu amor e a Sua união íntima comigo. Pouco depois fiquei envolta em espinhos e rasgos
contínuos na minha alma a parecer-me não poder suportar esta vida e a querer partir para o céu.

— Ó meu Jesus, quero tudo e não tenho nada. De quem é esta vida? Vivei, vivei em mim, eu não vivo. Eu
sinto um doloroso martírio, mas o que sinto não me pertence; é Vossa a minha agonia.

8 de Fevereiro de 1945

A minha dor! Nem eu sei dizer. Que noite tão tenebrosa e triste. Que horrores dentro em mim. Sinto que
não posso resistir a tanto. Ó dor, ó dor, horrível tormento. Não posso demorar aqui mais tempo. Assim o
disse ontem a Jesus:

— Não posso, não posso, meu Amor, demorar-me aqui.

Quero deixar o mundo e quero levá-lo comigo; não o quero e amo-o; não lhe pertenço e ele é meu;
aborreço tudo o que é do mundo e quero prendê-lo, abraçá-lo a ponto de não mais o deixar.

— Ó mundo, o que hei-de fazer por ti. Quero voar para o céu, quero partir para fora deste desterro, quero
ir para a minha Pátria e quero levar-te comigo; quero entrar no céu, mas com toda a humanidade.

— Ai, meu Jesus, o que hei-de eu fazer? Ó meu Jesus, deixai-me ir ao limbo, não Vos esqueçais que são
Vossas as almas que lá estão. Quero ser vítima, levai-me ao sacrifício por elas. Dai-lhes o céu, o céu, meu
Jesus, dai-lho pela Vossa morte, pelas dores da Mãezinha querida. Eu não queria ter um minuto de
sossego para o meu corpo, enquanto o mundo existisse, queria que a minha vida fosse percorrê-lo todo
dum lado ao outro, sem parar um momento, sempre de rasto, sempre a pisar espinhos, num banho de
sangue, numa só chaga, para libertar da escuridão as almas queridas, filhas do Vosso sangue, meu Jesus.
Não sei que mais sofrimentos possa desejar para o meu corpo. Ouvi o meu brado, meu Deus e Senhor.
Eu aceito tudo o que seja dor, eu aceito tudo o que seja o martírio, mas quero o mundo salvo e na Vossa
glória as almas do limbo. É pelo amor com que Vos quero amar, é com a ânsia de Vos dar a maior das
consolações que eu quero salvar e levar ao céu todas as filhinhas do Vosso Divino Coração. Amo-as,
porque em todas Vos vejo a Vós; amo-as, porque primeiro de tudo e acima de tudo sois o preferido, ó
meu Amor. Sim, parece-me estar louca por Vos amar. Não sinto o amor que Vos tenho, mas sinto a
loucura por Vós. Sim, meu Jesus, fazei-me perder e desaparecer para sempre no Vosso amor infinito.

O demónio odeia-me, atormenta-me. Apresentou-se na minha frente na figura dum monstro aterrador;
era grande como uma casa. Saíam dele tantas serpentes da grossura de pessoas, de bocas abertas e as
línguas de fora alguns palmos; estendiam-se até perto de mim. Passado algum tempo, caiu sobre o meu
corpo a manha maliciosa desse maldito. Arrumou de mim o terço: não o queria. Ele dizia-me: “vamos ao
prazer”, acrescentando palavras do que há de pior.

— Vale mais um momento de prazer – dizia ele – do que milhões e milhões de céus.

Soo quando me pareceu ele ter conseguido o que desejava é que eu, de olhos fitos no céu, clamei muitas
vezes:

— Valei-me, valei-me, ó querida Mãezinha.

Senti a dor que já expliquei ao reverendíssimo Padre. Não era dor de tirar só uma vida, era dor de tirar
todas as vidas, eu parecia-me perder a minha. Quando esta dor caiu tão fortemente sobre mim, o
maldito mais se enfureceu, não gostou que eu a sentisse. A raiva dele ainda mais consumiu o meu corpo.
A Mãezinha veio a socorrer-me, tomou-me nos seus santíssimos braços e disse-me:

— Aqui estou, minha filha, a defender-te. Vem para os meus braços, vem descansar. É a Mãe a defender
a sua filhinha, é a Mãe a defender e a consolar a esposa mais amada de Jesus. Não pecaste, filhinha. São
momentos de tanta reparação, de tanto amor para Jesus! Coragem, sofre contente!

— Ó Mãezinha, que martírio que me custa tanto, tenho receio de pecar. Tenho vergonha de estar na
vossa presença e na de Jesus.

— Oferece-nos tudo isto, sossega, não pecas. Recebe graça, pureza e amor.

Estreitou-me ao seu santíssimo coração com tanto carinho, cobriu-me de beijos e mimos e retirou-se.
Apesar da vida e conforto que recebi, fiquei por muito tempo a sentir a dor de que acima falei. Custou-
me a resistir. Contudo, confiei na Mãezinha, Ela não vinha enganar-me. O que teria sido de mim e o que
será ainda sem este conforto do céu. Ó vida triste e amargurada. Sofro com tudo. Continuo a sofrer os
remorsos, essa traça que vai roendo nas almas de alguém. Quero-lhes tanto em Jesus e receio tanto a
presença delas. Sofro com as infelicidades de alguém que me tem ferido tanto. É tão grande a dor que
sinto por saber que sofrem, entristeço-me por eles. Lá vem a morte para mim. O que vejo em mim. O
que sinto na minha alma. Que tristes recordações. Sinto e vejo os tormentos que me esperam. Sinto que
sou apedrejada, as pedradas batem em meu coração. Sinto que me retiro do convívio das pessoas, fujo
para a solidão para em silêncio poder chorar. Oh! quantas lágrimas de perda, oh! quantas lágrimas de
vergonha por me ver revestida de todas as maldades e estar assim na presença do Eterno Pai. O amor
obriga-me à dor. De lábios mudos, olhos cerrados, entrego-me a tudo, lá vou para a morte. Uma chuva
de espinhos cai sobre mim, o meu corpo vai ser um leproso. Mas estou de braços abertos com um terno
sorriso e uma mansidão sem igual, escondendo o disfarce de tudo.

— Ai, meu Jesus, eu só queria para maior honra e glória Vossa saber dizer o que vai dentro em mim, o
que sofrestes por nós. Ó que ternura, ó que bondade. O inocente, o inocente Jesus.

9 de Fevereiro de 1945
Se todos os dias, ao despertar dos meus ligeiros sonos, desperto mergulhada numa grande dor e tristeza,
às sextas-feiras redobra este sofrimento. Não tenho palavras nem sabedoria para o saber exprimir.
Quando hoje despertei, sentia-me cansadíssima. Parecia-me que os meus cabelos estavam ensopados em
sangue assim como a roupa que tinha ensopada estava também e colada ao meu corpo. Eu estava
sozinha numa escura prisão. Sentia a dor do abandono em que me tinham deixado aqueles que me eram
mais queridos. Onde estavam as palavras afirmativas de não me deixarem? Tudo isto é um livro de letras
bem claras que tenho gravado em minha alma; não são coisas da imaginação. Oh! quantas vezes me
esforço por me distrair, para ver se desaparece este sofrimento da alma. Que grande engano. É ferida
profunda, é dor vivíssima que só Jesus ou a Mãezinha ma podem suavizar.

Veio depois o demónio em forma de lobo e de leão para a minha frente fazer cenas horrorosas. Confio
que não pequei, porque confio na afirmação de Jesus de não me deixar pecar. Se assim não fosse, ai de
mim. Maldito demónio, que grande escola de pecado. Eu só queria que as almas conhecessem as suas
manhas diabólicas, para não se deixarem iludir por ele. Com a visita de Jesus sacramentado, com o calor
do Seu amor divino, que me fez sentir com abundância, revivi um pouco. O conforto que Ele me deu
animou-me para poder durante a manhã percorrer o caminho do calvário. Fui tão maltratada! Caí tantas
vezes com o peso da cruz e com cordas fui arrastada para trás a tanta distância! Caía com o rosto em
terra, e as minhas carnes ficavam pelas pedras aos bocadinhos. Todos os sofrimentos à minha frente
aniquilavam-me o coração; era um aperto que o sufocava e tirava a vida. Na cruz, de todos abandonada,
ao ouvir as maiores injúrias, sentia correr no meu corpo bagadas do suor da morte. Juntavam-se às
gotas do sangue que da minha cabeça e das minhas chagas caíam com abundância. Sentia no sofrimento
grande doçura por ser a moeda das almas, mas não podia ter um sorriso. Neste abismo de dor, veio
Jesus.

— Minha filha, estou no meu trono, no palácio da minha realeza. É o Rei do Céu unido à sua rainha, à
rainha da terra. Aqui, sim, minha pomba bela, aqui não sou ferido, estou bem ao calor do teu amor, aqui
está bem guardado o meu divino Coração. A sentinela do teu palácio é a tua pureza, os guardas são as
tuas angélicas virtudes, o fogo das armas é o teu amor. São armas que estenderão as suas balas, o seu
fogo aos confins do mundo. Não é fogo de morte, é fogo que dá a vida, é fogo que atrai os corações e as
almas ao meu Divino Coração. Tu és um mar imenso de riqueza, és porto de salvação. Quando estiveres
no céu, junto do trono divino, e lá chegarem em teu nome súplicas a favor de pecadores em perigo,
quando a tua voz se fizer ouvir: “meu Pai, quero que aquele pecador se salve”, no mesmo momento ele
sentirá o toque da graça; todos por ti serão salvos. Serás um fio de oiro finíssimo que a mim os prende
para sempre.

— Ó meu Jesus, já que na Vossa bondade e poder infinito me fazeis no céu assim poderosa, fazei que já
na terra todos os pecadores que eu Vos nomear se convertam e sejam salvos.

— Pede, pede, filhinha, és poderosa. Lembra todos quantos quiseres ao meu Divino Coração. A tua vida
na terra é fazer bem à mesma terra, nela espalhares o bem. A tua vida no céu será enriquecer o mundo,
será orvalhá-lo com um orvalho de purificação e salvação. Ó que riqueza tenho para te dar no céu, para
distribuíres para a terra. Já aqui, e depois, de lá incendiarás o fogo do meu divino amor. Escuta, minha
filha amada, fulanos – e nomeou-mos – estão em perigo de se perderem. Estão tão cegos nas paixões!
Ofendem-me tão gravemente, tão escandalosamente! Queres oferecer-me por eles alguma reparação,
para eles se não perderem?

— Ó meu Jesus, eu quero oferecer-Vos tudo, para Vos consolar e para os salvar. Escolhei a reparação que
quereis, dai-me a Vossa graça e força divina, com ela estou pronta para todo o sacrifício.

— Aceitas quinze ataques do demónio a mais do que terias de sofrer? Algumas noites sofrerás dois
combates. Oferece-me cinco por cada um deles em honra das minhas divinas chagas. Desejava tanto que
elas fossem mais amadas e mais amado fosse o meu divino Coração. Espalha, espalha, incendeia no
mundo o meu divino amor. Aceita e oferece-me mais um combate em honra da chaga do meu sagrado
ombro; oferece-ma pelo sacerdote. Concorreu tanto para ma aprofundar! Oh! quanto eu sofri com ela!
— Bem sabeis, meu Jesus, que os combates do demónio são o maior sacrifício que podeis pedir-me, mas,
se com eles Vos posso dar consolação, se só eles podem reparar, como é preciso para tão grandes crimes,
aqui me tendes, Jesus, aqui me tendes, Amor, sou a Vossa vítima. quero salvar essas almas ceguinhas
pelo pecado, quero desviar para longe do Vosso divino Coração esses cruéis golpes que vêm ferir-Vos.

— Minha pomba, minha pomba, flor angélica, alvura da graça, jardim de delícias, trono de amor para o
meu divino Coração, bati, abriste-me a porta, pedi e tudo recebi. Recebe também em troca o meu amor,
todo o meu amor. Amo-te como se não houvesse na terra nem no céu mais a quem amar. Vive a minha
vida, vive a vida do céu aqui na terra, vive-a, para ensinares, vive-a, para que em ti aprendam. O teu céu
vem, não demora, depressa te levo comigo.

Jesus acariciou-me, beijou-me docemente, ao mesmo tempo que me abraçou e abrasou no fogo do Seu
divino amor. Poucos momentos fiquei alegre, depressa caí na minha cruz, depressa o meu coração
principiou a sangrar de dor. Lembro-me tanto das almas de que Jesus me falou! Mas mais da do
sacerdote que, por ser sacerdote, mais ofende a Jesus.

13 de Fevereiro de 1945

Que hei-de eu dizer da minha dor? Nada em comparação do que sinto. Ó meu Deus, que dias tão cheios
de dores, tristezas e amarguras. Oh! quanto eu tive de oferecer a Jesus. Oh! se eu Lhe soubesse oferecer
tudo quanto magoou o meu coração, o meu corpo e a minha alma! Pobre de mim, não sei falar ao meu
Amado, ao meu tudo. Ai, quem me dera que estes dias fossem cheios de amor a Jesus, como foram
cheios de grande martírio. Que miséria a minha, eu não O sei amar. Sinto que é Ele a minha loucura em
tudo e acima de tudo; sinto que tudo o que faço é por Ele e para Ele. Sinto que todo o amor que dedico a
todos os que me são queridos nada é em comparação daquele com que desejo amar o meu Jesus. E não
tenho nisto consolação alguma. Não tenho gosto em nada do que sofro e Lhe ofereço, nada é meu, nada
vejo em mim a não ser os maiores horrores de miséria.

— Ó Jesus, ó Mãezinha, como nada mais tenho para oferecer-Vos, aceitai esta minha miséria, fazei que
ela sirva de honra e consolação para Vós e proveito para as almas.

Ando louquinha à volta do mundo, numa canseira incessável, levo comigo fortes cadeias, quero cercá-lo,
quero prendê-lo nessas cadeias. Quero o mundo todo num molhinho, no meio dele Jesus e a Mãezinha.
Ó meu Deus, se eu conseguisse não deixar sair deste molhinho nenhuma alma. Se o fogo de Jesus e da
Mãezinha incendiasse todos os corações deste molhinho, que bendiria eu por toda a eternidade todos os
meus sofrimentos. A chuva orvalhosa continua a cair sobre a humanidade.

— Jesus, Jesus, fazei que seja chuva de amor, chuva de salvação. Não digo nada do que me vai na alma,
não digo nada das aspirações que sinto. Se eu deixasse o mundo preso e pudesse ir para o limbo baptizar
as almas! E se, depois disso, pudesse ir ao inferno arrancar para Vós as que lá estão! Meu Deus, não sei o
que hei-de fazer. Jesus, resisti Vós à minha dor. Vede o meu coração e a minha alma a rasgarem-se
continuamente com esta amargura. É por Vós, é pelas almas.

Jesus disse-me que o demónio viria em algumas noites com dois ataques e logo na primeira noite ele não
faltou: foram dolorosos. Atormentou-me tanto e por tanto tempo! Vi o inferno e nele uma chuva de
almas. E tantos demónios, não tinham conta. Dizia-me coisas tão feias, um que era o senhor deles todos.
Sentado numa bancada de delícias, como ele lhe chamava, dizia as palavras mais feias e maliciosas.
Tanto queria recorrer ao céu e só tarde o consegui fazer. Ele dava-me a afirmação de me levar ao prazer,
ao pecado, à ofensa a Deus. O primeiro ataque ofereci-o a Jesus em honra da chaga do Seu santíssimo
ombro e para reparar pelo sacerdote, como Jesus me pediu. Quando eu dizia a Jesus que era pelo
sacerdote, então é que o demónio se enraivecia contra mim. Senti a dor, dor mortal, que já expliquei.
Sem poder resistir a ela, disse:

— Morro, morro, Jesus. Se morrer, morro contente, morro vítima do Vosso amor, morro vítima daquela
alma.
Ao dizer isto, uma aragem passou por mim, colocou-me nas minhas almofadas. Horas depois, ofereci o
segundo combate em honra das cinco chagas de Jesus por uma das outras almas. Quando me parecia
estar sem vida, num cansaço indizível, ouvi Jesus dizer:

— Anjo bendito, suaviza a dor da minha esposa querida, coloca-a no seu lugar. És, à minha ordem, o seu
enfermeiro celeste.

Fiquei libertada das artes manhosas de Satanás e direitinha sobre as minhas almofadas. Não sinto mãos,
mas sim um enlevo fofo, uma frescura suave. Fiquei em tanta amargura, na tristeza mais profunda. Se
houvesse um lugar onde eu pudesse esconder-me de Jesus, fugiria para lá. Ó meu Deus, que vergonha! E
quando Jesus veio para eu O receber! Ansiava pela Sua vinda, mas queria fugir e desaparecer-Lhe; não
era digna de O receber em meu coração. Já ofereci mais três combates a Jesus, pois só Lhe ofereço os
mais dolorosos. O maldito aparece-me em formas de bichos e feras tão desconhecidas! É horroroso vê-
los à minha frente. Um em forma de crocodilo, só mais alto do que eles; tinha uns poucos de metros de
comprido. E o inferno com umas cabanas tão feias, tão medonhas! Fogo, um fogo tão escuro e
atormentador. Por entre ele tantos cornos de demónios a sobressair. Ele dizia-me coisas tão feias. Que
vergonha ao eu ouvi-las e que medo de as ouvir. No auge da minha aflição, bradei por Jesus, porque a
dor atormentadora tirava-me a vida.

— Morro, morro, Jesus, e não quero pecar.

O meu coração dava estalos estrondosos, só a morte podia causar tão grande sofrimento. Ao meu brado
de agonia, veio Jesus.

— Não pecas, não morres, minha esposa amada. A morte que sentes não é real, a tua morte dá a vida,
vida de pureza, vida de amor. Se soubesses o valor desta reparação! Levanta-te, toma o teu lugar, sou o
teu Jesus, tenho poder para o fazer, assim como tive poder para mandar levantar e caminhar os mortos.

Já nas minhas almofadas, Ele estreitou-me ao Seu Divino Coração, acariciou-me e beijou-me.

— Se o mundo conhecesse, minha filha, o que é a vida do amor divino!

Dito isto, senti-me sozinha, confortada, sim, e só em ânsias de consolar o meu Jesus, mas logo
mergulhada num mar imenso de dor. De vez em quando a receber espinhos, que vêm cercar o meu
coração, e continuamente a ser esmagada por desgostos e humilhações. Esperava receber um pouquinho
de alegria, não por mim, mas por ver os meus contentes. Jesus não o permitiu, tirou-me a ocasião dessa
alegria, desse bocadinho de consolação que eu queria sentir. Ao ver que Jesus me tirava tudo, não tive
outras palavras a não ser repetir muitas vezes:

— Bendito seja o Senhor, a Sua santíssima vontade se faça. Ó meu Jesus, aceitai a consolação e alegria
que eu poderia sentir, seja ela consolação e alegria para Vós. Aceitai a alegria e aquele regozijo que eu
poderia ver entre os que me são queridos. Seja tudo pela salvação das almas.

Ontem, depois das três horas ou mais que passei a falar das coisas de Jesus com uma alma arredada
d’Ele há muitos anos e que nunca conheci a frequentar a igreja, fiquei banhada em suor e cansada sem
poder mover meus lábios para dizer palavra. Mas este meu esforço não ficou sem recompensa. Jesus
permitiu que eu sentisse por algum tempo alegria em meu coração. Essa alma deu-me sinais de
arrependimento e prometeu-me esforçar-se por em breve mudar de vida. Parece-me bem que, dentro de
breves dias, ela vai ser arrancada das garras de Satanás.

— Ai, se eu visse assim nestas disposições todas as que estão arredadas de Jesus! Quero sofrer, quero
sofrer, quero salvá-las. Amo-as, são de Jesus.

15 de Fevereiro de 1945
Não acredito nas minhas dores nem no que digo nem no que faço; tudo me parece mentira, uma
completa intrujice. Sinto que o é, mas por graça de Deus não encontro nada em mim a que possa chamar
intrujice. O que sofro é por Jesus e pelas almas, o que faço é com os olhos n’Ele e por Seu amor. Alguém
me julga da forma que eu me sinto, por isso sofro ainda mais. O que seria de mim, se Jesus não visse e
não soubesse tudo. O que eu quero é agradar-Lhe a Ele e consolá-Lo com esta penosa vida, que não é
vida ou, se o é, não me pertence. Tudo passa, tudo me foge; tudo passa, tudo me roubam. E eu sempre
aqui, não chega o meu céu. Para não faltar à minha palavra com Jesus não lho peço. Mas ai que
saudades e que sofrimentos, mais do tempo a parecer-me insuportáveis. É no meio da dor que o coração
vai perdendo a vida, não pode resistir; não explico o meu tormento. É certo que Jesus sofre em mim,
mas mesmo assim a dor domina-me, caio no desfalecimento. Sinto que a morte vai caminhando para
mim, a morte por que tanto suspiro, a morte que eu quero chamar vida, a morte que me leva a gozar de
Jesus e da Mãezinha. Deixo então as minhas tristezas, dores e amarguras, vou pedir por todos os que
amo, vou pedir pelo mundo inteiro; não vou esquecer os causadores de tanto sofrimento para mim; hei-
de pedir por eles, quero que Jesus lhes dê amor, quero que lhes dê o céu. Sinto que sou o mundo, um
mundo do rochedo mais duro e fechado e sinto que estou dentro desse mundo. Tenho de transformar
esse rochedo, de pedra dura transformá-lo em pedras preciosas, em oiro fino. Que esforço o meu no
meio desse rochedo sem poder mover-me para nada; tenho de o mover, de o desfazer, tenho que fazer
dele um mundo belo, agradável a Jesus, de encantos para todo o céu.

— Ó Jesus, vede esta louquinha, vede o martírio que a consome. Que hei-de fazer pelo mundo, como hei-
de transformá-lo? De que forma hei-de consolar e alegrar o Vosso divino Coração? Faltou-me a acção do
Divino Espírito Santo; parece-me que não tenho as Suas graças, as Suas luzes. Sou pobrezinha que nada
tem e nada pode vir a ter. Que será de mim, meu Jesus! Não posso viver sem Vós, sem Vós nada posso
sofrer.

Ofereci a Jesus mais um ataque do demónio para acudir às almas que Ele me pediu. Os mais violentos
são por elas, os outros ficam por quem Jesus quiser. Que coisas feias me diz o maldito, de pessoas, para
me ensinar a pecar, e de Jesus, acusando-O de grandes crimes. Horror, horror, é o que mais me custa
ouvi-lo dizer coisas contra Jesus. Durante alguns ataques, sinto que eu mesma sou o inferno com todos
os sofrimentos e horrores e que eu mesma sou o demónio com todas as manhas e toda a malícia. Não sei
explicar-me melhor, o que sei é que em alguns momentos sou um verdadeiro inferno, um verdadeiro
demónio. Ele apareceu-me em forma de homem muito feio, vestido de caçador, de arma às costas,
passeando à minha frente. Ao lado, estavam muitos em forma de esqueletos, de armas em pontaria
direitas a mim. Causavam-me muita impressão, mas não me assustei grande coisa. Eles não podiam
matar-me. Temo mais que me matem a alma com outras coisas que ele faz e diz. Oh! como eu receio
ofender o meu Jesus! Não posso lembrar-me que hoje é quinta-feira. Que sofrimentos tristes me trazem
estes dias. Durante a tarde, sentia-me a passar por entre ruas, seguia o meu caminho e por todos
quantos me viam era escarnecida e apontada como ré de todas as culpas e a maior criminosa. Pouco
tempo depois do anoitecer, senti-me num convívio de amigos e nessa amizade sentia um traidor, que
pouco depois havia de beijar-me, e senti a dor que esse beijo ia causar-me. Senti que era Jesus, e sobre o
Seu peito se inclinou um rosto que eu muito amava. O meu coração enterneceu-se de amor por esse
rosto. Que conversação de tantos mistérios, de tanta grandeza. Senti que nesse convívio lavei os pés a
todos os que me rodeavam. Em mim estava a água, a toalha e a bacia. Senti que um, a quem causava
muita impressão lavar-lhe os pés, a um olhar e poucas palavras, até já se despia para, se preciso fosse,
lavar-lhe todo o corpo. Ah! se eu pudesse exprimir aqui todo o amor, toda a bondade e ternura de Jesus
que bem podia fazer às almas; mas não sei melhor.

— Supri Vós, Jesus, a minha falta.

16 de Fevereiro de 1945

— Quanto sofro, meu Jesus. Sede a minha força. Só Vós sabeis o sacrifício que faço para ditar o que em
mim se passa. Este esforço parece arrancar-me tudo o que tenho dentro em mim. Servi-Vos dele para
arrancardes ao demónio todas as almas. Faço sacrifício por não poder e faço-o por revelar os segredos da
minha alma. Gosto tanto de sofrer sozinha, em silêncio, encobrindo o mais possível as minhas mágoas.
Ó meu Jesus, quanta dor abafada, quantas lágrimas escondidas. Perdoai-me a minha falta de eu hoje
exclamar: “ó meu Jesus, não acabam as sextas-feiras! Se eu pudesse fugir delas e esconder-me, para não
passarem por mim!” A Vossa bondade, Senhor, o Vosso amor, meu Jesus.

Logo de manhã cedo, senti tão maltratado o meu coração; a dor, as humilhações espremiam-me, já não
tinha sangue para dar ao corpo. Senti o caminho do meu calvário, saiu-me ao encontro a Mãezinha;
fitou-me, eu fitei-a a Ela. Uniram-se os nossos corações na mesma dor. A troca dos nossos olhares não se
demoraram, tive de caminhar à frente, maltratada, empurrada, arrastada. Mas a dor dos nossos corações
não se separou. Era como que dois fios eléctricos que dão ligação um para o outro. Quase logo que
cheguei ao calvário, fui cravada na cruz. Que grande tempo de agonia. O sangue corria, as chagas
rasgavam-se cada vez mais. As lágrimas da Mãezinha corriam em meu coração. Ela era um farol para
mim e eu outro para Ela, farol que dava luz para descobrir todos os nossos sofrimentos. Ainda sem ter
expirado, senti que me rasgaram o coração. Essa dor antecipou-se, porque, depois de morrer, não a
podia sentir. Quando assim sentia o coração, lancei um olhar ao mundo e disse-lhe:

— É por ti que estou assim.

Veio então o meu Jesus. Senti a entrada d’Ele em meu coração. Sentou-se e inclinou-se a mim e disse-
me:

— Minha filha, loucura de amor pelas almas, loucura de amor por mim. És louca pelas almas à minha
semelhança. Assemelhei o teu calvário ao meu. A tua vida é vida de Cristo, vive Cristo transformado em
ti. Sobes o calvário, porque não posso subi-lo eu agora. Levas a cruz, porque não posso levá-la eu
também. És o cordeirinho sacrificado e imolado, dás a vida na maior das agonias, porque agora não
posso eu sofrer assim. É revestida de mim que sofres, é comigo que levas a cruz, é comigo que nela
expirarás.

Por um grande intervalo de tempo, vi Jesus com a cruz aos ombros. Não O senti, vi-O. Mas eu era Jesus
e era a cruz. Que cruz tão grande! E Jesus tão curvado debaixo dela; o Seu santíssimo rosto quase
chegava ao chão.

— Minha filha, assim me obrigam os pecados do mundo, assim me obriga o meu amor às almas. São os
crimes, é o amor a causa de caminhar quase de rosto em terra. Sofre, minha amada querida, sofre à
minha semelhança, és vítima escolhida por mim. Minha filha, fonte salvação, fonte de toda a
humanidade, és fonte que não seca, és água que sacia todo o mundo; todo em ti pode beber, todos nesta
água se podem purificar. Minha filha, língua de louvor. Pela tua língua sagrada toda a terra me louvará
até ao fim do mundo. E já no céu os anjos e santos me louvam ao verem o teu sofrimento e a glória que
me dás. Minha filha, coração de fogo de amor, fogo que se estenderá e abrasará milhares e milhares de
corações. Minha filha, corpo de pureza, pureza angélica, assaltada sempre e sempre guardada no meio
dos mais agudos e penetrantes espinhos. O teu corpo de pureza, adornado de todas as virtudes, as mais
ricas e preciosas, estende as suas pétalas de lírio com toda a sua alvura e perfume. Crescem açucenas
tenras e viçosas, abrem as suas pétalas e com a aragem que passa estendem ao longe o seu perfume,
vicejam em prado mimoso; fazem sombra ao mundo que te confiei. Ditosos todos aqueles que estão à
sua sombra, ao teu abrigo se colocaram. Causa espanto a tua vida, as minhas maravilhas em ti. Não há
igual, porque igual não há ao teu sofrimento. Tu partes para o céu. Coragem, ele aproxima-se. Tantos te
verão partir com amor e saudade e quantos com remorso e dor por terem sido causa do teu martírio, por
terem servido de estorvo à minha divina causa, por tentarem encobrir ao mundo as minhas maravilhas
em ti. Rastejam pela terra, não olham ao alto, não compreendem, nem procuram compreender a minha
vida divina, apesar de eu em todos os caminhos lhes pôr um guia e uma luz. Fecham os olhos, deixam os
guias, seguem caminhos errados. Que mágoa para o meu divino coração e que mal para as almas. Dou
todas as graças, dou todo o remédio para as salvar, e tudo é desprezado, não olham à minha dor nem à
minha divina vontade.
— Meu Jesus, não estejais triste, dai-me a Vossa tristeza, dai-me toda a dor do Vosso divino Coração.
Não posso consentir no Vosso sofrimento. Conheço a loucura do Vosso amor pelas almas; aqui me
tendes pronta a sofrer por elas, a dar a vida por elas. Ficais assim consolado, meu Jesus? Deixai os
homens ferir o meu coração para assim Vos poder salvar mais almas. Mas não consintais que o Vosso
seja ferido.

— Não, não, minha filha, não, não, minha amada, não posso consentir que esta cegueira se prolongue. A
luz vai brilhar, a minha divina causa triunfa estrondosa e brilhante. É necessário, é urgente, as almas
necessitam de conhecer as minhas maravilhas e de aprender em ti a amarem o meu divino coração, a
amarem tudo o que é meu, amarem a dor e a cruz que lhes dou. Filhinha, filhinha, dor e amor sem igual,
descansa em meu coração como eu descansei no teu. Descansou o rei no seu trono, no palácio da sua
Alexandrina. Descansa a rainha no trono do seu rei, no palácio do seu Jesus.

Jesus abriu-me o Seu divino Coração, eu entrei e inclinei-me a Ele, n’Ele descansei. O meu Jesus cobriu-
me de beijos e carícias e apertou-me com tanta força e com tanto amor que me parecia perder-me nesse
amor e nesse amor morrer. Ai, que dita a minha morrer de amor e dentro do Coração do meu amado
Jesus. Como será a morte que me dá a vida eterna?

— Ó meu Jesus, fazei que seja de amor, só de amor.

20 de Fevereiro de 1945

Que horrível, que extrema é a agonia da minha alma. Eu queria esconder a minha dor, não queria falar
mais dela, queria abafá-la por completo. Parece-me que o coração chora de amargura. De longe a longe
as mágoas que ele sente fazem-me bailar nos olhos as lágrimas. Quero encobrir tudo, bastava que Jesus
soubesse; mas não posso, manda-me a obediência. E, embora como que arrastada, vou descobrindo, vou
arrancando de dentro para fora alguma coisa do que sofro, do que sinto. Não sei se pelo estado grave do
sofrimento em que me encontro, ou se é a realidade, sinto-me no pôr-do-sol da vida; parece-me que a
morte se avizinha de mim. Curvo-me, inclino-me de boa vontade a receber o golpe que Jesus lhe
aprouver dar-me. Sinto no meu coração a separação dos que me são queridos. Vou para a minha Pátria,
mas alguma coisa quero deixar entre eles para os animar e consolar na sua dor. Não sou daqui, vou para
o meu lugar, depressa nos veremos nessa glória sem fim.

— Meu Deus, meu Jesus, o que será isto?

Quero partir, tenho de partir e custa-me tanto esta separação. A dor que isto me causa, parece-me
arrancar o coração e com ele todas as veias do meu corpo. Seja tudo pelo amor do meu Jesus e pela
salvação das almas. Sinto que o mundo está em tanta desordem, tanta miséria e crimes! E eu quero pôr
termo a tudo isto e não posso; queria remediar todo este mal e não sei como; não tenho mais que dar por
ele. Ah! se houvesse alguém que por ele quisesse sofrer, que o pudesse salvar, o que lhe daria eu? O meu
amor, tudo o que possuísse, o céu com toda a glória, se esse me pertencesse. Ai de mim, não sei a quem
pedir e não tenho que lhes dar. Sinto a repugnância que há ao sofrimento e à cruz. Se houvesse quem de
boa vontade a aceitasse, e eu pudesse levar a minha e ajudar os outros a levarem a sua, seria a maior
alegria e consolação para o meu pobre coração.

— Meu bom Jesus, vede o que por Vosso divino amor e amor às almas quero sofrer e aceitai como se o
fizesse, porque não posso mais.

Para atender aos pedidos de Jesus, ofereci-Lhe mais ataques do demónio. Para esse fim, só Lhe ofereço
os mais custosos. Os de menos sofrimento deixo-os para reparar todas as almas. Ele aparece-me em
forma de bichos tão variados, tão feios, em monte, misturados uns com os outros. Mas é o que me faz
sofrer menos. Atormenta-me muito mais, quando ele diz que eu não faço certas coisas, porque o
sofrimento mas não deixa fazer, o cansaço e males do meu corpo, que são o que o impedem. Isto causa-
me mais dor, faz sangrar mais o meu coração. Quer ele dizer que tudo é feito por mim, por minha
malícia. Nos dois ataques mais fortes, veio sempre Jesus a confortar-me. Depois de eu ter ouvido os
insultos mais feios e as palavras mais vergonhosas, depois de ele usar de todas as manhas para me levar
ao pecado e ao prazer, como ele me diz, fiquei sobre abismos assustadores.

— O que será de mim, meu Jesus? Valei-me, valei-me – repetia eu.

Senti Jesus a meu lado, sobre mim espalhou o Seu sopro divino, sopro quede repente me levou às
almofadas. Jesus continuou a bafejar-me e a dizer-me:

— Coragem, minha filha, não pecaste. É para livrar as almas de caírem neste abismo e perderem-se
eternamente que tu estás sobre eles.

As palavras de Jesus encorajam-me, mas não me tiram da dor em que fico mergulhada. Na segunda
afronta do demónio, causou-me uma amargura como ainda não me tinha causado. Foi muito demorado
o combate. Os gestos, as palavras, os nomes, os conselhos eram vergonhosíssimos. Eu estava cansada de
tanta luta. E o demónio, furioso por não conseguir de mim o que desejava. Principiei então a sentir
desejos de pecar, eram uns desejos de fora para dentro e não de dentro para fora. Algumas vezes, dizia a
Jesus: “não, não, eu não quero pecar”. Estas palavras saíam-me do coração, mas a vontade de pecar
parecia ser mais forte do que o brado que eu levantava ao céu. Ó agonia, triste agonia. Ao parecer-me
que estava tudo conseguido, os desejos do demónio realizados, gritei por Jesus e pela Mãezinha:

— Ai de mim, o que é isto? Valei-me, valei-me.

Senti a dor indizível que muitas vezes já tenho sentido. Meu Deus, com certeza a morte não custa tanto.
Estava banhada em suor, parecia ter saído dum lago. O coração batia alto e apressadamente. Em
espírito, oferecia tudo a Jesus e não cessava de chamar por Ele, pois era dolorosa a posição em que
estava e a vergonha e dor que sentia com o receio de ter pecado. O demónio não saía de junto de mim,
mas à voz de Jesus retirou-se.

— Basta, basta, maldito, deixa a minha vítima, a vitória é dela; a honra, a glória são minhas, a reparação
é pelas almas. Sofre por amor, é minha filha querida.

Sem saber como, tomei a minha posição, recebi as carícias de Jesus, enquanto o demónio, voltado para
Ele, amaldiçoava-O e raivosamente queria retalhar-me. Retirou-se Jesus, e eu fiquei absorvida numa
noite triste e assustadora e numa dor sem fim.

Sinto na minha alma que se levantam à volta de mim ondas fortíssimas como as ondas do mar. Cercam-
me com a mesma fortaleza, mas como as do mar que muita vez se infrangem uma contra a outra; longe
da praia, estas também desaparecem sem causarem estragos. Esta visão e o seu ruído, chegando aos
meus ouvidos, atormentam-me dolorosamente. Tenho a sensação de que sejam coisas que se levantam
contra mim.

22 de Fevereiro de 1945

De manhã cedo, comecei a sentir a minha alma atormentada pela dor que me causava a viagem que a
Deolinda ia fazer. Ia com pessoas que tanto estimava e visitar pessoas que tanto amava. Fazia muito
gosto que ela fosse, mas gostava de eu ir também. Ofereci a Nosso Senhor o sacrifício de não manifestar
os sentimentos que me iam na alma. Mas, por fim, não fui capaz de me vencer, mostrei a minha pena e
saudade. Fiquei na minha cruz, aumentada pela preocupação do que se passaria na viagem pela fraqueza
da minha irmã, e que correria mal a viagem para todos, e pelo paizinho que eu esperava fossem visitar, o
que teria dado a ele um grande gosto, coisa que se não pôde realizar. Senti-me também mais pequenina
por ver que pessoas de respeito tanto se incomodavam por nós. Este sentimento persegue-me nestes
dias, sentindo cada vez a minha indignidade diante de qualquer pessoa que me vem visitar. Na noite
deste mesmo dia, sofria amarguradamente as consequências daquela tarde. Sem querer, recordava o que
se tinha passado. Nem ao menos Jesus deixou a minha alma sentir o conforto da confissão. Oh! Não. O
bondoso sacerdote não me deu conforto; já não foi a primeira vez. Vejo que Jesus até isso tirou para Ele.
Anseio sempre a visita do confessor para mais purificar a minha alma e depois confessar-me. Meu Deus,
que amargura! Amargura, sim, grande, muito grande, mas estava em paz, tinha a tranquilidade da alma,
porque não menti nem pensei em enganar.

— Aceitai, Jesus, a minha amargura; eu quero-a, eu amo-a, porque Vos amo e amo as almas.

Estavam duas noites em contacto uma com a outra: a noite que ia lá fora e a noite dentro de mim. O
demónio afirmava-me ter havido desastre na viagem dos que eram tão queridos. É o pai da mentira,
queria atormentar-me. Pouco depois, acabavam de chegar. A alegria não foi para mim, Jesus não
permitiu que eu a sentisse. Estive algum tempo com o santo sacerdote que veio para dar luz à minha
alma e tirar-me das minhas dúvidas. Parecia-me mentira ele estar junto de mim; sentia-o a uma
distância tão longe que nada havia que pudesse alcançá-lo. O seu rosto parecia-me apenas uma casca de
ovo.

— Ó meu Deus, como são variados os Vossos sofrimentos.

Ia alta a noite, eu estava sozinha, veio o demónio, insultou-me, convidou-me ao mal, à carne, ao prazer.
Lutei tanto, tanto, estava num banho de suor. O coração de momento para momento parecia perder a
vida. O maldito, sem conseguir de mim o que desejava, disse-me:

— Hei-de levar-te ao prazer. Já que eu não basto, chamo a minha tropa. Vêm já, eu sou chefe de
comando.

Chamou pelos camaradas: principiaram a subir dum profundo abismo por entre chamas muitos
demónios em forma de esqueletos. A minha aflição era grande, temia que fossem ouvidos os meus
gemidos. O maldito dizia-me:

— Caladinha, que não venha aqui aquele fulano - e chamou um nome feio ao santo sacerdote – Desde
que me satisfizer em ti, vou matá-lo, vai morrer debaixo do meu pé, ao fio da minha espada.

Eu estava sobre abismos assustadores. Meu Jesus, que escuridão! Só de longe a longe caíam sobre eles
umas folhas brancas que mais faziam mostrar os seus horrores, as suas negras trevas. Ou porque os
demónios se satisfizessem de me atormentar, ou porque Nosso Senhor assim o permitisse, deixaram-me.
Já não podia mais; era tão violenta a minha posição! O que fazer, se eu não podia mover-me? Triste,
muito triste, na dúvida de ter pecado, clamei, clamei por Jesus. Enquanto isto fazia, corriam os
demónios, virados ao quarto do bondoso sacerdote, dizendo-me, já de longe, que o iam matar. Levavam
nas mãos espadas, ou não sei o quê. Ainda com esta visão, ouvi Jesus dizer:

— Anda, meu anjo, desempenhar a tua missão.

Fiquei logo direitinha nas minhas almofadas. Jesus disse-me então:

— Não pecaste, minha filha, coragem. Viste as pétalas brancas que sobre os abismos caíam? São pétalas
da tua reparação. Com a sua alvura, iluminam as almas que neles estão, atraem-nas a si e vêm ao meu
Divino Coração.

Mais confortada com Jesus, o ferimento de todo aquele passado continuou a causar-me imensa dor. Não
tinha susto que os demónios tivessem feito a morte que tinham dito. Só de manhã, como achava que ele
estava muito em silêncio, veio-me o temor que ele estivesse morto. Nosso Senhor nada disso tinha
permitido. Recebi o meu Jesus, desprendida d’Ele, despreocupada, só de momentos a momentos é que
Lhe dizia:

— Ó meu Jesus, como eu estou, não Vos amo, não Vos dei graças. Perdoai-me, tende dó de mim.

Veio o sacerdote para falarmos das coisas da minha alma, e eu continuei a sentir-me longe, sempre
longe, mergulhada num mar de dores na alma e no corpo. De vez em quando, sentia dentro de mim
estremeções, horrores, grande repugnância por ter de dizer o que se passava em mim, por me sentir
pequenina e miserável, tímida e envergonhada diante das pessoas queridas, por não compreender a
minha vida e não amar Jesus, e atormentada a mais não poder com a lembrança de ser quinta-feira. Oh!
se desaparecessem estes dias – dizia eu. Sinto que se aproximam de mim todos, todos os sofrimentos e
que estão a armarem-se laços para me prenderem. Era já noite, e eu sentia na minha alma a intimidade
dos que me eram tão queridos, dos que junto a mim estavam reunidos. Tinha de deixá-los, tinha de
partir para o céu, mas de alguma forma ficar entre eles, não me separar deles. Ó sofrimento amado,
quem te compreenderá?!

23 de Fevereiro de 1945 – Sexta-feira

Na madrugada de hoje, quando me despertei do meu leve sono, logo me senti numa escura prisão. Senti
o corpo tão magoado e cansado! A minha tristeza era tão profunda! Sentia tanta dor de ser tratada como
louca! Essa loucura era amor, era a loucura das almas.

Pouco depois, veio o demónio para acabar de consumir o meu pobre corpo. Manhoso como sempre,
tentou levar-me a praticar acções criminosas e feias.

— Hei-de satisfazer-me em ti, hei-de deliciar-me em ti apesar de me causares nojo.

Encheu-me de insultos e mostrava-se enojadíssimo de mim mesma. Foi dolorosa a luta, foi triste e triste
me deixou. Chamei por Jesus e pela Mãezinha, afirmei-Lhes não querer pecar. Parecia-me chamar por
Eles só depois do mal feito. Invoco os seus santos nomes sempre que posso, mas é quando o demónio
deixa. Uma aragem suave veio apagar os meus suores e suavizar a minha dor. Fui suavizada por pouco
tempo. Não sabia como preparar-me para receber o meu Jesus. Apoderou-se de mim a vergonha de O
receber em meu coração, de viver na presença de Deus depois de passar por coisas tão feias.

— Jesus, que sofrimentos tão grandes, os ataques do demónio, as sextas-feiras. Aceitai tudo, é pelas
almas, é uma prova do meu amor.

Veio Jesus, e, por Sua grande misericórdia, só um pedaço depois de O ter recebido é que me lembrei da
triste cena que com o demónio tinha passado, e logo de novo continuou essa dor juntamente às dores
horríveis da minha cabeça, causada pelos espinhos. Sentia-a toda cercada deles e bem profundos. O
sangue, que dela corria, ou antes, que eu sentia como se ele corresse, passava-me aos lábios, sufocava-
me, por vezes perdia a respiração. Logo que cheguei ao calvário, cravaram-me na cruz. Era tal a violência
que sentia fazerem-me ao meu corpo, parecia-me os ombros deslocarem-se do corpo. O sangue das
chagas corria a jorros, banhava o pé da cruz e corria pelo chão. A Mãezinha, ao pé, unia à minha a sua
agonia. Abandonada, completamente abandonada, ia a expirar. Veio Jesus. Senti-O entrar no meu
coração e nele se sentar ainda antes de O ouvir. Sentou-se e, como para descansar, inclinou nele a Sua
santíssima cabeça e disse:

— Minha filha, desce o amor à dor, a luz à noite, à escuridão, às densas trevas. Dor, noite, escuridão e
densas trevas permitidas por mim. É o remédio, é a medicina das almas. Aqui posso descansar, aqui não
pode o mundo ferir o meu divino coração, aqui recebo tudo, tudo o que pode dar uma criatura ao seu
Deus; aqui consolo-me, delicio-me.

— Meu Jesus, custa-me tanto, tanto ouvir-Vos falar assim. Sou tão miserável, sou só miséria. Como
podeis dizer isso? Como podeis consolar-Vos, depois de tanta maldade e ingratidão que encontrais em
mim, para me falardes desta forma?

— Escuta, filhinha amada, não quero, não posso consentir que voltes a dizer-me o que encontro em ti
para assim te falar. Não posso eu honrar-te com honrosos títulos, levar-te à maior altura, à mais alta
dignidade? És minha filha, falo do que é meu. És minha esposa, esposa que possui as qualidades do seu
Esposo, esposa que só ao Esposo se assemelha. Enriqueci-te das minhas riquezas, elogio e honro as
minhas coisas, o que é meu. Tu és a minha pomba bela, um coração de fogo, fogo que queima, fogo que
purifica, fogo que atrai a mim os corações, fogo que é capaz de incendiar o mundo, o mundo que te
confiei, o mundo que é teu. Pede, pede, minha filha, pede oração e penitência e emenda de vida, pede, e
que peçam aqueles que desejam ver o reinado do meu divino coração. Oh! O que espera o mundo, se não
se levanta e se reconcilia comigo.

Jesus levantou-se do meu coração, ergueu as Suas santíssimas mãos, e dos Seus santíssimos olhos
corriam lágrimas em grande abundância: pareciam duas fontes. A soluçar muito, continuou:

— Vês o meu divino Coração aberto? É o pecado, é o prazer da carne; é o pecado, é o mundo. Salva-o,
salva-o, minha filha, não deixes perder o meu Sangue. Pede-lhe que se converta, faz que as almas
venham a mim, reúne em meu divino Coração as minhas ovelhas, todo o meu rebanho. Pede, pede em
nome de Jesus. Penitência, oração e sincera reconciliação.

— Jesus, Jesus, basta, não façais isso. Ofereço-Vos a minha vida e a minha morte; ofereço-Vos todo o
meu corpo e todo o meu sangue; dou-Vos o meu amor, aceito quanto Vos aprouver dar-me, toda esta
vida de sofrimento, mas levantai-Vos já, meu Jesus, descei as Vossas santíssimas mãos, estancai as
Vossas lágrimas. Que horror, meu Jesus, não posso ver-Vos assim. Como pode a grandeza infinita
ajoelhar-se diante da maior miséria, do mais pequenino nada?!

Jesus levantou-se, sentou-se de novo em meu coração, estendeu sobre os meus ombros o Seu santíssimo
braço e uniu o Seu santíssimo rosto ao meu, apertou-me fortemente, cobriu-me de beijos e incendiou no
meu coração o fogo que no d’Ele ardia.

— Quanto consolou o meu divino Coração a tua oferta, o teu amor. Vejo em ti a graça, a pureza, a
heroicidade das almas.

— Não é isso que eu quero, Jesus. Dizei-me a razão por que procedestes assim? Sendo Deus, ajoelhaste-
te diante da criatura mais pobre e miserável. Só Vós sabeis quanto isso me atormenta.

— Minha pura, minha bela, maior é o sacrifício, mais tens que oferecer-me. Escuta então. Não é de
joelhos, de mãos postas e com lágrimas que se movem os corações à compaixão? É tão grande o amor
que tenho às almas como grande é o meu poder. O meu procedimento é a sede das almas. Não se pode
comparar a sede humana à sede divina. Quantas vezes as criaturas, para saciarem a sua sede ardente,
ajoelham-se, mergulhando seus lábios em água nojenta, lodosa e em lama. Eu, a grandeza sem igual,
para saciar minha sede, para pedir a salvação das minhas almas, ajoelhei-me na minha esposa querida,
revestida de mim, transformada em mim, a pedir-lhe as almas, a pedir-lhe o mundo, esse mundo que é
lodo e lama nojenta. Assim transformada em mim, nada via em ti de miséria; vi as minhas maravilhas, a
minha grandeza. Não é verdade que eu disse: “o que é grande faça-se pequeno”? Tu és o espelho que
tudo reflecte. Em ti, como quando passei no mundo, vou dando o exemplo. Maravilhosa lição, ensina-a
às almas. És tu, filha minha, que lhe dás o passaporte para a eternidade. Ai do mundo, ai de Portugal, se
não corresponderem às graças que lhes dou. Ai do mundo, mas ai mais ainda de Portugal, se não
agradecer os benefícios que por ti recebe. Espalha pureza, espalha a graça, incendeia amor, amor, amor.
E descansa, vítima inocente, em meu divino coração, toma conforto para a tua dor sem igual e
inigualável martírio.

Inclinei-me eu então para Jesus, descansei no Seu Divino Coração, e nova efusão de amor, vinda d’Ele,
abrasou o meu coração. Já vai alta a noite, sinto-o a arder, mas já mal posso dizer palavra.

— Tomai, meu Jesus, tomai em conta o meu sacrifício. Se em mim houvesse querer, preferia andar
sempre, sempre de rosto em terra e nada dizer do que se passa em minha alma.

26 de Fevereiro de 1945

Custa-me tanto falar da dor! É tão grande o meu sacrifício! Se eu pudesse encobrir as minhas
amarguras!
— Meu Deus, não me deixes, tenho de obedecer, tenho de falar dela; é a dor a minha vida contínua.

Sofro de dia, sofro de noite, sofro a toda a hora e momento. Sinto-me rolar pela terra; rolo, corro mundo
sem parar, e é a dor que me obriga. Rasga-se-me o coração e a alma e todo o ser. Sinto que um mundo de
feras cai sobre mim, todas com trombas como elefantes, que penetram no meu corpo, me chupam todo o
meu sangue; estou esgotadíssima, não tenho mais para lhes dar. De boa vontade eu mesma lhes abro as
veias para elas chuparem. Mas, pobre de mim, estou como um rio que secou, e só se encontram nele
areias espessas e ressequidas.

— Ai, meu Jesus, que hei-de eu fazer mais por Vós? Que mais hei-de fazer pelas almas? Ai, o mundo que
não vê, e eu não tenho luz para lhe dar. Ai de tantas almas que têm sede, e eu não posso saciá-la. Deixai-
as, meu bom Jesus, fazei que elas entrem todas no Vosso Divino Coração: aí encontram luz, nele podem
saciar-se. De Vós podem receber toda a vida que necessitam e que eu não tenho para lhes dar.

A minha preocupação é Jesus, a minha preocupação são as almas.

— Ó dor, triste dor, eu quero-te, eu amo-te; vens de Jesus, beijo-te, abraço-te, sorrio-te de alma e
coração. Mas, meu Deus, como viver esmagada debaixo deste peso universal?

Os olhos do meu corpo não podem ver o sol que com os seus raios teima entrar pela janela e vir até junto
do meu quarto. Os meus olhos não podem vê-lo nem o meu espírito recordar que ele existe, porque os
olhos da minha alma só vêem noite, tremenda noite dentro e fora de mim. Os meus ouvidos não podem
ouvir os gorjeios das avezinhas que, com os seus trinados, fazem lembrar a primavera que se aproxima.
Não posso ouvir o mar com o seu barulho estrondoso, porque o mar sem fim, ameaçador, sempre
ameaçador, com ameaças destruidoras, está sempre sobre a minha alma. Tudo isto me faz lembrar a
grandeza e o poder do meu Deus e obriga-me a entrar dentro de mim, a viver dentro em mim, a não sair
fora de mim, juntando Jesus com Sua grandeza, com o Seu poder, com o Seu amor à amargura, à dor, à
noite da minha alma. Vivo na presença do meu Deus sem O amar, sem O conhecer, sem nada Lhe dar. É
a grandeza sobre o nada, é o fogo no gelo, a vida na morte. Jesus assim o quer.

— Ó vontade do meu Senhor, só a ti quero também.

Mais uma noite em que o demónio veio duas vezes, com os seus penosos e tremendos ataques. A
princípio, lutei só com ele. Como demorasse a conseguir de mim o que desejava, disse-me que ia chamar
mais demónios para satisfazer-me. Assim o fez: vieram mais. Combati por muito tempo ainda. Nova
ameaça:

— Não vais ao prazer por tua vontade, convido mais para te levarem ao pecado, ao crime.

Tudo isto era acompanhado de palavras e nomes horrorosos. Pobre de mim. O suor escorria-me, o
coração palpitava aflitivamente. Só depois do mal feito, ou que a mim me pareceu que foi mal feito,
coberta duma dor sem igual, bradei, afirmei:

— Valei-me, Jesus, não quero pecar.

Era impossível eu mover uma aresta. Meu Deus, que posição violenta! Ouvi Jesus que falava a meu lado,
enquanto eu estava sobre um abismo cercado em toda a volta dum enleio de espinhos. Vi-os claramente,
porque, por entre os espinhos, brilhava mais branca que a neve não sei o que era, pareciam pedacinhos
de nuvens; com a sua alvura, brilhavam e apareciam os espinhos agudíssimos, enleados uns nos outros.
Era tão grande o abismo, não tinha fundo. Era negro, negro, assustador. Só me encantavam os espinhos
com a alvura daqueles pedacinhos brancos. Quando Jesus chamava: “anjo, meu querido anjo, anjo da
minha esposa e vítima, leva-a ao seu lugar, com todo o amor e carinho”, no mesmo instante tomei a
minha posição, fiquei nas minhas almofadas. Principiei a ver o fundo do abismo que vinha subindo,
subindo quase até cima como se fosse uma enchente de água. Jesus cobriu-me de carícias e disse-me:
— Não pecaste, não pecaste, minha amada. A tua reparação, as raízes fortíssimas do teu amor arrancam
deste medonho abismo as raízes do pecado das almas que nele estão. Vêm subindo para mim, embora
caiam, não voltam a cair tão fundo, caem para se levantarem e, a pouco e pouco, ficarão firmes.
Coragem, filhinha! Não tens nisto consolação?

— Meu Jesus, não tenho outra senão a de Vos ter consolado. E Vós estais?

— Muito, muito, minha pomba bela. Espremo, espremo o meu cachinho de uvas, consolo-me, delicio-me
nos preciosos licores que ele me dá. Chupo tudo para minha consolação e alegria, tudo aproveito para as
almas. É por isso que não te dou alegria nem consolação com a presença daqueles que ta podiam dar,
privando-os a eles de se consolarem e alegrarem de te verem alegre e consolada.

— Obrigada, meu Jesus, seja feita a Vossa vontade.

Horas depois, voltou o demónio, principiou com as mesmas manhas e actos feios. Logo que o pressenti,
ofereci-o a Jesus em reparação pelas almas que Ele me pediu. Fi-lo depressa, enquanto o maldito mo
deixava fazer. Quase nos mesmos momentos, dizia:

— Jesus, Jesus, não quero pecar.

No mesmo instante, repetia em mim sem eu querer:

— Quero, quero pecar, quero o prazer, quero gozar.

Imediatamente, voltava a dizer:

— Jesus, Mãezinha, valei-me, não quero ofender-Vos.

Logo repetia, sem minha vontade:

— Quero ofender-Vos o mais gravemente.

Pobre de mim, parecia-me estar toda, toda entregue a Satanás, toda em ânsias de satisfazer paixões. O
meu coração já não podia com tanta luta. O meu corpo não era cinza, não era outra coisa a não ser dor,
dor que só pode ser conhecida por quem a experimentar. Parecia-me que o demónio tinha realizado os
seus desejos. Voltei a chamar por Jesus. O maldito dizia-me:

— Chama-O agora, depois de satisfeita, depois de teres pecado.

Veio Jesus, colocou-se ao meu lado, não fez outra coisa senão levantar a sua bendita mão à frente de
Satanás; deu-lhe sinal de paragem, e, imediatamente, cessou o ataque, e o maldito fugiu.

— Ó meu Jesus, em que agonia me preparei para Vos receber. Que grande confusão a minha. Que
vergonha ao dar-Vos entrada no meu coração. Não posso pensar na Vossa bondade infinita.

Durante o dia, surgiram-me espinhos dum lado e do outro. De boa vontade, sem tentar desviá-los, com
os olhos em Vós e por amor às almas, todos deixei cravarem-se em meu coração. Ou sofrer ou morrer. Se
não consolo o meu Jesus, se não salvo almas, que estou aqui a fazer, para que serve a minha vida? Para
nada, nada.

1º de Março de 1945

Não tenho vida, não tenho sangue, tudo dei, tudo perdi. Dei tudo e parece-me que foi inútil. Sinto uma
perda tão grande! Meu Deus, parece-me que não existo; existe a dor e é minha. Existe o mundo e
necessita dela. A minha alma sente uma fome tão grande, mas esta fome é do mundo, é o mundo que
vem alimentar-se à minha dor, é um mundo de feras a apanharem quanto mais podem o meu
sofrimento. Nada é, nada sofro, em comparação do que a pobre humanidade necessita.
— Jesus, que sofrimento este!

Parece-me que estou a arrancar do meu peito o coração e a transformá-lo em pequeninas migalhinhas
para dar ao mundo, para dar às almas. Queria levar a vida a mendigar corações para serem o alimento, a
salvação dos pecadores. Queria bradar alto, muito alto, que a minha voz ecoasse em toda a humanidade:

— Ó mundo, ó mundo ingrato, sou tua, dou-me a ti por Jesus e pela querida Mãezinha. É por Eles que
passo para ti o meu sangue, a minha vida; é por Eles que te quero, é por Eles que sou tua, é por Eles que
te amo. Amo-te para te salvar, amo-te para a Jesus e à querida Mãezinha te entregar.

Ai de mim, não tenho que dar, não tenho mais que fazer. Que horrores se passam em mim, causados
pela loucura, pelas ânsias insuportáveis de amar a Jesus e salvar a humanidade.

Na noite de 27, tive uma visão de espinhos que me causou enorme sofrimento e medo. Era um bosque de
espinhos, só espinhos à minha frente; era um bosque fechado. Subiam a tanta altura, enleados uns nos
outros que eu não lhes via o fim. Todos eles pendiam a cair sobre mim, muito grossos e extensos. Não
soube o significado disto, nada compreendi. O que fiquei a sentir desde então é que estou toda envolta
neles. A minha cama é de espinhos, a roupa que me cobre é de espinhos, a que visto são espinhos, eu
mesma sou de espinhos. Tudo é dor, tudo é sangue, dor que me não pertence, sangue que não é meu.
Estou no meio desse bosque, que ele mesmo é sangue, sangue que floresce e dá a vida a todos os
espinhos. E sobre eles continua a cair sempre a mesma chuva orvalhosa de sangue. que espinhos tão
reverdecidos! A minha alma sente que deles vão brotar uma nova chuva de botões brancos. Além destes
espinhos, tenho recebido tantos cravados pelas criaturas e de quem menos esperava. Tem-me custado
tanto encobrir as minhas lágrimas! Gostava que só Jesus as visse. Meu Deus, oh! quantas amarguras
dentro em mim. Não posso ter nenhum apoio na terra, nada posso esperar daqui. Ai, até mesmo os que
me são tão queridos, até desses tomou Jesus para Si a alegria e o conforto que me podiam dar. Sinto-me
diante deles envergonhada, assustada como se os tivesse ofendido e contra eles praticado os maiores
crimes.

O demónio continua a correr para mim como um cavalo sem freio. Vem louco para me insultar e
convidar ao mal. Ouço dele o que nunca ouvi das criaturas, conheço dele o que nunca conheci do mundo.
Não se disse, parece-me que sim:

— Tu não me satisfazes, convida mais demónios para pecarem comigo; quero o prazer, quero gozar.

Que horror, que horror parecer-me que dizia isto e que desviava para longe de mim o terço e a
Mãezinha, que lhes escarrava e os calcava aos pés. Parece-me sempre que o maldito consegue de mim
tudo quanto deseja e que ofendo o meu Jesus. No auge da dor, mais libertada dele, repeti muitas vezes:

— Não, não, não, meu Jesus, não quero pecar.

E, neste momento, veio Jesus tirar-me de sobre o abismo em que estava.

— Sim, sim, minha filha, não queres o pecado, queres o meu divino amor, e esse te dou na maior das
abundâncias. Sim, sim, sim, minha filha, não queres o pecado, mas a salvação das almas, e só assim com
esta reparação elas podem ser salvas, as que tão gravemente me ofendem nesta matéria. Ordeno-te, meu
encanto, que vás para as tuas almofadas.

Uma força, vinda não sei de onde, nelas me colocou. Cansada de tanto lutar, banhada em suor, fui
repetindo sempre: “amor, amor, sempre amor, meu Jesus; almas, todas as almas”. Não sei como o
maldito se pode apresentar com caras tão feias, olhares aterradores e em forma de bichos de tanta
variedade. Vêm até junto de mim como para me engolirem, alguns tão espraganudos! Ai, o que ele faz
para nos tentar, para nos perder. Que pena não conhecerem todos as suas artes e manhas.

Hoje, logo de manhãzinha cedo, senti na minha alma, ouvi aos meus ouvidos fortes ruídos, grandes
pancadas a abrirem-me a sepultura. Era tão funda! Que horror, é quinta-feira. Corre para mim a morte,
a sepultura está pronta. Vem sobre mim o peso de todas as humilhações, nada há de mau que contra
mim não digam. A minha alma já vê tudo o que vai tirar a vida do corpo. A minha sepultura é um poço,
um abismo. Nada há em mim de alegria, tudo o que é belo e poderoso para mim é dor. Deitada na minha
cama, pude admirar a grandeza do Criador. Vi pela janela as árvores, cobertas de flores. Que maravilha!
A brancura delas transformava-se em noite na minha alma. Todas as pétalas das mesmas flores serviram
de setas para em meu coração serem cravadas.

— O que fazer, meu Deus? Aceitar o que vem de Vós, a Vossa vontade, Senhor! Vou para a morte com os
olhos fixos na Vossa cruz.

2 de Março de 1945 – Sexta-feira

De noite ainda, sem me lembrar o dia que era, lembrou-mo a minha alma. Senti-me na prisão, muito
triste, sozinha, cansada e em grande abatimento. Sofria por me terem vendado os olhos, sofria por tanta
ingratidão. Principiei a minha preparação para receber a visita do meu Jesus. Durante a preparação, já
de dia, foram buscar-me à prisão. O meu rosto, sentia nele grandes escarros. Cá fora esperavam-me
grandes multidões de gente. Meu Deus, o que ouvia de gargalhadas. De rua em rua, de casa em casa, no
meio de grande algazarra, coberta de maus-tratos e interrogada por senhores absolutos, cheios de
soberba, convencidos de que tudo podiam fazer. Em frente de tanta grandeza, oh! como eu era
pequenina! Fui condenada, tomei a cruz; inclinada debaixo do seu peso, já quase só de rastos podia
mover-me. E quantas vezes fui eu arrastada. Ai quantas lágrimas senti passarem-me no meu coração. Ao
ser tratada tão cruelmente, repetia muitas vezes o coração: “amo-Vos, sofro por Vosso amor”. Levava a
cruz e no cimo do calvário via a de Jesus; era um farol que entrava dentro em meu peito a iluminar tudo.
Sentia-me atraída para ela; para a abraçar, para a possuir, ia caminhando. Cheguei ao calvário,
estenderam-me nela. Quando me esticavam os braços e pernas para serem cravados, quando sentia que
das feridas dos cravos corriam fontes de sangue, veio o demónio para mim, a correr desastradamente;
veio redobrar o meu sofrimento. Disse-me que íamos gozar por palavras feiíssimas e depois calou-se,
deixando-me a lutar com as suas falsas artes. Eu, cravada na cruz de pés e mãos, sem poder mover-me.
Ai quanto sofri. Não podia lutar; fitava o meu Jesus crucificado.

— Meu amor, sofro por Vosso amor. Meu amor, sofro para Vos dar almas. Valei-me, Jesus, tende dó de
mim. Mãezinha, eu não quero ofender-Vos.

Depois de muito lutar, principiou novamente o maldito a encher-me de nomes e a dizer-me:

— Eu não te tocava e nada te disse; és tu que queres pecar, és tu que queres o prazer.

Depois de satisfeitos os seus desejos, ou porque Nosso Senhor o obrigasse, ele deixou-me. Mas não me
deixou a tristeza e a amargura; não me deixou o abandono; não me deixaram as lágrimas e a agonia da
Mãezinha e os seus olhares dolorosos, cheios de compaixão por mim. Com que aflição, com que agonia
eu bradei ao céu, sempre, sempre, até expirar: “Pai, meu Pai, porque me abandonaste?” Não era eu que
bradava, era o meu coração; não era eu que o queria fazer, mas a força da dor e da agonia me obrigava.
E, neste transe, veio Jesus, descia do céu para a terra, embebido numa nuvem; deu entrada no meu
coração e disse-me:

— Minha filha, sol da terra, fogo dos corações, honra e alegria do céu. Sol que, com os seus raios
brilhantes, aqueces e iluminas toda a humanidade. Fogo que abrasas e purificas os corações. Honra e
alegria do céu, porque, ao ver a tua dor, ao ver o teu martírio, que já lá está escrito agora e por toda a
eternidade, alegra-me, honra-me, glorifica-me. Todo o céu bendiz o meu santo nome, pela vítima
imolada, pela vida das vidas, pela vítima das almas. Vim do céu, minha filha, desci do meu trono divino,
vim ao meu palácio, ao meu céu da terra, subi ao trono da minha rainha. Venho da minha glória
desabafar contigo as minhas mágoas. Diz-me, amada minha, queres consolar-me? Queres alegrar o meu
divino coração tão triste? Queres dar-me tudo até a consolação que de mim devias receber? Fala-me,
fala-me com a tua língua de ouro, o teu coração de fogo.
— Jesus, que me pedireis que eu não Vos dê? Conto sempre com a Vossa graça para com ela poder sofrer
tudo e dar-Vos tudo o que de mim desejais. Viva eu sempre na tristeza e na amargura, para Vós, meu
Jesus, viverdes só na consolação e na alegria.

— Ó meu anjo da terra, tu falas aqui e o que tu dizes escrevem os anjos no céu a letras de oiro e pedras
preciosas. Vê o mundo, vê o lodo, vê a lama. A maldade que vai por aí! Olha como sofre o meu divino
coração. Olha como está ferido. Já que de tão boa vontade, tão alegremente dás tudo, privo-te da minha
alegria, da minha consolação, assim como te privei da consolação e alegria daqueles que te são queridos.
Só receberás o meu conforto para poderes sofrer, para poderes vencer. Só receberás espinhos, de todos
os lados espinhos: foi a visão que te mostrei. Viverás entre eles e entre eles expirarás. A tua alma pura
romperá por entre eles, voará ao céu a arder de amor. É um anjo seráfico que voa à sua pátria. Os teus
espinhos não são espinhos que secam, a tua dor cultiva o terreno desse bosque imenso que eu te mostrei;
o teu sangue rega-os; são espinhos que brotam, são espinhos que dão rosas. Que jardim brilhantíssimo
deles vai nascer. O orvalho que sobre esse jardim cai é orvalho de sangue, é maná celeste que vem
abrilhantá-las, conservá-las, dar-lhes a vida. Tu partes para o céu, mas a tua graça, as tuas virtudes ficam
na terra, é perfume que se estende a toda a humanidade. Tu partes para a Pátria e ficas comigo na
Eucaristia; serás a pombinha eucarística que não abandona o seu ninho. É como a pombinha e
pastorinha das almas que te quero pintar nas portinhas e cortinas dos meus sacrários. Assim o quero,
minha filha, rainha do mundo, rainha dos corações. Quero, minha filha, tenho pressa, muita pressa que
a tua vida seja conhecida; o mundo necessita disso. É por ti, através de ti que eu mostro o meu amor, a
minha misericórdia, as ânsias que tenho de ver salvas as almas. Custa tanto o Pai castigar o filho que
erra e se revolta contra ele. Como não há-de custar ao meu divino coração imolar, sacrificar a minha
filha amada, a minha vítima inocente? Vê, ó mundo, a minha loucura e amor por ti. Aqueles que se
opõem à minha divina causa, ao que se passa em ti, opõem-se contra mim, opõem-se à salvação das
almas. Todo o teu martírio é por meu amor, é por amor às almas. Depressa, depressa a salvar, pelo que
opero em ti, o mundo inteiro.

Quando Jesus dizia isto, dos Seus divinos olhos corriam lágrimas com toda a abundância. Eu disse:

— Meu Jesus, quero sofrer só eu e só eu quero chorar. Deixai-me na amargura, na tristeza infinda e ficai
Vós numa alegria e consolação completa.

Jesus deixou de chorar, estreitou-me a Ele fortemente e retirou-se. Eu fiquei abraçada à minha cruz,
mergulhada na minha dor.

3 de Março de 1945 – Primeiro sábado

Nesta noite, não sei as horas, apareceu-me o demónio vestido de sacerdote, com batina até aos pés. Era
grande, muito grande, gordo – parecia um monstro. Atravessava diante de mim, mas não me fez outra
coisa a não ser fazer-me sentir como se estivesse o fogo pegado na minha cama; parecia-me as labaredas
estarem alastradas debaixo de mim. Fazia-me estremecer de medo. Quero o que Jesus quiser, mas, se
houvesse a minha vontade, preferia mil vezes isto do que quando ele usa de outras manhas. Sinto todo o
meu corpo dilacerado e em sangue, os espinhos penetram-me a alma, o coração, o corpo e todo o ser.
Não posso abrir nem fechar meus olhos sem espinhos; não posso pensar sem espinhos, não posso
mover-me sem espinhos. O meu leito e o quarto, onde habito, são de espinhos, e tudo está banhado em
sangue. Pobre do meu coração, sangra de dor. E os meus lábios parecem estarem fechados, não posso ter
um queixume, morro, morro abafada. Assim, nesta dor e amargura, fiz a minha preparação para a visita
de Jesus ao meu coração, nesta manhã. Recordar-me que era o primeiro sábado causava-me tanta
tristeza que me fazia pensar assim:

— Meu Jesus, não posso viver sem dúvidas. Que receio o meu! Vede as minhas preocupações,
compadecei-Vos delas! Enganar não quero; o Vosso divino amor, as almas, isso, só isso me basta, meu
Jesus.
Chegou a hora de O receber. À entrada de Jesus no meu quarto, pareceu-me que me cravaram uma
punhalada no peito e foi ferir o coração. Tinha ânsias, tantas ânsias de O receber, mas o medo que tinha
d’Ele, o horror ao êxtase não se explica. Momentos depois de Jesus baixar a mim, principiei a sentir a
Sua divina presença e a dilatar-se o coração. O peito parecia levantar-se, ao mesmo tempo que o coração
se dilatava. O meu amantíssimo Jesus principiou a dizer-me:

— Quero, minha filha, dilatar-te o coração, quero fazê-lo grande, grande como o meu divino amor.
Recebe-o com toda a abundância, envolve-o no mundo que nele te depositei. Transforma-o no meu
divino amor. Dei-te e dou-te o meu divino amor, entreguei-te o mundo, quero tudo numa só coisa: quero
amor, só amor. Resgatei-te com o meu sangue, és a nova resgatadora da humanidade. Escolhi-te para
comigo continuares a obra mais bela, mais sublime, a obra do resgate, a salvação das almas. És Cristo
crucificado, estás retratada em mim. Ao criar-te, vi em ti tudo isto; ao criar-te, logo te escolhi para a
missão mais sagrada, mais sublime, para o que há de mais caro e agradável aos meus olhos divinos.

Estava a ouvir Jesus e faltava-me aquela luz, aquela alegria e consolação que quase sempre sentia. Disse-
Lhe:

— Meu Jesus, de cada vez tenho mais dúvidas e fico persuadida que estou enganada. Que tristeza, que
noite e receio de Vós.

— Não, minha pomba branca angelical. Não, minha pura, minha bela e encanto dos céus. Não te
enganas, nunca o permiti nem permito. Foi isto mesmo que ontem te pedi. Alegro-me e consolo-me com
a alegria que tu devias de mim receber. Não me negues tudo isto, não?

— Antes a morte e o inferno do que entristecer-Vos, meu Jesus. Sou a Vossa vítima, sou a Vossa escrava.

— Tu és o sol, sol brilhante, sol doirado que rompe as nuvens, para alumiar a terra. Eis os espinhos que
te ferem, continuamente cairão sobre ti; entre eles viverás, entre eles morrerás. Tu és o sol, tu és a
nuvem, nuvem negra, nuvem que assusta. O sol é para o mundo, a nuvem és tu, é tua, é para ti. Tu és o
aguaceiro que sai das nuvens e dás à terra chuva de amor, pérolas de virtudes. Estás, minha filha, a
percorrer os últimos caminhos; aproxima-se o teu fim neste desterro; aproxima-se a vida eterna, a tua
verdadeira vida. Espera-te o céu com toda a alegria. Diz, minha filha, ao teu Paizinho que cai sempre
sobre ele a abundância do meu amor. Que lhe prometo todas as minhas graças em todas as suas obras.
Diz-lhe que são estes os caminhos dos que me são queridos, os caminhos dos meus eleitos. Ele vem junto
de ti terminar a tua missão. Prometi milagre, se preciso fosse. Prometi castigo à companhia por o
fazerem sofrer e se oporem à minha divina causa. Prometi e cumpri. Que pensem, que examinem se sim
ou não. Diz ao teu médico que desempenhe a sua missão, a missão que lhe dei: cuidar do teu corpo,
cuidar a sério. Cuidar de ti é cuidar de mim, trabalhar por ti é trabalhar por mim, é operar comigo
milagres. Diz-lhe que não deixe dormir e que dê a conhecer que nem ele nem todos os que cuidam da
minha divina causa dormem. Ela é minha, ela triunfa. Mas é necessário que ele diga umas palavrinhas
humildes, mas que façam estremecer. Grande é a sua recompensa, grandes, muito grandes são as
minhas divinas graças e o meu amor sobre ele e todos os que lhe são caros. Vem, minha Mãe, vem dar a
nossa vida, o nosso amor a esta filhinha. Vem a estas trevas, vem suavizar esta dor.

Veio a Mãezinha, tomou-me em seus braços e Ela mesma lançou os meus sobre os Seus santíssimos
ombros, abraçou-me, acariciou-me, cobriu-me de beijos, ao mesmo tempo que d’Ela sentia receber vida
e conforto.

— Minha filha, filha e esposa do meu Jesus, a tua dor é vida, a tua dor é amor. Enche-te de mim, enche-
te de Jesus. Dá o que de nós recebes aos que amas e te amam. Receberão de nós à medida que te amam e
à medida que anseiam o nosso amor. Dá-lhes as nossas riquezas no teu sorriso, nos teus olhares, nos
teus carinhos angélicos. Coragem, coragem, triunfas comigo e com o teu Jesus.

Estreitou-me Jesus entre o Seu divino Coração e o da Mãezinha.


— Estás, minha filha, numa prensa de amor.

Fiquei confortada, com mais vida, mas mergulhada em dor e amargura. Horas depois, voltei a sentir a
Mãezinha tomar-me em seus braços e suavizou a minha amargura. Animei-me, mas não saí da minha
dor. Fiquei entre espinhos, fiquei na cruz.

6 de Março de 1945

Desde o domingo passado, sinto-me mãe da humanidade, mãe extremosa; ao mesmo tempo, a dor vem
de encontro a este amor, dor causada pelas desordens destes irmãos que sinto serem filhos meus.

Queria ir à frente de todos os governadores das nações a pedir-lhes a paz, para se reconciliarem uns com
os outros. Mas queria uma paz feita de perdão duradouro, para não voltarem mais às mesmas
desordens. Quantas vezes sinto uma ânsia tão grande de fazer isto, que me parece voar para junto deles.
Para conseguir esta reconciliação, não pouparia o meu corpo aos maiores suplícios e sacrifícios, que me
levassem de rasto de nação em nação, de fazer o que há de mais custoso. Queria tomar nas minhas mãos
o Coração Santíssimo de Jesus, poder-lhes dizer: “vedes como está ferido! São os nossos pecados que
assim o ferem!” Além dos espinhos, em que estou envolvida, sinto também agora e vejo com a minha
alma os feixes de varas espinhosas com que estou a ser açoitada. Faz-me estremecer muitas vezes cada
golpe que me fere o corpo e a alma. Desde sábado, tenho em mim um grande medo de Jesus, e, desde
domingo, juntou-se em mim o medo da Mãezinha, com quem não me atrevo ter um desabafo, assim
como aumenta o medo das pessoas que me são queridas. Desejo que o médico, que Padre Humberto
venham ao pé de mim, mas ao mesmo tempo atormenta-me o medo da sua presença. Medo que
desaparece para deixar lugar a uma indiferença, chegando a pensar que não falo com eles, e chego até a
pensar se sim ou não existem no mundo.

Acabei a oferta dos assaltos do demónio pelas três almas por Jesus recomendadas. Deu-me um grande
conforto a notícia de que uma dessas almas deu um grande passo para o bom caminho. Não sei, porém,
ainda se deixou a má vida de todo.

Sinto-me cada vez mais próxima da morte, o que me causa grande horror por causa deste medo para
com Jesus e a Mãezinha, e ver-me de mãos vazias de virtude e de amor.

Quando Jesus vem ao meu coração, sinto ser um corpo sem coração, sem língua para falar, não tenho
nada com que possa louvar o meu Jesus nem agradecer-Lhe tantos miminhos e benefícios recebidos.
Ainda sem acabar este dia, senti em mim não posso dizer se alegria se consolação, mas um pouco de
alívio e conforto. Uma aragem serena passava em meu coração, e com o meu espírito mais desanuviado
pude dizer: Deus seja louvado. Ainda bem que tenho quem compreenda a minha alma, tenho quem me
vá encaminhando pelos caminhos de Jesus. Durou pouco este alívio. O medo dos que me eram mais
queridos com a sua presença desapareceu para voltar fortemente pouco depois de eles se ausentarem. E
que dor tão grande por ver que não lhes tinha dado a consolação de me verem mais alegre, como
recompensa de tanto que fazem por mim. Não tive força para mais.

— Perdoai-me, perdoai-me, meu Jesus.

Como remate de tudo isto, veio um espinho disperso dos outros ferir agudamente o meu coração.

- Já sei, meu Jesus, seja tudo por Vosso amor. Sempre que eu tenho alguma coisa que possa servir-me de
alívio, hei-de receber a mais algum espinho para profundamente me ferir. Bem-vindo seja o que vem das
Vossas divinas mãos.

8 de Março de 1945

Sinto em mim um fogo ardente, queima-me em todos os sentidos; todo o meu corpo está numa fornalha
viva. Tenho sede, tenho sede de Jesus. Tenho fome, muita fome das almas. Queria engolir o mundo.
Sinto-me cada vez mais mãe dele. Que loucura a minha por aquilo que é engano, lodo e imundície. Sou
mãe, mas oh! que louca mãe! Sou mãe que chora a perda de seus filhos, sou mãe que os não pode ver em
tanta desordem, em tanta malícia e crimes.

— Ai, meu Jesus, o que hei-de eu fazer, o que posso eu fazer?

Sou mãe que chora tanto, mas lágrimas de sangue que banham toda a humanidade. Não posso resistir a
tanta dor, não posso sossegar, quero salvar o mundo, quero sofrer tudo, quero dar por ele a vida. Numa
hora em que as ânsias eram insuportáveis, levantei com custo os meus olhos para Jesus e disse-lhe:

— Jesus, Jesus, ai o mundo, ai o mundo, quero salvá-lo. Deixai-me entrar no Vosso Divino Coração com
todos os que me são queridos; deixai-me entrar com todos os que me pertencem e às minhas orações se
recomendam; deixai-me entrar com todos os sacerdotes e pecadores endurecidos; deixai-me entrar com
todos aqueles que me têm ofendido; deixai-me entrar com a humanidade inteira; que ninguém fique
fora do Vosso Coração Divino para dele passarmos à nossa Pátria, ao céu que para todos criastes. Quero
amar-Vos e louvar-Vos com todos eternamente.

Continuam os meus medos para com as pessoas a quem mais estimo e para com Jesus e a Mãezinha
querida. Que horror! Não só tenho medo de Jesus, medo que muitas vezes não me deixa levantar para
Ele os meus olhos, mas mais ainda: fujo d’Ele, não quero ouvi-l’O, e até me parece que não queria que
Ele existisse. Os crimes, o lodo de que estou coberta não podem ser vistos pelos Seus olhos divinos.
Estou sempre a ser açoutada com as mesmas varas de espinhos; descarregam-nos sobre mim com toda a
crueldade. Nada existe em mim que não seja ferido por eles. E a morte avizinha-se, e os homens não se
apressam a dar-me o meu paizinho. Que tristeza! Não sabem o que é a dor. Não sabem quanto valem as
luzes e conforto para uma alma.

— Perdoai-lhes, meu Jesus, eu espero em Vós, confio nas Vossas promessas divinas.

Durante esta noite, não sei se ainda era ontem ou se já pertencia a hoje, veio o demónio, veio
desesperado, veio com todas as suas maldades, atormentou-me fortemente. Pegou o fogo e deixou em
mim as suas manhas e, para disfarçar que não era ele, pôs-se ao largo. Só depois de eu muito lutar e de
me parecer que tinha ofendido o meu Jesus tão gravemente é que ele se aproximou novamente a cobrir-
me de insultos e a dar-me a afirmação de eu ter pecado. Estava num lago de suores na posição mais
violenta que podia estar. Debaixo de mim um medonho abismo e muitos demónios em forma de
esqueletos e de animais ferozes a atormentarem uma massa que lá estava. Ó meu Deus, que horror! Não
podia falar nem gemer nem dar o mais pequeno movimento ao meu corpo. Pensei:

— Se me não valeis, meu Jesus, morro aqui. Valei-me, valei-me, vinde em meu auxílio.

Serenou tudo. Passados uns momentos, ouvi Jesus a dizer:

— Anjo celeste, anjo bendito, anjo que eu escolhi para guardares, guiares e amparares a minha vítima
amada. Levanta-a, leva-a ao seu lugar.

No mesmo instante, sem me causar o mais pequeno incómodo, fiquei na minha posição. Mas logo em
dúvidas e grande agonia. Jesus esteve em silêncio uns momentos e depois continuou:

— Não pecaste, minha filha: reparaste, consolaste, honraste o meu divino coração. Para as almas não
sofrerem no inferno o que naquele abismo viste é que exijo de ti esta reparação. É fogo de vícios, são
paixões, é a carne. Para reparar nesta matéria, só uma virgem inocente, só um enchente de fogo de amor
pode apagar o enchente de vícios lodaçais. Tu és o brilho e encanto dos meus olhos. Sossega, sossega,
não pecaste. Dá ao meu querido Padre Humberto a abundância do meu amor. Diz-lhe que estou com ele
quando ora, quando trabalha, quando guia e encaminha para mim a tua alma. Dá-lhe por mim os meus
agradecimentos.

Neste colóquio com Jesus, não tive medo d’Ele, mas logo depois voltei a sentir todo o meu martírio. De
manhã cedo, principiei a sentir que Jesus chorava dentro em mim. Eu era a cidade de Jerusalém e era
Jesus. Eu era o amor e a ingratidão. Do meu coração saíam para a cidade os mais doces e ternos olhares;
eram olhares de chamamento, olhares de compaixão. Mas oh! o que eu via sair dali, que revolta contra
mim. Ao cair da tarde, senti-me então reunida com os amigos. Ó meu Deus, o que se passou, que
quadros tão diferentes. Eu era Jesus e contra o meu coração sentia inclinar-se alguém e eu era esse
alguém. Eu era a mesa, eu era o pão e o vinho; eu era o cálice onde ele era deitado; eu era as taças onde
se serviam os alimentos; eu era Judas, era tudo. Eu era a doçura e mansidão de Jesus; era o desespero e
traição de Judas. Que noite, que santa noite, a maior de todas as noites, a noite do maior milagre, do
maior amor de Jesus. O Seu Divino Coração estava preso àqueles que Lhe eram tão queridos. Para poder
partir, tinha de ficar entre eles, para subir ao céu, tinha de ficar na terra; assim o obrigava o Seu amor
divino. Sinto necessidade de esclarecer todas estas cenas, mas não posso, não sei. O olhar esgazeado do
mau discípulo ficou gravado em meu coração e todo aquele silêncio profundo de saudosas despedidas. A
amargura da minha alma não podia subir mais alto. E, para afirmar mais esta amargura, vieram os
sofrimentos da terra causados. Juntei a dor ao sacrifício e quantas vezes em espírito, com os olhos fitos
no céu, ofereci ao trono divino o cálice da minha amargura.

9 de Março de 1945

Cada momento que passa é para mim uma eternidade, parece-me estar sempre no mesmo sítio. O céu
não chega. Só as sextas-feiras passam e voltam no mesmo momento; quase posso dizer que estão sempre
presentes. Durante a noite, estive na agonia do horto. Que solidão tão triste! O céu parecia revoltar-se
contra a terra ingrata. Eu ouvia o barulho da gente, o tilintar das armas. A quem quer que se chegou a
mim, dentro em mim ouvi dizer-lhe:

― Amigo, a que vieste?

― Ó palavra, ó doce palavra! Ó doçura, ó meiguice, ó amor de Jesus!

Já lá vão umas poucas de horas, e tudo ficou gravado dentro em mim. O meu corpo está cansadíssimo;
cansado do horto e da prisão, dos açoutes e dos espinhos e dos maus- tratos a caminho do calvário. O
meu coração foi chagado antes ainda de sofrer a lança. Em todo o percorrer do caminho do calvário,
jorrou sangue com abundância. Chegada lá, transformei-me em tudo: em montanha, cruz e Jesus. E em
mim estava a Mãezinha, os dois corações unidos – o meu e o dela. Quantos sentimentos, quanta dor,
quanto amor; amor que se estendia por toda a humanidade, amor que obrigava a tanta dor e agonia, a
todo o sangue derramado. Ai, se eu pudesse mostrar tão claro como claro senti o que sofreu Jesus e a
Mãezinha!

― Ó meu Deus, ó meu Deus, que agonia indizível!

Quando assim sofria, principiei a sentir na minha alma um bater de asas: desceu do alto, baixou a mim.
Com os olhos da alma vi: era uma pomba cheia de alvura; fez do meu coração o seu ninho. Levantava-se,
batia as asas, subia ao alto, descia a esvoaçar à minha volta e com o seu biquito dava-me vida e com o
seu brilho dava-me luz. Voltava de novo a descansar no seu ninho. Nestes momentos, embebi-me toda
naquele brilho, naquela luz, e a minha alma deixou de sofrer. E Jesus, o meu Jesus, principiou a dizer-
me:

― És cheia de graça, minha filha, porque Jesus está contigo. És cheia de luz, pureza e amor, porque a ti
desceu do céu agora o Espírito Santo. Já em ti habitava, mas agora como nunca baixou a ti, deixou o seu
trono de glória e veio ao meu trono, ao meu paraíso, ao meu céu na terra. Veio ao ninho do teu coração.
Desceu a ti como outrora desceu sobre os apóstolos. De hoje em diante, terás luz, toda a luz, para
compreenderes e conheceres a grandeza do meu amor, o meu poder, a minha misericórdia e a gravidade
da ofensa feita ao meu divino coração. És um livro de ciências, és o cofre onde estão depositadas todas as
ciências divinas, tudo o que pertence ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. Ó maravilha, ó prodígio sem
igual!
― Ó meu Jesus, sim, quero conhecer a grandeza do Vosso amor, quero conhecer tudo o que me dizeis,
porque assim o quereis. Mas ah! conhecer o pecado, a gravidade dele, tenho medo, meu Jesus, tenho
medo de Vos ofender.

― Não, minha filha, não. És a minha esposa amada, quero-te pura, pura, digna de mim. É por isso que
possuis as riquezas da Trindade Divina e as riquezas de Maria. Conhecerás o pecado como ofensa feita a
mim, mas não na gravidade e maldade das criaturas. A tua vida é a vida de Cristo crucificado. Há quase
vinte séculos que passou no mundo o Redentor e passa agora uma nova redentora escolhida por Ele.
Agora, sim, que o mundo precisa dela. Não veio o salvador como novo resgate, mas escolheu a salvadora
para a mesma obra continuar. Tudo podes, tudo possuis, porque estou contigo. Tenho grande anseio de
a tua vida ser conhecida, mas não o pode ser sem grande dor, imolação e sacrifício. A dor é para ti, a
glória é para mim, o proveito é para as almas. Chegou a hora, haja luz, faça-se luz. O mundo necessita, o
mundo tem fome da minha vida oculta em ti. Pede oração, reparação, emenda de vida. Pede-a, pede-a,
minha filha; não é feita sem ser pedida, não pode ser pedida sem os meus divinos desejos serem
conhecidos. Depressa, depressa, penitência, reparação para o pecado da carne. A impureza é uma janela
aberta que dá entrada a todos os pecados mortais. Converta-se o mundo. Ai dele, se rapidamente não se
converte. Ai dele, ai de Portugal. Ditosa pátria, terra privilegiada pela protecção da Virgem e pela vítima
que em si encerra as maravilhas e riquezas divinas sem igual. É teu o mundo, a ti o confiei, mas é mais
teu Portugal, porque és o cofre das riquezas divinas que a ele vim colocar. Ó mundo, ó Portugal, vem
depressa ao teu Deus, levanta-te do lodo, levanta-te dos teus crimes. Se assim não fizeres, depressa
chorarás e gemerás debaixo do peso da justiça divina. Filhinha, minha esposa amada, o céu quer-te,
anseia por ti, vem em breve buscar-te. E as virtudes da tua vida aqui na terra brilharão, cintilarão como
estrelas no céu; espalharão seu brilho ao mundo inteiro, ao mundo que é teu. Vens para o céu, mas a tua
bênção, o orvalho fecundo do teu amor cairão sempre sobre a terra, enquanto ela existir. Receberás tudo
de mim para tudo às almas dares. És de Jesus, vives de Jesus, dás às almas o que é de Jesus.

― Obrigada, meu Jesus. Quero repetir a cada momento da minha vida, dia e noite sem cessar: sou a
Vossa vítima, só a Vós quero consolar, só às almas quero salvar.

No mesmo momento em que Jesus me deixou, caí na minha dor; caí na noite e no meu doloroso
martírio. Tudo aceito, porque quero consolar e amar o meu Jesus.

― Aceitai, Senhor, a minha desconsolação por não saber falar de Vós, por não saber levar ao Vosso
Divino Coração todas as almas.

13 de Março de 1945

Desde sexta-feira, sinto na minha cabeça, entre o caco e o cérebro, uma grande luz, e a mesma luz com a
mesma fortaleza reflecte-se no coração. Eu mesma sinto ser uma torre de altura sem igual, da qual essa
luz ilumina o mundo inteiro. Esta luz nada num mar de dor, num mar de noite; o mar sou eu, a dor é
minha, a noite também. A luz não me pertence, é do mundo, só para o mundo. Por vezes, fico cansada,
desfaleço com o muito que esta luz me faz ver. Ai, meu Deus, o que vai pelo mundo, como ele corre louco
para a perdição. Mas ele é meu, sinto-me tão mãe dele! Não posso aguentar esta perda, esta desordem. A
minha alma vê-o por todos os caminhos da perdição. Ai, meu Deus, o que hei-de eu fazer? Já tudo dei e
parece-me que tudo fiz para o salvar. Dei tudo e fiz tudo sem me sentir mãe e, agora, ai que dor a minha,
não tenho mais que dar a Jesus por ele. Haverá alguém que compreenda esta dor! Tal qual eu sofro só
Jesus, só Jesus.

― Ó corações, ó corações todos do mundo, se compreendêsseis como Jesus vos ama!

Sábado, já de noite, chegaram junto de mim pessoas muito queridas que me traziam do meu paizinho
ordem de alívio para o meu sofrimento. Logo que entraram e ainda sem me dizerem nada, senti um
alívio na alma, fiquei mais leve, clareou mais a noite que sentia na minha alma e suavizou a minha dor e
amargura. Principiei a sentir impulsos para levantar-me; esforcei-me o mais possível para o não fazer.
Momentos depois, sem dificuldades, movia as minhas mãos. E a um impulso mais forte não pude resistir
e disse: “tem de ser” – e levantei-me. As dores do meu corpo foram também suavizadas. Não sentia
alegria nem consolação, mas, se as sentisse, era o bastante. O meu coração subia para o alto, prendia-se
a Jesus, e os meus olhares fixavam-se na imagem da Mãezinha. Em alguns momentos, parecia-me não
viver na terra. E, nesta ocasião, veio Jesus e segredou-me:

― Minha filha, este alívio e conforto, que sentes na tua alma, são para provar que obedecesses ao teu
paizinho, como se ele estivesse todo este tempo junto de ti a desempenhar a sua missão. É também para
provar o meu amor aos que cuidam de ti e da minha divina causa. Dá-lhes amor, amor, todo o amor.
Este alívio, que agora sentes, não é para o sentires quando tiveres a teu lado o teu paizinho, ele chegará
para te confortar. Recebe amor, amor, todo o amor, goza do amor na tua dor.

Para dizer o que em mim se passou, como era sábado, ofereci o sacrifício à Mãezinha, em Sua honra. Em
todo o domingo, mergulhada numa certa dor, uma dor suave, sem saber o que era alegria, mas podia
conversar mais com Jesus e com a Mãezinha. O demónio não teve entrada, por isso foi um dia mais
suave e mais confortante para mim. Na segunda-feira, ainda antes de receber o meu Jesus, chegou a
Deolinda junto de mim e disse-me que na igreja lhe tinha pedido para visitar-me a pequena que tinha
vivido connosco. Eu ansiava esta reconciliação, não pelo grito de a minha consciência me acusar
culpada, mas porque entendia que entre pessoas piedosas não devia existir nada disto, pois seria motivo
de mau exemplo e de desgostar a Jesus. Até esta ocasião, quando pensava se um dia viria a ver à minha
frente quem tanto me tinha feito sofrer, embora irreflectidamente, sem o pensar, parecia-me que seria o
mesmo que me darem uma punhalada no coração e me tirarem a vida. Tinha os desejos que isto
acontecesse, mas tinha medo de não resistir. No momento em que minha irmã me disse isto, Jesus
transformou-me a minha alma. Deixei de sentir o golpe que me parecia ser dado com a presença dessa
pessoa. Fiquei indiferente a tudo, como se de nada me interessasse. Ao receber o meu Jesus, entreguei-
Lhe o caso, para Ele resolver conforme a Sua divina vontade. Passei o dia em sobressalto, receosa
sempre de não fazer a vontade de Nosso Senhor. E os sofrimentos foram aumentando. Hoje, veio-me a
notícia, pouco depois de comungar, que, talvez ainda de manhã, tivesse de receber essa visita. Voltei-me
para o Sagrado Coração de Jesus e disse-Lhe:

― Meu Jesus, fazei que a receba com a bondade e amor do Vosso Divino Coração. Dai-me a Vossa
humildade, fazei que eu esqueça a dor que me causou, como quero que esqueçais a dor e a ingratidão
que para Vós tenho tido. Ó Mãezinha, pela Vossa agonia junto à cruz, pelas Vossa dores, fazei que eu
proceda de modo a dar toda a consolação a Jesus e o maior proveito para as almas.

Recebi-a com sorriso, com a maior mansidão possível. Tive de vencer-me, fazer muita violência sobre
mim mesma. O coração sufocado, por vezes não podia falar nem respirar. Fiz-lhe compreender o seu
mau procedimento e, quando me pediu desculpa e perdão, disse-lhe:

― Se Nosso Senhor não te castigar sem eu Lhe pedir, por eu Lhe pedir também, não te castiga. Eu quero
esquecer tudo, como quero que Ele esqueça a minha ingratidão e a do mundo inteiro.

O meu coração encheu-se de compaixão por ela e de toda a alma lhe perdoei, via nela Nosso Senhor. Não
tive um momento de alegria, parece que não foi comigo o que se passou. Fiquei triste por me lembrar
que não cumpri as ordens de obediência, mas Jesus bem sabe o meu fim e que não estava nas minhas
mãos.

Hoje, já os açoites das varas dos espinhos descarregam sobre mim com toda a força; parece a malhar
sobre molhos de trigo verde para lhe ser tirado o grãozinho. O meu corpo está todo em sangue, todo ele é
uma só chaga. As ondas do mar, que há dias sentia, levantaram-se em mim e contra mim continuam.
Levantam-se, mas desfazem-se rapidamente.

― Mas, meu Deus, não sei o que anda ao longe. Sofre-se tanto por minha causa! A minha alma sente que
sou tão falada! Eu queria sofrer sozinha. Eu não queria ser causa de dor para os outros, nem pedra de
escândalo para ninguém. Velai, Jesus, velai por mim. Consolai-Vos e consolai a todos quantos por mim
sofrem.
15 de Março de 1945

A minha vida é de queixumes.

— Ó meu Deus, ai que tristeza, oh! que dor a minha. Em que noite estou mergulhada! Que tenebrosa,
que triste e tão cheia de horrores! Nunca mais, nunca mais, meu Jesus, poderei ver a luz, o brilho do sol.
A minha alma vê o terminar deste vale de lágrimas: só em noite, sempre em noite. Nunca mais, meu
Jesus, nunca mais poderei ouvir o gorjeio das avezinhas, cânticos e toques harmoniosos e todas as
maravilhas do Senhor, sem sentir a alma em agonia e o coração a sangrar de dor.

Ai o fim da minha vida, como a minha alma o vê. Não terei mais um momento de alegria. Dor, trevas,
morte e nada mais. Caminho vacilante, todo o terreno parece estar em falso. O pecado, a morte do
pecado é o que me pertence. O amor a Jesus e às almas, o que sofro por Ele e para as salvar não é meu,
não sei a quem pertence.

— Ó céu, quando chegarás? Quando poderei ver-Vos, meu Jesus, e ver a luz? Quando estarei livre de
errar e de Vos ofender? Juntai, Jesus, ao Vosso amor os desejos que tenho de Vos amar. Uni a minha dor
à Vossa e utilizai-Vos de tudo para as almas. Que chuva de dores e amarguras cai sobre mim. Eu não
sofro, mas sofreis Vós. Eu não amo, mas amais-me Vós. Eu não vivo, só Vós viveis em mim. E, já que
assim é, tomai esta vida, toda a dor e amor e dai a vida às almas; ressuscitai-as, Jesus, não posso
consentir na sua perda. Jesus, Jesus, dai-me almas, dai-me corações. Sinto o meu corpo tão cansado e a
minha alma tão ferida. É tão forte a descarga de açoites de varas espinhosas que caem sobre mim.
Senhor, Jesus, morre o meu coração, falta-me a respiração, mas falha-me por Vosso amor. Os espinhos
obrigam-me a cerrar os meus olhos e a ensurdecer meus ouvidos; não há lugar no meu corpo que eles
não penetrem. Ai quanto sofro pelas almas que se perdem e pelas que estão no limbo. Remediai, Jesus,
remediai estes males.

Sinto que esta torre, que em mim se levantou, está cada vez mais alta. O artista, encarregado da obra,
não cessa de trabalhar. A que altura eu subi; pois vou subindo nesta torre, ou antes, sou a mesma torre.
A luz sobe comigo. O cansaço de tanto ver faz-me desfalecer. A luz é do mundo, não é minha; é para o
iluminar a ele e ao mesmo tempo para eu ver o mesmo mundo. Fica cá tanto em baixo! Sinto a distância
do céu à terra. Ai como eu o vejo! Esta luz nada deixa oculto; vai penetrar ao mais íntimo e faz que eu
penetro também. Ai que miséria nas almas. Ó que lodo encobre os corpos e alastra toda a humanidade.
Que horror, que horror! Ó mundo, como eu te vejo. Quanto mais sobe a torre mais a luz dá luz, mais o
mundo é lama e mais o meu coração se condói da terra. Não posso resistir a esta dor. É tal a compaixão
que o prende a este exílio que parece que faísca lume e estende seus raios de amor de cima para baixo.
Faz-me lembrar a compaixão de Jesus, a Sua misericórdia, o seu amor infinito. Queria dizer quanto
Jesus nos ama, queria mostrar a Sua misericórdia tal qual a vejo, tal qual a sinto. Pobre de mim que
nada digo.

E agora para onde caminho? Estou chegada à noite da quinta-feira. Vem a traição, a venda do que há de
mais belo e inocente; a entrega, a falsa entrega. O amor do meu coração obriga-me a dizer palavras
doces, palavras ternas; obriga-me a não negar um sorriso. Que doces convites a um coração de pedra, a
um rochedo que não se move. Ó que dor! Já vejo o horto, já vejo a morte.

16 de Março de 1945

Fere-me tudo o que é do mundo, tudo me causa dor e agonia. As consolações e alegrias são para mim
amarguras, são espinhos que me ferem. A dor uniu à morte; é o que vejo, é o que sinto unido à minha
miséria.

— Que mais quereis de mim, meu Jesus? Poderei sofrer mais ainda? Eis aqui a escrava do Senhor. Sou, ó
Jesus, e quero ser sempre a vítima do Vosso divino amor, a vítima das almas.
Durante a noite, cheguei a escutar se tinha o fogo pegado no soalho do meu quarto e na minha cama.
Sentia os efeitos das chamas, e os meus ouvidos ouviam rumores de labaredas. Decorreram já muitas
horas e o meu corpo ainda parece arder por dentro e por fora. A sede é negra, é abrasadora. O que será
arder sempre no inferno, meu Deus! O que será a sede de Jesus pelas almas, quando a mais miserável
das criaturas sofre assim!

Na manhãzinha de hoje, foram-me buscar à prisão; vinha de mãos atadas, mas mais atado ainda vinha o
meu coração, nem podia palpitar nem os lábios abrirem-se-me para pronunciar palavra. Senti que
alguém com amor louco, com amor de mãe, andava rua em rua, cega de dor, à minha procura, a ver onde
podia encontrar-me. A algazarra era medonha. Vestida com vestes de rei, mas vestida por escárnio,
puseram-me na mão uma cana. Que barbaridade contra mim. Era tão grande o número dos que
procuravam inventar maior proeza nos sofrimentos, tratando-me mais cruelmente. No caminho do
calvário, tudo eram gritos e vozearias atrás de mim. Não eram gritos de dor, mas de ódio e afronta.
Havia alguém que chorava e se entristecia de mim; havia quem quisesse consolar-me, aliviar-me e curar-
me as minhas chagas. Esse alguém causava-me ainda mais dor; era uma dor unida à minha dor, era uma
dor que não podia suavizar a minha. A Mãezinha, a Mãezinha, quanto sofreu com Jesus. Na cruz, no
calvário era Ele com Ela um só Coração, uma só alma, uma só dor, um só amor. Jesus abandonado, a
Mãezinha abandonada por abandonado ver seu Filho. Se o mundo conhecesse e compreendesse isto, não
pecava. Jesus estava na cruz, mas era dentro do meu coração. Ao bradar: “meu Pai, porque me
abandonaste?”, dizia dentro em Seu Coração:

— Vê, ó mundo, com as tuas maldades a que estado me reduziste.

Senti-O entregar a Sua alma ao Eterno Pai. Com que alegria ela deixou o Seu Santíssimo Corpo e com
que alegria foi recebida no céu. Já em união com o meu Jesus, vi-O na cruz, mas dentro em mim a
derramar do Seu Divino Coração, já então aberto, o resto do Seu preciosíssimo sangue e por fim gotas de
água. Principiou a dizer-me:

— Arredado de mim. Minha filha, longe, muito longe, está o pecador endurecido e louco pelas paixões.
Longe, muito longe, vivem os pecadores entregues ao vício e à carne, loucos e cegos de todos os vícios.
Vem cá, minha filha, vem, minha pomba branca, receber do teu Jesus, Pai e Esposo, o remédio, a vida e
a luz para os conduzires a mim.

Jesus uniu o Seu Divino Coração ao meu, assim como o Seu rosto santíssimo e lábios aproximou
também dos meus. Acariciou-me e passou d’Ele para mim luz, amor, conforto e vida. Dava-me tudo o
que possuía. E continuou:

— Vai, filhinha, medicina das almas, vai dar tudo isto; escolhi-te para a salvação delas, escolhi-te para
amparo delas, escolhi-te para seres a sua luz. Dá-lha, arranca-as das trevas. Vai com o meu amor e a tua
dor inigualável arrancá-las das garras de Satanás; estão presas no lodo e enleadas nos espinhos. Tu és a
luz das luzes, a loucura, o amor dos amores.

— Ó meu Jesus, dai-me o que quiserdes, dai-me o que é Vosso, só com o que é Vosso eu posso roubá-las
ao demónio; só com a luz do Vosso divino amor eu posso dar-lhes luz. Tenho sede, tenho sede, Jesus, de
Vos dar almas, todas as almas.

— A tua sede é a minha, meu encanto: sacia-ma, tenho sede e fome de almas, é sede e fome do que causa
a morte. Olha, estão tantas presas, enleadas naqueles espinhos! Se não fores lá tirá-las, lá morrem, de lá
passam para o inferno.

— Já, já, meu Jesus, vou, quero ir lá desprendê-las, custe o que custar.

— Minha filha, mas deixas lá tuas carnes?

— Não importa, meu Jesus, quero salvá-las.


— Minha filha, perdes lá o teu sangue?

— Deixá-lo, meu Jesus, também Vós o perdestes até à última gota. Eu quero ir lá, custe o que custar,
perca o que perder. Eu vou, Jesus, eu vou, ainda que naqueles espinhos se desfaçam e fiquem lá meus
ossos. Pelo Vosso divino amor dou tudo e tudo dou pelas almas.

Que tormentosa foi a visão destes espinhos. Sem um grande auxílio, sem a força do céu, nunca, nunca se
desprenderiam de lá tantas, tantas ovelhinhas.

— Ó pura, ó bela, ó vencedora das almas. Tu ostentas a bandeira da vitória. Tu és o lírio dos vales, flor
mimosa dos prados. As tuas virtudes são lírios, são açucenas, flores do jardim angélico que adornam o
trono da Majestade divina. Que bem fará às almas, quando a tua vida for conhecida, pregada e lida, a tua
vida celeste, a tua vida sem igual. Oh! quanto eu anseio que a luz que de mim recebeste vá penetrar nos
corações de toda a humanidade. Oh! como eu anseio que ela aprenda neste livro de virtudes e ciências
divinas. Tenho, minha filha, um meio ainda, um remédio salutar para salvares muitas almas. Não o
aplico já; devia-o aplicar para confusão e punição daqueles que se opõem à minha divina causa,
prolongando por muito tempo o brilho da luz que escolhi para as almas. Mas para isso esperarei que
venha o teu paizinho, porque necessitas de todo o amparo e conforto amiudadas vezes. Para eu me
esconder é preciso que venha para junto de mim quem te ampare e guie. Todo o amparo da terra será
pouco na última fase da tua vida. Recebe, minha filha, novamente, a luz e vida do Divino Espírito Santo.

Veio Ele, poisou sobre a minha cabeça; a minha alma vi-O bater as asas. Era uma pomba branca, mais
branca do que a neve. Toda a minha cabeça era luz, veio à minha boca e, como os passarinhos a
alimentarem seus filhos, meteu nela seu bico, batia as asas e esforçava-se por passar para mim tudo
quanto possuía.

— Minha filha – dizia Jesus – é a tua vida, é a vida divina, a vida de que vives, a vida que eu quero que as
almas vivam. É a vida da graça, da pureza e do amor. É luz que te ilumina, é a luz com que iluminas o
mundo. É o brilho do céu, é a riqueza e o tesouro das almas.

— Obrigada, meu Jesus. Dai-me a graça de Vos ser fiel, dai-me a graça de corresponder ao Vosso divino
amor. Dai-me a força que preciso para combater o demónio e salvar-Vos as almas.

20 de Março de 1945

— Ai, como eu vejo o mundo correr no caminho da perdição. Ó que dor tão tremenda, dor que é
impossível explicar. Ser mãe, mãe que ama, sem haver igual amor, e ver a humanidade fugir-me;
morrem todos os meus filhinhos. Morrem nos vícios, nos prazeres, nas loucuras do pecado. Eles, loucos
pelo gozo, e eu, louca de amor por eles para os salvar.

A luz, que possuo, penetra tudo e em todos. A luz não é minha nem é para mim, mas com ela vejo a
maior das desordens e misérias. Esta luz vê tudo o que vai na terra, e sinto que ela mesma se quer
revoltar contra a mesma terra. Os seus raios não podem enfrentar o lodo e lama nojenta que ela contém.
A terra, que em mim se levantou, vai subindo, subindo, caminha para o céu. Sinto que vai tão alta, mas
os seus olhares não atingem o seu fim. Ela vai subindo e, como remate, com ela sobe a luz; e lá das
alturas vê o mundo, ilumina o mundo, sobre ele espalha os seus raios, raios que tentam subir a si, por
não poderem pensar no mundo. Queria dizer tanto a respeito desta luz, queria fazer-me compreender e
não sei. E agora, pobre de mim, sinto-me em abandono total e completo; não tenho ninguém por mim
nem na terra nem no céu. É o que sinto, mas confio que não é a realidade. Pela minha grande miséria,
miséria sem igual, bem sei que o merecia. Da minha parte não tenho inimigos na terra, mas aqueles que
me têm ofendido, embora sem o pensarem, pouca diferença fazem daqueles que são meus amigos e tão
queridos do meu coração. Os que me feriram, sinto o seu desprezo e abandono, mas não os temo.
Daqueles que tantos cuidados, carinhos e amor me têm dispensado, o que nunca pagarei aqui na terra,
sinto o mesmo desprezo, abandono e uma indiferença que não sei a que comparar; e junta-se mais ainda
o medo, o grande medo, por vezes aterrador. Sem encontrar amigos na terra, levanto os olhos para o
céu; vejo-o fechado, escusado é bater, lá não tenho ninguém por mim, os seus gritos aflitivos não são
ouvidos. Se até agora tinha medo de Jesus e ao seu chamamento divino fugia cada vez mais, a pontos de
não querer ouvi-lO e querer-me esconder d’Ele, agora aterrada, sim, mas sinto-me obrigada a ir à sua
santíssima presença. Mas, oh! Ele está como que envergonhado de mim. Sou obrigada a estar diante
d’Ele; a minha alma sente-O e com os seus olhos vê-O diante de si. Mas agora não tem, como quando eu
Lhe fugia, aquele chamamento cheio de doçura e amor. Agora é juiz recto, juiz que não revoga sentenças.
Eu, cheia de medo, não O posso ver, e Ele, como que envergonhado de mim, põe diante do seu
santíssimo rosto, como para encobri-lo, o seu braço divino. Que horror! Passo dias neste sentimento,
nesta visão. Já quase cheguei a dizer: “meu Jesus, se é possível, aliviai-me”. Mas, sem terminar a frase,
acrescentei: “meu Deus, ó meu Deus, a vossa divina vontade”. Parece-me que nada posso esperar do céu
nem da terra. Ontem, dia de S. José, logo depois de receber o meu Jesus, desapareceram as trevas e a
dor da minha alma. Senti-me não em gozo mas sim com mais luz e mais confortada. Que grande paz
dentro de mim. Jesus falou-me:

— Minha filha, para provar quanto amo a obediência e quanto amo o meu querido pai S. José, livrei-te
estes dias dos combates do demónio. Consentes que depois deste dia eles continuem? Necessito tanto
deles para as almas cegas nos prazeres, enredadas nos caminhos da perdição!

— Sabeis, meu Jesus, que tudo quero e aceito, só o que eu não quero é pecar. Fazei de mim o que
quiserdes, contanto que eu Vos dê o amor que desejais e salve as almas, todas as almas que ferem o
Vosso divino coração.

— Minha filha, a tua sede é a sede que tenho delas. Tu corres para mim como o veado para a corrente da
água. Quanto mais me possuis mais desejos tens de me possuíres. Quanto mais longe me sentires mais
perto eu estou. Eu hei-de esconder-me em lugar, onde não me vejas nem sintas; mas então estou em ti,
sou teu, mais teu do que nunca. Mas para isso é necessário um conforto assíduo. Dou o meu lugar, mas
por pouco tempo; após isto, depressa chega o céu. Coragem, filhinha amada! A tua vida é semelhante à
minha. É Cristo retratado na sua vítima amada. Salva-me as almas. Desejo tanto que o meu querido pai
S. José seja conhecido e amado! Anseio que todos os esposos o imitem, as esposas imitem minha mãe
santíssima, os filhos a mim. Queria que todos os lares, todas as casas fossem semelhantes à de Nazaré.

Calou-se Jesus, e pouco depois nadava num mar de dores que já estão ditas.

Hoje, quando fazia as minhas orações, acabrunhada pelos sofrimentos de alma e corpo, veio o demónio,
veio desesperado. Insultou-me horrivelmente. Nomeou-me o nome de várias pessoas que afirmava
pecarem comigo juntas com ele:

— Não tens pecado, porque não tens querido, agora queres. Não foi Deus que proibiu que eu viesse. Olha
que Ele não tem céu para te dar. O céu é neste mundo, o gozo e o prazer.

Durante a luta, sempre que me foi possível, bradei ao céu. E, no tempo de maior perigo, repeti muitas
vezes:

— Perdão, meu Jesus, perdão, meu amor, sou a Vossa vítima, sou a Vossa escrava, mas pecar não, não,
meu Jesus.

Serenou a tempestade, mas eu fiquei a ser um verdadeiro inferno; via em mim todos os horrores que lá
tem. E o maldito fez como Jesus tem feito. Pareceu-me que ele estava sentado no meu coração, muito
encostado, descansadamente. E dizia-me:

— Habito aqui, pertence-me, é meu.

Que horror, que tremendo horror! Ser o demónio o senhor do meu coração, da alma e de todo o meu ser.
Veio Jesus e disse:
— Aparta-te daqui, maldito, o senhor deste coração sou Eu, sempre fui, sou e serei. Sempre habitei nele,
habito e habitarei; é minha na terra, é minha no céu por toda a eternidade. É minha esposa, é a minha
vítima, é um cordeirinho imolado, é a minha pomba querida, prisioneira à minha semelhança nos
sacrários, por meu amor e pelas almas.

O demónio fugiu espavorido sem deixar em mim sinais do inferno. Jesus transformou a minha alma;
dos horrores, da escuridão passei à luz, à suavidade. Foi só tempo de reviver mais um pouco, para poder
aguentar com o peso da cruz que tantas vezes vejo levantar à minha frente.

— Bendito seja, meu Jesus, tudo aquilo que me dais; sede em tudo a minha força e alegria no sofrimento.

22 de Março de 1945

Que mundo de espinhos! Não vejo nele lugar nenhum onde eles não existam. Tenho de calcá-los, pisá-
los todos e mesmo assim amo-o loucamente, amo-o sem lhe pertencer. Ai, eu não sou dele e ele é meu.
Não o posso ver, e o meu coração prende-se com cadeias inquebráveis de amor.

— Ó meu Deus, que ternura o meu coração sente pelo mundo.

Eu queria possuir todo o amor do céu para com ele levar o mundo inteirinho para o mesmo céu. Que dor
esta, que dor a minha vê-lo a correr para a desgraça, para a perda eterna. Ai tantas almas leprosas,
tantos corações negros e empedernidos; neles não reina Jesus, a eles não pode baixar.

— Ó Jesus, o que posso eu fazer? Aceitai o meu tormento e curai com ele as almas. Aceitai o meu sangue,
purificai-o em Vós e levai-o depois a purificar as almas, para nelas habitardes, para a todas possuirdes.

Ai de mim, estou sozinha e nem ao menos posso contemplar o meu Jesus na cruz. O meu coração
desaparece mergulhado em dor ao sentir o amor com que Ele nos ama e o que é uma ofensa feita ao Seu
Divino Coração. Quero vidas, quero vidas para sacrificar, almas que desagravem a Jesus pelo muito que
Ele é ofendido. Queria ir de rasto, com a língua a varrer o chão, prostrar-me diante de todos os
pecadores, pedir-lhes para não pecarem mais, para não ofenderem o meu Jesus. Queria ser lançada ao
fogo mais vivo e nele arder sempre, sempre, enquanto houvesse o pecado no mundo. Que quadro tão
diferente, o amor de Jesus e a ingratidão dos homens!

— Meu Jesus, volto-me para um e outro lado, vejo tudo o que é miséria, só não vejo o que hei-de fazer
pelo Vosso divino amor e salvar a humanidade. Estou cansada pelo que sinto em mim em ânsias de a
abraçar. Queria em mim uma força irresistível para arrancá-la das garras de Satanás.

Durante a noite, veio o demónio. Oh! que furor diabólico. Lutei muito com ele e estive por tanto tempo
em tanto perigo! Só com a graça de Jesus não pecarei; que ela me assista sempre. Insultou-me muito, de
princípio, e depois calou-me enquanto a luta se prolongava. Não sei como ele conseguiu pôr em mim
uma pena de ter gozado pouco, parecia-me que não havia prazeres no mundo que me satisfizessem. Ele
principiou de novo:

— Querias gozar mais? Não estás satisfeita de prazeres? Agora não estou para mais.

Fiquei numa amargura indizível, a dor abafava-me. Depois de dizer a Jesus que não queria pecar, fiquei
a repetir muitas vezes: “Jesus, Maria, José”. Ouvi uma voz, que me dizia:

— Ó vítima, ó esposa querida de Jesus, eu sou o teu anjo da guarda, anjo escolhido por Jesus para ter
amparar e defender, pata te servir e guiar. Venho em nome do mesmo Jesus afirmar-te que não pecaste,
não pecaste, e levar-te à tua costumada posição.

Fiquei logo nas minhas almofadas e, apesar de tão grande afirmação, a dor e o receio de ter pecado
continuaram. Eu continuei a invocar os doces nomes de Jesus, Maria e José, não com o fim de nenhuma
visão, pois nem nisso pensava, mas sim porque costumo invocar estes santos nomes centenas de vezes
ao dia, mesmo em silêncio, quando estou acompanhada. Não sei as vezes que os tinha repetido e vi à
minha frente Jesus, Maria, José, todos três sentados. Jesus estava no meio. Era modesta a habitação em
que eles estavam, mas toda ela era iluminada pelo brilho que d’Eles saía. Oh! como era belo! A visão
demorou pouco, depressa voltei ao meu martírio. Vejo os sofrimentos que me esperam e a dor que eles
me causam, parece antecipar-me a morte. Sinto o corpo desfeito pelo cansaço. Nada adianta à minha dor
o convívio dos amigos. Que negra ingratidão cai sobre mim. A minha alma suspira e agoniza. Triste
quinta-feira, oh! o que me espera! Sinto e vejo o meu sangue que em breve vai correr do meu corpo. Já
vejo a cruz.

23 de Março de 1945 – Sexta-feira

De manhãzinha, quando orava, de repente senti que a minha alma saiu duma escura prisão. O coração,
de cansado, parecia dar a vida a cada instante e que uma fonte de sangue corria dele para fora. Sentia o
sofrimento da traição e todos os que pela traição foram causados. No meio dos maus tratos, ao barulho e
vozearias que me faziam o coração sentia um amor louco, um afecto indizível pelo mesmo traidor. Oh! se
ele quisesse vir de novo a este coração! Se ele quisesse reconciliar-se! Caminhava, atropelada; caía, era
arrastada por terra para um e outro lado, e aquele afecto, as prisões daquele amor continuavam; iam a
tão longe aquelas prisões! Tinha olhos e não via, ouvidos e não ouvia, mas o coração via tudo, ouvia
tudo, tudo sentia. Veio juntar-se a este sofrimento um combate do demónio. Depois das suas artes,
palavras e acções más, dizia-me:

— Não ores, de nada te vale a oração. Quem assim peca tão gravemente não pode salvar-se. Não queiras
passar por aquilo que não és.

O bom Jesus bem sabe que por graça e misericórdia d’Ele conheço a minha miséria, miséria sem igual.
Neste momento, invoquei a S. José: “valei-me, valei-me”. Então é que o maldito se enfureceu e disse
coisas feias contra mim e o meu querido S. José. Parecia-me que tinha pecado, mas muito gravemente,
que estavam realizados os desejos de Satanás. Chamei por Jesus com toda a força do meu coração. Ele
veio, o demónio fugiu e Jesus falou-me:

— Não basta, minha filha, acompanhares-me na minha paixão; não basta percorreres os caminhos do
calvário, não basta seres o retrato de Cristo crucificado. Necessito desta reparação para as almas que vão
loucas e perdidas nos caminhos da perdição. Anima-te, meu encanto, amor do meu coração, não pecaste,
não pecaste.

Continuaram os meus sofrimentos. Pouco depois, levantou-se no meu coração o calvário, a cruz, Jesus
nela, a Mãezinha e mais alguém, poucos mais: rodeavam todos o pé da cruz. Não faltava lá a Madalena
com todo o amor a abraçá-la. Ah! se eu tivesse para Jesus o amor dela! A Mãezinha, com os olhos fitos
em Jesus, com duas fontes de lágrimas a correrem-lhe pelo seu santíssimo rosto, agonizava com Ele. Os
sofrimentos que causavam a Jesus os que estavam no calvário, mas arredados da cruz vinham bater
todos ao Coração da Mãezinha. o meu coração era o Coração d’Ela, eu sentia-o cravado de setas. Ó que
dor, ó que dor sem igual, que dor que causava a morte. Veio então Jesus dizer-me:

— Longe, muito longe, minha filha, estão as honras de compreender a minha vida divina nas almas. Que
grande dor para o meu divino Coração! E daí vem o mal de ser tão pequenino o número das almas
reparadoras, as que chegam à santidade, atingindo toda a perfeição. É tão grande o número das que são
chamadas e tão pequenino o daquelas que perseveram e são fiéis ao meu chamamento divino. E sabes
porquê? São tão poucos os meus discípulos que compreendem esta vida divina e as sabem guiar e
sustentar até que cheguem a mim. A umas cortam-lhes as raízes, deitam-nas por terra e quantas vezes
têm grandes quedas, vêm a praticar grandes crimes. A outras chega-lhes a sua maldade a levá-las por
caminhos errados. A outras condenam-nas, dizendo que é falso o que é real, dizendo que é humano o
que é divino. Minha filha, esposa minha, vê, amada do meu Divino Coração, vê a chaga tão profunda que
tudo isto me causa. Como poderão ser salvos os pecadores, como poderá salvar-se toda a humanidade?

— Meu Jesus, só Vós o sabeis; aplicai Vós o remédio e tende duns e doutros compaixão.
— Ó vítima querida, vítima do meu divino amor, vítima das almas. O grande remédio, o melhor remédio
está nas tuas mãos e não nas minhas. Aceitas o sofrimento que vou pedir-te? Não é para já, mas não
demora.

— Aceito tudo, meu Jesus, mas quero ouvir dos Vossos divinos lábios a promessa de não me deixares um
só momento, e que não permitis que eu Vos ofenda ou por desfalecimento ou por desânimo. Se mil
infernos houvesse e eu mil corpos possuísse, queria um para arder eternamente em cada inferno e não
queria desgostar-Vos com uma leve falta.

— Amor puro, amor abrasado é o teu, minha pomba amada.

Escuta então:

— Pouco depois da vinda do teu paizinho, vou deixar de te falar a não ser alguma vez à força da
obediência. Não virei às sextas nem primeiros sábados. Não termina a tua paixão, mas continua sempre
cessar. E então mais que nunca dolorosa. Só assim serás deveras completa. Ficarás pior do que os cegos
que nunca conheceram a luz; eles nunca viram, mas acreditam que a luz existe. Tu ficarás como se em
nada acreditasses. Necessitas dum amparo contínuo e de quem te afirme sempre que a luz existe, que os
teus caminhos são os meus, os mais espinhosos, o calvário mais difícil de subir. Eu, escondido, sim, mas
com minha bendita Mãe, nunca te abandonamos. Eu devia fazer isto já, ou já o ter feito para castigo
daqueles que a tempo não estudaram a minha causa divina. Não o tomariam como castigo, mas sim
aumentava as dificuldades. Uso sempre de bondade e da minha misericórdia, mas sempre a reinar em ti
e a triunfar a minha causa divina. É a tua última fase e a mais dolorosa. Oh! que agonia será a tua. Assim
ficarão escritas no livro da tua vida todas as maravilhas e ciências divinas; livro que nunca foi nem será
igualado. Podem vir todos ao jardim, que eu cultivei, colher flores de virtudes, flores de caridade, flores
de heroísmo, flores de toda a variedade, flores de pureza, flores de amor, flores de graça, flores de
heroísmo, flores de toda a variedade. Vinde todos, colhei, são flores celestes. Depois disto, depressa
chegará o céu. Que encantadora será a tua morte. Será a morte cheia da maior agonia, mas cheia do
maior amor. Diz-me, minha filha, por quem me ofereces estes últimos sofrimentos da tua vida?

— Pelo que for da Vossa divina vontade, meu Jesus; é só isso o que eu quero.

— Minha amada, minha loucura, quero que me ofereças uma parte desses sofrimentos pelos sacerdotes,
para os que possuem a luz divina e compreendem a minha vida nas almas a possuírem cada vez mais e
compreenderem cada vez melhor e não terem outra vida a não ser a minha. Pelos que a não
compreendem, para que a estudem e, não estudando nem a compreendendo, não tentem apagar a luz e
matar essa mesma vida. E por todos aqueles que me ofendem gravemente. A outra parte oferece-ma pelo
mundo inteiro, porque todo ele te pertence, porque to confiei. Podes pedir-me tudo o que quiseres e por
todos. Os que te conhecem vão sentir a tua perda, que não chega a ser perda. Continuarás no céu com
todo o poder junto do trono divino a dispensar-lhes todas as graças e a continuares a tua missão. Vai,
filhinha, escrever tudo, para tudo tens toda a luz do Espírito Santo.

— Muito obrigada, meu Jesus, sede sempre a minha força.

27 de Março de 1945

Vejo cada vez mais profundo o abismo da minha dor. Meu Deus, que universo sem fim de martírio!
Perdi o meu Jesus. São estes os sentimentos da minha alma. Já não O vejo diante de mim de mão no Seu
santíssimo rosto, como há dias O via e sentia. Agora apenas sinto a perda d’Ele e o Seu poder e a Sua
justiça sobre mim. Perder a Deus, perder a Deus, oh! que desgraça, oh! que martírio! Sinto a perda de
Jesus e de todas as criaturas; sou sozinha, sem ninguém, ninguém por mim. A luz, que sobre mim sentia,
foi subindo no cimo da torre que em mim se levantou. A torre subiu, subiu, chegou ao céu. A luz, que era
do céu, para dentro do céu entrou, deixando ficar seus raios luminosos sempre no cimo da torre. Esses
raios fazem que eu lá do alto continue a ver a humanidade desgraçada, a humanidade perdida. Pobre do
meu coração estala de dor continuamente. Ai o mundo que eu tanto queria salvar.
— Ó meu Jesus, dizei-me o que posso fazer em favor dele.

Não posso lembrar-me que Jesus vai deixar de me falar. Não posso resistir! Atormenta-me ter de
escrever o que se passa na minha alma, atormentam-me os colóquios que tenho com o meu Jesus, com o
receio de mim mesma, de entrar alguma coisa minha. Mas oh! o que será de mim, quando Jesus se
esconder deveras! Ah! se me dessem a escolher, se eu tivesse o meu querer, escolheria, quereria a
primeira parte: os colóquios e escrever tudo, até dia e noite sem parar, se fosse possível. Sofro por vir
Jesus falar-me e sofro horrivelmente por ir deixar-me.

— E quando será, meu Jesus? Eis aqui a escrava do Senhor. Meu Deus, quando e como quiseres. Sede
comigo.

Em horas de grande amargura, quando sofria com essa perda de Jesus, uma voz me segredava:

— Mas já não tens de escrever, já não recebes as visitas do teu Jesus.

— Ó meu Deus, parece que preferia todos os sofrimentos e não ser privada do meu Jesus, do meu Amor,
que é tão meu. É necessário que eu sofra? Estou pronta, meu Jesus. Consolai-Vos, salvem-se as almas.
Quando me será dado o meu paizinho? Já é tarde para consolação da minha alma. Que ele venha, meu
Jesus, para a realização das Vossas divinas promessas, para honra e glória Vossa e Maior consolação.

Lá vou para a morte, ela vai-se avizinhando.

— Oh! quando chegará o meu grande dia, o maior dia da minha vida?

A minha alma sente que o meu nome é tão falado. Pobre de mim, que tanto tenho procurado viver
escondida e nada consigo. Sinto que sou falada e por tantos com desdém e até com rancor. Sinto que os
nomes de pessoas, que me são tão queridas, sofrem por minha causa, são até enxovalhadas.

— Meu Jesus, tudo por Vosso amor. Que eu seja calcada, extremamente desprezada, para serdes Vós
glorificado, amado e louvado.

O dia de hoje foi dia de grandes saudades, de tristes aniversários para mim. Três anos sem me alimentar
e sem a minha querida crucifixão. Chorei com saudades dela e com saudades da alimentação. Não pude
conter as lágrimas. A minha alma estava em paz, contente com os destinos e miminhos de Jesus. Com o
todo o amor estreitei tudo ao meu coração, mas a minha pobre natureza não pôde resistir a tanta dor; as
lágrimas deslizaram-se pela face, as quais aumentaram ainda mais a minha dor, por me lembrar que o
meu Jesus se entristeceu com elas.

— Meu Deus, meu Deus, meu Jesus, as minhas lágrimas não são de desespero, são de amor, são lágrimas
de resignação. Conformo-me com a Vossa vontade divina. Posso com esta dor e saudades pensar e sentir
mais ao vivo o que são as Vossas saudades, as ânsias e fome das almas, a dor que elas Vos causam com a
sua perda. Quero, Jesus, e amo tudo quanto Vos aprouver enviar-me.

O demónio veio, nesta manhã, tão malicioso e raivoso! Dizia ele que nada satisfazia as minhas paixões;
para as satisfazer, chamou por mais demónios, para pecarem comigo em diversos pontos. Ó meu Deus,
que grande horror! Obrigava-me a eu dizer: não quero orar, não quero o céu, quero pecar, quero gozar.
Gritei com toda a força da minha alma, no momento do grande perigo, da grande dor, a dizer a Jesus:
pecar não, não quero pecar. Neste transe, veio o meu Jesus:

— Sossega, filhinha, coragem, não pecaste. A cadeia mais forte e que mais almas prende a Satanás é a
carne, é a impureza. Só a cadeia do maior amor e da maior pureza pode quebrá-la e arrancá-las das suas
garras. É por isso que de ti exijo esta grande imolação e sacrifício. Lancei as minhas mãos divinas ao teu
amor, à tua pureza. Repara, repara, consola-me, salva-me as almas. Confia, confia, não pecaste, não te
deixo pecar.
No remate de todo o sofrimento deste dia, rezei o Magnificat como sinal do meu grande agradecimento
a todos os miminhos de Jesus.

29 de Março de 1945

O mundo foge-me e com ele fogem-me as almas; não sei como conseguir prendê-lo. Morro de fome,
morro de sede por elas. Que amor louco, que amor louco pelas almas. Queria dizer, queria mostrar o
amor de Jesus pelos filhos Seus. Não sei mostrar, não sei dizê-lo, mas sei senti-lo e compreendê-lo.
Jesus tem o Seu divino Coração em chamas; arde, arde continuamente por nós. O que é o amor de Jesus
e a ingratidão das almas! Se eu pudesse abrir o meu coração e mostrar ao mundo as ternuras do amor
divino! Ai, ai o mundo foge-me, o mundo perde-se, e eu não posso impedir a sua perda. Ao vê-lo correr
para o abismo, ao vê-o correr para a perdição, caio de braços abertos, mas caio desfalecida. Dei tudo, fiz
tudo e não evitei a sua perda. Sinto-me a lutar com a morte; a hora ainda não chegou, os sofrimentos
eram para já ter morrido. É já noite e a minha alma sente como nunca que é a noite do amor, é a noite
mais santa. Jesus vai partir e quer ficar entre nós. Que enleio de amor, que prisões do Seu Coração para
os corações dos que Lhe são queridos! Que ansiedade de ir e de ficar! O meu coração experimenta tudo
isto. Eu sou pão, sou vinho, sou hóstia, sou sacrário. Que noite rica, que noite bela! Os anjos desceram
do céu a adorar tão grande mistério. Mas oh o que espera Jesus! Que traição, que falsas armadilhas tem
a Seu lado! Vejo o Horto, vejo o sangue; tudo em silêncio, para só Jesus ouvir e sentir. E que
despreocupação a dos queridos do Seu Coração! Pouco compreendem da dor e aflição de Jesus. O
demónio fez-me um grande assalto. Caí sobre um grande abismo. Os meus ouvidos ouviram coisas tão
graves, tão maliciosas! Só o demónio, só vindas do inferno! Uma parte do abismo era aterradora; a
outra, aqui e além, tinha uns encantos falsos. O que será isto? – pensava eu. Lutei por muito tempo. E
em tal cansaço, ó meu Deus! O demónio, aos pedaços, calava-se, para raivosamente me afirmar que não
era ele, mas sim eu que queria pecar. O fogo da maldade parecia destruir tudo; destruía-me no prazer e
no pecado. Ao sentir a dor que parece causar a morte, bradei com toda a minha alma, mas bradei muitas
vezes: meu Jesus, pecar não, pecar não. O coração parecia não caber em mim, batia aflitivamente. Ouvi a
voz do meu Jesus:

— Vai, minha filha, para as tuas almofadas. Sossega, sossega, não pecaste. Este abismo, que parecia ter
alguns encantos, é daquelas almas que, para o mundo, a princípio encobrem os espinhos com rosas; e ao
meu Divino Coração dão espinhos, só espinhos. Pecam e por algum tempo encobrem o seu pecado. Vão
pecando, vão manchando as rosas, ficam os espinhos descarnados, todos os encantos desaparecem.
Escandalizam o mundo, mergulham-se no abismo aterrador, lançam-se no lodo das paixões, ferem
agudissimamente o meu Divino Coração. Queres consolar-me? Queres evitar a sua perda?

— Sim, meu Jesus. O pecado é a minha preocupação, é o espinho que mais me fere, só receio ofender-
Vos.

— Guardo o teu corpo, guardo a tua alma, guardo em meu Coração o lírio da tua pureza. És bela, és pura,
és vítima dos impuros. Repara, repara, meu querido encanto, és vítima do mundo.

Hoje mesmo, pareceu-me que desceu uma nuvem sobre mim, negra, negra, assustadora; envolveu-me
toda nela. Tudo é noite da terra ao céu. Debaixo de mim está cruz e espinhos; à minha volta, cercam-me
cruzes e espinhos; sobre mim cruzes e espinhos; tudo é noite, tudo são cruzes, tudo são espinhos, dor e
sangue, morte no mundo e morte na eternidade. Parece que ouço os gemidos das almas e os urros dos
demónios no inferno. Que horror, ó meu Deus!...

30 de Março de 1945 – Sexta-feira Santa

Envolta na mesma nuvem que ontem sobre mim desceu, principiei o dia de hoje, dia que só era noite e
vida que só era morte. Faltavam-me as saudades por não receber o meu Jesus. Sofri mais nos dias
passados com a lembrança de hoje não O receber do que hoje por não comungar. Sofria por sentir pouca
pena. Indiferente a tudo, a minha alma sentiu, e o meu corpo também, que me levaram presa, e alguns
por escárnio a ouvirem a opinião duma multidão de grande ralé e vil canalha que me condenavam à
morte. Os meus ouvidos ouviam, a uma voz só, a palavra de “morra, condene-se”. Oh, que gritos os da
multidão. Tomei a cruz, caí repetidas vezes; ia a cada passo a expirar. Caía e sobre mim ficava a cruz.
Não por dó mas por receio, queriam alguém que a levasse. Houve quem caminhasse com ela, não por
amor mas por ser mandado; mas mesmo assim quanto amor senti o meu coração dispensar-lhe. Que
grande paga! O meu corpo ia entregue aos malfeitores, o meu espírito ia só em Deus. No calvário, o
sangue corria por todas as feridas do meu corpo. Que horas tão agonizantes! Sentia na minha alma todos
os suspiros que dava Jesus; todos os olhares, que Ele levantava ao céu, na minha alma foram gravados.
Momentos antes de Jesus expirar, só de longe a longe dava um suspiro. E nesse intervalo de tempo
estava como se não tivesse vida. E a minha alma a sentir tudo isto. Oh! como era lindo! Que lições tão
belas nos dá Jesus. Tão maltratado e tão cheio de ternura e amor. Ainda o Seu santíssimo corpo a sofrer
na terra e a Sua alma santíssima a voar ao céu; voava e deixava cair para a terra bênçãos e chuvas de
amor. Veio o meu Jesus, fez-me por algum tempo esquecer a dor. Começou o meu coração a dilatar-se e
a arder em chamas.

— Venho, minha filha, felicitar-te, saudar-te, louvar-te pelo teu aniversário, pela tua vida tão cheia de
maravilhas, tão rica de virtudes, tão rica de amor. A tua vida é de rios de ouro e minas de pedras
preciosas. Nunca o mundo viu nem voltará a ver; és a vida das almas. É com esta riqueza que elas são
resgatadas, que elas dão salvas.

— Falai, falai, meu Jesus, são para Vós as felicitações, as saudações e os louvores. O que faço eu sem Vós,
meu Jesus? O que sou eu sem Vós? Podeis dizer, podeis falar, a grandeza é Vossa, a miséria é minha.

— Louvo-te pela tua fidelidade e correspondência às minhas graças divinas. Louvo-te pela tua reparação.
Quantas vítimas escolhi e recebi uma recusa. Quantas chamei e não me escutaram. A quantas convidei a
uma alta elevação para mim e nada consegui. Em ti consolei-me, de ti tudo recebi. Tu és o instrumento
das almas, és a conquistadora de Cristo. Toda a tua vida é uma vida de maravilhas. Se pudesses ver as
almas que por ti foram salvas! E ultimamente, nestes três anos do teu jejum! Que grande meio para
acudir aos pecadores. Mostro aqui o meu poder, as minhas ânsias e o meu amor para com eles. Nada te
disse no aniversário do teu jejum, para tirar da tua amargura toda a doçura para mim e todo o proveito
para as almas. E vou já assim preparando-te par a tua última fase. Martírio acompanhado com o jejum
será o maior meio, o último meio de salvação. Não será só riqueza de rios de ouro e minas preciosas, mas
será um mundo de ouro, um mundo das mesmas pedras. O martírio subirá ao auge e o amor atingirá
toda a altura. O amor a Jesus, a dor pelas almas, reparação sem igual. Recebe agora, minha filha, o
sangue do meu Divino Coração; é a vida que necessitas, é a vida que dás às almas.

Vi o Coração Divino de Jesus a arder em chamas, a transbordar de amor. Unido aos meus lábios, sentia o
sangue correr e o meu coração por muito tempo a dilatar-se.

— Minha filha, o céu louva-me por te ter criado, louva-me pela honra que me dás e louvor que já da terra
recebo. O céu louva-me e sempre me louvará. Da terra já recebo louvores e dentro em breve todo o
mundo me dará louvor pela minha vítima, pela nova redentora. Prepara-te, filhinha, vou-me dar a ti. É
um sinal que mesmo escondido sempre em ti habito. Repara, desce o céu sobre ti. Dou-me a ti numa
comunhão real, numa comunhão eucarística.

Desceu sobre mim a abóbada do céu.

— Que lindo, que lindo! – exclamei eu. Vale a pena, meu Jesus, sofrer e sofrer tudo para possuir o céu.

Eram tantos, tantos os anjos que batiam as asas e prestavam homenagens a Jesus. Desta vez não
cantavam. Adoravam e inclinavam-se em sinal de reverência na presença de Jesus. Ele disse as
palavras Ecce Agnus Dei e depois as de Corpus Domini Jesu Christi.
Nota - No dia 11 de Abril, pergunta-me: “o que querem dizer estas palavras? E as outras: Corpus
Domini Jesu Christi?” Notei também que normalmente ela não sabe estas frases e, referindo-se a elas,
diz: “aquelas palavras que Jesus disse na comunhão”.

Parece-me bem que estendi a língua para receber Jesus. Ficamos por uns momentos num silêncio
profundo, numa união tão grande. Depois Jesus chamou pela Mãezinha.

— Mãe Bendita, vem saudar e acariciar a nossa filhinha, a nossa vítima.

Ela veio, tomou-me para o Seu regaço, cobriu-me de mimos e entrelaçou os seus santíssimos braços nos
de Jesus, e estreitavam-me os dois ao mesmo tempo.

— Minha filha, flor mimosa do meu Jesus, amo-te, amo-te com Ele. Recebe todo o nosso amor. Saúdo-te
pelo louvor, honra e almas que nos dás. Sofre, sofre contente. É a mãe que pede para os seus filhos, é a
mãe que pede para os irmãos teus.

Beijava-me dum lado Jesus e do outro a Mãezinha. Jesus acrescentou:

— Vai, filhinha, vai escrever tudo. Para tudo o que disseres, tudo o que fizeres, terás sempre a luz do
Divino Espírito Santo; é Ele que fala em ti.

— Obrigada, Jesus, obrigada, Mãezinha.

Fiquei logo duvidosa de tudo e mergulhada em tanta dor! De nada me valiam as pessoas queridas que
me rodeavam. Vieram ainda espinhos tão agudos a ferirem-me. Por tudo bendisse ao Senhor e, como
remate, rezei o Magnificat.

3 de Abril de 1945

Não vivi, não ressuscitei com Jesus. Os meus olhos não viram, os meus ouvidos não ouviram, o meu
coração não amou, o meu corpo nada mais sentiu a não ser a dor. O olhar dos meus olhos não era meu,
nem o ouvir dos meus ouvidos, nem o sentir do meu corpo, nem o amor do meu coração, nem o sorriso
que tudo isto encobria, nem esse era meu. A quem pertencia? Jesus o sabe, nada sei dizer. As alegrias
são para quem Jesus quer, menos para mim. Mas eu estou contente; eu não vivo, que viva Ele com a Sua
vida divina nas almas. Eu não ressuscitei, que elas ressuscitem para Jesus. Não tenho amor, não tenho
que oferecer ao meu Senhor, que Ele aceite o amor de todos os corações e a oferta total de todas as Suas
criaturas. Não tenho língua para louvá-l’O, que Ele aceite todo o louvor da terra e do céu. Toda a terra e
céu O louvam e bendizem; só eu, pobrezinha, fui excluída, estou de parte. Não posso juntar-me aos bem-
aventurados do céu, aos justos da terra. Toda a maldade e miséria do mundo são minhas. Que vergonha,
que horror! Perdi o meu Jesus. Que perda eterna! Nunca mais, nunca mais O posso ver. Não há remédio
para esta perda. Não posso pensar. A minha alma não resiste a esta dor; perder a Jesus, perdê-l’O para
sempre. Por vezes o fogo no meu coração parece incendiar todo o meu ser. Posso dizer que em
momentos é quase insuportável.

Nota – Já cheguei a ter isto antes da Paixão… Agora tem aumentado muito… Parece que me tira a vida.
No dia dos meus anos, presentes umas pessoas, vi-me aflita. (Nota do Padre Humberto, que lhe pediu
explicações).

Quantas vezes a este fogo vem juntar-se a grande confusão, o grande martírio de não resistir aos ardores
de tal fogo sem panos de água fria. Sofro ao ver-me rodeada das pessoas e ter de manifestar e dar a
conhecer este fogo que me abrasa. Confio, se o meu Jesus me der força, a tudo resisto e com a Sua graça
escondo. Muitas vezes, durante as noites, tenho visto Jesus, a Mãezinha e S. José. Jesus não aparece
sempre duma forma. Raras vezes o tenho dito, porque só o fazia quando tinha a certeza de que não era
sonho; de contrário, calava-me e nada dizia, com receio de não dizer a verdade. Nesta noite, vi Jesus
muito brilhante, cheio de luz, mas com a Sua santíssima cabeça cercada com uma coroa de agudíssimos
espinhos. Parecia-me não ser sonho e, na dúvida de ser ou não, pensava não dizer nada, deixar oculto.
No decorrer da manhã, estava sozinha, unida a Jesus a fazer as minhas orações. Veio o demónio,
raivoso, malicioso, com ameaças apavoradoras. Enquanto podia, ofereci-me logo a Jesus e à Mãezinha
em favor das almas. Que receio tão grande de pecar, estava cheia de medo. Ele dizia-me coisas feias e
que desconheço. Parecia-me estar entregue aos maiores prazeres, aos maiores crimes.

— Jesus, valei-me, não quero pecar.

Juntou-se ao gozo uma dor de morte; o coração sufocou-se, eu não podia respirar. Ele bailava com
satisfação, como se estivesse a ganhar a batalha. Fiquei um pouco mergulhada na dor e sem saber se
teria ou não pecado. Parecia-me que aquilo não se tinha passado comigo; contudo, estava tristíssima.
Veio o meu Jesus.

— Minha filha, amada do meu Divino coração, não pecaste, estive contigo, acompanho-te na dor, no
amor, nas lutas com o demónio. Sou contigo neste abismo, neste mar imenso do martírio em que estás
mergulhada. Sorri em teus lábios, escondendo assim a dor e a amargura em que estás sepultada.

— Ó meu Jesus, confio que me acompanhais, que tudo venceis em mim. Mas porque é que, mesmo a
falar conVosco, sinto tanta dor?

— Para ser completa a minha consolação, minha filhinha amada; para ser completo o teu martírio, a tua
reparação. Só assim tiro todo o proveito para as almas. Mas estou sempre, sempre em ti. Olha, minha
filha, sempre que te apareço e por vezes acompanhado, não é sonho, é sempre a realidade. Quando me
vês coroado, é nos momentos em que os homens me crucificam mais.

Nota – Tem-lhe acontecido de ver Nosso Senhor, muita vez e há muitos anos, nesta atitude, de dia e de
noite. (Nota do Padre Humberto).

— Quando te apareço, espalhando raios abundantes do meu Divino Coração, é para saciar a sede que
tenho de ti e para te dar a abundância do meu amor, que distribuía às mesmas almas. Quando venho
com a minha Bendita Mãe e S. José, é para provar-te que todo o céu te acompanha, que as maiores
personagens do céu estão sempre contigo. É o céu a amar-te, é o céu a acompanhar-te no teu inigualável
calvário. Sofre contente, o céu não demora, chega o teu gozo eterno.

— Já que assim é, meu Jesus, consolai-Vos, alegrai-Vos na minha dor. Não quero a minha alegria, mas a
Vossa; não quero o meu triunfo, mas o triunfo das almas. Aceitai o meu martírio e fazei que a minha
morte seja a vida do mundo, e a minha cegueira a luz dos corações. Quero que só para Vós ele viva, que
só a Vós, pobre mundo, veja, ame e bendiga. Ó meu Deus, ai quanta agonia no meu coração, oh quantas
ânsias de partir, nadando em dor, banhada em sangue à conquista das almas. Aceitai, Jesus, os meus
desejos, já que outra coisa não tenho. Vinde à minha tristeza buscar alegria.

5 de Abril de 1945 – Sexta-feira

Continuo a sentir duas coisas ao mesmo tempo: a perda de Jesus e a perda das almas. A perda de Jesus
faz-me sentir tal horror e revolta que não se pode explicar. Quero amaldiçoar esta perda e amaldiçoar a
terra. Parece que me atormentam todos os horrores do inferno. Sinto que era melhor perder tudo e tudo
sofrer do que perder a Jesus. Só a Sua perda basta para ser o maior martírio do corpo e da alma.
— Meu Jesus, perder-Vos! E sobre esta grande dor cai o peso da Vossa justiça divina.

Que tormento e dor sem igual. E a perda das almas! Ai quanto custa! O meu coração corre atrás delas.
Que ternura e amor lhes dispensa. A alma com os seus olhares vê a sua fugida. Que agonia! Não há amor
que as prenda, não há palavras que as comova, nem ouvidos que as escutem. Correm, correm para a
perdição. Oh, que dor a de Jesus. E que dor a minha, sentindo isto. Não posso consentir que as almas se
percam. Esta manhã, com a vinda de Jesus ao meu coração, levantaram-se em mim novas ânsias que
deram princípio dum novo mundo dentro em meu coração. É um edifício mundial a construir-se. As
ânsias são de pureza e de amor; o edifício é levantado com isto. Que chamas ardentes, que fogo
abrasador. Esta pureza e este amor não são meus, não me pertencem; pertencem ao edifício, pertencem
ao mundo. Meu Deus, que ânsias consumidoras. Queria falar ao mundo inteiro, queria falar só em amor
e pureza; só destas riquezas queria que ele vivesse. Durante a tarde, senti-me no grande convívio, nuns
grandes laços da mais estreita amizade. De manhã, senti um novo mundo de amor. Ao cair da tarde, a
grande ceia do amor. Amor, que grande ingratidão recebeu. Com esta ingratidão vi e senti a cruz
atravessada em meu coração; era regada com o sangue que momento a momento jorrava dele. a cada
respiração saía uma golfada de sangue. Dolorosa quinta-feira, tão cheia de espinhos. A dor tirava-me a
vida. Já de noite, veio o demónio, maldoso como sempre. Figurou-se-me que, com os seus dentes,
retalhava o meu corpo e punha em bocadinhos o terço e levava para longe a imagem da Mãezinha.
Foram só as manhas dele, depois da luta, tudo tinha junto de mim. Que estrondo fazia o meu coração.

— Queres gozar? Oh, quanto vale o prazer! Posso sossegar. Oh, como tu pecas!

Quando ele bailava de satisfação, veio juntar-se ao gozo, que ele chama gozo à dor a que só com um
milagre de Jesus se pode resistir. Com muito custo chamei por Jesus, chamei muitas vezes, a afirmar-
Lhe sempre que não queria pecar. Os demónios com caras muito feias afirmavam o contrário. Veio
Jesus, e à Sua voz divina eles fugiram. Ele chamou:

— Anjo bendito, suaviza a dor da minha esposa, da minha vítima, da minha crucificada; leva-a ao seu
lugar: é vítima da pureza, vítima do meu amor, vítima das almas.

Depressa tomei a minha posição, sem esforço, sem sentir dores. Depressa vieram as nuvens negras, as
dúvidas de ter ofendido gravemente a Jesus.

6 de Abril de 1945 – Sexta-feira

Continua em mim o edifício mundial e os desejos, ânsias de amor e pureza. Quero o mundo em fogo de
amor, em pureza de corpo, alma e coração. Levanto os meus olhos ao céu e brado muitas vezes:

— Que fazer a isto, meu Jesus? O que posso fazer para que o mundo inteiro se purifique, arda e só viva o
Vosso amor divino?

Com estas ânsias saí da prisão, percorri muitos caminhos, abraçando fortemente a minha cruz; amava
com todo o amor os espinhos que toda a minha cabeça cercavam. Do capacete de espinhos saía um
capacete de sangue, corria pelo meu corpo, regava a terra. Sentia que a Mãezinha andava louca à minha
procura, ou melhor, à procura do Seu Jesus. Rompia por entre as multidões a ver onde O poderia
encontrar. O Seu santíssimo Coração estalava, desfazia-se em dor e fazia estalar e desfazer O de Jesus.
Em momentos deste sofrimento, veio o demónio aumentá-lo ainda mais. Atormentou-me ao máximo.

— Ao prazer vais tu; pecar, pecas sem remédio. Deus não existe, porque, se Ele existisse, salvação não
tinhas: tal é a maldade dos teus actos. Serve-me, adora-me, prostra-te diante de mim.

Eu parecia-me dizer: “não quero Jesus, não quero a Mãezinha”.

Que aflição a minha! Consegui dizer muitas vezes: “Jesus, Jesus, não quero pecar”. Quando eu dizia isto,
parecia-me já ter pecado e muito gravemente. Senti a dor de que já muitas vezes tenho falado. Parece-
me que esta dor não pode ser humana, tal é a sua agudeza; parece tirar a vida. Será a dor que causamos a
Jesus com as nossas maldades? Jesus veio dar-me a vida, perdida por essa dor.

— Coragem, minha filha, coragem, minha esposa, coragem, minha vítima. Não pecaste, não pecaste. É o
teu calvário. São os demónios os teus algozes, são eles que te açoitam e crucificam. Sofre por meu amor,
sofre pelas almas. Une a tua dor à minha e à da minha Bendita Mãe. A dor dela é a minha, a tua é a
reparação dos filhos meus.

No calvário, sentia a alma do bom ladrão a expirar dentro do meu coração. Com que paz ele dava a sua
alma a Jesus! Caiu a noite sobre o calvário, todo o solo estremeceu e fez estremecer a cruz. Jesus
entregava o Seu espírito ao Eterno Pai, enquanto um grande número de curiosos, aterrados, desciam
como formigas o alto da montanha. Veio Jesus suavizar a grande dor e retirar de mim o pavor que tudo
isto me causava.

— Minha filha, universo de dor, universo de pureza, universo de amor. A tua dor, pureza e amor, são de
redenção. Que dor, minha filha, sente o meu Divino Coração por ver as minhas divinas graças perdidas!
O que opero em ti destinei-o para as almas: é remédio eficaz, é remédio divino. Está escondido, está
oculto por causa da cegueira e maldade dos homens. A tua vida observada, lida e pregada, vai ser o maná
celeste, vai ser um mundo de amor, um mundo de vida e de salvação. É este o edifício que em ti levantei.
Tu és um anjo de pureza, porque aos anjos te assemelhas. És serafim de amor, porque com igual amor
me amas. É à tua imitação que no futuro o mundo me amará. É com a tua pureza que ele se purificará.
Os homens não deixam que o remédio, que destinei para as almas, lhes seja dado; o que eles não
proíbem, porque não podem, é a continuação das minhas maravilhas em ti. Que belezas! Que encantos!
Eu sou o artista divino, trabalho em ti e em ti opero os maiores prodígios. Quem te contempla,
contempla Jesus; quem te ama, ama a Jesus; quem te imita, imita a Jesus. Retratei-me em ti, és a cópia
mais fiel de Cristo crucificado. O mundo exultará de alegria ao ter conhecimento do que foi a tua vida na
terra.

— Ó meu Jesus, que falassem assim aqueles que não me conhecem e não sabem o muito que Vos ofendi;
mas falardes Vós, que tudo conheceis, a quem nada da minha vida foi oculto, que vergonha e confusão a
minha! Remediai Vós todo o mal, purificai-me e enchei-me de amor, cobri-me com a Vossa graça, para
que eu possa ser o remédio que quereis que seja para as almas.

— O teu martírio aumenta, o peso da tua cruz redobrará. O perfume das tuas virtudes encherá, irradiará
o mundo. O céu desceu sobre ti, rodeiam-te os anjos por seres anjo em carne. Abrasa-te o amor dos
serafins por ao mesmo amor seres assemelhada. É com este amor que o mundo se salvará; é neste fogo
que ele se abrasará. O céu dá-me louvor pelo teu martírio, por aquelas almas que, se te conhecessem, me
podiam dar. Supre o céu o lugar da terra; fazem os anjos o que os homens não deixam. Salva-me as
almas. Toma conforto, descansa em mim.

Inclinada ao rosto de Jesus, descansei um pouco. Recebi fortemente o Seu divino amor. O coração não
me cabia no peito, se Jesus não o retira depressa, o coração não resistia, não aguentava tal fogo. Sinto-o
a arder, apesar de já passarem algumas horas. Este fogo não me dá alegria, dá-me força, muita força na
minha amargura. Posso lutar, posso levar a minha cruz com mais amor. É o que eu desejo: sofrer tudo
com perfeição, para consolar Jesus.

7 de Abril de 1945 – Primeiro sábado

Raiou o dia, só na minha alma não. A noite não me deixa, as trevas são sempre negras, aterradoras.
Bendito seja o Senhor que não tem permitido que eu perca a serenidade e a paz. Temo todo o martírio,
mas amo com todo o amor tudo o que é dor. Vejo no sofrimento só o amor do meu Jesus. Tenho tantas
saudades do céu! Faço tanto sacrifício por não pedir a Jesus para se apressar a levar-me para lá! Quantas
vezes no meio de outros pedidos vou a dizer: “depois disto, Jesus, vinde buscar-me para o céu”. Lembro-
me da promessa que fiz de não Lhe pedir mais. Faço violência sobre mim mesma e digo-Lhe: “realizai
em mim os Vossos divinos desejos”. Parece-me que seria para mim um alívio, se eu pudesse pedir a
Jesus que abreviasse a minha partida para a minha Pátria. Seja que não seja, prometi não Lhe pedir, não
quero faltar. O que será de mim, quando já não tiver Jesus para Ele comigo e eu com Ele desabafarmos
as nossas mágoas? Que espada que de tão longe e tão dolorosamente já está a ferir o meu coração!
Poucos momentos depois de Jesus descer ao meu pobre e indigno coração, desapareceram as trevas da
alma, e aqueceu-me no fogo do Seu divino amor. A Sua divina voz, mais suave que a música dos anjos,
fez-se ouvir.

— Minha filha, rasgam-se as nuvens, brilham os raios do sol, com o seu calor aquecem, suavizam e
cicatrizam as dores, as feridas do teu coração. Sou eu o sol, o calor e o amor. Sou bálsamo salutar, sou
remédio da tua alma tão imolada por mim, tão sacrificada pelas almas.

Jesus falava e o meu coração crescia, crescia, pareceu-me sair do peito e elevar-se à maior altura. Oh!
como ele era grande!

— O que é isto, meu Jesus? Que grandeza é esta que sinto em mim?

— Minha filhinha amada, é o edifício do amor, é a grandeza do teu amor ao meu divino Coração e às
almas. É com este amor que eu quero ser amado, é com este amor que o mundo será salvo. Está próxima
a hora da paz. Se o mundo, repito, e mais ainda Portugal, souber agradecer a graça que lhe foi dada, a
paz será duradoira. Reinarei entre os homens, entre eles estará sempre a minha paz divina. Se não me
agradecerem, não fizerem oração e penitência, não se levantarem dos seus grandes crimes, depressa
Portugal sentirá cair sobre ele não o fogo das armas, mas o fogo da justiça divina; não a destruição dos
homens, mas a destruição do poder e majestade de Deus.

— Ó meu Jesus, fiquei tão triste, quando Vos pedi para ficar aqui até ao fim da guerra, mas Vós bem
sabeis que só quero a Vossa vontade.

— Fui eu, filha querida, fui eu que permiti que me pedisses para prolongar por mais tempo a tua
existência na terra e para provar mais claramente que os homens se opuseram à minha divina vontade.
É bendita a tua dor, é bendito o teu martírio, é bendito o teu amor. É com estas pérolas preciosas que
vão construir-se nos corações tronos grandiosos de amor para a minha habitação. Com o perfume das
tuas virtudes, com o néctar das flores angélicas, que no jardim da tua alma cultivei, vão ser cicatrizadas
as chagas da pobre humanidade. Que felicidade para o mundo, se souber corresponder-me! Diz, amada
minha, ao teu paizinho que lhe mando os meus olhares divinos, as minhas ternuras, o meu Coração
cheio de amor. É a prova da minha loucura por ele, é a prova da sua inocência, são os meios para ele
prender as almas. Pouco depois de terminada a guerra, ele virá para junto de ti ajudar-te a chegar ao
cimo do calvário, dizer o consummatum est e oferecer a mim a tua alma. Diz ao teu médico, à grande
loucura do meu Divino Coração, que o que mais desejo dele agora é que opere comigo milagres,
cuidando de ti a sério e da minha divina causa. As palavras dele ainda não fizeram estremecer tanto
como o castigo que lhes será dado por mim, castigo merecido pela cegueira e mais que cegueira ainda.
Castigo-os para os convidar à verdade, castigo-os para verem a luz, castigo-os para arrepiarem caminho.
Que grande estorvo para as minhas graças divinas, que grande prejuízo para as almas! São tão grandes
as minhas maravilhas! É tão grande o meu amor! Coragem, filhinha! Oferece-me os teus sofrimentos
pelos sacerdotes: ofendem-me tanto e por tantas formas! Fazem tão mal às almas. São tantos, tantos os
que não são dignos do nome de meus discípulos! Coragem, coragem na tua dor. Minha Bendita Mãe,
ajuda-me com o teu conforto, para darmos vida à nossa vítima inocente, a esta filhinha.

Veio a Mãezinha, Ela e Jesus abraçavam-me e cobriam-me de carícias.

— Minha filha, minha filha, estrela do meu Jesus, rosa branca, rosa pura, rosa que brota de espinhos,
sofre contente, dá almas ao teu Jesus.

Com as últimas carícias acrescentou Jesus:


- Vai, filhinha, vai escrever tudo. Tens sempre em ti a acção e a luz do Divino Espírito Santo. Dentro em
breve vou dizer-te o nome de mais algumas almas que vão para o céu sem sofrerem no Purgatório.

— Obrigada, meu Jesus, obrigada, minha querida Mãezinha.

Pouco depois, veio a noite, veio a dor, a grande dor. O demónio não me atormentou da forma do
costume, mas atormenta-me o pensamento de que estou em pecado, e a causa deste sofrimento foi um
fumo que hoje se levantou, à cabeceira da minha cama, parecia sair de debaixo dela. Este fumo foi visto
pelas pessoas que estavam no quarto, assim como o cheiro ao fogo ou não sei ao quê. Por vezes, a minha
cama estremece, parecendo-me abalo que a terra tem. Isto sinto-o eu só e não as pessoas. Causa-me
tanta dor! Meu Deus, estarei em pecado? Parece-me fogo e abalos do inferno.

Nota – Interroguei três pessoas presentes sobre o fenómeno inexplicável do fumo, acontecido em hora
em que o fogo da casa estava apagado, o que elimina, portanto, a possibilidade de coisa natural, e
envolvendo só a cama da doente. E elas estão prontas a jurar o que viram pelo espaço talvez de um
quarto de hora, em que tiveram tempo de averiguar que a origem do fumo e cheiro não tinha origem
de um fogo. (Padre Humberto)

10 de Abril de 1945

É tão grande o edifício que sinto em mim! Parece-me chegar dum lado ao outro, aos confins do mundo.
Todo ele arde em chamas e eu ardo também com ele. Por entre as chamas, aparecem dum e outro lado
grandes enleios de espinhos. São tantos e tão agudos! O fogo a todos destrói, transformam-se em
chamas. Aparecem também muitos, muitos rastos de sangue, mas este sangue não apaga o fogo. Tudo
são chamas, grandes chamas. Eu não estou satisfeita. Sinto, vejo que este fogo não atingiu a verdadeira
altura. Quero ver o mundo numa só chama, que chegue da terra ao céu. Eu brado no meio deste fogo:
quero amor, amor, mais amor. Quero amar a Jesus, quero amar a Mãezinha e vê-Los por todo o mundo
amados. Este fogo não é meu, e as ânsias minhas não são. Perdi a Jesus, perdi a Mãezinha, de meu só
tenho o pecado. Perdi todos os que me são queridos. Quando sei que eles vêm junto de mim, parece-me
que sou assaltada por um bando de assassinos. Para onde foi o amor a Jesus, à Mãezinha e a estima
pelas pessoas queridas! Contudo, confio em Jesus, que O não perdi, que O possuo ainda e que a minha
estima pelas pessoas, que Ele colocou em meu coração, em lugar tão alto, não terá diminuído, antes pelo
contrário, será cada vez mais intensa. Não quero usar de ingratidão nem para o céu nem para a terra.
Não quero usar do instrumento que tanto feriu a Jesus.

— Meu Deus, o mundo perde-se! As almas lá fogem pelos caminhos da maior perdição. E eu vejo tudo!
Quero ir ao encontro delas. Quero percorrer todos os caminhos e prendê-las. E como prendê-las a Jesus?
Só com cadeias de amor. Meu Deus, como? Esse amor existe, mas, como não é meu, não me pertence.
Tende dó, Senhor, dai remédio a tudo isto, meu Jesus. Eu morro, não posso resistir. Não posso ver o
Vosso Divino Coração ferido, meu Jesus! Eu não posso consentir que as almas se percam eternamente.
Nunca mais verem a Jesus! E Jesus ficar sem elas, depois de as comprar pelo preço do Seu divino
sangue. Meu Deus, que será de mim? Dai-me força, perco a vida. Ai, que mais posso eu fazer pelas
almas, para lhes dar o céu?

O demónio apareceu-me só com um olho. Mas era tão grande! Tinha um olhar de tanta malícia, tinha
toda a maldade infernal. (Eu sei lá o que é olhar de malícia… Mas nele o compreendo. Grava-se aquele
olhar no coração. E aquele olhar é capaz de prender tudo). Dentro desse olho estava um demónio em
tamanho natural, de baixo a cima, completo. Aquele olhar tão maldoso atraía, prendia a si todos os
corações que por tal maldade se levavam. Noutro ataque mais violento, ele me dizia que ia ter uma noite
de prazer e que valia a pena perder tudo para gozar desta forma. Eu parecia-me arrumar para longe
todos os objectos religiosos e dizia: “não os quero, quero gozar”. Mas não, a verdade não era esta. Eu,
sempre que podia, oferecia-me a Jesus e pedia-Lhe por tudo para não pecar. Os insultos, as palavras
feias eram tantas! Eu estava tão triste! Vieram os momentos mais aflitivos. Ele mostrava-se
satisfeitíssimo e afirmava-me eu pecar. Veio uma dor tão grande: desfazer aquilo que me parecia gozo. E
logo principiei a sentir pena de aquela dor me vir tirar tão grande satisfação. Meu Deus, que horror!
Fiquei desalentada, mas confiada, à espera de auxílio. Depois de bradar muitas vezes por Jesus, Ele veio
e disse-me:

— Minha filha, o meu sopro divino basta para levar-te à tuas almofadas.

Senti que esse sopro passou sobre mim e logo fiquei na minha posição a ouvir a voz de Jesus, que
continuou:

— Não pecaste, minha filha. Esses desejos, essa pena não te pertencem. É o que sentem as almas depois
dos seus crimes. Não se sentem satisfeitas, entristecem-se, querem outros meios de satisfazerem as suas
paixões e nada encontram no mundo que as satisfaça. A dor é minha, é a dor que elas causam ao meu
Divino Coração. Anima-te, filhinha, confia, não pecaste. E, como prova de que é falso tudo o que o
demónio te diz e afirma, oferece-me todos os dias a mim a à minha Bendita Mãe uma e muitas vezes a
tua virgindade, a tua pureza. Que grande consolação e alegria nos dás! Oferece-ma por aquelas que de
tão boa vontade a perdem, perdendo a graça, manchando a alvura da sua alma. Não acredites em
Satanás, confia em mim que sou Jesus. Renova, renova muitas vezes o teu voto de virgindade e pureza.

— Renovo-o já. Aceitai, Jesus, aceitai, Mãezinha. purificai-me com tudo o que é Vosso, para que possais
receber da minha oferta a maior reparação, consolação e alegria. Jesus, Mãezinha, tudo o que faço, tudo
o que sofro é por Vós e pelas almas.

12 de Abril de 1945

Que fogo no meu coração! Queima-me tanto, parece destruí-lo! Quanto daria eu, quanto sofreria eu para
conseguir que este fogo me pertencesse e fosse fogo de amor a Jesus. Quero amor, quero amor. Quero
amor para dar ao mundo, para que ele ame todo, só a Jesus. Pobrezinha, não tenho que lhe dar, não sei
como conquistá-lo, não sei como entregá-lo a Jesus. Lá o vejo fugir, foge deste mundo para outro mundo
predição. Eu fico de braços abertos e olhos no céu.

— Meu Jesus, como remediar este mal? Olhai o mundo que me destes, o mundo que me entregastes;
olhai o mundo que é Vosso, só Vosso, Jesus. Dai-me o Vosso amor, só com ele poderei prendê-lo. Que
ânsias tão grandes chegam da terra ao céu! Meu Deus, vejo as almas tão cheias de podridão! E os corpos
a desfazerem de lepra, consequências do pecado. Que luz esta, que me obriga a ver tudo! Como está o
mundo! E Vós, doce Jesus, o Vosso Divino Coração já não pode mais.

Lá estou entre o mundo e Jesus, para evitar que as maldades dos homens vão ferir mais o Seu Coração
tão amante. Vêm bater a mim os açoites, os espinhos, todos os maus tratos. Eu não O vejo, mas sinto
como se Ele estivesse abatido, cheio de medo, e ver quando cai sobre Ele esta chuva de maldades. Que
pena eu tenho de Jesus! Que agonia a minha por não poder fazer terminar o pecado! Sinto-O como um
mendigo a tiritar de fome e de frio. A causa de tudo isto somos nós, é o pecado.

— Ó meu Deus, ó meu Deus, que grande é a minha dor por não poder aliviar-Vos, por não poder saciar a
Vossa fome e aquecer-Vos ao calor do meu amor!

Nesta tarde, veio o demónio. Parece transformar-me a mim em demónio também. Maldito ele seja! Que
inferno de maldade! Muito sorridente e a afirmar-me que eu tinha pecado, dizia-me, entre outras coisas,
que eu era dele, estava nas mãos dele. Parece-me que ele me tapou a boca para eu não poder invocar o
nome de Jesus e dizia-me: “chama por mim, ama-me”. Ao terminar o perigo tão horroroso, senti que
podia mover os meus lábios e fiquei por muito tempo a repetir: “valei-me, Jesus, valei-me, Mãezinha”. E
ele, mais ao longe, bailava e dizia: “chama-Os agora, desde que pecaste, desde que estás satisfeita”. Com
uma gargalhada repetiu: “estás nas minhas mãos”. Veio o meu Jesus a confortar a minha alma.
— Não pecaste, minha filha, não estás nas mãos do demónio, mas sim nas minhas divinas mãos. Sempre
te trouxe em meus braços, como a criancinha nos da sua mãe, meiga e carinhosa. Estiveste sempre nas
minhas mãos nos perigos, estás sempre nas minhas divinas mãos nas lutas com o demónio e nelas estás
na tua contínua imolação. Anima-te, continua a reparar. És mártir de dor, és mártir de amor, és mártir
de toda a humanidade. Diz, minha filha, ao meu querido Padre Humberto que dele recebi muita
consolação. É assim que eu quero: para acudir às almas vencem-se todas as dificuldades, suportam-se
todos os sacrifícios. Como recompensa de tudo e prova do meu grande amor, diz-lhe que ele é do
número dos que vão para o céu sem penar no Purgatório.

— Recompensai-o a ele, meu Jesus, e a todos os que sofrem pela minha causa.

— Não é por tua causa, minha filha, fui eu que assim o permiti. Escolhi aqueles a quem mais amo, para
os associar à tua dor, e cuidarem da minha divina causa. Associei os que me são queridos ao martírio da
que tenho na terra de mais querida.

Deixei de ouvir a Jesus e logo continuei abraçada à minha cruz, arrastada, ou como que arrastada por
fortes cadeias de amor, amor que me sujeitava ao maior do sacrifício. Era já noite. Oh! quem me dera
que Jesus falasse por mim agora, para honra e glória Sua e bem das almas. Oh! Quem me dera que
nestas linhas ficasse bem gravado o que se passou na minha alma. Sem pensar na Ceia de Jesus com os
Seus apóstolos, sentei-me à mesa. O meu coração era o cálice, era o vinho, era o pão. Todos vinham
comer e beber a este cálice. Dali em diante, toda aquela cena seria renovada. Mas, oh! que horror o que
eu vi! Tantos Judas a comerem e a beberem indignamente! Que línguas tão sujas! Mas mais horror
ainda: mãos tão indignas a distribuírem este pão e este vinho! Mãos indignas, corações cheios de
demónios. Que horror, que horror de morte! Senti tanta dor que de dor e horror parecia-me rasgar a
alma e despedaçar o coração. Não sei exprimir-me melhor, o que sei é dizer que de tudo quanto tenho
visto, sofrido e sentido, é este caso o mais tremendo e aterrador. E, sobre tudo isto, o amor de Jesus,
amor indizível, amor que, só sendo sentido, se pode avaliar!

— Meu Jesus, perdoai-me, que nada disse.

13 de Abril de 1945 – Sexta-feira

Com o coração em sangue e a alma desfeita de dor pelos sofrimentos causados na ceia de ontem à noite,
naquele convívio de amigos e de traição, despertei dum leve sono esta manhã e logo me senti presa pela
cinta, arrastada pelos cabelos, açoitada, coroada de agudos espinhos que me causavam tão grandes
dores que me parecia toda a cabeça arder em fogo. Caí repetidas vezes, caí sobre pedras; dos joelhos e do
rosto ficavam nelas pedacinhos de carne e rastos de sangue. Um amor irresistível, saído do coração,
prendia-me mais e mais à cruz. O amor ultrapassava todas as dores. No calvário, no alto da cruz, que
dores tão violentos por ter que estar com a cabeça unida à cruz! Os espinhos penetravam cada vez mais
fundo, a dor atingia o seu auge. Depois de muita agonia e de horrível abandono, senti o movimento e o
abrir da terra e o estalar das pedras. Tudo estremeceu. Fiquei como se a alma me deixasse e eu não
tivesse vida. O coração foi aberto, deu as últimas gotas de sangue e água, e assim fiquei, sem viver da
terra, sem viver do céu. Depois de um bom pedaço de tempo, veio o meu Jesus, veio e disse-me:

— Minha filha, vida do amor, luz do Evangelho. És a vida do amor, porque o incendeias em muitos
corações, neles o fazes nascer, neles o fazes viver. É esse o edifício da tua alma, é edifício mundial. És a
vida e a rainha do amor. É desse edifício da tua alma que ele se espalha por toda a humanidade. Este
edifício está guarnecido com as guarnições das tuas virtudes. Como elas são belas! És luz do Evangelho,
porque a tua vida, tão cheia de maravilhas, mostra mais claramente o que foi a minha vida na terra: a
minha paixão, a minha misericórdia, a minha ternura, a loucura do meu divino amor. Mostra o quanto
sofri e quanto te assemelhei a mim. Foram infinitos os meus sofrimentos, infinitos são também os teus,
pois estás transformada no infinito. É a redentora transformada no seu Redentor. Só assim podias salvar
almas aos milhares, aos milhões. Aceito todos os teus sofrimentos e com eles salvo as almas em todo o
universo. Em breve te direi, minha filha, uma por ti salva. Não foste lá salvá-la com as tuas palavras,
com os teus exemplos e virtudes, mas fui eu tão longe com os teus sofrimentos perdoar-lhe, chamá-la a
mim.

— Jesus, Jesus, sabeis de quem falais? Sabeis o que eu sou? Ou esquecestes a minha miséria? Que
vergonha, que tremenda confusão a minha! Quem sois Vós e quem sou eu! Que dizeis Vós deste abismo
de miséria?

— Sossega, sossega, amada minha. Não te disse eu que os teus sofrimentos são infinitos por estarem
transformados no infinito? Não te disse que és redentora por estares transformada no Redentor? Tudo o
que fazes é por mim, é certo que com a tua correspondência à Graça. És poderosa com o Todo-Poderoso.
Não é à sombra do arvoredo que os homens se abrigam e deliciam? Também eu à sombra das tuas
misérias me escondo; debaixo delas opero maravilhas e grandes prodígios. É das tuas misérias que eu
recebo grande consolação e alegria. Não é verdade que, ao lembrares-te delas, te levantas, unes e abraças
a mim com todo o amor? Permiti que passasses coisas na tua vida, para poderes dar-me a reparação que
me dás. Permiti-as sem a perda da tua inocência. Não podias dar-me esta reparação sem conheceres a
gravidade dos crimes, as ofensas feitas a mim. Caminhaste sobre espinhos sem te envenenares deles;
caminhaste por entre o fogo sem te queimares, sem ficar em ti a mais pequenina mancha. Coragem,
coragem, minha filhinha, nada temas. Eu não deixo de te falar sem antes te prevenir. Mãe, Mãe, minha
Bendita Mãe, vem comigo confortar esta nossa filhinha; vem comigo curar as chagas deste coração e
desta alma, chagas causadas com a dor da minha divina paixão e com a maldade dos homens.

Senti que a Mãezinha se aproximou e disse:

— Aqui me tens, meu filho, meu querido Jesus.

Senti no meu coração como se recebesse do Coração de Jesus e da Mãezinha fortes injecções de amor.
Todo o meu peito ardia em chamas. À nossa frente estava um lindo jardim: tinha muitas flores. Por
entre elas, a colhê-las, andavam anjos em tamanho natural com asas brancas. Jesus e a Mãezinha
continuavam como que a injectar-me o coração. Jesus dizia:

— Andam os anjos no teu jardim, jardim que eu cultivei, jardim divino, porque o jardineiro é divino, a
colher as flores que nasceram dos espinhos.

Continuou a Mãezinha:

— Minha filhinha, esposa do meu Jesus. As flores são levadas pelos anjos ao trono divino; é adornado
com elas. São as flores das tuas heróicas virtudes. O seu aroma e perfume angélico são espalhados do céu
para a terra pelos mesmos anjos, enquanto que os homens não deixam que a tua vida chegue aos confins
do mundo. As criaturas nada podem contra o seu Deus. Oh! como é grande a misericórdia do Senhor!
Como Ele imola as Suas vítimas, para que as almas sejam salvas. Coragem, minha filha amada, dá ao teu
Jesus tudo quanto Ele te pedir.

— Obrigada, Mãezinha, não me falteis nunca. Obrigada, meu Jesus.

ecebi por último novas carícias de Jesus e da Mãezinha e, por espaço talvez de uma hora, senti o
fogo abrasador no meu coração. A dor dele e da alma foi suavizada, e sentia em mim maior conforto.
Depois de uma hora, pouco mais ou menos, voltei de repente ao mesmo estado. E já passaram tantas
horas e sinto que tenho o coração, a alma e todo o peito em ferida. Que dor! Que dor! Seja tudo por Jesus
e pelas almas.

17 de Abril de 1945

O meu peito arde, queima-me o coração. Que fogo abrasador! O edifício continua dentro em mim, é ele
que está em labaredas, é ele que fortemente arde e queima. Sinto de novo que sobre este edifício foi
colocado um rochedo mundial. Eu bato nele, rodeio-o por todos os lados, tenho que fazê-lo estremecer.
As labaredas do edifício ardem debaixo e à sua volta. O fogo não se apaga e o rochedo dum lado e do
outro, aqui e acolá, vai-se abrindo, vai descarnando como acha de lenha, posta em bocadinhos. Sinto o
deslizar das pedrinhas do rochedo. Mas, meu Deus, é com tanto custo! Há tanto que fazer! Este fogo não
pode parar. Este rochedo tem de ser todo transformado em moledo e em fogo divino.

— Meu Jesus, só queria ver fogo, fogo nos corpos, nos corações e nas almas.

O meu pobre coração está cansado, cansado de tanto arder, cansado de tantas ânsias. Jesus tem de ser
amado. Jesus não pode ser ofendido. O Seu divino Coração não pode resistir a tanto sofrimento, a tantas
maldades.

— Meu Deus, que quereis que eu faça? Meu Jesus, que posso fazer? Sinto o que quero, sei o que Vós
quereis. Quero que todos os corações Vos amem, quero evitar o pecado. E Vós, meu Jesus, quereis que
toda a humanidade seja salva. Que bondade, que ternura, que misericórdia, que amor o do Vosso Divino
coração! É a Vossa vingança, é o Vosso castigo sobre a nossa ingratidão: quererdes salvar-nos a todos. Se
eu pudesse, meu Jesus, dar-Vos essa consolação! Aqui me tendes, sou Vossa, estou pronta para tudo.
Nada mais sei dizer-Vos.

Vou caminhando apressada, cada vez mais, para as trevas mais aterradoras. A minha alma apavora-se.
Tenho que fundir-me, tenho que mergulhar-me no abismo da maior escuridão. A minha alma sente-o, já
o divisa a correr para mim e eu para ele. Ó meu Deus, o que vai ser de mim! São trevas que eu nunca vi,
que eu nunca passei; é o abismo onde ainda não fui mergulhada. A minha alma ainda não perdeu o
ferimento da quinta-feira passada. Que dor me causaram aquelas línguas impuras e mãos indignas! Oh!
como somos ingratos para Jesus. O demónio da cada vez vai inventando mais os seus actos e as suas
lições maliciosas. Grande horror! Depois de elas ensinadas e postas em prática, deixou-me a mim
sozinha num fogo de maldades. Enquanto pude, pedi sempre a Jesus e à Mãezinha para não pecar. E ele,
cheio de malícia, um pouco retirado de mim, muito satisfeito e muito enojado, dizia-me:

— Pecas sozinha, não tens com quem pecar; todos te abandonaram e nem eu nem os meus camaradas te
querem.

Não digo as palavras nem as coisas que ele fazia. Depois da luta, fiquei insatisfeita; queria e não sabia o
quê, queria entregar-me sempre aos vícios. Eu não era quem queria, era o que sentia. Estava tão triste! A
esta tristeza desceu o meu Jesus.

— Minha filhinha, não pecaste, o que sentes não te pertence. São as almas que depois dos seus crimes
não encontram satisfação, querem viver só daquelas maldades, não querem outra vida, querem
satisfazer-se seja como for. Ai daquelas que se entregam ao pecado! Ai daquelas que pensam encontrar
no mundo a satisfação! Coragem, filhinha amada! Por que estás tão abatida e em tanta dor?

— Meu Jesus, bem sabeis que é o receio de pecar.

— És vítima, é só isso. Confia no teu Jesus, que não pecaste. Confia naqueles que em meu nome te dizem
que não pecas. Eu falo em seus lábios, e são inspirados, iluminados pelos Divino Espírito Santo.
Coragem! Não temas os sofrimentos que pressente a tua alma. Eu estou sempre contigo, e a teu lado
terás sempre quem te ampare e guie. Quanto mais se aproximar de ti este sofrimento, quanto mais te
mergulhares nessas trevas, mais o céu se aproxima, e a luz clara da eternidade. Depressa virei buscar-te.

Não ouvi mais o demónio, e Jesus ficou em silêncio. O martírio da minha alma continua. Sinto como se
estivesse sempre de olhos fitos no céu a implorar de Jesus compaixão.

19 de Abril de 1945

Sinto tantos abalos! A minha alma está em sobressaltos. Não sei o que ela pressente. Virão por acaso
mais miminhos de Jesus? Curvo-me diante da Majestade divina: é o meu sinal de aceitação. Abraço a
minha cruz por mais penosa que ela seja. Arde o edifício, as labaredas atingiram a altura do rochedo,
vai-se desfazendo a pouco e pouco. Mas como penetrá-lo todo? Impossível ser todo transformado em
chamas, alguns pedaços ficam sem que o fogo os consuma. Sobre o rochedo estou eu, mas não sou eu.
Todo ele é regado com as lágrimas que caem dos meus olhos; são as lágrimas de dor e de amargura, são
lágrimas de compaixão. E não são minhas estas lágrimas, elas saem de mim, mas vêm do alto; rolam nas
minhas faces, mas brotam dos olhos de Jesus. Oh que pena, tanta dor e tanto amor perdido! O demónio
veio desesperado formar assaltos ao meu corpo e atormentar-me a alma. Oh quantas coisas feias, só
vindas do inferno! Parece-me prender-me os lábios, para eu não invocar os nomes de Jesus e da
Mãezinha. Depois da luta, fiquei em tanto sofrimento que me parecia que, ainda que viesse todo o céu a
afirmar-me que eu não tinha pecado, não acreditava. Meu Deus, depois de tudo isto, como pode ser eu
não ter pecado? Nesta angústia, veio o meu Jesus.

— Minha filha, dá-me as tuas dúvidas e os teus receios, quero utilizar-me de todo o teu sofrimento pelas
almas que correm loucas pelos caminhos do inferno. Quero as tuas dúvidas para aqueles que as não têm
depois de me ofenderem gravemente. Quero os teus receios para aquelas almas que trilham sempre o
caminho da impureza sem receio de me ofenderem e de se perderem eternamente. Confias que não me
ofendes?

— Meu Jesus, meu amor, creio na Vossa divina palavra, confio em Vós. Só temo a minha fraqueza e
miséria.

— Fica em paz. São manhas do demónio. É a reparação que exijo de ti. És minha, só minha.

Pouco depois deste colóquio com Jesus, sentia-O na minha alma e via-O com olhar tristíssimo a
derramar as Suas lágrimas sobre a cidade de Jerusalém, que dentro em mim também habitava.
Prolongaram-se por tanto tempo estas lágrimas e tristes olhares de Jesus, acompanhados com palavras
de chamamento e ameaça. Já de noite sentira como se tivesse a minha roupa colada ao corpo e banhada
em sangue. Sentia o romper das veias e agonia de morte. Via as oliveiras do Horto, o luar empalecido e o
brilho das estrelas triste, como triste estava o Coração divino de Jesus. Tudo aparecia por entre a
folhagem das oliveiras, mas com tal tristeza que só convidava ao silêncio e ao retiro. Senti depois, como
já em outros tempos senti, o beijo de Judas e o cair por terra dos soldados, o desembainhar da espada,
que assim ao vivo nunca tinha sentido, no que se refere à espada. Se eu pudesse mostrar a ternura, a
mansidão e o amor de Jesus para com todos os que O ofendiam… Não há nada na terra que se possa
comparar a Ele. Remediou o mal de S. Pedro com tanta doçura e com a mesma doçura se deixou prender
e se entregou aos malfeitores. Que coisas tão tristes e que tanto cansam o meu corpo e a minha alma!

20 de abril de 1945 – Sexta-feira

Custou-me tanto resistir aos sofrimentos desta manhã. Sentia ainda o cansaço e o ferimento dos de
ontem. Antes de tomar a cruz, lá vinha eu de mãos atadas. Já a caminho do calvário, não podia abrir os
olhos devido ao sangue que da cabeça me corria. Caminhava a todo o custo. Sentia que não eram forças
nem vida humana que levavam a cruz, porque os sofrimentos passados já me tinham causado a morte, e
quantas vezes. No cimo do calvário e já ao alto a cruz e eu cravada nela, sentia o meu peito aberto e do
meu coração via sair uns raios tão brilhantes que se estendiam a iluminar todo o calvário. Digo o que vi e
senti, mas sei que nada disto era meu, era Jesus que estava em mim. Era Ele que tinha o peito aberto e
ansiava que todos entrassem nele e fossem ao Seu Divino Coração, e para isso os iluminava com os raios
do Seu divino amor. Cheia destes tão grandes sofrimentos, veio o demónio aumentá-los ainda mais. Que
desespero o dele e que maldade sem fim!

— Faço de ti o que quero e faço em ti o que quero. Estás nas minhas mãos, pecas gravemente, não
esperes salvação.

E disse mais, ainda mais. Quando pude dizer alguma coisa, chamar por Jesus e pela Mãezinha, fiquei a
murmurar numa incerteza do que se tinha passado.

— Meu Deus, como foi isto? Como posso passar sem Vos ofender? Passou-se em mim? Fui causadora?
Bem sabeis, Jesus, que não quero ofender-Vos.
O meu coração parecia ter sobre ele as ânsias da morte. Veio o meu Jesus e disse-me:

— Minha filha, não pecaste. Não vês que estou em ti? Não sou eu perfeito, não sou impecável? Não vês
que estou transformado em ti? E nesta transformação não podes ofender-me. Diz-me, diz-me, acreditas?
Confias?

— Confio, Jesus, porque Vós o dizeis e porque falais de Vós, perfeição sem igual. Se não falásseis de Vós,
não confiava. Parece-me Jesus, era impossível não Vos ofender.

— Confia, confia, sou puro e venho à tua pureza buscar reparação para os impuros. Dá-me o que peço.
Tem coragem.

Deixou-me Jesus, e a amargura e agonia continuaram. No alto da cruz sentia que muitos dos que me
rodeavam ainda me escarravam no rosto. Por cima desses escarros caíam as lágrimas de Jesus,
juntavam-se às da Mãezinha, e Ele, cheio de amor, ainda pedia para todos perdão ao Eterno Pai. Jesus
mal podia mover Seus lábios para bradar ao Eterno Pai, mas o Seu Divino coração estava num brado
contínuo. Que linda lição deu Jesus no meio de tanto abandono do céu e da terra, abandono pavoroso!
Terminou a agonia com a entrega da alma, ficando o peito sempre aberto e os raios do coração a
iluminarem a terra, enquanto o sol, como que envergonhado, se escondia entre as nuvens, que
estremeciam juntamente como solo do calvário. Fiquei assim por algum tempo a estranhar a demora de
Jesus: Ele não vinha, não se apressava. Quando veio, falou-me assim:

— Demorei, minha filha, porque estou a preparar-te para me retirar, ou melhor, esconder-me em ti. Está
cultivado o terreno, prepara-te para um novo martírio, para o martírio dos martírios: é martírio sem
igual. Está firme o terreno preparado, tenho toda a confiança em ti. No meio dele vais mostrar às almas
a intensidade do teu amor, a loucura, a maior loucura de amor por mim. Se soubesses quanto amas o
meu Divino Coração e as almas! Vou receber do teu último martírio a maior glória, o maior proveito
para as almas. Tens em tantos pontos o título de rainha! Quantos ceptros em tuas mãos! És a rainha do
mundo, és rainha do amor, és a rainha dos sacrifícios, a rainha das cruzes. Quantas coroas de pedras
preciosas numa só cruz, na cruz mais pesada, na cruz de mais amor! São coroas vindas dos sofrimentos,
são coroas de virtudes. Tantas cruzes com variadas crucifixões se vêm reunir à maior das cruzes, à cruz
da crucificada sem igual, da esposa e vítima de Jesus. Levei ao longe as cadeias do teu amor, os raios
brilhantes das tuas virtudes. Quantos abalos dei com essas cadeias ao Presidente da América, quantas
vezes o chamei! Foi salvo por ti. Que responsabilidade era a sua! E quantas almas foram salvas ao
mesmo tempo! Aproveitei-me da oferta dos teus olhos para a salvação dos que governam as nações. Um
já está salvo, e prometo-te salvar ainda mais. Não te tirei a luz dos olhos, mas tirei-te a lua da alma. É
por isso que estás nas trevas aterradoras. Aceito tudo quanto me dás. És generosa em me ofereceres, e eu
em aceitar. Que prova de amor do meu Divino Coração para com o teu e do teu para com o meu.

— Querido Jesus, só Vós sabeis a dor que me causa o nomeares o nome de qualquer alma. Que grande
tormento! Aceitai-o. Seja mais um meio de salvação.

— Para ti é dor e humilhação, para mi é glória e amor. Que tesouros imensos de riquezas possuis em ti!
Tens universos de amor, universos de pureza. É ao calor deste amor que o mundo há-de aquecer-se. É
com as chamas deste edifício que tens em ti que o rochedo há-de transformar-se. O rochedo é o mundo,
está sobre o edifício do amor. O amor transforma, o fogo purifica. De rochedo passará a oiro finíssimo.
Se houver amor, se houver pureza, será salvo o mundo. Os pedaços, que sentes não serem
transformados, são aquelas almas que não deixam penetrar em si o fogo do meu Divino Amor, que não
se purificam. Cegas à luz, não se deixam iluminar. As almas que através dos tempos não se incendiaram
e purificaram neste edifício de pureza e amor hão-de incendiar-se no fogo da justiça divina e condenar-
se eternamente. O que será a destruição deste exílio! Vê, filhinha amada, quanto sofre este coração de
pai. Tudo faço, emprego todos os meios para salvar os meus filhos, e eles tudo fazem e todos os meios
empregam para se perderem. Ó mensageira, ó redentora das almas, ó transportadora de tantos milhões
delas para o meu Divino Coração, para a Pátria eterna! Alegra-te, sofre tudo, salva-mas, salva-mas.
Cada palavra de mais amor que Jesus dizia, beijava-me, acariciava-me. Mas mesmo assim sentia-me
confortada e triste ao mesmo tempo.

— Meu Jesus – disse-Lhe eu – estou triste por não poder ocultar parte das coisas que me dizeis. A minha
miséria não pode enfrentar este tão terno e doce colóquio. Tende dó de mim, vede como sou pequenina.
Salvai as almas, Vós dois o poder, a sabedoria e o amor; sois toda a medicina, curai-as.

— Gosto, minha filha, das almas pequeninas; comigo elas sobem às maiores alturas.

— Obrigada, meu Jesus.

Depois de umas poucas de horas do colóquio com Jesus, sinto a minha alma a agonizar. Não queria
escrever nada, não posso ver as trevas que se aproximam de mim, causam-me pavor. Não posso
lembrar-me que Jesus vai deixar-me. Sinto que O perdi, sinto que todos os queridos do meu coração
me abandonaram e são bandidos e feras furiosas contra mim. O demónio está com tanta raiva! Diz-me
que todos os meus enganos vão ser desfeitos, porque o Presidente da América não morreu; que está vista
a minha falsidade.

— Jesus, Jesus, sou a Vossa vítima. Valei-me, se não, a minha alma não resiste a tanto. Meu Deus, meu
Deus.

24 de Abril de 1945

Por vezes parece-me morrer queimada. As chamas do fogo consomem-me o peito e o coração. Sinto que
as labaredas atingem tal altura que a vista humana não pode alcançar. O que será de mim? Não sei dizer
o que me vai na alma. Tudo quero e nada faço. Não queria fazer outra no mundo a não ser amar a Jesus
e à Mãezinha e salvar todas as almas. Elas correm no caminho da perdição. E o mundo foge-me, não
posso prendê-lo com as prisões do amor de Jesus. Que espadas que me cortam continuamente! Que
mundo de espinhos me ferem sempre, sempre! Esta dor ter-me-ia tirado a vida milhões de vezes, se não
fosse Jesus. E as trevas da minha alma! Que tremendo horror! Até todo o meu corpo é trevas! Sinto que
um céu de trevas caiu sobre mim. Ai, meu Deus, nem do céu posso esperar luz! E da terra nada tenho
que esperar. Perdi tudo, tudo. Deixaram-me os queridos do meu coração. Não digo bem: não me
deixaram, sinto como se me deixassem e até fosse por eles odiada. No meio de tudo isto desabafo com
Jesus. Ele segreda-me muito no íntimo da alma:

— Coragem, filhinha, não fugi, não estou ausente, não posso estar mais presente e unido a ti.
Prenderam-nos os mais fortes laços de amor.

O demónio não sossega, não deixa de atormentar-me o meu espírito e a minha alma. A minha cama vai
estremecendo. Ele vem sempre com as suas palavras feias e ameaçadoras. Tive um ataque tão forte!
Tantas coisas maliciosas! Tantos insultos! Pôs-me mais baixa do que a lama. Dizia-me:

— Para que te moves? Eu não te toco. E ainda dizes que não queres pecar.

Parecia-me que estava presa pela garganta, nada podia dizer a Jesus; nem ao menos o terço podia ter
nas mãos. Que horror, tremendo horror! Parecia-me que queria pecar, e pecava mesmo, ainda que visse
diante de mim Jesus. Parecia-me que O queria mesmo desafiar, ofendendo-O gravemente diante dos
Seus divinos olhos. Ao terminar o grande perigo, principiou o malvado novamente:

— Depois de o burro estar satisfeito, nada quer comer; depois de pecares, de te satisfazeres, já não
queres mais.

Com que tristeza eu fitei Jesus crucificado! Que receios e dor no meu coração! Veio o meu Jesus.

— Não, não pecaste, minha filha. Confia, acredita no que te diz Jesus. A reparação que te peço é por
aqueles que, entregues às paixões, pecam e sabem que pecam, conhecem a maldade dos seus actos e
tentam até desafiar a minha divina justiça. Coragem, filhinha! Que loucura a do teu amor ao meu Divino
Coração. És o encanto dos meus olhos, a honra e a glória do meu eterno Pai, és a glória de todo o céu.
Estás cheia não de pecar, como diz Satanás, mas cheia de amor e de dor; amor e dor sem igual. Sem um
milagre operado em ti, não podias resistir.

Calou-se Jesus, e eu fiquei na cruz, na cruz que eu amo, na cruz que só quero por amor d’Ele. Depressa
vieram os receios e todas as dúvidas.

— Meu Deus, não posso estar neste mundo, sinto-o todo revoltado contra mim. Que medo, Jesus, que
medo, Mãezinha! Tende dó de mim.

26 de Abril de 1945

Existirá alegria no mundo? Em algum dia da minha vida, por acaso conheceria eu o que era alegria? Se
alguma vez a experimentei, morreu para mim de tal forma como se nunca a conhecesse. O pensamento
de aceitar e cumprir do coração e da alma a vontade de Jesus dá-me um pouco de alento. Mas logo este
pensamento me aflige: estou eu a cumprir a vontade do Senhor? E daqui grandes agonias e tristezas para
a minha alma. Estou esmagada entre o céu e a terra, toda transformada e embebida em trevas.
Tremendo horror, meu Jesus! Tenho medo de mim mesma. Quem poderá aguentar tanta aflição a não
ser Jesus? Quem poderá viver e caminhar por tão negra escuridão a não ser com os olhares de Jesus?
Morro, morro, meu Deus, morro despedaçada, esmigalhada na tremenda noite. O meu coração, tão
oprimido pela dor, faísca raios de lume. Esses pedacinhos de raios, que eu sinto e vejo sair dele,
espalham-se pelo mundo; todo ele é fogo. Queria ver estes raios irem ferir todos os corações, e este fogo,
que do meu sai, incendiar a todos, para que só no mundo existisse o fogo do amor de Jesus. Quero gritar
e gritar sempre, enquanto viver neste exílio. Custe o que custar, esteja nas trevas que estiver,
abandonada em tudo e de todos, gritarei sem cessar: quero amar Jesus, quero consolá-Lo, salvar-Lhe as
almas, dar-Lhe o mundo inteiro. Não sei dizer a Jesus, não sei pedir-Lhe meios para O alegrar, meios
para melhor salvar as almas.

— Jesus, bem vedes o que o meu coração quer. Só por Vós e aceito a cruz.

Que alívio para a minha alma, que conforto para o meu coração, se eu pudesse dizer a minha dor, não
para que saibam quanto sofro e vejam as ânsias do meu coração, mas para glória do meu Deus e bem de
toda a humanidade. Não sou eu quem sofre, não sou eu quem resiste à dor, mas sim Jesus, só Jesus, que
sofre pelos filhos Seus. Para mim era impossível suportar tão grande martírio. E o demónio aumenta-
mo. Que fúria a sua, que maldade sem igual! Que tristeza não poder fazer que todas as almas a
conheçam, para não se deixarem guiar por ele. Dizia-me hoje num penoso combate, quando eu clamava
pelo meu Jesus.

— Não pronuncies esse nome, somos inimigos odiosos. Ele odeia-me a mim e eu a Ele. Diz comigo que O
odeias e que O não queres. Comigo tens o gozo e o prazer nesta vida e uma eternidade feliz. Com Ele
sofres aqui e lá. Estou a pecar contigo, levo-te ao prazer para O ofenderes gravemente. Diz comigo que
queres pecar, que queres ofendê-Lo.

Como eu, sempre que podia, chamava por Jesus e Lhe renovava a oferta de vítima e Lhe dizia não querer
pecar, ele, enraivecido, insultava-me, tentava escarrar-me até dentro da boca e procurava novos meios
maliciosos. Que tristeza, meu Deus, que aflição a minha! Ao terminar da luta, o meu coração parecia
rebentar, o meu corpo estava banhado em suor, e os meus olhos tentavam desfazer-se em copiosas
lágrimas. Triste e mais do que envergonhada, fitei Jesus na cruz sem poder dizer palavra. Ele veio a
confortar a minha alma.

— Não pecaste, não, minha filha, pomba branca, arminho puro. A tua pureza não se manchou nem
manchará. A tua alma é bela, é encantadora. Criei-te para mim com encantos atraentes. Dá-me toda esta
reparação. Não chores com o receio de me teres ofendido, porque não pecaste. Oferece-me as tuas
lágrimas por aqueles que me ofendem. Os desejos de pecar, as ânsias insaciáveis do prazer não são teus,
é a reparação daqueles que, depois do gozo, do gozo passageiro, enganador e traiçoeiro, querem novo
gozo, nova satisfação, atraiçoando assim o meu Coração divino. Coragem! Estou satisfeito com o teu
amor e com tudo o que me dás.

— Ai, meu Jesus, se eu pudesse convencer-me sempre que não Vos tinha ofendido! Mas depressa caio
nas minhas dúvidas. Tende dó de mim.

— Vive em paz, filhinha amada, pois estou contigo mesmo nas tuas trevas.

— Obrigada, meu Jesus.

Ai de mim! Perdi amigos, perdi Jesus, não posso mais encontrá-Lo nesta escuridão. Perdi a vida, perdi
tudo, tudo. A morte rodeia-me, avizinha-se de mim; traz consigo os maiores horrores, a maior escuridão.
E eu sem conforto do céu e da terra. Os que me são queridos, por mais que se esforcem, não me dão um
momento de alegria. As mais pequeninas coisas abismam-se cada vez mais na profundeza da minha dor.
Perdi o meu Jesus, ou sinto que O perdi e não O queria perder. Queria possuí-Lo, mas sem colóquios
com Ele. Triste noite da quinta-feira! Oh! como Jesus me associa às Suas dores, à Sua paixão divina!
Sinto ânsias de atravessar por cima de todos os espinhos, de ir ao encontro da cruz, abraçá-la e com ela
seguir para a morte. Sobre o meu peito sinto o discípulo querido, sinto o seu sono de paz, a tranquilidade
do seu coração e da sua alma, e sobre ele o amor terno de Jesus. Sinto em mim a braseira e os que a ela
se aqueciam. Sinto, retirado um pouco, que está alguém aterrado e tímido, mas vai-se aproximando e vai
negar Jesus. Sinto as suas lágrimas de arrependimento. Sinto o cantar do galo e o abrir do bico em meu
coração. Sinto sobretudo a dor infinita de Jesus e o Seu amor e mansidão para com todos. Quanta
amargura, quantas mágoas em Seu Coração, naquele Cordeirinho inocente! Não posso ir ao fim da dor
de Jesus, não resisto a mais.

27 de Abril de 1945 – Sexta-feira

Quando esta manhãzinha despertava dum sono leve e passageiro, eram de tal forma as trevas que eu
sentia na minha alma que me parecia ver com os olhos do meu rosto, à minha frente, uma grande
muralha negra; assustei-me, o meu corpo estremeceu. Não era nada, os olhos do rosto nada viam, os da
alma, esses viam e aterravam-se. A pouco e pouco, fui-me envolvendo mais e mais nessas trevas
assustadoras. Preparei-me para receber Jesus em meu coração. Entrou para a escuridão e na escuridão
ficou. Pobre Jesus, onde baixou Ele! Sem luz, mas muito unidinha a Ele, fui percorrendo o caminho do
meu calvário. Caía e sobre mim caía a cruz. Era arrastada e arrastada comigo era ela também. Ao cair
sobre a terra, os espinhos cravavam-se, penetravam cada vez mais fundo. Que dores horríveis! Ainda as
sinto. Da minha boca sentia como se saíssem golfadas de sangue, vindas do coração, resultado das
grandes quedas, de bater com o peito em pedras. E tudo isto se passou sem luz, sempre a cada passo a
ser envolvida num rolo de trevas. Eu pensava que não podiam ser mais aterradoras, mas vejo que dia a
dia mais me assustam. Ó meu Deus, tudo por Vós! Veio o maldito com as suas artes. Empregou todos os
meios maliciosos para me obrigar a pecar. Chamei por Jesus.

— Não chamas por Ele, é por mim que tu chamas, é a mim que tu queres. Da terra és por todos
abandonada, nenhuns querem pecar contigo, têm nojo de ti. Olha em que estado tu estás! Eu peco, mas
peco como nojo para tu ofenderes o inimigo que eu odeio.

Que grande luta! Estava sem vida, banhada em suor. Fiquei a dizer muitas vezes:

— Que grande martírio, meu Jesus, que grande martírio! Eu não quero pecar, sou a Vossa vítima.

Disse-me o meu Jesus:

— É grande o martírio, ó minha filha, eu bem o sei, é martírio de amor, é martírio de reparação. Só podia
receber da tua alma bela e pura, só podia do teu corpo virginal receber esta consolação, esta reparação.
Custa-te muito? Só assim é que me dás tudo. Coragem! Tu não me ofendes.
— Lanço-me nos Vossos divino braços, ó Jesus, neles quero estar sempre, mesmo nas lutas com Satanás.
Sozinha tenho medo, aí estou livre de Vos ofender.

Fiquei desfalecida e continuei nos sofrimentos do calvário. Todo o corpo era sangue. Sentia uma sede
abrasadora e o maior dos abandonos. Ouvi do meu coração sair este brado: “tenho sede, tenho sede”.
Compreendi que era Jesus e lembrei-me que Ele tinha sede das almas. No mesmo instante, senti passar
nos meus lábios uma esponja, uma e outra vez. A sede dos lábios ficou na mesma e a do coração
aumentou. O brado continuava:

— Não é a sede dos lábios que quero saciada, mas sim a sede do coração, a sede das almas.

Nesta sede e neste abandono fiquei por muito tempo como se estivesse com os olhos fitos no céu e o
corpo esmagado com o peso de toda a humanidade. E Jesus não vinha, demorou tanto! Esperei, esperei.
Veio então e disse-me:

— O rei habita no seu palácio com a sua grandeza, poder e amor, mesmo que a rainha não o veja, não o
sinta. Custa muito, minha filha, o esposo separar-se da sua esposa. Mas a minha separação não é real,
fico escondido em ti. Fico a governar a nação da tua alma pelos lábios de quem escolhi para te amparar e
dirigir. Todos os que te amparam, todos os que te guiam, fui eu que os trouxe a teu lado. Coragem,
filhinha. Vem cá, vem ao meu coração, vem receber vida; estás desfalecida, necessitas dela para ires à
conquista das almas. Vem, vem, ó conquistadora da humanidade, vem receber o sangue do meu divino
Coração; necessitas da vida divina, porque momento a momento perdes a vida humana. Vives
milagrosamente, vives do meu divino sangue; é ele o meu alimento.

Jesus uniu o Seu divino Coração ao meu; sentia-o e via-o cheio de raios de amor e ao lado uma grande
chaga. Principiou a deitar do d‘Ele para o meu o Seu divino sangue e o meu, tão pequenino, principiou a
dilatar-se, parecia não me caber no peito. Jesus uniu os Seus divino lábios aos meus para me acariciar e
continuou:

— Estão os anjos, minha filha, a verem este grande milagre, as minhas maravilhas em ti.

Uma grande multidão deles batia as suas asinhas brancas e entoava um cântico harmoniosíssimo, só
cântico do céu. Pronunciavam estas palavras:

Nós Te adoramos, nós Te adoramos, ó grande Deus e Senhor, e entoamos hinos de glória,
agradecimento e amor. Deus nosso e Criador, nós Te adoramos por tão grande prodígio e prova de
amor.

Era arrebatadora a harmonia dos anjos. Retiraram-se eles, e ficou Jesus a continuar o Seu terno
colóquio.

— Corre em tuas veias, minha filha, o sangue de Cristo: como não hás-de ser tu redentora! Corre em tuas
veias o sangue virginal de Cristo: como não hás-de ser tu virgem pura, angelical e vítima sem igual!
Corre em tuas veias o sangue do Todo-Poderoso: como podes deixar tu de ser poderosa! És poderosa
para tudo. Perdes o teu sangue por meu amor, e eu por teu amor passo para ti o meu. Perdes o teu
sangue para dares vidas, e eu, para te dar a vida, te dou o meu. Pede-me o que quiseres. Cada prece que
elevares ao céu em favor dum pecador logo será escrito no livro da ciência divina o nome de salvação.
Quando estiveres no céu, e o teu nome for invocado em favor deles, no mesmo momento em que
prostrares diante de mim a pedires para eles perdão, todos os eleitos ao mesmo tempo te acompanham
na mesma prece, e serás atendida. Coragem, esposa amada, está próxima a vitória. A tua cruz, o teu
martírio é de redenção. Triunfa a minha divina causa, aproxima –se o céu para te conduzir a ele. Tu és,
minha filha, rosa que brota de espinhos, rosa de amor, nascida da dor. Nada temas, filhinha amada. O
terreno está preparado, pertence-me, foi cultivado por mim. É terreno das almas, o seu produto é para
as almas. São frutos de amor, são para o teu Jesus e teu redentor.
— Obrigada, meu Jesus, nada mais sei dizer-Vos. Sede sempre a minha força e deixai-me entrar no
Vosso divino Coração com todos os que me são queridos, para que os recompenseis por mim, dando-lhes
todas as Vossa graças e todo o Vosso amor. Deixai-me entrar com todos os sacerdotes, para que
aprendam do Vosso divino Coração e se assemelhem a Vós. Deixai-me entrar com todos os pecadores,
para que se convertam e não Vos ofendam mais. Deixai-me entrar com todos os que me têm ofendido,
para lhes perdoardes e dardes por mim também o perdão. Deixai-me entrar com o mundo inteiro, para
que todo ele seja salvo, pois dentro em Vosso divino Coração não corre mais perigo. Vou separar-me de
Vós, meu Jesus. Quanto me custa esta separação! E quanto me custa ter de escrever tudo isto!

— Vai, flor pura, flor mimosa do jardim divino. Tem coragem! Vai dar ao mundo o perfume das tuas
virtudes, enquanto o céu não chega.

Fiquei com mais vida, mas por tão pouco tempo! Depressa vieram as trevas esconder tudo.

— Meu Deus, parece-me que nem os meus olhos vêem. Ó cruz do meu Jesus, abraço-te por amor na
terra, abraço-te para não mais te deixar no tempo e na eternidade. Aceitai, Jesus, a minha tristeza e
desconsolação por ter ditado tudo isto.

30 de Abril de 1945

Como hei-de caminhar! Como hei-de vencer tão grande dor! Como hei-de suportar tão aterradoras
trevas! Só Jesus poderá valer-me, só Ele pode aguentar o peso da minha cruz. Passo horas e horas num
brado de socorro. Apavorada de horrores e trevas e sem conseguir um momento de conforto e a sentir a
alma rasgar-se, despedaçar-se em dor. De longe a longe, Jesus vai dando à minha alma um pouquinho
de suavidade, dizendo-me do íntimo do coração:

— Coragem, filhinha, cá estou eu a deliciar-me na tua dor. O teu Jesus não te falta com a sua graça e o
seu conforto.

— Ó meu Jesus, é bem doce sofrer por Vós; é bem doce o Vosso conforto, mas tudo desaparece nas
trevas, tudo passa como se não fosse para mim. Parece-me que Vós existis só para me condenares e não
para me salvares. Não há para mim mimos do céu nem da terra; para mim tudo morreu, tudo
desapareceu na negra escuridão da noite. É sempre noite, em todo o mundo noite. Sinto todo o mundo a
tremer apavorado; lá se vai ele a mergulhar no abismo da perdição. Eu quero acudir-lhe, quero salvá-lo e
não posso. Sinto a sua perda, mas não o vejo para o agarrar, não vejo as almas, não vejo as prisões, as
trevas não me deixam. Meu Deus, perdi a luz, perdi a vida. Pobre do meu coração em dor e em ânsias:
dor por Jesus ser ofendido, dor por as almas se perderem; ânsias de amar a Jesus, ânsias de O ver
amado, ânsias de salvar as almas. Agora não tenho só fogo no peito e no coração; incendiou-se todo o
meu corpo; arde, arde sempre. Sinto que as labaredas sobem às alturas, chegam ao céu. Este fogo, estas
chamas não dão luz nas minhas trevas, mas sim aumentam o meu martírio. Ardo e não incendeio. Era
este fogo que eu queria ver nas almas. São estas labaredas que sinto, que eu queria incendiar em todos
os corações. Que fogo consumidor! Sinto o estalar do rochedo por onde o fogo vai penetrando. Mas ah! é
impossível estas chamas incendiarem tudo. E eu só enrolada, mergulhada sempre na negrura mais
aterradora. Quando mais não posso, levanto os olhos ao céu e digo:

— Meu Jesus, sei, acredito, confio que estais em mim e sabeis que só a Vós quero amar e não Vos quero
ofender.

E, descendo para baixo, imagino ver toda a humanidade e digo-lhe:

— Ó mundo, quero salvar-te, por ti, pela tua entrega a Jesus, quero sofrer tudo.

Dito isto, fico de braços caídos, como se no meu corpo não existisse gota de sangue. Nada feito, do
mundo nada consigo. A minha prece não chegou ao céu, Jesus não a ouviu. Mas ah! tenho aqui um
coração que palpita por Ele e Ele bem o sabe. Confio, confio; é Jesus e a Mãezinha que vão vencer as
minhas trevas. São Eles que vivem, são Eles que sofrem em mim. Os ceguinhos que não têm olhos no
corpo também se salvam. Eu perdi a luz da minha alma, maior será a compaixão de Jesus. Hei-de
salvar-me e com Jesus hei-de salvar muitas almas. O demónio rodeou-me tanto durante a noite! Não foi
um, foram muitos. Assustava-me tanto pelas formas com que se apresentavam! Um deles tinha uma tão
grande e tão feia, quase me tocava com ela. O meu corpo ficou como se fosse uma casa com janelas por
todos os lados; estas todas fechadas, mas todas rodeadas por eles. São como feras que querem lançar-se
à presa, são ladrões que querem assaltar a casa, assassinos que querem matar quem nela habita. Que
olhares tão maliciosos! Que gestos de tanta maldade!

— Não pecarei eu, meu Jesus? Tirais disto alguma consolação para Vós, algum proveito para as almas?
Sou a Vossa vítima, guardai para Vós o meu coração, o meu corpo e a minha alma. Tende dó de mim,
meu Jesus.

Parece-me que em nada falei verdade.

3 de Maio de 1945

No primeiro dia de Maio quantas coisas pedi à Mãezinha para me alcançar no Seu mês bendito.
Consagrei-me a Ela para Ela me consagrar a Jesus. Entre muitas outras coisas pedi-Lhe força para o
meu sofrimento. Meu Deus, e quanto necessito eu do auxílio do céu, da força da querida Mãezinha, par
aguentar com o peso de tão grande cruz. Logo no segundo dia recebi um miminho do céu, um mimo que
feriu bem o meu coração, um espinho que o dilacerou todo. Agradeci-o logo à Mãezinha, aceitei-o e
ofereci-Lho como prova do meu amor, e para Ela o oferecer por mim a Jesus. Tudo é dor em mim! Que
horror, que horror! O meu coração, a minha alma estão num luto fechado; não sei o que é isto. Que
arrancos sinto em mim! Sinto como se pela boca me tirassem tudo o que dentro em meu corpo contém.
Ai, meu Jesus, e que desejos tão grandes, que ânsias quase desesperadoras de ouvir dizer que terminou a
guerra. Eu nada sei dizer, só Jesus conhece quanto sofro. A Ele vou renovando a oferta de vítima, para
que venha a paz. Oh! que compaixão eu tenho pelos governadores que dizem terem partido para a
eternidade. Oro por eles, e parece-me que a eles prenderam o meu coração. Todo o meu corpo continua
em chamas, e sinto como se o meu pequenino quarto ardesse comigo. E quero acudir ao mundo,
apanhá-lo, prendê-lo, colocá-lo todo nestas labaredas, neste fogo que não dá luz. Que medo, ó que medo
viver em tantas trevas! O quarto em que vivo é como uma masmorra onde nunca penetrou o sol nem a
luz do dia. São trevas na alma, trevas no corpo, trevas no céu e na terra. Parece que nunca mais posso ver
Jesus, sinto que não é meu, que O perdi para sempre. Mas mesmo assim quero amá-Lo, sinto ânsias
loucas de O amar e, como não me parecem minhas nem meu o amor, digo-Lhe:

— Jesus, este anseio não é meu, é Vosso, e Vosso é o amor; sois Vós que amais com o que é Vosso e sois
Vós que sofreis e levais a minha cruz. Vede a pobrezinha que nada faz e nada tem: é só noite, só miséria.
Sou Vossa escrava, Jesus, só Vossa e da Mãezinha.

O demónio, ainda esta noite, com tanta malícia e fúria consumiu desesperadamente o meu pobre corpo.
Estava banhada em suor e não podia lutar. O coração batia com grande estrondo e numa marcha
apressadíssima. Queria sossegar uns momentos, para poder respirar, e não podia.

— Já estás satisfeita? Não queres pecar mais? Hás-de pecar, hás-de pecar. Peca contigo todo o inferno e
muitos da terra. E nomeava-os. Como tu estás! Como tu estás! E enchia-me de insultos. Estava cheia de
lutar, mas não de ofender a Deus. Sentia que queria mais, muito mais. Não era bastante o gozo que me
parecia sentir. Veio uma dor a destruí-lo todo. Fiquei louca, a querer gozar, e a dor insuportável a não
me deixar, destruía tudo o que era gozo. Perdida no meio do mar, gritei por Jesus:

— Não quero pecar, não quero pecar.

Fora do meu lugar, não podia tomar a minha posição, nem aguentar por mais tempo a que tinha. Falou
Jesus:
— Anjo, bendito anjo criado por mim, leva ao seu lugar a minha querida esposa, leva-a com todo o
carinho e amor; é minha, só minha.

Fiquei logo na minha posição e senti-me tão cheia de carinho e amimalhada, e Jesus continuou:

— Oferece-me, filhinha amada, esta reparação, para que os impuros se cansem de me ofenderem, e não
se canse o meu divino Coração de lhes perdoar. Dá-me, minha virgem pura, toda esta reparação. Tu não
pecaste. É grande, é forte o teu amor. Tem coragem! Cumprem-se as minhas divinas promessas, e chega
o céu.

As palavras e ternuras de Jesus suavizaram a minha dor e cansaço. Pude por um pouco adormecer. Ai, a
quinta-feira! Estou a braços com ela. O meu coração anda de rasto, sente já toda a dor e ingratidão. Os
meus ouvidos ouvem dum e do outro lado insultos e palavras de desprezo. Vejo todos os sofrimentos e
anseio por eles; vejo a morte e desejo passar por ela; é morte que vai dar a vida. No Horto, senti o cálice
da amargura. Com os olhos fitos no céu, no meio da tremenda agonia, senti como se me rasgassem a fio
de espada ou ponta de navalha todas as veias do corpo. O sangue corria, ensopou-me toda e foi juntar-se
às lágrimas da maior amargura. Os ouvidos tudo ouvem ao longe, mas sinto em mim coisa mais sublime
que vê e adivinha tudo. Não sou eu, é Jesus que tudo conhece e sabe. É chegada a prisão.

4 de Maio de 1945 – Sexta-feira

— Como hei-de ditar, Jesus, como hei-de dizer os grandes horrores que se passam em minha alma, se
não tenho forças para isso! Espero-as do céu, já que é essa a Vossa divina vontade.

Esta manhã, saí da prisão e no decorrer das horas percorri muitos caminhos, desfalecida, caindo aqui e
além. O meu rosto ficava por terra, e nela se abafavam meus lábios, junto aos gemidos que pela dor eram
dados. O coração sentia as gargalhadas vindas de longe, dadas por escárnio e alegria. Oh! com quanto
custo subi a montanha do calvário! No cimo dela, tiraram-me as cordas que me cercavam o pescoço e a
cinta. Que enormes dores! Elas estavam enterradas na carne, ensopadas em sangue. Ao serem
arrancadas, deixavam-me no corpo marcas com grandes feridas, a que estavam ligadas e enterradas.

Custou-me muito a ser despida em público. Os vestidos levavam consigo pedacinhos de carne. Os olhos
do cor4po não viram, mas viram os da alma, eles serem cortados à espada, para serem distribuídos. A
alma tudo sentia. Com os olhos do céu, aterrada de trevas e abandono, ouvia sair do coração esta brado
muitas e muitas vezes: “Pai, Pai, Pai, não desvies de Tua face, não afastes de mim Teus olhares”. Os
meus olhos, mergulhados nas trevas, nada podiam ver; neles havia outros olhos que viam tudo, tudo
através dos tempos, todo o sofrimento que até ao fim do mundo havia de ferir um Coração que junto ao
meu estava. Esse coração sentia toda a ingratidão que no mundo poderia haver. Os ouvidos tinham
outros ouvidos para ouvirem insultos, maldades, crimes de todos os tempos. Que ondas contínuas eram
levantadas no mar imenso do sofrimento! Dentro em meu corpo sentia em mim Jesus; era Ele o
crucificado, era Ele que do alto da cruz contemplava a Mãezinha em agonia e dor e murmurava: “Mãe,
minha Mãe, até tu serves para meu martírio, a tua dor aumenta-mo; nem ao menos tu podes aliviar-me”.
Parecia-me que o meu peito, coração e alma eram retalhados a punhaladas e fios de espadas. Posso dizer
por mim que não resistia a tanto sofrimento, forças humanas não eram capazes. Veio o meu Jesus a
suavizar tudo.

— Minha filha, ó filhinha amada, tesoureira do teu Jesus, depositária, distribuidora do amor do meu
divino coração. O teu corpo é o sacrário que contém o vaso sagrado da minha Eucaristia. O teu coração é
esse vaso, a Eucaristia sou eu. Dei-me em alimento às almas, criei-te para alimento das mesmas almas.
Tens em ti o sangue de Cristo, a vida de Cristo. És a vida que dá vidas, és o cofre que possui todo o amor
de Jesus. Atraíste-o, colheste-o para ti, és tesoureira de amor; guardei-o, depositei-o todo em ti;
distribui-o, minha mensageira, enriquece o mundo, salva-me, salva-me as almas. Faço aqui o meu céu
na terra, o meu paraíso no teu coração. Adoram-me, louvam-me em ti os anjos. Olha que multidão deles
e de bem-aventurados! Olha tantas almas já salvas por ti!
Que grande massa eu vi! Eram as almas e ao lado delas muitos anjos. Que grande alegria e que grande
louvor davam a Jesus.

— Minha filha, já salvaste mais, muitas mais. O teu sofrimento é um mar de riqueza, são tesouros
imensos, riquezas valiosíssimas para o resgaste das almas. Não te digo, minha filha, algumas almas que
por ti foram salvas, não porque te envaideças, porque tudo o que fazes é por mim, e preparei-te para
tudo, mas porque te causa grande sofrimento e humilhação. As almas grandes em mim só se sentem
bem nas coisas humildes e pequeninas. Oh! como eu as amo! Vem cá, vem cá, minha filha, vem ver o
meu divino Coração: que profunda chaga ele tem! Aceita-o, toma-o em tuas mãos, suaviza a minha dor,
cura esta chaga com a ternura dos teus olhares, a doçura dos teus lábios e o fogo do teu amor. Cura-a
com o aroma das flores do teu jardim de virtudes.

— Meu Deus, que confusão a minha ao ver-me depositária do Coração Divino de Jesus!

Oh! como eu era pequenina ao ver em minhas indignas mãos aquele Coração Divino, tão chagado e
abrasado em amor! Possuía-o, mas não sabia curá-lo e não via em mim nada, nada que pudesse
cicatrizar a chaga e suavizar a dor de Jesus. Mas Ele alguma coisa viu no meu pobre coração; dele tirava
com as Suas santíssimas mãos alguma coisa para o d’Ele. E eu sentia a dar-me, a dar-me, a transformar-
me toda no de Jesus.

— Aproveitai, meu Amor, a minha grande miséria, nada mais tenho para Vos dar. Aceitai os desejos que
tenho de Vos consolar e de Vos dar tudo o que é belo, tudo o que é puro, tudo o que é amor. E dizei, meu
Jesus, quem foi que Vos feriu assim?

— Minha filha, esposa minha, olha como estou coroado de tão agudos espinhos. São os sacerdotes que
assim me ferem. Ofendem-me tanto! E esta chaga, que vês aberta, foi feita pela ambição das nações, mas
aprofundada mais, muito mais ainda por todas as maldades e todos os vícios. A impureza, a impureza!
Os pais não respeitam as suas filhas, as filhas não respeitam as suas mães. Os maridos não são fiéis a
suas esposas, e as esposas a seus maridos. Ofendem-me gravemente irmãos com irmãs. Não há modéstia
nas famílias, desapareceu dos lares o temor de Deus. Que dor a minha! Repara, lírio puro, lírio casto,
pureza angelical; repara por tudo isto. Eu quero, filhinha amada, que a voz do Santo Padre ecoe no
mundo inteiro muitas e muitas vezes, enquanto ele for mundo, a convidá-lo à oração, à penitência e ao
amor. A oração é a arma mais forte, a penitência é o meio mais poderoso para atrair para ele as bênçãos,
graças e misericórdias do Senhor. O amor purifica o mundo. Quero ser amado e quero ver a minha
Bendita Mãe amada. Quero que toda a humanidade veja e ouça no Santo Padre a voz do próprio Jesus. É
ele que o convida a entrar em meu Divino Coração. Sou eu que pelos seus lábios o chamo para mim.
Minha filha, assim como por teus lábios foi pedida a consagração do mundo à minha Bendita Mãe, peço
agora, antes da partida para o céu, que o Santo Padre, com a sua doce voz de Pai, convide repetidas vezes
a pobre humanidade a reconciliar-se comigo, a sair da sua cegueira, a viver a vida da pureza, da oração e
do amor. Peço-te hoje e vou pedir-te ainda mais vezes antes do meu retiro, do meu exílio em ti. Escreve
tudo, não duvides. O Espírito Santo está contigo. Eu nunca permiti, nem nunca permitirei que te
enganes. Vai, pomba bela, vai, mensageira, vai, rainha do amor, vai espalhar, vai dar aos corações tudo o
que é meu.

— Obrigada, meu Jesus. Utilizai-Vos da minha pequenez e da minha confusão para bem das almas e
consolação do Vosso Divino Coração.

Recebi de Jesus um estreitado abraço e fiquei abrasada no Seu fogo divino. Fiquei tão humilhada, tão
pequenina, mergulhada em trevas. Bendito seja o Senhor. Que Ele vença em mim.

5 de Maio de 1945 – Primeiro sábado

Se não fosse Jesus conservar-me a vida, com o sofrimento que tenho tido teria morrido mil vezes se mil
vidas possuísse. Ontem, ao cair da tarde, já depois de ter escrito os sentimentos da alma, estava com a
minha mãe e prima a fazer o mês da Mãezinha; principiaram os estremeções na minha cama, e eu
estremecia com ela também. Causou-me grande aflição. Convencidas que era o demónio, deitaram água
benta e em nome da Mãezinha mandaram-no retirar. Era por obediência que se fazia isto. Cessou por
um pouco para depois se repetir novamente a mesma cena. Durante a noite, foi uma luta tremenda. O
maldito chegou quase a persuadir-me que era falso ter morrido o Presidente da América; que estavam
desfeitos todos os enganos, conhecidas todas as mentiras. Juntou a isto uma série de coisas que não sei
como resisti. Dizer a Jesus que confiava n’Ele era o mesmo que não dizer nada.

— Confio, Jesus, confio.

Mas parecia-me não confiar.

— Valei-me, Jesus! Ó meu Deus, que será de mim!

Que tremenda confusão! Perdi todo o conforto do céu e da terra. O demónio bailava de contentamento.
Parecia-me que ele tinha em suas mãos o meu coração, que ele esmagava e feria continuamente.
Principiei a minha preparação para a vinda de Jesus esta manhã, mas sentia-me em tanta dor e o
coração tanto em sangue, que se fossem a satisfazer os meus desejos; desfazia-me em lágrimas. Pedi a
Jesus:

— Pela Vossa misericórdia, infinita misericórdia, compadecei-Vos de mim. Tende dó, Jesus, tende dó,
Mãezinha, mandai-me hoje quem possa dar um pouco de alívio à minha alma. Morro de dor, esmagada
entre trevas: trevas do céu, trevas da terra.

Chegou Jesus, e eu em agonia; sem luz, sem amor, baixou Ele ao meu coração. Quase logo, principiou a
dizer-me:

— Minha filha, estrela de oiro. O teu brilho vai estender-se por toda a humanidade. Tu és o sol que
estende os seus raios doirados para darem vida à terra. o teu sol, os raios do teu amor são mais do que
oiro, são raios divinos, porque passam de mim para ti; vão criar, vão germinar, florescer frutos divinos
nas almas, fogo divino nos corações. Tu és a flor pura que plantei no meio do mundo para as almas.
Cultivei o terreno, plantei-a, para elas vives. Sobre todo o mundo vais espalhar a fragrância e o aroma
mais delicioso. Não vai essa fragrância e esse aroma tão longe como o meu divino Coração deseja,
porque os homens tentaram amarfanhar as suas pétalas. Em vão. A flor é a minha divina causa, a
fragrância, o aroma, são as tuas virtudes, as minhas maravilhas em ti. Não há tempestade que a derrote
nem que a faça desaparecer. As pétalas dessa flor vão voar ao longe, vão correr o mundo com o sopro da
graça divina. Coragem, minha esposa amada. Confia que não te enganas nem serás por Satanás
enganada! Velo por ti. Dou-me a ti quanto o desejas, sou todo teu. As almas possuem-me na medida que
desejam possuir-me. Coragem, coragem. Para quê tanto desfalecimento? Não amas a tua cruz? Não
sabes que estou contigo? És vítima de tudo. Eu aceito tudo, tudo quanto me ofereças, e faço que o
Espírito Santo te inspire com as Suas santas inspirações e ilumine com a Sua luz, para encontrares
sempre, sempre que me ofereceres. E tudo isto por amor a quem? Por amor às almas, para as poder
salvar. És vítima, és vítima em tudo. Coragem sempre, querida filhinha.

— Perdoai-me, meu Jesus, o meu desfalecimento, perdoai-me tantas dúvidas. Bem sabeis que só a mim
temo, que é de mim que eu duvido. A minha miséria é sem igual.

— Anima-te, meu anjo, e confia sempre. Dá ao teu paizinho, minha filha, o meu Divino Coração com
toda a doçura, ternura e amor. Dá-lho cheio dos meus agradecimentos pela sua dor e exemplo na sua
cruz; é exemplo dos santos. Diz-lhe que me servi de tão grande martírio para reparação de tantos e tão
maus sacerdotes. Tudo está a terminar, ele será exaltado, e os exaltados humilhados, e a sua missão
continua sempre junto de ti e junto às outras almas. Dá também ao teu médico o meu Divino Coração
como nome dele, da esposa e de todos os filhinhos, gravados a oiro. São meus, pertencem-me; são
salvos, é de todos o céu. Dá-lhe também os meus agradecimentos, diz-lhe que sou eu que o nomeio
combatente livre e vencedor da minha divina causa, causa mais brilhante e prodigiosa. Diz-lhe que
redobre os seus cuidados e canseiras junto de ti. É preciso milagre, grande milagre para a tua vida e
existência aqui. Dá à Sãozinha a promessa do céu sem purgatório pelo que trabalho pela minha causa
divina. Faz-me uma lista das pessoas a quem queres que lhes dê o céu sem irem ao purgatório. Sei muito
bem quais elas são e quero condescender com os teus desejos. Vem, minha Mãe, toma o teu lugar de
Mãe carinhosa e extremosíssima, dá a vida e suaviza a dor desta nossa filhinha.

Tomou-me a Mãezinha em seus braços, senti-me logo cheia de doçura e amor. Dum lado o seu
santíssimo rosto e do outro a sua bendita mão me acariciava. Estava o meu rosto no meio daquela
prensa santíssima. Cobriu-me de beijos, senti-me viver.

— Minha filha – dizia-me ela – venho em breve buscar-te para o céu. antes de expirares, levo-te à
presença de Jesus pela minha bendita mão; entre mim e Ele serás conduzida ao paraíso. À tua chegada
terás coros de virgens, coros angélicos, toda a corte celeste em hinos, todo o céu em festa.

— Obrigada, Mãezinha. espero-Vos depressa, a não ser que os Vossos breves sejam como os de Jesus.
Seja como for, não tenho vontade nem querer próprio. O que quero é a Vossa força santíssima para levar
a minha cruz, a pureza do meu corpo e da minha alma, o amor ao Vosso Coração e aO de Jesus, a graça
de não O desgostar nunca, nunca. Dizei-me, Mãezinha, estais triste comigo ou está Jesus?

— Não, esposa do meu filho querido. A minha alegria e consolação estão em ti, nada fizeste para me
entristecer; tudo fazes para honra e consolação minha e do teu Jesus. Sossega, sossega, meu Filho,
sossega a tua filhinha.

— Coragem, sossega, amada do meu Divino Coração. O que te digo é para te firmar e fortalecer no teu
martírio. Não me desgostaste, sossega, não o permito. De ti recebo a alegria e amor que o meu Divino
Coração deseja. És a loucura do céu, a vida das almas, o encanto da terra, a glória do meu Pai.

Por algum tempo fiquei fortalecida, mas, à medida que as horas foram passando, corri apressadamente a
mergulhar-me nas trevas para nelas poder esconder-me de todos e para sempre. Abismada nelas,
parecia-me não caberem em mim as ânsias, ânsias doridas, ânsias capazes de dar a morte, ânsias não sei
de quê. Que peso o da minha cruz! Mas quero-a, amo-a para sempre.

10 de Maio de 1945

A minha língua, envolvida em trevas, parece estar presa e não poder mover-se para dizer a grande dor
que me vai na alma. Os meus olhos nada vêem. Que dizer, que fazer, meu Jesus? Tremo de medo, temo a
minha existência aqui. Que grande horror pensar que tenho de demorar-me neste triste exílio! É triste
por ser triste, mas alegre por ser o que Jesus quer.

— Vontade divina, vontade do meu Deus, quero-te, abraço-te e nunca mais te largarei.

Os grandes arrancos da minha alma têm continuado; por vezes são como terramoto que tudo destrói;
todo o meu ser parece ficar em estilhaços. E os sobressaltos vão-se repetindo: temo a todos, temo a mim
mesma. Sem ver e sem forças para resistir, estou como se estivesse de braços abertos à espera de tudo o
que o céu quiser enviar-me, o céu que me parece ser de trevas, o céu que baixa sobre mim e me obriga a
infundir-me na terra, na terra de iguais trevas. A que profundeza já eu vou! Quanto mais esmagada,
quanto mais me vou aprofundando, mais em trevas fico. Que horror! Parece não poder convencer-me
que na terra há luz e há sol, que no céu há alegria, luz brilhante e amor sem fim. Meu Deus, não conheço
nada, parece que nada disto experimentei. Sinto dentro em minha alma uma revolta do céu contra a
terra. Jesus não pode mais aguentar com os crimes da pobre humanidade. Que quadro tão doloroso, que
cena tão triste! Se o mundo pudesse ver o que se passa em mim, com certeza não pecaria mais. Se não o
comovesse o amor de Jesus, aterrava-o a Sua justiça. Sinto, sinto toda a justiça divina a querer
descarregar sobre a terra. Não sei quem é, é alguém que se prostra com grande aflição diante da justiça
divina para sustentar o Seu braço poderoso, prestes a cair sobre a terra. Não é só a alma que o sente, vê
com os seus olhos esta visão claramente.
— Meu Deus, só Vós sabeis quanto eu sofro e por quem sofro. É por Vós, é pelas almas.

Nada sei dizer deste tão duro penar. O terminar da guerra não me deu um momento de alegria. Tudo
passa negro e friamente. Agradeci e agradeço a Jesus e à Mãezinha, porque é o meu dever, mas parece-
me que não me importava ela ter acabado ou continuar. As trevas tudo escondem, não vejo um olhar de
agradecimento ao céu, nem um sorriso duns lábios agradecidos.

— Tirai, Jesus, tira, meu Amor, para Vós a consolação e a alegria, deixai para mim o que é dor e trevas. A
vontade quer aceitar por amor; a pobre natureza fraqueja, porque mais não pode. Tende dó de mim,
Jesus.

O demónio tem-me atormentado tanto, tanto! Tudo aproveita para me martirizar. Eu que tudo faço por
malícia, que tudo faço para enganar; enche-me de dúvidas. Veio com um ataque tão atormentador! Eu
não tinha no meu corpo o mais pequenino bocadinho que não servisse de instrumento para ofender a
Jesus. Parecia-me que o maldito se utilizava de todo o meu ser para pecar comigo, para ferir o meu
Jesus.

— Ó meu Deus, que mar de crimes! Ofender-Vos com todos os meus sentidos!

Lutei por muito tempo, no meio de insultos, e ele parecia-me ser o senhor do meu coração. Figurava-se-
me que o via dentro dele. E ele dizia-me:

— Expulsa-me do teu coração. Não és capaz, sou senhor dele.

Depois de muito lutar e lutar às portas da morte, fiquei caída, fora das minhas almofadas. Sem poder
mexer-me, invoquei muitas vezes o nome de Jesus, chamei por Ele, pedi-Lhe para me acudir, mas oh!
com que vergonha e tristeza! Ouvi Ele dizer-me assim:

— Com um sopro, saído dos meus lábios divinos, vais docemente para as tuas almofadas, minha filhinha.

E vi-O então a Ele senhor do meu coração. Era Jesus Menino, já crescidinho. A cruz era maior que Ele.

— Sou eu o rei, sou eu o senhor. És minha e tudo o que é teu a mim pertence. Não pecaste, minha filha.
O teu corpo não é como o demónio te faz sentir, um instrumento de pecado; todo ele é um instrumento
de reparação para mim. Repara, repara, aceita, abraça a tua cruz. O teu corpo é de pureza, o teu coração
é de amor.

— Confio, meu Jesus, não me falteis e não consintais que eu mova os meus lábios e nada faça que Vos
desgoste.

No meio das minhas amarguras, no abismo das minhas trevas, quanto já não posso mais e me parece
não haver remédio para os meus males, sinto por vezes Jesus no meu coração a estreitar-me com todo o
amor e a repetir-me uma e muitas vezes:

— Coragem! Eu estou contigo, não te falta o conforto do teu Jesus. És minha, eu amo-te, nada temas.
Sofre contente, sofre por amor, não deixes as almas perderem-se.

Tudo isto faz-me reviver, mas por bem pouco tempo. Só as ânsias de me dar às almas, de salvar o mundo
não cessam, consomem-me o coração. Que desejos tão vivos de incendiar no mundo o fogo divino, o fogo
que, sem ser meu, sinto-o, consome-me, devora-me!

— Ó mundo, hei-de vencer-te, hás-de salvar-te. Ó rochedo, hei-de reduzir-te a chamas, hás-de amar a
Jesus, hás-de ser puro, hás-de viver para Ele.

O demónio continua a rodear as janelas que cercam o edifício do meu corpo. Redobra sempre a sua
malícia, tenta entrar por uma e por outra. Enraivecido, uiva e desespera-se, por nada poder conseguir.
Não posso lembrar-me que hoje é o dia a Ascensão de Jesus ao céu. Parece-me que Jesus subiu, deu a
Sua entrada no céu sem ser louvado e festejado. As trevas cegaram os anjos e todos os habitantes do céu.
O meu coração apavorado chora lágrimas de dor e de sangue. Sente as cordas que amanhã lhe vão atar o
seu corpo. Sente nele as bofetadas e os escarros que ao rosto lhe hão-de ir cair. Pobre coração, que não
sabe amar, que não sabe compadecer-se de Jesus, que está nele caído com a cruz às costas e atado com
grossas cordas. Visão dolorosa a da minha alma! Em que estado ela vê Jesus. Anteciparam-se os
sofrimentos; já hoje sinto tudo. Durante a Ceia vi e senti o abraço de Jesus a seus discípulos. Que abraço
tão terno e eterno! Entre eles houve um que recusou, não quis aceitar. Mas a ternura e o amor de Jesus
continuaram ainda sobre ele. Como Nosso Senhor sofreu ao ser desprezado o Seu convite, o Seu amor, o
Seu chamamento! Se Jesus, a Mãezinha ou os anjos falassem em meus lábios para gravarem bem nestas
linhas o amor divino e a ingratidão do mundo a esse amor! Que sede eu tenho de dar almas a Jesus, de
salvar o mundo e de matar o pecado Para Sempre, para sempre! Não sei dizer o que quero e não vejo
nada para fazer, estou ceguinha.

11 de Maio de 1945

Se os dias passados foram um contínuo mergulhar de trevas, hoje é mais, ainda muito mais.

— Meu Deus, como pode aumentar isto? De onde vêm elas?

É por entre esta escuridão medonha, aterradora, que eu caminho, de cruz sobre os ombros, mãos atadas
e o corpo todo chagado. Ouço o sangue que rega a terra, saído das minhas veias. Ouço o estalar dos ossos
ao ser arrastada pelas cordas. Dores sufocantes tiram-me a vida. Não há quem se compadeça do meu
penar. E eu perdi Jesus, ou sinto que O perdi. Como poderei viver sem Ele? O que será de mim? Veio o
demónio com um ataque violentíssimo. De manhãzinha cedo, principiei a sentir que o meu corpo não
estava completo, como se uma podridão tivesse desfeito parte dele. Causou-me e causa ainda grande dor
e impressão. Mal eu pensava que eram manhas do demónio! Foi o meio de que ele se serviu para hortas
depois me afligir. Aumentou a sua malícia e artes, como senhor e habitador de mim. Principiou a dizer-
me:

— Olha como tu estás! A maldade dos teus crimes apodreceu o teu corpo.

Uma chuva de nomes e coisas feias caiu sobre mim.

— Jesus, Mãezinha, não quero pecar, sou a Vossa vítima.

Que medo, que horror! Parecia-me pecar e querer pecar. Sentia pena por não satisfazer mais os meus
desejos desordenados. Tremendo horror! Levantava os meus olhos para a Mãezinha e para Jesus. Um
abismo aterrador se colocou à frente dos meus olhares. Que escuridão assustadora! Que abismo sem
fundo! E eu cega de maldades e desejo pecaminosos. Fiquei louca, preocupada com este viver. Veio
Jesus, o remédio da minha alma.

— Minha filha, és cândida, és pura, pureza virginal, candura celeste. Repara! Vê aqueles traços doirados,
aquelas flores luzentes que passam naquele abismo. É a tua pureza, é a tua reparação; reparação que me
consola, pureza que pouco a pouco vai purificando as almas que nele estão. É pureza que passa no lodo e
na lama sem se manchar e à sua passagem deixa seu brilho para iluminar e arrancar das trevas as almas
que nele estão, trevas do pecado, trevas infernais. Não são trevas de amor, trevas de reparação, trevas
enviadas por mim. Coragem, minha pura, minha bela. Não pecaste.

— Meu Jesus, permiti que a minha confiança em Vós vá tão longe quanto pode ir, para que eu possa
convencer-me sempre, sempre que não Vos ofendo. Não permitais, meu doce amor, que eu duvide um só
momento da Vossa palavra divina.

Cheguei, mas com muito custo, ao cimo do calvário. Cravada na cruz, com o coração em sangue, bradava
incessantemente socorro ao Eterno Pai. O coração voava para Ele, mas era repelido, parecia não ser
aceite. Nem na cruz era poupado o meu corpo; os olhos da minha alma viam todo o mundo a vir feri-lo.
Via todo o mundo a penetrar na minha cabeça grande número de agudos espinhos. Que grande dor me
faziam! Toda a humanidade maltratava e esmagava o meu coração, deixando-me em agonia mortal. Veio
Jesus ao encontro desta dor e agonia. Demorava-se: fez-me esperar muito tempo. Esperei resignada.

— O que quiserdes, meu Jesus, a minha vontade é a Vossa.

— Minha filha, prenda valiosíssima que eu dei ao mundo. Quanto ele tem de agradecer-me! Tu és a
depositária, és o cofre das riquezas e dons divinos. És a mensageira da paz, de quanto a humanidade te é
devedora. Coloquei-te no meio dela, és um centro de virtudes, és um centro de flores cândidas e puras.
És a vida das almas, és a nova Eucaristia delas. Purifica-las dos seus defeitos, lava-las dos seus crimes,
prepara-las para mim que sou a verdadeira Eucaristia. És a pastorinha que conduz o rebanho ao Pastor
Divino. Tu és o porta-voz de Jesus para o Santo Padre. Diz, minha filha, ele que fale à humanidade
inteira. Ele, que é o pai da terra, que peça em nome do Pai do Céu. Quero uma reconciliação firme e
sincera, quero um mundo novo de pureza e de amor. Penitência, penitência e oração. Penitência no lugar
dos prazeres, oração em vez das vaidades e passatempos ilícitos. União comigo, amor puro, amor
abrasado ao meu Divino Coração. Se houver, minha filha, a verdadeira transformação, receberá o
mundo inúmeras graças, uma chuva de bênçãos cai sobre ele. Mas, ai dele, se assim não for. Aceita,
filhinha amada, o meu Divino Coração, consola-o, cura-lhe tão profunda chaga. Dá-me o teu para o
confortar e para lhe dar vida.

Jesus fez a troca, senti-me logo outra.

— Agora, sim, meu Jesus, agora sim, sei que não sou eu. O Vosso Divino Coração encheu-me, deu-me
tudo. Estou confundida, não sei como consolar-Vos nem como curar a Vossa chaga divina. Aceitai os
meus desejos, aceitai tudo o que de mim podeis e quereis receber. Se eu soubesse amar-Vos! Se eu
soubesse servir-Vos!

Enquanto eu dizia isto a Jesus, fez-se Ele médico do meu coração; injectou-o da Sua ternura, encheu-o
do Seu amor. Fez de novo a troca, deu-me o meu, entreguei-Lhe o d’Ele. Ao entregá-lo em Suas divinas
mãos, acompanhava-o a vergonha e a pena de não lhe curar aquela chaga tão profunda, para sempre, de
não o amar como o queria amar. Oh! que ternura a minha por Jesus!

— Minha filha, são assim as almas grandes, sentem nada fazerem ao meu Divino Coração. Se soubesses a
alegria que me dás! Se soubesses com a tua pequenez, com a tua profunda miséria, assim mesmo como
te sentes, o proveito que tiro para as almas! Logo depois da tua morte vou fazer conhecer ao mundo a
heroicidade do teu amor, e como foste comigo grande e poderosa. Por ti a terra será enriquecida, por ti
sempre os pecadores serão salvos. Missão sublime, missão sagrada a que te destinei. Coragem sempre,
minha pomba bela. Triunfa a minha divina causa, e com ela triunfam os que contigo são humilhados.

— Obrigada, meu Jesus.

Caí pouco depois nas mesmas trevas, e as dúvidas continuaram. Estendo os meus braços para Jesus e
inclino-me diante d’Ele: é o meu sinal de aceitação. Sou sempre a Sua vítima.

15 de Maio de 1945

Nunca ano nenhum, no dia 13 de cada mês, passei tanto em Fátima como no dia 13 deste mês de Maio.
Não sei pelo quê. O meu coração desfazia-se e desfaz-se ainda em agradecimento diante da Mãezinha
querida. Passo lá tanto tempo! Quero amá-la, louvá-la e não cessar de agradecer-Lhe a paz tão desejada.
Seria esse o motivo, porque Jesus me uniu tanto desta vez às manifestações da Cova da Iria e me fez
sentir todo aquele entusiasmo e preces fervorosas de tantos corações agradecidos? Bendito seja o
Senhor, que Ele continue a dispensar à terra a Sua paz divina e não demore a dá-la às nações que a não
têm ainda, para que em toda a humanidade reine Ele, só Ele. Não passou ainda um só dia que não
rezasse a Magnificat em acção de graças e como prova do meu agradecimento.
— Mas, meu Deus, como tenho feito eu tudo isto? Na maior pobreza e maior miséria. Agradeço sem um
raiozinho de luz, agradeço esmagada debaixo do céu das trevas.

O céu vai a infundir-se na terra, e lá vou indo eu, atravessando mundos e mundos dessas trevas
aterradoras. O peso do céu das trevas é que me obriga a infundir-me nos mundos das mesmas. Tenho
tanto que atravessar! São mundo por baixo de mundos, tudo é para mim. Vou como quem vai para o
martírio, caminho como quem caminha para a morte. O meu martírio, a minha morte, são essas trevas
que tiram a vida para não mais a restituírem. De momento para momento vou-me sentindo mais
aterrada e cansada de tanta escuridão. Vou como quem desce um poço sem fundo, poço que traz a morte
ao encontro. Sinto que vou morrer sozinha e sem luz. O coração teme e sangra de dor. Mas não cessa de
bendizer ao Senhor. É só a pobre natureza aterrada, a vontade está firme, está como que abraçada a
Jesus e à cruz, para não mais a deixar. Não vejo, mas confio; não sinto, mas creio; Jesus e a Mãezinha
não me deixam e hão-de vir ao meu encontro no momento derradeiro. Os sentimentos da minha alma
obrigam-me a acreditar que minto a mim mesma, que a todos engano. Confio que Jesus assim o quer. É
o meu martírio, pois sinto a paz que o mundo não dá, sinto a paz que só de Deus pode vir, sinto a paz
que o demónio não quer e se esforça por me fazer perder. Não acredito, não pode ser, Jesus não me
deixa. Só Ele sabe o que se passa na minha alma, e que tudo faço com os olhos n’Ele e por amor das
almas. O meu Jesus não me engana, acredito n’Ele e não no demónio, que todos os meios emprega para
me perder e fazer ofender a Jesus. Neste intervalo de dias, veio uma só vez com todas as suas manhas
infernais. Mas, ai, que medo eu tenho! Tenho medo por ter medo da minha fraqueza e não quero ferir
Jesus. Lutei com ele por muito tempo. A luta foi sobre um tremendo e doloroso abismo. Parecia-me que
as suas artes me prendiam as mãos para não possuir nelas o terço nem a Mãezinha. Ao terminar do
combate, principiou a cair sobre mim uma chuva de ouro torrencial e a penetrar em todo o abismo, e o
seu brilho luzente resplandecia por toda a escuridão. Eu estava fora do meu lugar e ouvi a voz de Jesus a
dizer:

— Anjo de amparo, anjo de conforto, anjo de luz e de amor da minha filhinha e esposa querida, leva-a ao
seu lugar.

No mesmo instante, fiquei nele e Jesus continuou:

— Anima-te, alegra-te, minha pomba bela, não pecaste. A chuva doirada que sobre ti e o abismo caía é a
chuva do meu divino amor, recompensa da tua reparação. Por ti foi levada ao abismo, para dar nele luz
às almas, para que venham ao meu Divino Coração. Coragem, coragem, minha filhinha querida, virgem
pura, esposa amada.

— Bendito sejais, meu Jesus. Aumentou o meu martírio; queria deixar ocultos os últimos sentimentos da
minha alma. Sei que o não quereis, mandais-me que escreva tudo. Aceitai o meu sacrifício e dai-me toda
a luz do Divino Espírito Santo para poder escrever tudo como for da Vossa divina vontade.

Há dias que sinto nos meus olhos um olhar que não me pertence. Não é olhar malicioso, não é olhar do
demónio como por algumas vezes nas lutas com ele tenho sentido. A diferença é mais do que do céu à
terra. Este olhar é terno, tem doçuras, tem encantos, tem amor; este olhar tem prisões, este olhar
penetra tudo, este olhar dá luz; é como um espelho que tudo faz reflectir, no qual nada se pode esconder.
Este olhar é como uma bala que a todos atinge. Este olhar vê para dentro e para fora, vê tanto com os
olhos abertos como com eles fechados, vê tudo, tudo, e não sei que tem em si que atrai. Sinto que esta
atracção vem de encontro ao meu coração, e com que eu o abro para receber tudo o que nele quer entrar.
Este olhar tem ainda chaves que fecham, são chaves que só servem no coração, são chaves que só fecham
o que estes olhares a si atraem.

— Meu Deus, não sei exprimir melhor os meus sentimentos, não sei aclarar mais o que dentro em mim
se passa. Desfaço-me em amor, bondade e carinho. Que riqueza sinto em mim! Nada disto me pertence.
Minha é a dor que destes sentimentos é motivada. Temo e tremo. Meu Jesus, não permitais que tudo
isto nasça de mim, mas sim de Vós, só de Vós. Aceitai toda a minha agonia.
Sinto como se tudo isto fosse escrito com sangue tirado do meu coração.

17 de Maio de 1945

Por vezes o fogo que sinto em meu coração parece nunca mais se apagar. E o que quero fazer? O que
tenho a fazer? Nem eu sei. Quero salvar o mundo, quero ver este fogo incendiado na terra para atingir
todos os corações. Parece que ando louca a bater à porta de todos a convidá-los a deixarem o pecado, a
amarem só a Jesus. Tenho de ver, tenho de fazer nascer um mundo novo, um mundo puro, um mundo
do céu. Tenho de sofrer e agonizar por ele, tenho de morrer nas trevas para dar luz. Oh! e como eu
caminho para elas! Obriga-me o amor, só o amor. Continuam em mim os olhares que não me
pertencem. Além das atracções têm tantos enleios! Que confusão a minha! E o sorriso dos meus lábios
também não é meu. Parece-me um sorriso que tem braços para abraçar eternamente e bálsamo para
curar todas as chagas. Não sei, não sei o que se passa em todo o meu corpo. O que está nele não me
pertence. Estes enleios, ternuras, prisões, doçuras e amor nada têm que ver comigo, nada têm que
atribuir a mim, este corpo não é meu, esta vida minha não é. Tudo se passa nas minhas trevas. Se eu
soubesse exprimir! Se eu soubesse mostrar tudo isto para bem das almas e glória do meu Jesus, deixava
de ser vítima, já não sofria. O céu não me falta, mundos e mundos vão ficando sobre mim. Eu a
submergir-me cada vez mais na escuridão, abrasada em sede do amor de Jesus, em ânsias de Lhe dar
almas. Não olho aos sofrimentos; caminho, caminho. Vejo tudo quanto me espera. Vou como ovelha
muda que nada sabe dizer. Vejo a ingratidão, o sangue que tenho de derramar, o calvário e a morte.
Sinto as almas que nele têm de ser banhadas. Fito os meus olhos no céu: venha o que vier, tenho que dar
o céu ao mundo, tenho que comprá-lo com a moeda do meu sofrimento. Nesta manhã, na visita de Jesus
ao meu coração, como me sentia mais intimamente unida a Ele, atrevi-me a dizer-Lhe:

— Dizei-me, meu Jesus, se não Vos desgosto, o que significam os abalos e sobressaltos que tendes feito
sentir.

— Não, minha filha, não me desgostas, pergunta-me o que quiseres. Os abalos significam os abalos das
nações ao terminar a sua guerra de ambições a expirarem no seu mau proceder. És vítima delas e serás
até ao fim. Por ti e minha Bendita Mãe elas receberam a paz. Que abalos sentiram os seus governantes!
Preferiram a morte à humilhação. Os sobressaltos dizem-te respeito e à minha divina causa. Faço-te
sentir o que sentem os inimigos e amigos dela. Os inimigos sentem em si revolta, remorsos, não querem
ceder, não sabem o que fazer. Os amigos sofrem por te verem sofrer sem te poderem valer. Mas ditosos
deles que os associei à tua dor, associei-os ao teu martírio, porque os amo. Serão exaltados e glorificados
comigo. Os inimigos serão esmagados pelo peso da humilhação, como Satanás o foi pelo poder da minha
Bendita Mãe. Coragem, coragem, coragem! Do cimo do calvário, do alto da cruz, passas ao céu. Anima-
te, a glória é minha, o proveito é das almas.

— Assim seja, meu Jesus. Aqui me tendes pronta para sofrer, pronta para dar a vida. Em tudo vejo o
Vosso divino amor e a salvação das almas.

18 de Maio de 1945 – Sexta-feira

Bendirei ao Senhor. Recebi de Jesus, neste mês bendito da querida Mãezinha, mais um miminho, que
veio abrir-me a sepultura, e mais miminhos que vieram cravar-me na chaga do meu coração sempre a
sangrar, não a deixando assim cicatrizar. De vez em quando é avivada fortemente. Bendirei sempre a
Jesus e à Mãezinha, mas confesso: se não fossem as forças do céu, teria desesperado e morrido. Que
grande amor o de Jesus!

— Quanto Vos devo, meu Amor. ConVosco venci e vencerei sempre.

Não pude ter uma palavra de queixume; ainda mais mereço pela minha miséria. Estou como a
pombinha de bico aberto a bater as asas prestes a perder-se sem ter onde pousar. Tenho sede de luz,
tenho sede de conforto.
— Já que na terra me tapam todos os caminhos, deixai-me, Jesus, deixai-me, Mãezinha, entrar nos
Vossos Corações amantíssimos. Ainda que nada sinta, deixai-me ao menos a certeza que vivo n’Eles. Lá
estou livre de ódios e perseguições, lá estou certa de que Vos amo e não Vos ofendo.

Se o meu corpo pudesse encobrir-se nas trevas para não ser mais visto nem lembrado, como nas trevas
foi encoberta a minha alma, assim morreria, não seria mais falada como são os desejos do meu Prelado.
É com todo o amor que aceito e obedeço às suas ordens. Não nasceu dentro em mim a mais pequenina
sombra de ódio contra ele e contra os seus companheiros. Antes pelo contrário, dizia:

— Meu Jesus, compadecei-Vos deles, não compreendem mais, não conhecem os sofrimentos duma
alma. Meu Jesus, se pudesse prostrar-me diante de Vós e de mãos levantadas soubesse agradecer-Vos os
miminhos que me dais!

Com o coração a sangrar de dor, não pude com os lábios rezar a Magnificat, mas rezei-a com o
pensamento.

— Dai-me força, Jesus, para sofrer e não me condeneis Vós, porque a sentença dos homens nada vale a
não ser para meu maior martírio.

Foram os homens que me prepararam o sofrimento de hoje, para mais me assemelhar a Jesus e
acompanhá-Lo no caminho do calvário. E lá vou eu, presa com cordas, mas com amor abraçada à cruz.
Sou vítima das opiniões dos homens, sou vítima das lágrimas dos meus. Se eu pudesse sofrer sozinha…
Bendirei ao Senhor, não quero perder um momento. Os meus olhares continuam a não serem meus.
Fitam-se cheios de ternura num e noutro coração que mais se deixa compenetrar destes olhares tão
cheios de doçura e amor. Os olhares não vão para todos por igual; os corações, a sua correspondência, é
que fazem merecer tudo quanto estes olhares encerram. Tinha tanto que dizer neste ponto! São tantos os
que queria atrair e abraçar a mim!

— O que é isto, meu Jesus?

É sempre a minha cruz. Neste conjunto de sofrimentos, o meu calvário com o de Jesus, o coração
oprimido com o peso esmagador da dor abafava, não resistia.

— Poderei vencer, Jesus? Resistirei a tanto? Só convosco. Valei-me, tenho medo.

Sentia tanto o meu abandono e o de Jesus! O meu corpo sangrava, dava as últimas gotas de sangue. Ele
veio.

— Amo-te tanto, minha filha! Assemelhei-te a mim e o teu calvário ao meu. Tem coragem. Os espinhos
que te ferem foram os meus. As varas que te açoitam e despedaçam foram as minhas. Os maus tratos e
as cordas que te prendem eram minhas, e a cruz minha foi também. Foi o amor a causa dos espinhos,
dos açoites, da cruz, do calvário e da morte. Prendeu-me o amor à cruz, prendeu-me ainda nos sacrários
até ao fim dos séculos. E tu, minha pomba bela, à minha semelhança presa foste também; prendeu-te o
amor ao meu Divino Coração, prendeu-te o amor às almas. Deixa-te ferir, minha amada; cada espinho
que te fere sai um dia da minha sagrada cabeça e do meu Divino Coração. Vês como tenho tantos!

Jesus apresentou-me a Sua sagrada cabeça e o Seu Coração Divino. Que grande sebe agudíssima o feria!
Enterneci-me tanto por Jesus e disse-Lhe:

— Aceito tudo o que seja dor, mas quero tirar de Vós todos esses espinhos e não deixar sinal algum de
ferimento.

Principiei a tirar espinhos de Jesus que tinha ao meu dispor. Em poucos instantes desapareceram todos,
e nem a sagrada cabeça nem o Coração Divino ficaram chagados, nem com sinal de sangue. Tudo
desapareceu.
— Vês, minha esposa querida, como o teu novo sofrimento cicatrizou todas as feridas que eu tinha?
Coragem! Anima-te, eu não te falto. Duvidar de mim é ofender-me. Ainda que te dissesse que o que te
prometi vinha, não te enganava, ainda que levasse anos, pois os anos em comparação da eternidade
representam um já. Mas não demoro, confia. Vou deixar-te, minha filha, um pouco mais libertada do
demónio, para poderes resistir. Preciso de operar milagre. Se soubesses com os combates do demónio as
almas que arrancaste dos abismos e conduziste a mim! Estão firmes, não voltam a ofender-me
gravemente, salvam-se. Para resistires ao teu penoso calvário vou vir a ti frequentes vezes, as mais delas
silencioso. São êxtases de amor, mas deles receberás sempre, sempre, toda a abundância das minhas
graças, ternuras e amor. És rica de mim, és rica de virtudes. É por isso que os teus olhares atraem, têm
carinhos, têm doçuras, têm prisões, têm amor. É por isso que o teu sorriso tem meiguices, tem tudo o
que é do céu. Não vives, vivo eu, são meios de salvação e de chamamento às almas. Não é verdade,
minha filha, que eu na minha vida, no meu calvário, possuía duas vidas, humana e divina? Até nisso te
pareces comigo. No teu calvário tens também a vida divina, é Cristo que está em ti. Nada temas. Vem o
jardineiro divino ao Seu jardim ver as maravilhas que nele operou e o fruto de tantas canseiras. Vem o
Rei ao palácio da Sua esposa, o Redentor divino à Sua redentora, à nova salvadora da humanidade. As
minhas maravilhas em ti não ficam ocultas, não consinto no seu escondimento, hão-de brilhar, são a
minha glória, são a salvação das almas. Tudo será escrito, minha doutora das ciências divinas, tudo será
conhecido no livro da tua vida. És a heroína do amor, a heroína da dor, a heroína da reparação, a
heroína dos combates, a rainha dos heroísmos. Recebe conforto, filhinha, recebe o meu amor divino.
Quando vier a ti nos meus colóquios, uno-me a ti com este amor. Venho dar vida e conforto ao teu
coração, ajudar-te nas tuas trevas. Conta sempre comigo mesmo no meu exílio, no meu escondimento
em ti. És minha sempre, e eu sempre em ti habito.

— Aceitai, meu Jesus, o meu coração agradecido e entregai-o por mim à Mãezinha. Muito obrigada pelo
fogo divino que me fazeis sentir. Se todas as almas o sentissem! Parece-me que tenho uma enorme
fornalha no peito e no coração. Como sois poderoso e bom para comigo! Aceitai o meu sofrimento como
prova do meu amor e dai-me por ele as almas. Lembro-Vos, meu Jesus, neste momento, todos os que me
são queridos. Lembro-Vos os sacerdotes e os pobres pecadores. Lembro-Vos o Santo Padre e as suas
intenções. Lembro-Vos toda a minha família e todos os que se me recomendam. Lembro-Vos os que me
ferem e lembro-Vos o mundo inteiro.

— Aceito, filhinha, toda a prece saída dos teus lábios. Pede, pede tudo, pede, confia sempre.

Voltei às trevas e à minha dor, mas a arder em sede de consolar o meu Jesus e salvar o mundo. Não há
na terra maior alegria do que sofrer por Ele.

19 de Maio de 1945

O dia foi triste, não porque me faltasse a paz da minha alma, Deus seja louvado, mas porque a minha
pobre natureza não podia resistir mais. A dor era imensa, a alma despedaçava-se, todo o meu ser era um
trapo rasgado fio a fio.

— Ó meu Deus, tudo o que era triste ocorria-me ao pensamento.

A pouco e pouco ia-me mergulhando nas trevas lentamente. Que medo arrepiante! Sentia-me só, sem
conforto da terra e do céu. Tremendo abandono! Tenho Jesus, tenho a Mãezinha, mas sem alívio. O céu
estava coberto de nuvens negras e chovia torrencialmente. Mas na minha alma eram mais negras as
nuvens, e a chuva de dores mais forte ainda. Pela janela os meus olhos viam as folhas verdejantes das
vides como que sofregantes com o orvalho fresco que o céu lhes dava. Que bela lição para mim! Lembrei-
me e perguntei:

— O que farão as avezinhas para livrarem da chuva os filhinhos? Estendem sobre eles as asas. Jesus
cuida delas, não as abandona. Como poderá Jesus deixar de cuidar de mim, e a Mãezinha, que tenho
uma alma? Oh! como eu me devo alegrar com tudo o que o céu me dá! Tenho fome e sede de me dar a
Vós, de cumprir a Vossa santa vontade. Venham as humilhações e desprezos, eu quero salvar as almas.
Como o abandono continuava, e a dor tentava tirar-me a vida, Jesus fez-se sentir na minha alma e disse-
me:

— Estou aqui, estou aqui, no teu coração, minha filha. Coragem, sou o teu Jesus.

Com alegria fiquei na cruz.

22 de Maio de 1945

Tenho fome, tenho sede de possuir Jesus; não cessa, é devoradora. Quanto mais corro ao Seu encontro,
mais sinto Ele fugir. Perdi-O, perdi-O, não O encontro no meio de tantas trevas. Infundo-me nelas cada
vez mais, de olhos vendados e louca por tão grande dor ato na cabeça as minhas mãos. Não digo bem:
sinto que o faço e que estou perdida no mar tempestuoso e encapelado, na noite mais negra e aterradora,
mergulhada em mundos de escuridão. Sinto e ouço o zunir dos ventos, as ondas levantam-se à maior
altura e baixam de novo serenamente. E eu sozinha, tão sozinha, sem ninguém! Ao sentir tempestade tão
desastrosa, fito-a, escuto-a, mas com serenidade. Se morrer nela, morro por Jesus, morro pelas almas.
Confio, espero, o meu corpo pode sofrer tudo, pode desaparecer destruído com o furor da tempestade,
mas a alma tem o seu fim, há-de ir ao encontro de Jesus, Ele há-de recebê-la, há-de ampará-la e levá-la
para Ele.

— Ó mundo, que tão ingrato tens sido para mim! E eu amo-te tanto; amo-te não pelos teus falsos
encantos, mas sim porque és de Jesus. A minha dor por vezes é quase desesperadora. Oh! se não fosse
Jesus e a Mãezinha! A Eles devo a minha resistência a tudo.

Jesus prometeu e não faltou: veio ontem e veio hoje, confortou a minha alma. Parece descer do ar como
a avezinha que baixa ao seu ninho. Ontem falou-me depois de por um bom espaço de tempo me ter feito
sentir o Seu divino amor e acalentar o meu coração com o Seu bafo divino. Disse-me:

— Minha filha, venho a ti com o meu amor que é a vida do teu corpo, que é a vida da tua alma. Sou teu,
estou aqui, confia, sou o teu Jesus.

Hoje fez-me sentir a Sua divina presença em mim, fez dilatar fortemente o meu coração e cobriu-o das
Suas ternuras e carícias. Depois disto despertei como dum sono e disse-Lhe:

— Muito obrigada.

Só no dia vinte, dia do Divino Espírito Santo, não veio, deixou-me todo o dia num prolongado martírio.
Escondi o mais que pude, com o sorriso, a dor que sentia. Mas então nesse dia é que redobrou a ternura
dos meus olhares, então é que eu via as almas, escolhi-as, ia ao seu encontro, atraía-as, prendia-as com
as doces prisões que tinha em meu coração. E desde então vou-as enleando cada vez mais. Sofro por
possuir tudo isto no meio da minha miséria.

— Meu Deus, guardar esta riqueza, que me não pertence, no meio da minha podridão! O que eu sou, o
que eu sou! Jesus, que horror!

De longe a longe, sinto os abalos na minha alma e junto com eles um desassossego, com que um
desespero, mas que não é meu. Abro os meus braços, estendo-os na cruz, ofereço a Jesus o meu coração
e deixo-me imolar, deixo-me sacrificar. Tenho sede do amor de Jesus e não O amo. Tenho sede das
almas e não as salvo. Renovo a minha oferta de vítima e aceito o que Jesus quiser.

24 de Maio de 1945

Estes dois dias, tive tanto que oferecer a Jesus e à Mãezinha! sofri tanto no corpo e na alma!

— Ó dor, ó bendita dor, só tu és a minha alegria na terra, só de ti recebo alguma coisa para Jesus e para
as almas.
As nuvens cerraram-se para eu não mais ver o azul do céu; escondeu-se para mim o brilho e cintilar das
estrelas. Mares e mundos de trevas separaram-me para sempre do meu Jesus. Estou como se fosse
ceguinha do corpo e da alma; estou mergulhada em mares de escuridão, sem saber nadar. Mergulhada
sempre, levanto os meus braços para firmar-me em alguém, e esse alguém é a querida Mãezinha. Quero
ir tão longe nestas trevas, quero descer tanto a perder-me nelas como Jesus quiser. Mas quero
convencer-me que vou agarradinha a tão terna Mãe e envolta em Seu santíssimo manto, para não temer,
não vacilar, não desesperar. Sozinha morro de susto e ofendo o meu Jesus. Sinto sobre os meus ombros
uma enorme cruz; obriga-me o seu peso a perder a vida no meio dos maiores horrores. Ela abrange o
mundo, pesa uma humanidade. Não esperou Jesus pelo dia de amanhã para me fazer sentir. Com a
diferença: hoje não estou cravada nela. E a minha alma chora em silêncio, esconde os seus gemidos, vê
as trevas negras da morte, vê como já todos se preparam para me prenderem e a todo custo tirarem-me a
vida.

— Ó horto, ó calvário, ó morte, ó horror, ó pavor! Que rochedo mundial me escondeu o céu! Ai, quanto
sofre o meu pobre corpo e a alma! Ai, quanto sofreu Jesus! Ai, a ingratidão do mundo!

Jesus por vezes faz-se sentir na minha alma. Não sinto alegria, mas desperto, levanto-me do abismo de
tão dolorosa dor, e faz-me renascer os desejos de me dar toda a Ele e às almas. Quando me fala, poucas
palavras diz, chama por mim:

— Minha filha, sabes quem está no teu coração? É o teu Jesus, a loucura do teu amor, o teu preferido em
todas as coisas. Minha filha, venho despertar-te da tua dor como se fosse dum sono. Levanta-te, vem
para mim. Filhinha, filhinha, estou aqui. Coragem, coragem! Vivo no ninho do teu amor.

Os meus olhos orvalharam um orvalho delicioso, um orvalho que fecunda e enriquece o mundo. O
coração chove para o mesmo mundo uma chuva de salvação e purificação. É chuva doirada, é chuva de
amor.

— Oh! como é doce, belo e rico tudo isto que sinto em mim! Ah! se fosse meu para eu dar a Jesus o que
só d’Ele pode ser! Se o mundo visse, se o sentisse, como se alegraria! Oh! quem me dera que todas as
almas o experimentassem! Jesus seria mais amado.

É já noite. Sinto tantas ânsias de me dar ao mundo! Estou no meio dele com o coração aberto. É um
convite de amor, é um convite de Pai. Tenho sede que ele entre, que neste coração habite sempre. A dor
sujeita-me, o amor obriga-me. É o amor que me sujeita e obriga à morte.

— E para que quero eu a vida, se não sofro, se não amo Jesus e as Suas almas? Ó fome, ó sede, só no céu
podes ser saciada. Ó ânsias de possuir as almas, só terminando este exílio pode o meu coração
descansar. O que fazer, meu Jesus, senão amar-Vos e ser vítima, sempre vítima? Quero o céu para mim,
quero-o para o mundo inteiro.

25 de Maio de 1945 – Sexta-feira

Durante a noite, não sei a hora, o meu corpo era destruído pela dor, e a alma estava nas maiores
angústias, na sepultura das minhas trevas. Não tinha ninguém por mim; tinha de lutar.

— Ó meu Deus, quem poderá resistir a tanta dor?

De repente, vi à minha frente, junto de mim, uma enorme cruz levantada. E ao pé dela, sentada, a
Mãezinha das Dores. Que bela, que bela Ela era! Fitei-A sem nada Lhe dizer, não podia falar. O seu
santíssimo Coração, cheio de setas, fez-me esquecer a minha dor. Não falei eu, mas falou Ela.

— Minha filha, tem coragem; esta cruz é tua. Eu estou sempre junta a ti, para te auxiliar, como junto
estive à cruz do me3u Jesus.
Dito isto, desapareceu rapidamente a linda visão. Tão grande madeiro não me atemorizou com a vista da
Mãezinha. Serenou a tempestade do meu sofrimento, e adormeci por um pouco. Ao despertar, logo me
aterrou o pensamento de ser sexta-feira. O coração abafado e oprimido pela dor cobriu-se de luto.

— Aceito, ó meu Deus, a minha cruz.

Nem a visita de Jesus Sacramentado me aliviou. Caminhei sobrecarregada com o seu peso esmagador. E
como caminhei eu? Como se fosse um vermezinho da terra escondido sob ela. O meu corpo não era
corpo, era uma massa disforme, toda em sangue; olhos, cabeça, todo o ser. No decorrer das horas, pude
juntar aos sofrimentos do calvário grandes sofrimentos que martirizaram a minha alma; não convém
dizê-los. Jesus e a Mãezinha tudo sabem. Que calvário tão penoso! E o abandono aterrador! O meu
coração bradava ao céu, os meus olhos fitavam Jesus, e os meus lábios segredavam-Lhe:

— Bendita seja a minha cruz, seja tudo pelo Vosso divino amor e pelas almas. Estou pronta, sempre
pronta para ser a Vossa vítima.

Veio Jesus confortar-me, veio ao encontro do meu martírio, veio com toda a fortaleza do Seu divino
amor. O coração palpitava fortemente, o peito parecia levantar-se, era pequeno para conter um coração
que dentro dele continha a grandeza e amor sem igual. Jesus demorou-se a falar-me, mas só o Seu amor
bastava-me. Senti mais vida, mas Ele não ficou sempre silencioso. Não digo aqui tudo o que Jesus me
disse; oculto-o, devo ocultar. Ficará para quem tem o direito de eu nada lhe ocultar. Ao que Jesus me
disse respondi:

— Faço isso, meu Jesus, mas é enormíssimo o meu sacrifício; bem vedes que é. Aceitai-o já, faço-o por
Vosso amor. Por este tão grande sofrimento, fazei-me o que Vos peço.

— Tem coragem, minha filha, confia em mim que não te engano. Habito contente em teu coração, em teu
coração que é como que uma caldeira de azeite na qual são fritos os mártires. A caldeira do teu coração é
caldeira de amor, é caldeira que purifica e faz de muitos corações mártires de amor, de amor de que o
meu Divino Coração tem sede. Ditosa és, pomba querida, ditosa e poderosa serás sempre. Em tuas veias
corre o sangue do teu esposo Jesus e o sangue virginal da tua e minha Bendita Mãe. Tudo recebeste dela,
quando uniu os seus santíssimos lábios aos teus. Arde, filhinha, no meu divino amor, purifica, virgem
fiel, purifica o mundo. Quero amor, quero graça, quero pureza. É por ti, mensageira de Jesus, que todas
as almas receberão riqueza e tesouros divinos.

— Tenho o coração cansado, Jesus.

— Cansado de amor, filhinha.

— Cansado de possuir o Vosso amor, da grandeza dele, mas não de Vos amar, porque não Vos amo nada.
Bem sabeis que de mim só tenho miséria. É ela que vejo em mim.

— Amas, amas, minha filha, amas o meu divino coração a mais não poderes amar. Estás cansada de
amor, e o amor também consome. Assim tem de ser para a alta missão que te destinei. Alta, alta,
sublime, a maior das missões.

— Obrigada, obrigada, meu Jesus. Dai a todos os corações, dai a todas as almas este Vosso amor.

— Dá-o todo tu, filhinha, autorizo-te. És senhora do meu divino coração. És senhora do meu amor. Dá-o,
distribui-o como quiseres. Digo-te como quiseres, porque os teus desejos são os meus.

— Jesus, queima-me tanto o coração.

— Alegra-te, amada minha. Queima-te o meu divino amor. És pérola de virtudes, cofre de amor. És
pérola de pureza, jóia das riquezas divinas. Sou teu, todo teu, possuo-te a ti inteiramente.
— Obrigada, obrigada, meu Jesus.

Deixou-me o meu Jesus, e logo voltei à minha cruz. Nem sei como sorria; só com a força do céu. os meus
olhares fitavam-se em Jesus, e o meu coração, cansado de sofrer e de conter o Seu amor divino, não
cessava os seus afectos. Com o pensamento renovava o oferecimento de aceitação à minha cruz. Dava ao
meu Jesus o sacrifício que tão custoso me era; entregava-Lhe tudo para os Seus fins divinos. Estava
rodeada de pessoas das que me são mais queridas. Mas, ó meu Deus, em nada senti alívio. Do mundo
não posso receber consolação. As minhas trevas esconderam todos os encantos, alegrias e alívios. Jesus
o quer. Vivo nas dores, vivo nas trevas.

29 de Maio de 1945

Quatro dias de luta, sem conforto da terra nem do céu.

— Ó meu Deus, o que é a vida da cruz, a vida do sofrimento! Meu Deus, não é conhecido, não é
compreendido.

Lutei com agonias da alma, com dúvidas e sofrimentos de toda a espécie. Lutei com tantos mundos de
trevas sobre mim e com a vista de tantos outros mundos das mesmas trevas que tenho para atravessar.
Mas sempre com a alma em paz e sempre a sorrir para Jesus e para tudo o que as Suas divinas mãos se
dignavam dar-me. Quando me parecia vacilar e cair no desânimo ou no sofrimento, logo levantava o
meu brado ao céu, os meus lábios não cessavam de chamar por Jesus e pela Mãezinha para virem em
meu auxílio. Mostrava a Jesus quanto temia a minha miséria e fraqueza, invocava a protecção dos
santos, mas, ó meu Deus, tudo me parecia inútil, tudo estava perdido. Nem o céu nem a terra tinham
para mim vida, já tudo jazia num sepulcro para sempre, para nunca mais viverem para mim.

— Jesus, poderei viver, resistirei? Só conVosco. Valei-me, ó dores da Mãezinha, ó chagas do meu Jesus.

Num destes transes, era dia da Santíssima Trindade. Contemplei Jesus na cruz para conforto da minha.
Vi que em nada se podiam comparar. Eu nada sofria à vista de Jesus. Senti tal compaixão por Ele, e foi
tal o meu desejo de O consolar, de curar o Seu divino corpo, tão ferido e chagado, que fiquei fora de
mim; não sei que amor me arrebatou para Ele. O mesmo se deu ao ver o meu quarto transformado num
paraíso de flores. Eram tantas, tantas e tão lindas! O que será o céu para sempre! Porém, nada disto era
para mim motivo de alegria: eram apenas sacudidelas que Jesus dava à minha alma. Levantava-me com
o peso da cruz, mas logo me sobrecarregava a dor de nada fazer pelo meu Jesus. Renovo também os
sofrimentos de há dois anos: a preparação da minha ida para a Foz, as consultas dos médicos, as
despedidas dos meus, o que iria lá passar, o que pedi a Jesus e à Mãezinha, para serem a minha força, e a
confiança que depositei em Seus Santíssimos Corações. E mais, muito mais. Que dor, que martírio, que
triste recordação! Que conjunto de sofrimentos! Só o céu os conhece. Hoje mesmo, por vezes parece-me
quase impossível resistir a tanta dor. Teimei, confiei, voltei-me para Jesus, pedi-Lhe:

— Não me deixeis sozinha, dai-me luz, dai-me quem guie e conforte a minha alma.

Jesus ouviu-me: mandou-me o meu médico que junto de mim tem ocupado e desempenhado o papel
dum prudente, santo e sábio director. Jesus o cubra de glória. Ele seja bendito. Não me roubaram tudo.
Desabafei com ele e dele ouvi palavras animadoras e cheias de confiança em Nosso Senhor. Senti alívio,
foi suavizado o peso de tão grande cruz. Agradeci a Jesus e à Mãezinha por aquele alívio imerecido,
tomei-o como vindo do céu. Que engano o meu! Ainda tenho na terra quem me ajude a levar a cruz.
Passaram-se umas horas, voltou o peso esmagador de todos os sofrimentos. Nova luta por amor de Jesus
e às almas.

— Que fazer, Senhor, senão sorrir e bendizer a cruz que me dais?

Era noite, e eu sem luz no corpo e na alma. Gemia, mas em paz. Sofria, com amor ao sofrimento.
Entregue às ondas, pronta a dar a vida, deixei-me levar, só me restava a minha confiança em Deus. Veio
o meu Jesus, veio com amor.

— Minha filha, confia, confia. No palácio do teu coração está o teu Jesus, o teu rei; vence sempre em ti e
sempre em ti triunfa. És escola de toda a humanidade: escola de dor, escola de amor. Aprendam todos a
sofrer e a amar. Como podias ser tu rainha da dor e do amor, se no teu martírio houvesse um deslize,
tivesses falta? Confia. Sofres e amas à vontade do meu divino coração. Repara-me sempre, ó mártir
querida, mártir da humanidade.

As palavras de Jesus dão vida, mas a dor, a tremenda dor abafa-me, esconde-as tão depressa.

— Cruz, cruz, minha amada. Bendito seja sempre Aquele que te enviou para mim.

Não sei o que sinto no meu corpo. Sinto tanta ansiedade de dar o meu sangue! Parece-me que todas as
minhas veias são rasgadas e espremidas: com mais violência as do peito e sobretudo as do lado do
coração.

31 de Maio de 1945

Termina o mês da Mãezinha. Que saudade eu tenho de ele findar! Será de verdade o meu último Maio na
terra? Que pena eu tenho de não A ter amado muito assim como a Jesus! Tudo foge, tudo passa, tudo se
esconde, só a minha miséria aparece para a ver claramente nos mundos das minhas trevas. Abro os
meus braços ao céu, quero abraçar o meu martírio e, junto a ele, Jesus e a Mãezinha. Tenho sede, e nada
há que me satisfaça, nem ao menos o sofrimento. Temo-o, mas quero-o para dar a vida às almas, para
consolação do meu Jesus. Ou sofrer ou o céu. Que valor pode ter a vida, se não sofro, se não amo? Não
posso ver o mundo na sua carreira doida e cega para a perdição. E vejo-o no meio do incêndio. Quero
apagá-lo com o fogo que tenho no coração e com as ternuras que nele se encerram, mas que é preferido o
fogo das paixões, as ternuras das maldades a este fogo e a esta ternura que não é minha, mas que é
ternura que salva e fogo que purifica. Os meus lábios chamam essas almas perdidas nesse fogo aterrador
com um chamamento cheio de doçura. Os meus braços querem conduzi-las ao coração e estreitá-las a
ele, cobrindo-as e enchendo-as de tudo o que é mais santo, do amor mais puro, de toda a riqueza do céu.
Possuo em mim o que não é meu; sinto, conheço que é do céu. Estou cansada, quero unir o mundo a este
fogo, a esta vida do céu, e não posso. Sinto as cadeias do amor de Jesus a prendê-lo e sinto as do
demónio a arrastá-lo para a perdição eterna. O mundo não escuta a voz de Jesus, não repara nos Seus
olhares, não aceita as Suas ternuras e meiguices, não se deixa prender por Ele. Que martírio que tanto
esgota o meu coração! Não sei o que pressinto, não sei o que me espera. Vêm com severidade junto da
minha alma, dão-me fortes abalos, fazem-me estremecer o meu corpo. Mas permaneço firme, nada há
que me deite a terra. Nada há que me arranque da minha cruz e dos braços de Jesus. Se uma vez ou
outra me parece perder-me, Ele vem auxiliar-me. Veio hoje, era já noite, dissipou por um pouco as
minas trevas, desviou para longe as minhas dores.

— Minha filha, sou o jardineiro, venho ao meu jardim, ao jardim mais belo, que há de mais rico; venho
buscar flores para a minha eucaristia, para adorno dos meus sacrários. Venho buscar o seu néctar para
as minhas feridas, para a chaga do meu divino coração. Venho buscar reparação para tantos crimes.
Quanto maior festa e alegria no céu maior tormento e dor para ti. Sofre, filhinha, sempre alegre, eu sofro
contigo. Salva-me as almas. Vem ao teu céu. Que grande amor, que grande glória! Coragem sempre,
coragem até ao fim. Sou o teu Jesus.

Fiquei mais confortada, pude melhor resistir à agonia do horto, ao cálice da amargura. Na solidão temi a
noite, temi tudo. Tive de subir uma grande encosta. Subi tão cansada e senti em meu corpo tantos
pontapés. Recebi depois a enorme bofetada. Em nada se assemelha a dor do rosto à dor do coração.
Ficou tão ferido Jesus que, se não fosse um milagre, perdia a vida. Que amor o d’Ele ao recebê-la!

— Ai, meu Deus, se eu pudesse mostrar a dor que Vos causaram e a doçura do Vosso amor, a bondade
com que Vos deixastes ferir, a Vossa compaixão sobre quem Vos feriu! Ó amor, ó amor sem igual!
1º de Junho de 1945 – Sexta-feira

As minhas ânsias têm voos que me fazem voar para a morte. Anseio por dar a vida. Ficam as ruas seladas
com o meu sangue, caminho no maior silêncio. Tenho sede de dar a vida para possuir as vidas. Vejo o
sepulcro que há-de possuir o meu corpo; é sepulcro que tira do sepulcro almas, muitas almas,
apodrentadas, quase já mortas. Subo a grande montanha do calvário, caio por tantas vezes e quantas fico
como se o meu corpo já fosse um cadáver, um cadáver desconhecido. O sangue, que lhe corre pelo rosto,
não o deixa ver. O corpo é pior ainda do que o de um leproso desfeito. O coração vai sequioso, há-de
vencer pelas almas, há-de morrer por elas. No calvário, pregada na cruz, o solo estremecia tanto que
fazia estremecer a minha cruz e as que estavam a meu lado. As ternuras do coração espalhavam-se para
os que nelas estavam crucificados. Para a direita eram aceites, para a esquerda recusadas. Sentia a
revolta do que as recusava e o amor do que as recebia. Sentia e via com a alma a Mãezinha ao pé da cruz
a tentar abrir os Seus santíssimos braços para tomar Jesus, que estava crucificado em mim. Ela queria
fazer em vida o que ia fazer depois de Ele morto. Queria abraçá-Lo e derramar sobre Ele as Suas
lágrimas. É inexplicável a dor de tudo isto: o que sofriam os dois corações, o de Jesus e o da Mãezinha.
Que dor também no meu pobre coração! Ele parecia um corpo que pela doença não encontra posição;
voltava-se para um lado, voltava-se para outro, levantava-se e desfalecia. Bradava ao céu repetidas vezes.
Veio o meu Jesus.

— Minha filha, estrela fulgurante, o teu brilho ilumina as almas. És a luz que as guia ao meu divino
coração. Vem cá, vem à vida para dares vidas; vem a mim para te dares às almas. A vida que lhes dás de
mim a recebes. Eu sou a vida do teu corpo e da tua alma, e tu és a vida delas. Por ti recebem a graça, por
ti são salvas.

Fiquei unida a Jesus, rosto com rosto, coração com coração. Dos lábios de Jesus recebia ósculos cheios
de doçura e amor. E do Seu Coração Divino recebia sangue. O meu coração dilatou-se, e o sangue de
Jesus parecia já não caber dentro de mim, enchia-me o peito. Jesus só desuniu o Seu Coração do meu ao
terminar o colóquio. E dizia-me:

— Recebe, minha filhinha, o sangue que gera as virgens, dá pureza, graça e amor. É a vida divina que
dou às minhas esposas mais amadas. Oh! quão grandes são as maravilhas que opero em ti! Que riqueza
para as almas! Que tesouro escondido! Que milagre oculto! E tentam destruir o terreno que eu preparei.
Encobrem tudo com o erro e a mentira, tentam encobrir as flores mais belas do meu jardim, do jardim
que não há igual. São flores, são pétalas e perfume para o mundo inteiro. A hora chegará, o triunfo não
vem longe. Dá-te às almas, dá-me as almas; foi para as salvares que te confiei o mundo. E ele não
corresponde. E as minhas maravilhas ocultas, quando era tão urgente não estarem. Que meios de
salvação! E o mundo em tanto perigo!

— Jesus, então está o mundo em risco de se perder?

— Sim, minha filha. A justiça divina não pode resistir mais. Ele não se converte. Eu não sou amado. São
tão poucas as almas que me amam! São tão poucas as que praticam, como devem, a piedade! São tão
poucas as que sofrem bem, conhecem o valor da sua cruz e a amam! E é tão grande o número dos que
me ofendem! Há tanta maldade! Está a desaparecer do mundo a castidade. Ó impureza que tanto me
ofendes. Repara, sofre, filhinha amada, e vê quanto sofre o meu divino coração. Sofre contente, sofre
comigo.

— Sofrer, sim, meu Jesus, mas conVosco não. Quero sofrer eu, mas não Vós. Quero a Vossa força para
resistir, mas não quero a Vossa dor.

— Diz, diz, minha pomba bela, porta-voz de Jesus para o Santo Padre. Que todo o mundo escute a voz do
seu pastor, que é a voz de Jesus. Peço amor, peço pureza, peço emenda de vida. Que a voz do Santo
Padre seja para o mundo segundo aviso de Noé. Se não quiserem ouvir a voz do seu pastor, se não
atenderem ao chamamento do céu, hão-de ouvir o eco da destruição e obedecer à sentença de
condenação eterna. Que o Santo Padre fale às nações, a todos os governantes: podem eles pôr termo a
tanta desmoralização, a tantos males que fazem perder a humanidade. Continua a tua missão, filhinha
amada. Pede-me sempre, espera-te a recompensa. És poderosa na terra e no céu. O orvalho da tua
missão cairá sempre sobre as almas, quando já estiveres na tua Pátria.

Recebi de Jesus por despedida uma forte efusão do Seu divino amor. Decorreram algumas horas, e Ele
sempre a queimar-me o coração. Disse a Jesus:

— Que mais posso fazer por Vós e pelo mundo?

— A tua heroicidade sempre e sempre o teu amor ao meu divino coração, à tua cruz e às almas. Coragem,
coragem sempre.

Pouco depois, já as dúvidas me atormentavam, e a lutar com elas dizia:

— Meu Jesus, tudo o que faço é com os olhos em Vós, só tem dois fins: o amor, a salvação. Amor a Vós,
salvação das almas.

E Jesus ainda me segredou:

— Não duvides, minha filha, a tua vida não é de enganos, a tua vida é do céu, é divina.

Vieram os espinhos, vários espinhos feriram o meu coração; aceitei-os com os olhos fixos em Jesus. É
mais uma prova de amor, um meio de salvação.

2 de Junho de 1945 – Primeiro sábado

Quanto pior melhor, passei mal a noite. O sofrimento consumiu o meu corpo, mas para mim era motivo
de contentamento. Quanta mais dor mais união com Jesus. Mas oh! que temor eu tinha de me
aproximar d’Ele! Que medo desta união, de viver na Sua divina presença. A minha alma sofria,
agonizava. Eu redobrava de esforços para me unir a Ele. Veio a hora de me preparar para O receber.
Preparei-me sempre tímida, mas com ânsias vivas de O consolar e não me separar d’Ele. O temor
acompanhou-me até ao momento de comungar. Comunguei, mudou o cenário; o temor desapareceu.
Sentia em mim a Sua divina presença e o Seu amor. Falou-me:

— Minha filha, pomba, pomba, pomba branca, fiel e pura. Vem a mim, aproxima-te, não temas, não tens
por que temor, o teu temor não é teu. Oferece-mo, é reparação que te peço. Escolhi-te para vítima, és a
maior vítima da dor, do sacrifício e do amor. Oferece-me o teu temor pelas almas que se aproximam de
mim para me receberem em estado miserável, horroroso, e nada temem. Recebem-me em suas línguas
malditas, línguas de fogo. Filha querida, esposa amada, deixa-me ter contigo este desabafo. Oferece-me
ainda o teu temor pelos sacerdotes. Olha o meu divino coração por eles tão ferido. Tomam-me em suas
mãos impuras, recebem-me em seus corações podres e sem nada temerem. Cegaram-nos os vícios,
calejaram-nos as paixões. Não mostro logo o poder da minha justiça divina para não os punir
eternamente. Entro em todas essas almas para logo sair esforçado por Satanás, que é rei e senhor dos
seus corações. Antes queria ser dado aos cães ou às feras, por quantas eu seria mais agradecido e
louvado. Já vês, amada minha, não é teu esse temor. Já vês, lírio dos prados, açucena pura, que não são
tuas as horrorosas misérias de que te vês sobrecarregada. És a nova redentora, fui eu que te escolhi e eu
redentor também por elas fui sobrecarregado, por tudo respondi ao meu Eterno Pai. Agora tens de
responder tu, a ti te confiei a humanidade; espalha sobre ela o aroma angélico das tuas virtudes. Tenho
sede de amor, quero habitar em teu coração, aqui sou amado, não sou ferido. Oh! como estou bem!

— Estais, meu Jesus, à sombra do que é Vosso. Sois amado com o amor que Vos pertence. De mim nada
tenho, de tudo me sinto despida.

— És grande por seres pequenina; serás exaltada por seres humilhada. O teu poder sobre as almas, a tua
missão sublime continuará no céu sempre, sempre. Diz-me, minha filha, quando me dás a lista das
almas que não queres que vão ao Purgatório?
— Não quero fazê-lo, Jesus, sem me consultar. Esperai mais um pouco, se não ficais triste, meu Amor.
Escrevo-os desde já no meu coração para Vós lerdes, meu Jesus, até que doutra forma o possa fazer.
Concordais assim sem Vos desgostardes?

— A tua humildade e obediência são para mim motivo da maior consolação e amor. Alegro-me com isso,
mas não te dispenso, quero que a faças, e por tua mão, e relembres também aquelas que já te prometi
levar para o céu sem Purgatório. Coloca-a depois junto da imagem do meu divino coração para lá estar
sempre até que todas essas almas partam para a sua Pátria. Faço isto para provar-te o meu amor, todo o
amor e loucura por ti.

— Obrigada, meu Jesus, no tempo e na eternidade.

— Diz, minha filha, ao teu paizinho o que vou dizer-te.

— Como, meu Jesus? Dizeis-me tanta coisa para ele, eu não posso falar-lhe, não me deixam.

Jesus sorriu com o Seu doce sorriso.

— Sossega, sossega, minha filha, lá chegará. Faço isto para lhe mandar sempre o meu amor para ele dar
às almas e para provar-lhe que ele está na verdade e que foi vítima escolhida por mim para o unir a ti.
Quero-o purificado. Quero dois espelhos cristalinos para enfrentarem um com o outro.

Jesus abriu o Seu Divino Coração e continuou:

— Diz ao teu médico que todo o céu se alegra ao ver a sua atitude e defesa pela minha divina causa. Abro
o meu divino coração para derramar o meu divino amor e a abundância das minhas graças sobre ele e
todos os seus. Derramo-as sobre o seu coração de esposo, de pai e filho também. São para ele e para os
que lhe são caros. Recebem-nas por ti. Diz-lhe que é unido a mim que operaremos milagres para
conservar-te a vida até que se dissipem as nuvens para aparecer o sol, e brilharem as minhas graças e
maravilhas. Vem, minha Mãe, confortar a nossa filhinha. Dá-lhe a tua graça, pureza e amor.

Veio a Mãezinha, tomou-me em Seus braços, estreitou-me com Jesus. Beijou-me, acariciou-me
docemente.

— Minha filha – disse-me Ela – ama sempre o teu Jesus. Sofre tudo com alegria para O consolares. Vê-
Lo amado sou amada também. Vê-Lo consolado é ser consolada eu também. O amor que dás a Jesus dás
a mim.

— Vai, minha filha – disse Jesus – vai dar ao mundo tudo o que de Nós recebes. Dá primeiro aos que te
são queridos como prova do teu coração agradecido. Dá, pomba bela, são riquezas do céu.

Jesus e a Mãezinha deixaram-me com mais força para sofrer. Confio que com Ele tudo vencerei, e que o
mundo e o demónio nada poderão contra mim.

5 de Junho de 1945

Parece que a minha eternidade principiou já aqui neste mundo; nunca mais acaba, não chega o meu céu.
Sofrer por amor é doce, mas custa tanto! Querer Jesus, amá-Lo sempre, viver só para Ele e sentir que
nada amo e nada faço para O consolar. Passam os dias e com eles as horas e com elas passo eu também,
sem adiantar um passo no caminho da virtude. Passa tudo e tudo parece estar sempre no mesmo lugar.
Passam os dias, os dias que são sempre noites, e eu sempre nas trevas, sempre abismada nelas, sempre
trevas para atravessar, sempre mundos delas para percorrer. É um painel de trevas sempre diante dos
meus olhos; um painel que me mostra o presente e o futuro. O que me espera são os horrores das trevas.
A minha alma tem de ser entregue a Jesus, mergulhada nelas. O abandono em que me encontro é
tormento de morte. Eu queria dar a vida a todos os momentos, sinto-me obrigada a expirar e a perder
tudo para a todos salvar. Ai o mundo que me foge! Que agonia causa esta fugida ao meu pobre coração!
Quero dar-me a ele com o coração aberto, para lhe mostrar quanto o amo e quanto o quero, e ele não me
quer, rejeita-me. O meu sangue é calcado por ele, e nada mais posso fazer para que ele seja salvo.
Parece-me não ter compaixão nenhuma pelo meu Jesus. Ao vê-Lo crucificado, sinto que toda a
compaixão foi perdida, que não tenho dó dos Seus sofrimentos. O meu coração está tão empedernido
que não se comove ao ver o sangue que por mim foi derramado, não tenho pena do Seu martírio. Não
tenho e tenho ao mesmo tempo. Uma força mais irresistível do que a minha, que não quer sofrer, não
quer amar, não quer fitar nem escutar Jesus; foge para o gozo, para o mundo das paixões e nada quer do
céu. Tremendo horror! E a ternura dos meus olhares fita tudo isto, vai acompanhando todos os passos
errados. E à ternura do olhar junta-se o amor e a loucura do coração, e a dor fá-lo agonizar. Armo-lhes
laços com estas prisões tão doces, mas não caem, amarram-se a Satanás, e tudo foge. Que pena a minha!

— Ó Jesus, ó Jesus, quanto sofreis Vós!

Em toda esta luta bendigo Jesus e a Mãezinha, bendigo a cruz que quero beijar e abraçar sempre.
Agradeço todo o abandono que sinto ser o céu que mo dá. Sinto um aborrecimento por uma pessoa que
devia ser o meu apoio, o único apoio que me deixaram na terra. Não tenho razões de queixa, antes pelo
contrário. Vejo que é Jesus que assim o quer. Mas, oh! quão doloroso é isto para a minha alma! Hoje
estava sozinha no meu quarto, neste mar de cegueira, de dores e abandono. Olhava para um e outro lado
e em tudo via dor, de tudo me surgia dor. Lutava sozinha e quase perdida. De repente Jesus fez-se sentir
no meu coração e falou-me assim:

— Tenho frio, tenho sede, tenho fome. Minha Alexandrina, minha pomba, loucura do meu coração, dá-
me agasalho, sacia a minha sede e a minha fome.

— Como, meu Jesus? Como Vos hei-de agasalhar no meio da minha miséria? Como hei-de saciar a sede
e a fome ao meu Jesus, ao meu Rei e Senhor, eu que nada tenho?

Jesus sorriu a bom sorrir e disse-me:

— Dá-me, minha filha, agasalho dentro do teu coração, sacia-me a sede que tenho de amor por aqueles
que me não amam, mata-me a fome das almas.

— Ó meu Jesus, não sei o que hei-de fazer. O meu coração já sabeis que é Vosso, inteiramente Vosso,
entrai nele e não Vos retireis mais. Como Vos hei-de amar, se eu não tenho amor? Como Vos hei-de dar
as almas, se não as posso prender? Tudo o que tenho é Vosso, a Vós pertence. Custa-me tanto ouvir-Vos
pedir-me e não ter nada para Vos dar!

Jesus sorriu novamente e disse:

— Este modo de eu pedir é para ver as tuas ânsias, é para consolar no teu amor o meu coração tão ferido.
Ama-me, ama-me então mesmo com o meu amor. Sofre tudo para me dares as almas. A dor é a mais
forte cadeia para as prender. Tem coragem! Bem sei que te possuo inteiramente. O martírio em que te
encontras é o maior meio de salvação. Dá-te, dá-te toda às almas. Eu dou-me a elas contigo e por ti. Sou
todo teu, tens-me ao teu dispor como a criancinha pequenina ainda, sem vontade nem capricho, que só
se satisfaz com o amor e carinhos de sua mãe. Eu estou satisfeito com o teu carinho e amor. Dá-me, dá-
me a conhecer às almas, mostra-lhes o amor do meu coração.

Jesus foi medicina para a minha alma. Com mais coragem pude resistir e sorrir à minha cruz. Com o
meu coração agradecido por tão grande prova de amor, pude esquecer por algum tempo o muito que
sofria.

7 de Junho de 1945

— Onde poderei encontrar bálsamo para as minhas dores? Ó meu Deus, na terra parece-me que já não
posso encontrá-lo. Tudo é para mim causa de maior sofrimento.
Só em Jesus, só de Jesus poderei receber algum alívio. E esse bem depressa passa, é como aragem que
corre, deixando só no próprio momento o seu frescume suavizador. Na minha comunhão de ontem e de
hoje senti-me mais unida com o meu Jesus. Ele passava do Seu Divino Coração para o meu cadeias
puras, cadeias finas, cadeias de amor. Desde então tenho no meu coração novo coração, e neste coração
está alguém a atirar estas cadeias, a formar laçadas ao mundo das almas. Faz-me lembrar o marinheiro
dentro da sua barquinha a atirar as redes ao mar para apanhar a pesca. Eu sinto dentro de mim o
marinheiro das almas a fazer o mesmo canseirosamente. Sinto um mundo de amor sobre o meu coração.
Este amor, este mundo, é o mundo do Coração de Jesus. É um mundo e é para o mundo. Que ânsias tão
grandes a querer possuí-lo! Que ternuras, doçuras e amor! Outro coração de lágrimas se colocou dentro
do meu. Estas lágrimas são choradas sobre a humanidade inteira, cobrem-na. São lágrimas de agonia
por este coração cheio de riquezas desprezado. Está este coração de chaga profunda tão aberta para
receber a todos. Faz lembrar a avezinha de asas abertas para cobrir seus filhinhos. Sinto as veias do meu
corpo todas unidas, todas abertas a darem ao mesmo tempo as últimas gotas de sangue. Como elas são
espremidas! As gotas escasseiam, elas já não têm mais que dar. E no meio disto sempre as ânsias de
possuir universos de sangue para todo derramar pelas almas. Tanto queria amar a Jesus e sofrer todas
as dores para O consolar. Quando sinto que nada faço, e tudo é um engano, quando o desalento me bate
à porta, para de todo me perder, eu digo:

— Jesus, lede no meu coração, parece-me que Vos engano, mas eu falo-Vos verdade. Lede tudo, já sabeis
que é verdade. Eu não trocava o amor de todas as criaturas do mundo inteiro pelo Vosso. Perder tudo da
terra, mas amar-Vos e possuir-Vos. Se me dissésseis que, para eu amar algumas criaturas a quem tanto
devo e estimo, deixava de Vos amar a Vós, ainda que fosse um momento só, não, meu Jesus, não
consentia nisso. Não queria amá-las nem delas receber amor. Quero amar-Vos sempre, sempre, sobre
todas as coisas, não cessar de Vos amar. Sinto-me sobrecarregada com o peso da humanidade. Tenho de
chorar sobre ela tantas lágrimas. Este peso arranca-me do corpo os vestidos, dá-me a cruz, o calvário e a
morte. A nada cedo; venha o que vier, tenho de dar a vida. Já à noite, entre os amigos que não posso
deixar, de entre eles vêm para mim olhares traiçoeiros e sentimentos de dor, de compaixão e amor. Dos
meus olhos saem olhares ternos que O querem atrair e convidá-Lo a vir a mim. Que ternura sem igual!
Esta bondade não é minha, mas de Jesus, que sinto ser vítima em mim mesma. O que é a Sua bondade!
O que é a traição do mundo! Que distância do céu à terra!

8 de Junho de 1945 – Sexta-feira

Pensava hoje amar tanto, tanto, o meu Jesus! Pedi-Lhe no dia do Seu Divino Coração todo o Seu amor
até me perder nele. E não fui capaz de O amar e nada soube dizer-Lhe. Esperava até, ao recebê-Lo, ouvir
d’Ele umas palavrinhas, mas nada ouvi. Fiz a preparação friamente, recebi-O como a um estranho, não
sei falar-Lhe. Pedi-Lhe amor, mas, não sei como, não tinha nada de meu para receber e depositar esse
amor. Sofro por ditar os sentimentos da minha alma e sofro por não os saber ditar. Bendita seja a minha
cruz! Hoje sofro como nunca sofri. Logo após a comunhão, levantou-se em mim um mundo de tantas
maldades, de tantos crimes. Pareceu-me que me abriram o peito, subiram tão alto, chegaram ao céu,
feriram o Coração de Jesus. Estas maldades, que atingiram a maior altura, caem por todos os lados,
encobrem o mundo, tiram-lhe ávida. E, assim, tenho passado as horas com o peito aberto, o coração
ferido sem nada poder fazer. Jesus não pode mais. Sinto o poder da Sua misericórdia, sinto a força do
Seu divino amor a querer infundir-se e penetrar em tudo isto. Tudo é repelido, nada é aceite. O céu é
posto de parte e cai por último sobre tudo uma chuva das lágrimas de Jesus. Como eu sofri! Pareciam-
me todas as maldades minhas, que era a causadora de todo o sofrimento de Jesus, que era enganadora.
Senti que Jesus estendeu os Seus santíssimos braços para me receber e abraçar e ouvi que Ele me dizia:

— Não enganas, minha filha, não enganas, és vítima, são meios meus. Coragem!

Eu subia o meu calvário e sobre os meus ombros levava a cruz. Os meus olhos não queriam ver os
horrores das misérias que sentia; cerrei-os a tudo. Subi a encosta com todo o sofrimento, mas com todo
o amor para dar a vida. Sempre a sentir o peito e o coração abertos com a imensidade dos crimes, fui
crucificada; e não cessei mais o meu brado ao céu: Socorro! Socorro! Veio Jesus, fortificou-me, aqueceu-
me e disse:

— Venham os sábios e os que se dizem sábios ao livro das maiores maravilhas, de todas as maravilhas,
de todas as ciências divinas. Venham uns provar e outros aprender o que é a alma vítima, os prodígios da
graça e a acção de Jesus em sua alma. Coragem, minha filhinha! O que sentes em ti são meios de
salvação. Tu recebeste o meu divino amor com toda a abundância. O que hoje sentes em ti também eu o
senti no meu calvário. O que dentro de ti se levantou e o teu coração ferido são os crimes da
humanidade, de verdade não podem aumentar mais. É certo o meu Divino Coração não poder ser mais
ferido, não pode resistir a tanto. És vítima, a vítima mais semelhante a mim. Provem-no ao mundo os
sábios, estudem-no, aprendam-no os que o não são. Eu dou o meu divino amor, estendo a minha
compaixão sobre este mundo apodrecido, e tudo é recusado; choro sobre ele as minhas lágrimas. Faço-te
sofrer assim, porque és vítima dele e a ti o confiei. Diz tudo, escreve tudo, o Divino Espírito Santo não
desceu, habita sempre no cenáculo do teu corpo. Tudo o que disseres é Ele, e são as tuas inspirações.
Quando os teus lábios se moverem para falares, sou eu que os movo e falo em ti. Vem, minha pomba,
não me canso de te chamar minha pomba, meu lírio, minha açucena, e é-lo de verdade. Vem novamente
receber o sangue do meu Divino Coração. Por amor o dás, por amor o recebes. Não to dou até te
fortalecer, porque és vítima. Dou-to para sofreres, dou-to para teres que dar, dou-to para operar milagre
e conservar-te a vida.

Uniu Jesus o Seu Coração novamente ao meu, que depressa se dilatou. Senti-me logo outra. E Jesus
continuou a falar-me:

— Já corre novamente em tuas veias virginais o sangue virginal de Jesus. É a vida da tua vida, mostro
aqui o meu poder, provo a minha acção divina na tua alma, provo a minha loucura de amor pelas almas.
E, como prova do meu amor para contigo, do mundo que te confiei e da missão mais sublime que tens a
desempenhar, dou-te hoje, no dia do meu Divino Coração, o poder de dares às almas, que to pedirem
com sinceridade, o meu divino amor, e, se tu lhes disseres que lhes será dado todo na maior abundância,
elas o receberão. Nova maravilha, nova graça, nova prova de amor. Recebe também dos meus lábios a
minha doçura, a minha ternura, tudo o que é meu. És toda minha e para as almas, eu sou todo teu, dou-
me a ti por elas.

Enchi-me ainda mais com o que recebi dos lábios de Jesus. Senti tanto o Seu amor, a Sua união, perdi-
me n’Ele e n’Ele me pareceu adormecer por um pouco.

— Meu Jesus, que pequenina eu sou, que vergonha eu tenho ao ver-me assim favorecida de Vós.

— Envergonhas-te de receber as minhas grandezas, minha filha amada? Não posso eu descer à tua
pequenez, fazer-te grande com a minha grandeza? És toda minha, tenho o direito de fazer de ti o que
quiser. Transformado em ti, por ti sou dado às almas.

— Obrigada, meu Jesus. Contai comigo. Fazei que muitas almas queiram o Vosso divino amor, eu a
todas o quero dar.

Jesus desligou do meu o Seu Divino Coração, e pouco depois voltei à minha dor. Por amor d’Ele estou
lutando para O consolar e salvar as almas. Queria salvá-las todas.

10 de Junho de 1945

O demónio principiou de novo com as suas ameaças. Ontem à noite, quando rezávamos, ele veio
atormentar o meu espírito, abanar-me com a cama, até ser notado por alguém; e bailava de
contentamento. E eu já tinha sofrido tanto! Tive um dia tão cheio de espinhos! Oh! quanto se sofre! Oh!
agonias das almas que não sois compreendidas! E eu sozinha e só miséria. Jesus espreme e tira para Si
toda a substância. Em nada, mesmo em nada, tenho alegria. Que Ele se alegre e console nesta noite,
nestas trevas do meu espírito. Elas surgem cada vez mais; infundo-me nelas e momento a momento
mais tenho que atravessar. Hoje revivi, momento a momento, pormenor por pormenor, a minha ida
para a Foz. Dois anos são passados. Foi um painel que se apresentou à minha frente, passei hoje
novamente por tudo. Eu dizia para mim mesma:

— Por quem obedeci? Por quem sofri tudo isto? Só por Jesus e pelas almas.

A muito custo escondi as minhas lágrimas. Era tal a dor que eu senti que só com Jesus pude resistir a ela
e esconder as lágrimas. Sofri tão sozinha, ou aparentemente sozinha, sempre à espera que Jesus viesse
confortar-me com umas palavrinhas. Não veio, entreguei-me à cruz e confiei.

14 de Junho de 1945

A montanha mundial de misérias continua no meu coração; e ele chagado, está aberto com grande
ferida. A dor do coração não pode enfrentar a malícia. Os olhares da alma não podem ver tantos crimes.
As ânsias não podem ser mais, ânsias de me dar ao mundo, sofrer e morrer por ele. Amo-o com a maior
loucura, amo, mas não é o mundo, não são os seus encantos. Amo as almas que nele habitam, é por elas
a minha loucura. Que dor tão grande! Sinto Jesus como cordeiro inocente; sinto o mundo como fera
feroz a atirar-me a Ele para O ferir sem piedade! Que quadro tão triste, ver Jesus tão bom a enfrentar
tanta maldade e crueldade! Vou recordando sem querer a minha estada na Foz; sofro tudo lentamente.
Que Jesus tome todo este martírio para Ele, que se salvem as almas. Que dias de tão tormentoso
abandono! Para mim tudo é desprezo, da terra e do céu. Senti hoje tanto ao vivo na minha testa um
espinho! Causou-me dor quase mortal. Do mesmo lado que o senti pareceu-me por algum tempo perder
a vista. A dor apoderou-se de todo o meu rosto e foi bater ao coração que estava tão oprimido pelo peso
dos insultos, dos desprezos e com a vista de tudo o que o espera. Quero ir esconder-me, quero chorar
tantos males. Sinto necessidade de bradar ao Eterno Pai:

— Se é possível, afaste-se de mim esta amargura, mas só quero a tua vontade.

E assim vou renovando a Jesus a minha oferta de vítima. Assim abraço a cruz que de pé se me apresenta
à minha frente. Neste transe veio aumentar o meu sofrimento a visão do inferno. Tremendo, tremendo!
Horroroso, horroroso! Que escombros tão negros e feios! Tantos demónios uns sobre os outros e tantos
bichos assustadores! Mas não vi nele as almas, mas parece-me que não era o inferno completo. O que
seria de mim sem a força de Jesus!

15 de Junho de 1945 – Sexta-feira

Se em todos os dias não tenho podido falar sem um enorme sacrifício, hoje ainda mais. Jesus e a
Mãezinha me ajudem. Tenho de resumir, se não fosse a obediência nada dizia. Nesta manhã, senti-me
ajoelhada e presa à coluna. Uma chuva de açoites caiu sobre o meu corpo, e outra chuva de pedaços da
minha carne e gotas do meu sangue caíam à minha volta, deixando manchado de sangue o solo e os que
me rodeavam. Coroada de espinhos, segui depois para o calvário. Caí repetidas vezes desfalecida, e o
meu rosto e os meus lábios envolviam-me na terra, chegando a sentir que me abafava. Ia cega para a dor,
sofria tudo como se nada visse, mas tinha vista clara para o amor, era ele que me obrigava a caminhar e
a vencer. Cravada na cruz, continuei a sentir em mim o mundo das grandes maldades. E o coração
sempre aberto, a sangrar. E o meu brado ao Eterno Pai era contínuo, o abandono indizível. Jesus não se
apressou, mas veio, não falhou. Uniu-me a Ele, prendeu-me com fortes prisões. Veio como quem vem
fatigado de uma grande jornada; sentou-Se no meu coração e disse-me:

— Minha filha, estou cansado de tanto sofrer, deixa-me descansar em ti, no palácio do teu coração, quero
deliciar-me à sombra das tuas virtudes. Venho com sede, quero saciá-la na água cristalina da tua fonte. É
fonte de reparação, de pureza e de amor. É água que suaviza a minha dor, cicatriza a chaga do meu
Divino Coração e as feridas da minha cabeça, feitas por tantos espinhos. Olha como eu estou: foram os
pecadores que assim me feriram. Deixa-me consolar e descansar em ti.
Jesus mostrou-me então o Seu Sagrado Coração aberto e a sagrada cabeça coroada de espinhos. Que
pena eu tive de Jesus! Ele inclinou sobre o meu peito a sacrossanta cabeça, como se fosse dormir por um
pouco. Momento de grande conforto: Jesus a descansar em mim. Que união a nossa!

— Meu Jesus, que delícias podeis Vós encontrar neste pobre coração? Que conforto podeis tirar em tanta
miséria? Que sede podeis saciar em tanta secura e frieza? Que vergonha a minha! Procurai, Jesus, a ver
se encontrais, ponde em mim alguma coisa para poderdes receber. Vejo-me tão sobrecarregada de
misérias!

Jesus sorriu, mas sorriu tristemente e disse-me:

— Não são tuas, minha filha, são as maldades que me feriram. És vítima, mas vítima inocente. Eis por
que te faço sofrer assim, eis por que te deixo em tão grande abandono.

— Nunca me repreendeis das minhas faltas, e eu desgosto-Vos tanta vez, meu Jesus!

Novo sorriso, mas desta vez mais alegre veio aos lábios de Jesus.

— As tuas faltas, minha pomba bela, são precisas para eu esconder o brilho, o sol resplendoroso da
minha grandeza. São nuvenzinhas que escondem esses raios luzentes para poderes ser enfrentada pelas
criaturas. É preciso esconder um pouco o meu brilho resplendoroso. Pensas, se preciso fosse, que não
serias repreendida por mim severamente? Mas não é, sofres como eu quero. É para provar que tudo
sofres à minha divina vontade que fingi deixar-te sozinha em tão duro penar. É assim a alma que ama a
Jesus e às suas almas; é assim a esposa que ama o seu Esposo, que a Ele se entrega e só a Ele é fiel.
Recebo de ti, minha amada, tudo quanto posso receber duma criatura minha. E tu tudo recebes do teu
Jesus, do teu criador. Tudo quanto pode ser dado por um Deus a essa mesma criatura. Possuis todo o
meu amor, todas as minhas riquezas e poderes. Como eu te amo! Que riquezas te confiei!

— Ó meu Jesus, já que me falais assim, dizei-me. Vós quereis ser amado, quereis que eu dê o Vosso
divino amor às almas e dissestes-me que lhes seria dado quando mo pedissem. Isso é só enquanto
estiver na terra ou também depois no céu?

— Ó minha filha, ó esposa querida, é desde já na terra e em breve no céu. Quando te for pedido do
coração, com verdadeira disposição, logo o sentirão em si. O que fazes agora na terra continuas muito
depressa a fazê-lo no céu. Quando souberes que da terra tal graça te é pedida, as mesmas palavras
repetirás de lá. Ser-te-á dado com toda a abundância. Quando me pedires para as almas a graça da
conversão ou do meu divino amor, vencerás o meu coração. Tomarei o teu pedido, como se fosse uma
ordem dada. Vês como te faço rica? Vês a loucura do meu amor por ti? Coragem, muita coragem. Viste o
inferno que ontem à noite te mostrei? Era lugar para mil e algumas almas: sacerdotes, religiosas, almas
piedosas consagradas a mim. Era doloroso e aterrador aquele lugar, não era? Também por elas sou
ofendido gravemente. Ferem-me tanto! E muito mais ainda pelos conhecimentos que têm de mim. Dás-
me todos os sofrimentos que te pedir por elas?

— Tudo o que quiserdes, Jesus. Posso acudir-lhes? Posso salvá-las?

— Sim, filhinha, sofre alegre, ainda é tempo. Vou fazer-te sofrer muito, mas virei confortar-te. Consentes
que o demónio venha novamente com os seus ataques?

— E Vós, meu Jesus, prometeis-me que não me deixais enganar-me nem enganar ninguém?

— Confia, filhinha, nada receies. Nunca te enganaste, e nunca permitirei que te enganes e não consinto
que me ofendas. Não pode haver pecado na reparação. Olha, deixa-me, vai para o convívio dos teus.

— Meu Jesus, não posso, estou presa a Vós.


— Já vês, filhinha, que não te enganas. Estás presa pelo amor do teu Jesus, sou eu a tua loucura e prisão.
Vai escrever tudo, tudo saberás com a luz do Espírito Santo. Tudo poderás com a minha força. É remédio
para as almas, são fontes de salvação. Opero em ti a maior das maravilhas. Recebe a minha vida, vai dar
a minha vida. Recebe a minha paz, ó mensageira minha, e vai dar a paz às almas.

— Obrigada, meu Jesus. Recebei toda a minha dor como prova do meu amor. Aceitai o meu coração
cheio de agradecimento. Não me falteis nunca, nunca; espero em Vós.

Fiquei com tanta pena de Jesus! Estou sequiosa de sofrimentos para O consolar; não O posso ver tão
ferido. Quero suportar todos os sofrimentos para livrar as almas de tão terrível inferno. Dignai-Vos, meu
Jesus, desde já aceitar para isso o meu cansaço, a desconsolação da minha alma; não tenho outra coisa a
não ser dor. E se ao menos esta fosse minha! Perdoai-me, sou Vossa.

19 de Junho de 1945

Parece que não sei se estou no mundo, se vivo nele ainda. Ai, quanto custa lutar, quanto custa vencer!
Que estragos eu sinto na minha alma! Que dor no meu coração! Todo ele é sangue, todo ele são
espinhos, está aberto, foi ferido pelas maldades. Que mundo tremendo delas me sobrecarrega! Sofro,
porque Jesus sofre; sofro, porque Ele é ofendido. Quero unir o mundo a Jesus, quero prendê-lo a Ele e
não o consigo. Trabalho e nada colho para Ele; sofro e não O consolo. Sinto que toda a dor, nem todo o
amor da terra podem consolar o Coração santíssimo de Jesus. Eu quero tirar os espinhos do Seu Divino
Coração e da Sua sagrada cabeça; queria curar todas as feridas do Seu corpo divino e não vejo. Sinto que
Ele está todo chagado, que o sangue corre a jorros do Seu corpo santíssimo, mas as trevas que me
cobrem, e momento a momento me infundo cada vez mais nelas, nada me deixam ver. E o meu coração
anseia, anseia por ver Jesus, anseia por O amar e consolar.

— Mas, ó meu Deus, como poderei amar-Vos sem vida!

Tudo me fugiu, só a miséria ficou; tudo perdi, só o pecado apareceu; estou esmagada por ele. E o
demónio esmaga-me também com o peso da sua malícia. O que faria eu, se Jesus me faltasse? E o que
faria ele, se Jesus o deixasse? Inventou o maldito nova forma de atormentar a minha alma. Aparece-me
em forma de cão, aparece-me quando oro, passeando à minha frente. E por duas vezes foi mais além do
que isto; refinam as suas maldades. Foi a primeira vez durante a noite e depois de me convidar ao mal e
dizer-me que era mais fácil pecar por há muito não ter pecado; insultou-me maldosamente. Depois de
lutar e combater com ele, pôs-se à minha frente em forma de cão e cheio de nojo por mim. Dizia-me:

— Vê como estás, nem os cães querem pecar contigo, têm nojo. Como não o hei-de ter eu?

Parecia-me mesmo ser um cão o companheiro do meu pecado. E ele ao longe dava gargalhadas. Fiquei
indecisa sem saber o que fazia e quase sem saber se sim ou não vivia e sem poder chamar pelo meu
Jesus. Estava tímida: Ele veio de encontro ao meu temor.

— Já sabes, minha filha, que não pecas, estou contigo no meio do perigo. Tem coragem, é a reparação
que te peço. Se soubesses a prova de amor que dás ao meu Divino Coração e às almas? Coragem!
Coragem! Assim como os pecadores têm novas invenções de maldades e crimes, venho eu com novas
invenções divinas. Pedi à minha vítima amada esta reparação. Vê quanto eu amo as minhas almas!

No segundo combate, o demónio veio novamente em forma de cão.

— Ó meu Jesus, que maldade a dele!

Punha-se a latir raivosamente e fazia-me sentir como se o tivesse preso a mim e fosse eu quem o prendia
para companheiro do meu pecado contra vontade sua. Eu queria mover as minhas mãos e não podia,
parecia-me estarem agarradas a ele para o não deixar fugir. Confio em Jesus que não pequei; confio,
porque Ele me tem prometido; não porque me parece não ter pecado.
— Já Vos disse, meu Jesus, e repito-o novamente: antes quero o inferno por toda a eternidade, prefiro o
inferno ao pecado por mais leve que ele seja. Não quero desgostar-Vos com a mais pequenina coisa.

Eu dizia isto a Jesus, e as minhas mãos pareciam-me ainda estarem presas ao demónio em forma de cão.
Ele ria a bom rir. E Jesus falou:

— Retira-te para longe com as tuas manhas infernais, maldito, deixa a minha vítima.

Logo as minhas mãos ficaram livres, mas com a impressão que nelas me deixou um monte de coisas
porcas. Jesus estreitou-me ao Seu Divino Coração e com o Seu rosto unido ao meu acariciou-me e disse:

— Não acredites nas suas manhas malditas, minha filha amada. É tão delicada esta reparação que a
poucas almas a posso pedir. A nenhuma a peço como a peço a ti. É preciso grande pureza, grande amor
para sair dela ilesa e nela me dar a consolação e reparação que o meu Divino Coração necessita. Anima-
te com a confiança que em ti deposita o teu Esposo Jesus, ó minha esposa amada. Coragem, não pecaste,
não pecaste. Que grande reparação me deste!

Custa muito sofrer e desta maneira, mas o amor vence. Custa muito mais ver Jesus ofendido. Custa
muito mais ver e sentir o inferno das almas.

21 de Junho de 1945

Sinto que estou morta com o peso do mundo; reduziu-me ao nada, e é este nada que continuamente se
mergulha em trevas. Quantas mais me cobrem, mais me infundo nelas, mais trevas vejo. Quando
deixarei de as ver? Quando deixarão elas de me aterrorizarem? E eu tão só, mesmo sem ninguém! Oh
terrível desprezo e abandono! Não vejo, não sinto o conforto da terra nem o do céu.

— Ó meu Deus, como hei-de estar aqui assim? Preocupa-me tanto a salvação do mundo!

Não posso sentir Jesus tão ferido. Não tenho corpo nem coração para Ele se consolar em mim. Foi o
mundo das maldades que me destruiu. Quero amar o meu Jesus e não tenho coração para O amar,
desapareceu de mim, não sei a quem pertence. Confio, confio que será a Jesus. Queria sangue para dar
por Seu divino amor, gota a gota, e não o tenho; sinto que as veias do meu corpo desapareceram. Não
tenho nada, nada posso fazer por Jesus e pelas almas. Só o demónio não cessa. Que grande tormento!
Vieram uns poucos para a minha frente em forma de cães. Que cenas tão feias e maliciosas! Eram cenas
e palavras só do inferno. Pedi logo a Jesus para não O ofender; ofereci-me como vítima, enquanto o
maldito me deixava falar. Ao terminar da luta, fiquei insatisfeita, parecia-me que queria ter pecado, e
gravemente. Mas não era assim, o que eu queria era não ter desgostado Jesus, não O ter ferido. Eu não
sabia como se podiam ter dado tais cenas. Sentia em meu coração uma dor profunda. Eu não podia
tomar a minha posição. Sofria tudo, o mal-estar do corpo e as aflições da alma. Jesus velou por mim,
defendeu-me. Ouvi-O dizer:

— Ordeno-te, minha filha, que tomes a tua posição. É o Esposo que manda, e a esposa obedece. É o Rei
que quer, e a rainha sujeita-se, aceita. Filhinha, coragem! É a reparação mais fina e delicada que te peço.
É a flor mais pura.

E via à minha frente um espelho tão grande e tão puro! Encantava tanto o seu brilho e alvura! Via-se
claramente, estava cercado de flores. Que encanto! Jesus continuou:

— Vês, minha filha, o espelho da tua alma. As flores são flores de pureza. Confia, a tua alma não se
manchou. A reparação e consolação foram para mim. Dá a Jesus, dá às almas, mostra ao mundo a maior
reparação, o maior heroísmo no sofrimento. Oh! quanto ele vale! É a maior prova de amor que dás ao
meu Divino Coração.

As palavras de Jesus são como mãos amigas a levantar-me desfalecida da valeta da estrada. Logo que
estou de pé, tudo se esconde e foge. Nesta noite, não sei a hora, apareceu-me Jesus pregado na cruz. Este
Jesus e esta cruz transformaram-se em mim. Passei o dia e já estou noutra noite e sempre a sentir o
mesmo Jesus, a mesma cruz dentro de mim. O meu coração é o de Jesus, o meu corpo o de Jesus é. É Ele
que sofre, vive e ama. Tudo isto para mim é maior motivo de sofrimento, mas tudo para Ele vai. Sofro, e
é d’Ele a dor. Eu não vivo, quem vive é Ele. Estou na solidão do horto, e do meu corpo saiu uma chuva de
sangue; não caiu sobre mim, mas saiu de mim. Ensopou-me os vestidos e correu na terra. Que massa de
sangue!

22 de Junho de 1945 – Sexta-feira

Jesus continua na cruz e dentro de mim, de mim que não vivo nem existo. Ai, o doce Jesus de braços e
Coração abertos! Queria dizer quanto Ele sofre e ama; sei sentir, não sei dizer, não me chega a língua,
não sou capaz. Sofro e morro de dor. O que daria eu para poder fazer compreender a todos uma ofensa
feita ao Coração Divino de Jesus, e quanto Ele nos ama apesar de tudo! Assim caminhei para o calvário
com esta sede de me dar a conhecer às almas, de me dar a elas, de morrer por elas. Nunca caí tantas
vezes como hoje. Que repetidas quedas! Que desfalecimento tão grande! O meu corpo gelava-se sem
sangue; o coração não palpitava, os lábios não tinham vida. O amor venceu, foram as cordas que me
arrastaram. Os meus lábios moribundos tinham sede ardente, mas o coração mais sequioso estava; quer
beber a amargura até à última gota, tudo quer sofrer, porque a todos ama. Tudo quer dar para tudo
receber. No alto da cruz sentia no meu corpo os maus tratos do mundo, era como se fosse por todo ele
apedrejado; sentia mesmo como se as pedras me ferissem. No Coração Santíssimo de Jesus, que estava
em mim crucificado, vi sair uns raios de fogo, pareciam raios de sangue. Aqueles raios vinham estender-
se sobre todos aqueles de quem o meu corpo sentia os maus tratos, as pedradas. Que ternura e
compaixão saía daquele Coração tão amante! Dos meus olhos moribundos, já sem vista para o mundo,
saíam para ele os olhares mais doces, mais ternos e amantes; eram olhares que penetravam tudo e a
todos; viam toda a maldade e ingratidão. Foi assim que veio Jesus. Veio, prendeu-me e demorou-se
bastante tempo sem me falar. Tomou em Suas divinas mãos o meu coração e fez dele uma grande bola
que momentos depois colocou no lugar do coração. E disse-me:

— Minha filha, o teu coração é uma bola de amor. Ama-me, ama-me, ama-me pelo mundo que não me
ama. Ama-me, ama-me, ama-me por aquelas almas que deviam amar, e de quem eu esperava amor. Tu
és louca de amor por mim, és louca de amor às almas. E sabes, minha pomba bela, por que as amas?
Ama-las, porque são minhas e amas aquilo que é meu. Queria-te no céu, minha louquinha, mas
necessito tanto de ti aqui.

— Se me quereis lá, Jesus, juntai aos meus desejos os Vossos. Não Vos digo mais nada, porque Vos
prometi não Vos pedir o céu.

— Ó coração de oiro, fontenário de amor, aceitei o teu sacrifício. Tem coragem! Eu dou-te o céu em breve
mesmo sem mo pedires. Estou à espera da vontade dos homens. Mas sabes por que necessito de ti aqui?
Para consolares o meu Divino Coração, para curares as minhas chagas. Vês como estou tão ferido, tão
cercado de espinhos? São os pecados, são os crimes do mundo.

Jesus mostrou-me as chagas dos Seus santíssimos pés e mãos e a sacrossanta cabeça e Coração cercado
de espinhos, todo Ele eram feridas e sangue.

— A tua dor, minha filha, é o bálsamo das minhas feridas. Repara, sofre contente. Para a tua missão,
missão dos pecadores, missão de amor, não precisava na terra; desempenha-la no céu. Tudo vais receber
do trono divino, tudo passará para ti das mãos da minha bendita Mãe, para espalhares pela terra, para
fazeres chover sobre as almas as riquezas, fruto da tua dor. É por ti que o mundo receberá as bênçãos e
graças do Senhor. Eu precisava de usar do azorrague como usei no Templo e já usei com o azorrague da
minha justiça divina e ainda usarei mais, castigarei severamente aqueles que se opõem à minha causa
divina.

— Meu Jesus, usai de compaixão, não os castigueis; antes movei-lhes o coração.


— São pedras duras, são corações sem amor, resistem, não se movem aos meus desejos. Confia, a causa é
minha. Eu tudo vencerei. Repete, minha filha, flor mimosa e pura, a tua mensagem ao Papa. Sou eu que
peço; quero que ele brade, brade ao mundo, como pai de todos, pai escolhido por mim, que lhe peça para
não me ofender, que haja emenda de vida. Que mande os seus bispos e todos os que governam a
convidarem os fiéis ao amor, à penitência. Que fechem as portas dos vícios, que oponham barreiras aos
caminhos da perdição. Pede, pede, ó mensageira de Jesus. Vem agora, minha filha, receber do teu Jesus
sangue para viveres, sangue para dares a vida. Já que eu não posso agora derramá-lo pelas almas gota a
gota, derrama-lo tu, minha vítima, minha redentora.

Jesus uniu o Seu Divino Coração ao meu, que logo principiou a dilatar-se ao receber o sangue de Jesus.
Em poucos momentos não poderia resistir a tanta força, a tanto amor, parecia-me perder a vida, e o
coração deixou de dilatar-se. Jesus disse:

— Não podes com a força do meu divino sangue. O teu coração está como a lâmpada que se apaga à falta
de azeite; está como a cera que se consome. Consome-se o amor, destrói-se a dor. Eu podia operar
milagre, fazer que ele aguentasse com a abundância do meu sangue, mas não quero; quero fazer-te
sentir a falta do sangue, o desfalecimento das tuas forças. Quero provar e mostrar ao mundo que sofres,
porque amas, que sofres e sentes como criatura humana. Virei mais vezes a dar-te a pouco a pouco o
meu sangue divino que é a vida da tua vida. Vai, flor encantadora, lírio perfumado, vai dar às almas a
vida que de mim recebes, vai salvar o mundo.

Jesus desligou de mim o Seu Coração, cobriu-me de carícias e escondeu-se. Bem depressa voltou todo o
martírio. Principiei a ver a enormidade da minha miséria e a minha indignidade para receber tantas
graças de Jesus e tão grande prova do Seu infinito amor. A pena de O ver assim tão ferido derrete de dor
o meu coração. Oh! Como o Seu amor é tão mal correspondido!

26 de Junho de 1945

Tenho uma cruz tão grande dentro de mim! Está ao alto, e eu abraçada a ela; não há força humana que
dela me separe; parece-me que enlouqueci por seu amor. Os meus braços parecem estar colados a ela.
Quanto mais eu a quero mais ela cresce. Amo-a tanto com o amor que não me pertence! Que ditosa eu
seria, se este amor à cruz e à dor fosse meu! Levantou-se em mim um novo edifício. É tão grande! Tão
belo! Tão bem situado! Todo cheio de arcadas. Não sei o que representa. O coração e a alma sorriem, e
os meus braços querem estreitá-lo. Nada disto me pertence, nem ao menos a alegria com que o vejo
levantar-se. Eu de mim sou miséria e mais nada possuo a não ser a dor. Tenho ânsias de deixar o
mundo, de partir para o céu. Sofro, porque não quero ter querer. Quero o dia, quero a hora que o meu
Jesus me escolher. Tenho uma sede tão grande de amor, não cabe em mim. E tanta fome de almas. Só se
as possuísse a todas esta fome seria saciada. Só se possuísse o amor de todos os corações seria a minha
sede apagada. Contemplo o céu, a Jesus e a Mãezinha e caio desfalecida. Estou despida do bem, não
possuo amor, vejo-me de mãos vazias e sozinha neste mundo de misérias, nestes mares e mundo de
trevas, sem ter ninguém por mim, sem ter quem me dê um raiozinho de luz, sem ter quem me convença
que ela existe, e eu já a conheci.

— Ó meu Deus, luto por Vós e pelas almas. Ó meu Jesus, não me deixeis, não me abandoneis, como me
parece, e sinto. Parece-me que me fugistes para nunca mais Vos encontrar.

Sinto que perdi todo o amor e conforto dos que me são queridos, para não mais os receber.

— Bendita sejas, ó minha cruz!

O demónio rodeia-me, anda à volta de mim como quem quer apanhar alguma coisa. Veio como um cão
raivoso num assalto violento. Usou das suas manhas. Combati, já não podia mais. Invoquei Jesus e a
Mãezinha. Estava caída. As palpitações do meu coração não davam lugar umas às outras.

— Se assim perder a minha vida, é sempre por Vós, Jesus.


Ouvi que Ele me dizia:

— Sossega, filha minha, confia que não pecaste. A cada palpitação do teu coração evitas de cairem neste
abismo as almas.

E mostrou-mo. Nesse abismo estavam flores e raios dourados, mas ele era aterrador. Jesus continuou:

— Essas flores são as flores da tua pureza, os raios são os do teu amor; o abismo, a perdição das almas.
Diz-me, minha filha, confias que não pecaste? Confias que manchaste a tua pureza? Confias que com
cada palpitação do teu coração são outras tantas almas que com esta reparação evitas de me ofenderem
gravemente? Diz-me, diz-me.

— Ó meu Jesus, ó meu Amor, não é preciso dizer-Vo-lo, bem sabeis até que ponto chega a minha
confiança em Vós. Queria confiar com toda a perfeição, mas não tenho forças para mais; sabeis bem que
me aflige a minha miséria, e que tenho receio de mim mesma.

— Esses teus receios, minha amada querida, são de grande consolação para mim. Oferece-mos, oferece-
mos, por aquelas almas que os deviam ter e não têm. Anima-te, dá-me toda a reparação que te peço;
nada temas, confia em mim. Gosto tanto das almas pequeninas!

Sem saber como, fiquei na minha posição, muito confiada em Jesus, mas muito envergonhada de estar
na Sua divina presença. O demónio, muito satisfeito, lambia-se de contentamento. A sua satisfação
queria convencer-me que eu tinha pecado, mas Jesus não permitiu que me convencesse.

— Bendito Ele seja!

28 de Junho de 1945

Estou ferida em tudo, por tudo e de todos. São tantos os espinhos e tão variados; uns ferem-me mais que
os outros, mas não há no mundo quem não fira o meu coração. Posso dizer que a minha dor é quase
insuportável. O meu corpo é uma massa em sangue. Sem poder resistir a tanta dor, sinto uma
necessidade indizível de chorar sobre toda a humanidade que me faz sofrer. Os olhos não choram,
tentam esconder suas lágrimas, mas o coração, esse chora continuamente na maior dor e amargura.
Estou esmagada pelo peso da maldade. A morte aproxima-se, vejo o meu sepulcro, e é de trevas, negras
trevas. E eu sempre abraçada à minha cruz, e ela sempre firme junto de mim; não a largarei jamais;
quero abraçá-la na terra e no céu. Quero amá-la, porque nela vejo Jesus. Quero amá-la, porque é a
salvação das almas. Sinto tanto cansaço no meu corpo por sentir os sofrimentos que me esperam, por
ver a morte a avizinhar-se, por ver o horto da agonia e amargura. Estou já nele. O meu brado ao céu
rompe por entre a solidão, pelas trevas da noite, por entre a folhagem verdejante das oliveiras. Sinto no
meu corpo o suor do sangue; o rosto, os próprios cabelos da cabeça são ensopados nele. Mas dentro de
mim há uma força que me sujeita e me obriga a querer: é o amor, é o amor que recebe a ingratidão, é o
amor que não é correspondido. Eu levanto os olhos ao céu e dou ao Eterno Pai o meu sinal de aceitação.
O grande edifício de arcadas conserva-se dentro de mim: é branco, mais branco que a neve. Junto a ele
está uma escada que dá passagem para todos os lugares desse edifício, e essa escada sou eu. Sinto que o
sou, sinto que por mim sobem continuamente passageiros, que no edifício se vão recolher. Sinto-os
subir, sinto que vão ao porto de salvação e não me alegro, não me consolo. Quero que eles subam,
esforço-me para que não corram perigo, mas eu, pobre de mim, fico sempre mergulhada nas minhas
trevas sem fim.

O demónio continua a sua tarefa canseirosa. Se todos fizéssemos do bem o que ele faz do mal!... Meu
Deus, que grande horror! Fez-me como me fazia há tempos, só com a diferença: há tempos eram muitos
demónios e hoje eram muitos cães.

— Os demónios têm nojo de ti, são os cães que pecam contigo. Já que os demónios não querem, fiz com
que quisessem os cães. Sou muito mais poderoso do que Deus e não faço como Ele, gosto de dar aos que
me servem e são meus gozos e prazeres.

Que quadro feio, que cena tristíssima! Eles estavam raivosos à volta de mim, todos me queriam, e eu
assemelhava-me a eles. No meio de insultos invoquei repetidas vezes o nome de Jesus e o da Mãezinha.
pedi-Lhes tanto para não pecar! Lutei aflitiva. Ao terminar da luta, vim de repente às minhas almofadas
e vi-os a fugir uns para cada lado, espavoridos. Disse-me Jesus:

— Foi à minha ordem, minha filha, que tu foste ao teu lugar. Fui eu que os obriguei a levarem-te a ele
com as mesmas manhas com que te tinham tirado. Eles não te tocaram, minha pomba amada, nem
tocam, sossega. A tua pureza não se mancha. Tem coragem! É grande a reparação que te peço. Diz-me de
verdade: és capaz de me negar alguma coisa?

— Não quero ser, meu Jesus, não quero negar-Vos nada, mas temo-me. Ai de mim sem Vós!

— O teu temor, minha filha, são pétalas brilhantes para a tua coroa e são pérolas preciosas que adornam
a minha. Que grande honra, que grande glória para mim! Dá-me sempre o teu temor por aqueles que o
não têm. Sabes por que peço a reparação desta forma? Porque sou ofendido gravemente nesta matéria, e
ofendem-me como cães. E sabes por quem, minha filha amada? Guarda só para ti e para aqueles que
têm direito.

Jesus nomeou-me duas classes de pessoas e acrescentou:

— Olha quanto sofre o meu Divino Coração! Olha como é correspondido o meu amor de Pai! Vê quanto
eu faço para os salvar! Ensina, filhinha, ao mundo quanto eu o amo e quanto me esforço para o salvar.
Dá-me alegre e confiada esta reparação; com ela cortas as cadeias negras que prendem as almas a
Satanás, e prende-las com cadeias de oiro ao meu Divino Coração. Se soubesses quanto vale o teu
sofrimento!... Alegra-te, alegra-te, meu amor.

Fiquei confiada que não pequei, mas triste, tão triste e a não poder aguentar com tal ofensa feita a Jesus.
Que ingratidão humana!

29 de Junho de 1945 – Exta-feira

Durante a noite, veio Jesus de encontro aos meus sofrimentos do horto. Antes de saber que era Ele,
ouvi-O chorar por grande espaço de tempo. Aqueles gemidos, aquelas lágrimas causavam-me tanta dor e
impressão, parecia-me morrer. Depois senti que Jesus Se aproximava mais de mim e vinha como quem
quer refugiar-se.

— Minha filha – disse-me Ele – tem dó de mim, esconde-me, esconde-me no teu coração. Sou ofendido,
sou ferido, consola-me, repara-me, dá-me em ti abrigo. Oferece-me tudo.

Por amor de Jesus, para O consolar, principiei a oferecer os meus sofrimentos e vários sacrifícios. E
eram tão grandes os desejos, que tinha de O esconder, que queria possuir todos os corações do mundo,
infundi-los todos uns nos outros e colocar Jesus no mais interior, para assim resguardar Jesus e não O
deixar ser ferido por nenhuma criatura. Queria vê-Lo resguardado nas mais íntimas chamas de amor.
Eu, tão desconsolada, esforcei-me tanto para O consolar. Pela manhã, veio Jesus adolescente buscar-me
à prisão. Tomou-me pela mão, foi o meu companheiro, o meu cireneu em todo o caminho do calvário.
Eu ia desfalecida, coberta de suor e sangue, mas sabia que Jesus me acompanhava. E, quando eu caía,
Ele deitava-me as Suas mãos santíssimas para levantar-me. Eu recebia aquele benefício como se não
fosse feito a mim. A Sua divina presença não me aliviava, via só a dor, oprimia-me o seu peso e
arrastava-me o amor. Cheguei ao calvário, e o mesmo Jesus adolescente infundiu-Se em mim, retratou-
Se no meu corpo e foi comigo crucificado. Oh! como Jesus sofreu logo desde tão tenra idade! No meio da
agonia da morte, bradava ao Eterno Pai, sem me lembrar que o Seu Divino Filho estava comigo
crucificado. E foi assim que agonizei, e Ele novamente me falou:
— Minha filha, minha filha, meu paraíso, meu aqui na terra, tabernáculo da minha habitação. Estou
mais consolado, cicatrizaste com o teu amor e a tua reparação as feridas dos espinhos que cercam o meu
Divino Coração. Aceita como recompensa o sangue do meu Divino Coração, aceita, que é a tua vida,
aceita, que é a vida das almas.

Jesus uniu novamente os nossos corações, estavam como que colados um ao outro. Eu via da chaga do
Coração Divino de Jesus passar para o meu o Seu divino sangue e raios fortíssimos do Seu amor. Só isto
foi o bastante para eu me perder e enlouquecer por Ele. Não pude receber nem muito sangue nem muito
amor. Mal o meu coração principiou a dilatar-se com a força do amor e do sangue de Jesus, fiquei logo
como que desfalecida sem poder receber mais. Jesus disse-me:

— Coragem, minha filha, recebe e dá às almas. Dar-te-ei o meu sangue gota a gota, assim como gota por
gota tu o dás por mim e pelas almas. Eu quero fazer-te sentir o enfraquecimento e todo o sofrimento
humano, tiro assim mais glória para mim e proveito para as almas. Se sentisses em ti a vida divina de
que vives, não era tão doloroso o teu martírio, não era tão grande a glória, nem tinhas tanto poder sobre
os pecadores. Quero mostrar em ti as minhas maravilhas, o meu poder, a minha sabedoria, para dar
lição ao mundo e mais àqueles que deviam saber e não sabem, mas quero que sintas o sofrimento de
tudo o que é humano. Tem assim todo o brilho a minha divina causa. Semeia, semeia já na terra, semeia
sobre os corações e as almas, semeia, que são sementes do céu. Mergulha-te contente nas tuas trevas, é
sinal que o céu se aproxima, e caminhas para a tua última fase. Quantas mais trevas e horrores para ti,
mais luz e amor para as almas. Quanto mais sofrimento na terra mais poderosa és junto do trono divino
e maior chuva de graças podes derramar lá do céu sobre a terra. Escuta, minha pomba amada, flor pura
e delicada. Sabes o que significa em ti esse novo edifício que é tão branco e tão belo? É a continuação do
resgate. És a nova redentora, estás a concluir o que eu agora não posso. Que estudem, que estudem
como te assemelho a mim. Eu com a minha paixão abri às almas as portas do céu, e tu com a tua paixão,
com o teu martírio inigualável continuas a abrir às almas as portas do céu, que para elas novamente
estavam fechadas, fechadas pelos seus crimes, pela sua degradação. Tu és edifício majestoso de pureza,
amor e de conquista. És a escada por onde as almas sequiosas de mim, por onde os pecadores sobem a
esse edifício de pureza e de amor e dele passam ao céu; és a conquistadora das almas. Sofre contente,
não é perdido o teu sofrimento. A minha paixão, a minha morte não salvaram a todas, porque não
querem salvar-se. A tua paixão, a tua morte darão a vida eterna a todos quantos da minha Pátria
quiserem gozar. Tem coragem! Ainda que o mundo tenha que sofrer grandes e graves castigos por não se
reconciliar comigo, comigo será sempre salvo pelo teu sofrimento. Milhões e milhões de almas subirão
por ti ao céu. No meio do teu martírio não te deixo sentir a consolação da minha divina presença e
conforto do meu Eterno Pai. És a minha virgenzinha, a mártir do meu divino amor, a esposa e
crucificada que mais assemelhei a mim. Vai, filhinha, luz do mundo, salvação do mundo, luz das almas,
fogo dos corações. Dá-te toda por meu divino amor às almas, dá-lhes tudo o que de mim recebes, espera
em mim, confia em mim, eu não te falto, não falto ao que prometo. O céu está próximo, triunfa a minha
divina causa.

Jesus, ao dizer isto, acariciou-me docemente e escondeu-Se, deixando por um pouco uns fiozinhos d’Ele
ligados a mim, que me davam vida. Passaram-se umas horas, vinha chegando a noite, mas dentro de
mim já era tenebrosa e triste. Sorria para mostrar alegria e esconder a minha dor, que quase me tirava a
vida. Mas mesmo assim o meu coração sorria à dor, sorria a Jesus e ardia em chamas devoradoras de O
amar. Eu de novo me abracei à cruz. É a salvação das almas, é a prova do meu amor a Jesus.

5 de Julho de 1945

Jesus me dê forças para eu poder obedecer, ditando o mais possível do muito que me vai na alma. Só
com a Sua força divina poderei. Se for do Seu agrado, conseguirei alguma coisa. Que Ele aceite e abençoe
o meu sacrifício. Com isto duas coisas tenho em vista: é a consolação de Jesus e a salvação das almas.
Não sei comungar, não tenho lugar para receber Jesus, não tenho língua para O louvar nem coração para
O amar. Perdi tudo, perdi a vida. Só a miséria aparece por entre as trevas, trevas que tudo esconderam e
tudo abafaram. Parece que não posso acreditar no que em mim se passa. Em mim, digo eu, em mim que
não sou eu, em mim que não existo. Em tudo aparece a miséria, em tudo vejo trevas. As grandezas de
Jesus não são minhas. Se ao menos fosse meu o martírio, a dor que sinto para a dar a Jesus. Se eu O
amasse pelos que não O amam, que dita a minha! O edifício está de pé. Eu sou a escada, mas vejo-a e
sinto cair de podridão. Causa-me até nojo. Que confusão! Ofereço-me tantas vezes a Jesus, repito-Lhe
que sou Sua vítima, mas parece-me que não posso ser aceite por Jesus. Só quero o que Ele quiser e sinto
que nada quero e que nada aceito como Ele quer. Perdi o gosto das pessoas mais queridas, mais íntimas
e perdi-o para sempre. Parece-me que não as amo nem nunca as amei. O mesmo se dá com Jesus. Digo-
Lhe que quero deixar de O amar, quando Ele deixar de ser Jesus e que O quero amar incessantemente
como incessantemente correm as águas dos rios para o mar. Pobre de mim! Não sei falar com Jesus, não
sei dar-me a Ele e às almas. Mesmo assim não largo a minha cruz nem a largarei jamais: foi Jesus que
ma deu, quero possuir uma coisa Sua. Vi hoje dentro de mim o calvário, a cruz: Jesus nela e a Mãezinha
ao lado, de pé, de mãos cruzadas sobre o peito. Estava mais alguém, mas só Ela e Jesus me prenderam. A
Mãezinha era bela, mas oh! como Ela sofria a acompanhar Jesus na Sua agonia, no Seu martírio na cruz.
Vejo levantar-se ao alto os açoites que amanhã hão-de cair sobre o meu corpo; vejo as cordas que hão-de
arrastar-me, e as minhas veias já se rasgam com a agonia do horto. Bendito seja o Senhor! O demónio
teima, consome-me, tenta levar-me ao pecado, à perdição. Palavras feias, feias cenas e quase sempre em
forma de cão. E, quando é mais que um, fazem grande barulho uns com os outros raivosamente. Por
vezes parece revestir-se do meu corpo: tudo em mim é malícia – braços, pés, coração, inteligência; todo
o meu ser é um espelho de maldades. Por duas vezes combati com ele aflitivamente. Tudo eram à minha
volta cães maliciosos, com eles ofendia a Jesus, assim me afirmava o maldito. Ao terminar da primeira
luta, logo veio Jesus.

— Pára, pára, maldito, com as tuas artes maliciosas; cessa, cessa a tua tempestade infernal.

Tomei a minha posição sem saber como, enquanto Jesus continuava:

— A minha vítima não me ofendeu, não é um mundo de malícia, é um mundo de graça, de pureza e de
amor. Minha filha, minha filha, coragem sempre. É assim que consolas este coração ferido; é com esta
reparação que acodes às almas, às minhas almas. Nada temas, tem confiança no teu Jesus.

Repeti-Lhe frequentes vezes:

— Meu Amor, meu Amor! O inferno, o inferno, antes o quero do que manchar a minha alma e ferir o
Vosso Divino Coração. Espero em Vós.

No último ataque, que foi hoje, e dos mais violentos que tenho tido, sentia que o chão se abria, e o
inferno aparecia para eu ser sepultada. Que horror! E os malditos, como cães, despedaçavam-se de raiva
uns aos outros; todos queriam pecar, e eu sentia que queria pecar também. Mas repeti sempre a Jesus
que não; sofrer tudo, mas não ofendê-Lo.

— Tudo aceito por amor, ó meu Jesus, sou a Vossa vítima.

O meu coração já não podia bater mais. Jesus veio, passou no meu rosto as Suas divinas mãos em sinal
de carinho.

— Minha filha, amo-te, amo-te, minha pomba; sossega, confia, não pecaste. Tem coragem! O inferno não
se abre para ti, mas oh! se não fosse a tua reparação, devia abrir-se para muitos, e serem já sepultados. E
nesta hora, minha filha, quantos mereciam ser precipitados no inferno no mesmo momento do seu
pecado.

Fiquei confiada em Jesus que não O tinha ofendido, mas oh! que vergonha a minha! Não podia lembrar-
me da Sua divina presença, sentia infundir-me na terra como o mais pequenino e vil insecto. Jesus ainda
me acariciou e acrescentou:

— Dá-me, minha amada, a tua confusão e vergonha por aqueles que as não têm.
Com os olhos fitos em Jesus, fiquei a repetir que queria consolá-Lo, mas envergonhada, triste, sem
poder falar. Mas a minha tristeza não significa receber de má vontade a minha cruz. Quantos mais
espinhos recebo mais me prendo à dor, mais a quero e desejo. Se ela fosse minha, como Jesus era
consolado por mim, e como ficaria consolada eu também. Ficam para o céu as minhas consolações, sou
de Jesus.

6 de Julho de 1945– Sexta-feira

Não estou na terra nem estou no céu; não sei onde habitam estes mundos de trevas em que estou
envolvida. Não sei que vida é esta nem a quem pertence. Não sei o nome desta habitação. O céu está
fechado para mim. E eu estou como se me deitassem fora das muralhas deste mundo e me fechassem as
portas. A minha vida são trevas, mas, ó meu Deus, mundos e mundos de trevas.

— Jesus, ó Jesus, dai-me amor para Vos amar. O meu coração não Vos sente, os meus olhos não Vos
vêem, os meus ouvidos não Vos ouvem. Tende dó de mim, Jesus, sou Vossa e Vossas quero fazer todas as
almas.

Foram lançadas ao meu pescoço grossas cordas; o meu corpo foi despedaçado por bolas de ferro
ou coisa semelhante. Caminho para o calvário por ruas sombrias e estreitas. O sangue corre. As dores
nos joelhos e na cabeça, causadas pelos espinhos, são insuportáveis; as dos ouvidos trespassam-me dum
lado ao outro. E os meus lábios parecem colados, não podem abrir-se para pronunciar palavra. O
coração vai sequioso, quer formar voo até ao calvário; anseia por dar ao mundo uma nova vida; e, para
isso, corre, mete-se louco e cego entre os sofrimentos. No calvário, ao ser cravada na cruz, vi o soldado
que com grande crueldade dava as marteladas; era destemido, de olhar cruel e aterrador. Foi tal a dor
que senti que o coração ficou sufocado, pareceu-me perder a vida. E em toda a agonia da cruz não voltou
a recuperá-la. Que horas tristes, em tanto abandono e dor, em tantas trevas e morte! Veio Jesus e disse-
me:

— Atravesso os mundos das tuas trevas, desço aos mundos das tuas dores, venho de encontro ao teu
martírio, minha filha. Não desci, não atravessei, não vim; tudo vi, tudo me era presente, em ti estou,
faço-me apenas sentir. Quero convencer-te que em ti habito, que nem um só momento te desamparo.
Coragem, coragem, sempre! As tuas trevas dão luz, o teu martírio, os mundos das tuas trevas, da tua
morte, dão vidas. É pelo teu sofrimento que as almas ressuscitam; é com as tuas trevas que elas recebem
a graça e possuem a minha luz divina. Tirei-te ao mundo, minha pomba bela, para te dar ao mundo.
Aceita, minha querida, o meu Divino Coração; serás cada vez mais poderosa; redobra o teu poder sobre
os pecadores. Já que te criei e escolhi para desempenho da mais alta missão, dou-te todos os meios de
salvação. Aceita o Coração do teu Jesus, estreita-o contra o teu. Não é para receberes sangue, mas para
receberes vida. Não recebes sangue, porque não pode o teu recebê-lo já; tão enfraquecido, não tem força
para mais. Faço o milagre de conservar-te a vida e não o faço de te dar força para o poderes receber já.
Mostro assim mais o meu poder, conservando-te a vida nesse estado assim. Toma, filhinha, em tuas
mãos o meu Divino Coração, tens a chave para abrir e fechar; é chave de graça, pureza e amor. O
Coração é meu, a chave és tu; abre-o e fecha dentro dele as almas que quiseres. O céu assiste alegre a
esta entrega do meu Divino Coração a ti. Que grande maravilha! Une esta graça no conjunto de muitas
outras que de mim já recebeste.

Tomei nas minhas mãos o Coração Divino do meu Jesus. No fundo estava aberto por uma profunda
chaga; irradiava à volta uma luz brilhantíssima, que iluminava tudo. Apertei-o junto ao meu, que logo
retomou conforto e vida. Eu não parava em mim, não podia com as ânsias de possuir uma luz que
alumiasse o Coração Divino de Jesus e flores ricas que o adornassem. Queria guardá-lo e não sabia onde.
Disse a Jesus os meus desejos. Ele respondeu-me:

— Não preciso doutra luz, basta-me a luz do teu amor. Não quero outras flores, chegam-me as flores das
tuas virtudes: são belas, são ricas, são pedras preciosas. Guarda o meu Divino Coração dentro do teu,
fica bem guardado. O teu coração é o Coração de Jesus; o teu corpo é o corpo de Cristo; a tua vida é a
vida de Cristo.
Fiquei confundida e não sabia o que dizer a Jesus ao ouvir d’Ele tantas coisas e ao ver-me depositária de
tão enorme riqueza.

— Meu Jesus, queria guardar o mundo inteiro neste cofre divino que me entregais; queria fechar nele
todas as almas que me são queridas e todos os pecadores.

— Tem-lo ao teu dispor, é teu, é tesoiro de salvação. Abrasa no fogo deste amor divino os corações que
sinceramente são meus e deveras me querem amar. Mas é tão pequenino o número! Fecha nele todos
quantos quiseres; a todos quantos fechares serão salvos, se deveras se quiserem salvar.

— Ó Jesus, uma vez que eu os feche aí, poderão ainda fugir-Vos?

— Sim, filhinha amada. Os pecadores obstinados são como ladrões que possuem todas as espécies de
chaves, que abrem todas as portas, chegando a causar a morte. Os pecadores são esses ladrões, as chaves
são os seus vícios e crimes, matam-se a eles mesmos, matam-se eternamente. Esses com as suas
maldades abrem o meu Divino Coração, voltam-me s costas, perdem-se para sempre. Filhinha, filhinha,
o mundo está em muito perigo. Depressa, depressa, a preveni-lo disso. É a voz de Jesus por meio da sua
vítima; é Jesus que o chama e quer salvar; é Jesus que os convida e dá à sua esposa querida todos os
meios de salvação.

— Como, meu Jesus? O que hei-de eu fazer? Sabeis que nada posso.

— Filhinha, filhinha, di-lo aos meus amigos, basta que eles o saibam, para tudo comunicarem. Depressa,
depressa, o mundo está em perigo, os seus crimes desafiam a justiça divina. Jesus o convida, Jesus o
quer, Jesus deu-lhe a sua vítima para de novo o salvar. É Jesus com ela a prevenir os pecadores; é Jesus
a prevenir os caluniadores e perseguidores da sua divina causa, a causa mais poderosa e rica. Não posso,
minha pomba bela, deixar ocultos por mais tempo os meios de salvação e todas as maravilhas que em ti
depositei. Grande crueldade, grande responsabilidade, que prejuízo para as almas!

— Não estejais triste, Jesus, farei todo o possível para Vos consolar e para os salvar. Tende dó de todos
os que Vos ofendem e a todos dai o amor do Vosso Divino Coração.

— Vai, filhinha, consola-me tu ao menos, não deixes que eu seja mais ferido. Fecha neste coração
amoroso o maior número de corações que te seja possível. Guarda-o, é teu para sempre. És senhora dele
na terra e no céu por todo o sempre.

Fiquei com vida, com luz e alegria de alma por algumas horas a estreitar em meu peito o Coração
riquíssimo do meu Jesus. Percorridas elas, tudo foi desaparecendo, tudo se foi apagando como luz que
nunca mais pode voltar a acender-se.

— O que será o fim da minha vida? O que poderei dar a Jesus? O que poderei fazer pelo mundo? Quero a
todo o custo salvá-lo, quero incendiá-lo no amor de Jesus.

7 de Julho de 1945– Primeiro sÉbado

Nesta noite, à meia-noite, tudo era noite, tristeza e morte. Senti-me num grande bosque rodeada de
lobos, e cães todos a uivar e todos me queriam saltar: eram os demónios em forma deles. Observei deles
cenas tristes e vergonhosas que desconhecia. Lutei com violência e por muito tempo. Esforcei-me por
não ouvir as palavras deles e lições malditas e maliciosas. Chamava por Jesus e pela Mãezinha, pedia o
Seu pronto socorro e auxílio. Sempre que podia, dizia-Lhes não querer pecar, mas dentro de mim sentia
querer e com toda a malícia. Terminou a luta e Jesus não veio. Fiquei tão triste! Como permitiu Ele que
eu conhecesse o que desconhecia? Entregue ao Seu Divino Coração, procurei confiar e convencer-me de
não ter pecado. Veio a hora de O receber. Fiz a preparação com o coração a sangrar de dor. Momentos
depois de comungar, falou-me Jesus ao mesmo tempo que me estreitava a Si.
— Minha filha, permito a tua dor, permito a tua reparação. As tuas trevas, enviadas do céu, trevas
inocentes, dão luz às trevas criminosas, vindas do inferno. És a vida das almas, és a salvação delas.
Alegra-te, tem coragem. O lírio da tua pureza virginal não se mancha, está guardado em minhas mãos, é
a flor do meu Divino Coração. Que adorno belo ela me dá! Que consolação para mim! Sabes, ó pomba
bela, porque exigi de ti a reparação desta noite? Era urgente que naquela hora me reparasses.
Foi reparação pelas famílias, foi a reparação dos lares. Quero filhos, matam-me os meus filhos. Sou mais
Pai do que eles são. Vê quanto eu sofro! E sou ofendido da mesma forma por um grande número que não
são casados.

E nomeou-me a condição (eram sacerdotes), ao mesmo tempo que, muito triste, Se inclinou contra o
meu peito em grandes suspiros.

— Estou ferido, estou ferido, cercado de espinhos. Ó minha esposa querida, sofre comigo.

— Não choreis, meu Jesus, não tenho coração para Vos ver chorar. Eu não quero sofrer conVosco, quero
sofrer sozinha; quero a Vossa força para resistir à minha dor, mas não quero a dor do Vosso puro e
Divino Coração. Não posso ver sofrer o meu Jesus que me ama tanto.

— Ó bela, ó pura, ó heroína amada, bálsamo das minhas chagas, medicina das almas. Tens-me todo em
ti e para ti. No teu coração está o meu, na tua inteligência está a minha, nos teus lábios, nas tuas palavras
estão as minhas. Todo o teu ser é Cristo, tens a vida de Cristo. Quem convive contigo convive com Jesus,
quem trata de ti trata de Jesus. Dá-te ao mundo, dá-te às almas. Minha Mãe, minha Bendita Mãe, vem
dar à nossa filhinha conforto e vida que quase a não tem.

Veio a Mãezinha, tomou-me em Seus braços, colocou-me em Seu regaço, estreitou-me, acariciou-me,
fiquei entre Ela e Jesus. Ao dar-me a vida que possuía era tão devagarinho, com tanto cuidado como
quem cura uma grande ferida. A respiração faltava-me, não tinha força para de repente receber aquela
vida. A pouco e pouco fui vivendo mais, levantei as minhas forças.

— Sempre alegre, sempre contente, esposa querida do meu Jesus – disse-me a Mãezinha. Possuis-me
toda a mim, possui-Lo toda a Ele. Serás sempre vitoriosa no teu martírio, dá tudo ao teu Jesus, dá-Lhe
Seus filhos, dá-mos, que também são meus.

Ainda em Seu regaço, Jesus continuou:

— Diz, minha filha, ao teu paizinho que não quero que ele tenha um momento de dúvidas, que confie
sempre em meu Divino Coração. A vida que lhe dei é a vida das almas. Quero que ele a continue a dar às
mesmas almas. A dor dele tem salvo grande número delas. Que grande glória para mim! A chuva do meu
divino amor cai sempre sobre ele. A luz do Espírito Santo sempre o ilumina. É com o meu amor e com
essa luz que ele virá depressa junto de ti a terminar a tua missão. Diz ao teu médico que o escolhi para
lutar por mim, para cuidar de ti e da minha divina causa. Depois de se informar dos meus desejos, quero
que ele com os amigos da mesma causa os dêem a conhecer ao mundo. O perigo é grande. Diz-lhe que
não faço tudo conforme ele deseja, porque tiro de ti mais glória. Maior é o milagre que opero. Quero
fazer-te viver no enfraquecimento, sentindo toda a dor humana. Não quero que ele ponha de parte os
seus meios a não serem aqueles a que possam atribuir, dar vida. Que esteja sempre atento ao que em ti
se passa, que relate tudo. Como recompensa de cuidar de ti a sério, por ti lhe dou o meu amor, a ele e a
todos os que lhe são queridos, com a certeza de todos serem meus e a promessa do céu. Por ti dou aos
que te amam e amam a minha causa o meu amor, o amor de Maria e as nossas riquezas do céu. Por ti
ficam postos à sombra do Seu manto celeste e ao abrigo do meu Divino Coração.

Recebi novas carícias, e retirou-se Jesus e a Mãezinha com um grande obrigada meu. Passaram já
algumas horas, o meu coração sente ainda conforto, estou deveras confiada, mas é indizível a minha dor.
Não posso recordar-me do que observei, não posso lembrar-me da dor de Jesus. O que Ele sofre quero
sofrer eu; não quero gozar, quero dó a cruz.
9 de Julho de 1945

São tantos, tantos os espinhos que me ferem, além do coração e da alma; cobrem-me todo o corpo,
parecem brasas vivas que queimam as carnes e vão penetrar até ao interior dos ossos. Estou como um
vidro de cristal no qual não se pode tocar.

— Ó meu Deus, será culpa minha ou daqueles que me ferem? Oh que grande martírio! Se ele fosse meu
para Jesus de mim o receber para se consolar e alegrar na minha dor!...

Quando penso nas minhas misérias, quando sinto que outra coisa não tenho, tremo, sofro, envergonho-
me diante de Jesus. E Ele muito do íntimo da alma segreda-me baixinho, muito baixinho:

— Dá-me as tuas misérias; alegro-me, consolo-me com elas.

Sinto que o meu coração é uma fonte inesgotável que dia e noite corre sem parar. E eu anseio com as
ânsias mais fortes que todos venham beber a ela. Queria ver todas as criaturas sempre com os lábios
nela, sem dela se retirar. Ó que sede a minha para que todos bebam! Sinto também que o meu coração é
continuamente ferido; dia e noite é cruelmente apunhalado. Esta chaga é dolorosíssima, dela corre
sempre sangue. Mas o coração está preso com as mais fortes cadeias; tem de sujeitar-se à dor, não pode
fugir daqueles que o ferem. É um amor louco, é um amor sem igual que o prende. Queria poder mostrar
a grandeza deste amor. É amor que obriga a esquecer a dor. Não sei dizer, não há dor que iguale esta
dor, nem amor que iguale este amor. Ai o que se passa em mim! Por mais que eu queira esquecer quanto
Jesus sofre com o mundo, não sou capaz. Sofro com Ele. Oh o que as famílias O ofendem! E tantos,
tantos que não deviam ofendê-Lo! Oh se os homens vissem as cenas horrorosas e repugnantes e a
loucura ao prazer, que se dão em toda a parte, e que eu vi com os olhos da minha alma, tinham nojo e
envergonhavam-se de si mesmos!

— Ó Jesus, se Vos desagravo, fazei que eu sofra sempre.

Sobre este ponto o demónio atormenta-me muito. Quantas vezes parece vir com os seus assaltos, mas
fica só com gestos e palavras feias. Hoje assaltou-me com toda a violência, usando sempre as suas artes e
manhas, mas em forma de cão. Quando pressenti que o assalto era a sério, evoquei a Mãezinha das
Dores e por elas Lhe pedi que não queria pecar. Lutei e muito em grande perigo. Jesus compadeceu-se
de mim. Só Ele sabe quanto me custa esta reparação. Tudo me custava imensamente, mas esta da
família custa-me ainda mais. Ó que tristeza! Jesus veio, ouvi-O dizer:

— Pára, pára, pára, maldito. A minha vítima não peca, a minha esposa não se mancha. A glória é minha,
é minha a reparação, a consolação e o amor. Minha filha, coragem. Vês quanto eu sofro? Não podias
desagravar-me, não podias condoer-te da minha dor nem conhecer a maldade deste crime. Não temas, a
flor do teu jardim, da tua pureza não é queimada pelo fogo abrasador das paixões. Nem a mais
pequenina mancha. Quanto mais balanceia com a fúria dos ventos, quanto mais por ela passa o sol
venenoso, que a queima e mata, mais ela brilha, mais me encanto, mais me atraio para ela.

Jesus falou-me assim, o demónio disse-me:

— Já vens tarde. Depois de pecares é que dizes não querer pecar. Diz-me que me dás o teu coração, que
queres pecar comigo, se queres ter toda a felicidade já aqui na terra. Dou-te tudo, não faço como Deus
que tudo te promete e nada te dá a não ser fazer-te sofrer.

— Meu Jesus, quero tudo o que me dais de dor, não quero os gozos nem felicidades do demónio. As
minhas trevas são aterradoras, mas não importa, o que eu quero é a Vossa paz, o Vosso divino amor e a
promessa de que não me deixais ofender-Vos. Confio, Jesus, confio.

12 de Julho de 1945
— Ó céu, ó Jesus, ó Mãezinha, valei-me; se não vindes em meu auxílio, caio e nunca mais me levanto.
Poderei resistir a tanta dor? Por mim não posso. Sinto-me algemada de pés e mãos, e todo o meu corpo
enleado com negras cadeias de ferro. Meu Deus, pareço um condenado do inferno.

Os pecados são as cadeias negras, foi o demónio que me algemou, que me prendeu. Quantas horas,
quantos momentos me parece não resistir. De mãos cruzadas sobre o meu peito, no meio da maior
agonia, fito os meus olhos no Coração Divino de Jesus e na Mãezinha querida. O meu brado é contínuo.

— Triste vida a minha! Ó Jesus, ó Mãezinha, não resisto, sede comigo.

Dos meus olhos brotaram lágrimas em muita abundância. Chorei, chorei amargamente. O meu coração
pareceu-me desfalecer, ia a morrer.

Jesus, não tenho coração para resistir ao amor nem para resistir à dor. Não permitais, meu Jesus, que as
minhas lágrimas sejam de desespero, quero que sejam só de amor; aceitai-mas todas como actos de
amor para os Vossos sacrários.

Dizia a Jesus que as minhas lágrimas não fossem de desespero, mas não era por me sentir desesperada.
Ó Deus louvado, a minha alma estava em paz; era o temor de mim mesma, eram as minhas agonias, era
a vista das minhas misérias, que não podiam ser mais, não podiam resistir ao meu nada, às minhas
maldades. Era a vista e o sentir dos espinhos que dum e do outro lado vinham cravar no meu pobre
corpo, desfeito pela dor. Sim, tudo isto e o que não sei exprimir eram causa de temer o desespero.

— O que será de mim, se um momento só perco a minha confiança em Jesus e na Mãezinha? O que será
de mim, se as almas boas deixam de elevar ao céu preces em meu favor?

Recebi a absolvição para os meus pecados, mas pobre de mim, parece-me que a não recebi. Se era
grande a minha agonia, redobrou ainda. Se as trevas eram aterradoras, mais aterradoras se tornaram.
Infundi-me nelas friamente, mais rápida do que se fosse um voo. Meu Deus, são trevas de morte! Não sei
o que é, não sei quem no meio deste mundo de sofrimentos indizíveis, no meio destes mundos de trevas
que me obrigam e nos quais me parece já ter dado a vida do corpo e da alma; sinto que alguém dentro de
mim toma o meu coração, como se fosse um cálice, e repetidas vezes o levanta ao céu. E a fonte do meu
coração continua ainda; é um esforço constante, são todos os meios empregados para obrigar as almas a
virem beber a ela. Ai delas que resistem, não querem beber, morrem à sede! Está próxima a noite. Já
sinto o meu rosto esbofeteado e escarrado e as minhas veias rasgadas e espremidas pelo peso esmagador
dos crimes do mundo. A minha agonia, a minha agonia, amo-a por amor a Jesus e por amor às almas.

— Oh! quantas – repito a Jesus. Sou a Vossa vítima, sou vítima das almas.

E, se a dor de algumas que me ferem com espinhos, me afligem, esforço-me por não pensar nas suas
faltas e digo:

— Ó Jesus, modelai-as Vós, assemelhai ao Vosso os seus corações, modelai e assemelhai primeiro que
tudo o meu, porque é o que mais necessita. Jesus, Mãezinha, sou eu a filha mais indigna e pequenina
que tendes no mundo; sou eu a mais pobrezinha que tivestes e tendes na terra. Oh, quando chegará o
meu grande dia! Quando chegará o meu céu!

E assim vou passando os dias e as noites da minha agonia. Tudo parece perdido e nada em mim
realizado, nenhumas promessas de Jesus cumpridas.

— Oh! quanto custa a vida! Quanto custa não ser compreendida! Mas, ai, digo de alma e coração, ou
sofrer ou morrer. Antes o inferno do que desgostar a Jesus, ou deixar de O amar.

13 de Julho de 1945 – Sewta-feira


Em toda esta manhã, experimentei dentro de mim um amor e uma ingratidão fortíssima. O amor era um
amor imenso, enchia o céu e a terra. A ingratidão era tão grande e tão grave, opunha-se a esse amor,
amor que, como uma barquinha firme e segura, nadava por cima de tudo. Recebi a ingratidão sem deixar
de amar. Com o corpo despedaçado caminhava para o meu calvário. De repente, senti como se nas
minhas faces corressem dois regatos de lágrimas. Logo após este sentimento, saiu-me a Mãezinha ao
encontro. O Seu olhar era angustioso. De mim saíram outros olhares a fitarem-se Nela. Que olhar de dor
e de amor! Sem tempo para o poder contemplar, devido à pressa que levava, ficou-me o coração preso a
Ela, e ia caminhando sempre. Ela caminhava também, guiada pelo olhar que Lhe tinha ferido e atraído o
coração e a alma. Chegados ao calvário, Ela observou toda a cena e, angustiosa, ficou de pé junto à cruz.
Eu estava em tão grande desfalecimento! Os sofrimentos da alma e do corpo quase me obrigavam a crer
que não podia resistir e que a morte se aproxima e sem a realização das promessas de Jesus.

— Sagrado Coração de Jesus, tenho confiança em Vós.

Repetia isto muitas vezes. O demónio aproveitava a ocasião do meu desfalecimento para convencer-me
de que tudo era ilusão e falsidade. Mas não ficou só isto. Em forma de cães, começaram os demónios em
barulho à minha volta; e as suas manhas malditas a trabalharem em mim. Fingindo não quererem nada
comigo, diziam-me:

— Pecas sozinha, nem os cães te querem.

Junto a isto as palavras mais feias e indecentes. Eu sempre a lutar, sempre a dizer a Jesus que não
queria pecar, e eles sempre em barulho à minha frente. A presença de Jesus afugentou-os.

— Coragem, filhinha! Colho de ti duas flores ao mesmo tempo, flores que se transformam nas moedas de
maior valor: a reparação e a dor. Peço-te a reparação da impureza, peço-te a dor para comprar as almas.
Não me ofendes, amas-me; não me desgostas, consolas-me. Confia, tem coragem.

Jesus serenou a tempestade, e eu fiquei na cruz, na agonia, na dor quase insuportável. Parecia-me
arrancarem-me o coração, para deitar Dora, ser calcado e destruído pelas feras. Mas outro coração ficava
dentro de mim com uma grande ferida, sempre aberta a verter sangue. Parecia-me desprender os braços
da cruz para levantar as mãos e pedir socorro ao Eterno Pai. Que dor e tremendo abandono! E a
Mãezinha a observar tudo. De repente, senti como se a abóbada do céu pousasse sobre o meu peito.
Comecei a sentir dentro dele um calor, que o irradiava todo. Ouvi Jesus a dizer-me:

— Minha filha, desceu o céu a ti para receber a fragrância da tua dor, do teu amor. É a Trindade augusta
a recebê-la, é a tua e minha bendita Mãe, são os anjos a acompanhar-nos e a entoar seus hinos e louvar-
nos por termos na terra esta crucificada. És de Jesus, sofres pelo mundo, amas a Jesus e amas pelos que
O não amam.

Senti em mim a presença da Santíssima Trindade, da querida Mãezinha e ouvia um coro, que
entoava hinos harmoniosos; arrebatou-me o coração, prendeu-me mais. Não era da terra, vivia uma vida
que não era dela; era como se nela não estivesse. O coro fazia-se ouvir cada vez mais, e compreendi que
cantavam: glória, glória, honra e amor, glória, glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo; glória,
glória, honra e amor à Mãe de Deus, filha e esposa da Trindade augusta; glória sempre a Ti, nosso
Deus e Senhor.

Repetiram isto várias vezes. O calor ia abrasando sempre o meu peito. Jesus novamente continuou:

— Filhinha, esposa, pomba amada da Trindade divina. Vou dar-te por gotas o meu divino sangue. Sou
teu Pai, sou teu Esposo e sou também teu Médico divino. Tenho que to dar por gotas para por gotas o
dares a cada alma. Não podes com a abundância dele. Que dor para mim ter que operar milagres para
conservar-te a vida! A cegueira, os corações empedernidos dos homens assim me obrigam. Dou-te as
gotas do meu sangue como alimento da minha eucaristia: passam do meu coração para o teu.
Jesus uniu os meus lábios ao Seu Divino Coração e muito lentamente eu sentia passar para mim o
sangue de Jesus. Começou o coração a dilatar-se, e Jesus quase logo retirou dos meus lábios o Seu. E
continuou:

— Vives de mim, tens a vida de Cristo; dá-te às almas, sofre por elas. Sabes, esposa amada, quem dentro
de ti toma o cálice e o levanta ao céu? Sou eu, que o ofereço ao Eterno Pai repetidas vezes, para aplacar a
justiça divina. É o cálice da tua dor e amargura. A tua agonia, dor e amargura assemelham-se às minhas,
e ao meu se assemelha o teu amor às almas. És o retrato mais semelhante a Cristo. A tua vida é a vida de
Cristo, o teu coração o coração de Cristo. Como a tua vida é a minha, e estás toda transformada em mim,
uno a mim os teus sofrimentos, a tua crucifixão e duro martírio e nesta união ofereço ao Eterno Pai, para
suster o braço da Sua justiça, e tu continuares a vida de resgate na terra. Não enganas, minha filha, e eu
não te engano; a minha divina causa triunfa. Sofre contente; salva-me o mundo, que está em tanto
perigo. Abrasa os corações no meu divino amor. Guarda, filhinha, toda a oferta da Trindade divina. A
minha foi o meu divino sangue. Recebe agora a oferta de meu Pai, do Divino Espírito Santo e de minha
Bendita Mãe.

Deu-me o Padre Eterno uma cruz, colocou-ma dentro de meus braços. Jesus disse-me:

— Aceita-a, abraça-a por nosso amor.

O Divino Espírito Santo, em forma de pomba, infundiu na minha cabeça uma luz como uma lâmpada
eléctrica. Jesus disse novamente:

— Aceita a prenda do Espírito Santo, é luz que te fará ver e compreender tudo, tudo.

Veio a Mãezinha, acariciou-me, cobriu-me das Suas ternuras.

— Aceita – disse Jesus – as ternuras, as carícias e o amor da tua Mãezinha. É o conforto para a tua dor.

— Obrigada, Mãezinha, obrigada, meu doce Jesus, Pai e Espírito Santo, obrigada para sempre. Vede a
minha humilhação por tantas graças e dons de Vós recebidos. Aceitai-a por Vosso amor, aceitai-a para as
almas.

Tudo isto que fica escrito passou-se noutra região, que era para mim desconhecida. E já lá vão duas
horas e ainda me parece que ainda estou em região diferente, mas que nada se passou comigo. O que eu
quero é não enganar. Seja tudo pelas almas.

18 de Julho de 1945

Aumentam os sofrimentos ou diminuem as minhas forças para os suportar. Parece-me não poder mais.
Tudo são horrores para mim. As pessoas íntimas, que eu tanto amo, quando digo a alguém que o amo,
parece-me mentira a mim mesma. Causa-me horror a sua presença e, quando alguém me denuncia, elas
virem para junto de mim. Sinto que é Nosso Senhor a ocultar-me todos os fiozinhos que a eles me
possam prender. Tenho tanto medo delas! Mas, ao mesmo tempo, parece-me de não viver mais a vida da
terra, mas sim de viver uma região diferente, desconhecida desta. Quantas vezes digo: Eu estou no
mundo! Que vida é esta! Se algumas vezes tenho sentido saudades do céu, nestes últimos dias não se
explica a força delas e as vezes que me consomem:

— Jesus, quando chegará o meu grande dia! Quando Te verei, Jesus, tal e qual Tu és? Ó céu, quando te
verei?

Nestes desejos, nestas ânsias parece-me sair fora de mim mesma a pedir a Jesus amor. Não Lhe peço o
céu, para não faltar ao que Lhe prometi, mas quão grande é o meu sacrifício!

— Desapegai-me de tudo o que é da terra, Jesus! Eu não tenho querer, quero só a Vossa vontade e
possuir-Vos inteiramente.
Tudo o que faço, tudo o que penso é só por Jesus e pela Sua glória; não é com o fim do prémio que me
espera. Quero ser só o que Nosso Senhor quer, nem desejo ir mais um passo para a frente na perfeição,
sem que Nosso Senhor o queira. Sofro amargamente com o agravamento dos meus males, que se
juntaram ao agravamento dos males da minha alma, mas não sofro por mim, sofro por Jesus, porque
quero que para glória Sua e bem das almas realize as suas divinas promessas. Não digo isto por querer
que o meu director espiritual venha junto de mim, para satisfazer os meus desejos: não, isso é o menos.
Tenho uma eternidade inteira, tenho o céu para o ver e para com ele amar a Jesus e a Mãezinha,
eternamente. A razão do meu desfalecimento, que sinto às vezes, é o ver que me aproximo do meu fim e
a realização das promessas de Jesus mostra-se, humanamente falando, impossível. Quando vejo que
estou naquele desfalecimento, que dilacera a alma, vou repetindo: Sagrado Coração de Jesus, eu tenho
confiança em Vós. No domingo, mergulhada nos horrores, de que falei acima, e no desfalecimento por
me sentir morrer, exclamei:

— Jesus, Jesus, estou sozinha!

— Não estás, minha filha – respondeu – estou bem no íntimo do teu coração. Que mais queres tu, se tens
o teu Jesus? Sou o teu esposo e amo-te tanto. Sou o esposo fiel que nunca te deixa. O abandono que
sentes e o horror das pessoas que te são queridas sou eu a tirar de ti tudo para mim. Possuo-te
inteiramente. Desprendi-te de tudo o que é da terra. Possuis o meu coração com todas as suas riquezas.
Tens todo o meu amor, que nuca te falta. Caminha confiada e espera em mim.

Estas palavras de Jesus não foram para a minha alma uma consolação, mas foram um alívio para o peso
dos meus sofrimentos. Suavizou a minha cruz. Fiquei mais confiada e com mais resistência para sofrer.
Nestes últimos dias voltou o mafarrico a atormentar-me a imaginação com a minha vida de ilusões,
como ele diz, e a abanar-me a cama, fortemente, duas vezes ao menos. Sinto-me despedaçada pelo peso
de uma Justiça que cai sobre mim. Parece o meu corpo ser todo destruído com esse peso e todas as
minhas veias rasgadas, experimentando ao mesmo tempo grande satisfação por dar a essa Justiça o meu
sangue, que parece chover até o fim do mundo como reparação. Quando soube que não ia comungar
nesta semana, sofri tanto, senti tantas saudades:

— Também Vós me deixais? Como hei-de passar sem Vós?

Recebi a Jesus na segunda-feira e recebi-O como a um estranho, com o maior gelo. Durante o dia,
quando pensava nisso, não podia sofrer mais e dizia:

— Só Vos sei amar, quando Vos não tenho para Vos amar. Só conheço a Vossa falta, quando não vindes
ao meu coração. Como sou ingrata! Terça-feira não comunguei e morria de saudade. Agora sim, Jesus,
conheço a falta que me fazeis. Como hei-de passar sem a Vossa vida divina? Fazei que eu seja firme no
meu amor. Fazei que Vos ame e saiba agradecer tanto quanto mereceis e quereis, meu Jesus!

Hoje, inesperadamente, recebi a visita de Jesus e, logo que entrou no meu coração, falou-me:

— Cá estou eu, minha filha, a dar-me a ti sacramentalmente. Não podes viver sem esta vida divina,
porque não tens outra a não ser esta. São exigências do meu Divino Coração. Sou eu que permito tudo
isto. Dá ao meu querido Padre Humberto um grande enchente do meu divino amor e da minha Bendita
Mãe. Dá-lhe os meus agradecimentos a ele e a todos os concorrem para a vinda dele aqui, para alívio da
tua alma. Não tens outro apoio se não Jesus, exijo o teu amparo, o teu conforto. Sou o teu Jesus.

Agradeci a Jesus, fiquei mais unida a Ele com os sofrimentos da alma mais suavizados. Com o correr das
horas foram-se avivando, e experimentei grande variedade de sofrimento.

19 de Julho de 1945

Nos mundos das minhas trevas infundiu-se junto a mim o coração envolto em negros panos: é o luto
mais pesado. É para poder enfrentar as trevas que momento a momento vou atravessando. Ó meu Deus,
nunca mais têm fim. E eu tão só a infundir-me mais nelas. A elas não vai penetrar a luz do céu nem o
conforto da terra. Que grande horror! Ó Jesus, ó meu Deus, sede Vós por mim. Sinto que o coração de
vez em quando tenta deixar o meu corpo, tenta voar ao alto, muito ao alto. Vai sequioso, vai louco, sobe
à semelhança do fumo que desaparece nas alturas. E ele quer desaparecer, quer esconder-se numa
grandeza incomparável. São mundos, são céus de grandeza ilimitada, e ele quer ir e ficar para sempre
nessa grandeza que o atrai, nessa grandeza, porque só suspira. Queria exprimir os sentimentos da minha
alma; é impossível, a minha língua não sabe mover-se para falar de tal grandeza: a grandeza de Deus, o
poder de Deus, a bondade e amor de Deus.

— Bendito sejais, meu Jesus, por me fazerdes conhecer tudo isto. Ai, queria que todo o mundo
conhecesse esta grandeza, que não há línguas que possam dizê-la nem corações que possam senti-la. É
preciso um poder supremo para aguentá-la. E o que é uma ofensa feita a esta grandeza suprema! E o que
são tantas ofensas que se cometem! Se o mundo compreendesse! Possuo uma luz que não me pertence,
que vê e compreende tudo claramente. Sinto necessidade de chorar por não saber exprimir estas
verdades. Não tenho forças para orar. Quando era pequenina, orava tanto e amava tanto a oração!

Passaram-se os anos, veio a doença, e o amor à oração continuou. Não ficava satisfeita, se algum dia
tinha de deixar algumas orações por fazer. A doença aumentou. Com a falta de forças tive de as resumir.
Mas foi aumentando a minha união com Deus, mas não deixava de sofrer, quando tinha de deixar de as
fazer. O que é agora a minha vida de oração? É quase só mental, mas posso dizer que é quase contínua.
Digo a Jesus que me entrego em seus braços, é neles que quero orar, é neles que quero sofrer e viver até
mesmo durante os meus ligeiros sonos. Quantas vezes as visitas falam junto de mim, e a minha oração
continua. Desligada da conversa se não me interessa, fico unida a Jesus, embora o não sinta nem o veja
com a escuridão das trevas. Mas Jesus sabe que estou com Ele e só quero o que Ele quer. Amava tanto as
quintas-feiras por amor a Jesus na Eucaristia, longe de pensar que elas haviam de ser dolorosas para
mim. Ai, como eu vejo a traição que me preparam, ou preparam-na a Cristo que está em mim. Vejo que
Ele passa e é apontado e escarnecido, e todos ficam a comentá-Lo. Sinto no meu coração o Coração
d’Ele: um Coração mansíssimo que, já ferido por tudo, não se altera, tudo suporta, sereno e calmo. A
vergonha já se apoderou de mim, já parece que sou despida para ser despedaçada. Vejo as estrelas
cintilantes no firmamento a brilharem por entre a ramagem verde das oliveiras. Sinto já a agonia e o
ensopamento do sangue. A dor e o brilho das estrelas, com o cansaço, convidam-me ao retiro, ao
silêncio. Aproxima-se o traidor. Os ouvidos, que estão introduzidos nos meus, já escutam tudo. Já vejo o
desembainhar da espada, o cair dos soldados e o abandono de todos, até daqueles que mais presos
estavam ao coração.

— Aceitai, Eterno Pai, o cálice da minha amargura, que Jesus dentro de mim Vos oferece.

20 de Julho de 1945 – Sexta-feira

De manhãzinha, cedo ainda, senti que foram abertas as portas da minha prisão, e conduziram-me dela
para fora. O cansaço, o peso das humilhações, pouco retirada dela, fizeram-me cair por terra. Caíram
sobre mim os algozes. Que raiva infernal! Que descarga de bofetões e pontapés. Sem o conforto da visita
de Jesus, sem a Sua vida divina, fiquei mergulhada na minha dor e desfalecimento. Comecei a sentir a
Sua grandeza e o coração a ansiar por ela. Era tal o cuidado e a pressa de deixar o mundo e esconder-se
nessa pureza e grandeza suma que não sossegava; não queria manchar-se no lodo deste mundo.
Esforçava-se por voar, sem quebrar o voo para não cair. E as saudades do céu principiaram a consumi-
lo. Pobre coração, quanto sofria por não chegar à sua Pátria! Os meus olhos estavam como que
esgazeados para a fitarem. Mas os mundos das minhas trevas escondiam tudo.

— Ó meu Deus, morro entre elas. Ah! Se eu Vos visse! Ah! Se eu Vos amasse! Dai-me força e coragem,
meu amor, e outra coisa não quero senão a Vossa vontade.

Inesperadamente, uma voz suavíssima fez-se ouvir aos meus ouvidos e ecoou no meu coração.

— Vem, vem, esposa do meu Filho, caminha, tem coragem.


E a minha alma viu estenderem-se-lhe uns braços para a receberem e levantarem o meu corpo de tão
grande desfalecimento, ajudando-o a caminhar. Esta voz e estes braços vinham do alto, muito do alto.
Foi um convite e auxílio do céu; atraiu-me para lá ainda mais.

— Ai o céu, ai o céu! Quem me dera lá para sempre!

Esta voz e estes braços eram do Eterno Pai. Posso dizê-lo, a minha alma viu-O. O demónio não quer que
eu o diga, faço-o por obediência. Ele está ao meu lado cheio de raiva, acusa-me de falsa e de mentirosa.
Este miminho do céu não me causou alegria nenhuma, nenhuma, mas fortaleceu-me para subir o
calvário. Mas a agonia continuou e parecia-me caminhar como se o coração já não tivesse sangue. No
cimo do calvário, já crucificada na cruz, sentia comigo Jesus crucificado e vi que Ele estendeu os olhos
por todo o mundo a contemplá-lo, e a agonia aumentou. Que grande dor ao ver para muitos tanto
sofrimento inútil! O coração agonizante deitava para fora em golfadas o pouco sangue que lhe restava.
Com o horrível abandono, se o Eterno Pai pudesse morrer, eu ter-Lhe-ia dito:

— Também Tu morreste, Pai!

Como sabia que era impossível morrer, bradei então em grande aflição:

— Pai, ó meu Pai, até Tu me abandonaste!

Assim fiquei nesta amargura por um grande espaço de tempo. Veio Jesus. E como veio Ele? Veio como
uma nuvem descida do céu, baixou sobre o meu peito; a essa nuvem estava unido um canal que em mim
pousava também. Ouvia Jesus beber por esse canal, sofregamente.

— Minha filha, esposa querida, estou a beber as doenças das tuas virtudes. Estou sequioso, venho saciar
em ti a minha sede de amor. Venho a ti buscar o bálsamo para o meu divino Coração tão ferido com os
crimes do mundo. Venho levar do teu martírio a salvação para as almas. Eu sou a nuvem, o canal és tu.
Recebo de ti tudo, porque toda me pertences. Sou todo teu, a ti me dou inteiramente. Dou-te todo o meu
amor e todas as minhas riquezas. Possuis todos os tesouros divinos; és o canal por onde passa para o
mundo tudo o que é divino. Se ele soubesse agradecer! Se correspondesse às graças que por ti lhe dou! Ai
dele, se continua a sua infelicidade. Ai de Portugal, se não aprende em ti as lições que por ti lhe dou e se
não for agradecido pela riqueza que lhe dei. Filha, minha amada filha, vou pedir-te agora uma grande
reparação: grandes lutas como demónio e sem o meu conforto divino. Só virei, quando estiveres prestes
a vacilar no meio das tuas trevas e grandes amarguras. Aceitas, aceitas, para acudires às almas e eu não
ser ferido?

— Tudo, tudo, meu Jesus. Eu sempre ferida e Vós sempre amado. Vós não me faltais, pois não, meu
Jesus?

— Nunca, minha pomba bela, estarei sempre contigo até ao fim, fim que se aproxima; chega o teu céu,
caminhas para ele, é a tua última fase. Consola-me então na minha amargura, repara por tantos crimes
que se cometem. Desapareceu do meio dos lares, na maior parte, o verdadeiro temor de Deus. Não há
bons pais, não pode haver bons filhos. Que horror essas praias, casinos, cinemas e casas de vícios! Não
põe termo a isto quem lho podia pôr, não lhes acode quem lhes podia acudir. Acode tu ao mundo, dá-me
a reparação que te peço, suaviza, alegre, a dor do meu divino Coração.

— Antes o inferno, Jesus, do que ofender-Vos ou negar-Vos alguma coisa. Estou pronta para tudo, não
me falteis. Em tudo quero a Vossa vontade, não quero mais um passo nem menos um passo. Seja tudo
como quereis.

— Minha filha, como prémio da tua aceitação e como recompensa do aniversário que hoje passa,
aniversário em que deste a mim e ao mundo a grande prova do teu amor e da tua grande heroicidade no
sofrimento, vou dar-me a ti sacramentalmente. Não quero deixar-te neste dia sem a minha eucaristia,
sem a vida de que vives. Dou-me a ti pelo teu anjo da guarda.
Uma chuva de anjos em hinos harmoniosos desceram sobre o meu leito. E a minha alma deixou de ver
Jesus em forma de homem para O contemplar numa hóstia branca nas mãos de um formoso anjo.
Tocaram e cantaram por um pouco e, inclinados à frente de Jesus, diziam:

— Reverentes, adoremos ao nosso Rei e Senhor, ao nosso Deus, ao Deus de amor.

E depois o anjo, que tinha a Jesus, pronunciou: Corpus Domini nostri Jesu Christi, etc,
etc. Continuaram por um pouquinho os hinos depois de eu receber Jesus. E a pouco e pouco foram
subindo ao alto como pombinhas batendo as suas asas. Ficou junto de mim, em tamanho de homem, o
belo anjo da minha guarda. Ficou a dizer-me:

— Estou contigo e sempre ao teu lado, estou a desempenhar a missão que Jesus me confiou. Estou
contigo e amparo-te sempre no teu sofrimento, nas tuas lutas. Todo me consolo ao ver a reparação que
dás ao teu Jesus, ao meu Senhor. Todo me consolo ao ver o amor com que O amas. Sou teu companheiro
na vida e também na tua passagem de terra para a eternidade.

Dito isto, desapareceu. Fiquei, pelo espaço de três horas, com a minha alma forte e cheia. Agora só já
vejo trevas e estou tímida com os sofrimentos que me esperam. Temo-os, mas quero-os e amo-os por ser
essa a vontade do meu Jesus.

23 de Julho de 1945

Passo os meus dias em escura prisão. Os olhos do corpo não podem ver a luz, e a minha alma não tem
luz. Lançaram-me ao abandono, às trevas e à morte. Tudo o que são trevas me cobrem, só nas trevas me
infundo. Paredes do meu quarto, testemunhas de tanta dor, se vós falásseis, quanto teríeis que dizer.
Bendito seja o Senhor, a Ele bendigo a minha cruz. O meu coração foge para a grandeza do céu, mas ai,
foge tão cheio de amarguras, tão oprimido pela dor. Mas à vista clara de tanta grandeza e de tanto amor
esquece tudo, tenta não recordar a dor, para perder-se naquele oceano infindo das maravilhas do
Senhor. Que cuidado ele tem de voar ao alto, sem ser manchado pelo pó imundo da humanidade! Quero
e não posso, não quero o pó, mas bem manchada me sinto. Oh! como eu estou suja e banhada no lodo
imundo. E que vergonha a minha diante de Jesus! E que horror tão grande o da justiça divina! Parece
que se abrem as nuvens, estalam os trovões, e faíscas imensas de fogo vêm destruir um corpo. Jesus
preveniu-me, e foi bem verdade. Oh! quantas amarguras as da minha alma! Não sei dizê-las, é
impossível. Por vezes parece-me não poder mais. Não sei dizer outra coisa a Jesus a não ser:

— Por Vosso amor, por Vosso amor e pelas almas, sou a Vossa vítima, faça-se como quereis, fazei que
Vos ame tanto quanto deseja o Vosso divino Coração.

Jesus continua dentro de mim a oferecer ao céu o cálice da amargura. Pobre Jesus, quem sofre é Ele, a
amargura que oferece só a Ele pertence apesar de eu estar sempre tão amargurada. É Ele que sofre e não
eu. Sinto na minha alma que continuam os maus juízos, as falsas apreciações a meu respeito e a respeito
do meu santo pai espiritual. Sinto que estão tantos corações endurecidos e cegos à luz da verdade.
Bendita cruz! Não digo bem falsas apreciações: não são falsas, coitadinhas, não compreendem mais. Não
sabem a dor duma alma no meio das lutas e das trevas, ao desamparo. Ó sofrimento amado, que há tão
pouco quem te conheça e compreenda! Há dias que eu sinto que o meu coração é uma casa aberta, de
entrada para quem quer. Sofri muito com este novo sofrimento. Hoje, em momentos de amargura quase
insuportáveis, em que o demónio me queria levar ao desespero, trazendo-me à memória a minha vida de
enganos e falsas ilusões, e queria forçar-me a não confiar em Jesus, obrigando-me quase a acreditar que
não seriam realizadas as Suas divinas promessas. Ó meu Deus, que duro e penoso martírio! Já via tudo a
perder-se. Eu queria dizer àqueles que me amam, apesar de eu já não sentir que sou por eles amada, que
me esquecessem, que me deixassem também ao abandono, para não ser tão grande a sua humilhação,
pois assim não sofreriam tanto, como se esperassem até ser descoberta a minha falsa vida. Com os olhos
fitos em Jesus e na Mãezinha, jurava-Lhes que confiava. O demónio, mais enraivecido, veio como um
ladrão, e senti como se ele me levasse o coração.
— É meu – disse-me ele – vamos pecar.

E cobriu-me de insultos.

— E com o teu coração nas minhas mãos faço-te pecar quando quero.

Então muito mais ao vivo senti ser essa morada de que acima falei. Nela entravam quantos queriam, eu
era a casa do pecado e o próprio pecado; estava disposta para tudo. Meu Deus, que horror! Tantos
pecados, tantos crimes! Lutei muito, e o demónio mostrava-se contentíssimo por fazer de mim tudo
quanto queria. Disse a Jesus muitas vezes que era a Sua vítima e que não queria pecar. A luta terminou,
mas o demónio por algum tempo continuou ainda a dizer-me que o coração era dele, e eu sentia que ele
o tinha em suas mãos. Eu não tinha coração senão para palpitar aflitivamente. Tudo em mim estava
vazio, ele tinha em suas mãos o meu maior tesouro. Ele continuou-me a insultar, e eu fiquei a dizer:

— A minha vida, meu Jesus, a minha vida, oh! como ela é! Que ela seja vida de amor e reparação, e só
como Vós quereis.

Jesus não veio confortar-me, e eu estou nas minhas horríveis amarguras. Que Ele seja a minha força,
para eu poder resistir a tudo. Que Ele seja o meu guia nas minhas trevas. A não ser Ele, quem me guiará?
Tudo me roubaram.

26 de Julho de 1945

Tenho que ser, quero ser uma outra Madalena junto à cruz; tenho que chorar e quero chorar as minhas
culpas. A minha alma sente disso necessidade. Jesus espera-me de braços abertos para me receber;
espera-me cheio de sorriso e de amor. Quer possuir-me, quer abrasar a minha frieza na fornalha do Seu
Coração Divino. Mas, ai que vergonha a minha! Caminho par Ele tão tímida, não posso levantar para Ele
os meus olhos. A minha alma e o meu corpo não podem aparecer na Sua divina presença; estão nojentos
e desfeitos em lepra. Ouço que uma voz me chama, atrai-me a doçura do seu chamamento. Tenho de ir,
quero ir. Se não vou, perco-me. Tenho que chorar, quero chorar. Vejo que é perfeito, muito mais
perfeito, serem as minhas lágrimas de dor e de amor; o temor que fica mais de rasto fica longe de subir à
altura do amor. O meu coração sobe, deixa o mundo, deixa o corpo, vê nas alturas a grandeza e o amor
do infinito. Ai, que sede de se perder nele! Oh! que sede de dar a esse amor o que ele deseja. Deseja o
mundo, e ele, tão pequenino, quer dar o mundo a esse amor, a essa grandeza. Perdeu-se nesse amor e
desse amor recebeu tudo, e esse tudo faz chover por toda a terra. Sinto e vejo cair essa chuva. É chuva
miudinha, mas orvalha tudo, é orvalho do céu, são as grandezas, as maravilhas e o amor de Jesus. É
água que vem lavar a lepra do meu corpo e da minha alma. Não sei falar do amor de Jesus, não sei falar
da Sua grandeza, não sei exprimir a Sua sede e ânsias das almas. E queria dizer tudo, queria que o
mundo soubesse, só com isto pode ser salvo. As trevas cegam-me, o seu terror parece desequilibrar-me e
desnortear-me. Que agonias, que agonias as da minha alma! Quantos ais, quantos suspiros abafados!
São as trevas que os não deixam subir ao céu. Jesus exigiu hoje de mim duas dolorosas reparações. De
uma à outra houve um intervalo de poucos momentos. Lutei perto de uma hora com o demónio, em
suores e palpitações, palpitações do coração aflitíssimo, que me pareciam tirar a vida. Que malvado
imundo! A primeira reparação, sentia-me essa morada de porta aberta, pela qual entrava quem queria.
Vi entrar tanta gente, louca pelo prazer e que tentava disfarçar quem era. A segunda foi a reparação da
família. Ainda o que se peca! Ai o que Jesus é ofendido! Eu dizia:

— Ó Jesus, para longe de mim o pecado, não quero pecar. É para Vós, para o Vosso Santíssimo Coração a
reparação e o amor.

Logo na primeira luta, eu parecia-me desesperar, ia desfazer-me em lágrimas, em lágrimas de desespero.


Eu senti, e a minha alma via uns braços que se estendiam para mim, para me amparar e abraçar. Ao
terminar da segunda reparação, romperam esses braços por entre a fúria dos demónios, que fugiram
como leões espavoridos. Era a Mãezinha, foi Ela que me tomou para o Seu regaço e me abraçou e disse-
me:
— Minha filha, é esta a reparação que mais custa a uma vítima, a uma esposa e virgem fiel do meu Jesus.
Vem cá, não mereces estar entre os demónios. És digna de estar entre os anjos e à sombra do santo das
virgens. Vem, meu filho, conforta a tua filhinha desfalecida, quase sem vida.

Veio logo Jesus a beber do meu pobre coração. Sentia-O, ouvia-O beber sem parar. Mas já antes da
reparação tinha feito isso.

— Filhinha, filhinha, a primeira reparação, que de ti exigi, é reparação pelos crimes cometidos nas casas
do demónio, nas casas do pecado. Vistes aqueles que lá entravam disfarçados? São os que se
envergonham do horroroso nome que têm. Oh quanto eu sofro!

E Jesus chorava e disse-me quem eram esses que entravam disfarçados. Que pena eu tive do meu Jesus
ao vê-Lo chorar e ao ouvi-Lo dizer: “vê quanto eu sofro!” A segunda reparação, que te pedi, foi a da
família. Sentiste com a dor violenta o meu Divino Coração? Quantos crimes, quantas maldades se
praticam! Obrigam-me a castigar. Privam da minha glória a tantos inocentes. Continuas, filhinha
amada, a dar-me esta reparação? Não temas, confia que não me ofendes, não é manchada a alvura da
tua inocência.

— Estou pronta, Jesus, só na certeza de pecar é que Vos nego alguma coisa.

Jesus estreitou-me com a Mãezinha, e Ela disse-me:

— Vai, vai, esposa amada do meu Jesus, vai e não Lhe negues nada. Eu amo-te, Jesus ama-te.

Voltei às minhas agonias e a ver as agonias e todos os sofrimentos do calvário. Vejo correr em mim do
Coração Divino do meu Jesus o sangue que dentro em pouco há-de regar a terra. Sinto arremessos
rancorosos, que contra mim são feitos. Vejo a grande coroa de espinhos em forma de capacete, que há-
de coroar a minha cabeça. Sinto-me a desfalecer ao ver a agonia do horto e a morte.

27 de Julho de 1945 – Sexta-feira

O meu corpo não pode resistir a tanta raiva e maus tratos dos judeus. Já não é uma pessoa que leva a
cruz, é um cadáver disforme. As carnes do meu corpo foram despedaçadas. Caio e fico, como se já não
tivesse vida. Os espinhos, ao eu cair, penetram cada vez mais fundo. A cabeça é uma dor só. O rosto
pisado e em sangue mancha as pedras onde bate repetidas vezes. Sou arrastada pelas cordas tão
cruelmente. O corpo com tal fúria e rancor é levantado ao ar, nas minhas repetidas quedas, e vem depois
arrastado, coberto de maus-tratos. Ao que chegou a malícia dos homens! Não tenho coração que
consinta que o meu Jesus seja tratado assim. Dentro de mim, mas pelos lábios santíssimos de Jesus,
corre sangue, vindo do peito, motivado das grandes quedas e maus-tratos dos bárbaros judeus. Já no
calvário e na cruz pregada, o sangue continuava a correr, a regar a terra. Que chuva de veados bebia
dele! Mas eram tantos os que o desprezavam e fugiam dele a passos de gigante! E Jesus, louquinho de
amor, sem poder desprender os braços da cruz! Chamava-os e convidava-os a entrarem no Seu Divino
Coração aberto. Eles rejeitavam a entrada nele. Oh que agonia! Jesus queria-os oferecer ao Eterno Pai, e
eu queria-os oferecer a Jesus. Que confusão, que vergonha! De nada valiam os sofrimentos de Jesus e o
Seu sangue derramado. E de nada valia o meu martírio. Jesus envergonhava-Se diante do Seu Pai, e eu
envergonhava-me diante de Jesus. A minha agonia subia, subia às alturas. Jesus, tomando o cálice do
meu coração, levantou-o, ofereceu-o repetidas vezes ao Eterno Pai e dizia-Lhe:

— Recebe, meu Pai, o tributo deste martírio, o incenso deste amor.

Fitei o meu Jesus na cruz, e a agonia continuou. De verdade, eu queria ter sempre um turíbulo de
incenso de amor, para oferecer a Jesus. Mas nada tinha, porque a agonia e as trevas tudo destruíram.
Veio Jesus, suavizou a dor, a agonia e dissipou as trevas. Fez que eu O sentisse em mim muito terno e
doce. E disse-me:
— Minha filha, o meu coração e o teu são um só, prenderam-nos os laços do amor. Vai, flor, flor mimosa
do jardineiro divino. Vai à conquista das almas, leva as riquezas, os tesouros imensos, que te confiei.
Traz-mas, compra-as a todo o preço. O cofre dessas moedas é o teu coração e o meu. Vai, és a luz das
almas. Vai, és a pureza das virgens. Vai, és o amor dos corações. Vai, diz, minha filha, que se ouça
repetidas vezes a voz do Pastor do Universo, que só será salvo por uma completa emenda de vida.
Nunca, nunca, minha filha, se pecou como hoje! Não há justos na terra que apaguem tanta maldade,
tanta gravidade de crimes. Isto é uma queixa amorosa do meu Divino Coração ao teu. Haja penitência,
faça-se penitência. Confiei-te o mundo, ó vítima sem igual. Sim, e por ti será salvo, por ti serão salvas as
almas, ou com castigo ou sem ele. Se ouvirem a minha voz divina, saída pelos teus lábios, serão salvas
pelo prémio e grande glória. Se não ouvirem, salvam-se, mas sem merecimento; salvam-se pelo temor à
justiça do meu Pai. Vítima pura, vítima amada, quanto te deve a cega e ingrata humanidade!

— Acredito, meu Jesus, confio na Vossa divina palavra, porque a Vós, meu sumo Bem, devemos tudo, e,
como estais em mim, conVosco posso tudo. Mas ai, meu Jesus, que vergonha a minha! Sei que tudo é
Vosso, mas ainda assim confundo-me, porque só vejo em mim miséria.

— Ó minha estrela brilhante, encantam-me as tuas virtudes. Eis porque te dou os títulos mais belos.
Encontrei em ti uma felicidade e generosidade sem igual. Eis porque te fiz poderosa. Pede-me o que
quiseres, nada te negarei sobre a missão que te dei, isto é, sobre os pecadores. Já to disse e repito: a uma
palavra tua em seu favor junto do trono divino eles serão salvos. Escuta, filhinha, um convite do meu
Coração: vem, esposa amada, bebe o meu divino sangue, é a tua vida, é a vida das almas. Dou-to para
conservar-te a vida, dou-to para dares às almas. É um milagre conservar-te a existência aqui. Quero-te
acabrunhada debaixo do peso da dor; quero que sintas no teu corpo o que há de mais doloroso. É maior
o poder e maior a graça. É maior o proveito das almas e a glória para mim.

Jesus não uniu como das outras vezes o Seu Divino Coração ao meu, porque eu já sentia os dois
transformados num só. Mas senti, como se Ele abrisse um registo pelo qual principiou a correr em mim
o Seu divino sangue. E ainda mais: fez um enleio das veias d’Ele nas minhas pelas quais corria também
sangue. Não eram só d’Ele nem só minhas, eram de nós os dois.

— Recebe – dizia Jesus – vive e dá a vida. São as minhas as tuas veias, e as minhas tuas. É teu o meu
Coração, e o teu é meu; é meu todo o teu ser, és de Jesus, e Jesus é teu. És minha esposa, possuis a
minha vida. Vai, farol do mundo, vai, pastorinha, vai buscar-me as almas, fecha-as em meu Divino
Coração, possuis a chave. É meu divino desejo que depois da tua morte apareças muitas vezes como
pastorinha, trazendo as ovelhas junto do meu sacrário, fechando-as aí em meu Coração. Quero que
apareças com o teu aberto, lavando-as, purificando-as dentro dele antes de a mim se entregarem, sinal
de que foram lavadas na tua graça, nas tuas virtudes, no sangue que de mim recebeste. Digo-te isto hoje,
minha pomba bela, como prémio e para conforto da dor causada pelo aniversário que passa: a cegueira e
maldade dos homens. Que ingratos são para o meu Divino Coração e para as almas! Fiz luz em ti para
lhes dares luz, e tentaram apagá-la. Imolei-te, sacrifiquei-te para as salvar, e tentaram encobrir e abafar
os meus meios. Não amam o meu Divino Coração, não amam as almas. Em vão, em vão, tudo em vão. A
minha divina causa triunfa, o seu brilho existirá sempre no tempo e na eternidade, mas à custa do teu
prolongamento e duro martírio. Coragem! Alegra-te! Em breve, chega o céu cheio de glória, prémio
inigualável, amor sem fim.

— Obrigada, meu Jesus. Sede amigo, espero de Vós tudo, porque nada tenho.

Queria dizer o que sentia, quando nas minhas veias corria o sangue de Jesus, mas não sei dizê-lo. Eu era
toda amor, tudo era luz, tudo era vida eterna.

— O que será, meu Jesus, o céu para sempre! Aceitai-me o sacrifício de ditar tudo isto e, junto a ele,
aceitai-me as amarguras que já me acompanham com as dores da alma e do corpo.

30 de Julho de 1945
Caíram sobre mim as trevas mais aterradoras da morte. Que profundo abismo! Oh! tantos mundos delas
atravessados e tantos outros para atravessar! Encobriram o meu Jesus, o meu Deus, o meu tudo;
encobriram a Sua luz, grandeza e omnipotência. Mas o meu coração sabe que tudo existe. Quer subir,
quer voar, chegar ao seu termo, quer parar no céu, parar em Jesus, mergulhar-se n’Ele. Ó que sede
ardente, consumidora! E sobre tudo isto caem as grandes humilhações por que há um ano passei. Sofro,
revivo tudo. Ai se não fosse o amor a Jesus e às almas, o desejo ardente que tenho de lhe dar tudo, o que
seria então? Cairia na lama, desfalecida por completo para aí apodrecer e morrer. Mas oh! não
acontecerá assim. Jesus é a minha força e amparo mesmo sem eu o sentir. Jesus é a minha confiança e o
meu eterno amor. Confio, espero, serei d’Ele e sempre d’Ele. Para maior martírio da minha alma sinto-O
dentro de mim, tratado como Rei, mas, por escárnio, de mãos atadas e entre elas uma cana verde. Sinto-
O preso à coluna e frequentes vezes açoitado; não O deixam respirar, tiram-Lhe a vida, despedaçam-Lhe
as carnes e Ele sempre manso como um cordeirinho inocente. E eu não sei consolá-Lo, não tenho para
Ele uma palavra amiga, a não ser: “sou Vossa, amo-Vos, sou a Vossa vítima”. Mas isto com frieza, com
secura, com cegueira mortal. E o demónio vai continuando a sua tarefa, vem com as suas ameaças
repetidas vezes. Durante esta noite temi algum ataque violento. Quando esperava o seu assalto,
apareceu-me uma linda floresta cheia de flores e lugares de passatempo. Depois apareceu-me outro
lugar aterrador; tudo era escuridão, cavernas feias, lugares de prisões, abismos de perdições. Causava
nojo e pavor ao mesmo tempo. E passou assim sem eu saber o seu significado. Hoje de manhã, antes de
receber o meu Jesus, já ele andava com os seus falsos rodeios. Comunguei, e não se tinha passado ainda
uma hora, e veio ele fortemente. Lutei no meio de insultos e palavras só dele, feias e vergonhosas.

— Olha, aqui tens uma prova de que o teu coração é meu, faço de ti o que quero e quando quero e tenho
poder para tudo. Deus quer que tu peques. Se assim não fosse, eu não viria tão depressa depois de O
teres recebido. Vistes o que ontem à noite te mostrei? Aquele lugar encantador, de belos passatempos, é
o prémio que eu dou aos que me servem e são meus. O outro lugar, que te causava horror, é o que te dá
Deus. Não sofras, diz-Lhe que não O queres servir nem sofrer por Ele.

Invoquei fortemente o nome de Jesus e da Mãezinha:

— Sou a Vossa vítima e não quero pecar.

Fiquei libertada, mas o meu dizer não era o meu sentir. Eu sentia querer o gozo e o prazer e sentia que
nada me satisfazia e tina pena com isso ou sentia que a tinha. O meu Jesus bem sabe que não. Os meus
olhares eram como que esgazeados, e fiquei como a avezinha que perdeu o seu ninho e, batendo as asas,
ficou nos ares sem poder subir, sem poder poisar, esperando a morte a cada momento, vendo-se perdida
para sempre. Depois disto, semeada por entre espinhos, deu-me Jesus uma florinha do Seu amor. Trata-
se dumas almas que vieram aí e dum santo sacerdote que junto do meu leito me deu grande prova de
dedicação e muitas palavras de conforto. Foi a primeira vez que o vi, Jesus o cubra de glória. Bendito
Jesus, ainda não estão todos contra mim. Não posso dizer que senti consolação, mas sim grande alívio
espiritual. Ver duas almas no bom caminho, mais perto de Nosso Senhor! O bom sacerdote a suavizar a
minha cruz! Esqueci-me do que sofria, para agradecer ao Senhor. Ou antes, todos os sofrimentos achei
poucos, para Lhe dar as almas. Se o mundo soubesse quanto sofre Jesus com os nossos pecados!

2 de Agosto de 1945

A minha cegueira, a minha cegueira, as minhas trevas! Parece que me encobriam o tempo e a
eternidade, nunca mais me deixando ver a Deus. Que tristes agonias as da minha alma! Ai de mim, se
por um momento perdia a confiança no meu Jesus! É impossível exprimir quanto sofro. É um abismo
tão profundo o abismo do sofrimento, sobretudo o da alma, que nem a própria alma o sabe aclamar. É
um abismo sem fim. É uma dor que se comunica a todas as dores, uma cegueira a todas as cegueiras.
Mas Jesus vela, põe sobre a alma ferida os Seus olhares divinos, para a manter e conservar em paz. Que
Ele seja louvado! Eu sinto como se a minha esteja toda rasgada e estrancinhada. E quantas vezes me
parece estar a vacilar. Lá vem Jesus por este ou por aquele meio tranquilizar-me. E a tempestade
acalma, a alma serena. O que é isto senão Jesus? Só d’Ele pode vir a paz. O demónio rodeia-me por todas
as formas. Aparecem-me tantos, uns como caçadores, outros como soldados com as suas armas. A outra
noite, apareceu-me ao pé do meu leito em forma de homem, um homem forte, mas já ancião, mas
malicioso. Nesta noite, a cena foi mais dolorosa. Vieram como grandes cavalos e relinchavam à minha
volta.

— Meu Deus, meu Deus, que cenas tristíssimas! Como pode haver tanta malícia! Como Jesus é ofendido!

Não digo as cenas que foram, não posso dizê-lo. Lutei até não poder mais, lutei até dizer a Jesus:

— Já Vos disse o meu amor e volto a dizê-lo. Antes quero o inferno mil vezes, o inferno, do que ofender-
Vos.

Veio Jesus, à Sua voz todos os demónios em forma de cavalos fugiram.

— Minha filha, toma a tua posição, ó farol, ó farol do mundo, ó luz das trevas. Sim, filha amada, as tuas
trevas são vindas de mim, assim o permito. São trevas para esconder o brilho da tua graça, as minhas
maravilhas em ti. São trevas que dão luz às trevas do demónio. Só deixarias de as ter, se no mundo
deixasse de haver pecados. Coragem! As tuas trevas dão luz às almas que estão em pecado. Com as tuas
trevas vêem a gravidade dos seus crimes e vêm ao meu Divino Coração. Viste, filhinha amada, o que
passaste com o demónio? Vê até onde chega a maldade do homem. É assim que eu sou ofendido. É com
toda a malícia que o meu Divino Coração é ferido.

Mostrou o Seu Divino Coração a escorrer sangue, e eram abundantes as Suas lágrimas e os Seus
suspiros.

— Sou a Vossa vítima, Jesus, não choreis. Deixai-me sofrer para Vos desagravar e não me deixeis pecar.

Jesus cobriu-me de carícias e retirou-se. Oh! como fiquei triste! Triste com a cena que presenciei. A
maldade do mundo! E Jesus assim ferido! Passei a noite em grande sofrimento, mas sempre com Jesus
no pensamento e frequentemente nos lábios. Aumentou o meu sofrimento por saber que uma das
minhas vigias da Foz, por sinal das mais austeras, morreu de morte repentina. Não posso nem quero
julgá-la. Meu Deus, nem penso nisso, mas preocupou-me tanto pela sua maneira de viver! Não duvido
da sua salvação. Ocorreu-me logo ao pensamento o dia em que ela faleceu. Foi numa sexta-feira. E esse é
um dos dias em que o meu querido Jesus prometeu ter o inferno fechado. Não duvido, confio. Mas,
apesar de viver nesta confiança, não sinto nisso alegria alguma, parece que um véu preto veio encobrir
tudo o que a isso diz respeito. Passam-se poucos momentos sem que ela me venha ao pensamento, e logo
oro por ela. Sinto que ela necessita muito, muito de orações, que deve estar muito ao fundo do
purgatório.

— Ó Jesus, aliviai-a pelo rigor com que ela fez a observação, dai-lhe depressa a Vossa glória.

Ó triste, ó triste quinta-feira, triste, porque me trazes a sexta. Amo a quinta, porque amo a Jesus na
Eucaristia. Amo a sexta, porque amo o Seu Divino Coração e a Sua santa paixão. Mas, amando, os não
deixo de temer. Ó meu Deus, o meu coração está despedaçado. A dor desligou-me de todo o corpo. Sinto
que a força, a vida dele não é da terra. Se assim não fosse, a vista antecipada dos sofrimentos que me
esperam era o bastante para tirar-me a vida. Que quadro negro da morte eu vejo no horto! Que agonia
tão dolorosa!

3 de Agosto de 1945 – Sexta-feira

Lá vou com Jesus para o meu calvário. Vejo-O dentro de mim, vejo a cruz, é Ele quem a leva. Eu sou
apenas uma casca de ovo, dentro da qual Ele se colocou. Pobre Jesus, como eu O vejo! Curvado debaixo
da cruz, oprimido pelo seu peso, quase com o rosto em terra. Mas sou eu quem cai, e é o meu corpo que
sofre. Não compreendo: sou eu e não sou eu. Todo o meu corpo vai chagado. Os meus olhos escorrem
sangue, os meus ouvidos também, a minha cabeça são só espinhos, em sangue banhados. A cada arranco
pelas cordas, arrancos furiosos, os meus ossos parecem desligarem-se. Os olhos da minha alma, sem
precisarem chegar ao cimo do calvário, estendem-se pela humanidade. Que olhares, que tantas coisas
lhe segredam e a tantas a convida. Nada valem. Que grande ingratidão! O mundo não se compadece da
dor do Divino Jesus. E eu vejo-O chorar, pregado na cruz. Vejo os homens vomitar sobre Ele os vómitos
das suas maldades e injúrias. Aproximam-se de Jesus, para sobre o Seu santíssimo rosto lançarem tudo
e arrancarem o Seu Divino Coração, já desligado do corpo pela dor antecipada, para lho colocarem aos
pés, deixando-o desfeito em massa sangue. Vejo de todos os cabelos da sagrada cabeça de Jesus caírem
gotas de sangue que formam um chuveiro e do alto da cruz regam o calvário. Oh! agonia tremenda! Oh!
abandono assustador! Que nuvem negra escureceu o firmamento e a terra! O meu coração tudo sente; os
olhos da minha alma tudo avistam. O coração sufocado sofre em silêncio; só de longe a longe um
gemido. Jesus a morrer para dar a vida, e os homens a matarem a vida.

— Ó meu Deus, ó meu Pai, só conVosco resistirei. Estou a agonizar, sinto-me prestes a dar a vida.
Aceitai, ó meu Pai, o meu sacrifício.

Veio o meu Jesus, veio cheio de amor e disse-me:

— O meu conforto, a minha paz, o meu amor sejam contigo, ó filha minha. Tranquiliza o teu coração. É
chegada a hora do meu amor e do brilho da minha divina causa. Esperei e consegui alguém que alguma
coisa de bom pode fazer. Coragem! Enche-te do meu amor. Passo alguma ao teu coração e mergulho nele
todo o teu corpo. É de amor, é da minha eucaristia que tu vives. Para o teu coração resistir ao meu amor,
opero nele milagre! Para mais te encheres de mim, toda nele és mergulhada.

Senti que o meu coração palpitava fortemente e não cabia dentro do peito. À força do amor de Jesus ele
não podia resistir. Senti então que todo o meu corpo se embebeu no amor de Jesus. Todo o meu ser era
vida, todas as trevas e agonias da minha alma tinham desaparecido. Eu era amor, toda amor. E Jesus
continuou:

— Haja luz, faça-se luz, porque por ti dou luz e amor às almas. É por ti que lhes dou entrada no meu
Divino Coração. Haja luz, faça-se luz, porque por ti, esposa querida, é dada a reparação ao meu Coração
tão ferido. Por ti, pelos teus lábios a peço ao mundo, assim como a oração e a penitência. Haja luz, faça-
se luz, porque é por ti que o mundo é salvo. Quero que ele saiba e por ti conheça as riquezas do meu
Divino Coração e as maravilhas que opero nas almas e a minha loucura por elas. Escuta, esposa amada,
pomba querida. Sabes porque sofreu abalos a minha divina causa? Porque não foi estudada; não a
estudaram, não tiveram as minhas luzes. E sabes pelo quê? Não a estudou quem a devia estudar. Não
receberam a luz do céu, porque não estavam preparados para a receberem.

E nomeou-me Jesus as circunstâncias por que não estavam preparados. Fiquei assustada. De um desses,
Jesus deu-me a queixa de O amar friamente e não ter competência bastante para compreender tão altas
maravilhas.

— Fazei, Jesus, que ele Vos ame então daqui para o futuro pelo muito que me faz sofrer.

— Não estás contente por teres sofrido tanto? Diz-me, esposa minha. Vês como feriram o meu Divino
Coração?

— Sim, Jesus, estou contente, quero sofrer sempre, para desagravar-Vos de tanta maldade. Mas como,
Jesus, como tendes comigo esse desabafo, comigo, que sou só miséria?

— Minha filha, minha filha, é para te encorajar no teu sofrimento. É para que saibas o ferimento do meu
coração que tanto ama e tão pouco é amado. Sou ofendido tão gravemente por tantos daqueles que
dizem amarem-me. Faço-te também esta queixa para punição do seu mau procedimento.

— Jesus, Jesus, não queria revelar isto. Deixais-me guardar segredo? É a vingança que quero usar para
eles; guardar segredo, orar por eles e para eles, pedir o Vosso infinito amor.

— Consinto, oculta, menos ao teu Pai, ao teu director espiritual.


— Como, meu Jesus? Eu não o vejo, não mo dão.

— Espera confiada. Ele virá, ainda por um pouco dar luz à tua alma.

— Jesus, estais tão ferido? Também eu Vos feri com as minhas faltas?

— Não, minha filha, não, flor mimosa do meu jardim. Já sabes que são necessárias as tuas faltas para
ocultar e esconder as minhas grandezas e maravilhas em ti. O mundo não pode vê-las e contemplá-las tal
qual elas são aqui na terra. Só no céu poderão contemplar o seu brilho e encanto. Diz-me, aceitas por
algum tempo os combates do demónio com toda a violência?

— Digo-Vos, Jesus, aceito. E Vós dizeis-me também que não me deixais pecar?

— Como poderá ofender-me, ofender-me uma esposa minha, a depositária do meu amor e do meu
Divino Coração, que encerra toda a infinidade de riquezas? É tão grande o que de mim recebes como
grande é a missão que te dei. A missão das almas! A beleza das almas! Têm a minha riqueza, se possuem
a minha graça. Eis porque é grande a missão como grandes são as riquezas divinas. São ricas as almas
que possuem Jesus. Vai espalhar, vai semear aqui na terra e depressa no céu. Tens o cofre, tens a chave,
és toda das almas.

— Jesus, quero sofrer tudo na terra e na terra amar-Vos. Quero amar-Vos no céu com todo o amor dos
Querubins e de toda a Pátria Celeste; quero semear e fazer chover para a terra as Vossas inesgotáveis
riquezas e maravilhas.

Voltei de novo a ser mergulhada no amor de Jesus.

— Obrigada, meu Jesus, dai-me esse amor sem cessar.

— Vai, filhinha, com confiança, és um serafim de amor abrasado. Vai dar aos corações e às almas os
ardores desse amor.

4 de Agosto de 1945 - Sábado

Durante a noite, fui acompanhada com frequência pelos demónios, todos em forma de homens, uns de
pé, outros sentados, uns com óculos, outros sem eles, com barretes espraganudos, com olhares
aterradores. Por vezes assustaram-me apavoradamente. Muito unida a Jesus, esperava os seus ataques.
Não vieram violentar-me. Jesus assim o permitiu. Eu sentia que não resistiria a eles. Estava tão
desfalecida! Que grande tristeza a minha! Os espinhos feriam-me, em nada encontrava alegria.

— Nem, Jesus, nem nas Vossas coisas me alegro e sinto consolação! Sofro com isso. Vejo a alegria
daquilo que é Vosso nas outras pessoas, e eu não a tenho. Seja feita a Vossa vontade. Bem sabeis que
tudo aceito, e o coração e a alma a tudo sorriem.

A alegria está nisso: aceitar, querer e amar. Preparei-me para a visita de Jesus.

— Aceito e quero a cruz, amo-a por Vosso amor.

A minha preparação foi feita tão longe, por entre as trevas, e tão friamente! Veio o momento da
comunhão. Jesus entrou para o meu coração, e em tudo fiquei transformada. Cadeias fortíssimas
prenderam-me a Ele. O Seu divino amor aqueceu-me, e a Sua luz iluminou-me. Jesus não falava, mas
era grande a nossa união; era grande, infinitamente grande o abismo de amor em que estava
mergulhada. E então falou-me:

— Desci, minha filha, ao meu céu na terra. Vim dar-te amor e receber amor. Vim ao mar imenso da tua
dor buscar consolação para o meu Divino Coração; buscar bálsamo para a chaga que o faz sangrar. Vim
ao jardim que cultivei e semeei buscar flores para adorno do trono divino. Semeei, e as flores
germinaram. Que frutos encantadores, que indizíveis maravilhas! São lírios, são açucenas cândidas e
puras como todo o aroma que irradia o céu e a terra. Repara, descem os anjos à minha esposa, ao meu
céu da terra, vêm colher flores do meu jardim e levá-las ao jardim celeste para adornarem o trono da
Trindade Divina.

Que cena tão encantadora! Desceram os anjos, uns com açafates, outros com cestas arcadas; colhiam,
colhiam, enchiam os açafates, e outros enchiam seus braços, batiam asas, formavam seu voo e
desapareciam com elas, enquanto outros desciam a fazer o mesmo. Quanto mais eles colhiam, mais
flores apareciam. Era um jardim delas como, como chuva miudinha. O terreno do jardim era em mim e
dentro de mim é que os anjos colhiam as flores. Jesus continuou sempre.

— Os anjos unem-se aos anjos. Tu és pura, tu és bela, minha pomba angelical. Eles colhem flores de
pureza, flores de amor, flores de toda a variedade; são flores das mais altas virtudes; ao menos tu
consolas o meu Coração. Diz, minha filha, ao teu Paizinho que o meu Coração está unido ao dele, e da
minha sagrada chaga saem, como uma corrente eléctrica, para o dele os raios do meu divino amor, do
amor que quero que ele dê às almas, enchendo-as da minha vida divina, pela maior parte dos sacerdotes
desconhecida e nada compreendida. Alegra-te, minha filha, venço eu. Ele virá depressa junto de ti dar-te
luz no pouco tempo que te resta de vida. Diz, minha filha, ao teu médico que por ti lhe dou todas as
minhas graças e riquezas e toda a luz do Divino Espírito Santo, para ele cuidar da minha divina causa e
de ti conforme sempre os meus desejos. Dá-lhe todo o meu amor, amor que, como doença contagiosa,
ele pode contagiar a todos os que são caros ao seu coração. É o prémio que por ti lhe dá Jesus com o
coração agradecido. O que a ti fizer a mim o faz. Escuta agora, minha filha, os desejos da minha Bendita
Mãe. Vou depositar dentro do teu coração o Seu Santíssimo Coração; faço-te a entrega dele como te fiz
do meu. Possui-lo, és senhora dele. Ela deseja que dentro dele guardes toda a humanidade como
guardaste no meu. Tens as chaves dos dois corações de Jesus e de Maria. Ela quer que coloques, no lugar
mais alto do Seus Coração, todos aqueles que mais queridos são do teu, todos os que mais de perto
cuidam de ti e te amam. Ela promete assistir-lhes, à hora da morte e acompanhá-los ao Paraíso.
Aproxima-te, minha Mãe.

Veio a Mãezinha, fez a entrega do Seu Coração a Jesus e tomou-me em Seus braços e começou a
estreitar-me e a cobrir-me de carícias, enquanto Jesus o infundiu dentro do meu, ao mesmo tempo que
me dizia:

— É teu como é o meu; tem-La em ti como me tens a mim; adorna-o com as flores das tuas virtudes;
perfuma-o com seu aroma.

Ao receber no meu o Coração da Mãezinha, o meu dilatou-se; senti o amor dos dois, e Jesus disse:

— Vai, vê como és rica e poderosa.

— Obrigada, Jesus. Obrigada, Mãezinha. Sou rica com as Vossas riquezas e poderosa com os Vossos
poderes.

Disse-me a Mãezinha:

— Dá-me, minha filha, hoje, um dia da amargura, para reparares o meu Santíssimo Coração. Consola-
me, consola a Jesus.

Sim, Mãezinha, quero consolar-Vos e reparar tudo. Dai-me, junto à amargura, a coragem e o amor.

7 de Agosto de 1945

São tantas e tão grandes as agonias da minha alma! São tantas e tão grandes as trevas que me cobrem!
Que será de mim, meu Deus? Estou cansada e aterrorizada com os precimentos da minha alma. Não sei
o que me espera ainda. De todas as partes se levantam tempestades contra mim. Ouço os seus rumores
aterradores. Leva-me aos abismos o peso das humilhações. Que desprezo têm por mim! Não sei o que
significa isto. Parece que o céu se abre e desfaz todo em faíscas de lume, faíscas destruidoras contra
mim. Este fogo há-de tirar as manchas da terra e fazer nascer um mundo novo.

— Meu Deus, não posso sentir que se peque tanto, não posso compreender e ver no mundo tanta
malícia.

Ai, o mesmo Jesus ofendido e as almas a perderem-se! Não quero deixar Jesus ser ferido. Não posso
consentir perderem-se as almas.

— Que fazer, meu Jesus, senão dar-me a Vós e deixar-me imolar?

O meu coração sobe, sobe, mas sobe ceguinho. Quer ir à grandeza de Jesus e não a vê; está ceguinho, e
foram as trevas, trevas, mundos sem fim delas. Estas trevas encobriram todo o meu passado; se alguma
coisa em mim houve de bem, tudo desapareceu com elas. Só o mal, as minhas grandes misérias ficaram.
É o que eu vejo nesta cegueira. É verdade que o meu Jesus veio, no meio de tudo isto, espalhar alguns
raios da Sua luz e dar-me alguns dos Seus miminhos. Acredito, sei que foi Ele. Mas esses raios de luz,
que Ele espalhou, não penetraram nas minhas trevas. A luz foi para os outros, não foi para mim. Os
miminhos não consolaram o meu coração, apenas suavizaram o peso que o esmaga. As estrelas
cintilaram, não cintilaram para mim, o seu brilho não penetrou na minha cegueira. Ofereci a Jesus o
meu coração profundamente agradecido pela prova do Seu infinito amor e pela continuação do meu
martírio. Por tudo O bendigo e O amo, mesmo sem sentir o amor. O demónio, para tirar a suavidade,
que Jesus fez descer à minha cruz, trouxe-me grandes dúvidas, dizendo-me que quem ma tinha
suavizado me desprezava e não me acreditava. Esforcei-me, não confiei nele. Veio então com um ataque
violentíssimo: só podiam ser artes diabólicas, maldades dele. Não sei, mas penso que esta reparação, que
dei a Jesus, foi da família, pois assemelhou-se muito às que Jesus já me tem pedido. E também pelos
horrorosos crimes que se cometem a sós, cada um consigo mesmo. Digo isto pelo que vi, não porque
Jesus mo dissesse. Que horror tremendo! Quanto sofre Jesus! Ele não veio confortar-me. Terminou a
luta com o demónio, e fiquei a lutar com as dúvidas e receosa de mim mesma. Que medo eu tenho de
desgostar a Jesus!

9 de Agosto de 1945

Foge-me a vida, sinto-me morrer. E as promessas de Jesus por realizar. Quero confiar e por vezes não
posso. Temo tanto a minha fraqueza e com ela desgostar o meu Jesus. E isso é o que eu não quero.

— Perder tudo e de tudo ser vítima, mas não Vos ofender, ó meu Jesus.

O que me espera ainda? Que mais terei que aguentar? Ai, como a minha alma está triste, triste até à
morte! Acaba de me deixar o meu santo médico. Ao ele retirar-se do meu quarto, fiquei a pedir a Jesus
que lhe desse a ele e a todos os que lhe são queridos todo o Seu amor, todas as Suas bênçãos e graças,
como recompensa de todos os sacrifícios feitos por mim e de tantas palavras animadoras, confortantes e
cheias de fé. Nele aprendo a confiar em Jesus. Tudo o que ele me disse, sinto como se não fora dito a
mim.

— Ó meu Deus, eu vivo e não vivo, oiço e não oiço, vejo e não vejo. Ó trevas, ó horrorosas trevas, amo-
vos e amo tudo, porque vindos de Jesus.

Veio o demónio novamente. Antes de o ouvir e ver as suas cenas, senti na minha alma como se me
despisse primeiro e depois apodrecesse. Passado algum tempo, principiou a luta: cenas e palavras dele.
Por espaço de alguns momentos, pareceu-me estar em grande perigo de pecar. Estava naquela incerteza
se sim ou não pecaria. Pude fitar os meus olhos na imagem do Coração de Jesus e nela os demorar.
Disse-Lhe de alma e coração:

— Meu Jesus, se me dissésseis que eu tinha de Vos ofender ou ir para o inferno, preferiria o inferno e
não ferir-Vos, não pecar.
Serenou a tempestade; e eu triste, na minha dúvida de pecar. Veio o meu Jesus com muita doçura e
serenamente como a mãe que não quer acordar seu filho. Com que carinho Ele me disse:

— Minha filha, é grande a luta, é grande a reparação, porque é grande a malícia e maldade do mundo.
Faço-te sentir em tua alma toda a maldade e gravidade. Eu estou sempre contigo, e terás sempre a luz do
Divino Espírito Santo, para tu veres e compreenderes. Não pecaste, nem a tua pureza é manchada com a
visão de tais maldades. É maior a tua reparação, é maior o proveito para as almas e maior a tua
compaixão pelo meu Divino Coração. Vê como eu sofro! Exijo-te, mais uma vez, a reparação da família e,
juntamente a ela, outra, que tanto se alastra e tão gravemente me fere. Foi o sentimento e conhecimento
que dei à tua alma. Eis o significado de te sentires despir e apodrecer. É a imodéstia, minha filha, a
imodéstia dessas almas provocadoras. Andam como despidas a convidarem ao mal; apodrecem os seus
corpos com os males daí causados. E o mal ainda pior é apodrecerem as suas almas. Repara-me, repara-
me, consola-me.

Não sei dizer a minha compaixão por Jesus e a minha pena de não remediar todos os males. Nunca mais
termina a minha sede de amor a Jesus e de fazer que todo o mundo O ame. Mas esta sede nasceu nas
trevas e nelas vive. E eu anseio por subir e viver na grandeza de Jesus e estou presa pelas trevas e cega
por elas. Não vejo nem posso sentir essa grandeza.

— Meu Jesus, a Vossa vontade divina!...

Quinta-feira! Que mar, que ondas de sofrimentos correm para mim! Tudo em mim e à volta de mim é
dor. Já sinto a vergonha de ser vista pelo Eterno Pai. Sinto e vejo o coração aberto já sem sangue, e dele
correm tantas fontes. É mais que uma rocha, que dele brotam fontes de todos os lados. Todas estas
fontes têm de regar o mundo. Só com a dor, só com a morte elas podem correr a regá-lo, a salvá-lo.

10 de Agosto de 1945 – Sexta-feira

Durante a noite, sofri, sofri muito, mas em união com o meu Jesus; também Ele sofria muito: prisão,
escárnios, bofetadas. N’Ele, com Ele segui de manhã o caminho do calvário. Nas minas mãos sentia as
d’Ele, nos meus pés caminhava Ele, em todo o meu corpo Ele habitava e sofria. Mas em mim e fora d’Ele
estava um coração de pedra, que era como se fosse o mundo. Este coração via todos os sofrimentos de
Jesus: a flagelação, a coroação de espinhos, os cabelos todos ensopados em sangue e toda a tragédia do
caminho da montanha. Nada o entristecia, com nada se comovia. As cordas, que me arrastaram com
Jesus, ocuparam no calvário o lugar de varas, para mais despedaçarem meu corpo. Jesus foi comigo na
cruz pregado e em mim chorava ao ver a dureza daquele coração que em mim estava. Sofria tanto por
possuir Jesus, e junto a Ele aquele coração tão endurecido, que nenhum dos sofrimentos de Jesus o
levava à compaixão. Senti que o peso esmagador da justiça do Eterno Pai caía sobre Jesus e não sobre
aquele coração empedernido. Jesus estava envergonhado, esmagado, e aquele pobre coração mundial
não dava sinal de compaixão. Vi então Jesus de braços abertos, presos ao madeiro da cruz, de olhos fitos
no céu e agonizar e a repetir muitas vezes: “Pai, Pai, Pai, aceita a minha agonia, entrego-te o meu
espírito”. Neste momento, mudou-se o cenário da dor, e senti então Jesus cheio de bondade e amor.
Conservámo-nos um pouco nesta doce união, e depois Jesus, tomando-me em Seus braços, principiou o
Seu colóquio amoroso.

— Vem, minha filha, descansar em mim dos teus sofrimentos, das tuas preocupações e dúvidas, do teu
doloroso martírio. Mártir degolado é sangue derramado. Vem descansar em mim, minha mártir de dor e
amor. És a alegria e consolação do céu, és o conforto e salvação das almas. Toma coragem, nada temas,
tem confiança em mim, não duvides. Na hóstia consagrada recebes o meu divino corpo e sangue. Eu
tinha poder para só do ar te fazer viver. Quero que sejas o espelho do mundo, espelho sem mancha,
espelho sem costas para em toda a volta serem vistas as maravilhas do Senhor. A tua vida é milagrosa, é
cheia de prodígios. Sabes o que representam os trinta e três dias do teu novo martírio? Representam a
minha vida na terra. Derramei o meu sangue, em tudo operei milagres, dei lições e exemplos. Agora em
ti e por ti dou ao mundo a mesma lição divina. Estou a dar luz, para que vejam em ti o que há de divino.
Prolonga-se o teu martírio, para que vejam que é dando sangue que nasce novo sangue. Quero que
desapareça do mundo o sangue venenoso da víbora, envenenado pelas paixões e crimes, para que nasça
o sangue puro da graça e do amor. É por ti, filha querida, tu és como que uma fonte que corre e que,
apesar do sol ardente e queimaçoso, produz frutos de frescura e alimento. O mundo está queimado pelos
ardores do vício, pelo fogo das paixões. Vai o teu sangue reverdecê-lo e dar-lhe a vida.

— Meu Jesus, vede como é tremenda a minha confusão. Sinto-me diante de Vós deveras envergonhada.
Confio nas Vossas palavras e envergonho-me por reconhecer que não podiam ser dirigidas a mim. Mas,
já que a Vossa bondade assim o quer, falai, Jesus, falai, que falais de Vós. Tende sempre dó de mim.
Vede que tantas vezes quero confiar e quase não posso.

— Confia, confia, eu não falto àquilo que prometo. O fim das minhas divinas promessas há-de ser
realizado. Estou a realizar as minhas últimas maravilhas em ti, na tua última fase. Dá-me tudo o que te
peço, dá-me. Em breve, por recompensa, dou-te o céu. Minha filha, perfume do mundo, canteiro de
todas as flores do jardim celeste, este calvário possui aqui na terra uma grande parte do céu. Tu possuis
as chaves do que lá há de mais rico. És o cofre, és a depositária de tudo. Vou agora, minha filha, unir o
canal do meu Divino Coração ao teu, para receberes de mim umas gotinhas do meu sangue. O teu
coração não pode chegar a dilatar-se, não aguenta com ele nem com a força do meu amor. Tenho de
fazer milagre para lho dar e tenho de o fazer para conservar-te a vida. Eu podia, filha querida, esposa
amada, fazer-te sofrer tudo sem que parecesse que sofrias, não aparecendo em teu rosto sinal de
sofrimento. Mas não quero, porque para muitos tiro-lhe o valor. Quero que sofras enfraquecida,
sentindo todo o martírio. Quero que sofras sorrindo, quero que sofras gozando, quero que sofras
amando. A dor, para as almas amantes da Cruz, é a vida real, é a verdadeira vida. Assim é a tua, esposa
fiel do meu Coração Divino. Sofre tudo e tudo me oferece pela salvação das almas e para consolares este
Coração Divino. Dá-me o mundo, salva-o, fecha-o em mim.

Apenas o sangue de Jesus começou a passar para mim, e o coração deu sinal de se dilatar, Jesus retirou
logo do meu o Seu Coração, mas ficou ainda por algum tempo unido a mim. Pedi-Lhe então toda a Sua
graça e força para o meu calvário e tudo o que era d’Ele para todos os que me são queridos e a todos
coloquei diante da Sua divina presença. Por fim, pedi-Lhe pelo mundo inteiro. E Jesus disse-me:

— Pede o que quiseres. A todos os que te são queridos por ti recompenso e por ti ao mundo dou a
salvação.

Deixei de sentir a união com Jesus, para ficar de novo no meu calvário, mergulhada nas minhas trevas,
ceguinha, sem ver caminho, a sentir a grande falta dum guia, mas sequiosa de Jesus e sequiosa das
almas.

13 de Agosto de 1945

Que o céu seja comigo! Sinto-me como se estivesse condenada ao inferno. A minha alma sente aqueles
horrorosos suplícios. São os olhos da alma que vêem os demónios atormentadores; e em todo o corpo
me parece sentir aquele fogo negro e consumidor. Os meus ouvidos ouvem os urros dos demónios e todo
aquele desespero infernal. Por vezes fico como que para apavorada no meio da viagem. Não sei o que
fazer.

— Meu Deus, condenada ao inferno! Espero na Vossa bondade infinita que não.

Quando sinto que estou nesse desespero eterno, sinto sobre mim o peso da justiça divina. Querer ver a
Deus e não poder! É mais, milhões de vezes mais doloroso do que todo o tormento do inferno. A minha
alma treme de medo, apavorada. Oh! quantos sofrimentos indizíveis se passam em mim! O demónio dá
gargalhadas e mais gargalhadas; diz-me que é a causa dele que vai triunfar e não a de Deus; que enganei
em tudo e a todos; tudo vai ser descoberto, não há promessas de Jesus a realizar; que vou ficar
humilhada com todos aqueles que me amam e rodeiam.
— Ai, meu Deus, quanto custa querer confiar e não poder. Fazei que eu confie sempre, para não Vos
ofender. Sois Vós, meu Deus, é a Vossa causa divina, são as almas o motivo do meu grande sofrimento.

O meu estado obriga-me a acreditar que vou morrer. Quero morrer e temo a morte, não por ter de
comparecer na presença de Jesus, mas sim porque não quero morrer sem as Suas divinas promessas
realizadas. Mas tudo isto é só por Jesus e pelas almas. Por mim nada temia, de nada me importava. Com
este medo à morte quero sempre o meu santo médico junto de mim. Quero resistir a não o mandar vir e
não posso. Se resisto uns dias, não resisto outros. Sinto a minha cruz e a dele; a minha por não resistir a
dar-lhe tanto trabalho, a dele por o ver consumido junto de mim. Sofro imenso, apesar de ele ter sempre
palavras santas e cheias de conforto para comigo. Dá-me santas lições de confiança em Jesus. Mas sinto
que tanto ele como todos os que me são queridos sabem que estou condenada ao inferno, e que não se
realizam as promessas de Jesus, e não têm dó nem compaixão de mim. O meu abandono é completo. E
tudo isto sofro mergulhada nos mundos das minhas trevas. É o meu pão de cada momento; trevas e dor,
trevas e dor. Não tenho uns momentos para amar Jesus e, para maior miséria minha, não O sei amar.
Sofro tanto e não sei oferecer-Lhe os meus sofrimentos. Não sei consolá-Lo.

— Ó Mãezinha, ó Jesus, sinto que a minha perda é irremediável. Fazei que me entregue nos Vossos
braços divinos e confie, confie cegamente.

14 de Agosto de 1945

A minha alma está triste até à morte, mas tristeza que não mais se alegrará, pois continuo a sentir-me
condenada ao inferno. E lá, meu Deus, não pode haver alegria. Que aflição a da minha alma! O coração
chora e as suas lágrimas são derramadas nos horrores das trevas.

— Meu Jesus, em que hei-de confiar senão em Vós? Vejo baldados todos os meus esforços, de nada
valem as minhas tentativas de confiança. Jesus, Jesus, o meu coração desfalece, já não pode esperar
mais. Dai-me um guia, dai-me o meu Pai espiritual, dai-me um amparo para Vos seguir. Vós fugistes-
me, meu Jesus, ou escondestes-Vos, e o meu Pai espiritual roubaram-mo; roubaram-me tudo o que me
pode dar conforto. Não tenho alegria em nada da terra; já não me alegro com a lembrança do céu. Tudo
perdi, ó meu Deus.

O demónio pôs-me na alma um grande susto. Estou sempre à espera de ouvir dizer que morreu o meu
Pai espiritual sem vir junto de mim. E o maldito afirma-me que isso vai suceder. Hoje principiei a sentir
como se em minha alma se dançassem balsas mundanas; eram feitas com tanta malícia que delas se
passavam aos crimes mais horrorosos. Depois de um bom espaço de tempo deste sentimento, veio o
demónio, veio fortemente com as suas artes infernais. Convites e mais convites ao pecado, seguidos de
cenas e palavras feias. Eu sentia uma força diabólica que me obrigava a pecar, uma violência irresistível;
eu não queria, mas tinha de praticar o mal. Dizia-me o demónio que era eu que o obrigava a ele pecar
comigo, era eu a culpada, e não ele; que estava condenada e condenada sem remédio. Lutei, suei, esgotei
as minhas forças. Não sei dizer o mais que se passou. Quando me parecia estar no meio do perigo, disse:

— Jesus, Jesus, já, já no inferno. Antes o quero do que ofender-Vos.

A luta cessou, mas ele não deixou de falar. Dizia-me:

— Estás a desafiar a Deus. Se voltares a repetir isso, Ele precipita-te logo no inferno.

Fitei a Mãezinha e a imagem do Sagrado Coração de Jesus; parecia-me que o Seu santíssimo rosto e
Divino Coração estavam encobertos para mim; os meus olhos nada viam. Queria beijar a Mãezinha e o
crucifixo, que tinha junto de mim, e acariciá-los, mas só uma vez o consegui, a vergonha não me deixava.
Ofereci-me a Jesus como vítima e fiquei triste, nas minhas trevas, no meu penar. Mas tudo amo pelo
meu Jesus.

16 de Agosto de 1945
Sem luz e sem ar, cegueira no corpo, cegueira na alma. Não posso ver o dia. E a minha alma não vê outra
coisa senão trevas.

— Meu quarto querido, testemunha de tantas dores e amarguras, o que seria de mim, se por um só
momento perdesse a fé e a confiança… Perder a Deus, nunca mais ver a Deus…

De vez em quando, sem nisso pensar, sem reflectir, é este o brado da minha alma. Nunca mais ver a
Deus, perder a Deus e perdê-Lo para sempre! É o que ela sente, que a obriga a bradar muitas vezes:
perder a Deus, perder a Deus.

— Minha pobre alma, quanto ela sofre!

Continuo a sentir-me condenada ao inferno. E ontem, dia da Mãezinha, bem doloroso foi este
sofrimento. Sentia-me naquele cárcere infernal e presa a ele com cadeias de ferro. Fogo, o uivar dos
demónios, os maus-tratos, as serpentes e todos os bichos atormentadores me rodeavam e penetravam
todo o meu ser. Sem poder conformar-me com a perda de Deus, sentia um tal desespero, mas não era eu
que estava desesperada, que me obrigava a revoltar-me contra o próprio Deus, a amaldiçoá-Lo, assim
como ao meu anjo da guarda, pais e companheiros do pecado e caminhos que me levaram a ele;
amaldiçoava-me a mim mesma, todo o céu e toda a terra. Que horror constante! Sabia que só do inferno
era digna, mas não podia conformar-me com aquela habitação e com a perda de Deus. Encobria o mais
possível com o sorriso todo este sofrimento que nada condizia com o que me ia na alma. Por essa razão
parecia-me que era falso o meu sorriso, mentiroso, muito mentiroso. Ó dia triste da Assunção da
Mãezinha ao céu! Tudo dei a Ela e a Jesus e à noite nada Lhes tinha dado. Tudo Lhes queria oferecer e,
como nada tinha, pedi para à noite em Sua honra Lhes acender uma vela.

— O que terá sido este dia de hoje no céu, Mãezinha? Meu Deus, meu Deus, eu não sou mais que uma
condenada.

E assim vou sofrendo do dia à noite e da noite ao dia. Hoje mesmo continuei no duro martírio de estar
condenada. E assim me preparei para receber Jesus. Nos momentos em que me parece estar melhor,
sofro por me parecer que não morro; naqueles em que me parece morrer, sofro por não me ser dado o
meu Pai espiritual, para realização das promessas de Jesus. O demónio afirmava-me em voz clara que
ele não me seria dado, e tudo seria descoberto. E mostrava-se raivoso, querendo estrancinhar o meu
director, o médico e mais algum senhor Padre que me ajuda no meu calvário.

— Jesus, sofro pela Vossa causa, sofro pelas almas, sou a Vossa vítima. Abraço tudo o que vier, peço-Vos
graça, força e amor.

Veio Jesus, e a minha preparação tinha sido este martírio e pouco mais. Ao Ele entrar no meu quarto,
chegou também uma carta que devia dar um pouco de alívio à minha pobre alma. Ao vê-la, sorri sem
querer. No mesmo momento, este sorriso foi logo amargurado por este pensamento:

- Que notícias me trará ele, meu Jesus?

Não cheguei a gozar da alegria. Dei graças e depois li-a. Soube alguma coisa que me dizia respeito. Nova
amargura causada pelo meu bondoso Prelado. O peito estava ofegante, o coração não podia resistir à
dor.

— Aceito, Jesus, aceito.

E, neste momento, senti como se estendesse os meus braços para mais uma vez se cravarem na cruz. O
meu coração murmurava:

— Deixo-me crucificar por amor.


Fiquei na cruz e no mesmo martírio continuo. Sozinha, nas trevas da minha alma, na escuridão do meu
quarto, ao sentir-me assaltada pelo demónio e abandonada por completo, não resisti às lágrimas.
Chorei, chorei. Pedi à Mãezinha que fosse levar as minhas lágrimas a todos os sacrários do mundo, para
consolar Jesus. Ao terminar esta oferta, vieram os demónios em forma de grandes éguas, para lutarem
comigo. Tremendo, tremendo tormento!

— Jesus, Mãezinha, valei-me – repeti continuamente, enquanto eles me deixaram.

A cena foi tristíssima, mas não a explico, fica para quando Jesus quiser. Ao terminar este doloroso
combate, parecia-me terminar eu também. No receio de ofender a Jesus, disse-Lhe:

— Está dito, está dito duma vez para sempre, meu amor. Aceitai como se Vo-lo repetisse todos os
instantes da minha vida, dia e noite; antes o inferno do que ofender-Vos e ferir-Vos.

Preparava-se o demónio para nova luta, e neste momento veio então Jesus.

— Basta, basta, aparta-te, maldito, deixa a minha vítima. Consenti-te tudo até aqui. Daqui para diante
não consenti mais. Minha filhinha, anima-te, não pecaste. É grande, é bela a tua reparação. Pedi-ta nesta
hora da tarde, pedi-ta na quinta-feira pelos sacerdotes. Oh quantos, neste mísero estado, sobem os
degraus do altar, obrigam-me a descer às suas indignas mãos e recebem-me por fim sacrilegamente!
Minha filha, escola de pureza, de graça e amor, escola de todas as virtudes, não temas, não estás
condenada. O teu sofrimento é para evitar que sejam condenadas as almas. A tua maldição é para que
elas não amaldiçoem. O peso da justiça divina que sentem é para que elas não a sintam. Coragem,
coragem! Fiz-te sofrer assim no dia da tua Mãezinha querida, para Ela comigo ser reparada e ser
completa a nossa consolação. Confia, confia, a minha divina causa não fica sem o seu brilho. Quanta
mais dor, mais ela resplandecerá.

Deixou-me Jesus, e a dor continuou cada vez mais viva.

— Meu Deus, que horror! Ai a quinta-feira! Se eu pudesse consolar-Vos, meu Jesus, e salvar-Vos as
almas da mesma forma sem ter colóquios convosco, sem voltar a falar-Vos nem Vós a mim! Que temor,
que temor! Mas faça-se a Vossa vontade.

Era já noite e eu no horto. Na solidão sentia-me ajoelhar para orar. Como a agonia aumentasse, lancei-
me com o rosto em terra, para aí serem abertas as minhas veias e suar meu sangue. e Jesus dentro de
mim tomava o cálice da amargura e frequentes vezes o oferecia ao Eterno Pai. Eu era Jesus, e Jesus era
eu. Nós os dois éramos a mesma oferta ao céu. Que ela fosse aceite junta com as tristes recordações e
santas saudades do meu santo Pai espiritual. Fez hoje doze anos, ao cair da tarde, que o conheci pela
primeira vez e o tomei como director e guia da minha alma. Quantas privações, quantas dores! Bendito
seja Deus por mo ter escolhido. Foi a Sua Mãe bendita que o trouxe aqui. Quanto lhe devo, quanta luz
deu à minha alma.

17 de Agosto de 1945

Trevas sempre, trevas sem fim. Logo de manhãzinha, espinhos, espinhos feriam o meu corpo,
martirizavam-me a alma. Tomei a cruz, coberta de insultos e escárnios, e caminhei para o calvário.
Sofria todos os tormentos da paixão e sentia também o tormento do inferno. O meu calvário passava por
ele, por entre o fogo, por entre os desesperos e maldições sem poder ter a resignação da perda de Jesus e
a sentir toda a Sua justiça. Cheguei ao cimo. O meu corpo não era corpo, era um esqueleto manchado de
sangue, coberto de pó e escarros. Assim fui crucificada na cruz, cruz de trevas, morte de trevas, esquife e
sepultura de trevas. E em tudo isto estava o inferno, em tudo isto rigor da justiça divina.

— Meu Jesus, como ainda no sepulcro pode existir o inferno e o peso da justiça do Vosso Eterno Pai!
Não me falteis! Vede, Jesus, vede. Sem Vós não resisto.
Quando a minha alma assim sofria, foi ferida por espinhos tão agudamente que foram como bombas
destruidoras que rapidamente tudo destruíram. O esqueleto do meu corpo em sangue desapareceu; a
dor ficou, e ficou um coração que sofria tudo; ficaram uns olhos que derramaram muitas lágrimas.
Indizível, indizível dizer a minha amargura.

— Meu Jesus, não me bastavam os sofrimentos do calvário e do inferno, ainda se veio juntar mais isto?
Ai a minha vida, não sei o que é alegria. Aceitai tudo, consolai-Vos. Sou a Vossa vítima.

As lágrimas rolavam-me pelas faces, e eu ia-as oferecendo a Jesus, ao mesmo tempo que ia pensando:
“serão perfeitas as minhas lágrimas? Serão lágrimas por culpa minha?” Examinava a minha consciência,
e não me dava sinais de acusação.

— Meu Deus, não saberei examinar-me?

Só uma coisa me pesava: o termo, que tinha empregado em algumas palavras, humilharia porventura
alguém?

— Meu Jesus, bem vedes e sabeis que não era esse o meu fim.

Uma voz muito suave segredou-me:

— Procedeste bem, assim tinha que ser.

Nas tristes recordações deste acontecimento continuou na cruz a minha agonia, e no completo abandono
ainda continuava o sentir da minha perda eterna e da justiça do Senhor. É impossível descrever o que se
passava na minha alma. Com o pensamento renovava a oferta de vítima, e nada mais. Neste prolongado
martírio, ainda sem nada ver, senti na alma uma nova transformação: uma aragem suave e o
esquecimento da dor. Logo a seguir, à minha frente, apareceu a Mãezinha com o Menino Jesus ao colo.
A minha alma, num momento, só viu toda a Sua formosura: cabelos doirados e em caracóis. Sorridente,
muito sorridente, estendia para mim seus bracinhos e esforçava-se por sair dos da Mãezinha. Como
quem forma um voo, saltou para os meus braços e logo se escondeu no meu coração, e a Mãezinha
desapareceu. Logo a Sua voz divina se fez ouvir dentro de mim.

— Minha filha, minha filha, por cada uma das tuas dores, por cada uma das tuas virtudes é-te dada uma
escada. Por elas podem subir continuamente, pelas das dores os pecadores, e pelas das virtudes as almas
sequiosas de mim. Repara, vê como elas sobem.

As escadas eram tantas, tantas, não tinham conta. Era tão grande o número das almas que subiam por
elas! Algumas subiam tão rapidamente! A minha alma sorriu ao vê-las. As escadas não tinham só
degraus: tinham, pelos lados espécie de pegueiras, por onde subiam mais que uma ao mesmo tempo.
Continuou Jesus:

— São escadas firmes. Não há tempestade que as deite à terra; não há frio que as corte; não há fogo que
as queime. Podem subir todos. Ainda que alguma caia, não fica delas desprendida. As escadas têm nelas
um íman que as atrai, e voltam de novo a subir. São rolas que sobem, são pombinhas que voltam ao seu
pombal. Repara, todas vão dar ao mesmo sítio. No cimo de todas elas estás tu. És o íman, és o pombal, és
o palácio do amor, lá do alto o espalhas sobre elas. Minha pomba, minha pomba, dá-lhes a tua alvura,
dá-lhes a tua graça. Fá-las subir na terra e atrai-as para ti no céu. Que maravilhas insondáveis, que
grandezas as minhas na tua alma! Como não havia eu de sorrir de contentamento e querer vir para ti dos
braços da minha Mãe? Tem coragem! Vês quanto valem as tuas dores? Vês quanto vale sofreres assim,
para salvares tantas almas? Olha a tua coroa. Vê o prémio do teu martírio. Podes, à sombra da tua coroa,
da recompensa que de mim te é dada, abrigar os pecadores e as almas que anseiam por mim.

Vi a minha coroa. Não era coroa, parecia uma umbela maravilhosa, que Jesus colocou sobre a minha
cabeça. Desabafa comigo, minha esposa amada. Não é verdade que te podes alegrar em todo o teu
sofrimento? Diz-me, diz-me.
— Posso, sim, meu Jesus, e bem sabeis que o coração e a alma a tudo sorriem. Não me consola o prémio
que me mostraste e que de Vós recebi. De que me serve tanta coisa, se estou em tanto perigo de Vos
ofender? Temo tanto ferir o Vosso Divino Coração! Este receio encobre tudo o que me dais, tira-me toda
a consolação.

Eu tiro disso todo o proveito, filha querida. Sirvo-me da tua generosidade, do teu amor e de todo o teu
espírito, para as almas e para maior consolação minha, mas quero-te sempre animada, firme e confiada
em mim. Já sabes que não te deixo, e minha bendita Mãe te acompanha. És o meu retrato, vale a pena
dares teu sangue até à última gota. O céu está pertinho, e a realização das minhas divinas promessas não
falta. Eu tenho esperado os homens, porque o brilho é só meu e do que me pertence. E, com a tua
heroicidade, o fruto é grandioso para as almas. Se assim não fosse, quantos mais castigos já teriam
recebido. Mãe, minha bendita Mãe, vem dar à nossa filhinha a prova do nosso amor e a certeza de que a
acompanhamos sempre. Conforta-a, conforta-a, ó Mãe.

Veio a Mãezinha, abraçou-me, acariciou-me e disse-me:

— Coragem, coragem, filhinha! Jesus está contentíssimo contigo. E, em prova disso, viste como Ele
sorria em meus braços alegremente? Conta comigo, conta com Ele. Não te abandonamos. Alegra-te,
alegra-te, não demora o céu. Lá te esperam já tantas almas por ti. E de lá continua o brilho da tua
missão.

— Obrigada, Mãezinha. Obrigada, Jesus. Guardai o meu corpo e a minha alma, não me deixeis ofender-
Vos. Perdoai-me tudo.

Apesar de todos estes mimos do céu, a luz desapareceu-me com eles, e eu fiquei abraçada à minha cruz e
às minhas trevas. Jesus o quer, as almas o necessitam.

— De quem sou eu? Para quem vivo?

19 de Agosto de 1945

Perder a Deus é perda irremediável. Se no meio dos tormentos do inferno eu pudesse ver e amar a Deus,
deixaria de ser inferno. Perdi tudo, todos os dons e graças recebidas, todas as boas obras e orações, toda
a luz do Espírito Santo e santas inspirações, toda a grandeza de Deus. Nada vejo, nada tenho. Mesmo
sem eu querer, são estes os desabafos da minha alma. Não sei dizer a aflição que nela sinto, é
desesperadora. Que tristeza e escuridão! Nada há que a conforte. Se voltasse a possuir a Deus, se
pudesse vê-Lo! Mas ai, nunca mais! Para que foi tanta vida na terra? Para nada aproveitar, tudo perdido.
Não vejo aquela grandeza de Deus, mas sinto-a no meio dos tormentos eternos, para mais sentir os
horrores e peso da Sua justiça divina. O meu coração quer confiar e prender-se a Jesus e não tem forças.
Por vezes luta, luta, está quase a naufragar. Não tenho braços para me abraçar a Jesus e à Mãezinha, não
tenho em mim nada de bom. O demónio rodeia-me, anda à minha volta como o ladrão que não descansa
dia e noite sem alcançar roubar. Parece-me que ele me levou ao cimo de uma montanha, sinto-me nela, e
ele ao pé de mim a mostrar-me o mundo, a querer tentar-me; quer que eu de joelhos o adore, faz-se ele
senhor de tudo. Veio com um violento ataque a tentar tirar-me a fé.

— Não acredites em Deus nem nas Suas lições e doutrinas, se queres ter uma eternidade feliz. Sou
senhor de tudo, só eu dou a felicidade.

Eu invocava sempre Jesus e a Mãezinha, e ele, raivoso, principiou a manejar com as suas artes e chamar
muitos camaradas, para virem pecar comigo, e dizia-lhes:

— Satisfazei-vos, porque a ela nada a satisfaz.

Eu parecia-me estar toda entregue a ele e já não temer o pecado. Mas mesmo assim repetia:

— Jesus, antes o inferno, e já, do que a ofender-Vos.


Já não me importava satisfazer as minhas paixões nem pensava já que ofendia a Deus. O que sentia era o
coração preso ao pecado com fortes cadeias que não me deixavam levantar dele; sentia-me apodrecer
nele e nele morrer, sem temor nem pena de ferir a Jesus. Não tinha o temor nem a pena enquanto durou
a luta, mas logo depois tudo voltei a sentir com a vergonha de viver na Sua divina presença. E o coração
ficou a arder-me em sede de possuir essas almas que estão presas ao pecado, desprendê-las e curá-las da
sua podridão. Que ânsias de as dar a Jesus e purificá-las! Que ânsias de me purificar a mim! Mas não
tenho luz nem forças, morro nas minhas trevas.

21 de Agosto de 1945

Quando poderei deixar de obedecer, para não ter de dizer os sentimentos da minha alma? Queria que
morressem e desaparecessem em mim como eu sinto que morri e desapareci. Tudo vive, tudo canta e
bendiz ao Senhor, as avezinhas e tudo o mais O louvam, só eu não. Não é louvado por mim, não é
amado. A minha vida não existe, foi uma vida perdida. Quantas vezes saem da minha alma arrancos e
desabafos quase desesperadores: maldita foi a minha vida, melhor não tivesse nascido, maldito o leite
que me alimentou e malditos os que me criaram. E as labaredas do inferno estendem-se sobre mim.
Tudo lá é horror, mas o maior de todos, o tormento mais doloroso é a perda de Deus. Oh se eu o pudesse
ver! E, apesar de sentir todo o peso da Sua justiça divina, queria amá-Lo. Ah se ao menos aqui O amasse!
Quero dizer que no meio destes sofrimentos, arrancos e despedaçar de alma não perco a serenidade e a
paz. Às vezes parece-me desesperar. Mas o meu Jesus misericordioso acode-me, levanta o meu espírito.
Depois de reviver um pouco, fico como louca, mas abraço-me com mais amor e mais confiante à minha
cruz. O demónio diz-me que os meus combates sou eu que os invento, para ter que escrever.

— Meu Jesus, queria amar-Vos, mas não queria ter que escrever. Bem sabeis que é ele e não eu.

Tive com ele dois ataques violentos e demorados. Sentia-me nua à vista de todos. Os meus olhares e
gestos eram maliciosos para atraírem a mim todos os outros olhares. Vieram muitos demónios, caíram
sobre mim, cheios de raiva, com cenas e palavras criminosas. O coração batia a pontos de não me caber
no peito. O suor banhava-me, e eles blasfemavam contra Jesus; acusavam-No como criminoso e diziam:

— Já que não cedes aos nossos desejos, serás condenada eternamente.

Estava abraçada ao meu crucifixo e abraçava-o com toda a força que me era possível e dizia:

— Jesus, ó Mãezinha, amar-Vos sempre, reparar sim, pecar não, antes o inferno.

As minhas forças não resistiam mais, nem as da alma nem as do corpo. Veio Jesus, pôs termo à luta, veio
e disse:

— Maldito, maldito, és tu, maldito agora, maldito na eternidade. Vem, minha filha, vem, minha vítima,
toma a tua posição, vem gozar de mim, sou testemunha da tua reparação. Não me ofendeste. Como
poderia pedir de ti uma reparação para me ofenderes? A pureza, a castidade são a flor mais fina, o que
há de mais encantador para mim. E, porque és verdadeiramente pura, venho à tua pureza pedir
reparação para os impuros e a reparação das famílias. Que dor para mim! As famílias profanam o grande
sacramento do matrimónio. Pecam, e eu a vê-las pecar, pecam na minha divina presença. Volto-lhes as
costas, escondo o meu rosto. Não se envergonham de mim, envergonho-me eu delas. Repara-me,
repara-me por tantas almas loucas que, apresentando-se nuas, convidam ao pecado, ofendem-me
gravemente. Confia em mim, confia no meu amor. Quem me dá tudo, de mim tudo recebe. Coragem,
coragem, esposa minha.

Quando Jesus me deu as primeiras palavras, tomei logo a minha posição, senti-me deveras unida a Ele;
confortou-me, mas sem consolação. Depois de Ele me deixar, fiquei nas minhas horrorosas trevas, nos
horrores do inferno e a sentir o abandono completo, mesmo completo, de todos os que me são queridos.
— O que será a minha vida? O que será a minha morte? Ó meu Deus, confio, confio em Vós e só a mim
temo. Valei-me, valei-me, dai-me luz na minha cegueira.

23 de Agosto de 1945

Bendita noite, benditas trevas, se são vindas de Jesus. E como vencê-las?

— Ó meu amor, só com a Vossa força divina.

Não sei o que sinto nem por onde caminho. Ontem de tarde, durante a noite e esta manhã, senti que por
um lado da minha alma passava uma aragem, e aquela parte ficou libertada do peso esmagador e por
vezes desesperador da dor. Senti que alguém deu passos para me ser dado o meu Pai espiritual. Sentia
que se tratava de mim e dele, sim, a favor, embora não faltasse quem nos humilhasse e aniquilasse. Este
sentimento deu-me um pequeno alívio; não cheguei a ver luz, mas sabia que ela vinha. Indiferente a este
sentimento de alma, porque sentia como se não fosse comigo, fiquei indiferente a tudo. Seja o que Deus
quiser! Bem depressa os mundos das minhas trevas, trevas que tudo encobrem e matam, abafaram tudo.
Apossaram-se de novo daquela parte da alma que tinha sido libertada. Este alívio desapareceu, tudo
morreu.

— Ó meu Deus, terá isto algum significado? Não o sei nem quero pensar, só Vós o sabeis. Eis aqui a
escrava do Senhor. Jesus, sou a Vossa vítima. espero e confio em Vós, em Vós, apesar da Vossa justiça
sobre mim, apesar dos horrores do inferno, da Vossa perda e da minha condenação eterna. Que luta
tremenda para a minha alma! Não sei exprimir a minha dor, Vós a vedes, meu Jesus. É um farrapo
desfeito no fogo do inferno nas mãos do demónio. O que será de mim, ó meu Deus, o que será de mim
sem Vós?

Tive um ataque violentíssimo como demónio. Deve ter durado cerca de uma hora. Quantos suores,
quantas palpitações aflitíssimas do coração! A princípio, veio em forma de um grande cavalo. Senti como
ele se lançasse aos meus ombros. Depois vieram muitos. Pelos sentimentos da minha alma, pelas cenas
que eles faziam e insultos que me davam, parece-me que Jesus me pediu, neste combate, três
reparações. Eles blasfemavam tanto contra Jesus. Causa-me tanto medo ouvi-los falar assim. Nos
momentos de maior angústia, em que me parecia de verdade pecar, eu era um perfeito demónio: estava
entregue à vontade e às coisas dele. Via-o como rei sentado em meu coração, era o senhor dele, era
senhor das minhas paixões, senhor de tudo. Assim entregue a ele, sentia que não fazia o mais pequenino
esforço para dele me libertar. Que horror!

— Jesus, Mãezinha, sede Vós Senhores do meu corpo e da minha alma e da minha vontade, para que só a
Vós pertença e não Vos ofenda. Não quero pecar, não quero pecar. Ó Jesus, ó Mãezinha, valei-me, quero
ser só a Vossa vítima.

Não vi Jesus nem O ouvi, mas de repente tomei a minha posição e vi-os fugir espavoridos, como leões e
cães raivosos, uns a uivar e outros desesperados, de dentes descarnados. Sinto em mim umas ânsias tão
grandes e um grande temor nos sofrimentos que vejo aproximarem-se. Estas ânsias são como um fogo
que incendiou e com tanta força que as labaredas atingiram toda a altura. São ânsias de amor, e este
amor rompe por entre os sofrimentos, encobre-os com o seu fogo abrasador; são ânsias das almas, é
sede insaciável de as dar a Jesus. Eu quero dar-me às almas. Vejo aproximar-se a morte e todo o
martírio que me vai causar, mas sou obrigada a caminhar, é o amor esta força irresistível. Sinto na alma
a preparação da grande ceia, a ceia do amor, e sinto que s ou eu o manjar desse grande banquete; sinto
que me vou dar em alimento, que sou a vida das almas. Sinto, mas não sou eu, sei que não sou, é Jesus,
só Jesus. O meu coração está apavorado, e os meus olhos já choram lágrimas de sangue. O amor encobre
e esquece. Mas os horrores continuam.

— Quinta-feira, triste quinta-feira, és tu que me traz a morte!

24 de Agosto de 1945 – Sexta-feira


Parece-me que até o Eterno Pai dorme a pontos de não ouvir os meus rogos. Foram estes os sentimentos
da minha alma, esta manhã. A minha agonia era quase insuportável, retalhava-me de dor. Tinha na alma
dois sentimentos ao mesmo tempo. Numa parte da alma sentia os tormentos do inferno, na outra os da
paixão. Nos sofrimentos do inferno sentia o fogo nos olhos, na língua, no cérebro, nos ouvidos, e
penetravam todo o meu ser, a alma e o corpo. Amaldiçoava a cruz que tinha tido em vida, por não me
aproveitar para me salvar. Enquanto isto sofria, ia percorrendo os caminhos do calvário. Tão oprimida
pela dor, não podia dizer palavra. As lágrimas dos meus olhos eram de sangue. Oprimida pelo peso da
cruz, curvava-me sobre ela, chegava quase ao chão, até que caía com ela, desfalecida. Depois do encontro
da Mãezinha, principiei a sentir dentro do meu coração dois corações. Sentia o de Jesus e dentro do de
Jesus o da Mãezinha. O de Jesus, cercado de espinhos, e o da Mãezinha, atravessado pela lança. Mas
tanto os espinhos que cercavam o de Jesus como a lança que trespassava o da Mãezinha feriam-me o
coração e o peito, que não podiam resistir à dor. E toda a tragédia do calvário foi dolorosíssima com a
dor daqueles dois corações. O que sofreu Jesus ao ver a dor angustiosa da querida Mãezinha! Neste
martírio, foi na cruz pregada. Veio aumentá-lo um ataque violento do demónio. Dei a Jesus a reparação,
mas dei-Lha tão assustada.

— Meu Deus, custa a crer que, no meio de tanto perigo, não Vos ofenda.

Ao mesmo tempo que ouvia os insultos e via as cenas vergonhosas do demónio, via os espinhos que
cercavam a cabeça sacrossanta de Jesus e sentia-os também em mim. Que agudos que eles eram! A
cabeça não podia tocar na cruz! E sempre, sempre aqueles dois corações a sofrerem a agonia da morte.
Nem um brado nem um gemido era ouvido e aceite ao Eterno Pai. Até a entrega do espírito parecia não
ser aceite. A pena e a dor de ter ofendido a Jesus acompanharam-me até ao fim desta agonia. Estava
entregue ao abandono, era completo, não tinha mais que esperar, nem ao menos o Eterno Pai. Depois
deste prolongado martírio, veio Jesus.

Minha filha, fontenário de oiro finíssimo, onde quero que venha beber toda a humanidade, é o teu
coração a fonte inexaurível que eu fiz rebentar. Tu és a fonte, eu sou a água, água que rompe de veias
minhas para a fonte do teu coração. Por ti dou tudo ao mundo, não se esgotará jamais. Quero que bebam
as almas que por mim suspiram, para que se abrasem no meu amor. Quero que bebam os pecadores,
para que se lavem e purifiquem. Tu és a pomba das pombas, o arminho dos arminhos. À volta do
fontenário estão as flores que em ti nasceram e floresceram: são das mais belas e mais perfumadas.
Quero que apareçam, minha filha, como fontenário de amor com um bando de pombinhas nele a beber.
É o significado das almas que abrasas no amor divino e das que purificas e salvas.

— Jesus, aparecer como? Já me dissestes isso, e eu nada compreendo.

Digo-te, minha filha, que quero que apareças, e basta. Não apareço. Eu, como jardineiro, como Bom
Pastor, como guia das almas e muito mais? E não sou eu sempre o mesmo Jesus? Aparecendo tu com o
significado de todos os títulos que te tenho dado, és sempre a minha esposa, sempre a minha
Alexandrina. Tu és para o mundo e não és do mundo. Ai dele, se não me corresponder. Ai dele, se não
escuta a voz do seu pastor, a voz do Santo Padre. Depressa será queimado e destruído. Confiei-to, minha
filha, o teu sangue derramado por ele e para que nele nasça sangue novo, sangue puro, sangue de
salvação. Tu és a barquinha, eu sou o piloto, eu sou o leme. Tem coragem! Não corre perigo! Felizes
almas que dentro dela viajam. Chegam ao porto de salvação. Olha como ela caminha na tua cegueira e
trevas. Embora pareça, não chega a naufragar.

Mostrou-me Jesus uma grande e linda barca, bela, asseada, com grandes bandeiras, que navegava
apressadamente pelo mar imenso e tempestuoso. Que linda, que graça lhe achei! A barca estava em
mim, só a via a ela, ia cheia de ovelhinhas. E Jesus, muito belo, já crescido, é que a guiava, e não dava
sinal de temer a tempestade. As almas, que nela iam, mostravam-se alegres, confiadas de chegarem ao
porto de salvação.

— Minha filha, esposa minha, no mar tempestuoso da vida, na noite tremenda da perda eterna, és tu o
farol. És tu a luz do mundo inteiro. Coragem! Em ti estou eu. A tua noite, as tuas trevas aumentarão e
todo o teu martírio, porque se avizinha o teu céu. Não haverá luz que chegue a alumiar-te nem palavras
que cheguem deveras a confortar-te. Dia a dia deixarás de sentir em ti o meu divino amor e quase te
parecerá mentira a minha presença em ti. Mas estou sempre, confia. A perda, que sentes de mim, não é
tua. Essa perda é a condenação do inferno, é para acudires às almas. Escuta, filhinha. Dá-me uns
combates do demónio, dá-me a reparação que deles tiro, para não se condenarem tais almas. Já deviam
estar no inferno, ofendem-me tanto!

Nomeou-me o nome de umas poucas e disse-me que ainda eram mais. Pobre Jesus, quanto Ele é
ofendido!

— Eu dou-Vos tudo, meu Jesus, o que eu não quero é pecar. Não temo o sofrimento nem o cansaço que
esses combates me causam. O que eu temo é ofender-Vos.

— Não pecaste e não pecarás jamais. Confia, afirma-te Jesus. Vai em paz, minha pomba amada. Vai,
generosidade heróica, vai, flor pura do meu jardim, adorno do meu Divino Coração, vai para as tuas
trevas, para a tua cruz, para o teu inigualável martírio. Vai, mas sempre confiada. És o remédio das
almas, és o mimo de Jesus.

Fiquei logo a sentir as minhas enormes dores do corpo e da alma, a parecer-me mentira o que em mim
se tinha passado: Jesus ter estado em mim.

— Aqui me tendes, meu amor, sempre, sempre, para ser a Vossa vítima.

Já há muito tempo que não senti tão fortemente como hoje as saudades da alimentação, não podia
resistir a elas. Ia a chorar, ia ter com os meus um desabafo. Lembrei-me que seria para eles motivo de
lágrimas, e, por amor de Jesus e às almas, era mais perfeito nada dizer. Ofereci o meu sacrifício e com
um sorriso encobri tudo. Custou-me muito, o coração parecia morrer de saudades. Prende-me só Jesus e
as almas. O mundo não conhece o meu sacrifício, mas conhece-o Jesus, e isso basta.

30 de Agosto de 1945

Só hoje pude voltar a falar dos sentimentos da minha alma.

— Ó meu Deus, com tanto custo e sacrifício.

Parece-me serem arrancadas as minhas entranhas, tudo o que tenho em meu peito. Arde o inferno
dentro e fora de mim. Perdi a Deus, perdi o céu, é o inferno a minha habitação, é e será eternamente.
Que horrores, que sustos desesperadores! Sinto que me ceguei e matei a mim mesma. Fui eu, só eu, a
causa da minha perda eterna. Tudo são uivos e horrores infernais. As trevas afogam a minha alma,
cegaram-na, não a deixam ver, cegaram-me os olhos do corpo, cegaram-me os olhos da alma. Escureceu-
me o mundo inteiro. Há noite no tempo e será noite na eternidade. Não há quem me acuda, perdi a
Jesus, perdi ao amigos, perdi aqueles que tanto me amavam e a quem eu tanto amava… Tudo
desapareceu, não foi um corte, foi um fogo que tudo destruiu.

— Ó meu Deus, ó meu Deus. Ai o meu abandono, ai de mim sozinha no meio do mundo. Perdi tudo, para
mais nada possuir. Meu Deus, creio em Vós, permiti-me ao menos que eu confie em Vós. Jesus, creio
que são só os sentimentos da minha alma e não a realidade. Quero confiar, deixai-me confiar. Tudo o
que sofro é vindo de Vós, é permitido por Vós. Assim o creio e é por Vós que o aceito. É por Vós e pelas
almas. Digo que confio e que creio e parece-me mentira, meu Jesus. Tende dó de mim. Sou mentirosa e
falsa para mim e mentirosa e falsa para o mundo. Horror, horror! O que mais temo e me aflige é o que
mais sinto e me faz sofrer. Viver de enganos, enganar os outros, ó meu Jesus, bem sabeis que isso não
quero, não quero.

Sinto grande necessidade de penitenciar meu corpo, toda a penitência é pouca. Sinto que é uma
exigência de Jesus, sinto que esta penitência devia ser feita pelo mundo inteiro, e tudo cai sobre mim. É
o meu corpo o instrumento dessa penitência. Queria estar sempre no duro, na terra nua. Não peço para
me porem no soalho, porque sei que é tempo perdido, que não se conformam com os meus desejos, com
esta necessidade tão apressada que a minha alma sente. Tenho sofrido muito com o demónio, sem falar
na multidão deles. Não sei, mas talvez para me afligirem, se apresentam à minha frente com falsos
divertimentos e alegrias. Três ataques violentos vieram atormentar meu corpo. Não foram só os insultos
e as palavras mais feias que me fizeram sofrer. Foram as cenas, as afirmações de eu ter pecado, e ele
mostrar-se senhor do meu corpo e habitador do meu coração. Eu sentia-o como se ele me degolasse e
ouvia-o dizer:

— A tua alma é minha, está comigo no inferno. Para lá quero levar teu corpo, para viver comigo
eternamente. Que horror, quando me parecia que era morta pelo demónio e que em corpo e alma com
ele era precipitada no inferno! No último ataque, veio de dentes descarnados a aproximar-se do meu
rosto, para melhor satisfazer seus gostos maliciosos. Esforçava-me por arrumá-lo dele sem nada poder
conseguir, porque sentia que todo o meu corpo era por ele habitado. O meu quarto não era o meu
quarto, parecia-me a habitação do demónio, e eu sem poder chamar por Jesus e pela Mãezinha. Sem
forças para lutar mais, parecia-me o coração perder a vida. Pude então invocar o nome de Jesus e da
Mãezinha. Pedi-Lhes que me valessem em tão tremendo perigo e que não queria pecar. Cessou a luta,
mas ele não deixou, ou não deixei eu de sentir que ele habitava em mim. E a sua cara feia com dentes
descarnados continuava unida à minha.

— Pecaste, pecaste, consegui tudo de ti – repetia ele muitas vezes.

— Meu Jesus, tende dó de mim em momentos de tanta incerteza.

Veio o meu Jesus, senti-O a Ele e deixei de sentir o demónio. O corpo, que me parecia ser habitação do
maldito, era agora habitação de Jesus.

— Fui eu, fui eu, minha filha, que de ti consegui tudo, de ti recebi a reparação desejada. Dá-me, dá-me a
reparação que te peço e confia, não pecaste nem pecarás. Não pecaste nem pecarás em todo o tempo que
te resta de vida, que bem pouco é. Confia, esta afirmação é do teu Jesus. O teu corpo é a minha
habitação. Do palácio do teu coração vejo a maldade do pecado no mundo, que veio ferir e chagar o meu
Divino Coração. De ti recebo a reparação e o bálsamo para esta chaga e ferimento de todo o meu corpo
sagrado. Do palácio do teu coração vejo a ingratidão e os instrumentos que me ferem. Em ti recebo a
doçura e amor que me obrigam a esquecer tudo. Coragem! A tua generosidade foi tão longe como de
longe foi o que de ti exigi. Exigi tudo, tudo de ti recebo. Sofre e ama, sofre e ama. Dá-me o que te peço,
dá-mo com alegria. Confia que não te abandono, confia que estou em ti.

Pouco depois, fiquei nas mesmas incertezas e a esforçar-me por suportar as dores indizíveis do meu
corpo e da minha alma. Parece-me impossível poder-se sofrer tanto. Não posso mais resistir às saudades
da alimentação. Não posso mais resistir aos desejos de que me seja dado o meu Pai espiritual. Não posso
mais resistir às ânsias de dar Jesus às almas e as almas a Jesus. Tenho sede, tenho sede, e esta sede é de
Jesus. Quero saciá-la e não posso. Só um mundo de amor a pode saciar, e não o tenho. O que hei-de
fazer, meu Jesus? Não tenho nada para Vos dar. Que horrorosa quinta-feira! Aproxima-se a morte e tão
apavorada. Os olhos da minha alma vêem tudo o que me espera. Os meus braços já sentem as algemas
que dentro de poucas horas os vão algemar. Vejo a argola que está na coluna; sinto no coração as prisões
que me vão prender a ela. Dentro do meu peito rebentam veias de sangue que em pouco vão regar a
terra.

— Meu Deus, o que me espera! Oh quanto eu sofro! Por Vosso amor tudo, sede a minha força, Jesus.
Estou envergonhada por só saber falar da dor, por só dizer quanto sofro. Tudo são queixumes, mas é o
que a minha alma sente, é o que ela goza. (6388-página 338) Seja feita a vontade do meu Deus. Digo
tudo por obediência.

31 de Agosto de 1945 – Sexta-feora


Antes de principiar a ditar estas linhas, ofereci a Jesus o meu sacrifício. Que grande que ele é! Ter de
dizer tudo! Que Ele se digne aceitá-lo para os fins do Seu Divino Coração. Quando, esta manhã,
recomecei de novo os caminhos da paixão, a dor da minha alma era tão grande que não sei dizer, apenas
a soube sentir. A alma estava como uns lábios mudos, que nada sabem falar. E assim percorri todo o
caminho do calvário. Estive presa à coluna, fui cruelmente açoitada. A minha cabeça foi profundamente
toda coberta de espinhos. A coroa não me cingia só a frente. Não tive lugar nenhum na cabeça que não
fosse por eles ferido. As dores eram insuportáveis. No decorrer da viagem, o meu corpo ficou por muitas
vezes desfalecido, não podia caminhar. Oprimida por tão grande peso, sentia continuamente que o
coração era espremido para um formoso vaso. E, quantas vezes se repetiam os sofrimentos, outras tantas
me saía da alma uma oferta ao Eterno Pai. Era uma oferta contínua do vaso daquela dor. O Eterno Pai
aceitava-a, mas não se dava por satisfeito, queria mais, ainda mais. Vi a multidão que me acompanhava:
poucos amigos, quase só inimigos. Os amigos enterneciam-se, os inimigos descarregavam sobre o meu
corpo sem dó nem piedade grandes chicotadas. Cheguei ao calvário e, depois de ser crucificada na cruz,
veio o demónio para aumento do meu martírio. Com a sua fúria tremenda, insultou-me horrivelmente.

— Hei-de destruir teu corpo, quanto mais não seja, destruo pelo prazer. Hás-de pecar, hás-de ser
condenada.

Cega e louca pelas paixões, sentia-me de verdade um completo demónio. Que olhares, sorrisos e gestos
maliciosos! Quando pela graça de Deus pude invocar o nome de Jesus e da Mãezinha, no meio de suores,
cansaço e fortes palpitações do coração, fui libertada. No meio de muita angústia, fiquei a dizer:

— Ó meu Jesus, não há nada mais triste do que o pecado. Que triste que ele é! E como não será triste
para Vós, quanto ele há-de ferir o Vosso Divino Coração! Tende compaixão de mim. Bem sabeis que
pecar não quero.

A minha alma continuava a sentir a dor em silêncio e sem nada poder dizer, como uns lábios mudos. Só
de longe a longe um brado, um desabafo ao Eterno Pai. A oferta do vaso repetia-se sempre. Isto era em
mim, mas não era eu. O abandono, a agonia aumentaram. Um gelo indizível cobriu o meu corpo, ia
morrer depois de se terem rasgado as minhas veias, derramado o meu sangue pelos olhos, pelos ouvidos
e por todo o corpo. No meio das trevas, foi entregue a alma ao Eterno Pai. Vi descer os anjos, vi-o descer
a Ele ao encontro dela. E em mim Jesus ficou pregado na cruz. Após uns momentos, desapareceu a cruz,
e ouvi-O a Ele a dizer-me:

— Minha filha, à semelhança da minha morte, virei eu em breve com os anjos e a minha Mãe Santíssima
levar para o céu a tua alma. A tua morte será semelhante à minha. Será morte de amor no meio da maior
noite, das maiores dores e abandono. A tua alma será em teu leito coroada, antes de ser transportada ao
céu. Entrarás na Pátria Celeste em grande triunfo, coroada por esta coroa formosíssima. Que bela, que
rica ela é!

Os anjos trouxeram-na junto de mim. Era linda, linda! Ó que brilhante! Uns momentos depois, bateram
as asas e desapareceram com ela. Jesus continuou:

— Minha filha, esposa minha, escuta-me, vou prevenir-te. O teu sofrimento aumentará. Os olhos do teu
corpo ficarão sempre colmo se não existisse a luz. As trevas e a dor da tua alma serão indizíveis. Que
duro martírio não saberes, diz lá. Será o retrato dos lábios mudos. Eu exigirei de ti o que meu Pai exigiu
de mim. Quererei mais, sempre mais. Só com a tua morte, quando eu puder dizer as palavras
de consumatum est, ficarei satisfeito. Coragem, amada! Quero-te sempre de alma alegre, para te
assemelhares mais a mim, para que a tua morte seja o retrato da minha no momento em que me
entregares a tua alma, quando eu disser que tudo está consumado. Assim como o disse no alto da cruz e
fiz entrega da humanidade à minha Bendita Mãe, fá-la-ei a ti e direi:

— Mundo, aqui tens a tua rainha e mãe. Não é só tua rainha, é mais ainda, é rainha e mãe. E a ti direi:
vem, minha filha, vem lá do céu estender teus olhares, espalhar as minhas bênçãos e graças pelo mundo
que é teu, pelo mundo que te confiei, pelo mundo a quem te dei por mãe; é teu filho, guarda-o, pertence-
te. Assim será a tua morte, em tudo semelhante à minha. Eu farei que esta entrega e toda a tua vida a
seguir logo à morte seja conhecida no mundo, vá aos confins dele, como som de trombeta que vai dar
sinal. Ai dele, se não escuta, ai dele, se não aprende, ai dele se não implora o auxílio da sua mãe!
Penitência, penitência! Diz-me, filhinha, não estás contente por em tudo te assemelhares a mim?

— Jesus, estou contente com a Vossa divina vontade, mas envergonhada de tantas graças que me dais.
Não me faltais, não, meu Jesus? Dai-me força para sofrer tudo. Vede o que me prometestes e falta
realizar.

- Confia, confia. Vejo tudo. Sofres por mim e pelas almas. Tudo será realizado. Triunfas com a tua cruz,
triunfa a minha divina causa com o teu martírio. Dá-me a reparação que te peço nos combates do
demónio, continua a dar-ma. Quando ta vier pedir, será nas horas em que as almas estão mais loucas a
ofenderem-me. Não deixes ferir tanto o meu Divino Coração. Coragem, sempre! Virei depressa colher a
flor das flores, a rainha das flores para a Pátria Celeste para adorno do trono divino. Tu és o tronco
donde brotam todas as variedades de flores. A pouco e pouco, irei abreviando o tempo dos meus
colóquios e esconder-me mais disfarçado em ti. Coragem, coragem! Vai para a tua cruz. Conto com o teu
heroísmo, com a tua heroicidade. Confia no meu amor, sou o teu Jesus.

— Obrigada, meu Jesus. Aceitai o meu coração tão pobre e frio e não me deixeis vacilar.

Pouco depois, veio a noite, a noite para a minha alma, o mergulhamento das minhas trevas. Sinto-me
como esquecida da presença de Jesus em mim. Não é a minha alma que O vê, nem sente as Suas
consolações. Eu não sou eu.

1º de Setembro de 1945 – Primeiro sábado

De nada me serviram os sofrimentos desta noite da alma e do corpo, a união com o meu Jesus, para
reparação da Sua vinda ao meu coração, esta manhã. Sofri tanto, tanto me uni a Ele, para me sentir vazia
no momento em que Ele baixou a mim. Não tinha um coração de amor para O receber, não tinha peito
para O hospedar. Tudo eram trevas, de trevas era todo o meu corpo. Os meus esforços para me preparar
bem foram baldados. Isto era o que eu sentia. Chegou Jesus e encontrou entrada, mas senti que Ele
trouxe com Ele céu de trevas, que mais me infundiam nos mundos delas. Sem O ouvir, sem O sentir,
mergulhada apenas naquela negra escuridão, presa até ela por fortes cadeias, negras também, passaram-
se alguns minutos. Não Lhe pedi que me falasse nem que me consolasse; entreguei-me a Ele e d’Ele era o
meu querer, a minha vontade. Dum momento para o outro, abriram-se àquela multidão de trevas,
àquela escuridão tão assustadora, para aparecerem uns raiozinhos de luz, não clara e brilhante como
noutros tempos, mas sim o bastante para eu conhecer a grande transformação da minha alma. E logo
Jesus principiou a falar-me assim:

— Que alegria, que consolação para mim poder dizer: desci do céu, deixei a companhia dos anjos, para
vir viver no meu anjo em carne. Estou no teu coração, minha filha, no palácio da minha realeza. Minha
esposa, minha esposa, minha rainha, vives de mim, a tua via é a minha, estou transformado em ti. Eis
porque a tua vida é divina. Todos aqueles que tocarem teu corpo, contemplarem teus olhares, teus
sorrisos, de ti receberão a minha vida divina em toda a abundância. No teu corpo está Cristo, nos teus
olhares, nos teus sorrisos Cristo está. Todos os que te tocarem e contemplarem, recebem riquezas
divinas para as suas almas. Os sequiosos de mim abrasam-se no meu amor; os pecadores lavam e
purificam as almas. Tu és a fonte, e eu a água que corre nela, que lava e purifica.

Enquanto Jesus dizia isto, senti como se Ele tirasse todas as veias do Seu corpo e as colocasse no meu.
Todo o meu ser era outro. Sentia correr em mim um sangue que não me pertencia, uma vida que não era
minha. E Ele continuou:

— Minha filha, lírio casto, flor angélica, tudo o que opero em ti é por loucura, é por amor às almas. Vê o
que faço para as possuir, para as salvar. Minha filha, minha filha, vai brilhar a luz, vão quebrar-se as
prisões que prendem o teu Paizinho de vir junto de ti. Quebraram-se umas, e enleiam-se outras mais
fortes que só com a tua morte serão quebradas. São cadeias duras, que te prendem às maiores dores, às
maiores trevas. Ele virá confortar-te. Diz-lhe, repete-lhe muitas vezes no pouco tempo que te resta de
vida; diz-lhe que é Jesus quem lho afirma: que o amo, amo loucamente, que o criei para as almas, que o
criei para honra e consolação do meu Divino Coração; que o seu prolongado martírio tem sido um maná
celeste a cair sobre as mesmas almas. Diz, minha filha, ao teu médico, à prenda amadíssima do meu
Divino Coração que ampare fortemente a tua alma, assim como ampara com cuidado o teu corpo. Vives
milagrosamente. Vigilância, muita vigilância. Criei-o para sustentar esta causa, esta causa bendita.
Como recompensa do seu cuidado, trabalho e canseira, ninguém como ele receberá de ti a minha vida
divina, para que ele a possa dar, infundir fortemente a quem lhe querido e ao bando amado que lhe
confiei. Dá esta vida divina aos que te são mais queridos e mais cuidam de ti e de mim. Vem, minha Mãe,
vem agora, dá o nosso conforto e a nossa vida, unida a esta filhinha.

Veio a Mãezinha, tomou-me em seus braços, abraçou-me, acalentou-me com amor, bafejou-me
fortemente por espaço de alguns momentos e disse-me:

— Minha filha e filha do meu Jesus, recebes por mim a vida d’Ele e por Ele a minha vida e assim vives de
Jesus e de Maria. Que encantos tem a tua vida, que rica que ela é! Ele é tão ofendido! Quando ferem o
Seu Divino Coração, ferem-me também o meu.

— A Mãezinha principiou a chorar e mostrou-me o Seus Santíssimo Coração atravessado por uma forte
lança. Condoí-me tanto! Parece que estremeci.

— Mãezinha, Mãezinha, cessai lá as Vossas lágrimas, estai alegre, não dolorosa, e deixai-me tirar do
Vosso Santíssimo Coração essa lança.

Tirei-lha com amor, tirei-lha serenamente. O coração ficou sem ferida, em vez de sangue ficou luz,
ficaram flores; e as lágrimas cessaram em Seus olhos santíssimos. A Mãezinha chamou por Jesus. Ele
aproximou-se.

— Estou pronta para sofrer, Jesus. Estou pronta para sofrer, Mãezinha. Consolai-Vos, consolai-Vos.

— Minha filha, pomba adorada, para não estarem feridos os nossos corações, dá-me a reparação que te
pediu minha Bendita Mãe. Dá-ma pelos sacerdotes, dá-ma pelos conhecidos que te tenho recomendado,
dá-ma pelos desconhecidos. É tão grande, tão grande o número que me ofende!

— Jesus, Mãezinha, está aceite. Dai-me coragem, dai-me amor, dai-me confiança.

Fui acariciada por Jesus e pela Mãezinha, enquanto um bando de anjos descia sobre nós. Jesus
acrescentou:

— Vêm os anjos do céu adorar na terra o seu Rei, a sua Rainha e com Eles o seu anjo em carne. Vai,
filhinha, toma a tua cruz. Vai, filhinha, submete-te às trevas, vai confiante. A causa triunfa, os
humilhados serão exaltados.

— Aceitai, Jesus e Mãezinha, um nunca terminar dos meus agradecimentos.

Estou num martírio, estou presa, fortemente presa às minhas trevas, à minha cruz. Foi o amor,
são essas as paixões, mesmo sem o sentir, mesmo sem o gozar. Prendeu-me Jesus, prenderam-me as
almas, e eu aceitei e quero.

6 de Setembro de 1945

O que sou eu? O insecto mais vil, o trapo mais imundo, sem proveito para nada. Perdi-me, perdi-me, a
minha vida é inferno, a minha cama é inferno, a minha morte é inferno, a minha eternidade é inferno.
Inferno, inferno, sinto-me nele a arder, sinto-me nele atormentada em todos os sentidos pelos
demónios. Que cabanas tão feias e atormentadoras! Que cheiros imundos, que atormentam mesmo a
alma. E a perda do meu Deus! Nunca mais ver aquela formosura que encanta o céu e a terra! E perdido
para sempre! Só o Seu poder, só a Sua justiça, ainda mesmo no inferno, esmaga-me, aniquila-me. E a
minha revolta contra esta injustiça é desesperadora. Não sei palavras que me satisfaçam, para poder
amaldiçoar tudo. Tudo é maldito: inferno, céu e o próprio Jesus. E a própria Mãezinha também ouve a
sua revolta de maldição. O inferno, ai o que é o inferno, o que se lá sofre! Sinto, e tão frequentemente,
que é ferido, apunhalado, um coração que está dentro do meu. Sei que é coração do meu Jesus.
Atormenta-me tanto! Como pode ser ter hóspede mais querido hospedado dentro de mim e ter coragem
de O tratar assim desta maneira, de O encher de espinhos, e O pôr todo em sangue! Estas punhaladas,
estes espinhos vão de fora para dentro e saem de dentro para fora. Vêm do Coração Divino de Jesus
cravarem-se no meu, feri-lo, transformá-lo numa massa de sangue. E assim está este ferimento, esta dor,
num só coração unidos. E o céu desce e junto de mim abre-se como um vulcão de fogo; desce como
bomba destruidora que tudo incendeia. É a justiça do Pai Eterno que não pode ver Seu Filho assim
ferido. Tenho medo, porque estou sozinha. Deixaram-me, abandonaram-me. Odeiam-me os inimigos,
abandonaram-me os amigos.

— Ó dor, ó sofrimento indizível! Que medo, meu Jesus! Vacilarei? Fazei que eu confie, obrigai-me a
confiar.

Cresce a minha cegueira, aumentam as minhas trevas. Não vejo, escureceu-se o mundo, parece que Deus
não criou a luz. Submergi-me nos mundos imensos das minhas trevas. Que tristes são os sentimentos da
minha alma!

— Meu Jesus, não me dais o meu santo director para meu guia? Sou a Vossa vítima, vença sempre o
Vosso amor.

Jesus pediu-me e não faltou, na noite em que me pediu, buscar a reparação que desejava. Foi do sábado
para o domingo, das duas horas às três da manhã. Lutei com os demónios, que vieram em forma de cães.
Foi violento e assustador o ataque. Fiquei em grande desfalecimento e mais triste que a noite.
Murmurava baixinho:

— Que tristeza, meu Jesus, que tristeza! Que receio de Vos ofender.

Ouvi só estas palavras.

— Minha filha, minha filha, e como não há-de ser triste para mim! Vê que não tarda a hora em que os
meus discípulos me obrigam a descer do céu à terra, às suas indignas mãos, depois de me terem
ofendido assim. Repara e confia que não pecaste.

Nestes dias que passam foram frequentes os ataques do demónio, de dia e de noite, conforme Jesus o
tem exigido. Só Ele conhece o meu duro e triste penar. Vieram em forma de cavalos, leões, cães e
homens. Não sei como podem inventar tanta malícia e saberem tantas maldades e tantas palavras feias.
Ontem ao terminar do ataque, atormentada com o susto de ter pecado, dizia a Jesus:

— Que triste vida! Tende compaixão de mim, tende compaixão de mim!

No mesmo momento, Jesus respondeu-me:

— Tem tu, minha filha, compaixão de mim! Não posso tanto, sou ferido, sou ferido. Que grande
maldade! Rasgam o meu Divino Coração. Repara-me, repara-me por tanta imodéstia. A impureza! Que
gravidade o pecado da impureza! Confia, não pecaste, consolaste o meu Divino Coração. Nas minhas
exigências divinas quero que te vença sempre o amor ao meu amor, o amor às almas. Vai com a minha
força divina, toma a tua posição.

Fiquei nas minhas almofadas a ser por um pouco acariciada por Jesus. Mas as trevas encobriam essas
carícias, e a dor, a dor imensa continuou. Fiquei triste e desfalecida a esforçar por resistir às dúvidas de
ter pecado. De repente, apareceu à minha frente Jesus, pregado numa cruz luminosa. No meio das
trevas, Jesus brilhou com a cruz. Esta visão foi duradoira, fortaleceu-me, deu vida à minha alma, pude
vencer a vergonha que tinha de Jesus e fitar o Seu Divino Coração e a querida Mãezinha. Hoje, ao
terminar outro ataque, bradei com toda a força:

— O inferno, o inferno, e já neste momento, Jesus, se com isto Vos ofendo. Não quero pecar, não, não
quero.

Pareceu-me que desafiei a Jesus. Mas Ele bem sabe que não. Serviu-me esta frase para sobrecarregar-me
mais de sofrimentos. Não tenho coração para resistir a tanta dor. Que pavor tremendo ser quinta-feira!
Sinto que os sofrimentos da paixão, que me esperam, surgem de todos os lados como leões, e a
engolirem a sua presa. Estou no meio deles e sinto que o meu sangue por aquela fúria vai ser derramado.
E o cálice da minha amargura na noite silenciosa do horto vai sendo oferecido ao Eterno Pai, enquanto,
despreocupados, dormem os amados do meu coração. Sofro eu, sofre Jesus. Rasgam-se as minhas veias,
o sangue corre, e o pavor aumenta.

— Ó paixão, ó dor e amor de Jesus, que não sois conhecidos! A dor não cabe em mim. O peito abre-se, o
corpo desfaz-se. Que será de mim, meu Deus? Tenho medo e tenho sede, medo de tudo e sede de todos.
quero dar-Vos todas as almas.

7 de Setembro de 1945

Que medo de Jesus, que pena de Jesus, que saudade de Jesus! Medo, porque sinto aproximar-se a morte
e temo dar-lhe as minhas contas. Pena de O ofender e ver ofendido. Saudades de O ver e gozar
eternamente. Ai a minha dor, os sofrimentos da minha alma! Sofro sofrendo e sofro sorrindo. Os
desesperos continuam, os desesperos do inferno e a perda de Jesus, e não posso conformar-me com O
perder para sempre. Estou sempre acompanhada com a cruz. Nesta manhã, quando redobrava de
esforços para me preparar para bem receber a Jesus, senti que dentro de mim Ele era açoitado
cruelmente e continuou a sê-lo durante a acção de graças depois de O ter recebido.

— Meu Jesus, ó meu Deus, sou eu que maltrato assim o Vosso Corpo Santíssimo? São os meus pecados?

Que grande tristeza! Continuei a vê-Lo a caminhar com a cruz aos ombros. Com que dó O contemplei!
Ele tinha saído tão triste da prisão, prisão onde tinha estado sozinho. E logo Lhe preparavam a cruz, que,
depois de ser açoitado, levava a custo, desfalecido. De poucos em poucos passos Jesus caía, mas então já
caía dentro de mim, porque o caminho do calvário era eu mesma. Ao ser limpo o Seu Santíssimo Rosto,
Ele deixou-o impresso vivamente, e eu sentia que aquele Rosto Santíssimo, aquele retrato sem igual
havia de ser visto, enquanto o mundo existir. Se o meu coração tivesse a generosidade como o daquela
mulher que se aproximou de Jesus… Que grande foi a recompensa que ela d’Ele recebeu! Estava no
calvário, na agonia da cruz e sentia-me também no inferno, os demónios e as labaredas sobre mim.
Subiam as labaredas consumidoras, mas não consumiam nem destruíam a cruz em que eu estava
pregada; não faziam desaparecer os sofrimentos da paixão. A cruz brilhava com eles. Uma montanha de
trevas levantou-se da terra ao céu, e eu, mergulhada nos mundos delas, e ainda sobre mim estava essa
montanha. Podia bradar e bradar sempre, e essa montanha impedia que os meus brados fossem ouvidos
pelo Eterno Pai. E eu sozinha, abandonada, sem ninguém! Tive um forte assalto dos demónios. Vieram
como cães raivosos e diziam-me:

— Não te vale a pena sofrer tantos sofrimentos nem teres tantas visões, porque afinal estás condenada.
De nada te aproveita. Ofende a Deus, anda para o prazer, goza ao menos aqui.

Sempre que podia, jurava não querer pecar e implorava o auxílio do céu. Ao terminar da luta, sempre
disse a Jesus:

— Perdoai-me, meu Amor, mas custa-me a crer consolar-Vos desta maneira. Que medo eu tenho de Vos
ofender!
Continuei na cruz e num abandono irresistível. Os olhos do meu corpo não viam ninguém à volta de
mim, mas dentro de mim estavam bem unidos dois corações feridos pela mesma lança, pelos mesmos
espinhos. Compartilhavam da mesma dor: era o de Jesus e o da Mãezinha. Que alegria seria a minha, se
eu soubesse fazer compreender quanto estes dois corações sofreram e a grandeza do meu abandono e da
minha agonia. Morria, morria sozinha sem o auxílio do céu. E, neste momento, desceu Jesus pela
montanha das trevas e veio ao meu encontro. Veio com os Seus santíssimos braços e o Coração abertos.

— Venho, minha filha, de braços abertos, para te abraçar, e Coração aberto, para nele te receber.
Significa a tua entrada no céu. Os braços abertos para te abraçarem e levarem, o Coração, a Pátria que
vais habitar. Virei depressa, pomba querida, a conduzir-te ao paraíso. Venho com sede, deixa-me beber
no teu coração, nessa fonte cristalina, que é minha. É água celeste, é fonte divina.

Jesus bebia com canseira, parecia não se saciar mais.

— Deixa-me beber, esposa amada, beber em teu coração, porque no mundo não posso beber. Ando
pedindo entrada de coração em coração, como andei no ventre da minha Mãe, na cidade de Belém. À
semelhança dela, quase nenhuns corações me querem beber. Em ti sacio a minha sede, e o supérfluo
aplico-o para as almas, é supérfluo de salvação. Com ele esqueço as minhas dores, com ele deixo de
sentir os espinhos que me ferem. Vou dar-te agora, minha filha, o meu divino sangue. Vou fortalecer-te
para a tua cruz; vou encorajar-te e levantar-te do teu desfalecimento; sou o teu médico divino. Aplico
com tanto cuidado a minha ciência, como o médico da terra tem cuidado com o teu corpo. Dou-te o meu
divino sangue e amor por gotas, não podes resistir a mais. Aplico-te sete gotas em honra das dores da
minha Mãe Santíssima.

Tomou Jesus em Suas mãos o Coração, fez dele como que um vaso formosíssimo, do qual deixou cair
para o meu coração as gotas do Seu preciosíssimo sangue e outros tantos raios doirados do Seu amor.
Principiei a sentir-me grande e forte. Jesus cuidadosamente levantou a Sua divina mão como sinal de
paragem e logo deixei de sentir aquela fortaleza e grandeza com a qual não aguentava.

— Minha filha, és a luz do mundo, tens em ti toda a luz do Espírito Santo, és a salvação das almas, tens
todo o poder sobre os pecadores. Esta luz vai-lhes penetrar e perscrutar nos corações. A graça, a luz, o
amor brilham em ti, irradiam em ti e à volta de ti e por ti hão-de brilhar e irradiar dum pólo ao outro do
mundo. Por ti vou entrar nos corações mais endurecidos, por ti vou afervorar os tíbios, por ti vou
incendiar mais e mais todos os que estão sequiosos de mim. Minha filha, flor mimosa do jardim divino,
canteiro do paraíso celeste, continua a dar-me e a dar-me com alegria e amor os combates que vou
pedir-te, a reparação pelas almas. Coragem, coragem, se as queres salvar. Coragem, coragem, se não me
queres ver ferido.

— Sim, meu Jesus, não posso consentir uma ofensa feita a Vós. Mas como podeis tirar da minha miséria
alguma doçura e consolação? Custa-me tanto reparar-Vos desta forma.

— Ó pura, ó bela, só da tua pureza posso tirar pureza, só do teu coração posso tirar amor. Não sabes tu
que só das flores se tira o néctar? Em ti recebo tudo, e por ti todos os corações receberão. Deixa-me mais
uma vez transformar-te em mim, envolver-te no sangue de Cristo, no amor de Cristo, para que a tua vida
seja só e sempre a vida de Cristo.

Tomou Jesus o meu corpo, uniu-o ao d’Ele, fez dois uma massa de carne, sangue e amor. Jesus
continuou.

— Todo o teu ser é de Cristo, vida, corpo, olhares, sorrisos e amor. Dá-te às almas por amor de mim.
Coragem! Sempre que eu venho depressa, venho breve dar-te a recompensa.

— Jesus, vindes de certeza? Queria perguntar-Vos, mas perdoai-me a minha curiosidade, não Vos, não
Vos digo mais nada.
— Pergunta, pergunta, minha filha, tem confiança em mim. Já sei tudo, mas diz-me lá.

— Vindes depressa levar-me para o céu ou continuais sempre com os Vossos breves?

Um sorriso de Jesus à minha pergunta, e respondeu-me:

— E são sempre apressados os meus breves por muito que eles demorem. Mas não, lírio casto, não,
pomba adorada, não trato mais contigo desses breves demorados. Virei buscar-te. E o que vais tu fazer
no céu?

— Vou amar-Vos e bendizer-Vos eternamente.

— E as almas? Que fazes por elas?

— Imploro junto de Vós. Não posso eu no céu junto de Vós salvá-las da mesma forma?

— Sim, minha filha. Digo isto, para experimentar-te. Não é para mim, mas para o mundo ver e
compreender a alma louca pelo seu Deus e pelas almas, a alma que vive a vida de Cristo, seu Senhor. Vai
agora, toma a tua cruz, segue-me sorrindo, segue-me com amor.

Tomei a cruz, coberta de dores e amarguras, mas encobrindo-as o mais possível; sorri alegremente, sorri
e fiz sorrir os que me rodeavam. E ao mesmo tempo ia dando tudo a Jesus e às almas. Só pelo céu podia
ser compreendido o meu sacrifício.

11 de Setembro de 1945

No dia da Mãezinha, quanto me esforcei para A consolar e provar-Lhe o meu amor! E nada consegui.
Escrevi por minhas mãos tudo quanto ia no coração e na alma, tudo o que Lhe queria dizer, e sem nada
saber dizer. Fui colocar-me a Seus pés com um vaso de flores, mostrava-me alegre e com grande
entusiasmo, mas dentro de mim tudo era morte, parecia enganar e mentir a mim mesma. Ao
recomendar-Lhe de novo o que na carta dizia, sentia como que ela o rejeitasse e não fosse aceite. E desde
então fiquei como se a minha alma vagueasse entre o céu e a terra. Não sou do mundo nem sou do céu.
Estou como se não habitasse nem um nem outro lugar, mas a dor e as tremendas trevas acompanham-
me sempre essa vida vagueante. Não sei como hei-de vencer e resistir! Continua a minha crueldade a dar
punhaladas no Coração Divino de Jesus, que possuo dentro de mim. E depois de assim O maltratar,
sinto uma sede insaciável de O possuir, amar e consolar. Sinto desejos indizíveis de só a Ele pertencer.
Mas tudo isto é morte, e tudo em mim é podridão. Não posso aguentar estes sentimentos ao mesmo
tempo. Ferir e depois dar-me cegamente Àquele que feri! Que atrevimento o meu! Mas Ele tem sede das
almas, e eu quero dar-Lhas! Ele quer possuir o mundo, e eu quero entregar-Lho inteiramente, mas a
vergonha apoderou-se de mim. A minha vida nada condiz com estas ânsias e desejos. As minhas trevas
por vezes não deixam ver com os olhos do corpo a Jesus, e a vergonha que sinto obriga-me a querer
desaparecer diante da Sua divina presença. Não quero que Jesus me veja, temo a morte, não sei como
comparecer diante d’Ele para ser julgada! As saudades do céu derretem-me o coração, mas temo ter de
passar pela morte. Aterroriza-me e entristece-me. A alma continua a sentir os horrores do inferno e os
horrores da vida que me levou a ele. A revolta contra Jesus, a perda d’Ele. Que horror e que triste é o
meu viver. E sinto que não tenho uma única pessoa na terra a quem hei-de recorrer. Não há quem possa
dar-me uma palavra de conforto. Pedi a todos, e todos me abandonaram. De cada vez sinto mais
necessidade dum guia, do meu Pai espiritual. Meu Deus, foge o tempo, e ele não vem. Tenho tantas
saudades de voltar a ter no meu quarto o santo sacrifício da Missa. Não terei essa dita. Fugiram de mim
todas as ditas e todas as consolações. Há dois dias que não recebo o meu Jesus, o meu coração morre de
saudades. Nuns momentos de grande ansiedade de o possuir para saciar a minha fome, pensava: se
estivesse junto do sacrário, pedia tanto a Jesus para vir ao meu coração, que tenho a certeza que Ele
deixava o sacrário e vinha para mim, ao ver a minha ansiedade. Em pensamento posso fazer o mesmo
aqui, para Ele não há distâncias. Receosa que houvesse uma confusão da minha parte, desviei de mim
este pensamento. Jesus sabe os meus desejos e há-de enriquecer-me e como Ele quiser e Lhe aprouver.
O demónio atormentou-me por duas vezes, forte e desesperadamente, porque senti, porque senti em
mim a primeira reparação: foi por todos em geral, por todos os que ofendem a Jesus, contra a castidade.
A segunda, que foi hoje mesmo, foi pelas famílias, pelos esposos ingratos para Jesus. Digo isto, pelas
cenas tristes que observei, as quais só pelas famílias me têm sido pedidas. Que coisas tão horrorosas, que
maldade a dos demónios! Lutei por tanto tempo! Só pensava perder a vida. O coração parecia estalar, e o
corpo banhou-se em suores. Invoquei tanto e tão repetidas vezes o nome de Jesus e o da Mãezinha. Pedi-
Lhes tanto que me acudissem, porque não queria pecar. O demónio raivoso dizia-me que pecava e queria
satisfazer meus gostos. Parece que fiquei doida e perdida, em região diferente. E, na incerteza de ter
pecado, que tristeza se apoderou de mim! Veio o meu Jesus, estreitei o meu ao Seu peito, e disse-me:

— Minha filha, minha estrela luminosa, não pecaste, lírio casto, açucena pura.

A tristeza e a dúvida de pecar desapareceram por um pouco. Apesar de este abraço de Jesus não ser
como costumava ser, desapareceu aquele calor, aquela união de amor que Jesus usava para com a minha
alma. Mas só com estas palavras fiquei mais forte. Vou rompendo por entre as minhas trevas,
sobrecarregada, mas abraçada por amor à minha cruz. Sorri, porque Jesus o quer, amo-a por Ele, amo-a
pelas almas. Sinto que não tenho nada a receber do céu, mas confio que é de lá que tudo hei-de receber.

13 de Setembro de 1945

Trevas em mim e à volta de mim. Trevas no corpo, no coração e na alma. Vejo, sinto que é impossível
atravessá-las sem um guia, sem uma luz. Esse guia, essa luz não aparecem.

— Deverei morrer sozinha, sem ninguém? Sozinha vivo, sozinha, sem ninguém. Deus, meu Deus, morro
sem chegar ao fim destes mundos, tão negros, tão aterradores! A minha vida tornou-se-me quase
insuportável. Quanto mais sofro mais despida me sinto, mais pobre e miserável me vejo diante de Jesus,
mais indigna do céu, do céu que perdi pela vida que não soube aproveitar; não segui os caminhos de
Jesus, não O amei, não soube viver. Que horrores! Que revoltas e desesperos em minha alma! Tudo
quero amaldiçoar, quando os meus ouvidos ouvem os uivos e ruídos infernais, quando a alma sente os
horrores do inferno. Que tremendos tormentos! São insuportáveis com a perda de Jesus. E, depois
destes sofrimentos, continuo a sentir que não vivo, só os sofrimentos vivem; não estou na terra nem no
céu.

— Meu Jesus, ai que vida esta!

Muitas vezes, quando estou caída e por mais esforço que faça, não posso levantar-me, a minha alma tem
a visão da cruz; e quem a leva é Jesus, Jesus de poucos anos ainda. Tão pequenino e tão curvado debaixo
do seu peso! O meu coração enche-se de compaixão. Jesus pequenino e inocente vai por amor de mim
tão sobrecarregado. Não hei-de eu caminhar, pequenina ou mesmo nada de virtudes, mas grande de
misérias, de pecados. Por amor d’Ele submeto-me a levar a cruz com todo o peso.

— Meu Jesus, quero seguir-Vos, à Vossa semelhança quero caminhar. Não sois Vós que me animais, não
é a Vossa formosura, pois a minha alma não sente nisso consolação, mas sim a Vossa inocência, o Vosso
amor ao sofrimento animam-me e levam-me à compaixão.

Quando assim vejo Jesus, não me alegro, mas sinto-me viver. Ele leva a cruz dentro de mim, e eu, unida
a Ele, levanto-me, estreito de novo ao meu coração a cruz e caminho. Veio hoje o demónio com um
ataque aterrador. Tudo à minha volta eram cães, todos me queriam saltar raivosamente; todos me
convidavam ao mal, todos praticavam as mais feias acções. Lutei com eles. No meu rosto e no meu corpo
sentia a maldade do homem e do inferno; todo o meu corpo era maldade, todos os meus gestos e olhares
eram maliciosos. Queria chamar por Jesus e pela Mãezinha, e o maldito não me deixava. Só desde que
me parecia ter pecado e ele me afirmava que sim é que se quebravam as cadeias que me prendiam a
língua. Chamei por Jesus e pela Mãezinha. Fiquei libertada, mas abismada num mar de dores, tristezas e
receios, sem haver nada no mundo que alegre a minha alma. É a minha cruz. Nova visão apareceu aos
olhos da minha alma. A cruz de amanhã. E então Jesus, já homem, para a levar. É para Ele e é para mim,
pois Ele sofre em todos os membros do meu corpo. Vejo o que me espera. Sinto como se estivesse na
mais alta montanha, e todo o mundo contra mim a inventar à porfia novos meios par atormentar meu
corpo. Sou escândalo no meio da multidão. A alma chora, o corpo estremece, as veias tendem a
rasgarem-se; já vejo o horto onde o sangue vai ensopar a terra. Ao meu coração ligou-se o Coração da
Mãezinha. Que triste adeus ao terminar da ceifa! Sinto que vou para a morte, e a Mãezinha sente que
vou; está já de dor o Seu Santíssimo Coração. Ele encobre ainda Sua dor, o Seu pranto.

14 de Setembro de 1945

Não há na terra quem possa alegrar-se. Parece-me que todo o mundo tem tanta luz como eu tenho,
tantas trevas como tem a minha alma. A alma nada vê, e sinto que o mundo está na mesma cegueira.
Caminhei para o calvário, desfalecida, caindo repetidas vezes e repetidas vezes por cordas arrastada.
Tive quem me ajudasse a levar a cruz, mas esse auxílio não era voluntário, não recebi dele consolação. A
sede ardente, que no coração levava, era a força do meu caminhar. O meu corpo foi todo salpicado por
bolas de chumbo; as carnes e o sangue ficavam espalhados no caminho da montanha. Um número de
curiosos contemplava essa carne e esse sangue; contemplava por escárnio e não por amor. A sede
continuava, uma sede eu o meu corpo humano não podia aguentar. Já estava na cruz e em grande
abandono e agonia. Dum lado e do outro e uns atrás dos outros vieram sobre mim furiosos cavalos;
relinchavam furiosamente. Eram demónios a convidarem-me ao mal. Obrigavam-me a dizer que queria
pecar e satisfazer as minhas paixões. Não sei se sim ou não o disse, mas creio que não. Terminou a luta
só depois de me parecer ofender a Jesus gravemente. E eu pude exclamar:

— Jesus, é a minha cruz. Valei-me, valei-me, ai de mim!

Não pensava nem pedia a Jesus a visão da cruz, mas Ele apareceu à minha frente, cravado nela,
luminoso, cercado de flores. Com esta visão fugiram todos os cavalos, relinchando novamente, muito
alegres por terem satisfeito seus gostos. E Jesus pronunciou estas palavras:

— Aceita, aceita, minha filha, se te queres assemelhar a mim e seres a minha crucificada sem igual.

E desapareceu da cruz. Fiquei mais forte, é verdade, mas a parecer-me que estava no inferno, pena
merecida por tão grande pecado. E continuou o abandono e a agonia da cruz e a mesma sede ardente do
caminho do calvário, com a diferença: no caminho do calvário, a sede era de Jesus, sede de possuir as
almas; na cruz, era minha, era sede de Lhas dar. Sentia Jesus em todo o meu corpo a sofrer comigo. Eu
era o encaixe no qual Ele se revestia. Sentia-O todo inteiramente; até na minha cabeça sentia a d’Ele com
os Seus cabelos ensopados em sangue.

— Ó meu Deus, ó meu Deus – eu exclamava – oh quanto se sofre, e o mundo não conhece! Aceitai o meu
abandono e agonia; aceitai os meus medos, a minha dor.

Que pavor eu não poder resistir mais! Esperava a vinda de Jesus, mas Ele demorou tanto! Quando veio,
disse-me:

— Para longe de ti, minha filha, as tuas trevas, dúvidas e temor, para que saibas que sou o teu Esposo, o
teu Jesus. Venho beber, venho saciar, na tua fonte, a minha sede; venho retocá-la, abrilhantá-la,
enriquecê-la, para que toda a água dela se aproveite, água que é tirada, transformada do sangue das
minhas veias. O meu sangue é sangue que gera as virgens, germina, dá a vida. Eu sou a tu vida, e é por ti
que as almas recebem a minha vida divina. Deixa-me enriquecer essa fonte, a fonte do teu coração;
deixa-me despejar nela o cofre do meu amor e das minhas riquezas: são as minhas últimas maravilhas
em ti.

Jesus abriu o Seu Divino Coração e abriu também o meu; despejou tudo o que o d’Ele continha, deu-se
todo ao meu, selando depois o meu coração.
— Minha filha, minha pomba, meu encanto, isto é a minha vida, a minha força; são riquezas para dares
às almas. É o meu poder divino para levares a tua cruz. Quero-te pequenina para seres grande;
pequenina, mas comigo caminhas sem vacilar. É por isso que pequenino me apresento a ti, levando a
cruz. Sou pequenino, sou inocente, e tu, pequenina e inocente, leva-la por amor de mim, ó nova
redentora das almas. Não receies a cruz, não temas o seu peso, venha o que vier, fira-te o que te ferir.
Vencerás comigo; seguirá a barquinha, firme no mar, mesmo que a tempestade, por todos os lados, a
cerque. Vence a minha divina causa; triunfa, triunfa.

Sentia que eu era a barquinha, que caminhava por entre as ondas, cercada até às alturas de horrorosas
tempestades. Não estremecia a barquinha, não mergulhava nas águas, não temia, porque dentro dela ia
Jesus.

— Minha filha, vou diminuindo os meus colóquios e diminuindo o tempo deles para glória minha,
proveito das almas. O meu amor e a minha divina luz em ti serão como sol que rompe as nuvens e mal
chega a alumiar e a aquecer. Tudo vai a caminho do seu fim, até mesmo as minhas maravilhas e o
sentires o meu amor. Tem coragem! Mais do que nunca me amas, mais que nunca estou em ti. Vou dar-
me agora a ti na Eucaristia. Como prova de que és a minha verdadeira crucificada, prometo-te, minha
filha, não deixar-te sexta-feira nenhuma sem me dar a ti, sacramentado, ou pelas mãos dos meus
discípulos ou pelos meus anjos ou eu mesmo, como agora vou fazer.

Tomou Jesus em Suas santíssimas mãos uma hóstia e disse:

— Corpus Domini Jesu Christi. Sou eu mesmo sacramentado, sou a tua vida, o teu alimento. Pede-me
agora o que quiseres, confias que sou eu?

— Confio, porque confio na Vossa palavra; não por me parecerdes aquele Jesus, cheio de luz e amor.

Contudo, aqueceu Jesus o meu coração e fez-me gozar uma grande paz.

— Jesus, peço-Vos para ser santa, como Vós o quereis, se o quereis. Peço-Vos para amar-Vos tanto como
o Vosso Divino Coração deseja; peço-Vos para não Vos ofenderem gravemente todos os que me são
queridos e me pertencem; peço-Vos para não Vos ofender; deixai-me entrar com todos no Vosso
Santíssimo Coração e lá viver e morrer. Deixai-me entrar com o mundo inteiro, para que ele seja salvo.

Enquanto eu dizia isto a Jesus, estavam anjos em tamanho natural de joelhos e inclinados diante de
Jesus. Não cantavam, mas eu ouvia um toque harmoniosíssimo, que arrebatava. Jesus disse-me:

Entra, entra no meu Coração, na tua morada, entra com quem desejas; fecha-te lá dentro. Os anjos vão
colher as flores do teu amor e das tuas virtudes, vão levá-las para junto do trono divino; o seu aroma é
para as almas, é o bálsamo que vai curar-lhes a lepra.

Vi os anjos com posta de flores levantarem voo e desaparecerem. E desapareceu também Jesus a dizer-
me:

— A tua missão são as almas. Salva-mas, salva-mas. É pela dor, é pelo amor, é pela cruz.

Fiquei forte, sim, mais forte, mas a sentir horrorosas dores no meu corpo e a lutar, a combater os
mundos das minhas trevas, ceguinha da alma e do corpo.

16 de Setembro de 1945

Não vejo, não sei onde estou, não há céu nem terra para mim. Não vivo e vivo, não sinto e sofro. Temo
viver, temo morrer. Quero Jesus, perdi a Jesus e tenho medo de morrer e de comparecer na Sua divina
presença. A minha vida é vergonhosa. Ai de mim, mas não quero perdê-Lo, não quero condenar-me.

— Ó inferno, ó inferno, que tremendo és!


Ai quantas vezes sinto lá arder o meu corpo, o meu espírito, e todo o meu ser é atormentado pelos
demónios. E não tenho quem me guie, não tenho quem acuda à minha pobre alma. Não há luz que a
ilumine; todo o céu, todo o mar e terra são trevas. Em cima de mim e debaixo de mim. E de dia e de
noite este tremendo martírio. Que abandono e incertezas, que vida tão duvidosa! De alma e coração
feridos, preparei-me para a vinda de Jesus a esta pobre morada; preparava-me com tristeza; esperava-O
com dor e ansiedade. Logo que Ele entrou no meu peito, disse-Lhe as minhas mágoas. Sem grandes
efeitos do Seu amor, ouvi que Ele me dizia:

— São puros os teus caminhos, minha filha, são caminhos verdadeiros, caminhos reais, escolhidos por
mim. É grande o teu amor, é grande a tua reparação. Sou eu o teu conforto, o teu alimento, a tua vida.
Amo-te tanto, tanto, amo-te a mais não poder amar-te; por isso te escolhi os caminhos mais espinhosos,
difíceis e delicados, e te escolhi a maior missão, a mais bela e sublime. Dá-me tudo com santa alegria,
com alegria de alma, isso me basta. Não penses, minha filha, que me entristeces por dares a conhecer a
tua dor. Não disse eu: “a minha alma está triste até à morte?!” A tua tristeza mostra a tua dor e amargura
e a sensibilidade do teu coração, mas não quer dizer que deixas de viver alegre no teu martírio. Tu dás-
me o maior amor, a maior reparação, a maior alegria. Confia em mim. As tuas trevas dão luz ao mundo.

Fiquei umas horas mais forte. Após este alívio, voltei ao mesmo penar, a sentir a alma dilacerada de dor,
com os tormentos mais aterradores. Queria conhecer Jesus, amá-Lo, fazer tudo por Ele e nada fazia. Que
vida de perdição!

— Meu Deus, que arrancos tão desesperadores!

Sentia-me em tudo perdida e condenada. Por vezes apertava as minhas mãos como para segurar-me e
ficava quase sem saber o lugar onde estava. Que trevas, que cegueira a do meu espírito!

— Valei-me, Jesus, é Vosso o meu coração, é Vossa a minha vida, tende dó.

20 de Setembro de 1945

O que será de mim sem Jesus e sem ninguém?

— Não comungo, ó meu Deus, que falta me faz. Sinto-me desfalecer e morrer de fome. Perdi todos os
que me são queridos, não tenho ninguém por mim.

Perdi a Jesus para sempre e sinto grande revolta na alma com esta perda. É perda desesperadora.
Quantas vezes sinto todo o meu corpo a arder no inferno. Sinto e vejo aquelas feias cabanas, os urros e
maus tratos dos demónios, as suas cenas maliciosas atormentando-me por aqueles pecados que me
levaram à perdição. Todos os meus sentidos sofrem. De que me serviu a vida tão leviana, cheia de
loucuras e prazeres, para depois condenar-me! Que pecaminosa e horrorosa vida, que tremenda e
assustadora eternidade! Reconheço que mereci o inferno, mas isso não basta, tenho que, desesperada,
amaldiçoar tudo. Nesse abismo eterno, sinto que os demónios maltratam tanto a minha alma e
atormentam todos os meus sentidos, a parecerem cães que põem pano em tiras, destruindo tudo, fio a
fio.

— Ó meu Deus, se o mundo conhecesse o que se sofre no inferno e o que é uma ofensa ao seu Deus! Não
sei dizer o que vai dentro de mim. Meu Deus, que pena tenho! Queria saber dizer mais, queria poder
mostrar a região onde habito, a região das trevas. Ando a vaguear entre elas. Que escuridão a da minha
alma! Que cegueira a do meu espírito! Não vejo, não vejo nada, não sei onde estou. Toda a minha vida
deixou o corpo, para viver das trevas. Pobre espírito, que não sossega, batalha com elas. Não habita o céu
nem habita a terra; perdeu-se, perdeu-se. Parece-me estar cravada na cruz, e a violência da dor separa-
me dela, deixando assim de serem úteis todos os meus sofrimentos. É para melhor sentir que nada vale a
minha existência aqui. Que vida de tanto penar! Se eu pudesse convencer-me que consolava Jesus e
salvava as almas!
— Jesus, Jesus, quero confiar, obrigai-me a confiar. Ai de mim sem a graça do céu.

Os demónios assaltam-me, caem sobre mim, sobre o meu leito, desesperados, como para
estrancinharem o meu corpo. Que feras tão feias, e que eu desconheço! Parece lançarem-se aos meus
ombros, fazem-me estremecer. Maldito ele seja! Perdeu-se e quer perder-me a mim também. Veio mais
que uma vez em forma de homem, para obrigar-me a pecar e ensinar-me a blasfemar contra Deus. Quer
que eu diga que quero pecar, que quero o prazer. Não quer que eu pronuncie o nome de Jesus. Para isso
parece apertar-me a garganta e cerrar meus lábios. Eu, antes de chegar ao auge da luta e aflição, disse:

— Já sabeis, meu Jesus. Se Vos hei-de ofender, dai-me já o inferno.

Que mundo de dúvidas e incertezas. Pobre de mim, em que dor eu fico. Que medo de ter pecado. Que
vergonha que não me deixa levantar os olhos para Jesus. O coração consome-se. A sede redobra. Quero
amar a Jesus, tritura-me ver que O não amo. Cai sobre mim a chuva dos sofrimentos. Já me sinto no
horto. O coração é espremido para o cálice da amargura e em mim a oferecê-lo ao Eterno Pai. Sinto e
vejo que deste cálice sai fogo e grande fragrância. O Eterno Pai satisfaz-se nesse fogo e fragrância no
cálice de tanta dor. Apesar de Se satisfazer, não vem consolar-me, deixa-me ao abandono, esmaga-me
com a Sua justiça. O Seu peso divino rasga-me as veias, obriga-me a dar o meu sangue. Sinto-me com os
lábios em terra, a falar com o peso esmagador.

— Ó horto, ó triste horto. Ó Jesus, aceitai-me tudo e salvai as almas.

21 de Setembro de 1945 – Sexta-feira

Passei triste a noite, mas em união com Jesus. Saí da prisão, prisão que eram trevas, e as ruas, que
passeava, trevas eram. O meu espírito não via, mas pôde ver através das trevas uma grande multidão de
judeus que sobre o meu corpo descarregavam fortes açoites e varadas. E o coração segredava-lhes ao
receber estes sofrimentos:

— Tenho sede das vossas almas, quero possuí-las.

E sentia dentro de mim Jesus a romper por entre a multidão, louca de amor, só em ânsias de lhes dar o
céu. Só o amor de um Deus podia vencer tão grande martírio. Ele caminhava dentro do meu corpo, e eu
a senti-Lo cair por terra, e os olhos da minha alma a verem o Seu rosto santíssimo pisado, ferido, com
olhar de compaixão e profunda tristeza. Que olhares que tão docemente convidam e atraem as almas. Eu
não podia suportar em mim aquele convite de Jesus; não podia sentir aquela dor, tinha que desfalecer.
Vi-O em visão bem clara com a cruz aos ombros, com um joelho em terra e o outro no ar a fazer grande
esforço para se levantar. Atrás d’Ele caminhava uma mulher; não lhe vi o rosto, vi-lhe uma farta
cabeleira estendida. Um pouco à frente de Jesus e suspenso no ar, estava um coração com uma grande
chaga; essa chaga estava em sangue. O coração, era o Coração Divino de Jesus, senti-o bem. Quando
cheguei ao calvário e fui despida, foram as carnes coladas; foram tais as dores dos nervos, ou não sei de
quê, que foram bater-me ao coração, que me deixaram sufocada e quase sem vida. A minha língua,
retalhada de tanto que inchou, parecia não caber-me dentro da boca. E o meu rosto não era rosto; sentia
que não tinha forma humana. O meu brado era contínuo, brado que ecoava em todo o calvário; só ao céu
é que não chegava, não era ouvido pelo Eterno Pai. Que doloroso e tremendo abandono! Sentia o
coração falhar-me, ia a perder a vida. Queria dizer ao Eterno Pai que Lhe entregava o meu espírito e não
podia. A um brado fortíssimo, entreguei-Lho e expirei no abandono. E neste abandono esperei tanto
tempo por Jesus! Veio e disse-me:

— Minha filha, vaso sagrado, onde habita o Rei do Céu e da terra. É o teu coração esse vaso; o Rei sou eu,
o teu esposo, o teu Jesus. O teu amor é a lâmpada que me dá luz e luz tão forte; se eu assim o quisera,
iluminava o mundo. As tuas virtudes são as flores que adornam esse vaso no teu coração; o seu perfume
enche-me, consola-me. Vais agora receber-me pelo teu Anjo da Guarda.
Não vi o meu anjo, vi só a sagrada hóstia, bastante grande e branca, muito branca. Por três vezes ouvi
dizer as palavras ecce agnus Dei. E depois todas as palavras que dizem os sacerdotes. Não via os anjos,
mas ouvia o bater das asas e o zunir como que a cortar o ar. E ouvia-os cantar:

Veio do Seu trono, prisão de amor,


dar-se em alimento o nosso Rei e Senhor.

Veio do Seu sacrário o bom Jesus


Dar a vida e suavizar tão pesada cruz.

Veio à Sua esposa, veio o nosso Rei,


Reverentes O adoramos como em Seu trono,
como em Seu seio.

Glória, glória a Ti, nosso Deus,


A Ti, Rei do Amor.

Sem os ver, deixei de os ouvir, para continuar a ouvir Jesus.

— Minha filha, sou a tua vida, força e amor. Prometi e não faltei, vim a ti. Não venho mais vezes para
saborear as tuas ânsias, a tua sede de mim na Eucaristia. Dou-me a ti para te dares às almas. Encho-te o
teu coração com as riquezas do meu para por ele elas serem distribuídas. És a vida das almas mortas, és
a vida das vidas, és o amor dos corações. Levanta-te, levanta-te do teu desfalecimento. Vou pedir-te
muita reparação daquela que me dás com o maior dos sacrifícios. Não ma negues, não queiras ver o meu
Divino coração ferido. Dá-me todos os sofrimentos, para serem salvas as almas.

Principiei a ver tantas, tantas, era uma chuva delas, era impossível contá-las. Estavam tão luminosas, já
me parecia o céu. Jesus disse-me:

— Vê, minha filha, foram todas salvas por ti. Se soubesses por cada dia do teu sofrimento o número de
almas que salvas! O que será a vida toda do teu martírio! E toda a vida do céu a desempenhares a tua
missão, enquanto o mundo for mundo! Alegra-te, no céu o verás. Todas estas almas te esperam lá e para
breve. Olha o valor o sofrimento. Tem coragem. Eu sou o guia nas tuas trevas; sou a força no teu
calvário; confia em mim; desagrava-me com as tuas dores, desagrava-me com o abandono e a cegueira
do teu espírito. O fim está perto. Pede-me o que quiseres agora que me tens sacramentado em teu
coração.

— Meu Jesus, meu doce Amor, vinde ao meu corpo e à minha alma buscar tudo quanto Vos agrada e
consola. Estou pronta para continuar a ser a Vossa vítima. Já que prometeis dar-me tudo o que Vos
peço, dai-me força e graça para sofrer e amor para Vos amar. Libertai, libertai, meu Jesus, o meu
Paizinho. Não Vos demoreis mais. Dai, meu Jesus, ao meu extremoso médico, hoje, no dia do seu
aniversário, tudo quanto para ele Vos pedi e não soube pedir. Enchei de bens todos os que me são
queridos e salvai todo o mundo, que é Vosso.

— É teu, porque to confiei, ó luz atraente dos meus olhos. Salva-o e confia que tudo recompense por ti.
Vai em paz. Vou abreviar o meu colóquio, vou esconder-me. Os mundos das tuas trevas são mundos de
luz, são mundos de amor, para as almas e para os corações.

Bem depressa a minha alma esqueceu o conforto, a luz e o amor que Jesus me deu no momento em que
O recebi. Bem depressa os meus ouvidos perderam a suave música dos anjos. Esqueci tudo o que era
alívio e luz, para viver só na cegueira do meu espírito, na dor angustiosa do corpo e da alma. Ai de mim!
Temo o meu viver. Que o Senhor seja comigo!

24 de Setembro de 1945
Voltei a receber o meu Jesus. E onde baixou Ele? À cegueira do meu espírito, às trevas horrorosas, ao
mar imenso e pavoroso de podridão. Não posso pensar nem consentir que Jesus desça a esta imundície
vergonhosa e nojenta. Este mar de podridão sinto-o em mim e ao mesmo tempo separado de mim.
Causa-me horror e não me pertence. Não posso deixar Jesus descer a ele e não sei como. Ele deixa-se
levar e vai ferir-se neste lodo tão envenenado. É imundície que tem espinhos que ferem sempre e sempre
fazem sangrar. Queria com as minhas mãos amparar Jesus, para Ele não pousar neles, e não consigo.
Estou louca de vergonha e louca de amor. De vergonha, ao sentir-me assim; de amor, procurando todos
os meios possíveis, para sustentar Jesus sem O deixar poisar no que tanto O fere. Mas esta loucura de
amor envolve-se na noite tenebrosa do meu espírito, nas trevas que me envolveram toda a alma. O pobre
espírito, sem ser aceite no céu e na terra, anda vagueando na região que nunca viu luz. Anda como a
avezinha sem pousar, que bate as asas dia e noite sem conseguir repousar. Se sobe ao ar, não encontra
saída; se desce e mergulha, não a encontra também. Não há caminhos por onde eu possa sair das trevas.
O coração e a alma tremem e choram apavorados. Que horror, que horror, ó meu Deus! Que desesperos
dentro em mim! Mas são desesperos que me fazem estar calma e serena.

— É a Vossa vontade divina, meu Jesus, eu aceito.

Quantas vezes sinto e ouço beber, mas beber sofregamente dentro do meu coração. Ó que beber com
tanta canseira! Quem bebe bebe com tanta doçura, saboreia tanto, mas nunca está saciado. Eu também
não me sacio, nada há que me satisfaça e console. Por mais que eu sofra, nada sofro e nada tenho para
oferecer e consolar Jesus. E as minhas almas morrem de fome, e eu quero salvá-las, não as posso ver
morrer. Os ataques dos demónios têm sido frequentes e tormentosos. Têm vindo em forma de homens.
Um pelo menos durou cerca de uma hora. O meu corpo foi todo banhado em suores, e o coração batia
como uma fábrica apressada. Quando já lutava com eles, de repente vi à minha frente o Menino Jesus
dos seus cinco para seis anos, com o coração aberto no centro do peito. Fitou-me como quem convidava
a entrar nele. Retirou-se. Era formoso, formosíssimo, e o coração estava todo cercado e iluminado por
raios doirados. A luta continuou e bem triste e dolorosa. Depois de muitos convites e palavras feias
segredava-me uma voz:

— Já que te entregas aos prazeres, já que tanto feres o meu coração, retiro de ti as minhas luzes, as
minhas graças. És condenada eternamente.

Sentia em mim uns grandes desejos de pecar e, ao terminar da luta, tinha uma pena de morte, por não
ter satisfeito os meus gostos.

— Meu Deus, sentia tudo isto, mas nada disto queria.

Aquela visão de Jesus levou-me quase a acreditar que era Ele quem me falava, quando me dizia que
retirava de mim as suas luzes e graças e que era condenada. Oh! como eu fiquei triste! E o demónio,
contente, ou mostrava-se contente. Parece-me que era ele que assim me falava, para me levar ao
desespero. Nos outros combates tem usado sempre as mesmas manhas. Que tremendos horrores!
Muitas partes do meu corpo são instrumentos do pecado. Todos os sentidos do meu corpo são
instrumentos de ofensa para o Senhor. Mas tudo se refere ao pecado da impureza. Que malditos
conselhos, malditas acções, malditos pecados! Hoje, num assalto aterrador, em que me parecia que o
meu corpo era instrumento para pecar com muitos demónios, o coração batia-me com tanta força que
parecia rebentar e morrer.

— Meu Jesus – disse com o pensamento – a cada pancada do meu coração quero arrancar uma alma das
garras do demónio e tantos actos de amor para os Vossos Sacrários, como de areias tem o mar. Parecia-
me não ser mais livre dos demónios, e eu não podia mais resistir às suas maldades. Veio Jesus e disse:

— Pára e aparta-te, maldito, vai, príncipe infernal, e leva contigo todos os demónios. Aquele que teve
poder para te precipitar nos abismos obriga-te a retirar. Aparta-te, aparta-te, deixa a minha vítima.
Minha filha, sossega, que não pecaste. Inclina-te no meu Coração para descansares. Ai dos impuros sem
esta reparação!
Eu estava numa tristeza e numa desconsolação doida.

— Aceitai, Jesus, esta tristeza e desconsolação. Consolai-Vos e alegrai-Vos.

— Coragem, filhinha, é minha essa tristeza, pertence-me essa desconsolação, sofre-a por amor, para que
eu a não sofra. Anima-te no meu amor.

Dito isto, acariciou-me e escondeu-se, mas já os demónios tinham fugido. Eu não sei dizer as amarguras
da minha alma e as trevas em que estou. Parece-me que tudo em mim é pecado e é inferno. Parece-me
que não poderei mais ver o céu nem ver Jesus.

27 de Setembro de 1945

Bendito seja Deu! Adormeci nas minhas trevas, para não mais acordar; morri na cegueira do meu
espírito, para nunca, nunca mais viver; tremo com pavor, quero respirar e não posso. Tenho medo, estou
sozinha, não há quem me acompanhe nesta cegueira. Perdi o céu, só o inferno me resta. Perdi Jesus, sou
o entretimento dos demónios. Esta vida, esta vida não é minha, não é uma vida que se viva, não a
compreendo. E quantas vezes não posso suportá-la. O demónio enreda-me, atormenta-me. Põe à minha
frente homens, mulheres com feias acções, a pecarem gravemente. E depois vem ele pecar comigo e
obriga-me a dizer que assim o quero. Quer que eu diga que não quero a Deus; que quero satisfazer meus
gostos. E, como o pecado nunca satisfaz a alma, ele deixa em mim e, por espaço de tempo, uns desejos
ardentes de pecar e com grande satisfação. Sinto-me nas mãos dele, com as malícias dele revestida.

— Que horror, meu Jesus! Custa-me a convencer que não Vos ofendo. Não sei como acreditar, tende dó
de mim.

No último combate, que foi de noite, eu lutava com ele, e sob mim mesma estava o inferno. Que feio e
horroroso ele era! Que moinha de almas em seus tormentos! Que tremenda aflição a do meu coração!
Que afecto e loucura eu sentia pelo pecado! Não podia pensar que era vítima de Jesus e que repetidas
vezes a Ele me oferecia. Que vergonha! Depois disto, acompanhou-me uma pena irresistível das ofensas
a Jesus e um desejo ardentíssimo de O amar e ver todo o mundo incendiado no Seu amor divino. Pode lá
ser eu amar a Jesus assim tão cheia de misérias! Pode lá ser Ele aceitar-me para Sua vítima! Que vida de
tanta incerteza! É quinta-feira, e dentro da minha alma passam-se os maiores horrores. Que medo ao
sofrimento! O horto aproxima-se, sinto-me prostrada nele. Sinto em mim o ensopo do sangue. A justiça
divina esmaga-me; as veias rasgam-se. Não vi ninguém, mas senti que do céu desce alguém que viesse
fortificar a minha alma, levantar-me da terra nua, aliviar-me da minha agonia, para depressa continuar.
Quem me aliviou a minha alma! Senti que foi um enviado do Eterno Pai. Mas o Seu abandono
continuou, e a Sua justiça pesou sempre sobre mim. A terra treme à vista de tanta dor. Chegou o
momento da prisão, sobre o meu corpo caiu uma chuva de pontapés. O amor venceu; fui para a prisão. A
tristeza e o medo bastavam para dar-me a morte.

28 de Setembro de 1945 – Sexta-feira

Seja feita a vontade do Senhor. A minha alma chora. Quero bradar por socorro e não posso. São
irresistíveis os tormentos que ela sofre. O calvário! Que penoso! Quantas golfadas de sangue pela minha
boca e quanto sangue vertido pelas feridas dos espinhos da cabeça, olhos e ouvidos! Que caminhos tão
manchados! Caminho com a cruz, nadando num mar de dores e de sangue. Que ingratidão a do mundo
fazer-me sofrer assim! Ou antes. Que ingratidão a do mundo ferir de tal modo a Jesus!

— Ó céu, ó céu, sê, e depressa, o meu conforto.

Cheguei ao calvário. Ao serem-me tirados os vestidos, foram tirados com tanta pressa que chegaram a
rasgarem-se. Que dores violentas ao irem com eles pedaços de carne! Senti a Jesus no alto da Cruz, na
cruz que era eu, e em mim era Ele também como que a esforçar-se para arrancar do madeiro os braços,
para levantá-los ao Eterno Pai. Era precisa uma escora, era necessário um conforto. Os braços não
saíram da Cruz, e, em vez dessa escora e conforto, senti como se o céu baixasse com todo o peso da
justiça a esmagar-me fortemente no grande madeiro da cruz. A agonia aumentou, e com ela o abandono.
O Eterno Pai não queria dar conforto, só exigia a reparação. Era o Juiz a pedir-me contas de todos os
males da humanidade.

— Meu Pai, meu Pai, dei-Te tudo, já perdi todo o meu sangue.

O Eterno Pai não se dava ainda por satisfeito. E o fim aproximava-se cada vez com mais agonia. Dentro
do meu peito estava a montanha do calvário. Sentia que ela estremecia, e por ela descia apavorado um
grande número dos que me tinham feito sofrer. Iam uns atrás dos outros a esconderem-se como
formigas no seu celeiro, ficando junto à cruz uns corações que eram todos amor e um que em tudo
compartilhava da mesma dor de Jesus. Era o da Mãezinha, que no meu coração se apresentava como
Mãezinha das Dores. As Suas lágrimas pareciam correr em meu peito. E Ela, ao ver que Jesus ia expirar,
levantava os Seus braços santíssimos para Ele como para O receber. Toda a montanha estava escurecida,
mas aquela escuridão em nada se comparava com a escuridão do meu espírito. E, nesta angústia, veio o
meu Jesus.

— Venho, minha filha, com um raio da minha luz, para te iluminar, e com as cadeias do meu divino
amor, para mais e mais te prender. É com esta luz que iluminas as almas, é com estas cadeias que as vais
prender a mim. Não vês, com esta luz não sentes este amor, porque não podes, meu lírio casto, açucena
pura, sem um milagre da minha parte. Eu não o quero fazer, quero mostrar que chegaste ao auge da tua
dor nesta cegueira e à maior altura de amor nesta frieza. Amas-me, amas-me, minha filha, e a cegueira
do teu espírito ilumina o mundo. A tua frieza encadeia nos corações o meu fogo divino. És a rainha do
amor, a rainha dos poderes. Possuis o amor de Jesus e de Maria e tens os poderes e as riquezas dos
nossos corações. Já sabes, pomba querida, que é alta, alta, sublime, sublimíssima a tua missão. Já sabes,
já te prometi, começa já aqui na terra: quando quiseres que algum pecador seja salvo, diz-me com
confiança: “Meu Jesus, quero que esta alma Vos pertença, quero que ela seja salva.” E isso basta, nada te
negarei. O mesmo farás no céu junto do meu trono divino. Pede, pede, ó rainha dos poderes. Pede, pede,
rainha da dor e do amor.

— Ó meu Jesus, mas eu quero que todo o mundo se salve. Posso então pedir-Vos por todos os pecadores
que nele habitam?

— Pede, filhinha. Mas, para ser realizada a minha divina promessa, é preciso que eles a ti se
recomendem, ou outros o façam por eles. Tu és um mundo de maravilhas, um mundo transformado
num jardim de flores. São flores de virtudes. Repara: vê as almas neste jardim a colherem as flores da
graça, da pureza e do amor e todas as mais virtudes. Cada uma colhe a seu gosto. Só assim serão salvas.

Eu estava transformada num formoso jardim. As flores eram cultivadas por uma massa luminosa.

— Coragem, minha filha, pertencem-te as almas. Só serão salvas por este martírio incomparável,
martírio que não dei em todos os séculos nem voltarei a dar. Só o pode suportar uma alma forte. Sou
sempre contigo.

Principiei a ver despirem a Jesus, a açoitá-Lo, a coroá-Lo de espinhos. Não pude resistir.

— Meu Jesus, sofrer assim não. Não sou eu a Vossa vítima?

— Dá-me, alegre, toda a reparação, minha filha. Se assim não sofreras, era eu continuamente maltratado
assim. Dá-me às almas, dá amor às que querem o meu amor. Dá luz às que estão nas trevas; rouba a
Satanás as que estão nas suas garras, as que estão em pecado. Vai confiada para a tua cruz. Por ti encho
de mim todos os que te amparam, rodeiam e cuidam da minha divina causa. E por ti sou o remédio e a
salvação dos pecadores. Coragem! O teu fim aproxima-se, o céu é chegado, e tudo em ti se realiza. Canta,
canta com amor, minha filha.
Coração puro, coração de amor,
Vem ao teu Jesus, vem ao teu Senhor.

Coração de amor, corpo de pureza,


É da salvação terem a certeza.

Depois destes momentos ditosos com Jesus, não pela grande consolação que sentia, mas pelo conforto
que deu à minha alma, voltei mais forte para a cruz. Recebi uns mimos de Jesus. Tenho a certeza que
foram por Ele enviados. E, logo após eles, um desânimo tão grande que me levou às lágrimas. Venci-me,
pedi perdão a Jesus pela minha falta e eis-me de novo deveras abraçada à minha cruz.

4 de Outubro de 1945

Existe a minha dor, existe o meu prolongado e indizível martírio. Sim, existe, e bem penoso. Sofro, ai
quanto sofro! Mas o meu corpo, não sei se existe. Quantas vezes vivo na dor, como se não possuísse
corpo; parece-me que ele foi destruído, desapareceu. E a minha vida, não sei se a tenho nem sei se a
possuo. Foi para esse mundo, para essa região, que eu desconheço. E aqui estou eu sem mundo, sem céu.
Que penar, que não sei explicar! Que vida, que não sei dizer! Eu anseio por uma nova vida. Rompo por
entre as minhas trevas, para a possuir.

— Ó meu Deus, que profundeza e escuridão as do meu espírito! E eu sozinha, de todo sozinha, em tanta
cegueira. Posso bradar vidas e séculos; posso pedir socorro à terra e ao céu; para mim não há socorro,
não há ninguém. A minha cegueira a tudo deu a morte. O abandono é só para mim. Meu Jesus, quereis-
me assim? Quereis que eu assim sofra? A Vós me entrego toda e inteiramente, contanto que eu não Vos
perca, contanto que a perda, que eu sinto, não seja a realidade. Reinai, Jesus, reinai no mundo, reinai no
meu coração, dai-me amor à cruz, dai-me força para tudo.

É a vida da minha dor que arde no inferno, que lá ouve os maiores horrores entre os maiores tormentos.
É a vida da dor, porque outra não tenho. É a dor que sofre na dor. Sinto-me quase a desesperar. Quero
ver e não vejo, quero viver e não vivo. Não posso convencer-me, quero abraçar essa vida que desejo.
Sinto-me na mais alta montanha de trevas, e sobre mim um céu de trevas, um céu de tremenda
escuridão, um céu da mais rigorosa justiça. Sinto que Jesus espreme o meu coração no meio desta
montanha e deste céu. Ele espreme, espreme, mas pobre coração que não dá nada! É palha seca, que
Jesus aperta na prensa das Suas divinas mãos. Sinto-me envergonhada, não ter que dar a Jesus. Sinto-
me deveras aterrada, ao ver a vida da minha dor manchada, envolta no lodo mais nojento. Mas o coração
em tantas horas arde, arde em vivas chamas e quer voar à procura de nova vida, da vida real, da vida que
é divina. Que sede de me dar a Jesus, e que vergonha de me aproximar d’Ele!

O demónio ou demónios trabalham com canseira para conseguirem que eu ofenda o meu Jesus, que caia
no desânimo, no desespero. Vêm sempre com novas formas de pecar, vergonhosas e descaradas. Que
horrorosas feras, à minha frente com feias cenas, como se fossem pessoas e a fazerem-me pecar também.
Tudo me leva a crer que pequei. Num grande ataque na noite passada, em que lutei aproximadamente
uma hora, sempre banhada em suor e sempre na maior aflição do coração, repetidas vezes ele falhava-
me, parecia-me no mesmo momento morrer.

— Entrega-te a mim, entrega-te ao prazer – repetia muitas vezes o maldito. – Se queres viver alegre, se
queres uma eternidade feliz, entrega-te a mim, renuncia a tudo o que é de Deus. Revolta-te contra Ele,
não tem mais nada para te dar a não ser essas trevas e sofrimentos. Se queres possuir a luz, ama-me. Só
amando-me, sairás dessas trevas e sofrimentos.
Fiquei triste com o medo de ter ofendido a Jesus e, sem querer, vi, vi a minha grande vida de
sofrimentos. Tudo me estava presente: a data da minha primeira crucificação; sete anos passados, tudo
vivi, hora a hora, momento a momento. Senti os medos, os pavores dessas horas amargas. Senti grande
aflição do meu Pai espiritual nessa ocasião junto de mim. Senti as lágrimas dos meus, que vi chorar
também aterrados. Se Jesus me mostrava todos este martírio de uma vez só, vencia a morte. Sem um
milagre teria morrido. E tudo isto sofri na grande cegueira do meu espírito.

O demónio tudo aproveitava para os fins que desejava, que era o pecado, o desespero. A noite ia alta, e
alta estava a minha dor e agonia do corpo e da alma. Jesus veio. A um gesto da Sua mão santíssima, fez
cessar a luta infernal.

— Pára, não vences, a vitória é da minha vítima.

E, tomando-me nos Seus santíssimos braços, estreitou-me docemente.

— Minha filha, venho afirmar-te que não pecaste. Esta grande reparação sou eu que a exijo. Só a um
coração puro a posso pedir. Quero levantar-te do teu desfalecimento, quero suavizar o peso da tua cruz.

Vi Jesus com ela em Suas mãos, e eu, liberta do seu peso, pude respirar e continuar a ouvir a doce voz de
Jesus.

— Minha filha, tu és o mimo dos pecadores. Ai deles sem ti, ai deles sem a tua crucificação, dolorosa
crucificação! Depois desta luta, não podia deixar-te em tão grande desfalecimento e não podia deixar
passar as últimas horas deste dia ditoso do aniversário em que pela primeira vez te crucifiquei. Tem
confiança. Nunca te enganaste nem enganarás. A tua crucificação é a mais real, a mais semelhante à
minha. Oh! quanto te amo e quanto amo as almas! Tudo faço por elas. Vai para as tuas trevas, toma a tua
cruz, leva-a alegre e por amor.

As palavras de Jesus são para mim como uma aragem que passa, luz que desaparece. A minha cruz! O
meu penar! É quinta-feira, e já sinto nas mãos, nos pés e no coração como se as chagas estivessem
abertas. Todos os tormentos se anteciparam. Vieram tantos veados a beberem o meu sangue, o sangue
que banhou o horto. Levantei-me da terra depois de o regar com ele. O silêncio convidava ao descanso.
Alguém dormia, mas eu estava como que desnorteada. Foi o cansaço, a agonia, a perda de sangue. Os
olhos levantava-os ao céu. Suspiros e mais suspiros, dor e mais dor. Voltei a unir o rosto à terra nua.
Voltei a orar ao Pai, mas ser ouvida e sem conforto. Levantei-me novamente, ou melhor, levantou-se
Jesus dentro de mim. E a minha alma viu o Seu rosto divino cadavérico, coberto de sangue e suor e os
olhos amortecidos. O que sofreu Jesus! Pobre de mim, pobre do mundo, que não compreende, continua
a ofendê-Lo. Queria morrer muitas vezes para o fazer conhecer e compreender tudo isto.

5 de Outubro de 1945 – Sexta-feira

Não tenho forças, só vindas do céu. Se eu pudesse deixar de escrever os muitos sentimentos da minha
alma, parece-me que então podia gozar alegria. Que grande sacrifício o meu! De manhãzinha e cedo,
ainda descia das escadas da prisão. Que cansaço o meu! Ao fundo delas, já tropecei e caí, não podia
levantar-me. Fui logo maltratada. Fui para a flagelação e para a coroação de espinhos. Não via com o
sangue, que em grande abundância me corria pelo rosto. Não podia mover-me com as minhas carnes
despedaçadas. Recebi a cruz. Esmagada, curvada com o seu peso, caí debaixo dela no mesmo lugar. Fez-
me lembrar as minhas crucificações, senti o mesmo peso que me fazia desfalecer. Segui com ela, mas
quantas vezes voltei a cair! No caminho do calvário, na grande subida para a montanha, não pude mais.
Desfaleceu o corpo, desfaleceu a alma. O meu cireneu foi Jesus. Tomou Ele a cruz, e eu, a custo, atrás
d’Ele, fui seguindo o Seu caminho. Eu já sentia e via tudo o que no calvário me esperava. Fui despida e
crucificada. Senti, já lá vão umas horas, e ainda sinto as chagas das mãos, dos pés e do coração;
causaram-me imenso sofrimento. Quando foram retalhados os vestidos, não foi em mim, mas senti
como se fosse dado no coração um grande corte com a espada numa capa roxa. Não feriu o pano, mas
feriu-me a mim. Vi leiloar tudo: vestidos verdes e também vermelhos ou cardinais. Os curiosos, que
desciam o calvário, quando ele foi escurecido, como se já fora noite, iam aterrados. Eu senti o seu terror.
Desciam timidamente a ver quando eram pela terra engolidos. Como o solo estremecia e parecia abrir-
se! Meu Deus! Mas no cimo da montanha a dor era mais, infinitamente mais. Jesus crucificado dentro
de mim, e de mim passavam para a Mãezinha, que estava ao pé, e d’Ela passavam para Jesus, por uns
fios, como se fossem eléctricos, dor, agonia e amor. Aqueles fios prendiam os dois Corações e faziam-
Nos viver um do outro. Jesus não via com os Seus santíssimos olhos o pranto da querida Mãezinha,
porque os tinha ora fechados ora levantados ao céu. Mas tudo via e ouvia com os Seus ouvidos e olhares
divinos. Ó triste e dolorosa agonia! Ó abandono mais aterrador! Dentro do meu peito estava o calvário,
Jesus e a Mãezinha a sofrerem com sofrimento inigualável. Eu era o calvário; Jesus e a Mãezinha, n’Eles
e com Eles sofria. Um mundo de misérias, de podridão e crimes esconderam-me o céu. O meu sangue
tinha de apagar tudo aquilo que me cobria e revestia. Por aquele mundo tão nojento é que eu tinha de
responder e por ele mesmo é que eu era abandonada pelo Eterno Pai. Bradei, mas sem ser ouvida. Vi a
esponja, vi a lança. Tinha sede, estava a arder. Os meus lábios foram molhados, e o coração murmurava:
não é essa a minha sede, a minha sede é das almas. Continuei a bradar no meio do abandono e da minha
cegueira. Veio Jesus a dar a luz a tanta escuridão, dar a vida a tão grande morte.

— Minha filha, no fontenário do teu coração está plantada a flor fina do amor. Nasceu, cresceu, subiu à
maior altura. É à sombra dela que estão as outras mais finas flores das tuas virtudes: a flor da pureza, a
da caridade e todas as outras. É o amor que conserva e guarda a pureza. Oh! como tu és pura! É o amor
que faz praticar a caridade. Possui-la no mais alto grau. É o amor que aceita a dor. Se não amasses, não
sofrias; se não amasses, não eras crucificada. E, porque amas o meu Divino Coração e as almas,
entregaste-te ao sacrifício. O amor é tudo, o amor tudo a si atrai. O fontenário da fina flor do amor está
cheio de mim, das minhas riquezas. Sou eu quem cuida e rega essa flor. Possuis as minhas maravilhas, o
meu perfume. E tudo isto é para as almas. Deixa que elas venham todas a ti purificarem-se,
enriquecerem-se. Minha filha, minha filha, repara, consola o meu Divino Coração. O mundo peca, não
cessa de me ofender. Depressa, depressa, está a ser tarde. Ele está em tanto perigo! Ecoe em toda a
humanidade a voz do seu Pastor, a voz do Santo Padre. Que a sua voz se faça ouvir dum pólo ao outro.
Jesus falará em seus lábios, a luz do Divino Espírito Santo o iluminará. Depressa, depressa, o momento é
de perigo. Um fogo de justiça quer abrasá-lo. O seu rigor quer destruí-lo.

Via descer do alto uns fios de fogo, e com esses fios parecia o mundo a arder, as pedras estalarem, a terra
abrir-se.

— Minha filha, que mais posso eu fazer para salvar o mundo? Eu não quero castigar, mas não posso
mais. Esta é a justiça de meu Pai. Salva-mo, salva-mo, confiei-to. Continua a minha obra, nova
redentora.

— Meu bom Jesus, como poderei salvá-lo, se ele está em tanto perigo? Salvai-o comigo, salvai-o, se ainda
é tempo.

— Filhinha amada, tu és o remédio, a salvação das suas almas. É por ti, sempre por ti que elas são salvas,
mesmo que o mundo seja castigado. No momento de elas expirarem, lá irás tu com a tua medicina,
medicina dada por mim, medicina divina. Serás o seu conforto e guia na vida e luz na hora da morte. És
toda de Jesus, és toda das almas. Vou agora, pomba querida, dar vida ao teu coração, dar-lhe umas gotas
do meu divino sangue. É o sangue virginal de Cristo, é o sangue que gera as virgens. É o sangue que vai
correr em tuas veias, é o sangue que perdes por amor às almas. É uma redenção contínua. Peca-se como
nunca se pecou. São contínuos os crimes da humanidade. Aceita umas gotinhas apenas. Sou o médico da
tua alma. É medicina divina. Enquanto a aplico, opero milagre, para conservar-te a vida. Não pode
dilatar-se o coração.

Jesus uniu os nossos corações e os nossos lábios. De longe a longe deixava cair no meu uma gota do Seu
sangue divino. Ao mesmo tempo com os Seus lábios acalentava-me. Senti mais vida e disse:

— Jesus, arde-me tanto o coração, mas não sinto alegria no que recebo de Vós. Estás na cruz amado,
estás na cruz sofrendo, estás na cruz gozando. São gozos dolorosos.
— O fogo do teu coração é sinal da minha passagem em ti. Tem coragem! Eu não fujo. Escondo-me nas
tuas trevas, nelas vejo o teu penar. Abraça, abraça a cruz. Vai para ela. Sofre alegre, contigo estou
sempre.

— Obrigada, meu Jesus.

Ai de mim! Deixei Jesus, entrei logo nas minhas trevas, na minha cegueira tremenda. Sinto-me na cruz,
mas oh! que madeiro! Estou presa a ela da cabeça aos pés. São inquebráveis as cadeias que me prendem.
Ah! se eu nela amasse o meu Jesus!

6 de Outubro de 1945 – Primeiro sábado

Não parece sábado, não parece o dia da Mãezinha. Quantos espinhos me ferem! Quantos mundos de
trevas me atormentam! O meu espírito não vê, não sossega, não descansa. Curvei-me sob o peso da cruz.
Caminhar não posso. Sinto o coração destruído, oprimido pela dor. Só a morte reina. Não encontro a
vida que anseio. Perdi o céu, deixei a terra. No meio desta amargura foi que me preparei e recebi Jesus
esta manhã. Que ânsias tão grandes de O amar, de Lhe dar graças, de O conhecer melhor. Nada
consegui. A cegueira do meu espírito nada mais deixa viver nem reinar em mim. As palavras de Jesus, o
Seu conforto divino quase só valem nos momentos em que Ele vem. Pouco depois de Ele baixar às
minhas dores e trevas, disse-me:

— Minha filha, tu és a vítima que maiores encantos tem, para mim e minha Bendita Mãe. És a criatura
na terra mais enriquecida por nós. Eu amo-te, Ela ama-te, e com loucura e amor. Porque muito
recebeste, muito nos dás. Fiz-te a entrega dos nossos corações cheios de amor e riquezas. Que ditosa é a
tua vida, cheia das maiores maravilhas e prodígios! Nunca o mundo viu nem volta a ver. O meu perfume
divino, o de minha Bendita Mãe, irradia em ti, espalhar-se-á pelo mundo com o perfume das tuas
virtudes. Que perfume celeste! És o nosso anjo em carne. Dei-te muito, tudo te dou. Pedi-te muito, tudo
te peço. Olha, pombinha amada, já que por amor a ti e da humanidade te fiz a entrega dos nossos
corações, quero que repares no coração da tua querida Mãezinha. Ela é tão ofendida! É ferida
gravemente, falando da Sua pureza virginal, pureza sem igual. Que pecados graves se cometem! Tiveste
a graça, minha filha, de conheceres e compreenderes como estão unidos os nossos corações, na mesa dor
e amor. Recebeste toda a luz do Espírito Santo e com ela tudo vês. Estão unidíssimos os nossos corações
e, nesta união, compartilham a mesma dor e amor. Podes tu, virgem amada, suavizar a dor da Virgem
das virgens, da Mãe celeste, da Mãe bendita. A tua virtude e pureza atraem os corações e as almas. És,
como já disse, o bálsamo que as cura, a medicina delas. Repara, repara. Com os ataques violentos do
demónio, que incendeia no mundo o mal da impureza, repara, repara pelos sacerdotes. Quanto sofro,
quanto vou ferido por eles!

— Não sei o que hei-de fazer, meu Jesus. Eu aceito esses ataques, eu quero reparar tudo, mas o meu
temor sabeis bem que é só o de Vos ofender. Não quero poupar o meu corpo, mas, sim, uma ofensa ao
Vosso Coração Divino.

— Confia, minha filha, flor mimosa, confia, que estou contigo; confia que não me ofendes. És vaso de
amor, és o meu instrumento de reparação, és o farol luminoso, que no centro da humanidade eu
coloquei, para a salvar. És guia das almas, és o caminho que as conduz ao céu. Dá, minha filha, ao teu
Paizinho o meu Divino Coração e o da minha Bendita Mãe. Dá-lhos cheios da abundância do nosso amor
e da nossa graça. São prova do nosso amor a ele, tudo é para ele distribuir às almas. Dá-lhos escritos
com estas letras: vitória, vitória, triunfo, triunfo. Só vence o amor de Jesus. Hoje, minha filha, diz ao
teu médico que está nele o meu coração e o meu divino amor. Dá-lhe a certeza de todo o amor, de todas
as graças, de toda a protecção, a ele, à esposa e filhinhos, que lhe confiei. Por ti recebeu tudo, por ti tudo
receberá. Os cuidados dele por ti, não por mim; é de mim que ele cuida. Diz-lhe que não descanse, que
vá com os amigos da minha divina causa contra as prisões, desprender os voos daquele que está preso,
inocente e só por amor. Vou retirar-me, não esqueças as palavras do teu Jesus. Vai para a cruz, vai para
a cegueira inigualável, tormento que o mundo ainda não viu. Confia, que a tua cegueira, a tua cruz são a
maior glória para mim, o maior meio de salvação para as almas. Dá aos que amas a abundância das
minhas graças e do meu amor. São todos por mim amados. Vai dar às almas, vai espalhar ao mundo o
perfume das virtudes: é perfume de salvação. Tenho de abreviar, vou esconder-me, e depressa, para
aproveitar-me do teu martírio para curar tantas chagas e feridas. Anima-te, vai em paz.

Não recebi carícias de Jesus nem da Mãezinha. Perdi logo toda a alegria da Sua companhia divina. Sinto
a necessidade de correr o mundo, a animá-lo a não pecar, a vir a Jesus e à Mãezinha. Mas as trevas não
me deixam. Parece-me bradar desesperada:

— Tudo perdido, tudo perdido! Jesus, aceita o meu sacrifício. Que peso tão grande, causado por ser
obrigada a ditar tudo o que vai na minha alma!

Sob este ponto, levo de rasto a minha cruz. Tento desobedecer. Não sei se são coisas minhas, se do
demónio.

— Perdoai-me, meu Jesus! Não quero ferir-Vos. Venci a minha maldade!

9 de Outubro de 1945

Vejo, sinto que aqui na terra nunca mais poderei ter alegria, desta alegria que no vem das criaturas, que
nos dá o mundo. A minha alegria está simplesmente, e isso basta, em aceitar e cumprir a vontade de
Jesus. É a alegria da alma. Mas aceitarei eu e cumprirei com perfeição o que Jesus de mim exige?

— Ó meu Deus, nisto estão os horrores da minha alma.

Eu não quero as alegrias do mundo nem nada que a ele pertença. O que eu queria era fazer em tudo a
vontade do Senhor. Sinto que nada faço; sinto que não tenho vida para O servir e amar.

— Não posso suportar esta vida que em mim existe: horrores e desesperos, meu Jesus. As minhas trevas!
A noite tremenda do meu espírito! Sinto-me mergulhada nos abismos infernais, como quem se
mergulha de cabeça para baixo no fundo do mar.

O meu espírito é atormentado por todas as maldades do demónio, e todo meu ser por eles está revestido.
Passa um dia, dia que, para a minha alma, não tem um momento de luz. Chega a noite, e eu neste estado
de alma, coberta de misérias, de mãos vazias para a eternidade. E sozinha, sem ter um guia que me
aproxime de Jesus. Não sinto, mas confio que, por este viver, só uma força vinda do alto pode resistir.
Confesso, por mim não posso. Vejo sobre mim todas as misérias da humanidade. Sinto-me
envergonhada e confundida até diante das criaturas. Como não me hei-de sentir diante de Jesus? É
impossível descrever.

Na madrugadinha de ontem, vi Jesus à minha frente, prostrado por terra na atitude do horto. Não estava
com o rosto pousado em terra, como costuma estar, mas sim de cabeça levantada e o rosto voltado para
mim. A Sua face santíssima não era aquela desfigurada e cadavérica, como costumo ver e sentir, mas sim
bela e formosa. Os Seus lábios não se abriam para me pronunciarem palavra, mas os Seus olhares
convidavam-me a tomar eu aquele lugar. Esta visão não me deu o mais pequenino momento de alegria,
não senti nenhuma consolação, porque aqueles olhares de tanto convite ao horto encheram-me de
grande pavor. Forçada a dizer a Jesus que sim, pois sentia em mim uma força que me obrigava a não
dizer que não, disse:

— Jesus, o meu coração não Vos pode ver por terra. Tomo eu o Vosso lugar, tomo-o alegremente, para
não sofrerdes Vós, para só ocupardes no Vosso trono o lugar de honra, para só Vós serdes consolado.
Não sois Vós Jesus, e eu a maior miséria, a mais indigna criatura Vossa? Aqui me tendes, sou a Vossa
vítima.

Jesus desapareceu, e eu fiquei como se me cravassem no coração um grande punhal, que o atravessasse
dum lado ao outro, punhal que ainda não saiu. De vez em quando sinto-o, ferindo-me como se lhe
tocasse já com o fim de ele ferir. Esta ferida, pelo punhal causada, escorre sangue e causa-me sofrimento
em todo o corpo. Parece que faz tremer o céu e a terra, quando este punhal corta e remexe o coração.
Sinto-me sempre abismada nos grandes sofrimentos do horto. Sorrio, mas não sou eu. Tudo em mim é
morte, tristeza e dor, trevas e abandono, perda de Jesus e desespero de inferno.

E o demónio, meu Deus, que grande consumição! Tenho sido por ele atormentada raivosamente, com tal
furor que só vindo do inferno, do inferno. Num pequeno intervalo de tempo, lutei com ele por duas
vezes. Sentia ter o conhecimento da ofensa a Deus, mas nada temia, dizia:

— Quero pecar, quero satisfazer meus gostos, quero-me entregue às paixões.

Momentos angustiosos, horas de grande desalento. Perdia as forças da alma e do corpo. Quando eu
estava no auge do perigo, bradei:

— Jesus, valei-me. Quem sois Vós, e quem sou eu? Que será de mim sem Vós?

A luta cessou, mas fiquei por muito tempo entregue ao desejo do prazer, sem pensar na morte e na
ofensa feita a Jesus. Dúvidas sobre dúvidas, dor sobre dor, e o coração sempre sequioso por dar a Jesus
aquilo que não tem: o amor de que Ele é digno, as almas que tão caras Lhe são. Por nada possuir, caio
com a cruz, fico debaixo do seu peso, abandonada à borda da estrada. A escuridão não deixa que eu seja
vista. A morte não deixa ouvir meus brados e gemidos. Quando deixarei esta vida?

11 de Outubro de 1945

Estou cansada de tanto sofrer e envergonhada de tantos queixumes. Tenho que dizer as grandes agonias
e torturas da minha alma e não tenho coragem para o fazer.

— Ó meu Deus, que cruz levada com tanta repugnância! Levo-a arrastada e forçada, não queria conduzi-
la ao seu lugar. Será este tormento útil às almas? Será de glória para Vós, meu Jesus?

Tenho a utilidade que tiver, eu tenho de obedecer. Não posso falar em consolações e alegrias, pois não
são esses os sentimentos da minha alma. Abro o meu coração, só a verdade quero dizer. Desconheço a
alegria e a luz, a vida e o amor. Ai de mim, não tenho nada, sou a morte, a morte, que não conhece a
vida; a cegueira, as trevas, que não sabem o que é a luz. Não sei o que se passa, não sei o que me espera.
Estou esmagada, sinto-me a infundir na terra com o peso das humilhações; tudo o que me pertence é
destruído pela dor. Não posso suportar tanto abandono, e a cegueira do meu espírito não pode vencer
mais. Quero quem me guie, quero quem me acuda e não tenho ninguém.

Na manhã deste dia, quando comunguei, como não sabia dizer nada ao meu Jesus, nada de alegria e
consolação para Ele, disse-Lhe:

— Meu Jesus, quero ser toda Vossa e amar-Vos tanto quanto mereceis e quereis ser por mim amado.

Tornei-me tão pequenina e tão cheia de misérias que me senti desaparecer diante de Jesus. E Ele
estreitou-me fortemente ao Seu Divino Coração e disse-me:

— Já toda me pertences, já possuo de ti o amor que desejo.

Esta voz terna saiu tão do íntimo do meu coração que me tranquilizou e fez sentir por uns momentos
que estava nos braços do meu Jesus, muito unidinha a Ele. Logo depois, veio a dor destruidora consumir
meu corpo e alma. Não posso, ai não posso lembrar-me que é quinta-feira, que a sexta me espera. Tudo
leva uma eternidade, só estes dias se aproximam. Sinto que sobre o meu corpo, da cabeça aos pés, cai
uma chuva de sangue. Os mesmos ouvidos ouvem palavras, os meus olhos vêem gestos rancorosos
contra mim. Os olhos, mas não os do corpo, só os da alma é que vêem tudo isto: movimento de pessoas,
que caminham apressadas para um e outro lado a prepararem-me a traição, o laço para me prenderem.
Sinto que tudo me foge, e eu vou ficar sozinha no horto na minha grande agonia. E o cálice da amargura
é de vez em quando por Jesus oferecido ao céu. Ele é quem sofre, é quem oferece; eu sou sempre o
encaixe d’Ele.

O demónio, o maldito demónio, abre sob mim um medonho inferno: estava mesmo a cair nele. Eram
tantas, tantas as serpentes; eram monstros aterradores. Chegaram quase a tocar-me. Veio depois o
demónio malicioso obrigar-me a ofender a Jesus. O meu corpo, o meu pobre corpo, oh! que instrumento
de tantos pecados. Eu não queria pecar, mas parecia-me que todos os lugares do meu corpo eram
mundos de crimes e dos mais maliciosos. Ele fingia que não era o causador de tanto mal; que era eu e só
eu. E de verdade que eu sentia tanta vontade de me entregar àquela maldade! Que montão de malícias!
Venci aqueles desejos, que espero não fossem meus, e bradei:

— Pecar não, pecar não. Meu Deus, a quem tanto devo! Meu Deus, a quem tanto devo, valei-me, valei-
me.

Fugiu o demónio, e a dor ficou com o receio de ter pecado.

— Amo-te, amo-te, minha cruz bendita.

12 de Outubro de 1945 – Sexta-feira

Ao romper do dia, saí da prisão. Mas desta vez diferente das outras prisões. Sinto que saí da prisão do
Coração Santíssimo de Jesus; senti que era o amor às cadeias que a Ele me prendiam. Senti que n’Ele
reparei as minhas forças; cobrei ânimo e coragem para suportar as grandes amarguras, as grandes dores
da alma e do corpo. A lembrança daquela prisão e amor de Jesus forçava-me a caminhar e a esquecer
tanta dor.

Bem depressa veio ao meu encontro a Mãezinha das Dores. Preciso foi que Jesus me enchesse d’Ele,
para A poder fitar tão dolorosa e para poder suportar mais a dor que Ela por mim sentia. Ela seguiu os
meus passos de rua em rua, ou para melhor se compreender, seguia os de Jesus, que levava a cruz aos
Seus ombros dentro de mim. Os olhos da alma, os olhos que possuíam os olhares de Jesus, viam-na
caminhar atrás, lacrimosa e com o coração atravessado de setas e mais setas. Que dor a d’Ela! Dor, que
nenhuma criatura seria capaz de suportar, não poder aproximar-se de Jesus e levantá-Lo das Suas
quedas. Ela queria beijá-Lo, limpá-Lo, lavar-Lhe as feridas mesmo com as lágrimas dos Seus santíssimos
olhos.

Tudo isto a minha alma viu, o coração sentiu. Foi o quadro mais doloroso e triste, que o mundo pode
observar.

— Ó meu Jesus, eu pensar que tudo isto foi por amor da minha alma, e eu que tão mal correspondo,
nada sofro com perfeição!

A Mãezinha viu o sangue de Jesus, que Ele derramava em grande abundância pelos caminhos do
calvário. A esse sangue misturava Ele as Suas lágrimas. Custa-me tanto sentir que Jesus e a Mãezinha
sofrem tanto! Eu vou com Ele. Ele leva a cruz. O sangue corre, é d’Ele, não é meu. Contudo, sinto-me
apavorada. Os sofrimentos do calvário são como balas de chumbo e de um e outro lado a desfazerem-me
e a despedaçarem o meu corpo. Sinto que todo o mundo cai sobre mim com todas as maldades e
barbaridades. Não vejo ninguém, mas sinto que todos os da pobre humanidade maltratam o meu corpo.
Com este medo pavoroso fui obrigada a chamar alguém para junto de mim. Não podia estar sozinha.

— Meu Deus, tanta dor e tantas trevas!

Fui no calvário tão apressada e bruscamente! Os olhos com o sangue não podiam abrir-se, mas a
vergonha obrigava a conservá-los mais profundamente fechados. Ser despida em público! Senti logo que
a Mãezinha queria com o Seu manto cobrir Jesus, revestido em mim. E, como não Lhe foi permitido, as
espadas, que Lhe atravessavam o Coração, feriram-Na ainda mais. Eu estava presa à cruz, e a cruz ao
calvário. Sentia em mim duas vidas: uma, que não resistia a tanta dor; outra, que tudo vencia. Ou fossem
duas naturezas. O coração ia perdendo a vida, e no meio de tanto abandono e tão dolorosa agonia
bradava:

— Jesus, Jesus, valei-me.

Disse isto por grande espaço de tempo. Jesus não se apressou, veio devagarinho. Quando veio, disse-me:

— O calvário e a cruz são a moeda de mais alto preço para comprar as almas. É a moeda real, é sangue
derramado, é o que há de mais caro. Minha filha, minha filha, criei-te para dares vidas, muitas vidas, ó
rainha do mundo, mãe dos pecadores e guia e salvação. Dá-me as almas, dá-me as almas. Consolo-me,
esposa amada, consolo-me, avezinha branca e pura, de ver e ouvir bater as tuas asas de arminho, à
procura de nova vida. Voas, voas, minha avezinha celeste, voas sem descanso, voas sem parar e não
encontras ou desconheces essa vida, que desejas. É a vida que tens, é a vida que vives, vida que não
compreendes, vida que te prepara a verdadeira vida, a pátria celeste. Só lá compreenderás a vida que
agora te faço viver. Deixa-me beber na tua fonte, deixa-me saciar a minha sede, deixa-me esquecer em ti
as minhas mágoas. É para mim fonte de alegria, consolação e reparação e para o mundo fonte de
purificação e salvação; é medicina divina, que neste fontenário preparei para as almas. Deixa-me beber,
ó pastorinha divina. Divina, porque foste enriquecida; divina, porque possuis toda a riqueza que é
divina.

Ouvia Jesus a beber como quem está sequioso, que não acaba de saciar-se. E com os olhos da alma via
um numeroso rebanho beber também. A fonte dava para tudo.

— Bebei, Jesus, e fazei que todos bebam. Vós bebeis do que é Vosso, e as almas bebem o que Vosso é. Por
isso podem ser salvas.

Jesus deixou de sorrir como sorria, quando dizia consolar-Se ao ouvir bater as asinhas brancas. Agora
estava triste, muito triste. E continuou.

— Em que perigo está o mundo! Em que grande perigo estão as almas! Em que grande perigo está
Portugal! Depressa, depressa, a humanidade inteira a ouvir a voz do seu pastor, a voz do Santo Padre,
que é a voz de Jesus. Escuta, ó mundo, a sua voz, como trombeta que alguma coisa vem anunciar.
Oração, oração e penitência, se não queres ser carbonizada, pastorinha, minha pastorinha. Guia ao meu
Divino Coração o meu rebanho.

— O que quereis que eu faça, meu Jesus?

— O que até aqui tens feito, esposa querida. Coragem! A tua morte é vida, as tuas trevas são luz, por cada
gota do teu sangue perdido. Perdido, porque sentes a falta, mas não perdido, porque dás a vida e a
salvação. São salvas centenas, milhares e milhares de almas. Vê que riqueza! Alegra-te e tem coragem! É
o teu sangue, transformado no meu, e o meu no teu; é uma transformação divina. És a nova redentora,
derrama-o em vez de mim, já que eu agora não posso.

— Tudo, tudo, meu Jesus, é tudo por Vosso amor. Aceitai-me o sacrifício. Só por Vós pode ser avaliado e
conhecido.

— Sossega, sossega, meu encanto, minha loucura. São sacrifícios, é a reparação o que te peço. Só de
pureza se pode tirar pureza. Os anjos louvam-me, não pecam; os anjos amam e guiam para mim as
minhas almas. Tu és o meu anjo em carne. Vou para o meu esconderijo, mas mais que nunca estou em ti.
Quero deixar-te quase por completo ou fingir deixar-te para mais depressa te levar para mim, mas não o
faço sem que tenhas junto quem ocupe o meu lugar, nem que te ampare aquele que te escolhi. Será um
amparo e não luz, será um conforto e não alegria. É por mim tudo, é pelas almas. Que dias, que fim da
vida doloroso te espera! Mas que morte de amor, que grande glória, poder sobre as almas lá na pátria
celeste te esperam também.

— Obrigada, meu Jesus. Meu Deus, com quem se passou tudo isto?
Em tão poucos momentos tudo esqueci. Só vejo as minhas trevas e sinto a minha dor. Não vejo nada do
céu, não sinto nada de Jesus. Sou miséria, mas oh! que tremenda miséria.

16 de Outubro de 1945

Não sei sofrer, não sei viver esta vida que Jesus me dá. Não posso compreender: passando eu o dia e a
noite, o mais que me é possível, unida a Jesus, chegue ao fim do dia, chegue ao fim da noite de mãos
vazias e numa morte total de todas as coisas. Chego ao fim do dia e da noite como se não vivesse e nunca
me lembrasse de Jesus, sem nada fazer por Ele, pelo meu próximo, pelas almas. Que vida triste, embora
a finja alegre! Parece-me enganar a mim mesma, enganar a todos. Mudou-se o cenário das minhas
trevas: até agora infundia-me nelas, nelas caminhava, mas sempre em terreno duro.

— Agora, ó meu Jesus, são mares universos delas, mas mares sem fundos, e eu sem saber nadar.
Aprofundo-me nelas, queira não queira, mas tenho que caminhar sempre, sempre para a frente. Vou
mergulhando, mergulhando como peixe que não pode nadar e como avezinha sem voos que ao chão tem
de vir cair.

Caminho nesta horrorosa escuridão de espírito, como criancinha tímida que não pode nem sabe andar.
No meio deste sofrimento, veio repetidas vezes a Mãezinha ao meu encontro. Umas vezes, a Mãezinha
do Carmo com o Menino Jesus ao colo, de bracinhos abertos, virado para mim; outras vezes, sozinha,
sendo a Imaculada Conceição. Duma vez, tanto a Mãezinha como Jesus pareciam feitos de ouro luzente.
Que formosura! E sempre cheios de luz. Só esta luz do céu me podia iluminar em tanta cegueira. Estas
visões nunca foram demoradas nem me falaram. Naqueles momentos, ficava apenas como a criancinha
que, estando assustada, ao ver sua mãe, lhe estende os braços e já não teme.

— Ó meu Deus, eu nada temia, mas só naqueles momentos.

Bem depressa me senti curvada e caída sob o peso da minha cruz. Mas logo sentia que Jesus a tomava
em Seus ombros e caminhava com ela. Isto, para maior vergonha e confusão minha.

— Ó meu Jesus, se havia de ser eu que sofria, por Vosso amor, sois Vós que continuais ainda a sofrer por
mim. Compadecei-Vos da minha miséria e não permitais que a perda que sinto de Vós seja a realidade.
Sede a luz do meu espírito, pois bem sabeis que outra não tenho.

Veio, nesta noite, o demónio, mas veio tão disfarçado! Assim é que ele podia provar-me que só eu, e não
ele, era causa de tanto pecado. Não quero pensar em tantas maldades dele.

— Eu não te toco. Para que fazes tu isso? Pecas tu só e queres pecar.

— Meu Deus, em que aflição eu me vi. Não podia mais. Estava toda entregue àquela vontade infernal.
Não queria pecar e sentia não querer deixar o pecado. Quando pude chamar pelo nome de Jesus e da
Mãezinha, parecia-me que Os invocava só com os lábios e que nada me saía do coração. Quando a luta
terminou, sentia ter pena por ter terminado para satisfação dos meus maus desejos. E sentia-me tão
presa ao pecado que não podia sair dele. E sentia que aquela maldade era causa de muitas e muitas
mortes, muitas vidas perdidas, da alma e do corpo. Que horrores, que desordens eu sentia na minha
alma! Que rancores de morte! Parecia-me que de mim, pedra de tantas maldades e tão grandes
escândalos, saíam espadas que iam ferir e matar. E, depois disto, depois de tantas maldades, não ter um
guia, não ter uma luz. Poderá ser, sair livre de pecado?

— Confio, Jesus, confio.

18 de Outubro de 1945

Deixei cair dos ombros a minha cruz e caí também desfalecida, não capaz de poder levantar-me. E não
me atrevo a levantar os olhos ao céu. E para quê, se não vejo? Cegou o meu espírito, e sinto como se
cegassem também os olhos do meu corpo. A minha cegueira só vê morte e miséria por toda a
humanidade. E toda esta humanidade eu vejo representada dentro de mim. Apavoro-me ao vê-la. O meu
coração sente, e os meus ouvidos ouvem o eco estrondoso de trovões destruidores, e os olhos da alma
vêem o relampejar faiscante de nuvens negras, que caem do alto, saídas das mãos do Eterno Pai. É
justiça, é justiça divina. Jesus vem aflitivo ao meu coração, tira dele um cálice amargurado, transforma-
o, junta-o ao d’Ele e oferece-o ao Seu Pai. Mas Ele já não quer aceitar. Vejo-O a desviar d’Ele Seus
olhares e a Sua santa face. O quadro é tristíssimo. Que amargura a de Jesus! Ai pobre de mim! Tudo isto
me leva ao abatimento. Jesus quer acudir ao mundo e já não pode. Vem a mim buscar a minha dor.
Sinto-O a levar das minhas veias todo o sangue para, assim unidos, satisfazer Seu Pai, e nada consegue.

— Ó meu Deus, ó meu Deus, o que posso eu fazer por esta pobre humanidade?

O meu corpo está como o linho no sedeiro: está dilacerado, dilacerado. O meu sedeiro são espinhos,
posso dizê-lo, por vezes insuportáveis. Se Jesus não se apressa a terminar os meus dias, só se for Ele. Eu,
por mim, não resisto a este martírio, não venço tanta cegueira. Estou esgotada de tanto me infundir nos
mares das minhas trevas, sem saber nadar. Tenho de caminhar. E é por esta cegueira que hoje mesmo
tenho de chegar ao horto. Eu já o vejo, é para mim. Vejo-o, porque é de dor, é de amargura. E a minha
cegueira mostra-me tudo o que é dor. Por detrás de mim já fica a cidade, cidade de crueldades, cidade de
ingratidões. À frente o horto, ao lado o calvário, onde hei-de dar a minha vida.

— Ó horto, cheio de agonia! Ó horto, cheio de tristeza. Ó gruta, onde vou orar. Ó solo, onde vou prostrar-
me.

A alma tudo vê e tudo sente. Sente já o rasgar das veias deste corpo. Vê a terra, que vai beber o sangue;
sente a dor do beijo ingrato, que este rosto vai levar. Ai, ai, ai o que é a dor! O que são os sofrimentos do
horto! O mundo não os conhece, não sabe o que sofreu Jesus. Mas eu sinto-O sofredor dentro de mim. É
em mim que a Sua sagrada paixão é renovada. Que mistura num só corpo! Jesus e eu, eu e Jesus. Eu
queria poder desenhar num painel os sofrimentos de Jesus, que sinto na minha alma, e poder gravá-lo
em todos os corações, para eles sentirem e compreenderem o que sofreu Jesus, para não pecarem mais,
para não mais O ofenderem, para só O amarem, para só o amor divino ser o fogo de todos os corações,
de toda a humanidade.

— Ó meu Deus, eu queria salvá-la. Meu Jesus, sou vítima dela. Ó meu Jesus, procurai, a ver se
encontrais mais alguma coisa que eu Vos possa dar.

19 de Outubro de 1945 – Sexta-feira

Quando, nesta manhã, fazia a minha preparação para a vinda de Jesus, o primeiro sentimento mais
doloroso da minha alma foi ver e sentir dentro do meu peito Jesus coroado com agudos espinhos.
Apesar da minha cegueira assustadora, eu vi o Seu rosto divino banhado em sangue e a cabeça coberta
de medonhos espinhos, que bem profundo a penetraram. Neste sentimento doloroso, recebi Jesus e
percorri o calvário. De um lado e do outro surgiam espinhos dispersos, que vinham ferir-me até ao mais
íntimo. Os meus lábios cerrados nada diziam. Só um Deus, só a Sua força divina podia vencer em mim.

Chegou o calvário, aquele calvário tão doloroso e triste. Ao ser crucificada na cruz, senti as marteladas e
vi os braços, que cruelmente se levantavam com o martelo na mão, para de novo e com mais fúria o
deixarem cair. Vi as línguas blasfemadoras, que blasfemavam contra mim. O coração sentia tudo aquilo;
a dor era dolorosíssima. E, dentro do meu peito, estava o mundo, o mundo mais duro que um rochedo.
Nenhum sofrimento sensibilizava, nem o sangue de Jesus amolecia tal dureza.

Veio ao encontro destes sofrimentos o demónio. Assaltou-me em forma de homem. Quando o pressenti,
quis apertar o crucifixo e a Mãezinha, mas já não podia. Nos sofrimentos da manhã, não tinha sentido a
prisão e vim a senti-la na cruz e presa pelo demónio. Queria levantar os olhos ao Sagrado Coração de
Jesus e não fui capaz. A cegueira do meu espírito não me deixou ver, e também o maldito não me deixou
abrir os olhos. Parecia-me estar completamente presa por ele. Nos momentos que foram de maior
angústia, soltou-se-me a língua.
— Ó meu Deus, que medo de pecar! Ó luta, ó luta infernal. Ó Jesus, venha já o inferno, se Vos hei-de
ofender.

Fiquei na dúvida, dolorosa dúvida de ter pecado. E continuei na cruz. Nos meus olhos e no meu rosto
estavam os olhos e o rosto de Jesus. Lágrimas de sangue rolavam por ele. Vi descer o Eterno Pai, todo
envolvido numa grande nuvem. Fora dela vi a Sua face e um braço levantado ao alto com uma enorme
foice; descarregava-a sobre mim com raios de fogo faiscante. As minhas trevas não me deixavam ver o
céu nem sentir que o meu brado de agonia ia ter a ele. Ele estava próximo de mim, para descarregar a
Sua justiça, mas estava longe, longe, para ouvir o meu brado e ter de mim compaixão. Quando Lhe
bradava, Ele voltava para o lado a face e não Se dava por satisfeito, descarregando mais a Sua foice de
justiça. As lágrimas de sangue continuavam, e eu não podia resistir mais a tanta dor e agonia. Eu assim
esperei por Jesus, que não se apressou. Quando veio, disse-me:

— Dá-me, minha filha, toda a tua sede de amor, que eu dou-te toda a minha sede das almas. Dá-me a tua
dor e cegueira de espírito, que eu dou-te a minha luz, sem que a vejas. São trevas e dor, que dão a vida.
Dá-me tudo, tudo quero transformar em mim, para oferecer ao meu Eterno Pai. O que te fiz sofrer, eu o
sofri também. A reparação, que Ele de ti exige, de mim exigiu também. És a nossa vítima amada.
Repara, repara agora tu, já que eu não posso. Em que perigo está o mundo! Olha como as almas nadam
nesse mar, nesse universo de misérias.

— Ó meu Deus, o que eu vi de almas, nadando loucas, sujas, nojentas, enlameadas. Era um mar de
podridão.

— Minha filha, esse mundo pertence-te. Tem coragem! Não são inúteis os teus sofrimentos. As tuas
trevas, o teu calvário, a tua imolação sem igual são para elas motivo de salvação. Tem coragem, chaveira
do meu coração divino e do de minha Bendita Mãe, depositária e senhora deles. Entra, entra com a
humanidade, guarda-a nestes Corações, que são de amor.

— Entro, entro, meu Jesus, com todos os que me são queridos. Devo-lhes tanto! Entro com todos os
meus, entro com o mundo inteiro. Quero salvar a todos.

— Coragem, flor de amor, que o meu coração adorna. Flor de pureza, flor de caridade, que sempre o
asseia. Coragem, rainha das flores, rainha das rainhas. Acabaram para ti as minhas consolações. Acabou
para ti a minha luz e tudo o que é gozo. É para salvares o mundo. Ao ser conhecida a tua vida, os meus
prodígios, as minas maravilhas em ti, o poder que tens sobre os pecadores, muitos dos que têm feito
sofrer hão-de sentir remorsos quase desesperadores. És a vítima das vítimas, a alegria dos meus olhos, o
amor do meu amor.

— Eu sinto-me humilhada e confundida!

— Escuta o que te digo. Não te tenho dito que nas tuas misérias é que eu me escondo? Não posso fazer
nas almas o que quero e como quero?

Jesus disse-me estas palavras em tom de quem ralha e ralha seriamente. Fiquei logo tímida. E
Jesus, sorrindo, disse-me:

— Queres ouvir meus ralhos, e a sensibilidade do teu coração não aguenta com nada. Olha a criancinha
tímida diante de seu pai… Alegra-te, não temas. Não te ralho, porque sofres como eu quero; amas-me
como eu desejo. É por isso que saem dos meus lábios as palavras mais encantadoras. És minha e és das
almas. Não temas a tua cegueira, a tua vida sofredora. Tudo vai a caminho do seu fim, venho em breve.
Recebe agora três gotas do meu divino sangue em honra das três horas da minha agonia. Recebe-o antes
que percas todo o sangue tens em tuas veias. Quero sempre esta mistura: o sangue da vítima deste
calvário, da maior vítima da humanidade com o sangue da vítima do gólgota, de Cristo Redentor. Assim
tens todo o poder e tudo vencerás. O céu é teu. A tua morte sem luz será de amor.
Jesus tomou em Suas mãos o Coração, introduziu-o no meu e, como quem aperta uma mola, deixou-me
cair três gotas do Seu sangue divino. Depois disto beijou-me, acariciou-me, estreitou-me ao Seu peito
santíssimo e disse-me:

— Descansa aqui por um pouco, toma conforto, minha pomba amada, para continuares depois o teu
sofrimento inigualável de levares ao termo final a tua cruz. Descansa sem as minhas alegrias e
consolações. E vai depois pedir ao mundo oração e penitência.

Descansei encostada a Jesus, como quem descansa fatigada à sombra de uma árvore. Não sentia alegria
nem sentia dor. Estava como quem dormia. Momentos depois, senti-me sem Jesus, e continuou a dor.
Ele não se demorou como de costume, apressou a visita. Veio logo a minha cruz, e, até ao terminar deste
dia, das coisas mais pequeninas às de maior importância, nas quais devia sentir alegria, tudo foi tristeza
profunda e o navegar da minha cegueira. Bendito seja Jesus! Sou a Sua vítima.

23 de Outubro de 1945

Tenho medo, muito medo. Oh que medo!

— Meu Jesus, meu Amor, vede como estou apavorada. Quero fugir do mundo, quero esconder-me. A
vida que possuo aterra-me.

É vida de dor, é vida de cegueira. Mas oh que cegueira! Não vejo os caminhos que me levam a Jesus; não
vejo o amor d’Ele, de que tenho imensa pena. Em todas as coisas sinto e vejo perdê-Lo e em nada
aproximar-me d’Ele. Quero ir ao Seu Santíssimo Coração e não posso. Morro por saciar-me n’Ele e não
consigo. Sou ceguinha e sempre mergulhada na mais triste cegueira. Quero dar almas a Jesus, sinto que
Ele as quer e está louquinho por elas. Sinto que Ele anda como um mendigo a mendigar.

— Meu Deus, que dor a minha!

Com esta cegueira não consigo apanhar uma alma para Jesus. E com os olhos da alma vejo-os a fugir
d’Ele, loucas para o pecado. Sinto que Jesus chora em meu coração, e a minha alma vê-O nele de mãos
estendidas a pedir-me para eu Lhe dar as almas, que com tanta amargura Ele vê fugir, e para O deixar
saciar no meu coração.

Pobre de mim! Sinto que Jesus não pode beber. Está seca, sequíssima, esta fonte. Não Lhe dou o amor
que Ele deseja, não Lhe dou nenhum, não o tenho, não o tenho. Não Lhe dou as almas, por quem Ele
suspira; não sou capaz de as prender. Ai a minha cegueira! Ai a minha morte! A minha perda de Jesus e
os grandes horrores do inferno!

— Ó vida, como suportar-te! Ó dor, como vencer-te! Ó Jesus, ó céu, vinde a mim.

Sinto grandes tentações contra a fé. Por vezes parece-me não acreditar na vida de Jesus, nas Suas coisas,
nas Suas grandezas, maravilhas e prodígios.

— Meu Deus, parece-me que nada é verdadeiro. Tende dó de mim, quero confiar e confiar cegamente.

Parece-me que não estou no mundo, que desapareci dele para tudo, que só nele ficou a minha dor, a
minha cegueira, a minha miséria com uma vergonha sem fim. O susto de ver junto de mim todos os que
me são queridos. Tenho medo. Se eu pudesse esconder-me de todos! É noite, nunca mais é dia para
mim. Nunca mais neste mundo poderei ter um momento de alegria.

— Perdoai-me, Jesus, os meus desabafos. Alegro-me em sofrer por Vosso amor, sem possuir esse amor.

O demónio consome-me o meu espírito e rodeia-me de várias formas: em forma de cães e feras raivosas,
com cena feiíssimas à minha frente. Outras vezes, para prenderem-me mais a eles, vêm em forma de
cães festeiros, engraçados, mas com olhares maliciosos e enganadores. Cansam-me tanto estas coisas.
Tive um ataque tão violento com este maldito! Fez-me lembrar a morte. O coração quase que estalava, e
me rebentava o peito: era um palpitar demasiado. O suor banhava-me o corpo. E eu, entregue àquelas
maldades, que ele dizia serem só minhas, não me esforçava por chamar Jesus. Só no momento do
transe, quando o fogo parecia queimar-me tudo, bradei:

— Jesus, Mãezinha, pecar não, pecar não. Valei-me.

Fiquei libertada. Foi de noite a luta e noite quase sem dormir e sempre unida a Jesus. Mas, depois de tão
tremendo combate, tinha vergonha de me unir a Ele e de com Ele viver nas Suas prisões de amor. Ai com
que humilhação eu me preparei para O receber! Depois da comunhão, que me pareceu ser sem fervor
nem amor, recebi de Jesus a graça de me fazer desaparecer esta vergonha e esquecer que tinha tido tão
grande combate. Fiquei na cruz, ferida com espinhos variados.

— Bendita cruz! Bendito Jesus!

25 de Outubro de 1945

Sofri e não soube sofrer. Não me aproveitei do sofrimento. Vivi e não soube viver. Não compreendi a
minha vida, não foi minha. Senti o meu corpo todo esfacelado pela dor, todo ferido de espinhos,
parecendo-me ficar com a alma num banho de sangue, só sangue. Mas nada disto me aproveitou. Fora
do céu, fora do mundo, vivi nessa região desconhecida, mas mesmo nela despida de tudo, envergonhada
e confundida. A minha alma queria gritar, mas estes gritos, que sinto em mim, são gritos
desesperadores.

— Não venço, Jesus, não venço. Tende dó de mim. Ai quem me acode em tão grande dor! Eu tenho medo
e sede de Vós. Eu tenho vergonha, mas ânsias ardentes de Vos possuir eternamente. Já não posso estar
aqui por mais tempo, Jesus. O céu, o céu! Oh quando chegará o céu! Quero ir, Jesus, quero voar, mas
temo comparecer, temo dar-Vos as minhas contas.

Vejo um mundo de vergonhosas misérias sobre mim, pelas quais eu tenho de responder. Não posso
caminhar, não sei nadar, afogo-me nas minhas trevas, nesta cegueira de espírito. Ouço os gemidos do
inferno, sinto-me neles.

— Perder-Vos para sempre, Jesus! Mas mesmo lá queria ver-Vos, queria abraçar-Vos e não posso. Oh
que desespero!

Sinto que a verdadeira morte, a que eu quero chamar vida, se aproxima. Sinto que espadas de fogo,
espadas de amor vêm dar-me esses cortes no momento derradeiro. Estas espadas vêm de Jesus. Este
amor d’Ele vem também. Este último momento, causado por essas espadas, será de amor. Mas não é
meu, não vem para mim este amor. A ele se uniram as minhas trevas, trevas que me assustam, cegueira
que me mata. Esta cegueira tudo esconde e tudo parece afastar de mim.

— O demónio, meu Deus, o maldito demónio, quer vencer-me, quer obrigar-me ao mal.

— Que lutas tão tristes e tão perigosas! Ele quer que eu diga, nos momentos mais graves, que eu quero
pecar, que não me importa de ofender a Jesus. Desprendeu-se-me a língua e eu disse:

— Sou a Vossa vítima, meu Jesus. Não, não quero pecar.

Mas, por muito tempo, fiquei a sentir grandes desejos de pecar e estava entregue à vontade do demónio.
Quando ele ouvia a minha oferta de vítima a Jesus, enchia-se de raiva e queria assaltar-me e despedaçar-
me. Não há nada mais triste do que parecer e sentir que se ofende a Jesus e não querer ofendê-Lo. É um
espinho que penetra sempre, uma espada que sempre corta.

— Ai, meu Jesus, e eu sem conforto e sem luz. Parece-me que sou ferida por todos e por todos
abandonada.
Sinto na minha alma os preparativos para a grande ceia, para a ceia do amor. Sinto que Jesus vai dando
aos Seus as Suas ordens e, parando, de passos a passos, olha com os Seus olhares divinos a cidade
ingrata, o horto de tanta amargura, o calvário que O espera. Tudo isto está representado dentro de mim.
E toda a dor de Jesus se faz sentir em minha alma. Que olhares tão ternos, que palavras tão doces Ele
tem para aqueles que O atraiçoam e O vão prender! Já vejo o sangue de Jesus, que vai correr no horto, o
cálice da amargura, que ao Eterno Pai se vai levantar. E o anjo, que vai descer para conforto do seu Rei.
Jesus sofre comigo, e eu com Ele. Sinto que é das minhas veias que o sangue vai sair, e que sou eu com
Ele quem todo o sofrimento do horto vai aguentar. O mundo não sabe quanto sofre a minha alma, mas é
por ele que eu sofro e por amor de Jesus. Quero sofrer e sofrer sempre para Lhe dar glória e salvar-Lhe
as almas.

26 de Outubro de 1945 – Sexta-feira

Esta noite, juntaram-se dois hortos ao mesmo tempo. Não o esperava. Parecia-me que o que era
permitido por Jesus bastava. Mas não, veio outro causado pelas criaturas.

Como resisto a tanto sofrimento e à compreensão de tudo? Não sou eu que resisto, é Ele em mim, e isso
basta para aumento da minha cruz. Sofrer Jesus! Não posso com esta dor. Queria que Ele vencesse
comigo, mas não sofresse. Sinto-me tão esmagada, tão desfeita com o peso dos sofrimentos, como
Satanás debaixo do santíssimo pé e poder da Mãezinha. Logo de manhã, tomei a cruz, não a coloquei eu,
mas senti que ma colocaram aos meus ombros, e caminhei para o calvário. Que gritos e algazarras de
escárnio atrás de mim! Era um eco só. A minha cabeça era uma só ferida. Parecia um só espinho. O meu
corpo senti-o como um esqueleto sem carnes e tão desfalecido, como se nele já não houvesse uma única
gota de sangue. A dor da chaga do ombro tirava toda a vida ao coração. A força que resistiu, a vida que
viveu, foi a força e a vida de Jesus. Oh! como eu O senti também, como Ele estava bem gravado em meu
coração e em minha alma! Ai, como a Sua santíssima paixão é renovada tão repetidas vezes! O Seu
santíssimo pescoço e cinta tinham regos profundos, em ferida, causados pelas cordas, e sem haver das
criaturas um acto de amor e compaixão. Houve e há ingratidão, só ingratidão. Caminhei sempre, mas
sempre numa cegueira mortal. Se houvesse milhões de mundos, com este sentir da minha alma eu
poderia dizer:

— Todos estes mundos são trevas e habitados por trevas. Ó morte, ó tremenda morte! Ó cegueira de
espírito, ó aterradora cegueira!

Despedaça-se de dor a minha pobre alma. Não vem do alto uma luz, não vem do céu um conforto.

— Meu Deus, meu Deus, se é assim, como poderei recebê-lo das criaturas? Ó amor vencedor da dor e da
morte! Se tu fosses meu, se me pertencesses!...

Estava na cruz. Parecia-me que de cada cabelo da minha cabeça caíam bastas gotas de sangue, mas
sentia que o meu corpo já não tinha nenhum. Parecia-me que de um e outro lado de toda a humanidade
atiravam para ele pedradas, escarros e tudo quanto podia causar dor. E eu sempre na cruz, em tanto
abandono e cegueira. Senti e vi com os olhos da alma aquela nuvem, que vi há oito dias com o Eterno
Pai. Não O vi a Ele, vi só por fora da nuvem à espécie de forcas, guilhos e instrumentos de suplício. Tudo
isto saía das mãos do Eterno Pai. A nuvem era mais carregada e feia e estava mais baixa ainda do que da
outra vez. Tudo isto descarregava sobre mim. Era assustador. Em tamanho abandono, esmagada por tão
grande peso, bradava ao céu, mas o brado não era ouvido, passava ao lado da nuvem, e eu sentia que o
Eterno Pai mais Se escondia e virava para o lado a Sua divina face. Veio então Jesus.

— Minha filha, o Eterno Pai já não é o mesmo que até agora, já subiu à Sua glória, não descarrega neste
momentos sobre ti e sobre mim, que estava em ti, o peso da Sua justiça. Voltarás a senti-Lo logo que
voltares à tua cruz.

Vi então no alto essa nuvem muito branca e formosa, e nela, cheio de luz, o Eterno Pai. Que grande
transformação! Jesus continuou.
— Ele descarrega sobre ti a Sua justiça, porque és a Sua vítima. Há oito dias, viste-Lo, mostrando a Sua
justiça, mas convidando e chamando ao mesmo tempo: era convite e chamamento de quem quer salvar.
Hoje, desceu mais perto com o Seu peso vingador. Os instrumentos que viste são instrumentos
supliciosos para o mundo, se ele não se converter. Desceu mais perto, porque mais perto está a hora.
Escondeu-Se, para mostrar que todo aquele que se envergonhar de nós que também nós nos
envergonhamos dele.

— Ó meu Jesus, então o mundo não vai ser salvo? Não valem nada os meus sofrimentos? Que mais posso
fazer, meu Jesus?

— Sossega, sossega, filhinha. Se o mundo não se vencer pelo amor, há-de salvar-se pela dor e pelos
pavores horrorosos dos suplícios. Tem coragem! O que eu quero são as almas. Ele é teu, confiei-to, e por
ti será salvo. Tu és a maior vítima, a vítima mais querida e amada do meu Divino Coração e da minha
Bendita Mãe. Quero que sofras, necessito que sofras, mas fito-te, contempla-te todo o céu com paixão.
Penitência, penitência, oração, oração. O teu sangue, vítima querida, flor mais pura do meu jardim, vai
dar um mundo novo, um mundo de pureza. Coragem, coragem, estrela luzente! A rainha fiel ao seu Rei,
que sofre por vê-Lo ofendido, sofre por ver perder-se o povo do seu reinado. O teu Rei sou eu, o teu
povo, o teu reinado é o mundo. A mãe, que dá a vida a seus filhos, dá-lha pela dor. Tu, a quem elegi mãe
da humanidade, é pela dor inigualável que a salvarás. Tudo te fere, muitos te ferem? Alegra-te, é a dor a
moeda das almas. É a dor e sangue o preço do resgate. Tu és a porta-voz de Jesus para o Santo Padre. Tu
és o eco da voz e desejos de Jesus para toda a humanidade. Penitência, oração, e sem demora.

— Jesus, prometeis-me então pelos meus sofrimentos as almas?

— Sim, minha filha, dei-tas para mas dares. És poderosa, é poderosa a tua dor, poderoso é o teu sangue.
És a semente de nova geração, és o bálsamo e salvação das almas. Anima-te, tem coragem um pouco
mais. O teu sofrimento chega ao auge, assim como a cegueira do teu espírito. É sinal de proximidade do
teu céu. Será tal a tua cegueira que deixarás de saber dizer quanto sofre a tua alma. Dispenso-te então de
escrever. Apenas uma coisa ou outra saberás dizer por alto ao teu director. As espadas de amor, que
sentiste ferir-te, serão a tua morte. Será aquele amor que te arrebata ao céu. Mas nesse momento a tua
cegueira não te permitirá vê-lo nem senti-lo. Vai para a tua cruz, que te espera. Desta vez não demoro
tantos dias a vir confortar-te. Necessitas. Recebe por último um estreitado abraço.

Jesus apertou-me contra o Seu Divino Coração. Fez isto com tanta lesteza, mostrava estar com pressa.
Fiquei logo na cruz a sofrer, por me parecer que Jesus se queria retirar de mim. Sinto-me tão longe d’Ele
e tão sobrecarregada pela justiça divina.

— Bendita seja tão pesada cruz! Sou a Vossa vítima, sempre, sempre, Jesus.

29 de Outubro de 1945

— Ouvi, Senhor, a minha voz. Ouvi o meu clamor.

O meu coração não pode resistir a tanta dor. Aterra-me a minha cegueira, aterra-me o abandono em que
estou e a minha vida, que me parece só enganos, só de enganos. Tomo a cruz, mas é tal o desfalecimento
que a não sustento, caio para um lado e deixo-a cair para o outro. Há dias, Jesus me dizia:

— Vai para a tua cruz que te espera.

Pensei ser a mesma, que deixei para falar com Jesus, mas não. Aumentou o seu peso e não sei como
aguentar. Parece-me desfazer debaixo dela. Que tremenda é a minha amargura! Queria fugir dos olhares
de toda a gente, amigos e inimigos, se os tenho, mas mais ainda dos amigos. Fugiu a luz, escondeu-se, e
com ela escondeu-se e fugiu a minha alegria. Nunca mais a poderei ter na terra. Os meus sorrisos são
forçados, até esses são enganadores. São arrancados do meio das mais dolorosas dores, agonias e trevas
mais profundas.
— Que fazer a isto, meu Jesus? Como aguentar, querida Mãezinha, sem o auxílio do céu? Mas esse
mesmo fechou-se, escondeu-se, não chegam cá abaixo os Vossos olhares, os Vossos sorrisos.

Morreu o céu, morreu Jesus, morreu a Mãezinha, morreu tudo o que é vida, morreu tudo o que é amor.
Sá as maldades me cobriam e me vestiam, só a morte assustadora existe com a dor, deixem-me dizer,
com a dor insuportável.

— Ó meu Deus, ó meu Deus, anda o meu espírito a navegar nas trevas e quase desesperadamente.
Compaixão, compaixão, meu Jesus, peço-Vos compaixão.

Hoje, logo após a visita ao meu coração, principiei a desabafar com Ele, não com o fim de obter resposta,
mas para desafogar as minhas mágoas, e só com Ele o podia fazer, pois não tinha ninguém, mais
ninguém, depois de Lhe dizer que a minha via me parecia só de enganos, que não queria enganar-me
nem enganar ninguém e muitas mais coisas ainda. E, para provar que confiava n’Ele, disse-Lhe:

— Juro-Vos, juro-Vos, meu Jesus, que confio em Vós.

Ele apressou-se a responder-me:

— Confia, confia, minha filha, e isso basta, nada mais é preciso. Cá estou eu para justificar toda a
verdade. Já te disse muitas vezes que não te enganas, que nunca enganaste nem enganarás. A tua vida
não é de enganos, é de loucuras de amor por mim e pelas almas. É verdade que a tua vida é de enganos,
porque são raros, muito raros, quase nenhuns que compreendem o amor com que me amas, o amor com
que amas as almas. Por essa razão é que é vida de enganos. Confia, não esperes outra vida, é vida de
maior cruz, das maiores trevas. Todo o sofrimento, que te venha, é para te firmar sempre no mesmo
amor e não para te aumentar mais, porque mais não podes amar-me. Firmo-te, seguro-te, sempre no
mesmo amor até que me possas amar à luz clara do Paraíso, à luz consoladora da eternidade. O meu
divino amor é força da tua cruz, é a vida de que vives, é a vida da tua vida.

O sofrimento da minha alma foi suavizado com estas palavras de Jesus. Não foi visita de consolação nem
de luz nem de alegria, mas foi de união e de conforto. Mas tão pouco duradoiro! Pouco depois voltou a
cruz a sobrecarregar-me com o seu peso e todas as dores, e espinhos voltaram a ferir o meu coração tão
pouco resistível à dor.

— Fazei, Jesus, que eu suba o restante calvário e não me deixeis vacilar na fé, na confiança e no amor.
Serei sempre Vossa, Jesus, e sempre a Vossa vítima.

1º de Novembro 1945

Sinto que o fogo do inferno me atormenta todos os membros e sentidos do meu corpo. Sinto-me cansada
com o ouvir o rumor das labaredas. Por vezes parecem-me passar por todo o corpo. Até as próprias
entranhas com o espírito são queimadas. Sinto-me revoltada, revolta desesperadora contra o fogo e
contra Deus. Sofro mais com a perda de Jesus do que com todos os sofrimentos do inferno. Não posso
conformar-me. Parece-me que o demónio faz do meu espírito uma bola de entretimento e de destruição.
Traz-me tudo à imaginação, faz um conjunto de todas as coisas da minha vida e todas me apresenta
como falsas e enganadoras.

— Ai, meu Jesus, eu não posso resistir. É certo que nunca pensei enganar ninguém, mas o demónio tem
mais força do que eu. Valei-me por misericórdia, doce Jesus. Vinde, Mãezinha, num pronto socorro.

Que desprezo sinto por mim! Que abandono o das criaturas! Que vergonha a minha vida! Vergonhosa
para o mundo, vergonhosa para diante de Jesus. É só miséria, é só miséria. Não encontro em mim nada
digno de louvor, nada de grande para o céu. Sou podridão, sou miséria, sou nada, sou vergonha, sou
morte, morte triste e tormentosa.
— Ai, Jesus, ai, Jesus, a minha cegueira. Não Vos vejo, não vejo o Vosso amor nem os caminhos que
conduzem a Vós.

Quero um guia, necessito dele. Morre a minha alma, morre sem luz, morre, não tem quem lha dê. E de
verdade sinto-me morrer, sinto que a morte está bem perto. Temo-a, temo-a, pelas contas que hei-de dar
a Jesus, pela vida tão horrorosa que se me apresenta. Quero confiar, custa-me a confiar. Mas confio na
bondade do meu Senhor, na misericórdia de Jesus. Queria, antes de Lhe dar as minhas contas nos meus
últimos momentos, poder falar ao mundo:

— Morro por teu amor, porque és filho de Jesus. Morro para te dar a vida. Depois de tanto sofrer por ti,
ficarás satisfeito de me veres morrer? Cessarás de caluniar-me, abandonar-me, perseguir-me? Estarás
satisfeito de tanto ferires o meu coração? Mas, mesmo assim, juro que te amo, juro-te que vou junto de
Jesus interceder por ti. Juro-te que te quero no mesmo lugar em que quero estar. Amo os que me amam,
amo os justos e os pecadores, amo todos os que me ferem, porque em todos vejo Jesus e a todos amo por
amor de Jesus. Adeus, ó mundo, não sejas mais ingrato, não peques mais. Vou para Jesus, mas continuo
a velar por ti.

— Meu Jesus, que sede eu tenho de Vós, que saudades do céu!

Mas como chegar lá com esta cegueira e com esta vida de misérias? O coração despedaça-se de dor, e a
alma momento a momento continua a rasgar-se como um trapo imundo, fio a fio. A minha dor, a minha
agonia não são compreendidas.

— O que fazer, meu Jesus, a não ser esperar e confiar no Vosso Divino Coração, que é amor, só amor,
misericórdia e compaixão?

É quinta-feira e dia de Todos os Santos. A lembrança do que será no céu abate-me ainda mais.

— Meu Deus, não conheço senão o dia de sofrimento.

E dentro de mim tenho dum lado o calvário e do outro o horto. A vista de tantos sofrimentos, se não
fosse por milagre, causava-me a morte. Sinto que o mesmo aconteceu com Jesus. Se não fosse a Sua vida
divina, Ele teria morrido antes de os sofrer. Vejo os cravos e o martelo que me vão pregar. Vejo os
caminhos por onde hei-de cair com o peso da cruz. Sinto a crueldade com que hei-de ser despida. Sinto
sair nos vestidos a pele e pedaços de carne. Tudo isto é dor que se antecipou. Sinto-me esmagada no
horto pelo peso da justiça divina. Sinto que este peso vem do alto a esmagar-me, a desfazer-me contra o
duro chão. O coração é que recebe todos os maus-tratos. Parece-me que ele, desfeito em sangue, rasteja
pelo solo do horto. Rasteja como se fosse uma serpente venenosa sobre a qual todos descarregam as
maiores barbaridades, para lhe tirarem a vida. E sinto que o Eterno Pai, revoltado contra mim também,
não me poupa aos Seus suplícios. Que tremenda cruz! Oh! Como Jesus sofre dentro de mim! Que
lágrimas tão amargas os Seus divinos olhos derramam dentro dos meus! Jesus sofre, porque o mundo O
faz sofrer, e eu sofro, porque vejo e sinto Jesus a sofrer dentro de mim.

2 de Novembro de 1945 – Sexta-feira

Não posso falar, não sei como hei-de escrever. Que Jesus abençoe o meu sacrifício, que Se utilize dele
para as almas. Sinto o meu corpo tão varejado pelo sofrimento, como um ramo verde varejado pela fúria
do vento numa tremenda tempestade. Sinto que o meu pobre corpo necessita de dormir o sono dos
mortos na sepultura, para a alma poder descansar em Jesus para sempre. Não sei como é, não sei pelo
quê, que sinto a alma querer separar-se do corpo, e é com toda a violência que ela o quer fazer, para o
poder deixar. Esta vida não é minha. Este mundo, apesar de tão querido ao meu coração, não me
pertence. Tenho de o deixar. É-me querido não por ele mas pelas almas, almas que são de Jesus, almas
que quero salvar.

— Ó meu Deus, quanto eu sofro!


Ai de mim, se me falta o céu com a sua graça e a sua força. Eu não vejo, não vejo nada. Morro,
mergulhada nestes tantos mundos de medonhas trevas. Durante esta noite, vi o grande ingrato que se
atreveu a esbofetear Jesus, vi o rancor com que ele Lhe deu a bofetada, e deu-Lha, e Ele em meu coração.
Era alto, magro, moreno, mal encarado. E Jesus recebeu-a na maior serenidade e mansidão. Muitas
vezes senti na minha face a bofetada, enquanto tive a paixão, mas nunca tinha visto quem Lha dava, nem
aquele rosto tão mal encarado. De manhãzinha, foram descarregados sobre mim muitos e muitos
açoites. Era uma chuva deles. Depois de coroada de espinhos, segui ao calvário. Na viagem, senti que
Jesus, dentro do meu peito, desandou ao lado o Seu divino rosto a fitar alguém. Era a Mãezinha, que Ele
fitava. E, em todo o trajecto do calvário, eu sentia como se Ele fosse sempre de rosto ao lado, de olhos
fitos sempre n’Ela e a Ela preso de alma e coração. Quanto isto me custou a mim! Que indizível dor! Já
na cruz, sem poder desprender os braços, senti que Jesus o queria fazer, para apontar o Seu Divino
Coração ao mundo e dizer-lhe: “antes de ser aberto pela lança, está aberto pelo amor e é para te receber”.
Jesus esquecia toda a ingratidão e desculpava-nos a Seu Eterno Pai, mas sem que Ele se desse por
satisfeito. Que agonia, que agonia! Jesus, em tanto abandono, tinha de responder por por toda a
humanidade. Esperava a morte, pois só com ela Ele Se dava por satisfeito. Sentia que peso da justiça
divina descarregava sobre o madeiro, sobre mim e Jesus. Esmagava tudo. Dos meus lábios saía um
brado contínuo ao Eterno Pai, e dos olhos corriam-me lágrimas de sangue. No meio desta agonia, dentro
de mim expirava Jesus. Só de longe a longe sentia a Sua respiração. Ele não morreu, viver para mim,
pois nestes momentos principiou a falar-me.

— Venho depressa, minha filha, a dar-te a vida. Só recebendo-a de mim, poderás viver. E, para que vias,
opero milagre. Vou dar-te mais três gotas do meu sangue divino. É com ele que tu vives. Vou fazer esta
transformação sagrada, transformação divina. Transformar-me em ti, transformar-te em mim. És o
fontenário das almas. É este sangue o maná que lhes preparo, o maná que vem do céu. Dá-o, dá-o ao
mundo. É este sangue o sangue da pureza, o sangue de nova geração. O sangue de Cristo, o sangue da
minha esposa e virgem. Estudem, estudem os doutores de Igreja, estudem os sábios. Repito-o: estudem
os doutores e sábios das ciências divinas. Que maravilhas! Que prodígios opero na tua alma! Que
riquezas dou por ti ao mundo, ao mundo que é meu, ao mundo que é teu, porque to confiei.

Jesus injectou do Seu Divino Coração para o meu as gotinhas do Seu sangue. Vi-as cair. E, quando Ele
me dizia: que maravilhas, que grandezas opero em ti, sorria e fez-me compreender a grande riqueza do
Seu sangue divino, as maravilhas que em mim operava. Conheci que era grande como Deus o que d’Ele
recebia.

— Meu Jesus, com sou pequenina diante da Vossa grandeza. Queria dizer-Vos tanta coisa, mas não sei
falar-Vos.

— Falas, minha filha, com os teus desejos. O teu silêncio diz-me tudo. De cada vez me saberás dizer
menos. Tem coragem! Tudo passa, tudo muda, só eu não. As minhas divinas palavras cumprem-se.
Anima-te no meio das tuas trevas, no meio das tuas dores. A dor é para a mãe que dá a vida a seu filho.
Tu és mãe que dá vida a tantos filhos. Dás a vida à humanidade. Descansa sobre o meu Divino Coração,
inclina-te, toma um pouco de conforto. A criancinha que dorme nos braços de sua mãe, quando dorme,
não sabe que é nela que descansa. Ao despertar e ver-se acalentada em seu seio, tranquiliza-se e nada
teme. Agora não sentes a doçura do meu Divino Coração. Mas, uma vez que voltes às tuas trevas, quando
despertares de mim, recorda o que de mim recebeste, para poderes aguentar a tua cegueira, venceres as
tuas dores e caminhares sem temeres. Recorda o que opero em ti. Vê a minha loucura de amor, e que
vejam a minha loucura pelas almas, e o que por ti a elas dou. Salva o mundo, acode-lhe em tanto perigo.
Quero-te firme, firme na tua cruz, abrasada de amor, de amor escondida nas tuas trevas, na cegueira do
teu espírito. Queria falar-te de umas almas que muito me ofendem, mas não me demoro, toma a cruz.

Levantei-me do lado de Jesus. Sobre o Seu Santíssimo Coração tinha descansado. Custou-me a deixá-lo,
não pela alegria, mas pelo conforto. Pareceu-me dormir n’Ele um sono, um sono que me deu vida e me
fez reparar algumas forças. Saí d’Ele, para cair logo aos mundos, aos abismos das minhas trevas, bem
curvada sob o peso da cruz e com o coração a sangrar de dor.
3 de Novembro de 1945 – Primeiro sábado

Continuo a sentir-me ferida daquele amor de que já falei: do amor, vindo do alto. E a alma continua na
mesma violência, a querer deixar o corpo, para ir ao encontro desse amor.

— Mas, meu Jesus, se não vejo nada? A cegueira do meu espírito tudo encobre, e o peso da dor tudo
destrói. Só a vontade de Vos seguir, de Vos amar, de Vos imitar, de Vos pertencer, de ser-Vos fiel até à
morte permanece firme, mesmo com a cegueira a esconder tudo.

Fiz a minha preparação para receber Jesus, mas oh! como a fiz eu tão triste e amargurada! Recebei-O,
não Lhe sabia falar. Mas Ele, na Sua infinita bondade, não olhou a isso. Logo me fez sentir a Sua união e
presença real em minha alma. Demorou-Se a falar-me. Só depois de alguns minutos me disse assim:

— Minha filha, paraíso de delícias aqui na terra para o meu Divino Coração, jardim celeste, jardim
divino, onde me delicio. É nestas flores divinas, no jardim deste calvário que eu esqueço a ingratidão do
mundo. São flores divinas, porque as semeei, fiz crescer e desabrochar neste terreno, que é meu, que só a
mim pertence. São divinas, porque saíram do divino. É jardim formoso e encantador; é jardim de
perfumes e de delícias. Está guardado e cercado de espinhos. Os espinhos, com suas dores, são para ti;
as flores, com seu perfume, são para glória e consolação minha; são para as almas. Dá o teu sangue,
sacia as almas com esse fontenário de prodígios. Converte os pecadores, dá-lhes esse remédio: é sangue
de Cristo nas veias da sua vítima, é o sangue de Jesus, transformado no da sua vítima amada. Que
loucura a minha pelas almas! O que faço por elas! Dá o teu sangue, dá o teu sangue, minha filha, e nada
temas. Não pode naufragar a barquinha, de que o leme e o piloto são Jesus. Coragem, coragem, sempre
firme e confiada que passará tudo, menos as minhas palavras. Cumprir-se-ão sem nada faltar.

Jesus falou-me de certas almas da minha família, ainda. Disse-me que O ofendiam muito, mas prometeu
salvá-las. E, para desagravar o Seu Divino Coração, pediu-me para por elas suportar três ataques do
demónio. Pediu-me mais dois para completar cinco em honra das Suas cinco chagas, sendo um para O
desagravar pelas famílias e outro por certas almas da freguesia e de fora dela, homens e mulheres de
avançada idade.

— Minha filha, a medida está cheia. Vê como elas me ofendem. A sua salvação está em risco. Repara,
repara por elas.

— Custa-me tanto, meu Jesus, saber-Vos ferido por todas as almas, mas mais ainda por aquelas que me
pertencem. Queria lançar-me às feras, por elas ser devorada. Queria arrancar do peito o coração, para
ser esmagado aos pés, aos pés de todas as criaturas. Enfim, queria sofrer tudo, tudo para não Vos ver
ferido e para as almas serem salvas.

— Alegra-te com o teu sofrimento, minha pomba bela, para com ele elas se poderem salvar. E agora,
filhinha, diz ao teu Paizinho que os homens nada vencem. Nas minhas divinas mãos estão os seus
corações, posso obrigá-los a fazerem o que me aprouver. Não é só ele que é massacrado e ferido. Sou-o
eu também pela forma como eles procedem. Que grande glória ele me dá com o seu sofrimento inocente,
e que grande proveito para as almas. Dá-lhe toda a luz do Divino Espírito Santo, para ele facilmente as
conhecer. Dá-lhe o meu Divino Coração com toda a intensidade do meu amor, doçuras, riquezas e
graças, em recompensa da sua dor. Dou-lhe tudo por ti. Apresenta, filhinha querida, ao teu médico o
centro do meu Divino Coração com todas as iguarias celestes, com todas as riquezas divinas. São para
ele, são para todos os que lhe são queridos. É o prémio do seu trabalho, é a recompensa da sua defesa
pela minha causa divina. Que ampare o teu corpo, que ampare a tua alma. o que ti faz a mim o faz. Velar
por ti é velar por mim. Tudo o que de mi tem recebido e vai receber pelas tuas mãos passou e vai passar.
Vem, ó bendita Mãe, dar força à nossa filhinha, para que ela possa subir o calvário. Vem comigo a
confortá-la, vem depressa, para não demorarmos.

Veio a Mãezinha, tomou-me em Seus braços, apertou-me ao Seu santíssimo rosto, acariciou-me e disse-
me:
— Nada temas, filhinha amada do meu Jesus. Estou contigo no teu martírio, assim como Jesus está.
Sofre como nenhuma outra vítima? É a prova do nosso amor. Jesus ama-te. És amada como nenhuma
criatura da terra. Eu amo-te. És enriquecida como nenhuma outra alma. Nunca o mundo viu, não viu
nem volta a ver Jesus operar numa esposa Sua tão grandes maravilhas, nem dispensar tão grande amor.

Veio Jesus e acrescentou:

— Minha filha, a tua cruz espera-te. Vai para ela, vai para o teu martírio, para a tua dor. Vai confiada que
o céu não demora, e a minha causa triunfará. Triunfarei eu sempre nela com todos os que são queridos
do meu coração e que dela cuidam. Não temas a escuridão, não demora a luz eterna.

Logo caíram sobre o meu corpo as dores, as amarguras, com a noite mais carregada como um chuveiro
fortíssimo. Aceitei e bendigo a Jesus e à Mãezinha, porque Eles assim o querem. Ao deixar os braços da
Mãezinha, Ela ainda me disse estas palavras:

— Repara, repara, minha filha, os nossos corações, o de Jesus e o meu.

6 de Novembro de 1945

Não sei fugir das minhas trevas nem tão pouco salvar-me delas. Infundo-me de braços abertos, a saber-
me perdida sem me esforçar por saber nada. São mundos e mundos, mares e mares de cegueira. Mas ah!
bendito seja o Senhor. Não quero fugir à minha cruz. Ela é toda de espinhos, e neles me sinto cravada da
cabeça aos pés. Todo este pobre corpo, que já não é meu, é uma chaga viva. São tais as ânsias de me dar
a Jesus, são tantas e tão grandes de O amar e salvar-Lhe as almas que, para esses fins, queria ver este
mísero corpo num esqueleto desfeito: sem sangue, sem carne, sem vida.

— Meu Jesus, nem sei o que quero. Não sei o que sofro, não sei o que vivo. Sou ceguinha, Jesus, e não
Vos vejo. Não sei onde habitais nem onde posso encontrar-Vos. O que sei, Jesus, ai isso sei, é que este
pobre coração, com esta vida que tem, com a vida da alma, quer ir ao Vosso encontro, ao encontro da
Vossa luz. Quer deixar o corpo e o mundo, porque aqui não pode existir. Que revolta! Que revolta! Quero
separar-me deste lodo, desta lama e quero ir para Vós. Mas ai, meu Jesus. Vede o sentir da minha alma
de Vos ter perdido e compadecei-Vos de mim. Sofro com todos, e parece-me que a todos faço sofrer.
Sofro com a presença das almas que andam por caminho errado. E, se eu assim sofro, quanto não sofreis
Vós! Sofro com a sua presença, mas quero consolá-las e prendê-las ao Vosso Divino Coração. Mas não
sei como e não vejo. Não sei como e não tenho quem me ensine e me dê luz. Tudo me roubam, fico
sozinha. Ficou o meu santo médico, mas sinto como se não o tivesse. Ele diz-me palavras de conforto, e
por vezes parece-me que o não ouço nem vejo. Cobri-o de glória pelo que tem feito por mim. Eu não
queria ser ingrata para o Vosso Divino Coração nem para ninguém. Mas para ele sinto que sou ingrata e
por vezes lhe falo bruscamente. Enchei-o do Vosso amor, recompensai-o por mim

Já dei a Jesus duas lutas com o demónio. E que dolorosas elas foram! Parece-me ficar tanto tempo
entregue ao pecado! Não posso pensar que haja tanta maldade da parte dos homens e que tenham
coragem para dizerem palavras tão feias e tão cheias de malícia.

No primeiro destes ataques, que foi ontem, quando pude bradar fortemente ao céu a pedir socorro e
dizer a Jesus que não queria pecar, Ele apressou-se a vir, pois eu parecia-me que estava perdida.

— Não pecaste, não, minha filha. Confia em mim. A tua luta foi como a vida e a morte; foi o pecado com
a virtude. Lutaste, lutaste e não me ofendeste. Peço esta reparação a quem posso pedir. Alegra-te,
acredita em mim. Desagravaste mais o meu Divino Coração do que se durante um ano sofresses,
jejuasses e orasses. Vê que valor! Vê a minha loucura de amor pelas almas, o que exijo da minha virgem
pura para as salvar. Acreditas, acreditas em mim? Sou Jesus.

— Acredito, meu Jesus, confio em Vós cegamente. Acredito que não me enganais, como sabeis também
que não quero enganar-Vos.
Fiquei a acreditar em Jesus, mas com a minha alma tão dorida! Que pena saber que Ele é tão ofendido, e
ainda para maior dor ser pelos meus!

8 de Novembro de 1945

Não posso falar, não tenho forças. Confio e temo. Confio a custo, mas confio cegamente. Jesus não falta,
mas pobre de mim que tenho tanto medo de Jesus e medo de vacilar, medo de não confiar como devia.
Disse muitas vezes a Jesus:

— Quero dar-Vos até à última gota do meu sangue pelo Vosso divino amor e para acudir aos pecadores,
assim como Vós o destes por mim.

Mas não pensava que Jesus tomava as coisas tanto a sério. Só ontem é que me lembrei da minha oferta a
Jesus. E, como me sinto sem sangue, sem vida, temo de um momento para o outro deixar o mundo sem
a realização das promessas de Jesus. Temo, temo, é a minha fraqueza. Mas Jesus, o meu querido Jesus,
não falta. E eu, no meio da cegueira horrorosa do meu espírito, hei-de confiar n’Ele e Ele há-de perdoar-
me os meus desfalecimentos, os meus desânimos, que por vezes me parecem serem desgostosos para o
meu querido Jesus, porque sinto em alguns momentos que estou como que arrependida das minhas
ofertas e entrega total a Jesus. Mas não é verdade este meu sentir de alma. Eu sou e quero ser sempre de
Jesus e das almas. Não quero viver senão para O consolar e salvar-Lhe os filhos Seus.

— Mas como, meu Jesus, se eu não vejo nem sei o que é verdade nem acredito em mim nem nos meus
sentimentos? Ó meu Deus, ó meu Deus, ai de mim, se deixo de confiar em Vós! Ó céu. Se a ti não
recorro, quem poderá valer-me?

Das criaturas nada espero, e parece-me que até as aborreço. Mesmo daquelas, a quem eu mais amava,
sinto que as desprezo, e elas a mim. Sou sozinha, sozinha e ceguinha sem ninguém. Perdi tudo por não
ter um coração para amar, um coração para sofrer. Não tenho utilidade nem para o céu nem para a terra.
Perdi-me na minha cegueira, estou a falar com as trevas, com a morte. Ah! Se eu soubesse mendigar
amor e nesta cegueira o pudesse mendigar! Não fazia outra coisa a não ser mendigar amor das almas
para Jesus.

— Ó minha cruz, beijo-te e abraço-te mesmo assim coberta de espinhos, porque em ti está Jesus. É
nestes espinhos tão agudos que eu quero passar da terra ao céu, já que assim o quereis, meu Jesus.

O demónio atormenta-me, assalta-me. Repetiu por algumas vezes as suas ameaças, mas não veio
fortemente. Mas uma vez venceu, tive que lutar com ele. Se Jesus não me acode, quem poderá fazê-lo?
Ninguém, só Ele. Antes queria estar no inferno nos momentos da luta. Que receio de ofender o Senhor!
Pareceu-me que só pedi socorro ao céu depois de não ter remédio. Sentia-me estar toda entregue ao
vício e uma grande criminosa diante de Jesus. Ao tempo que eu chamava por Ele e terminava o combate
com o malvado, eu vi no abismo medonho, que sob mim estava, aqui e ali, umas grandes rosas brancas.
E Jesus disse-me:

— Sossega, não pecaste. Olha, são flores de virtude. A tua reparação fez penetrar a luz naquelas almas,
por quem te pedi este combate. São para ti estes momentos, momentos de dor, mas também de amor. E
para elas hora de graça, momentos de salvação. Coragem, coragem, pois! É contigo o meu amor.

Deixei Jesus muito dolorosa e tímida com o medo de ter pecado. Deixei-O, para seguir ao horto. Ele
seguia dentro de mim, a ver, como no momento, os sofrimentos que lá O esperavam. Ia com peito
aberto, e do Coração saía-Lhe uma grande fornalha de fogo. Era aquele amor que O levava a tanto sofrer.
Senti lá o beijo traiçoeiro de Judas, o prender das mãos, o cair por terra dos soldados. Não posso igualar
a inocência e mansidão de Jesus e a maldade deles. Oh! Com que custo subimos a subida que se seguia
ao horto.
Ai tanto pontapé e maus tratos, e quantas vezes Jesus já caiu por terra com os empurrões que Lhe
davam. Não sei dizer o que mais senti e nem posso falar.

9 de Novembro de 1945 – Sexta-feira

Caminhei morta para o calvário e sobre a minha morte levei a morte de toda a humanidade. Que peso
sobre mim! O meu coração ia dentro de um ouriço de espinhos. No meio deles tinha que dar a vida com
grande prova de amor. O coração não era meu, era de Jesus, a mim nada pertencia senão uma frágil
teagenzinha. Em todo o percurso do calvário não tiveram conta as varadas que o meu corpo levou.
Apenas chegada ao lugar, o verdadeiro e doloroso calvário representou-se dentro de mim. Que corações
aflitíssimos rodeavam a cruz! Mas o da Mãezinha, o da Mãezinha em nada se parecia com os outros.
Nem toda a dor unida se podia comparar à d’Ela. E, por entre aquelas nuvens negras da morte, rompeu
Jesus, sobressaiu, foi brilhar mais além. Venceu tudo e de tudo triunfou. Mas eu não O acompanhei
naquele vencimento, naquele triunfo, naquela luz. Fiquei sempre na minha dor, amargura e agonia. Ele
foi, mas ficou sempre comigo no meio do gozo, da luz triunfal; unido a mim e transformado em mim
sofria.

Queria saber falar desta separação de Jesus para o gozo e ao mesmo tempo da união dolorosa dentro do
meu corpo, mas não sei. O que sei é que a agonia continuou, o sangue corria das minhas chagas, e as
trevas ficaram sempre a cegar todo o meu espírito. O brado foi contínuo, sem o Pai ceder a confortar-me.
Bradava mais forte para ser ouvida, mas apenas aumentava ainda mais a agonia. Ia a morrer. Veio Jesus.

— A minha paz é contigo, minha filha. Contigo está sempre o teu Esposo, o teu Rei, o teu Pai, o teu
Senhor. Sempre velei por t i e continuo a velar até ao fim. Tem coragem! Faltava ainda nisto assemelhar-
te a mim. Eu temi os sofrimentos, temi a morte. Foi o pavor que no horto me abriu as veias. És a vítima
mais semelhante a Cristo. A perda do teu sangue é uma crucifixão contínua, é nova obra de resgate.
Milagre, milagre! Prodígio, prodígio, ó grande maravilha! Bastava isto, não era preciso mais nada, minha
pomba querida, para que os homens compreendessem a minha grandeza divina na tua alma. É a maior
das minhas maravilhas. Calvário, ditoso calvário, lugar bendito, que possuis a rainha do mundo, és
abençoado por mim. Minha filha, os dias, as horas que passam são graves, são de grande perigo para a
humanidade. Pede oração, penitência e reparação. Depressa, ainda é tempo. Se assim o fizessem,
poderiam dizer: “a nossa rainha não só nos acudiu às almas mas também aos corpos; foi ela que, em
nome de Jesus e com Maria, nos veio salvar”. E não são as almas, filhinha querida, a quem queres
acudir? Diz-mo com toda a simplicidade do teu coração.

— Sim, meu Jesus, primeiro as almas, mas, se puder ser tudo, poupar-lhes os corpos à justiça divina.
Perdoai-lhes, Jesus, e imolai-me sempre.

— Vem cá, louquinha do meu amor, louquinha das almas. Quero pertencer-te todo como tu a mim
pertences. Fiz-te a entrega do meu Divino Coração e faço-te agora a entrega de todos o meu corpo.

Neste momento, Jesus abriu o Seu peito santíssimo. Era como um sacrário: o peito de Jesus, o sacrário,
o coração, o sagrado vaso. Jesus disse-me:

— Entra, minha filha, com umas almas para dentro do coração, que é cofre, tesoiro infinito, e deixas
outras fora, mas dentro do abrigo desse cofre de riqueza. Entra com elas para o peito até que as prepares
para entrarem no coração. És poderosa, e dou-te mais outro poder: às almas, às quais disseres que lhes
dás todo o meu amor, ele será dado. Mas mais ainda: àquelas, às quais disseres que Jesus lhes dá o céu,
têm-no de certeza; e às que disseres que Jesus lhes perdoa os seus pecados ser-lhes-ão perdoados. Sim,
não as dispensando do sacramento da penitência. Isto é para as almas tímidas e receosas do meu
perdão. As tuas palavras servir-lhes-ão de grande conforto. Coragem, filhinha. Terás os dons do Espírito
Santo: a Sua luz divina, para nos outros tudo veres e compreenderes; o da fortaleza, para tudo
suportares e venceres. Coragem nos teus desfalecimentos. Coragem até que chegue o céu. No meio dos
maiores sofrimentos e trevas terás uma morte de amor. A tua passagem será como o adormecer dum
anjo. Vou dar-te, minha filha, uma transformação de sangue: outras três gotas, mas mais pequeninas
ainda. Assim, irei diminuindo até que terminem.

Injectou-me Jesus numa veia sobre o coração as gotinhas do Seu sangue divino. Era pouquinho, mas o
coração ia a dilatar-se. Jesus não deixou, disse:

— Não, isso não, não aguentarias com essa dilatação, sou o teu médico divino. Faço milagre, para não
castigar; espero, para não punir.

— Obrigada, meu Jesus.

— Sinto-me desaparecer à vista de tanta bondade, de tantas grandezas para comigo. Sinto-me menos
ainda do que a poeira que se espalha nos ares, o fumo que desaparece para nunca mais ser visto. O
Senhor do céu e da terra inclinou-Se sobre o que há de mais vil e miserável.

— Bendito sejais, meu Jesus. Aceitai o meu grande esforço e enorme sacrifício. Quando voltarei, Jesus, a
dizer o que me vai na alma? Quando for da Vossa vontade. Eu já pouco sei dizer.

N.B. – Há três meses que a doentinha tem diariamente perda de sangue. Atendendo a isso, ordenei
que, até nova ordem, não ditasse os seus sentimentos de alma senão nos dias em que não perdesse
sangue.

Assina: o médico assistente.

16 de Novembro de 1945

O aumento dos meus sofrimentos físicos fizeram-me aumentar os morais. Desfaleci, desfaleci.
Desgostaria a Jesus? É a minha maior pena. Sofri tanto, tanto! Sei que sofri. Foi este pobre corpo e alma
que sofreram, mas não sou capaz de dizer essa espécie de sofrimento. É indizível. Eles vieram dum lado
e doutro, apressadamente, como rios de água a correrem para o mar. Vieram esses rios de dor parar ao
mar infindo da minha cegueira, e ali toda a dor se mergulhou e morreu. É por isso que não sei falar da
dor, só sei falar da negra escuridão. Não sei e não posso. O meu peito não tem vida.

— Ajudai-me, Jesus, se desta vez assim o quereis.

Na noite de onze para doze, no meio dos meus tremendos sofrimentos, ouvi repetidas vezes uma doce
voz, que me dizia:

— Convite para o céu, convite para o céu.

O meu espírito levantava-se, a pensar nessa Pátria. Ficava ainda mais a suspirar por ela: o horto de
ontem, o calvário de hoje, a cruz e todo o meu corpo. Todo o meu corpo foi uma massa de sangue com a
mistura dos sofrimentos, que não sei dizer, de que acima falei. Nesta agonia triturante, veio Jesus ao
meu encontro e disse-me:

— Minha filha, quando for conhecida a tua vida de inigualáveis sofrimentos, o que dirá o mundo, o que
vão dizer muitas almas, almas que nada conhecem e nada compreendem de mim? Que não te amava
com amor de Pai, com amor de Esposo; que não te amava como digo. Grande engano! Deviam dizer:
“Oh, como Jesus amou esta alma e como nos amou também a nós! O que Ele fez para nos salvar!” Sim,
minha filha amada, tudo o que faço é para acudir aos pecadores. E, assim, como és inigualável às outras
almas no sofrimento, assim és também no amor e no poder. Amo-te como nunca amei; dei-te poder
como nunca dei; enriqueci-te das minhas divinas riquezas como nunca tinha enriquecido nem voltarei a
enriquecer. És grande no poder, és grande na graça, na pureza e no amor. És grande, porque possuis a
grandeza do que é grande e poderoso. O aumento dos teus sofrimentos nestes dias foi para bem do
mundo, foi para bem do teu e meu querido Portugal. Pesaram, pesaram na balança do Bem. Foi para ele
não sofrer aquilo que devia sofrer. Aumentei-te os sofrimentos, para te ouvir repetir muitas vezes por ele
a oferta de vítima. Fiz-te sofrer muito, para não haver aquela injusta ingratidão àquele que, com a tua
imolação e auxílio da minha Bendita Mãe, foi guia da Nação, escolhido por mim. Foi instrumento
manejado pela mão divina, mas com a dor nunca igualada deste calvário.

— Meu Jesus, acudi, acudi a Portugal. Não é por mim que ele pode ser salvo, mas por Vós e pela
Mãezinha, à qual me entrego de alma e coração com todos os sofrimentos, para que Vos utilizeis deles
para salvar a minha pobre Pátria, para salvar o mundo inteiro. Sou miséria e nada posso, mas em Vossas
divinas mãos está o poder. Sou a Vossa vítima, Jesus.

— Ai de Portugal, minha filha, se não corresponde! Ai do mundo, se não se emendar. Penitência,


penitência! Depressa, já penitência! Coragem, minha filha, confia: não te abandono. Confia, estou
contigo. És a glória do mundo.

— Meu Jesus, estou esgotadíssima, não posso falar. Não Vos sinto a Vós nem sinto a ninguém por mim.
Não sei como hei-de ditar.

— Toma ânimo. Não o sentes, mas estou em ti e a teu lado. Tens muito quem seja por ti e pela minha
divina causa. Não podes falar, mas tudo continua, enquanto dura a tua pequena vida na terra. Quero-te
assim enfraquecida, mas continuam a falar às almas os teus olhares, os teus sorrisos, a tua doce
tranquilidade e resignação no sofrimento, o teu amor à cruz. Tudo isso fala e diz tudo. Tudo isso convida
as almas a virem a mim. Quero que o teu médico, ou alguém que em pouco te compreenda, faça um
relato do que em ti se for passando, para provar que a minha vida divina na tua alma não acabou,
continua, e continua sempre, até à realização das minhas promessas. Só te deixarei, para no mesmo
momento te receber na Pátria celeste. És minha, só minha, rainha do mundo, mãe da humanidade.

Há catorze dias que eu recebi a visita dum senhor padre desconhecido e de longe. Não sabia nada como
era o seu viver. Senti logo que ele tinha bom fundo e boas qualidades. Mas, apesar disso, sofri muito.
Nos primeiros momentos em que fiquei a sós com ele, não ouvi uma voz, mas tive uma luz que me fez
ver tudo, tudo, meu Deus. Dei-lho a entender. Ele, cheio de boa vontade, só queria saber o que era a
vontade do Senhor, para a cumprir. Hoje mesmo, Jesus falou-me nele. Prometeu perdoar-lhe, prometeu
salvá-lo, indicou-me o caminho que ele devia seguir. Oh! Como Jesus é bom!

Há dois dias que senti, como nunca, que o meu Pai espiritual vai ser libertado. Os olhos da minha alma
viram como que cadeias cortadas, portões abertos, para poder sair. Mas dum e doutro lado saíam
teiazinhas de aranha, que punham estorvo à sua sida. E então muitas mãos amigas tudo desfaziam e
faziam desaparecer. O sol quer romper as nuvens e raiar com toda a força. Com ver e sentir tudo isto,
nada me alegrei. Em trevas estava, em trevas fiquei.

— Meu Jesus, para mim já é tarde, nem ao menos posso falar-lhe. Mas, apesar disso, de nada poder,
quero-o, Jesus, para Vossa glória, para bem das almas. E esta ânsia de o ver e de pouco a pouco dizer-lhe
o que foi a minha vida destes quatro anos consome-me o coração, fá-lo chorar cá por dentro. Jesus,
quando chegará esse dia?

Quando eu podia ditar, embora muitas vezes com enorme sacrifício, fazia-o obrigada: não o queria fazer.
E agora que nada posso queria ditar. Tenho pena de o não fazer. Bendito seja o Senhor!

22 de Novembro de 1945

Sinto o meu corpo a dar os últimos arrancos de vida. É como uma máquina que não tem forças para
arrastar o peso das carruagens. Este peso, de que falo, são os meus sofrimentos.
— Ó meu Deus, ó meu Deus! Ai, o que me fere! Ai, quem me fere! Não tenho forças para mais. Tomai a
minha cruz, Jesus. Deixo-a cair, não resisto, não posso mais. Ó ingratidão, negra ingratidão! Ó bom
Jesus, quanto sofrestes com ela! Até mesmo nisso me assemelhais a Vós. Houve ingratidão para o Vosso
amantíssimo Coração até aos últimos momentos, e eu para lá caminho, meu Jesus, sobrecarregada de
ingratidão também.

— Cruz, cruz bendita, eu te abraço como a maior prenda do meu Jesus.

A minha alma sente e dorme o sono do corpo na sepultura. Tudo é noite, tudo é morte, tudo é silêncio.
Podem bradar o que bradarem por ele, que ele não ouve. Mas a alma sofre com esta surdez, com esta
prisão de lábios, com este silêncio. Sofre, sofre, não sei dizer o que ela sofre. Quanto mais quero dizer,
menos sei, e menos ela sente. Que cegueira! Que cegueira! Sofro e não sei sofrer! Quero amar e não sei
amar!

— Ó morte destruidora do meu corpo e da minha alma! Ó morte, ó cruel morte, como eu te temo, e me
causas horror!

Jesus já está entregue dos ataques do demónio, que me pediu. As últimas duas reparações foram-me
pedidas em forma de cães. Que cenas dolorosas e tristes! Atormentou-me o espírito com várias
falsidades, mostrando-me o meu médico e pessoas, que estimo, de ventre aberto e cabeças degoladas.
Isto era para me mostrar que de nada valiam os meus sofrimentos e a renovação da oferta de vítima pela
minha Pátria. Sou inútil ao céu e inútil à humanidade.

Estou no horto, horto que se desfaz para o meu corpo em mantos de dor e da mais extrema agonia. E,
com todo este sofrimento, sinto as veias a rasgarem-se-me no meu corpo. Sinto-me morrer com o peso
da justiça divina. Estou por terra, e sob os meus lábios o cálice da amargura.

— Jesus, para Vós e para as almas o meu enorme sacrifício.

Não posso ditar mais nada.

23 de Novembro de 1945 – Sexta-feira

— Não posso falar, meu Jesus. O que hei-de eu fazer para cumprir a Vossa santíssima vontade? Dizer
alguma coisa do muito que me vai na alma, deste muito que já tão pouco sei dizer?

Se milhões de mundos houvesse, eu diria que todos caíram sobre mim, para me encobrirem toda a luz e
mais me mergulharem na cegueira do meu espírito. Não posso com mais escuridão. Não posso com mais
dor. Que enleios de sofrimentos! Não lhes vejo o princípio, o meio nem o fim: vêm-me de todos os lados,
estão enleados uns nos outros. Os açoites de hoje senti-os na alma e não no corpo. No caminho do
calvário, queria levantar-me depois de ter caído e não podia. Ainda com o joelho em terra, caía
novamente para a frente, ficando-me o rosto todo esfacelado e em sangue. E todos os sofrimentos, que
mais senti, foram na alma e não no corpo, dos sofrimentos que dizem respeito ao calvário. No meio da
tremenda agonia, o meu brado contínuo era escondido na cegueira do meu espírito. É indizível o meu
desfalecimento.

Jesus apressou-Se a vir confortar-me e apressou-Se também a retirar-Se de mim.

— Minha filha, amada minha, quando quiseres encontrar-me, entra dentro do teu coração. É nesta doce
morada que eu estou sempre. E como me encontras tu? Todo deliciado com as tuas virtudes, cheio de
glória e amor, daquele amor que tu dás às almas, daquele amor de que tu és incendiária. Fujo do mundo,
não posso habitar nele. Escondo-me no tabernáculo do teu puro e rico coração. Tem coragem! O teu
martírio sem igual é a minha maior consolação e alegria. É também reparação sem igual. A tua cegueira
e trevas de espírito são a luz mais luminosa para a cegueira das almas. Alegra-te com as palavras do teu
Jesus.
— Parece-me, sinto, meu Amor, que nada há que me alegre, que nada faço por Vós. Vejo-me tão sozinha
e sem saber o que hei-de fazer!

— Escuta, esposa minha. Todas as palavras das ofertas que me fizeste não foram deitadas ao vento:
aceitei-as todas. Fui eu que te inspirei, para que mas fizesses, e o Espírito Santo que te iluminou, pois
encontramos em ti uma generosidade sem igual. Não querias tu ser junto de mim como a lampadazinha
que se extinguia? Assim vai ser: vais-te extinguindo dia a dia. Não és só a lâmpada dos sacrários, és a
lâmpada do mundo, és a lâmpada dos tabernáculos das almas, és a sua luz e vida. És lâmpada que não
chega a apagar-se. No mesmo momento em que fores amortecida, acender-te-ás com novo brilho, com
nova vida, com a vida da eternidade. Filhinha, filhinha querida, as tuas forças não voltam mais. Vais ser,
momento a momento, a lampadazinha de que falei. As tuas falas aumentam de grandes sacrifícios, mas
nada temas, que a tua vida de amor, a tua vida de bem para as almas continua nos teus olhares, sorrisos
e doçuras até ao último momento. Que vida de encantos e maravilhas divinas! Quero que tomem nota da
minha contínua vida de acção divina na tua alma, rica e encantadora. Tem coragem! Deus não muda.
Coragem! Coragem! Não voltam atrás as minhas divinas palavras.

Jesus disse-me isto em tempo muito breve. Retirou-Se ou fez que Se retirou, e eu fiquei por algum
tempo com a alma mais forte, mas parada no meio da cegueira, sem ver ninguém, num lugar
desconhecido. Queria abraçar com toda a força a minha cruz, coberta de espinhos, e não posso, não
tenho força.

— Abraçai-a por mim, meu Jesus, e não permitais que eu deixe de Vos amar e deixe de amar as almas!

29 de Novembro de 1945

Tenho que desistir, não tenho forças, não posso falar para dizer os sentimentos da minha alma. E, agora
que o não posso fazer, apetece-me chorar.

— Meu Deus, que cegueira a do meu corpo e a da minha alma!

E, no meio desta noite tormentosa, sinto dores horrorosas. Sinto na alma e no corpo um tormento
inexplicável. Por maior que seja o meu esforço, nada digo, porque não sei. Não posso pensar que o meu
corpo há-de ser tocado ou poisar na minha cama ou por ele passar qualquer aragenzinha. Queria poder
sustentar-me no ar, onde nada pudesse tocar-me. Que tremendo horror! Ai, como tenho o corpo e a
alma feridos! Tenho nojo e medo da minha cama. Quantas vezes, de repente me apetece chamar-lhe
maldita e excomungada. Queria abandoná-la, não posso estar nela. Tenho medo, tenho medo!

— Sim, meu Jesus, quem há-de resistir a isto? Só Vós, só Vós. Oh! Se eu neste ponto soubesse dizer o
que sinto!

Tive um novo ataque do demónio, violento, mas pouco demorado. O coração estava aflitíssimo e o peito
ofegante. Ao ouvir as suas feias palavras, mais em espírito do que com os lábios, oferecia-me a Jesus e à
Mãezinha e pedia-Lhes para não pecar. Ao terminar da luta, fiquei aterrada na minha escuridão e no
receio de ter ofendido a Jesus. Não resistia, se Jesus não viesse. Ele apressou-Se a vir e disse-me:

— Não pecaste, não, amada filha. É à sombra da Eucaristia que a alma, louca de amor por mim, se
consola e delicia. É à sombra da tua pureza que o mundo se purificará. É da tua pureza que eu recebo a
reparação das suas maldades e crimes. Dá-me tudo, dá-me tudo o que te peço, para que as almas tudo
possam receber. Coragem, estou contigo.

Desisti, não posso. Vou a caminho do horto. Vejo todos os sofrimentos que lá me esperam. Tenho de
sofrer em silêncio sem um desabafo. No meio deste sofrimento não peço a Jesus o céu, mas lembro-Lho.
Fico em espírito por muito tempo a repetir:

— Jesus, o céu, o céu, o céu…


30 de Novembro de 1945 – Sexta-feira

Sei dizer que sofri e pouco mais. O meu calvário de hoje foi como um sarilho que em si enrola fortes
cordas. Enrolei-me no sofrimento e na mais tremenda cegueira. Montanhas, montanhas e mais
montanhas, que chegaram ao céu e o encobriram. Abafaram também os meus gemidos e os meus
brados: tudo era abandono. Mas, mesmo assim, sentia dentro de mim um coração, que se abria para
receber a pobre humanidade ingrata. Não posso falar, vou apenas dizer as palavras de Jesus. Ele veio ao
encontro da minha cegueira, tirou-me dela, suavizou a dor da minha alma e disse-me:

— Anda, minha filha, ao meu encontro, entra no palácio real, onde habito sempre, que é o teu coração.
Sim, escuta-me, estou aqui, mesmo quando o abandono não te deixa sentir-me, e com a cegueira do teu
espírito não consegues ver-me. Estou aqui, não te deixo. Vem, diz-me o que queres de mim, o que de
mim queres receber.

— Meu Jesus, quero o Vosso divino amor, a graça de levardes comigo a minha cruz e a realização das
Vossas divinas promessas.

— O meu amor já o possuis todo. Sou louco por ti, amo-te como nunca amei a nenhuma das minhas
esposas e vítimas. A tua cruz levo-a contigo, não temas, confia em mim. Auxilio a todos e como poderia
eu deixar de te auxiliar a ti, se o teu sofrimento atingiu toda a altura, e a tua generosidade é sem igual?

Quando Jesus falou dos sofrimentos, levantou ao alto as Suas divinas mãos, como que não pudesse subir
mais. E, quando falou de generosidade, abriu os braços e o peito, como quem deu tudo e não tem mais
que dar, e continuou:

— À realização das minhas promessas nada vai faltar. Não duvides, por mais que te pareça morreres. É
verdade que a lampadazinha se vai extinguindo, a luz vai baixando o seu clarão. Sim, filha, porque a tua
vida já é do céu, a vida da terra é quase só fingida. Mas, para continuares a viver, para o meu milagre
continuar a operar-se, vais receber mais três gotinhas do meu sangue, mas mais pequenas ainda.

E, como quem injecta, Jesus deixou cair sobre o meu coração, muito devagarinho e espaçosas, as três
gotinhas do Seu divino sangue, mas tão pequeninas que mal as via cair. Ao cair a última, Jesus veio logo
com Sua divina mão sobre o meu coração e disse-me:

— Pronto, pronto, não podes sentir a minha força. Sou médico divino, mas tenho de ter o cuidado do
médico humano, que, para não matar, aplica os remédios com brandura. Oh! Maravilhas divinas! Que
loucura de amor tenho por ti e que loucura tenho pelas almas! O que faço para as salvar! Vai em paz, flor
bela de Jesus, pastorinha do Pastor divino, confia, confia sempre.

1º de Dezembro de 1945 – Primeiro sábado

Depois da Sagrada Comunhão, principiou logo Jesus a suavizar a dor da minha alma e a dar-lhe um
bocadinho da Sua luz divina.

— Minha filha, estrela do mundo, luz que o ilumina, farol que o guia ao meu Divino Coração. Escuta,
alegria dos meus olhos divinos, aceita os meus divinos braços, abraça com eles a cruz que te dou, abraça-
a com as forças divinas, já que as forças humanas não as tens. É cruz de amor para ti. Na tua vida de
sofrimento está bem provado o amor com que te amo e o amor com que me amas a mim. Amo-te, tu
amas-me. És minha, és das almas. A cruz que te dou é a cruz da mais alto valor para elas. Coragem,
sempre firme nos braços do teu Jesus. O mundo fere tanto o meu Divino Coração! Suaviza a minha dor,
salva-me os pecadores, compra-os com esta cruz do mais elevado preço. O teu sofrimento não é igualado
a outro. Confia em mim, não temas vacilar. Dos teus olhos, dos teus sorrisos, da tua voz enfraquecida
caem encantos atraentes, sai abundância de amor, saem bálsamos suavíssimos para as chagas dos
pecadores. O mundo está nojento. Faz com os teus sofrimentos que os meus olhares divinos o possam
fitar.
— Jesus, sinto a força dos Vossos divinos braços, com a qual estreito a mim a cruz bendita que me
destes. Quero acudir ao mundo, mas primeiro que tudo quero suavizar a dor do Vosso Divino Coração.
Aqui me tendes, Jesus, com os meus desejos, com a minha boa vontade. Mais nada tenho, sou a mais
inútil e indigna das Vossas filhas. Se alguma coisa vedes de bom em mim, é Vossa, Jesus. Sofrei em mim
e por mim. Vencei neste pobre corpo e alma, sede a minha força.

— Minha filha, eu não te falto, não duvides. O céu vem, e bem depressa tudo se realizará. Dou-te o teu
Paizinho. Diz-lhe que o meu divino amor para ele é grande, tão grande como grande é o meu poder. Diz-
lhe que a luz e guia das minhas maravilhas, das minhas grandes coisas, tinham que assemelhar-se no
sofrimento a ti. Tirei dele grande proveito para as almas e grande glória para mim. Diz-lhe, Jesus lho
afirma: será o mestre das grandes almas, das almas abrasadas de amor por mim. Diz ao teu médico,
minha filha, que lhe dou por ti o meu Coração, cheio de amor, como penhor do meu agradecimento, por
cuidar da minha causa, amparar teu corpo e alma. A minha bênção para ele e todos os que lhe são caros.
Não posso exigir de ti o esforço de ditares mais. É grande violência. Quero que ele, ou alguém que saiba,
o faça apenas para se conhecer a minha acção divina na tua alma. Que façam um apanhado de algum
sentimento, que sem esforço e até distraída fores dizendo, e de algumas palavras que eu for dizendo para
encorajar-te e confortar-te. Que apanhem tudo, enquanto alguma coisa sabes dizer. Quando vier o teu
Paizinho, aumentará o teu martírio por não saberes dizer a dor que sentes. A tua cegueira fará, por assim
dizer, uma cegueira total. Tem coragem! No meio das tuas trevas está sempre o teu Jesus. Minha Mãe
bendita, toma em teus santíssimos braços a nossa filhinha, dá-lhe o conforto do céu, já que o da terra
todo lho tiraram. Estreita-a agora em teu Coração até que breve a possas estreitar no céu.

A Mãezinha abraçou-me, aqueceu-me com o calor do Seu amor. Uniu a mim o Seu santíssimo rosto,
beijou-me e por último abraçou-me com Jesus.

— Vai em paz, minha filha, leva o amor do teu e meu Jesus. Vai semeá-Lo, vai dá-Lo aos que te são
queridos; vai dá-Lo ao mundo inteiro. Semeia, minha filha, as nossas graças – disse Jesus – semeia aqui
na terra, para, dentro em pouco, a mesma sementeira continuares no céu.

7 de Dezembro de 1945 – Sexta-feira

Jesus e a Mãezinha me abençoem mais este sacrifício, que vou fazer, em ditar algumas palavras. Que
Eles sejam a minha força. Que tremendo é o sofrimento da minha alma e do meu corpo! Temo morrer e
já temo não morrer. Temo morrer sem que me seja dado o meu Pai espiritual. E já temo não morrer
depois de ele vir junto de mim. Falo do corpo e falo da alma, mas parece-me que nem a um nem a outra
tenho. No lugar do corpo ficaram as dores físicas, e no da alma as dores morais. Sinto serem estas que
ocupam os seus lugares. Ai de mim, não sei dizer o que se passa. Para onde foi o meu corpo? Para onde
foi a minha alma? Eu queria-os e não os tenho. Parece que não os possuo nem nunca os possuí. A minha
cama, a minha cama! Não posso estar nela. Que medo eu tenho! Quero abandoná-la e desaparecer.
Apetece-me dizer a Jesus que não quero sofrer.

Que tentação do demónio contra a fé! O céu não existe, não há Deus, não há almas a salvar, de nada vale
sofrer assim! Não sei dizer as minhas amarguras. Sinto que ninguém me compreende. Todos me
desprezam, e as humilhações esmagam-me. A cegueira do meu espírito cegou-me por completo.

— Ó trevas, negras trevas que me matastes! Ó meu Jesus, tinha tanto que dizer e não sei e não posso
falar. Quero gritar, quero chorar. Não há quem se comova das minhas lágrimas.

O horto de ontem foi tão duro ao meu coração! A terra, onde eu estava prostrada com Jesus, eram só
espinhos. E eu não podia ver Jesus prostrado sobre eles. Era um banho de sangue para mim e para Ele.
Vi-O no meio de tanto sofrimento, de rosto tão sereno, a oferecer ao Pai, repetidas vezes, o cálice da
amargura.

E o calvário de hoje? Eu era como que uma bola que rolava de cima a baixo e de baixo a cima pelo meio
dos sofrimentos. Era a bola de entretimento dos algozes. Descia, quando pelo furor era arrastada. Subia,
quando a violência me fazia subir. E sobretudo o amor, sim, esse me obrigava a caminhar. No calvário
senti a Jesus de tanta forma! Primeiro, de braços abertos, ouvindo os ossos a estalarem, deslocando-se
dos seus lugares. Depois, de cabeça inclinada sobre o meu coração a agonizar e a bradar, quase sem vida.
Por último, senti-O depois de ter expirado. E isso, o silêncio da morte, é que condizia com a morte e
cegueira do meu espírito. Veio Jesus. O sol rompeu um pouco por entre as nuvens, a alma viveu.

— Minha filha, os cravos que te prendem à cruz são cravos de amor. É o que há de mais forte, são cravos
inquebráveis. Anima-te, encoraja-te. Esmaga-te o peso da justiça divina? Não temas: é para não ser
esmagado o mundo e esmagado para sempre. Nada vês com as trevas e cegueira do teu espírito? Alegra-
te: é para as almas saírem da cegueira do pecado e não viverem nela eternamente. No céu verás, filha
querida do meu Divino Coração, quanto os teus sofrimentos foram úteis para as almas. No céu verás, e
dentro em breve, a vida maravilhosa, a vida mais rica, a vida mais divina que viveu em ti. Operei em tua
alma o que há de mais encantador. Vivi eu, viveu o céu, e não tu, e não a terra. a tua vida foi sempre do
céu e não do mundo. Por ti velei, em ti semeei, em ti colhi os frutos mais deliciosos para e para as almas.
Ó vida toda de amor! Coragem, flor bela, flor mais rica, que a terra encerra! Ó perfume, ó perfume! Ó
encantos, ó encantos!

— Não digais mais, meu Jesus. Só se quereis aumentar mais a minha dor. A minha miséria envergonha-
me. Vede que não resisto. Olhai para a dor do meu pobre coração e lançai sobre mim o Vosso olhar de
compaixão. Os meus ouvidos não podem ouvir coisas tão lindas, depois de me sentir tão miserável.

— Eu posso dizer, posso clamar bem alto, tenho os meus direitos: a tua generosidade e o teu amor assim
o exigem. Posso chamar-te os nomes mais belos, dizer-te as palavras mais encantadoras e digo. Dou-te
todos os títulos, tens o lugar de honra em meu Coração. És a chave de oiro, que tudo abre e tudo fecha.
És poderosa, poderosa, a alma mais poderosa. Olha o mundo: salva-mo! Bem depressa, no céu, poderás
ver todas as almas, a sua vida, o perigo em que vivem. Quando te forem recomendadas, dá-me por elas
um sorriso, um olhar e diz-me: “Jesus, são para salvar”. Isso basta. E, mesmo que não tas recomende,
vendo-as em perigo, lembra-mas.

— Ó meu Jesus, então vou lembrar-Vo-las todas, pois a todas quero salvar, e Vós ainda muito mais.

— Lembra, lembra, filhinha, tens os teus direitos. Vai ser muito pequenino o número das que se vão
perder, só mesmo aquelas que não quiserem salvar-se. Vou, depois de amanhã, pedir-te alguns ataques
do demónio. Não tos pedi nestes dias por ser a novena da tua querida Mãezinha. Ela ama-te, tu ama-La.
Não mos negas, não? Vou pedir-tos pelos sacerdotes, que tanto me ofendem, pelas famílias, pelo mundo.
E continua a dar, alegre, por ele o teu sangue. É teu, é meu. Ó maravilha! O Sangue de Cristo Redentor
unido, transformado no da nova redentora! Ó resgate, ó redenção contínua! Vai, filhinha, tem coragem,
nada temas. Tenho poder para romper todas as nuvens e vou fazê-lo, hei-de vencer os corações. Os
homens nada podem contra o poder divino, são apenas estorvos à Sua luz, à Sua causa.

14 de Dezembro de 1945 – Sexta-feira

Para reparar o mal que fiz, para provar que obedeço a quem tem direito de me mandar, vou ainda fazer
mais um sacrifício, ditando, embora alternadamente, o que me vai na alma. Custe o que custar, Jesus
será a minha força, para eu dizer alguma coisa. Quanto se sofre e como se sofre! Tenho sofrido tanto,
mas não com a perfeição com que devia sofrer. Que pena eu tenho!

O demónio tem procurado todos os meios para fazer-me perder e desgostar o meu Jesus. Fui por ele
assaltada três vezes fortemente. No primeiro ataque, atormentou-me em forma de cão. Nos outros dois,
em forma de homem. Que gestos feios, que feias coisas ele me disse! Houve um pequeno intervalo, dum
ao outro ataque. Foi de madrugada. Cansada de combater, fiquei com uma tristeza mortal e com duas
vergonhas ao mesmo tempo: a corporal e a espiritual. De cabeça baixa, não podia levantar os olhos para
Jesus. E a alma não podia aguentar-se na Sua divina presença. Nunca tal vergonha tinha sentido. E
tinha, dentro de poucas horas, de comungar. Mas, no momento da comunhão, a vergonha desapareceu,
e pude em paz receber Jesus. Eu repeti-Lhe, ao terminar da luta, o que muitas vezes Lhe tenho dito: que
antes queria o inferno, naquele momento, do que ofendê-Lo.

— Pecar, não, pecar, não, Jesus.

Mas o maldito afirma que eu tenho pecado e que de mim haviam de sair muitos descendentes do
demónio.

O dia oito, o dia da Mãezinha, foi da maior escuridão e tristeza profunda. Queria amá-La, consolá-La,
falar com Ela, dizer-Lhe muitas coisas e não sabia. Que vida perdida, de vez em quando, me sugeria o
demónio! E, logo no dia seguinte, quando me atormentou fortemente, dizia-me:

— Não és amada por Maria. Se o fosses, Ela não deixava passar o dia de ontem sem te consolar e não te
deixava sofrer mais.

Isto avivava fortemente a minha dor. Há dias em que mal podia resistir com as ânsias de ter junto de mi
o meu Pai espiritual. Se sempre tenho sentido a união das nossas almas, agora muito mais ainda. Não
são coisas da imaginação, é a alma que o vê, que o sente, como se viesse voando de longe para junto do
meu leito. E, por vezes, em espírito falava com ele, desabafava dolorosos sofrimentos, que nestes quatro
anos de separação feriram profundamente o meu coração e a minha alma. Quando reflectia que eram
com ele estes desabafos, a custo resistia à dor.

— Meu Deus, o que será isto? Será para mo deixarem vir agora junto de mim?

E assim ia vivendo nisto. Chegou o dia dez. Pelas nove e meia da manhã, tive alguém amigo, que veio
visitar-me e deu-me a triste notícia de que o meu Pai espiritual sairia para o estrangeiro, mas sem saber
a certeza se sim ou não a novidade tinha fundamento. Ao ouvir isto, fiquei como se um punhal agudo me
atravessasse o coração e me tirasse a vida. Fiquei calma, serena e confiada e disse:

— Não me convenço, não pode ser, não pode ser, não pode ser! Nosso Senhor não falta ao que promete.
Se isso assim fosse, seria o bastante para eu desesperar.

Foram poucos os momentos desta tranquilidade: uma tempestade fortíssima se levantou em meu
espírito. O demónio trazia-me à imaginação quanto havia. Via a minha vida enganosa e cheia de ilusões.
Enganosa, porque me parecia ter enganado, mas nunca procurava enganar os outros. E, nesta angústia,
ouvia uma voz que me segredava: “não, não, não vai, confia!” Até aqui mandaram os homens, mas agora
mando eu. A alma via uma mão como que a impedir a sua saída e a acalmar tudo. Mas a tempestade
furiosa, a cegueira tremenda do meu espírito tudo fizeram desaparecer. Seria o demónio a enganar-me?
E continuaram as mesmas dúvidas, o mesmo tormento. A minha cabeça parecia transformar-se em
água. Não podia mais. É indizível o meu sofrimento, estava no auge. Chorei muitas lágrimas, mas
lágrimas resignadas. Oferecia-me a Jesus como vítima. Umas vezes com os lábios, outras em espírito.
Rezava o Magnificat em acção de graças por tanto sofrer e dizia:

— Louvado seja o Senhor! Bendito seja o Senhor!

E, quando isto dizia, o meu coração vibrava de entusiasmo, pois o seu único fim era que Jesus fosse
bendito e louvado. De noite, nos momentos em que tive sono, ao despertar, sentia o coração tão
vivamente ferido e perguntava a mim mesma:

— O que é esta dor? O que é que me fere?

E, no mesmo momento, principiava a tempestade, relembrava tudo.

— Jesus, sou a Vossa vítima!


Na comunhão do dia onze, queria perguntar a Jesus se sim ou não era verdade o que se dizia da saída do
meu Pai espiritual. Não me atrevi.

— Jesus, quero fazer só aquilo que é mais perfeito. Fazei que a minha confiança em Vós suba, suba, suba,
vá tão longe quanto pode ir.

Ao fazer as vinte e quatro horas deste martírio, disse:

— Jesus, vinte e quatro horas de agonia, e sem ter uma luz! Dai-me, dai-me quem me console!

Lágrimas, oferta de vítima, magnificat, louvores ao Senhor, era o meu entretimento de todas as horas.
Mas ai! Em quantas me parecia vacilar, desesperar! Por grande espaço de tempo, repetia sempre:

— Jesus, Mãezinha, tende dó, valei, valei à Vossa pobrezinha!

Ao fazer as quarenta e oito horas, disse:

— Jesus, sabeis bem que toda esta minha preocupação, todo este martírio são por Vós, pelas almas, não
por mim. Passasse eu pelo que passasse, mas não sofresse a Vossa divina causa, não sofressem as almas.
Vede o bom nome dos que me são queridos, vede o que têm feito por mim. Se eu tivesse que vender e
fosse possível eu poder pagar-lhes, não só o valor material, mas as canseiras, os carinhos, o amor que me
foi dispensado, já ficava satisfeita. Ai, se ao menos as minhas pobre orações fossem valiosas! Jesus,
Jesus, aceitai tudo isto, para que o meu Paizinho seja libertado, dado à minha alma, dado às almas.
Jesus, Jesus, não me deixeis vacilar! Ai de mim, não tenho ninguém, não tenho luz, não há quem me
console! Jesus, mandai-me alguém, para conforto da minha alma.

Eu pedia a consolação não para alegria minha, mas sim para vencer sem desgostar a Jesus.

— Ó sofrimento insuportável!

Sentia e via, apesar da minha negra cegueira, que nada faltava para eu desesperar. Os pratos da balança
estavam certos um com o outro. O mais pequenino sopro bastava para o do desespero baixar. Que
horror, que pavor! Veio o meu médico, vieram algumas pessoas amigas, bem esperava conforto, mas não
o tive. Jesus não o permitiu. Ainda me atormentou mais a lembrança de que as minhas lágrimas, ou
qualquer palavra, os edificasse mal ou talvez os escandalizasse. Apesar de me parecer na balança vencer
o prato do desespero, as lágrimas foram sempre resignadas. Eu não duvidava de Jesus, mas sim de mim.
Temia ter-me enganado. Não desconfiava de Jesus, mas sim de mim, só de mim. Era a mim que eu
temia e temo. Logo que os tenha junto de mim, vou-lhes pedir perdão pelo mau exemplo que dei. Para
provar que foi a minha dor que falou e não eu, aqui estou a fazer este sacrifício, pois disse que não
obedecia mais, que não ditava, para assim morrer a minha vida. Foi a dor, foi o temor de mim mesma a
causa de tudo isto.

— Perdoai-me, meu Jesus. Bem sabeis que por mim não me importa voltar a ver aqui na terra o meu Pai
espiritual para gosto meu, mas, ó Jesus, sois Vós, são as Vossas promessas, são as almas. Mas eu confio e
espero em Vós.

Neste triste penar, passei pelo horto, subi o calvário com o coração oprimido, apertadíssimo por mãos
humanas. Eu era o grãozinho de trigo moído, transformado em farinha, mas essa farinha continuava a
ser moída, moída, até desaparecer. Eu era o cachinho de uvas, apertado entre a prensa, e, depois de ter
dado todo o sumo, até esse tinha para ele novas prensas, que o faziam dar tudo até extinguir-se. Estava
no calvário, ligadíssima à cruz. Sentia na cabeça os espinhos tão agudos que pareciam até chegar à
garganta. O abandono de tudo e de todos, um clamor contínuo: meu Deus, meu Deus! A minha alma via
a balança e o perigo em que estava. Queria Jesus e tinha medo de Jesus. Temia que Ele estivesse triste
comigo. Queria-O para confortar-me. Temia desesperar. Ele veio de encontro à minha agonia.
— Sossega, sossega, sossega, minha filha. O que temes tu? Não sou eu teu Pai, teu Esposo e teu Rei? O
que pode temer a filha de seu Pai, a esposa de seu Esposo, a rainha de seu Rei, se se amam com amor
leal, com amor puro, com amor igual ao amor com que nos amamos? Eu amo-te com todo o amor, tu
amas-me com todo o amor que te é possível. Sossega, sossega, não me temas. Diz-me, esposa amada,
quero ouvir a tua voz. Responde-me, diz-me a causa do teu temor.

— Bem o sabeis, meu Jesus. Tenho medo de Vos ter ofendido e de não ter sofrido com a perfeição que
desejais.

- Sossega, sossega, conheci bem a causa das tuas lágrimas. Quero que penses mais nas minhas palavras.
Diz-me: não confias em mim? Não confias nas minhas divinas promessas?

— Sabeis bem que confio, Jesus, e, se mais não me lembro delas, Vós assim o permitis. Confio no que me
dizeis, mas não confio em mim nada, nada, e temo ter me enganado.

— Não te enganaste, não te enganas, minha filha. Poderia eu deixar-te enganar-te, tu que há tanto tempo
tens tido uma vida de dor, de generosidade e amor? Não, não, sossega. Dou-te o teu Paizinho, não falto
às minhas promessas. Dou-te o céu em breve, muito em breve. Estás no último degrau do sofrimento e
dele passarás ao céu. Não terás luz, não terás conforto, não tos dará o teu Paizinho, o suficiente para
viveres? Ó vida maravilhosa, ó vida semelhante à minha! Também eu clamei, como tu tens clamado
muitas vezes: “meu Deus, meu Deus!” E, como tu, também não recebi conforto. É verdade, minha
crucificada, que o teu sofrimento é inigualável, chegou ao auge, nada faltava para seres lançada ao
desespero. Pus no prato da vitória a minha divina mão. Podes contar com ela e com que a agonia chegue
ao seu auge. Tem coragem! O mundo necessita de todo o martírio, está em perigo. Salva-o! Salva-o!
Deste mar de dor, deste mar de sangue, levantam-se estrelas cintilantes, pétalas perfumadas das flores
mais belas a espalharem-se pelo mundo. As estrelas dão-lhe luz, as pétalas perfumadas vão com o seu
aroma cicatrizar as feridas das almas. É a tua missão, é missão salvadora. Olha a violência da dor como
arranca, como espalha pelo mundo essas formosas pétalas. Têm mais força, vão mais ao longe do que as
folhas das árvores, arrancadas pelo furor dos ventos, pelos horrores das tempestades.

Vi Jesus com a Sua divina mão a tirar dum abismo de sangue essas pétalas e estrelas,, a espalhá-las, a
fazê-las voar. Pareciam chegar aos confins do mundo. Jesus, muito sorridente, semeava-as com canseira.

— Olha o fruto da tua dor, olha o tem amor a Jesus e às almas. Tem coragem! Vai em paz!

Após uns breves momentos, senti-me mergulhada nos mesmos sofrimentos e a alma revestida da
tremenda cegueira. Vou repetindo muitas vezes:

— Meu Deus! Meu Deus! A Vós me entrego, sou a Vossa vítima. Não quero nem posso ter uma palavra
de censura contra os que me fazem sofrer. Não me esqueço de orar por todos e agradeço a Jesus por
tanto ter que me dar.

19 de Dezembro de 1945

Se eu estivesse no fim da minha vida, queria que a minha primeira palavra fosse: “faça-se a Vossa
vontade!” Depois, como um rasto de sangue que alastrasse pelo mundo todo, queria repetir com toda a
força possível: “amai, amai, amai a Jesus!” Não sei o que me vai na alma. é uma mistura de cegueira e de
ânsias de salvar o mundo…

Ontem e anteontem, não perdi o sangue. O dia de ontem foi de sofrimento. Sofri muito por não perder
esse sangue, que não é meu, que é a vida de tudo, pois Jesus mo disse que é um resgate contínuo. Se o
perco, é o medo horroroso de morrer com o medo de que se não cumpram as promessas de Jesus. A
alma, numa aflição indizível, quer dar sangue, sangue pelas almas. Hoje, voltei a dar esse sangue, mas
acompanha-me neste sofrimento o pensamento de que hoje dou o sangue, mas amanhã não voltará a
derramar-se. Jesus vem muita vez a consolar-me acerca do Paizinho.
— Sou Jesus, sou Jesus, confia. Dou-to, mando eu!

Veio neste dia o inimigo e deixou-me um descaramento que me deixava insensível diante de Jesus.
Quanto sofri pelo meu descaramento!

Noto que, quando tudo parece ruir, a minha alma fica como um mar sem ondas… Costumo pedir a Jesus
e à Mãezinha que cada momento seja como o último da minha vida. Hoje, a certa altura, senti uma
consolação que me não dá alegria e vejo que Jesus então fica muito satisfeito por ver a minha disposição
interior de que nada me entristecem as coisas deste mundo. Se Jesus me tirasse o sofrimento, antes
queria o inferno até ao fim do mundo, porque vejo que o sofrimento é vida das almas. Não posso
suportar este nada que eu sou diante de Nosso Senhor. Além do meu sofrimento, que é a minha vida,
sinto em mim como que uma voz poderosa que chega até ao fim do mundo e que clama com um eco, que
se não mede; clama amor e chama a humanidade a converter-se.

N.B. – Os sentimentos do dia dezanove foram recolhidos pelo sr. P. Humberto, em conversa com a
Serva de Deus.

21 de Dezembro de 1945 – Sexta-feira

Horas de alívio, momentos mais felizes para melhor poder levar a pesada cruz e aguentar com o
aumento do seu peso.

Tive junto de mim quem bem compreende a minha alma. Pude abrir-me, pude desabafar. Não foi gozar,
mas senti-me outra, era mais forte. Parecia-me ter um coração novo, com mais vida. Não sabia como
agradecer ao Senhor. Rezei o magnificat, esforcei-me por Lhe dar louvores. Ao cabo de poucas horas,
tudo estava modificado.

Voltei a não ser eu, voltei às minhas trevas, à minha negra cegueira. Voltei aos meus horrores, horrores
mesmo à minha cama, ao meu sofrer. Veio a hora de eu comungar. Jesus veio fortalecer-me. No fim de
Lhe dar graças, novo punhal veio cravar-se na mesma ferida que o coração já tinha. Uma carta, vinda de
quem não conheço, veio pedir-me orações em favor do meu Pai espiritual e anunciar-me a sua ida para o
Brasil. É de estremecer e o sangue gelar nas veias. É impossível dizer a dor do coração, mas nesta hora
não chorei, estava a agonizar, mas uma força, vinda não sei de onde, obrigava-me a sorrir. Fitei meus
olhos em Jesus e na Mãezinha e disse-Lhes:

— Aceito, aceito, mas amparai-me, velai por mim.

No decorrer das horas, a tempestade levantou-se fortíssima. A alma manteve-se em grande serenidade e
paz, mas as lágrimas deslizaram-me na face. Ia-as oferecendo a Jesus como actos de amor. Dizia-Lhe
que aceitava e confiava e que Ele fosse bendito na terra e no céu. De novo rezei o magnificat e deixei
crucificar-me mais fortemente na cruz.

Veio o demónio com um forte ataque. Aumentou o desfalecimento, e de novo a querer vencer a balança
do mal. Parecia-me que estava toda revestida do demónio e toda presa por ele. Acudiu-me Jesus.

— Minha amada filha, a cada pancada fortíssima do teu coração, tão enfraquecido e consumido pela dor,
são arrancadas as almas para sempre das garras de Satanás, saem da cegueira para a luz, do pecado para
uma eternidade feliz, para o céu. Vê o valor da tua reparação. Confias em mim? Tem coragem! Não me
ofendes. Eu te ajudo a levantar e a caminhar com a cruz.

Jesus levantou-se com as Suas benditas mãos e levantou também a cruz, que de novo ficou sobre os
meus ombros. Foi Jesus que me levou à minha posição. Libertada do demónio, continuei na mesma
cegueira e dor. Dentro de mim apareceu o horto. Temia-o tanto, tanto! Via os sofrimentos a esperarem-
me e as ciladas armadas. Sentia no meu coração outro coração amarguradíssimo, e nos meus lábios
outros lábios, que a toda a amargura sorriam com a maior doçura. Hoje, apresentou-se-me o calvário,
tão alto, tão alto, parecia subir às nuvens. Desfalecida, não podia dar um passo sem sentir as carnes a
desfazerem-se, os nervos a destruírem-se. No subir deste calvário, oh! quantos espinhos vieram ferir-
me! Reguei-o com muitas lágrimas dolorosas, mas resignadas.

— Jesus, Jesus, ai quem me acode! Se não me valeis Vós, quem poderá valer-me?

Bendito, bendito e louvado seja o Senhor! A tempestade pavorosa acompanhou-me sempre. Tombou-se
a barquinha nos mundos, nos mares das minhas trevas. Entregue à horrorosa cegueira, não consegui
salvar-me nem voltar para dentro dela. Sentia-a junto de mim, mas não tinha força para me prender a
ela. Eu não tinha corpo, era apenas um pouco de espuma do mar. Dos profundos abismos da minha
cegueira, clamei fortemente ao Senhor. Clamei, mas não fui ouvida. Queria dar-Lhe, mas (6463-página
4112) não tinha quê, pois não era eu quem sofria.

— Ó agonia, ó abandono, ó escuridão!

Não vinha um conforto do céu. Jesus não aparecia. De repente, a minha alma vê-O a ser descido da cruz,
cruz que estava dentro de mim. A santíssima cabeça pendurada, um braço já estendido e a Mãezinha já
sentada ao pé da cruz, de braços abertos para O receber. Mas ai, quanto isto me custou! Estremeci,
parecia-me sentir o corpo de Jesus sem vida, frio e gelado. Eu ia com este Jesus e morta também. Mas
ainda cheguei a ver a Mãezinha cuidar d’Ele, a limpar-Lhe o sangue e o pó. Que dor, que agonia! Falou
Jesus:

— Filha amada do meu Coração, demorei a falar, mas não tardei em vir, porque habito sempre em teu
coração, sem interrupção de um só momento. Ó maravilha, ó maravilha! O Artista Divino continua a Sua
obra em tua alma. O Jardineiro celeste não cessa de colher as mais viçosas flores neste jardim, neste
terreno por Ele preparado. Demorei-me a falar-te, para fazer-te participar da dor de minha Bendita Mãe,
ao receber nos Seus braços o meu corpo frio e inerte, e para provar-te que, assim como Ela compartilhou
da minha divina paixão, velou, cuidou de mim, assim compartilha da tua vela e cuida de ti. É a mesma
redenção a seguir, é o mesmo mundo a salvar. Ó maravilhas, ó maravilhas sem igual! Não te preocupes,
minha filha, com o teu desaparecimento. Sentes desaparecer todo o teu ser, só brilhar a tua miséria, para
só eu aparecer e brilhar a minha grandeza. Não te importes ser apenas um pouco de espuma do mar. A
tua vida já não existe, é só Cristo transformado na Sua vítima, é a vítima transformada em Cristo. Nada
temas com o virar da barquinha. Nada temas da tua cegueira. Apesar de tombada e a lutares na ta
escuridão, não permiti separares-te dela: é sinal de salvação. Escuta-me atentamente. Tem coragem. As
minhas palavras não faltam, são firmes, mais firmes que um rochedo indestrutível. Não há mãos
humanas que possam abalá-lo.

Vi Jesus, que era esse rochedo, e via-O todo rodeado por quem, a todo o custo, O queria despedaçar e
destruir. E Jesus, com Suas divinas mãos, fazia como quem abana uma árvore e dizia:

— Vê como estou firme, ninguém pode destruir a minha divina obra, aquilo que é meu. Tem coragem,
tem coragem! A dor é o selo real. A tua dor é amor, a tua cegueira é luz: amor que incendeia os corações,
luz que ilumina as almas. O mundo é teu e está em perigo. Eu tiro do teu corpo, da tua dor sem igual, de
todos os espinhos que te ferem, flores belas, flores puras, flores cândidas, para colocar na minha
sacrossanta cabeça, no lugar dos espinhos que o mundo me colocou e continua a colocar.

A minha alma viu a coroa de espinhos de Jesus, transformada em lindas rosas.

— Meu Jesus, ver-Vos no gozo e na alegria, ver-Vos louvado, glorificado e adornado com as mais belas
flores são os meus desejos. E, para isso, que eu viva sempre na dor, não me importa. Mas olhai, meu
Jesus, não me deixeis enganar. Eu temo-me a mim mesma. Parece-me que tudo está perdido, parece-me
que todo o meu viver tem sido uma completa ilusão.
— Escuta, sossega, vale tudo a palavra afirmativa do teu Jesus. Não te enganaste, não te enganas. Podes
contar com o teu Paizinho. Dou-to, dou-to para a tua alma. É grande a malícia dos homens. São dignos
que eu me envergonhe de os ter por meus discípulos. Foram punidos, serão punidos. Fazem
escandalizar, fazem grande mal às almas. Haverá entre eles grande revolta. Hão-de sentir o peso da mão
vingadora da justiça divina. É grande a responsabilidade daqueles que mais a sério tinham de ver, de
tratar e cuidar daquilo que é meu. Hei-de pedir-lhes graves contas.

— Isso não, isso não, meu Jesus. Peço-Vo-lo pela Vossa cruz. Não castigueis, não lhes peçais contas.
Fazei que entre todos reine a Vossa paz, reine o Vosso amor. E não Vos queixeis mais, meu Jesus. E
permiti-me que eu oculte os Vossos queixumes.

— É bela, é encantadora, é grande como Deus a tua caridade, minha filha, porque é a caridade do mesmo
Deus. Tudo isso me alegra e consola, mas têm de ser punidos. E já com isto são castigados: diz tudo,
tudo; tudo quero saído, ditado pelos teus lábios. Serei contigo, para te dar força e para venceres todo o
sacrifício. E, para te iluminar, terás toda a luz do Espírito Santo. E todas as outras coisas ficarão para
quem em pouco te compreende. Não quero violentar-te. Daquilo que eu queira só dito por ti previno-te.
Tem coragem! Para ti o meu castigo será de amor.

— Dizei-me, meu Jesus, o meu Paizinho sempre sai para fora de Portugal? Perdoai-me o meu
atrevimento. Bem sabeis quanto me custa.

Jesus sorriu e demorou um pouco no Seu sorriso a dar-me a resposta.

— A nova pátria dele será a Pátria celeste, quando eu o permitir. Vou pedir-te mais ataques do demónio.
Repara-me, é remédio para as almas, é bálsamo para as feridas dos pecadores. Nada temas, não me
ofendes. Virei com a minha Bendita Mãe acalentar-te, aquecer-te ao calor do nosso amor. Vai em paz.

— Obrigada, obrigada, meu Jesus! Ai de mim! A tempestade não cessa. Ai tantos sofrimentos! Ai tanta
cegueira! Oh! como estou esmagada com o peso da minha cruz!

28 de Dezembro de 1945

Nem um guia, nem um raiozinho de luz! Tenho um medo de morte da minha escuridão. Não sei dizer,
não posso explicar, parece-me que os meus dias findaram na terra, que perdi toda a vida humana.

Foi no dia vinte e quatro que principiei a sentir-me assim. É esta reparação, este estado de alma com as
minhas trevas, com esta negra cegueira que me faz sentir que todas as almas e todo o mundo vivem nas
mesmas trevas e na mesma cegueira de espírito. Não sei o que é, desapareci e fiquei. Esta vida, que
perdi, foi ressuscitar não sei onde e lá continua numa sede ardente de salvar o mundo. Sinto que desse
lugar, onde foi a ressuscitar, vem uma ligação para a terra, uma ligação para a dor, que dá força à mesma
dor, faz companhia na terra. Não compreendo. Foi e ficou, findaram os dias e continuam os dias.

Noite de Natal! Ao nascer Jesus, disse-Lhe muitas coisas, sem saber dizer-Lhe nada. Pedi-Lhe muitas
graças, muita luz, sem nada sentir, receber nem ver. Acompanhei-O no presépio sem ter vida, sem ter
nada para poder fazer-Lhe companhia. Entreguei-me assim ceguinha ao Seu Coraçãozinho e bracinhos
pequeninos. De manhã, ao recebê-Lo, tive com Ele os meus desabafos. Fiz-Lhe a entrega do meu Pai
espiritual, mas queria as Suas promessas realizadas e que toda a minha preocupação era por ele, pelas
almas e pelos que me eram queridos. Se fosse só eu a ser humilhada, nada me afligia. Nesta oferta o
coração retalhava-se de mais viva dor. Disse-me Jesus:

— Sossega, tranquiliza-te, minha filha. Eu aceitei a tua oferta e com ela consolaste e alegraste o meu
Divino Coração. Aceitei, mas não quero ter sacrifício. Cumprem-se as minhas divinas promessas. Confia,
manda agora Jesus, governa agora Jesus. Que fazem os homens sem mim? Confia, tesoureira de Jesus,
sofre dos meus tesouros divinos. Confia neste coração que te ama. Recebe o fogo deste coração, louco de
amor por ti. Recebe-o a transbordar e dá-o aos que tu amas, dá-lho, são mimos do céu, são mimos que
lhes dou por ti. Enche-os do amor e dá-o ao mundo, que é teu.

O demónio rodeia-me, põe-se à minha frente como cão raivoso que quer morder-me. Lutei, combati com
ele por duas vezes. Era para morrer, se Jesus não desse a vida ao meu pobre coração, que à força de
tanto bater ficava de todo desfalecido. Ao último combate, veio Jesus, deitou-me os Seus divinos braços
como para levantar-me.

— Sossega, minha filha, tu não pecaste. Confia que é reparação que te peço e em ponto tão delicado que
são raras as almas a quem lha posso pedir.

Veio a Mãezinha, fiquei entre os Seus braços e os de Jesus e por Um e Outra bafejada e docemente
acalentada.

— Coragem, ó esposa de Jesus. Desagrava os nossos corações e confia que por ti velamos e por ti somos
consolados.

Logo que me vi sem Jesus e sem a Mãezinha, a minha dor, amargura da minha alma eram insuportáveis.
Que quadro tristíssimo da minha vida se representa à minha frente! A bradar repetidas vezes, a pedir o
auxílio do céu, passei pelo horto e lá, com Jesus a agonizar, vi os apóstolos reunidos, a dormirem
despreocupados. Jesus, cheio de doçura e mansidão, a chamá-los para o grande acontecimento, para a
prisão. Se o mundo pudesse ver tudo isto! Passei depois ao calvário, depois de ter estado à coluna e o
meu corpo com o de Jesus cruelmente açoitado. Subi a montanha. Maior, muito maior que a fúria dos
algozes. Era a força do amor que me arrastava. Não olhando à carne, que, desfeita, ficava por entre as
pedras em todo o percurso da jornada. No alto da cruz, entre dor e trevas, sentia a tal ligação, de que
acima falei. Vinha não sei de onde aquela vida compartilhar a dor, vencer a dor. Era só isso, pois meu já
não era o corpo, minha já não era a vida. Depois de muito sofrer, atemorizada com tanta escuridão, veio
Jesus. Veio, e tudo serenou.

— Minha filha, escolhi-te para a dor, escolhi-te para o amor. A dor é o selo real, a dor é a chave de oiro
que abre os corações dos pecadores mais empedernidos. A dor vence e condu-los ao meu coração. A dor
é o bálsamo que cura as suas feridas. Quem sofre bem ama-me com o maior amor. É por isso que te
escolhi para a dor e para o amor. Sofres com a maior perfeição, amas-me com o amor mais puro e
elevado. És a mestra e rainha da dor e do amor. O mundo em ti aprenderá. E que belas lições, que lições
de maravilhas e prodígios, que lições divinas por recebem, logo que a tua vida seja conhecida!

— Meu Jesus, que confusão a minha! Eu não sei sofrer, eu não sei amar-Vos. Vede como estou
envergonhada. O meu maior anseio é consolar-Vos e dar-Vos almas. Mas ai, pobre de mim! Mergulhada
em trevas, sou só miséria e nada mais. Oh! como eu temo a minha fraqueza!

— Minha filha, esposa amada, canteiro mimoso, donde brotam as mais belas flores. Sossega, ainda não
ouviste dos meus divinos lábios dizer-te que não sofrias bem. O teu temor consola-me, encanta o céu.
Vejo os teus desejos, as tuas ânsias e com isso me alegro. Venço contigo, sou a tua força, confia nas
minhas divinas palavras: são infalíveis. Sofro com a maldade dos homens, sofro com a prudência
exagerada de outros. Mas a causa é minha, tu és minha, és das almas. Irradia-as do meu amor, perfuma-
as com o aroma das tuas virtudes. Vou dar-te o meu sangue divino, o sangue da tua vida maravilhosa, da
vida que vives, da vida que dás às almas.

Uniu Jesus os nossos corações um ao outro. Mal percebidas, sim, mas deixou-me cair três pequeninas
gotas do Seu divino sangue. E logo principiou a bafejar-me com o Seu bafo divino.

— Não se dilata o teu coração, não podes sentir a força do meu amor. Não deixas por isso de me amares
com o maior ardor. Vai em paz, coração de fogo, língua de louvor. Vai espalhar ao mundo, distribuir às
almas, de quem és mãe. Prometo-te, minha filha, depois da tua morte, a conversão de muitos pecadores
junto do teu túmulo. Virão visitar-te e sairão outros de junto de ti. Lá do céu, da tua Pátria, velarás por
elas, cobrirás de bênçãos as suas almas. És rainha e mãe do mundo, és rainha e mãe de todos os
pecadores.

— Obrigada, meu Jesus.

Sinto que todos me abandonaram, todos, mesmo todos; que não há quem cuide do meu corpo nem da
minha alma. Sou cegueira, só cegueira. Parece-me que mesmo o meu Pai espiritual nada se interessa
pela minha alma. perdi tudo, nada tenho.

— Que será de mim, ó meu Deus? Que eu não perca a minha confiança em Vós. Sou a Vossa vítima.
Bendita seja a cruz que me dais. Não sei e não posso dizer mais nada.

2 de Janeiro – Sexta-feira

Vida nova, vida nova, é o brado da minha alma e do meu coração, no princípio deste novo ano. O que faz
este brado tão repetente? São os sentimentos tristes, dolorosos e profundos. O passado desapareceu
como se nunca existisse. E eu, louca de dor, estou de mãos vazias. Nada tive e nada tenho para oferecer
ao Senhor. Tudo em mim é um mundo de misérias, de horrorosos crimes e vinganças contra o Céu. é
pavoroso o meu estado de alma. Ano Novo, vida nova. São tantos e tão variados os meus propósitos! São
tantas e tão profundas as minhas ânsias de perfeição e de amor a Jesus! Mas as horas e os dias vão
passando, e eu, na minha pobreza e miséria extrema, sem nada amontoar, sem nada ver nem sentir, a
que possa chamar alguma coisa. O passado foi morte, o presente é morte e de morte se me mostra o
futuro. A inutilidade, a inutilidade! Meu Deus, só Vós sabeis quanto ela custa. Ela é a senhora de todos
os meus actos, obras e desejos; ela rouba-me tudo quanto há de bom, sem ao menos por um momento
me deixar saborear o seu delicioso sabor. Rouba-me tudo o que é bom, sem me deixar contemplá-lo e
saber que ele existe; deixa-me tudo o que é mau, faz-me responsável de todo o mal, deixa-me na tristeza,
na amargura, na noite tremenda e na tremenda morte. Bendito seja o Senhor! Eu vejo e abraço a cruz
que Ele me dá, curvo-me reverente à Sua divina mão benfazeja e vou repetindo muitas vezes: obrigada,
obrigada, meu Jesus, eu sou a Vossa vítima; dai-me mais, sempre mais, quanto Vos aprouver. Eu não sei
viver sem sofrer. Sofrer e amar, amar e sofrer, seja a minha vida, se assim o quereis, mas dai-me a Vossa
graça e a Vossa força. A vontade está pronta. A natureza é fraca e apavora-se, mas sempre beija, beija a
mão benfazeja do meu Criador. Estou louca, louca de dor. Parece que tenho asas e estão enterradas no
lodo e na lama. Quero batê-las, desprendê-las, para voar para Deus e para as Suas coisas e não posso:
nada vale o meu esforço. Toda me orgulho no lodaçal do mundo, na sua podridão nojenta. E mais ainda,
mesmo assim mergulhada, estou presa, toda presa com fortes cadeias de vícios, sem poder fazer o
mínimo esforço para o bem. Faça-se, faça-se, Senhor, a Vossa vontade; o que eu quero é amar-Vos, o que
eu quero é o Vosso amor. Porque me amais e eu Vos desejo amar, deixo que o meu coração sangre e a
minha alma agonize. Os dias de festa são os dias de maior tormento. Quanto maior alegria no mundo,
mais dor e agonia, maior tormento e calvário para mim. Sou feliz, porque sofro; sou feliz, porque o
Senhor se inclina para mim. Ontem, passei o dia a sentir sempre no coração com que uma lança
atravessada. Causava-me uma dor infinita e sentia uma tristeza profunda.

Era já de noite, e pareceu-me descer de uma torre tão alta que chegava ao Céu e vinha envolver-me em
toda a terra. Manchei-me nela e fiquei prostrada no solo duro do horto, a sentir os tormentos de Jesus. A
noite já foi um calvário para o meu corpo e, ainda não tinha rompido o dia, já a minha alma agonizava,
tremia de pavor. O calvário estava à minha frente. Não resistia à dor, se Jesus por mim não velasse.
Senti-O e vi-O com os olhos da alma vir para junto do meu leito com o Seu Divino coração a arder em
grandes chamas e a ferver como uma panela de água sobre o lume. Tomou-me para o Seu regaço, deitou-
me nos Seus braços, envolveu-me nas Suas chamas e fez que eu fervesse naquela fervura do Seu Divino
coração. Estive assim algum tempo, e desapareceu sem nada me dizer. Fiquei mais forte para seguir o
Calvário. A inutilidade tirou-me tudo. Andei por longe, muito longe, tornando inútil todo o meu viver e
fui encontrar-me no cimo do Calvário com Jesus crucificado. Estava Ele para expirar, quando a Ele me
uni e senti a Sua agonia. Depois de com Ele bradar e antes de Ele entregar ao Pai o seu espírito, senti
como se Ele se desprendesse de toda a terra manchada e o Seu espírito voasse para o Pai, para viver só a
Sua mesma vida. Fiquei como morta, por alguns momentos, mas Jesus não demorou a fazer-me viver
novamente e falou-me assim:

— “Glória, glória ao Senhor! Escutai, escutai quem fala. É Jesus. Atendei, atendei bem ao que Ele vai
pedir. Venho pedir a pureza e o amor dos vossos corações. Venho pedir a pureza e o amor dos vossos
corações. Venho pedir-vos uma vida perfeita, no cumprimento do vosso dever para com o vosso Criador.
Venho pedir, atendei, filhos meus. Quero o amor dos vossos corações, quero a pureza da vossa vida.
Fazei, fazei que Eu seja amado. Fazei, fazei que todos os homens sejam puros, que todos os corações me
amem e sirvam fielmente. Minha filha, minha filha, aceita os agradecimentos do teu Jesus. Muito te
pedi, muito me deste. Pedi-te muito para Mim, muito te pedi para as almas. O que te pedi para Mim foi
por amor das almas: são filhas do Meu sangue, são filhas do Meu calvário, são filhas do Meu calvário,
são filhas da Minha vida. Agora, filha minha, esposa do Meu coração, mais te peço, mais te peço. O teu
calvário não diminui. O teu calvário será cada vez mais doloroso, até terminar a tua existência aqui. A
dor atingiu o seu auge, mas a tua sensibilidade mais há-de sofrer. São meios de que Eu Me sirvo para a
salvação do mundo”.

— Ó Jesus, não tendes que agradecer a esta miserável filhinha. Sofri muito. Não fui eu, Jesus, fostes Vós
no meu corpo. Só Vós fostes a minha força. Dei-Vos muito, meu Amor? Não Vos dei nada do que era
meu: dei-Vos o que era Vosso. Sou eu, Jesus, sou eu a agradecer. O meu eterno “obrigada”, Jesus. O que
tinha eu feito, meu Amor, o que tinha eu sofrido sem a Vossa graça, sem a Vossa força? Obrigada,
obrigada, Jesus, obrigada. Senhor, o meu eterno “obrigada”. Estendo as minhas mãos para aceitar o
aumento da minha cruz. (Estendeu as mãos). Eu temo, Senhor, a minha natureza apavora-se, mas a
vontade, a vontade está forte; levanta-se, levanta-se, vai ao Vosso encontro. O que quereis que eu faça,
Jesus? Sou a Vossa vítima. Abraço, estreito ao meu coração tudo quanto Vos aprouver dar-me.

— “Encontrei neste calvário as minhas delícias. Encontrei neste coração o encanto dos meus divinos
olhos. Encontrei neste coração, nesta vítima por Mim escolhida tudo quanto podia encontrar para o bem
das almas, para a reparação do Meu eterno Pai. É deste Calvário que sai a fortaleza, a fortaleza que
sustenta o braço da justiça do Senhor. É deste Calvário que sai a graça para milhões, milhões de almas. O
mundo não te conhece!... Que dor a Minha, Minha filha!... Se o mundo te conhecesse!... Se os corações te
amassem, eram mais gratos para contigo. Amavam-Me e eram mais gratos para com Jesus. Amavam-te,
porque sofres por eles, amavam-te, porque te escolhi para continuares a obra da salvação.”

— Ó Jesus, ó Jesus, eu não me importo da ingratidão dos homens para comigo. Eu não me importo, não,
que eles sejam gratos para mim. O que eu quero, Jesus, é que Vós sejais amado e que todos sejam gratos
ao Vosso Divino Coração, ao Vosso Divino Amor. O que eu queria era ser desconhecida aos olhos do
mundo, viver escondida, sofrer escondida só por Vosso amor e por amor às almas. São os meus desejos,
são os meus desejos.

— “Minha filha, tem confiança. Vives conforme a vontade do teu Esposo, do teu Jesus. Bastam os teus
desejos e as tuas ânsias de viveres escondida. Nesta hora gravíssima, em que está o mundo, nestes
momentos de tanta perdição, é necessário a luz deste calvário a iluminar. São necessários, são urgentes
todos estes sofrimentos. O mundo está louco, oh! as almas perdem-se! Ilumina-as, ilumina-as! Dá luz ao
mundo, ilumina as almas. A luz que possuis é a luz do sol. A vida que vives é vida do Senhor, é vida de
Cristo! Faz que as almas, que te rodeiam, que vêm junto de ti, vivam esta mesma vida. Coragem,
coragem! Avante sempre, florinha eucarística! Avante, avante, avante, avante sempre, louquinha das
almas, louquinha de Jesus. Vem receber a gota do meu Divino Sangue. Oh maravilha, oh maravilha! Os
anjos, os anjos formaram trono, os anjos, os anjos cantam seus hinos: glória, glória, glória ao Senhor por
tão grande maravilha. Glória, glória ao seu Deus por tão grande prodígio. Uniram-se os dois corações
num só coração: o Coração do Esposo ao coração da Sua esposa. A gotinha do sangue passou. Levou-te
nova vida, nova força para novas dores. Coragem! Coragem! Dá tudo ao teu Deus, dá tudo ao teu Senhor!
Vives só de Mim. Vives para salvares as almas. Vives para iluminares o mundo. Fica na cruz, fica na cruz.
Coragem e confiança!”
— Fico na cruz, mas não quero que Vos separeis de mim. Sede a minha força. Fico na cruz, mas não
quero a Vossa ausência sem Vos lembrar todas as intenções, todas, Jesus. Sabeis por onde principio…
Vou acabar na humanidade inteira. Quero que a socorrais. Valei-lhe, valei-lhe, Jesus.

— “Vai em paz, vai em paz. Jesus atende, Jesus nada te nega. Confia! Tem coragem!”

— Obrigada, obrigada, Jesus!

3 de Janeiro – Primeiro Sábado

— “Minha filha, minha filha, o Senhor é contigo. O Divino Espírito Santo cobre-te com a Sua sombra e
enche-te da Sua graça. Instrui-te com a Sua ciência e sabedoria. O Senhor é contigo, sim, minha filha, o
Senhor é contigo. O Divino Espírito Santo ilustra-te com a Sua ilustração. Fala nos teus lábios. Ilumina
todo o teu espírito. Confia, confia, esposa minha. O Senhor é contigo, sempre contigo. O Senhor está
contigo e vem dizer-te mais uma vez um muito obrigado. Sofreste muito, sofreste tudo o que te foi pelo
Senhor enviado. Obrigado, muito obrigado. As almas aproveitaram, as almas enriqueceram-se com os
teus sofrimentos. O mundo, o mundo foi feliz, feliz, feliz com este calvário”.

— Ó meu Jesus, meu Jesus, confunde-se, envergonha-me o Vosso “obrigado”. Sou eu, sou eu que tenho a
agradecer-Vos. Não esqueçais, meu Jesus, que o meu obrigado é eterno. Ai de mim, sem Vós; ai de mim,
sem a Vossa graça e força. Apiedai-Vos de mim, Jesus. Fazei que eu saiba sofrer. Pobre de mim! De nada
me aproveitei.

— “Nada tens, minha filha, para maior martírio. Nada tens, tudo tens. Apenas sentes que nada tens. Foi
o mundo, foram as almas a aproveitarem-se do teu martírio, mas a tua glória, grande glória, ditosa glória
está preparada. Tudo está escrito no livro eterno. Não esqueças, minha filha, que muito vais sofrer, mas
o Senhor está em ti e ao teu lado. Muito vais sofrer, mas este ano será também um ano de graças, um
ano de luz, um ano de paz e de muita realização das promessas do Senhor. Diz ao teu Paizinho um
“obrigado” do Senhor, um “obrigado” do seu Deus. Diz-lhe que é a estrela polar, vinda do Céu que tudo
ilumina, tudo irradia. Diz-lhe que os que são do Senhor triunfam com o Senhor. Diz-lhe que os que
vivem para Jesus vivem a vida de Jesus. Diz-lhe que os que se humilham por Jesus e pelas almas com
Jesus triunfam, com Jesus são exaltados. Dá-lhe, no princípio deste novo ano, o meu “obrigado” com
toda a minha paz, com todas as minhas graças, toda a abundância do meu amor com a certeza que ele é
meu e será contado eternamente no número dos meus santos. Dá, minha filha, ao teu médico, dá com
toda a clareza os parabéns de Jesus, o “obrigado” de Jesus. Diz-lhe, diz-lhe, minha filha, que Eu o amo
louca e apaixonadamente, com os seus entes queridos, com os pedaços da sua alma e do seu coração.
Diz-lhe que o amo loucamente e ao seu jardim florido. Diz-lhe que Eu quero que ele faça que se realizem
as promessas do Senhor a respeito da minha causa, da causa maior, da causa que mais respeito diz à
pobre humanidade. Mãos à obra, a actuar com os homens. Eu quero que haja clareza. Eu quero as coisas
no seu lugar. Eu sou o Senhor; pedirei rigorosas contas àqueles que impedem que a causa triunfe, com
todo o seu brilho, que lhe põem estorvos, que a querem cobrir com negros véus. Ela há-de brilhar, ela
há-de triunfar, para glória de Deus e para bem das almas. Coragem, coragem, todos! Dá, dá ao teu
médico a abundância das minhas graças e a certeza de que o Céu é dele, e que velo por todos os que lhe
pertencem, por todos os que ele ama. Dá, minha filha, o meu “0brigado” a todos os que te rodeiam, a
todos os que trabalham por ti e te defendem, a todos os que te amparam, protegem e te são queridos.
Espalha, espalha por todos a minha paz, a abundância das minhas graças, o enchente do meu amor. Diz-
lhes que todos os seus nomes estão escritos no meu Divino Coração e no da minha bendita Mãe.
Enriquece a todos com as minhas riquezas. Dá a todos a minha graça, a minha graça em abundância, em
abundância. Vem, minha bendita Mãe, não deixes sem as tuas carícias a Nossa filha. Dá-lhe toda a tua
pureza, dá-lhe toda a tua graça e todo o teu amor”.

— “Minha filha, minha filha, Eu sou a Imaculada, Eu sou a Imaculada, Eu sou a Imaculada Conceição.
Dou-te tudo, tudo o que é meu. Dou-te tudo o que é de Jesus. Dou-te o que Ele te dava. Peço-te o que Ele
te pediu. Agradeço-te como Ele te agradeceu. Dou tudo para todos os que Ele deu. Agradeço a todos os
que Ele agradeceu. Não esqueças, filha querida, que Jesus está contigo e que a tua Mãe celeste, a
Imaculada, a toda pura, a toda bela aos olhos do Senhor, te assemelha a Ela e por ti vela, contigo sofre.
Com a minha graça ajudo-te a sofrer, ajudo-te a amar, ajudo-te a vencer. Confia, confia e tem coragem!...
Recebe as minhas carícias. Estreito-te docemente ao meu santíssimo Coração. Enche-te de mim, enche-
te de Jesus. Sofre por mim, sofre por Jesus, sofre por amor das almas. Coragem! Coragem! Vai distribuir
o que recebeste de Jesus, o que recebeste de Maria”.

— Ó Mãezinha, ó Jesus, ó Mãezinha, ó Jesus, ó Mãezinha, ó Jesus, sejam sempre benditos e reparados os
Vossos Divinos Corações! Obrigada! O meu eterno obrigada pela paz e pelo amor que me destes.
Obrigada, o meu eterno obrigada por todas as graças que me concedestes e ides conceder-me. Ó Jesus, ó
Mãezinha, lembro-Vos todos, todos quantos me são queridos. Dai-lhes tudo, dai-lhes tudo, concedei-
lhes tudo para os seus corpos e sobretudo para as suas almas. Lembro-Vos toda a minha família, lembro-
Vos todas, todas as intenções que me têm sido pedidas; lembro-Vos a humanidade inteira. Perdoai-lhes,
perdoai-lhes a todos os corações, a todas as almas.

— “Vai em paz, minha filha. Tem sempre presente este colóquio do teu Jesus e da tua Mãezinha. Leva-
Lhes a todos a paz do Senhor e pede em meu nome e em nome de minha bendita Mãe: penitência,
oração, emenda de vida”.

— Obrigada, Jesus; obrigada, Mãezinha!

9 de Janeiro – Sexta-feira

Desfaleço no meu calvário. Por vezes, agonizo e parece-me que é para não mais viver. Que segredos, meu
Deus, que segredos tem a dor. No meio destes desfalecimentos, quando estou louca de dor e tudo o que
em mim se passa parece-me receber do mundo e transmitir ao mundo, repito com os olhos no Céu: faça-
se, faça-se, meu Deus, a Vossa divina vontade. Sou a Vossa vítima. Entrego-me, abandono-me à Divina
Providência. Neste transe doloroso, vou agonizando nos braços de Jesus e da Mãezinha sem sentir, por
um momento, o seu amparo e protecção. Só a esperança e a confiança são o bálsamo do meu sofrer. Não
sinto que confio, mas confio, não pode deixar de ser. Ou sofrer, ou morrer, meu Jesus. São tão grandes
as ânsias que tenho do sofrimento que me levam a murmurar silenciosamente: é o meu coração a falar
no mais íntimo com Deus: ai de mim, ai de mim, meu Jesus, se me tiráveis a dor. Eu não saberia viver
sem sofrer. A vida sem dor seria para mim insuportável. Tenho a certeza, Jesus, que sofreria mais, se é
possível, sem sofrer, do que com os sofrimentos que me dais. Não há nada que se compare com a doçura
da cruz, quando a aceitamos e levamos por amor. É por Vós, Jesus, e pelas almas que eu sofro e que
quero e aceito o que Vós quereis e me dais. Amo e beijo a mão bendita do meu Senhor. Caio e não me
levanto. A dor desfaz todo o meu ser. A natureza apavorada sente quase impulsos de revolta contra a
dor. Mas a vontade, no abraço mais íntimo, estreita-a, prende-a, enleia-a toda em fortes cadeias do mais
puro amor; não pode deixá-la, não pode separar-se: dor e Jesus, Jesus e a dor. Sou ignorante, e a minha
inutilidade roubou-me o sabor e o esforço de tudo quanto ditei. Menti-me a mim mesma; no sentir da
minha alma é mentira tudo o que está dito. Como são dolorosos os brados do meu coração. Parece que
todo o meu sangue cai sobre a podridão e o lodaçal do mundo. Tudo em mim são vícios e toda a
humanidade sou eu, tudo lhe comuniquei. Meu Deus, meu Deus, não posso mais.

Ontem, no Horto, naquela dolorosa agonia, não eram os meus lábios, mas sim o coração que dizia:
Jesus, se é possível, afastai de mim este sofrimento. Mas logo me atirava para ele, de braços abertos,
como se fosse queimada pelas chamas a atirar-me ao mar de frescura e suavidade. Não se faça a minha,
mas a Vossa vontade. Ó meu Deus e meu Senhor, quero consolar-Vos e dar-Vos as almas. Hoje, logo de
manhãzinha, sentia colados ao coração os vestidos de Jesus ensopados em sangue do Seu suor de sangue
no Horto. E, logo em seguida, já caminhando para o Calvário, sentia na alma todas as feridas do corpo
sacrossanto de Jesus. Feridas dos açoites, feridas das quedas, feridas que Lhe causaram o meu mundo
de pecados. E os vestidos a elas solados causavam-me indizíveis dores, dores insuportáveis, dores
infinitas. No cimo do Calvário, pregada na cruz, o meu coração abriu-se por contínuas punhaladas.
Abriu-se por amor, abriu-se para se dar, abriu-se para toda a humanidade acolher, abriu-se para lhe dar
vida. A dor, que o meu coração sentia, feria o coração do próprio Jesus; era grande como Ele. O brado
agonioso era constante. Eu não podia calar o meu coração. Antes de expirar, sob o peso imenso das
humilhações e de injúrias, o coração levou a última lançada e deu a última gota de sangue. E, ainda antes
do último suspiro, senti como se Jesus fosse descido por ele já morto. Com estes sentimentos e no
mesmo momento fiz a entrega do espírito ao Pai. Houve o silêncio da morte. De repente, Jesus glorioso
deu entrada no meu coração, comunicou-me a Sua vidam o Seu regozijo e falou-me assim:

— “À porta do palácio chegou o Mendigo. É o Mendigo divino. Entrou e foi ocupar o seu trono, que é o
teu coração, o teu coração, minha filha, esposa querida. Estou sentado à sombra das mais heróicas
virtudes. Estou rodeado das mais belas e encantadoras flores. Perfume delicioso!... Aqui, sim, aqui
esqueço, posso esquecer os crimes, os crimes horrorosos, crimes com que sou ofendido!... Minha filha,
minha filha, escuta atenciosamente o teu Jesus. Esqueço, esqueço só por momentos. Não posso esquecer
sempre. Esqueço neste colóquio delicioso, neste colóquio de maravilhas celestes. Se eu pudesse esquecer
sempre!... Se pudessem ser ocultos aos meus divinos olhos os crimes da pobre humanidade! Mas ainda
bem que encontrei um coração puro e generoso que suaviza as dores do seu esposo. Confia, confia,
minha filha, este calvário é calvário de vitória, é calvário de salvação. Confia, confia, minha filha, este
calvário é calvário de reparação, é calvário de glória e de alegria para Mim e para o meu eterno Pai.
Minha filha, escuta, escuta, escuta as mágoas do teu Jesus. Sou ofendido, sou ofendido. A justiça do meu
eterno Pai é continuamente desafiada. Ele não pode ver o seu Filho divino assim ferido, assim ultrajado.
A sua justiça, a sua justiça, o seu braço vingador vem cair, vem cair bem depressa sobre a terra. O
mundo não atende. Os pecadores não cedem à palavra do seu Senhor. Jesus avisa, Jesus avisa com toda
a compaixão. Jesus avisa, avisa, porque ama; avisa, porque quer salvar.”

— Ai, meu Jesus, ai, meu Jesus! Entraste, meu Amor, no meu pobre coração numa alegria triunfal.
Entraste, Jesus, deste-me alegria, deste-me a Vossa vida. Mas agora, agora, meu Amor, nuvens negras
vieram encobrir a alegria, a vida, a luz que me destes. Que alegria profunda invadiu o meu coração!

— “Minha filha, minha querida filha, dei-te a minha alegria para te alegrar. Dei-te a minha luz para as
horas das trevas. Dei-te a minha vida para sempre viveres de Mim. Faço sentir agora tudo quanto Eu
podia sentir sem a tua dor, sem o teu sofrimento. Sofre, sofre, esposa amada. Sofre como mãe que está
para dar à luz. Tu és a mãe dos pecadores. Sofre, sofre, minha filha, sofre por eles; dá-lhes a vida, dá-lhes
a vida, dá-lhes a salvação. Minha filha, é infinita a tua dor, porque é infinito o teu amor. A tua vida é vida
de Jesus. O teu triunfo é a vitória, é o triunfo e a vitória de Jesus. Sofre, sofre com alegria. Chama ao
meu Divino Coração os pecadores, as ovelhas tresmalhadas.”

— O que fazer, meu Jesus? Vede a minha fraqueza, compadecei-Vos dela. Quero e não posso, quero e
não posso. Ensinai-me, Jesus, ensinai-me, meu Amor, ensinai-me a sofrer, a ser pura, ensinai-me a
amar.

— “Vem, louca, louca do sacrário, florinha eucarística, esposa do Amor divino; vem, vem receber a gota
do meu divino sangue. Passou a vida, passou o alimento divino, o alimento celeste, a vida de que tu
vives. Os anjos, os anjos contemplam esta maravilha celeste. Os anjos, os anjos contemplam este
prodígio, esta graça de que eles não gozam.”

— Ó Jesus, meu doce Amor, voltei de novo à luz, à Vossa vida, ao Vosso amor. A dor desapareceu. Já sou
outra, já sou outra, meu Jesus. O fardo mundial que me sobrecarregava deixou-me. Tenho a Vossa luz,
tenho o Vosso amor na minha alma.

— “Fortalece-te, minha filha, fortalece-te. Enche-te de mim para te darem por Mim. Enche-te do que é
do Céu, para te dares toda, toda à humanidade, aos pobres pecadores. Tem coragem, tem coragem! Fica
na cruz! Vai para a tua dor. Vai para o teu calvário, para o teu doloroso calvário. Não esqueças, não
esqueças, minha filha. Manifesta sempre a tristeza de Jesus. Diz às almas que estou triste, porque muito
sou ofendido. Pede-lhes que Me amem, que Me não ofendam, que se corrijam da sua vida criminosa, da
sua vida de vícios. Vai em paz e dá a minha paz”.

— Obrigada, Jesus! Obrigada, Jesus. Entrego-Vos o meu coração com todas as intenções da humanidade
inteira. Não Vos esqueçais. Atendei, atendei, meu Senhor!
16 de Janeiro – Sexta-feira

Para obedecer e assim desta forma consolar a Jesus com a migalhinha do meu sacrifício, vou dizer só
umas palavras, por mais não poder dizer. Não tenho forças. A cada esforço, a cada movimento dos
lábios, sinto como se o coração desse uma gota de sangue. É tão doce derramar o sangue por amor de
Jesus! Ele não permite que eu sinta essa doçura – bendito Ele seja! – mas faz que a alma se fortaleça,
redobre de esforços a voar para Ele. Parece que eu fico toda a vida a bater as asas presas no lodo e na
lama, sem nunca as poder desprender. Não importa. A doçura de sofrer por Jesus não está em saboreá-
la, mas sim em enfrentar a cruz, beijá-la, abraçá-la e querer o que o Senhor quer. E, assim abandonada a
Ele, vou para onde Ele me leva, aceito o que Ele me dá e só quero o que Ele quer. A vontade está pronta a
aceitar toda a dor da humanidade inteira, se isso fosse possível. A natureza, a i a pobrezinha! Não sabe
fazer outra coisa senão chorar e gemer, apavorada numa revolta contra si mesma. Ó cegueira, ó morte, ó
inutilidade, ó calvário da minha vida, como tu és grande para aqueles que te sabem sofrer e não são pela
inutilidade roubados. Meu Jesus, por Vosso amor quero ser cega, ignorante e inútil. Vós sois o guia dos
meus caminhos, a força da minha cruz. E eu sou sempre a Vossa vítima. A minha dor tão grande, tão
infinita, vai nos confins da terra, rompe os rochedos, despedaça montanhas, fere o Coração do meu
Senhor. E o mundo não se compadece, os corações não têm pena da minha dor. Parece que o meu
coração não pode estar calado, quer falar incessantemente das coisas grandes, das coisas do Céu, tem
desejos infinitos de que todos os corações dos homens o escutem. O que eu sofro, o que eu anseio, só
Jesus o sabe, só Ele o compreende. Não posso nem sei exprimir-me, sou ignorante. Sempre inútil na
minha vida, cheguei, ontem à noite, inútil, ao solo duro do Horto. Fiquei sobre ele como um cadáver. A
urna em que fui metida foi feita de podridão, de vícios e dos mais vergonhosos crimes. Era tão grande
que preenchia a humanidade. Toda a terra era uma urna criminosa e eu cadáver feito da mesma
podridão, dos mesmos vícios. O Céu estava fechado e nuvens grossas muito negras o separavam da terra.
Dele saiu uma nova luz; as nuvens abriram-se a dar-lhe caminho, desceu até mim, penetrou no meu
cadáver apodrecido. Uma vez ali, já não era eu morta. As veias rasgaram-se e um sangue vivo e puro
regou a terra. Ela principiou a viver.

Hoje na minha inutilidade segui para o Calvário. Ia continuar a minha obra começada. Fiquei
crucificada na cruz, lá no cimo do calvário. Era eu mesma que me apunhalava e retalhava o coração; o
sangue saía a jorros; a terra, os corações humanos iam vivendo cada vez mais. Antes de expirar, senti o
coração a desfazer-se pela sede ardentes de entregar a vida ao Pai. Só assim dava ao mundo a verdadeira
vida. Expirei na maior agonia, no maior abandono. Jesus não se apressou a fazer-me de novo viver.
Quando entrou no meu coração, eu vivi na Sua luz, no Seu amor. Ele em mim e eu n’Ele, ouvi nestas
palavras a Sua divina voz:

— “À sombra da cruz, à sombra deste calvário, as almas, as almas encontram abrigo, encontram lugar de
salvação. Minha filha, minha filha, Jesus está aqui tal e qual como no Céu, tal e qual como na Eucaristia.
Estou aqui, sim, estou aqui para fazer desta sombra um maná vivificante, um maná que vive para o Céu,
para Deus. Eu quero, minha filha, sim, Eu quero fazer de ti a minha vida, a minha vida completa. Eu
quero que sejas das almas, que vivas para as almas. Eu quero que as almas ao abrigo deste calvário se
alimentem deste maná celeste, se cubram com esta sombra de salvação. Vives de Mim e para Mim. Eu
quero que as almas vivam de ti, para por ti virem a Mim. O que as almas recebem, de Mim o recebem. Tu
és o canal das graças e da vida de Jesus. Tu és o porta-voz dos desejos de Jesus. Eu quero que as almas
venham sequiosas à Eucaristia. É por ti, por este calvário que elas vêm. Eu quero, Eu quero almas,
muitas almas eucarísticas. Eu quero almas, muitas almas a rodearem os sacrários, a voarem para Mim
como as andorinhas em bando a voar para os seus ninhos. Vive, vive, florinha eucarística, vive a minha
vida, tu que vives do meu Corpo e do meu Sangue, tu que continuas a minha obra redentora, a minha
obra de salvação. Que pena, que pena, minha filha, o meu Coração sofre a indiferença de tantos, tantos
corações! O meu divino Coração sofre a insensibilidade dos homens. Na hora presente, na hora
gravíssima que passa a humanidade, põe neste calvário um meio de salvação. Dei aos homens este
calvário como prova do meu infinito amor. Sofro porque não se aproveitam dele todos quantos o meu
Divino Coração deseja. Sofro porque não correspondem a tão grande graça e prova de amor do meu
Divino Coração”.
— Ó Jesus, não me digais mais, meu Jesus, não me digais mais. Não quero ouvir-Vos dizer que sofreis.
Eu quero sofrer tudo por Vós. Eu quero reparar-Vos por todos os corações, por todas as almas. Eu quero,
Jesus, eu quero, Jesus, sim, que eles creiam em Vós. Eu quero que eles vão aos sacrários. Eu quero que
eles Vos recebam. Eu quero ver o mundo a arder nesse fogo em que Vós estais a arder agora e no qual,
meu Jesus, fazeis arder o meu pobre coração. Que eles me descreiam, para crerem em Vós; quero que
eles me desprezem, para se abeirarem de Vós. Que eles se aborreçam de mim, para Vos amarem a Vós!

— “Minha filha, minha querida filha, o fogo, em que Eu ardo e te fiz arder, é o fogo da Eucaristia. O teu
desinteresse de ti mesma dá maior alegria ao meu Divino Coração. Tem coragem, tem coragem, minha
filha. Os homens não fazem como Eu quero, mas a tua vida, a tua vida vai chegar aos confins do mundo.
Vai ser para as almas um íman atraente. O Senhor triunfa e com Ele triunfa este calvário. O Senhor é Rei
e com ele há-de reinar sobre os corações, sobre as almas. Tu és vida, tu és farol, tu és luz e vida divina
que se lhes comunica. Quem vive a vida de Cristo, só a vida de Cristo faz viver. Vem, minha filha, receber
a gota do meu Divino Sangue. Foram os anjos, foram os anjos a unirem os nossos dois corações; o meu e
o teu ficaram num só. A gotinha do Sangue passou. Os anjos, os anjos ficaram deslumbrados à vista de
tão grande prodígio. Fica na cruz, minha filha. Vai para o teu martírio. Pede, pede ao meu querido e
santo Patriarca que comunique ao Papa, ao sábio dos mistérios divinos, que Jesus o tem inteiramente
dentro em Seu Divino Coração. Ele é o grande sábio da vida de Deus. Ele é o inigualável compreendedor
da vida de Deus nas almas. Já lhe prometi, volto a prometer-lhe: ele vai direitinho para o Céu. Passa
deste exílio para o Paraíso. Diz-lhe que é Jesus a pedir-lhe que fale, que fale muitas vezes, muitas vezes à
humanidade inteira. Sempre que ele fala, sou Eu a falar. Tudo quanto ele quer e exige, sou Eu que o
quero e o exijo. Que peça oração, muita oração, muita penitência. Que peça uma vida nova, uma vida
pura. Que peça para que haja almas, muitas almas no meio do mundo, almas vítimas, verdadeiramente
vítimas para repararem os crimes, para aplacar a justiça do Senhor. Coragem! Coragem! Sempre alegre
na tua cruz, sempre na tua cruz”.

— Obrigada, meu Jesus, obrigada, meu Jesus. Cá estão como sempre todas as minas intenções; mais que
nunca sabeis o dia que passa, meu Jesus. Movei os corações: Vós sois o Senhor! Movei os corações! É por
Vosso amor que eu Vos peço, é para bem das almas. Lembro-Vos todos os que eu amo e são meus.
Lembro-Vos a humanidade inteira.

— “Coragem, coragem, minha filha! Confia no teu Senhor! Coragem, coragem, minha filha, crê em Mim,
espera em Mim! Estou contigo”.

— Obrigada, Jesus! Obrigada, meu Amor!

23 de Janeiro – Sexta-feira

Morta, e à sombra da morte, passo os meus dias. Eu estou morta, e uma sombra mundial me cobre. Não
sei como aguentar, não sei como poder resistir a tão grande sofrimento. Só o meu Jesus, só o Senhor
todo-poderoso pode triunfar em tão doloroso martírio. O coração e a alma choram lágrimas de sangue. A
inutilidade vem bebê-las, chupá-las todas à saída das chagas, não as deixa aparecer, sinto como se até
Jesus não as visse. Não tenho nada, mesmo nada, para a eternidade; não tenho nada, nada com que
possa consolar Jesus e provar-Lhe o meu amor. Contudo, as ânsias são indizíveis de me dar, dar,
derreter, desaparecer n’Ele. Tenho ânsias, infinitas ânsias de me derreter no crisol do sofrimento, só por
Jesus, por Jesus e pelas almas. Eu não tenho nada; a inutilidade rouba-ma tudo, mas a dor angustiosa,
os espinhos mais agudos e penetrantes surgem-me de todos os lados, vêm ao encontro destas ânsias,
para logo a inutilidade, como lobo ou leão furioso, arrancar-me tudo para jamais me deixar possuir
alguma coisa. Eternidade, eternidade, como hei-de eu ir para ti nesta pobreza, despida de tudo,
mergulhada apenas num abismo infindo de trevas, de podridão e de crimes. Sou um mundo de
maldades, das mais criminosas maldades que encheram toda a terra, chegaram ao Céu e estão a cada
momento a provocar, a desafiar a justiça do Senhor. Tremo de pavor. Queria dizer às montanhas que
caíssem sobre mim e me encobrissem: esmaga-me a justiça do Senhor. Se eu soubesse sofrer e
aproveitar-me da cruz que o Senhor me dá, quantos méritos para a eternidade e quanta glória para o
Céu. Ai, pobre de mim! Não sei fazer o que eu mais anseio: amar a Jesus, sofrer por Jesus. O meu Horto
foi de morte e de horror ao sofrimento. Era noite: eu estava nele mais firme e mais dura do que a mais
dura rocha.

A noite ia alta e sobre o solo do meu peito ficou o calvário e a cruz plantada. Eu era o mundo, o calvário e
a cruz e a escada por onde subiam as almas a Jesus. Apesar de ser morte, era a vida, era o Céu. A noite
foi tormentosa para o meu corpo. A alma de vez em quando agonizava de dor com a aproximação da
sexta-feira. Hoje de manhãzinha, sem estar a dormir, pareceu-me que despertei dum sono profundo.
Despertei num sobressalto: a morte, a morte! Vou morrer! E ia morrer ao mesmo tempo que era a vida.
Encaminhei-me para o Calvário; para lá seguiu o meu coração, para ir ao encontro da morte, para se dar
todo, todo, e ser a vida. Eu, na minha inutilidade, segui caminhos diferentes, caminhos errados. Andei
tanto, tanto, pisei toda a terra culpada. Não sei como, levada por uma força e por um amor que me
impelia, cheguei ao calvário; fui de encontro à cruz de Jesus, abracei-me aos seus pés, reguei-o com as
minhas lágrimas, chorei as minas culpas. Jesus lavava-me com o Seu Sangue. Quanto mais eu era por
Ele lavada, mais para Ele subia, mais o Seu divino amor me penetrava, até que fiquei toda Cristo: a
mesma dor, as mesmas chagas, a mesma agonia, o mesmo amor. Não era eu a entregar-me, era Ele em
mim a entregar-me ao Pai. O meu pobre coração recebeu as lançadas que atravessaram o de Jesus.
Lançadas estas que deviam ferir-nos em todos os tempos. Com tal crueldade, Jesus bradou tão
fortemente que fez estremecer o Céu e a terra. Houve neste momento uma tal mistura, ficaram os dois
num só, e Jesus expirou. Reconciliou-se a terra com o Céu. Já todos podíamos viver a mesma vida.
Depois de uns rápidos momentos, Jesus veio como Senhor e possuidor de tudo, entrou no meu coração
como numa mansão Sua, triunfava sobre o maior triunfo, fez-se sentir o Seu amor, irradiou-me com a
Sua luz, inundou-me da Sua paz e falou-me assim:

— “O Coração Divino de Jesus transborda de amor. Faísca para toda a terra, para todos os corações e
todas as almas as mesmas chamas, o mesmo incêndio de amor. É Pai, e Pai bondoso. Quer dar-se, dar-se
e fazer que todos os filhos Seus ardam nas mesmas chamas, no mesmo incêndio de amor. Escutai,
escutai a voz do misericordiosíssimo Jesus. Ele fala pelos lábios da Sua vítima, da heroína dês te
Calvário. Alerta, alerta, muita oração, muita penitência. Depressa, depressa, depressa! Ai do mundo!
Pobre do mundo! Depressa, depressa a reconciliar-se com o seu Deus. Depressa, depressa, é urgente
aplacar a justiça do Senhor. Escutai, escutai e atendei ao apelo de Jesus. Venho pedir amor, venho pedir
a frequência da Eucaristia. Venho pedir o rosário, a devoção pura e santa à Minha Bendita Mãe. O meu
Divino Coração dá-se, dá-se todo em amor. Dá-se para receber, para possuir. Quero amor, amor de
todos os corações. Todos os corações são meus, todos os corações quero possuir.”.

— Ó Jesus, ó Jesus, sinto que o meu coração arde no Vosso amor divino. Sinto que todo ele é amor, que
todo ele é luz. Eu quisera, Jesus, sim, eu quisera poder mergulhar neste oceano infindo de doçura, paz,
amor e misericórdia, a humanidade, a humanidade inteira. Todos os filhos Vossos. Ah! Se eles gozassem
deste amor, desta paz, desta Vossa vida, não Vos ofendiam, Jesus. Permiti-me, Jesus, permiti-me que eu
Vos diga: este amor, esta paz veio encobrir, veio desviar de mim o pavor causado, quando me dissestes
que era preciso aplacar a justiça de Vosso Pai. Naquele momento, eu vi o rasgar-se das nuvens e o
estralejar do trovão. Apavorei-me, apavorei-me. Foi como se o Céu viesse desfazer toda a terra.

— “Sim, minha filha, sim, minha filha, na minha ciência divina Eu vi que era preciso suavizar o tormento
do teu coração e da tua alma causado por tudo quanto viste e sentiste. Minha filha, minha filha, será
assim e muito breve. O Céu destruirá a terra. Será assim e muito breve, se o mundo se não levanta para o
seu Deus. Será assim e muito breve, se os pecadores se não reconciliam comigo. Será assim e muito
breve, se o meu divino amor não destruir o vício, a maldade e o crime. Sou Pai que ama e quer ser
amado. Sou Pai que ama, avisa e quer perdoar. Coragem, coragem, minha filha. Vais ter toda a força de
Jesus, assim como possuis todo o amor de Jesus e todas as Suas riquezas. Vais ter a força, porque vais
sofrer, para muito me reparares. Tens o amor, porque muito me amas e fazes amar. Possuis as minhas
riquezas, para as distribuíres. Foste criada para a mais nobilíssima missão. Foste criada para as almas e
para Deus. Foste criada para a dor e para o amor. A dor e o amor são penhores de salvação. Vem, minha
filha, receber a gota do meu Divino Sangue. Dois corações num só coração a viverem a mesma vida.
Passou a gotinha do Sangue Divino. Passou o alimento do teu corpo e da tua alma. Passou nova vida,
novo conforto. Cada vez que a gota do meu Divino Sangue passa, mais a ti me comunico, mais me
possuis, mais vives da minha graça, do meu amor. Fica na cruz, sempre na cruz, para a salvação do
mundo. Fala às almas, sempre às almas. Encaminha-as para Mim. Fala-lhes da minha misericórdia e do
meu amor, mas não deixes de lhes falar da minha justiça e justiça de meu Pai. Vai em paz e dá a minha
paz”.

— Quero a Vossa paz, Jesus, e quero tudo o que é Vosso, mas não quero separar-me sem Vos lembrar as
minhas intenções. Fazeis-me, Jesus, fazeis-me?

— “Faço, faço, minha filha; confia. Eu sou o Senhor todo-poderoso. Eu permito que bebas o cálice e
possas beber até à última gota, mas depois venho Eu, remedeio tudo. Haja luz, faça-se luz! Eu quero que
os cegos vejam. Eu quero que os inimigos da minha divina causa se transformem. Vai em paz. Vai em
paz. Coragem e confia!”

— Ó Jesus, muito obrigada! Lembrai-Vos de todas as minhas intenções. Lembrai-Vos de todos os


corações, de todas as almas, de todos os filhos Vossos. Perdoai ao mundo! Perdoai ao mundo!...

30 de Janeiro – Sexta-feira

A dor, a dor, o meu pão de cada momento do dia e da noite, a dor inseparável do meu viver. E eu custa-
me tanto falar dela! Mas eu, que não tenho outra coisa a não ser dor, outra coisa não posso dizer, doutra
coisa não sei falar. O Senhor aceite o meu sacrifício, sacrifício porque não posso. A cada movimento dos
lábios, uma golfada de sangue me parece sair do coração e aos lábios vir afluir. Sacrifício porque, na
minha ignorância, nada sei dizer da dor, em comparação do que sofro. Eu queria esconder-me a mim e
esconder a dor; não queria falar de mim nem falar da dor. Ah! Se eu pudesse até escondê-la ao Céu! Se
eu pudesse reparar a Jesus com o sofrimento, sem Ele saber, eu que sofria, eram os meus desejos.
Consolá-Lo a Ele, e eu na maior agonia, oculta aos olhares e à sabedoria de todos. Sinto-me tão
pequenina, tão nada, parece-me que me desfiz no lodo da terra. Nem sou verme nem sou nada a não ser
aquela grandeza mundial de vícios. De crimes de toda a espécie, um universo de podridão. Todo o
inferno está raivoso contra mim. Parece que eu ando desfeita em farrapos nas garras de Satanás, ou
melhor, de uma legião deles. Conheço tudo o que é mau, e tudo o que é mau é por mim praticado. Tive
um combate pavoroso e nesse combate eu parecia cometer toda a espécie de crimes descaradamente,
sem temor e sem vergonha. Se é Jesus que quer a minha reparação, bendito Ele seja! O que eu não quero
é ofendê-Lo! Ai, quanto se peca, meu Deus, ai, quanto se sofre! Não posso ditar mais. Só digo umas
palavrinhas do meu Horto de ontem, do meu calvário de hoje.

O barro mundial do meu corpo foi no Horto amassado com o Sangue de Jesus. Misturou-se o Céu com a
terra, a pureza com a podridão, a vida com a morte. No Calvário de hoje, fui eu morta nos braços não sei
de quem. A inutilidade e a indiferença triunfaram no alto do calvário, a cruz estava levantada ao alto;
Jesus nela crucificado. E eu, junto do pé da cruz, estava nos braços da Mãezinha. Eu estava morta, mas
mesmo morta sentia a sua dor. Eu era Jesus, e Ela era minha Mãe; eu era o mundo, e Ela era a Mãe do
mundo. O meu coração era só dor e sangue e recebia as Suas lágrimas. Assim expirei, assim passei pela
morte que se prolongou por bastante tempo. Para viver, foi preciso despertar como dum sono. Despertei
mais depressa com o amor fortíssimo de Jesus do que com a Sua divina voz. Desde que o Seu amor
penetrou em mim, ouvi-O falar desta forma:

— “Está aqui o Senhor. Desceu do Céu. Neste coração, neste calvário veio repousar. Está aqui o Senhor
com todo o Seu amor, com toda a Sua misericórdia. Enche-te, minha filha, do meu amor infinito, para o
dares, dares com abundância. Estou aqui com toda a misericórdia, para por ti ela ser sempre dada aos
pecadores, a todos os filhos meus. Está aqui Jesus, está com dor, dor pungente em Seu Divino Coração.
Fala, fala, minha filha; comunica as minhas tristezas, as minhas mágoas. Espinhos e punhais agudos
atravessam o meu Santíssimo Coração. São os pecadores, são os filhos meus que não têm, não têm
compaixão do seu Deus, do seu Pai, do seu Jesus. Fala, fala, minha filha. Diz quanto sofre e quanto ama
o teu Esposo, o teu Esposo, o teu Amor”.
— Ó Jesus, eu não sei falar. Eu sou indigna, muito indigna de falar de Vós. Viestes, cheio de amor, e de
amor me enchestes. Viestes cheio de misericórdia, e de misericórdia me deixastes a transbordar.
Mostrastes-me amor, mas o Vosso Divino Coração todo ele tem espinhos e punhais a atravessá-lo. Ai,
tanto sangue, meu Jesus! Ai, tanto sangue, meu Jesus, e comunicastes-me a Vossa dor. É dor de morte,
meu Jesus. Sou eu, Jesus, são os Vossos filhos a ferirem-Vos assim. Sou eu, Jesus, é a humanidade
inteira que é cruel. Se eu Vos amasse!... Se eu Vos fizesse amar com amor igual com que nos amais!
Pobre de mim! Pobre de mim, meu Jesus! Não Vos amo, nem faço que sejais amado. É inútil todo o meu
viver.

— “É útil, minha filha, muito útil. Tem a maior utilidade. A tua vida é um portento das graças e das
maravilhas do Senhor. A tua vida, minha filha, a tua vida tão mal compreendida é do maior proveito
para as almas, para a humanidade. Este calvário prodigioso foi escolhido por Mim. Por Mim foste aqui
colocada. Por Mim foi preparada a tua nobilíssima missão. És de Jesus e és das almas. Vives para Jesus e
para as almas. O teu sofrimento eleva-as para o Céu. O teu sofrimento atrai-as ao Coração do Senhor. O
teu sofrimento salva-as aos milhares, aos milhões. Coragem, minha filha, que o Senhor é contigo.
Coragem, que o Senhor é fidelíssimo. Não falta ao que promete. Coragem, coragem, minha filha, no teu
calvário. Sofre, sofre muito e alegremente. Sofre tudo o que… Dá, dá a Jesus tudo quanto Ele te pede.
Sofre, porque o teu sofrimento é a escora mais firme que sustenta o braço do Eterno Pai, sustenta a Sua
justiça. Ai do mundo, ai do mundo! Ai de Portugal, ai de Portugal sem os teus sofrimentos, sem a tua
imolação. É urgente, é urgente. Pede oração, pede penitência, pede emenda de vida. Vem, vem agora
receber a gota do meu Divino Sangue. Oh! Maravilha celeste! Oh! Maravilha celeste! Oh! Maravilha do
Senhor! Dois corações unidos num só coração! Duas vidas numa só vida! A gotinha do Sangue passou.
Passou o alimento que te fortalece para a graça, para a dor, para a vida, para o amor. Vives a vida de
Cristo. Vives a mesma imolação de Cristo. Vives o mesmo Calvário de Cristo. Vives a mesma obra
salvadora de Cristo. Fica na tua cruz, minha filha. Espera nova dor, porque te preparei nova efusão de
amor. Coragem! Vai e dá a minha paz, o meu amor, a minha riqueza, tudo o que é meu. Coragem, e
convida com doçura, com amor, as almas a virem ao meu Divino Coração. Lembra-lhes que sou amor e
misericórdia e que sou justiça, tremenda justiça!”

— Ó Jesus, fico na minha dor, na minha cruz. Fico em trevas pavorosas. Que tudo isto cicatrize o Vosso
Divino Coração. Que todo este sofrimento atraia para as almas as graças que necessitem, tudo quanto
Vos tenho pedido e não sei pedir. Que todo este sofrimento arranque do Vosso Eterno Pai o perdão, a
misericórdia, a salvação para o mundo inteiro. Perdoai, Jesus. Perdoai, Jesus, e tende presente todas as
minha intenções. Amo-Vos, meu Jesus, e tudo aceito, para que toda a humanidade Vos ame. Obrigada,
meu Jesus. Ficai comigo. Sede a minha força.

— “Vai em paz, minha filha! Fica na cruz. Confia em Mim!”

6 de Fevereiro – Sexta-feira

Não vivo, sinto que não vivo. E, apesar destes sentimentos, sinto uma fome e uma sede que me mata.
Tenho fome e sede de Jesus. Vou à procura d’Ele, parece que chego a tocar o Céu, mas sem o encontrar.
Nuvens negras desfazem-se em pedaços, e eu desfaço-me com elas e com elas caio ao lodo imundo da
terra até me infundir e desaparecer. Tenho fome e sede infinita, fome e sede insuportável. Quero dar-
me, dar-me a todos os corações, a todas as almas; quero dar-me de tal forma que aqueles corações sejam
o meu coração e as almas a minha alma. Quero viver neles, quero possuí-los, quero que sejam uma só
vida, a minha vida. Falai, anjos e santos do Céu, falai por mim, dizei vós a dor infinita que penetra todo o
meu ser; dizei a infinidade desta fome e desta sede, porque eu não sei falar de tal grandeza, de tais
sentimentos; a minha ignorância leva-me a tudo isto. Se eu ansiasse e amasse, se eu me desse e
possuísse, se eu visse na minha cegueira, se eu visse na minha morte, se eu fosse útil no meu Calvário!
Mas nada, meu Deus, nada sou e nada há de aproveitável em mim! Quem ama sois vós, todos os meus
sentimentos são Vossos, quem vive sois Vós. Eu sou morte, cegueira e inutilidade. Eu sou um mundo,
um mundo insuportável de vícios. Eu sou um mar imenso de ondas venenosas, eu sou o desespero, a
condenação, eu sou um inferno mundial. As lágrimas do Coração do meu Jesus caem sobre o meu
coração, sinto-me cair, sinto o meu soluçar, sinto os punhais e espadas que o atravessam, sinto a Sua dor
infinita, dor que ultrapassa toda a dor terrestre, mas estou a tudo indiferente, nada há que me mova ao
arrependimento e ao amor e compaixão pelo meu Jesus. Celebrou-se a Santa Missa no meu quartinho.
Todo o meu ser foi um cadáver a assistir a ela. Imolei-me com Jesus por intermédio da Mãezinha; por
Ela levei junto d’Ele as minhas preces, a Ela pedi que pedisse e merecesse por mim e com os Seus
sentimentos acompanhasse a Jesus e assistisse ao Santo Sacrifício. A inutilidade rouba-me os desejos,
não os deixa chegar aos ouvidos de quem os dirigi. Pobre de mim! Momentos dolorosos, horas de pavor
os da minha vida. Sempre a lutar, a lutar na minha vida tremenda e duvidosa, mas sem deixar de repetir:
amo-Vos, Jesus, espero e confio em Vós, por Vós tudo aceito, ó meu Amor: sou a Vossa vítima.

Toda a minha vida fugi do Horto, e me atemorizou o Calvário. Sempre fugitiva e indiferente, sempre
apavorada quando os sentimentos ou o pensamento me levavam àquele solo duro, ao Jardim das
Oliveiras. Lá fiquei prostrada ontem por noite. Indizível agonia! As veias rasgaram-se e o sangue, que
delas rompeu, fervia como a panela sobre o lume. O coração estava aberto de cima a baixo e gotejava
sangue por entre grandes labaredas de fogo. Ah! Se eu pudesse, mas não é possível; fazer conhecer e
compreender este amor! Era de Jesus o amor de que falo. Ele ansiava infinitamente dar-nos a última
prova. Ansiava o Calvário para dar a vida. Só assim o nosso abraço era eterno. Hoje, levada por alguém,
não foi por mim, caminhei para o Calvário. Vinham ao meu encontro ondas de ódio e de crimes, as mais
agitadas, de nojenta podridão. A vencer essas ondas saíam de Jesus outras, mas eram ondas de amor, de
convite e de perdão. Eu fugi, fugi sempre delas. Sem saber como, encontrei-me no cimo do Calvário
junto de Jesus. A Sua voz dorida feriu os meus ouvidos. Era voz de convite. No alto da Cruz, nela
atravessado por grossos cravos, mostrava-me o Seu Divino Coração, chamava-me: “Vem a mim. Amo-te
tanto. Vê quanto sofri e sofro por ti!” Ai, não posso dizer! Eu queria então chorar lágrimas de sangue e
ficar para sempre crucificada e unida a Jesus. Então já com Ele, sofria igual dor, amava igual amor e
bradava ao Pai o mesmo brado de agonia. Foi num brado de amor que entreguei ao Pai o meu espírito.
Houve silêncio da morte em bom espaço de tempo. A seguir, veio Jesus, triste, mas com amor. Fez-me
viver e falou-me assim:

— “Real como no Céu está aqui o Senhor que ama, o Senhor que pede, o Senhor que quer dar-Se, o
Senhor que é o Mendigo do amor. Estou aqui. E ao que venho Eu? Pedir, sempre pedir. Estou aqui. E o
que venho dizer? Cuidado! Cuidado! Convertei-vos! Evitai o pecado; vinde ao Vosso Deus! Minha filha,
minha filha, Jesus está no teu coração, no templo da tua igreja, no sacrário, nesta celeste mansão. O teu
coração, minha filha, é o sacrário vivo, é o sacrário permanente da habitação de Jesus. É deste sacrário,
desta mansão celeste, onde eu habito, que Eu peço, peço com todo o amor do Meu Divino coração: ama-
me, ama-me, minha filha! Sofre por Mim. Faz que Eu seja amado: nunca ofendido! Faz que muitas
almas reparem este Divino Coração tão ultrajado. O Meu Eterno Pai, o Meu Eterno Pai está ofendido,
deveras irritado contra a terra, contra o mundo culpado. Depressa, depressa, muitas almas a
prostrarem-se diante do sacrário. Depressa, depressa, depressa, muitos corações a consolar, a reparar o
Senhor no sacrário. Minha filha, minha querida filha, ai, quantos crimes, quantos sacrilégios cometidos
no sacrário contra o Senhor, contra o Rei do sacrário. Venham almas, almas, muitas almas! Jesus o
pede. Venham aos bandos, por Maria, reparar o Senhor do sacrário. Minha filha, minha filha, minha
esposa querida, vítima predilecta deste Calvário, nenhuma prece Me pode ser mais agradável do que
aquela que vem dos lábios da Minha Bendita Mãe. Venham as almas, venham as almas a Jesus por
Maria. Por Maria reparar, por Maria receberem graças.”

— Ó meu Jesus, ó meu Jesus, Vós estais tão triste! A Vossa tristeza entristece-me também. Sinto, sinto
uma tristeza de morte. Que eu sofra e esteja triste, está certo, Jesus; mas ver-Vos eu triste, não posso
concordar, não, não, meu Jesus. Dizei-me, dizei-me o que posso fazer eu por Vós?

— “Minha filha, minha filha, dá-me a tua dor, deixa que o teu coração sangre sempre, deixa que a tua
alma chore dia e noite. A onda dos vícios, dos crimes hediondos, exige esta reparação. Sofre com alegria
a heroicidade. Só assim Jesus está alegre e consolado. Eu mostrei-Me triste e sofredor, para que toda a
minha tristeza e dor ficassem no teu coração.”
— Jesus, Jesus, que escuridão, que negra escuridão! Que peso, que peso insuportável arranca-me de
dentro do peito a alma e o coração! Esmagam-me, esmagam-me.

— “São os pecados, os vícios, os vícios cometidos contra o teu Senhor, contra o Pai da humanidade. Esta
noite é a noite das almas em pecado. São as trevas infernais. Arranca-as, arranca-as a Satanás, condu-las
pelos teus sofrimentos a Jesus, ao teu Esposo. Vem receber a gota do Meu Divino Sangue. Uni, minha
filha, ao teu o Meu coração. Uni à tua a Minha sagrada face. É uma prova do Meu infinito amor. A
gotinha do Sangue passou. Novo sangue corre nas tuas veias, nova vida, novo amor do teu Jesus.”

— Obrigada, meu Jesus. As trevas desapareceram. Brilha a Vossa luz, queima-me o Vosso amor. Já
posso respirar. O peso é mais suave.

— “Enche-te, minha filha, fortalece-te para o novo peso da cruz. Enche-te, fortalece-te, esposa minha,
para o teu doloroso e difícil calvário. Coragem! Coragem! Vai em paz! Brada, brada, brada, para que o
teu brado, pelo Papa, ecoe no mundo: oração, penitência, vida nova, vida pura! Jesus o pede!”

— Obrigada, meu Jesus. Não Vos separeis de mim e atendei, atendei às minhas intenções. Estão todas
no meu coração. Atendei-me! Confio em Vós!

— “Vai em paz, minha filha. Confia, confia sempre!”

— Obrigada, Jesus. Obrigada, meu Amor!

7 de Fevereiro – Primeiro Sábado

Passei a noite numa agonia de alma. O corpo parecia desfazer-se pelo sofrimento. A alma agonizava com
ele. Unia-me a Jesus, fazia-Lhe pedidos, entregava-me a Ele. Ansiava recebê-Lo, mas atormentava-me o
pensamento do primeiro sábado. Queria libertar-me dos seus colóquios. É sem dúvida o receio de me
enganar que me leva a tudo isto. Estava numa tristeza mortal! Veio Jesus e a sua entrada no meu
coração transformou-me por completo. Todo o meu ser se mergulhou n’Ele. A minha vida era toda d’Ele.
Fez-me grande, grande como Ele. Iluminou-me com a Sua luz, abrasou-me em Seu amor e disse-me:

“O Céu na terra, o Céu na terra, neste quartinho, neste calvário. Minha filha, minha filha, faço do teu
coração o Meu paraíso. Desci do Céu ao Meu céu na terra. Aqui habito, aqui habito, aqui tenho a minha
morada permanente. Venho, venho encorajar-te, venho fortalecer-te, venho desabafar contigo as minhas
mágoas. O mundo tão cruel não deixa de ultrajar-Me. Os pecadores abismados nos seus crimes não
deixam de alancear e apunhalar o Meu coração. Ai do mundo, ai das nações se não vêem o mal que se
avizinha, que se aproxima. A mão vingadora do Meu Eterno Pai vai caindo sobre a terra. O que será, o
que será, se o mundo não se converte, se os pecadores não arrepiam caminho?! Minha filha, minha
filha, minha querida filha, pomba bela, florinha dos meus sacrários, sofre pelos pecadores, salva os
pecadores. Sofre pelos sacerdotes, repara pelos sacerdotes. Ai, como eles me ofendem! Que horrorosos,
que horrorosos são os seus crimes! Repara, repara, filha minha, põe aqueles que me juraram fidelidade.
Ai deles, si deles! Quantos estão prestes a cair no inferno, se não houver quem por eles se imole e
sacrifique!”

Ó Jesus, estou pronta a sofrer. Sacrificai-me, imolai-me. Não quero que sejais ofendido e quero que eles
se salvem. Diz, minha filha, ao teu paizinho, que Jesus no Seu amor infinito lhe pede almas, muitas
almas reparadoras. E ele como mestre e guia das almas as encaminhe, as leve ao cimo do calvário. Diz-
lhe, diz-lhe que é o Meu amor, o Meu amor, a Minha loucura de amor que lhe pede a sua imolação. Pedi-
lha e continuo a pedir-lha. Que se imole ele e faça que elas se imolem. Diz-lhe que o Meu Divino Coração
não tem outra coisa para ele senão ternura, amor, ternura, amor. Sou todo dele. Diz que não tenho outra
coisa para ele a não ser dar-me, dar-me inteiramente a ele. É árdua, é espinhosa a sua missão. Foi o meu
amor infinito que me levou a isso. Diz-lhe que ele me foi fidelíssimo. Tudo me deu, tudo me dará
sempre. Eu não falto ao que prometi. Tudo passa, menos as minhas palavras, as minhas promessas. Dá-
lhe amor, amor sem fim. Diz, diz ao teu médico que o Céu se abre em abundantes graças, que o Meu
Divino Coração faz chover sobre ele e o seu jardim florido chuva de bênçãos, chuva de amor, chuva que
não cessa de cair. Diz-lhe que conte coMigo e que de Mim espere toda a protecção, todo o auxílio para
todas as coisas. Diz-lhe que para ele desempenhar tão alta missão tem de ser selado com o selo do
sofrimento. Diz-lhe que o Céu é dele e de todos os que lhe pertencem. Dá-lhe a ternura do Meu Divino
Coração com o Meu amor infinito. Diz-lhe que Jesus lhe pede: mãos à obra, mãos à obra, mãos à obra. -
Minha Bendita Mãe, Minha Bendita Mãe, vem, vem já. A nossa filhinha necessita do Meu e Teu
conforto”.

Mãezinha, Mãezinha de Lurdes, és toda bela, és toda bela, minha querida Mãezinha. Faz-me pura, pura.
Assemelha-me a Ti, Mãezinha. Minha Mãezinha, como estou bem no Teu amantíssimo Coração. O Vosso
carinho, o Vosso conforto encheu-me tanto, tanto o coração! Não cabe dentro do peito. Eu não sou digna
de Vos beijar, mas sois Vós digna, Mãezinha, que eu corresponda ao Vosso amor.

— “Minha filha, minha querida filha, agora forte dos mimos celestes, vai para a tua cruz, vai reparar o
Coração divino de Jesus e o Meu. Vai fazer que sejamos amados. Fica na tua cruz, para dares a Jesus
tudo quanto Ele te pedir. Os Seus pedidos são os Meus. O Seu amor é o Meu amor. Vai, filhinha minha,
vai dizer ao mundo que a Mãe de Jesus pede para que não ofenda, contriste mais o seu Jesus. Vai,
filhinha, vai dizer ao mundo que a Mãe de Jesus desceu do Céu à terra, falou pelos teus lábios e pediu
que amem a Jesus, que não ofendam a Jesus. Que se convertam, que se convertam, que façam oração e
penitência. Recebe novas carícias, nova efusão de amor.”

— “Minha filha, minha querida filha, sou Eu e a Minha Bendita Mãe a acariciar-te, a encher-te do amor
infinito dos Nossos amantíssimos Corações. Vai, dá tudo o que recebeste aos que amas, aos que te
rodeiam e te pertencem. Felizes, felizes de quantos se aproximam de ti. Quanto mais de ti se
aproximarem, mais graças, mais vida divina recebem. Vai em paz! Fica na tua cruz! Coragem na tua
cruz! Coragem no teu calvário!”

— Não Vos deixo, não Vos largo dos meus braços, Jesus, Mãezinha, sem Vos pedir: atendei às minhas
preces. Atendei às minhas preces. Atendei, atendei, Jesus. Atendei, Mãezinha. Perdoai, perdoai ao
mundo inteiro!...

13 de Fevereiro – Sexta-feira

Vou dizer pouco, muito pouco, porque não posso. Mas quero tornar doce o meu Calvário por meio da
obediência. Eu queria refugiar-me, viver só para Jesus, unida a Ele; fugir do convívio das pessoas, de
tudo quanto é do mundo, e nada dizer, apesar da necessidade imensa, ou até infinita de dizer o muito
que me vai na alma. Não posso ter querer, quero o que quer o meu Senhor, submeto-me em tudo à Sua
divina vontade. É por isso que o amargo é doce e eu obedeço, à custa de todo o sacrifício, à voz de quem
manda. A minha ignorância não me permite exprimir-me; a inutilidade presta-se a roubar-me para ela
tudo. Mas o coração e a alma, a transbordar de dor e agonia, deixam que os lábios vão balbuciando
alguma coisa daquilo que lhes sobra. Dor, dor, ó meu Deus, tanta dor e agonia. Se não fosse Jesus a viver
na minha morte e a sofrer no meu calvário, o que seria de mim? A minha vida era um contínuo
desespero. As quatro paredes do meu quartinho são as testemunhas dos meus desabafos. Ouvem o que
eu digo a Jesus: nasci para a dor, nasci para a prisão no meu leito; todos me deixaram, sinto que o
abandono é de toda a criatura humana. Não me deixeis, não me abandoneis, Vós, meu Jesus; valei-me,
querida Mãezinha. A tempestade furiosa, as ondas agitadíssimas do mar não cessam, eu desfaço-me
toda em podridão. Tenho que me ver a mim mesma e causa-me horror ver-me assim. Que mundo de
vícios, de crimes e veneno eu sou. Ai, que pavor, ai, que pavor! A justiça do Senhor esmaga-me, aniquila-
me. E todo o inferno está revoltado contra mim. Não posso virar-me para parte alguma; estou sem
socorro do Céu e da terra. Parece que só tenho presente a maldade e que são os demónios a ensinarem-
me, a mostrarem-me em formas horrorosas como são praticados os crimes. Meu Deus, ó meu Deus! Já
diviso ao longe, muito ao longe, aquela morte que vem sobre a morte de cada momento que sempre
sinto. Assim de longe ela já me fere o coração com punhais e lanças que com ela traz. Que dor, que dor
infinita! Ontem durante a tarde, sentia que o meu corpo era a humanidade inteira apodrecida. E a
mesma humanidade pesava sobre mim a esmagar-me, a reduzir-me ao nada. Já de noite, com estes
sentimentos, fiquei prostrada com o rosto em terra no Jardim das Oliveiras. O Céu desceu sobre o
mundo do meu corpo; esmagou-me tanto, levou-me aos abismos. Pareceu-me que as entranhas se
espalharam no solo duro e as veias rasgadas regaram de sangue a terra sob o peso da justiça infinita do
Pai. Que agonia mortal! Hoje recordei o Calvário, recordei-o e não o conhecia; recordei-o e não me
utilizei dele, caminhei sempre fugitiva, pareceu-me ter levado a vida num desespero e revolta. Sem saber
quem me conduziu, cheguei ao cimo da montanha e ali todo o meu corpo se revestiu do de Jesus e ficou
a sentir todas as chagas e feridas que tinha o Sem santíssimo Corpo. O coração bradava e a alma, numa
verdadeira agonia, queria desprender-se, soltar-se e voar para o Pai. Lágrimas de sangue saíram dos
olhos de Jesus, vieram cair no meu coração que em união o d’Ele sentia as mesmas afrontas e a mesma
dor infinita. Ânsias infinitas de me unir ao Pai e de reconciliar o Céu com a terra, dando a esta o mesmo
Céu, levaram-me a expirar na mais dolorosa agonia. Pouco tempo depois desta separação da alma do
corpo, veio Jesus, deu-me de novo a vida e, com voz triste e dolorida, falou-me assim:

— “Está aqui Jesus, está aqui o Amor. Está aqui Jesus, está aqui o Céu, está aqui o Mendigo. Está aqui
Jesus com todo o poder, com toda a glória. O Mendigo vem pedir, pedir, pedir. Quem pede é Jesus.
Quem dá é Jesus. Peço amor, peço amor, peço amor. Eu quero receber e prometo dar. Peço amor e dou
amor. Peço penitência, peço oração, peço emenda de vida. Dou as minhas graças, dou as minhas
riquezas, dou o meu perdão com todo o meu amor. Vinde a Mim, vinde a Mim! Ah! Se vós ouvísseis a
voz e o chamamento do Senhor!... Minha filha, minha filha, se o mundo, se os pecadores não resistissem
tanto à voz e aos pedidos do seu Deus. Onde está o Pai que ama como Jesus? Que Pai podeis apresentar
que perdoe como Jesus? Como Eu não posso ser igualado a nenhum outro pai, sofro como nenhum pai
da terra sofre. Sofro, sofro e sangra o meu Divino Coração.”

Que enxurradas de sangue, meu Jesus. Que mar de sangue eu vejo no Vosso Divino Coração. Essas
enxurradas vêm de encontro ao meu pobre coração. Estou toda, toda a nadar neste mar infinito de
sangue. Lanço-me ao Vosso santíssimo pescoço. Agarro-me a Vós, Jesus, agarro-me a Vós, Jesus. Se o
não faço, vou ao fundo. Afogo-me neste sangue divino. Que dor, que dor que me mata! Tira-me a vida.
Sinto-me a fugir. Morro, morro, Jesus. Eu não posso ver-Vos assim a sangrar. Eu não posso sentir desta
forma a Vossa dor. Quero acariciar-Vos, Jesus. Quero acariciar-Vos, Jesus. O Vosso santíssimo rosto
está sobre o meu peito. Não sou digna, bem o sei, mas quero acariciar-Vos com a Vossa ternura, com o
Vosso amor. Sei que, só com o que é Vosso, a chaga do Vosso Divino Coração cicatriza. Jesus, Jesus, é o
Vosso divino amor que eu Vos dou. É o amor do Pai e do Espírito Santo e o da querida Mãezinha, o amor
de todos os bem-aventurados do Céu que eu Vos ofereço. Aceitai por mim, por todos, todos os que me
são queridos, aceitai-o pelos pecadores, aceitai-o pela humanidade inteira. Não sofrais mais, meu Jesus,
e à vista deste amor esquecei os crimes de toda a humanidade. Já sois outro, meu Jesus. Todo Vós sois
luz, e foi a Vossa luz que iluminou a minha alma, e o Vosso fogo de amor que aqueceu e abrasou o meu
coração.

— “Minha filha, minha filha, vítima reparadora, vítima de amor, florinha eucarística, os teus desejos, as
tuas ânsias sararam as minhas chagas. Fizeram sangrar o sangue que derramava o meu Coração divino,
o meu Coração de Pai. Os teus desejos, as tuas ânsias levam-me mais e mais à compaixão pelos
pecadores, pela pobre humanidade. Sofre, sofre, minha filha, minha pomba bela. Sofre, sofre; acode às
almas, acode às almas. Sofre, sofre. Sustenta o braço da justiça de meu Pai. Repara, repara o meu Eterno
Pai.

A Sua justiça, a Sua justiça quer continuar a punir o mundo culpado. Acode às almas. Acode às almas,
não deixes que elas se percam. A tua missão árdua, a tua missão, a mais espinhosa, leva-te ao mais
doloroso martírio, à mais tremenda crucifixão. Se pudesses ver a glória que te espera!... Se pudesse ver e
ouvir o triunfo da tua entrada no Céu!... Não morrias de dor, morrias, morrias de amor!...”

— Morrer de dor ou morrer de amor, Jesus, não me importa. O que eu quero é morrer conforme a Vossa
divina vontade.

— “Vem receber a gota do meu Divino Sangue. Desceram os anjos, desceram os anjos, vieram unir o
tubo doirado ao teu e ao meu Divino Coração. Pelo mesmo tubo passou a gotinha de sangue, o alimento
prodigioso que te faz viver, a vida divina que te faz ser forte e heroína no teu calvário. Desligaram o tubo
os anjos e voaram para o Céu. Ficaram os nossos corações num só coração. Confia, confia, minha filha,
confia, louquinha da Eucaristia. Eu vou e fico contigo. A tua vida é a vida de Cristo crucificado. O teu
corpo é outro corpo de Cristo chagado, despedaçado, todo em sangue. Coragem, coragem, minha filha;
fica na tua cruz. É cruz de triunfo, é cruz de salvação. Pede ao mundo que se apresse a deixar o pecado, a
deixar o pecado e ir junto do seu Deus. Pede, pede emenda de vida, oração, penitência. Sofre, minha
filha, acode às almas, acode às almas. Não as deixes cair no inferno eternamente.”

— Jesus, sou a Vossa vítima, sou a Vossa vítima. Jesus, estou pronta para tudo. Não me deixeis ofender-
Vos, não me deixeis sozinha. Dou-Vos o meu coração para Vos servir e amar, repara o Vosso Divino
coração. Dou-Vo-lo com todas as minhas intenções. Vede-as e despachai tudo em meu favor.

— “Confia, minha filha, e vai em paz. Enche-te, mais uma vez, do meu amor. Enche-te e incendeia o
mundo.”

— Obrigada, Jesus. Obrigada, meu Amor. O meu eterno obrigada!

20 de Fevereiro – Sexta-feira

Que pavor, que pavor a minha vida, a minha vida que é uma noite tenebrosa, a minha vida que é uma
morte contínua. As nuvens rasgam-se, o Céu com toda Sua justiça divina cai sobre mim e descarrega
todo o Seu peso. A foice do Senhor ceifa-me mortalmente. A terra abre-se com todo o inferno para me
engolir. Não posso bradar, porque a prensa do sofrimento moeu-me, transformou-me em farinha que os
ventos furiosos espalharam e fizeram desaparecer como fumo. Não posso bradar; o meu brado
moribundo não chega até ao Senhor. Só d’Ele me poderia vir o auxílio, se eu soubesse, se eu pudesse
pedir e tivesse vida para invocar o Seu santo nome. O que eu sou, o que eu sofro não o sabe dizer a
minha ignorância. O mérito do meu sofrimento roubou-mo a inutilidade. Nada ambiciono para mim,
mas sim para oferecer a Jesus. Tanto queria consolá-Lo, dando-Lhe todas as almas. Tanto queria
consolá-Lo, evitando todo o pecado! Tanto queria amá-Lo e fazer que nem um só coração da
humanidade inteira deixasse de O amar. Pobre de mim, pobre de mim! Não passo além dos desejos,
tudo se reduz ao nada. As minhas ânsias, a minha fome são infinitas; são tão grandes, tão grandes, só a
humanidade inteira as satisfaria. Mas como, meu Deus?! A humanidade sou eu, a humanidade perdida!
Valei-me, ó Jesus, valei-me, ó Mãezinha. Na terra não há luz nem vida, na terra não há conforto, tudo
perdi. Sinto que todos me deixaram e que não há um fôlego vivo em meu favor. Sobre a minha morte
vem a outra morte, que só a visão dela me despedaça o coração e a alma. Ela vem sobre mim com todo o
ódio e rancor. Ontem, tive a minha alma sempre apavorada, sempre em agonia com a aproximação do
Horto. Eu fugia-lhe, mas a agonia não cessava. Ia já alta a noite, e eu prostrada sobre aquele solo duro
era tão grande como Deus e como Deus amava. Principiei a misturar-me com a terra, fiquei toda
manchada, abandonada pelo Eterno Pai e sob o peso da Sua justiça tive a visão do Calvário. Chegou ao
extremo a agonia. Senti um fortíssimo suor de sangue. Todos os cabelos nele se ensoparam; por eles
caíam repetidas gotas que me banhavam o corpo e regavam a terra. Talvez uma hora depois deste
sofrimento sobreveio-me outro não menos doloroso. Fui vítima dos maiores crimes, dos maiores vícios.
Eu tinha uma fome imensa das paixões. Parecia-me que não havia maldade que eu não soubesse nem
praticasse. Nesta fome insaciável, entreguei-me a todo o vício. Horror, horror, pavoroso horror. O que
eu vi, o que me pareceu fazer! era toda pecado, podridão e miséria. A minha maldade era grande, grande
como o mundo. Foi tremenda a luta. Chamei por Jesus e pela Mãezinha, pedi-Lhes que viessem em meu
auxílio, que eu era a Sua vítima. Parecia-me que não era do coração o meu chamamento. Quando eu
assim lutava e sofria, ouvi a voz de Jesus, mas uma voz muito dorida que dizia: Ai, ai, ai! Vi que Ele
passava ao meu lado espavorido. O Seu santíssimo Coração eram fontanários de sangue que se
espalhavam ao longe como chafarizes. Por entre o sangue saíam raios de fogo penetradores; chegaram
até mim. Com esta passagem, a luta cessou; uma grande paz me inundou a alma: já não era a mesma.
Senti e compreendi que não era nada do que até ali sentia e compreendia. Estes sentimentos e
tranquilidade foram pouco duradouros. Tremendas dúvidas me levaram ao abismo de dúvidas e receios.
Aqueles sentimentos foram depois de eu me ter saciado de prazeres e de vícios. Ai, meu Deus, quanto eu
sofri! Temia comungar; mas, como não tive nenhuma luz, nenhum guia, à hora da visita do meu Jesus,
recebi-O em meu coração, tímida, muito tímida. E assim segui para o Calvário, a sentir no coração os
gemidos e ais doridos da Sua passagem por mim durante a noite, quando Ele fugia dos maus-tratos e me
pareceu ser eu a dar-Lhos com os meus crimes. Fui seguindo a montanha com o coração a sangrar de
dor. A cada passo parecia-me agonizar. No cimo do Calvário fui crucificada com Jesus. O sangue corria
das Suas chagas e das minhas, porque estávamos num corpo só: regava a cruz, regava a terra. O nosso
brado atravessava as nuvens, chegava ao Céu. Mas este, fechado, fazia que o brado recuasse e de lá
nenhum conforto viesse. A agonia aumentava, a morte avizinhava-se. Jesus fitava os olhos no Céu e ao
mundo abria o Seu divino Coração. Entregou ao Pai o Seu espírito e eu com Ele. Por um pouco de tempo
houve o silêncio da morte que reinou em todo o Calvário. Veio Jesus com a Sua vida, fez-me viver e
falou-me assim:

— “Está tristíssimo, tristíssimo, tristíssimo o meu Divino Coração. Os pecadores, os pescadores


obstinados em seu pecado renovam a minha sagrada paixão e morte, desafiam a justiça do Senhor.
Estou triste, triste, tristíssimo. Peço, peço às almas vítimas. Peço, peço sobretudo neste calvário a esta
vítima continuamente imolada, para que peça ao mundo, aos pecadores, aos filhos meus, que se
convertam, que arrepiem caminho, que venham todos, todos, ao meu divino Coração. Não sou ouvido,
não atendem aos meus pedidos. Pecam dia e noite. Crucificam-me a cada momento. Eu falo pelos lábios
da minha vítima. É de dentro do seu coração, do meu tabernáculo, do meu sacrário permanente que Eu
peço, que Eu suplico: haja emenda de vida! Faça-se oração, faça-se penitência! Vinde a Mim, vinde a
Mim, filhos meus. Vinde a Mim, vinde a Mim, filhinhos do meu sangue divino. Filhinhos, filhinhos,
palavra terna, filhinhos, filhinhos, palavra amorosa saída do Coração de Deus, pelos lábios da grande
vítima deste Calvário, da maior vítima que Jesus escolheu na terra para ser imolada neste século com os
maiores vícios, os maiores crimes na maior inundação de iniquidades. Estou triste, tristíssimo. Estou
triste e choro, minha filha, minha querida filha, pomba branca que esvoaças sobre os meus sacrários,
flor perfumada que os adornas com a variedade das tuas virtudes.”

— Ó meu Jesus, quero alegrar-Vos, quero consolar-Vos. Não quero que choreis. Dou-Vos o meu pobre
coração com o meu frio amor. Dou-Vos todo o meu corpo para toda a imolação. Seja tudo isto, que não é
nada, o estanque das Vossa lágrimas. Consolar-Vos, Jesus, consolar-Vos, Jesus, com todas as almas
vítimas que Vos amam mais do que eu Vos amo e sabem sofrer melhor do que eu sofro. Consolai-Vos
com os meus desejos que tenho de Vos amar e evitar todo o pecado. Consolai-Vos com as minhas ânsias
consumidoras de reparar todas as ofensas feitas ao Vosso Divino Coração, cometidas contra a majestade
divina. Não choreis, não choreis, Jesus. Eu sou a Vossa vítima. De boa vontade eu sofria até ao fim dos
séculos para Vós não sofrerdes nem um só momento e para Vos salvar as almas.

— “Ó louquinha de Jesus, faço tudo isto para que seja bem compreendido e esclarecido o teu amor
heróico, o teu amor louquinho a Jesus e às almas. Tu és luz, tu és farol de toda a humanidade. Tu és o
porta-voz de Jesus. Tu és a cópia fiel de Cristo crucificado. Já não choro. Foste tu, esposa querida, que
estancaste as minhas lágrimas. Sofre, sofre com fortaleza, com alegria. Repara-me por todos os crimes.
Dá-me a reparação que te exijo, quantas vezes te exigir. Exijo-a de ti, porque o mundo de Mim a exige.
Exijo-a de ti para a salvação das almas da pobre humanidade. Muitas, muitas são ingratas para contigo,
mas tem coragem! Muitas mais são-no para comigo! Vem receber a gota do meu Divino sangue. Ó
alimento celeste, ó alimento divino, ó sangue que gerou e gera as virgens, ó prodígio, ó prodígio do
senhor!... Levou-te vida, minha filha, levou-te conforto, levou-te amor esta gotinha de sangue. Tudo
quanto de mim recebes faz que reverta em favor do mundo, em favor de todos quantos de ti se
aproximem. Fica na tua cruz, nesta cruz dolorosa. Fica neste calvário, neste calvário de salvação para as
almas. Tem coragem! Tem coragem! Jesus é contigo. O Céu que te espera para bem breve assiste-te.
Confia, confia!”

— Ó Jesus, ó Jesus, estou a nadar no Vosso amor, mas já vejo o mar da minha dor. Lanço-me a ele por
Vosso amor. Antes da Vossa ausência, ouvi-me mais uma vez. Atendei às minhas preces, atendei aos
meus rogos. Vede o que anseia o meu coração. Perdoai e compadecei-Vos do mundo inteiro.
— “Vai em paz. Fica na tua paz, minha filha. Coragem e confia!”

— Obrigada, obrigada, Jesus!

27 de Fevereiro de 1953 – Sexta-feira

Não posso falar, não posso mesmo, não posso, tal é o tormento que sinto no meu corpo. Não posso falar
e sinto a necessidade de nem um só momento deixar de dizer a Jesus que O amo. Mas queria poder fazer
que todos os lábios humanos repetissem a mesma coisa, com a mesma ansiedade e ardores do coração. A
mar a Jesus, fazê-Lo amado e evitar o pecado. Ó meu Deus, ó meu Deus, aceitai estas ânsias que me
consomem e me matam. São ânsias que formam um livro que só o Céu sabe ler, que nunca terá fim.
Aceitai, Jesus, o que eu queria dizer, aceitai tudo o que está no meu coração. Eu não sei e não posso dizer
mais. O meu horto de ontem, o meu calvário de hoje foram duma agonia indizível, infinita. Para mim, de
uma agonia cega, muda e morta, agonia pavorosa, que só a força do céu podia vencer. Todo o meu ser
misturado com a terra foi retalhado, cruelmente alanceado. Tudo se transformou numa massa de
sangue. Era uma bola que todas as mãos humanas jogavam e a prensa da dor esmagava-a, reduzia-a a
nada. Agonia que só o Céu via e compreendia. Hoje a viagem para o Calvário foi o mesmo doloroso
martírio. Foi um ser humano que sofreu, uma vida divina que venceu. Em toda a viagem dolorosa perdi
quase todo o meu sangue. O amor levou-me à cruz. E nessas horas de agonia foi a mesma vida divina
que venceu no meu corpo chagado, cadavérico. O amor unido à graça e à vida divina triunfou na dor,
triunfou na morte.

Jesus expirou e eu senti como se o meu espírito se separasse também. Reinou o silêncio mortal. Veio
Jesus ressuscitado. A Sua vida fez-me ressuscitar também a mim, e logo a Sua divina voz me fez ouvir
assim:

— “Estou frio, estou gelado. Caiu sobre mim o gelo dos corações tíbios. Caíram sobre mim as ondas das
paixões e dos vícios. Que revolta, que revolta contra o Céu. A maldade contra Deus. Os filhos contra o
Seu Pai. É necessário, é urgente pôr termo às tempestades dos vícios. Pobre mundo! Pobre mundo! Não
ouve a voz do seu Deus. Não atende aos pedidos de Jesus.”

— Ó Jesus, que noite tão pavorosa! Que ondas infinitas caem sobre mim e me precipitam nos abismos.
Temo, tremo e morro de pavor. Ó Jesus, ó Jesus, vinde em meu auxílio!

— “Coragem, coragem, minha filha. Sofres, porque és vítima, mas o Senhor está contigo. Jesus guia a tua
nau na tremenda tempestade. O que é o mundo, o que é o mundo nos crimes e vícios hediondos! Como
está o mundo, e pobre do mundo! Minha filha, minha filha, ó flor mimosa! Minha filha, minha filha, ó
florinha eucarística, o Senhor convida-te a mais e mais dor. O teu Jesus, o teu Esposo pede-te mais e
mais cruz. A tua dor, a tua dor, minha filha!... Como é valiosa a tua dor! Acode, acode às almas. Só a dor,
só a dor, só o calvário e a cruz as podem salvar. Minha filha, minha pomba bela, entrega-te, entrega-te
sempre mais e mais ao teu Jesus para a imolação, para o sacrifício.”

— Ó meu Jesus, ó meu Jesus, vou para os Vossos divinos braços como a avezinha para o ninho. Vou e a
Vós me entrego, a Vós me abandono, como sempre, pelas mãos, pelos lábios, pelo coração da Mãezinha.
Abandono-me, sim, Jesus, para a dor. Entrego-me a todo o martírio. Abandono-me à Vossa divina
vontade. Ó Jesus, Vós não sois já aquele pobrezinho que eu vi no princípio. Já Vos vejo todo amor, todo
luz. Todo o meu ser é fogo. O meu coração sorri para Vós e Vós, meu Jesus, sorris-Vos para mim. Como
é terno e doce o Vosso sorriso! Sinto necessidade e repousar em Vós.

— “Vem, vem, pomba bela, esposa querida. Inclina-te sobre o meu Divino Coração. Descansa, descansa
aqui. Alerta, alerta, minha filha, tens nova força para novos sofrimentos.”

— Sim, Jesus, já estou mais forte. Já vejo, já vejo de novo a noite tormentosa, a noite cheia de agonia, os
espinhos que vêm ferir-me. Bem vindo, bem vindo seja tudo o que Vos apraz.
— “Vem, guia das almas, vem farol do mundo, vem receber a gota do meu Divino Sangue. Uniram-se os
dois corações: o divino ao humano. E a gotinha de sangue passou, e uma grande efusão de amor. Passou
a vida divina, passou o amor que é força na dor. Vive de Mim, minha filha, e faz que as almas vivam a
mesma vida. Vive de Mim e espalha pela humanidade o Meu amor. As almas!... As almas! Felizes das
que mais de ti se aproximam! Quem mais se aproximar de ti, mais graça e amor recebe. Coragem,
coragem, para salvares as almas. Toda a humanidade aproveita do teu calvário. Coragem, minha filha.
Criei-te para a missão mais sublime e mais difícil de desempenhar. Coragem, coragem, e fica na tua cruz.
Vêm os anjos apertarem-te mais e mais os cravos. Sofre, sofre neste tempo quaresmal. Que chuva, que
chuva de sacrilégios!... Repara, repara o teu Jesus! Repara, aplaca a justiça do meu Pai. Repete, repete
muitas vezes: oração, penitência, penitência, emenda de vida, emenda de vida, emenda de vida. São
palavras de Jesus.”

— Obrigada, Jesus. Trabalham bem os Vossos anjos. Estou bem presa, bem presa à cruz. Lembro-Vos as
minas intenções, tão grandes, tão grandes, Jesus. Lembro-Vos os que me são queridos, os que pedem as
minhas orações e a humanidade inteira.

— “Vai em paz, minha filha! Vai em paz! Coragem, minha filha, e confiança!”

— Obrigada, meu Jesus! Obrigada, meu doce Amor!

6 de Março de 1953 – Sexta-feira

Tormento da minha vida ter de falar da minha dor, daquilo que Jesus me manda esconder. Para
obedecer tenho de falar do sofrimento, outra coisa não tenho. Mas, para consolar a Jesus e fazer o que
Ele me pede, esconder a dor, esforço-me tanto quanto posso por sorrir e sorrir sempre, mesmo quando
tenho a alma e o coração retalhados, o corpo moído pela violência do sofrimento. Se não fosse para
obedecer, a ninguém, ou a quase ninguém, eu fazia compreender o meu calvário. O que será de mim,
meu Deus, sem o Vosso auxílio! Vinde depressa, Jesus, vinde socorrer-me. Sinto que não posso mais e
sinto as ânsias mais consumidoras de mais e mais sofrer. Não posso pensar nem saber que Jesus é tão
ofendido. Não posso pensar que as almas se perdem e vão para o Inferno! Ai, eu ver o Sangue do meu
Jesus perdido, não posso, não posso! A minha dor é tão grande como o mundo, é mais que imensa, é
infinita! As ânsias, a dor de pôr termo ao pecado, de amar e ver Nosso Senhor amado por todos os
corações são tão infinitas e tão grandes como Deus. Pela minha ignorância não sou capaz de exprimir
isto melhor. Sofrer uma ida inteira, sofrer enquanto o mundo for mundo, com a graça e a força do
Senhor não custa; o que custa é não poder remediar o mal, o que me custa e causa uma agonia de morte
é o não amar nem fazer que o meu Jesus seja amado. Que pavor ter em mim um mundo dos mais
horrorosos crimes e ter que responder por eles ao Senhor. Todo o meu ser apodreceu e foi desfeito pelos
vícios; todos os meus sentidos andam loucos, perdidos à busca de se satisfazerem nas paixões. Tudo em
mim é veneno e maldade. O meu coração sangra, é um mar de sangue. Está todo apunhalado, cercado e
trespassado de espinhos. Mas isto sempre a toda a hora, a cada momento. Não posso viver no mundo,
não posso estar mais aqui. A inutilidade roubou-me o passado e o futuro; não poderei ter nada para
oferecer ao Céu. E, para maior tormento, agora tenho receio de partir. Não sou sincera a Jesus quando
Lhe peço o Céu e me parece que as minhas ânsias não podem ser maiores. Sinto que aquilo que Lhe não
é verdade, tenho medo d’Ele e de comparecer na Sua presença. Não posso respirar com o peso de tudo
isto e o peso das humilhações e do abandono que sinto de toda a gente. Parece que estou esgotada de
fazer a vontade do Senhor, de querer o que Ele quer. Valei-me, Senhor, valei-me. Ai que tremenda noite!
Já vem mais perto aquela morte cruel e ingrata. À medida que se vai aproximando, torna o meu coração
mais ofegante, mais dorido e apavorado. Bendito seja tudo o que me dá o Senhor! Não posso deixar de O
louvar e de Lhe agradecer. Chamo por Ele e pela Mãezinha tantas vezes para virem em meu auxílio! Mas
eu não sou digna de ser atendida e parece-me que não sou d’Eles, que não Lhes pertenço. Ai, quanto eu
sofro, meu Deus, quanto eu sofro e quantos sofrimentos escondo. Só Vós os sabeis, meu Jesus. Ontem de
manhã, o Calvário levantou-se no meu coração. Como ele sangrava ferido por cruel lança! Que tremenda
montanha! Este sofrimento prolongou-se em todas as horas do dia. Era já de noite e eu toda mundo,
toda podridão e pecado tornei-me responsável para diante do Eterno Pai. Era só eu a pagar-Lhe esta
inigualável dívida. Para um mundo pecado e de podridão um mundo de sangue e purificação. Tinha que
lavar toda a terra. O coração principiou a jorrar sangue. As veias rasgaram-se e uma inundação de
sangue mergulhou em si toda a humanidade manchada. Fui presa com Jesus e com Ele levada aos
pontapés para os tribunais. Condenada a morrer, e morte de cruz, segui com ela sobre os ombros para o
Calvário. O meu coração sentia os suspiros íntimos de Jesus; os Seus olhares terníssimos gravaram-se
bem nele. Ele, sem me falar, chamava-me e convidava-me a segui-Lo. A inutilidade roubava-me o Seu
chamamento. Um amor, que não era meu, obrigava-me a subir a montanha e, no cimo dela crucificada,
bradava ao Eterno Pai. Quanto mais a agonia aumentava, mais só e abandonada me sentia. O Céu
fechava-se mais fortemente e o meu brado parecia não entrar lá. O coração estalava de dor e toda a terra
tremia. Era um poder supremo que a fazia estremecer. Que medo, que medo, que pavor vindo da terra,
que pavor vindo do Céu! Jesus expirou e eu com Ele dei a vida. A minha alma desprendeu-se e pareceu-
me deixar o corpo. Após alguns momentos desta separação, veio Jesus. Deu-me a vida e falou-me assim:

— “Minha filha, minha filha, Eu sou o Senhor. Dou-te a minha vida. Minha filha, minha filha, é bem
triste a minha dor. Vejo o mundo perdido a precipitar-se no abismo. Vejo as almas loucas, loucas a
fugirem com Satanás, a condenarem-se ao inferno, a perderem-se eternamente. Não pode deixar de
sofrer o meu Coração de Deus, o meu Coração de Pai. Dei o Sangue, dei a Vida. Abri o Céu, abri o Céu, a
minha habitação. Ofereci-O, ofereci-O a toda a humanidade. Pobres filhos! Ingratos filhos! Desperdiçam
o meu Sangue! Recusam a minha oferta. Não querem o Céu, mas sim o inferno. Preferem a satanás.”

— Ó meu Jesus, ai tanto sangue!... Tanto sangue da Vossa sacrossanta cabeça. Pelas Vossas faces divinas
rolam lágrimas, muitas lágrimas de sangue saem dos Vossos olhos divinos, que perderam todo o seu
brilho, todo o seu encanto. Onde está a Vossa beleza? Onde está a Vossa formosura atraente? Porque Vos
transformais assim, Jesus? Ao ver-Vos dessa forma, desfaleço. Parece que não tenho sangue nas minhas
veias, nem fôlego de vida. Porque Vos transformais assim? Porque Vos transformais assim, meu Amor?
Aceitai o meu peito, o meu coração, para aparar o Vosso Sangue, as Vossas lágrimas. Aceitai o meu
sofrimento para bálsamo das Vossas feridas e para Vos secar as lágrimas.

— “È para isto, minha filha, é para receber a tua oferta, para mostrar ao mundo a tua loucura por Jesus e
pelas almas. É para compreenderes a causa de todos os teus sofrimentos. Só assim sofrendo, reparas e
consolas Jesus. Só assim sofrendo, as almas são salvas. Só assim sofrendo, vês a Jesus belo, formoso,
encantador. És vítima, és vítima, minha filha. Deixa-te, deixa-te imolar. Pede, pede a meu Eterno Pai
para que as almas sejam poupadas à sentença eterna, à condenação do inferno. O mundo, os corpos têm
de ser punidos. A justiça do Senhor tem caído e mais cairá ainda sobre a terra. És das almas. Criei-te
para as almas. Acode às almas. És a mãe dos pecadores à semelhança da minha bendita Mãe. És a vítima
salvadora à semelhança de Cristo Redentor. Quero almas vítimas, muitas almas vítimas, minha filha! E
tenho tão poucas!... Espalha, espalha no mundo o perfume, a fragrância das tuas virtudes. Haja luz!
Faça-se luz! Jesus o pede, Jesus o quer. Coragem, coragem, louquinha da da Eucaristia. Coragem,
coragem, flor mimosa, flor eucarística, luz e farol do mundo, escora firme, escora firme da justiça do
Senhor.”

— Sou Vossa, Jesus, sou Vossa. Agora sei que sou Vossa e sinto que sou Vossa. Disponde de mim como
muito bem Vos aprouver.

— “Vem, vem receber a gota do meu Divino Sangue. Pelo tubo doirado uniram-se os nossos corações.
Passou a gotinha do sangue. Nova vida de Jesus está no teu corpo e na tua alma. Vives de Cristo. A tua
vida é de Cristo. Tem coragem, tem coragem, minha filha. Deixem que se abeirem de ti os milhares, os
milhares de almas que para ti encaminho. Vem beber à fonte divina que em ti fiz nascer. Elas por ti
recebem as minhas riquezas, as minhas graças”.

— Ó meu Jesus, custa-me tanto, tanto! Dai-me paciência! Não me deixeis ofender-Vos!

— “Tem coragem, tem coragem! Os teus desfalecimentos, as tuas imperfeições são o esconderijo de
Jesus. São artes minhas para mais te humilhares, para mais te purificares. Fica na cruz. Fica na cruz. Dá-
me a tua dor. Permite-me a tua imolação, a tua contínua imolação. Coragem, coragem! Não cesses, não
cesses. Pede oração, pede penitência, pede emenda de vida, pede emenda de vida. Pede, pede sempre
que os filhos pródigos voltem à casa do Pai. Fica na cruz e com a minha paz.”

— Fico na cruz, Jesus, sim, fico. E é por amor à Vossa cruz que eu Vos peço de alma e coração. Atendei
aos meus pedidos! Atendei aos meus pedidos! Atendei aos meus pedidos! Salvai o mundo! Perdoai às
almas!...

— “Recebe a efusão do meu amor e vai dizer, espalhar todo o meu amor!”

— Obrigada, Jesus, obrigada, meu doce Amor!

7 de Março de 1953 – Primeiro Sábado

— “Minha filha, minha filha, cá está Jesus no seu paraíso na terra. Minha filha, minha querida esposa,
preciso de ser consolado. Preciso de deliciar-me neste jardim perfumado. Preciso de esquecer-me dos
crimes do mundo. Sofre, sofre! Consola Jesus, consola Maria. Repara o seu e o meu Divino Coração.
Ama-nos, ama-nos incessantemente. Faz que eu possa esquecer tantos, tantos e tão variados crimes. O
amor vence, o amor triunfa. O amor faz a heroicidade das vítimas. Minha filha, minha filha, é tão
profunda a dor do meu Divino Coração. Diz-me, diz-me: estás disposta a sofrê-la tu? Sei que não me dás
uma negativa. Sei até onde chega a tua loucura por Mim. Sei até onde chega o teu amor às almas. Eu
enriqueci-te, modelei o teu coração, mas tu, pupila dos meus olhos, cooperaste comigo. Quantas almas
escolho para a imolação, mas elas na sua infidelidade não aceitam, não querem trabalhar comigo. Como
é bela, como é rica, como é sublime a tua missão!... Que livro riquíssimo o da tua vida! Está escrito no
Céu, está escrito a ouro e pedras preciosas.”

— Perdoai, Jesus; Vós bem sabeis que não é isso que me leva a mais e mais sofrer. Conforta-me a
lembrança de que Vós ledes no meu coração. Eu não sofro, não, meu Jesus, com os olhos no prémio. Eu
não me interessa, não, meu Amor, a recompensa que me dais. Eu sofro e tudo aceito. Dai-me quanto
quiserdes, mas é só por Vosso amor, para não sofrer mais o Vosso Divino Coração, nem o da querida
Mãezinha, para que as almas se salvem e não vão para o inferno.

— “Fizeste, minha pomba bela, que toda a dor saísse do meu Divino Coração. Amo-te, amo-te, amo-te!
Estou contigo! É inigualável! Diz ao teu paizinho que ele é, foi e será sempre na terra e no Céu o guia da
tua alma, o guia e luz que Eu escolhi para te encaminhar para mim. Diz-lhe que não duvide da sua vida,
que não duvide do meu amor para com ele. Diz-lhe que foi o Céu a escolhê-lo para esta árdua missão,
para a missão tão raras vezes compreendida pelos homens. Diz-lhe que o seu corpo é templo da minha
habitação. O seu coração é sacrário riquíssimo, sacrário de amor onde esteve e estará sempre a Trindade
Divina. Dá-lhe o meu amor, todo o amor de Jesus e o amor de Maria. Diz-lhe que Jesus é fidelíssimo ao
que promete. Prometi e não falto. Diz ao te médico que Jesus lhe quer tanto, tanto! Diz-lhe que lhe dou o
meu amor, o meu divino amor, a loucura do meu divino amor, que me leva a espremê-lo, a espremê-lo
na prensa dolorosa, na prensa de elevação das almas. Diz-lhe que eu estou com ele. Diz-lhe que sempre
venho em seu auxílio nas horas amargas, nas horas de desalento, nas horas dolorosas e tremendas da
sua vida. Diz-lhe que o meu Divino Coração sempre o socorreu e há-de socorrer. Diz-lhe que o seu lar é
abençoado pelo seu Deus, é o encanto dos céus. A minha chuva de graças não cessa de cair. É chuva de
rosas divinas, mas sempre, sempre intercaladas de espinhos. Assim o exige a sua missão por Mim
escolhida. Coragem sempre! Mãos à obra! Dá-lhe o meu divino amor com o da minha Mãe Santíssima.
Amor, amor, sem fim.

Vem, minha Bendita Mãe, prepara com o teu conforto a nossa filhinha para mais e mais nos reparar,
para mais e mais aplacar a justiça do Eterno Pai.”

— “Minha filha, minha filha, sou a Mãe das Dores. Repara em mim! Conforta-te no meu sofrer! Não
deixo de beijar-te, não deixo de acariciar-te, não deixo, apesar das minhas setas, de estreitar-te ao meu
santíssimo Coração.”
— Mãezinha, Mãezinha, são tão doces os Vossos beijos, tão ternas as Vossas carícias! O meu coração
fortaleceu muito, muito. Está cheio! Fazei que neste abraço tão íntimo, nestes momentos de tanta luz,
passem para o meu coração todas as setas, todos os espinhos que o cercam. Quero ser sempre eu a sofrer
e não Vós, meu querido Jesus.

— “Minha filha, minha filhinha, como Eu te amo! Como te ama Jesus! Todos os instrumentos que me
feriam estão todos no teu coração! São tuas as minhas setas! São teus os meus espinhos! Sofre, sofre,
então, tudo. Repara o Coração amantíssimo de Jesus e o meu. Repara por tantos sacerdotes indignos.
Repara por tantos prestes a caírem no inferno. Recebe novas carícias.”

— Obrigada, obrigada, Mãezinha. Sede com Jesus sempre a minha força!

— “Minha filha, recebe também as carícias do teu Jesus. Repara tantos crimes por tantos sacrilégios
neste santo tempo da Quaresma. Está sempre firme no teu posto, no teu calvário, na tua cruz. Leva a
minha paz. Dá toda a paz, toda a riqueza do Céu a todos quantos amas, a todos quantos se aproximam de
ti. Espalha, espalha e faz que se espalhe tudo na humanidade inteira. És a mensageira de Jesus e de
Maria. És a missionária do Céu. É divina a tua missão, a tua mensagem. Coragem! Coragem! Pede
oração, penitência e emenda de vida. Nunca esqueças.”

— Obrigada, Jesus. Obrigada, Mãezinha. Não Vos esqueçais de todos os meus pedidos.

13 de Março de 1953 – Sexta-feira

Sinto como se a minha alma, o coração, o corpo com todo o seu ser estivessem atravessados por setas,
lanças, punhais e espinhos. Estou por eles trespassada da cabeça aos pés. A minha dor, tristezas e
amarguras são infinitas. É meu Jesus, que doloroso martírio ter que pisar sempre as mesmas pisadas,
falar só da dor, não a esconder. Não sei como suportar as humilhações, a minha indignação, o meu nada.
Quanto mais me visitam, quantas mais almas se abeiram de mim, eu mais me humilho e envergonho por
sentir e ver o que eu sou. Que horror, meu Deus, que horror! Sou um mundo de podridão, um mundo de
vícios, um mundo de morte. Ai, se não fosse a santíssima vontade do Senhor, eu queria fugir a todo o
olhar humano, viver na solidão, embora a sentir os horrores dos meus crimes e da minha indignidade.
Enveneno toda a terra e é tão forte o envenenamento que a movo e removo, levo-a da superfície aos
abismos, trago-a dos abismos à superfície. Que mar revolto, que ondas agitadíssimas, que tempestade
que tudo destrói. Não quero mostrar a minha bondade, porque não a tenho, mas queria mostrar o que
sofro, para que não existisse no mundo pessoa alguma que se iludisse e enganasse comigo. Temo
enganar-me, sim, meu Jesus, temo enganar toda a gente. A minha ignorância não sabe exprimir a dor,
não sabe dizer as ânsias que tem de amar a Jesus, o quanto Ele nos ama, o que é uma ofensa feita ao Seu
Divino coração e a grandiosidade dos meus crimes. Tudo sei sentir e compreender e nada dizer. Faça-se,
Senhor, a Vossa divina vontade. Vou-me avizinhando da morte, daquela morte que não é a de sempre.
Como ela é cruel. Como ela retalha de dor e põe em sangue o meu coração! Ontem passei o dia sem me
lembrar que era quinta-feira. A agonia da minha alma era por assim dizer insuportável, se Jesus não
fosse sempre a força do meu sofrer. Eu bradava, bradava incessantemente, bradava em silêncio, bradava
para dentro.

Era já noite e eu sem saber a causa de tanta agonia; só ao ver e sentir em mim o calvário é que me
recordei que era quinta-feira. No cimo dele, dentro em mim estava a cruz; por ela corria um rio de
sangue, que era para mim um baptismo de sangue. Caía-me sobre a cabeça, regava-me todo o corpo. Da
mesma cruz vinha um sol brilhante que em si trazia a vida divina. Este sol penetrou em todo o meu
corpo e fez em mim um laço dessa mesma vida, um abraço de amor e de paz. Para tudo isto se dar, eu
agonizei no Horto, nele tive o suor de sangue e tinha que ir ao cimo da cruz dar a vida. Tudo isto tinha
tantos segredos e mistérios que eu não sei dizer. Ia alta a noite, principiei a sentir que era um mundo
prazer e um mundo inferno. Todo o meu ser tremia de pavor. Travou-se um combate, dos mais
tremendos combates. O demónio e a carne, a maldade e o vício. Não vivia em mim, mas sim num mundo
de podridão. O inferno tentava engolir-me. Oculto tudo o mais que se passou. Abandonada a Jesus por
meio da Mãezinha, ofereci-me como vítima, pedi o Seu auxílio para não pecar. Quando já tudo serenava,
ouvi a voz de Jesus a dizer-me:

— “Se soubesses, minha filha, o valor desta reparação! Tem coragem, tem coragem!”

Esta voz divina foi de passagem. Pouco depois, uma tristeza e temor indizível se apoderou de mim. Não
queria mais comungar. Que tristeza não ter um guia. Hoje, no mesmo temor, na mesma tristeza, recebi o
meu Jesus e segui para o Calvário. Dor muda, separação completa de Jesus, inutilidade em todas as
coisas me acompanharam. Nova punhalada me atravessou o coração, novos espinhos me feriram e
aumentaram o meu calvário. Murmurava muitas vezes: tudo por amor de Jesus e por amor às almas. No
percurso da viagem fortes descargas de varadas retalharam o meu corpo. Era a alma que tudo sentia. No
alto da cruz não fui então eu só a ser crucificada, estava Jesus comigo, o Seu Divino Coração palpitava no
meu; a Sua vida divina estava na minha enleada; o Sangue de Jesus era o meu sangue, as Suas chagas as
minhas chagas, a Sua dor a minha dor, o Seu amor o meu amor. Eu bradava e agonizava com Jesus. Ele
expirou e eu unida a Ele expirei também. A morte reinou, mas por pouco tempo. De novo veio a
verdadeira vida, deu-me a Sua vida e falou-me assim:

— “Todo este aposento, todo este corpo, todo este coração é pureza, é graça, é amor. Habita aqui Jesus, a
pureza, o amor, a graça sem igual. Jesus está aqui, vem dar-se e vem pedir à Sua filhinha. Jesus está
aqui. Vem encher, vem enriquecer a Sua vítima e esposa amada. Minha filha, minha querida filha,
mensageira, porta-voz, missionária de Jesus, recebe as minhas riquezas para as distribuíres. Recebe o
meu amor para o infundires nos corações. Tenho sede, sede insaciável. Quero dar e quero receber. Amo
e quero ser amado. Minha filha, minha pomba bela, descobre ao mundo as minhas mágoas, as minhas
tristezas. Diz às almas o quanto Eu estou ferido e ofendido. Coragem! Coragem! Florinha eucarística,
avante, avante, sempre a triunfar. Eleva-te na cruz, sempre na cruz, junto ao teu Senhor. Dá-me a tua
dor, dá-me a tua imolação. O mundo, o mundo! Como está o mundo! A terra, a terra culpada, o
cemitério das almas! Acorda-as, minha filha, acorda-as, minha filha; fá-las despertar para a graça, para
Deus, para o Céu. O mundo, o mundo, os pecadores estão surdos. Cura-os com os teus sofrimentos, dá-
lhes o bálsamo da tua cruz. É urgente, é urgente!... Já é tarde, muito tarde!... É urgente uma vida pura. É
urgente uma vida reconciliação da terra com o céu. É tarde, é tarde, já é muito tarde! Há quanto tempo
chamo! Os corpos não podem ser poupados à justiça do Senhor, à merecida, milhões de vezes merecida
justiça, por tantos, tantos crimes. A justiça cai, a justiça cai. Acode às almas, minha filha! Acode às
almas, minha filha! Salva as almas, esposa minha!”

— Ó Jesus, não olheis, não atendais aos crimes dos pecadores. Pedi, Jesus, pedi amor ao Vosso Eterno
Pai, que atenda ao Vosso Divino Sangue derramado, que atenda aos méritos da Vossa Santa Paixão.
Poupai-nos, poupai-nos, Jesus. Pedi ao Vosso Pai. O que eu sou, meu Amor, o que eu sou! Que abismo,
que abismo infinito de misérias!... Todas as minhas carnes, meu Jesus, foram desfeitas pela lepra do
pecado! O que eu sou, o que eu sou! Ai, que pavor! Apiedai-Vos de mim!

— “O que tu és, minha filha, sei eu bem o que tu és. És vítima de toda a humanidade, és vítima de todos
os crimes, vícios e iniquidades. O que tu és sei-o bem, meu encanto. O que tu és, é o jardim das minhas
delícias, o tabernáculo da minha habitação. Tem coragem! Tem coragem! Confia! Acredita no teu Jesus.
As almas, as almas vêm por ti em fileiras para Mim como as formiguinhas para os seus celeiros.
Coragem, coragem! Confia em Mim! As almas por ti são salvas aos milhões, aos milhões, aos milhões.
Vem receber a gota do meu Divino Sangue. São os anjos, são os anjos como muitas vezes têm sido a
unirem os nossos corações. Dois corações num vaso divino, num vaso sagrado — Jesus e a Sua vítima.

A gotinha do sangue passou. Todo o teu ser tem nova vida, nova graça, novo amor.

— “Todo o teu ser é Cristo, é Jesus. Não me recuses, não me recuses a reparação que te peço. Estás no
fogo sem te queimares, sem seres pelas labaredas atingida. Dá-Me a reparação, toda a reparação que te
peço. Não deixes aquelas almas caírem no inferno. Fica na cruz, fica na cruz! Convida, convida todas as
almas, a humanidade inteira de quem és luz, de quem és farol, a reconciliarem-se comigo, a fazerem
oração, contínua oração, a fazerem penitência, constante penitência. Vai em paz! Dá a minha paz!”
— Ó Jesus, mais uma vez Vos peço pelo amor da Mãezinha, pelo amor de todo o Céu, atendei aos meus
pedidos. Perdoai ao mundo inteiro. Obrigada, meu Jesus, pela luz que me destes, pelo amor com que
abrasastes o meu coração.

— “Vai em paz, minha filha! Vai em paz!”

20 de Março de 1953 – Sexta-feira

Tenho um coração que sente as humilhações, as ofensas que lhe fazem e tudo o que é dor. E, apesar de,
dia e noite, ansiar, não tenho um coração que ame Jesus, que O console, que O desagrave; pois, dia a dia,
momento a momento, sinto a minha indignação, a minha miséria, o meu nada. De tudo estou despida.
Senhor, Senhor, quem poderá valer-me? Vede quanto eu sofro e vede todo o pavor do meu viver. Tenho
ânsias, só ânsias de amor e perfeição; não caibo dentro em mim quando penso no Vosso amor, nas
ofensas contra o Vosso Divino Coração, mas não passo disto; vivo nestas ânsias infinitas, mas estou de
mãos vazias. Não posso suportar a Vossa grandeza com a minha miséria. Quanto mais caminho, maior é
a distância que me separa de Vós. Como chegar ao Céu, meu Senhor, eu que não vou ao Vosso encontro e
não sou capaz do mais pequenino voo para Vós? As minas asas presas ao lodo imundo das paixões e dos
vícios apodreceram, não posso voar. Não sinto o Céu com o seu amor, só o sinto com a Sua justiça. Não
tenho vida a não ser para o pecado. Todo o meu ser é inferno, é Satanás. É o que em mim existe. O que
tenho e anseio de bom pertence a Jesus. Oferecer-Lho é dar-Lhe o que é d’Ele. A inutilidade nem isso me
consente fazer; dar ao meu Senhor o que Ele em mim depositou. Parece que toda a terra treme ao meu
brado de agonia, todo o meu ser se retalha, todo o meu ser foi arrastado, destruído pelas ondas negras,
pela tempestade apavoradora. A morte vem vindo a passos lentos, e eu vou caminhando para ela. Custa-
me a enfrentá-la, mas não posso deixar de a querer abraçar, embora apavorada e desfalecida. Ela tem
segredos misteriosos. Ela mata e dá a vida, a vida que vem do Céu, a vida que é divina. Que livro imenso,
que livro infinito dava o meu coração, se a ignorância lhe permitisse dizer o que nele está escrito. Meu
Deus, meu Deus, que ânsias infinitas de falar! Que dor infinita por não saber nem me fazer
compreender. Tudo isso está banhado com o Vosso Sangue. Vós sois a dor e a vida que eu sinto, Vós sois
o que eu anseio, Vós sois a vida que me faz viver. Tudo é Vosso, tudo é Vosso, Jesus.

Na minha ignorância e inutilidade caminhei ontem para o Horto, indiferente, esquecida dele. Um
impulso de amor levou-me, num excesso de loucura, a procurá-lo, a caminhar para ele. Parece que era
eu a espremer o coração dentro em mim, que não era o meu coração. Não deixei nele gota de sangue.
Reguei com ele toda a humanidade que d entro em mim estava. A minha cabeça revestida doutra regava
o corpo e a terra, pelas feridas que uma forte coroa de espinhos abrira. A alma agonizava e todas as veias
se abriram. O suor de sangue cobriu o meu corpo e ensopou a terra. A noite foi um tormento
dolorosíssimo para a alma e para o corpo. Jesus pediu-me uma tremenda reparação. Não lha neguei,
parecia querer negar-Lha. Chamei por Ele e pela Mãezinha, chamei muitas vezes. O que eu lutei e sofri
só Eles o sabem. Passou por mim Jesus todo ferido e com a cruz aos ombros.

— “Vê como me feriste e condenaste à morte!”

De manhã tive a Santa Missa. Sem querer, recordei o sofrimento da noite. Mais indigna me sentia de
assistir ao Santo Sacrifício e de receber a Jesus. abandonada à Mãezinha, pedi-Lhe que o fizesse por
mim. Fui caminhando para o Calvário, não levei a cruz, não levei nada. O amantíssimo Jesus levava-a,
mas era no meu corpo que Ele era açoitado e arrastado; quando desfalecia, caía. O Seu Sangue
derramado, as Suas carnes retalhadas aos bocadinhos eram sem dó nem piedade por mim calcadas aos
pés. No cimo da montanha, com Jesus fiquei crucificada na cruz. Eu era um vermezinho por Ele
revestida. O sangue corria das chagas, os Seus divinos olhos fitavam o Céu, e o Seu brado fortíssimo
passava, fazia-me sentir no meu coração. De repente, um banho de suor frio passou pelo meu corpo. Foi
um suor mortal. Jesus expirou e eu com Ele. Não levou muito tempo que Ele viesse, ressuscitado,
comunicar-me a Sua vida e dentro do meu coração falou-me assim:

— “O teu coração, minha filha, está cheio, transbordas das graças, pureza e amor de Jesus. O teu
coração, minha filha, é fonte perene de toda a humanidade. Deixa, minha filha, permite que todas as
almas que de ti se aproximam bebam na maior das abundâncias. Fiz que rebentasse neste calvário esta
fonte maravilhosa dos prodígios do Senhor. O calvário de há dezanove séculos foi calvário de redenção.
O calvário de hoje, a tua vida dolorosa, minha filha, é a continuação da mesma obra redentora de Jesus.
Tem coragem, tem coragem! Dá às almas, faz que elas bebam na fonte divina, na fonte dos tesouros e
das riquezas divinas. Tenho sede, sede de me dar, dar-me por ti aos corações e às almas que me
quiserem receber; dar-me por ti, e por ti peço: vinde a Mim, vinde a Mim, filhos meus! Dou-Me por ti e
no teu coração: pelos teus lábios Eu chamo, Eu convido toda, toda a humanidade, a uma vida nova, a
uma vida pura, de paz e de amor. Coragem! Coragem! Esposa minha, tu és o farol, a luz do mundo. Tu és
a âncora mais firme que sustenta o braço do Meu Pai. Não duvides do Senhor. Não duvides do teu Deus.
É urgente a reparação que te peço. Tu não Me ofendes. Confia! Ou Me dás esta reparação ou as almas,
aquelas almas que viste, vão direitas, direitinhas ao inferno.”

— Ó Jesus, não, não, isso não. elas são Vossa filhas. Eu não quero que elas se percam. Eu não quero ver
nem saber que o Vosso Sangue Divino foi derramado inútil. É Jesus, ó Jesus, apelo mais uma vez para a
Vossa misericórdia infinita. Perdoai-lhes, perdoai-lhes. Dou-Vos tudo. Pedi o que quiserdes, seja como
for a reparação que de mim exigirdes. Conto com a Vossa graça. Confio que Vós triunfeis em mim.
Alegrai-Vos, Jesus, alegrai-Vos. Sou a Vossa vítima. Quero dar-Vos não uma, ou seja meia dúzia de
almas, mas todas, todas as que Vos ofenderem, que andarem por caminhos perdidos.

— “Minha filha, minha querida filha, como é agradável ao meu Divino Coração a tua prece! Que
consolação para Mim e para o Meu Eterno Pai! O Céu alegra-se! Os Anjos jubilosos entoam hinos: glória,
glória ao Senhor, que tem na terra a louquinha do Seu amor, a louquinha das almas. Minha filha, ó
minha filha, tu és o espelho, o espelho, tu és a guia das almas, o porta-voz de Jesus! A tua vida é a Minha
vida. A tua vida é um portento de graças. A tua vida foi traçada por Mim. O teu calvário Eu o escolhi para
a reparação do século XX. Vem receber a gota do Meu Divino Sangue. Ó alimento, ó alimento, ó vida, ó
vida divina! Passou a vida que dá a vida, o alimento que te sustenta. Permito-te, faço isto para mostrar
aos homens o meu poder e a vida eucarística. Pede, pede, minha filha, aos pecadores que se convertam.
Pede, pede, esposa minha, que toda a humanidade atenda à voz do Santo Padre, à voz daquele que será
levado às honras dos altares e que será contado em o número dos meus santos. Vai em paz, vai em paz.
Pede oração, pede penitência. Dá ao mundo as minhas graças, ó meu amor.”

— Obrigada, meu Jesus. Lembro-Vos os meus pedidos de sempre. Atendei, atendei pelo amor que me
deste. Atendei pelo amor que Vos é mais querido na terra e no Céu.

— “Confia, minha filha. Fica na cruz! Vai em paz!”

— Obrigada, obrigada, meu Jesus!

27 de Março de 1953 – Sexta-feira

Pouco vou dizer, porque não posso. É grande o meu sofrimento. Quero obedecer, quero provar o meu
amor a Jesus, mesmo sem sentir que O amo e sem sentir a satisfação desse acto de obediência. É por isso
que redobro o meu esforço para dizer algumas palavras com todo o sacrifício. Ele é de tal ordem, parece
que a cada movimento me arrancam o coração e as entranhas, e desfaz todo o meu ser. Amo o meu
Jesus, amo a minha cruz, amo as almas. Faz hoje onze anos que Jesus se dignou transformar o meu
calvário. Deixei de ter os movimentos da Paixão, deixei de me alimentar. Que saudades, que tormento!
Quanto eu sofro, meu Deus, quanto eu sofro! Compadecei-Vos de mim! Parece que tenho à vista dos
olhos as consequências da renovação deste Calvário e de quanto sofri nestes doze anos. Sede bendito por
tudo, meu Senhor. Além da indizível humilhação, é um pavor para mim ver a multidão de almas que me
visitam, que me rodeiam. Que ansiedade de me esconder e viver na solidão! Não tenho querer, não
tenho vontade, quero o que Jesus quer, mesmo mo meio do maior martírio. No dia da Anunciação, 25 de
Março, depois de receber muitas centenas de pessoas, sem sentir o cansaço, pus-me a pensar como
Nosso Senhor criou a Mãezinha pura e bela para ser a Mãe de Jesus. Agradeci-Lhe o Ela ter aceitado,
porque, se assim não fora, não tínhamos Jesus, não tínhamos a Eucaristia. Saí fora de mim para outro
mundo, rompi em cânticos até altas horas da noite. Cantei num amor e numa alegria deslumbrante. A
inutilidade tudo me roubou. Que o fruto seja para as almas e tudo por amor de Jesus. Ontem, quando
estava no Horto, senti-me e vi-me como em fita de cinema, presa à coluna a ser açoitada, coroada de
espinhos, a escorrer sangue, com os olhos vendados e cana na mão a ser escarnecida, de tribunal em
tribunal na algazarra do povo e por fim condenada à morte. Tudo isto me causou a agonia e o suor de
sangue. Hoje segui para o Calvário. Pesava-me sobre os ombros uma cruz imensa, e outra imensidade de
luxúria ia dentro do meu coração; causava-me a morte. Ia ofegante, a escorrer sangue, pregada à terra.
Fui no Calvário crucificada; de braços abertos e olhos no Céu oferecia-me ao Pai como vítima e à
humanidade oferecia o coração e o amor. Que ingratidão recebia da humanidade em troca de tudo isto!
Que suspiros dolorosos e profundos saíam de dentro do meu peito! Quanto mais se avizinhava a morte,
maior era a agonia e a loucura de amor. A minha alma desprendeu-se no meio dum brado doloroso e
voou como pomba para o Eterno Pai. Nesta separação da alma do corpo passaram-se momentos. Veio de
novo a vida, veio de novo a luz, que era Jesus, e falou-me assim:

— “Glória, triunfo, amor e salvação; glória, triunfo, amor e salvação; glória, triunfo, amor e salvação. Eis
o fruto deste calvário. Glória para Deus! Triunfo, sobretudo amor, a Jesus! Salvação, salvação para as
almas! Aqui está o Senhor. Fala-Vos Jesus do Seu tabernáculo da terra. Fala-Vos Jesus do trono, do
paraíso das suas delícias. Escutai atentos! Vinde a Mim! Quero ser amado! Escutai, escutai! Estai
atentos! Deixai o pecado, deixai as vaidades. Vinde ao Vosso Deus! Fala-vos Jesus, que desceu do Céu,
desceu por amor, para vos avisar, para vos salvar. Morri no Calvário, imolo a minha vítima e é só por
amor. Quero salvar o mundo, quero salvar os homens; quero salvar os filhos meus. Coragem, coragem,
minha filha, sofre pelos pecadores, salva os pecadores. Criei-te por amor, por amor te coloquei neste
calvário. Criei-te para a mais alta missão, para a mais nobilíssima missão. Como são altos, belos e
divinos os desígnios do Senhor a teu respeito. Coragem, coragem, minha filha. Deixa que as almas
venham junto de ti. Elas vêm receber o maná celeste, o maná divino que por ti lhes é dado. Dei-me e
dou-me a ti. Deste-te e dás-te por Mim. Eu sou graça, sou pureza, sou amor. Tudo te comuniquei. Tudo
quero que comuniques às almas, aos filhos meus. Coragem, coragem, esposa minha, florinha eucarística.
Voou encher-te de amor. Vou queimar-te, consumir-te nas minhas chamas. É amor pela tua
generosidade, pela tua heroicidade. É amor por amor! É amor por amor! É amor por amor! Tirei-te o
alimento. Fiz, faço-te viver só de Mim. Sabes para quê, minha filha? Para mais e mais luz. Para mais
provar aos homens o meu poder, a minha existência. Ai daqueles que não querem ver. Bem-aventurados
os que vêem e crêem.”

— Ó Jesus, muito obrigada. Sinto em mim a grandeza do Céu que é a Vossa grandeza. Sinto-me
mergulhada num fogo infinito que é o Vosso amor. Mas, ai! Que vazio tão grande! Quero passar além,
Jesus, quero ir para o Paraíso. Estou cheia, Jesus, cheia de viver na terra, mas não estou cheia, meu
Amor, isso nunca, da Vossa divina vontade. Quero o que Vós quereis. Aceito o que Vós me dais. Custa-
me muito viver sem alimentação. Que saudades, Jesus, que saudades. Custa-me muito, muito o mau
juízo dos homens, mas abro os meus braços. Aceito a Vossa vontade divina, custe o que custar, meu
Jesus. Abraço tudo e estreito-me a Vós com a minha cruz junto ao meu peito e ao meu coração.

— “Coragem, heroína! Coragem, pomba branca e bela! O teu sofrimento, todo o teu calvário é o maná
dos pecadores. É tudo, tudo, mesmo tudo, para a salvação das almas. Vem receber a gota do meu Divino
Sangue. Maravilha celeste, maravilha divina!... Uniram os anjos os nossos corações: o de Jesus ao da Sua
vítima, ao da Sua esposa. A gota de Sangue passou, passou com maior abundância. É gota de vida, é gota
de amor, é gota que é tudo. É o alimento poderoso, é o alimento da graça. Fica na cruz, esposa minha, e a
senti bem, noite e dia, as setas do Coração da Minha Bendita Mãe. Fica a sentir bem as dores e agonia de
Jesus, as dores e agonia de Maria. Pede ao mundo, avisa o mundo: ou vem com toda a graça e pureza
para Mim, ou é destruído com todo o rigor, com toda a justiça do meu Eterno Pai. Perdoai, Jesus,
perdoai hoje, perdoai sempre. Salvai a pobre humanidade. Peço-Vos as minhas primeiras intenções.
Peço-Vos por todos os que me são queridos. Peço-Vos por todos os que me pedem as minas orações.
Peço-Vos pelo mundo, pelo pobre mundo. Pedi Vós perdão e misericórdia ao Vosso Eterno Pai.

— “Vai em paz, minha filha. Dá a minha paz! Confia, confia. É poderosa a tua prece.”
— Obrigada, Jesus. Obrigada, Jesus, obrigada, meu Amor.

3 de Abril de 1953 – Sexta-feira

Meu Deus, como poderei eu dizer alguma coisa, como poderei mover os meus lábios se não me ajudais e
assistis com a Vossa força e graça? Quanto eu sofro! O martírio do meu corpo só por Vós pode ser
compreendido. Sinto-me feliz na dor e sem ela, meu Jesus, não posso viver, o dia seria noite, o sol não
teria o seu brilho. Sem a dor não posso nem sei viver. Mas custa tanto, tanto, meu Jesus! Mas é no
sacrifício e na imolação, na incompreensão da minha vida, num abandono completo, que eu quero
repetir noite e dia: amo-Vos, meu Jesus, ai, eu Vos amor, sou a Vossa vítima; abraço a minha cruz,
abraço-a por Vós, abraço-a pelas almas. Todo o meu ser rasteja na lama e no lodo imundo, todo o meu
ser se mergulha na podridão mundial; mas, mesmo assim desfeita pelos vícios e paixões, roída pela lepra
das maldades, lanço-me em Vosso braços envergonhada e confusa, mas sempre confiada. Ainda que eu
ouvisse dos Vossos lábios a sentença de condenação eterna, não os largaria jamais. Quanto eu amo a dor,
Jesus, quanto eu amo as almas, quanto Vos amor a Vós! Não me importo que a inutilidade me roube
tudo, mesmo tudo, como tem roubado, não me importa o pavor da minha vida, nem o sentimento de Vos
amar, sofrer por Vós, viver para Vós. O que importa é querer o que Vós quereis, abraçar tudo quanto me
dais. Tenho tido sempre presente no meu coração a Mãezinha dolorosa, atravessada pelas setas, ora de
pé junto da cruz, ora sentada a recebê-Lo morto em Seus braços, a cobri-Lo de carícias, a cuidar das Suas
feridas. Que agonia a minha! Quantos suspiros, quantas lágrimas interiores! Num excesso de loucura fui
por vezes também uma Madalena chorosa, abraçada ao pé da cruz. Meu Deus, que cena dolorosa se
passou dentro em mim! Foi assim o meu horto de ontem. Eu não sei, não sei exprimi-lo. Eu esqueci-o e
fugi-lhe tanto e fui não sei como ao seu encontro. Eu esqueci-o e até o odiava e levava-o com todas as
suas cenas dentro em meu peito. Já de noite, Jesus chagado, ferido, coroado de espinhos, sangrava
dentro do meu coração. Fui presa e espancada com Ele e com Ele num sofrimento atroz passei a noite na
prisão.

De manhã, com todos os sofrimentos que atrás ficam ditos, segui para o calvário a correr para a morte e
ela para mim. O cimo da montanha ia no meu coração. A cruz ia n’Ele como um vaso ali plantado. Jesus
regava-me com o Seu Sangue, nele mergulhava e lavava o mundo das minhas iniquidades. Nas três
horas de agonia as chagas do meu Jesus sangravam tanto como nunca ou quase nunca as vi sangrar. O
Seu Coração Divino batia dentro do meu, fortemente. A cada brado que dava, parecia parar e perder a
vida. Ó mundo, ó almas! Como Jesus nos amou! Amemo-Lo também. Não chega a ser nada a nossa dor
em comparação da Sua. Foi dor infinita, foi dor de um Deus feito homem. Amemo-Lo, amemo-Lo sem
cessar, amemo-Lo noite e dia. O meu coração anda como a avezinha perdida a mendigar amor, sempre
amor para Jesus. Ele expirou na mais tremenda agonia. O meu espírito foi entregue ao Pai com o d’Ele.
Houve o silêncio da morte, mas bem depressa Jesus veio cheio de vida e amor e falou-me assim:

— “Jesus vive e não morrerá jamais. Jesus vive e dá a Sua vida. Jesus quer que as almas vivam com Ele
eternamente. Jesus está aqui. Neste coração tem as suas delícias. Estou aqui, sim, minha filha. Estou
aqui por amor. Estou aqui para chamar, para salvar. Este calvário é calvário das misericórdias do
Senhor. Fiz deste calvário um calvário de salvação como outrora foi o meu. É deste calvário que eu brado
pelos lábios da minha vítima: vinde a Mim, vinde a Mim, filhos meus! Vinde a Mim que só por amor vos
criei, só por amor vos dei o Céu. Eu sou o Jesus da Galileia. Eu sou o Filho da Virgem Maria. Eu sou o
Jesus que foi imolado. Eu sou o Jesus que por vós dei todo o Sangue. Criei este calvário, coloquei nele a
minha vítima para a continuação da mesma obra redentora, da mesma obra de salvação. Os pecadores,
os pecadores, minha filha! Ó como me ferem os pecadores!...”

— Caí sobre os meus braços, Jesus, e não sobre a terra nua. Eu Vos estreito ao meu coração. Quem Vos
feriu assim?...

— “Os homens, os homens, os pecadores com os seus crimes!”

— Ó Jesus, ó Jesus, eu queria mundos e mundos, Céus e Céus de amor para Vos oferecer neste
momento. Quero consolar-Vos, quero sofrer tudo por Vós. Quero dizer-Vos duma vez para sempre como
se a cada momento repetisse: amo-Vos! Sou a Vossa vítima! Amo-Vos e quero com esses mundos e Céus
de amor sarar as Vossa chagas, ser bálsamo para toda a Vossa dor. O que daria eu, Jesus, para evitar o
pecado? Renunciaria ao Céu, se o pudesse conseguir. Eu queria ver todas, todas as almas irem para o
Céu sem Vos ofenderem. Claro, meu Jesus, sempre por Vosso amor! Eu ficava sozinha neste vale de
lágrimas, como um insectozinho perdido, mas a dar-Vos honra, glória, louvor e amor, se com todas essas
almas eu subisse ao Paraíso.

— “Louca, louca de Jesus, louca da Eucaristia! Olha como já estou belo, sem nenhum ferimento!
Consolaste-me, saraste-me as feridas. Se o mundo soubesse! Se as almas te conhecessem e se
aproveitassem das riquezas que por ti lhe são dadas! Coragem, coragem, minha filha! O que dizem de ti,
de Mim o disseram, e tantos ainda hoje de Mim o dizem. Coragem, coragem, florinha eucarística,
louquinha do amor divino. Prepara-te, recolhe-te um momento, vais receber o teu Jesus, o Jesus da
Eucaristia. O anjo da tua guarda supre a voz do sacerdote. “Viaticus Corpus Nostrum Jesum Christum”.
(Viu-se que pôs a língua de fora da boca). Já estou sacramentado em teu coração. Recebe agora a gota do
meu Sangue. Passou a gotinha do Sangue divino, enquanto os anjos, formando alas, inclinados, me
adoram e bendizem. Passou a vida que te faz viver, passou o maná celeste que por ti é espalhado e
infundido nos corações e nas almas.”

— Ó Jesus, que perfume angelical!... Que vida, que vida tão celeste! Parece que nem tenho corpo! Todo o
meu ser é um sopro mergulhado na vida divina. Bendito sejais, meu Jesus. O meu eterno obrigada,
sempre, sempre, noite e dia. Obrigada, obrigada, Jesus, na consolação e na dor, na vida e na morte. Não
Vos esqueçais, Jesus. Eu Vo-lo peço pela Vossa sagrada Paixão. Atendei às minhas grandes intenções, a
todas as minhas intenções. Enchei de Vós todos os que me são queridos. Enchei de Vós e perdoai à
humanidade inteira.

— “Vai em paz, minha filha, fica na cruz. Permite que para ti não acabe a Quaresma. Sofre, sofre por meu
amor, sofre, sofre pelo mundo inteiro. Chama-o ao bom caminho. Transmite-lhe as ameaças de Jesus.
Diz-lhe que é o Pai que o chama e o quer salvar.”

— Obrigada, meu Jesus. Chamai sempre e sempre perdoai, meu Amor.

4 de Abril de 1953 – Primeiro Sábado (de Aleluia)

Este dia foi um verdadeiro calvário. Senti uma tristeza mortal, uma indizível agonia. A Mãezinha fez-me
compreender bem o quanto Ela sofreu junto da cruz. Eu ansiava a vinda de Jesus e temia que Ele viesse.
Ansiava que Ele ressuscitasse e me fizesse ressuscitar com Ele, e parecia-me que a minha morte jamais
me deixaria ressuscitar. Veio o meu Amado, era já quase noite. Deu entrada no meu coração. Fez-me
logo sentir a Sua paz. Pouco depois encheu-me de amor e muito docemente principiou a falar-me assim:

— “Minha filha, minha filha, derramo no teu coração todas as riquezas do meu. Quero renovar muitas e
muitas vezes este acto, esta prova do meu infinito amor. Minha filha, minha querida filha, dou-te tudo,
mesmo tudo. Enriqueço-te com todas as minhas riquezas. Faço isto, porque te amo. Enriqueço-te para
que tu enriqueças as almas. Como são belos os desígnios do Senhor sobre ti! Que encantos, que
encantos! Minha filha, abraso-te no meu amor. Enriqueço-te para enriqueceres. Fortaleço-te para mais e
mais dolorosa e pesada cruz. Sofre para salvares o mundo. Sofre para reparares o meu Divino Coração.
Dá ao teu Paizinho todas as riquezas que hoje mesmo no teu coração depositei. Dá-lhe todo o meu amor.
Diz-lhe que o mestre e guia das almas eleitas tem que estar cheio, sempre cheio de tudo o que é meu.
Diz-lhe que o amo com a maior loucura de amor, que confie e espere em Mim. Eu não falho às minhas
divinas promessas. Dá ao teu médico esta infusão de amor com que enchi e abrasei o teu coração. Diz-
lhe que lhe dou a minha paz, que lhe dou as minhas riquezas, que lhe dou como sempre a minha chuva
de graças. Diz-lhe que o seu jardim florido está guardado no meu Divino Coração. Diz-lhe que é prémio
da minha parte pelo seu heroísmo, pela sua fidelidade em amparar e defender a minha divina causa. Dá-
lhe amor, amor, amor. Vem, minha bendita Mãe. Estreita ao teu Coração a Nossa filhinha. Cobre-a das
tuas carícias.”
— “Minha filhinha, minha filhinha, tens de novo junto de ti a Mãe Celeste, a Mar das Dores. Venho
renovar o pedido de Jesus. Venho como Mãe das Dores para que sofras as minhas dores. São as dores de
Jesus. Deixa, deixa que a tua Quaresma continue. o mundo, o mundo necessita de tudo. É urgente, é
urgente reparar, aplacar a justiça do Senhor.”

— Ó Jesus, ó Mãezinha, tudo aceito, tudo aceito. Sede a minha força.

— “Recebe, filha querida, as carícias e o amor de Jesus, as carícias e o amor de Maria. Dá tudo em Nosso
nome aos que amas, aos que te rodeiam, aos que se aproximam de ti. Faz como que um sopro se espalhe
no mundo inteiro. Fica em paz. Fica na tua cruz. Coragem! Coragem!”

— Obrigada, Jesus! Obrigada, Mãezinha. Não esqueçais as minhas intenções todas, todas. Amo-Vos! Sou
a Vossa vítima.

10 de Abril de 1953 – Sexta-feira

A minha Páscoa dolorosa continua ainda. Jesus não ressuscitou para mim. Aquelas ânsias da
Ressurreição, de O ver triunfante, acabaram-se sem que a alma gozasse das alegrias da Aleluia. Continua
a minha dor, o meu calvário. Mas é tão triste e tão doloroso que não sou capaz de descrever a minha dor,
nem as densas trevas em que estou submergida. Parece que as nuvens se desfazem todas em mil
farrapos; e são de tal forma negras que parecem encobrir o sol e a luz do dia. Toda a humanidade perdeu
o seu brilho, luz e encantos da natureza. Toda a terra está pobre e nojenta. Eu sou o mundo desta
podridão, eu sou a revolta do Céu, desafio a justiça do Senhor. Não sei como remediar tanto mal. O meu
corpo, trapo imundo e desfeito, não sente outra coisa senão dor, vícios e crimes. Tudo faço subir ao Céu.
Atiro-me para os braços de Jesus, mesmo assim miserável, para que Ele com o Seu amor e fogo ardente
consuma todos os meus crimes e os faça desaparecer. Parece que nada é aceite e que eles ficam sempre,
sempre a aumentarem cada vez mais, hora a hora, momento a momento. As dores do meu corpo são
tantas, tantas, as agonias da alma, que são indizíveis, faço-as subir ao Céu como incenso. Mas a
inutilidade rouba tudo, não as deixa lá chegar. Meu Deus, meu Deus, o que hei-de fazer, meu Senhor?
Abrir os meus braços e deixar-me crucificar na cruz por Vosso amor. Compadecei-Vos de mim; o meu
coração brada sempre, mas o meu brado não chega até Vós.

Foi celebrada mais uma vez no meu quarto a Santa Missa. Devia ser para mim uma hora de alegria;
estava rodeada de pessoas tão queridas! Mas nem ao menos isso Jesus me deixou saborear. Que Ele me
alegre e console na minha tristeza e dor. Tive também um miminho de Jesus com notícias do meu santo
P. novos espinhos vieram logo ferirem-me, novo tormento para o meu grande tormento. Sofro tanto por
não saber nem poder dizer o que ma vai na alma! Que necessidade imensa de desabafar! Mas não sou
capaz de saber exprimir-me! Estou tão longe de Deus! Parece que nunca mais posso chegar ao Seu reino.
Ó Jesus, ó Mãezinha, só Vós podeis valer-me e vir em meu auxílio. Depois de sentir que passei uma vida
inteira sem querer saber e até escarnecer do Calvário, fiquei ontem sobre o solo do Horto. Num furor
desabrido, num rancor desumano e infernal, calquei aos pés o Sangue do inocentíssimo Jesus ali
derramado. Que horror, que desespero de perdição. Digo desespero, mas este não era meu, porque tudo
isto era na superfície; no íntimo a alma mantinha-se em paz.

Hoje segui para o Calvário. Confesso, não caminhei por mim, fiz tudo para lhe fugir o mais que pude.
Alguém me esforçou a ir ao encontro de Jesus e só no cimo da montanha eu me uni a Ele. Na cruz
crucificada, todo o Seu divino Corpo era o meu. O meu pobre coração era uma frágil casquinha na qual o
d’Ele se introduziu. A mesma dor, a mesma vida, o mesmo amor pertencia ao meu. Não eram dois
corações, era um só. Os mesmos espinhos o cercavam, a mesma lança o atravessou. As palpitações
dolorosas eram as mesmas e o brado de agonia nos mesmos sentimentos ao Pai eram como se saíssem
dum só lábio. Que ânsias de me dar, de morrer para fazer viver! O Sangue corria por todo o Calvário e o
brado fazia-o estremecer e abrir-me em fendas. O sol escondeu-se como que envergonhado. Jesus
expirou. A morte reinou. Senti como se ela reinasse em toda a humanidade, mas bem depressa Jesus
ressuscitado ressuscitou tudo, deu-me a Sua vida com toda a Sua luz e falou-me assim:
— “Desceu o Céu, desceu o Senhor sobre este calvário de salvação. A morte, a podridão do mundo são a
causa do teu sofrer. Os pecadores, mortos pelo pecado e os pecadores apodrecidos na lepra dos seus
vícios, levam-te, minha filha, à maior imolação, ao maior martírio. Escutai, escutai; reparai bem! É o
Senhor que chama. Escutai, escutai, reparai bem! É Jesus que avisa. Ai do mundo, ai dos pecadores. Ai
das almas que não atendem ao seu Deus. Eu falo, sim, minha filha, eu falo no teu coração. Eu chamo, eu
chamo. É por ti que Eu aviso. És a missionária do Rei divino. És o porta-voz de Jesus. A tua vida é uma
pregação contínua. A tua vida é um farol luminoso para a humanidade. É por ti que Eu previno, é por ti
que Eu chamo os filhos meus. Atendei, atendei ao Coração terníssimo de Jesus. É o Pai que chama e
quer avisar todos os seus filhos. É o Pai que chama e quer estreitá-los ao Seu Coração. Filhos meus,
filhos meus, se conhecêsseis o meu amor!... Mostro-vos o meu divino Coração chagado, ferido, todo em
sangue!... Fostes vós, fostes vós, filhos amados, que me feristes assim!...”

— Ó Jesus, ó Jesus, que abismo tão profundo, que abismo sem fim é a chaga do Vosso divino Coração.
Eu vejo, compreendo bem que toda a humanidade pode entrar nele. Vós quereis, meu Amor, mais uma
vez lavar-nos com o Vosso Sangue divino. Eu não quero mais, meu Jesus. Eu não posso ver-Vos sangrar
mais, mas não sei o que me obriga. Sinto-me forçada a abraçar o mundo e a entrar com ele dentro desse
abismo de amor. É o Céu, é o Céu do Vosso divino Coração. Eu não quero ver-Vos sofrer, mas peço-Vos,
meu doce Amor, mais uma vez Vo-lo peço: lavai de novo a pobre humanidade. Lavai todas as feridas
nojentas. Curai, curai todos os corações apodrecidos de vícios. Mudai-os, Jesus! Fazei que nasçam todos
para a Vossa graça, para o Vosso amor.

— “Coragem, coragem, filhinha! Sentes-te atraída com a minha atracção. A tua missão é esta: abraçar o
mundo, abraçar os pecadores, conduzires a Mim o rebanho, as ovelhas tresmalhadas. Coragem,
coragem! Deixa sangrar misticamente os teus pés, as tuas mãos, o teu coração, a tua cabeça, todo o teu
ser. Crucifiquei-te, porque me consentiste. Preparei-te para este acto heróico, para esta aceitação.
Correspondeste, foste e serás sempre fiel ao teu Senhor. Filhinha, filhinha, ó esposa minha, fala, fala
com clareza. Diz, diz que Jesus está triste com as ameaças de seu Pai. Não quero que os meus filhos
sejam punidos. Mas eles, pobrezinhos, não atendem a tantos, tantos repetidos pedidos. Vem, minha
filha, vem, minha filha, receber a gota do meu divino Sangue. Os anjos uniram os nossos corações e,
enquanto a gotinha do Sangue passou, eles em torno entoaram seus hinos. Maravilha, maravilha que
encanta o Céu. Passou a gotinha do Sangue, passou a tua vida. Passou a gotinha de Sangue, passou a paz,
o conforto, toda a graça do teu Jesus. Vejo o tabernáculo da minha habitação. É deste tabernáculo
permanente que Eu por ti me dou às almas. Elas são enriquecidas por ti, quantas de ti se aproximarem.
Coloquei-te neste calvário para luz, farol e para salvação. Recebe a efusão do meu amor. Fica mais forte
para a tua cruz. Fica mais forte e com este amor desempenha docemente a tua missão. Coragem,
coragem! Vai em paz!”

— Obrigada, Jesus, pelo Vosso amor. Obrigada por tudo o que me dais. Lembrai-Vos de todas as minhas
intenções. Lembrai-Vos do mundo inteiro. É Vosso, é Vosso. Vede nele o Vosso Sangue.

— “Pede, pede sempre, louquinha, louquinha da Eucaristia. Pede, pede sempre e vai em paz.”

— Obrigada, Jesus, obrigada, Jesus!

17 de Abril de 1953 – Sexta-feira

Do profundo do abismo clamei a Vós, Senhor! Quantas vezes a mina alma brada ao Céu num abismo
infindo sem conseguir que o meu clamor, o meu brado chegue até Deus. Distância entre mim e o
infinito! Que Céu de grandeza, pureza e amor! Que abismo de podridão, de crimes e de nojo. O mundo
pesa sobre mim com toda a grandiosidade dos seus vícios. O Céu, a justiça do Senhor pesa sobre ele. E
eu tenho de ser esmagada pelo Céu e pela terra e é isto que me leva ao pavoroso abismo donde eu brado
sem conforto, sem auxílio:

Senhor, Senhor, ouvi a minha voz; não olheis às minhas iniquidades, nem ao mundo de pecado e de
podridão que tenho em mim; olhai para Vós, para a Vossa grandeza, perdão e misericórdia. Pobre
coração, pobre alma, não têm luz, não têm guia, não têm amor para Jesus.

Ai de mim, Senhor, ai de mim, Senhor, se me fazeis comparecer na Vossa divina presença. Eu sou nada e
estou sem nada de bom. Eu quero ir para Vós e temo esse momento. Eu quero voar e quero não ter voos.
A inutilidade roubou-me tudo. Como posso comparecer na presença do Senhor?

Anseio amá-Lo, consumir-me a ponto de desaparecer, mas nada faço. Quero dar-Lhe almas mesmo que
aqui ficasse até ao fim do mundo, por uma só que fosse, mas parece que não tenho um movimento, uma
acção, uma caridade para a salvação dessas mesmas almas. Quero dá-las todas, todas ao meu Senhor.

Fico sempre nisto: tudo anseio, tudo me roubam; tudo quero e nada faço. Não quero dizer nada da
minha vida e sinto a necessidade de desabafar.

O meu coração está como um foco, quer ir reflectir-se em todos os corações, em todo o mundo, ao
mesmo tempo que quer esconder-se. Não sei dizer, não sei fazer compreender a minha dor, esta minha
ansiedade.

Por tudo seja bendito o meu Senhor! Que Ele seja louvado e exaltado nesta minha humilhação de me ver
tão visitada. Só Jesus sabe e compreende quanto eu sofro. Seja tudo por Seu amor.

O meu horto é muito diferente do que era. Lembro-me dele e fujo dele. Vivo no mundo e estou fora do
mundo. Sofro e não é a minha dor. Conheço, ouço falar do Horto e fujo, vivo como se nada soubesse,
nada conhecesse. Era de noite, e eu fiquei naquele solo duro. Vi Jesus pregado na cruz no alto do
Calvário. Ele estava pregado em mim e o Calvário era eu. Da chaga do Seu divino Coração saiu um
fontanário de sangue. De seguida, uma chuva de água. O sangue corria por mim e a chuva sobre mim
caiu ao mesmo tempo que os olhos da alma tudo viam à sua frente. No meio do meu sofrimento bem
doloroso, passei a noite, o mais que pude bem unida a Jesus. Estive com Ele na paixão. De manhã, segui
para o Calvário. Não sei exprimir o que foi esta viagem. Segui, mas não foi com Jesus; segui por outro
mundo que não era este. Era um mundo perdição, só perdição. Enquanto eu assim caminhava, subia
Jesus a encosta do Calvário. Eu, sem seguir com Ele, sentia a Sua dor, sofria indizivelmente. Enquanto
Ele sofria na cruz e nela derramava o Seu Sangue divino, eu andei sempre perdida nesse mundo de
perdição. Só momentos antes de Ele expirar, quando Ele pronunciou as palavras Consummatum est, é
que eu vim ao Seu encontro a viver a Sua vida, a expirar com Ele. Depois de uns momentos mortais,
voltei de novo à vida. Foi Jesus que ma deu e falou-me assim no meu coração:

— “Como é belo, como é belo o coração que me ama! Como são belas e encantadoras as almas puras!
Venho do Céu, sou do Céu! Sou Jesus, sou amor e venho pedir amor. Quero ser amado com o amor mais
puro e ardente. Quero ser reparado com a maior reparação. Venho dar amor e pedir amor. Venho pedir
dor, muita dor à vítima querida deste calvário. O Senhor está triste! Jesus é ofendido! O Senhor está
triste! O mundo peca; a justiça divina cai sobre a terra. Escutai, escutai; quem fala é Jesus pelos lábios
da Sua esposa, da Sua vítima querida. Quero amor, quero amor. Mendigai amor para Jesus. Minha filha,
minha querida filha, missionária do Rei divino, o teu leito é um campo mundial. É aqui, sim, aqui que a
tua sublime missão é desempenhada. Daqui és a escora, daqui és o farol, daqui és tudo para Jesus e para
as almas. Coragem, coragem! Coragem, minha filha, florinha eucarística. Coragem! Avante sempre! Este
calvário é o calvário de grande salvação. Este calvário é o maior calvário depois do meu Calvário. Este
calvário é a continuação da minha obra redentora. Tu és, minha filha, sim, confia em Jesus, és a
missionária dos missionários. Fazes mais no teu leito de dor do que todos os missionários na
humanidade.”

— Ó Jesus, não sou eu, sois Vós, sois Vós, meu Amor, sempre Vós que completais a Vossa obra. Sois Vós,
Jesus, a vítima de sempre. Sois Vós quem fala, sois Vós quem sofre. Sois Vós, sempre Vós quem leva a
minha cruz. Sois Vós, Jesus, ainda Vós a amá-la e a abraçá-la. Quero e não posso, meu Amor, mas confio
sempre, sempre, na Vossa graça, no Vosso poder.
— “Minha filha, minha querida filha, tesouro, cofre das minhas riquezas! És tesouro, és cofre de tudo o
que é meu. Distribui o meu amor, distribui as minhas graças. Faz, faz que elas se espalhem na
humanidade inteira. Deixa, deixa que as almas se abeirem de ti para as receber. Faz, faz que elas voem
por todo o mundo. Não te preocupes com o silêncio. Fala, fala às almas. Se soubesses o bem que por ti
lhes é dado!... Criei-te, criei-te para isto, só para isto. A tua ansiedade do silêncio é silêncio. Confia,
confia. Eu não permito que percas a união comigo. Falando, falando a minha divina vontade, vives mais
unida a Mim do que se estivesses sozinha, no mais profundo recolhimento. Operei e opero na tua alma
as maiores maravilhas.”

— Seja, Jesus, como Vós quereis. Faça-se, meu Amor, como dizeis. Sou a Vossa vítima. Se sempre
estivesse mergulhada neste abismo de amor!... Não temia a dor, não temia a cruz! Que abismo diferente
daquele em que vivo!

— “Coragem, coragem, minha pomba bela. É a recompensa do teu sofrimento, é força para sofreres
mais, mais, muito mais. Vem receber a gota do meu divino Sangue. Uniram-se por si os nossos corações.
Assim o ordenei. Estão os dois num só. A gotinha do Sangue divino comunicou-se a todo o teu coração.
Fez nova vida para viveres, para com nova vida sofreres. Vive, vive e faz viver. Ama, ama e faz amar.
Viver a minha vida, amar o meu divino Coração.”

— Ó Jesus, estreito-Vos ao meu pobre coração. Assim, neste abraço, nesta união divina, quero dizer-Vos
vezes sem cessar: aceitai, Senhor, aceitai, Jesus, como se a cada momento milhões e milhões de vezes
Vos pudesse repetir: amo-Vos, Jesus, amo-Vos, Jesus, amo-Vos por mim, amo-Vos por todos os que me
são queridos. Amo-Vos pelos que Vos não amam. Sou a Vossa vítima. Mergulho neste amor as minha
intenções, as minhas primeiras intenções, todas as intenções, a humanidade inteira.

— “Fica na cruz, minha filha, fica na cruz. Vai continuar nela a tua missão, missão dolorosa, a mais
dolorosa, mas sublime, a mais sublime. Dá-me dor, dá-me dor e diz ao mundo: Jesus chama-te, Jesus
quer abraçar-te. Vai para Ele, se não queres sofrer o peso, todo o peso da justiça do eterno Pai. –
Coragem! Coragem! Vai em paz!”

— Obrigada, obrigada, Jesus. Perdoai, perdoai e esperai, meu Amor.

24 de Abril de 1953 – Sexta-feira

Sinto-me ora de joelhos implorando, ora correndo, louca pela humanidade, de mãos postas, no mesmo
brado a implorar sempre, a querer não sei quê, mas sinto que quem implora não sou eu, e este querer
meu não é também; parece-me que é o querer de Jesus, que é Ele que me leva, que me dá impulsos
fortíssimos, até impulsos infinitos de pedir a todas as almas para virem ao Seu divino Coração. Jesus
quer, e a Sua ansiedade divina não me deixa sossegar. Ai de mim! Jesus quer, e eu também quero dar-
Lhe as almas, dar-Lhe o mundo inteiro. Mas não passo além dos desejos, além desta ansiedade. Que
tormento, que angústia para a minha alma. Não sou nada e nada dou. Sofro tanto, tanto, e a inutilidade
tudo me rouba. Jesus e as almas nada recebem de mim. Sinto a fadiga, o cansaço, como se pudesse
correr o mundo inteiro a cada momento. Tudo isto à conquista das almas. Parece que nada adianta este
meu tormento. É tal a minha pobreza, que empobreço a todos, rouba-me a mim mesma. Não digo o que
se passa em mim, porque não sei. É indizível tal ignorância, são indizíveis tais sofrimentos. Queria
abraçar o mundo, trazer num molho todas as almas para Jesus e ao mesmo tempo quero fugir delas;
queria esconder-me num ermo, num lugar solitário onde não pudesse ser vista nem falar a ninguém. Ai
o meu calvário, ai o meu calvário! Que pavor ver-me assim visitada! Jesus me perdoe o grande número
das minhas faltas. Nem sempre tenho paciência nem caridade. A vontade está pronta para abraçar a cruz
do Senhor, mas a natureza é tão fraca! Eu sem a dor não saberia viver, sou louca por ela. Ou sofrer, ou
morrer, meu Jesus! Bem sabeis que não sei sofrer, mas que anseio toda a perfeição para Vos consolar.
Não sei que sinto que não me deixa sossegar. Parece que tudo vem contra mim. Que revolta, meu Deus,
que revolta, que humilhações que me esmagam. Será algum sofrimento de novo que vai surgir, ou é mais
uma parcela da Vossa cruz? Seja feita a Vossa divina vontade. Jesus, sou a Vossa vítima.
Ontem a visão do Calvário levou-me ao Horto. Eu era uma bola a ser esmagada por um e outro. Ali
agonizava e dava a vida. Ali tinha a vida da terra, de todo o pecado, de toda a podridão. E, como por um
canal, estava ligada ao Céu e tinha a mesma vida do Pai. Passei a noite unida a Jesus nos sacrários, unida
a Jesus na prisão. Sofri em silêncio com Ele. Segui hoje para o Calvário, triste, mais triste que a noite e a
morte. Eu caminhei porque alguém caminhava em mim. Fui arrastada e barbaramente chicoteada,
porque Jesus todos estes sofrimentos sofria. Ele, em tamanho natural, com a cruz aos ombros, cabia e
caminhava dentro do meu peito. Como sangrava a Sua sacrossanta cabeça! Meu Deus, como caíam a
meus pés as Suas carnes santíssimas retalhadas! E eu, em impulsos raivosos, cega e louca, esmagava-as
aos pés sem dó nem piedade. Jesus ia expirando alagado em suores frios, ao terminar da montanha. Ai
quanto sofreu Jesus com os meus pecados! Quanto Ele sofreu por nosso amor. Se eu pudesse e soubesse
fazer compreender isto! No alto do Calvário continuo o meu sofrimento, a minha agonia indizível,
acompanhada duma esmagadora humilhação. Acompanhavam-me numerosas pessoas que sem querer
aumentavam o martírio do meu calvário. Se não fosse Jesus, se não fossem as almas, recusava-me a
tudo. Sentia como se o meu coração estivesse preso por fortes argolas e cadeias a um mundo de rochedo.
Estas argolas e cadeias não eram de ferro, mas sim de amor. Vinham do Coração divino de Jesus. Ele
não podia desligar-se de nós. Que amor, que loucura de amor, que amor infinito! Ele expirou e eu com
Ele. Prolongou-se por bastante tempo este silêncio mortal. Jesus demorou-se a dar-me novamente a
vida. Quando me fez ressuscitar, falou-me assim:

— “Ouvi a voz de Jesus sumida e quebrantada com o peso dos crimes da pobre humanidade! Jesus sofre
através das suas vítimas. Jesus imola, noite e dia, a vítima deste calvário. É o amor, só o amor que leva
Jesus a esta imolação. Quero salvar o mundo, quero salvar os filhos meus. Vê, minha filha, repara bem:
um mar imenso de sangue que sai do meu divino Coração!...”

— Ó Jesus, ó Jesus, parece que me afogo. Queria aparar o Vosso Sangue divino. Eu não queria que ele
caísse e não o posso nem sei aparar. Que fazer, meu Jesus? Eu nada posso! Aceitai o meu pobre coração,
pobrezinho como é. Vós tudo podeis. Nada Vos é impossível. Fazei que este mar de sangue possa ser
encerrado todo dentro do meu. Se assim for, Jesus, e eu for calcada por toda a humanidade, é o meu
coração que sofre e não é pisado o Vosso Sangue divino. Sofrer, Jesus, eu sempre, eu, mas que o Vosso
Sangue divino esteja resguardado, Jesus, para não ser calcado por pés imundos, por pés criminosos,
meu Amor.

— “Desapareceu o Sangue, minha filha; foram os teus desejos, foram as tuas ânsias. Não é calcado o
Sangue que o meu divino Coração derramou. Tudo em ti me consola. Toda a tua vida me desagrava.
Sabes bem, minha filha, já te tenho dito, mostro-me sofredor para ser por ti consolado. Mostro-me
sofredor para ser por ti reparado. Mostro-me sofredor para te levar mais e mais à compaixão por Mim.
Sofre, sofre! Dá-me a tua dor. É Jesus, é o Mendigo do amor e da dor a pedir-te, a pedir-te sempre.
Sofre, sofre, para aplacar a justiça do meu Pai. Ama-me, ama-me e faz que eu seja amado. Não duvides,
minha filha, não duvides. A tua vida, toda a tua vida é a cópia mais fiel, mais exacta de Jesus crucificado.
A tua missão é árdua, a mais árdua, mas a mais sublime. As almas, as almas custaram e custam dor e
sangue. Os pecadores não querem converter-se. O mundo corre para um abismo de perdição. Eu, que
tudo vi e vejo, lancei e lanço mãos à obra. Coragem, coragem! Continua a mesma obra de salvação. Que
mar de crimes, que mar de crimes!... As ondas dos vícios tocam no Céu a desafiar a justiça do meu Pai.
Coragem, escora firme, coragem, farol de luz luminosa. Coragem, florinha eucarística, coragem na tua
missão. Fala de Mim às almas. Diz-lhes as minhas queixas. Fala de Mim ao mundo, diz-lhe que o quero
salvar.”

— Ó Jesus, Jesus, eu não sei dizer nada e nada sei sofrer. Queria ir para o Céu. Jesus, parece-me que não
posso mais. Só a vontade está louca por mais e mais sofrer, mas a minha pobre natureza sente-se
sucumbida. As humilhações esmagam-me. Só vejo em mim miséria e sou a causa de tantas misérias. Se
Vós ao menos, meu Jesus, me repreendêsseis na Vossa sabedoria, esclarecêsseis as minhas faltas, não
sentia tanto a humilhação.
— “Confia, minha filha, tudo é por Mim, é para Mim. Jesus não mente, Jesus não mente. Não posso
dizer aquilo que tu não fazes. As tuas faltas são próprias dos justos, dos meus eleitos. O teu céu está
perto. Conservo-te neste calvário só por amor à humanidade. Anseias por Mim: Eu anseio por ti. O Céu
está perto. Vem receber a gota do meu divino Sangue. Uniram-se os nossos corações e a gotinha do
Sangue passou. Levou a vida necessária ao teu corpo e à tua alma. Nova vida para mais e mais sofreres,
para mais e mais amares. Vai em paz! Fica na cruz! Dá a minha paz! Distribui o meu amor, distribui as
minhas graças. Felizes, ditosos os que as recebem!”

— Jesus, agora não queria deixar-Vos. Tenho mais força e tenho mais luz. Obedeço, mas antes disso
lembro-Vos como sempre todos os que me são queridos, com as minhas primeiras intenções, todas as
minhas intenções, com a humanidade inteira. Salvai a todos, meu Jesus! Perdoai a todos!

— “Vai em paz! Vai em paz! Vai em paz e confia!”

— Obrigada, Jesus, obrigada, Jesus. O meu eterno obrigada!

1º de Maio de 1953 – Sexta-feira

Sinto-me enjoada, cheia, tão cheia, enfartada do mundo. Tenho uns olhares que não são meus, que não
podem vê-lo assim tão manchado. Ao mesmo tempo sinto-me de tal forma atraída que quero possuí-lo
todo, abraçá-lo, metê-lo dentro do meu coração. O que eu sofro, o que eu sofro, meu Deus, só Vós o
sabeis e sabeis compreender. As almas vêm aos bandos junto de mim. Eu por vezes não posso com tão
grande humilhação. Quando olho para mim, para a minha miséria, sinto-me envergonhada. Pobres
almas, pobres almas, mas muito mais pobre de mim! Se elas vissem a minha pequenez, o meu nada e a
grandiosidade das minhas maldades, fugiam espavoridas. Que vergonha, que vergonha, que tormento
este para mim. A natureza está cansada, não pode mais, mas eu tenho, apesar de tanta repugnância, a
necessidade de lhes falar de Jesus, de lhes dizer muitas coisas. Sinto-me forçada a metê-las no Coração
divino do Senhor. Não sou capaz de dizer o que se passa em mim, o que é este martírio da alma. Amo as
almas loucamente, vejo em todas Jesus, isto é, o Seu Sangue divino derramado. Quero fazer tudo para as
salvar, quero sofrer até ao fim do mundo, se assim aprouver ao Senhor, para que nenhuma se perca, e
não faço nada. Tudo temo, tudo me apavora. Quero dar-me e quero fugir-lhes; quero falar-lhes de Jesus,
do amor que Ele nos tem, o que é uma ofensa feita a Ele, e quero-me sozinha, quero calar-me, quero
esconder-me. Sinto que a minha é inútil, porque a inutilidade se apoderou de mim e tudo me roubou.
Não posso mais. Em que tormento está o meu corpo e a minha alma!

O meu horto foi silencioso, foi de agonia mortal. Todos os pés humanos me calcaram, fiquei da mesma
massa da terra. Era humana e divina. O que era divino era a verdadeira vida. Depois do suor de sangue
fui com Jesus para a prisão; sofri e amei com Ele. O meu coração da prisão voava às prisões dos
sacrários. Inseparável união! O Calvário de hoje foi tremendo, tremendo, cheio de agonia. Eu ia
arrastada, não caminhava por mim, não queria saber de viver com Jesus. Mas foi calvário de segredos,
de mistérios. Eram mistérios e segredos divinos. Soube senti-los e compreendê-los o coração, mas não
sabem os lábios exprimi-los. Eram segredos, mistérios de redenção. No tempo da agonia, mesmo
quando bradava ao Eterno Pai, a manifestação destes segredos era mais intensa e profunda. Mais sentia
a vida divina a comunicar-se à terra. Jesus expirou e no mesmo momento o segredo da morte reinou no
calvário e na minha alma. Jesus apressou-se a ressuscitar e fazer-me ressuscitar. Pouco depois falou-me
assim:

— “Jesus está aqui. Desceu do Céu com todo o seu amor e todo o seu poder. Compenetrai-vos,
compenetrai-vos da Sua presença. Jesus está aqui. Desceu do Céu por amor. Quer entrar nos vossos
corações, quer entrar. Quero reinar, quero reinar, quero ser amado neste reinado. Faz, minha filha,
esposa minha, que Eu seja o Rei, que Eu seja o amor de todos os que se abeiram de ti. Estás neste
calvário, coloquei-te neste calvário para bem, para seres útil a toda a humanidade. Minha filha, minha
filha, faz conhecer às almas quanto Eu as amo. Tu és o porta-voz de Jesus. Tenho-o dito muitas vezes.
Falo no teu coração e pelos teus lábios. É por ti, é por ti que Eu falo ao mundo. É por ti que Eu distribuo
as minas graças, os meus tesouros, o meu amor. És o cofre, minha filha, és o cofre de todas as riquezas
celestes. O teu alimento é o meu Corpo e Sangue, é a minha vida divina. Quem se aproxima de ti, de Mim
se enriquece. Pede às almas, pede ao mundo amor, amor para Jesus. Pede às almas, pede ao mundo
pureza de vida, enlevo, enlevo, grande união comigo.”

— Ó Jesus, sinto-me tão grande, tão grande! Parece-me que estou no Céu. Parece que deixei o mundo,
que tanto anseio deixar. Anseio, Jesus, por ir para Vós e anseio por sofrer por Vós. Sofro por Vós, sim,
por Vosso amor, mas para Vos dar as almas. Como sou grande! Como sou grande na Vossa grandeza! Só
Vós me compreendeis, Jesus. Quero ir e quero ficar. Quero o Céu porque fora de Vós não sou nada.
Quero a terra, porque não posso viver sem dor nem sei viver sem dor, meu Jesus. Quero a dor até ao fim
do mundo, se Vós assim o quiserdes. Amo as almas, porque Vos amo a Vós. Quero a dor, porque quero
salvá-las.

— “Não aceito, filhinha, não aceito o teu sacrifício. O teu Céu aproxima-se, mas Eu prometo-te e não
falto. Como recompensa da tua generosidade, hás-de do Céu salvar tantas almas como se sofresses ater
ao fim do mundo.”

— Obrigada, Jesus, o meu eterno obrigada. Não sei neste momento o que é a dor! Que alegria na minha
alma!

— “Coragem, coragem, esposa minha. Tudo isto te fortalece para a cruz, para o martírio. Velo por ti,
repito mais uma vez: tu hás-de do Céu salvar tantas almas como se o teu martírio se prolongasse até ao
fim dos séculos. Hás-de acudir a muitos males, a todos os males, mas as almas, as almas!...”

— Já compreendo, Jesus, para essas cairá sempre, sempre, a chuva da Vossa misericórdia.

— “Está tudo dito, minha filha. Compreendeste bem. Tu és a heroína vitoriosa, a heroína triunfadora:
triunfarás na terra, hás-de triunfar no Céu. Concedo todo o poder para as salvares. Nunca será em vão,
nunca serão em vão uma prece dirigida a ti em favor das almas, quando estiveres no Céu.”

— Ó Jesus, já estou sob o peso da dor, das humilhações, já estou em trevas. Sinto-me humilhada com as
Vossas promessas divinas. Nada Vos mereço, mas não quero duvidar. ConVosco serei tudo.

— “Vem, vem receber a gota do meu divino Sangue. Os nossos corações uniram-se. Ficaram duas vidas
na mesma vida. A gotinha do Sangue passou. Novo sangue corre nas tuas veias. Nova vida te faz viver.
Nova vida te faz crescer para Mim, para o Céu.”

— Obrigada, Jesus. A gotinha do Vosso Sangue divino deu-me vida, deu-me luz e de novo a agonia da
alma desapareceu. Como sois grande, Jesus! Como sois bom! Bendito sejais! Não esqueçais as minhas
intenções. Conhecei-las todas. Não esqueçais a humanidade inteira. Perdoai-lhe. Salvai-a.

— “Fica na cruz, minha filha, fica na cruz. Dá-me dor, sempre dor. Dá-me amor, amor, amor, sempre
amor. Dá as almas. Salva-as, salva-as. Conquista-as para Mim. Convence-te. É essa a ansiedade da tua
alma. Sou Eu, Eu, Jesus que tudo ponho e opero em ti.”

— Obrigada, obrigada, Jesus. O meu eterno obrigada, meu Amor.

2 de Maio de 1953 – Primeiro Sábado

Esperei a vinda de Jesus ao meu coração, mas esperei-a no maior tormento do corpo e no maior pavor
da alma. Queria Jesus, mas não queria o colóquio. Não quero por temor de me enganar. É sempre o
grande temor da minha vida. Jesus veio, entrou no meu coração, entrou com tanta doçura, luz e amor
que me deixou em paz celeste e como que adormecida, mas ouvia a Sua voz divina a dizer-me assim:

— “Aqui está Jesus, minha filha, que faz do teu coração um paraíso na terra. Dorme, dorme o sono dos
anjos mergulhada na vida e no amor de Cristo. Todo o teu ser está mergulhado em Mim. É este o sono e
a vida dos eleitos do Senhor. Dorme, dorme na minha paz, no meu amor, na minha paz, no meu amor.”
— Ó Jesus, ó Jesus, logo que Vos recebi, senti-me como que adormecida, mas num sono de luz, num
sono de amor. Bendito e louvado sejais por tudo.

— “Filhinha, filhinha, jardim formoso, jardim florido. Cuido mais, muito mais de ti do que o jardineiro
cuida dos seus canteiros, por mais zeloso que ele seja. Quero amparar-te. Quero amparar-te, tenho que
amparar-te, tenho que velar por ti. Sofre, sofre, dá-me a tua dor urgente e necessária ao mundo. Os
pecadores, os pecadores correm, correm para o abismo da perda eterna. Trá-los, trá-los todos para Mim
por meio, por intermédio da minha Bendita Mãe. Avante, avante, sempre avante na mais espinhosa, mas
na mais nobilíssima missão. Diz ao teu paizinho, minha filha, àquele que escolhi, sim, fui Eu que o
conduzi junto de ti para guia e luz da tua alma. Diz-lhe que o Jesus do teu coração, que o Jesus dos seus
amores conta com ele. Dele tudo espera. Ele é mestre das almas eleitas. Ele é iluminado, tudo iluminado
do divino Espírito Santo. Diz-lhe que ele não errou nem erra. Jesus está com ele. Diz-lhe que lhe tenho o
amor mais predilecto e não falto, não falto ao que prometi. O sol rompeu as nuvens. Já brilha com a
maior luz e intensidade. Amo-o, amo-o! Todo o Céu o ama! Diz ao teu médico que Eu servi o sol e a
chuva do seu jardim. Ele todo é cuidado pelo Céu. Diz-lhe que ele foi criado para grandes coisas. A
missão que ele desempenha foi uma prova de predilecção do amor de Jesus. Escolhi-o porque muito o
amo. Escolhi-o, e ele foi-me fiel. Diz-lhe que Jesus lhe pede coragem, coragem. A honra, a glória é de
Deus. O bem é para as almas. Dá-lhe amor, amor eterno.

Vem, minha bendita Mãe, conforta, conforta a nossa filhinha. Temos que ampará-la, cuidar dela.”

— “Minha filha, minha filha, estás nos braços da tua Mãezinha, o Coração Imaculado de Maria.
Coragem, minha filha, coragem! Incute nos corações e nas almas dos que se abeiram de ti o amor ao
Coração de Jesus, o amor ao meu Coração Imaculado. Jesus tem sede. Eu tenho sede, sede de amor, sede
de reparação. Queremos ser amados, queremos ser reparados.”

— Mãezinha, Mãezinha, quero dizer tudo, quero fazer tudo, quero sofrer tudo. E não digo, não faço nem
sofro nada. Não sou eu a dizer, não sou eu a fazer, não sou eu a sofrer. Compadecei-Vos, Mãezinha. Pedi
a Jesus compaixão para o pavor que me causa a minha vida. Como é terno o Vosso abraço! Como são
doces as Vossas carícias! Agora, sim, sinto que Vos amo e amo a Jesus. Sinto que Vos abracei com todo o
afecto e amor do meu coração. Prometo com a Vossa graça atender aos Vossos pedidos, Mãezinha.

— “Minha filha, predilecta filha de Jesus, filha predilecta de Maria. Tu alegras os Nossos divinos
Corações. Trabalha, trabalha; repara, repara. Não descanses, não descanses. Imola-te, imola-te. Dá o teu
sangue, dá o teu sangue neste leito de dor, neste calvário, nesta cruz dolorosa que te escolhi. Leva o amor
do Coração Divino de Jesus, Coração angustiado. Leva o amor do Coração Imaculado de Maria,
Imaculado e Doloroso. Distribui aos que amas, aos que se aproximam de ti. Fá-lo, fá-lo correr mundo,
como vento que gira, como sopro que se espalha. Recebe de novo as carícias de Jesus e da Mãezinha. Vai
dar-Nos sempre a reparação que acabamos de pedir. Coragem, coragem! Pede ao mundo vida pura,
sempre pura. Ai dela, ai dela, se não atende ao brado de Jesus, aos pedidos de Jesus pelos lábios da sua
vítima.”

— Obrigada, Jesus, obrigada, meu Amor. Obrigada, Mãezinha, obrigada, Mãezinha, obrigada, minha
querida Mãezinha. Peço-Vos perdão para a humanidade inteira e não deixo de lembrar-Vos as minhas
intenções. Não as esqueçais, Jesus, não as esqueçais, Mãezinha! Obrigada, Mãezinha!

8 de Maio de 1953 – Sexta-feira

A minha cruz é pesadíssima para eu levar. Ela aumenta de dia para dia. Só vivo da confiança que Jesus a
leva por mim. Mas muitas vezes desfaleço, sinto que não tenho confiança, não tenho esperança, não
tenho nada. Não sou nada, mesmo nada, nem ao menos vermezinho da terra chego a ser e sou ao mesmo
tempo trapo imundo, trapo a desfazer-se de podridão, onde toda a humanidade calca e se limpa ao
mesmo tempo. Limpa-se e suja-se, contamina-se com o veneno da minha podridão. Ai, o que eu sou,
meu Deus, o que eu sou de miséria e crime, ai, o que vejo dentro em mim! Parece que não posso
consentir que as almas se abeirem de mim. De momento para momento aumenta o pavor pela miséria
que sinto, pela criminosa que sou. Apavoro-me por sentir que elas outra coisa não podem ver em mim.
Tenho medo de as escandalizar, tenho medo que elas com a visão de tantos crimes se percam. A estes
sentimentos dolorosos juntam-se outros não menos dolorosos. Enlouqueço-me por elas, quero abraçá-
las de tal forma a metê-las todas no Coração Divino de Jesus, a fechá-las todas no Céu. Que indizíveis
sofrimentos, que sofrimentos e ânsias infinitas. Parece que é Jesus a arrancar-me o coração deste corpo
imundo para o levar para Ele e com ele todos corações do mundo inteiro. Sinto, sinto que Jesus os quer e
eu não posso dar-Lhos, nem aguentar com as ânsias que Ele tem de os possuir. Não sei dizer mais nada.
Sinto coisas tão grandes como o Céu; sinto a necessidade de falar delas e não sei. Meu Deus, meu Deus,
que poder supremo me arranca e atrai para Vós! Que loucura, que loucura a do Vosso amor! Queria falar
dele e não me deixa a minha ignorância. Passei a vida esquecida do Senhor. São esses os meus
sentimentos, foi assim o meu dia de ontem depois de talvez milhares de vezes pronunciar o Seu santo
Nome, fiquei sem nada dizer e nada fazer por Ele.

Esquecida d’Ele e da Sua santa paixão, ou melhor, não esquecida mas mergulhada neste sofrimento de
esquecimento, fiquei no solo duro e triste do Horto. Foi tristeza e agonia mortal. Apavorada a minha
alma, a lutar com todo o martírio, senti como se um canal descesse do Céu e dentro dele me
introduzisse. Aquele canal tinha a vida divina. E toda a minha vida terrena, todo o meu ser de misérias
foi por ela trespassada como raios de sol doirados e penetrantes. Que mistura, que mistura… a terra com
o Céu! Se eu soubesse exprimir-me com soube sentir, levava uma vida inteira só a falar disto, sem
acabar. Acompanhei Jesus na prisão. Durante a noite, repetidas vezes lá nos encontrámos, assim como
no sacrário. Hoje de manhã segui para o Calvário, seguiu a minha alma. Os caminhos não tinham sol, a
tristeza foi mortal. No percurso da viagem fiz vários sacrifícios por amor do Senhor. Senti como se Ele
tudo me rejeitasse. Com Ele subi até ao cimo da montanha. Naquela noite trevas e mar infinito de dor,
Ele coberto de sangue, com as carnes despedaçadas, quase a agonizar, dizia-me em silêncio dentro do
coração: “Ama-me, vê quanto sofri por ti!” Com Ele fui despojada dos meus vestidos, com Ele senti a
vergonha, o pudor e com Ele fui crucificada. Nas horas de agonia senti que a nossa união era um
contraste, era um anel que nos apertava e nos levava a viver a mesma vida. Agonizei com Jesus. eu
bradava com Ele e ao nosso brado toda a terra estremeceu. Ele expirou. Tive que expirar com Ele. Não
foi prolongado o silêncio da noite: Jesus cheio de vida e luz fez-me viver e dentro do meu coração falou-
me assim:

— “Alegrai-vos, está aqui o Senhor. Desceu do Céu. Bendizei o Seu nome! Alegrai-vos! Está aqui Jesus.
Está no seu trono, no seu paraíso de delícias. Alegrai-vos! Ele está aqui e vai falar aos vossos corações.
Convido-vos, convido-vos a todos. Vinde a Mim! Vinde a Mim, filhos meus! Falo pelos lábios da minha
vítima, falo e peço a toda a humanidade. Amai-me, amai-me. Quero ser amado. Está neste calvário a luz
e o farol do mundo. Está neste calvário a escora da justiça do Senhor. Está neste calvário o íman atraente
que atrai as almas ao Seu Coração. Está neste calvário o porta-voz de Jesus. Este calvário é um portento
de graças. Este calvário é o calvário das maravilhas de Deus. Este calvário é, sobretudo, calvário do
amor, do amor da louca do amor por Jesus. Criei-te por amor, minha filha. Por amar-te, escolhi esta
nobilíssima missão. Por amor te conservo a tua vida aqui. Vives de Jesus. Vives da Eucaristia. Vives da
vida divina. É o poder do Senhor aqui manifestado. Quero salvar-vos, filhos meus. Indico, manifesto
pela minha vítima mais uma vez o caminho da salvação. Fala às almas, minha filha, fala às almas. Fala-
lhes enquanto estás na terra. Do Céu, sim, do Céu dar-lhes-ás chuvas de bênçãos, chuvas de graças,
chuvas de salvação.”

— Ó Jesus, ó Jesus, meu Amor, sou tão ignorante. Não sei dizer nada. Não sei falar às almas como me
mandais. Ah! Se eu soubesse, Jesus!... Só Vós conheceis o que eu queria dizer-lhes. Aceitai todo o
martírio do meu corpo e da minha alma. Todo o amor puro do Céu e da terra para suprirem a minha
falta. Seja este amor quem fala, seja este amor que conquista para Vós as almas. Que dor a minha, meu
Jesus, que dor a minha, meu Jesus! Eu não poder consolar-Vos! Eu não poder fazer tudo quanto me
pedis!

Se tu soubesses, minha filha, se tu soubesses, florinha eucarística, o fruto do teu sofrimento, do teu
esforço, da tua vida! Quantas vidas novas, quantas vidas novas, quantas vidas novas! Quantas vidas
reviveram para a graça! Nada criei, nada faço, nada permito inútil. Tu és útil, útil. Tens a utilidade, a
maior utilidade que pode ter uma alma na terra. A tua utilidade é salvadora. A tua vida, sim, minha filha,
a tua vida é a continuação da vida redentora, da vida salvadora de Jesus. Fala às almas, fala às almas. O
teu sofrimento fala sempre. O teu exemplo é uma pregação contínua. Avante, avante, missionária de
Jesus, a maior missionária de Jesus na terra. Vinde, meus filhos, vinde, meus filhos, atendei à voz do
Senhor, ouvi a voz do Senhor. Ele fala-vos, ele fala ao mundo, pelos lábios da Sua vítima, pela heroína
deste calvário.”

— Falai, Jesus, falai Vós, sempre Vós. Falai por amor, falai pela Vossa sagrada Paixão e Morte. Falai
pelas dores da Mãezinha. Falai pelo amor com que amais o Pai e o Espírito Santo. Falai e movei os
corações. Falai e convertei os pecadores! Eu sou nada, Jesus, eu sou nada. Eu sou miséria; Vós sois tudo,
Vós podeis tudo.

— “Coragem, filhinha, coragem. É comigo que és poderosa. É comigo que és triunfadora e vitoriosa na
tua missão. É comigo que as tuas palavras vão penetrar nos corações mais endurecidos. Oh! Graça! Oh!
Maravilha! Oh! Poder supremo deste calvário! Vem, minha filha, vem receber a gota do meu divino
Sangue. Uniram-se os nossos corações. Foi o meu ao encontro do teu. Estão os dois num só a reviverem
a mesma vida. Passou a gotinha de sangue e uma forte efusão de amor. O Sangue, que é a tua vida, o teu
alimento, o amor para amares, o amor para amares e fazeres amar. Fica na tua cruz. Coragem, coragem.
Jesus e a Mãezinha estão contigo. Tens a graça e a força divina. Tens o amor e o poder de Jesus. Tudo te
dou, tudo te comunico. Distribui às almas, distribui ao mundo.”

— Ó Jesus, lembro-Vos as minhas intenções, as grandes intenções, todas as intenções e a humanidade


inteira. Concedei graças, muitas graças, todas as graças que podeis conceder sem prejuízo das almas e da
Vossa glória. Perdoai, Senhor, perdoai ao mundo. Perdoai, Senhor.

— “Vai, minha filha, vai em paz. Tem confiança, tem confiança. Pede oração, penitência. Vida pura, vida
pura, pura.”

— Obrigada, Jesus. Obrigada, Jesus, obrigada, meu Amor.

Nota. – No dia 9 de Maio atendeu cerca de 2.000 pessoas, falando 4,30 horas de manhã. Teve um
intervalo de 45 minutos e de tarde falou seguidamente 5 horas. Foram 9,30 horas que esteve a atender
os visitantes. Veio um grupo de 21 pessoas a pé, do Porto. Outro grupo de 40 ciclistas. As outras
pessoas vieram de caminheta, automóveis, de comboio, etc. Alguém disse-lhe: ― Deves estar muito
cansada… Ao que respondeu: Eu era capaz de receber ainda outras tantas pessoas. Eu hei-de mirrar,
hei-de dar todo o meu sangue a Nosso Senhor. Hei-de dizer que O amo, mas de dentro para fora. Hei-
de bradar que amo a Jesus, hei-de dar-Lhe almas, muitas almas.

15 de Maio de 1953 – Sexta-feira

Que o Senhor seja comigo. Só Ele é a minha força, só com Ele posso mover meus lábios para dizer
qualquer coisa do nunca acabar daquilo que me está na alma. Dolorosa e tremenda agonia! O brado da
minha alma é por assim dizer contínuo; ele perde-se no meio dos montes e dos bosques; ele é abafado
sob a montanha imensa do pecado e não chega até Deus. Eu brado e do Céu não tenho auxílio; ele está
fechado com a enormidade dos meus crimes. Nuvens negras de ferro, umas sobre as outras me separam
dele. Que dureza! Não há quem as quebre, não há quem as destrua e faça desaparecer. Nunca verei a
Deus; nunca gozarei de Deus. Meu Deus, que pavor! Tudo isto que digo e sinto leva-me por vezes a
grande desalento e desânimo; leva-me quase ao desespero pela inutilidade da minha vida. Tudo isto se
passa na superfície, tudo isto é e não é meu. Mas a paz, a paz do Senhor mantém-se no meu íntimo o
mais profundamente, como flor de estufa que nenhuma aragem nem rigor do tempo a pode manchar.
Nunca direi o que sofro, nunca serei capaz de dizer por ser inigualável a minha ignorância. Nunca
poderei dizer o martírio novo, o martírio cruel, o martírio nunca dito que me causam as numerosas
visitas que vêm junto de mim. Não me causa martírio ouvir, sentir e compreender as suas misérias; não,
não é isso, porque em impulsos de amor, parece até em excessos de loucura de amor, quero abraçá-las a
todas e introduzi-las no Coração divino do meu Jesus. o que se passa em mim quando lhes falo, o que
sinto quando lhes quero fazer compreender a grandeza do pecado, uma ofensa feita ao nosso Pai do Céu
e o quanto Ele nos ama, não sei, parece que estou fora de mim, parece que me passo para outro mundo,
parece que o meu espírito está mergulhado em Deus, na luz de Deus.

Estes sentimentos e compreensão tinham dizeres infinitos. E como hei-de dizê-lo eu, sendo tão má e
nem sequer vermezinho da terra? Mas esse martírio novo de que acima falei é depois que estou sozinha,
depois de tanto ter dito dentro da minha ignorância, depois de tanto ter ansiado de meter bandos,
bandos de almas no Coração do meu Jesus, sinto a necessidade de lhes fugir, de a todas afastar e repelir
de mim. Fico a tremer de pavor. É o mundo contra mim, é o ódio, é a maldade, é tudo o que é mau. Não
tenho ninguém por mim a defender-me. Temo e tremo mergulhada neste abismo de sofrimentos. Parece
que estou no meio dumas muralhas; não se ouvem cá fora os meus brados, os meus suspiros. O que
fazer, meu Senhor? A Vossa divina vontade, só a Vossa divina vontade. A tudo isto se veio juntar a
indiferença do Horto de ontem. Vivi como se Deus não existisse, nem os Seus pensamentos.

Era já noite e veio como que num painel Jesus padecente. Aquele painel penetrou em todo o meu ser,
atravessou-me como o raio de sol pela janela. Fiquei a sentir os sofrimentos, tristezas e agonias de Jesus
no Horto. Não faltaram espinhos a ferirem-me. No mesmo sentimento de dor segui hoje para o Calvário.
O mesmo painel me atravessava o ser; o Sangue do divino Redentor corria pelo meu corpo; os seus
suspiros profundos e silenciosos faziam-me suspirar a mim. A Sua cruz pesava sobre os meus ombros.
Cheguei ofegante com Ele ao cimo do Calvário. Fui crucificada. Os Seus divinos olhos abriram-se com os
meus a bradar ao eterno Pai. Ainda dentro do meu coração falava-me o amor de Jesus: “Vê quanto sofro.
Vou morrer por ti.” A agonia aumentou e o amor superabundava tudo. Estendia-se por todo o mundo,
por todo o calvário. Nesta abundância de amor e na agonia mais dolorosa, Jesus expirou. Senti como se
o meu espírito, no mesmo momento, como um sopro, se fosse unir ao Pai. Reinou o silêncio da morte, e
Jesus não se apressou a dar-me a vida. Quando veio, entrou triunfante, de braços abertos, cheio de
glória, e falou-me assim:

— “Entrou o sol, entrou a vida, entrou o amor no coração da Sua vítima. Entrei, entrei, minha filha; sou
o Sol, a Vida, o Amor do teu coração. É com este sol, vida e amor que tu hás-de entrar nos corações dos
que se abeiram de ti. Entras e Eu entro contigo. É sol, vida e amor divino. Dou-me, dou-me, comunico-
me por ti às almas. Este calvário. O teu coração tem doçuras, encantos que as atraem. És o íman atraente
delas. Eu sou o íman que te atrai a Mim. Traz-mas, traz-mas contigo. Ó espelho, ó espelho cristalino da
humanidade. Ó farol luminoso que dás luz ao mundo, ó escora fortíssima que sustentas o braço de meu
Pai. Estás na vida pública de Jesus. Coragem, coragem, esposa querida. Tenho fome, tenho fome. Sacia-
me. Tenho sede, tenho sede, tenho sede; dá-me de beber. Sacia a fome e a sede do teu Jesus. Tenho fome
e sede de dor, tenho fome e sede de amor. A dor repara o meu divino Coração e o da minha Bendita Mãe.
O amor é bálsamo para as nossas feridas. Quero almas, almas, sempre almas. O teu sofrimento é o meu
sofrimento. As minhas ânsias, as tuas ânsias; o meu amor, o teu amor. A tua vida é a minha vida, minha
filha, sim, a tua vida é a minha vida, é a vida de Jesus.”

— Ó Jesus, amo-Vos. Agora posso dizer-Vos que Vos amo. Amo-Vos e sou Vossa. Posso dizer-Vos e
quero dizer-Vos: sou a Vossa vítima. Sede comigo, Senhor, nos meus desfalecimentos, sede comigo no
meu pavor. Se Vós Vos consolais, se as almas se salvam, seja feita, Senhor, seja feita a Vossa vontade.
Custe-me o que custar, abraço, abraço a minha cruz. É com ela, meu doce Amor, é com ela que eu me
estreito mais docemente a Vós, meu Pai, meu Criador. Que mundo, que mundo de amor, meu Jesus. Que
mundo! Mais, muito mais: que Céu de amor! Não tenho dúvidas, neste momento. Sei que sois Vós, meu
Jesus.
— “Sou o teu Jesus de agora, minha filha. Sou o teu Jesus de sempre, ó florinha eucarística. Tem
confiança! Não duvides! A tua missão é a mais alta, é a mais sublime. A tua missão é a mais dolorosa, a
mais espinhosa. É nobilíssima, é grande como Deus. As almas, as almas têm a grandeza de Deus. Fala ao
mundo, fala ao mundo. Dá por ele a tua vida. Morrer pelo mundo é morrer por Jesus. Morrer pelas
almas é morrer por Jesus, só por Jesus. Alerta, alerta, pecadores. Alerta, ouvi a voz do Senhor. Escutai,
escutai o que se ouve ao longe, mas um longe que se apressa, um longe que se aproxima, um longe que é
breve. Escutai, escutai: são ruídos produzidos pela justiça do Senhor. Faça-se oração, faça-se penitência.
Haja emenda de vida. Coragem, coragem, “mãe dos pecadores”. És mãe, porque lhes dás a vida com o
teu calvário. És mãe porque dás a milhões, a milhões, a milhões a vida da graça. Vem receber a gota do
meu divino Sangue. Os anjos uniram os nossos corações. A gotinha do Sangue passou. Vida nova, vida
pura, vida santa. Esta gotinha com a Eucaristia dá a vida ao mundo, a vida ao mundo. É por ti que ela lhe
é dada. Fica, fica na tua cruz. Coragem, coragem, para ti e para os que dela necessitam.”

— Lembrai-Vos, Jesus, dos pedidos desta pobrezinha. Atendei, atendei, Senhor. Consolai a todos.
Atendei e perdoai ao mundo. Atendei e confortai as almas aflitas e atribuladas.

— “Vai em paz. Consolo-as por ti. Falo em teus lábios.”

— Obrigada, Jesus. Obrigada, Jesus.

22 de Maio de 1953 – Sexta-feira

Sinto a necessidade de desabafar, falar da dor, não porque queira queixar-me, porque isso não quero
fazer e quero a todo o custo encobri-la, mas não sei porquê, não sei o que me leva a falar dela. É talvez a
minha pobre natureza; sou talvez eu por não saber sofrer, que sinto a necessidade de dizer que sofro. Ah!
A minha dor é tão grande! Ela cobre o mundo, ela vai ao encontro de Jesus, vai tocar e ferir o seu divino
Coração. Que grandeza a da minha dor! Eu não posso consentir que ela vá ferir o Coração do meu
Senhor. Ela sai de mim, de dentro do meu peito como o maior rio que nunca seca e nunca cessa de
encher o mar. Meu Deus, como eu sofro por Vos sentir sofrer! Meu Deus, como eu sofro por ver e sentir
este rio caudaloso a sair do meu peito e a ir ferir o Vosso divino Coração, produzindo nele um ar infinito
de dor. Se os Anjos ou os Santos falassem por mim! Só eles saberiam exprimir-se. Eu não sei, Senhor, eu
não sei. Que grande, que grande, que nunca dita é a minha ignorância! Esse mar infinito para onde corre
a minha dor, a dor que vai ferir o meu amantíssimo Jesus vem também de encontro ao meu peito, para o
meu coração: um mar infinito, um mar que nunca terá fim, nem poderá esgotar-se o seu amor. É esse
amor que me atrai, é esse amor que não posso deixar de anunciar. Trabalha em mim como que um
motor; este motor tem voz que se espalha, voz que ecoa no mundo inteiro, voz que junta o humano com
o divino, voz que levanta a terra para o Céu. Quantas coisas sabe sentir o meu coração e a minha alma e
não as sabe dizer! Que pavoroso martírio para mim! Quero abraçar o mundo, quero abraçar as almas,
quero num abraço divino estreitá-las, metê-las todas no peito, no Coração de Jesus. é uma ânsia
tormentosa, é uma ânsia sem limites, sem fim. Ai, que grande, ai, que grande! Tem a grandeza de Deus!
Quero abraçá-las, quero possuí-las e quero repeli-las, tenho que repeli-las. A minha natureza não pode
mais. A vontade louca por Jesus e pelas almas atira-se ao mar imenso, ao mar infinito de dor e do amor.
Mas a natureza apavorada não pode mais, teme e morre de medo. Estou esmagada com a humilhação de
tantas visitas, de tantas almas que se abeiram de mim. Tenho chorado por mais e mais reconhecer o meu
nada; choro por ver o abismo da minha miséria, vejo e sinto que é esse abismo de maldades que elas vêm
ver. Não posso nem sei dizer mais. Fico em indizível dor por nada ter dito.

O meu Horto de ontem foi o sentimento e a visão de Jesus sentado no meu coração a chorar sobre a
cidade de Jerusalém. Gravaram-se bem profundamente os seus tristes e penetrantes olhares. Jesus
conservou-se por muito tempo nessa atitude. Em seguida fui presa com Ele e, logo após a prisão, Ele
conservou-se dentro em mim na mesma tristeza e atitude, só a mais com a Sua sacrossanta cabeça
coroada de espinhos a derramar muito sangue. E hoje assim segui para o Calvário. Jesus não se levantou
do meu peito, derramava o mesmo Sangue, sofria em silêncio a maior dor e agonia. Cansava-me o
coração o palpitar aflitivo do Coração de Jesus. Sofríamos os dois como se fosse um só. Despida e
pregada na cruz com Ele, fiquei até ao fim na agonia mais dolorosa. O palpitar do Coração de Jesus
parecia que me arrancava o meu e mo tirava do peito. O suor e o sangue de Jesus banhavam-me e num
brado de agonia e amor entreguei ao Pai o meu espírito. Reinou o silêncio da morte em todo o calvário.
De repente, Jesus veio, cheio de amor e falou-me assim:

— “Desceu do Céu a luz, o sol, a vida, desceu e veio penetrar neste calvário. Desceu Jesus. É o sol divino.
Veio iluminar e fazer reviver o coração da Sua esposa. Avante, avante, minha filha. Avante, sempre
avante, florinha eucarística. O Senhor é contigo. Embriaga-te no Seu amor, embriaga-te o teu Senhor, o
teu Deus. Avante, avante, louquinha de Jesus, louquinha das almas. Oh! Como é bela, como é
encantadora a tua missão! O Senhor desceu sobre ti. Tem por ti a maior predilecção. Tem coragem! O
Céu está tão pertinho! Coragem, sempre coragem, enquanto estás na terra. O campo da tua missão é a
humanidade inteira. Fala às almas, fala às almas. Fala-lhes sempre do meu amor. Fala-lhes da minha
misericórdia. Não ponhas de parte, filha minha, a minha justiça.”

— Ó meu Jesus, ó meu Jesus, tenho tanto medo da minha vida! Vede, vede como é grande o meu temor.
Parece que estou a enganar-me e a mentir-me a mim mesma. Eu não desempenho como devo a minha
missão, meu Jesus. Sinto-me fraquejar, sinto-me morrer. Quanto mais falo de Vós, do Vosso amor, da
Vossa grandeza, mais sinto e vejo a minha miséria. Ó Jesus, que humilhação tão grande, que humilhação
tão grande! Só os meus crimes e o meu nada aparecem. Como poderei eu assim fazer alguma coisa?!

— “Coragem, coragem, pomba branca. Esvoaça, esvoaça sobre os sacrários. Deixa cair sobre eles o
aroma, a fragrância das tuas virtudes, das tuas virtudes. Esvoaça, esvoaça até Deus. Sobe, sobe às
alturas. Mostro-te, mais do que nunca, a tua miséria. Quanto mais te conheces, mais me fazes conhecer a
mim. Preparei e velo por ti na tua nobilíssima missão. Quero almas, almas, um mundo de almas. Vejo-as
fugir, vejo-as fugir. Vai à procura delas, vai, corre à sua procura.”

— Porque chorais? Porque chorais, meu Amor? Quem é que Vos arrasta, quem Vos atou à cintura tão
grossas cordas? Não choreis, não choreis, meu doce Amor. Dou-Vos o meu coração que está a arder com
o fogo divino. Seja este fogo, este fogo, meu Jesus, que Vos seque as lágrimas. É fogo Vosso. Utilizai-Vos
do que Vos pertence.

— “Choro, choro, minha filha, porque os pecadores me ferem. Choro, porque as almas de quem tanto
esperava me perseguem. Choro, choro, porque o mundo se perde. Mas, agora, esposa querida, pupila dos
meus olhos, não chorarei mais. Quero encorajar-te, quero mostrar-te quão necessária é a tua missão.
Quero amor, quero amor! Faz que eu seja amado. Não quero ser ofendido. Repara o meu divino Coração.
Tem coragem, tem coragem! As almas, as almas que vieram por ti ao meu divino Coração são tantas,
tantas!... Faz que elas enceleirem tudo o que de mim recebeste. Faz que elas venham para mim como
formiguinhas para o celeiro. Vem receber a gota do meu divino Sangue. Os nossos corações uniram-se.
Nova gota de Sangue recebeste. Nova vida para mais dor, nova dor para mais amor. Passou a vida de que
tu vives. Com a gotinha do Sangue renovei a abundância dos meus tesouros. São para as almas, são para
as almas. Distribui, distribui como quiseres. Trá-las todas, todas para junto de mim.”

— Farei o que puder, mas só com Vós conto, Jesus, não Vos ausenteis já. Ouvi os meus pedidos. Ouvi,
ouvi, meu Jesus. Lembro-Vos todos, todos quantos me são queridos, todos aqueles que me pedem
orações ou querem pedir, Jesus, e lembro-Vos a humanidade inteira. Perdoai-nos a todos, Jesus, e a
todos nos dai a Vossa graça, o Vosso perdão, a Vossa misericórdia, o Vosso amor.

— “Fica no Calvário, no meu glorioso calvário que Jesus tem na terra. Coragem, coragem! Vai para a tua
cruz.”

— Obrigada, obrigada, meu Amor.

29 de Maio de 1953 – Sexta-feira

Hoje nada vou dizer. Não posso. Que tremendo tem sido o meu calvário. Só o amor de Jesus e das almas
me sujeita a tanto sofrer. Tive no meu quarto a Santa Missa: parece que nem estou presente, tal é a vida
da minha alma. Sinto como se estivesse fora do mundo. Sem ter vida, vivo não sei onde. Estive morta
ontem sobre o solo do horto e hoje morta estive no calvário. Perto de expirar, num impulso de amor,
ressuscitei e abracei o calvário, abracei a cruz. Momento depois voltei a expirar, mas expirei com Jesus.
Veio Ele de novo com a Sua vida, entrou no meu coração, sentou-se como Rei e falou-me assim:

— “O Céu é belo, belo, belo! Tem encantos sem igual! Dá-o às almas, minha filha, dá-o às almas. Avante,
avante, avante! Coragem heróica! O Senhor está contigo, minha filha. Foste criada para as almas. Foste
criada para, pelos teus sofrimentos, pela tua imolação, dares o Céu. É belo, é belo, é belo!... Será bem
depressa para ti. Tudo se encaminha para a tua verdadeira vida. Coragem, coragem, esposa predilecta de
Jesus. Se soubesses o que se passa nas almas! Se pudesse compreender a revolução que nelas se levantou
e levantará! É pecado contra a graça. É o mundo contra o Céu. É Jesus, é Jesus, o Pai de toda a
humanidade a tentar salvá-la. Coragem, coragem, heroína minha. À minha semelhança, tu dás-lhes a
vida, tu dás-lhes o Céu.”

— Só uma coisa me resta, Jesus: confiar em Vós, confiar cegamente. O que posso eu dar, se eu nada
sou?! Vós é que sois tudo. Não vedes Vós as minhas impaciências?! Tiro ao meu esforço todo o valor, não
é, meu Jesus?

— “Confia, confia, esposa querida, florinha eucarística. Eu não te deixo um só momento. Precisas que eu
vele por ti. São necessárias as tuas faltas involuntárias para esconder tanta e tanta grandeza. Para a mais
alta missão, a mais alta preparação. Foste criada e preparada para as almas. Foste posta por Jesus neste
calvário, calvário prodigioso, calvário das maiores maravilhas de Jesus. Confia, confia, minha filha. A
revolução inaudita das almas faz que elas venham aos milhares, aos milhões ao meu divino Coração. No
Céu, no Céu, tu vais continuar – disse-te, digo-te – a tua missão encantadora, sublime… vai ser sempre
desempenhada. Ditosas as almas que vêm junto de ti. Ditosas as almas que invocaram o teu nome
quando estiveram no Céu. Promessas divinas, promessas sagradas.”

— Ó Jesus, sou uma bola, sou uma rodilha: bola que todos jogam, rodilha a que todos se limpam. Ai, que
humilhação tão grande, Jesus! Falai-me do Vosso amor. Falai só do que é Vosso.

— “Falando de ti, falo do que é meu. Tu és bola., és rodilha porque és vítima. Tenho todo o direito. Posso
dizer-te tudo. Para tudo te preparei. És farol e luz do mundo. És vida que fazes viver. Fala, fala tu do meu
amor. Criei-te por amor, por amor te coloquei neste calvário. Que loucura, que loucura tenho pelas
almas!... Diz-lhes, diz-lhes muitas coisas minhas. O Espírito Santo está contigo. Todo o teu ser está
mergulhado na Sua luz, na Sua vida. No teu coração, nos teus lábios falo eu. Este calvário, este quartinho
é o Céu na terra. Vem, vem, recebe a gota do meu divino Sangue. Os anjos uniram os nossos corações.
Passou a gotinha do Sangue, o teu alimento, a tua vida. Passou juntamente a efusão do meu amor. É a
fragrância que as almas de ti recebem. Dá-lhes, dá-lhes toda esta vida. É a vida divina, é a vida celeste, é
a vida que tu vives na terra. Fica na tua cruz. Fica nela crucificada. É cruz vitoriosa. É cruz de martírio,
mas é cruz de salvação. Coragem, coragem! Grande prémio te espera, grande recompensa, minha esposa
querida. Grande recompensa recebem todos os que te auxiliam, amparam e rodeiam. Fica na tua cruz
com alegria. Vai em paz! Dá a minha paz! Não cesses de pedir para que Eu seja amado e seja amada a
minha Bendita Mãe. Não cesses de pedir vida nova, vida pura, vida santa.”

— Ó Jesus, antes da Vossa partida para o Céu, ouvi a Vossa pobre filhinha, a mais indigna filhinha.
Lembro-Vos as minhas primeiras intenções, todas as intenções e a humanidade inteira. As minhas
primeiras intenções, as três intenções que me mandaram pedir.

— “O caso é grave, minha filha. É necessária muita violência ao Céu e muita correspondência à graça.
Pede sempre, pede sempre, pede sempre! E pede ao mundo inteiro penitência e oração.”

— Obrigada, Jesus, obrigada, meu Amor.

5 de Junho de 1953 – Primeira Sexta-feira


Temo e tremo sob o peso da minha cruz. Não sei como levá-la, não sei como ser fiel ao Senhor. Queria
dizer muito, tenho necessidade de dizer tudo e poucas palavras posso dizer. E o pouco que digo nada
representa para o que me vai na alma. Parece que tenho dentro em mim um alto-falante que ecoa no
mundo inteiro. Sinto como se ele amolecesse os rochedos das montanhas. Para mim, o meu maior
calvário é ver-me rodeada da multidão de gente que se abeira de mim. É o meu mais doloroso calvário, a
minha mais dolorosa dor. Mas ao mesmo tempo parece que está um motor a trabalhar, a mover os meus
lábios, sem os poder deixar parar. Saio fora de mim, sou como uma casca de ovo, como um sopro que me
vou mergulhar num outro espírito, numa vida que não é minha. Não posso dizer mais do muito que
tinha de dizer, não humanamente, mas infinitamente. O meu horto de ontem foi tão triste, foi
tristíssimo. Ai, meu Deus, quanto eu sofri. Falei a milhares de almas. Falaria bem? Faria a vontade de
Jesus? Fiz o que pude. Fiquei como de pé sobre o solo do horto. Tinha uma vida do Céu. Estava sobre ele
triunfante. De repente envolvi-me na terra, manchei-me nela e por ela tive que responder ao Pai. Hoje,
de manhã, fui para o calvário, caminhei sozinha, mais triste que a noite, sem nunca encontrar Jesus. No
alto da montanha, de repente, sem saber como, todo o mundo caiu sobre mim e me invadiu em todo o
calvário com o peso de toda a humanidade, sempre sem Jesus. A morte prolongou-se por muito tempo.
Veio depois Jesus. Iluminou-me e dentro do meu coração falou-me assim:

— “Amor, amor, amor vem pedir Jesus. Amor, mais àqueles de quem sou amado. Tenho sede, sede,
muita sede. Tenho sede, sede, sede e não sou saciado. Pede amor, pede, minha filha, pede ao meu divino
Coração. Sofre, sofre, minha filha! Repara a justiça do meu Eterno Pai. Sofre, sofre, minha filha! Dá ao
meu divino Coração a reparação necessária. Avante, avante, na tua missão sublime. Coragem, coragem!
Tu não estás sozinha, filhinha. As almas, as almas!... Quero que se salvem as almas! Foram para os que
Me amam as minhas primeiras palavras. São para aqueles que andam afastados de Mim, tudo o que vou
dizer, todos os meus queixumes, toda a minha dor. Vê, minha filha, como está ferido o meu divino
Coração.”

— Custa-me tanto, tanto, meu Jesus, ver este rio de sangue que sai dessa chaga profunda. Já vejo, meu
doce Amor, que nada valem os meus sofrimentos se não evitam os Vossos. Ai, tanto sangue, Jesus!...
Onde está a minha missão, como Vós dizeis, meu Amor?

— “Sossega, sossega, florinha eucarística. Vês o Sangue com as ofensas que me dão. Mas são salvas as
almas pela tua sublime missão, pelo teu calvário, pela tua cruz. Se não fosse a tua reparação, perdiam-se
as almas aos milhões, aos milhões. É nobre, é nobre a tua missão. É nobilíssima. Encanta o Céu, encanta
a terra, os que compreendem os encantos, as maravilhas do Senhor. Avante, avante, a vós todos a quem
o Senhor vos chama. Coragem, coragem! A hora é grave. Mãos à obra, mãos à obra. Quero as almas,
quero as almas a todo o custo, com toda a dor.”

— Jesus, sou a Vossa vítima, sou a Vossa vítima. Fazei estancar o Sangue dessa chaga divina, dessa chaga
profunda. Não tenho outras aspirações a não ser consolar-Vos, a não ser salvar-Vos as almas. Ó meu
amantíssimo Senhor, sou a Vossa vítima, mas quero que todas as almas se salvem, as da minha família,
Jesus, as da minha terra, as que me são queridas, as que me pedem orações e as do mundo inteiro,
Jesus. Se me quereis aqui, até ao fim do mundo, presa, estou pronta. Já o sabeis já Vo-lo tenho dito.

— “Vem, louquinha eucarística, vem louquinha das almas, vem receber conforto. Inclina-te ao meu
divino Coração. Coragem! Comigo triunfas. Coragem! Já não vês mais Sangue. Foste tu, não fui Eu. Foi a
tua oferta que o estancou. Coragem! Os pecadores andam tão perdidos, tão loucos nas paixões. Fiz tudo,
faço tudo para os salvar. São meus filhos, são meus filhos.”

— Ai, meu Jesus! Se Vós mostrásseis uma vez o inferno para ver se todos arrepiavam caminho! Eu não
sei mais o que hei-de fazer, meu Jesus.

— “O que tens feito, minha heroína, pupila dos meus olhos! Não exijo ais de ti. Se Eu mostrasse o
inferno, muitos ainda não acreditariam. Tenho os meus discípulos a falarem na terra. A dor, a dor,
minha filha, sim, a dor. A dor, a reparação é que a todos pode salvar, a todos os que querem a salvação.
Vem agora receber a gota do meu divino Sangue. Oh! Maravilha, oh maravilha do Senhor, oh prodígio
encantador! Os anjos, pelo tubo dourado, uniram os nossos corações. Passou a gotinha de Sangue,
passou a tua vida, o teu alimento. Já não vives na terra, vives no Céu. Passou também a efusão do meu
amor. Enche, enche o teu coração. Enche-te para comunicares este amor. Enche-te para deixares
transparecer a minha graça. Fala às almas, fala às almas, fala ao mundo, fala ao mundo, tu que és luz e
farol do mundo, tu que continuas a mesma obra de salvação. Pede oração, pede oração, pede penitência,
pede emenda de vida. Fica na tua cruz e tem coragem, minha filha. O teu Céu aproxima-se.”

— Ó Meu Jesus, muito obrigada pela vida, pelo conforto e amor que me destes. Dai-me a Vossa graça,
Jesus, e alcançai-me a graça que bem sabeis, que bem sabeis, a graça de bem saber levar a minha cruz.
Ai, tantas impaciências, meu Amor! Tenho tantos pecados!

— “Coragem, coragem! Tenho que esconder-me nas tuas faltas. É nelas que eu escondo a minha
grandeza. Fica na paz e dá a minha paz.”

— Ó Jesus, muito obrigada. Peço-Vos mais uma bênção Vossa, uma bênção da Santíssima Trindade e da
querida Mãezinha para todos os que me são queridos, para todos os que me protegem, para todos os que
me pedem, para a humanidade inteira, fiéis e infiéis.

— “Vai em paz. Estão dadas todas as bênçãos, todas as graças.”

— Obrigada, meu Jesus. Obrigada, meu Amor, o meu eterno obrigada!

6 de Junho de 1953 – Primeiro Sábado

No meio de um grande pavor e com a minha alma despida, num vazio infinito, preparei-me para a vinda
de Jesus. Ele entrou no meu coração. Foi como se nascesse nele o sol com os seus raios fortes, luminosos
e ardentes. Aqueceu-me, encheu-me. Fiquei cheia, muito cheia. Pouco depois ouvi a Sua divina voz,
muito doce e terna a falar-me assim:

— “Entrou o sol, entrou o fogo, entrou o amor no teu coração, minha filha. Sou sol, sou fogo, sou amor.
Sou rei do teu coração. Tu és a princesa de Jesus. Tu és o encanto de Jesus e a louquinha das almas.
Fortalece-te, fortalece-te. É esmagadora a tua cruz. Confia que o Senhor é contigo. Confiai que o Senhor
é convosco. Tenho fome, tenho fome, fome da humanidade, minha filha. Como ela se perde!... Oh! Como
ela se perde!... Acode-lhe, acode-lhe. Salva os pecadores, salva os sacerdotes. Andam tantos, tantos na
vida do pecado!... Que tristeza para o meu divino Coração! Que dor!... Que dor!... Escolhi-os para Mim!
Escolhi-os para amarem e fazerem amar! Que infidelidade! Que ingratidão!... Não Me amam!...
Ofendem-Me horrivelmente e fazem que muitos, muitos Me ofendam. Ó minha filha, ó minha filha, ó
minha filha, oferece-te muitas vezes ao meu Coração amantíssimo como vítima deles. Casos difíceis, os
mais difíceis te estão recomendados.”

— Ó meu Jesus, a Vossa dor, a Vossa tristeza comunicou-se ao meu coração. Não tenho aquela luz,
aquela luz brilhante, quando baixastes a mim. Bendito sejais!

— “Coragem, coragem, florinha eucarística, louquinha do sacrário, louquinha das almas. És vítima, és
vítima. Olha, minha filha, minha querida filha, diz ao teu Paizinho que fiz dele vítima de muitas, muitas
impurezas, muitos, muitos pecados, tremendos pecados dos sacerdotes. Diz-lhe que a sua pureza foi
para reparar muitas. Muitas impurezas. Diz-lhe que Jesus e Sua Mãe Santíssima o amam, o amam
loucamente. Ele está envolvido no manto da minha Mãe Santíssima. Está em Seus braços como a
criancinha no colo de sua mãe. Dá-lhe o amor sem fim, o amor infinito dos nossos corações. Diz ao teu
médico que nele me alegro, nele me consolo, nele me delicio. Estou bem, estou bem. Sinto-me bem no
seu lar abençoado, no seu jardim florido. Diz-lhe que muitas coisas permito para espinhos do seu
coração, para espinhos dos seus corações, para mais e mais os aproximar de Mim. Diz-lhe que avante,
avante sempre como guerreiro forte, como guerreiro fiel ao seu Rei, na minha divina causa. Escolhi-o
para amparo da maior causa, da causa mais rica e brilhante que tenho na terra. Dá-lhe a chuva das
minhas graças, a chuva do meu amor. Vem, minha Bendita Mãe, dar novo conforto à nossa filhinha.
Temos que ampará-la e, ao comunicar-lhe as nossas tristezas, darmos-lhe as nossas carícias e as efusões
do nosso amor. Minha filha, minha filha, sou o Coração Doloroso e Imaculado Coração de Maria.
Mostro-te o meu Santíssimo Coração ferido, como ferido se mostrou o de Jesus. Atende aos Seus
pedidos. As mesmas dores, os mesmos espinhos do seu divino Coração são os meus. Estamos tristes,
estamos tristes. Não negues nada a Jesus. Coragem, coragem! Pelas almas, pelas almas! Avante, avante,
pela sua salvação! Consola a Jesus, consola-me a Mim. Consolai a Jesus; consolai-me a Mim! Diz ao meu
querido Olavo que a Mãe do Céu, o Coração Imaculado de Maria, lhe diz em nome de Jesus e em seu
nome: tudo está certo, tudo está bem. Muito tem consolado os Nossos Corações. Dá-lhe a ternura do
nosso amor.”

— Mãezinha, Mãezinha, muito obrigada pelas carícias, pelo amor, pela luz que me destes. Não me
abandoneis, não me deixeis entristecer a Jesus. Fazei que eu possa levar a minha cruz. Fazei que todos
nós possamos levar a nossa cruz com o maior amor, a maior perfeição.

— “Confia, confia! Coragem! Muita coragem! Novas carícias de Jesus e de Maria. Novo conforto. Novas
efusões de amor para a luta, para a cruz, para o combate, para o calvário de salvação. Coragem, minha
filhinha, coragem. O teu Jesus, o teu Esposo está contigo e contigo está minha Bendita Mãe. Vai em paz!
Vai em paz!”

— Obrigada, Jesus, obrigada, Mãezinha! Dai-me a Vossa bênção, Jesus; dai-me a Vossa bênção,
Mãezinha, para mim, para os que me são queridos, para toda a minha família, para a minha freguesia,
para todos quantos se abeiram de mim e para a humanidade inteira. Obrigada, Jesus. Obrigada,
Mãezinha. Sinto mais luz, mais coragem e mais amor. Obrigada, obrigada, obrigada.

Nota. – No dia 5 de Junho de 1953, dia da Ascensão de Nosso Senhor, a Alexandrina foi muito visitada
por pessoas que vieram de camionetas, comboio, automóvel, etc. Registaram-se 80 caminhetas, mais
de 100 automóveis, muitas bicicletas e pessoas a pé. O número de visitantes foi calculado em 5.000. A
Alexandrina falou 9,30 horas durante o dia. As visitas foram recebidas num sistema de vaivém,
demorando-se as visitas alguns minutos junto dela a pedir orações, conselhos, a agradecer graças
recebidas. Ofereceram-lhe flores, velas, fotografias, cartas, etc. Ao fim do dia, dizia ela que ainda era
capaz de receber outras tantas pessoas.

No dia 10 de Junho de 1953, porque era feriado nacional, a afluência foi maior, calculando-se em 102
autocarros, 180 automóveis, muitas bicicletas, peões, etc. Foi calculado em 6.000 pessoas que
passaram pelo quarto da doente, num sistema de vaivém, durante 12 horas, havendo um intervalo de
45 minutos. A todos dirigia umas palavrinhas e ia recomendando sempre que fossem bons cristãos,
cumpridores dos seus deveres, que rezassem, que comungassem, que cumprissem todos os deveres na
família e na sociedade. Pedia penitência, oração, emenda de vida. Durante os outros dias foi recebendo
sempre todo o dia aos grupos de 50, 60, 70. a todos fazia as mesmas recomendações.

12 de Junho de 1953 – Sexta-feira

Quero e não posso, ou antes, sinto a necessidade de dizer tanto, de dizer tudo o que me vai na alma, que
é tão grande como o Céu, e não posso dizer nem sei dizer. Que tremenda é a minha ignorância. Não se
cala o meu coração. É indizível a sua ansiedade de fazer ecoar em todas as montanhas da humanidade,
de as destruir, de penetrar nelas e delas fazer uma obra-prima das mãos de Deus. Tem apertos o meu
coração. Não sei o que é. Parecem mãos infernais a querer reprimi-lo e tentar calá-lo. Mas ele quer ir
longe, quer ir aos confins da terra e chegar até Deus. Não posso e queria manifestar estes sentimentos,
este conjunto de coisas, este nunca acabar de coisas que tenho dentro de mim. É uma vida diferente da
vida da terra, que fala em mim, que quer manifestar-se, que quer dar-se, dar-se, consumir-se até que
tudo possa possuir. São tão grandes as coisas do Senhor! Sabe senti-las e compreendê-las a minha alma,
mas não sabem os lábios falar delas. Como Deus é grande! Sinto em mim a Sua grandeza, sinto muito
que Ele nos ama. Que amor, que amor infinito!... Parece que não sei levar a minha cruz, e sempre a viver
na minha inutilidade. Depois de tanto sofrer, depois de tão pesada cruz que, dia a dia, ela se torna para
mim. Quantos espinhos, quantas humilhações, meu Deus, quantas humilhações! O meu horto de ontem
foi pavorosíssimo. Foi todo fora de Deus. Foi todo esquecido de Deus. Que indizível agonia! Queria
penetrar na dureza do mundo e não pude. Fugia a tudo o que era do Senhor. Bradei muito e muito
intimamente ao Céu, sem ter socorro, sem sentir alívio.

Hoje caminhei para o Calvário, por muito tempo, sem Jesus e sem cruz. Caminhava como se alguém me
levasse ou atraísse. A dor era indizível. A meio da viagem, num impulso de amor, vi a cruz de Jesus.
Atirei-me para ela. A ela me abracei e nela caminhei até ao fim da montanha. Abracei a cruz e Jesus ao
mesmo tempo. Nas três horas de agonia, a agonia parecia fazer estalar as pedras. Tinha o Céu e a terra
contra mim. Era minha a maldade do mundo e sobre mim vinha a justiça do Senhor. A terra revoltava-
se, o Céu esmagava-me. Debaixo do peso das maiores humilhações, por me ver rodeada de muita gente,
expirei com Jesus. Momentos rápidos se passaram a sentir a morte total. Bem depressa veio a vida, veio
Jesus, encheu-me o coração e falou-me assim:

— “Dia de graça, dia de graça, dia de amor. Está aqui o Senhor, que desceu do Céu. Todo ele é amor, todo
ele é atracção. Filhos meus, filhos meus, atraio-vos ao meu divino Coração pela vítima deste calvário.
Avante, avante, coragem, minha heroína! A tua humilhação é o enlevo das almas para mim. Sentes-te
humilhada, és exaltada pelo Senhor. Minha filha, louquinha do meu divino Coração, louquinha da
Eucaristia. És a louquinha das Personagens Divinas e do Coração Doloroso de Maria. És a louquinha das
almas, és a louquinha das almas. À semelhança da Minha Bendita Mãe és a mãe dos pecadores, és a mãe
da humanidade.”

— Sou tão pobrezinha, Jesus. Não tenho nada de meu. Não posso fazer nenhum bem. As minhas ânsias
de amor, as ânsias de Vos dar almas pertencem-Vos, Jesus. Tudo é Vosso. Vejo em mim um mundo de
misérias: essas são minhas. Que pobrezinha! Que pobrezinha, Jesus! Sou rica, muito rica de pecados, de
todos os crimes, de toda a variedade de vícios. Jesus, senti agora uma lançada no coração. Foi-me aberto
de cima a baixo.

— “Repara, repara, esposa querida. São as lançadas que o teu Jesus devia receber repetidas vezes, a cada
momento. Não as recebo, não, minha pomba bela, lírio dos vales, açucena pura. Não as recebo pela tua
reparação. Não as recebo pelo sofrimento do teu calvário, pelo sofrimento do vosso calvário.”

— Ó Jesus, ficava triste, muito triste, se Vós as recebêsseis! Assim, meu Amor, já se modificou. Sinta eu
todas as lançadas a cada momento, mas o Vosso divino Coração, Jesus, esteja no Céu livre de tudo, meu
Amor. Estai sempre alegre, estai sempre contente e consolado, meu Jesus. Eu sempre na tristeza, na dor,
na amargura, no Vosso amor. Só contente com a Vossa divina vontade. Se eu sofresse tudo com
perfeição, oh! Como eu me sentiria feliz! Que mar, Jesus, que mar de imperfeições!

— “Louquinha, louquinha, louquinha, tenho de encobrir a minha grandeza. Não pode ser vista na terra
tal qual ela é. Tenho de a encobrir nas tuas faltas. Fazes a minha divina vontade, fazes a minha divina
vontade. Estou contentíssimo contigo! As almas, as almas vêm aos milhares, aos milhares, aos milhares
para a graça, para o meu divino Coração. As almas custaram-me a dor, custaram-me sangue, custaram-
me amor. Á minha semelhança por elas vais sofrer.”

— Que me importa dar a vida, Jesus? que me importa dar a vida desde que a Vossa graça esteja comigo,
a Vossa fortaleza, o Vosso amor?! Sofro muito; desfaleço; temo ofender-Vos. Só a minha vontade voa até
Vós para abraçar todo o peso, toda a cruz. Sem querer, Jesus, recordo os sofrimentos de há 10 anos.
Desgosto-Vos com isso, Senhor?

— “Nada, minha filha. Sou Eu, é o Divino Espírito Santo que faz que te lembre tudo para maior dor, para
maior dor, para maior reparação. Foram anos de grande glória para o Céu, de grande proveito para o
Céu. E agora o teu Céu está perto. Espera-te inigualável recompensa. Vem receber a gota do meu Divino
Sangue. Passou a gota do Sangue Divino, a vida que vives na terra. Os nossos corações uniram-se para a
gotinha do sangue passar, e passaram efusões, efusões do meu amor. Enquanto eles estão unidos,
deposito mais uma vez no teu todas as riquezas, todos os tesouros do meu. É riquíssimo, é infinitamente
riquíssimo o meu Divino Coração. Riquíssimo, infinitamente riquíssimo fica o teu, minha filha. Quero-te
cheia, cheia, para te dares toda, toda às almas, à minha semelhança, como Eu me dei e dou por elas.
Pede amor, pede amor a quantos se abeirarem de ti. Fala-lhes, fala-lhes de Mim. É a tua missão. Foi a
missão que para ti escolhi. Pede amor, pede reparação. Tem coragem! Tem coragem! Tende coragem,
tende coragem! A hora que passa é a mais grave de todos os tempos. Nunca, nunca se pecou assim. Ai do
mundo sem as minhas vítimas, ai do mundo sem a vítima deste calvário, calvário das minhas
maravilhas, calvário dos meus encantos.”

— Quereis deixar-me triste, Jesus? Dizeis tantas coisas de quem nada é, a quem nada vale. Sou a Vossa
vítima. Quero ser sempre a Vossa vítima. Estreitai-me ao Vosso Divino Coração.

— “Recebe nova efusão de amor.”

— Obrigada, Jesus, pelo Vosso conforto. Confortai a todos os que sofrem comigo. É neste dia do Vosso
Divino Coração, do Vosso Divino Amor, em nome dele Vos peço: valei-me, valei-me e não Vos esqueçais
da minha grande intenção, de todos quantos amo, Jesus, de todos, de toda a minha família, da minha
freguesia, mesmo dos mais inimigos. De todos quantos se abeiram de mim a pedir intenções, e da
humanidade inteira. Toda ela entrego ao Vosso Divino Coração, portanto, ao Vosso amor.

— “Fica na cruz, minha heroína. Fala sempre, fala sempre. Dá-me dor, dá-me dor; pede para que Eu seja
amado e nunca ofendido. Pede penitência, emenda de vida. Coragem!... Coragem! Coragem!”

— Obrigada, meu Jesus, obrigada, meu Jesus. O meu eterno obrigada!

19 de Junho de 1953 – Sexta-feira

A minha natureza, o meu pobre corpo vai falhando, falhando, vai desfalecendo. Sinto até que nem corpo
tenho. Sou um sopro, que tem vida e nada mais. Reina a dor, a dor aguda que me mói todo o ser. Mas
este sopro tem uma vida, tem um eco que parece ecoar no mundo, penetrar nele todo até nos rochedos,
até ecoar no Céu e morrer no Céu. Eu não vivo. Nada disto é meu. Dizer o que sofro, exprimir o que sofro
é impossível. Tenho a necessidade de expandir-me, de saber exprimir-me e gravar bem aos olhares de
todos o que é a dor e quanto custa a dor. Não posso. Não sei. Foi tal a ignorância, foi tal a cegueira que
me envolveu que até parece que nunca vi e que nada soube compreender e raciocinar. São tão grandes os
segredos da minha dor, são incompreensíveis. Meu Deus! Meu Deus, que tormento o da minha vida.
Duvido de tudo. Eu nada me acredito. Como hei-de acreditar os outros? Eu não quero enganar-me, nem
enganar ninguém. Esta é a pura verdade apesar de sentir que até nisto minto. As minhas ânsias são tão
grandes, tão grandes, são infinitas!... São tão grandes como Deus. Digo minhas, mas são d’Ele, pois só
Ele é infinito. Esta grandiosidade não é da terra. São ânsias de me dar, dar e consumir em amor. São
ânsias de pegar no mundo numa mão fechada e introduzi-lo todo no Coração do meu Jesus. por maior
que seja o meu desfalecimento, a minha prostração, o motor que tenho dentro do peito não deixa de
trabalhar. É motor a vapor. Não há nada que o possa matar. É grande, muito grande, é indizível a minha
humilhação. Com a aproximação do povo, sem fugir à cruz, sem deixar de fazer a vontade de Nosso
Senhor, eu gostava de me encobrir debaixo da terra sem ver ninguém, até mesmo a luz do dia. Como não
quero outra coisa, a não ser a vontade santíssima de Jesus, submeto-me a tudo, tudo sofro pelas almas.

Duas noites seguidas, inesperadamente, sentia e ouvia choros e gemidos na minha alma. Tormentosa
agonia! É impossível dizer quanto me custou este tormento. O que será, meu Jesus? Sou a Vossa vítima,
seja o que for. O dia de ontem foi muito tormentoso. Duro horto! Foi horto de lágrimas e de profunda
dor. Não foi mais que o rochedo sobre a terra. Não quis saber, não quis compreender o que era o horto,
não quis viver dele, nem aproveitar-me dele. A agonia foi para Jesus. Hoje a viagem do calvário
assemelhou-se ao horto. Sabia que alguma coisa de misterioso havia, mas fugi sempre à luz, sempre à
verdade. Fechei os olhos a tudo, enquanto o coração e a alma morriam de dor. No tempo da agonia da
cruz foi tal a aflição que senti no corpo que me parecia, ou melhor, sentia que o coração vinha a todas as
veias do corpo apanhar todo o sangue que elas continham, para o derramar e regar a cruz. Uma agonia
indizível da alma e um tormento indizível do corpo me levavam a dar a vida. Expirei no maior abandono.
Não tive a companhia de Jesus. bem depressa Ele veio a dar-me a Sua vida para eu viver e falou-me
assim:

— “Desceu do Céu, veio nas nuvens Jesus para o coração da Sua esposa. Veio Jesus. O que veio Ele fazer?
Estai atentos, estai atentos. Vem chamar-vos, vem convidar-vos a entrar no Seu Divino Coração. Desceu
do Céu, veio nas nuvens Jesus e fala-vos do coração da vítima deste Calvário. Que vos há-de dizer Jesus?
Diz que vos ama, ama, ama e quer o vosso amor, todo o vosso amor. Escutai, escutai. Aceitai o meu
convite. Vinde ao meu Divino Coração. Sois meus filhos. Sois meus filhos. Atendei, atendei ao Pai que
vos convida. Deixai a terra, deixai o mundo. Pensai no Céu, vivei para o Céu. Estou triste, muito triste.
Há tantas almas, tantas almas que deviam ser mais minhas, unirem-se só a Mim, pensarem só em Mim.
Prenderam-se a tudo, ambicionam tudo, menos o que é meu, menos a Mim mesmo. Chama-vos o
Senhor, filhos meus, filhos meus. É grave a hora, é grave a hora! Avante, avante, minha filhinha, esposa
minha. Falo em ti e não para ti. Não tenho mais a pedir-te nem tu mais para me dar. Peço-te a mesma
imolação. As almas, as almas!... Continua, continua a tua missão encantadora. Continua, continua a tua
missão de salvação.”

— Ó Jesus, ó Jesus, ai o que eu sou! Continuo com as minhas maldades, continuo a ofender-Vos. Quero a
perfeição e não a tenho. Quero amor e não o tenho, e a Vossa graça, a Vossa graça, meu Jesus, parece
que a perdi. Não sei como, Senhor, continuar a minha missão! Levai-me para onde quiserdes. Eu não
posso caminhar. Eu estou pronta, Senhor, pronta a seguir-Vos, pronta a sofrer, pronta a fazer a Vossa
divina vontade.

— “Fala, minha filha, fala às almas. Estou sempre no teu coração a falar pelos teus lábios. Se não fossem
as tuas faltas, viam-me a Mim e não a ti. Viam a minha grandeza e não a tua pequenez. Quero a
conversão do mundo. Quero as almas para Mim. Calvário glorioso! Portugal, ditoso Portugal! É o
Portugal das predilecções de Jesus e de Maria. É o Portugal dos encantos do Céu, dos encantos da
Trindade Divina.”

— Ó Jesus, já há duas noites, tantas vezes a minha alma chora. Sinto em mim tantos suspiros e não sei o
que é.

— “São suspiros, são suspiros meus, florinha eucarística, esposa amada. Choro com os pecados do
mundo. Choro com as ofensas daquelas almas, daquelas almas que tu bem sabes. Se tu visses quanto eu
choro!... Os crimes com que sou ofendido!... Se tu visses quanto eu suspiro, as maldades daquelas almas
que Eu escolhi para Mim, morrias de dor, morrias de dor, e hás-de morrer de amor.”

— Sou a Vossa vítima, Jesus. Sempre a Vossa vítima. Não as condeneis ao inferno. Esperai, esperai até
que se convertam. Perdoai-lhes, perdoai-lhes. Imolai-me a mim, sempre.

— “Vem receber a gota do meu Divino Sangue. Os nossos corações uniram-se. A gotinha do Sangue
passou com efusões e efusões de amor. Maravilha! Maravilha! Vives a vida do Sangue de Cristo. Vives a
vida de Cristo. És a vítima de Cristo. Dá às almas este amor, dá às almas esta vida. És das almas. Dá-te às
almas. És de Jesus. Vais para Jesus. Ditosas, ditosas todas as minhas ovelhinhas que se abeiram de ti. O
Céu é para elas.”

Jesus, não Vos separeis de mim. Ficai sempre a ser a minha força. Lembro-Vos os que me são queridos.
À frente, Jesus, sempre a minha primeira intenção, as minhas intenções. Lembro-Vos a todos os que me
pedem orações. Lembro-Vos essa qualidade de almas de que me falais. Lembro-Vos o mundo inteiro,
meu Jesus.

— “Pede tudo, pede sempre, filha querida. O Céu atende, o Céu cede às tuas preces. Fica na tua cruz.
Ficai na vossa cruz. Fica no teu calvário. Ficai no vosso calvário. Ditosos, ditosos aqueles que vos
auxiliam, suavizam a vossa dor. Alegra-te, alegra-te. Coragem, coragem! Jesus está contigo. Jesus está
convosco.”

— Obrigada, Jesus. Obrigada, Jesus. O meu eterno obrigada. Confio em Vós.

26 de Junho de 1953 – Sexta-feira

Lanças sobre lanças, setas sobre setas, espinhos sobre espinhos feriram o meu coração. Razão tinha eu
de há semanas dizer que não sabia o que vinha sobre mim. Não me enganou a minha alma. Saiu certo o
meu pressentimento. Principiou no domingo o meu duro martírio. Ordens para novos exames. Meu
Deus, quererem tirar-me daqui para fora quando me parece que nem aqui posso resistir! O Senhor seja
comigo. Desde esse dia têm-se repetido os mesmos sofrimentos, tudo no mesmo sentido e a minha alma
vai vivendo a vida dum tribunal. Sinto-me diante de vários juízes, a ser sentenciada sem ter ninguém
que me defenda. Ninguém, ninguém, por mim. Só a vontade está firme como a rocha. A pobre natureza
desfaleceu de todo. Sinto-me incapaz de poder resistir a tudo. Meu Deus! Meu Deus! Só o Vosso amor
me cega, só as ânsias de Vos consolar e dar almas me levam a sujeitar-me a tudo. Só para diante do meu
Jesus me sinto culpada, mas tenho que ser julgada e sentenciada. Serei sempre a Vossa vítima, meu
Jesus. Morra eu, quando morrer! O que eu quero é obedecer em tudo, em tudo. O meu horto de ontem
foi vivido com os sofrimentos que acima estão ditos. Só de noite, e já alta noite, é que Jesus me apareceu
no solo do horto de braços abertos, pregado na cruz. Vi todo o Seu sofrimento, uni-me a Ele. O calvário
de hoje foi vivido da mesma forma. Não faltou quem me encorajasse para o meu novo martírio, mas eu
ferida como estou tive que viver o mesmo, sempre o mesmo. Perto do fim da montanha, Jesus chamava-
me lá do cimo: “Vem, minha filha, vem ao meu encontro.”

Eu, que tinha tido a dita, de manhã, de ter a Santa Missa no meu quartinho, senti como se a ela não
assistisse. Com estas palavras de Jesus senti-me mais animada. Fui unir-me a Ele para na cruz ficar
crucificada. A humilhação de me ver rodeada de tanta gente foi grande a mais não poder ser. Só com o
conforto de Jesus eu podia resistir. Resumo isto ao menos possível por o meu mal ser grande e grave.
Expirei com Jesus. Ele não se apressou muito a dar-me de novo a vida, quando deu entrada no meu
coração. Soprou-me toda por dentro como se estivesse a acalentar-me e falou-me assim:

— “Desce Jesus do Céu à terra. Desce por amor, por toda a loucura de amor por vós. São poucos, muito
poucos os que se aproveitam das minhas graças. Desci por amor e tudo faço por amor das vossas almas.
Ai daquele que não se aproveita das minhas divinas graças. Ai daqueles que deixam passar a minha
divina voz como a aragem que desaparece. Parai, parai todos no vosso pecado. Vinde já, vinde depressa
de encontro ao meu Divino Coração. Minha filha, minha filha, flor mimosa, florinha eucarística,
coloquei-te neste calvário, escolhi-te para este calvário para bem, para bem de Portugal, para honra de
Portugal, para bem, para bem, para honra da humanidade inteira. Coragem, coragem! A tua missão
nobilíssima, a mais árdua, terminará depressa. O Céu, o Céu! Oh, que glória! Oh! Que triunfo do Céu!
Tem coragem, tem coragem! Sempre te assisti e assistirei. Sempre velei e velarei por ti. As almas, as
almas, salva-as aos milhões, aos milhões pelos teus sofrimentos. Preparo a tua coroa, a mais rica, a mais
bela. Por cada alma uma pedra preciosa a orná-la.”

— Ó Jesus, ó Jesus, sabeis tão bem, tão bem: da glória não sou ambiciosa. Não me importo da glória, não
me importo do prémio. É pura verdade, bem vedes, Jesus, que o é. Ambiciono, ai que ambição que não
pode ser maior, meu Jesus, de Vos consolar e dar todas as almas, todas, meu Jesus, todas. Compadecei-
Vos de mim. Só a vontade se mantém de pé, firme, muito firme. A minha natureza, este farrapo desfeito
pela dor, não pode mais.

— “Ó minha filha, ó minha filha, mãos à obra, mãos à obra! Falta tão poucochinho para o Céu! Eu quero,
Eu quero… dir-te-ei breve o que Eu quero. Para hoje, quero as almas, almas, sempre almas. Dá o teu
sangue, dá o teu sangue. Tens de tudo te assemelhar a Mim. Dei-os até à última gota. Como não há-de
dá-lo aquela que Eu escolhi para cópia, a mais fiel, da minha vida?! Diz ao mundo, diz às almas que
basta, basta de Me ofender! É urgente, é mais que urgente a reparação. É urgente, é mais que urgente a
emenda de vida. Tu és o porta-voz de Jesus a avisar, a avisar a pobre, a infeliz humanidade. Tu és o farol
do mundo, a iluminá-lo a minha luz divina. Dá luz às almas! Dá luz às almas! Fala-lhes, fala-lhes ao
coração. O teu coração está cheio de Mim. Comunica-lhes toda esta abundância. Vem receber a gota do
meu Divino Sangue. Dois corações unidos a viverem a mesma vida, Jesus e a Sua esposa, Jesus e a Sua
vítima a cada momento imolada. A gotinha do sangue passou. Maravilha prodigiosa, a vida que te faz
viver. Fica no teu calvário, na tua cruz. Ficai no vosso calvário, na vossa cruz. Coragem, coragem! O
mundo, as almas obrigam-me a fazer-te sofrer assim.”

— Ó Jesus, antes de me deixardes, ouvi-me, valei-me, valei-me, valei-me! Valei-nos! Lembro-Vos as


minhas grandes intenções, todos os que me pertencem e me são queridos, sem pôr de parte a minha
freguesia, Jesus, a todos os que se me recomendam e a humanidade inteira. Perdoai-nos a todos, Jesus,
e salvai-nos a todos. Sou a Vossa vítima.

— “Vai em paz, vai em paz! Dá a minha paz!”

— Obrigada, meu Jesus, obrigada, meu Amor.

Nota: – No dia 29 de Junho, a doentinha recebeu cerca de 15.000 pessoas. Foi este cálculo feito por
pessoas que se deram ao trabalho de observar o movimento. O serviço estava bem ordenado e tudo
correu normalmente, graças a Deus. Recebeu pelo correio 50 cartas e por mão própria inúmeras.
Quase todos eram portadores de pedidos de orações em benefício de quem fazia as petições. Outras
agradeciam graças espirituais e temporais que os declarantes receberam por intermédio da doente.

3 de Julho de 1953 – Primeira Sexta-feira

Eu sinto-me de braços abertos a bradar, a pedir socorro à terra e ao Céu, sem de nenhuma parte o
receber. Sinto necessidade, muita necessidade duma escora para me sustentar. A tempestade não cessa.
Por toda a parte vem a derrota e eu de rastos envolta na lama não posso levantar-me. Se as pedras
falassem, quanto elas não teriam que dizer. A minha ignorância não me deixa, as minhas forças não me
permitem, a minha inutilidade tudo rouba para si. E eu, no meu calvário, no meu pavoroso calvário, sem
ter nada, nada para mim, nem um miminho para Jesus. O meu corpo está cravejado de cima a baixo.
Tudo são setas, lanças, punhais e espinhos, e a alma não deixa, não deixa de agonizar com ele. Peço
coragem ao Céu para o meu novo calvário, para os meus exames. Não a tenho. A hora não chegou ainda.
Espero só naqueles a quem me abandonei por completo, que foi a Jesus e à Mãezinha. Se toda a
aceitação da minha cruz é só por Eles e pelas almas, como poderei ser por eles abandonada? Ai de mim,
se me falta a confiança! A minha alma louva ao Senhor, entoa-Lhe hinos de agradecimentos, mesmo
quando desfalecida, presa, mergulhada no lodo e na lama. Muito em silêncio, na mais tremenda agonia,
ela dá-se ao Senhor e repete: Oh! Seja feita a Vossa Vontade! Quando choro no desfalecimento, são
lágrimas resignadas e mando-as de encontro aos sacrários. A inutilidade rouba tudo, mas nem por isso
deixo de as enviar para lá como actos de amor.

O meu horto de ontem, o meu calvário de hoje, são os mesmos sofrimentos, a mesma preparação para a
minha prisão, para o meu exílio. Ontem, senti o pavor de todas as coisas, de toda a agonia do horto.
Estava nela sem vida, para tudo indiferente. Hoje segui para o calvário. Digo que segui, mas não fui eu.
Da minha parte, só seguiu a minha dor. Havia uma vida separada da minha vida que estava fora de mim
e fora do mundo e que era a vida do calvário e que não podia agora imolar-se. Continuava a ser vida, mas
sem dar a sua vida. Queria saber esclarecer-me melhor, mas não sei. Era vida e não estava em mim. Esta
vida comunicava-se ao calvário, mas não podia manchar-se de novo na terra culpada. A minha dor viveu
tudo isto, mas eu não, porque sinto não ter vida. Parece que o meu corpo desapareceu do mundo,
deixando a suprir o seu lugar a dor, só a dor. No maior abandono e sob o peso das maiores humilhações,
fiquei como se de facto morresse. Jesus, a verdadeira vida, entrou no meu coração. A Sua entrada
ressuscitou-me e ouvi-O falar assim:
— “Cá estou, cá estou, minha filha, no teu coração. Cá estou, cá estou, cá estou, esposa minha, no meu
palácio permanente. Venho mendigar amor na tua cruz, no teu calvário. Como eu estou bem! Como eu
estou bem! Sou mendigo, sou mendigo da dor, sou mendigo de amor. A minha morada, a minha
morada, ditosa morada aqui na terra. Mendigo dor nesta cruz, neste calvário. Mendigo amor neste
coração das minhas delícias. Minha filha, minha filha, mãe, mãe dos pecadores, à semelhança da minha
bendita Mãe. Minha filha, minha filha, farol e guia, farol de luz, farol atraente. As almas, as almas
necessitam de ti. O mundo, o mundo conta contigo. Foste criada para o mundo, sem seres do mundo.
Foste criada para as almas. Esta é a grande verdade de Jesus. Foi a missão que Ele te escolheu. És
caluniada, és perseguida. Deixa, minha filha, deixa que a ti te assemelhe a Mim. És cópia fiel. A tua vida
é o maior portento das maravilhas do Senhor. Coragem, coragem! Nada temas, minha filha! O Céu, todo
o Céu será contigo, será convosco. Coragem! Coragem! O sol, o sol vai brilhar, brilhar, brilhar sem
nenhum estorvo.”

— Ó Jesus, não me procuro a mim, não me vejo a mim. Procuro a Vossa glória. Vejo-Vos a Vós, vejo as
almas. Nos momentos dos meus desfalecimentos, quando sinto que não sou capaz de resistir a nada,
resta-me só a confiança, a confiança, sem o sentimento de que confio, Jesus. Creio, creio, meu Amor. Só
por Vós e para Vós tenho vivido. Só em Vós tenho confiado. Nunca, nunca confiei em mim. Pela Vossa
graça, nunca, nunca, nada a mim atribuí. O meu nada, a minha miséria imensa, a minha inutilidade é a
que me está sempre, sempre presente.

— “Minha filha, pupila dos meus olhos, florinha eucarística, adorno do meu Divino Coração, avante,
avante, por Deus e pelas almas. Pede amor, pede amor para o meu Divino Coração. Não deixes as almas
perderem-se. Convida-as a virem a Mim. O teu sofrimento fala-lhes ao coração; o teu sorriso, o teu
silêncio, o teu silêncio fala-lhes, fala-lhes sempre. Coragem, coragem! Tudo isto é uma revolução nas
almas. Coragem, coragem! Tudo isto são provas do meu Divino Amor para com elas. Acode-lhes, não as
deixes perder, não as deixes cair no inferno.”

— Isso quero eu, meu Jesus. Ah, se eu pudesse pôr um aluquete no inferno para ele não mais se abrir! Eu
não quero, não, meu Jesus, que nenhuma alma se perca. Eu não quero, não, meu Amor, ver o Vosso
Divino Coração ferido. Tenho fome, muita fome, meu Jesus, de Vos dar todas as almas e toda a
consolação. Só vivo por Vós, porque Vos amo, Jesus, não tenho outro fim na minha vida a não ser amar-
Vos e dar-Vos as almas. Outra coisa não tenho, outra não faço, não, não, meu Amor.

— “A tua vida não é da terra, mas sim do Céu. Vem receber a gota do meu Divino Sangue. O artista
divino fez que ela passasse. Passou a tua vida, a vida de que tu vives, a vida que por mim te é dada. Nova
gota do sangue preciosíssimo de Jesus corre nas tuas veias. Prodígio, prodígio! Oh prodígio
maravilhoso! Pede sempre, pede sempre: vida nova, vida pura, vida santa! Pede oração, pede penitência.
Diz, minha filha, que é Jesus a pedi-la pelos teus lábios. Coragem, coragem! Fica na tua cruz. O teu
Jesus, o teu Esposo inseparável é a tua força. Confia, confia!”

— Obrigada, meu Jesus. Obrigada, meu sumo Bem. Não Vos esqueçais dos meus pedidos. Sabeis por
onde principio para acabar na humanidade inteira. Obrigada, obrigada, meu Jesus. Obrigada pelo amor
que me dais!

4 de Julho de 1953 – Primeiro Sábado

“A maior bruxa da humanidade” – foi o último espinho a ferir-me o coração, foi o que me classificaram.
A minha perfeição não chegou a aceitar tudo sem sofrimento. Perdoo tudo, mas sofro, sofro muito. Foi
assim ferida que me preparei para a vinda de Jesus, hoje, ao meu coração. Ele entrou, suavizou a minha
dor, não se apressou a falar-me, mas só a Sua presença foi bálsamo. Depois da suavidade, falou-me
assim:

— “O amor inebria, é cego, é louco. Sou louco, louco, louco de amor por ti, minha filha. És louca, louca,
louca de amor por Mim. Inclina-te, inebria-te, consome-te, desaparece como a cera e o azeite que se vai
extinguindo na lâmpada. Coragem, coragem, minha filha. Quanto mais caluniada, mais semelhante és a
Jesus. tem sempre presente tudo quanto me acusaram. Eu era inocente. Eu era Deus. As almas, as almas
estão famintas, estão sequiosas dos teus sofrimentos. Não as deixes morrer à fome e à sede. Minha filha,
florinha do sacrário, oferece-me muitos, muitos dos teus martírios em reparação dos sacerdotes.
Ofendem-me tanto, tanto, tanto e tão gravemente! Aceita os espinhos mais penetrantes que mais ferem
o teu coração e oferece-mos para curar as feridas do meu.”

— Que punhaladas tão agudas! Bem as senti agora, meu Jesus. Eu não quero que elas sejam dadas no
Vosso Divino Coração, mas sim no meu, só no meu.

— “São os meus discípulos com os seus crimes, com as suas iniquidades. E sobre tudo isto, um mundo,
um mundo criminoso. Coragem, coragem! Dá-me todo o teu martírio. Dai-me o vosso martírio. Diz,
minha filha, ao teu Paizinho que Jesus, louquinho do seu coração, que Jesus, o tudo do seu coração, tudo
resolve com a Sua ciência e sabedoria infinitas. Diz-lhe, diz-lhe que tudo se encaminha para o triunfo,
para a vitória. Não há triunfo, não há vitória sem sangue. Dá-lhe, dá-lhe o meu Divino Coração cheio de
amor, cheio das minhas riquezas. Diz-lhe, diz-lhe que toda a sua vida me deu glória, toda, toda a sua
vida foi proveitosa, toda útil para as almas. Quanto mais o amo, mais a Mim o assemelho. Amo-o, amo-o
com toda a loucura do meu amor. Diz ao teu médico que lhe recomendo coragem, coragem, coragem!
Diz-lhe que sou infalível. Diz-lhe que estou com ele, diz-lhe que velo por ele e por todos os que são dele.
Velo por ele e ele vela pelo que é meu. Protejo-o e amparo-o, e ele protege e ampara a minha causa, a
minha maior causa. Eu quero, sim, eu quero que se complete o incompleto. Que se ponha na verdade o
que está no erro. Haja luz, faça-se luz. Pobrezinhos os que não quiseram ver! Pobres daqueles que
querem continuar na sua cegueira. Dá-lhe, dá-lhe todo o amor de Jesus e de Maria. Diz, diz ao teu
médico que é todo amor do Céu. É com este amor que ele será forte, forte, sempre forte. Vem, minha
bendita Mãe: necessita muito a nossa filhinha dos nossos cuidados, amparo e carinhos.”

— “Vem cá, vem cá, minha filhinha, para o regaço da tua Mãe Celeste. Tem coragem. Tu nada podes
temer com a nossa protecção. Eu sou o Coração Doloroso e Imaculado de Maria.”

— Ó Mãezinha, as Vossas ternuras, as Vossas carícias, o Vosso regaço fizeram-me grande, grande como o
Céu. Eu temo tudo, porque de tudo duvido. Bem o sabeis que nenhuma, nenhuma confiança tenho da
minha vida. Vou para a minha prisão confiada. Vou só por amor de Jesus, a Vós, a toda a Santíssima
Trindade e às almas.

— “Nada temas, nada temas. Todo o Céu está contigo, todo o Céu está convosco. Que glória, que glória,
que reparação!... Glória para Deus, reparação para as almas. Nada negues, nada negues a Jesus, filha
querida.”

— Ó Mãezinha, ó Mãezinha, velai por mim, velai, velai por nós.

— “Recebe, filha querida, novas carícias de Jesus e de Maria. Vai forte, com toda a fortaleza. Vai alegre,
com toda a alegria dos Santos. Fica em paz. Vai em paz. Dá a minha paz. Leva o amor, todo o amor de
Jesus e de Maria. Distribui-o, distribui-o, distribui-o.”

— Obrigada, Jesus, obrigada, Mãezinha. Ponho diante dos Vossos Divinos Corações todas as minhas
intenções, todas, todas. Atendei-me, despachai-as. Velai, velai por mim!

10 de Julho de 1953 – Sexta-feira

É inaudito o meu sofrimento. Suporto a minha cruz e a dos que me pertencem e são queridos. Todo o
peso das outras se vem juntar às minhas. Sinto-me sucumbir. Se se compreendesse bem o que é a dor,
oh! quantas penas seriam suavizadas! Meu Deus, longe de mim querer descurar a dor, querer fugir à
cruz que me dais. Na terra não encontro alívio. Só de Vós o posso esperar. Não me deixeis, meu doce
Amor, cair no desespero. Só Vós me compreendeis. Só Vós penetrais e sabeis ler no meu coração. O que
eu não quero é o Vosso desprezo e abandono. Todo o meu ser está coberto e trespassado de espinhos. De
toda a parte da terra, por todos os caminhos surgem feras a devorar-me. A tempestade não cessa, é
tremenda, é desoladora. Parece que nada há que possa reparar tantos estragos. Senhor, sou a Vossa
vítima. Aceitai como actos de amor as minhas lágrimas e compreendei Vós os meus desabafos.
Doravante só conVosco quero desabafar. Sofrer em silêncio, morrer até de dor, não me importo; o que
eu quero é o Vosso amor, é a salvação das almas. Por vezes não posso respirar com a dor e peso das
humilhações. Bendito sejais! Bendito sejais por me terdes criado para tanta dor, para tão pesada cruz.
Ontem, no horto, passei algumas horas como se uma lança de ferro vinda do alto me atravessasse toda e
me cravejasse à terra. Não pude ter um movimento, tive que submeter-me a todo o sofrimento.

Hoje, na viagem para o calvário sentia como se a cada passo, que dava ofegante a dar a vida, desse uma
cavadela no rochedo mais duro que tinha de amolecer com o meu sangue. No alto do calvário, a abóbada
do Céu pareceu juntar-se com o solo da montanha. Queria dar-lhe um abraço e beijo de paz. Quanto
mais o fim da agonia se aproximava, mais esse abraço e beijo eram intensos. O calvário estava
representado dentro do meu peito. Jesus na cruz, S. João e as três Marias. O olhar da Mãezinha doloroso
e também agonizante fez sofrer mais e mais o Coração amantíssimo de Jesus. Ele expirou e nesse
momento pareceu que a minha alma deixou também o meu corpo. Por algum tempo só reinou o silêncio
da morte. Entrou a vida no meu coração, entrou a luz, e a voz do Senhor fez-se ouvir dentro de mim:

— “Alerta, alerta, fazei guarda de honra. Jesus desceu do Céu. Jesus entrou no seu palácio. Entrou e já
estava, entrou, entrou sem ter saído. Este coração, este coração é a minha morada permanente. Estou
aqui, estou aqui, minha filha, apesar de me esconder, apesar de não sentires em ti a minha presença.
Este palácio, que é o teu coração encantador, teve sempre a Jesus desde o momento do teu baptismo.
São palavras afirmativas de Jesus. Jesus não engana. Jesus não mente. Estou em ti sempre, sempre,
esposa querida, mas agora numa forma mais diferente. Estou em ti, não por ti, estou em ti para me dar
por ti. Os meus colóquios não são para ti. Os meus colóquios têm o fim das almas. Fazem parte da tua
nobilíssima missão. As almas, as almas, fala-lhes, fala-lhes. Não as deixes perder. Foste criada para elas.
São tão grandes, tão profundas, são tão grandes, tão profundos os desígnios, os desígnios do Senhor na
tua alma!... Coragem, coragem! Avante sempre! Triunfa, triunfa, triunfa o Senhor. Triunfa à custa de
indizíveis dores, de indizível martírio. Dor e sangue, dor e sangue, dor e sangue. Sangue e entrega de
vida. Sofri, dei o sangue, dei a vida para dar a vida à humanidade. Tu sofres, vítima querida, para me
entregares a tua vida e dares a vida a milhares, milhões de almas. Só assim podes ser, minha filha, a
minha cópia mais fiel.”

— Acredito, Jesus, porque Vós o dizeis. Acredito, Senhor, mas é só agora. Fora deste colóquio, fora desta
intimidade conVosco não acredito em nada, em nada. Duvido de toda a minha vida. Só Vós conheceis,
meu Jesus, o grande martírio da minha alma. Ninguém como Vós sabe o que ele é por Vós e pelas almas.
Só me tranquiliza o sempre ter vivido só com os olhos em Vós e nada fora de Vós. Não permitais nunca,
Jesus, que eu me desvie, que eu saia fora da Vossa divina vontade.

— “Maravilha, maravilha, oh portento, oh portento divino! A tua vida, a tua vida é obra, obra, obra só de
Deus. Não é compreendida, porque as coisas de Deus, as coisas grandes, grandes, só no Céu são
compreendidas. Eu quero, Eu exijo, tanto quanto possível, aos homens, compreendê-la e fazê-la
conhecida. A glória, a glória é toda minha. O proveito é para as almas. Eu quero, Eu quero, Eu exijo o
que está incompleto. Eu exijo o que está no erro e não o que está na verdade.”

— Jesus, Jesus, sou a Vossa bolinha. A Vós me abandono. Em Vós confio. Deixo-me jogar. Morra eu hoje
ou morra quando Vos aprouver, mas morra sempre a fazer a Vossa divina vontade.

— “Sempre a tens feito, minha filha, e sempre por ti será bem desempenhada. Tem coragem, tem
coragem! Tende coragem! Eu velo, Eu velo, Eu velo. Vem receber a gota do meu Divino Sangue. Foi
maior a gota do Sangue. Foi maior a efusão de amor. A dor, a dor consome-te muitas forças, muita vida.
Tenho mais de velar por ti. Passou a vida de que tu vives, passou o amor que te fortalece e por ti é dado
às almas. Vai em paz, vai em paz. Pede oração, pede penitência. Lembra, lembra sempre, sempre: Jesus
está triste, Jesus está triste, Jesus quer reparação.”
— Ó meu Jesus, muito obrigada, muito obrigada, meu Amor. O meu eterno obrigada! E não Vos
esqueçais de todos, todos os meus pedidos. Sede comigo, não me abandoneis.

17 de Julho de 1953 – Sexta-feira

De todos os lados me surgem leões que tentam devorar-me. O meu pavor é contínuo. Recorro ao Céu, a
Jesus e à Mãezinha. Mas, ai, nem uma luz, nem um conforto. O Céu está fechado. Portas e mais portas,
uma sobre as outras encerram-no, fecham-no de cima a baixo. Não tenho conforto de parte alguma. A
minha vida já se apagou como azeite que se extingue e cera que se derrete. A dor terminou com todo o
meu ser. Sinto que nada tenho que possa dizer que existe, a não ser a dor, porque essa não sei como vive.
Parece que tem olhos, ouvidos e tudo o que se possa chamar ser. Ela vive o mais fortemente, ela viva a
mais não poder viver. Ó dor, ó dor, minha amada, eu não posso separar-me de ti. Quero-te
indizivelmente, porque só tu me elevas ao meu Senhor. Repetem-se os punhais, repetem-se os espinhos
uns sobre os outros como montes de moinha. Ai, se eu ao menos consolasse a Jesus e a Mãezinha! Se eu
desse à Trindade Divina a glória, a honra, a reparação devida! Pobrezinha! Nada dou!... Nada em mim se
aproveita. A inutilidade, a pavorosa inutilidade, tudo me vem roubar. Meu Deus, meu Deus, morro
desfalecida, morro nas trevas, nada vejo. Tenho tanta necessidade de luz, de amparo, de conforto! Valei-
me, ó Céu, valei-me, ó Céu!... Na terra parece não existir ninguém a meu favor. Para mim não há luz,
nem guia. Para mim não há sol nem vida. Meu Deus, tudo é morte! Meu Deus, tudo é morte! Não posso
falar. Como é grande e doloroso também o estado do meu corpo! O meu horto de ontem, o meu calvário
de hoje foram torturantes de agonia e pavor constantes. Quando, hoje, caminhava para o calvário, todo o
meu ser era sangue, na alma e no corpo. O coração desfeito pela dor parecia desfazer-se fio a fio como
pano apodrecido. Fui arrastada pelos cabelos ensopados em sangue. Lágrimas, muitas lágrimas de
sangue rolavam-me pelas faces. Sem nenhuma gota de sangue, sob o peso das maiores humilhações
expirei na maior agonia. Pouco depois de entregar ao Pai o espírito e ficar no silêncio da morte, veio
Jesus, triste, mas com toda a Sua vida e com todo o Seu amor, aqueceu-me com o Seu fogo, deu-me a
Sua vida e falou-me assim:

— “A ira, a ira, a ira do Senhor!... Estou triste, muito triste, minha filha, com o dia da justiça de meu Pai.
O dia da ira, o dia da ira, o dia da ira aproxima-se, minha filha. Ai do mundo, ai de Portugal, que não
soube nem sabe aproveitar-se das graças de Jesus. Estou triste, triste, muito triste, esposa minha. Tantos
convites, tantos avisos e a pobre humanidade não atende. São horas, são dias de lágrimas, muitas
lágrimas, e não de alegrias, falsas alegrias. Fala às almas, fala às almas, para quem foste criada. Fala às
almas, fala às almas enquanto é tempo, tu que és mãe. Não as deixes perder. Condu-las sempre ao meu
Divino coração e ao de minha Bendita Mãe. Estou triste, muito triste, tristíssimo, minha filha, por tantas
coisas.”

— Jesus, Jesus, unimos as nossas tristezas, ou melhor, meu Amor, prefiro: passai para mim a Vosso
tristeza. Sou sempre a Vossa vítima. Só isto exijo: graça e força. Alegrai-Vos, meu Jesus, e deixai-me a
mim na tristeza, sempre na tristeza e na dor.

— “Minha filha, minha filha, florinha eucarística, tabernáculo do Altíssimo, estou triste com o mundo,
com os pecadores. Não se convertem, ofendem-me tanto, tanto! Estou triste com os que se opõem à
minha bendita causa. Foi, tem sido sempre a oposição demasiada. É a perseguição satânica, é veneno de
víbora. A tais oposições, a tal veneno, Eu hei-de pedir estreitas contas, rigorosas contas. Das coisas
pequeninas Eu faço coisas belas, as maiores maravilhas. Eu delicio-me nos humildes. Trabalho entre os
humildes e quantas vezes com os instrumentos mais fracos, mais pequeninos. Mas aí Eu faço o que há de
maior, o que há de mais prodigioso.”

— Ó Jesus, queria obedecer, bem me compreendeis. Tenho tanto medo de mim!

— “Basta, basta, heroína. O teu receio é para Mim a maior consolação! Não e preciso mais nada. Eu digo
tudo. A palavra do Senhor não volta atrás, quando não for dita sob condições. Estás aqui, estás aqui,
sempre aqui. Tu comigo e Eu contigo. Reparai, reparai bem no que está escrito há dez anos. Complete-
se, complete-se o incompleto. Ponha-se na verdade o que está no erro. Eu quero a profundeza nas coisas
de Deus e não nas coisas da terra. O que é Deus! O que é o homem! De que vale tudo o que é do mundo,
se se perde Deus. Em verdade, em verdade te digo, esposa querida. Se o mundo se calasse, eu faria que
falassem as pedras a exaltar a glória do Senhor. Coragem, coragem, minha filha. Coragem em tudo,
coragem em todos os que trabalham na minha causa, coragem em todos os que sofrem.

Vem receber a gota do meu Divino Sangue. Uma forte efusão de amor encheu o teu coração. Uma gota
grande de Sangue Divino já corre nas tuas veias. É Jesus a velar, é Jesus a reparar as forças perdidas. É o
alimento divino a alimentar-te mais fortemente. Comunica este amor, esta vida, tudo o que de mim
recebes. Distribui, distribui, dá às almas com abundância, com muita abundância. Pede oração, pede
penitência, pede emenda de vida. Agora peço Eu, Eu, Jesus, mais ainda. Repito, repito: haja luz, haja luz,
haja luz! Faça-se luz sobre o farol do mundo, sobre a escora da justiça de meu Pai.”

Ó Jesus, não Vos esqueçais dos meus pedidos, não Vos esqueçais, meu Amor, da humanidade inteira.
Sede a minha força, sede o meu conforto. Eu sou a Vossa vítima. Ó Jesus, fico sossegada? Obedeci?
Cumpri o meu dever?

— “Sossega, sossega! Confia, confia, confia, esposa fidelíssima de Jesus. Fica em paz. Fica em paz e leva
a minha paz.”

— Obrigada, obrigada, meu Jesus, meu doce Amor. Velai sempre pela mais miserável e a mais indigna
das Vossas filhas.

24 de Julho de 1953 – Sexta-feira

A vontade está pronta, mas só essa quer e aceita a vontade santíssima do Senhor. A natureza quer,
parece que se esforça por se sacudir sob o peso da cruz. A vontade está mais firme que a rocha. Sem ter
ser, tem sorrisos, tem coração que ama, tem lábios que beijam, tem braços que abraçam tudo o que vem
do Céu, tudo o que vem de Jesus. que luta, meu Deus, que luta! A natureza contra a vontade. A vontade
ama a cruz, a natureza parece revoltar-se contra ela. Tenta fugir por toda a parte. Só Jesus é o sábio
deste meu sofrimento, só Ele pode compreendê-lo. A minha ignorância não me deixa exprimi-lo e a
inutilidade que tudo mata, que tudo me rouba. Tenho necessidade de dizer coisas, muitas coisas, mas
não posso, pelo meu sofrimento. O coração não deixa de falar. Parece que com um sopro diz tudo ao
mundo e o faz compartilhar daquilo que está cheio. Na noite de quarta para quinta-feira vi diante de
mim uma imagem do Coração Divino de Jesus em tamanho natural. Por detrás dele estava a cruz. Só lhe
vi três pedacinhos: dois adiante das mãos e um acima da cabeça. O Coração de Jesus estava no centro do
seu peito. Era tão grande, enchia-lho todo. Fervia, escacholava, deitava fora. Estava todo rodeado de
chamas as quais me deram toda a luz para poder ver tudo. Compreendi que Jesus queria amor e queria
dor. Não conversámos, mas esta visão deu conforto à minha alma. Nada disse a ninguém e nada fazia
conta de dizer. Foi grande o temor que me invadiu, o receio de me ter enganado. Hoje o colóquio de
Jesus levou-me a ter que dizer alguma coisa. Quanto mais vou vivendo, mais me vou separando do horto
e do calvário, mais parece que lhe fujo, maior é a minha indiferença. Ontem abismei-me naquele solo
duro. Ele abria-se em fendas nas quais eu me mergulhava e misturava com a terra na maior dor e
agonia.

Hoje, na viagem para o calvário, não era eu que caminhava, era uma outra vida que o meu ser tinha.
Essa vida abria um novo caminho da amargura. No entanto, estes ficavam amolecidos, regados com o
meu sangue. No cimo da montanha, esta vida removeu sempre o rochedo de que ela estava formada. O
sangue continuou a regá-la e a vida do Céu tinha que lhe ser dada. O abandono era completo, a mesma
vida do Pai se comunicava à minha. Foi Jesus e não fui eu que ao Pai entregou o seu espírito. No
entanto, a minha alma sentiu a separação do corpo. Após algum tempo desta separação e silêncio de
morte, veio Jesus, cheio de vida, encheu-me dela e com muita doçura falou-me assim:

— “Sacrário ditoso, sacrário de delícias é o teu coração, minha filha. É ditoso, porque me possuis;
delicio-me nele, consolo-me nele, não posso separar-me dele. És tu ditosa e Eu sou exaltado e nele
deliciado. O mundo, o mundo, os homens, os homens! São poucos, muito poucos aqueles que conhecem
a minha vida nas almas. Tudo isto entristece e faz sofrer o meu Divino Coração. A dor é mais intensa e
profunda quanto mais esses homens me pertencem e deviam ser dignos de mim. Não é compreendida a
minha vida nas almas, porque não se compreende verdadeiramente a grandeza da graça nas almas. Uma
alma em graça, uma alma revestida de Cristo vive esta mesma vida, dá em tudo provas da verdadeira
vida de Cristo. Coragem, coragem, minha filha, coragem, louquinha, louquinha da Eucaristia. Coragem,
coragem, louquinha, louquinha das almas. Jesus vive em ti, compreende-te, lê no teu coração. Cruz e
amor, cruz e amor, amor e dor. Na cruz está a dor, minha filha, na cruz está a dor. Foi a razão que eu fiz
que me visses unido à cruz, mas todo a arder em amor.”

— Ah! Sim, meu Jesus, já sei, não ia dizer nada. Foi na noite de quarta para quinta, não foi, meu Jesus?
Bem sabeis porque eu nada dizia: sou sempre a mesma duvidosa, duvido de tudo o que em mim se
passa. Eu vi bem claramente, mas temia enganar-me. Eu só vi os braços da cruz, o que ia adiante das
Vossa divinas mãos e o que ia na Vossa sacrossanta cabeça, mas compreendi bem que era a cruz. Vós
não estáveis nela crucificado. Era a imagem natural do Vosso Divino Coração. Ele fervia como panela
sobre o lume, Jesus. as chamas que d’Ele saíam iluminavam tudo; foram as que me fizeram ver a cruz
por trás de Vós, meu doce Amor. Nada disse e nada diria.

— “Eu conheço o teu receio, minha filha, eu já to tenho prevenido para tudo dizeres.”

— O pior é o medo, Jesus! Se não fosse isso!... Perdoai-me, perdoai-me, mas eu parece que já estou cheia
de Vós. Não é de Vós, meu Jesus, mas é das Vossa coisas. Parece de Vós, mas é o medo que me faz tudo.
Se me désseis a escolher, eu nunca, nunca quereria ter tido um colóquio conVosco. Queria amar-Vos
tanto quanto Vós quereis que Vos ame, já não digo quanto merecíeis, porque isso é impossível; queria
sofrer tudo, tudo por todas as almas, mas mais nada, nada eu quereria. Mas, como não tenho querer,
aceitei e aceito, meu Amor. Perdoai-me, é um desabafo de filha para o seu Pai. Mas agora, Jesus, tendes
de dizer se me perdoais. Já sei que perdoais: basta o Vosso contentamento, o Vosso sorriso, Jesus, para
dizerdes tudo.

— “Pensas que não sou Eu que permito tudo isto? É luz, mais luz que Eu dou, são provas, mais provas de
que estou Eu em ti, só Eu, minha filha. Estás perdoada, bem sabes que o teu Jesus tudo perdoa, e o que
quer é perdoar aos maiores pecadores. Ah! Se eles quisessem aceitar o meu perdão, até esses, até esses,
minha filha, seriam perdoados. Eles não querem, eles não querem, eles não querem aceitar o perdão do
Senhor. Ai o mundo, ai o mundo, minha filha, ai a ira do Senhor, ai a ira do meu Pai sobre o mundo. Fala
às almas, fala às almas, fala-lhes, convida-as todas a virem a Mim, ao meu Divino Coração. Tem
coragem, tem coragem, tem coragem. Dentro em pouco, muito em pouco vão realizar-se aquelas
palavras que já há muito te disse: os meus colóquios vão ser para um conforto e quase que nada mais.
Dou conforto e a gota do meu Divino Sangue que não deixarei de te dar enquanto estiveres na terra. E
vem agora recebê-la. Os nossos corações uniram-se. Fizeram choque um contra o outro. A gota do meu
Sangue passou. O meu tomou a forma de infusa e sobre o teu deixou cair uma gota abundante de Sangue
Divino. É o teu alimento. Quanto mais a dor te consumir, maior gota de sangue recebe o teu coração.
Coragem para ti, coragem para todos, coragem e confiança. O inferno nada pode contra o Céu.
Recomenda sempre, recomenda, lembra. Lembra sempre oração, penitência e emenda de vida.”

— Ó Jesus, sou a Vossa vítima, a Vós me abandono pela Mãezinha. Fazei de mim o que Vos aprouver.
Sede sempre a minha força e a força dos que sofrem comigo por minha causa. Ai como custa, meu doce
Amor! Sou a Vossa vítima, Jesus, sou vítima da Justiça do Vosso Eterno Pai. Fazei que ela se afaste, fazei
que não caia sobre nós a Sua ira. Lembro-Vos a todos os que me são queridos e todos os que querem as
minhas orações. Ó Jesus, lembro-Vos os amigos e os inimigos, lembro-Vos a humanidade inteira.
Obrigada, meu Jesus, obrigada pelo Vosso amor. Estou a nadar nele. Obrigada, obrigada!

31 de Julho de 1953 – Sexta-feira

A minha vida de cada dia, o meu pão de cada momento, da noite e o do dia, é a dor. Meu Deus, quanto
eu tenho sofrido! É grave, muito grave o meu sofrimento! Será a morte que vem buscar-me? Será que se
aproxima o meu grande dia, o meu maior dia? Não sei: só Jesus o sabe. Seja o que Ele quiser. Uma só
coisa me prende à terra, mas essa mesma é só por Jesus e pelas almas. É Ele a causa desta prisão.
Ninguém me vale. Os que podem não querem; os que querem não podem. Parece que não tenho
ninguém por mim. Sede bendito por tudo, meu Senhor. Sede Vós o meu Amigo justo e infalível. Confio
no Vosso amor e misericórdia infinita, apesar de profundamente ver o meu nada e saber que nada Vos
mereço. Ai, os segredos da minha dor! Ó inutilidade, ó inutilidade, o que me fizeste tu! A dor não é
minha; o meu horto e o meu calvário já não têm vida. Ontem, a minha dor enchia o mundo e enchia o
Coração de Deus. As minhas ânsias de possuir o mundo, de o meter todo dentro dum Coração, que não
era meu, eram infinitas; não podia aguentá-las; quase me tiravam a vida; fizeram-me agonizar sobre o
solo do Horto.

Hoje, o meu calvário morto tinha lágrimas. Estas mergulhavam nela a humanidade inteira. Esta morte
bradava e junto a ela havia a dor infinita e as ânsias infinitas de ao mundo dar a vida. No calvário
agonizei, ou melhor, eu já estava morta e outra morte sobreveio. Na primeira fez-me desaparecer. Era eu
sem Jesus, fora de Jesus. Passaram-se momentos. Ele veio unir-se a mim. Então eu já era outra a viver
n’Ele, d’Ele e para Ele. Falou-me assim o meu Amado, no meu coração:

— “Desceu a ti a vida do Céu a comunicar-te mais e mais a mesma vida de que tu só vives. O que é de
Deus vive para Deus. O que é do mundo vive para o mundo. Todas as criaturas foram criadas para Deus,
mas a maior parte vive como se Deus não existisse, vive como se a vida da terra fosse duradoura, fosse
eterna. Ah! Minha filha, se tudo isto fosse bem compreendido! Se toda esta minha vida nas almas fosse
posta em prática! Não havia dívidas, tantas dúvidas. Dúvidas que muito entristecem o meu Coração
Divino, o meu Coração de Pai. Quando eu encontro uma alma verdadeiramente generosa que se entrega
toda, toda a Mim, que se submete em tudo e para tudo à minha divina vontade, faço tudo nessa alma,
opero nela as maiores maravilhas em favor de milhões e milhões de almas, em favor da humanidade.
São raras, raras, muito raras essas almas generosas. Mais havia, se houvesse mais luz, mais amparo e
não fossem tantos voos cortados. Quanto encontro nestas poucas, tudo, tudo o que Eu faço, o que Eu
faço!... Obras minhas, obras minhas… Meios extraordinários, os maiores meios extraordinários, esses
que raras vezes são compreendidos para salvar os filhos meus. Para ser mais e mais provado o meu
poder, maiores prodígios, maiores prodígios tenho que obrar e operar. De tudo me sirvo para livrar as
almas do inferno. Para que essas portas se fechem, é preciso força, dor, dor, generosidade, amor louco,
amor louco.”

— Ó Jesus, ó Jesus, sinto, compreendo que as Vossas palavras tenham um fim alto, uma grandeza
infinita! Elas têm a Vossa sabedoria, bem o compreendo. Mas não sei, isso não sei, onde elas vão parar.
Não lhes vejo o fim. Que campo infinito! Não me importo, seja o que for, meu Jesus. Eu dou-me a Vós,
renovo a minha oferta. Não sou minha, mas sou Vossa, meu Jesus. Não vivo para mim, mas sim para
Vós. Fazei desta pobrezinha, a maior pobrezinha, o que Vos aprouver, tudo o que Vos aprouver.

— “Minha filha, esposa querida, não são para ti, são para as almas os meus colóquios. Tu és a possuidora
da luz, mas não és tu a fazer aparecer essa luz. Haja luz; faça-se luz! Depressa, depressa! O bem é para as
almas, o bem é para a humanidade. Tu és o porta-voz de Jesus, transmites o que te diz Jesus. A luz está
em ti, a luz sai de ti, mas não és tu a abrir essa luz. A tua missão nobre, nobilíssima, não acaba na terra,
tantas vezes o tenho dito. Ela vai continuar no Céu. E vai continuar com mais brilho ainda. No Céu não
entram estorvos, no Céu não entra o veneno. Esse veneno de víbora, esse veneno satânico. Esse veneno,
se Jesus quisesse, ah! se Jesus quisesse, mostrava todo o lugar onde ele está. Coragem, minha filha, fala
às almas no pouco tempo que te resta de vida na terra.

Vem receber a gota do meu Divino Sangue. Que profunda união, que inigualável união da esposa com o
seu Esposo! Uniram-se os nossos corações. A gota do Sangue passou. Foi grande, grande, precisava de
ser grande. A dor tudo em ti consome. Sofre, sofre sempre a sorrir, sempre a vontade a sorrir. A dor
purifica, eleva, salva. A dor é salvadora. Coragem, coragem. Fica na tua cruz. Jesus está contigo, Jesus
não te abandona. Não esqueças o convite de Jesus: penitência, oração, emenda de vida.”

— Ó Jesus, sou a Vossa vítima; sede a minha força. Só conVosco conto e com a Mãezinha. Apresento-Vos
num molhinho todos os meus pedidos, todos, todos, não Vos esqueçais. Obrigada, obrigada, meu Jesus,
pela Vossa terna, amável e doce companhia!

1 de Agosto de 1953 – Primeiro Sábado

Num sofrimento inaudito passei a noite e preparei-me, de manhã, para a vinda de Jesus. Foi por assim
dizer a dor e a ânsia que Ele viesse depressa, a minha preparação. Jesus deu entrada e logo os nossos
corações uniram-se numa união profunda que mais parecia eterna. Pouco depois, Jesus falou-me assim:

“A graça, a graça, oh como eu me uno à alma que está em graça! Como Eu me delicio na alma pura, na
alma alva, na alma amante do meu Divino Coração! Minha filha, esposa querida, jardim florido, paraíso
das minhas delícias na terra. Fujo do mundo, fujo dos pecadores, fujo das almas que mais gravemente
me ofendem. Venho aqui a este coração buscar, sim, minha filha, oh que chega Jesus a buscar lenitivo
para a minha dor, procurar esquecer a maldade dos homens. Assim o posso fazer na contemplação
destas flores variadas, neste perfume delicioso de tantas, tantas flores de virtudes que possui o teu
coração. O mundo, o mundo cego e louco, cego e louco pelas paixões, não cessa de ofender-Me.

É urgente e mais que nunca urgente reparar a justiça de meu Pai. É urgente e mais que nunca urgente
desagravar o meu Divino Coração e o de Minha Bendita Mãe. Minha filha. Minha filha, escuta, escuta o
meu desabafo. A classe sacerdotal!... Ao que chegou a classe sacerdotal!... Oh, oh, oh! Como Eu sou por
ela ofendido! Muitos, muitos, muitos infelizes se condenarão, se não houver muitas, muitas almas a
imolar-se, a sacrificar-se, a orar noite e dia por eles. Sofre, sofre, sofre na tua cruz! Avante, avante,
avante! O teu consummatum está quase, quase completo. Sofre, sofre por Jesus e Maria. Alegra, alegra,
alegra os Nossos Corações. Dá-me dor, dor, dor! Dá-me dor, dor, dor, vós todos os que trabalhais na
minha causa divina. Quem a pede é o Senhor da vitória, é o Senhor do triunfo.

Diz, diz ao teu Paizinho, ao verdadeiro imolado, ao verdadeiro imolado, diz-lhe que o amo muito,
loucamente, apaixonadamente. Diz-lhe que o segredo da reparação que dele exigi, foi, é e será sempre a
causa deste desabafo que hoje como tantas vezes tenho tido contigo. Os sacerdotes, os sacerdotes, os
ingratos e cruéis sacerdotes. Diz-lhe que muito o amo. A prova é de muito o fazer sofrer.

Diz ao te médico que o seu nome está escrito no meu Divino Coração e os nomes de todos os que lhe são
queridos. Nele estão escritos os seus nomes. Nele ocupam todos lugares elevados. Diz-lhe que o amo,
amo, amo, porque ele é meu. Diz-lhe que o amo, amo, amo, por ser defensor da minha divina causa, da
minha maior causa. Foi, é e será sempre o defensor por Mim escolhido. Coragem, coragem e confiança
no Senhor Todo-poderoso, n’Aquele que pode dominar todos os corações, naquele que é vencedor,
n’Aquele que é triunfador sobre todos os homens.

Vem, minha Bendita Mãe, vem, Mãe das Dores. A hora é de dor, é de dor”.

Ó Mãezinha, ó Mãezinha, basta de Vos ver sofrer. Não quero ver o Vosso Santíssimo Coração
trespassado de tantas setas, cercado por tantos espinhos. Passai, passai para mim tudo.

“Minha filhinha, minha filhinha, esposa amada, esposa predilecta de Jesus, a minha dor, o meu
sofrimento conforta-te na tua dor, no teu sofrimento. Alegra-te, alegra-te. A dor eleva a alma, eleva as
almas para Deus. Depois da minha dor veio a minha Assunção. Ao terminar na terra toda a tua dor, vem
também a tua. A tua alma acompanhada por Mim e pelos anjos vai subir, subir, subir ater ao Paraíso, até
ao seio de Deus. Vês-me agora a subir ao Céu e bem depressa, bem depressa hás-de vir e gozar na Pátria
dos bem-aventurados, dos eleitos do Senhor”.

Ó Mãezinha, vejo-Vos subir e não deixo de Vos contemplar. Subi, subi e ficai comigo. Subi, subi e ficai
com todos os que comigo sofrem. Subi, subi e ficai com a humanidade inteira, para que ela toda se salve.
Ó Jesus, ó Mãezinha, muito obrigada pelo amor e conforto que de Vós recebi. Se eu tivesse vontade e
querer, dava-me vontade e querer de subir conVosco para o Paraíso e de não voltar mais à terra. Sou a
Vossa vítima, Jesus. Sou a Vossa vítima, Mãezinha. Não Vos esqueçais de todas, todas as minhas
intenções.
“Vai, minha filha, vai, minha esposa querida, vai, vítima, imolar-te dia e noite. Vai, heroína forte e
vencedora, no teu calvário. Fica na cruz, sempre na cruz. Leva o amor de Jesus e de Maria. Leva este Céu
de amor. Distribui-o a todos os corações da terra. São todos, todos, filhos meus. Coragem, coragem! Paz,
paz, amor e confiança!”

7 de Agosto de 1953 – Sexta-feira

Hei-de vingar-me, vingar-me sempre dos meus inimigos, confio em Jesus e na Mãezinha do Céu, que a
minha vingança há-de ser duradoura, até que os veja a todos no Paraíso. Os espinhos que me ferem, o
tormento que me consome, só Jesus o sabe. Sofro, sofro indizivelmente. Numa hora de maior tormento
perguntava eu a mim mesma: que faltará para a morte? Imediatamente pareceu-me ouvir esta resposta:
morrer!

O meu horto e o meu calvário foram de um corpo morto sobre uma terra morta e apodrecida. Só no
momento, no alto do calvário, quando havia de expirar, outra morte, por momentos, me arrancou desta
morte. Jesus não tardou a dar-me a Sua vida e falou-me assim:

― “É terno o Coração Divino de Jesus e quer dar-se, dar-se a todos os corações famintos. Quero ser
saciado com o amor dos homens. Tenho fome, tenho sede do amor da humanidade. São tão poucos os
corações e as almas que têm fome e sede de Mim, fome e sede verdadeiras, fome e sede sem doença, sem
hipocrisia. Há muitos corações e muitas almas, muitos corações e muitas almas infecciosas e doentes. O
seu amor, as suas ânsias são perigosas, são doentias. Quero ser amado, ser amado, quero ser amado com
amor puro e verdadeiro”.

― Ó Jesus, ó Jesus, que fontanário é o Vosso Divino Coração. Se eu pudesse beber, beber sempre, noite e
dia, nesse tanque com todas as almas de que Ele é o centro!... É belo, muito belo este espectáculo, meu
Jesus. É bela, bela e ao mesmo tempo comovedora esta cena! Do centro do Vosso Divino Coração sai
sangue, sempre sangue com abundância. É um vaso que transborda. Por todos os lados vejo veados, vejo
avezinhas. Eu sei, Jesus, eu sei que avezinhas são, mas não sei agora dizer, que bebem cuidadosamente,
mas não são muitas, não, meu Jesus.

― “São as almas, minha filha, que têm a verdadeira sede do meu amor, de viverem e de se alimentarem
de Mim. E as outras!... E as outras!... Afastam-se da verdadeira fonte! Vão beber à fonte dos prazeres,
dos vícios. Vão mergulhar-se no mundo, na podridão do mundo, deixando o seu Deus. Eu, como Pai, por
todos dei a vida. Sofro, sofro, choro. Acode-lhes, acode-lhes. Chama-as, convida-as. São filhas também
do teu sangue, das tuas dores, filhas da tua humilhação, vítima amada, vítima querida. Se os homens
compreendessem o amor que Eu tenho às almas, não se opunham, não eram perseguidores daquelas
almas escolhidas, daquelas almas que vivem só em Mim, de Mim e para Mim. Se fosse compreendido o
meu amor, era compreendida a minha vida, a vida dessas almas eleitas, dessas almas de alta, alta e
nobilíssima missão”.

― Jesus, não choreis. Gostei de ver a primeira cena, mas custa-me tanto ver a segunda. Custa-me tanto
ver-Vos sofrer, sem poder estancar e limpar as Vossas lágrimas! Sou a Vossa vítima. Se eu pudesse
arrancar do meu peito o coração, este pobrezinho e indigno coração e chegá-lo aos Vossos olhos divinos
para limpar as Vossa lágrimas!... Estou certa que eu aproveitava! O meu coração ficava outro, mais puro,
mais humilde, mais cheio do Vosso amor. Já que nada tenho para Vos dar, meu Amor, aceitai ânsias e
desejos, desejos e ânsias sem fim. E não viver senão para Vos consolar e para Vos amar e ser sempre,
sempre, a Vossa vítima.

― “Coragem, heroína forte! Coragem, florinha eucarística! Coragem na tua cruz! Dá-me a tua dor. Dá-
me todo o martírio. Os homens sem querer fazem que me dês grande, muito grande, tanto quanto pode
ser, grande reparação. Coragem, coragem! O Céu está sereno. O Céu está senhor do triunfo. Deixa
morrer o ódio, a perseguição, o veneno, o maldito veneno.
Vem receber a gota do meu Divino Sangue. Foi o mesmo centro que dava, que o deu para o meu
coração”.

― Éreis Vós nele, sois Vós em mim.

― “Minha filha, minha filha, dei-te mais sangue, porque a dor tudo em ti queimou, tudo consumiu. Vives
do meu Sangue, da minha vida. Tenho de velar por ti. Coragem, coragem! Sofre, sofre pelo mundo
perdido, pelo mundo desvairado e cego. Os pecadores, as almas apodrecidas necessitam de ti. Cura-as,
cura-as; dá-lhes a vida com o teu martírio. Vai em paz, vai em paz. Coragem e confiança! Coragem e
confiança! Coragem e confiança!”

― Obrigada, obrigada, meu Jesus! Não Vos esqueçais de todos os meus pedidos de toda, de toda a
humanidade. Sou de tudo a Vossa vítima.

(Nota, feita quando muito naturalmente conversava, em 11 de Agosto de 1953)

Eu queria gravar nas pedras da rua, das estradas, dos fontanários, nas praças, nas praias, nos
desgraçados casinos, nos cinemas, nas casas de pecado, etc., etc., em toda a parte, isto:

Pecadores, convertei-vos! Vinde a Jesus! Não fomos criados para a terra, mas sim para o Céu! Não
ofendais a Nosso Senhor! Ah, se soubésseis o que é uma ofensa feita ao Seu Divino Coração! Eu vivi por
vós, sofri por vós, morri por vós e por vós vou continuar o meu Céu. Foram por vós todas as minhas
aspirações. Não queria um só momento de aos vossos ouvidos falar do amor que Jesus nos tem e o que é
a nossa ingratidão para com Ele, quando pecamos. Queria dizer muita coisa para os não deixar cair no
pecado. Amai o Senhor! Amai o Senhor! Temei o inferno!

(Outra Nota, tomada no mesmo dia):

Eu agradeço todos os benefícios que recebo, que conheço e não conheço, todos os que recebi e hei-de
receber no tempo e na eternidade, que é o Céu, e agradeço os que por meu intermédio são concedidos às
almas. Agradeço por aqueles que não agradecem a Nosso Senhor, pela humanidade inteira, mas peço a
Jesus que não aceite este agradecimento como meu, mas sim como que fosse cada um a agradecê-los,
para assim Jesus não sentir a ingratidão de nenhuma alma.

14 de Agosto de 1953 – Sexta-feira

Estou a viver a minha eternidade e quase posso dizer se torna insuportável a minha vida. Parece que um
momento nunca passa, que está sempre em ser. Meu Deus! Meu Deus! Não sou eu, não vivo eu, não
vivo, não sofro, não sou eu, mas o mundo, as maldades, esse é meu. Sofri muito e sofro com a inutilidade
que tudo me roubou e rouba, mas agora a viver na terra a eternidade custa mais, ainda mais. Valei-me,
Senhor, não me deixeis pecar. Não posso dizer o que sofro pela minha ignorância e pelo meu martírio,
mas também é indizível, sempre indizível falar desta eternidade. Passei pelo horto e subi ao calvário
vivendo esta pavorosa eternidade e na mesma eternidade me entreguei ao Pai e nele fiquei como se
morresse. Depois, por um espaço de tempo veio Jesus ao meu coração e colocou-me sobre o Seu Divino
Coração e fez que nele adormecesse mergulhada em doçura e paz. Depois fez que eu despertasse com a
Sua voz divina, que assim me falou:

― “Dormiu a tua alma, minha filha, um sono terno e suave no Coração do teu Jesus. Dormiu, dormiu e,
neste sono doce, terno e suave, tomou conforto e nova vida. Jesus é a tua vida, Jesus é o teu guia, o teu
apoio, o teu amparo. Descansa, descansa, o teu repouso é celeste. Vives do Céu e não da terra. O que
sofres, tudo o que sentes é a reparação, dura reparação que o teu Jesus te pede, porque as almas o
exigem. Coragem, coragem, sempre avante! Todo o teu sofrimento é a reparação da alma vítima, a mais
alta reparação de elevada eleição. Coragem, coragem! Confiança, confiança! O teu Céu está tão
pertinho… Avante, avante! Um pouco mais e depois a visão beatífica, o gozo completo, a glória eterna.
Fala às almas, fala às almas, mãe das almas, mãe dos pecadores. Tantas vezes já o disse e digo mais, mãe
dos pecadores, dos pecadores, dos pecadores, à semelhança de minha Bendita Mãe. Avante, avante, luz e
farol da pobre humanidade, humanidade perdida. Tantos pecados, minha filha, tantos pecados, minha
filha, tantos crimes hediondos, esposa minha. Pobre mundo, pobre mundo sem as minhas vítimas.
Pobre mundo, pobre Portugal, sem a vítima deste calvário! Filhinha, filhinha, mártir, mártir, mártir de
Jesus. É por Mim o teu martírio, bem o sei. É pelo meu amor que dás a tua vida. É pelo meu amor, só
pelo meu amor que tu dás a vida a milhões, milhões de almas. Tudo no Céu está escrito à medida que
vais sofrendo. Os anjos, sim, os anjos vão escrevendo, gravando tudo em letras de ouro, pedras e pérolas
das mais preciosas. Ó cruéis, ó cruéis, ó cegos, ó cegos, miseráveis cegos que não quereis ver a vida
divina de Jesus nas almas”.

― Ó meu Jesus, ó meu Jesus, enquanto Vós falais, a minha alma goza o Vosso sono divino, o Vosso sono
de paz. Bendito sejais, bendito sejais! Velai, velai sempre por mim. Tenho medo, muito medo, pavor de
sucumbir e pecar. O meu abandono a Vós é completo. É pela Mãezinha que sempre a Vós me dou. Sou a
Vossa vítima, sou a Vossa vítima.

― “Repara, repara, minha filha. Quero a escora dos teus sofrimentos a sustentar a justiça do meu Pai.
Repara, repara, repara, esposa querida, florinha eucarística, mimo celeste, que neste calvário coloquei.
Repara o meu Divino Coração e o de minha Bendita Mãe. Tira deles todos os espinhos. Cicatriza-nos
todas as feridas. Tantos pecados nas casas do pecado. Tantos pecados nas praias, casinos e cinemas.
Tantos pecados, vícios e crimes em toda a humanidade. Repara, repara por tudo e vem receber a gota do
meu Divino Sangue. Chocaram-se os nossos corações. A gotinha do Sangue passou do Meu para o teu
como torneira que se abriu. Passou o Sangue Divino co maior abundância. Nova vida para a continuação
do teu martírio. Nova vida para a imolação na tua cruz. Dá-me almas, almas, almas. Quero as almas,
almas, almas. Quero amor, amor, amor, sempre amor. Fica na tua cruz e nela brada sempre, sempre,
sempre: oração, penitência, emenda de vida. É Jesus, sim, é Jesus que to pede, sim, pelos teus lábios. Tu
és a missionária do Rei Divino. És o porta-voz de Jesus. Coragem, coragem. Vai em paz. Fica na tua
cruz”.

Obrigada, meu Jesus, muito obrigada. Não Vos esqueçais de tudo, tudo quanto Vos tenho pedido. Nos
meus pedidos entra a humanidade inteira, porque toda ela é Vossa. Obrigada!

21 de Agosto de 1953 – Sexta-feira

Pesa, pesa a minha cruz, é dificílimo o meu calvário. Só com os olhos no Céu, confiada em Jesus e na
Mãezinha, posso suportar tão grande sofrimento, que por vezes e não poucas me parece insuportável.
Não sei dizer o que se passa em mim e também não posso, tal é o estado em que me encontro. O que sei
é que pavorosíssima é a minha eternidade; parece que é uma eternidade de revolta e de perda de Deus.
Nesta eternidade em que estou, no meio da inutilidade, parece que vivo sempre esquecida do meu
verdadeiro Bem, do meu único Amor. Sem me esquecer de Jesus e da Mãezinha a quem me abandonei
por completo, sem perder a Sua união, sinto como se a Eles não estivesse unida, não tenho sentimentos
de que Os amo nem de que n’Eles confio. Estou morta para tudo. Tive junto do meu leito a Santa Missa.
A morte e a eternidade tudo invadiram. Estou certa que a Mãezinha supriu a minha falta, foi isso o que
Lhe pedi. Ontem, num impulso de amor, abracei o Horto, mas não foi meu tal impulso de amor. Em
seguida, prostrei-me nele, entreguei-me à morte. E hoje, levada como que por uma aragem, num
martírio alma e corpo fui subindo a ladeira do calvário. A eternidade abafou todos os meus suspiros e
gemidos. Momentos dolorosos, momentos eternos que pareciam nunca passarem. O coração inclinava-
se à cruz que no cimo da montanha estava levantada ao alto; era para ele o íman atraente. A ela me uni a
viver sempre a eternidade e nesta eternidade expirei, ou melhor, houve uma separação como no silêncio
da morte. Jesus veio triste, mas cheio de vida e entrou no meu coração e na sua dolorosa tristeza, mas de
ternura e meiguices pronunciou estas palavras:
― “Entrei como dono, como senhor e senhor sou do teu coração. Minha filha, minha querida filha, as
almas, os pecadores precisam de ti, precisam do teu martírio. Não sou eu o cruel, não é o meu coração
divino de Esposo e de Pai que leva o teu corpo e a tua alma a tão duro tormento. O mundo, o mundo
exige, e Eu para o salvar obrigo-me a imolar a minha esposa e filha muito querida. És esposa e és filha e
eu sou Esposo e sou Pai. Como Eu te amo! Como Eu te amo! Como Eu te amo! A grandeza do meu amor
levou-me a escolher-te a ti para luz a farol do mundo, para mãe dos pecadores, para salvares as suas
almas. Para as coisas da terra escolhem homens sábios e grandes. Eu, para as coisas celestes, escolho os
humildes, os pequeninos. Sou Eu que os faço grandes, sou Eu que lhes ponho a minha sabedoria, a
minha ciência divina. Coragem, coragem, filhinha querida, florinha eucarística. Coragem! Um
pouquinho mais. Fala às almas, fala às almas. Estão famintas, famintas de receber de ti o que por Mim,
por ti lhes é dado”.

― Ó Jesus, ó Jesus, não sei o que fazer. Eu não tenho forças, bem o sabeis. Todo o meu ser está
moribundo. Quero aceitar sempre, aceitar com a Vossa divina vontade. Só Vós, só Vós sois o meu tudo.

― “Filhinha, filhinha, miminho celeste, toda a tua vida lhes fala. Toda a tua vida é uma pregação
contínua. O teu sorriso forçado, os teus gemidos, todo o teu sofrimento resignado fala aos seus corações,
cativa-os, atrai-os e eles vêm a Mim. És a missionária de Jesus e esta missão sublime continua com mais
pompa, com mais brilho, quando já estiveres no Céu. Jesus não falta, Jesus não falta. Eu quero, Eu
quero que, uma vez lá, muitos, todos os pecadores sejam entregues à tua protecção. Coragem, coragem!
Todo o Céu, todo o Céu te assiste. Os exaltados hão-de baixar na sua soberba. Os humilhados hão-de
subir e triunfar com o Senhor. É grande, é grande a glória que tem sido dada a meu Pai. É grande e
sempre será grande no tempo e na eternidade. Minha filha, minha filha, repara o Meu Divino Coração.
Repara o Coração da minha Mãe Imaculada. A carne, a carne, ai! o pecado da carne! Tantos crimes,
tantos crimes! A justiça do meu Pai é desafiada noite e dia. Consola a Trindade Divina. Consola a minha
Mãe Bendita e acode, acode, acode aos pecadores, a tantos prestes, a muitos prestes a caírem no
inferno”.

― Tende dó, tende dó, Jesus. Não me poupeis, não me poupeis, não, meu Amor, a todos os sofrimentos.
Não me poupeis também a Vossa graça, o Vosso amor. Fazei de mim tudo o que Vos aprouver. Alegrai-
Vos, alegrai-Vos com o Pai e o Espírito Santo. Alegrai-Vos com a querida Mãezinha. Jesus, fazei que eu
os ame, ame, ame loucamente. Fazei, Senhor, fazei, Senhor, que eu nunca tenha para Vós um não.

― “Vem receber a gota do meu Divino Sangue. Colaram-se os centros dos nossos corações. Dois num só,
rodeado em chamas de fogo divino. Por entre estas chamas a gotinha do Sangue passou. Foi grande,
grande, muito grande, porque grande, muito grande é o teu martírio. Sê forte, forte, muito forte com a
minha fortaleza. Vive com a minha vida. Ama com o meu amor. Dá-te às almas como Eu me dei.
Assemelha-te a Mim. Coragem! Fica na tua cruz. Confia, confia em tudo no teu Senhor. Pede-me, pede-
me sempre o que quiseres”.

Tenho tanto, tenho tudo que Vos pedir, meu Jesus. Lembrai-Vos, Senhor, lembrai-Vos de todos, de
todos os que me são queridos e da pobre, da pobre humanidade inteirinha, meu Jesus, inteirinha, meu
Amor. É toda, toda Vossa. Obrigada, meu Jesus. Obrigada, obrigada, meu Amor.

28 de Agosto de 1953 – Sexta-feira

Prolonga-se o martírio do meu corpo; e não se prolonga menos o da minha alma. O tormento do corpo
faz-me sentir muitas vezes que vou desaparecer da terra. Mas a alma já tem o sentimento de que nela
não existo. É a eternidade que eu vivo, eternidade sem amor, eternidade sem esperança. Estou encerrada
e sepultada num cárcere de ódio, de revolta, sem que eu, graças ao Altíssimo, odeie ou me revolte contra
qualquer coisa. Q eternidade está sempre em ser, não teve princípio e não terá fim. E daqui nasce, meu
Jesus, a minha angústia, o meu tormento que lábios humanos nunca poderão exprimir. O Céu está
fechado, mas a sua justiça pesa e esmaga-me. A minha alma não pode nem ao menos chamar pelo nome
do Senhor. Parece que, se nesta eternidade eu com doçura e amor pudesse pronunciar o nome de Jesus,
já não podia dizer: vivo na eternidade! Ah! Se um momento se passasse, dela nascia a esperança do seu
fim. Mas assim nunca principiou, nunca acabará jamais. Foi sempre, sempre eternidade. Meu Deus, que
pavor! Junto a isto todos os sofrimentos com a inutilidade. Nem ao menos queria pousar um pé sobre a
terra do Horto e do Calvário, tal é a indiferença e a separação de Jesus. Alguém me levou a pisar este
solo que Jesus regou com o Seu Sangue. Por ele fui arrastada por cordas e derramei também o meu. No
cimo da montanha, tinha que dar a vida e assim o espírito pareceu deixar o corpo e voar para o outro
mundo que não era este. Veio Jesus sem grande demora, entrou sem eu dar por ela e falou-me assim:

― “Jesus desceu, desceu do Céu, entrou no seu tabernáculo, no seu paraíso, no seu céu na terra. Entrei
silencioso, mas cheio de bondade. Entrei silencioso, mas cheio de amor. Entrei silencioso, mas com toda
a minha vida para te dar sempre, sempre, minha filha, toda a minha vida. Sofrer por Jesus, viver a vida
de Jesus na terra. Oh, dita, oh, dita, incomparável dita. São tão grandes e profundos os desígnios do
Senhor sobre uma alma eleita. É tão profunda e misteriosa a tua vida, minha filha, porque é profunda e
misteriosa, porque é toda divina, é mal, muito mal compreendida. Quanto mais alta a missão tanto mais
profunda e misteriosa é a vida da alma eleita do Senhor. Mais ódio, mais perseguição, menos
compreensão. O meu Divino Coração está atravessado por duras lanças, lanças que os pecadores me
cravam, lanças, lanças que almas, muitas almas que se dizem minhas amigas, que a Mim foram
consagradas e não só não correspondem a esta graça, mas ainda fazem com os seus maus exemplos que
muitas, muitas almas se afastem de Mim. Fala às almas, minha filha, fala às almas. Dá-me almas, almas,
sempre almas. Jesus vence, Jesus triunfa. A tua missão sublime há-de brilhar, há-de brilhar em todo o
mundo, mais que o sol brilhante, mais que o sol resplandecente com os seus raios. Coragem, coragem,
minha filha. Muitos cegos hão-de ver. Ai daqueles pobres daqueles que não chegares a ver”.

― Ó meu Jesus, ó meu Jesus, o que é a minha vida, ai o tormento da minha vida. Quero viver escondida,
muito pequenina, muito pequenina, menos que o vermezinho da terra. As perseguições, as
maledicências, as humilhações, todos os sofrimentos, tudo suporto por Vosso amor. Vejo-Vos a Vós,
meu Jesus, em todas as coisas. A Vossa missão dá-me a loucura das almas. Porque só a Vós vejo, só
almas Vos quero dar.

― “Ó louquinha do amor divino, ó louquinha da eucaristia, avante, avante, coragem! Triunfa, triunfa na
tua pequenez. Toda a alma humilde e ansiosa de viver escondida é grande com o seu Senhor, é grande
com o seu Senhor, triunfa com o seu Senhor, eleva-se no seu Senhor. O humilhado por amor de Jesus é
exaltado no amor de Jesus.

Eu quero luz, Eu quero luz, Eu quero que se faça luz, aquela luz que não é dada por Mim, aquela luz que
devidamente deve ser dada pelos representantes da minha Igreja. Cuidado, cuidado, que a perseguição
satânica não seja por falta do cumprimento do dever”.

― Jesus, não quero pensar em nada, não quero ter querer. Quero só pensar em Vós, quero só a Vós amor
e sempre, sempre, num abandono completo caminhar por onde Vós caminhais, ter o Vosso querer e
aceitar tudo quanto me dais.

― “Se soubesses a reparação que posso apresentar ao meu eterno Pai, se visses como todas as lanças
saíram do meu Divino Coração, morrias, morrias de alegria. Vem receber a gota do meu Divino Sangue,
gota abundante, gota que te dá a vida para viveres, gota de conformidade, de alegria e de paz. Tudo
passou para o teu coração com toda a abundância do meu amor. Vai em paz, vai em paz, minha filha.
Recomenda a oração e a penitência. Recomenda a emenda de vida. Diz ao mundo que Jesus está triste,
muito triste com sua bendita Mãe, que o seu eterno Pai está irado, muito irado contra ele. Fica na cruz,
fica na cruz, esposa minha, porque é cruz de salvação”.

― Obrigada, obrigada, meu Jesus. Lembro-Vos as minhas intenções. São tantas e tão grandes, mas Vós
sois, meu Amor, o remédio de todos os males. Confio, confio, meu Jesus, que me haveis de atender.
Tende piedade de mim. Tende piedade de nós. Tende piedade do mundo inteiro. Obrigada, Jesus,
obrigada, Jesus.

4 de Setembro de 1953 – Primeira Sexta-feira


Quando acabará na terra a minha eternidade? Quando poderei ver e ficar para sempre no céu com o meu
Senhor? Sinto que não posso suportar por mais tempo esta dolorosa e tremenda eternidade, este
martírio a que Jesus me submeteu. Preciso de partir, preciso de voar até Deus. Tenho medo de vacilar.
Receio perder para sempre o meu Senhor. Está sempre em ser a minha vida. Tudo o que eu sofro morre
antes de viver e assim temo e tremo da minha revolta contra tudo e contra o céu. Meu Deus, meu Deus,
ai de mim se Vos perco, ai de mim se Vos ofendo. Sou capaz de tudo o que é mau. Nenhuma utilidade
tenho para Vos servir e amar. Não deixei de oferecer ao Senhor o sacrifício de uns dias de separação da
minha irmã. Ofereci-o por várias intenções e fi-lo só por amor, mas tudo se perdeu na inutilidade e na
eternidade. Fugi quanto pude. Ontem, do solo do horto não quis aproveitar-me dos seus frutos. Hoje, fiz
o mesmo da viagem para o calvário. Via e sentia que me estendiam redes como que a apanhar-me. Eu
fugia-lhe o que podia. Não os deixavam tocar-me. No calvário, no alto da cruz, essas redes eram
estendidas por alguém para mim. Saíam-me do coração, eram minhas e vinham para mim. Eram redes
de fogo e de amor. Assim expirei. Passei pelo silêncio da morte. Pouco depois Jesus fez-me viver com a
sua vida e falou-me assim:

― “É terno, muito terno o meu coração. É doce, bem doce o meu amor. Falar dele é dizer tudo. O amor
tem de ser correspondido. Todo aquele que ama não ofende a pessoa amada. Eu amo, amo e peço amor.
Se Eu for amado, não sou ofendido. Ó minha filha, ó minha filha, em que agonia está o meu Divino
Coração. Sofro, sofro, sofro! Coragem, coragem, coragem no teu sofrimento! A tua dor, a tua dor arranca
muitas almas das garras de Satanás. A tua dor faz com que Eu seja amado, muito amado por muitos
corações. A tua dor acode a muitos, muitos pecadores, prestes a caírem no inferno. Ai o mundo, minha
filha, ai o mundo! As almas, as almas correm loucas, tão loucas, para o abismo da perdição. Olha, olha,
repara bem como o meu Divino Coração derrama sangue. Feriram-me as lançadas e punhaladas de
pecados gravíssimos. Ferem-me a vaidade e desonestidades nas praias, nos cinemas e bailes. Peca-se
horrivelmente nos casinos e casas de vício. Peca-se na família, peca-se em todos os estados. Ai, quanto
sofre o meu Divino Coração. Atendei, atendei à voz terníssima do Senhor. Atendei, atendei ao brado
amorosíssimo do seu Coração. Vinde a Mim todos os que errastes. Vinde a Mim todos os que estais frios;
quero perdoar-vos, quero aquecer-vos. Vinde a Mim, vinde a Mim todos os que estais doentes. Quero
curar-vos, quero sarar-vos as vossas almas”.

― Ó Jesus, eu vi o Vosso divino sangue correr. Vi e vejo as chagas do Vosso amorosíssimo Coração. Ele
está todo chagado, todo em sangue. Não o quero ver assim, ó amantíssimo Jesus. Vós sois o médico dos
médicos, curai-Vos a Vós mesmo. Aceitai as minhas ânsias de Vos dar tudo, sem nada ter que Vos dar.
Quero provar-Vos o meu amor e para isso a Vós me entrego e abandono. Fazei de mim o que quiserdes,
que eu, pobrezinha, a Vós me abandono.

― “Minha filha, esposa predilecta do meu Divino Coração. As tuas dores, os teus suspiros e gemidos são
tudo para Mim. De tudo me sirvo para oferecer ao meu eterno Pai. É urgente afastar a sua justiça,
sustentar o seu braço vingador. De tudo me sirvo para bálsamo das minhas feridas das chagas do meu
Coração e do da minha bendita Mãe. Vem, vem receber a gota do meu Divino Sangue. Mais uma vez se
uniram os nossos corações: o da vítima divina com o da vítima deste calvário. Passou abundante a gota
do sangue, a vida de que tu vives. Alimenta-te e dá às almas. Comunica-lhes esta mesma vida. Tenho
fome, tenho fome de as possuir. Fala-lhes, fala-lhes muito de Mim. São tuas, são tuas, porque te
entreguei a humanidade. Coragem, coragem, farol e luz do mundo. Coragem, mimo e flor eucarística.
Dá-te, dá-te sempre pelas almas, pelo mundo. Fica na tua cruz. Tem coragem e confia. É cruz de vitória e
de salvação”.

― Ó Jesus, fazei que eu sempre confie e espere em Vós. Não Vos esqueçais dos meus grandes pedidos, de
todos os meus pedidos e dos da humanidade inteira. Obrigada, Jesus, obrigada, Jesus. Obrigada, meu
Amor.

5 de Setembro de 1953 – Primeiro Sábado

A minha preparação para receber Jesus foi de lágrimas e principiou durante a noite. Foram lágrimas
saudosas, mas confortantes. Jesus veio, entrou no meu coração e conservou-se silencioso durante
bastante tempo. Ao terminar o seu silêncio, senti-O e vi-O dentro de mim, no meu coração, sentado e
com a sua sacrossanta cabeça apoiada nas mãos como quem dorme, mas levantando-se falou-me assim:

― “Inclinado no teu coração, minha filha, dormi nele o sono do amor. Cheguei fatigante, escorraçado de
muitos corações criminosos. O que é o mundo!... O que são os pecadores para comigo!... O que é o
mundo!... O que são os pecadores, os filhos para com o seu Pai!... O que é o mundo, o que são os
sacerdotes, as almas, as almas consagradas a Mim!... Escuta, escuta, esposa querida, estes tristes
desabafos do teu esposo, do teu Jesus; escuta, porque vão acabar. Vai ser nesta eternidade dolorosa e
aparentemente sem Mim que vais terminar os teus dias neste exílio, neste vale de lágrimas. Suporta
tudo, flor mimosa, mimo dos meus sacrários. Esta tremenda eternidade, mas só temporária, para que
muitas, muitas almas, milhares, milhões de almas não tenham que suportá-la eternamente. A tua
generosidade levou-te a aceitar tudo e Eu de todos os meios me sirvo para que os meus filhos não se
percam para sempre, para sempre. Avante, avante, heroína, heroína forte, heroína incomparável.
Avante, avante, está pertinho o Céu. Tem coragem, tem coragem. Deixa-te crucificar. Confia em Mim. Eu
não consentirei, não consentirei, não consentirei que os homens ultrapassem os seus limites, aqueles
limites por Mim marcados. Já basta, já basta de veneno e ódio à minha divina causa. Basta, basta de
irem contra a minha vontade. Quantas coisas se fizeram que muito me entristeceram… E o veneno
continua ainda. Não querem a luz, não querem a luz. Mas ah! Que contas, horríveis contas, que
tremendas contas, por Mim lhes serão pedidas.

Diz ao teu Paizinho, diz, minha filha, ao teu Paizinho, aquele que Eu escolhi, sim, que Eu escolhi para a
tua alma, que Eu preparo sempre os caminhos e tudo hei-de guiar ainda mesmo contra a vontade dos
homens. Diz-lhe que tenho sempre presente, que toda a sua vida dolorosa foi pedida por Mim para a
reparação do meu Divino Coração. Dá-lhe ternura, carinho e amor, toda a abundância do meu amor. Diz
ao teu médico que Jesus, a Força, a Verdade, o Poder Supremo está com ele. Diz-lhe que ele não desce,
mas sobe, sobe para as grandezas celestes, mais, mais para Mim. Dá-lhe amor. Deposita nele todo o
amor do meu Coração Divino, do meu Coração de Pai. Diz-lhe que é para ele e para os dele e será sempre
a fortaleza deste amor a luz do meu fogo divino que o fortalece e para tudo o ilumina. O Céu, o Céu, todo
o Céu está com ele. Coragem, coragem e confiança.

Vem, minha bendita Mãe, vem ó Mãe das Dores, vem confortar a vítima das dores, vem confortar a
vítima deste calvário”.

― Ó Mãezinha, o Vosso manto, as Vossa setas, o Vosso semblante entristeceram o meu coração. Tudo
me faz transparecer luto, tristeza, tristeza e dor. Passai tudo para mim, Mãezinha, e ficai contente, ficai
alegre com o Vosso e meu Jesus.

― “Filhinha, filhinha, minha amada filhinha, aceita as minhas carícias e o acalentar dos meus lábios.
Aceita os meus beijos e mimos de Mãe. São beijos e mimos celestes. Tem coragem, tem coragem! Bem
depressa venho ao teu encontro a levar-te para o Céu. Dá tudo a Jesus. De quanto mais longe o sentires
mais presente Ele está em ti. Os nossos Corações estão tristes com o incêndio de vícios do mundo. És tu
que alegras, és tu que consolas os nossos dois corações. Recebe, recebe deles todo o amor, todo o amor,
todo o amor. Recebe, recebe deles todas as riquezas, todos os tesouros, toda a paz e conforto. Vai
distribuir, tu, que és a mensageira do Céu, tu que és a portadora de tudo, de tudo quanto se pode dar às
almas. Distribui por todos os que se abeiraram de ti e deixa-os, deixa-os, ou melhor, como deseja Jesus,
deseja Maria”.

― Ó Jesus, ó Mãezinha, obrigada, muito obrigada. O meu coração está quente, está a ferver. Está forte e
tem mais luz. Obrigada, obrigada. Não Vos esqueçais dos meus pedidos.

― “Vai, minha filha, vai em paz. Nada temas, nada temas. Acode ao mundo, acode às almas. Convida-as
ao arrependimento, à emenda de vida. Convida-as à oração e à penitência para que se afaste a justiça de
Jesus. Obrigada, meu Jesus, obrigada, Mãezinha. Sede a minha força. Sede a força de todos os que me
amparam e dos que me rodeiam. Obrigada, obrigada.
11 de Setembro de 1953 – Sexta-feira

Dor sobre dor, tormento sobre tormento, assim vai sendo a minha vida que não parece passar nada mais
do que uma morte contínua. Ai, meu Deus, ai, meu Deus, que tremenda é esta morte, que pavorosa a
minha eternidade. Passei o dia da Natividade da Mãezinha sem receber o meu Jesus, por o Sr. Abade
não estar cá. Sofri muito, custou-me imenso. Pensei muito o que seria o Céu nesse dia, como todos os
bem-aventurados haviam de louvar, amar e bendizer a sua Celeste Rainha. Porém a data de 19 anos em
que Jesus me pediu pela segunda vez todo o meu corpo para ser crucificado e eu num impulso de alma
não pude abafar por mais tempo, fui obrigada a comunicar tudo ao meu pai espiritual, fez-me sofrer
indizivelmente, recordando quase em todos os momentos toda a dor que daqui nasceu. E esta dor
roubada pela inutilidade mais uma vez roubou-me toda a alegria que eu poderia sentir, com o
pensamento no Céu, com a alma unida a todos aqueles que em uníssono festejavam a Mãe de Deus e,
apesar de eu ser a criatura mais indigna, é a minha tão querida Mãezinha. Por tudo seja louvado o meu
Senhor. Eu com a Sua graça sou e serei sempre a Sua vítima. O meu Horto de ontem, o meu calvário de
hoje foi e será inútil para mim. Perdi todos os seus méritos, perdi o Céu para sempre, nunca mais verei a
Deus, sou uma revoltosa contra Ele. Subi ao cima da montanha, como que desesperada, blasfemando
com línguas de fogo contra o Senhor e contra os autores dos meus dias. Que horror e que pavor, meu
Senhor! Eu não tenho forças para mais desabafar e a minha ignorância nada mais me deixa saber
exprimir.

No alto do calvário passei aquelas horas atirando para Jesus, que estava na cruz crucificado, contínuos
punhais que iam atravessar o seu Divino Coração. Atirava-os com ódio e rancor e não sei como estes
mesmos punhais vinham cravar-se no meu. Assim feridos, expirámos os dois, Jesus e eu. Ele na cruz e
eu sobre o solo do calvário. Pouco depois, Ele cheio de vida fez-me viver, cheio de luz iluminou-me e
falou-me assim:

― “Longe do Céu, longe de Jesus está todo aquele que está longe do sacrário. Eu quero almas, muitas
almas verdadeiramente eucarísticas. O sacrário, o sacrário, ou se fosse bem compreendido o sacrário! O
sacrário é a vida, o sacrário é o amor, o sacrário é a alegria e a paz. O sacrário é lugar de dor, é lugar de
afronta, é lugar de sofrimento. O sacrário é desprezado. O Jesus do sacrário não é compreendido. Do
sacrário vivem algumas das minhas vítimas, das minas esposas escolhidas. O sacrário não é
compreendido, não, não, minha filha. E como há-de ser compreendida a tua vida? Coragem, coragem e
avante. Pobres daqueles que não querem conhecer e amar o Senhor do sacrário. Pobres daqueles que
não querem ver com aquela luz que produz o sacrário. Vives de Mim e para Mim. Vives de Mim e para as
almas. Coragem e confiança, esposa querida. A tua vida é rica, cheia de prodígios do Senhor. Há-de
triunfar, há-de triunfar, há-de triunfar!”

― Ó Jesus, ó Jesus, ó Jesus, ó meu Amor, a minha alma vê, a minha alma vê o Vosso Divino Coração
feito sacrário. Estão abertas as portas de par em par. Os raios, as chamas devoradoras que dele saem
vêm ao meu encontro. Queimai-me, Jesus, queimai-me. Consumi-me. Fazei-me desaparecer em Vós.
Fazei, fazei, Senhor, que todas as almas se abeirem e vivam do sacrário, sempre e só do sacrário.

― “Repara, repara, minha esposa querida, no teu Esposo Eucarístico, no Prisioneiro do Amor. Eu quero
almas eucarísticas, mas verdadeiramente eucarísticas e não almas que profanam e ultrajam o meu
Divino Coração. Fala, fala às almas. É esta a tua missão. Foste criada para elas. Fala-lhes do meu Amor
Eucarístico e convida-as a virem a Mim. Fala ao mundo, fala ao mundo que é teu. Entreguei-to para o
salvares. Fala-lhes, fala-lhes, minha filha, neste pouco tempo que te resta de vida na terra. Toda a tua
vida lhe fala e comunica o meu Amor. Dou-me ao mundo, dou-me aos pecadores e dou-me por ti. Tu és o
canal por onde ele recebe as minhas graças e o meu perdão”.

― Ó Jesus, Vós sois tudo e eu sou nada. Vós sois a fortaleza e eu nada posso sem Vós. Sede comigo,
Jesus, para que eu desempenhe como quereis a minha missão tão dolorosa e tão difícil. Espero tudo de
Vós e nada de mim, meu Amor. Vem, flor eucarística, luz e farol da humanidade, vem, vem receber a
gota do meu divino sangue. Os nossos corações uniram-se, calcaram-se nas mesmas cadeias de amor.
Ficaram os dois num só. A gotinha do sangue passou. Passou forte, forte e levou todo o amor que em
Mim se encerra. A dor consome a tua vida. O meu Sangue divino, o meu amor, a eucaristia dá-te nova
vida. Fortalece-te para a dor. Fortalece-te para te dares por Mim, fortalece-te para a vitória, para o
triunfo. Em breve, muito em breve cantarás para sempre as glórias do teu Jesus. Em breve, muito em
breve desempenhas a tua missão junto da Majestade Divina. Fica na tua cruz. Fica no teu martírio.
Deixa-te, deixa-te imolar noite e dia. Jesus com a tua Mãezinha querida está contigo. Jesus com todo o
céu te assiste”.

Obrigada, Jesus, obrigada, Jesus; sempre o meu eterno obrigada. Não Vos esqueçais de todos os meus
pedidos, de todos, todos. Neles entra a humanidade inteira. Não posso esquecê-la; ai, não posso deixar
de orar e sofrer, nem por uma só alma. Quero sofrer, quero sofrer para conseguir salvá-las.

― “Coragem, coragem, minha filha, vai em paz”.

― Obrigada, obrigada, Jesus.

18 de Setembro de 1953 – Sexta-feira

Está no mesmo sítio a minha eternidade. O tempo passou, mas ela mantém-se sempre no seu princípio.
O tempo passou e como passou ele, meu Senhor? Na tibieza, na indiferença, na inutilidade e no pecado,
na maior onda, no maior incêndio de toda a espécie de vícios e de maldades. Só essas aparecem e
triunfam, só disto estou cheia. Do que é bom, do amor de Jesus, é um vazio que nunca poderá encher-se.
Não tenho nada, nada, mesmo nada. Como é doloroso o martírio de ser útil para o pecado e inútil para a
virtude e todo o bem. Do meu desfalecimento, desta dor, deste tormento pavoroso, nascem violentas
tentações contra a fé. Eu não quero, não lhe dou lugar, mas momentos há em que me parece que nada
adianta o sofrer, que depois desta vida tudo acaba. Ó meu Deus, ó meu Deus, vinde em meu auxílio,
vinde depressa socorrer-me. Eu creio, eu creio que Vós existis e sois digno de todo o amor e de toda a
dor. Como pode existir a eternidade sem Deus? Eu vivo, eu vivo a minha eternidade e de tal forma a vivo
que a vivi ontem no Horto e hoje no Calvário. Não sei como possa ser; estava no Horto, revoltosa, a
desprezá-lo, a odiá-lo e com os pés no inferno. E hoje com os mesmos sentimentos subi a ladeira do
Calvário. E, no cimo da montanha, sem me unir à cruz e me aproveitar dos seus frutos, era a mesma
odienta, revoltosa blasfemadora e todo o meu ser mergulhado no inferno deitava veneno e faiscava fogo
por todos os sentidos. A chaga do Coração do meu Jesus jorrava sangue com toda a abundância. A Sua
dor passava pelo meu coração e para mim era insuportável, era infinita. Da Sua sacrossanta cabeça, dos
duros espinhos que a atravessavam caíam gotas de sangue como grossa e abundantes gotas de chuva.
Quanto sofria o meu Jesus e quanto me fazia sofrer com Ele. Apesar de mergulhada no inferno, via o que
Ele sofria e sentia a Sua dor. Ele expirou e a minha alma, no momento em que Ele abriu os olhos e
entregou ao Pai o seu espírito, pareceu deixar o meu corpo, deixando-me morta, totalmente morta.
Pouco tempo demorou a vir a mim a verdadeira vida. Jesus deu entrada no meu coração e falou-me
assim:

― “A dor é o fogo que aquece, a dor é o sol que brilha. A dor é a vida, é o enlevo da alma para Jesus. a dor
é a vida, a dor é a salvação. Coragem, coragem, minha filha. A dor ressuscita as almas para Jesus e salva-
as. A dor tem todo o poder; a dor, a dor é salvadora. Toda a alma que sofre com amor vive unida ao seu
Deus. A dor, a dor tem encerrados nela os segredos, todos os segredos do Senhor. A dor, a dor, como é
poderosa e não é compreendida! Por não ser compreendida, maior, maior, maior é o seu valor. Sofre,
vítima querida, sofre, esposa predilecta de Jesus, sofre, porque o mundo desvairado, o mundo perdido
necessita do teu sofrimento, do teu prolongado martírio. Minha filha, ó florinha eucarística a tua vida,
toda a tua vida é misteriosa. Tu sofres a eternidade das almas. Passas por tudo aquilo que as condena ao
inferno. Vives a eternidade horrorosa, para que vivam elas a eternidade de gozo. Estou triste, sim, estou
triste, muito triste, minha filha. O meu Divino Coração sangra e sofre infinitamente. Que mundo, que
mundo de pecado! Que mundo, que mundo, que horroroso mundo de vícios! O meu Divino Coração
sofre através do teu coração. O meu Divino Coração ama através do teu amor. Amo Eu, e amas tu. Tu
amas com o meu amor. Tu dás-te por meu amor. Tu gastas-te, consomes-te pelo meu amor e pelas
almas. Tu sofres e Eu sofro em ti. Porque sofro? Porque amo? Porque dei a vida, só para dar vidas, só
para dar vidas. Sofro em ti, sem sofrer. Sou em ti a tua força. Tu sofres para que Eu não sofra. Tu amas
para que Eu mais e mais seja amado. Toda a dor fica no teu coração e a consolação e alegria vão para o
meu”.

― Está bem, está certo, Jesus. Com isso estou contente. Sofrer o meu coração, para que não sofra o
Vosso são os meus desejos. Amar-Vos e consolar-Vos são as minhas ânsias. Gastar-me por Vós, fazer
tudo e tudo sofrer por Vós, sem um momento se perder, meu Jesus. Não tenho, não, não tenho outra
ansiedade. Perdoai-me, meu Amor, tanto desfalecimento, tanto, tanto. Meu Jesus. Fazei que toda a
minha vida seja perfeita, tanto quanto Vós o desejais.

― “Ó farol, ó sol brilhante, ó continuadora da obra de Jesus na terra. É perfeita a tua missão e com toda
a perfeição a desempenhas. O céu aberto e tão pertinho para receber-te. O céu aberto e sempre aberto
para dele fazeres cair chuva abundante e torrencial de graças. O céu aberto para a tua sublime missão,
para a tua nobilíssima missão, espera-te, espera-te, espera-te. Coragem! Coragem! Um pouco mais e
vem receber a gota do meu Divino Sangue. Os dois corações uniram-se bem unidos e ficaram num só
coração. Passou forte a gota de sangue, a vida de que tu vives. Passou abundante o teu alimento divino.
Fica na tua cruz. Dá-me o fruto da tua cruz. Tem coragem! Tem coragem! Pouco falta! Confia em Mim!
Acode ao mundo. Fala às almas! Fala às almas! Salva-as, salva-as! Coragem! Coragem! Convida-as à
oração, à penitência, à entrada no meu Divino Coração”.

―Obrigada, obrigada, meu Jesus. Não Vos esqueçais dos meus pedidos, todos, todos, meu Jesus.

25 de Setembro de 1953 – Sexta-feira

É eterna a minha dor. Sinto que ela é eterna e sinto que não sou capaz de poder suportá-la sem
blasfemar eternamente a Deus. Parece que até mesmo no inferno eu hei-de pecar e ofendê-Lo. Que ódio,
que rancor contra o seu Criador. Sinto como que se estivesse a escarrá-lo e a crucificá-lo. Ai, quanto
sofre o meu pobre corpo e alma! Parece que sofro sem esperança e sem nenhuma confiança em Deus. Ai,
ai, todo o meu ser é esmagado não sei por quem; todo o meu ser desfaz e banha a terra em sangue. Não
tem fim a minha eternidade, não tem fim a minha dor. De toda a parte me vêm as mais tremendas
humilhações. E a minha eternidade existe sem princípio e sem fim. Tenho de ocultar a minha dor,
sofrendo em silêncio e sem desabafo. Nos momentos mais angustiosos, eu digo à querida Mãezinha do
Céu: mostrai que sois minha mãe que eu provarei ser Vossa filha. Atiro-me para o Vossa santíssimo
coração, por ele quero ir para o de Jesus e ficar nos dois ao mesmo tempo. A angústia continua; a
inutilidade tudo rouba e tudo em si absolve. Ó meu Deus, velai por mim; é por Vós o meu viver, é o
Vosso amor, são as almas que me prendem. O Horto e o Calvário são um sofrimento inútil e sempre
eterno. É pavoroso, pavoroso, é sofrimento que não se exprime. Hoje, na subida para a montanha, o meu
coração foi arrastado por cordas, mas a arder em amor. Ia como cordeirinho inocente e mudo. Mas eu
fugi, afastei-me, não quis tocar no sangue que Ele derramava, nem incendiar-me nem inebriar-me no
amor que O consumia. Era e não era meu este coração; e todo o meu ser mergulhado em trevas, na noite
mais tenebrosa, estava possuidor e mergulhado nas maiores maldades. Que tristeza, meu Jesus, e que
dor infinita! O coração que não era meu, os olhos que não eram meus, desfaziam-se em dor e em
lágrimas. Não podia respirar de tristeza, dor e cansaço. Que desalento, meu Deus, que desalento o da
minha alma. No cimo do calvário, deparei com Jesus na cruz crucificado. Continuei a crucificá-lo e na
mesma eternidade a odiá-lo e a contra Ele blasfemar. Não tive para o Seu Divino Coração um momento
de amor. Nestes rancores ele expirou e eu sem expirar senti como que a separação da alma e do corpo.
Prolongou-se por bastante tempo este estado, esta separação. Jesus veio, entrou no meu coração. Trazia
consigo o sol que me aqueceu e me iluminou e fez reviver, falando-me assim:

― “Baixou à terra o Rei e Senhor do Paraíso. Veio entrar no coração da sua esposa, da sua vítima
querida. Estou aqui, estou aqui, esposa amada. Sou o perseguido, sou o crucificado, sou o abandonado
dos sacrários. Coragem, coragem, esposa minha. Perseguem-me a mim, odeiam-me a mim, crucificam-
me a mim. Coragem, coragem, filha querida. Quem te persegue, quem te odeia, quem te calunia, são os
inimigos de Deus, são os inimigos da minha Igreja. Coragem, coragem! Em breve, muito em breve,
terminam os meus colóquios falados, a não ser de longe em longe, quando preciso for. Esperei, esperei,
esperei muito. Pouco mais vou esperar. Os meus colóquios, já o disse, volto a dizê-lo, não são para ti, são
para as almas. Esperei para que se estudasse, esperei para que se fizesse luz. Haja luz, haja luz, haja luz,
faça-se luz, aquela luz que é dos homens e não de Deus, que pertence aos homens e não a Deus. A tua
vida, a tua vida, minha filha tão caluniada, tão mal compreendida e perseguida, é a semelhança, a cópia
mais fiel de Jesus. São as almas, são as almas, esposa amada, são as almas, são os pecadores a causa do
teu tão doloroso e inigualável martírio. Alerta, alerta, almas que arrefecestes e vos afastastes de mim.
Quero-vos, quero-vos de novo no meu Divino Coração. Estou sequioso. Tenho sede, tenho fome. Sede
ardente, fome devoradora. Sá as almas, o mundo inteiro, o mundo inteiro, me pode satisfazer. Acode-
lhe, acode-lhe, acode-lhe, missionária de Jesus, porta-voz de Jesus, farol e luz de toda a humanidade.
Fala às almas. Fala às almas. Para elas te criei. És a sua mãe. Alimenta-as com o meu amor e com as
graças que de Mim recebes. Aceita, aceita o meu Divino Coração. Deixa-o ficar dentro do teu. É rico,
infinitamente rico. Ficas rica, infinitamente rica. Dá tudo, distribui tudo. Enriquece as almas
empobrecidas”.

― Ó Jesus, abraço o Vosso Divino Coração amorosíssimo com toda a força e amor possíveis do meu
pobre coração. Abraço as Vossa riquezas e o Vosso amor e neste abraço profundo e tão íntimo eu meto a
humanidade inteira, para que toda principie desde já a ser por Vós enriquecida. Eu não sou digna do
Vosso amor. Eu não digna de Vos possuir, mas, já que tanto me tendes beneficiado, ó Jesus, fazei que eu
sempre Vos seja fiel e saiba compreender o Vosso amor. Sou muito ingrata, Jesus. Não Vos amo. Digo-
Vos que tudo aceito, mas ai, quando pesa, pesa, desfaleço, desfaleço e caio. Morta assim, quanto sou
fraca, pequenina. Perdoai-me, perdoai-me.

― “És forte, forte, muito forte. Eu to afirmo. Tens a minha graça e fortaleza. Tens tudo, tudo o que é
meu. Confia, confia! O teu martírio tem reparado e continua a reparar a justiça do meu Pai. Ai do
mundo, o que seria do mundo, se assim não sofresses! O teu martírio tem consolado o meu Divino
Coração e o Coração Imaculado da minha bendita Mãe. Tem coragem! Tem coragem! Vem receber a
gota do meu Divino Sangue. Passou, passou a gota divina, o alimento de que tu vives. É a eucaristia e a
gota deste sangue que te alimentam e te fazem viver. Coragem, coragem! Quanto maiores são as graças e
as maravilhas de Jesus produzidas nas almas, mais perseguidas e menos compreendidas elas são.
Coragem! Fica na tua cruz, na tua dolorosa cruz. Nela crucificada, nela a sangrar, convida o mundo à
oração, à penitência. Coragem! Coragem! Vai em paz!”

― Obrigada, Jesus, obrigada, meu querido amor. Não me abandoneis e lembrai-Vos neste momento de
todas as minhas intenções e do mundo inteiro.

2 de Outubro de 1953 – Primeira Sexta-feira

Parece que se escureceu por completo o meu espírito. Não posso pensar, raciocinar, nem amar. Vida
inútil, vida inútil, meu Deus, é a minha. Parece que posso dizer: não vivo, não tenho nenhuma vida.
Temo e tremo com tal inutilidade nesta eternidade. Se eu tivesse um suspiro para Jesus, um olhar, um
sorriso, ou qualquer coisa de bom, podia dizer com verdade: sou feliz, sou feliz. Ai de mim, ai de mim,
que não tenho nada. Que pavor, que pavor! O mar destruidor está na minha alma. Sinto e oiço a
destruição de tudo. Nada tenho para o Céu e para Deus. Tudo tenho para Satanás, para condenar-me. A
minha eternidade, meu Deus, a minha eternidade não anda, não posso deixar de sofrer, odiar e
blasfemar contra o meu Senhor. Que pavor, que pavor. Há tantos espinhos que me ferem. O meu sangue
parece regar toda a terra. Não tenho quem me ampare e guie no caminho. O meu abandono é completo;
é de Deus e é dos homens. Que indizível sofrimento. Perdi o Horto e o Calvário. Perdi a Jesus e os Seus
méritos. O meu coração odiento calca o solo do Horto e diz-lhe: não te quero, não te quero, desprezo-te,
aborreço-te por completo. Trevas pavorosas vendaram os meus olhos. Com eles vendados, na mesma
eternidade desesperadora, subi a encosta do Calvário, repetindo: não te quero, odeio-te. Ao mesmo
tempo que um coração dentro do meu gotejava sangue, sofria infinitamente e infinitamente amava. No
cimo da montanha, este coração foi para o alto da cruz. Eu no meu ódio eterno continuei a odiá-lo. E Ele,
louco de amor, na mesma dor grande como a terra, grande como o Céu, continuou a gotejar sangue e a
sofrer tanto que parecia desfazer-se todo por mim. Ele queria possuir-me, não podia deixar-me. Quanto
me amou Jesus; quanto eu ofendi Jesus. Assim expirei revoltada contra Ele e sentindo o Seu amor.
Momentos silenciosos, momentos de separação e morte se passaram. Jesus veio novamente, entrou em
mim, entrou o Céu e os seus anjos, e falou-me assim:

― “O céu! O céu! Está aqui Jesus com os seus anjos. Vim, minha filha, desci do Céu ao teu coração.
Trouxe comigo os meus anjos. Venho com eles felicitar-te no meu dia, o teu dia. Fez hoje quinze anos,
data feliz, data sagrada. Preveni-te para a tua primeira crucifixão. O meu dia, o teu dia, o dia da tua
entrega, da tua generosidade louca, o dia da minha reparação, o dia de começar a salvar aos milhões, aos
milhões”.

― Ó Jesus, ó Jesus, sofro tanto com esta data. É um sinal, um grande sinal da minha imperfeição, não é,
meu Jesus? O que eu sofri no dia de hoje, há tantos anos, sem saber o que Vós me íeis pedir e como me
ireis pedir!... O que eu sofri no dia de amanhã sem saber o que ia sofrer!... Para mim era tudo como se
nada existisse e eu nada compreendesse. Só fui sabendo e compreendendo à medida que os sofrimentos
se desenrolaram. Bendito sejais!... O que me esperava, Jesus!... E o que me esperará ainda?!... Venha o
que vier. Com a Vossa graça eu direi sempre o “sim”, o “sim” da minha aceitação.

― “Minha filha, tem coragem! Tens repara do a justiça do meu Pai. Tem-la aplacado e afastado. Tens
tirado os espinhos que ferem o meu Divino Coração e o de minha bendita e dolorosa Mãe. Tem coragem!
Tem coragem! O teu fim está perto, o fim das tuas lágrimas, das tuas dores, do teu calvário, calvário
ditoso, calvário privilegiado, calvário dos maiores prodígios, das maiores graças e maravilhas do Senhor.
Continua na tua missão sublime, nobilíssima missão. Eu quisera que a tua vida fosse mais
compreendida! Eu quisera que se tivesse feito luz. Na terra os homens nada podem contra o Céu, contra
Deus. A luz brilha, a luz brilha, a luz brilha, mas uma vez no Céu, oh então, sim, então sim!... a missão
continua e os raios da luz hão-de espalhar-se. Raios luminosos, raios luminosos hão-de cair sobre a terra
como flocos de neve. As almas são tuas, o mundo é teu. São tuas as minhas riquezas, são teus os
tesouros, os tesouros do meu Divino Coração”.

― Jesus, Jesus, como os anjos batem as suas asas brancas!... Parecem um bando de pombinhas a voar, a
voar!... Eu queria Jesus, não tenho querer, mas gostava que eles se inclinassem para Vós e não para
mim. Quanto isto me humilha!... Oh, como eu me sinto desaparecer!...

― “Vieram comigo à minha ordem saudar-te, esposa querida, mas Eu faço que eles subam ao Céu.
Ficarei Eu sozinho mais uns momentos”.

― Se eu fosse com eles, Jesus!... O meu coração queria voar também par a minha pátria!... Tenho tantas
saudades, Jesus!...

― “Coragem! Coragem! Irás breve, muito breve. Eles virão ao teu encontro para te levar para junto de
mim. Vem receber a gota do meu divino sangue. Houve o choque dos nossos corações. Estão os dois
num só e a gotinha do sangue já passou. Foi gota abundante e já corre em todas as tuas veias. É o
alimento que te faz viver, é o alimento que os incrédulos não acreditam. Como me alimentei Eu depois
da minha ressurreição? Não posso fazer viver as minhas vítimas da forma que Eu quero com a vida
divina? Coragem, coragem! Fica na tua cruz. Fala às almas, fala às almas neste pouco tempo que te resta.
Convida-as a virem todas a Mim. Convida a humanidade inteira à oração, penitência, emenda de vida”.

― Ó meu Jesus, ó meu Jesus, antes de partires, antes de subires ao Céu, lede todas as intenções que
estão escritas e gravadas no meu pobre coração. Perdoai, perdoai ao mundo, perdoai, meu Jesus!
Obrigada, Jesus, obrigada, meu Amor por mais esta fortaleza de amor que puseste no meu coração.
Obrigada, obrigada, meu Jesus.

3 de Outubro de 1953 – Primeiro sábado

A minha preparação hoje para a vinda de Jesus foi a santa missa. Não sabia assistir. Estava toda
mergulhada nas mais densas trevas e ignorância. Pedia à Mãezinha, porque só ela podia satisfazer por
mim ao Senhor. Na minha ignorância e eternidade disse-lhe muitas coisas, e Ela lá foi dispondo a minha
alma e preparou o sacrário do meu coração. Jesus entrou sem olhar para a minha miséria. Uniu bem ao
dele este coração ferido e empedernido; modelou-o, iluminou-o e falou-se assim:

― “Faço minhas as palavras dos meus discípulos. Salve, Mestre, salve, esposa minha, salve, vítima
querida. É grande este dia, grande na terra, grande no céu. Foi grande. É grande, será grande por toda a
eternidade. Foi e será grande pelas almas que me deste e darás. Será grande, sempre grande, grande pela
glória e amor eterno. Escolhi-te, foste criada para as almas, para mãe de todos os pecadores. A mãe dá
vida pelos seus filhinhos. Tu, à sua semelhança, a vais dando. A tua vida vai-se extinguindo.

Minha filha, minha filha, minha querida filha, com o terminar do ano, termina este meu colóquio. No
primeiro sábado de Dezembro, no mês da puríssima Imaculada Conceição da minha bendita Mãe, tu
ficas só na aparência, nos sentimentos, mas não na realidade. Jesus e a Mãe do Céu ficam contigo com
mais força, com mais intimidade. Confia, confia! Não nos separamos de ti.

Diz ao teu Paizinho que por amor o feri, que por amor deixei que os homens o ferissem no ponto mais
delicado, naquele ponto que mais reparação exijo. O meu coração está no seu coração. O dele está no
meu. Dá-lhe todas as riquezas, dá-lhe todo o amor, o meu e o da minha Mãe bendita, para que ele com
heroicidade possa dar, dar, até se consumir por Nós.

Diz ao tu médico que Jesus está com ele, que Jesus se alegra nele. Diz-lhe que a força do Céu é a força
dos heróis. Diz-lhe que ele será sempre privilegiado e premiado com o seu jardim florido. Diz-lhe que
avante, avante!... Coragem, coragem!... e firmeza sempre. Ele será guiado e iluminado pelo Divino
Espírito Santo.

Vem, minha bendita Mãe, vem Coração Doloroso e Imaculado de Maria, vem à nossa filhinha, vem
derramar do teu coração para o dela toda a ternura, todo o amor, tudo, quanto o teu Coração. Dá-lhe o
conforto que ela necessita. Dá-lhe tudo, tudo para ela e para quantos a rodeiam, para o grande apóstolo
do Teu Coração. Dá-lhe para ele a paz e o amor, as nossas ternuras, para que seja ternura, a nossa
doçura, para que seja doçura, a nossa vida, para que dê sempre as nossas vidas”.

― Ó Mãezinha, ó Mãezinha, sinto-me feliz no Vosso regaço e inclinada ao Vosso Divino Coração. Não
quero que ele tenha espinhos, não quero que ele tenha sangue. Passai, passai tudo para o meu. Passai
todos os ferimentos que tiver o Coração Divino de Jesus.

― “Assim o fiz, filha querida. Vês, Eu não tenho espinhos, nem gotas de sangue. Já não tenho setas. O
meu Divino Filho já não tem espinhos, já não tem lança. Tudo fica no teu coração. Sofre, sofre. Repara,
repara. Nada temas da terra, nada temas dos homens. Deixa que te calquem e te humilhem. Sofre tudo,
tudo para reparação dos nossos amantíssimos Corações”.

― Ó Mãezinha, muito obrigada pelos Vossos beijos, pelas Vossas carícias e abraço tão íntimo.

― “Vai em paz, minha filha, vai em paz. Leva o amor do teu esposo e da tua querida Mãezinha. Leva-o,
distribui-o. Leva e sacia as almas de nós sequiosas. Leva-o, distribui-o a todas as almas. Fala-lhes, fala-
lhes, fala-lhes. Coragem, heroína forte! Coragem, vítima continuamente imolada! Calvário, calvário
ditoso, calvário o mais semelhante ao de Jesus do Gólgota. Vai em paz! Vai em paz!”

― Obrigada, Jesus. Obrigada, Mãezinha! Lembro tudo, tudo aos Vossos Divinos e amantíssimos
Corações. Obrigada, obrigada.

9 de Outubro de 1953 – Sexta-feira

Parece que não sou eu, deixei de existir, que não só eu vivo no silêncio da morte, mas também o mundo,
o pobre mundo. Sinto como se ele desaparecesse, sinto como se a sua existência fosse um cemitério
infindo, deixando apenas as ruínas da desordem e do pecado. Meu Deus, meu Deus, quanto eu sofro, o
que é para mim este vale de lágrimas. Bendigo por tudo o Vosso santo nome; seja em tudo feita a Vossa
divina vontade; a ela me submeto de alma e coração. Num completo abandono beijo e abraço a Vossa
amantíssima mão benfazeja. É grande, muito grande o meu martírio de corpo e alma; só Jesus o
conhece. Eu não sou capaz, nem ao menos de muito longe, de o fazer compreender. Por vezes nem posso
respirar com o peso de tanto sofrer. Tudo são humilhações, tudo são espinhos a ferirem-me, e punhais a
atravessarem-me o coração. Não posso pensar que Jesus e a Mãezinha vão deixar-me no primeiro
sábado. E quem sabe quando Jesus o fará também nas sextas-feiras. Até agora parecia que se queria
libertar de todos os colóquios, tal era o pavor que me causava o receio de me enganar. E agora,
prevenida pelo Céu, não sei como levar até ao último momento a minha cruz. Bendito em tudo e sempre
seja o meu Jesus. E tudo isto a viver a minha inutilidade na minha eternidade, na eternidade que não
caminha um só momento, na eternidade que outra coisa não faz a não ser revoltar-se e odiar a Deus. É
assim que eu vivo na minha morte; foi assim que ontem passei pelo Horto num indizível sofrimento; foi
assim que hoje fiz a viagem para o Calvário. Todo o meu ser era dor e massa em sangue. Tanto ontem no
solo do Horto, como hoje na viagem dolorosa, o meu coração arrancado fora do meu peito nadava num
mar infinito de amor, todo ele era amor, em ânsias também infinitas de possuir todos os corações, de
lhes dar a vida e o Céu pela morte na cruz. Ó Jesus, ó Jesus, que livro este de tanta ciência, que é a Vossa
ciência, que não terá fim. No alto do Calvário Jesus continuou na cruz crucificado a dar do Seu Coração
Divino amor com tanta abundância que formava um mar infinito. Eu fugi-lhe sempre e com o meu
afastamento fui causadora sempre da Sua dor infinita, da Sua agonia e morte. Quando Ele expirou, a
minha alma pareceu sair também do meu corpo. O silêncio da morte reinou. Após este silêncio, Jesus
ressuscitado e triunfante deu entrada no meu coração, comunicou-me a Sua vida e ressurreição e falou-
me assim:

― “Calvário ditoso, calvário prodigioso, calvário transformado num paraíso de Jesus na terra. Desci,
desci, minha filha, desci, desci, esposa querida, desci do Céu. Entrei no teu coração, transformei-o num
céu. Eu quero, eu quero fortalecer-te. Eu quero falar pelos teus lábios. Eu quero dizer-te as minhas
alegrias e tristezas. Alegro-me no teu coração. Alegro-me com a reparação que me dás. Eu posso, sim, eu
posso apresentar a meu eterno Pai grande reparação. Eu posso, sim, eu posso colocar sob a sua divina
mão uma escora firme para a sustentar. Ó Portugal ingrato, ó mundo cruel, o que seria de ti sem a vítima
deste calvário!... Portugal ingrato! Portugal, quantas graças tens recebido do teu Deus?! Fátima, Fátima!
Calvário, calvário! Este ditoso calvário, meios para ti de grande reparação. Estou triste, estou triste.
Portugal ingrato! Estou triste, muito triste! O mundo cruel! Nada mais posso fazer. Fiz tudo, fiz tudo
para a salvação dos filhos do meu sangue”.

― Ó Jesus, ó Jesus, estou certa, confio. Tudo fizestes, tudo fareis e o mundo será salvo. Portugal será
grato, sempre grato ao Vosso Divino Coração. Sou Vossa vítima, Jesus. É a Vós que eu abraço, é a Vós
que eu me prendo. Só conVosco eu serei forte, só com a Vossa graça vencerei. Ai, meu Jesus, sou eu, bem
sabeis que sou eu, a mais pobrezinha, a mais indigna das Vossa filhas, mas bem sabeis que, apesar de
pobre e miserável, com a Vossa graça também serei eu a sofrer pelo Vosso amor e pelas almas. Com a
Vossa graça sempre repetirei: Jesus, sou a Vossa vítima! Jesus, sou a Vossa vítima! Jesus, sou a Vossa
vítima!

― “Minha filha, minha esposa, encanto do Céu, só do Céu, amor do Céu, vida do Céu, tem coragem, tem
coragem! Eu escondo-me nas tuas misérias, nas tuas faltas. Tenho de encobrir a minha grandeza e é nela
que eu me encubro. Os homens, os homens, o mundo, o mundo, não querem ver toda a grandeza que
podem ver e que eu pus ao seu dispor. Se os homens vissem e compreendessem!... Que grande glória,
que grande glória, que grande glória para Deus e proveito para as almas!... Ai daquelas que diante da
minha luz colocam véus negros para impedirem que ela brilhe. Sou misericórdia e sou justiça. Sou
justiça. Um dia que não vem longe a espera para os castigar”.

― Ó Jesus, dizeis que sois justiça, mas eu agora só em Vós vejo amor! Dizeis que sois justiça, eu agora só
sinto que sois misericórdia. Peço-Vos perdão, meu Jesus, para todos quantos Vos ofendem. Peço-Vos
perdão, meu Jesus, para todos quantos me ofendem a mim. Perdão, perdão, meu Senhor, perdão e a
salvação.
― “És louca, louca. Enlouqueceste por Mim, enlouqueceste pelas almas. É esta loucura que atrai a este
calvário, que atrai a este Portugal, que atrai à humanidade inteira as graças, o amor e as misericórdias
do Senhor. Vem receber a gota do meu Divino Sangue. Foi forte o choque dos nossos corações. Foi forte,
foi grande, grande a gota do meu Sangue Divino. Grande é a dor, grande é o amor que tens ao teu Jesus.
Para a tua dor, o meu amor. Para te fortalecer, o meu Sangue Divino. O meu amor é o bálsamo que te
cura. O meu Sangue é a vida de que tu vives. Coragem! Coragem! Fala às almas. Fala-lhes. Tem coragem,
tem coragem!”

Ó meu Jesus, sede comigo! Só por Vosso amor lhes falo. Que repugnância me causam, mas estou pronta
para fazer a Vossa divina vontade. Falai por mim, vencei em mim, triunfai em mim. Obrigada, obrigada,
meu Jesus. Entrego ao Vosso Divino Coração todas as intenções. Bem as conheceis. Obrigada, obrigada,
meu Jesus!

16 de Outubro de 1953 – Sexta-feira

Não me movo, não dou um passo na minha eternidade. Ela foi, é e será sempre a mesma, está sempre no
seu princípio. Quanta dor, quantos mistérios nesta eternidade. Se eu soubesse falar dela! Eu sei, eu sinto
que nela está o poder e a grandeza de Deus. Toda a eternidade é Deus, ela toda está baseada em Deus,
como Ele ela não teve princípio e não terá fim. Como tudo isto é grande, meu Deus, como tudo isto é
grande! Se a minha ignorância me deixasse falar, se a minha cegueira me deixasse ver, se a minha
inutilidade não me roubasse tudo, eu poderia falar e guiar, ser útil no serviço do Senhor. Nada sou, nada
posso, nada valho. Vejo em mim o pecado com toda a maldade; sou um mundo de vícios, sou um inferno
de ódio e revolta contra o meu Senhor. Ó meu Deus, ó meu Deus, não me falteis. Ai de mim, sem a Vossa
força, neste estado de alma em que me encontro! Sofro a dor da Vossa perda, mas não desisto da minha
revolta e ódio contra Vós. Valei-me, Jesus, valei-me, Mãezinha. Só a Vossa força e o amor dos Vossos
Corações suportam a minha cruz. Sinto que estou do Céu e da terra abandonada. Os espinhos variados
não têm conta a ferirem-me. O peso das humilhações esmaga-me, faz-me desaparecer. Tenho que
esconder tantas coisas, tanta dor, sofrendo-as em silêncio, só com os olhos em Vós e a Vós abandonada.
Não pode ser maior sábio aquele que sabe compreender a dor. Não pode usar de maior caridade aquele
que se compadece dela. Senhor, Senhor, meu Pai, sem nenhum sentimento de confiança nem de
esperança, confio e espero em Vós. Sou a Vossa vítima. Vendi o meu Horto e o meu Calvário. Foram
estes os meus sentimentos de ontem, quando prostrada no solo do Horto. Vendi os méritos e o sangue
de Cristo; vendi a minha salvação e fugi para a perdição. Suei sangue e reguei a terra. Mais tarde, rasguei
os meus vestidos e com este gesto a alguém que estava dentro de mim rasguei o coração. Hoje, na
viagem para o Calvário, procedi na mesma, fugindo de Cristo e vendendo tudo quanto era de Cristo. A
Sua dor era infinita. E eu de longe, muito longe, arrastei-O pela terra e retalhei-Lhe o coração. Cheguei
ao fim da montanha, ou melhor, chegou lá a minha maldade, para O crucificar na cruz. Continuei com a
minha traição e crueldade. Não fiz outra coisa senão golpeá- Lo e ofendê-Lo. Até que Ele expirou; deu a
vida por mim. E, nesse momento, o amor do Seu Divino Coração mergulhou, abundou em Si toda a
humanidade. Fiquei como morta também, como se o meu espírito se separasse de mim. Não foi por
muito tempo. Jesus apressou-se a dar-me a vida e falou-me assim:

― “Vim trazer a paz ao mundo, dou-vos a paz, filhos meus. Dou-vos o meu amor, todo o amor do meu
Divino Coração. Desci do Céu, entrei neste coração puro e de delícias. É puro porque possui a graça, e de
delícias porque me delicio nele. Estai atentos, bem atentos. Desci do Céu, dei entrada neste coração, não
para este coração, mas para os vossos corações. É por este canal que a vós me comunico. É por esta
vítima que Eu a vós me dou. Desci, desci para as almas e não para ti, esposa querida. O teu colóquio é de
dor. A vida que Eu por ti dou é a vida de perdão e de amor. Vou terminar, vou terminar muito em breve
este prodígio maravilhoso, esta riqueza divina. As almas, as almas! Felizes daquelas que se aproveitam
das graças concedidas neste calvário. As almas, as almas! Felizes das almas que por esta luz se guiaram e
se deixaram iluminar. Se os meus colóquios fossem para ti, só a ti falava, como fiz nos primeiros anos de
vida íntima, de união contigo. Avante, avante, heroína, avante, louquinha das almas, louca do sacrário,
louquinha da cruz. Coragem, coragem, o Senhor está contigo, mesmo que O não sintas, mesmo que
quase te persuadas que Ele te fugiu. A tua última vida na terra é para mim e mais aureolares a tua cruz
no Céu. Será cruz resplandecente, cruz triunfadora, cruz de salvação. Coragem, coragem, minha filha, o
fim da tua vida na terra é para mais, muito mais almas salvares. O teu tormento indizível, o teu tormento
incompreensível é o bálsamo e a salvação de milhões, de milhões de almas; bálsamo para as suas chagas,
salvação para as suas almas”.

― Ó Jesus, ó Jesus, não sei como hei-de viver!... Não permitais que e Vós perca a confiança. Não me
deixeis desfalecer. Consolai-Vos, consolai-Vos, Jesus, com a salvação de tão grande número das almas
que me dissestes. Sou a Vossa vítima, não me falteis, Senhor. Sou a Vossa vítima. Eu confio em Vós.

― “Confia, confia, heroína forte! Confia, farol do mundo! Confia, escora do meu Pai! Hás-de perseverar
até ao fim. Já te prometi a perseverança. Hoje mesmo renovo a promessa. Hás-de perseverar, hás-de
perseverar, hás-de perseverar até ao fim. No meio das tuas faltas, onde Eu me escondi, foste sempre fiel
às minhas graças, correspondeste ao meu amor. Criei-te para as almas a tua nobilíssima missão na Céu
vai continuar. O fogo do meu amor por ti será dado ao mundo, mesmo lá do paraíso. Vem receber a gota
do meu Divino Sangue. Houve o choque, o grande choque dos nossos corações. Como de costume se
uniram, o de Jesus ao da sua esposa e vítima. A gota do sangue passou. Passou o puro alimento divino
que te faz viver. Haja luz, haja luz. Faça-se luz. Ouvi e atendei ao mandado de …”

(Numa voz forte cantou estas frases num tom muito bonito)

Ao tempo que eu bato


Ao coração do filho que feriu
e rasgou meu Coração.

Vem a Mim, meu filho,


Vem a Mim, filho meu,
Vem a Mim, meu filho,
Vem a Mim, filho meu.

Vem ao Coração, vem ao Coração do Senhor,


Do Senhor que é teu, que é teu!...

― Ó Jesus, que saudades me dais. Quereis deixar-me, quereis deixar-me, meu Amor, quereis deixar-me
desta forma? Bendito, bendito sejais!

― “Coragem, minha filha, é mais uma luz e será dada até ao terminar doas meus colóquios. Coragem e
fica na cruz. É mais uma prova do meu amor. Coragem! É mais um convite para os homens; é mais uma
luz, para que se faça luz. Fala ao mundo, fala às almas, fala às almas. Fala ao mundo para quem foste
criada. Fala às almas, que és o porta-voz de Jesus. Fala ao mundo e convida-o à penitência, à oração e
emenda de vida. Fala ao mundo e diz que Jesus quer a reparação”.

― Ó meu Jesus, perdão, meu Amor, perdão para o mundo, perdão para o mundo. Perdão, perdão, e não
Vos esqueçais dos meus pedidos e de todas as minhas intenções. Perdão, perdão.

Obrigada, Jesus, obrigada, meu Amor.

23 de Outubro de 1953 – Sexta-feira

O meu brado não sobe, mas sim mergulha-se nos abismos. O Céu não me escuta, Jesus e a Mãezinha
parece não quererem socorrer-me, mas a justiça de Deus, essa esmaga-me, essa vem punir-me sem eu
ter onde esconder-me, sem eu lhe poder fugir. Meu Deus, meu Deus, ouvi o meu brado angustioso, ouvi
os gemidos da minha agonia mortal. Que pavor, Senhor, que pavor o da minha alma. Eu queria fugir e
não posso, por toda a parte me cercam negras muralhas, que chegam da terra ao céu. Só me rodeiam
leões e feras, que tentam devorar-me. Eu nas trevas mais negras, na eternidade mais assustadora,
eternidade que não permite que nem um só momento se passe, tenho de entregar-me, estou vencida, o
Céu não vem dar-me socorro e da terra não existe. Ai, meu Deus, como eu sou vício, como eu sou
pecado. Ai, Jesus, como todo o meu ser se desfaz na lepra mais nojenta. Que vergonha, não posso ver-
me, sou um mundo de podridão e nada mais neste mundo existe. Foram os vícios que q este estado me
reduziram. Não terei cura, não há remédio para mim. Que dor, Senhor, que dor infinita, mas esta dor é
Vossa, não posso suportá-la, sois Vós que a sofreis. E eu na minha inutilidade não tenho reparação, não
posso apagar e fazer desaparecer os crimes da minha vida. Senhor, Jesus, ainda assim quero amar-Vos.
E hei-de amar-Vos mesmo com os sentimentos dos tormentos desesperadores do inferno e sem
sentimentos de que Vos amo, de que confio e espero em Vós, de que em Vós creio. Tudo cai sobre mim.
Não sei se ainda mais alguma coisa me espera. O meu sofrimento é indizível, mas eu serei sempre a
vítima de Jesus. Tive junto de mim o santo sacerdote que durante alguns anos foi luz e guia da mina
alma. Era motivo de me alegrar, mas esta alegria foi só aparente. Quanto este encontro me fez sofrer!
Que tristes recordações! Só o meu Paizinho, o primeiro que o Senhor pôs no meu caminho, não vem. Os
homens prenderam-no com cadeias mais duras; só a força divina pode quebrá-las. Este santo sacerdote
celebrou a santa missa. Parecia mais um anjo do que um ministro do Senhor. Nada disto me consolava,
mas tudo servia para mim e mais me fazer desaparecer no abismo da minha miséria, do meu nada. O
meu peito serviu-me, ontem, de solo do Horto. Dentro dele senti o palpitar aflitíssimo do Coração Divino
de Jesus que Lhe fazia levantar as costelas e rasgar todas as veias. Que forte suor de sangue. Para mim
tudo isto foi difícil, para mim de nada valeu o Horto e de nada me serviu o Calvário. Não foi só doloroso,
foi dolorosíssimo. Mas ah! Eu não sei dizer o que foi esta viagem. A minha ignorância é tal que não
descobre um pequenino fiozinho do véu. O Calvário não foi para mim porque o desprezei, não quis
aproveitar-me dos seus méritos. Senhor, que desespero, que eternidade desesperadora. Quis vingar-me
sempre de Vós, sempre contra Vós blasfemei, mesmo com ver-Vos na cruz crucificado. Vós na cruz a
dardes a vida por mim e eu a sentir a minha língua maldita a blasfemadora como a dos condenados do
inferno. Vós no cimo do Calvário e eu afastada de Vós o mais que se pode imaginar. Ó dor, ó dor infinita!
Neste afastamento continuei enquanto Jesus sofria na cruz a Sua agonia. Ele expirou na maior dor, no
maior tormento. Fui eu quem causou a morte. A minha alma sentiu, já como mais vezes a separação do
corpo. Não foi por muito tempo. Com a ressurreição de Jesus houve a minha ressurreição. A Sua voz
divina falou-me assim no meu coração:

― “Calvário, calvário, sim, minha filha, basta o nome de calvário. O calvário foi para mim de morte e de
vida e continua a ser para ti à semelhança do teu Deus e Senhor. Morri e dei a vida ao mundo. Tu morres
e dás a vida às almas. O meu Calvário é o teu calvário, mas calvário de vida, de toda a vida. Fala, minha
filha, fala no teu calvário, brada, brada sempre. O teu brado é o brado de Jesus. Quero almas, quero
almas, quero almas! Vejo-as a fugir. A minha dor é infinita. Fala às almas. Fala às almas, fala ao mundo.
Previne-o dos castigos, da justiça do Senhor. O que o mundo tem de sofrer! Oh! Como o mundo vai ser
rigorosamente punido pela justiça divina! Tanto convidei, tanto avisei, tanto chamei!... O meu convite, o
meu chamamento, o meu aviso, não foram ouvidos. Ah, se ele fizer penitência, se ele se convertesse
deveras para Mim!..”.

― Ó Jesus, ó meu doce Amor, não Vos esqueçais que sois Pai. Ó Jesus, ó meu doce Amor, chamai mais,
convidai, convidai sempre com o Vosso convite amoroso. Eu não sei o que pressinto, Jesus. eu não sei o
que cai sobre mim. Venha o que vier, seja o que for. Eu sou e serei sempre a Vossa vítima, mas peço-Vos,
meu Jesus, com toda a minha alma, com todo o meu coração. Perdoai, perdoai, perdoai. Ai, fazei que o
mundo se converta. Se não poupais os corpos à justiça do Vosso Divino Pai, poupai ao menos as almas às
penas eternas do inferno. O que virá, meu Jesus. Eu estou apavorada.

― “Coragem, avante, esposa minha. É a tua missão a desempenhar, a tua missão de vítima, a tua cruz a
suportar. Avante, avante, esposa querida! Conta, conta com o peso da tua cruz dia a dia mais difícil de
levar, dificílima de levar. Minha filha, minha filha, as almas são tuas. Só à custa de dor e sangue, só à
custa da própria vida as podes salvar. Haja luz, faça-se luz. Atendei. Atendei. É um pedido de Jesus. a
glória é minha, o bom é para as almas. Ó minha filha, ó esposa querida, ó flor eucarística, tem coragem,
tem coragem. Ainda não é hoje que vou deixar-te de falar ou fingir que vou deixar-te”.

― Ó Jesus, sinto como se fosse hoje a despedida. Que pena eu tenho, que pena eu tenho!... Foi pelo
tempo que parecia que Vos aborrecia.

― “O mundo, o mundo, minha filha, precisa deste martírio doloroso, penosíssimo, penosíssimo,
penosíssimo, minha filha, mas de grande mérito, o maior mérito. Eu virei sempre, sempre dar-te a gota
do meu Divino Sangue, mas previno-te, venho dar-te conforto, sem que sintas o mínimo conforto. O teu
colóquio comigo vai ser um colóquio de fé. Crê, crê sem alegria. Crê, crê sem consolação. Crê, crê, que
estou contigo”.

― Seja feita, Senhor, seja feita, Jesus seja feita, meu Amor, em tudo a Vosso Divina vontade. Sede a
minha força, sede.

― “Vem receber a gota do meu Divino Sangue. Houve a união dos nossos corações. Os dois, os dois num
só coração. A gota do sangue passou.

(Depois disto cantou)

Vem, meu filho,


Toma a tua cruz.

Vem, meu filho,


Segue os meus passos.

Toma a tua cruz


Vem pedir perdão
Vem pedir perdão
Ao teu Jesus, ao teu Jesus, ao teu Jesus.

Quantas vezes te ofendi, Senhor


Quantas vezes te ofendi, Senhor
Aqui estou aos teus pés
Aqui estou aos teus pés
Contrito, contrito e humilhado, Jesus.

Perdão, perdão, perdão, Senhor.


Perdão, perdão, meu Pai, meu Pai.
E meu Criador.

Vai em paz, minha filha. Fica, fica na tua cruz. Convida, convida as almas. Não te canses, minha filha. O
teu fim está perto. Coragem, coragem!”

― Obrigada, obrigada, meu Jesus. Não Vos esqueçais de tudo quanto Vos tenho pedido. Perdoai, perdoai
ao mundo inteiro!

30 de Outubro de 1953 – Sexta-feira


À medida que o tempo passa, mais tremenda e dolorosa é a minha vida, que parece não ser vida, não ser
nada. A minha tremenda inutilidade e eternidade apavora-me, a mais não poder ser. A inutilidade ligada
à eternidade é o meu tormento, é o meu pavor de dia e de noite. A eternidade sempre em princípio sem
ter princípio, sempre odiosa e blasfemadora, sempre revoltosa contra Deus, inquieta-me, faz-me sofrer
tanto e de tal forma que parece não haver língua humana que possa exprimir tal martírio. E, depois de
tanto sofrer, nada ter com que possa remediar tanto mal. Meu Deus, meu Deus, que assim permitis esta
inutilidade e eternidade, compadecei-Vos de mim, não me deixeis sozinha, permiti que Vos invoque com
fé, esperança e confiança, mesmo sem nada disto sentir e sem o sentimento do Vosso amor. Estou num
mar infinito de dor e por todos os lados me cercam regatos a trazerem para este mar mais e mais dor,
mais e mais martírio. Espinhos sobre espinhos, punhaladas sobre punhaladas, humilhações e calúnias,
medo e completo abandono de todos. Ó Jesus, ó Mãezinha, valei-me, valei-me. Parece que não tenho
lábios para Vos chamar, nem coração para Vos amar. Tende dó, tende dó desta pobrezinha que tanto
brada pelo Vosso socorro. A minha ignorância nada me deixa dizer. Os meus males não me permitem
falar, mas o meu coração e a minha alma parecem falar-me tão fortemente a ecoarem em toda a
humanidade, a desfazerem os mais duros rochedos e as mais altas montanhas. É impossível dizer as
minhas ânsias de me dar a Jesus e às almas; são tão grandes, são infinitas. É impossível dizer a minha
dor, ao ver em mim um mundo dos maiores vícios e maiores crimes. É dor infinita, é dor infinita sentir e
ver que tudo corre para o mar infinito da perdição. De cada vez me sinto mais incapaz de falar do Horto
e do Calvário. Dia a dia, ele é para mim menos compreensível. Fujo dele, não vivo dele, parece que até
nego a sua existência. Ai, meu Deus, cada noite à meia-noite, eu estava com as minhas próprias mãos a
apunhalar Jesus na sua prisão; não Lhe tirava o punhal do Seu Divino Coração. E hoje com a mesma
crueldade, ou não, mas as minhas mãos continuaram o mesmo serviço na viagem do Calvário. Todo o
meu ser inútil fugiu para muito longe na eternidade desesperadora. Mas as mãos não se retiraram de
Jesus para não poder ser tirado o punhal do Seu amantíssimo Coração. Nesta maldade cruel o empurrei
até ao cimo da montanha e com a mesma crueldade o crucifiquei na cruz. E sempre com os mesmos
rancores infernais fui causa da Sua agonia até que o fiz expirar. Meu Deus, meu Deus, em que
sofrimento eu fiz morrer o meu Jesus. Fui cruel em toda a minha vida, sou e serei na minha eternidade
revoltosa e blasfemadora. Que horror! Jesus ressuscitado veio dar-me a vida que parecia eu ter perdido;
encheu-se o coração do Seu vigor divino e falou-me assim:

― “Desceu Jesus do Céu. Vai falar neste Calvário pelos lábios da sua vítima, da sua crucificada. Desceu
Jesus do Céu e vai falar pelo seu porta-voz. Ouvi, meus filhos: sereis meus filhos, se me amardes e
seguirdes a minha lei. Sereis benditos do meu Pai, abrasai-vos no meu amor. Dar-vos-ei todas as graças.
Sereis meus filhos, se professardes a minha lei. Sereis meus filhos, se por meu amor levardes a vossa
cruz. Sereis meus filhos, se por meu amor fordes apóstolos do bem. Minha filha, minha filha, sacrário da
minha habitação, trono das minhas delícias, sou o Senhor. Posso levar-te às alturas. Posso dizer tudo o
que me aprouver. Sou Senhor, sou Senhor; tenho as minhas predilecções. Digam os homens, julguem os
homens o que quiserem. Ai do mundo, ai de Portugal sem a vítima heróica deste calvário. Os pecadores,
os pecadores, as almas, as almas salvas aos milhares, aos milhões hão-de aclamar-te, hão-de bendizer-te
por toda a eternidade. Há tantas, tantas almas que querem amar, que querem os sofrimentos, mas
quando lhes pesa a cruz atiram-na ao chão, fogem, fogem para o mundo e deixam o seu Jesus”.

― Ó Jesus, ó Jesus, é tão grande o peso da humilhação. Parece, Jesus, sinto como se me arrancassem o
coração. Vós tendes o direito de dizer tudo, meu Amor, mas dissésseis o muito que eu Vos tenho
ofendido, eu não me humilhava tanto. Coragem, coragem, violeta pequenina. Levanta para mim os teus
olhares. Fita em mim os teus olhos. As tuas faltas bem as conheço. É nelas que me escondo. O mundo
não pode ver a minha grandeza tal qual é. Se muito me tens desgostado, muito mais, muito mais, muito
mais me tens amado. Avante, avante! Coragem! Coragem! Fala às almas. Fala às almas. Deixa-as
abeirarem-se de ti. Foste criada para elas. A tua missão é a missão das almas, é a missão dos pecadores”.

Que medo, Jesus, que medo eu tenho. Quero fazer a Vossa divina vontade, mas tenho tanto, tanto medo
de lhes falar. Sou talvez cobarde, meu Jesus. Tenho medo do sofrimento, não é, meu Jesus?
― “Não é, não, florinha eucarística. O teu medo faz parte da tua cruz. O teu medo dá-me reparação. O
teu medo dá luz a tantas almas, tantas almas ceguinhas, que não querem ver. Avante, avante, esposa
querida, mimo do Céu, luz e farol do mundo. Avante, avante. Fala às almas. Diz ao mundo que venha a
Mim, ao meu Divino Coração. O mundo, o cruel mundo continua desvairado, corre para o abismo da
perdição. Convida-o ao arrependimento. Fala-lhe da justiça do meu Pai, que bem depressa, bem
depressa virá sobre a terra. Vem, vem receber a gota do meu Divino Sangue. Maravilha. Maravilha
prodigiosa! O Médico Divino uniu o Seu Coração ao da sua esposa. Deu-lhe o alimento celeste, deu-lhe o
seu sangue divino. Vou fingir deixar-te, minha filha, mas a gotinha do sangue venho dar-ta sempre,
sempre, até à morte”.

(Depois cantou assim)

Nadar no teu amor


Nadar no teu amor
É força da cruz
É força da cruz.

Quero amar-te sempre


Quero amar-te sempre
Sempre sofrer
Sempre sofrer
Sempre sofrer por ti, Jesus, por ti, Jesus.

Jesus é meu, eu sou de Jesus.


Jesus é meu, eu sou de Jesus.
Só por seu amor eu abraço a cruz
Só por seu amor eu abraço a cruz.

― “Fica, minha filha, na tua cruz. Quero-te a ela bem unida. Quero-te nela bem crucificada. Coragem,
coragem! A tua cruz é a cruz de salvação, é a cruz de triunfo”.

― Ó meu Jesus, muito obrigada por tanto amor que me deste. Sinto que fico cheia, mas já sem
consolação. Consolai-Vos, Vós, Jesus. Consolai-Vos, Vós, meu Amor, em todo o sofrimento meu. Sou a
Vossa vítima. Não Vos esqueçais de todas as minhas intenções e da humanidade inteira. Quero sofrer
por toda ela, porque toda ela Vos pertence. Obrigada, obrigada, meu Jesus.

6 de Novembro de 1953 – Sexta-feira

A minha vida, a cruz da minha vida, a minha vida, o meu tormento em sangue! Sinto não poder viver
assim. Vou ao Calvário, vou ao sacrário, vou ao Coração Divino de Jesus, a toda a Santíssima Trindade e
à Mãezinha querida buscar conforto sem o encontrar, sem o ver nem sentir, mas sei que é do Céu que ele
me vem. O meu coração brada constantemente, mas é um brado sempre dorido, todo em sangue. Na
terra não encontro apoio, não sei quem me há-de valer. Para o Céu sei a quem hei-de dirigir-me e sei que
é de lá que me vem a força da cruz. Fala-se muito da dor, prega-se até maravilhosamente da dor, mas
compreendê-la, senti-la, vivê-la, ai, tão pouco há, meu Jesus, mesmo tão pouco! Valei-me, valei-me, ó
Senhor do Céu e da terra; só Vós com a querida Mãezinha podeis valer-me; só Vós e mais ninguém
sabeis compreender a minha dor, sabeis o fim da minha vida, que é por Vós, tudo por Vosso amor e
amor das almas. Eu não quero ver-Vos triste, meu Jesus, queria consolar-Vos, perder-me toda, toda, no
Vosso amor e dar-Vos as almas, todas as almas. Ó meu Deus, ó meu Deus, elas custam tanto a salvar!
Perdoai-me o meu desabafo, valei-me, que eu parece que não posso mais. Tudo são traições, tudo são
punhais e espinhos, é uma vida de incertezas, de inquietações. Eu não sei para onde fugir. Se fujo para o
Céu, para o sacrário, para o Vosso Divino Coração, para o da Mãezinha querida, encontro tudo fechado.
Vou para estes lugares com os olhos da fé; a cegueira nada me deixa ver, a inutilidade tudo me rouba e a
minha eternidade não passa; estou presa, algemada a ela, e a minha língua de fogo maldita vai
continuando a sua eternidade de maldição. Ó que horror, meu Deus, ó que horror! O meu Horto de
ontem, o meu Calvário de hoje foi vivido num sofrimento horroroso, indizível, cruel. Eu fui a mesma
massa do Horto e a mesma do Calvário. Horto de sangue, Calvário de sangue. Horto surdo e mudo,
Calvário surdo e mudo. A dor e a amargura eram tão profundas que a cada momento parecia dar a vida.
Não sei se este sofrimento veio só de Deus ou se veio também das criaturas, Senhor, que a Vossa
santíssima vontade se cumpra em mim como quereis, contanto que eu Vos ame, console e Vos dê o
mundo das almas. Assim o repeti no cimo da montanha, com os olhos da almas e olhos da fé fitos em
Jesus crucificado e a agonizar com Ele.

As humilhações tiravam-me a vida. Sentir-me rodeada de gente quase me dava a morte. Então neste
momento senti como se alguém viesse e me arrebatasse o coração. Fiquei mais alta do que a terra e mais
baixa que o Céu. Já não ligava ao que se passava à minha volta. Foi sem dúvida Jesus que veio amparar-
me e dar-me o Seu conforto. Ele expirou e eu fiquei neste arrebatamento sem pertencer a Deus, sem
pertencer à terra. Ele ressuscitado veio mais fortemente com a Sua vida a fazer-me viver e falou-me
assim:

― “Cá está Jesus, o Jesus das almas, o Jesus dos pecadores. Cá está Jesus. Vem a este calvário, vem para
dentro em breve fingir deixar-te. Tantos, tantos colóquios têm sido para os pecadores! Tantos
ensinamentos, tanta prova do amor de Jesus! Vinde a Mim, meus filhos. É o meu Divino Coração que
vos chama. É o meu coração amoroso que vos quer. Escolhi esta vítima vitoriosa, esta vítima triunfadora
para a vossa salvação. Calvário, calvário, calvário ditoso das maravilhas do Senhor. Calvário de luz,
calvário de ensinamentos, calvário, calvário, doloroso aviso!... Vinde a Mim, meus filhos, vinde depressa.
Jesus vos chama, Jesus vos quer. Arrepiai caminho. Vinde depressa reparar a justiça do meu Pai. Alerta!
Depressa! É urgente! Chama-vos Jesus. Arrepiai caminho! Convertei-vos! Ouvi a voz do vosso Deus! O
meu Divino Coração está louco, louco, louco de dor. Sofre, porque ama; ama, porque sofre. A dor, a dor,
filhos meus, a dor é pungente para o meu Divino Coração. O amor é louco, o amor é louco. Arrepiai
caminho, arrepiai caminho! Ouvi a voz terna e doce de Jesus. Ouvi a voz dolorida, a voz dorida, dorida
do amantíssimo Jesus. Morri por vós. Morri por todos vós, filhos meus. Quero salvar-vos, quero salvar-
vos e para isso escolhi vítimas, algumas vítimas, mas há tão poucas que queiram sofrer. Há tão poucas
que perseverem até ao fim. Escolhi a vítima deste calvário, a vítima de Portugal, a vítima do mundo
inteiro”.

Consoladora, consoladora dos tristes,


Consoladora, consoladora dos tristes
Terna Mãe, terna Mãe, terna Mãe dos pecadores,
dos pecadores, dos pecadores,
Rogai, rogai, rogai por mim a Jesus
Rogai, rogai, rogai por mim a Jesus
Pelas vossas, pelas vossas, pelas vossas sete dores, sete dores.

― “Minha filha, minha querida filha, os teus últimos colóquios, os teus últimos colóquios falados vão
deixa saudades, vão deixar remorsos a muitas, muitas almas. Muitas almas hão-de sentir grande
tormento dos teus últimos colóquios, dos colóquios das almas”.

― Ai, meu Jesus, quem sente a separação sou eu, quem sente a dor sou eu, Jesus, mas é por Vosso amor.
Não tenho outro fim, Jesus. São as almas, são as almas, são as almas, meu Amor, são as almas, são as
almas a causa do meu sofrer. A Vossa despedida, Jesus, há-de ser para mim, o meu coração adivinha, a
causa de muito sofrer, de maior martírio. Bendito sejais!

Seja feita a Tua vontade


Seja feita a Tua vontade
Assim na terra, assim na terra
Como no céu.

Seja feita, Jesus, seja feita, meu Amor


Seja feita Tua vontade
Seja feita Tua vontade,
Jesus meu Pai, Jesus meu Pai,
Jesus, Jesus meu Pai.

Meu doce Amor, meu doce Amor, meu doce Amor,


Meu doce Amor, meu doce Amor, amor, amor.

― “Vais, minha filha, receber a gota do meu Divino Sangue. Ouve os choques, os choques bem fundos
dos nossos corações. Estão os dois bem unidos e ficam sempre unidos. Confia, minha filha, confia,
minha filha. Ficam os dois bem unidos, porque sempre unidos. Passou a gota do Sangue divino. O
sangue do Redentor já corre nas veias desta vítima, da cópia mais fiel da vida de Jesus na terra. Passou o
sangue divino, o alimento que te dá a vida. Coragem, coragem, coragem, minha filha. Fala às almas, fala
às almas. Coragem, coragem, coragem, minha filha. Fala às almas, fala às almas. É esta a tua missão. É a
missão mais sublime. É a missão mais alta da vítima da terra. Fala-lhes e dentro em breve e muito em
breve, minha filha, a tua missão continua no paraíso, mas livre de dor, de todo o martírio. Aqui na terra,
dor e amor. No Paraíso, sim, no Paraíso, gozo e amor infindo, gozo e prazer infindo”.

Eu amo-te, meu Deus


Eu amo-te, meu Deus
Eu amo-te, Senhor
E só me sinto bem
E só me sinto bem
Na tua paz, na tua paz.

Na tua paz, no teu amor.


No teu amor, no teu amor, no teu amor.

Eu amo-te, Jesus
Eu amo-te na cruz
Eu amo-te, eu amo-te
Eu amo-te na cruz, na cruz
Amo-te, amo-te na cruz, na cruz
Jesus é meu, eu sou de Jesus
Só tenho alegria, só tenho alegria
Fitando o céu, fitando o céu, fitando o céu
Fitando a cruz, fitando a cruz.

Eu amo-te, Jesus, eu amo-te, Jesus


Eu amo-te, Jesus, eu amo-te, Jesus
Eu amo-te, Jesus, eu amo-te, eu amo-te no sacrário
Eu amo-te no sacrário, eu amo-te na cruz, na cruz, na cruz, Jesus.

― “Fica na cruz, fica na cruz! Abraça a cruz! Fica na cruz! Abraça a cruz por amor dos pecadores.
Convida a vir a Mim os pecadores. Convida-os sem demora a afastar de si a justiça do Senhor. Convida-
os, convida-os. Fala-lhes, fala-lhes da tua cruz. Jesus o pede, Jesus o quer. Tem coragem! Tem coragem!
Avante, avante!”

― Ó Jesus, ó Jesus, toa a coragem me falta. Não vejo caminho para onde fugir. Não vejo onde me
esconder. Tudo me foge. Foge-me o Vosso amor. Foge-me o amparo da terra, foge o amparo do Céu.
Tende piedade de mim, meu Jesus, tende piedade de mim. Lembrai-vos, meu Jesus, lembrai-vos de
todas as minhas intenções. Já sabeis, já sabeis, já, meu Amor, desde há muito tempo, por onde principio.
Lembrai-vos, Senhor, da humanidade inteira, da humanidade inteira. Todos são Vossos filhos. Sou a
Vossa vítima, sou a Vossa vítima. Sou a Vossa vítima, sou a Vossa vítima, meu Jesus.

7 de Novembro de 1953 – Primeiro Sábado

NB – Este foi o primeiro colóquio gravado.

Passei uma noite de vigília. Sofri muito. Não podia rezar. Só de longe a longe uma jaculatória podia
dizer, mas estive sempre unida a Jesus e sempre era a Sua vítima. O meu coração estava em ânsias de
dor e de amor. A dor era para reparar a Jesus, mas Ele exigia de mim uma dor infinita, que vinha a ser
d’Ele e só d’Ele. As ânsias de amar infinitas eram. Eu não podia conter-me. Queria que o meu coração se
derretesse em amor. Queria ver no mundo o incêndio de todas as almas. Só vendo todos os corações a
amarem a Jesus, o meu coração se satisfazia. Foi nestas ânsias, neste sofrimento que eu me preparei
para receber Jesus e que Ele deu entrada no meu coração. Tudo eram trevas e um fardo insuportável;
mas não levou muito tempo que as trevas desaparecessem, todo o meu coração se iluminasse e o fardo
pesadíssimo desapareceu leve como uma leve pena, e ouvi a voz de Jesus que falava assim:

― “Está bem triste, infinitamente triste o meu Divino coração. Estou triste, infinitamente triste, minha
filha. Os pecadores, os pecadores não escutam a minha voz. Os sacerdotes, os sacerdotes, os sacerdotes,
aqueles que deviam ser santos no seio do mundo, o sal da terra, o que são, o que são, o que eles são, em
grande número?! O escândalo, a perdição de tantas, tantas almas. Deixa, minha filha, deixa, florinha
eucarística, deixa, mimo do Paraíso, que o teu Jesus, que o teu Esposo tenha contigo este desabafo. Não
posso, não convém tê-lo sempre. São casos tão delicados!... É um ponto de tão grande importância, mas
tenho que desabafar e, ao mesmo tempo que desabafo, chamo-os, convido-os a uma vida nova, a uma
vida digna de Mim. Onde está, onde está a sua jura? Eu quero, eu quero nos sacerdotes mais pureza e
mais pobreza, mais caridade e mais amor. Eu quero, eu quero nos sacerdotes maior desprendimento,
maior desprendimento, mais escondimento, mais vida interior. Minha filha, minha querida filha, não
volto a ter contigo outro desabafo neste sentido. Sofre, sofre. Sê vítima de todos, de todos os pecadores,
mas sobretudo, sobretudo das almas dos sacerdotes, para que não se percam e não sejam instrumentos
de muitas almas se perderem.

Diz, diz ao teu Paizinho que Jesus do seu coração, Jesus da sua vida o ama louca, loucamente. Diz-lhe
que a reparação que lhe pedi foi para o mesmo fim desta minha queixa, a alma pura, a alma santa, o
sacerdote digno e amante a reparar por tantos infelizes, por tantos leprosos a desfazerem-se na lepra do
pecado, a precipitarem-se no inferno. Diz-lhe, diz-lhe que o amo com a maior loucura do meu amor. Diz-
lhe que confie, que confie, que confie nestas minhas palavras. Que elas fiquem bem gravadas no seu
coração tão sofredor. Ele é meu e Eu sou dele. Foi escolhido por Mim para luz e guia das almas eleitas,
foi escolhido por Mim para ser contado entre o número dos meus santos.

Diz, diz ao teu médico que o meu Divino coração se alegrou nele, na sua defesa, na sua firmeza pela
minha divina causa. Diz-lhe que quanto mais humilhado mais exaltado, quanta mais dor mais amor do
meu Divino coração, mais e mais protecção, mais e mais graças celestes, mais e mais bênçãos divinas
para ele e para o seu jardim florido. Dá-lhe, dá-lhe a abundância do meu amor, toda a abundância do
amor.

Vem, minha bendita Mãe, vem Mãe do Santíssimo Rosário, vem enleá-lo nas mãos da nossa filhinha;
vem acalentá-la, acariciá-la e dar-lhe o teu conforto celeste”.

― Ó Mãezinha, ó Mãezinha, as minhas mãos estão presas com o Vosso Rosário, mas é doce esta prisão.
As Vossa carícias, o Vosso conforto deu-me nova vida. Obrigada, obrigada, Mãezinha.

― “Minha filha, esposa do meu Jesus, venho hoje e só mais uma vez virei com a minha presença, com a
minha santíssima presença dar-te o conforto e pedir-te graças, mas prometo, minha filha, conta comigo,
sempre comigo, em toda a tua vida velarei por ti, velarei por ti, mesmo sem teres os sentimentos da
minha presença e da minha protecção. Prometo assistir na hora derradeira da tua passagem para o
Paraíso. Virei buscar-te com os meus santos e anjos.

Fala às almas. Fala às almas. Eu quero, porque Jesus o quer. Fala-lhes do meu sacrário. Faz sempre o
que tens feito. Convida-as a rezarem o meu terço. Dá, minha filha, dá a Jesus toda a reparação, tudo
quanto Ele te pedir”.

― Ó Mãezinha, ó Mãezinha, farei tudo com a Vossa ajuda e a Vossa protecção. Já que me desprendestes
as mãos, desenleando o Vosso rosário, permiti-me que Vos dê um saudoso abraço, um saudoso abraço,
um saudoso abraço. Mãezinha, obrigada pelas Vossa carícias.

― “Coragem, coragem, minha filha. É Jesus a pedir-te coragem, coragem. Não é hoje a despedida. No
primeiro sábado de Dezembro, no derradeiro colóquio, dir-te-ei o último das sextas-feiras. Dir-te-ei o
dia em que terminam não os teus colóquios, mas os das almas. Ficam até ao fim, até ao fim da tua vida
para ti, mas colóquios de fé, colóquios de fé, colóquios de fé e pouco mais, esposa minha. Dor e sangue,
dor e sangue são as moedas, são as moedas das almas”.

― Ó Jesus, ó Mãezinha, quero abraçar os Vossos amantíssimos Corações. Quero que este abraço seja
eterno, embora eu não sinta, sim, meus queridos amores, quero ser a Vossa vítima. Sim, meus queridos
amores, quero que seja eterno este abraço. Lembro-Vos todos quantos me são queridos, todos os que às
minhas pobres orações e sofrimentos se recomendam ou querem recomendar; por fim, a humanidade
inteira. Sempre, Jesus, sempre Vos lembro a humanidade inteira.

― “Vai em paz, vai em paz. Fica na cruz. Distribui o nosso amor, as nossas bênçãos e graças com a maior
abundância por todos os que te são queridos, por todos os que amas, por todos os que se abeiram de ti, e
espalha-as como aragem que corre pela humanidade inteira”.

― Obrigada, meu Jesus, obrigada, Mãezinha.

13 de Novembro de 1953 – Sexta-feira

NB – Segundo colóquio gravado.


As amarguras da minha alma não as sei exprimir; elas passam ocultas a toda a gente e até eu, pobre de
mim, sei senti-las e não dizê-las. Que inigualável ignorância! Tenho o mundo borcado sobre mim e toda
a minha dor e sofrimento ali se retêm e ficam escondidos. O Senhor seja bendito; quero louvá-Lo e
bendizê-Lo em todas as coisas. Mas custa tanto a dor! Custa tanto sofrer sem um guia, sem um amparo!
Senhor, Senhor, que pavoroso abandono, que pavorosas trevas e inutilidade! E a eternidade, meu Deus,
e a eternidade sempre a existir, sempre a existir sem nunca, nunca passar. E o pior ainda é sempre uma
eternidade de ódio, revolta, vingança e blasfemação. Ai, meu Deus, ai, meu Deus, que há-de ser de mim!
Recebo, meu Jesus, e quantas vezes tenho de fazer actos, muitos actos de fé, depois de O ter recebido.
Custa tanto, custa tanto assim viver sem viver, sofrer amargamente sem nada ter que dar ao Senhor,
viver a eternidade e ter que fazer actos de fé que a eternidade existe! Que horror! Não sei o que tem a
minha alma. Ela rompe repetidas vezes como que em gritos acompanhada de dor infinita. Ela grita, ela
chora de dor e quer esconder-se, refugiar-se e não tem onde. Passa bosques, mar e terra sem encontrar
refúgio. Meu Deus, meu Deus, o céu e a terra contra mim; parece que já não terei para o meu viver a
misericórdia e o perdão do Senhor. Todo o meu tempo vivido é inútil, na minha eternidade duradoura,
sem princípio e sem fim. Ontem, no Horto, não sei como, estando eu sempre fugidia e esquecida d’Ele,
pegava em toda a terra, ia dentro do meu coração buscar sangue, todo o sangue, amassava-o com ele. Fiz
uma bola, bola que eu amava, bola que era minha e lhe comuniquei toda a minha vida. Era mundo e era
Deus. Como Deus, era vida, pureza e amor; como mundo, pecado, podridão e morte. As minhas horas de
vigília foram de indizível dor no corpo e na alma. Hoje, o meu coração seguiu o caminho do calvário
pedregoso, espinhoso, cheio de sangue. A dor sempre infinita fazia-me agonizar a alma. Em silêncio não
deixava de bradar ao Céu, sem vir para mim o socorro que eu pedi. No cimo da montanha, longe da cruz
e de Jesus compartilhava com Ele dos Seus sofrimentos, que os meus pecados Lhe causaram. Entregue
ao vício e ao mundo, não sofria com isso; mas aquela dor que era de Jesus prolongava-me a agonia. As
pessoas, à volta de mim, humilhavam-me muito, muito. Eu fitava o céu e no íntimo do coração repetia:
“sou a Vossa vítima, Jesus. Tudo por Vós e pelas almas”. Como na sexta-feira passada, veio alguém que
me levou como que para outro mundo mais alto que este. E então a humilhação e a dor foram mais
suavizadas. Jesus expirou; e todo o meu ser me pareceu perder a vida também. Jesus, como se mais uma
vez ressuscitasse, entrou com toda a fortaleza no meu coração e com todo o amor falou-me assim:

― “Desci, desci a este coração puro e amante. Desci do Paraíso, vim a este calvário dar-lhe os últimos
retoques, retoques divinos, retoques de graças, retoques de amor. Colóquios das almas, colóquios que
foram para as almas. Desci, desci e mais uma vez venho pedir-vos: quero ser amado, quero ser amado.
Sou o Senhor do amor. O meu Divino Coração é só amor. Sou o Senhor, sou o Senhor. O meu Divino
Coração está cheio de misericórdia. Quero perdoar-vos, quero perdoar-vos. Vinde a mim, ó pecadores. É
mais uma vez que Jesus pede. Faça-se oração, faça-se penitência. Ó mundo, ó mundo cruel, deixa de
alancear, deixa de alancear e apunhalar este Coração Divino, este Coração que é todo amor. Alerta,
alerta, pecadores! Alerta, alerta, humanidade inteira! Alerta, corações que me amais! Alerta, corações
que me ofendeis! Alerta, alerta, alerta, porque o Senhor vem punir-vos! Coragem, fortaleza e amor para
os que já amam! Penitência, penitência, emenda de vida para aqueles que tanto me ofendem, aqueles
que tanto me ofendem”.

― Jesus, Jesus, vós estais triste? Eu sinto a Vossa tristeza, e as lágrimas dos Vossos olhos divinos caem
sobre o meu coração. Que fazer, Senhor! Que fazer, Senhor! Que fazer, meu Jesus!

Jesus, meu Deus, Jesus, meu Pai


Eu Vos adoro, Jesus, meu Deus.

Jesus, Jesus, Jesus, meu Pai, meu Pai.

Eu Vos adoro, eu Vos adoro


Aqui presente, aqui presente
No meu pobre, no meu pobre e frio e frio coração
Para os pecadores, para os pecadores
Imploro, imploro, imploro perdão, perdão.

― “Minha filha, minha querida filha, esposa do Rei divino, foi ouvida, foi ouvida a tua prece. Eu quero
perdoar, eu quero perdoar, mas quero, sim, quero que me seja pedido esse perdão. Há tanto, tanto quem
me ofenda e tão pouco quem se arrependa. Há tanto, tanto quem peque e tão pouco quem arrepie
caminho. Perdão, perdão, perdão, perdão para os filhinhos meus, para os filhinhos do meu sangue, para
todos por quem dei a vida. Repara o meu Divino Coração. Repara o Coração da minha bendita Mãe.
Tantas e tantas vezes tens visto e tens sentido o quanto ela sofre”.

Ave Maria, ave Maria


Ave, ave Maria
Cheia sois de graça,
Cheia sois de graça,
Cheia, cheia sois de graça,
Mãe, ó Mãe, Mãe, ó Mãe,
O Senhor é convosco.

Faz, ó Mãe, faz, ó Mãe, que Ele seja connosco,


Com todos, com todos os filhos teus, os filhos teus.

Ave Maria, ave Maria, ave, ó Mãe dos pecadores!

Roga a Jesus por nós, roga a Jesus por nós, roga a Jesus.

Lembra a Jesus as tuas dores.

Roga, roga a Jesus, roga a Jesus,


Lembra a Jesus as tuas dores, as tuas dores, as tuas dores,
Ó Mãe, ó Mãe das Dores, ó Mãe das Dores,
Ó Mãe, ó Mãe dos pecadores.

― “Coragem, minha filha! Coragem na tua cruz! O Senhor está contigo! O Senhor é sempre contigo!
Terminam dentro em pouco os colóquios das almas, mas os teus, os colóquios de conforto, os colóquios
de fé, ficam. Sim, minha filha, velarei por ti. É urgente sempre velar e velar sempre por ti. Colóquios de
conforto, colóquios de fé, porque vão ser sempre, sempre até à tua partida para o Céu. Colóquios de
grande dor, de grande dor, de grande dor, minha filha. Não sou Eu, é o mundo, minha filha, não sou Eu,
são os pecadores, os pecadores que me levam a exigir da vítima deste calvário esta imolação e indizível
martírio.

Aceitas, minha filha, aceitas, esposa minha, aceitas, mimo eucarístico, flor mimosa, violeta escondida,
aceitas, violeta pequenina?

Diz, diz ao teu Jesus que sim. Promete ao teu esposo toda a imolação, toda a tua reparação para os
pecadores”.

Aceito, Jesus, aceito, Jesus, aceito, aceito, Amor.


Aceito, Jesus, aceito, Jesus, aceito, aceito, Amor.

Aceito a cruz, aceito a cruz, pelo Vosso amor.

Cantai, cantai, ó anjos


Cantai, cantai ao Senhor
Cantai, cantai, ó anjos
Cantai louvor, louvor, louvor ao Senhor.

Cantai, ó anjos, cantai um hino


Cantai um hino, cantai, cantai, cantai
Bendizei, bendizei ao Senhor
Bendizei, bendizei ao Senhor
O Seu amor, o Seu amor, o Seu amor.

Na minha cruz, na minha cruz, na minha dor.

Na minha dor, na minha dor.

Quero amar-te, quero amar-te


Quero amar-te, ó Jesus
Quero amar-te sempre, quero amar-te sempre
Quero amar-te sempre, Senhor, Senhor, Senhor.

Na minha cruz, na minha cruz.

Oh como é doce, oh como é doce o teu amor!

O teu amor na dor, o teu amor na dor, na dor.

― “Vem, minha filha, vem agora receber a gota do meu Divino Sangue. Passou, passou a gota do sangue,
o alimento que te dá a vida, a força que te faz triunfar na tua cruz. Passou a gota do sangue que trouxe do
ventre da minha bendita Mãe. É o sangue das virgens, é o sangue dos inocentes.

Fica na tua cruz, não percas o teu sorriso. És a enganadora do amor. O amor obriga-te, minha filha, o
amor leva-te ao sorriso. O teu sorriso em tanta dor, em tanta amargura dá tanta reparação ao meu
eterno Pai! Consolas muito o meu Divino Coração e o da minha bendita Mãe. Tem coragem, todo o teu
martírio são rosas, pérolas, pedras das mais preciosas que adornam a tua coroa no céu”.

― Ó meu Jesus, Vós bem sabeis, ó meu Jesus, Vós bem sabeis que não é nada disso. Não é o prémio que
me leva a subir, a subir, alegre, o meu calvário. Sois Vós, sois Vós com a Santíssima Trindade, sois Vós
na Eucaristia. É o Vosso Divino Coração. Sois Vós crucificado. Sois Vós e a Mãezinha querida. É o amor
que Vos dedico; eu não o sinto, não o sinto, é certo, mas confio, confio que Vos amo. Sois Vós, são as
almas. Quero-as todas, todas, se for possível, todas para o Vosso Divino Coração, todas para o Paraíso.

― “Fala-lhes, fala-lhes, minha filha; conta-lhes as minhas mágoas. Diz-lhes quanto sofre o meu
amorosíssimo e dolorosíssimo Coração. Elas são tuas. O mundo é teu, para que mo entregues. Convida-o
ao arrependimento. Convida-o à emenda de vida”.

― Ó meu Jesus, ó meu Jesus, perdão, perdão, perdão para os meus pecados. Perdão para todos os
pecados da humanidade inteira. Não Vos esqueçais, meu Jesus, não Vos esqueçais de todos os meus
pedidos, de todas, de todas as minhas intenções. Abraço-Vos, Jesus, abraço-Vos. Abraço a minha cruz.
Obrigada, obrigada, meu Jesus, por toda a dor e por todo o amor que me dais. Obrigada, o meu eterno
obrigada. Ai, Jesus, ai Jesus, não sei como hei-de passar sem Vós. Confio na Vossa força divina.
Obrigada, obrigada, meu Amor.

20 de Novembro de 1953 – Sexta-feira

NB – Terceiro colóquio gravado

Não sei se por Nosso Senhor, se pelo demónio, vem-me muitas vezes a ideia de não escrever mais. Ó
santa obediência, como tu és poderosa. Se eu não tivesse de obedecer nada, mesmo nada dizia. A agonia
e tortura da alma é tão grande e tão indizível que me parece que por mais que eu falasse do sofrimento e
das ânsias que tenho em mim acabava por dizer, que nem só uma palavra disse, que nada tinha
mostrado deste mundo infinito de dor, tormento e ansiedade que tenho em mim. Tremenda ignorância,
tremendas trevas, e inutilidade e mais ainda tremenda, pavorosa eternidade. O meu coração está como
que rodeado de alto-falantes a falarem para toda a parte do mundo, a espalharem como que um sopro
fortíssimo, a ecoar tudo quanto dentro dele está. Meu Deus, como eu precisava, como tinha necessidade
de poder e saber falar, para que tudo isto chegasse dum pólo ao outro do mundo, para que esta voz e
ansiedade infinitas penetrassem em todos os corações, para que um sol, que o coração tem que, não é
meu, um sol infinitamente mais brilhante que sol da terra, brilhasse, aquecesse e iluminasse toda a
humanidade, para que se levantasse uma revolução total em todos os corações de amor puro e louco
para Jesus. Meu Deus, não sei dizer palavra, tudo isto é infinito, tudo isto é Vosso. Que dor, que
tormento insuportável! Cabe em mim também a dor infinita, mas também não é minha, é também
Vossa, meu Sumo Bem. Meu Deus, como eu desapareço, como sinto o meu nada à vista de tanta
grandeza. Eu já não vivo, vive a minha inutilidade, a minha eternidade, que é um mundo, um mundo de
pavor, um ódio infernal, desesperador e blasfemador contra o céu. Ó Jesus, valei-me, ó Mãezinha, valei-
me e mostrai que sois minha Mãe. Quanta vez eu repito isto na maior das angústias, no maior dos
tormentos. Os espinhos variadíssimos não deixam de por toda a parte virem ferir-me o coração. Ai,
como ele sangra, como ele sangra. Ai, pobre de mim em tanto abandono, sem uma luz, sem um guia,
sem sentir o mais pequenino apoio. Jesus, sou a Vossa vítima; seja feita a Vossa vontade. Tudo por Vós e
pelas almas.

Não quis saber do Horto, fugi-lhe, fugi-lhe sempre, desprezei-o odiei-o, enquanto Jesus agonizava e
suava sangue. Hoje foi celebrada no meu quarto a santa missa. Não tive um momento que sentisse que
sabia assistir a ela. Mobilizei o Céu com a Mãezinha à frente, para suprirem a minha falta. Jesus ia
subindo a encosta do Calvário, todo em sangue, todo despedaçado e em suores frios da morte. Eu fugi-
lhe sempre, sempre. Quando Ele estava no calvário, na cruz crucificado, o amor do Seu Divino Coração
atraía-me a Ele. Alguém me seduzia para junto da cruz, para mais os seus raios penetrarem em mim e
me aproveitar dos seus méritos. O demónio arrastava-me para longe d’Ele. Dentro do meu coração,
conseguiu levar-me para fora do calvário. Eu sorria-lhe, condescendia com os seus desejos. Cena
tristíssima! Jesus numa dor e agonia infinita expirava por minha causa. Senti na alma como se também
morresse; fiquei por momentos num silêncio mortal. Jesus ressuscitou, entrou triunfante, iluminou a
casa do meu coração e falou-me assim:

― “Está aqui o Senhor do Paraíso, o Rei do Céu e da terra. Está aqui por amor e só por amor. Escolhi
este calvário por amor dos pecadores, por amor da humanidade inteira. Posso intitulá-lo. Sou Eu, Jesus,
a dar-lhe o título “Calvário dos pecadores”. Foi por amor, só por amor que escolhi esta vítima para salvar
aos milhares, aos milhões os pecadores. Foi por amor, só por amor, que Eu escolhi esta vítima para
afervorar os corações que já me amam há muito, mas para os incendiar mais, muito mais, cada vez mais.
É tão pequenino o número das almas vítimas! É tão pequenino, tão pequenino o número das almas que
deixam tudo para se entregar só a Mim, que sofrem tudo por meu amor para me consolar. É tão
pequenino o número das almas que me amam. Eu quero amor, Eu quero ser amado. Alerta, alerta!
Conduzi a Mim os corações frios, conduzi a Mim os corações tíbios! Conduzi a Mim um grande número,
o maior número de corações de pecadores, de grandes pecadores, de cruéis pecadores! Estou triste!
Estou tristíssimo! O mundo, o mundo, os pecadores não escutam a minha divina voz, não atendem, não
atendem os meus pedidos. Pobre mundo! Pobre mundo! Pobres pecadores! Escolhi esta vítima para
reparar o meu Divino Coração, para aplacar a justiça do meu Eterno Pai e para dar honra e glória à
Santíssima Trindade, à Santíssima Trindade, à Santíssima Trindade!

Glória, glória ao Pai, ao Pai, ao Pai.

Glória, glória ao Filho, ao Filho, ao Filho.

Glória, glória, glória ao Espírito Santo, ao Espírito Santo, ao Espírito Santo.

Glória, glória, gloria no Céu, no Céu, no Céu e na terra.

Glória e amor, glória, glória e amor.

Seja dada, seja dada, seja dada ao Pai, ao Filho, ao Espírito Santo.

Amo a Trindade, amo a Trindade augusta, amo a Trindade augusta.

Adoro, adoro, adoro o Pai, o Filho, o Espírito Santo.

― “Coragem, coragem, minha filha. Depois te darei honra e glória. Depois de adorar a Trindade augusta,
escuta, escuta o meu Divino Coração. É dele que sai o brado doloroso. É ele que está a sangrar. Tens de
sofrer muito, minha filha, tens de sofrer muito, minha esposa, no pouco tempo de vida que te resta na
terra. Eu já não peço o teu consentimento. Sei que aceitas, sei que aceitas tudo por amor. A tua
generosidade, a tua fidelidade chega, chega até ao fim. Fala às almas, fala às almas. Eu quero que fales às
almas. Dá todo o teu sangue por elas, à minha semelhança. Foi para isso que te coloquei, que te coloquei
neste calvário”.

― Não chores, Jesus, não chores, não chores, Jesus. Não chores, não chores, não, meu Amor, não, meu
Amor. Sofro alegre, sofro alegre, sim, sofro alegre por teu amor. Não chores, Jesus, não chores, Jesus. As
tuas lágrimas, as tuas lágrimas ferem o meu coração. Quero a tua dor, ó Jesus, quero a tua dor, ó Jesus,
para que não sofra, para que não sofra o teu Divino, o teu Divino, o teu Divino Coração, Coração,
Coração. Infeliz, infeliz, longe do meu Deus; infeliz, infeliz, longe do meu Senhor. Logo, logo, logo toda a
abundância gastei, gastei a sua herança, gastei a sua herança, gastei a sua herança, gastei o que do meu
Deus herdei. Gastei a graça, gastei a graça, a graça, a graça que do meu Deus, que do meu Deus herdei
herdei, herdei, herdei.

― “Avante, coragem sempre, esposa fiel. Avante, avante, íman atraente, íman atraente. As almas, os
pecadores atraem-se, vêm a Mim. Tem coragem! Tem coragem! O Senhor é contigo! Vão, vão terminar
os colóquios dos pecadores, os colóquios das almas, os colóquios de toda a humanidade, mas Eu fico,
venho dar-te a gota do meu Divino Sangue, cuidarei sempre de ti, porque é o teu alimento. Eu estou
sempre contigo na tua eternidade e inutilidade, nas tuas trevas, no teu pavor. Eu estou sempre com
aqueles que tudo esperam de Mim, que sempre confiam em Mim. Eu estou sempre, sempre com os
pequeninos. É dos pequeninos que Eu faço coisas grandes, coisas grandes, muito, muito grandes. Sofre
por meu amor. Sofre por meu amor, sofre por meu amor. Louva a Jesus, louva a Maria! Dá honra e
glória a Jesus. Dá honra e glória a Maria”.
Eu amo-Te, eu amo-Te, eu amo-Te, Senhor
Eu amo-Te, eu amo-Te, eu amo-Te, Senhor
E só me sinto bem
Na paz do teu amor.

E só me sinto bem
Na paz do teu amor.

Na paz do teu amor.

Na paz do teu amor.

Do teu amor.

Do teu amor.

Do teu amor, amor, amor, amor.

Amor.

Amo-te, Jesus; amo-Te, Mãezinha.

Amo-Te, Mãezinha,
Tu és Mãe, Mãe,
A Mãe de Jesus.

Tu és minha Mãe,
A Mãe de Jesus.

Amo-Te, Jesus, amo-Te, Jesus


Amo-Te, Mãe minha,
Mãe minha,
Mãe minha,
Mãe dos pecadores,
Mãe dos pecadores,
Mãe dos pecadores.

Rainha do Céu,
Mãe dos pecadores,
Rainha do Céu,
Roga por mim.

Roga por mim.

Roga por mim ao Senhor,


Ao Senhor, meu Deus,
Meu Deus.

Roga por nós todos,


Somo pecadores, ó Mãe,
Ó Mãe,
Ó Mãe.

Somos pecadores, somos filhos teus.


Somos filhos teus,
Somos filhos teus,
Somos filhos teus,
Somos filhos teus,
Somos, Somos filhos teus,
Somos, Somos filhos teus.

― “Vem receber a gota do meu Divino Sangue. Houve o choque dos nossos corações. A gotinha do meu
sangue Divino passou. Passou a tua vida, a força. Passou o amor que te leva a sofrer, o maor que te leva a
amar, o amor que te leva à imolação, à imolação, à imolação. Consola sempre o meu Divino Coração.
Consola o Coração da minha bendita Mãe. Oh, como sofre a minha bendita Mãe! Oh, como sofre a
minha bendita Mãe ao ver quanto sofre os eu Jesus, o seu Jesus, o filho das suas dores, o seu Jesus, filho
das suas dores, que Ela viu expirar na cruz, que Ela vou expirar na cruz, na cruz.

Fica na tua cruz, fica no teu martírio. Ficai no vosso martírio. Ficai no vosso martírio. O Senhor é
contigo. O Senhor é com todos os que trabalham na sua causa, na causa maior, na causa mais gloriosa
que Jesus tem na terra.”

― Fico a sofrer, Jesus, fico a sofrer, Jesus, fico a sofrer, fico a sofrer, Jesus, por vosso amor e por amor
da Mãezinha, pelos pecadores, pela humanidade inteira. Peço-Vos para nós todos o amor e o perdão.
Peço-Vos amor e perdão para o mundo inteiro. Não me abandoneis, Jesus! Sede a minha força! Não Vos
esqueçais das minhas intenções, das minhas grandes intenções. Obrigada, Jesus, obrigada por esta
efusão de amor que me dais. Obrigada, obrigada.

27 de Novembro de 1953 – Sexta-feira

Nem ao menos posso dizer, a não ser com sentimentos de fé, já não sou eu que vivo, é Jesus que vive em
mim. Creio, creio, meu Deus, mas é um crer forçado. Sinto que eu não vivo e sinto que Jesus não vive em
mim. Mas a fé obriga-me a crer que Jesus vive, que Jesus reina e triunfa em mim. A minha confiança há-
de ir tão longe, tão longe que eu hei-de crer, hei-de confiar que vivo, porque Jesus vive em mim, mesmo
sem sentir os efeitos do Seu amor e da Sua presença. Ai de mim, sem Deus! Eu vou como que arrastada,
sou obrigada pela fé que não tem olhos, ouvidos, nem lábios, nem sentimento algum. Jesus, Jesus, fazei
que a minha confiança seja tão grande como Deus! Quero acreditar que não estou só e uma força infinita
vinda de não sei onde é que me obriga a acreditar em Vós, na Vossa presença em mim. Tenho de viver
sem vida, tenho de ver, ouvir e falar sem olhos, sem ouvidos, sem lábios; tenho de amar sem amor. Meu
Deus, meu Deus, como poderá ser isto?! Valei-me, Senhor, valei-me; fazei que a minha confiança chegue
até Vós. Veja eu tudo contra mim, seja total o meu abandono, veja eu desfazer-se a terra e até mesmo o
firmamento, mas não deixo de confiar em Vós. Estou cheia de pavor, parece que morro de pavor. Toda a
terra treme, toda a terra parece abrir-se em inferno e eu a desaparecer, a fundir-me nas fendas da terra,
a transformar-me, toda mergulhada nesse mesmo inferno. Quem poderá valer-me, Senhor? Só Vós, só
Vós. E a minha eternidade não conta, não caminha. Sem principiar, está sempre em princípio. E eu
nesse abismo pavoroso, infernal, odeio, odeio, blasfemo contra o meu Senhor. A minha dor, a minha dor
é infinita e no meio da minha inutilidade infinitas são as minhas ânsias. Elas são devoradoras,
queimam-me, consomem-me como fogo. O meu coração continua a dar-se ao mundo como sopro, como
brisa de vento. É como um eco a ecoar nas montanhas e vai desfazê-las, penetra nelas como raios. As
minhas ânsias infinitas só seriam saciadas com os corações do mundo inteiro. Jesus quer almas, almas,
almas, e eu quero dar-Lhe todas as almas. Que fome, que fome que me mata! Os espinhos e punhais
ferem-me a cada instante. A cruz pesa-me, atira-me a terra. Esmaga-me a justiça do Senhor. Não me
importa, hei-de amá-Lo e dar-Lhe as almas. Confio, confio. Não tive Horto nem Calvário. Fui cadáver
morto, depositado sobre a terra. Passei a noite, quase em vigília. Fui ao encontro de Jesus à prisão, mas
sempre um ser morto e nada mais. O coração sangrava pelas ofensas por mim feitas a Jesus. Nem o
sangue derramado, nem a dor infinita me pertenciam. Ser morto e inútil, cheguei ao cimo da montanha.
Só de longe a longe senti os suores frios da morte. Sem me unir a Jesus, soube que Ele entregou ao Pai o
Seu espírito, porque a Sua voz falou dentro em meu peito. Tudo ficou em silêncio de morte. Mas bem
depressa veio, de novo, a vida. Jesus triste, mas com luz falou-me assim dentro do coração:

― “Aprendei, aprendei deste calvário, aprendei de Jesus, que é puro, manso e humilde de coração.

Aprendei, aprendei, filhos meus, aprendei a amar, aprendei a sofrer, aprendei a levar a vossa cruz.

Eu sou o mestre, eu sou o modelo que deveis imitar.

Aprendei de Mim. Ouvi a minha voz pelos lábios da minha vítima, da minha crucificada.

Amai a Jesus, amai o Senhor, vosso Deus.

Amai a Jesus, amai o Senhor vosso Deus.

Amai a Jesus e à sua semelhança tomai e caminhai com a vossa cruz.

É muito difícil? Sobrecarrega-vos?

Antes o foi para Mim, a Mim me sobrecarregou. Amai a Jesus! Amai a Jesus!

Deixai o pecado! Amai o Senhor vosso Deus!

É Jesus quem fala! É Jesus, é Jesus, é Jesus quem fala!

Atendei ao Senhor! Atendei ao Senhor! É Jesus quem fala!

(Atendei ao Senhor! Atendei ao Senhor!)

É Jesus que veio a este calvário, a este calvário, a este calvário, por vosso amor, por vosso amor, por
vosso amor!

Vem a Mim, ó pecador!

Vem a Mim, ó pecador, vem ao meu Coração,


Vem ao meu Coração, que arde noite e dia
Que arde noite e dia!

Só por teu amor, só por teu amor


Aqui estou, Jesus, contrito e arrependido
Aqui estou, Jesus, contrito e arrependido
Aqui estou, Jesus, contrito e arrependido.

Dá-me o teu amor, dá-me o teu amor


Dá-me o teu amor, dá-me o teu perdão.
Dá-me o teu perdão, ó Jesus, ó Jesus, ó Jesus!

― “É por ti, ó filha querida, é por ti que Eu perdoo. Convida, convida os pecadores. É por ti que para eles
passam as minhas graças. É com a tua reparação que os ingratos, que me ferem, os ingratos, que me
maltratam, recebem o meu perdão.
Vem, vem, pecador, escuta, escuta a voz do teu Pai. Queres seguir-me? Queres o Paraíso? Segue, segue
os meus passos, não peques mais. Segue, segue os meus passos, não pequeis mais. Vem depressa, vem,
enquanto é tempo. Vem ao meu Coração. Já não posso, já não posso sustentar por mais tempo a justiça
do meu Pai. Dura, dura expressão. Não pode o Senhor, não pode Jesus com a justiça vingadora do Seu
Eterno Pai”.

Jesus, bem sei, Jesus, bem sei, Jesus, bem sei

Que não sou mais digna de meu Pai, de meu Pai


Nem “meu Deus”, nem “meu Deus” Vos chamar.

Sei que fui, sei que fui filho indigno, filho indigno,
Que só quis, que só quis, que só quis
A meu Pai contristar.

Que só quis, só soube a meu Pai contristar!

Perdão, Jesus! Perdão, Jesus! Perdão, perdão, perdão,


Jesus! Perdão, perdão, Jesus! Perdoai, meu Jesus! Perdoai,
Meu Jesus. Perdoai, perdoai!

― É Vossa a humanidade, são Vossos os pecadores. São Vossos os pecadores, meu Jesus. Sou Vossa eu
também. O que eu fui, o que eu sou, meu Jesus! Sede Pai, sede Pai! Sede misericórdia que não esquece,
mas que ama. Ai, meu Jesus, Vós estais triste, Jesus? Sinto e conheço a Vossa tristeza. Também eu estou,
meu Amor. Estou triste, porque não sei amar-Vos. Estou triste, porque não sei levar a minha cruz. Estou
triste, porque não sei levar a minha cruz, não tenho força para Vos dar as almas.

― “Tem coragem! Tem coragem, minha filha! As tuas faltas dão-me glória. Eu permito muitas, muitas
coisas, mas pequenas coisas para pôr os homens à prática, à luta. Se eles compreendessem! Eu permito
as tuas faltas, os teus pequenos deslizes, para a tua humilhação, grande humilhação! É dela que eu tiro
grande proveito para os pecadores. Fala às almas! Fala às almas, fala-lhes muito. Quero que lhes fales”.

― Ó Jesus, tudo farei, meu Amor, à medida que me for possível. Sabeis que eu não tenho forças. Sabeis
bem quanto elas me falham. Só Vós podeis vencer e falar em mim. Sabeis mais, muito mais, que tenho
de obedecer e que para mim é gostoso obedecer. Não estejais triste, Jesus. Não estejais triste, meu Amor.
Os Vossos olhares são moribundos, são de agonia, agonia dolorosíssima, meu Jesus, e o Vosso Divino
Coração sangra tanto, tanto!...

― “São os pecadores, minha filha. São os pecadores! É o mundo cruel, é o mundo ingrato que assim me
fere e faz agonizar de dor. Pede, pede perdão para ele ao teu Jesus e convida-os a todos a virem a Mim”.

Perdão, meu Deus, perdão, Senhor!

Perdão, meu Deus, perdão, Senhor!

Para o pecador, para o pecador.

Perdão, Jesus, perdão, meu Pai,


Perdão, Jesus, para o pecador!
Vem, pecador, vem, pecador, vem, pecador, ao teu Deus.

Vem, pecador, vem


Vem, vem ao teu Deus
Vem pedir perdão
Vem pedir perdão.

Chora as tuas culpas


Chora as tuas culpas
De alma e coração,
De alma e coração.

― “Vem receber a gota do meu Divino Sangue. Os nossos corações uniram-se. Eles estão sempre unidos.
É um termo popular que Jesus emprega. Jesus adapta-se a todas as linguagens. Uniram-se os nossos
corações. Estavam unidos os nossos corações. A gotinha do sangue passou. Passou forte, forte. Já corre
nas tuas veias. É o teu alimento, divino alimento, prodigioso alimento. Fica na tua cruz. Fica com alegria.
Dá-me dor, dá-me dor, dá-me dor. Dá-me reparação, dá-me reparação, dá-me toda a reparação. Avisa,
avisa o mundo. Ai, que incêndio, ai que incêndio de erros, de vícios, de maldades e de crimes. Faça-se
oração. Faça-se penitência. Jesus o quer, Jesus o pede. Vai em paz, minha filha. Vai dar a minha paz e
vai distribuir o meu amor, todo o meu amor”.

― Obrigada, obrigada, meu Jesus. Compadecei-Vos do mundo inteiro e não esqueçais as minhas
intenções todas, todas, meu Jesus.

4 de Dezembro de 1953 – Primeira Sexta-feira

Esta semana tem sido para mim de grande, muito grande sofrimento do corpo, sem ser aliviada da alma.
Foi uma semana com noites de vigília quase contínua. Não sabia falar com Jesus e a minha eternidade e
inutilidade nada me permitem. O que resolvi fazer? Disse a Jesus:

Eu sou um cepo ou mesa de ferreiro, como lhe queirais chamar. Estou no lugar em que me colocaram.
Aceito todas as pancadas que me quiserem dar. Sois Vós, Jesus, o artista. Fazei toda a variedade de
instrumentos e espalhai-os pela humanidade inteira. Sabeis o que a cada um convém. Trabalhai, Jesus,
trabalhai. Batei, Jesus, batei sobre o Vosso cepo. A fornalha é o Vosso Divino Coração, o fogo, o Vosso
amor. Tudo é por Vós, tudo é para as almas. Só por Vós sei sofrer, só por Vós e pelas almas.

No fim de assim falar a Nosso Senhor, apesar do cepo que era e da inutilidade que em mim sentia, a
minha alma via como que Jesus a desempenhar o ofício que eu lhe dei e batia, batia fortemente, e como
se não tivesse coração para se condoer de mim. Mas, como era cepo e ao cepo nada dói, ao ver Jesus
trabalhar, a minha alma confortou-se, e a vigília da noite continuou. Mais das vezes levo a vida a fazer
actos de fé, tal é o estado doloroso da minha alma. E mais tenho que os fazer, quando pratico algumas
maldades, pois essas brilham em mim e estão sempre presentes. Ao receber tantos milhares de beijos
das criaturas que de mim se abeiram, resolvi oferecê-los a Jesus como se n’Ele eles fossem dados e que
Ele os aceitasse como actos de amor para os sacrários, para honra e glória da Santíssima Trindade e da
Mãezinha querida, e que tudo revertesse em favor dos visitantes. O meu horto e calvário foram penosos,
foram dolorosíssimos. Foram de desespero, foram inúteis para mim, neste sentimento de que os
sofrimentos de Jesus no horto e no calvário, na Sua dolorosa agonia, não tinham para mim utilidade
alguma. Não vi, mas ouvi a voz de Jesus, vinda do horto, mas dum horto como se fosse um bosque, mas
um bosque de espinhos. Ele dizia: “ai, ai!” Gemia e suspirava. Que gemidos tão penetrantes! Que dor
infinita me causaram! Isto passou-se durante a noite, mas hoje, na mesma dor, com os ouvidos a ouvir
os mesmos suspiros, ais e gemidos da noite, subi a encosta do calvário sempre como que em desespero e
em revolta por tudo ser inútil para mim. Era para sempre a perda do meu Senhor. Nem ao menos me uni
a Ele no alto do calvário, sempre como que em desespero e em revolta por tudo ser inútil para mim. Era
para sempre a perda do meu Senhor. Nem ao menos me uni a Ele no alto do calvário, na cruz
crucificado. Ele dava a vida e eu ficava na morte, na morte eterna. Entregou ao Pai o Seu espírito e pouco
depois tirou-me dessa morte, fazendo-me compartilhar da Sua vida. Iluminou-me um pouquinho com a
Sua luz e dentro do meu coração falou-me assim:

― “A paz do Senhor, a glória do Senhor, o amor de Jesus triunfou neste calvário. É o triunfo das almas, é
a prova louca, louca do amor de Jesus pelos pecadores. Tentei, tentei, chamei, chamei, convidei com
toda a doçura, com todo o amor, com toda a ternura pelos lábios da minha vítima, da minha vítima
querida, vítima imolada. Sou Jesus, fui, sou Eu a convidar, a chamar. É convite celeste, é convite divino.
Vai terminar este chamamento. Felizes, ditosos, ditosos os que atenderem, os que atenderam e ouviram
a minha voz, a minha voz de Pai, Pai de misericórdia e de perdão. Calvário ditoso, quarto abençoado,
onde tantas vezes, tantas vezes baixou Jesus com Sua Mãe celeste!...”

(Cantou:)

Sois mais pura, sois mais pura e imaculada do que a aurora,


do que a aurora no seu despontar!

Sois mais pura, encantadora, ó Virgem, ó Virgem, do que o sol,


do que o sol, quando vem a raiar!

Ó Virgem, ó Virgem Maria! Ó Virgem, ó Virgem Maria, Maria!

Ó Conceição pura, ó Conceição pura, só Vós o gozais,


só Vós, só Vós, ó Virgem Mãe!

Só Vós o gozais e sois Mãe, ó Pura, ó Imaculada, ó Imaculada!

Sois Mãe, sois Mãe, sois Mãe Imaculada!

Ave, Maria, Ave, Maria! De graça cheia, de graça cheia.

Só tu és pura, só tu és pura, ó Conceição, ó Conceição,


ó Conceição da Virgem Mãe, da Virgem Mãe,
da Virgem Mãe, da Virgem Mãe.

Ao Céu, ao Céu, ao Céu irei vê-la um dia, vê-la um dia!

Ao Céu, ao Céu, ao Céu irei ver-te, Maria, ver-te, Maria,

Ver-te, Mãe minha, ver-te, ver-te, ver-te,


Mãe minha, Mãe, Mãe, Mãe, Mãe minha!

― “Minha filha, minha querida filha, fala do meu amor divino, fala do amor louco, louco do meu Coração
amantíssimo e do amor louco, louco da minha Bendita Mãe. Tu vais sofrer muito, muito, bem o sei,
esposa querida, vais sofrer muito, muito, com o sentimento da nossa separação total, mas nem por isso
vai ser menos a glória dada aos nossos santíssimos e dolorosíssimos Corações. Tu vais falar, vais falar
sempre, no pouco tempo de vida que te resta na terra. Vais falar com entusiasmo, com amor, dos nossos
amores. Vais dizer quanto ama o Coração Divino de Jesus. Vais dizer quanto ama o Coração Imaculado
de Maria. O mundo, o mundo desconhece estes amores num só amor. E um grande número, um grande
número daqueles, que O conhecem, amam mais as vaidades, os prazeres, os gozos da vida. Convida,
convida as almas a amarem a Jesus, a amarem a Maria. Diz-lhes, repete-lhes que este convite é o convite
do Senhor, é o chamamento do Pai, do Pai que quer valer, do Pai que quer perdoar”.
― Estou pronta, Jesus, para a dor, sim, para a dor que me espera. Estou pronta, meu Jesus, com a Vossa
graça, para fazer o melhor possível a Vossa divina vontade. Não me levastes a mal, não, meu Jesus, a
minha linguagem grosseira, o meu termo atrevido de fazer de Vós ferreiro? Mas, para eu ser o cepo ou a
mesa, Jesus, tínheis que Vós ser o artista, meu Jesus. Perdoai, mas eu gostei tanto de falar convosco
assim desta forma, de Vos tratar desta maneira.

― “Não, não, minha filha, nada te levei a mal. Como levar a mal, se Eu gosto tanto da linguagem simples
e humilde? Se soubesses a alegria que deste ao meu Divino Coração!”

― Ó Jesus, não sei como hei-de dizer, mas não Vos alegrei, tenho a certeza disso. Aquela grande
maldade talvez chegasse a ser, não, Jesus? Se eu me calasse, seria mais prudente. Eu encho-me de Vos
pedir perdão, mas é só depois de ter feito o mal.

― “Sossega, filha, sossega. No último ponto, fizeste só aquilo que devias fazer, disseste só aquilo que
devias dizer, abriste os olhos a quem os tinha fechados. Tem a certeza que não pecaste. Não, não, minha
filha, não pecaste. Gosto de te ver humilhada e permito as tuas faltas involuntárias. Bem o sei, bem o sei
que são involuntárias, esposa amada”.

― Ó Jesus amabilíssimo, ó Jesus amabilíssimo, guiai-me, já que sois luz. Dai-me forças que me faltam, ó
Jesus, ó Amor, ó Amor! Dai-me forças, dai-me forças que me faltam para levar a minha cruz, a minha
cruz. Sem ti, Jesus, meu coração desfalece, desfalece. Vem a mim, vem a mim, ó doce Amor, doce Amor,
doce Amor, doce, doce, doce Amor. Sou pecadora, ó Jesus, sou pecadora, ó Jesus, sou pecadora, ó Jesus.
Não posso sem ti levar a cruz, subir o calvário, subir o calvário, subir, subir, subir o calvário e levar, e
levar a cruz, e levar, e levar a cruz, que é por teu amor, que é por teu amor, amor, Jesus!

― “Vem, vem agora receber a gota do meu Divino Sangue. Os dois corações uniram-se: o de Jesus ao da
vítima, ao da sua crucificada. Uniram-se os nossos corações. O Coração de Jesus uniu-se, fundiu-se no
coração da sua vítima imolada A gota do sangue passou, o alimento, o alimento divino que para ti é
tudo, esposa querida. É vida do corpo, é vida da alma com a minha Eucaristia. Tu vives, tu operas neste
calvário prodígios, grandes prodígios, porque é o Senhor a operá-los. Eu sou o Senhor dos prodígios, das
maravilhas divinas. As almas, as almas, minha filha, lucram, lucram, ganham muito, enriquecem-se
neste calvário. É por ti que Eu a elas me dou. É por ti que Eu faço que os pecadores em grande número
se convertam. Ó calvário, ó calvário ditoso, ó calvário abençoado! Ditoso Portugal! Ditosa humanidade!
Depois da tua morte, depois da tua morte, por ti, sim, por ti, muitas, muitas graças, muitas, muitas
bênçãos, uma chuva de graças e de bênçãos cairá, cairá cada dia e noite sobre a terra, sobre a terra
culpada, sobre os pecadores que tanto têm ofendido o seu Deus e Criador. Vai em paz! Fica na tua cruz
para em breve teres os colóquios de fé, de fé, de fé!”

― Jesus, sou a Vossa vítima, sou a Vossa vítima! Obrigada, meu doce Amor. Não Vos esqueçais dos meus
pedidos, de todas as minhas intenções. Obrigada, Jesus, obrigada!

5 de Dezembro de 1953 – Primeiro Sábado

Passei a noite numa ansiedade e num susto, ansiedade de receber a Jesus e um susto por saber que era o
último sábado que tinha o colóquio com Jesus e com a Mãezinha. Isto causava-me dor profunda e pavor
ao mesmo tempo. Meu Jesus, ficar sem Vós, sem a Mãezinha! De momento para momento me sinto
mais indigna e mais inútil, mais inútil. Recebi a Jesus. Ele não se demorou a assear a sala do meu
coração com o Seu asseio, a iluminá-la com a Sua luz, e falou-me assim:

― “Minha filha, minha jóia, pupila dos meus olhos, está no teu coração o Esposo fiel, fidelíssimo. Estou
aqui a prender, a enlear mais, muito mais com fortes cadeias de amor o meu Divino Coração ao teu. Vou
e fico, minha filha. Ausento-me e fico presente. Vou deixar-te e não te abandono um momento. Filhinha,
filhinha, custa-me proceder desta forma. São as almas, são os pecadores que necessitam do teu martírio.
Custa-me muito, muito esta fingida separação. Filhinha, filhinha, digo-te o que disse aos meus
discípulos: “vou, mas fico”. Parti para o Céu e fiquei na Eucaristia. Vou fingir deixar-te. Duro golpe, dura
separação. Confia! É separação fingida. Vou e fico no sacrário do teu coração. Tem sempre presente as
palavras, os pedidos, as exigências de Jesus.

Diz ao teu Paizinho que fico no seu coração, que é uma promessa minha, neste dia doloroso para ti. Fico
no seu coração, fundido tão real como no Céu. Diz-lhe que o criei para as almas de alta eleição, da mais
alta eleição. Alta foi a minha escolha, grande, muito grande tem sido a sua dor. Diz-lhe o meu obrigado.
Dá-lhe todas as minhas graças, riqueza infinita no meu Divino Coração, com toda, toda a abundância do
meu amor.

Diz ao teu médico o maior obrigado de Jesus. Diz-lhe que lhe peço sempre, sempre até ao fim, coragem,
fidelidade e todo o amor à minha divina causa. Dou-lhe a promessa de sempre, sempre velar por ele, por
todos os que lhe são queridos, por todo o seu jardim mimoso e florido e por todos os seus descendentes.
Dá-lhe amor, amor, amor sem fim.

Vem, minha bendita Mãe, vela, toma a teu cargo a nossa filhinha”.

― “Vem, filhinha, vem, filhinha predilecta de Jesus. Sou a Mãe do Rosário, sou a Mãe do Carmo. Depois
de te colocar no meu regaço, depois de te estreitar ao meu Divino Coração e acariciar-te, mais uma vez
enleio nas tuas mãos o rosário que pende das minhas benditas mãos. Sobre ele coloco o escapulário.
Como te intitulou Jesus, és mãe dos pecadores. Recomenda-lhes sempre o meu terço. Quero fazer-te
também mãe das almas do Purgatório. Oferece por elas, oferece pelos pecadores, oferece como prémio
aos que te são mais queridos, aos que tanto te têm amparado e velado por ti, este sacrifício, esta dura e
dolorosa ausência, esta triste separação. Nunca te convenças, filhinha, de que estás sozinha, de que
Jesus e a tua Mãezinha te deixaram. Não, não, isso não. É quando em ti estamos mais presentes, porque,
mais que nunca, mais que nunca, mais que nunca, precisas do amparo do Céu e da terra. Necessitas de
toda a prova de amor”.

― Ó Mãezinha, ó Jesus, é uma separação de morte que eu sinto. Quero que os Vosso Divinos Corações
aceitem um eterno abraço e um eterno agradecimento por tudo o que tendes feito por mim, por toda a
predilecção que dispensaste ao meu pobre, pobre, pobríssimo coração.

― “Coragem, coragem, filhinha, florinha eucarística, mimo do paraíso. Confia, confia. Jesus está contigo.
A Mãe do Céu está contigo. Velaremos por ti. Coragem e confia! Recebe todo o amor, todo, todo o amor
de Jesus e da tua querida Mãezinha. Recebe as nossas carícias”.

― Obrigada, Jesus. Obrigada, Mãezinha, por mais esta promessa de amor.

― “Coragem, então, filhinha. Escuta a Jesus. o último colóquio das almas, o último colóquio dos
pecadores vai ser no dia 25, no dia da renovação do meu nascimento. É o aniversário de Jesus. Fica a ser
o aniversário da minha esposa e vítima mais querida.

Mais quero dizer ainda. Quero que os homens saibam e compreendam que Eu quero a ciência das almas
e dos corações. Não busco a grandeza nem a sabedoria das línguas, mas sim a grandeza e a sabedoria do
amor dos corações. E fica dito tudo. Neste coração encontrei a maior ciência do amor, a mais alta, a mais
alta, a mais alta sabedoria, a maior loucura de amor ao meu Divino Coração e de amor às almas.
Qualquer palavra que tenha aparência de contradição não o é. Qualquer palavra que pareça menos
correcta não, não o é. Sou Eu, sou Eu, a Sabedoria infinita, que assim o permite para meter no coração
da vítima a humilhação antes que possa entrar qualquer sombrinha de vaidade que possa prejudicar
essas mesmas almas, esse mesmo coração louco, louco por Mim. Sou Eu quem vela, sou Eu quem
prepara as minhas vítimas. E como não velar e não preparar a minha esposa mais fiel, a vítima heróica
deste calvário, a heroína forte, a heroína forte, a heroína forte do calvário mais querido de Jesus? Recebe
amor, amor, amor e fica em paz”.

― Adeus, Jesus, adeus, Mãezinha. Sou a Vossa vítima, a vítima dos Vossos Corações Divinos, a vítima de
tudo quanto Vos aprouver. Antes da separação, peço-Vos com dor tudo, tudo, peço-Vos tudo, tudo para
os que me são queridos; tudo, tudo para a minha família, para os pecadores, para os sacerdotes, para
todos os que vêm junto de mim pedir-me graças e para a humanidade inteira. Adeus, Jesus, adeus,
Mãezinha, adeus, adeus, Mãezinha. Obrigada, obrigada.

11 de Dezembro de 1953 – Sexta-feira

Tudo passa, tudo desaparece, menos a eternidade. Está no seu princípio, sempre duradouro, sem se
mover. É para mim um tormento, um pavoroso martírio. Tudo passa. Passam as palavras, os sacrifícios,
os indizíveis sofrimentos e passam de tal forma como se não tivessem princípio. Ó meu Deus, ó meu
Jesus, o que será de mim sem Vós? Valei-me, valei-me! Eu não quero pensar nesta separação de Vós e da
Mãezinha. Duvido de mim. Tenho medo de desfalecer e chegar a ofender-Vos. Confio em Vós, confio em
Vós. Quero viver da confiança. Vós não podeis abandonar a quem a Vós se abandonou. Não podeis
deixar entregue a si mesma, a quem a Vós se entregou e só na Vossa força e graça confiou. Desde o
primeiro sábado para cá comecei eu mesma a abrir o meu túmulo. É a eternidade antes dele, depois dele
e no meio dele. Quero dizer: existia a eternidade antes do túmulo, depois do túmulo e no meio do
túmulo, agora onde eu trabalho como um cavador e vou-me sepultando a mim mesma. Sito como que se
desse uma cavadela de 100 em 100 anos, ou mais ainda, e com tal esforço banho de suor o túmulo, a
terra em que me vou sepultando. Enterro-me a mim mesma, mas tão devagarinho! Como abrir a
sepultura cavando tão raras vezes, mas sempre com o instrumento em punho, banhada em suor, como
se trabalhasse, cavasse dia e noite incessantemente? Que esforço o da minha alma! Ai, meu Deus, que
duro e penoso martírio! Por Vós, só por Vós e pelas almas. Neste tormento passei, ontem, o meu horto
desprezando-o sempre e sempre blasfemando e odiando o Senhor. Hoje, no mesmo estado de alma,
segui a viagem do calvário. Celebrou-se a santa missa no meu quartinho. Uni-me à Vítima Divina o mais
que pude. Como não sabia assistir a este acto tão divino, mais uma vez ocupei a Mãezinha para
desempenhar esta missão por mim. Enquanto o Santo Sacrifício ia correndo, eu com os suores da alma
não deixei de trabalhar no meu túmulo, na minha sepultura. Nesta fadiga incessante, numa dor, tristeza
e agonia mortal, cheguei ao cimo da montanha. Continuei o meu oficio em todo o tempo da agonia de
Jesus. Fugia-lhe sempre e sempre Lhe ofereci as minhas grandes humilhações, o grande sofrimento que
me casavam todos os olhares que me rodeavam Senti aquela atracção vinda do Alto que me separava
mais das coisas da terra. Só assim podia resistir à dor. Jesus expirou, e eu no silêncio da morte fiquei
sem Ele; nem era do Céu, nem da terra. Bem depressa veio o meu Amado. Senti no coração a Sua
entrada. Ele modificou o estado da minha alma deixando-me como que electrificada por Ele e falou-me
assim:

― “O Céu, o Céu, o Céu desceu a este calvário. Jesus, o Jesus do amor, o Jesus dos pecadores entrou no
coração da sua vítima. Sou o Jesus do amor, sou o Pedinte do amor. Eu amo e quero ser amado. Eu amo
e venho pedir amor. É por amor que Eu desço. É por amor que imolo a vítima mais querida, mais
predilecta do meu Divino Coração. Colóquio das almas, colóquio dos pecadores. Escutai, escutai, vós
todos por quem Eu desci à terra. Escutai, escutai, vós todos por quem Eu imolo a minha vítima. Vinde a
Mim, vinde a Mim, pecadores. Anseia, anseia por Vós, anseia infinitamente o meu Divino Coração. Eu
sou o Bom Pastor. O pastor ama as suas ovelhas. Eu sou o Bom Pastor e o bom pastor reúne as suas
ovelhas. Convertei-vos, convertei-vos! Vinde ao meu Divino Coração. O meu convite, o meu divino
convite é feito pelos lábios da minha vítima, da minha esposa crucificada. Cai a justiça do Senhor. Vem
sobre a terra a justiça do meu Eterno Pai. Arrepiai caminho! Convertei-vos, convertei-vos! Sofre, sofre,
minha filha. Sofre, sofre, mãe da humanidade, mãe dos pecadores. Sofre, que o tempo é pouco. Sofre,
sofre; o mundo, as almas necessitam da tua dor. Fita os olhos em Jesus. Põe no Céu a confiança. Fita os
olhos em Jesus. Põe no Céu a confiança. Sofrimento não recuses a quem sofre com esperança. Servem-
lhe de trono as cruzes, servem-lhe de trono as cruzes; põe no Céu a confiança, põe no Céu a confiança!
Não recuses a tua dor. Ama a cruz, ó filha minha! Ama a cruz, ó filha minha, ó filha minha! Por amor,
por amor do teu Jesus, do teu Jesus”.

― Jesus, meu Deus, Jesus, meu Pai; Jesus, Jesus, meu Deus, Jesus, meu Pai, meu Pai. Sou toda tua, ó
Jesus. Sou toda tua, ó meu Pai. Sou toda tua. Dá-me a cruz, ó Jesus, por teu amor. Levo a cruz, levo a
cruz, ó meu Senhor. Dá-me a cruz por teu amor, ó Jesus, dá-me a cruz. Levo a cruz, levo a cruz, levo a
cruz por teu amor, por teu amor, ó Jesus, ó Jesus, ó Jesus, ó meu Senhor. Meu coração desfalece, meu
coração desfalece, ó Jesus. Sem o teu amor, ó Jesus, sem o teu amor, ó Jesus. Não posso mais, não posso
mais, não, não posso mais com a cruz! Meu coração desfalece, ó Amor, por teu amor. Desfalece, ó Amor,
por teu amor, por teu amor! Dá-me a tua força, dá-me o teu conforto, ó Senhor, ó Senhor, ó Senhor.

Vai, alma que choras, vai ao Salvador!

Vai, alma que choras, vai ao Salvador!

Nas horas mais tristes, diz-Lhe a tua dor.

Nas horas mais tristes, diz-Lhe a tua dor. Vai, alma que choras, vai ao teu Jesus;

Nas horas mais tristes, abraça e beija a tua cruz, a tua cruz!

Vai, ó alma, vai, ó alma, vão ao sacrário, vai ao sacrário, vai ao Amor! Recebe a vida do teu Senhor,

Recebe a vida do teu Senhor!

Sacrário, sacrário, sacrário, prisão do Senhor, prisão do Senhor,

Prisão do Amado, prisão do Amado, do amado do Pai, do pecador, do pecador.

― “Minha filha, minha filha, louca da cruz, louca do sacrário, louca do meu Divino Coração, louca da
Trindade Augusta, louca, louca da Virgem Mãe. Os últimos colóquios, os colóquios dos pecadores
mostram aos pecadores a loucura dos teus amores, a loucura dos teus amores. Aprendei de Mim,
aprendei do meu Divino Coração, aprendei como aprendeu esta discípula e crucificada do Senhor. Oh,
como é belo, oh! Como é belo o amor, o amor puro, puro, o amor desinteressado!... Oh! Como é belo,
belo e encanta o paraíso, o amor puro, puro, o amor louco, louco e abrasado! Aprendei, aprendei todos
do meu Divino Coração! Estudai n’Ele. Quantas instruções divinas, quanta sabedoria, quanta prova de
amor, de amor de Jesus para com os seus filhos! Aprendei, aprendei como aprendeu esta discípula e
grande crucificada. Eu sou o Senhor Eu sou a vida e quero dar-me a vós, ó pecadores, ó pecadores, ó
pecadores. Quero dar-me a vós por esta florinha eucarística. Quero dar-me a vós pela porta-voz do meu
Divino Coração. Esta esposa e vítima, a quem dei todos os títulos, é o porta-voz, é o farol do mundo. Eu
quero, Eu quero que chegue aos confins, sim, aos confins da terra, as ânsias, os desejos divinos do meu
amantíssimo Coração. Quero ser amado, quero que seja amada a minha Bendita Mãe.

(Cantou a Ave-Maria em latim):

Ave, Maria, gratia plena, Dominus tecum: benedicta tu in mulieribus et benedictus fructus ventris Tui,
Jesus.

Sancta Maria, Mater Dei, ora pro nobis peccatoribus, nunc et in hora mortis nostrae. Ámen.

― Sois mais pura, mais encantadora, ó Virgem Maria, ó Conceição pura! Sois mais pura, sois mais pura,
mais imaculada, ó cheia de Graça, ó Virgem Maria! Ó Virgem Maria, ó Virgem, ó Virgem! Tens o
perfume da rosa, ó Maria, ó Maria, ó Maria, ó Virgem Mãe! Roga por teus filhos, Açucena pura, ó Virgem
Maria, ó toda candura! Roga por teus filhos ao Eterno Pai, ao Eterno Pai. Virgem Maria, Virgem Maria,
meu doce Amor, meu doce Amor, roga, ó Virgem, roga, ó Virgem roga, ó Mãe de Jesus, roga por nós,
roga por nós, roga, roga, roga por nós ao Senhor, ao Senhor, ao Senhor! Teu coração que só ama, teu
coração que só ama, ó Maria, roga por nós, inter cede por nós, por amor, por amor, ó Mãe, ó Mãe minha,
ó Mãe nossa, ó Mãe minha, ó Mãe nossa, ó Mãe nossa, roga por amor, roga por nós ao teu Deus, roga por
nós ao teu Deus, ó Mãe Santíssima, ó Mãe Imaculada, toda pura, toda bela, roga por nós ao teu Filho, ao
teu Filho, ó Mãe. Roga, roga, roga, ó Mãe, por nós ao Eterno Pai, ao Eterno Pai.

― “Vem, minha filha, receber a gota do meu Divino Sangue. Deu-se choque sobre choque, a gotinha do
Sangue passou, passou com abundância; passou e levou força, levou toda a minha vida, levou todo o
meu amor. Jesus repara, Jesus repara as forças que a dor consome. Coragem! Coragem, Jesus vai e fica,
Jesus apenas finge ausentar-se, mas ele está sempre, sempre no teu coração. São minhas, só minhas as
palavras que dás às almas. Fala-lhes, fala-lhes! Criei-te para elas. Vive da confiança, vive da fé. Coragem,
coragem, esposa minha. Fica na tua cruz. Jesus é todo teu, Jesus é todo o teu amor”.

― Obrigada, obrigada, meu Jesus! Perdoai-me! Já parece que nem sois meu Amor, nem sois nada.
Perdoai-me, perdoai-me! Lembro-Vos todas as minhas intenções e a humanidade inteira. Sou a Vossa
vítima, Jesus, sou a Vossa vítima! Serei sempre, sempre a Vossa vítima.

18 de Dezembro de 1953 – Sexta-feira

Ai, ai, valei-me, valei-me, Jesus, valei-me, valei-me, Mãezinha. Ai de mim, sem Vós. Valei-me, valei-me!
É o que diz o meu coração, é este um brado quase contínuo, é isto o que ele sabe dizer e pedir a Jesus,
quer de dia quer de noite. O que será de mim? Eu não tenho força para nada, estou deveras desfalecida.
O Céu fechado e a terra morta. De nenhum dos lados posso receber conforto. Ó abandono, terrível
abandono! Ó inutilidade e eternidade, que pavor me causais! Estou de mãos vazias para a eternidade e
esta juntou-se à inutilidade. Uma a roubar-me tudo e outra a pedir-me tudo. Estão as duas numa só
massa a exigirem de mim aquilo que eu não tenho. A inutilidade rouba-me o que eu não chego a possuir.
A eternidade exige-me o que eu não tenho para lhe dar. Que pavor, meu Deus, que pavor! Tanto sofrer,
tanto esforço para agradar a Jesus, amar a Jesus e Lhe dar almas; e sempre sem nada. Tenho uma fome
e sede de possuir os corações e as almas. De dar a vida e o sangue a cada momento para os entregar a
Jesus, que não há coisa grande, grande que a elas se possa comparar, só a grandeza de Deus. Devora-me,
consome-me esta fome e esta sede. Quero engolir o mundo como leão furioso o queria tragar, recolhê-lo
inteirinho no meu coração, para assim inteirinho o entregar a Jesus. Ó fome, ó fome indizível, infinita.
Se fosse possível mesmo depois da minha morte o meu cadáver ser arrastado de rua em rua, por toda a
parte até se desfazer, sem deixar sinais de ter existido, para comprar as almas de todos os pecadores e
fazer que todos os corações amassem a Jesus e à Mãezinha, de boa vontade eu fazia testamento, mais,
doação de mim mesma para tal fim. Meu Deus, como aguentar estas ânsias? Só Vós, meu Jesus, só Vós.
Recebi uma notícia tão triste, tão triste! Não sei se tem alguma coisa de verdade, o que sei é que foi como
se me rasgassem o coração de cima a baixo e lhe tirassem a vida. Só a graça de Jesus podia vencer e
resistir a tanta dor sem um desespero. Amo-Vos, Jesus, sou Vossa, sou a Vossa, sou a Vossa vítima.
Continuo como o cadáver indolente a cavar, a preparar o meu túmulo. Vou-me enterrando cada mais,
por vezes me falta a respiração. Ó tempo, que me vou enterrando mais profundamente. Parece que já me
vou descarnando e apodrecendo os meus vestidos. Apesar desta indolência, destas cavadelas de século a
século, os suores da alma não passam, é uma fadiga incessante. Louvores, louvores ao Senhor. Seja
sempre feita a Sua vontade. O horto e o calvário são como a morte para mim. Ontem, trabalhando na
minha eternidade, a minha alma fugiu sozinha, queria o silêncio; foi para o solo do horto e ali em
dolorosa e profunda agonia orou ao Pai; tudo o mais foi a morte. E morte foi hoje a viagem do calvário
sem utilidade nenhuma para mim, sem dele receber proveito; por minha culpa odiei-o, blasfemei contra
ele, tratando só do meu túmulo e vendo a minha eternidade desesperadora. No cimo da montanha,
alguém por força estranha me levou ao encontro de Jesus. Ele estava na cruz. A minha saudação foi
escarrar-Lhe no rosto e retirar-me. Ai que dor eu causei ao meu Jesus! Ele a sofrer e eu na minha revolta
contra todo o Céu. Assim o fiz expirar em dor e agonia. A minha alma sentiu também essa morte. Jesus
depressa ressuscitou e bem depressa me veio dar vida e dentro do meu coração falou-me assim:
― “Não há dor semelhante à minha dor. Não há dor semelhante à da minha Bendita Mãe. Sofre o Seu
Imaculado Coração ao ver o meu Coração sofrer. Não há dor, não há dor semelhante à minha dor. Sofro
com os hediondos crimes do mundo. Sofro, porque não sou amado, não sou amado. Sou sempre
ofendido, sempre ofendido! Que cegueira, que cegueira a da humanidade, a da pobre humanidade!
Basta, basta de crimes, basta, basta de tanto pecar! A maldade, a maldade do mundo, a labareda do
crime atingiu toda a altura. Oh! Quanto sofre, oh quanto sofre o meu Divino Coração e o da minha Mãe
Imaculada!

O teu coração em sangue chagado, chagado, só em sangue, minha filha, é a reparação que exige a
maldade de todo o mundo. O teu coração chagado, em sangue, vítima querida, é para reparares as
ofensas cometidas contra Mim e minha Bendita Mãe. Ela sofre em união comigo, como no calvário.
Sofre, sofre, repara, esposa minha. Consola a Jesus, consola a Maria. Roga-Lhe por todos os pecadores,
todos, todos os pecadores”.

(Cantou):

Sancta Maria, Mater Dei, ora pro nobis peccatoribus, nunc et in hora mortis nostrae. Ámen.

Tota pulchra es, Maria. Tota pulchra es, Maria.

Et macula originalis non est in te.

Et macula originalis non est in te.

Tu, gloria Jerusalem. Tu, laetitia Israel. Tu, honorificentia populi nostri.

Tu, advocata peccatorum.

O Maria, o Maria, Virgo prudentíssima, Mater clementíssima:

Ora pro nobis, intercede pro nobis ad Dominum Jesum Christum.

― Ave, Maria, de graça cheia, de graça cheia. És tu bendita, és tu bendita, Mãe entre as mulheres.
Virgem Maria, mística flor, Virgem Maria, celeste amor, celeste, celeste, celeste amor, amor, amor.
Salva, ó Mãe, salva, ó Mãe, os filhos teus. Roga por eles, ó Mãe, roga por eles, ó Mãe, lá no Céu, lá no
Céu, lá no Céu.

― “Minha filha, minha filha, o teu nome será bendito. Tu serás gloriosa no céu, a tua dor na terra será
transformada em amor no Paraíso. Oh Céu ditoso, oh Céu ditoso, esposa minha! Como é bela, como é
bela, rica, riquíssima a tua coroa no paraíso, a tua coroa no Céu”.

― Ai, Jesus, Jesus, quero o Vosso amor! Jesus, quero amar-Vos. Jesus, quero ser toda Vossa! Jesus,
quero possuir-Vos, Jesus, quero dar-Vos as almas, única ambição depois do Vosso amor, depois de Vos
amar e consolar o Vosso Divino Coração; só as almas me interessam, bem o sabeis, meu Jesus. Prefiro as
almas, as almas ao gozo, ao prémio. Eu sei que sois justo, meu Amor, mas também Vós sabeis que todo o
meu viver, todo o meu viver é para Vós, desinteressadamente. Ó Jesus, ó Jesus, estas ânsias são como
feras, mas muitas feras a devorarem-me o coração. Quero almas, meu Jesus. Dai-me almas, eu só não
posso. Dai-me almas para que eu Vos dê almas, sempre almas. És depositária, minha filha, de todos os
meus poderes, de todas as minhas riquezas, de todo o meu amor.

(CantouJ
Eu desejo amar-te mais, amar-te sempre, amar-te mais!

Exaltar o teu nome, ó Jesus, o teu nome em hinos virginais, hinos virginais, ó Jesus, o teu nome em
hinos virginais!

Dá-me o teu amor, ó Jesus. Dá-me o teu amor, ó Jesus! Dá-me o teu amor, ó Jesus!

Sem ele não posso viver! Sem ele não posso viver! Dá-me o teu amor, ó Jesus! Dá-me, dá-me o teu
amor, ó Jesus!

Sem ele não posso, sem ele não posso, sem ele não posso levar a minha cruz!

Sem ele não posso levar a minha cruz!

Dá-me o teu amor, ó Jesus! Dá-me o teu amor, ó Jesus! Dá-me o teu amor, ó Jesus!

Ó Jesus! Ó Jesus! Sem ele não posso, sem ele não posso, desfaleço, desfaleço com a cruz, com a cruz.

Ó anjos, cantai comigo!

Ó anjos, louvai, louvai, louvai sem fim!

Dar graças não posso, Jesus! Dar graças não posso, Jesus!

Ó anjos, ó anjos, dai-as por mim, dai-as por mim, dai-as por mim!

No Céu te irei ver, ó Jesus!

No Céu te irei ver, ó Jesus, meu Amor!

Ó Jesus, meu Amor! No Céu te irei ver! No Céu te hei-de amar!

No Céu te hei-de amar para sempre, para sempre, para sempre, meu Amor, meu Amor!

― “Vem, minha filha, vem receber a gota do meu Divino Sangue. Mais uma vez, mais uma vez ficou
fundido o meu Divino Coração no teu. Ficas possuidora, guarda este tesouro. Distribui, distribui-o do
teu coração. É pelo teu coração que se espalham no mundo as minhas graças, as minhas riquezas, o meu
amor. É por ti, vítima querida, vítima gloriosa, vítima triunfadora desta calvário.

Passou o teu alimento. Passou a tua vida. Tu já não vives para ti. O que vives da terra é para a terra. O
que sofres na terra é para as almas, sim, para as almas. A tua vida, a tua vida, a tua vida é já do Céu. Fica
na tua cruz tão dolorosa, de tanta glória para o meu Eterno Pai. Tem coragem! Tem coragem! Eu fico
sempre contigo! Eu virei sempre dar-te este alimento enquanto viveres na terra. Vão terminar os
colóquios das almas. Felizes, ditosas daquelas que deles se aproveitaram. Ficam para ti os colóquios de
fé, colóquios de fé e de conforto e pouco mais, pouco mais, esposa querida. Coragem, coragem! Fala às
almas, fala às almas!”

― Ó meu Jesus, vai-me custar tanto, tanto a nossa separação. Bendito Vós sejais! Seja tudo pelo Vosso
amor! Seja tudo pela salvação do mundo inteiro! Não Vos esqueçais, Jesus, de todas as minhas
intenções, que, afinal, são Vossas, Jesus: Vós conhecei-las todas.

Obrigada, Jesus, por todo o amor, por toda a dor e por toda a prova que me dais. Obrigada! Sede bendito
por tudo, meu Sumo Bem!
25 de Dezembro de 1953 – Sexta-feira

Como se sofre! Poderei ainda sofrer mais? Perdoai-me, Jesus. É um desabafo atrevido. Não sou eu quem
sofre, sois Vós o sofrente, sois Vós a vencer em mim. Ajudai-me, Jesus, ajudai-me, não posso levantar-
me, estou caída, só Vós podeis deitar-me a mão. Ai de mim, tantas maldades que eu tenho! É um mundo
delas, um mundo dos maiores vícios e crimes. Todo o meu ser se desfaz com a lepra do pecado. Ventania
destruidora leva as cinzas de todo o ser. Só o pecado fica, só este aparece. São sem número os espinhos a
ferirem-me, são indizíveis os meus sofrimentos. Mas a inutilidade, a tremenda inutilidade, tudo me vem
roubar, toma conta do fruto de tanto sofrer. Eu, pobre de mim, nem ao menos vejo nascer aquilo com
que podia pagar as minhas dívidas ao Céu e consolar o meu Jesus. Cruel, cruel inutilidade, pavorosa,
pavorosíssima eternidade. Só a força de Deus pode sofrer nela, só Jesus nela pode viver. Não posso, não
posso sozinha resistir nem um momento. Já estou mais que sepultada, mas continua o meu ofício de
cavador. Os suores da alma a banharem-na constantemente e a cavação mais parecem cavadelas eternas
do que outra coisa. Mas sinto que esta minha cavação tem de continuar, o meu sepulcro tem de abrir-se
no maior abismo, terra sobre terra ma vai cobrindo, eu mesma me enterro. É com o meu esforço que hei-
de desaparecer. Como, meu Senhor, enterrar-se, desaparecer aquilo que já não existe? Bendito sejais,
bendito sejais! Sou a Vossa vítima. Nuns momentos, sofro infinitamente ânsias verdadeiramente
infinitas de amar a Jesus e de possuir o mundo. Nesses momentos, é infinita a fome que tenho no
coração. Só a humanidade com todos os corações e almas me podiam satisfazer. Noutros momentos,
nem fome, nem ânsias de amar nem de ser amada, mas uma tristeza, um gelo tal que gela o mundo e me
leva à indiferença, ao completo esquecimento das coisas de Deus. Daqui nasce uma dor tão profunda e
tão dolorosa que não é minha. Jesus faz-me sentir bem ao vivo que é a dor do Seu Divino Coração. Não
disse nada, nada posso dizer. Sofro tanto, tanto! Passei pelo horto só como se voasse nele sem poisar na
terra. Eu não pertencia à terra, a minha vida não era da terra.

Preparei-me para o nascimento de Jesus por um acto de contrição; não pude confessar-me. À meia-noite
pedi-Lhe que Ele nascesse no meu coração e em todos os corações. Fiz-Lhe muitos pedidos, mas tudo
feito na inutilidade e na eternidade. Fiz-Lhe companhia no presépio, no calvário e no horto, mas tudo
inútil, numa agonia e tristeza mortal. Hoje, segui para o calvário, mas esvoaçando apenas sobre os
caminhos do calvário e no calvário sobre os braços da cruz. Era do Céu a minha vida, mas penetrava em
todo o ser humano, em todos o ser miserável. Enquanto Jesus agonizava, esvoaçava sempre essa vida
nos braços da cruz. Fitava Jesus crucificado e formava voo para o Seu Divino Coração. Outra vida, a vida
da terra atirava-se para Jesus a escarnecê-Lo, a escarrá-Lo. Ele deu a vida, entregou-se nas mãos do Pai,
e eu fiquei sem nenhuma vida, nem de revolta, nem de amor. Jesus não teve pressa em vir ao meu
coração e fazer-me ressuscitar. Quando veio com a Sua luz, iluminou-me e falou-me assim:

― “Desci do Céu e aqui estou pela última vez no coração da minha esposa para pelos seus lábios falar.
Desci do Céu e vim a este c oração deixá-lo em dor, dor, mais dor pelos pecadores. Grande sábio, a maior
ciência tem aquela alma que por Jesus sabe sofrer. Grande ciência, a maior ciência é amar muito e muito
sofrer. É a ciência que Eu busco, é a ciência que Eu anseio. É rara, tão rara, quase nunca a encontro.
Colóquio das almas, colóquio dos pecadores, o último colóquio das almas, o último dos pecadores.
Coragem, minha filha, coragem! Venho dar-te o meu Sangue divino. Venho dar-te o alimento que te faz
viver. Vive da fé, só da fé. Eu não deixo de confortar-te, quando preciso for. De longe a longe ouvirás,
esposa minha, as palavras do teu Jesus. é dor, é dor, inigualável dor, mas o triunfo, o número das almas
a salvar-se é maior ainda, maior ainda, maior ainda, florinha eucarística. Sofre, sofre, esposa querida,
atrai a Mim os pecadores. Atrai a Mim os pecadores; tu que és o íman atraente atrai-os a Mim, atrai-os a
Mim”.

(Cantou):

Vem, filho meu, vem, filho meu, vem, filho meu, vem ao meu Coração de Pai;

Vem, filho meu, vem, filho meu, ao meu Coração de Pai!


Escuta bem, ouve o convite, ó filho meu;

Ouve o convite do teu Jesus, do teu Jesus e Pai, e Pai!

Vem, filho meu, vem, filho meu, não tardes mais;

Vem, filho meu, vem, filho meu, vem, filho meu, não tardes mais, não tardes mais!

Escuta a minha voz, voz dorida, voz dorida, voz sentida de profunda dor, profunda dor, profunda dor;

Filho meu, não peques mais; dor profunda, filho meu, não peques mais, não peques mais.

― Aqui estou, ó Jesus, aqui estou, meu Amor, arrependida, aqui estou, meu Amor, arrependida! Dá-me
o teu amor, ó Jesus! Dá-me o teu amor, ó Jesus, e a cruz, e a cruz! Nunca quero deixar o teu coração!
Quero amar-te, ó Jesus! Quero amar-te e pedir-te perdão, perdão. Perdão, Jesus, perdão, meu Pai.
Perdão, Jesus, perdão, Senhor! Perdão, Jesus, perdão, Amor! Dá-me a tua cruz, ó Jesus. Dá-me a tua
cruz, ó Amor. Dá-me o teu perdão, dá-me o teu perdão, dá-me o teu perdão, dá-me o teu perdão.

― “Minha filha, minha filha, esposa querida, minha filha, grande vítima deste calvário, deste glorioso
calvário. Minha filha, filhos meus, filhos meus, desce aqui a Santíssima Trindade. À direita do Filho vem
a Mãe Santíssima. A primeira bênção da Santíssima Trindade é dada para o Santo Padre, para o
representante do meu Filho bem amado. A segunda é dirigida ao meu querido Cardeal, ao meu querido
Cardeal. Vai a terceira ao teu Prelado. Vai para ele, minha filha; todos se encham da Trindade divina,
que todos se encham mais e mais da luz do Espírito Santo”.

― Ó Pai, ó Pai, ó Filho, ó Espírito Santo, ó Mãezinha querida. Ó Pai, ó Espírito Santo, ó Mãezinha
querida, ó Mãezinha querida. Ó Pai, ó Filho, ó Espírito Santo, ó Mãezinha querida, não posso com tanta
fortaleza.

― “Vai por ti, minha filha, uma nova bênção da Trindade Divina para aquele que Eu trouxe ao teu
encontro, luz e guia da tua alma, para na mesma vida mística de sofrimento sangrarem os vossos
corações, as vossas almas. Abençoo com o Pai, o Espírito Santo aqueles que têm amparado a tua alma,
aqueles que têm cuidado do teu corpo, aqueles que têm defendido a minha divina causa como ninguém,
como ninguém. A nossa bênção de Trindade Augusta para todos os que te são queridos”.

― Ó Jesus, ó Jesus, um bocadinho de espera. Os que me são queridos já sabeis quem entra. Começai
outra vez, começai com o Pai, o Filho, o Espírito Santo. A bênção e o sorriso terno e meigo da Mãezinha
querida para todos os que eu amo, para todos os que me são caros, para todos quantos me rodeiam. Ó
minha Trindade Augusta, ó minha Trindade Augusta, para todos quantos me pedem orações, para todos
os que necessitam delas. O mundo inteiro precisa da Vossa bênção. Ai, como hei-de ficar sem Jesus na
minha cruz! Ai, como hei-de ficar sem Vós, Mãezinha!

― “Coragem, minha filha, coragem! Não ficas sem o teu Jesus, não ficas sem o teu Jesus. Não ficas sem a
tua Mãezinha querida, a tua Mãezinha querida. Não podemos deixar-te, não podemos deixar-te. Repito,
digo o mesmo que disse aos seus Apóstolos: “Vou para o Pai, mas fico convosco”. Finjo deixar-te para
maior sofrimento, mas não te deixo, não, minha filha, não. Depois de me amares, depois de me dares
almas aos milhões, aos milhões, depois de te abandonares inteiramente a Mim, como deixar-te?! Confia,
confia que não!”

― Adeus, ó Pai, adeus, ó Filho, adeus, ó Espírito Santo, adeus, ó Espírito Santo. Adeus, ó Mãe querida,
até ao Céu, até ao Céu, até ao Céu, ó Mãe querida, até ao Céu, até ao Céu, ó Mãe querida, até ao Céu, ó
Mãe querida. Adeus, Jesus, adeus, meu Pai, adeus, adeus, Jesus. Adeus, Amor, sede comigo, sede
comigo na minha dor, na minha dor. Não posso mais, ai, não posso mais, ó Mãezinha, ó Jesus. Um
terno, um terno adeus de saudade, um terno, um terno, um terno adeus de saudade te dou hoje, ó Jesus,
te dou hoje, ó Mãezinha da filha Vossa. Um terno, um terno adeus, adeus de saudade te dá hoje, ó Jesus,
te dá hoje, a vítima tua. Um terno adeus, um terno adeus, ó Jesus, adeus, adeus, adeus, adeus, adeus até
ao Céu, até ao Céu, até ao Céu, ó Amor meu, ó Amores meus, ó Amores meus!

― “Coragem, coragem! Confia, confia! Não é até ao Céu, não é até ao Céu, flor eucarística, flor mimosa,
pupila dos meus olhos, lírio puro, branca açucena, não é até ao Céu, não é, minha esposa e virgem, ó
minha vítima. Não é até ao Céu, não, ó minha esposa amada, digna dos títulos mais honrosos que Jesus
pode dar a uma esposa e vítima imolada. Sou Eu, sou Eu a dar-te todos esses títulos. Preparei-te
também, minha filha, com a minha sabedoria divina. Estás livre de toda a sombra de vaidade. Velarei
por ti, velarei sempre. Velarei sempre até ao fim da vida como até aqui tenho velado. Coragem, minha
filha. Fala às almas para quem foste criada. Fala às almas para quem foste escolhida. Tu és o porta-voz
de Jesus, tu és o farol de luz, tu és o farol do mundo, que dás ao mundo luz divina, vida divina. Tu és
minha, toda minha, ó esposa bela. Eu sou teu, teu, todo teu, sempre teu.

Recebe a gota do meu Divino Sangue. Fundidos os nossos corações num só coração. Espalhou-se o
sangue. Já passou para as tuas veias. Corre com a maior abundância. Foi maior a dor, foi maior o
alimento. Fica na tua cruz. Eu quero, eu quero que sejas amparada na tua cruz. Haja luz, faça-se luz, a
última vez. Depressa, depressa, que já não é depressa a fazer-se a vontade do meu Divino Coração.
Recebe mais uma efusão do meu amor, o amor de toda a Santíssima Trindade, o amor da tua Mãezinha
querida. Fortalece-te, enche-te, enche-te. Mais amor, mais amor, mais amor para mais dor, para mais
dor. Coragem, minha filha, coragem, minha filha, coragem”.

― Adeus, meus queridos amores, adeus, adeus, adeus. Vou deixar-Vos, vou deixar-Vos. Adeus, adeus,
sede a minha força, sede a minha força, sede a minha força.

(Ouviu-se ruído de beijos)

Foi para mim a última bênção da Santíssima Trindade e da Mãezinha querida. Obrigada, obrigada, o
meu eterno obrigada. Permiti-me, não me leveis a mal que eu a distribua toda, toda, toda por todos. Já
sabeis por onde principio e onde eu acabo. Não me leveis a mal. Perdoai, perdoai.

― “Minha filha, minha filha, por despedida deste-Nos a maior consolação, a maior prova de amor, de
amor, de amor às almas por amor de Nós. Oh! Como consolaste, como consolaste, oh! Como consolaste
a Trindade Augusta e a tua Mãe celeste, a tua Mãezinha celeste!

Vai em paz. Fica na cruz. Fica na cruz! Coragem, coragem!”

― Adeus! Adeus! Obrigada! Obrigada!

Nota: este êxtase foi gravado e assistiram mais de 50 pessoas. Quase todas se comoveram e
choraram. Um sacerdote presente disse: “Poucas vezes tenho chorado na minha vida, mas hoje
chorei”.

1º de Janeiro de 1954 – Primeira Sexta-feira

Perdi o meu maior tesouro. Perdi a Jesus, perdi a Mãezinha. Parece, sinto como se Eles morressem para
mim. Não posso pensar na triste, na dolorosíssima separação de sexta-feira. Triste mortório, mas é tal a
diferença como da terra ao Céu. Custou mais, infinitamente mais, a separação de Jesus e da Mãezinha,
este sentimento como se Eles morressem para mim, do que quando perdemos e nos separamos dos
nossos entes queridos.

Ai, meu Deus, ai, meu Deus, só ao Céu é dado compreender esta dor e àqueles que a sentem. Apenas
levanto um bocadinho do véu e não consigo mais nada. Foi tal a dor que me pareceu ficar sem coração,
não sei se desfeito pela dor, se Jesus e a Mãezinha mo levaram. O que sei é que ficou em mim um vazio
tão grande que só o Céu mo podia encher. E depois o sofrimento de cada dia e cada noite resultado de
tudo isto. Chorei muitas vezes e muitas lágrimas. A dor levava-me a levantar a voz, mas logo me vencia e
chorava em silêncio. Que as minhas lágrimas sejam actos de amor para Vós, Jesus e Mãezinha! Ai de
mim! Perdi os meus Amores! Mas logo a confiança obrigava o coração a falar. Creio, creio que não os
perdi. Todo o meu martírio reverta em favor das almas. Sou a Vossa vítima. Creio, creio, confio que não
estou só. Ai quanto custa dizer: Creio! Sem crer; confio! Sem confiar.

Neste momento, a minha alma sangra de dor por não ser capaz de dizer como foi a minha separação e a
ter necessidade de o dizer. Perder a Jesus e a Mãezinha foi perder o Céu. Todo o meu ser se retalha e, no
meio dela, vou dizendo sempre: creio, creio, meu Deus, eu creio! Nestes dias tão dolorosos, de tão
grande martírio para o corpo e de tanta angústia para a alma, ainda veio mais um tormento para o meu
pobre coração. Várias cartas me chegaram às mãos a dizerem-me que o senhor Bispo de Aveiro tinha
proibido a vinda aqui dos sacerdotes. Punhais tão dolorosos! A minha alma tinha a visão da
consequência desta ordem. Tanta humilhação! Se eu pudesse reparar tanto escândalo que se dá! Tantas
más interpretações por causa disto! A minha oferta de vítima não cessa diante do Senhor. Por Vosso
amor, tudo! Faça-se a Vossa vontade! O meu túmulo, o meu túmulo, a minha arte de cavador vai
continuando. Cobri-me eu mesma com a terra do meu sepulcro. Fui eu que me cobri, fui eu que
desapareci, que me enterrei. Estou tão funda, tão funda!... Parece que toda a terra da humanidade me
cobre e os suores da alma vão continuando assim como a eternidade e a inutilidade. Não conta, não anda
a eternidade. Que pavorosa ela é! Se Jesus não velasse, só ela me tirava a vida. Tanto sofrer para tanta
inutilidade! Uma vida de tanta dor para nada ter que oferecer a Jesus. Estou de mãos vazias. As minhas
ânsias tão infinitas, tão infinitas não as posso fazer compreender. Quero o mundo, quero o mundo
dentro do meu coração. Quero todos os corações, quero todas as almas, quero levá-las com o meu
sangue. Quero amar a Jesus pelo mundo inteiro. Queria morrer, a cada momento, até ao fim dos séculos
e a cada momento dar o sangue até à última gota, para que nenhuma alma se perdesse, nem nenhum
coração deixasse de amar a Jesus. Queria, sim, dar todo o meu sangue e a vida, a cada momento, até ao
fim dos séculos para evitar um só pecado.

Ai, ai, não posso consentir que Jesus seja ofendido! Eu não tive horto. Vou dizer o melhor que puder o
que senti.

Sobre o solo do horto esvoaçava uma pomba. Tinha sempre no seu biquito uma gota que deixava cair
sobre a terra e se transformava em orvalho fecundador. Uma gota caía, logo outra aparecia. Este orvalho
era celeste. Era o maná que alimentava, que dava a vida, dava luz e sabedoria. Uma vida no ar, outra
vida na terra. A minha alma tornava-se sábia, compreendia tudo isto, tudo o que era do Céu. A minha
dor, a minha dor humana vivia-a, sentia-a o mais dolorosa que se pode imaginar.

No calvário de hoje, a mesma pomba continuava a voar, a deixar cair as mesmas gotas que se
transformavam em orvalho, orvalho celeste e a dar a mesma luz e vida de sabedoria. Eu cá em baixo
levava a cruz da minha vida dum martírio indizível. Não vi Jesus, não o senti. Não soube que Ele
expirasse. Veio alguém que juntou ao meu coração, à minha vida terrestre a vida divina. Essa mesma
vida comunicava-se a mim como quem injecta. Desapareceu a minha vida terrena para viver a outra. O
coração e a alma fortaleceram-se mais. A casa do meu interior tinha mais luz. Diz-me Jesus nesta altura:

— “Sou o Senhor do mundo, o Senhor da paz, o Senhor da fé e da confiança. Crê, crê, vive da fé. É
colóquio de fé.”

Creio, creio, Jesus. A gota de sangue Jesus não disse que ma ia dar; senti o choque e o meu coração ficou
unido ao outro Coração, a chupar dele como a criancinha no seio de sua mãe. Novas palavras de Jesus.

— “Coragem! Vive para as almas. Recebe as carícias de minha Bendita Mãe. Sou Eu o portador delas, já
que amanhã Ela não te vem falar.”

— Obrigada, Jesus. Dizei à Mãezinha o meu muito obrigada.


Não disse tudo da minha separação. Que saudade das carícias da Mãezinha e saudade da Santíssima
Trindade. Toda Ela me abraçava com a Mãezinha, e o Divino Espírito Santo em forma de pomba
irradiou-me toda com a Sua luz, que iluminou todo o meu ser; prendia-me a Ele com fitas de várias cores
que d’Ele pendiam. O que foi! Quanto custou! Não digo nada. Fico na minha dor e na minha eterna
saudade.

8 de Janeiro de 1954 – Sexta-feira

Continuo a sentir a perda de Jesus e da Mãezinha. Eles morreram para mim. Triste, tremenda
separação. Não tenho palavras, a minha ignorância não deixa exprimir a dor desta separação. Perder a
Deus, perder a Mãezinha, é perder tudo, é perder tudo. O meu coração e a minha alma estão numa
angústia, estão como se estivessem sozinhos num universo de trevas, num mundo de perda eterna. Nem
na terra, nem no Céu há conforto para eles, ou antes, nem existe a terra, nem existe o Céu.

Meu Deus, eu creio, creio, meu Deus. Assim o vou repetindo muitas vezes, sem ter apoio, luz e conforto
de ninguém. A minha eternidade existe atrás de mim, em mim e à frente de mim. Tudo é eternidade
desesperadora, revoltosa, odiosa contra tudo, contra Deus. Ai, a eternidade, ai, o que é a eternidade!... E
a inutilidade que tudo me rouba?! A minha vida de tantos espinhos, de tantos punhais, de tanta
contradição e humilhação é toda para ela.

Oh! Como me vejo de mãos vazias! Nenhum do meu sofrimento, nenhum do meu martírio aparece à luz
do dia. Mas ele existe dia?! Há sol e estrelas no firmamento?! O que é isto, meu Deus, se sinto que não
há Céu nem terra! Mas existe a eternidade? Eu vivo a eternidade. Vivo-a por Vosso amor e por amor às
almas.

Não pode ser vista a profundeza do meu túmulo. Em que abismo estou! Ficam na superfície apenas a
parede do meu sepulcro, mas eu desapareci, escondi-me. Fui cavando, cavando. Estou tão funda! Parece
que tenho mundos, mundos sobre mim. Despi-me por mim de todas as coisas, por mim me enterrei, por
mim mesma me fiz desaparecer. Os suores da alma não cessam com a canseira da escavação. É como se
cavasse incessantemente sem tirar do meu punho o instrumento da escavação, mas a cavadela leva mais
de um século. Por tudo seja bendito o Senhor!

No primeiro sábado não tive a visita da Mãezinha. Senti por Ela saudades de morte saudades de morte.
Apesar da sagrada Comunhão desse dia ser mais íntima, mais confortante, ai de mim, se Jesus não
velasse!

O meu horto não é aquele horto de outrora. A minha vida humana a em baixo sempre fugitiva sem pisar
terra alguma dele. Lá em cima, a grande altura, sempre a mesma pomba a deixar cair do seu biquito
muitas gotinhas que se espalham em orvalho, mas ela não se satisfaz só com isso; vai levar aos corações
essa gota e com o mesmo biquito retoca-os, faz neles o ninho. Vai também às inteligências focá-las,
enchê-las de luz. Como é grande a vida e o trabalho dessa pomba!... Assim esvoaçou sobre o Horto e
assim hoje esvoaçou sobre o Calvário.

Eu tive o Santo Sacrifício da Missa; com a minha fé abandonada à Mãezinha pedi-Lhe que me levasse e
me fosse imolar com Jesus e me desse todos os seus sentimentos. Senti em mim como que um desespero
na fugida do Calvário. A minha vida morta era a vida humana, mas aquela pomba era e dava a vida do
Céu. Sem sentir que Jesus morreu, senti que Ele chegou junto de mim, sentou-se e como o bom Pastor
chamou a si a Sua ovelhinha:

— “Vem, minha filha, sou o teu Jesus. Descansa aqui.”

Sentei-me junto d’Ele; nos Seus joelhos coloquei a minha cabeça, sobre a minha e o meu ombro deixou
Ele cair o Seu divino braço. A minha alma foi recebendo conforto.
— “Sou o teu Jesus, sou o teu amor. Confia, confia! Este colóquio doloroso, mas de fé, continua a salvar
almas aos milhões, aos milhões.”

— Creio, creio, Jesus, mas custa tanto, tanto a crer! Custa tanto, tanto, a confiar! Valei-me! Sem Vós não
posso! Tudo por Vosso amor e pelas almas!

Jesus tomou-me para o Seu regaço, uniu os nossos corações, fez passar a gota do Seu Divino Sangue.

— “Dou-te, esposa querida, com toda a fortaleza, a gota do meu Sangue. Nova vida para tu dares vida.
Coragem! Coragem! Crê! Nova vida de fé! Confia! O Céu não te abandona! Jesus está contigo. Vai salvar
almas, vai para a tua cruz!”

Obrigada, obrigada, Jesus.

15 de Janeiro de 1954 – Sexta-feira

Não sei se a minha vida é o pôr-do-sol, o cair da noite, ou noite por completo. Eu brado: o meu coração e
a minha alma no meio desta vida sem vida, de noite sem estrelas, nestas trevas densas e apavoradoras
bradam, bradam ao Céu. O meu estado é tal que por vezes parece que não sei se vivo, se estou na terra,
ou onde estou.

— Creio, Jesus, creio no Vosso amor, creio nas Vossas palavras, creio nas Vossa promessas. Creio que
não me deixais sozinha. Que eu não viva, não importa, que eu morra para mim e para tudo, é o meu
anseio, mas que Vós vivais em mim e em todas as minhas coisas, não Vos dispenso. Pobre alma perdida
no bosque, sem que seja ouvido o seu brado, pobre alma a clamar ao Céu, duvidosa de que há uma
eternidade e sempre a viver essa mesma eternidade, de cuja existência duvida. Creio, creio, Jesus. Este
meu “creio” de alma e coração não terá fim. Creio em Vós, creio nas Vossas promessas, creio em tudo.
Ai, quanto sofre a minha pobre alma! Ó Jesus, tudo quanto ela sofra é por Vós. Eu caminho; falha-me
aos pés a terra que calco. Caio e não posso mais levantar-me.

Estou no mar tempestuoso, não cesso de lutar com as ondas. Sinto-me cansada, sinto-me desfalecida
com tanto lutar. Quero apanhar a areia ou qualquer coisa que me segure deveras e não encontro. Tudo
me falha. Deixo-me ficar à mercê das ondas. Sofro tanto, tanto por não saber exprimir os meus
sofrimentos e a ter infinita necessidade de os exprimir. A minha ignorância não me deixa. Tenho de ficar
nela, nesta dor infinita, por ser impossível dizer quanto se sofre. Também sinto cansaço indizível e
incompreensível cansaço da fome, da ansiedade de possuir o mundo. Não cesso um momento. Vou de
encontro a todas as barreiras que fecham a humanidade a apanhar tudo, a chupar tudo, todos os
corações, todas as almas, todo o suco que posso encontrar para dar a Jesus, para Ele não ter um
momento de tristeza nem de dor.

Meu Deus, meu Deus, que ansiedade infinita! Querer dar tudo a Jesus e nada dar, querer apanhar todas
as almas e nenhuma prender, querer oferecer todos os sofrimentos e não os possuir para Lhe dar.

Ó inutilidade, como és traiçoeira! O inutilidade que roubas e és assassina! Tudo isto se passa
mergulhado na eternidade! Vivo a eternidade em tudo e sempre. É na eternidade que está o meu
sepulcro. Este na superfície da terra e eu sempre sob mundos e mundos. Os suores da alma, a fadiga da
alma; fiz-me desaparecer por mim, despi-me de tudo, parece que até descarnei as minhas carnes, mas cá
vou indo na minha canseira incessante de cavador canseiroso.

Meu Deus, meu Deus, onde estou eu?… Na minha eternidade, amaldiçoando a Deus, numa revolta
contínua. Ai que saudades eu tenho de Jesus e da Mãezinha!... Que dor tão profunda a da Sua perda!
Não tenho horto nem calvário. Perdi tudo. Sobre o horto vai esvoaçando sempre a pombinha, vai dando
a sua vida e deixando cair as gotas do seu orvalho. É vida do Céu, é orvalho e maná celeste. Sempre
nestes sofrimentos eu vivo as horas do calvário e sofro mais por não viver a vida dele, os frutos dele.
Perdi tudo, tudo. Hoje, na viagem dessa montanha, a pombinha esvoaçava, batia as asas, o orvalho caía e
ela no meu peito veio fazer seu ninho. Ela trabalhava. Deixei-a trabalhar, mas sempre numa dor,
tristeza, angústia pavorosa.

Bateram três horas, e logo veio Jesus em tamanho natural. Mostrou-me o Seu Divino Coração cercado
de raios luminosos, mais brilhantes do que o sol. Toda a casa da minha alma se iluminou. Estes raios
aqueceram, penetraram todo o meu ser, e Jesus logo desapareceu. Eu fiquei como uma bola com a qual
os raios brincavam e jogavam para um e outro lado. Principiei com esta perda de Jesus a fazer logo
repetidos actos de fé: creio,Jesus, creio que sois Vós, creio que estais aqui.

— “Minha filha, um universo de graça, um universo de luz, um universo de paz e de amor estão no teu
coração. Colóquio de fé. Vive da fé. Prende as almas, prende as almas com estas cadeias de dor e de
amor.”

Fiquei novamente a viver da fé.

— Creio, creio, creio!

É um creio que nunca mais acaba.

— Confio, Jesus, confio.

— “Recebe a gota do meu Divino Sangue, a vida de que tu vives. Mundo de vida divina para a viveres,
para a comunicares aos corações e às almas.”

Um fogo se abrasou, e Jesus desapareceu tão rápido, sem que eu Lhe pudesse dizer o meu adeus, o meu
eterno obrigada.

— Creio, creio, creio, Jesus! Amo-Vos neste abandono e quase completa incerteza. Creio, creio!

22 de Janeiro de 1954 – Sexta-feira

Estreito ao meu coração, sinto imensa necessidade de a ele estreitar uma coisa que perdi. Quantos
abraços íntimos, o mais profundo que se pode imaginar, eu dou em mim em muitas horas da noite e do
dia. Que tristes e saudosos são estes abraços interiores! Abraçar a quem? A alguém que me parece ter
perdido. A Jesus e à Mãezinha. Ai, meu Deus, quanto eu sofro! Como aguentar a saudade desta perda,
como aguentar a saudade destes tesouros, destas personagens divinas, que não servi como devia servir,
que não amei como devia amar, que não me entreguei, não sofri por Eles como devia entregar e sofrer.

— Ó Jesus, ó Mãezinha, só Vós sabeis, só vós podeis avaliar a minha tristeza, a minha saudade, a minha
dor. Eu quero-Vos, eu quero-Vos, velai por mim, não me abandoneis, vinde em meu socorro, não posso
viver neste exílio sem Vós. Senhor, Senhor, perde-se o meu brado, o Céu tem sobre ele nuvens sobre
nuvens, cadeias sobre cadeias, não chega lá o meu brado nem meus suspiros. A morte e a noite da minha
alma são para mim horrores e pavores. Interiormente, os meus braços ficam assemelhados à cruz.
Deixo-me crucificar, quero sempre a vontade santíssima do Senhor. Sou a Vossa vítima, sou e serei
sempre a Vossa vítima. O meu coração anda como louco numa fome infinita, a correr o mundo, a romper
montanhas, a atravessar mares, à busca de corações e de almas. Não posso deixar um só tresmalhado,
não posso consentir que uma só alma se perca.

Que fadiga, Senhor! Como isto me consome! Seja tudo por Vosso amor. Ah! Se eu soubesse falar deste
assunto, nunca mais deixaria de desfolhar as páginas do tal livro. Sinto uma humilhação, por vezes
quase mortal, ao ver-me rodeada de tanta gente. Chego a ter medo de mim com a profundeza da minha
miséria.

Pobrezinhos, os que vindes ver! Só coração sem vergonha nem temor fura, voa por toda a parte, quer
saciar-se de ânsias tão infinitas, quer corações, quer almas, tudo, tudo, sem nada perder.
Que fazer, Senhor? Só o abandono e deixar-me levar por Vós e só em Vós confiar e esperar. O meu
sepulcro mantém-se na superfície. Só eu na minha canseira, nos meus suores de alma, desci tanto, tanto,
tanto desapareci, não sei onde vou, não sei falar de tal profundeza. Haverá mundo, haverá terra ou Céu?
Eternidade a há, vivo-a. A inutilidade sinto-a. São estas duas coisas que me fazem de tudo miserável.
Nem dor, nem amor, nem fé, nem confiança. De tudo e sempre sou roubada. Ai, a eternidade, ai, a
eternidade desesperadora.

Sobre o meu horto e o meu calvário não faltou a voar a branca pombinha. O orvalho espalhou-o das
gotas que produz o seu biquinho. Mais uma vez em mim o ninhinho foi feito. Mas ah! Eu não posso
esquecer, nunca mais poderei esquecer os olhares penetrantes, perscrutadores que penetravam e
perscrutavam toda a terra, todo o ser. Estes olhares viam a inutilidade do Horto e do Calvário, a perda
do Sangue redentor. Eram olhares divinos e tais olhares produziram em indizível tormento, dor
verdadeiramente infinita. Não podia mais resistir; pedi conforto ao Céu. Jesus veio, fez luz na sala do
meu peito e retirou-se; a Sua vinda foi disfarçada. Animada por aquela luz, fui repetindo: creio, creio,
Jesus, diz-me a minha fé que estais comigo. Louca por encontrar o meu Amado perdido, fui caminhando
sempre, chamando: Jesus, Jesus, onde estais, Jesus?

Encontrei-me num bosque, entre o qual encontrei aquele que procurava. Tudo eram árvores espinhosas
e sabes de espinhos penetradores. Todo o meu ser era sangue e em sangue encontrei todo o ser de Jesus.
Ele a caminhar à minha frente dizia-me:

— “Estou aqui, estou aqui, vem cá, minha filha, estou aqui.”

Como num excesso de cansaço, sentou-se; as varas espinhosas atravessavam-no todo, o sangue escorria.

— “O mundo, os pecadores perseguem-Me, não escutam a Minha voz. Olha como Me ferem! Ai deles, se
não atendem ao Meu chamamento, ai deles, se não se convertem! Salva-os, são teus; é tua a dor, é meu o
amor.”

Esqueci-me de mim, dos espinhos que me feriam; com muito cuidado principiei a tirar todas as varas
deles que feriam e atravessavam a Jesus. Quando O vi sem espinhos, vi-me sem Ele, tinha-me fugido.
Continuei à sua procura, repetindo: creio, creio, Jesus. Veio então Ele ao meu encontro:

— “Colóquio de fé, colóquio de dor. Coragem, minha filha, o mundo é teu, é para o salvares. Consola-me
e recebe a gota do meu Sangue Divino.”

Jesus uniu os nossos corações, tomou uma veiazinha do d’Ele, outra do meu, fez delas como que um
enxerto, a gotinha do Sangue passou. A minha alma teve de sorrir a esta operação.

— “Coragem, minha filha, escora firme da justiça de meu Pai. Afasta-a, afasta-a. Recebe o meu conforto
e o da tua Mãezinha celeste. Serei, por mais vezes, o portador dela.”

— Obrigada, Jesus; dizei-lhe por mim o meu eterno obrigada. Lembro-Vos os meus pedidos e fico a
repetir: creio, creio, creio!

12 de Fevereiro de 1954 – Sexta-feira

Nada disse na sexta-feira, dia 29 de Janeiro, nada disse na sexta-feira seguinte, dia 5 de Fevereiro,
porque não pude. O que eu sofri, e em tantos dias! E para maior mal não soube fazer a entrega do meu
sofrimento ao Senhor. Hoje também mal posso falar; é grande o sacrifício que vou fazer. Vou ver se digo
as palavrinhas de Jesus, destas três sextas-feiras. Dos sentimentos da minha alma ainda não posso falar.
Foi grande abalo que me causou tão grande crime. Todo o meu viver foi morte da terra e do Céu. Bendito
seja o Senhor, tudo pelo seu amor.

No dia 29, Jesus veio e disse-me:


― “Coragem, minha filha, nos teus sofrimentos. Repara o meu Divino Coração. Olha, este martírio
doloroso que te peço é por uns sacerdotes tão entregues a si mesmos, tão entregues à sua carne, prestes a
caírem no inferno. Tu conhece-los, sabes quem eles são.”

Jesus estava em tanta dor, coroado com uma coroa de tão agudos espinhos, escorria tanto sangue! E eu
disse-Lhe:

― Ó Jesus, eu não quero conhecê-los e não quero saber quem eles são. Não quero que eles vão para o
inferno, sejam eles quem for, são filhos Vossos. O que eu quero é ver e saber que Vós não sofreis.

Desapareceu a visão, fiquei numa agonia de alma, naquelas tremendas dúvidas se sim ou não era Jesus.
Fiquei a viver da fé e a repetir muitas vezes: creio, Jesus, creio!

Ele apareceu-me novamente sem espinhos e sem sangue.

― “Se soubesses, minha ilha, a consolação e a reparação que Me deste, ao falar-me assim dessa forma!
Coragem, coragem, que o Céu está contigo. Recebe a gota do meu Divino sangue. Vive de mim e para
mim.”

Dito isto, desapareceu. Fiquei mais confortadinha, mas em tanta dor como se Jesus não viesse.

No dia 5, veio. Eu estava muito desfalecida, muito me tinha debatido com a dor. Apareceu-me Jesus com
o rosto do Ecce Homo, rosto de tremenda agonia.

― “Ó minha filha, ó minha filha, coragem, anima-te, está contigo o Senhor do Céu e da terra, o Jesus que
é a tua vida.”

― Quereis que me anime, Jesus, ao ver-Vos sofrer assim? Não posso, não posso animar-me. Para que
tenho eu sofrido tanto? Ele ficou logo no Seu rosto natural e com o sorriso nos Seus lábios divinos e
acariciando-me disse-me:

― “Tens sofrido para que Eu assim não sofra, minha louquinha. O mundo não escuta a minha voz; os
pecadores não deixam de me ofenderem. São eles a causa do teu sofrimento, para me dares a Mim e a
meu Eterno Pai a reparação necessária. Recebe a gota do meu Divino Sangue, gota fortíssima, porque
fortíssima foi a dor que te consumiu. Recebe as minhas carícias e as da minha Bendita Mãe. Sou o
portador delas para o dia de amanhã, primeiro sábado. Ela quer encher-te, Eu quero encher-te, neste
ano mariano, que Eu quisera que ele fosse tão teu e devia ser tão teu e daquele que eu pus no teu
caminho para teu guia e tanto trabalhou para a glorificação de minha Bendita Mãe, para que o mundo
Lhe fosse consagrado.

Ao Santo Padre lhe foi dada a luz, e ele aceitou a luz. Bem depressa lhe será dada a recompensa.

Eu quero que, neste ano, a teu respeito toda a luz seja dada. Depressa, depressa, cada coisa no seu lugar.
Recebe novo amor, novas carícias.”

― Obrigada, Jesus, dizei por mim o meu eterno obrigada à Mãezinha.

Tudo passou como se nada houvesse; o martírio continuou. Hoje, estava, para assim dizer,
completamente morta. Só perto das três horas principiei a sentir o trabalho da pombinha, e o meu
coração e a minha alma romperam num brado incessante ao Céu:

― Ó Jesus, ó Mãezinha, valei-me.

Jesus falou-me assim:


― “Quem há na terra, minha filha, que de alma e coração invoquem o meu nome e o da minha Bendita
Mãe, e sejam por Nós abandonados? Eu estou aqui para te valer, para te fortalecer. Confia, confia.
Inclina-te, descansa aqui.”

Jesus, sentado, fez que a minha cabeça se inclinasse sobre os Seus joelhos e a Sua bendita mão
acariciava-me docemente. Quase que ia adormecer ali. De repente, ouvi os suspiros de Jesus e num
impulso de amor levantei-me. Ó meu Deus, como Lhe rolavam lágrimas pelas faces. Inclinei a minha
cabeça contra a d’Ele e chorei também. Mas tentei enxugá-las.

― Ó Jesus, ainda não Vos disse que não sofria, quero sofrer, quero sofrer, não choreis.

Desapareceu-me, deixei de O ver, nem a chorar nem a rir. Eu cheia de agonia chamava por Ele.

― Onde estais, Jesus? Ai de mim, se me falta a fé. Creio, creio.

Então Jesus veio novamente e disse-me:

― “Nunca o Céu te falta. Confia, confia, vive neste abandono. Eu tomo para ti a tua vida, chupo todo o
suco do meu cachimbo e distribuo-o como me apraz. Recebe a gota do meu Divino Sangue. Vives da
mesma vida que Eu vivo. Comunica-a, faz dela viver as almas. Salva-me os pecadores. O mundo é teu,
acode-lhe, acode-lhe.”

― Lembro-Vos o mundo, Jesus, lembro-Vos todas as intenções. Fazei milagres para honra e glória Vossa
e bem das almas.

Fiquei sem Jesus, mas fiquei na minha agonia, no meu tormento, a viver da fé.

19 de Fevereiro de 1954 – Sexta-feira

Não sei como dizer algumas palavras, mostrando um nadinha o muito que me vai na alma. Não sei como
obedecer.

― Meu Deus, meu Deus, quanto se sofre! Seja tudo por Vosso amor! Ó dor, ó dor, tu só és doce, levada
por amor de Jesus. Mas custas tanto! Há tão pouco quem te compreenda e se compadeça dos que
sofrem! Sede louvado e bendito em todas as coisas; seja feita, Senhor, a tua vontade. É tal o sofrimento
que tenho no corpo e na alma que me faz sentir imensa necessidade de pedir a Jesus para me levar para
o Céu. Só com a força de um Deus se pode sofrer assim. Não posso pensar na perda de Jesus e da
Mãezinha; a minha alma não suporta tal dor. Não me aproveitaria eu das graças que pelo Céu me foram
dadas?

Meu Deus, meu Deus, compadecei-Vos de mim, compadecei-Vos desta pobre alma nas maiores trevas,
no maior abandono e sem um guia! Ai, Jesus, ai, Jesus, ai, Mãezinha! Junto ao meu sepulcro, mas na
maior profundidade, que nunca olhares humanos podem penetrar, estou eu nos meus suores, na minha
cavação incessante. Não sei o que faço nem sei onde vou parar. Ai de mim, para onde vou! Que pavor!
Na superfície da terra estou como sozinha no mundo; é um mundo sem luz, um mundo sem fôlego vivo.

Sinto uma velhice, como não houve nem haverá jamais. Esta velhice é no corpo e na alma. É uma
velhice; quase junto a cabeça aos pés e varro a terra com o rosto. Foi o corpo que envelheceu a alma e a
afeiou.

Só deixei o mundo, quando ele me deixou, quando me escarneceu e no rosto escarrou, quando com
vozearias e maus-tratos tentava tirar-me a vida. Tudo passou, só eu fiquei nessa velhice morta e
apodrecida. Quase nada tenho rezado com os meus sofrimentos, com tão doloroso martírio. Fiquei
quase por completo esquecida das coisas do Céu. Tenho dito a Jesus e à Mãezinha que isto não
representa a diminuição do meu amor, mas sim do meu muito sofrer. Faço repetidos actos de fé: creio,
Jesus, eu creio. Perder a Jesus, perder a Mãezinha, foi perder o Horto, perder o Calvário, foi perder tudo.
Caminho por aqui e além, fito um e outro lugar sem proveito algum e a ninguém encontrar.

Foi neste estado de alma que se aproximaram as três horas de hoje. De repente, fiquei num mar imenso
de naufrágio; a todo o custo lutei com as ondas, entrando sempre pelo mar imenso a apanhar e a trazer
comigo os náufragos. Precisava de conforto, estava perdida, desfalecida de tanto lutar. Veio Jesus e
disse-me no meio do naufrágio:

― “Minha filha, minha filha, mar de dor, mar de sangue, mas mar de salvação das almas sem número,
aos milhões, aos milhões, aos milhões. Muita dor exijo de ti, porque muita reparação exigem os crimes
da humanidade. Como o mundo peca, como o mundo peca! E há tão pouco quem sofre e repare!”

Dito isto, Jesus desapareceu e eu fiquei no mesmo mar e em trevas apavoradoras.

― Sois Vós, Jesus, sois Vós ou estou enganada? Onde é que estais? Valei-me, valei-me.

Ele não se apressou, deixou que a luta e as trevas continuassem, até que depois veio e disse-me:

― “Colóquio de fé, colóquio de fé, minha filha, colóquio de amor. Muito sofres, porque muito amas e és
amada. Eu tenho que fazer milagres, para que possas resistir à dor que te causam as ofensas feitas ao
meu Divino coração.”

Fiquei no Seu regaço, entre os Seus braços, muito estreitada ao Seu Coração divino. Jesus acariciava-me
e fitava-me com doçura e amor. Já se passaram umas poucas de horas e eu ainda sinto no coração
aqueles olhares tão ternos e penetrantes. Com a máquina do Seu Coração parece que sulfatava o meu.
Aquele fogo ateou-me no meu peito.

― “Qual queres, minha filha, ver-me a sofrer ou ver-me na alegria?”

― Ó Jesus, a dor para mim e a alegria e consolação para Vós.

Ele chegou a suspirar, mas eu bradei-Lhe:

― Sofrer não, sofrer não, meu Jesus.

― “Coragem, filha, e confiança: está perto, está perto o teu Céu. Recebe a gota do meu Divino sangue. É
o Sangue de Cristo, é a mesma vida de Cristo a viver em ti. Comunica ao mundo, comunica às almas esta
vida; deixa-as servir e aproveitar-se dela, conforme as suas ânsias de união comigo. Sofre pelo mundo,
salva o mundo; sofre, sê vítima no mais alto grau pelos sacerdotes. Como eles pecam, como eles pecam
em tão grande número!”

― Sou a Vossa vítima, Jesus. Lembrai-Vos de todas as minhas intenções. Creio que estivestes em mim,
creio que viveis em mim.

26 de Fevereiro de 1954 – Sexta-feira

Continuo no meu estado grave e por não poder falar direi só umas palavras, como sinal da minha
obediência. Meu Deus, meu Deus, que obediência tão custosa! Sinto a dor, vivo a dor; falar dela não sei,
sou a maior ignorante. O que sofre o meu corpo e a minha alma nunca na terra o farei compreender. Eu
só queria saber falar dela para honra e glória de Nosso Senhor e bem das almas. Na minha tremenda
inutilidade, trevas densas, pavorosas, eu vejo os meus caminhos andados, mas todos selados de sangue;
corre por eles como regatozinhos. É este sangue que brilha, é este sangue que me mostra a terra que
trilhei, os espinhos que calquei. Dor e sangue foi e é a minha vida, mas a inutilidade nada me deixou
para o meu Jesus nem para as almas a quem tanto amo, por amor d’Ele.
Sou pobríssima, sou nada. Sofri tanto, tanto como que saiu no jornal A Voz do Pastor! Tormento nunca
dito, só sofrido se saberá compreender.

― Ai, meu Deus, se eu sofresse sozinha, se não sofressem os que estão à minha volta! Quanto Vos devo,
meu Jesus. Não me faltastes com o Vosso amparo. Sofri sem um momento de revolta, com os olhos em
Vós, sem má vontade contra ninguém. Obrigada, Jesus, obrigada, Jesus. O que eu não queria é que
fôsseis Vós ofendido e que não houvesse tanto escândalo. Sou velhinha, mais velhinha que a terra, à
terra me uni; o meu rosto nela poisou, tal foi o peso que a isso me obrigou.

O coração sente e vê o meu túmulo, não sai do pé dele, enquanto todo o outro ser em suor banhado
segue a sua canseira num abismo tal sob o peso de milhões e milhões de mundos. Quando está nesta
profundidade, parece que não pode voltar à superfície da terra. Com a perda de Jesus e da Mãezinha, do
Calvário e do Horto, perdi tudo para jamais voltar a possuir.

Que dor, que dor infinita! A passagem pelo horto e pela montanha é como que por terra estranha, terra
morta, sem luz, sem amor. Parece que, ainda que quisesse recordar o que tudo isto foi, não podia. Sem
mal poder mover os lábios, falando mais com o coração, chamei por Jesus e pela Mãezinha: necessitava
do Seu conforto.

Eram já três horas e alguns minutos sem que Ele viesse. Num dado momento, surgiu-me de repente.
Com um foco de luz iluminou-me, tomou-me toda inteiramente e meteu-me no seu Divino coração.

― “Vem, minha filha, descansar na morada do meu Divino coração; aqui estás e dele vives. Vive do
sacrário, vive da cruz, nela bem cingida, nela bem crucificada. Comunica a vida do Calvário, a vida do
sacrário e a deste Coração Divino. Vives para os teus Amores, falas dos teus Amores. Coragem, recebe
aqui conforto, recebe aqui fortaleza para tantas forças que a dor consome.”

Não sei o tempo que estive dentro desta doce morada. De repente, fiquei sozinha; fugiu-me a luz e o
lugar de repouso. Cega, sem nada ver, caí à borda da estrada. Levantar-me não podia, os meus gemidos
não se ouviam e em tal escuridão não podia ser encontrada. Perdi tudo: não tenho Jesus nem a
Mãezinha, estou sem guia. Parecia ali uma eternidade, a minha eternidade, aquela eternidade que eu
vivo há tanto tempo, sempre em princípio, sem um momento caminhar. O meu brado continuou, assim
como o meu esforço para levantar-me. Não fui capaz. Jesus veio, foi Ele quem me levantou e sem que eu
visse que era Ele; tinha que acreditar pela fé. Tomou-me pela mão e, caminhando comigo, como se eu
fora ceguinha e nenhum caminho conhecesse, foi-me falando assim:

― “Sou o teu guia, sou o teu Jesus. Colóquio de fé, vive da fé, colóquio de dor, vive na dor. Coragem,
minha filha! O mundo corre sempre para o abismo da perdição. Se assim não sofresses, já toda a terra
ter-se-ia aberto num só vulcão de fogo. Quantas almas, quantas almas teriam caído no inferno nas horas
destinadas a lá as receber. Quantos sacerdotes lá estavam precipitados. Quantos, quantos! Para a
reparação dos sacerdotes, outros a prepararem-te a imolação! Acode ao mundo, lembra-te que ele é teu!”

Nova ausência de Jesus, até que voltou a vir, uniu os nossos corações e disse-me:

― “Recebe a gota do meu divino Sangue. Vives só a minha vida; comunica ao mundo a mesma vida.
Salva-o e não te esqueças que to entreguei, que ele é teu.”

Pus-me a fazer-Lhe os meus pedidos e não cheguei a dizer-Lhe o meu obrigada sem que Ele tivesse
desaparecido. Creio, creio!

5 de Março de 1954 – Sexta-feira

Se não recuperar algumas melhoras, terei de deixar de ditar, não com o fim de desobediência, mas sim
por não poder. O sentimento, o pensamento, embora involuntário, de ter perdido a Jesus e a Mãezinha,
arrancam-me o coração e as veias que a ele prendem, põem-me a alma em sangue.
Meu Deus, que sofrimento! Sempre que se aproxima o santo tempo da Quaresma, eu fico tímida, à
espera da tempestade que surge. É a experiência já de há muitos anos. Nesta recebi agudos espinhos,
grande dor, ainda dias antes. Virá mais alguma coisa? Abro os braços para tudo.

― Jesus, sou a Vossa vítima.

Além da minha inutilidade e da minha eternidade, o meu sepulcro e a vida de cavador com os suores na
profundeza dum abismo, eu sentia a tal velhice de que já falei, mas esta velhice parecia-me vir do alto,
que era do Céu. A alma e o corpo sofreram horrivelmente. Parece que perdi a minha tão querida união
com Deus. Parece que nada ligo a Jesus e à Mãezinha, ás coisas do Céu.

― Ó meu Deus, ó meu Deus, onde estais Vós? Parece que perdi tudo!

Repito actos de fé muitas vezes, mas estes mesmos parece, sinto que são sem fé.

Ontem à tarde, apoderou-se da minha alma um pavor tão grande com o pensamento do Horto e do
Calvário, com o sentimento de tudo ser inútil e estar perdido para mim, como nunca tinha sentido. Era
um pavor infernal. Hoje, perto das três horas, renovou-se esse sofrimento. De nada valiam os actos de fé
que eu fazia. Estava no profundo abismo do inferno, a sofrer todos os tormentos. A alma fitava os olhos
para o alto, a ver se conseguia ver a Deus; não podia conformar-me em O ter perdido! Que pavor, meu
Deus, que inigualável pavor! Perdi a Deus, perdi a Deus para sempre, bradava o meu coração. Jesus veio,
pegou-me pela mão, sentou-se, fez que a minha cabeça reclinasse sobre os Seus joelhos.

― “Não perdeste a Deus, não perdeste a Deus, minha filha, nem jamais o perderás. Descansa, estou aqui
para tua paz, para teu conforto. Ó grande ciência e sabedoria de Deus! Aqui está tudo. Tu reparas por
toda a variedade de crimes. És vítima por mim escolhida. Sofre a pena do dano, que as almas sofriam, se
as não salvasses. A velhice que sentiste era de meu Eterno Pai. Fiz assim para que o pudesse
compreender. Por isso não havia velhice na terra como a tua. Ele estava em ti. Quis que compartilhasses
d’Ele como de Mim e do Espírito Santo. Ele sobre ti poisou com toda a Sua justiça, obrigando-te a unir a
face à terra, a beijá-la para reparares por toda a sua matéria. Ciência, grande ciência, só é assim a
sabedoria de Deus!”

Desapareceu-me. Fiquei possuidora duns raiozinhos de luz; e fui seguindo aquela luz na ansiedade e O
voltar a encontrar. Queria o meu Jesus, por mais dolorosos e espinhosos que fossem os meus caminhos.
Eis-me de novo junto d’Ele a dizer-me:

― “Não te fujo, esposa querida. Estou sempre junto de ti. Coragem, coragem, estás perto do Céu. Salva o
mundo, que é teu. Salva as almas. Dor, sangue e amor. O mundo é teu, acode às almas com o teu
martírio. Oh! Como se peca! Oh! Como Eu sou ofendido!

Recebe a gota do meu Divino Sangue; a minha vida e a tua vida. Comunica-a às almas, enche-as de Mim.
Dá-me o teu amor e faz que Eu seja amado. Ama-Me, louquinha, ama-Me, louquinha, incendeia no
mundo o meu amor.”

Os nossos corações estavam quase unidos; um pequenino tubo de ouro ligava-os um ao outro. A minha
cabeça estava inclinada à de Jesus. Ele com as mãos cheias de graças encheu-me delas o coração,
encheu-me as mãos também. Em seguida, acariciou-me e disse-me:

― “São graças e carícias minhas e de minha Bendita Mãe; é Ela que tas envia. Espalha-as na terra, enche
delas os que se abeiram de ti. Tem coragem, sofre, sofre, está perto o Céu.”

Fiz-Lhe os meus pedidos, dei-Lhe os meus agradecimentos e assim fiquei sem Jesus.

12 de Março de 1954 – Sexta-feira


Que mar, que mundo de sofrimentos! Não estará ainda preenchida a medida de tanta dor? Muitas vezes
me chego a apavorar do sofrimento, embota o meu coração e a minha alma vivam em infinita ansiedade
de sofrerem por Jesus, de dar almas a Jesus. O meu corpo frito, por dentro e por fora, parece, por vezes,
arder num verdadeiro inferno. Peço alívio, peço a mudança de posição para poder resistir sem
desespero. Noutras partes do corpo o gelo gela-me, fogo e gelo ao mesmo tempo, frio, gelo que dói, que
atormenta como fogo. Quase continuamente banhado em suor todo o corpo e, muitas vezes, a sentir
também os suores da alma. É grande o afastamento do meu Senhor, parece eterna a perda de Jesus e da
Mãezinha, a perda do Paraíso. Vivo horas também numa ansiedade pelo Céu, numa loucura de fazer
desaparecer o pecado do mundo, para Jesus não sofrer. Só no Céu será conhecido tudo isto e a ansiedade
infinita que tenho de O amar. Sem poder orar, vou repetindo em espírito: tudo para Vos amar e fazer
amar, salvar-Vos almas, almas, muitas almas. Não posso mais. Vou ver se consigo dizer as palavrinhas
do colóquio com Jesus. Neste nunca exprimir de sofrimento, senti que o céu se aproximou de mim, que
o azul do firmamento me absorveu e transportou para o além, ao encontro de Jesus. Mergulhada no Seu
amor, presa pela Sua divina mão, ouvi que Ele me dizia assim:

― “Vem, esposa amada, esposa querida, repousa aqui no meu amor, recebe nova vida. Eu estou como o
esposo arrependido por martirizar, quase tirar a vida à sua esposa. Aqui não sou Eu esse esposo que foi
cruel. Aqui é o mundo a martirizar-te, a chupar-te o sangue, a tirar-te a vida. O mundo, o mundo
perdido!

Ó esposa minha, ó vítima imolada, olha os filhos meus que não atendem, não escutam a minha voz.
Luta, luta, sofre, sofre!”

O Senhor desapareceu. Uma montanha negra, pavorosa, que chegava ao céu, me separou d’Ele. Apoiada
na fé e nas ânsias de amor, fui subindo, fui subindo até que atingi o seu fim, consegui calcá-la e de novo
passar o além e de novo encontrar Jesus.

― “Minha filha, vítima da humanidade, esta montanha é montanha de vícios, crimes hediondos. Destrói-
a, calca-a, esmaga-a com o teu martírio, à semelhança da minha Bendita Mãe, a calcar, a esmagar a
cabeça da serpente. Sofre, sofre, triunfa com Ela. Se não fosse a Sua santíssima mão, neste ano, que Lhe
é dado, a sustentar a mão vingadora de meu Pai, já o Céu se tinha aberto em fogo a queimar o mundo, a
puni-lo. Faz, faz, minha filha, que Ela seja amada, que todo o culto e louvor Lhe sejam dados. Os meus
filhos, os meus filhos a perderem-se; o meu Sangue divino a ser derramado inútil!”

Eu estava inclinada sobre o lado de Jesus, Ele chorava, e eu chorava. Com o Seu manto limpei-Lhe as
lágrimas e Ele com o mesmo limpou-me as minhas.

― “Sofre tudo, sofre tudo. O teu Céu está perto. A tua missão, a mais difícil, mais alta e sublime, não é
compreendida. Eu triunfo sobre tudo e depressa, muito depressa, no Paraíso tu a vais continuar, dando
ao mundo toda a luz e todo o brilho.”

― Sem o fim da recompensa, tudo aceito, tudo sofro. Não choreis, Jesus, sede a minha força.

Jesus meteu-me toda no Seu Divino Coração. Eu para dentro dele comecei a arrastar a humanidade. No
mesmo momento, Jesus injectou-me o Seu Sangue.

― “Recebe, minha filha, a gota do meu Divino Sangue, a vida de que tu vives. Recebe amor para dares
amor, luz para as tuas trevas, conforto para a tua dor. Acode ao mundo, salva os pecadores.”

Pus-me a fazer os meus pedidos, mas já sem a Sua divina presença. Com actos de fé fui-Lhos fazendo e
voltei para a minha cruz.

19 de Março de 1954 – Sexta-feira

É tão grande o meu esforço e o meu sacrifício em ditar estas palavrinhas! É indizível o meu sofrimento,
se não é triste desgraça de eu não saber sofrer. E sem dúvida quem não sabe sofrer parece-lhe que sofre
muito, quando na realidade não sofre nada.

― Meu Jesus, meu Jesus, ensinai-me a sofrer o mais possível em silêncio e a esconder o mais que puder
a minha dor. Ai de mim que não oro, ai de mim que não amo o Amor que não é amado. Eu perdi tudo,
perdi Jesus e a Mãezinha e parece até ter perdido a fé. Não quero duvidar, a razão obriga-me a crer e a
repetir: creio, creio que não perdi uma coisa nem a outra. Estou nos braços de Jesus, dei-me a Ele pela
Mãezinha e creio, vivo nesta esperança sem crer, nem ter esperança. Eles hão-de pôr o mérito na minha
vida, já que por mim nada tenho, já que fui e sou roubada pela inutilidade, já que passei a viver a minha
eternidade sem nada, nada possuir. O meu túmulo, a minha vida lá pelos abismos vai continuando com
os suores da alma e do corpo. A minha velhice também. Ai que horror! Sinto-me arrastada por cordas,
coroada de espinhos, cuspida, esbofeteada; todo o meu ser é sangue. O coração apunhalado, alanceado,
jorra sangue, sofre dor tão grande, tão grande, é infinita. A morte vem para mim a passos gigantescos.
Sofrimento pavoroso. Apesar disto, todo o meu ser se consome. São infinitas, tão infinitas as minhas
ânsias de amar a Jesus, de dar almas a Jesus, de falar de Jesus e de fazer que o Seu reinado chegue aos
confins do mundo. Ai, se não fosse a minha ignorância! Ah! Se eu pudesse falar e soubesse falar, nunca,
nunca terminava de dizer, porque tudo isto é infinito, grande como Deus!

Meu Deus, o estado da minha alma modificou-se; eu perdi tudo e tudo quero encontrar. Eu estou no
mundo e não sou do mundo, não vivo a vida do mundo, enquanto vivo para o mundo e para as coisas do
mundo. Ó Céu, ó céu, vinde em meu auxílio, fazei luz na minha cegueira, nas minhas trevas e
compreensão nas minhas palavras, que nada dizem por ignorância. Esqueci por completo o meu Horto e
Calvário; parece que não quero ter um pensamento para lá. A palavra do “eu creio” foi-se repetindo no
meu íntimo, no maior abandono e no maior sentimento de morte.

Jesus veio como de costume comunicar-me a Sua vida. Vinha acompanhado de S. José. A Sua mão
esquerda pegava na mão direita dele. S. José na sua mão esquerda trazia uma grande açucena branca.
Ao chegar junto de mim, beijou-me dos dois lados do rosto e disse-me:

― Aceita um ósculo meu, outro da minha Esposa, da tua Mãezinha a quem tanto amas. Faz que ela seja
amada, propaga a minha devoção, com isso muito me consolas.

Meteu na minha mão direita o pé da açucena, fez que ela tombasse sobre a mão e braço esquerdo e
disse-me:

― Aceita, ofereço-ta, é tua.

Osculou-me novamente, com toda a seriedade e respeito e desapareceu; ficou só Jesus e teve então Ele a
palavra e disse-me:

― “Essa oferta, essa açucena, minha filha, é o símbolo da tua vida de pureza. Confia, não duvides, é
Jesus que to afirma. O que fizeres à minha Bendita Mãe e a meu Pai adoptivo, a Mim o fazes. Todo o
culto e amor a Eles dedicado, aceito-o como para Mim.”

Fiquei sozinha; Jesus também desapareceu. Não podia lutar; não tinha forças, não via, nem actos de fé
sabia fazer. Neste abandono demorei-me, mergulhada nas trevas por algum tempo.

Apareceram os dois companheiros novamente. S. José trazia nos braços o manto e a coroa da Mãezinha.
Foi ele a colocar-mo aos ombros e a coroa na cabeça.

― Aceita nova oferta da minha Esposa: o Seu manto e coroa de Rainha. O teu reinado é o mundo, são as
almas, são os pecadores.

Sem mais nada, escondeu-se. Jesus continuou:

― “O demónio tem sobre ti toda a sua raiva infernal. É grande o estrago que lhe dás. Fazes mais mal à
sua obra satânica pelo teu sofrimento do que todo o bem que na humanidade se faz. Está raivoso,
raivoso, serve-se de tudo, serve-se dos homens para a minha causa destruir. Nunca, nunca seus infernais
intentos se satisfazem. Sofre tudo, minha filha, sofre toda a tua indizível dor e tormento. Repara-Me,
repara-Me por todos os sacrilégios e confissões nulas.”

― Jesus, eu amo-Vos, sou a Vossa vítima.

― “Recebe a gota do meu Divino Sangue. Vive, vive a minha vida, acode ao mundo, acode aos pecadores,
loucos a correrem para o inferno.”

Sem mais uma palavra, fugiu-me o meu Jesus. Deixou-me tão triste, tão triste, em tanta dor, em tantas
trevas que mal pude fazer os meus pedidos. Para fazer actos de fé tinha de mentir-me a mim mesma.
Que Ele seja bendito por tudo.

26 de Março de 1954 – Sexta-feira

A minha eternidade, a minha eternidade, uma eternidade sem Deus, uma eternidade sem a Mãezinha.
Que saudades, que pena desta perda.

― Jesus, não vos perdi! Mãezinha, não Vos perdi! Creio, creio, creio sempre que hei-de ser Vossa no
tempo e na eternidade.

Tenho de repetir isto muitas vezes, mas custa-me imenso a repetir. Eu que odeio tanto a mentira parece-
me mentir a mim mesma, mentir ao mundo, mentir a Deus constantemente. Sinto que perdi a minha
união com Deus. Gostava tanto de viver unida a Ele. Cheguei a ter consolação na minha união constante.
Cheguei a ter conforto e hoje não tenho nada. Que Jesus se console e tire para Ele todo o conforto. Os
meus males tão agravados continuam a não me deixar ditar. Faltam-me as forças, apesar das minhas
trevas, ignorância, inutilidade, morte e eternidade, eu sinto uma necessidade mais que imensa, infinita
de abrir à humanidade o meu peito e o coração para que ela leia o que está lá dentro, para que ela veja o
amor com que é amada. Não é minha esta leitura, não é meu este amor.

― Ai, meu Deus! Ai, meu Jesus! Como eu queria falar disto, como eu queria falar de Vós!

Parece que estou louca por Jesus e pelas almas. Que tormento para a minha alma não poder rezar por
falta de forças e sentir que não vivo unida ao meu Senhor, que tudo perdi para sempre. O meu túmulo
existe sempre, os suores do corpo e da alma e aquele ofício que nunca mais poderei deixar, ofício de
cavador, no abismo profundo, indizível, vou continuando com a minha velhice, velhice eterna. A morte
vai indo, vai-se aproximando. Já sinto bem a lança que me há-de trespassar o coração, e o sangue corre
pela montanha do calvário, sem eu querer saber dele, nem do Horto, sem me aproveitar dos seus frutos.
Recebo sofrimentos, espinhos de toda a espécie. Só Jesus pode levar a minha cruz. Eu não sou capaz.
Chamei por Ele no desprezo do meu calvário, fiz actos de fé, arrastei-me a todo o custo à Sua procura.
Ele apareceu-me, veio ao meu encontro. Pegou-me em ambas as mãos, levantou-me do meu
desfalecimento; de mãos dadas fiquei de joelhos junto d’Ele ao ouvir a Sua voz divina que assim me
falava:

― “Minha filha, e esposa querida, sou teu Pai e Esposo da tua alma. Sou o teu conforto, o teu amparo e a
tua vida. Não me perdeste, nem jamais perderás. Repete-me com frequência, mesmo em espírito, muitos
actos de fé. Tu não perdeste a união comigo. Tu viés só de mim, em mim, unida a mim. Confia! Confia!
Vem descansar nos meus braços.”

― É de joelhos, Jesus, que eu quero estar unida a Vós e chorar as minhas lágrimas. Sou nada, sou
pobrezinha, só Vos tenho ofendido. Não sei viver para Vós.

De nada adiantou eu querer ficar de joelhos. Jesus sentou-se. Eu não fui para os seus braços. Fiquei
sentada junto d’Ele; tive por travesseira os Seus joelhos, amparada pelas Suas divinas mãos. De pois de
um pouco de silêncio, Ele continuou:
― “A tua missão sublime, a mais difícil, a mais árdua, mas a maior de todas as missões da terra. Tem-la
desempenhado bem conforme a minha divina vontade. Se Eu tivesse no mundo mais duas vítimas como
tu!... Mas não tenho, não tenho!... Sofre, sofre!...”

Falharam-me os joelhos de Jesus, falhou-me a Sua presença. Fiquei caída nas trevas mais pavorosas.
Não fui capaz de me levantar mais. Fui-me arrastando, repetindo os meus actos de fé. Depois de muito
lutar e caminhar de rasto, encontrei-O novamente:

― “Estou aqui, minha filha. Dor e sangue, dor e sangue! Só assim as almas são salvas. Enriqueci-te, dei-
Me todo a ti com todas as minhas graças e tesouros, com toda a minha vida para por ti Me dar a elas.
Deixa-as aproveitar. Dá-lhes tudo quanto elas quiserem receber. Pus-te no mundo para as almas. Tu és a
sua luz e farol. Todos os meus prodígios em ti são meios de salvação. Pobres daqueles que não querem
ver! O teu Céu está próximo! A minha causa há-de triunfar com todo o brilho e pompa. Uno ao teu o
meu coração. Vou dar-te a gota do meu Sangue. Vou dar-te nova vida para tudo o que a dor consome.
Confia em Mim! Acode ao mundo! Canso-Me de sustentar a justiça do meu Pai.”

― Vós não Vos cansais, Jesus. Perdoai a todos. Lembro-Vos as minhas intenções

Quando assim falava, já Jesus tinha fugido.

― Creio, creio, apesar de sentir que nada passou por mim.

2 de Abril de 1954 – Sexta-feira

Tive, nestes dias, várias coisas que deviam ser para mim de grande consolação, mas não foram. Tudo
recebi indiferente, apenas senti um pouco de conforto na alma. Causa-me horror a minha vida, esta vida
que é só morte, escuridão e eternidade. Eu não ando à busca de consolações. Para mim a minha única
ansiedade é dá-la a Jesus, é que Ele seja consolado e amado. Eu queria o mundo todo num incêndio de
amor. Queria todos os corações a arderem no mesmo amor. Parece que morro por não ver Jesus amado
com aquele amor de que Ele é digno.

No dia 27, data do 12º aniversário em que deixei de me alimentar, nunca poderei dizer o que senti em
mim. A fome era tão grande, tão grande, era infinita, mas não fome para comer. Estava como que tivesse
o peito e o coração abertos, e vinha o mundo como se fossem ondas do mar para junto de mim. Quanto
mais tinha, quantas mais ondas vinham, eu mais ia ao encontro delas e maior era a ansiedade de as
possuir. A humanidade era o mar e todo esse mar era meu e cabia dentro em meu peito e coração. Sofri
amargamente, infinitamente por todo esse mar não entrar em mim. Sofri sozinha, em silêncio. Os meus
desabafos foram para Jesus e para a Mãezinha; apesar de sentir a Sua perda, fazia-os com actos de fé. Ao
que eu cheguei!... à inutilidade, à eternidade!... Na minha arte de cavadora, os suores regam-me a alma.
O corpo num tormento indizível fica banhado nos mesmos suores. À volta do meu sepulcro nascem
tantas açucenas, tantos lírios brancos; alguém os rega e cuida deles com canseira e com amor. Não sou
eu, não sei quem é. Eu vivo uma vida separada, diferente e indiferente a tudo isto. Tive a Santa Missa no
dia 30 de Março. Que confusão e vergonha para mim! Sou acompanhá-la ao Sanctus e elevação do cálix
e da hóstia. Que se alegre Jesus na minha tristeza. Não posso dizer mais nada. Vou ver se consigo dizer
as palavras de Jesus. Quando hoje se aproximavam as três horas, senti como se alguém me lembrasse o
horto e o calvário que em toda a minha vida tinha sido esquecido. Parecia-me bater o pé no chão
orgulhosa como se não quisesse um Deus, nem nada superior a mim. Odienta, escarrava o horto e o
calvário. Fazia actos de fé para convencer-me que nada era assim. Veio Jesus e disse:

― “O meu Divino Coração é asilo, é refúgio das almas vítimas que se deram inteiramente a mim. Vem,
minha filha, vem, esposa querida, toma conforto, recebe vida para tanta vida que a dor consumiu.”

Fui impelida e tão depressa fui ao regaço de Jesus como entrei no Seu Coração divino. Ali repousei
mergulhada no Seu amor. Sem saber como, Ele desapareceu-me e em vez do Seu Coração tive por leito o
chão duro e por luz as trevas mais densas. Era um bosque, era uma montanha de espinhos, era uma
montanha inigualável que me separava de Jesus. Sem poder mover-me, sem poder levantar-me, com o
rosto em terra chorava as minhas lágrimas, chamava por Ele e repetia os meus actos de fé. Depois de
muito tempo, apareceu Ele junto de mim: tinha rompido a montanha. De todas as Suas chagas, pés,
mãos e coração saíam raios como sóis brilhantes. Todos estes raios inclinavam-se para mim. Da
superfície das chagas caía sangue com tanta abundância como a água cai no chafariz e transborda.
Mexida remexida pelos raios, fiquei de olhos fitos em Jesus.

― Não posso nada, Senhor! Não pude ir ao Vosso encontro!

― “Vim Eu ao teu, minha filha. Estes raios são do meu amor. Este sangue é sangue de dor. Esta
montanha é a montanha do vício, montanha do crime. É o mundo, é o mundo que me fere. Sofre, sofre.
Se não fossem as tuas lágrimas, a tua dor, o teu amor, o mundo, os pecadores não seriam salvos. Que
grande é a tua reparação! Sofre, porque Eu estou contigo. Quanto mais longe Me sentes, mais me
possuis. Todo o teu sofrimento são invenções minhas para acudir aos sacerdotes, para salvar os
pecadores. Repara-me por eles.

Recebe agora a gota do meu Divino sangue. É a minha vida que te faz viver, é o meu amor, o teu amor às
almas, o teu amor à cruz. O que te fiz sofrer no aniversário do teu jejum é nem mais nem menos o meu
sofrimento, a minha fome, a minha ansiedade das almas. Fica na tua cruz, fica na tua missão salvadora.
Repete os teus actos de fé; em tal sofrimento só com eles te agarras a Mim sem Me veres, sem Me
sentires. Coragem! Coragem!”

Fiquei logo nas trevas sem saber de Jesus a fazer-Lhe os meus pedidos.

9 de Abril de 1954 – Sexta-feira

Tenho medo, tenho pavor de que as pessoas, as visitas se aproximem de mim. Parece que morro e que
todas a terra me afronta com esta aproximação. Sinto uma necessidade tão grande, parece que é infinita,
de fugir, de me esconder de todos. Ó meu Deus, como é dolorosa a minha vida!... A minha alma, o meu
coração choram, choram; a minha agonia por vezes é tão grande que só com a graça do Senhor não caio
em desespero. Na repetição do meu “creio”, mas um “crer” sem acreditar, chamo por Jesus, chamo pela
Mãezinha. Peço-Lhes o Seu amor e auxílio.

Mas como, meu Deus!... Como poderei contar com a protecção do céu, se os meus sentimentos são de
que o perdi eternamente, perdi Jesus, perdi a Mãezinha!... Eu não posso conformar-me com esta perda.
Parece que tenho de blasfemar por toda a eternidade! Sofro tanto, tanto na alma e no corpo!... São tão
variados os espinhos que me ferem, os punhais que atravessam o meu coração!... No meio deste
tormento só posso dizer: bendito seja Deus! Seja feita, Senhor, a Vossa vontade! Sou a Vossa vítima. Se
eu tivesse alguma coisa que oferecer a Jesus!... Se eu pudesse consolá-Lo com a minha reparação! Se eu
pudesse dar-Lhe almas, um mundo de almas!... Parece-me que já não sofria! Mas a minha inutilidade na
minha eternidade e antes da eternidade roubam-me tudo; e agora vivo numa eternidade sem nada, sem
amor, sem consolação, sem vida de Deus, mas sempre numa ansiedade infinda de viver mergulhada em
Deus, de perder-me no Seu amor, de fazer que nenhuma, nenhuma alma se perca. Que loucura pelas
almas, que contraste tão diferente. Quero esconder-me de todos e quero dar o meu sangue até à última
gota para a todos salvar. Há tanto tempo que baixei ao túmulo e não deixo de trabalhar. Morta dentro
dele, sem lá penetrar a luz, na escuridão mais tremenda não deixo de estar nele e não deixo de continuar
numa canseira incessante a minha cavação nos abismos, cheia de suores na alma e no corpo. À volta do
túmulo regam as açucenas e os lírios com toda a alvura se conservam viçosos embora cansados por
fortes ventanias. O túmulo está caiado enquanto eu durmo lá dentro o sono da morte. Vem para mim a
outra morte. Aproxima-se apressada e traz com ela todos os tormentos e instrumentos que fizeram
sofrer e feriram a Jesus. Vou dar a vida, vou dá-la pelo mundo.

No meu horto e no meu calvário sempre desprezada, fui levada, arrastada. Uma força indizível, uma
atracção infinita me obrigou a chegar ao cima da montanha. Mesmo assim de rasto, escarrava para o Céu
uma revolta contínua. Não queria ser levada nem atraída por aquela força. O coração de dor gotejava
sangue, os olhos lágrimas de sangue choravam e assim a terra era regada. Só no meu íntimo, por não
poder com os lábios, eu repeti, sei lá quantas vezes: creio, creio… meu Deus, creio!...

Neste meu “creio”, nas trevas mais pavorosas, no meio dum bosque o mais espinhoso, principiei a ouvir
chorar grandes suspiros, suspiros que manifestavam dor infinita; eu conheci que era Jesus. Foi neste
estado que Ele chegou ao pé de mim. Caiu sobre os meus braços. Principiei a enxugar-Lhe as lágrimas
com os Seus vestidos. Em mim não encontrei nada que pudesse fazê-lo. Queria arrancar o meu coração e
fazer dele um lencinho. Fiquei só com o desejo.

― Não choreis, Jesus! Porque chorais?

― “Choro, minha filha, porque os pecadores Me perseguem! O mundo fere-me, atraiçoa-me. Consola-
me, desagrava-me! Sofre pelos pecadores! Sofre pelos sacerdotes! Que dor a minha! Que dor a minha! Se
a pobre a humanidade me atendesse, ouvisse a minha voz!... Eu quero dar-lhe todo o meu perdão, a
minha misericórdia. Deixa que te calquem, humilhem e arrastem. Quero-te assim à minha semelhança.”

― Aceito tudo, Jesus, mas não choreis.

Fiquei sozinha. Tinha que furar e destruir uma montanha mundial em rochedo. Não ia com a minha
força; força estranha me puxava. O peso era insuportável e o pavor indizível. Foi-se desfazendo a
montanha e eu sempre repetindo o meu “creio”. De novo me encontrei com Jesus. Ele vinha fugitivo e
apavorado também.

― “Venho fugitivo, perseguido pelos pecadores. Deixa-me, minha filha, refugiar-me no teu coração.”

Dizendo isto, entrou, enquanto fui dizendo:

― Como entrar nele a grandeza infinita, o Rei do céu e da terra? Entrai, entrai, Jesus. Fizestes-Vos
pequenino por meu amor. Pela Eucaristia tendes entrado nele tanta vez!

― “Minha filha, pus-te no mundo, faço que vivas só de Mim para mostrar ao mundo o valor da
Eucaristia e o que é a minha vida nas almas. És luz e salvação para a humanidade. Ditosos os que se
deixam iluminar. Venho fugido! Que montanha de vícios!... Tem que vir sobre ela a justiça de meu Pai.
Sofre pelas almas. Acode-lhes.”

― Ó Jesus, tenho tanto medo delas! Bem vedes o pavor que sinto quando se abeiram de mim! Oh, como
eu queria esconder-me.

― “Tudo isso é meu. Eu devia esconder-me e deixá-las para sempre. Este pavor é o pavor do pecado. És
vítima, és vítima. Recebe aqui a gota do meu divino Sangue. Tem coragem um pouco mais.”

Jesus uniu os nossos corações, o d’Ele fervia e ardia em chamas de amor. Naquela fervura saltou para o
meu coração uma forte gota de sangue. Abrasada naquelas chamas, fiquei mais forte, pois todo o
colóquio tinha sido de profunda dor. Jesus desapareceu, dizendo-me já ao longe:

― “Sofre por Mim e minha Bendita Mãe! Infinita também é a Sua dor!”

Fiquei na minha dor, tristeza e agonia, nas mais densas trevas, repetindo o meu “creio” e a fazer os meus
pedidos.

16 de Abril de 1954 – Sexta-feira

Sexta-feira santa, foi bem sexta-feira santa! Ah! Se eu soubesse sofrer! Se eu soubesse aproveitar-me de
tudo para desagravar o meu Jesus! Pobre de mim! Sou pobre e a todos dou pobreza! Sou miserável e
toda a miséria da humanidade a mim pertence e assim vou vivendo a minha eternidade e inutilidade!
Eternidade, eternidade! Que grande pavor! Viver-te sempre roubada pela inutilidade! Cresce-me a
revolta e o ódio contra Deus. Tenho de odiá-Lo para sempre. Nada quero ter para Lhe oferecer por toda
a eternidade. Oh! Que tormento perder a Deus! Perder a Mãezinha! Ai de mim, nunca mais os verei! Tive
uma semana de espinhos penetrantes. Tormento indizível! Quanto mais agudos, quanto mais esses
espinhos me ferem, mais eu os oferecia ao Senhor, apesar de sentir que nada era meu, que sempre
estava roubada.

Passei o aniversário de 29 anos de cama. Não sei dizer as tristes recordações que me trouxe esta data,
apesar de com os olhos no Céu tudo aceitar alegremente e só querer a vontade de Jesus. De novo voltei a
ter a Santa Missa no quarto. Recorri à Mãezinha para Ela assistir por mim, já que cheguei a este ponto
de nada saber. Pedi-lhe os Seus sentimentos junto da cruz. Ela veio colocar Jesus morto no meu coração
e fez-me sentir a Sua agonia e chorar as Suas lágrimas. Pelo sacerdote fui encorajada a levar com mais
amor a minha cruz num completo abandono. Horas depois, a notícia do sr. Bispo de Aveiro chegou até
mim. Meu Deus, quanto sofri!... Se o meu nome não fosse lembrado, nem para bem nem para mal! Se eu
ficasse esquecida para o mundo e dele pudesse desaparecer!... Jesus, sou a Vossa vítima. Creio, creio em
vós! Na minha velhice eterna e ofício de cavador, fui vivendo os dias, as horas, abandonando-me louca
para os braços de Jesus pela Mãezinha, sem o mínimo sentimento de que por Eles era aceite. Esta noite
passeia-a mal, nos maiores sofrimentos do corpo. Não pude dormir. Pude acompanhar Jesus da prisão
aos tribunais. Como a minha alma agonizava!... Esta manhã voltei a acompanhá-Lo, mas brava: pedia a
Sua condenação. Fui eu que Lhe dei a morte. Na mesma manhã, uma visita recomendada veio aumentar
o meu calvário, veio rasgar-me o coração, tocando-me num ponto que é o maior tormento da minha
vida. Chorei muitas lágrimas, mesmo muitas, mas todas tinham um fim: de ir para Jesus.

Meu Deus, só vós conheceis como foi grande a minha dor. No íntimo do meu coração bradava
constantemente: basta, basta, e com os lábios dizia: Jesus, não basta. Tudo o que Vós quiserdes, ó Amor,
ó Amor, ó Amor, tudo o que Vós quiserdes; sou a Vossa vítima. Meu Deus, como pode ser, se o que vale é
o que vem do íntimo, de dentro do coração para fora e não aquilo que dizem os lábios que vai de fora
para dentro!? Eu não queria que o coração falasse assim, bradasse desta maneira. Eu queria que ele
dissesse o que diziam os lábios, porque era a minha ansiedade, é só o que eu quero. Não tenho outro
querer a não ser o de Jesus. Não era eu que assim falava no coração. Não sei quem era que dizia “basta”.
Ai, quanto me custou esta luta! Nesta agonia mortal, veio Jesus ao meu encontro. Chamou-me. Só O
ouvi, não O vi, nem O senti.

― “Vem, minha filha, de encontro ao teu Jesus. Tem coragem. Não duvides, olha que sou Eu. Fui Eu que
te escolhi, fui Eu que te preparei, fui Eu que assim te assemelhei a Mim. Escolhi-te para a mais
nobilíssima missão. Preparei-te para ela. Assemelhei-te a Mim em toda a minha vida, na minha santa
Paixão. Não te disse Eu: sofre, sofre, deixa que te humilhem e caluniem?! Recorda o que de Mim
disseram.”

― Ó Jesus, eu não Vos vejo, eu não Vos sinto, mas quero confiar que sois Vós.

― “Colóquio de fé, colóquio de dor e de amor, minha filha, foi o que te disse Jesus. Sim, sem o amor, sem
a tua loucura de amor não podias ser vítima de reparação, não podias assim sofrer e viver da fé sem a
sentires. Confia, confia.”

Jesus foi jogar o seu “esconde-esconde”. Desapareceu. Fiquei caída como morta. Não dei um passo, nem
chamei por Ele. Pouco depois uma força invisível me levantou e ouvi de novo a voz do meu Senhor:

― “Minha filha, vou dar-te o grande privilégio, vou dar-te a prova da minha loucura de amor. Amo-te
tanto, tanto, amo-te com o maior amor com que Deus pode amar uma criatura Sua. Vais receber-Me na
Eucaristia. O teu anjo da guarda vai ser quem Me vai depositar na tua língua para Eu baixar ao teu
coração.”

Era uma sala de que não lhe via o fim. Estava toda armada em roxo escuro. Só via bater as asas brancas
de alguns anjos que em ala, silenciosos, se curvavam reverentes. Veio o meu anjo e deu-me Jesus. Era
uma Hóstia grande. Pronunciou as palavras do Viaticus corpus Jesu Christi custodiat animam tuam in
vitam aeternam. Ámen. Em seguida, falou-me assim:

― “Vais agora, esposa e vítima do Rei celeste, receber o Sangue do teu Esposo Jesus. Vai-te ser dado pelo
Anjo de Portugal.”

Aproximou-se esse anjo de mim e do meu anjo da guarda, que foi quem me disse estas palavras. O anjo
vestia de branco e capa azul. Trazia nas mãos uma pequenina taça e disse:

― Recebe, que é o Sangue de Jesus. Ele o deitou para aqui do Seu Coração. Vai fazer que ele passe para o
teu.

Bebi o bocadinho do Sangue. Os anjos desapareceram. Ficou Jesus. Fez-me sentir o Seu amor e disse-
me:

― “Fortalece-te, minha filha, fortalece-te para a dor. Não podes deixar de sofrer, porque o mundo não
deixa de pecar. Aceita, aceita. Não sentirás a ressurreição. A tua alma não terá Páscoa, para que muitas
almas ressuscitem e tenham a Páscoa da graça. Aceita. Coragem.”

Fugiu-me para sempre o meu Jesus. Fiquei no meu grande tormento a dizer-Lhe que aceitava, a dizer-
Lhe o meu “creio”, sem esquecer os meus pedidos.

― Sede comigo, Jesus. Sede sempre a minha força.

23 de Abril de 1954 – Sexta-feira

Não chegou a minha aleluia. Não houve para mim a ressurreição de Jesus. Estou em agonia. Estou em
grandes sofrimentos da alma. Todo o meu ser é um trapo que a dor desfez, produzido pela lepra do
pecado. Os espinhos não cessam de ferir-me. São bem agudos e penetrantes.

Duas coisas tive de motivo de alegria, se Jesus mas deixasse sentir. Aprouve ao Senhor que nada me
alegrasse; só com os olhos n’Ele me alegro no cumprimento da Sua divina vontade. Custa-me tanto,
tanto, dizerem-me à minha frente que lhes foi dito que quem me visitasse ficaria excomungado.

― Jesus, Jesus, ai quanto custa! Seja tudo por Vosso amor e pela salvação das almas.

Causam-me pavor as visitas. Parece-me ter nojo delas. A todos ao mesmo tempo quero abraçar e possuir
no meu coração; mas, meu Deus, essa excomunhão de que me acusam prejudicará essas almas?! Não
estou aqui para ruína delas, mas sim por Vosso amor e por elas me imolar. Não posso dizer mais nada.
Vou dizer as palavras do colóquio de Jesus. Mas, ah! Se eu pudesse ao menos colocar neste caderno o
livro infindo do meu coração para ele dizer tudo, para falar do amor de Jesus, para dizer o que é dor e a
minha loucura pelas almas! Se eu pudesse fazer desaparecer o pecado, para o meu Amado não ser
ofendido, para nenhuma alma se perder. Que sabedoria tem este livro! Como ele conhece e compreende
todas as coisas, e como eu sou ignorante para as saber dizer. Não há ignorância igual à minha.

Depois de eu ter desprezado e esquecido o horto, esqueci e desprezei o calvário. Caminhava na maior
angústia, caminhava de tal forma que o chão se abria para me engolir e em corpo e alma ia precipitando-
me no inferno.

Meu Deus, que pavor! Já nas garras de Satanás, atormentada por ele, ouvi alguém que fez abrir a terra
que me tinha engolido, tirou-ma da garra do demónio e das chamas infernais. A alma agonizava e o
corpo estava cansado de tanto sofrer. Chamei por Jesus e pela Mãezinha. Uma coisa me dizia: perdi
tudo. Não existem para mim, não tenho Jesus, não tenho a Mãezinha. Tive um desfalecimento mortal.
No meio dele, principiei a repetir o meu “creio” sem acredita. Ouvi a voz de Jesus que me chamou:
― “Minha filha, minha querida filha, levanta-te! Coragem! Vem a Mim! Tu tens de viver sem vida, tens
de viver sem luz, tens de acreditar sem sentimento de que acreditas. Amas-Me sem saberes que Me
amas, sem teres esse sentimento. Os pecadores, as almas, o mundo, obrigam-Me a exigir de ti esta
reparação. Coragem! Coragem! É para que as almas não caiam no inferno.”

― O inferno, o inferno, ó Jesus, que tremendo é o inferno! Não posso pensar que as almas se perdem.
Não posso consentir que as almas caiam no inferno, não posso saber que o Vosso Divino Sangue foi
derramado inútil. Onde estais, Jesus, onde estais? Que escuridão, que montanha, que distância me
separa! Eu amo-Vos, Jesus, eu amo-Vos na minha cruz, na minha dor! Aceito, aceito. Tudo por Vós!

Desta escuridão passei à luz; da agonia à suavidade. Jesus continuou, mas sem que eu O visse:

― “Esta distância é a minha distância do pecador. A montanha são os crimes. A luz que vês é a minha
luz; a suavidade o meu conforto. Tu és a minha vítima. Coragem e confiança! Tu fechaste com os teus
sofrimentos as portas do inferno a milhares, a milhões, a milhões de almas. Nunca mais se abrirão para
elas. O inferno abre-se para aquelas almas que desprezaram o meu Sangue, que calcaram o meu Sangue
divino e desprezam ainda os meios que lhes dei, os sofrimentos, a imolação contínua da vítima deste
calvário, da maior vítima que escolhi par a humanidade.”

― Ó Jesus, que tormento o meu, que humilhação. Eu desapareço ao ouvir-Vos falar assim.

Voltei ao meu nada, ao nada de que me tirastes. Falo assim, digo a verdade.

― “Posso falar, posso dizer tudo da minha esposa amada. Tem coragem!...”

Fui tão ao nada, fiquei no silêncio da morte. Algum tempo depois, a voz de Jesus deu-me a vida, mas
então vi-O em tamanho natural com o Seu peito aberto e a pegar para as Suas mãos o Seu Divino
Coração. Juntou-O ao meu e disse:

― “Vem receber a gota do meu Divino Sangue, a vida para viveres, a vida para dares. Tem coragem! Um
pouco mais! Um pouco mais, porque o teu Céu está perto. A tua missão lá vai continuar. Por ti as almas
são enriquecidas. Por ti o mundo será favorecido. Eu não falto às minhas promessas. Eu queria que se
compreendesse a minha vida prodigiosa em ti. Eu quero que todos saibam a tua loucura de amor por
Mim, por Mim e pelas almas, pelas almas de quem sentes pejo e pavor. É para que o não sinta Eu! Esse
pejo e pavor causam-me elas a Mim. És vítima, és vítima! Coragem! Coragem!”

Desapareceu Jesus. Eu voltei à tristeza, à cegueira, à morte. Fiquei na cruz, angustiada, mas não esqueci
nem um só pedido. Lembrei tudo a Jesus, mesmo na Sua ausência a repetir o meu “creio” muitas, muitas
vezes, recordando que Ele prometeu sempre estar comigo.

30 de Abril de 1954 – Sexta-feira

Espinhos, sempre espinhos a penetrarem-me, a ferirem-me: é sempre a mesma vida. O meu calvário é só
dor, só dor.

― Meu Deus, chegarei ao fim? Creio, creio e só em Vós confio.

Se esta minha palavra de “creio” fosse sentida, se, quando digo a Jesus que confio, soubesse que
confiava, todo o meu calvário era suavizado.

― Oh! Não, meu Deus, não! Nada sinto, e parece que nada acredito! Este tormento de mentir aos outros
e mentir a mim mesma e sobretudo a Vós, meu Sumo Bem, quanto me custa, quanto me custa!... Só vós
o sabeis! Bendito sejais!

Envergonho-me ao máximo falar da minha cruz, sofrimento e calvário. É o meu pão. Outra massa não
tenho; a dor, a dor… A minha loucura por Jesus, de O amar e de O fazer amado, de Lhe dar todas as
almas, aumenta de dia para dia. Não tenho a mínima consolação nesta loucura, mas consome-me e nela
me perco. É tal o abismo que desapareço. Mas a humilhação por as almas me rodearem envergonha-me
de tal forma que também me faz desaparecer. Fica só a existir a minha miséria.

O meu sepulcro cá está na superfície da terra. Verdejam e vicejam flores à sua volta. Sinto e com os olhos
da alma vejo que há quem cuide delas, mas não sei quem é. Eu, no meu ofício rude e penoso de cavador,
continuo na mesma canseira, parecendo ter mundos e mundos sobre mim, tal é a profundidade em que
trabalho. Os suores regam a alma e o corpo. A noite, as trevas aterradoras, a inutilidade e a morte caíram
sobre tudo isto. Não vi, não vejo, não sou nada e nada tenho que dar ao meu Jesus. O meu brado não
chega até Ele. As minhas lágrimas não O consolam. Ah! Se Jesus saboreasse em mim alguma coisa, não
me importava sofrer. Assim também não me importo. Com o sentimento completo pelo abandono da
terra a Ele me abandonei pela Mãezinha.

― Sou Vossa, sou Vossa, sempre a Vossa vítima. Ó Jesus, eu creio, eu creio!

Ontem, no meu horto, não tive coragem de Lhe dizer o meu “creio”. Chorei, uni-me aos Seus
sofrimentos. Hoje, numa indizível amargura na viagem para o Calvário, amargura tão triste e dolorosa
que me obrigava as lágrimas a regarem-me a face. Pelo Céu e terra abandonada não deixei de chamar
por Jesus, mas com tal desfalecimento que nunca Lhe repeti a palavra “creio”. Num momento
inesperado, senti em mim um amor tão forte, amor que não era meu, mas nele me mergulhei. Não por
mim, mas por força estranha que n’Ele me mergulhou. Após uns momentos de experimentar este amor,
ouvi Jesus a dizer-me assim:

― “Amor, amor, amor, minha filha, sou Eu o amor que te atrai, sou Eu o amor por quem vives, a quem
só amas, por quem enlouqueceste. Tem coragem! A tua vida é a vida mais imitadora de Jesus. Por ti Me
enlouqueci. A Mim te assemelhei. Não duvides, nada temas. Tu vives a minha vida, a minha vida
comunicas. A tua morte ressuscita e dá a vida às almas, depois de iluminadas com a tua cegueira. As tuas
densas trevas são a luz do mundo.”

Eu não tive a visão de Jesus; nem os olhos da alma, nem os do corpo viram. Quando Ele assim falava,
fiquei sem o mínimo bocadinho do Seu amor, envolta no mar mais tempestuoso; as ondas debatiam-se
com a maior fúria, enrolando-me, levando-me à profundeza do mar que não tinha fim. Os ventos
sopravam, novas ondas debatidas traziam-me à superfície da água. Sem ninguém por mim, julguei-me
perdida. Veio Jesus novamente.

― “Minha filha, ó minha filha, vem cá. Dá-me as tuas mãos. Vem para a barquinha do Meu Coração
Divino. Por Mim és salva como foram os meus apóstolos. Este mar é o mar das paixões, esta fúria
tempestuosa é a fúria louca dos vícios. Acode ao mundo! Sustenta o braço da justiça de meu Pai! Tenho
tantos espinhos e punhais no meu Coração!... Queres que eles passem para ti, como as setas do Coração
Imaculado de minha Mãe?”

Ainda não tinha pronunciado a palavra “sim”, mas o meu coração estava ansioso por a pronunciar e já os
espinhos da cabeça sacrossanta de Jesus se deslocavam por si para a minha cabeça e os punhais para o
coração. Jesus deu-me as setas da querida Mãezinha que tinha em suas mãos e com muito cuidado nas
espetou no coração, enquanto eu Lhe dizia:

― Tudo quanto quiserdes. Sou a Vossa vítima!

Tudo isto se passou dentro do Coração Divino de Jesus. A tempestade estava serena. Tudo isto foi visto
com os olhos da minha alma e mais ainda a forma como Jesus passou o Sangue para o meu coração. Fez
do Seu uma pequenina e bela infusinha que tombou sobre o meu coração, e a gotinha do sangue caiu.

― “Recebe a gota do meu Divino Sangue, a vida que vives, a vida que comunicas a milhares e milhares de
almas que se abeiram de ti. Tem coragem! Tem coragem! Tende coragem! Nenhuma alma sai daqui (foi
esta a minha promessa e Eu não falto) que vá como veio. Quantas ressurreições, quantas ressurreições!
Em algumas daquelas mais renitentes, que parece nada aproveitarem, levam o remorso. Elas não
querem ceder. O seu orgulho não quer baixar, mas a graça lá fica para mais tarde. Eu não te abandono.
Minha Bendita Mãe não te abandona. Confia! Não Nos perdeste. Quanto maior é o sentimento da perda,
mais Nos possuis. Como abandonar-te a ti a quem confiei que continues a minha obra de salvação! A tua
vida vai ser sempre assim até ao fim. Não quero dizer que ainda não te sejam dados momentos de
alegria, mas não para tu os sentires.

Recebe as carícias da minha Bendita Mãe. O teu adeus não foi até ao Céu. Ela virá ainda ver-te na terra.
Recebe as carícias de Jesus com as da Mãezinha com os Seus ósculos santíssimos que trazia em Suas
santíssimas mãos.”

Disse-Lhe o meu “obrigada” para Jesus e para a Mãezinha. Fiz-Lhes os meus pedidos, mas já no mar
tempestuoso com a mesma fúria e sem a presença de Jesus. Já lá vão muitas horas, a tempestade
continua; os seus espinhos e punhais e setas da Mãezinha continuam a estar presentes no coração e a
virem novos espinhos constantemente. O Senhor seja bendito!

7 de Maio de 1954 – Sexta-feira

Meu Deus, como se pode sofrer assim?! Eu quero abafar, quero esconder a dor, mas não posso mais.
Meu Deus, como se sofre, como se pode sofrer desta forma? Humildemente, Senhor, diante de Vós
quero-Vos pedir perdão. O sofredor sois Vós. Perdoai-me o meu queixume, o meu desabafo. Vós dois o
portador da minha cruz, o Senhor das minha amarguras; sois Vós, só Vós a beber o amargo do meu fel.
Como me atrevo, Senhor, a queixar-me? Depois de reconhecer a minha miséria, vi que não sou capaz de
suportar uma pequenina parcela da minha cruz sem o Vosso auxílio, Senhor. Dias amargos, dias
dolorosos de profundas e sentidas lágrimas foram os que se passaram. A minha pobre natureza não pode
ser mais fraca. A vontade está pronta, sempre pronta para tudo o que Vos aprouver, meu Amor.
Escondo, escondo muito os sofrimentos para não ser causa de os meus sofrerem. Bem sabeis, Jesus, que
é assim, é só por Vós e pelas almas. Eu aceito esta vida de tão doloroso martírio. Sem ver a Jesus, sentia
que da Sua sacrossanta cabeça se desprendiam espinhos, como pétalas de flores que os ventos desfolham
e se vinham espetar na minha cabeça. Sentia que mãos cruéis de lança em punho me alanceavam o
coração e me cravavam muitos punhais. Que dor, que dor! Quanto sofri, meu Deus! Da mesma forma,
sem ver a Mãezinha, vinham as setas do Seu Santíssimo Coração. Os olhos da alma viam tudo que
pareciam vir dos ares. O coração adivinhava donde vinham dos espinhos e tudo o mais. Da nada valia eu
dizer o meu “creio” a Jesus. Eu estava sozinha, morta, num completo abandono. As trevas da minha
alma escureceram toda a terra. Na superfície dela o túmulo, e nos abismos eu a continuar a minha
tarefa. Lágrimas interiores, suores no mais íntimo banhavam-me toda. Rouba-me tudo. Assim se
aproximou o horto e o calvário, nestas indizíveis agonias e sofrimentos. Sempre, sempre, num aumento
de loucura de amar a Jesus, de O fazer amado, de Lhe dar todas as almas; pensar no Seu amor, numa
ofensa feita ao Seu Coração e na condenação das almas ao inferno, não posso, não aguento. As almas
humilham-me porque vejo a minha miséria. Não sou o que elas pensam. Ao mesmo tempo, causam-me
pavor e tédio. Assim fui subindo no meu calvário, num ódio satânico como sentimento e que para mim
era calvário morto, calvário perdido, sem existência. Bem repetia o meu “creio” a Jesus, mas a morte
nada deixava viver, a inutilidade nada deixava aparecer. Triste amargura! Principiei a ouvir uma voz
muito ao longe que por entre as trevas me falava com carinho:

― “Minha esposa, esposa minha, minha esposa, esposa querida, que vives a vida do teu Esposo e fazes
que as almas vivam a mesma vida do Esposo, tem coragem, tem coragem. A tua morte é uma
ressurreição contínua das almas. A tua inutilidade, toda útil, toda útil para as mesmas almas. Repara,
repara nos veados sequiosos que vêm beber de ti.”

Não vi a Jesus, mas senti que Ele era a fonte e eu o depósito dessa fonte, o qual se abria e espalhava pela
terra. Corriam veados sem conta a beberem dessa água que saía do depósito do meu coração. Foram os
olhos da alma que viram esta multidão de veados. Nunca mais deixavam de beber. Oh! Como eles
tinham sede! Caí como morta. Tudo desapareceu, não sei por quantos momentos. À voz de Jesus eu vivi,
mas sem poder levantar-me. Sem ver, nem saber o caminho, principiei a chorar com os olhos da minha
alma. Abeirou-se de mim o meu Senhor, levantou-me e com os Seus vestidos enxugou-me as lágrimas.

― “Coragem, minha filha, falta tão poucochinho para a tua entrada no Céu! Consentes em ficar nos
mesmos sofrimentos, a receberes os mesmos espinhos, lanças, punhais e setas? É o mundo perdido, é o
mundo perverso que assim tenta ferir-me. Ai dele, ai dele! Cai a justiça de meu Pai, cai a justiça de meu
Pai, se depressa, depressa não houver uma renovação de vida. Tem coragem, fala às almas.

Faz que Portugal se eleve para Mim. Faz que Portugal seja grato aos benefícios, aos meios de salvação
que do Céu tem recebido. Fala-lhes, fala-lhes de minha bendita Mãe. Faz que Ela seja amada neste ano
todo d’Ela, todo a Ela consagrado, neste ano tão teu, tão teu. Eu quero, Eu quero que ele em tudo seja
teu. Tem a certeza que as almas não vão como vêm para junto de ti.

Recebe a gota do meu Divino Sangue. Vive, vive! Fortalece-te para poderes fazer viver as almas, as almas
para Mim. Dá-lhes a vida que de Mim recebem.

Dá ao teu Paizinho, todo, todo o meu amor e diz-lhe (mas diz-lhe que é uma afirmação de Jesus) que os
seus entes queridos já estão no Céu. Preparei-os na terra pelo sofrimento, para depressa voarem para
Mim.”

― Obrigada, Jesus, muito obrigada. Não esqueçais os meus pedidos. Aceito a Vossa cruz. Quero a Vossa
vontade divina.

Estas últimas palavras foram ditas só com fé. Não sentia a presença de Jesus, mas logo os mesmos
espinhos e o mais que ficou dito vieram aumentar o meu martírio. No meio do meu martírio, fui
recebendo tudo, repetindo o meu “creio” e actos de amor e de aceitação à vontade do Senhor.

14 de Maio de 1954 – Sexta-feira

Piso e repiso no mesmo ponto. Não tenho outra coisa, não posso falar de outra coisa a não ser da dor. Se
os céus falassem, podia ser que todos compreendessem quanto seu sofro. O Céu não fala, mas a minha
pretensão também não é mostrar-me, mas sim esconder-me para sempre. Não quero mostrar quanto
sofro, mas tenho a necessidade de explodir de gravar neste caderno o que é a dor e todas as ansiedades
de mais e mais sofrer por Jesus, de mais e mais se dar a Jesus e às almas.

Que pobrezinha eu sou! Parece-me que não posso com mais dor. É tal a fome de dor por amor de Jesus
que queria engolir, possuir em mim um mundo de dor. O livro do meu coração não pode ser lido, não
sabe ser compreendido por criaturas humanas: só à luz, só à luz da eternidade. Queria gravar em todos
os corações, em letras de fogo, a palavra “amor”, para que eles não soubessem viver nem amar a não ser
a Jesus. Oh! Como quero que Ele seja amado! Que loucura, que loucura! Não sei exprimi-la!

Foi no dia 13 celebrada no meu quarto a Santa Missa. Não deixarei de pedir à Mãezinha para suprir por
mim a minha incompetência, a minha inigualável ignorância. Não sei acompanhar a Jesus, não sei
assistir à Missa. Neste dia, enquanto ela foi celebrada, não gozei, mas passei o tempo noutro mundo de
maior suavidade. Ao terminar da Santa Missa, caí logo na maior tristeza, no maior abismo se sofrimento.
Os espinhos de Jesus vinham para mim, a lança, punhais e setas da Mãezinha. Oh! Tristeza e dor
infinitas! Sempre a sofrer, sempre pobrezinha!... Sempre a trabalhar, sempre sem nada!... Sempre no
meu ofício de cavador lá para os abismos com os meus suores e sempre na inutilidade e na morte. O meu
túmulo fala, prega, ensina. O que foi a minha vida, mesmo no silêncio mortal. Agora novo sofrimento me
veio apavorar e atormentar a alma. Tenho uma necessidade infinita, mas infinita, infinita de receber
consolações e alegrias. Ai, meu Deus, não é isto que eu busco. Só as quero para Vós. Mas como, Senhor,
se a necessidade parece minha? Que saudades infinitas de alegrias! O coração cansa-se, desfalece por
tanto amor, por tanto sofrer. Estou sempre à espera de quem me possa consolar e alegrar. Nunca chega
esse momento. Meu Deus, meu Deus, que tormento! Quero o mundo todo, todo a dar-me consolação, a
dar-me alegria! É o contrário: tudo é dor, tudo é revolta contra mim. Sofrer, sofrer, sofrer sempre por
Vosso amor, ó Jesus!

Com a perda de Jesus e da Mãezinha não sou capaz de viver o horto e o calvário. Tudo me foi roubado.
Hoje, quando alguém me forçou a subir a montanha, eu sentia que me despiam de vestes brancas e me
deixavam umas negras e apodrecidas. Que mundo de podridão em mim! A minha agonia era tão grande
que me levava ao sentimento de nunca ter visto a Jesus, de nunca Lhe ter falado nem aproveitado o Seu
Sangue Divino.

Jesus, Mãezinha, eu creio, eu creio. Vivo sem esperança, creio sem o sentimento da minha fé. Creio, ó
meu Deus, eu creio! Valei-me, valei-me!

Neste tão grande combate e grande amargura, ouvi a voz de Jesus:

― “Chama, chama pelo Céu, minha filha. Ele não te falta. Tu não perdeste a Jesus, nem a Mãezinha, mas
sim tem-Los mais em ti, possui-Los mais e mais. Chama, chama! Sempre chega ao Céu um brado aflito.
E como não chegar o teu que leva a grandeza da dor e agonia mais profunda que atingiu o seu auge?
Confia, minha filha! Também ecoa no mais alto dos céus o brado com as promessas de Jesus, do teu
Esposo. Tu amas-Me com o maior amor; nunca perdeste a Jesus, nem a Mãezinha, nem jamais perderás.
És a maior vítima por Mim escolhida. Hás-de perseverar até ao fim. Preparei-te para tão grande
martírio. Pedi-te esta imolação. Nada me negaste nem vais negar. O mundo, minha filha, o mundo está
perdido. Não Me escuta, não Me atende. Aí vem sobre ele a justiça de meu Pai. Não posso mais sustentar
o Seu braço.”

Neste momento, desceu, quase a procurar na terra o Eterno Pai. Jesus vinha curvado sob o peso da Sua
mão. Quase o seu rosto pousado em terra. Jesus fitou-me e disse-me dolorosamente:

― “Ajuda-me, ajuda-me, minha esposa e vítima.”

Repeti por três vezes com todo o coração e a alma: ó Pai Eterno, perdão e misericórdia para a terra. Sou
a Vossa vítima.

Principiou a levantar-se, a afastar-se, a subir, a subir, até que desapareceu. Fiquei sozinha; não tinha
pernas, nem mãos, não tinha olhos nem ouvidos… não tinha nada, não tinha vida com que pudesse ser
útil a Jesus e às almas. Fiquei como um cepo imóvel, sem nenhuma utilidade.

Apareceu Jesus. Tudo me deu e, estreitando-me ao Seu Divino Coração, fazendo do dele e do meu a
mesma massa, disse:

― “Recebe a gota do meu Divino Sangue. Somos os dois a viver a mesma vida. A minha carne é a tua
carne, o meu Sangue é o teu sangue. O teu coração possui as minhas riquezas infinitas, todo o meu amor
divino, para distribuíres às almas. Fala-lhes, fala-lhes que o Divino Espírito Santo está contigo, fala em
ti.

Pobre Portugal, pobre Portugal, se não te aproveitas das minhas graças e da minha Bendita Mãe. Pobre
mundo, se não te deixas guiar e iluminar pelo farol que em ti coloquei.

Ó minha vítima querida, tu não terás na terra mais consolações. O que se passar em ti, que cause alegria,
será para que os outros se alegrem e não tu. Tem coragem! A Mãe Bendita virá quando menos a
esperares. Fica na tua cruz.”

― Perdão, Jesus. Perdoai às almas. Valei ao mundo. Não Vos esqueçais dos meus pedidos. Perdi tudo;
nada em mim se passou. Creio, meu Deus, creio, creio!

21 de Maio de 1954 – Sexta-feira


As tristezas e amarguras da minha alma são cada vez maiores. A noite, mais tenebrosa e aterradora. A
vida tornou-se pesada e difícil de viver, vida sem vida, vida morta, porque só vive a minha miséria. Sou
um monstro mundial de podridão. Sinto como se nunca nascesse para Deus, nunca vivesse para coisa
alguma de utilidade. Nada tenho a não ser miséria. Estou para a eternidade de mãos vazias. Horas
tristes, horas difíceis de vencer. Parece-me que em vão invoco o nome do Senhor e que nada vale o meu
brado por Jesus e pela querida Mãezinha.

Consolai-Vos, Jesus, nas minhas tristezas e amarguras. Não quero alegrar-me a mim, mas sim alegrar-
Vos a Vós. Creio nas Vossas promessas. Creio, Jesus, creio! Que esta palavra se repita dia e noite sem
cessar. É um crer sem um sentimento de fé. Creio. Creio. Sou a Vossa vítima.

E assim vou lutando e vivendo as minhas amarguras. Tenho sentido muito a ingratidão de alguém.
Espinhos dolorosos! Se ao menos eu puder com eles tirar os de Jesus! Eles vão passando d’Ele para
mim, assim como todos os punhais e lança com as setas da Mãezinha. Todo o meu ser desfeito pela dor é
despedaçado a golpes. Que massa de sangue!

Eu gostava de viver no abismo profundo da minha cavação com os mundos e mundos que tenho sobre
mim, mas sem ser vista nem falada. Que horror! Eu lá em tão profundo abismo, cavando com os suores
da alma e cá fora a ser visitada, a ser falada.

Que tormento, que só Jesus sabe e compreende! No meio do meu sofrimento tenho tanto receio de ter
ofendido o meu Jesus. Ao receber alguns golpes foi tal o meu desfalecimento que me chegou a passar
rapidamente pela imaginação o desejo da morte. Não consenti, não queria tal. Ansiar o Céu, ir para
Jesus, sim; agora querer a morte para não sofrer, nunca, Jesus, nunca.

Logo que dei conta do que pela cabeça me passava, disse: Jesus, quero amar-Vos e dar-Vos almas e ser
sempre a Vossa vítima.

Passei pelo Horto e pelo Calvário, olhando para trás sem vida nenhuma para Deus. Numa revolta contra
tudo e contra o Céu, só ansiava, mas numa ânsia infinita, quem me alegrasse, quem me consolasse. No
maior abandono, sem nada encontrar, sem conforto da terra e do Céu, caí no mar da perdição. Fui ao
fundo. Não tentei lutar contra as ondas, não tentei subir nem debater-me com elas. De bruços, no fundo
do mar sem poder mover os lábios, nem ter uma ansiedade de coração para Jesus, desceu Ele. Depois de
ter mergulhado em toda a profundidade da água, foi ao meu encontro. Eu estava cega, cega pelas trevas
e no maior desfalecimento. Tomou-me pela mão, trouxe-me à superfície das águas, serenou tudo, deu-
me luz e conforto à alma e disse-me:

― “Vem, minha filha, vem viver de Mim, fortalecer-te de Mim.

Este mar é o mar dos vícios, é o mar das paixões. Não te manchaste nelas. Fui buscar-te ao fundo para te
dar conforto e levantar-te de tal desfalecimento. Tu vais a este mar de vícios sem conta e de toda a
espécie buscar as almas e trazê-las ao meu Divino Coração.

Como é bela esta cena! Jesus vai ao fundo do mar buscar a vítima das almas. A vítima das almas penetra
em todo este abismo para as conduzir e introduzir no Coração do seu Esposo, Jesus. Calvário ditoso,
viveiro das almas!

Se tu visses como elas vêm a Mim, canseirosas como as formiguinhas para o celeiro! Coragem! Coragem!
O teu Céu está perto. Venho buscar-te! Dá-me almas, dá-me almas, repara a justiça de meu Pai!”

― Ó Jesus, compadecei-Vos de mim! Tudo quero sofrer e não sei sofrer. Tudo Vos quero dar e nada
tenho. Compadecei-Vos de mim, compadecei-Vos de mim! Quanto mais Vos busco, maior a perda que
sinto de Vós e da Mãezinha. Valei-me, valei-me!

Quando dizia “valei-me”, já estava nas trevas sem a presença de Jesus e quase na certeza de nunca O ter
encontrado. Repetindo o meu “creio” muitas vezes, ali fiquei sozinha. Pouco depois, veio de novo o meu
Sumo bem, rasgou as nuvens que me encobriam a luz e permitiu que de novo O visse. Com o Seu peito
aberto e o Seu Divino coração em chamas, encostou-o ao meu e disse-me:

― “Coragem, coragem; não me perdeste e mais possuis a tua querida Mãezinha. As tuas ânsias são
minhas, são infinitas. Anseio ser consolado. Quero que me alegrem. Ando sequioso e faminto, à busca
dessas almas que se imolem por Mim e não as encontro!

Acode ao mundo, acode ao mundo, aplaca a justiça do Senhor. É em ti que eu me alegro e delicio.

Recebe a gota do meu Divino Sangue, gota mais forte para maior vida. A dor consome-te, o amor e o
meu sangue fortalecem-te. Vives a minha vida, só a minha vida. Comunica-a às almas e dá-lhes o meu
amor. Coragem na tua cruz, na tua missão salvadora.”

Fiquei logo sem Jesus. Voltei logo aos meus sofrimentos, mas a fazer-Lhe os meus pedidos e o meu
“creio.”

28 de Maio de 1954 – Sexta-feira

Não sei o caminho; sei que há Deus, creio que há Deus, mas parece-me, sinto por vezes como se não
houvesse, não existisse. Não sei o caminho. Não tenho forças para caminhar. Como é tremendo e
doloroso o estado da minha alma. Sem Jesus, sem a Mãezinha, na dor de Os ter perdido para sempre, a
viver a vida como se não existisse a vida, a viver a eternidade como se ela não existisse.

A vida, a vida sem Deus. A eternidade, a eternidade sem Deus! Que pavor. Meu Deus, que pavor! Estou
aqui como se nunca nascesse para Deus. Vivo, como se nunca nascesse.

O meu passado não conta para Deus; o meu presente nada tem para Lhe dar. Vivo a eternidade, mas esta
é infeliz, de ódio e revolta contra o Céu.

Se o meu coração falasse, se ele se abrisse a mostrar o grande livro que dentro dele está. Estas páginas
infindas mostravam tudo, tudo diriam, mas o coração não se abre, a ignorância não permite exprimir-
me. Só à luz da eternidade ele pode ser lido e compreendido.

Viver sem a vida da graça, viver só a vida dos vícios e crimes. O que eu sou!... Que horror!... Anseio
infinitamente as consolações e alegrias. Parece-me mirar e remirar toda a humanidade a ver donde elas
me podem surgir. Mas ah! Nada encontro. Não tem fim esta ansiedade. Sempre a ver quem chega ao pé
de mim a dar-me consolação e alegria. Ninguém vem. Tudo são tristezas, tudo é dor. Tudo são espinhos
e punhais a ferirem-me e o meu corpo a ser despedaçado. É grande o tormento, as ânsias são infinitas.
Eu parece-me e sinto que só as criaturas me podem dar esta consolação e alegria, me podem saciar estas
ânsias.

Meu Deus, busco-Vos a Vós, ou busco-me a mim? Quero consolar-Vos e alegrar-Vos a Vós, ou quero a
alegria e consolação para mim? Duro tormento! Pungentes espinhos!

Tive a Santa Missa no meu quartinho; na minha ignorância de sempre, não soube assistir a ela. Pedia à
Mãezinha que se apiedasse de mim, que suprisse à minha miséria. Parece que assisti a ela fora do
mundo e todo o seu valor e merecimento fora do mundo ficou.

No abismo da minha cavação tenho de repetir o meu “creio”. Não posso deixar de repeti-lo. A canseira,
os suores da alma, a inutilidade levam-me ao desfalecimento e a descrer.

Creio, Senhor, que vivo em vós e para Vós. Creio que Vos amor, sem o mínimo sentimento de amor. Sou
Vossa, sou Vossa! O meu túmulo, o meu túmulo, como ele fala no profundo silêncio da morte! Não é
para mim que ele fala, mas sim para o mundo. Não é uma conversa de dias, mas de todo o tempo. Sinto
que ele fala, que ele dá luz e vida, mas nada, nada é para mim, nada ouço e compreendo.
Como são belos os lírios e as açucenas que à volta dele se abriram! Como estão viçosos! Que cuidadoso é
o seu jardineiro! Nada disse, nada sei dizer, e o meu livro infindo quer falar. Eu sou a estante. O meu
horto e calvário são esquecidos, são de inutilidade. Não me aproveitei dos seus méritos. Forçada, passei
por lá. Debaixo deste esforço, hoje subi a montanha.

Ó Jesus, como tive de repetir o meu “creio”! Como têm os meus actos de fé que serem frequentes! Um
mar imenso estava na maior agitação. Não era só um mar de ondas, era um mar de montanhas. Tudo se
misturou, tudo se envolveu e não sei quem dentro de mim dizia às montanhas para virem sobre mim e
me esconderem. Elas caíram, enrolaram-se; as ondas levaram-me à profundidade dos seus abismos. Que
pavor, meu Deus, que pavor! Invoquei o nome de Jesus e o da Mãezinha e sempre a repetir os meus
actos de fé pedi-Lhes que viessem em meu auxílio.

A esta profundidade sem fim, vieram eles buscar-me. Veio Jesus e a Mãezinha, pegaram-me pela mão, a
Mãezinha na esquerda e Jesus na direita. Puseram-me os meus braços sobre os Seus ombros, puseram-
me ao colo. Em cima do mar, mas já serenado, a Mãezinha sentou-se. Colocou-me no seu regaço, cobriu-
me com o seu manto azul. Enquanto ela me acariciava, Jesus disse-me:

― “Foram Jesus e a Mãezinha buscar-te ao abismo do mar tempestuoso sob as suas montanhas.

Minha filha, minha filha, sofre, sofre. Tu que és vítima repara. Sofre, para que as almas não tenham que
dizer: montanhas, caí sobre mim e escondei-me dos olhares de Deus. Terríveis, pavorosos momentos são
os da justiça de meu Pai.”

Depois falou a Mãezinha, sempre a acariciar-me, mostrou-me o Seu santíssimo Coração. Ela era o
Coração Imaculado de Maria cercado de espinhos e com os olhos fitos no céu Ela disse-me:

― “Não perdeste o teu Jesus nem a tua Mãezinha celeste. Estamos sempre contigo. Amamos-te com o
maior amor. Aqui estou, venho pedir-te: dá tudo a Jesus. Faz tudo o que Ele te pedir. Fala dos nossos
amores. Acode ao mundo; ai, os filhos meus! Olha os espinhos que me cercam. Eu em vez de espinhos
devia trazer rosas, porque são essas as que me tens dado. À luz da eternidade as verás. Mas o mundo, os
pecadores só me dão espinhos para mim e para Jesus.”

Principiou a chorar, inclinando sobre mim a Sua santíssima cabeça. Quando Ela fitava o Céu, arrebatou-
me o coração, mas, quando A vi chorar, fiquei na maior angústia. Com os meus lábios aparei algumas
lágrimas e com o Seu manto enxuguei-Lhe o rosto.

― Não choreis, Mãezinha, que eu amo-Vos e amo a Jesus. Por Vós sofro e por Jesus.

Ela estendeu novamente sobre mim o manto e disse-me:

― “O manto da minha pureza para sempre seres pura, o manto da minha graça para sempre teres graça,
o manto do meu amor para distribuíres graça, pureza e amor.”

Desapareceu e com Ela foi Jesus. Fiquei no mesmo mar de sofrimento, na incerteza de tudo, a repetir o
meu “creio”.

― Valei-me, Jesus, deixastes-me, meu Amor.

E então aí veio Ele numa nuvem negra e com Ele o Eterno Pai. A nuvem pavorosa rasgou-se, e Eles
apareceram. Só por milagre não morri de pavor.

― “Justiça, justiça para a terra! ― disse Jesus em tom irado.

Mas mais irado era o semblante do Eterno Pai.


― “Justiça, justiça sobre a terra culpada. O mundo não me atende, não escuta a voz do seu Deus e
Senhor.”

Gritei:

― Valei-me, Jesus, se não quereis que eu morra! Sou a Vossa vítima. Perdão e misericórdia por mais um
pouco. Senhor! Compadecei-Vos de nós. Afastai-Vos para o Céu.

O Eterno Pai desapareceu. Jesus abeirou-se de mim. Uniu o seu Coração ao meu. O meu ficou como a
esponja mergulhado no amor de Jesus a receber o Seu sangue.

― “Recebe a gota do meu Divino Sangue: é a tua vida. Não tens outra. Vives de Mim. Faz que as almas
vivam esta vida. Fica na cruz. Ficai na vossa cruz. O Senhor é contigo, o Senhor é convosco. Coragem.
Atendei às almas.”

Desapareceu. Eu fiquei logo no meu martírio a fazer-Lhe os meus pedidos todos, todos, mesmo na Sua
ausência.

4 de Junho de 1954 – Sexta-feira

Vivo a eternidade que não principiei e que nunca acabarei. Eternidade, eternidade, como tu me fazes
sofrer! Tu não principiaste nem acabarás para mim. Eu vivo-te, odeio-te e contra ti me revolto e contra
Deus. Ó eternidade, ó vida que me fizeste perder o meu Deus, o meu Jesus, a minha querida Mãezinha!
Não posso consentir em tal perda. Não posso sentir nem recordar que foi por toda a eternidade que
perdi estes tão queridos Amores! Que saudades dos primeiros sábados, do meu colóquio com a
Mãezinha! E tudo o mais, meu Deus, tudo o mais! Que tormento para a minha alma! Quero afirmar-me,
quero agarrar-me ao Céu e não tenho nada a que possa segurar-me. Que abandono, que tormento!
Perder todas as coisas divinas depois de ter perdido as humanas. Perder todo o conforto e apoio do Céu,
depois de ter perdido todo o conforto e auxílio da terra. Lá vou indo na minha cavação tão profunda, tão
profunda que apavora. São tão raras, tão raras as cavadelas. Parece-me que levam mais de um século a
dar cada uma, mas cansam-me tanto, tanto a alma. Ela está sempre banhada em suores. Só o sustentar
nas mãos tal instrumento fatiga-me o corpo e a alma, leva-me a maior abatimento. O corpo desfeito pela
dor ressente-se com o sofrimento da alma. É para ele maior tormento. Vejo o túmulo, aquele túmulo que
me escondeu, aquele túmulo que a morte exigiu e as trevas e a mesma morte continuam a exigir. À volta
dele é um prado e jardim florido. Por dentro morte e trevas. Por fora verduras, lírios, açucenas que
verdejam, vida que vive e faz sobreviver sempre. Nada disto é meu. Minha é a miséria e inutilidade. A
inutilidade rouba-me os meus sofrimentos, os meus sacrifícios, as minhas ânsias de me dar ao Senhor e
às almas. Como o livro do meu coração quer falar, expandir-se!... Como são infinitas as minhas ânsias de
amar a Jesus e de O fazer amar e de Lhe entregar a humanidade inteira! A inutilidade tudo abafa e até
este livro me rouba. O meu calvário, o meu horto tão cheio de agonia é por mim espezinhado e
esquecido. Nada disto vivo, porque parece que nada disto foi para mim.

― Ó meu Deus, ó meu Deus, em Vós confio. Creio, Jesus, creio. Valei-me com a Mãezinha.

Assim caminhei hoje para o cimo da montanha, abrindo-se a terra em fendas. Aqui me engolia, acolá me
dava para voltar a ser engolida.

Creio, meu Deus, creio. À minha agonia e morte veio Jesus buscar-me. Chamou por mim.

― “Vem, minha filha, dá-Me a tua mão.”

Abrindo um curral, mas este curral era Jesus, sempre levando-me pela mão, fez que eu entrasse e disse-
me:

― “Vem para mim, tem coragem! Eu sou o teu Jesus.”


Eu, sempre sustentada pelas mãos do Senhor, à entrada do curral, que me parecia ser Ele. Principiaram
a entrar ovelhas nutridas, umas atrás das outras; todas tinham um lugar e nunca mais deixavam de
entrar.

― “Vês, minha filha, estas ovelhinhas são as almas que os teus sofrimentos a Mim conduzem.”

Não sei dizer como fiquei, fora de mim. Se assim é, Jesus, como creio, eu quero ficar na terra e nela
sofrer até ao fim do mundo.

― “Não, minha filha, o teu Céu está perto, mas lá a tua missão continua e as almas, essas ovelhinhas
nutridas, continuam a salvar-se como se sofresses. Estende-me as tuas mãos.”

Estendi-as. Jesus colocou-me nelas um vaso. Este vaso estava cheio duma semente que não conheci.
Para cima do vaso sobressaía como que uma pinha. De cada biquinho da pinha saía uma chama e todas
reunidas faziam uma só chama.

― “Semeia, minha filha, na terra esta semente. É a minha semente. Enriquece com ela as almas.
Incendeia nos corações este amor. É o meu amor. Sofre, sofre, acode ao mundo.”

Desapareceu Jesus, desapareceu o vaso. Fiquei sozinha entre as trevas.

― Creio, Jesus, creio e que o meu “creio”seja eterno, em acção de graças por sempre em Vós confiar e
confiada de nunca deixar de crer.

À minha frente estava uma montanha. Não tentei subi-la. Chegava ao Céu. Não podia passar além.
Sozinha, cheia de pavor, bradava:

― Jesus, onde estais? Vinde em meu socorro.

Ele saiu-me por entre a rocha a trabalhar; martelava, cinzelava. Era um bom artista. Pegou-me pela
mão.

― “Vem, minha filha, trabalha, trabalha. Repara a justiça de meu Pai. Sofre, sofre. Acode ao mundo que
não quer escutar a minha voz. Tu és o lírio e açucena perfumada. Com tal perfume atrais as almas a
Mim. A tua vida é toda a minha vida. Oh, como Eu quero que ela se leia e compreenda! É cheia de
prodígios divinos. Ela tem ensinamentos do presépio ao calvário. Antes de Eu vir à terra e depois de Eu
vir à terra. A minha vida em ti não é para ti. A luz que em ti brilha não é para te luminar a ti, mas a toda
a humanidade.

Recebe a gota do meu Divino Sangue. Só vives desta vida. É só Jesus que te faz viver. Fica na cruz, fica
na cruz. Sofre, sofre o teu indizível sofrimento.”

Fiquei logo na minha costumada agonia a fazer os meus pedidos ao Senhor sem sentir que Ele tinha
vindo até mim e a parecer-me que nunca O veria.

― Creio, Jesus, sou a tua vítima.

11 de Junho de 1954 – Sexta-feira

Os meus suspiros abafados, a minha dor escondida! Abafo-os por amor de Jesus e amor aos homens. Só
à luz da eternidade será visto e compreendido o que abafei, a dor que escondi. É com Jesus e com a
Mãezinha que eu falo das coisas escondidas. São os Seus Divinos Corações o depósito, o cofre dos meus
segredos. É indizível e nunca compreendida a minha ansiedade de consolações e de alegrias. Ah! Se
surgisse de qualquer parte alguém que me satisfizesse, saciando estas ânsias infinitas de consolações e
de alegrias!... Não o encontro.
Meu Deus, meu Deus, como o meu coração está faminto! Só os corações, as almas da terra inteira o
poderiam encher. Ele é tão grande, tão grande!... É maior que o mundo. Que alegria, Jesus, que alegria
se o mundo inteiro entrasse nele! Desfaleço, morro de ansiedade. Tenho fome de Jesus. Queria amá-Lo
com a maior loucura de amor, mas ai! A minha vida… Sinto bem que é uma vida perdida, uma vida
inútil. A inutilidade, Senhor, custa tanto!... Roubou-me a vida, roubou-me e rouba-me tudo o que na
vida surgiu e vai surgindo. Como aparecer diante de Deus?!... Sem nada, sem nenhum merecimento e
vivendo eu para Jesus, sofrendo por Jesus e não tendo nada diante da Sua divina presença. Não posso
falar… Sinto enorme necessidade, infinita necessidade de falar do livro do meu coração e esconder-me
com ele ao mesmo tempo. A ignorância não me deixa, as forças não me permitem. Que a minha dor, as
amarguras da minha alma sejam o livro que fala e o abrigo que o esconde.

O coração abre-se como um vulcão de fogo e é ao mundo que ele quer incendiar. Meu Deus, meu Deus,
ai que necessidade de falar deste vulcão de fogo e de o fazer compreender!

― Aceitai, Senhor, o meu sacrifício e este desfalecimento que me leva à eternidade que eu vivo, à
eternidade que espero.

Martírio da alma, martírio do corpo aumentam. Na minha escavação com os suores da alma e de cada
vez mais dolorosos, mas o meu sepulcro, na superfície, parece falar. As suas verduras, este prado de que
já lhe vejo o fim, é de cada vez mais florido. O silêncio da morte fala, o prado distancia-se e as flores cada
vez mais belas e mais numerosas.

― Meu Jesus, na minha morte, na minha inutilidade, na minha cruz, sou sempre a Vossa vítima.

O meu calvário é por mim sempre desprezado. Forçada, segui o seu caminho. Caminhava e sempre a
deitar fora do meu peito o coração. Parecia-me que corações nasciam para eu sempre deitar para fora de
mim. Atirava-os à terra. Chamava por Jesus e pela Mãezinha. O meu “creio” repetia-o com frequência.

― Ó meu Deus, não Vos pertencer! Ó Jesus, ó Mãezinha, ai de mim, que Vos perdi! Hei-de acreditar,
hei-de confiar. Creio que nunca Vos perderei.

Assim veio Jesus ao meu encontro, pegou-me no meu coração e meteu-o dentro do Seu peito. Em
seguida, sentou-se no coração em trono de realeza. O trono estava todo adornado de flores e trepadeiras
viçosas que a sua verdura encontrava com as pétalas brancas. Subiram à maior altura, faziam sombra ao
trono em que Jesus estava sentado. Falou-me assim o meu Sumo Bem:

― “Minha filha, é meu o teu coração, é meu e sê-lo-á sempre. Tu não o deitaste fora, mas foram as almas
de quem tu és vítima que lançam ao mundo, à lama, à podridão os seus corações. Entregam-nos a
Satanás. Desprezam o meu Sangue, os méritos do Calvário. Os teus sofrimentos vão buscá-los às garras
de Satanás. Levam-nos de novo a aproveitarem-se do meu Sangue divino, a virem ao meu Coração.
Sabedoria divina! Não é a ciência dos homens, a eloquência das palavras, mas sim a verdadeira vida de
Cristo, o verdadeiro significado da alma vítima e reparadora. Como Jesus gosta dos humildes e
pequeninos! Aqui me delicio no trono do teu coração, aqui suavizo a minha dor e o meu coração deixa de
sangrar. A ciência divina subiu em ti, subiu à maior altura e tu, a tua alma humilhada, pequenina e
escondida como a violeta.

Como Deus é grande! Grandes faz as Suas obras! Acode às almas. Fala-lhes, fala-lhes. Acode ao mundo.
Ai, o pobre mundo! Eu queria, Eu queria que tudo quanto lhes dizes chegasse aos confins da terra, como
há-de chegar a tua vida, o brilho da luz que em ti fiz brilhar.”

― Ó Jesus, quero a Vossa vontade divina. Amparai-me, fortalecei-me, iluminai-me, dai-me a vida que
estou morta. Creio, Jesus, creio.

Quando falava para Jesus, já não O via nem O sentia. O trono tinha desaparecido do meu coração. Só a
morte reinava, morte que me levava sempre a repetir: creio, creio, creio!... Veio de novo a vida ao
encontro deste meu “creio”, levantou-me da morte o meu Jesus. Em Suas mãos trazia um lírio, uma
açucena e uma palma. Meteu-me tudo na minha mão direita e atravessou-mas sobre o peito…

― “Lírio e açucena, sinais de alvura e pureza. Palma, sinal de martírio. São os símbolos que te oferece
Jesus. És mártir de Portugal, és mártir da humanidade inteira. O que se faz aos mártires, o que se diz dos
mártires está dito tudo. Entendam os doutores da Igreja. Aqui fica manifestada a minha divina vontade.
Acode ao mundo que é teu filho. Acode à humanidade, de quem és mãe. Sofre, sofre, sofre. Coragem,
coragem! Tende muita coragem.

Recebe a gota do meu Divino Sangue. Fortalece-te, vive, faz viver.”

Depois de receber o Sangue de Jesus, Ele fugiu novamente. Fiquei a fazer-Lhe os meus pedidos. Não
fiquei como de costume logo na dor. Eu não vivia na terra. Passado um bom bocado de tempo, veio uma
pomba branca pousar sobre a minha cabeça. Pouco depois, voou-me para o peito e nele fez o seu ninho.
De dentro do ninho, sobre os meus lábios, poisava o biquinho. Passava para mim não sei o quê.
Aproximou-se Jesus e disse-me:

― “Sobre ti pousou o Divino Espírito Santo. Está a comunicar-te toda a Sua vida. Avante! Fala às almas!
Fica na cruz!”

Logo fiquei num sofrimento bem doloroso q ter que repetir o meu “creio” muitas e muitas vezes.

18 de Junho de 1954 – Sexta-feira

Estou no meu martírio a redobrá-lo ainda mais por ter de falar de mim, ou melhor, da minha dor. Custa-
me imenso. Não queria dizer nada. Tenho vergonha, escandalizo-me a mim mesma. Não escandalizarei
mais alguém? Sempre a falar da dor, deste sofrimento inexplicável! Mas como modificá-lo, se outra coisa
não tenho?! O meu sofrimento é tão grande, tão grande, tão infinito!... Só Jesus o conhece, só Ele o pode
vencer. Eu sei que não sou eu.

O dia da festa da Santíssima Trindade e da Mãezinha no Sameiro foi para mim uma agonia mortal.
Tinha morrido, se Jesus não fizesse a graça de me conservar a vida. O meu Paizinho espiritual estava na
minha mente ligado com a Mãezinha do Céu. Era uma festa em que não devíamos nem podíamos estar
separados. Daqui nasciam as mais dolorosas e tristes recordações. Deus e o homem! Como este veio ao
contrário dos desígnios do Senhor! Na terra nunca, nunca poderei dizer o que sofri e sofro. Só à luz da
eternidade haverá tal visão. Com tão variadas e tristes recordações, com tão tremenda e dolorosa agonia
fixei no Céu os olhos da minha alma. Não podia movê-los. Tinham que estar sempre firmes para não cair
no desespero.

Estou a passar a data da minha estadia na Foz, 11 anos; martírio sobre martírio. Quanto mais dor e
humilhação, mais ódio e incompreensão. Por tudo o Senhor seja bendito!

O meu pão de cada dia, o meu pavor são as almas que se abeiram de mim. Causa-me pavor, e o coração
não pode separar-se delas. Por elas quero dar o sangue e a vida. Quero-as todas para Jesus, com todos os
corações numa só chama de amor. Não posso falar das almas nem desta ânsias. Não resisto. Estou
sempre à espera das consolações e alegrias.

― Senhor, quem poderá dar-mas?! Que angústia, que angústia!

O meu túmulo, a minha escavação, a minha inutilidade e eternidade não param. Tenho que viver tudo
isto, mesmo sem vida. Tenho que sentir toda a dor e sempre estar de mãos vazias. Nesta manhã, depois
de receber o meu Jesus, foi tão dolorosa a minha morte e inutilidade, um abismo se abriu a engolir tudo.
Repeti tanto o meu “creio” a Jesus…

― Meu Senhor, parece-me mentir-Vos a Vós e mentir-me a mim mesma. Dai-me coragem para que eu
repita o meu “creio” sem crer, sem acreditar e Vos diga que Vos amo, sem ter vida, sem viver para Vós,
sem sentir o Vosso amor.

Apunhalava-me a mim mesma. Fazia-o com toda a crueldade. Subi para o Calvário, sempre num
desprezo e ódio infernal contra ele. Estendi-me no mundo. Nele bebi todo o veneno. Em seguida, apertei
o coração, enleei nele grossas e negras cadeias para que nenhum veneno saísse dele. Fiz o mesmo à
língua para a não deixar mover, nem deitar fora o veneno apanhado.

― Creio, Jesus, creio!

Assim chegaram as três horas. Jesus demorou-se. Não vinha. Apoderou-se de mim o temor. Perdi a
Jesus, perdi a Mãezinha e talvez para sempre. Meu Deus, que fiz eu que Vos desgostasse para não virdes
mais… Caí prostrada por terra. Já não podia mais. Veio então Jesus, ajoujado sob o peso, não sei, mas
Ele fez-me sentir que era da justiça de Seu Pai. Ai! Que dor ao vê-Lo. Ele não podia caminhar. Suspirava
e as Suas lágrimas banhavam-Lhe o rosto. Caiu por terra junto de mim.

― “Minha filha, minha querida filha, não posso com a minha agonia. A mesma terra que te serve de leito
será o meu. Chora comigo nas mesmas lágrimas. Sente igualmente a dor do meu Divino Coração. O
mundo, o mundo, os pecadores, são a causa de tudo isto. Não foste tu a beber o veneno. És a vítima
daqueles que o bebem. Não foste tu a prender o coração e a língua com cadeias, mas sim o demónio,
para que não mais possa ter remédio. És tu com a tua dor, com esta moeda mais cara a comprares estas
almas e com a minha fortaleza a quebrar-lhes as cadeias, para que sejam curadas, voltem à graça,
venham a Mim. Não há crime nenhum de que não sejas vítima. Aqui ficam bem gravadas a sabedoria e a
ciência de Deus.”

― Ó Jesus, para mim as Vossa lágrimas, a Vossa dor, o Vosso ajoujamento; a nada me poupo, mas quero
que não sofrais. Só quero a Vossa força e graça.

Jesus levantou-se sorridente, tomou a formosura de Deus. Levantou-me a mim, estreitou-me ao Seu
Divino Coração, acariciou-me e disse-me:

― “É todo teu o meu coração, com todas as riquezas, com todo o amor.”

E desapareceu. Novamente fiquei desfalecida. Não pude ir à Sua procura. Creio, Jesus. Fiquei sempre a
repeti-lo. Ouvi-o gritar ao longe!

― “Minha filha, vítima querida, acode-me. Vêem sobre Mim os pecadores, o mundo com todos os seus
crimes.”

Gritei-Lhe também com todo o coração: Jesus, sou a Vossa vítima! Libertado, de novo chegou Ele ao
meu encontro.

― Para que me fugis, Jesus? Não vedes como sou fraquinha e não posso ir à Vossa procura?

― “Vai o teu coração, minha filha, e é esse que Eu quero. O teu desfalecimento é humano, mas o coração
vive só o divino. Dor e cruz, cruz e dor; dor e cruz, dor e amor, será sempre a tua vida. Depois de pouco
mais de um século em que Eu coloquei a cruz nesta terra, veio a vítima para ela. Não era preciso mais
nada para tudo ser compreendido. É à terra, ao lodo e à podridão que a vítima vai buscar e purificar as
almas. Calvário, calvário, calvário ditoso!

Portugal, Portugal, Portugal ditoso! Mundo, humanidade inteira cheia de perdão, misericórdia e amor
dados por este calvário.

Recebe a gota do meu Divino Sangue. A tua vida, divino alimento! Enche-te para dares. Fica na cruz,
sempre na cruz! Coragem, coragem! Não deixes as almas perderem-se. Não deixes cair sobre a terra a
justiça de meu Pai, dela tão aproximada. Coragem na cruz, coragem na dor!”
Desapareceu o meu Sumo Bem, sem me dar tempo a fazer-Lhe os meus pedidos. Misturados com o meu
“creio” não deixei de Lhos fazer. Tenho medo do mundo, tenho medo de viver!

― Valei-me, Jesus, valei-me!

25 de Junho de 1954 – Dia do Sagrado Coração de Jesus

A vida sem Jesus e a Mãezinha, a vida sem o Céu, como poder viver, meu Jesus?! Como poder passar
neste vale de lágrimas? Perdi tudo do Céu, depois de perder tudo da terra.

― Ó meu Deus, eu creio, eu creio. Não permitais que a amargura da mina alma, o meu desfalecimento
cheguem a ponto de Vos ofender.

Vagueio, vagueio noite e dia por entre trevas e morte, como quem quer alguma coisa e não sossega sem
que a encontre. Nada encontro, com nada me satisfaço, todo o esforço é perdido, tudo é inútil para mim.
Oh! Como eu me agarro a Jesus e à Mãezinha, invocando os Seus nomes, bradando-Lhes com toda a
força de alma e coração! Agarro-me sem sentir o seu apoio, e o meu brado perde-se na mortandade da
humanidade.

― Ó meu Deus, ó meu Deus, a quem recorrer? Em quem confiar?... Em Vós, só em Vós!... Creio, creio!

Falar as minhas ânsias de amor e de dar almas a Jesus, falar do livro do meu coração e de todas as
agonias da minha alma é-me inteiramente impossível. Aumenta-me o martírio por nada saber, nem
poder dizer. O coração lá vai ecoando e vai absorvendo em si o mundo inteiro como se fora uma
mangueira. Ai, ai, como ele vai trazendo a si tudo, tudo quanto encontra, mesmo toda a podridão e
nunca está satisfeito.

Custa-me tanto, tanto saber que o meu médico sofre por minha causa a grande humilhação, o grande
sofrimento!... Eu que queria ser o alívio de todos e sou a causa de tantos sofrerem! Mas agora ele que em
tudo se podia defender humilha-me talvez para fazer vontades. Eu só peço a Jesus que ele faça em tudo a
Sua divina vontade.

― Meu Deus, como os homens na sua ignorância são a causa de tão grande martírio. Tudo por Vós e
pelas almas! Sou a Vossa vítima! As minhas amarguras só vós as conheceis.

Estou cansadíssima com a minha vida trabalhadora, morta e inútil, mas sempre canseirosa. Os suores da
alma acompanham bem as do corpo. Como eu trabalho sob mundos, sob mundos! Ansiava tanto, tanto o
Dia do Sagrado Coração de Jesus. Tenho fome d’Ele. Queria comê-Lo mais e mais. Recebi-O pela manhã
e logo depois de Ele entrar no meu coração pedi-Lhe muito amor, pedi-Lhe muitas graças e a graça de
crer sempre n’Ele, mesmo sem crer. Ele na Sua infinita bondade segredou-me no fundo do coração estas
palavras:

― “Dá-te, dá-te, dá-te, minha filha, consome-te no meu amor, por amor às almas.”

A ansiedade do Seu amor, a ansiedade de viver o Seu dia durou no decorrer das horas, mas sempre na
maior tortura da alma. Caminhei para o Calvário. Atraiçoava-me a mim mesma e feria-me cruelmente
com toda a espécie de tormentos. Olhava-me a mim mesma com olhares aterradores e desesperadores.
Cheia de ódio e vingança, fugia do Calvário.

Mas, ah, no meu íntimo havia um novo contraste! Apertava o coração, espremia o seu sangue até à
última gota. Quanto mais ódio e sofrimentos, mais compaixão, mais ternura, mais amor. O coração não
tinha mais sangue a dar. Não é para mim exprimir a minha dor. Quanto sofri com coisas tão diferentes!
Sempre a chamar pelo Céu, sempre a repetir o meu “creio” no meio de toda a treva, morte e abandono.
Creio, creio, creio!

Veio Jesus quando repetia o meu “creio” nesta luta dolorosa.


― “Minha filha, minha filha, coragem, coragem! Crê, crê! A vítima não tem outro caminho; a vítima
generosa tem de reparar por tudo. Tens em ti a vida do mundo, a vida de Deus. O mundo a ferir-me
cruelmente, a atraiçoar-me, a fugir-me. Eu, cheio de compaixão, misericórdia e perdão a oferecer-lhe o
meu Sangue até à última gota, a dar-Me todo por ele. Crê, crê! Previne-te bem, filha amada. Tens de
viver da fé, tens de viver do “creio”. É a fase mais dolorosa da vítima. É montanha, são castelos que
atingem a maior altura. Dá-te, consome-te, confia, que o teu Céu está perto.”

― Ó Jesus, não sei a melhor forma de me dar a Vós. Não sei como consolar-Vos e dar-Vos as almas.
Guiai a minha vida, auxiliai-me nos meus caminhos! Sou a Vossa vítima.

Falava sozinha. Jesus não estava.

― Creio, meu Jesus, creio. Por amor, dai-me o Vosso amor. Creio, ó meu Deus, onde estais Vós? Não
vejo nem tenho força para caminhar.

Voltou Jesus, alegre, com o Seu Divino Coração nas mãos incendiado numa só chama.

― “Aceita, no dia do meu Divino Coração, dou-te, renovo-te a oferta do meu Divino coração. Tudo
quanto ele tem é teu: riquezas, amor, misericórdia e perdão. Por ti tudo será dado às almas. És o
segundo canal por onde passa para o mundo tudo o que é meu. Eu passo para a minha Bendita Mãe,
primeiro canal celeste, e Ela passa para o teu, porque és a primeira vítima por Mim escolhida na terra.
As almas recebem tudo por ti à medida que o quiserem receber. Quanto mais ansiarem pureza e amor,
maior será a abundância que recebem.”

Eu tinha o Coração Divino de Jesus dentro do meu peito. Ardia numa labareda elevadíssima. Jesus
deixou uma espécie de veiazinha saliente e compridinha que penetrou no íntimo do meu coração e pelo
qual passava a gota do Seu Divino Sangue. Por ela o meu coração bebia sofregamente. Estava cheio.
Jesus satisfê-lo.

― “Dá esta vida! Tem coragem! O mundo, o mundo cruel, as almas, as almas necessitam de vítimas que
assim se imolam. Dá-me tudo, dá-me tudo. Acode a Portugal, acode ao mundo! Ó justiça, ó justiça de
Deus!”

― Jesus, por amor, dai-me amor! Por amor, amparai-me; por amor, fortalecei-me; por amor, atendei às
minhas preces; por amor, salvai e perdoai ao mundo. Creio, creio em Vós. Sou a Vossa vítima.

As minhas preces foram feitas na ausência de Jesus, mas creio que Ele as ouviu e há-de atender a elas.

2 de Julho de 1954 – Sexta-feira

Perder a Deus como se nunca O possuísse, perder a vida como se nunca vivesse, deixar de amar a Jesus e
à Mãezinha como se nunca os tivesse amado, é o meu viver doloroso, é o tormento da minha alma, é
uma agonia mortal.

― Meu Deus, sempre, sempre a viver sem vida, sempre, sempre a viver sem Vós, sem Vos amar e sem o
Vosso amor. É uma luta, é um combate tremendo.

Por vezes reconheço que Jesus faz o milagre de amparar-me, de outra forma desesperava.

― Ó Jesus, querer o Céu e não o possuir, querer-Vos a Vós e sentir a Vossa perda! Viver uma vida de
doloroso martírio de alma e corpo, e tudo inútil, tudo inútil! Vejo-Vos, meu Deus, em todas as coisas.
Nada há em mim que não tenha o fim de Vos dar glória, amor e reparação. E a minha vida morta e inútil
é como se nada Vos desse, nunca Vos conhecesse, nunca Vos amasse, nada Vos reparasse e nunca Vos
possuísse.
O coração fala sempre. Ele quer chupar, chupar na humanidade, em toda a humanidade como a
abelhinha a sugar o néctar das flores.

Ele fala, mas esta voz, este eco não é para mim. Parece que este eco vai entoar e destruir montanhas; e
eu quero almas, muitas almas, todas as almas, corações, todos os corações para entregar a Jesus. Que
eles estejam todos numa só chama de amor divino é a minha ânsia, a minha loucura, noite e dia.

― O que poderei eu dar ao meu Senhor? O que poderei eu fazer por Ele e pelas almas? Não sei. Tudo fiz
e nada sei. Vivi por Ele sem ter vivido! Valei-me, meu Deus, valei-me!

As minhas forças não me permitem falar mais dos sentimentos da minha alma e a minha ignorância
priva-me de tudo, mas fico num sofrimento inaudito por não poder descrever neste caderno o que está
gravado neste livro sem fim que tenho no coração. Segui hoje para o Calvário, como sempre,
escarnecendo, calcando, rasgando os meus vestidos em sinal de desespero. Todos os sofrimentos que já
descrevi me atormentavam. Dúvidas contra Deus, contra a fé, mas sobre elas sempre o meu “creio”, o
meu “creio”, o meu “confio”, o meu “espero em Vós, meu Deus”.

Ao terminar da montanha, senti como se abrisse os braços e abraçasse toda num abraço íntimo e a
osculasse com um beijo mais doce. Abraçar aquilo que me causava tédio e nojo e beijá-lo com tanto
amor e na maior dor, meu Deus, eu creio, eu creio!

Assim, mudei de região, não sei, para outra pátria. A escuridão era tremenda. Oh! Que medo! Eu
sozinha! Jesus não vinha, não me falava. Caminhar não podia. Desfaleci. Veio Jesus. Rompeu toda a
treva e bradou alto:

― “Minha filha, coragem! Minha filha, confia em Mim! Sofre, sofre!... As almas necessitam da tua dor. O
mundo é a causa do teu martírio. Busca-Me, procura-Me por aqueles que Me perderam. Encontra-me
por aqueles que não querem a Mim voltar. Os pecadores não me escutam, os sacerdotes, os sacerdotes
trocam-Me por Satanás. Preferem a carne, o prazer, à oração, à mortificação. Trocam o Céu pelo inferno.
Coragem, minha filha.”

― Ó Jesus, ai de mim, ai de mim: trabalhai Vós. Suportai Vós a minha cruz. Eu não posso, nada valho,
mas em Vós espero e confio.

― “Coragem, esposa minha, quantas mais maravilhas e prodígios opero nas almas, mais guerra, menos
compreensão, menos luz. Os homens cegam-se com tanta abundância de luz. Dá-me tudo pelas almas.
Faz que Eu seja amado e minha Bendita Mãe.”

Escondeu-se por uns momentos, deixou-me sozinha o meu Jesus. Repetia o meu “creio” e a minha oferta
de vítima. Ele veio todo banhado em sangue. Os Seus cabelos estendidos estavam ensopados em sangue
comos Seus vestidos. Oh! Como eu me condoí de Jesus! Inclinei-O sobre o meu braço esquerdo, com a
direita peguei no meu coração, fiz dele lenço para O limpar. Em seguida, pedi licença para beijar-Lhe as
Suas santas chagas dos pés e mãos e feridas da cabeça. Obtida a licença, o sinal foi Ele próprio me as dar
a beijar. Fui para a chaga do Seu Divino coração e ali me demorei a beber naquela fonte divina. Jesus
deu-me a gota do seu Sangue para as veias e disse-me:

― “Bebe, bebe, minha filha, enche-te de mim para te dares por mim. És vítima. O teu abraço no Calvário
foi o meu abraço para a humanidade. O teu ósculo de amor foi o meu ósculo de amor e de paz. O mundo
não quer o meu amor, não quer o meu perdão, não aceita a minha paz. Ai, os sacerdotes que Me fogem!
Oh! Como eles me ofendem! Sofre, sofre! Sustenta o braço da justiça de meu Pai. Fica na cruz e tende
coragem na vossa cruz. Nada me negueis pelas almas. Coragem! É bem pouco tempo, confia, confia! Está
perto, bem perto o Céu!”

Fiquei sozinha mesmo na cruz, a fazer os meus pedidos.

9 de Julho de 1954 – Sexta-feira


O martírio mais doloroso desta semana para a minha alma foi a visão do mundo. Nela tinha os olhos que
viam toda a miséria e maldade do homem. Não posso recordar tal. Como está o mundo!... Como o
homem pode conceber em si tanta maldade! Causa tédio, causa pavor! E depois, e depois, ó meu Deus!
Este rancor e crueldade da humanidade contra Vós! Não sei como não morri de dor e como não morri
com a visão de tanta imundície.

― Tudo isto contra Vós e debaixo dos Vossos olhares! Ai de mim, Jesus! Apiedai-Vos, fortalecei-me na
minha fraqueza. Se quereis que eu viva, tendes de conservar-me a vida. Oh! Que visão tão tremenda e
dolorosa!

Ai, ai, como o mundo está!... Quase tudo peca com toda a maldade, e quase ninguém ama a Jesus com
puro e verdadeiro amor. Oh! Se houvesse alguém, se surgisse de alguma parte quem viesse consolar ou
para melhor consolar estes olhos que têm a visão do mundo, esta vida que tudo vê, que tudo sente, sem a
mim pertencer! Que ansiedade, mas ansiedade infinita! Como vou louca, louca à busca dessas
consolações e alegrias que possam satisfazer estas ânsias infinitas! O meu coração continua a ser canal
ou, mais que isso, não sei o quê. Ele ecoa, ele desfaz montanhas, ele como esponja absorve em si o
mundo inteiro.

― Fala-lhe de coisas altas, ensopa-o em seu sangue. Ó meu Deus, se eu tivesse sabedoria, se a minha
ignorância me deixasse falar das Vossas coisas!

Eu abro à humanidade este livro de páginas sem fim, que tenho no coração, mas ele não quer ler, não
sabe ler. Eu, na minha ignorância e trevas sem igual, não me sei exprimir e não vejo o que ela diz.

― Creio, meu Deus, eu creio!

Que este meu “creio” sem o sentimento e sem a certeza de crer se repita incessantemente no tempo para
depois se repetir: eu amo-Vos por toda a eternidade. Tenho de crer, mentindo-me a mim mesma sem o
sentimento. Confio sem confiar, amo sem amar, espero sem esperar.

― Ó calvário da minha vida!... Jesus, sou a Vossa vítima!... A minha eternidade, a minha inutilidade, a
minha cavação profunda cá vão seguindo, tudo sem Jesus e sem a Mãezinha, tudo no sentimento desta
perda divina e santíssima. Ó meu Deus, nunca mais Vos ver, nunca mais Vos amar! Perder-Vos para
sempre!

O meu corpo desfeito pela dor num martírio inexplicável quer dar-se a Jesus pelas almas, ora em
espírito, ora com os lábios. Faço esta oferta, muitas e muitas vezes, mas a inutilidade é tão cruel, nada
me deixa com que eu possa alegrar o Senhor.

Hoje, a minha vida foi tão fora, tão fora do mundo e tão esquecida do calvário que nunca recordei
quanto Jesus sofreu e quanto Lhe devia a minha alma. Só perto das três horas é que caí do mundo
superior a este e então recordei na maior amargura o calvário e o meu esquecimento dele. Na ausência
de Jesus, na Sua demora, porque Ele não se apressa, repetia-Lhe: creio, creio sempre, amo-Vos e sempre
serei Vossa. Dizia-Lhe isto cega, mas cega pela dor. Ele veio e já de longe me bradava:

― “Minha filha, minha filha, abraça-te à cruz, abraça-te à cruz, firma-te na cruz. Coragem, coragem! Eu
estou contigo. Amparo-te, sustento-te! Nada temas. A tua cruz vem do Céu exigida pela terra. Envio-te,
assim dolorosa, porque os pecadores com os seus crimes a exigem. As praias, as praias, os casinos, os
cinemas, ai! Tanta imoralidade! Tanta desonestidade e impureza! A carne, a maldita carne! Este calvário
ditoso, este calvário por Mim escolhido tem a generosidade, a maior generosidade, tem amor, o maior
amor, toda a aceitação da minha divina vontade. Tudo faço pelas almas para as salvar, e elas fazem tudo
para se condenarem. Coragem! Firma-te. Abraça-te à cruz. A tua visão do mundo é a minha visão, a dor
que sentes é a minha dor. Se assim não sofresses, já a justiça de meu Pai tinha caído sobre a terra. Ai
dela se não Me escuta, se não se converte em breve, muito em breve!”
Jesus, ao abeirar-se de mim, cobriu-me com a ponta do Seu manto. Fez-me compreender que à Sua
sombra tudo vencia. Só Lhe soube dizer que era a Sua vítima e que se compadecesse de mim. Ele
desapareceu. Eu tão desfalecida não fui capaz de dar um passo, mas bradava-Lhe:

― Sou Vossa, sou Vossa! Creio, creio, só a Vós amo e em Vós confio. Não posso ir ao Vosso encontro.
Onde estais, meu amor, onde estais?

Principiei a ouvir os Seus suspiros e logo O vi a chorar amargamente. Inclinou-se sobre o meu ombro
esquerdo. Foi ele a travesseira da Sua sacrossanta cabeça. Uniu o Seu Divino coração ao meu e disse:

― “Venho Eu ao teu encontro, minha filha, enquanto repouso contra o teu peito. Recebe a gota do meu
divino Sangue, porque é ela que te dá a vida. Tu não vives a vida da terra. Vives a minha vida, a vida do
Céu. Foi por isso que não viveste no mundo e no calvário; desceste ao mundo para, à minha semelhança,
no calvário dares a vida. Tu vives de Mim e para Mim. Tu vives de Mim e para as almas. Ah! Se os
homens compreendessem o que é a vida de Jesus nas almas!... Dá-te, dá-te por elas! Tende coragem,
tem coragem! Continua a tua missão. Ela é grandiosa, é sublime! Só no Céu verás o bem que espalhaste.
Coragem! Está bem próxima a tua pátria, e de lá quantas graças, quantas bênçãos, quantos milagres o
mundo receberá de ti! Sofre, sofre! Compadece-te do mundo. As minhas lágrimas são pela visão dos seus
crimes. Pobre mundo, pobre mundo! Pobre Portugal, ai de Portugal! Pobre mundo, o que te espera! Ó
Portugal, que tão ingrato és para com Jesus e Maria!”

Enxuguei as lágrimas de Jesus, e Ele assim desapareceu. Fiz-Lhe os meus pedidos e pedi-Lhe
misericórdia para a humanidade, mas Ele já não estava comigo.

16 de Julho de 1954 – Sexta-feira

É tão grande, tão grande a minha dor! Não sei como exprimi-la. Grandes coisas se passam dentro de
mim. Grande revolta, grande guerra, grande ódio. Trevas assustadoras e dor tão profunda, tão profunda
que me parece não ser minha e não pode ser, porque eu não resistiria a ela. Eu sou portadora de tudo
isto e sofro com tudo isto sem por isso deixar de sentir todos os meus sofrimentos de cada dia de tantos
anos. É de morrer de dor e apavorada. Não tenho vida e estou na terra. Sofro sem nada ter. A minha
inutilidade tão traiçoeira tudo me rouba. Para a eternidade as mãos estão vazias. o coração consome-se
como cera que se derrete, mas sem nunca deixar de ser consumido. O nojo às almas, a repugnância por
elas e a ânsia que me dá por elas de as introduzir todas no meu coração!

― Meu Deus, que loucura, que loucura de amor! Sempre a ser consumida, sempre a tentar abraçá-las e
sempre o tédio a ter de repeli-las, mas o coração ama-as tanto, fala-lhes, abre-se e faz-se ecoar em toda a
terra, até rochedos destruir. Não sei… o meu túmulo continua na superfície da terra mimoso e florido,
mas ai, não sei… grandes muralhas o cercam.

Subiram da terra ao céu, vedaram tudo. Nem por isso eu deixo de trabalhar pela maior profundidade,
cavando, suando, consumindo-me. Tenho necessidade, sinto necessidade de me fazer compreender e ser
compreendida.

― Oh! Se me fosse dado o meu Pai espiritual!... Meu Deus, meu Deus, que agonia! Ó dor que não és
compreendida! Não tenho saudades dele. Ai de mim, se não tinha fé e esperança. É esta que me encoraja
e me leva à confiança. Tenho uma eternidade para o ver: talvez a razão por que não sinto saudades; mas
a alma, a minha pobre alma não descansa, não sossega dia e noite. É ela que o quer, é ela que com ele se
quer abrir, porque tem a certeza que por ele é compreendida. Esta os homens não a podem separar.
Quanto mais o tempo passa lá vai ela à sua busca, ao seu encontro numa ânsia de morrer.

Na minha vida de abandono, na minha vida sem luz e sem vida, inútil em tudo e para tudo, ofereço-me
ao Senhor, digo-Lhe que O amo e sou a Sua vítima, embora com o grande martírio de me mentir a mim
mesma.
― Valei-me, Jesus, valei-me, Mãezinha! Eu creio, eu creio, eu creio!... Que a Vossa perda não foi eterna!
Deixai que os olhos do corpo chorem com os da alma. Tudo é por Vosso amor.

Oh! Como eu preciso de consolação, como eu a espero de toda a parte em indizíveis e infinitas ânsias,
sem nunca a receber. Ai, se houvesse quem me consolasse. Meu Deus, mas eu não me busco a mim, nem
a mim me quero consolar.

Foi nesta agonia o meu horto de ontem e foi hoje o meu calvário. Sentia que o meu rosto se voltava, não
o queria ver nem dele se utilizar, ao mesmo tempo que as lágrimas, que me rolavam pelas faces, nelas
faziam profundos sulcos, e o coração era com bomba que se explodia, mas isto em vez de fogo era dor.
Assim foi toda a viagem para a montanha, repetindo sempre, sempre o meu “creio”, mas isto com grande
luta.

Chegaram as três horas. Entrei num outro mundo. Oh, que mundo, oh, que mundo! O pavor aumentou
ainda, tais as trevas e abandono. Creio na dor, ou na alegria, no abandono ou no conforto, creio na vida e
na morte.

― Sou Vossa, Jesus, sou a Vossa vítima.

Jesus não me apareceu, mas foi ele a conservar-me a vida. Sem ele teria morrido. A humanidade era eu.
Meu Deus, que moinha de almas, que formigueiro, como estavam amontoadas! Por entre elas
principiaram a sair negras chamas que a todas incendiou; que pavor, meu Deus, que pavor! Como elas
queriam salvar-se! Na minha mão direita não sei quem me colocava uma e outra bola as quais uma a
uma eu atirava para a terra para maior martírio, espalhando dum pólo ao outro até que tudo ficou
carbonizado. E eu ainda a morrer de pavor, sozinha, sem ouvir nem ver Jesus.

Ele chegou, fez desaparecer tudo e o sol brilhou. A primeira coisa foi injectar-me do Seu divino coração
para o meu a Sua vida. Depois, docemente e fortemente me disse:

― “Coragem, coragem, minha filha, recebe a minha vida, fortalece-te. Tu contemplaste esta cena com
dor e pavor. Eu contemplei-a com dor e justiça. As bolas que lançavas ao mundo eram as da justiça dos
homens. Estes são instrumentos nas mãos de Deus. As chamas de fogo eram da justiça de meu Pai, que
terminavam com a justiça dos homens, até que tudo deixou carbonizado. É isto que espera o mundo, ó
minha filha, ó minha filha. Ele, cego e louco pelas paixões, não me atende, não me escuta a minha voz.
Como a humanidade peca!... Como pecam as almas consagradas a Mim! Aqueles de quem esperava amor
e tinha exigências e direito de todo o amor. Diz depressa aos teus amados superiores que façam chegar
depressa, depressa, com urgência à Casa-mãe da humanidade, ao meu querido bem amado, para que se
faça penitência, penitência sentida, penitência mundial. Depressa, depressa, são exigências do céu. É
Jesus, louco, a querer salvar os filhos Seus. Penitência, penitência, sentida oração, oração com amor,
com amor!

Recebe a gota do meu divino Sangue. Fica na tua dor, na tua dor, na tua cruz. Acode ao mundo! Ai do
mundo! Depressa, depressa, este mandato de Jesus à Casa-mãe, à Casa-mãe, ao meu bem amado, ao
meu bem amado. Faça-se penitência por toda a parte: nos claustros, onde tanto se peca! Toda a
humanidade, em penitência e oração, voltada deveras para Deus. Acode ao mundo. Sofre, minha filha!
Acode ao mundo!”

O Coração divino de Jesus estalava e rasgava-se de dor. Eu sentia-o e amava-o.

― Não sofrais assim, meu doce amor. Deixai tudo para mim que sou a Vossa vítima e convosco a tudo
resisto.

Já eu estava nos mesmos pavores da alma e sem a vista de Jesus. Mesmo assim, mais uma vez lhe fiz os
meus pedidos e implorei perdão para toda a humanidade.

23 de Julho de 1954 – Sexta-feira


Dor, dor, dor! Não tenho outra coisa na terra. Não sinto em mim outra coisa que não seja dor na alma e
no corpo, mas tão dolorosa e profunda que só o Senhor, só o meu Jesus pode em mim vencer. Tudo
quanto dito é nada. O meu coração está cheio, está cheio de tédio e horrores. Está cheio de ansiedades,
amor e misericórdia e chama o mundo, em chamas de fogo. Que amor louco e infinito! Que dor indizível
e infinita! Foge-me tudo aquilo que o coração anseia, por quem vive, por quem se dá. Que abraços tão
íntimos e tão ternos eu sinto em mim, mas são só de desejos e infinitas ânsias. Não há quem se meta a
estreitar-se em tais abraços.

― Fala, fala, coração meu, mostra, mostra todo esse livro que dentro em ti possuis. Só à luz da
eternidade pode ser lido e concluídas suas páginas.

Ó meu Deus, ó meu Deus, faço isto por obediência, cega obediência. Nada disto me alivia, antes pelo
contrário aumenta o meu tormento. Não digo nada e deste nada só posso acusar a minha ignorância. É
ela que não me deixa, e assim aumenta o meu martírio.

― Ó vida, que para mim não és vida, ó luz, ó sol que não entras em minha alma, não me iluminas nem
aqueces com teus raios. Onde está Jesus? Onde está a Mãezinha? Creio, creio, forçada, que não Os perdi,
mas sim que mais a Eles me uni.

A minha alma agoniza. A dor, a morte ceifam-me a cada momento. A inutilidade possuidora de tudo o
que me pertence triunfa, triunfa sempre. Tantas muralhas, tantos castelos, tudo abafa o meu brado. Não
tenho socorro do Céu nem da terra.

― Meu Deus. Meu Deus, tudo perdido, mas é por Vosso amor e pelas almas. Espero nunca deixar de Vos
amar e de ser a Vossa vítima. Que suores tão íntimos, que vida de cavador tão profunda! São mundos,
mundos já sobre mim.

Tive a Santa Missa. Pedi à Mãezinha para colocar na patena a humanidade inteira. Não posso consentir
na perda das almas. Faço tudo por amor de Jesus para as salvar. Sinto que não posso sofrer mais e sinto
que não posso deixar de me oferecer ao Senhor para mais e mais sofrer. O meu horto e o meu calvário
foram muito dolorosos, muito tristes, de muitas lágrimas.

Ao passar o aniversário da minha vinda da Foz, chorei, chorei. Tive a visão de todo o meu sofrimento.
Para que fui para lá? Onze anos se passaram e eu sempre nas mesmas humilhações escárneas, mas logo
me levantei deste desânimo. Jesus, as almas são dignos de tudo! O mundo não me compreende, mas
compreende-me Jesus. Todas estas agonias me acompanharam no horto e no calvário. Mais, muito mais
ainda, novos sofrimentos me surgiram. As lágrimas foram com abundância, mas não deixei de as
oferecer como actos de amor. Pedi muitas e muitas vezes a morte a Jesus e à Mãezinha. Não pequei, sei
que não pequei. Estava calma e resignada. A minha oferta de tudo era contínua ao Céu.

― Jesus, Mãezinha, peço-Vos isto. Não é para fugir ao sofrimento, bem sabeis que não, mas sim para
não ser por mais tempo a cruz de toda a gente. Meu Deus, meu Deus, compadecei-Vos de mim. Creio,
creio! Que este meu “creio” seja eterno.

Aproximaram-se as três horas. De repente, uniu-se de tal forma o Céu com a terra que me fez sentir e
lembrar o que em pequenina tinha visto: a massa do padeiro no cilindro; aquela roda que misturava
tudo, que movimento! A mesma massa, o Céu e a terra. Assim, passei a outra região estranha. Tudo
eram trevas pavorosas: a mistura desta massa sempre no mesmo movimento.

Jesus não vinha, não vinha. Sofri sozinha. Não tive apoio. Creio, creio! – dizia sempre. Sempre O ouvi:

― “Minha filha, minha filha, pede-me tudo o que quiseres, como quiseres. Leio no teu coração. Sei que
tudo é por amor. Não pecaste, não me entristeceste. Esta mistura é simbólica. Foi a mistura que houve
no calvário, o Céu com a terra, fui Eu a dar a vida à mesma terra, dando por ela a minha vida. Agora
outro símbolo tem. Vem, desce o Céu à terra a punir a terra, a castigar-lhe todos os seus crimes.
Depressa, depressa, minha filha, não demores, não demores a comunicar à casa-mãe da humanidade, ao
Papa, ao Papa, ao meu Bem-amado, ao meu Bem-amado. São desejos meus, são ânsias minhas,
exigências do mundo culpado. Depres, depressa! Ah! Se a justiça do Senhor cai, o mundo há-de
estarrecer de pavor. Até as almas justas o hão-de sentir, mas estas será para Eu colher delas reparação,
para que muitas outras almas possam ainda salvar-se.”

― Perdão, perdão, Jesus, misericórdia! Valei-me! Creio em Vós. Creio, creio! Valei-me! Morro de susto!

― “Coragem, minha amada, coragem! Levanta o teu desfalecimento. Recebe a gota do meu Divino
Sangue. Vive, faz viver as almas. Vive, dá-te por elas. Criei-te para tão grandes coisas, para a mais alta e
sublime missão. Criei-te para coisas tão grandes e tão sérias. És o porta-voz de Jesus. É por ti que Eu
falo ao mundo e o convido a vir a Mim. É por ti que me comunico ao Papa a pedir-lhe, a pedir-lhe como
um mendigo. Faz, meu Bem-amado, o que te peço. Depressa, depressa!”

Só ouvi falar a Jesus, não O vi. Não me deu um raiozinho de luz, mas a minha alma sentia., viveu tudo
isto, e acredito, creio que era Ele.

― Creio, creio sempre em Vós. Lembro-Vos os meus pedidos. Jesus, sou a Vossa vítima!

30 de Julho de 1954 – Sexta-feira

A dor, a dor, quanto custa a dor, e como eu a amo!... Custa infinitamente, e infinitamente a amo. Eu não
saberia viver sem ela. Parece-me, sinto que, se por um só momento a dor me deixasse, eu morria
imediatamente, como o peixe fora de água. Amo-a tanto, tanto que me absorvi nela como no mar de
delícias, amo-a por Jesus e pelas almas. Amo-a com o amor de Jesus. É tão grande este amor que se
estende em toda a terra e o Céu, ligando as duas coisas como se fosse uma só. Mas custa tanto, tanto…
Parece que morro a cada passo sob o seu peso… Com o amor de Jesus amo-a e com a minha pobre
natureza desfaleço, sucumbo e parece até odiá-la. Como se sofre!... Quanto custa a dor!... E tão mal
compreendida é a dor!...

― Perdoai-me, Jesus, não quero queixar-me, basta a Vossa compreensão, basta-me o Vosso conforto. Só
conVosco vencerei tanto, tanto sofrer. Sou um trapo, sob a humilhação dos homens, mas elas fazem tão
bem à alma! É o meio de mais e mais atracção para Vós. Tudo são espinhos, tudo é crueldade e
ingratidão. A cruz pesa, pesa de tal forma que grito por Vós e pela Mãezinha. Repito o meu creio, mas
oh, a perda, a perda que parece eterna!... Nunca mais, nunca mais Vos verei. Confio, espero, creio que
este meu sentimento é só para tormento. Hei-de ver-Vos, hei-de possuir-Vos para sempre. Não me
importa parecer mentir-Vos a Vós e a mim mesma. Creio, creio, creio! Onde está o socorro do Céu?
Onde o posso encontrar na terra? Meu Deus, meu Deus, tudo perdido! Não tenho ninguém; mas esta
perda não é a realidade. O mundo ainda terá luz? Porventura os raios do sol ainda terão luz que brilhe e
aqueça a humanidade?! Meu Deus, meu Deus, a minha alma está morta e cega?! Mas a dor vive nela,
assim como neste corpo, trapo imundo e desfeito pela mesma dor. Vive a dor, vive a miséria do mundo,
todo o meu ser é maldade. A visão de toda a miséria humana está em mim. Que olhares tão penetrantes
e perscrutadores! Parece que recuo, tenho medo, tenho ódio.

Esta visão não pode ver tantos crimes, mas ai, se houvesse alguém, se surgisse de qualquer parte quem
pudesse consolar e reparar esta visão… Ó ânsias, ó tormento infinito! Não disse nada, nadado que vai cá
dentro. O tormento aumenta. A ignorância não me deixa e a inutilidade trabalha sempre, rouba tudo.
Pobrezinha! Nada tenho para Jesus, nada tenho para mim e nada tenho para as almas! A minha cavação
cega o seu caminho. Não se i como possa ser. Cavo e leva um século ou mais cada cavação sem sair das
minhas mãos o instrumento do trabalho. Como são dolorosos os suores do corpo e da alma! Os castelos,
as muralhas estão levantadas. Eu entre eles com o meu sepulcro, mas dali não sai um suspiro, um brado
que possa chegar ao Céu.

― Ó Jesus, ó Mãezinha, em vós me abandono, em Vós creio. Creio, creio, eternamente.


O meu horto, o meu calvário foram vividos, foram sofridos no primeiro andar da casa. Era um
vermezinho que caminhava, que caminhava sob o peso de toda a terra. No andar de cima era andar de
gozo, de prazeres, de loucuras vergonhosas. Janelas por toda a parte. Por todas elas saía o maior veneno,
nem ao menos um pensamento da vida do primeiro andar. Do Céu vinha toda a justiça de Deus. Passava,
penetrava em todo o lugar no primeiro andar, mas vinha esmagar o verme que a todo o custo se
arrastava. Repetia o meu “creio”, mas a dor e a agonia eram de tal ordem que me parecia repetir sempre:
creio e não creio ao mesmo tempo.

― Jesus, a Vós me entrego. Sou a Vossa vítima.

Veio Jesus. Levantou da terra este pobre verme. Fez luz, luz muito clara e brilhante. Colocou-me no seu
regaço, inclinou-me sobre o Seu Coração e disse-me:

― “Vem, minha filha, levanta-te. Sai da morte, sai das trevas. Contempla a luz. Necessitas dela. Tu não
és verme, és vítima da justiça do meu Pai. Descansa aqui, minha esposa bem amada. Escuta as
palpitações do meu Divino Coração. Como ele bate, como palpita de amor por ti! Coragem, coragem! És
vítima do mundo em vícios do mundo, em guerra mortal! Como é misteriosa a tua vida! À vista de tais
prodígios os homens param, cegam, e poucos são os que se deixam vencer e iluminar pela luz. Como são
ditosos aqueles, que grande glória espera os grandes místicos que amparam e levam para Mim as almas!
Coragem, coragem!”

Depois de ouvir as palpitações do Coração de Jesus, iluminada pela luz, fiquei mais forte, fiquei de pé, de
cabeça inclinada sobre o seu corpo. Desapareceu-me de repente. Fiquei sem luz e sem amparo.

― Jesus, onde estais? Meu Amor, para onde fugistes? Valei-me, que estou sozinha.

Aí vem o meu Amado, muito triste, ajoujado, feito mendigo.

― “Estou aqui, minha filha. Vê como Eu venho. Falo por ti, peço por ti. Sou o mendigo divino a pedir
oração e penitência, a pedir amor. Acode ao mundo. Tende coragem. Fala às almas. No Céu verás, no céu
será compreendida com visão divina a tua missão nobre, a maior missão, a maior vítima que na terra
escolhi. Que bem, que bem para as almas! Coragem! O Céu está perto, está pertinho de ti. Recebe a gota
do meu Divino Sangue. Vive a minha vida. Faz viver a minha vida. És a escora, és o farol do mundo.

Ó mundo converte-te! O que te espera, se não me escutas pelos lábios da minha vítima e não te levantas
para Mim!”

― Jesus, passai para mim o Vosso peso, as Vossas lágrimas. Quero mendigar por Vós. Lembrai-Vos dos
meus pedidos. Sou a Vossa vítima.

6 de Agosto de 1954 – Primeira Sexta-feira

Não sei como ditar o que me vai na alma, não só pela minha ignorância, mas também por não poder, por
não ter forças para mover os lábios. Que o Senhor seja comigo. Só Ele sabe quanto me custa, e só pela
obediência é que o faço. A minha vida é um calvário dolorosíssimo. Tudo são espinhos, tudo é cruz.
Jesus não se satisfaz só com os tormentos indizíveis do corpo e da alma. Permite que venham os homens
com interrogatórios e mais interrogatórios, os quais com os olhos no Céu aceito alegremente, tudo
oferecendo por amor de Jesus e das almas, que são a minha loucura. Respondo como Nosso Senhor me
inspira, mas depois, a sós com Jesus, que me faz compreender todas as coisas, o coração sangra em dor e
agonia sob o peso das humilhações, mas sempre na minha loucura de amar vou repetindo:

― Obrigada por tudo, Jesus. Tudo Vos dê honra e glória. Sou a Vossa vítima! Mas dizer isto no
sentimento da minha inutilidade com a perda de Jesus, da Mãezinha, de todo o Céu, na dúvida de todo o
meu viver, ó Jesus, ó Jesus, quanto custa!
Para recordar a dúvida de mentir a mim mesma, mentindo e mentindo a todos, não eram precisas as
dúvidas de ninguém. Só o meu sentimento tão doloroso e tremendo me faz agonizar. Quero dar-me às
almas e humilho-me diante delas. Não posso conceber em ser visitada, tal é a miséria e o nada que vejo
em mim. Estou louca, estou louca, apesar da visão do mundo em miséria e podridão. É o mundo que eu
quero, é o mundo que o meu coração quer fechar dentro em si. Ai, ai, queria que o meu coração fosse
uma máquina de escrever. Uma vez que principiasse, jamais acabaria, tais são as ânsias, tias os
tormentos variados de que ele está cheio. Ai, tantas trevas, tanta morte, e eu no meio das muralhas, dos
castelos trabalhando, cavando. São mundos e mais mundos. Nada mais digo. Não posso. Neste momento
é imensa, é mais que imensa, é infinita a minha agonia. Entrego-me ao abandono de Jesus e da
Mãezinha, repetindo-Lhes o meu “creio” com o coração e a alma em sangue.

Tive a Santa Missa. Não soube assistir a ela, mas sempre me faço substituir pela Mãezinha. Sempre
foram para mim momentos mais suaves, vivendo uma vida mais alta que a vida da terra. Esqueci por
completo o horto e segui para o calvário a tomar parte dele, levada por alguém dentro duma masmorra
em ferro onde não entrava luz, nem vida, nem a palavra e a graça do Senhor. Momentos difíceis de viver,
tormentos que só com Jesus se podem suportar. Repetia o meu “creio”, sem crer sem fé, sem vida. E
assim cheguei à montanha; a esta masmorra me veio buscar Jesus. Abriu-a de cima a baixo. Abriu-me
um caminho tenebroso, deu-me a Sua mão para eu sair e com a outra apontou-me o caminho e mandou-
me seguir.

― “Caminha, minha filha, tem a certeza de que estou contigo. És vítima. Tudo isto representa as almas
apodrecidas e mortas com o pecado. É necessário dar-lhes a vida e abrir-lhes os tremendos cárceres em
que habitam. Caminha. Repete o teu “creio”. Vive da fé. O Senhor é contigo. Como tudo isto é grande e
mostra a sabedoria de Deus! Que coisas sublimes para aqueles que, iluminados pela luz, as estudam e
compreendem! Eu não tenho prazer em te fazer sofrer. As minhas delícias eram estar no teu coração,
fazer-te gozar e viver na mesma alegria comigo. As almas, as almas, o mundo assim o exigem. Oh! Se eu
tivesse mais almas vítimas que se dessem por Mim e por elas como a vítima deste calvário!... Quero
vítimas, quero vítimas!”

Jesus indicou-me o caminho. Eu caminhei sozinha, apavorada, mas ouvindo sempre o que acima está
escrito. Creio, creio, mas com este “creio” exclamei:

― Jesus, que pavor! Onde estais Vós?

Dizia isto já de todo desfalecida. De repente, iluminou-se o lugar onde eu estava. De mãos dadas, à
minha frente apareceram Jesus e a Mãezinha. Desligaram as mãos e ambos com os olhos fitos no céu,
cena que jamais esquecerei, apontaram-me com a mão direita os Seus Corações que traziam no centro
do peito. Tanto o de Jesus como o da Mãezinha estavam cercados de muitos e grandes espinhos. Deles
caíam muitas, muitas gotas de sangue. A minha ansiedade de recolher para o meu peito todas aquelas
gotas de sangue era infinita.

― Jesus, Mãezinha, não quero que caia no chão nenhuma dessas gotas de valor infinito. Falou Jesus:

― “Minha filha, apontamos-te os nossos Corações a sofrerem, a sofrerem assim para te fazer
compreender a crueldade dos homens, a gravidade dos seus crimes. Fitamos o céu, mostrando-te que
também ao eterno Pai estamos a pedir o afastamento da Sua justiça e mais uma vez perdão e
misericórdia para a humanidade.”

Dito isto, inclinaram para a terra as Suas santíssimas cabeças e em profunda tristeza derramavam
copiosas lágrimas. Ajoelhei-me e tentei limpá-las dos pés de Jesus e da Mãezinha, onde elas caíam. Oh,
como eu sofri ao contemplar tanta tristeza! Disse a Mãezinha:

― “Minha filha, sofre conNosco! Associa-te à nossa dor. Faz tudo o que Jesus te disser. Ai, os nossos
filhos! Ai, a humanidade! Se Jesus reinasse nos corações, se Jesus e eu fôssemos amados!”
Jesus acrescenta:

― “Faça-se oração e penitência, faça-se tudo quanto eu tenho pedido. Faça-se muito, muito prolongada a
oração e penitência, para que possa haver uma renovação nova. O que espera o mundo, o que espera o
mundo! Depressa, depressa, minha filha! O meu pedido, o meu mandamento, o meu pedido o meu
mandato ao Papa! Depressa, não se perca tempo. O Papa manda e a humanidade obedece, se quiser a
benevolência do Céu.”

Jesus inclinou-se, deu-me a gota do Seu Divino Sangue e com a Mãezinha me acariciou, e deram as Suas
graças, riquezas e amor para dar a todos quantos me são queridos. Assim desapareceram, quando eu
tentava ainda recolher mais lágrimas. Fiquei logo numa agonia mortal, num tormento indizível a fazer-
Lhes os meus pedidos e a repetir-Lhes o meu “creio” já quase na convicção de que tudo tinha sido ilusão
minha.

― Creio, creio; sou Vossa. Digo-Vos, meus Amores queridos, o meu eterno obrigada. Sou a Vossa vítima.

13 de Agosto de 1954 – Sexta-feira

O meu corpo já não chega a ser um farrapo humano que a dor desfez. Tudo desapareceu como pó que o
vento dispersa. Ó meu Deus, quanto eu tenho sofrido! Na minha dor só tenho em conta Jesus e as almas.
Que sede de me dar e consumir cada vez mais. A sede não se sacia e este consumir desaparece. A
inutilidade tudo apanha para si. Vivo a eternidade, vivo a inutilidade. Vivo a perda de Jesus, da
Mãezinha e de todo o Céu. Não tenho vida em nada e para nada. Se deito os olhos para o Céu, a distância
é tal e são tais as nuvens negras que produzem em toda a terra, que não recebo de lá conforto. Não deixo
de o fitar, porque não posso baixá-los à terra. Logo, logo cairia de desespero. Nada encontro. Não tenho
ninguém cá em baixo. Não há criatura humana, não há fôlego vivo para mim. Que abandono, terrível
abandono! A alma não deixa o seu trabalho incessante, mas os seus suores, a vida de cada dor!... Que
tormento para ela! As muralhas, os castelos, tudo isto faz um pavor contínuo. Entreguei-me à Divina
Providência num abandono total; levo, beijo, abraço a minha cruz. Ela tem o selo das almas, mas no
cimo o do amor de Jesus. Tudo são humilhações grandes, muito grandes. Os sofrimentos de toda a parte
surgem, mas não sei quem se impõe e me obriga a caminhar sob o peso da cruz. Fraqueja a minha
natureza. Tudo lhe causa tédio, nojo e pavor, mas a vontade pronta, sempre pronta, repete, mentindo-
me e mentindo a todos:

― Seja feita, Senhor, a Vossa vontade. Não me importa o meu mentir, importa o meu querer. Amo-Vos,
quero-Vos, quero as almas para Vós, sou a Vossa vítima. Creio, creio, creio!

Na viagem para o calvário, muito próximo da montanha, foi tão tormentoso o pavor e a agonia que eu
nunca pude repetir com os lábios o meu ”creio”, o meu amado “creio”. Falava a alma, repetia-o e dizia a
Jesus:

― Creio no tempo e com tal intensidade que ficará o meu creio por toda a eternidade.

Nesta luta duvidosa de tanta tormenta, veio Jesus e falou-me com doçura sem que O visse, mas logo
pareceu que me encheu toda a alma:

― “Minha filha, coragem! A tua vida será sempre assim. Terás sempre que repetir o teu “creio”. Chegou
ao auge a tua imolação. É na tua vida de vítima, é no repetir do teu “creio” que Eu me delicio e tenho as
maiores doçuras e alegrias inefáveis. É na tua imolação de vítima que Eu disfarço a visão do mundo tão
maldoso e tão cruel. Coragem, minha filha, coragem.”

Neste momento, em que Jesus me incutia coragem, apareceu-me Ele com a Mãezinha em tamanho
natural. Os Seus vestidos e manto, roxo escuro, os Seus rostos tristíssimos e semblantes na mesma,
causaram-me a mais profunda e maior agonia. Os Seus Corações davam luz que me fazia ver tudo. Pelo
cimo deles entravam umas lanças que Os passavam de um lado ao outro. Pelos vértices dos Corações
jorrava sangue com abundância, mas sangue fervente como a água que ao lume escachola. A minha
aflição não a posso descrever. Queria recolhê-lo. Estendi os meus vestidos para assim recolher e guardar
todo o Sangue divino. Banhava com ele o meu peito. Queria guardá-lo todo lá dentro.

― “Minha filha, estamos a contemplar o mundo. Andamos a ver Portugal, a ver as nações. Que podridão!
Que maldade, que veneno criminoso! Tanto pedi, tanto convidei pelos teus lábios a virem ao meu Divino
Coração numa completa emenda de vida! Eu pedi, e pediu a minha Bendita Mãe. Não fomos atendidos!”

Prostrada diante de Jesus e da Mãezinha, pedi-Lhes:

― Esperai, Jesus, esperai, Mãezinha. Levantai as Vossas mãos divinas para o Eterno Pai. Sustentai por
mais tempo a Sua justiça. Deixai que Portugal, a humanidade façam penitência!

― “Minha filha, pede, diz ao meu Cardeal, ao meu querido Cardeal Cerejeira, escolhido por Mim para
tão alto, para tão alto, que fale ao seu povo. Pede, pede aos Prelados que o façam também. Faça-se muita
oração, muita penitência, por muito tempo! Haja grande vigilância à Nação. Salazar, Salazar, alerta! Em
toda a parte está veneno. Haja vigilância nas Nações, por um lado e pelo outro tentam as labaredas
incendiarem-se.”

― Jesus, Mãezinha, perdoai, perdoai a Portugal. Esquecei-nos as nossas ingratidões, perdoai mais uma
vez.

― “Pede, minha filha, pede, filha Nossa. Pede, pede, pede! – diziam Jesus e a Mãezinha ao mesmo
tempo, enquanto me acariciavam. – É contigo que desabafamos, é de ti que nos servimos. Os filhos
Nossos, os filhos Nossos, o mundo que é Nosso, o mundo que é teu! As almas, Nossas filhas, as almas,
filhas da tua imolação, da maior imolação! Recebe a gota do meu Divino Sangue, a tua vida. Fortalece-te!
A cruz espera-te. Não pode ser mais dolorosa. Acode ao mundo. Fala às almas, fala às almas!”

― Ó Jesus, faço, faço o que me mandardes; dai-me a Vossa força. Mãezinha, estai sempre comigo.
Perdoai, perdoai-nos; mais uma vez misericórdia para o mundo. Pede, minha filha, do teu pedir, do teu
sofrer muito recebe a humanidade, muito recebe o teu Portugal. Oração e penitência, obediência ao
Papa, obediência à Igreja.”

― Esperai, Jesus. Pedi espera ao Eterno Pai. Prometo pedir ao mundo a penitência e oração duradoira e
pureza de almas para Vós.

Quando fazia estes pedidos, desapareceram os meus queridos Amores. Fiquei na minha amargura a
sentir a dor e amargura dos Seus divinos Corações e a sentir a amargura do Santo Padre. Que peninha
tenho dele!

20 de Agosto de 1954 – Sexta-feira

Parece-me que toda a minha vida andou para trás, que perdi tudo quanto com o meu esforço e
sofrimento ganhei. Sinto de tal forma a perda de Jesus e da Mãezinha que me parece caminhar a vida
inteira e a eternidade à busca d’Eles sem nunca Os encontrar.

― Que perda, meu Deus, que perda! Nunca mais, nunca mais Vos ver! Ai de mim, quanto eu sofro! Que
dor profunda, que agonia triste e mortal! Não tenho um conforto nem um apoio.

Em espírito agarro-me ao Céu. Na minha agonia tenho sempre os olhos da alma fixos lá. Parece que todo
o meu ser de lá se desprende, cai e se envolve nas nuvens. Tudo são trevas, tudo é morte. A minha
ansiedade e loucura pelas almas não cessa. Nunca lábios humanos nem inteligência humana poderão
dizer e descrever esta minha ansiedade. Quero todos os corações e todas as almas, reunidas numa só
mão, numa só massas, numa só vida, num só amor, que é o amor de Jesus e tudo introduzir e fechar no
Seu Divino Coração. Esta ansiedade dava-me a morte, se Jesus não me conservasse a vida. Esta
ansiedade e um brado de amor se espalham e ecoam na humanidade inteira. São de Jesus as almas;
quero as almas para Jesus. O meu coração conserva dentro dele aqueles olhares que têm a visão dos
crimes e maldades de toda a humanidade. A dor mirra-me, chupa-me o sangue das veias, a cada
momento me tira a vida. Para mais nada vivo, a não ser para a dor, que me é roubada pela inutilidade.
Ah! Se houvesse alguém que me consolasse! Se surgisse de qualquer parte um bocadinho, um mínimo de
amor para mim!... Nada vejo, nada vem. Esta ansiedade de consolação e amor não são exigências
minhas, mas sim de obra mais sublime. Não passo disto. Nada digo do meu sofrimento. É esta a minha
vida sem vida. Os espinhos a ferirem-me são sem conta. São espinhos dos homens os quais sempre
aceito por amor de Jesus. Estou cansada de tantos suores e de sustentar nas minhas mãos o instrumento
cavador que de séculos a séculos vou cavando. Que eternidade, meu Deus! Como é dolorosa a minha
eternidade vivida nestas muralhas, nestes castelos sempre com o meu túmulo e sobrecarregada de um
peso infinito.

― Nunca devia deixar de repetir o meu “creio”, mas, ó meu Deus, que vida e que “creio” mentiroso para
mim e para todos. Sou a Vossa vítima. Seja feita, meu doce Amor, a Vossa vontade.

Assim vivi o horto e parte do meu calvário. Tinha uma vida que vivia, mais alta, muito mais alta que a
terra. Ao terminar da montanha, desapareceu-me essa vida e eu caí por terra sob um peso esmagador
que me descarnou toda a carne e me fez derramar o sangue. Era a justiça de Deus. O meu “creio” foi
repetido e de tal forma que no meu íntimo dizia que tinha de ser eterno. Veio Jesus, mas sem se ter
apressado. Falou-me sem me dar luz. Eu estava caída. Ele levantou-me. Sentou-se comigo na valeta
duma estrada, inclinou-se a descansar sobre os seus joelhos. Quando me levantou da terra, bradou-me:

― “Levanta-te, minha filha, vem cá, descansa. Vem retomar forças da tua dor.”

Quando estava de cabeça inclinada sobre os joelhos de Jesus a dizer-Lhe: “Jesus, sinto-Vos, ouço-Vos,
mas não Vos vejo, ainda tenho de repetir o meu “creio” mais e mais profundamente”, sentou-se ao meu
lado a Mãezinha que me tomou logo para o Seu regaço. Osculou-me e acariciou-me demoradamente.

― “Minha filha, tem coragem. É Jesus e a tua celeste Mãezinha junto de ti. Coragem, coragem!... Sempre
contigo estamos e por ti velamos.”

Tudo isto se passou em trevas, muito mais confortada, mas eu fui sempre repetindo o meu “creio”. De
repente, veio do Alto uma luz que me fez ver claramente Jesus e a Mãezinha. Oh! Como eu Os vi tristes,
chorando, cobrindo os mesmos mantos de azul escuro.

― Ó Jesus, ó Mãezinha, não Vos posso ver chorar, nem aguentar com a Vossa tristeza.

― “Minha filha ― disse Jesus ― somos os três na mesma dor, no mesmo desabafo. Continuamos a ver o
mundo cheio de vícios e crimes, a correr para o abismo, a perder-se. Oração, penitência! Penitência!
Oração! Haja mais pureza, pureza, pureza! Vigilância à Igreja, vigilância à Igreja. Venha o Papa, o meu
querido benjamim, de encontro aos seus Bispos e estes aos seus Padres. Vigilância, vigilância à Igreja.
Principie a Igreja! Se assim não for, cai depressa, bem depressa, a justiça do meu Pai.”

Neste momento, quando todo o lugar estava iluminado, desceram do Céu dois anjos. Não chegaram a
pousar na terra. Sustentaram-se no ar, batendo sempre as Suas asas brancas. Os dois traziam nas mãos
um ramo de oliveira. Só lhe via as folhas. O tronco era belo, todo alvo, todo luz. Entregaram-no à
Mãezinha, inclinaram-se, bateram as asas e voaram ao alto. Vi-os desaparecer vagarosamente. Jesus
estava com as Suas mãos divinas sobre os meus ombros. A Mãezinha meteu-me na mão esse belo ramo e
disse-me:

― “Minha filha, aqui tens, aqui te entrego em tuas mãos o ramo de oliveira, símbolo da paz. Esta alvura
significa pureza, a pureza. Este brilho, o fogo ardente dos nossos corações, o de Jesus e o meu. Tudo isto
queremos para o mundo, para os corações, para as almas. Como o meu Divino filho te enriqueceu de
tantas coisas e títulos tão honrosos, dou-te eu com Ele mais o título da paz. O Céu quer e ao mundo dá
todos os meus anseios de paz.”
Jesus acrescentou:

― “Minha filha, tudo em ti depositamos. É por ti que a humanidade tudo recebe. Quererá ela atender a
este convite e último apelo do céu?... Deus ou satanás? A quem quer servir o homem? A quem quer
amar? Fala às almas. Minha filha. Tem coragem, tende coragem. Fala-lhes. Quero que lhes fales. Foi um
meio de que me servi. Só no Céu se verá tanto bem feito em seu favor. É o Espírito Santo que te ilumina.
Sou Eu a falar nos teus lábios e é pelos teus lábios que Eu espalho a vida de pureza, a vida de amor que é
urgente a humanidade viva.

Recebe a gota do meu Divino Sangue, a vida de que tu vives, que é a minha vida. Fortalece-te para mais
dor, para mais cruz, para mais salvação das almas.”

― Ó Jesus, ó Mãezinha, perdoai-me, parece-me que não me conheceis, que Vós não vistes nem vedes a
minha miséria. Humilho-me diante de Vós, digo-Vos o meu profundo “obrigada”, repito a minha oferta
de vítima. Sofra eu e não Vós. Perdoai-nos. Salvai Portugal, salvai o mundo. Não esqueçais os meus
pedidos, todos, todos.

A visão dos meus Amores tinha desaparecido. Fiquei a falar sozinha e a repetir o meu “creio”.

27 de Agosto de 1954 – Sexta-feira

Meu Deus, meu Deus, tende piedade de mim! Ai, ai, a minha agonia, a agonia da mina alma. Por quem
sois, meu Amor, não me deixeis um momento. Creio, desespero, ofendo-Vos e eu antes quero o inferno
do que ferir mais vezes o Vosso Divino Coração. Basta de ser ingrata e cruel para conVosco. Meu Deus,
meu Deus, como se sofre! De toda a parte vem dor, de todos os lados vêm espinhos que cercam e ferem o
meu pobre coração. Ah! Se a dor fosse compreendida! Mas não será se não for vivida! Quase ninguém
compreende a dor, a não ser aqueles que vivem a dor. Vós a compreendeis, meu Jesus; bem sabeis que,
apesar dos meus desalentos, sois só Vós e as almas a causa do meu sofrer. Vós sois a minha loucura. O
Vosso amor fez-me enlouquecer pelas almas. As almas, as almas! Que ânsias infinitas em as possuir, que
dor infinita ao contemplá-las na visão total do mundo e ao vê-las abeirarem-se de mim! Tenho tédio,
tenho pavor. Meu Deus, apiedai-Vos desta pobre alma que de Vós implora misericórdia. Tenho saudades
do Céu, necessidade de deixar a terra. Quando chegará ele, quando a deixarei? Se as almas exigirem o
meu martírio até ao fim dos séculos, eu aceito, contanto que dia e noite veleis por mim. O meu coração
fala e nada diz. Aumenta mais e mais a minha dor esta ignorância. Eu queria poder esconder-me num
buraquinho, onde ninguém me visse e ninguém jamais de mim falasse. À luz da eternidade será vista
toda a verdade. Dito por obediência, cega obediência. Para nada tenho vontade. Só quero a vontade do
meu Senhor, custe o que custar.

Nasci neste momento para amar a Deus, mas não sei como já perdi a Deus e a Mãezinha. Foi tal a perda
que nunca os poderei amar: é o que eu sinto. Todo o meu ser, envolto na terra, só vive da terra, causa-me
uma agonia de morte. Perdi tudo, a vida de Deus, a vida de sofrimento. A inutilidade traiçoeira de tudo
se apossou. Sinto necessidade, infinita necessidade de bradar ao mundo, de lhe falar, de o meter dentro
do meu coração e ao mesmo tempo a mesma necessidade de pedir socorro, sempre socorro, a pedir ao
Céu para vir em meu auxílio, mas logo outro sentimento: não há Céu para mim. É tempo perdido o meu
brado. Nada vem do Alto, e da terra todos me abandonaram. Meu Deus, meu Deus, sou a Vossa vítima!
Não posso contemplar tão altos castelos, tão fortes e negras muralhas. Tudo encobre os meus suspiros e
gemidos, mas, se eu amasse a Jesus, se eu amasse a Mãezinha! Que mais poderia eu desejar?!

Na minha canseira de cavador, nos meus suores de alma e corpo que me levam a viver sempre a
eternidade, não tenho nenhum apoio. Os meus colóquios ainda mais me martirizam. Que perda, meu
Deus, que perda! Vivo sem vida, sem nenhuma vida. Não aproveito um momento os méritos do horto e
do calvário. Estou envolvida em armaduras, mais armaduras de negro ferro. Assim subi o calvário,
repetindo o meu “creio” com o sentimento mentiroso. Crer e não crer, mentir-me a mim e mentir a
todos! Não entrava um raio de luz em tais armaduras. Que cegueira pavorosa! Nem de lá saía um suspiro
meu. Presa nelas e caída, desfalecida, veio alguém que as destruiu. Fiquei solta, mas caída e sem ver.
Esse alguém era Jesus. Pegou-me pela mão, levantou-me, fez-me sentar em não sei o quê, onde estava
sentado, fez que eu inclinasse a minha cabeça contra o seu Divino Coração, enquanto se ia dizendo:

― “Minha filha, minha filha, minha filha, levanta-te, levanta-te. Quem te toma pela mão é Jesus. Vem,
vem tomar conforto. Escuta o meu Coração. Escuta como Ele palpita de amor por ti. A tua generosidade
heróica da entrega total levou-me a levar-te ao auge do sofrimento, porque tenho poucas, muito poucas
vítimas que aceitem a cruz, que se deixem crucificar nela, a imolarem-se dia e noite por meu amor e pela
salvação das almas. O mundo louco e ingrato viciado nas suas paixões exige de Mim o teu auge de tanto,
tanto martírio. O mundo, a minha visão sobre ele continua dolorosa, muito dolorosa. Mais uma vez eu
aviso: vigilância, muita vigilância. Salazar, Salazar, alerta! O veneno é tanto a espalhar-se!... Dum lado e
doutro surgem traições. Esta visão é celeste. Quem avisa é Jesus.

Minha filha, tu que és a minha vítima mais amada e depositária dos meus tesouros, aqui tens mais uma
vez o meu Divino coração com tudo quanto encerra. É uma prova de amor, é uma afirmação divina de
que por ti é dado ao mundo todo o meu amor e dadas às almas todas as graças e todos os meios para
serem salvas.

Coragem, esposa minha. Vê como Jesus te ama. Vê como Céu te enriquece.”

Jesus meteu dentro do meu peito o Seu divino Coração. Era como um vaso dos mais ricos e belos que se
podem imaginar. Todo ele era ouro, todo ele eram chamas.

― Ó Jesus, dais-me o Vosso Divino coração? E para Vós? Eu sei, eu sei. Já tudo me fazeis compreender.
Perdoai-me as minhas perguntas. Esquecestes a minha ingratidão para Vós. Não sabeis como tenho sido
má.

Jesus, sorrindo, triste, mas carinhosamente, disse-me:

― “Minha filha, minha esposa querida, Eu sou infinito, estou em ti, dei-te o meu Coração e possuo
sempre o meu Divino Coração em toda a parte. Tu és a luz do mundo, a escora da justiça de meu Pai, o
cofre onde tudo deposito para dar as minhas riquezas às almas, ao mesmo mundo ingrato e cruel para
mim. Eu vejo o teu coração, penetro todo o teu ser, vou aos teus desfalecimentos buscar meio, buscar
bálsamo para os pecadores e meios de salvação.

Vigilância na Igreja. Principie toda a Igreja. Oração, penitência, emenda de vida. A carne, as praias, as
modas, os cinemas, casinos e teatros, o mundo o mundo como peca!... Um freio ao pecado!...

Recebe a gota do meu Divino sangue. Fortalece-te, fortalece-te. Cinge-te bem à cruz. Repete sempre o
teu “creio” a tua alma necessita de todo o amparo da terra, amparo, todo o amparo. Quando os homens
falham contra a minha vontadem venho eu supri-los. Confia, confia!”

Jesus desapareceu. Fiquei logo na mesma angústia, nas trevas mais pavorosas, na dúvida de todo o meu
viver, mas a repetir o meu “creio” com toda a força e a fazer os meus pedidos.

Ó vida, que és só por Jesus e pelas almas!

3 de Setembro de 1954 – Primeira sexta-feira

Apagou-se a minha vida. Se nela houve luz, não a cheguei a ver. A piedade, a perfeição, o amor de Jesus,
ó meu Deus, nunca, nunca foi para mim. Venço, se Jesus vencer. Não caio no desespero, se Ele velar por
mim. Que pavor, que pavor me causa todo o meu viver, a minha vida sem vida, a minha vida morta.

Pobrezinha, desfalecida, caí. Não tenho forças, não posso levantar-me. Se Jesus o fizer, se Ele caminhar
por mim, se Ele operar tudo em mim será para Ele o que a Ele pertence.
― Fala, coração sequioso. Fala, coração faminto, fala, coração abrasado. Fala no teu silêncio. Mostra-te
no escondimento. Diz o que sentes. Mostra o que possuis. Distribui tudo aquilo de que estás a
transbordar. Vai, louquinho, dá-te ao mundo. Vai, louquinho, buscar o mundo e condu-lo a Jesus. Meu
Deus, meu Jesus, que infinidade de coisas, e a minha ignorância e morte nada dizem. Tudo finda no
silêncio mortal.

Oh, eternidade e inutilidade, vós que me roubais, como comparecer na eternidade? Sem nada, nada para
viver a eternidade.

São tantos e tão profundos os espinhos que me ferem. São tantas e tão maldosas as mãos a cravarem-
mos. Se Jesus pudesse ser o recebedor de tanta dor, mas logo a inutilidade lhe veio chupar todo o suco à
saída da prensa. Nada chego a ver que possa oferecer ao meu Senhor. Quase nada posso orar, nem
invocar o Céu em meu socorro. Creio, espero! Vivo da esperança, mas sempre numa mentira constante.

Recordo tanto e com tanta dor a data que estou a passar de há tantos anos em que Jesus me pedia todo o
meu corpo para ser crucificada. E eu, sem atingir o Seu fim, sem sonhar tão pouco o que vinha a ser, a
tudo Lhe disse que sim. Terei sido fiel a este sim? Temo e tremo apavorada. Os meus castelos, as minhas
muralhas cercaram os abismos da minha cavação. É de morrer de pavor, é de morrer de cansaço, tal é a
firmeza no instrumento de cavar, tais os suores da minha alma. Ai, meu Deus, eu não quero saber o que
é. Só quero a Vossa divina vontade. Que importa o sentimento de me mentir a mim mesma e de mentir a
todos, se eu, num abandono total a Vós, vou para onde me levais? Creio, creio sempre, ainda que ao
mesmo tempo outra voz, outra vontade, digam ao mesmo tempo: não creio, não creio! É assim que agora
vivo o meu horto, o meu calvário. Até aqueles sentimentos de Jesus me falharam. Que prisão cercada a
ferro por todos os lados!... Nunca chega ao Padre Eterno um brado meu!... Num tormento, numa agonia
inaudita, no maior abandono da terra e do Céu, encontrei-me sozinha no cimo da montanha. Repetia o
meu “creio” com actos de fé e de esperança, mas em vão. Nada chegava ao Céu. Tudo era uma pura
mentira. Jesus demorou muito tempo a vir. Quase estava convencida de que a perda d’Ele e da Mãezinha
era uma pura realidade.

Creio, creio, Jesus, dizia eu, caída no meio dum bosque e das trevas mais pavorosas. Demorou, mas veio.
Sem fazer luz na minha cegueira, levantou-me com cuidado, com doçura:

― “Levanta-te, minha filha. Quem te dá a mão é Jesus, o Jesus de quem és a pupila dos Seus olhos. Vem,
vem, minha filha, depositária, cofre das minhas riquezas, porta-voz dos meus desejos. Falo pelos teus
lábios. Digo as minhas ansiedades, desabafo as minhas mágoas. Estou cansado, estou cansado de
sustentar o braço da justiça irada de meu Pai. Coragem, coragem, vítima forte, escora da mão vingadora.
Repara, repara!”

Desapareceu o meu Jesus. Deixaram de O ver os olhos da minha alma. De repente, apareceu a Mãezinha
das Dores. Trazia em Seus braços Jesus morto. Colocou-O no meu regaço, acariciou-me ligeiramente e
sentou-se ao meu lado. Os meus olhos não deixaram mais de contemplar a Jesus, enquanto eu ouvia o
que a Mãezinha dizia:

― “Aceita, minha filha, à minha semelhança no calvário! A mim foi-me dado Jesus morto pela
humanidade. A ti dou-te a humanidade morta pelo pecado, mas está nela sempre Jesus. Vê-O em todas
as almas, contempla-O em todos os pecadores, contempla-O na humanidade inteira. Aceita as minhas
setas, aceita os meus espinhos. Sofre, filha, sofre; tem coragem. Eu não te abandono com o teu Jesus. És
a predilecta do Céu.”

― Ó Mãezinha, ó Mãezinha, valei-me, tudo me falha. Quero consolar-Vos e dar a Jesus todas as almas.

Ela, sem um sorriso, sem uma carícia, desapareceu, assim como Jesus morto. Fiquei na maior angústia,
a repetir o meu “creio” e o meu “confio”. Apareceu Jesus novamente, mas com vida. Deu-me luz com
raios da Sua luz e disse-me em tom severo:
― “Minha filha, quero dar a paz, mas os homens, os pecadores, o mundo, repelem a paz. Quero dar o
meu amor, e não é aceite esse amor. Os bailes, os bailes, as praias, as modas, as modas indecentes,
cinemas, teatros e casinos, tudo excita ao prazer, à carne, á carne, à luxúria. Que incêndio, que incêndio,
minha filha. O teu martírio atingiu todo o auge, porque os vícios, crimes hediondos o atingiram também.

Jamais terás consolação nesta vida, nem luz que te satisfaça. Coragem, coragem. Repete o teu “creio”. As
almas, as almas, são tuas as almas.

Recebe a gota do meu Divino Sangue. É a vida que te faz viver. Tu não tens vida da terra, porque já não
és da terra. Não sentes a vida do Céu, porque sou Eu quem vive em ti. Confia, confia, farol do mundo e
porta-voz celestial. Como são grandes as coisas divinas operadas na tua vida.”

Jesus uniu o Seu Divino Coração ao meu, fez passar a gota do Seu Sangue, fez-me ouvir o que acima fica
dito, fugiu-me sem que eu fizesse os meus pedidos. Não deixei de Lhos fazer e de Lhe dizer o meu eterno
obrigada para Ele e para a Mãezinha. Ó meu Deus, como fiquei a sofrer!

10 de Setembro de 1954 – Sexta-feira

Parece que perdi o sentimento da dor. Não sei como possa ser, sofrendo eu tanto, tanto, tanto que só à
luz da eternidade se saberá e perder-se o sofrimento de tanto sofrer!... Nem ao menos o sentimento da
dor é meu. Meu Deus, que pobrezinha sem igual! Perder tudo, tudo o que é do Céu! Perder todas as
amizades e tudo o que é da terra, até a dor, a dor que tanto custa, a dor que tanto amava! Nem ao menos
isto posso oferecer a Jesus! Que dias, que horas amargas e difíceis de viver! No meio de tão grande
martírio, oferecê-lo a Jesus é o mesmo que estar-Lhe a mentir. É oferecer-Lhe uma coisa que não me
pertence. Nesta perda total da terra e do Céu, nesta trevas pavorosas com tal cegueira, sem nunca ter
visto nem nunca mais poder ver, sem eu querer, é uma luta tremenda, dolorosa. Haverá Céu?! Não há
Céu?! Não existe a eternidade?! Para que serve a vida, esta vida sofredora? Querendo estreitar ao meu
peito o crucifixo, não tenho amor para o abraçar! Falta-me a fé para crer, mas teimosa vou repetindo:
creio, creio, creio, Jesus, e amo-Vos sem olhar ao sentimento da mentira.

Na noite de sete para oito, estive à vela. Não pude dormir. Depois das duas horas, porque não tive força
nem disposição para ser antes, principiei a dar os parabéns à Mãezinha. Oh, que pobreza! Nada tinha
para Lhe dar! Não Lhe sabia falar! Renovei-Lhe a oferta de todo o meu ser. Foi uma consagração
completa. Ofereci-Lhe os corações e almas de toda a humanidade, para que Ela, em meu nome, pudesse
dizer à Santíssima Trindade e a todos os meus Amores, como eu lhes chamo, que todos aqueles corações
Os amavam e nenhuma daquelas almas se perderiam. Em seguida, disse:

― Mãezinha, queria merecer tanto, tanto, neste dia, que pudesse arrancar do purgatório todas as almas,
para que elas ainda hoje pudessem subir ao Céu, dar-Vos toda a glória e amor e compartilhar de toda a
festa. Aceitai-me o sacrifício de não receber a Jesus, se porventura me não aparecer um sacerdote que
mo possa dar.

Estes desejos, estas ofertas não foram minhas e eis-me todo o dia a lutar com uma perda indizível por
não receber a Jesus, a sentir d’Ele uma fome insuportável e a recordar tanto ao vivo o pedido de há 21
anos: o meu corpo, todo o meu corpo para ser crucificada! Muitas vezes Lhe dei os parabéns, parecendo
que não vivia, que nada Lhe oferecia, porque nada tinha para Lhe dar, nem vida para viver. Se o meu
quarto e o meu corpo pudessem falar, oh, quantas coisas, quantos sofrimentos podiam mostrar. Com
todos os sofrimentos, mais que uma vez repetidos, passei estes dias. Vivi o horto e o calvário. Meu Deus,
meu Deus, como tudo isto foi doloroso e tremendo. Com falta de fé e sentimento e a perda do
sentimento da dor, subi a montanha. Não fui capaz de, no meu íntimo, com o coração e a alma, repetir o
meu “creio” e um acto de amor. Com o pensamento queria dizer: creio, creio, meu Jesus; mas era uma
coisa tão vaga que não chegava ao Céu. O que vem da superfície nada vale. Eu tinha necessidade de o
dizer do íntimo, mas não fui capaz de o fazer, tal era o meu desfalecimento.
Depois de muita demora, veio Jesus. Parecia não vir mais. Que tremenda separação! Veio, mas não
trouxe luz. Mas levantou-me e falou-me com doçura e com amor:

― “Minha filha e esposa querida, sou Jesus, sou Jesus, sou Jesus. Levanta-te, tem coragem! Vem para
Mim. Já sabes que é todo teu o meu amor, todo o teu e meu coração com todos os tesouros e graças, para
tudo distribuíres. Sentimentos simbólicos, sentimentos divinos, são os teus, minha filha. O teu
afastamento de Mim é o afastamento das almas. Como é que elas podem dizer-me que crêem em mim,
pecando como se Eu não existisse?! Como é que elas podem dizer-me que me amam, no meio dos seus
pecados, no meio dos seus vícios, renovando, dia e noite, a minha sagrada Paixão?!

Sentimentos simbólicos. Lede e compreendei, mestres das almas. Repete-me o teu “creio”. Diz-me que
me amas, esposa querida. Coragem, coragem! É urgente deitar-te a mão. A tua vida será sempre esta,
porque foi grande, inigualável a tua generosidade. O mundo peca, minha filha, coragem! Ai o que o
espera! O mundo peca! Não me atende! Que será dele? Não posso mais conter a justiça de meu Pai!”

Neste momento, desceu o Eterno Pai, desceu severo, desceu em nuvens negras. A mão direita, ao alto,
com a foice vingadora. Na esquerda, uma bola que se desfazia em lume. As nuvens desfaziam-se em
farrapos de fogo também. Era infinito o peso que me esmagava e o pavor que me atormentava. Jesus não
deixou que seu Eterno Pai se abeirasse bem da terra e d’Ele. Jesus, de mão levantada, dizia-Lhe:

― Parai, meu Pai, parai! Mais um bocado de espera, mais misericórdia para as almas!

Ó voz terrível, a do Eterno pai, mas apesar de tudo gostei de ouvir o diálogo entre os dois.

― Não posso, meu filho, não posso. Não posso ver no mundo tanta maldade. Não posso ver a tua Paixão
e Morte dia e noite renovadas.

Jesus, de mãos ao alto, abeirava-se mais e mais d’Ele e dizia-Lhe:

― “Tendes razão, meu Pai, mas ofereço-Vos esta vítima que escolhemos e colocámos neste calvário. É
Vossa filha e minha esposa bem amada. Ela está pronta a, dia e noite, ser imolada. Afastai-Vos, afastai-
Vos. Esperemos mais um pouco, perdoemos, perdoemos, meu Pai. É nossa esta vítima, e ela ama-Nos.
Perdoemos, perdoemos, esperemos, esperemos, meu Pai.”

Desarmou-se a justiça do Eterno Pai e foi-se afastando, dizendo:

― “Fala, meu filho, à nossa vítima, diz-lhe os Nossos desejos, manifesta-lhe a Nossa vontade.”

Abeirou-se Jesus mais de mim. Uniu os nossos corações. Ficaram os dois na mesma massa.

― “Recebe a gota do meu Divino Sangue, a vida que tu vives, a vida que te dá vida para falares às almas.
Fala-lhes, fala-lhes, minha filha. Tem coragem, tende coragem. Tu espalhas o orvalho celeste, semeias
semente divina. É por ti que me dou ao mundo. Falo Eu pelos teus lábios. Qualquer coisa de
desagradável que surja, nada é em comparação do bem. É o demónio raivoso a querer queimar a
semente divina. Em vão, em vão ele teimará.

Faça-se oração, faça-se penitência. Principie a Igreja. O que ela tem de corrigir e aperfeiçoar! As casas
religiosas, as casas religiosas, frades e freiras não vivem a vida dos seus fundadores! Principie a Igreja,
principie a Igreja. Haja toda a vigilância na Igreja. Levante-se o mundo para Mim. Coragem, minha
filha. Repara meu Eterno Pai. Consola o meu Divino coração e o da minha Bendita Mãe. Nós estamos
sempre contigo. Repete o teu “creio”.

Fugiu-me Jesus. Na Sua ausência ainda Lhe disse:

― Fazei de mim o que Vos aprouver. Lembro-Vos os meus pedidos. Perdoai ao mundo, perdoai sempre.
Na dor mortal e trevas pavorosas, fiquei a repetir o meu “creio”.
17 de Setembro de 1954 – Sexta-feira

Não sei como, não sei se aguentarei a minha vida tão dolorosa e triste. Eu não quero duvidar da
protecção do Céu, porque nunca, nunca, nas horas mais amargas e difíceis me faltou o conforto, mas
agora, meu Deus, perdoai-me, agora, que tenho a tentação tão viva, tão viva de a eternidade não existir,
receio vacilar. É uma luta eu repetir o meu “creio”, é uma luta o pensar que o Céu me espera, é uma luta
recordar todas as verdades, porque no meu sentir tudo é uma mentira. Minto-me a mim e aos outros, é
falso, falso todo o meu viver. Como triunfar, Senhor? Mesmo no sentimento da mentira hei-de acreditar
e confiar. Espero, espero em Vós! Parece-me que, de cada vez, o meu coração se torna mais sensível à
dor e a todas as coisas que surgem. Eu não devia sofrer pelas calúnias que de mim dizem, como podem
acreditar os outros quando eu em nada acredito. Não devia sofrer com as dúvidas que têm de mim, pois
se eu mesma as tenho todas, todas!

― Ó Jesus, ó Mãezinha, só Vós me podeis valer. No meio dos meus desânimos, como são profundos os
espinhos que me ferem! Todas as coisas me ficam presentes, como se eu as quisesse ver e recordar. Ó
Jesus, só Vós sabeis compreender. Perdoai-me todos os meus desfalecimentos; mesmo sem eu querer,
recordo-os.

Nasci para a dor; não nasci para mais nada. Quantos segredinhos ocultos, quantas coisas eu não
esclareço. O Céu, o Céu tem a visão de tudo. Na minha grande inutilidade, não deixo de oferecer aos
meus queridos Amores, causa da minha loucura e para a salvação das almas.

― Oh, se o meu coração falasse, se o meu livro estivesse aberto, nunca, nunca na terra seria terminada a
leitura. Que virá mais, Jesus? E quando chegará o meu Céu tão imerecido?

Parece que não posso esperar, não posso esperar mais, não posso sofrer mais. Está pronta a vontade,
sempre pronta a dar-se ao Senhor, mas a natureza apavorada não pode, não pode mais. Todos, todos os
sofrimentos se vão repetindo em mim. A visão do mundo, a visão das almas causam-me dor infinita.
Meu Deus, sou a Vossa vítima.

Por não poder, resumo assim o que se passou em minha alma dou já entrada ao Horto e ao Calvário que
eu vivi numa amargura indizível. Sempre a ser a mesma massa da terra, sempre a sentir os meus nervos
a desconjuntarem-se e mais ainda uma coisa semelhante, que sofria há anos, a ser comida, lentamente,
com a diferença: há anos era o corpo a ser devorado por todos os bichos e aves, e agora é a alma. Custa
mais, ainda mais. Meu Deus, meu Deus! Neste sofrimento, nunca fui capaz de repetir o meu “creio”, nem
de me recordar de o repetir, tal era o meu martírio.

Por o senhor Abade não estar, estava há quatro dias sem receber Jesus. Perdi tudo e não aguentava a
fome de Jesus. Depois de três horas, não sei quantos minutos, Ele veio, deu um pouco de luz à sala do
meu peito, levantou-me e docemente me chamou:

― “Vem, minha filha, vem, minha filha. Coragem, tem coragem. É o auge da tua dor, para o auge dos
vícios. Jesus espreme-te em toda a variedade de prensas para toda a variedade de pecados. Coragem,
coragem. Vais-Me agora receber. Tenho tirado mais proveito para as almas das tuas ânsias, da tua pena
por não Me receberes, das tuas comunhões espirituais do que se me recebesses sacramentalmente.
Confia! Jesus não mente.”

― Ó Jesus, não tive a pena verdadeira. Parece que as minhas lágrimas de saudade não foram
verdadeiras. Não sei como vivi. Perdoai-me, perdoai-me.

― “Tu és louca, tu és louca, a louca da Eucaristia, a louca das almas. Oh, como és louca! Como a tua
loucura alegra o meu Divino coração e o de minha Bendita Mãe, e vai reparando a justiça de meu Pai.”

Nesta ocasião, Jesus desapareceu. Abriu-se uma ala de anjos do Céu para o meu quarto. Eles eram
tantos que estavam dispostos em duas alas. Do Céu uniam-se e vinham-se separando, formando cá em
baixo a largura duma estrada. Batiam todos as suas asinhas brancas e alguns tocavam instrumentos
harmoniosos. Por essa estrada entraram três anjos em tamanho natural. O do meio trazia a píxide com
Jesus. Os dos lados traziam nas mãos de fora uma vela e as mãos do lado de dentro apanhavam o manto
do que conduzia Jesus. Com as palavras que o sacerdote costuma pronunciar ele deu-me a Sagrada
Hóstia, e foram recuando até que desapareceram. Os que estavam nas alas tocavam e cantavam:

Glória a Deus na terra e no Céu!


Glória a Deus, nosso Rei e Senhor!
Glória, glória, glória a Deus,
amor, amor, todo o amor!

Calvário de prodígios, calvário de dor,


calvário de glória e reparação ao Senhor
Glória, glória, glória a Deus,
amor, amor, todo o amor.

Todos desapareceram, deixando de se ouvir ao longe as vozes e sons celestes. Abeirou-se Jesus
novamente de mim, introduziu-me no coração o tubo e fez passar a gota do Seu Sangue, lentamente:

― “Recebe vida, mais vida, minha filha. Recebe conforto para todo o estrago da dor. Vives a minha vida,
vives só de mim. Tem coragem. Não te ofereceste tu a Mim por tudo e por todos? És a vítima reparadora
de todos os crimes e de toda a variedade de coisas. Fala às almas, porque para elas pelo Céu foste
escolhida. É a mais difícil, mas a mais sublime missão. Eu estou contigo. Falo pelos teus lábios. O Divino
Espírito Santo em tudo te instrui e ilumina. És amparada por minha Bendita Mãe.

Fala ao mundo. Pede-lhe a sua conversão. Sofre, sustenta o braço de meu Pai. Avisa o mundo do que o
espera. Coragem, coragem!”

Desapareceu rapidamente. Fiz-Lhe os meus pedidos, repeti-Lhe muitas vezes o meu “creio” e com a
alma mais forte não podia queixar-me de que O não tinha recebido. Voltei à dor, a muita dor, mas mais
confortada para a suportar.

24 de Setembro de 1954 – Sexta-feira

Como será a minha eternidade? Meu Deus, será esta que eu vivo? Longe, afastada de Deus, sem pensar
em Deus e duvidosa até da Sua existência? Que tormento é o meu! Que vida sem nenhuma vida!
Sofrimento sem mérito, vida sem existência e sem valor. Em tudo, em todas as coisas vejo a Deus e louvo
a Deus em tudo e em todas as coisas. Duvido de Deus, afasto-me de Deus e perco a Deus. Aconselho o
bem, mas dentro de mim é uma luta a mentir-me com o sentimento de que minto a toda a gente.

Jesus, na sua infinita misericórdia, é tão bom, porque no meio desta grande luta e martírio concede-me
a grande graça da paz muito vivida no íntimo do coração e da alma, embora esta paz não seja minha, não
seja para mim, porque não vivo e nada tenho. Ai, a perda de Jesus e da Mãezinha! Ai, a minha vida
apagada e morta de tal forma como se eu nunca tivera vida. Digo a Jesus que quero dar-me a Ele,
desaparecer como a cera derretida!... Mas como, Senhor, se eu não sou eu para me dar, se eu nunca
existi, como posso desaparecer?

― Bendito sejais, meu Jesus, na Vossa sabedoria infinita.

Quero almas, almas, almas! São elas a minha loucura, porque enlouqueci por Jesus. Meu Deus, nem
almas nem a Vós!... Nada tenho, nada tenho!... Sem vida, morro com a visão do mundo. Que nojo, que
pejo! O rosto volta-se em contrário, porque os olhos não podem contemplá-lo. O coração vai para ele,
porque o quer, porque o ama, porque só a ele pertence. Se viesse alguém consolar este coração ansioso,
se viesse alguém colocar à frente deste olhos voltados para trás a mostrar-lhe uma vida melhor, uma
vida de pureza para assim poder ser sempre contemplado!
― Jesus, Jesus, sou a Vossa vítima! Nada mais sei nem posso dizer-Vos.

A inutilidade, a inutilidade traiçoeira rouba-me as ânsias e o amor, rouba-me as fadigas, cansaço e


suores da minha cavação no mais profundo dos abismos sob mundos e mais mundos. A inutilidade
traiçoeira, traiçoeira, rouba-me o pavor causado pelos castelos, muralhas e prensas de ferro. Não posso
recorrer ao Céu; nem de lá nem da terra me vem conforto.

Acabou o prazo em que eu vivia nas dúvidas de receber Jesus. Nesta semana, só um dia me falhou a
visita do meu Jesus, mas nesse dia não soube sentir a dor profunda por não O receber, apesar de ter
muitas, muitas saudades d’Ele, muita, muita fome d’Ele. Só depois de passar o dia é que eu sofri a dor
que devia sofrer no dia em que O não recebi.

― Ó Jesus, tantos espinhos e tantas lágrimas recebidas e derramadas por Vosso amor. Eu só queria
saber sofrer. Eu só quero viver para Vós.

Na minha vida do horto e do calvário, sofri o que já há muito venho a sofrer. A vida sem Ele, a vida de
esquecimento, a vida da mesma massa da terra e do Céu. Suspiros, lágrimas, brados de socorro, mas
tudo inútil para mim. Queria repetir o meu “creio” muitas e muitas vezes; umas vezes, porque o
esquecia, outras vezes, sem coragem para o fazer e até presa por unhas de ferro que não me deixavam
mover os lábios nem o coração para repetir: creio, creio, Jesus! Algum tempo antes das três horas, talvez
uma hora, foi a minha alma comida por toda a variedade de animais. E, como se ela tivesse veias, elas
rasgavam-nas e chupavam todo, todo o sangue. Dor e tormento infinitos, dor que não sei exprimir,
tormento que a minha ignorância não me deixa explicar. Nesta angústia, veio Jesus. Chamou-me, e o seu
brado vinha cheio de doçura.

― “Minha filha, minha filha, Jesus não é amado, o Senhor não é servido. Jesus não é amado, o Senhor
não é servido. As almas não amam o meu Divino Coração; o mundo não serve o seu Deus. Ama-se a si,
serve a Satanás. Minha filha, minha filha, tu foste escolhida por mim, escolhida pelo Céu. A tua vida é a
minha Paixão contínua. Escolhi-te, o Céu escolheu-te para a Mim te assemelhares. A tua paixão é a
paixão mística, mas de tal forma que nela encerra toda a minha santa Paixão. Eu venho neste dia, nesta
hora, porque foi o meu dia, a minha hora. A tua vida está ligada à vida de Deus. É uma ligação: a vida da
terra é a vida do Céu. Vem, minha filha, vem, descansa aqui no meu regaço.”

Sentada à borda estrada, inclinei, pousei a minha cabeça sobre os joelhos de Jesus, e então uma pomba
branca esvoaçava sobre a minha cabeça, sobre os meus ombros, e as mesmas veias nos ligavam e uniam
a todos.

― “Minha filha, é o Divino Espírito Santo a dar-se em ti para falar em ti. É a vida do Céu que nos une; é
com a sabedoria do Céu que tu falas às almas, para quem foste escolhida. A minha Paixão foi para dar a
vida à humanidade e lhe abrir o Céu. A tua paixão, à minha semelhança, ressuscita as almas mortas pelo
pecado, abre-lhes o Céu que os seus crimes fecharam. Fala-lhes, fala-lhes, minha filha: é por bem pouco
tempo. O Céu te espera. Eu movo os teus lábios.”

― Ó Jesus, quero obedecer-Vos a Vós e aos homens. Não sei como fazer a vontade ao Vosso Divino
Coração e fazer àqueles que me governam.

― “Obedece, obedece, minha filha, mas Eu quero, Eu quero. Fala às almas, fala às almas! Recebe a gota
do meu Divino Sangue. Recebe a gota mais abundante, porque a dor muito em ti consumiu. Fala às
almas, heroína forte. Dá-lhes a minha vida divina. Incendeia-as no meu amor.

Vigilância, vigilância na Igreja. Vigilância, o Chefe, os Chefes da Igreja. A Igreja, a Igreja, principie a
Igreja! A Igreja, a Igreja! Oh! Que dor para o meu Divino Coração e para o Coração Imaculado da minha
Bendita Mãe! Vigilância, vigilância, o Chefe da Nação. Que veneno, que veneno, que traição! Penitência,
penitência e oração! Vida nova para o mundo, vida nova para Deus.
Coragem, ó alma forte, ó alma heroína, ó farol e luz brilhante da humanidade. Coragem, alma forte, alma
falada no Evangelho e na Santa Igreja através dos tempos Jesus não mente. É Jesus a afirmá-lo.”

― Jesus, bendito sejais. Eu sou pequenina, eu sou nada. Manejai este nada a favor da humanidade.
Atendei aos pedidos da mais indigna das Vossa filhas. Creio, creio! Espero e tenho confiança em Vós.

Tudo isto pedi e repeti sem a visão de Jesus. Ele desapareceu. Eu fiquei na cruz.

1º de Outubro de 1954 – Primeira sexta-feira

Não me permite o meu estado de saúde falar da minha alma. Ela sente necessidade de se abrir, de ter um
apoio, de ter quem a compreenda, mas não posso. Tem que ela calar-se e sujeitar-se ao corpo; com os
seus males não permite os seus desabafos. As minhas amarguras, os meus tormentos são grandes,
infinitamente grandes. Eu tenho que sofrê-los sozinha. Eu perdi tudo da terra e do Céu. Apagou-se para
mim a luz do paraíso e a luz do mundo. Perdi tudo, meu Deus, perdi tudo.

Assisti à Santa Missa e não assisti. Rezo pouco e esse pouco que rezo tenho de perguntar a mim mesma:

― A Santa Missa celebrou-se no meu quarto? Eu rezei ou não rezei? Pobrezinha! A inutilidade tudo
roubou e eu fico como se nunca vivesse, a não ser para todas as maldades, para todos os vícios. Com
estas coisas e muitas mais vivo a minha vida pavorosa e sempre passo pelo horto e pelo meu calvário.

Na aproximação do cimo da montanha, todas as feras vieram devorar-me a alma, a chupar-lhe o sangue,
e não sei como, nem sei quem ficava em grande número preso às suas fibras. Repeti o meu “creio”; foi
muito difícil. Tentei muito e raras vezes o fiz. Veio Jesus e num impulso o Seu amor fortaleceu-me mais
e falou-me assim:

― “Vem, minha filha, eu estou contigo. Está contigo o Céu com toda a fortaleza.”

Neste momento, pela chaga do Seu Divino Coração, saiu um clarão tão grande e uns raios tão luminosos
que irradiavam tudo. Pouco depois, de todas as Suas chagas divinas saíam raios que me vinham
trespassar os pés e as mãos. Da Sua sacrossanta cabeça para a minha passava-se também um sol que me
trespassava todo o cérebro; falando do primeiro clarão e raios que saíam do Seu Divino Coração, disse
Jesus com toda a clareza:

― “Minha filha, à semelhança de Santa Margarida Maria, Eu quero que incendeies no mundo este amor
tão apagado nos corações dos homens. Incendeia-o, incendeia-o. Eu quero dar, Eu quero dar o meu
amor aos homens, Eu quero ser por eles amado. Eles não mo aceitam e não Me amam. Por ti quero que
este amor seja incendiado em toda a humanidade, assim como por ti foi consagrado o mundo à minha
Bendita Mãe. Faz, esposa querida, que se espalhe no mundo todo o amor dos Nossos Corações.”

― Como, Jesus, como? Trabalhar dessa forma, se ele não é aceite por Vós?! Como hão-de os homens
recebê-lo por mim?!

― “Com a tua dor, com a tua dor, minha filha. só com ela as almas ficam agarradas às fibras da alma e
depois se vão deixar os corações incendiar, incendiar no meu amor, no meu amor. Deixa que estes raios
das minhas chagas divinas vão penetrar nas tuas chagas escondidas, nas tuas chagas místicas. Deixa que
todo o meu bálsamo as suavize, assim como os espinhos da tua cabeça. Tu não vives a vida do mundo
apesar de estares nele. Vives a minha vida divina.”

― Mas como senti-la, se ela é minha?

― “Tem coragem e confiança. Repete o teu “creio”. O teu Céu está perto. Vives a vida pública de Jesus.
Fala às almas. Fala às almas!”
Fiquei sozinha sem um raio de luz, mas com a força e confiança para repetir a Jesus o meu “creio” e
dizer mesmo sem O ver:

― Como tudo isto é lindo! Como os sois das Vossas chagas foram bálsamo para as minhas! Creio, Jesus,
creio! Que lindo, que lindo foi isto!

Apareceu Jesus novamente. Das trevas fez nova luz e, infundindo o Seu Divino Coração no meu, disse-
me:

― “Recebe a gota do meu Divino Sangue. Jesus repara sempre tudo o que a dor consome. É a vida de que
tu vives. Fala às almas. És delas luz e farol. A tua dor ressuscita-as, e à semelhança da minha
ressurreição elas vão vivendo para Mim, e o Divino Espírito Santo sobre ti desceu como sobre os
Apóstolos e minha Mãe Santíssima. Veja-se a tua vida ao espelho divino, veja-se a tua vida em tudo
semelhante à minha.

Brada ao mundo, convida o mundo à oração, à penitência, ao maior incêndio de amor para Mim. Ai dele,
ai dele! Que será dele?! O que o espera,, se não atende a este pedido, a este apelo divino!...”

Logo desapareceu o meu Senhor, e eu fiz-Lhe os meus pedidos. Pedi-Lhe compaixão, pedi-Lhe
misericórdia e repeti-Lhe o meu “creio” mais fortemente. Voltei à minha amargura, ao meu pão de cada
dia.

8 de Outubro de 1954 – Sexta-feira

A vontade de Deus e o sacrifício! Quero em tudo fazer a vontade de Deus manifestada por quem te, o
direito de mandar, mas custa-me tanto, tanto! É um sacrifício inaudito. As forças não me permitem. A
alma sente a necessidade de se abrir, mas a pobre natureza apavorada tenta revoltar-se e não obedecer.

― Ó Jesus, tudo por Vosso amor. Todo o sacrifício é pouco e as almas valem muito mais do que tudo
quanto sofri e possa a vir a sofrer. O amor de Jesus, o amor de Jesus, as almas, as almas! Que loucura,
que loucura! É só o que eu vejo, é só o que eu quero! Não sou capaz de mostrar a minha dor. Digo muito
e não digo nada.

A minha dor, a dor que não é minha, a dor que passa por mim, se eu olho para trás, todos os caminhos
estão tapados. Nada chegou ao Céu. Parece que até não tenho a visão, nem o sentimento de que vivi.
Nasceu a dor e a maldade; a dor não sei para quem foi, a maldade ficou em mim. Todos os vícios e
crimes me pertencem.

Passei no domingo, dia 3, o décimo sexto aniversário da minha crucifixão. Tudo vivi, tudo recordei; tudo
senti, mas de tal forma a derramar lágrimas, muitas lágrimas. Com os olhos na terra seria para mim um
dos dias mais tristes da minha vida. Com eles no Céu, onde os fitei, todas as lágrimas enviei ao sacrário
como actos de amor, e toda a visão de tão doloroso calvário, todos os espinhos que dele nasceram,
ofereci ao Céu.

― As almas, as almas, ó Jesus, são Vossas. Eu por Vosso amor nada Vos quero negar, para que elas
sejam salvas.

A inutilidade, como sempre habituada a todo me roubar, procedeu da mesma maneira. Depois de tanta
angústia e de tão larga visão de sofrimento, fiquei pobrezinha, sem nada, a viver a minha eternidade,
eternidade sem Deus, eternidade que não caminha, mas essa eternidade que me leva à canseira desses
trabalhos de escavação que me dão os suores do corpo e da alma. No meio dos altos castelos e negras
muralhas, em grandes tentações contra a fé, com a perda de Jesus e da Mãezinha, a sentir mesmo que
Eles não existem, nem existe ninguém da terra; vejo o meu túmulo e o prado viçoso e florido que o
rodeia.
Quanto mais digo, mais necessidade tenho de dizer, mas o livro do coração fecha-se para só ser lido à luz
da eternidade. Que ignorância, meu Deus, que ignorância a minha. Não deixo de sentir a necessidade
infinita de haver alguém que me console. Não deixo de sentir a dor infinita com a visão dos crimes de
toda a humanidade. Apesar de tudo, quero-a, quero-a no meu coração.

Tive ontem um mimo de Jesus. Aceitei-o como vindo do Céu: uma carta do meu Paizinho espiritual. Ele
compreendeu bem o estado da minha alma e a tudo me deu repostas confortantes e cheias de sabedoria.
Foi um conforto para o meu horto e ainda hoje para o meu calvário. Sem viver para ele, sem querer nada
dele, caminhei com mais fortaleza. Do meio da viagem em diante, caí no desfalecimento. Queria, tentava
agarrar-me ao Céu, mas não houve nada a que pudesse segurar-me. Repeti o meu “creio” com muito
custo. Dizia a Jesus o meu “creio”, “espero” e “confio”, mas a parecer uma mentira constante. A minha
alma ia desfalecer. O sangue todo chupado e as suas fibras serviam de prisão para muita coisa, para
muito alguém que a elas se prendiam. Sem querer e sem confiar, ou para melhor, sem sentir esses bons
sentimentos, veio Jesus e chamou-me:

― “Minha filha, vem cá, vem, esposa minha, repete o teu “creio”, espera e confia. Jesus está contigo, está
Deus, está o Senhor, está o Jesus com a Sua esposa amada. O teu “creio” sem sentimento é para os que
não crêem na realidade. A tua morte é para dar vida, as tuas trevas são para dar luz com a qual as almas
ressuscitam para a graça. Minha filha, minha filha, o mundo, o mundo, os pecadores, os pecadores não
se convertem, não me escutam, não me atendem.”

Neste momento, os meus ouvidos ouviram uma tremenda trombeta aterradora, a terra em convulsões
nas trevas mais pavorosas.

― Ó Jesus, ó Jesus, o que é isto, meu Amor?

― “É a trombeta da voz de Deus, são as convulsões da Sua justiça, são as trevas do pecado. Fala às almas,
minha filha, fala às almas.

Minha Mãe, ó minha querida Mãe, vem, vem, não te demores, vem falar à nossa filhinha.”

Veio a Mãezinha do Rosário: vestia azul e branco; trazia nas mãos o rosário e, a terminá-lo, uma grande
cruz dourada. Sentou-se, colocou-me no Seu regaço, enleou-me nas mãos o rosário e sobre o coração
colocou-me a cruz. Jesus tinha desaparecido. Ela chamou-O com doçura:

― Meu Filho, meu filho, Jesus, vem, vem para junto de nós!

Jesus veio logo, sentou-se ao lado da Mãezinha, e esta continuou:

― Minha filha, vem comigo, vamos salvar o mundo, vamos converter os pecadores. Sobre o teu coração
coloco esta cruz para te fazer sentir que é a cruz de salvação. Dor e cruz, abraça, abraça-as. Nas tuas
mãos enleio o rosário. Fala dele, fala dele. Se soubesses quanto me tens consolado! Fala às almas, fala-
lhes da Eucaristia, fala-lhes do rosário. Que elas se alimentem da carne, do Corpo de Cristo e do
alimento da oração, do meu terço quotidiano.”

Cobriu-me de carícias e disse para Jesus:

― Fala, meu filho, fala.

― “Minha Mãe, minha Mãe, o mundo não me atende, não se converte.”

Foi tal a dor com que Jesus disse estas palavras que as lágrimas rebentaram nos Seus divinos olhos, nos
da Mãezinha e nos meus. Eu limpei as de Jesus e as da Mãezinha, e a Mãezinha limpou as minhas.

― Tentamos, meu filho, tentamos com a Eucaristia, com o rosário e com a imolação da nossa vítima.
Desapareceu a Mãezinha. Ficou Jesus. Uniu o Seu Coração ao meu e fez passar a gota do Sangue.

― “Recebe, minha filha, a tua vida, recebe, recebe a gota do meu Sangue Divino lentamente. Coragem!
Toda a tua vida já está escrita no Céu. Coragem! Mais um pouco na tua missão, na curta vida que te
resta. Vida que jamais ficará marcada outra igual na história da Igreja. Fica na tua cruz. Insiste, insiste,
minha filha, na oração e na penitência, uma vida pura para Mim. Acode às almas, para que elas ao
menos não caiam nas penas eternas.”

Fugiu-me Jesus. Deixou-me na maior angústia e tristeza mortal a repetir-Lhe o meu “creio”, a fazer-Lhe
todos os pedidos, a rogar-Lhe pelo mundo.

15 de Outubro de 1954 – Sexta-feira

Só o Céu vê, só ele pode avaliar o meu sacrifício. Não posso falar. A cada palavra que dou, parece que
uma golfada de sangue me aflui aos lábios. Só por amor de Jesus e das almas é que eu faço tão grande
sacrifício. Obedecer, quando se pode, não custa, mas quando é feito desta forma, num sofrimento
indizível, é inaudito sacrifício. Os males do meu corpo são tão grandes e os da alma a debaterem-se com
eles. Ó Céu, ó Céu, ó vida sem vida! Dizer as tentações que tenho sentido contra a fé, nunca, nunca o
poderei fazer. Apenas levanto um bocadinho do véu a descobrir qualquer sombrazinha. Ai, meu Deus,
que variedade de sofrimentos! Todos tão dolorosos e tremendos, mas, ai, Jesus, quanto custa viver a
eternidade e não acreditar na eternidade. Tudo são espinhos e punhais a ferirem-me. A cruz que sobre o
coração me colocou a Mãezinha tenho-a sentido tanto, tanto! É a cruz do coração. O rosário que me
enrolou nas mãos sinto-o também. São cadeias que me prendem. Oh, que tristeza eu não poder rezar! O
pouco que rezo é tão distraída e sem fé. Sinto que nada estou a fazer no mundo depois de perder Jesus e
a Mãezinha. Desde que a eternidade não existe, uma tentação me tenta persuadir-me: que estou eu a
fazer aqui sem gozar, sempre a sofrer? Para quê, para quê? Creio, Jesus, creio! Creio que existis! Que me
importa o sentimento da mentira, se a Verdade sois Vós, ó Senhor, sois Vós, e a eternidade sois Vós?!

Nesta luta, desprezei todo o horto. Nada existe, nada houve, nada há. Assim, subi para o Calvário, sem
fé, sem acreditar na eternidade e em tal tentação a querer suicidar-me a mim mesma! Parecia-me que
queria liquidar a vida sem vida, fosse qual fosse o processo. Com que custo eu chamava por Jesus e pela
Mãezinha e Lhes repetia o meu “creio”! Nas trevas da agonia e da morte, quis repeti-lo e não pude.

Veio Jesus, bradou-me alto e com doçura:

― “Minha filha, ó minha filha, a tua reparação é pelos sem fé, pelos sem Deus, pelos incrédulos. Tu
reparas a Majestade Divina por tudo e por todos, por toda a variedade de pecados para que foste
escolhida, para a missão mais nobre, mas a mais difícil. São tantas as almas que voltam para trás!
Muitas logo no princípio, muitas que não chegam a meados dos seus caminhos. Querem tudo e nada Me
dão. Querem reparar sem imolação e sem sacrifício. Se todos os mestres e sábios da Santa Igreja
compreendessem seriamente, profundamente, a minha vida divina nas almas, muito mais seria amado,
muito mais seria reparado. Coragem, minha filha; escuta a afirmação do teu Jesus, o Esposo da tua
alma. A tua via é semelhante à da Santa Igreja. A Igreja sempre combatida, nunca vencida até ao fim dos
séculos. A tua vida, a minha divina causa, sempre perseguida, adiada, combatida, há-de vencer, há-de
triunfar até ao fim dos séculos e depois por toda a eternidade. Se pudesses ver, filha querida, toda a
glória que foi dada ao Céu, as almas que salvaste, o bem que fizeste a toda a humanidade nestes 16 anos
de crucifixão constante, morrerias com alegria deslumbrante.”

― Ó Jesus, ó Jesus, eu nunca compreendi o Vosso pedido quanto à crucifixão. Eu não sabia que se sofria
e podia sofrer tanto. Ó Jesus, perdoai-me, mas com certeza que Vos dizia que não.

― “Preparei-te tão bem e tu tão bem me correspondeste. O teu amor a Jesus, o teu amor às almas levou-
te a tudo. Tu amas Jesus, tu amas a Mãezinha e és por Nós amada. Deixa que a cruz que tens sobre o
coração e o rosário das mãos, por Ela colocados, Eu os cinja mais e mais. Ó minha filha, dor e cruz, a
Eucaristia e o rosário! A minha Mãe Santíssima e a vítima deste calvário, coragem, vamos a salvar o
mundo! Fala às almas, fala do sacrário, para que Eu seja recebido muitas vezes. Fala do rosário, do amor
do meu Divino Coração como meio de salvação.”

Fugiu Jesus e eu sozinha a repetir o meu “creio” dizia-Lhe:

― Falai, Jesus, em mim. Só por Vós poderá ser feito o bem às almas, aos pecadores, à pobre
humanidade. Jesus, Jesus, eu creio, mas para que fugis?

Ele voltou, a sorrir:

― “Quanto mais te fujo, mais me procuras. Quanto mais as almas me fogem, por ti, pelo teu martírio vê,
ao meu Divino Coração. Recebe a gota do meu Divino Sangue, a gota maravilhosa, prodigiosa, que te faz
viver a vida do Céu, do Céu, do Céu que tão pertinho está para ti. Tem coragem, escora do meu Pai, tem
coragem, luz e farol do mundo. O mundo é teu, acode-lhe, salva-o. Fala às almas.”

Neste “fala às almas” doloroso, desapareceu-me para sempre. A cruz ficou-me bem estampada no
coração. Não está ao alto, está deitada. O rosário bem o fiquei a sentir, mas, ó meu Deus, ó meu Deus,
em que martírio ficou logo a minha alma a fazer os meus pedidos a Jesus; repeti-Lhe fortemente:

― Creio, espero e confio, Jesus. Valei-me, amparai-me! Sou a Vossa vítima!

22 de Outubro de 1954 – Sexta-feira

Continua Jesus a pedir-me um mar infindo de sofrimento. Pobre de mim, que não sei sofrer e oferecer
ao Céu esta vida sem vida, todo este martírio que não chega em mim a nascer. A morte tira-lhe ávida, a
inutilidade rouba tudo, antes que nada me pertença. Ah, se eu abrisse a minha alma, só a eternidade
chega para dizer o que lá vai. Aqui limito-me a fechá-la e abafá-la na dor.

Tive a Santa Missa. Foi morta também. Houve alguém que me confortou e deu sinais de todo o amparo,
mas tudo em morreu. Que tudo seja para honra e glória do meu Senhor. Não posso dizer mais. Vou ver
se consigo dizer as palavras do colóquio que tive com o meu Jesus.

Caminhei para o Calvário. Todos os degraus me falhavam. A cada passo caía e ficava desfalecida. Com
indizível custo repetia o meu “creio” e “confio”. Sentia os suores de sangue na alma e de suores cobria-
se-me o corpo. Não podia dar um passo. Uma voz cheia de bondade falou-me:

― “Coragem! Coragem! Levanta-te! Caminha!”

Depois de um bom espaço de tempo em que caminhei e voltei a desfalecer, a mesma voz do meu Jesus
me dizia, enquanto a Sua mão santíssima me levantava:

― “Coragem, coragem, minha filha! Coragem, coragem. É o mundo a exigir este martírio incomparável.
Coragem, minha filha. Fala às almas! Coragem, coragem! Oferece-te, dá-te toda ao meu Eterno Pai pelas
almas. O mundo peca, está louco. A Majestade Divina é ultrajada. Oferece-te, dá-te toda a meu Eterno
Pai.”

Neste momento, ficou Jesus, de repente, pregado na cruz e suspenso no ar um cálix que Ele fez que
chegasse às minhas mãos. Para dentro do cálix caía um fontanário de sangue que saía da chaga do Seu
divino Coração. Cena dolorosa, comovedora, que se gravou bem no meu coração.

― Pai Eterno, Pai Eterno, aceitai o Sangue Divino do Vosso filho Jesus. A ele junto as dores da Mãezinha
e depois a minha entrega total, a minha imolação contínua. Aceitai, ó Pai eterno, o meu nada unido ao
tudo. Afastai a Vossa justiça. Perdoai, perdoai ao mundo!

Jesus desceu da cruz. O sangue parou. O cálix desapareceu. Jesus continuou:


― “Fala às almas, minha filha. Eu falo pelos teus lábios. Manifesto a minha divina vontade. Fala às
almas, fala às almas. Batei, voltai a bater. Martelai e remartelai, meus amigos, amigos da minha causa.
Estou contente, mas não basta. Não percais tempo. Aproveitai o tempo. Batei, batei, martelai,
remartelai. Que onda, que onda, que mar sem fim de vícios, de iniquidades! O mundo dorme, o mundo
dorme. Batei, batei! Martelai, remartelai! Não deixeis que o mar dos vícios dê a morte eterna às almas.”

Fiquei sozinha. A morte e trevas tiraram-me tudo. Estava num pavor. Caída num bosque de todo o
pavor, repetia o meu “creio” muitas vezes, muitas vezes, e ali caída me deixei estar à ordem de Jesus,
abandonada a Ele. Tardou, mas voltou o meu Amado. Deu uns raiozinhos de luz à minha alma e disse-
me:

― “Repete o teu”creio”, repete o teu “creio”. Os teus sofrimentos são escoras da justiça do Senhor. Vou
dar-te o meu Sangue, o meu que faço teu, a minha vida que faço tua. É a vida do Céu que tu vives. É o
Sangue de Jesus que te alimenta. Coragem! dá esta vida às almas. Coragem! Vai para o teu martírio. O
Céu vem, o Céu chega. Jesus não falta.”

Desapareceu-me para sempre. Pedi-Lhe tudo sem O ver. Os meus pedidos pareciam ser sem fé. Juntei-
lhes o meu “creio” e assim fiquei na cruz.

Nota – Há nove dias que vive num sofrimento indizível. Mal podia falar. Foi com muito sacrifício que
ditou as palavras destas duas semanas.

29 de Outubro de 1954 – Sexta-feira

O meu mal continua. Não posso falar. Faço um sacrifício inaudito para ao menos dizer as palavras de
Jesus.

Perdi o Sol da vida. Perdi o Sol da eternidade, que é Deus. Tudo é podridão. Tudo são trevas na terra. O
Céu está fechado. Tudo são trevas também. Meu Deus, meu Deus, que perda total! Não sei como poder
resistir a viver sem Jesus e a Mãezinha! Tinha tanto que dizer e nada mais digo. É este o meu viver. Foi
este o meu calvário. Em espírito repetia o meu “creio”.

― Creio, Jesus, nas Vossa promessas. Creio na Vossa vida divina em mim. Juro-Vos que creio. Meu
Deus, que tormento mentir ao Senhor!

Jesus não se demorou. Veio depressa ao meu encontro.

― “Minha filha, coragem! Minha filha, alerta! Escuta quem te chama. São as almas, minha filha, são as
almas que pedem e exigem tal martírio. Coragem, minha filha! Não deixes o Sangue de Jesus perder-se.
Alerta, minha filha, escuta: são as almas que sentem sobre si todo o rigor da justiça de meu Pai, são as
almas prestes a cair no inferno e já a sentirem as labaredas das chamas eternas. Coragem! Acode-lhes,
não deixes que elas caiam no inferno.”

Jesus dizia isto de voz tremida, como quem chora, e eu sentia a Sua dor infinita.

― Jesus, tudo faço com a Vossa graça. Para tudo me prontifico com o Vosso auxílio, mas não choreis e
deixai que só eu sinta a Vossa dor.

Jesus deu-me para as mãos a cruz que pendia do rosário. Desta vez, não ficou enleado nas mãos. Ficou
estendido e aberto. Alguém do lado oposto o sustentava. Jesus meteu-se ao meio do rosário, abrindo-o
cada vez mais, e disse:
― “Firma nas tuas mãos a cruz. Cinge-a bem ao teu coração. A humanidade inteira vai ficar dentro do
rosário. Fala às almas, minha filha. Fala-lhes do rosário e da Eucaristia! O terço, o terço, o rosário, o
rosário! A Eucaristia, o meu Corpo e o meu Sangue! A Eucaristia, a Eucaristia, com as minhas vítimas,
eis a salvação do mundo! Se Eu tivesse muitas almas generosas, se Eu tivesse muitas vítimas como a
deste calvário, com toda a generosidade, com todo o heroísmo, num abandono total… mas não tenho,
mas não tenho!”

Nesta ocasião, sem saber como, fui elevada ao alto. A cruz que tinha nas mãos ficou por detrás de mim
como se nela estivesse crucificada. O meu coração ficou a ser um vaso que guardava sangue. De cada
lado levantou-se uma escada, a qual ia terminar nos braços da cruz. A direita era a escada do rosário. A
esquerda, a da Eucaristia. A da Eucaristia tinha mais ou menos a meio uma manada de espigas loiras e
dois cachos de puras uvas. As almas subiam, subiam apressadamente, enchiam toda a largura das
escadas. Passavam dos braços da cruz para dentro do vaso que continha o Sangue. Ali se banhavam,
voavam mais ao alto e entravam no Céu. Oh! Como eu gostava que todos vissem isto! Disse Jesus:

― “Minha filha, a tua vida é uma pregação contínua: quando falas, quando sorris, quando choras e
gemes mais sobrecarregada com o peso da cruz. É um puro exemplo para os grandes, para os humildes,
para os sábios e doutores da Igreja. A tua dor leva as almas ao rosário, à Eucaristia. Com a tua dor elas
sobem estas duas escadas de salvação, dor e sangue, dor e sangue, dor e sangue, dor e cruz, cruz de
salvação. Elas passam depois ainda já no alto pelo cadinho do teu martírio. Depois de purificadas nos
braços da cruz, voam ao Paraíso.”

Este quadro desapareceu. Ficou tudo em silêncio e em trevas.

― Onde estais, Jesus? Eu creio, eu creio em Vós que sois a Verdade infalível e não me enganais, meu
amor.

Veio Jesus novamente:

― “Não te engano, minha filha. Estou contigo e contigo está minha Bendita Mãe. Era Ela do oposto a
sustentar o rosário. Vamos, pois, acudir ao mundo e a salvar os pecadores. Recebe a gota do meu Divino
Sangue. É ela que te fortalece e dá vida para dares vidas. No Céu verás os milhares, os milhões, os
milhões de almas que por ti foram salvas! Coragem! O Céu para ti está pertinho e vais com esse rebanho
infindo cantar os meus louvores para sempre.”

Jesus fugiu novamente. Repeti-Lhe o meu “creio”, mas sem coragem de Lhe fazer pedidos. O abandono
foi tudo. Fiquei na cruz.

5 de Novembro de 1954 – Primeira sexta-feira

Parece que estou sem consciência de que vivo eu, sem consciência de que sou filha de Deus, sem
consciência de que a minha vida tem proveito para a eternidade. Estou abraçada à minha cruz. Amo o
que Ele ama, quero o que Ele quer, custe o que custar. Eu repetirei sempre:

― Creio, Jesus, creio! Sou a Vossa vítima! Custa tanto, tanto sofrer!... Ai, meu Deus, ai, meu Jesus, só
Vós sabeis quanto eu tenho sofrido pelo Vosso amor e por amor às almas. A vida foge, a vida sem vida
foge, e que ela fuja para Vós, só para Vós.

O meu coração rega com o seu sangue toda a humanidade. É infinita a sua dor e infinitas são as suas
ânsias. Não posso falar dos sentimentos da minha alma. Seria um nunca acabar. A minha crise continua,
não posso falar. Vou ver se consigo dizer as palavras de Jesus, o Seu colóquio comigo.

A minha viagem para o Calvário foi muito dolorosa. O coração rasgado pela dor; sofri infinitamente.
Todo o meu ser era um mundo de podridão e de crimes, todo o meu ser era morte e esta morte parecia
ser mexida, transportada pela própria terra ao cimo do calvário. Oh, segredo de Jesus, como eu sofri,
como eu sofri! Com todo o custo, repeti o meu “creio”, os meus actos de fé e de confiança sem nada
sentir de verdadeiro em mim. Veio Jesus. Chamou-me:

― “Minha filha, minha filha, tem coragem. Tu és podridão e miséria, porque és vítima. És mundo,
porque é pelo mundo que te imolas. Sentes a dor infinita, porque a tua vida está ligada à minha. Estás
sobre a terra e nada sentes senão a dor. Diz-me, minha filha, que mais hás-de sentir, se tu não vives do
mundo, mas de Deus, só de Deus. Sentes a dor, porque és vítima, sentes da dor, porque a dor foi e é obra
de resgate e de salvação. A panelinha que está sobre o lume, ora a ferver com água escacholante, ora fria
e gelada, sem fogo, não se importa ferver, não se importa estar fria. Ela nada sente. Está na sua missão
ao serviço do homem. À semelhança dela, estás tu sobre a fornalha divina ao serviço de Deus e das
almas. Oh maravilha! Oh mistérios insondáveis de Deus!”

Nesta ocasião, Jesus abriu o Seu Coração e o meu como se fossem umas saquinhas. Com a Sua mão
divina tirava do seu coração para o meu os Seus tesouros, a Sua graça, tudo o que era d’Ele. Desde que
me deu tudo, fechou-os. Deixou no centro do meu umas chamas doiradas como se fossem muitas velas
juntas. Mais acima cercava essas chamas uma coroa resplendorosa. Mais acima ainda, um diadema
doirado também.

― “Minha filha, esposa querida do meu Divino coração, enchi-te o teu coração com as riquezas do meu.
Deixei nele o fogo de todo o meu amor, a coroa que te há-de cingir, o diadema que te há-de adornar no
Céu. Enriqueço-te para as almas, premeio-te já na terra o teu sofrer. Coragem! Dá-te, imola-te! Dor e
amor, dor e amor. És a louquinha das almas que nas chamas do purgatório se purificam. Alivia-as,
alivia-as, para que depressa subam ao Céu a louvar-me eternamente. És toda Cristo, és toda amor.
Coragem, coragem! Repete o teu “creio”.”

Escondeu-se Jesus.

― Onde estais? Para onde fostes, meu Jesus? Compadecei-Vos de mim. O meu desfalecimento é grande,
o meu brado é doloroso. Creio, Jesus, creio! Amo-Vos, espero e confio.

Apareceu-me de novo o meu Jesus e disse-me:

― Coragem! Eu te afirmo que o teu Céu está perto. Confia. Vou dar-te a gota do meu Divino Sangue. Tu
já vives por um fio, ligada à vida divina. Recebe este sangue que te faz viver e dá às almas esta vida que
por esta união te comunico. Fala-lhes, acode-lhes. Oh, como está o mundo! Fala-lhes das minhas
ameaças que são da justiça do meu Pai, se ele não se converte e volta para Mim. Dá vida e dá amor.
Repete o teu “creio”. Vive da fé. Coragem! O teu martírio, o teu martírio tão indizível é urgente para as
almas filhas do meu sangue.”

Desapareceu como um fugitivo e eu fiquei a fazer-Lhe os meus pedidos na incerteza de todo o meu viver.

― Creio, Jesus, creio! Bendita sejas, ó minha cruz bem amada!

12 de Novembro de 1954 – Sexta-feira

Os meus males continuam a agravarem-se, e eu não posso falar. Limito-me a pouco dizer. A minha alma
tinha necessidade de se abrir e falar infinitamente. As minhas poucas palavras têm o fim de obedecer e
fazer sempre a vontade de Jesus. Com a perda de Jesus e da Mãezinha, perdi tudo quanto se pode
imaginar. Perdi tudo da terra e do céu. Ai de mim, ai de mim, perdi a fé! Eu sinto que a perdi. Não tenho
na minha vida uns raiozinhos de luz. Tudo são trevas, morte e podridão. Tudo é inutilidade, tristeza e
amargura. Ai, quanto custa uma vida morta, inútil e sem fé! Ai, quanto custa uma vida mentirosa,
quando só aspiro à verdade! Meu Deus, compadecei-Vos de mim!

Ouvi através do alto-falante tudo quanto se passou na nossa igreja durante 15 dias da nossa missão.
Tudo ouvi sem fé e sem proveito. O que pode aproveitar uma vida morta? No meio de angústias,
lágrimas e espinhos penetrantes, tudo ofereci ao Senhor.
― É por Vosso amor, Jesus, e pelas almas. Nada mais tenho em conta, bem o sabeis, mas oh, pobre
oferta mentirosa que ficava a nadar neste mundo imenso de podridão e vício.

Mesmo sem fé fixo os olhos no Céu, sem os baixar à terra; não perco a paz e sorrio em tudo à vontade do
Senhor. Segui para o Calvário sem firmeza, morta para todas as coisas do Céu, viva só para a dor. Sentia
que o meu corpo e vida morta eram sustentados por uns fiozinhos que vinham do Alto e eram uma outra
vida sem ser deste mundo. Nesta morte e inutilidade terrenas, a almas agonizava. A todo o custo ia lutar
sempre e fui repetindo o meu “creio” que no meu sentir é um “creio” mentiroso e sem fé. Veio Jesus,
falou-me alto, mas com doçura e bondade.

― “Coragem, minha filha! Vem cá. Eu sou o teu Jesus, a Verdade e a vida que tu vives; a tua vida é a vida
da sabedoria de Deus, a vida das maravilhas de Deus, a vida dos prodígios de Deus operados em tua
alma.

Ó encantos de Deus, ó sabedoria de Deus! Ó poder de Deus! Ó chamamento de Deus! É por ti, sim,
minha filha, que eu chamo as almas, lhes mostro e dou as minhas graças, os meus tesouros. Tem
coragem! Confia! Todo este teu sofrimento, toda esta inutilidade e vida morta são de utilidade e dão vida
a tantas, tantas almas. No Céu verás quanto as almas de Balasar aproveitaram nesta santa missão.
Quantas ressurreições! Quantas vidas para Mim. Dá aos meus queridos missionários toda a minha graça
e amor com abundância pelo seu esforço, pela sua canseira incessante a favor de tantas almas. Diz-lhes o
meu grande obrigado, o obrigado de Deus. Coragem, minha filha! O mundo peca, não se corrige. Desafia
a justiça de meu Pai. É Ele que exige martírio tão doloroso, o teu indizível sofrimento.”

Apareceu ao lado de Jesus a Mãezinha querida, a Mãezinha das Dores. Jesus deu-Lhe o lugar e
desapareceu.

― “Minha filha, minha querida filha, sofro infinitamente com Jesus, com os males do mundo. Aceita as
minhas setas, sofre, deixa-mas colocar no teu coração e assim consolas o Coração da Mãe e o Coração do
Filho.”

― Aceito tudo, Mãezinha, para Vos alegrar.

Num rápido momento, a Mãezinha das Dores transformou-se em Nossa Senhora do Carmo, com Jesus
pequenino no colo e então continuou Ela:

― “Minha filha, fala às almas e diz-lhes que todas as coisas que sejam pedidas a Jesus em meu nome e
em nome das almas do Purgatório, todas, todas as coisas mesmo a conversão dos pecadores, serão
concedidas.”

O Menino Jesus estava inquieto nos braços da Mãezinha. Queria vir para mim. A Mãezinha fez-Lhe a
vontade. Passou para os meus braços. Ele, muito pequenino, beijou-me, acariciou-me e, deitando-se
sobre o meu peito, disse-me:

― “Deixas-me ficar aqui?”

― Ó Jesus, no exterior, não, mas sim dentro do coração, sempre, sempre. Nunca Vos ausenteis de mim.

Fiquei sozinha. Ele desapareceu-me com a Mãezinha e eu bradei-Lhes:

― Amo Jesus, amo a Mãezinha. Creio, creio, creio eternamente.

Neste colóquio sem nenhuma consolação, o meu “creio” era cada vez mais mentiroso. Jesus voltou
novamente, em tamanho natural, uniu o Seu Coração ao meu, fez passar a gota do Seu Sangue Divino e
disse-me:
― “É abundante a gota do Meu Sangue, porque a dor muita vida em ti consumiu. Dá esta vida às almas,
tu, que és a vida das almas. Dá o meu amor às almas, tu, que és o meu amor. Dá a minha luz às almas, tu,
que foste criada para luz e guia das almas. Coragem, coragem! Imola-te, sacrifica-te!”

Assim desapareceu o meu Jesus. Fiquei na minha prece a fazer-Lhe os meus pedidos sem fé e sem luz,
mas com mais fortaleza e em paz.

19 de Novembro de 1954 – Sexta-feira

Não me saíram do coração as setas do Coração Imaculado da Mãezinha. Como elas estão gravadas
profundamente e como sinto as Suas lágrimas que das Suas faces santíssimas desenrolaram como
pétalas de flores que deixam a árvore de quem são filhas! Estas lágrimas ferem-me também o coração e a
alma.

― Meu Deus – exclamo eu – como se sofre!... Como se pode sofrer!... Tanta variedade de sofrimentos!...
e sem ter a mínima coisinha para Vós, quando tudo é por Vós e para Vós. Compreendei, Jesus,
compreendei, meu Amor, porque só na Vossa ciência divina cabe tal sofrimento.

Não posso dizer os sofrimentos da minha alma, não posso, porque me sinto sem vida. O dever da
obediência leva-me a obedecer ao extremo. Por mais que eu pudesse dizer e pelo muito que já tenho
dito, nunca diria, nem nunca disse nada. Não posso pensar no esquecimento do Horto e do Calvário.
Não posso sentir o peso de tal desprezo por eles. Não posso com o sentimento da minha vida sem Deus e
na minha vida mentirosa.

― Ó Céu, ó Céu – repeti eu na minha dolorosa viagem. – Vinde em meu auxílio, ó Jesus, ó Mãezinha. Eu
creio que existis, eu creio que sou Vossa. Sim, creio em tudo. Sou a Vossa vítima. Ó Céu, ó Céu! Creio em
ti, espero em ti, confio em ti.

Na minha prece sem sentimento, mentirosa e revoltosa, com ódio a todo o sofrimento, veio Jesus,
chamou-me.

― “Minha filha, minha filha, minha querida e amada filha, crê em Mim. A tua vida é a vida que mais se
pode assemelhar à minha sagrada Paixão e Morte. Em todos os pontos toquei, em todas coisas te
assemelhei a Mim. É a crucifixão oculta, é a crucifixão mística. O teu coração e alma em sangue são
sofrimentos meus, o teu coração e alma em sangue revelam a nossa união inseparável. Só para o
sublime, só para coisas grandes foste escolhida. Tu não terás outro viver. Para ti acabaram todas as
consolações e alegrias e luz. Repete o teu “creio”. Tens de viver de fé sem fé, do amor, sem nenhum
sentimento de amor. Só quero de ti o teu “creio”, a tua firmeza na cruz, a tua generosidade heróica,
sempre heróica. Vem repousar sobre o meu Divino Coração. É repouso divino, é repouso confortante, é
repouso de vida.”

Jesus sentou-se. Fez que eu me sentasse também sobre os Seus joelhos e o Seu Divino Coração. Caía
sobre mim, vinda de Jesus, uma água caída de levada, mas esta água escacholante era dourada. Caiu por
um bom pedaço de tempo. Vinha de Jesus e confortou-me. O que era, só Ele o sabe. De repente, Ele
desapareceu, e a levada terminou. Bradei-Lhe com fortaleza:

― Fugistes-me, meu Jesus, mas eu creio, eu creio! Por Vós tudo aceito; sou sempre a Vossa vítima.

As minhas palavras foram repetidas na escuridão mais tremenda. Jesus voltou. Trouxe consigo nova luz.

― “Minha filha, minha filha, escuta o meu desabafo. O mundo peca loucamente, dia e noite. Não cessa
de desafiar a justiça de meu Pai, mas os sacerdotes, tantos sacerdotes, aquelas almas a Mim
consagradas, tomam-me nas suas mãos, esmagam-me, põem-me todo em sangue com os seus
sacrilégios, vida de vícios. Os seus maus exemplos abrem abismos para a perda de tantas, tantas, tantas
almas. Vigilância à Igreja, principie a Igreja. Haja uma renovação de vida!”
Não posso dizer, não sei dizer em que estado vi o meu Jesus. Todo o Seu ser era uma massa de sangue.
Não tinha forma humana. Ai, como eu vi o meu Jesus!... E como aquela massa dava sangue, só sangue!

― Sou a Vossa vítima, sou a Vossa vítima. Sede Jesus, transformai-Vos na beleza de Jesus.

Assim sucedeu. Jesus voltou a ser Jesus. Uniu o Seu Divino Coração ao meu. Fez passar a gota do Seu
Sangue pelo meio de luz e raios de amor.

― “Minha filha, minha louquinha, louquinha das almas, recebe o meu Sangue para viveres, recebe vida
para fazeres viver. Fala às almas, fala às almas. Toda a tua vida lhes fala, lhes dá exemplo. Todo o teu
viver lhes comunica o meu viver. O teu Céu está perto. E como prémio da tua vida sofredora na terra vou
dar-te todas as minhas bênçãos, graças, amor com meios de salvação, para que toda a terra por ti seja
favorecida até ao fim dos séculos. Confia, confia! Jesus é justo. Jesus não falta às Suas promessas.”

Deixou-me o meu Jesus. Fiquei na minha cruz, entregue aos meus sofrimentos. Repeti-Lhe com
frequência:

― Creio, creio e espero sempre em Vós. Ó meu Jesus, não esqueçais os meus pedidos. Perdoai à
humanidade.

26 de Novembro de 1954 – Sexta-feira

A não ser que eu melhore, tenho de desistir da minha obediência, o que então não representa
desobediência, mas sim não poder. Terei de abafar tudo dentro de mim, ficando só para Jesus o meu
desabafo. Só Ele sabe o meu sacrifício em falar, porque não posso, e em estar calada. O coração está
cheio, cheio a transbordar. Apenas vou dar uma pálida ideia das minhas tentações contra a fé. É inaudito
o meu martírio. Atingiu o auge tal sofrimento. Estou no cimo do monte, onde toda a tempestade pega.
Eu tenho de pender para um dos lados. Com a minha perda de Jesus e da Mãezinha, pendia a cair no
desespero. Na agonia nunca exprimida da minha alma, quase me convenci de que não havia Deus, nem a
eternidade, a não ser a eternidade morta que há tanto tempo já vivo. Que luta, meu Deus, que luta!...
Não querer cair só para não Vos ofender! Parecia ser inútil toda a minha repetição do meu “creio” e actos
de fé. Foi tremendo o horto. Com este martírio foi tremendo também o calvário. Logo de manhã sem
raiar o dia, a noite da alma foi pavorosa. Fraquejei. Não resisti. Depois de muito bradar ao Céu e no
sentimento de nada conseguir, chorei, chorei amargamente. Apesar de não ter fé, sempre fui oferecendo
as minhas lágrimas a Jesus. Não podia e não queria convencer-me de que havia de separar-me dos meus
para nunca mais ver-nos. Queria tentar com o fim da minha vida: sofrer tanto para nada valer, para
nunca mais, nunca mais ver aqueles a quem tanto amo. Acto de fé, meu Deus, creio, creio… Rezei o
Credo. Como não o podia repetir com os lábios, dizia-o com o coração. “Creio no Espírito Santo…” e tudo
o mais até ao fim. Assim lutei até à vinda de Jesus. Ele veio, chamou-me:

― “Minha filha, alerta, alerta. Repete o teu “creio”. Tenho sempre presentes aquelas palavras com que
Eu te preparei para o maior martírio da tua vida e inigualável martírio. Colóquio de dor, colóquio de fé,
colóquio de amor. Dor e sangue, dor e sangue. Repete, repete sempre o teu “creio”. De vez para vez,
omitirei as minhas palavras e não falto àquilo que prometi. É o mundo, luxurioso, odiento, vaidoso, é o
mundo com todos os seus crimes hediondos a exigir de ti tal agonia, incomparável agonia. Coragem,
minha filha! Olha para as almas, preço do meu Sangue divino. Coragem, minha filha! Os teus dias são
breves. Eu velo, velo por ti.”

Logo a seguir a estas palavras, Jesus apareceu-me dentro do sacrário com a porta do sacrário aberta.

― “Escuta, louquinha das almas, escuta, louquinha da Eucaristia. Estou aqui só por amor. Os homens
não compreendem este amor. Estou aqui para ser alimento e vida. Os homens não querem alimentar-se
e viver a minha vida. Fala-lhes do meu amor. Comunica-lhes o meu amor. Tu que foste criada para
distribuidora de tudo o que é meu; fala, minha louquinha, fala, esposa minha, da minha Eucaristia. Pede
às almas para virem ao sacrário e viverem do sacrário.”
Mostrando-me o rosário, fez-me sentir como se nas minhas mãos o enleasse muito e continuou:

― “Fala do rosário da minha bendita Mãe. Fala às almas dos grandes meios de salvação.”

Eu vi que Jesus irradiava amor. Eu senti que todo Ele era doçura e caridade e vi que as Suas chagas
derramavam sangue vermelhinho, muito vermelhinho.

― Ó Jesus, eu não tenho fé. Eu sou miserável. Eu sou nada para falar do sublime, para falar de coisas tão
belas e grandes, falar do Omnipotente! Estando Vós no sacrário, que representa este Sangue?

― “Tens fé, minha filha, tens amor e tens tudo. És a maior vítima de expiação. Fala ao mundo, lembra-
lhe as ameaças e justiças de meu Pai. Se ele não se converte e vive a vida nova, vida pura e santa. Este
sangue é sangue derramado por amor. São chagas avivadas dia e noite por tantas, tantas almas que me
recebem na Eucaristia sacrilegamente. Vinde ao sacrário, vinde em graça e abrasados em amor.”

Fiquei em trevas a chamar por Jesus, a repetir o meu “creio”. Ele não se demorou. Veio unir o Seu
Divino coração ao meu e disse-me:

― “Aqui estou, minha filha, a dar-te o meu Sangue, a dar-te a minha vida para poderes viver. Criei-te
para dares vida. Dá esta vida. Criei-te para dares amor. Incendeia este amor. Criei-te para a salvação das
almas: sofre, sofre tudo por meu amor e para as salvar. Repete o teu “creio”, os teus actos de fé. Vive da
fé, sem fé. Vive de amor, sem amor. Vive a vida de dor, sem utilidade. Vive a eternidade morta, porque
em breve passas ao Paraíso. Tudo hás-de possuir, e toda a terra por ti será enriquecida.”

― Creio, Jesus, creio! Espero em Vós! Creio sem Vos ver e sentir, mas confio cegamente no Vosso amor,
na Vossa protecção. Atendei aos meus pedidos. Perdoai à humanidade.

3 de Dezembro de 1954 – Primeira Sexta-feira

Sofrer sozinha, em silêncio, é o meu viver. Não tenho forças para falar. A minha alma tem de abafar em
si os tormentos que a fazem agonizar. Quando chega ao auge a agonia, choro e digo qualquer palavra
desfalecida.

― Perdoai-me, meu Deus, não quero ofender-Vos. Quero só crer e confiar, mas ai! Quantas vezes nem
uma coisa nem outra! Ai de mim, como me apavora o meu viver!

Grande tormento é para a minha alma o que fez que o meu corpo sofresse mais, muito mais. Senti que
alguém na minha alma, como se ela tivesse sangue e grande alimento. Eu via e sentia este alguém, de
olhos esgazeados, cabelos desgrenhados, mãos em forma de garras, a agarrar-se a mim, a fitar-me com
olhares desesperadores e faminto de comer todo o meu ser. Cansava-me a alma. Por vezes parecia-me
que o coração falhava e eu ia morrer. Nesta angústia e indizível tormento, veio-me a saudade da
alimentação, saudade da morte. Queria comer todos os manjares. Soo mundo inteiro, cheio de iguarias,
me podia satisfazer.

― Meu Deus, não posso exprimir-me melhor e não tenho forças para mais. Ah! Se houvesse quem me
compreendesse e se compadecesse do meu martírio. Só a eternidade, só a luz da eternidade. Jesus, por
Vosso amor, abraço tudo dentro em meu peito.

Todo este sofrimento me apavorou tanto que no Horto e no Calvário não tinha outra coisa senão pavor.
O que virá sobre mim? Quem vem sobre mim? Temia qualquer fatalidade. Se vem algum desgosto
grande não resisto à dor. O coração apagava-se como a lâmpada que se extingue.

― Creio, Jesus, creio. Não olheis para a minha mentira. Eu creio sem mentir, eu amo-Vos sem amar.

Confio e espero em todas as coisas sem fé e sem confiança. Creio, creio, fui repetindo sempre, apenas o
coração. Veio Jesus. Bradou alto, mas o Seu brado deixou transparecer toda a ternura e doçura.
― “Crê, minha filha, crê. Crê, esposa querida. Não deixes de repetir essa palavra consoladora “creio,
Jesus, creio!” Ó minha filha, ó minha filha, tu és fontanário de dor e de amor, fontanário universal,
fontanário infinito. Coragem, coragem! Que este fontanário esteja sempre cheio, cheio, como fontes, rios
e mares nos dias mais chuvosos. És fontanário de dor, dor que dá a vida ao mundo. O que tens sentido e
sentirás em tua alma são as almas pecadoras, são as almas desesperadas que se agarram às fibras em
sangue da tua alma. Elas têm fome da verdadeira vida. Elas estão aterradas com a visão do inferno.
Agarram-se a quem lhes possa valer, não querem cair lá. Coragem, minha filha, é a humanidade
pecadora agarrada à tua dor, à tua vida sofredora. A tua fome é infinita; é a minha fome. Eu quero todas
as iguarias do mundo, todos os manjares dos corações. És fontanário de amor. Em ti sacio-me, por ti
quero ser saciado por todos os corações. Minha filha, olha para o meu Divino coração, vê e aceita o que
Ele te dá. Distribui: é amor, é misericórdia, é perdão. Ah! Se o mundo quisesse aceitar, voltava-se de
repente para Mim.”

Pela parte inferior do Coração Divino de Jesus saía uma labareda e mais coisas numa só mistura que
abundava tudo. Vinha para o meu pobre coração, mas, depois de mim, toda a humanidade nadava em
tanta luz, brilho e riqueza. Parecia que aquele Coração Divino nunca se esgotava em dar e nunca cessava
de dar. Desapareceu esta riqueza que me deixou confortada e só a voz de Jesus se fazia ouvir.

― “Dá, minha filha; o mundo é rico, porque tu o enriqueces com a minha riqueza. Ah, se ele ouvisse a
minha voz, se ele atendesse aos meus pedidos, neste ano da minha Bendita Mãe, neste d’Ela e teu, teu,
teu, sim, teu!... Ah, se fossem compreendidas estas palavras e ainda fosse feita a minha vontade!... Que
pena, que pena para o meu Divino Coração! Eu podia realizar doutra forma as minhas promessas, mas
espero; atendei ao Senhor, fazei a vontade do Senhor! Coragem, minha filha, coragem! Estás pior que o
ceguinho. Este tem um guia que o conduz ao seu destino. Coragem! Eu, às ocultas, guio-te, amparo-te.
Olha, fala das ameaças do meu Pai, fala ao mundo da Sua tremenda justiça. Escuta como é rigorosa e
tremenda a Sua ameaça.”

Tudo se escureceu. Fiquei num bosque, apavorada. Tudo eram estrondos. Parecia que as nuvens se
debatiam e desfaziam a queimar a terra.

― Ó Jesus – bradei – eu creio no meio deste pavor. Creio e confio no Vosso perdão! Pedi ao Eterno Pai
que afaste a Sua justiça.

Jesus, que tinha fugido, apareceu-me, uniu o Seu Coração para me dar o Seu Sangue e disse-me:

― “Coragem! Repara por todos os crimes. Recebe a gota do meu Sangue Divino. É o sangue que te dá a
vida e vai reparar tanto estrago que a dor consumiu. Coragem! Dá a minha vida, dá o meu amor e confia
em Mim! Não cesses! Repete o teu “creio”.”

― Creio, Jesus, creio! Sede comigo. Afastai depressa a justiça do meu Pai. Ouvi as minhas humildes
preces. Perdoai, perdoai ao mundo!

10 de Dezembro de 1954 – Sexta-feira

Continuo a sentir na minha alma o mesmo tormento e as mesmas lutas contra a fé. Tenho as mesmas
garras, os mesmos olhares esgazeados, aquele faminto a chupar todo o meu sangue, a comer todo o meu
ser. Se eu pudesse falar e se fosse possível exprimir-me, nunca, nunca se me acabava que dizer. Não
posso. Fico na minha agonia dolorosa, silenciosa. Das tentações contra a fé, meu Deus, meu Deus, será
possível descrever alguma coisa?!...

No dia da Mãezinha quis recordar o que seria aquele dia no Céu. Não me foi possível. Sem querer, tive de
interrogar a mim mesma: mas há Céu? Existe Deus? Logo pedi perdão ao Senhor. Repeti-Lhe o meu
“creio” muitas vezes e, apesar da perda de Jesus e da Mãezinha me parecer ser para sempre, não deixei
de Lhe dizer muitas vezes:
― Amo-Vos, Jesus! Amo-Vos, Mãezinha! Acreditai na minha mentira, que é mentira verdadeira.

Quantas vezes tenho chorado, quantas vezes tenho chorado, quantas vezes as lágrimas me têm rolado
pelas faces! E eu, abandonada de tudo e de todos, sem poder acreditar em coisa alguma, as oferecia aos
sacrários, ao Prisioneiro de Amor, como actos de amor. A minha vida não é mais que um sopro de vento
que passa pelos ares e vai levar a toda a parte o veneno, a peste, a dor, a morte de toda a podridão.

Assim vivi sobre o horto e o calvário e, quando este sopro tão tremendo baixou ao cimo da montanha, ali
repeti o meu “creio”. Muitas vezes me esforcei por viver da fé e da esperança. Veio Jesus, chamou-me:

― “Vem, minha filha, violeta escondida, vem, vem, pequenina, que és grande aos olhos de Deus. Repete
o teu “creio”, vive da fé. És violeta escondida, apesar do teu nome, a tua vida já corre mundo além. As
verdadeiras grandezas, a minha obra, o meu trabalho divino em ti, só depois da tua morte, e
verdadeiramente à luz da eternidade, serão vistos e compreendidos. Tantas maravilhas, tantos
prodígios!... Isto com a tua correspondência e fidelidade!... O mundo, o mundo como te está devedor!...
E como te está devedor Portugal! Sofre, minha filha, sofre. Repara o meu Divino Coração e o de minha
Bendita Mãe. Sê escora sempre firme na qual dia e noite repouse o braço da justiça vingadora, mas tão
merecida, de meu Eterno Pai. Coragem, minha filha. O teu Céu está perto. Confia que existe o Céu.
Confia no meio dessas trevas indizíveis e inigualáveis sofrimentos. Descansa aqui, e vamos falar das
minhas coisas, do meu amor.”

Apareceu um altar. A porta do sacrário estava aberta. As hóstias brancas no cibório. Jesus sentou-se ao
lado do altar e fez que dou outro lado eu me sentasse também. Não vi os assentos em que nos sentámos.
Jesus sobre o altar colocou a Sua mão e sobre ela a Sua sacrossanta cabeça. Ele fez que eu fizesse o
mesmo. A minha mão direita ficou unida à Sua mão esquerda. De dentro do sacrário daquelas hóstias
tão brancas saíam raios doirados e mais brilhantes que o sol, passaram por entre nós. Jesus, cheio de
doçura, dizia-me:

― “Minha filha, mimo eucarístico, estou ali no sacrário, naquela hóstia pura em corpo, alma e divindade,
tal como estou aqui. Confia, minha filha, e esposa querida. Fala ao mundo deste amor. Diz aos homens
que se abeirem de Mim. Quero dar-Me a eles, muitas vezes, todos os dias, se for possível. Que venham
com os seus corações puros, muito puros e sequiosos. Se vierem ao sacrário nas devidas disposições e
rezarem o rosário ou uma parte do rosário, isto é, o terço, todos os dias, nada mais é preciso para que se
afaste a justiça de Deus. O rosário, o sacrário e as minhas vítimas, a vítima deste calvário, são o
suficiente, para que ao mundo seja dado o perdão e a paz. Quem vem ao sacrário, vive puro. Quem vive à
sombra da minha Bendita Mãe, vive da Sua pureza. E assim a humanidade vive a vida nova, pura e santa
neste quartinho, tantas vezes por Mim recomendada.”

Desapareceu esta visão e eu fiquei nas trevas, a repetir o meu “creio”. Jesus fez-me sentir que apenas as
trevas a tinham feito desaparecer e disse-me:

― “Vem, minha filha. Fica aqui comigo no sacrário. Aqui recebes a gota do meu Divino Sangue. É ela
com a Eucaristia que te faz reviver. Não estás só. Aqui ficas na minha hóstia comigo. Comigo te imolo e
te dás ao Pai. Coragem! Comunica esta vida às almas. Nada temas. Jesus, Maria estão contigo.”

― Ó Jesus, creio firmemente em Vós. Sou a Vossa vítima, sou a Vossa vítima. Atendei aos meus
primeiros pedidos, a todos os meus pedidos. Perdoai ao mundo. Apiedai-Vos de mim. Ai de mim sem
Vós!

17 de Dezembro de 1954 – Sexta-feira

A noite da minha alma, as trevas do meu espírito, mergulhada neste universo imenso de trevas. Não
tenho vida para esta vida, nem vida para a eternidade. Luto, luto neste sofrimento indizível. Luto sem
poder lutar. É indizível o sofrimento do corpo. É inexplicável o sofrimento da alma. Quero agarrar-me,
não tenho a quem, mas tenho quem se agarre a mim, à minha alma alguém se agarra. Fico sem vida. Os
olhares, os dentes descarnados, as mãos em garras e os cabelos desgrenhados, a alma desfaz-se em
fibras de sangue. Oh! Como ela chorava!

As minhas tentações contra a fé continuam. Tive quem me confortasse, mas, oh! a noite e a inutilidade
tudo me roubam. Eis-me sozinha nesta dúvida tremenda. Existe Deus, a eternidade, e mais, muito
mais… A noite de ontem para hoje, ainda cedo, eu estava num mar de dor e só em espírito dizia:

― Jesus, eu amo-Vos! Sou a Vossa vítima.

De repente, vi o Menino Jesus, sentado no presépio, em palhas de prata. Ele era mais lindo e brilhava
mais que o sol. Desapareceu Ele, e apareceu o trono da Santíssima Trindade. Que coisa deslumbrante!
Logo ao lado desse trono, apareceu a Mãezinha da Conceição, bela, bela, encantadora! Uma visão fazia
desaparecer a outra. Tudo isto tão rápido, tão rápido… Eu senti bem que, se assim não fora, eu perderia
a vida. Caí logo no mesmo abismo de trevas, nas mesmas lutas, mas só com a alma mais confortada. Não
tive a vida do Horto nem a do Calvário.

― Oh, meu Deus, o que é isto? Nem a vida nem a eternidade! Nem Jesus nem a Mãezinha! Creio, creio
firmemente.

Repeti tantas vezes, no cimo da montanha, espetada numa lança, mas tão em prumo que não pendia
mais, nem para um nem para o outro lado. Ou Deus ou o demónio; ou eternidade ou nada. Assim ferida,
toda em sangue, caí para o lado, em que fui repetindo o meu “creio”, “creio firmemente”. Creio, embora
o meu sentimento seja todo mentiroso. Veio Jesus, disse-me:

― “Crê, minha filha, crê, minha esposa amada, crê, flor mimosa do Paraíso. Crê que Eu existo. Crê que
estás na verdade! Crê que toda a tua vida é a minha vida. Coragem, coragem! É pouco mais. O teu Céu
está perto. O Céu a quem dás almas aos milhares, aos milhões com o teu sofrimento. O mundo exige o
teu martírio, inaudito martírio. O mundo, sedento de paixões e de todos os vícios, não ouve a minha voz,
não atende à minha voz, voz de Pai, que quer perdoar, voz de pai que ama loucamente, infinitamente.
Coragem, minha filha. A tua morte dá vidas. As tuas trevas dão a luz ao mundo. Descansa aqui, junto do
meu trono.”

Jesus estava num trono, vestido de rei, de coroa brilhante e o ceptro, pousado ao Seu lado.

― “Sou Rei, minha filha, e hei-de reinar. Minha Mãe é Rainha e reina no Céu e na terra. Satanás com a
sua astúcia infernal convida as almas, sedu-las a tudo o que é erro, vício e crime. Elas cedem. Eu sou
ofendido. A justiça do meu Pai, desafiada, mas em vão. Fala às almas. Sofre pelas almas. Chama-as. Diz-
lhes o remédio para a sua salvação. Satanás será vencido. Coragem! Eu e a minha Bendita Mãe
queremos honrar-te, cedendo-te da Nossa realeza, ficando sempre com a mesma realeza. És rainha dos
pecadores. Reinarás sobre eles. Felizes os que invocarem, quer estejas na terra ou no Céu.”

Jesus desapareceu. A noite tirou-me tudo. Vagueava em trevas a repetir o meu “creio”. Jesus voltou
novamente a dar-me a gota do Seu Divino Sangue. Uniu os nossos corações. Fez que ela passasse. Deu-
me sangue, deu-me amor.

― “Vive esta vida, vive neste amor. Dá a minha vida. Distribui o meu amor. Tem coragem, tem
coragem!...”

― Ó Jesus, não me falteis, não me falteis, não me deixeis sozinha. Atendei aos meus pedidos, ao meu
principal pedido. Perdoai à humanidade.

24 de Dezembro de 1954 – Sexta-feira

Luto com as minhas trevas, com a noite tenebrosa. Luto, luto!... Lutar é o meu viver!... Ai de mim, se o
Céu não me acode! A minha vida é uma vida de incerteza, sem fé, confiança e amor. Não posso ver a luz
do dia. Tenho de estar o mais possível na escuridão. O corpo assemelha-se à alma. Não têm vida, não
têm luz. Que sopro eu sou, mas sopro venenoso e matador. Tenho na alma as garras chupadoras do meu
sangue. Para maior tormento, uma serpente grande, muito grande, se enrola, por vezes, num pequenino
trono, ou então firmada na extremidade da cauda atira-se de galão, com a língua de fora e boca aberta,
de um lado para o outro. Tenta devorar essas garras presas às fibras da minha alma. Elas, apavoradas,
mais se agarram e maior tormento me causam.

― Por tudo, Senhor, sejais bendito.

Não posso falar. Tenho de sofrer no meu silêncio. Não tenho horto nem calvário. Passeio no segundo
andar superior à terra que me leva às nuvens negras, onde fico mergulhada. Repeti muitas vezes o meu
“creio” e dizia:

― Ó Jesus, na incerteza de que Vós existis, eu quero amar-Vos, nunca deixar de amar-Vos. Na incerteza
de ir para o inferno condenar-me eternamente, não queria deixar de sofrer e amar-Vos na terra, para
suprir aquilo que no inferno não posso fazer, nem sofrer, nem amar. Eu creio, Jesus; valei-me,
Mãezinha! Valei-me, meu amor!

Assim, veio Jesus ao meu encontro. Bateu palmas alegremente, como para despertar-me:

― “Minha filha, coragem! Alerta! Tu não perdeste Jesus, nem perdeste a Mãezinha. Antes pelo contrário,
mais e mais Os possuíste. Tu não deixaste de Nos amar. A tua vida é de amor, de consolação, de alegria e
reparação para os Nossos Divinos Corações. A tua vida é vida da maior reparação para a Majestade
Divina. Sofre, sofre esse indizível martírio. As almas, os pecadores de quem és mãe e rainha, assim o
exigem. O mundo criminoso, mergulhado nos seus vícios, pertence-te, é teu, salva-o.

A data, o aniversário que comemoro amanhã, marca na tua vida. Não Nos perdeste. Esse dia de tanta dor
para ti foi da maior consolação para Nós. Eu virei depressa, depressa, buscar-te para o Paraíso, mas
antes virá um êxtase em que hás-de cantar os últimos cânticos na terra. Diz aos teus superiores que
estou à espera, à espera, à espera desse dia.”

Era o Coração Divino de Jesus. Enquanto Ele assim me falou, estava ao Seu lado e ao meu lado o
Coração Imaculado de Mãezinha, que me cobria de carícias. Dos Seus Corações terníssimos, mas
cercados de espinhos, saíam raios luminosos que iam ao encontro uns dos outros, faiscando como
nuvens que se chocam. Pelo meio saía o rosário e parecia passar pelo centro dos corações. O meu
coração compartilhou de tudo isto.

― Ó Mãezinha, que quer dizer o rosário nos Vossos Corações?

Falou-me a Mãezinha, beijando-me e pegando-me pela mão.

― Fala dele, minha filha. Jesus te pediu e eu te peço também. Pedimos-te o rosário, pedimos-te a
Eucaristia, amores dos Nossos Corações. A Eucaristia e o Rosário, os teus sofrimentos com os das outras
vítimas, eis os meios por Nós indicados para a salvação da humanidade perdida. Tu és o porta-voz, tu
levas ao mundo inteiro os desejos de Jesus e de Maria, o que Eles pedem para o salvar. Sacrário, o
rosário, dor sem igual da grande vítima deste calvário, vida nova, vida pura, vida santa. Coragem,
coragem, grande heroína! Bem depressa te conduzo pela mão ao Paraíso. Coloca no lugar destes
espinhos que temos nos Corações a tua dor, o teu sangue, as flores das tuas virtudes, do teu martírio.”

― Ó Mãezinha, passai para o meu coração esses espinhos todos, para que eu sofra tudo. Colocai Vós nos
Vossos o que acabais de me dizer. Estais triste, Jesus, estais triste, Mãezinha, por eu não ter fé, por eu
não Vos amar, por eu me impacientar por tão pequeninas coisas?

Disse Jesus, enquanto a Mãezinha me abraçava, depois de me ter dado todos os espinhos:

― “Minha filha, minha filha, minha esposa querida, quem como eu conhece a tua fraqueza?!... Confia!...
O Céu assiste-te. Não vacilarás a ponto de Me ofenderes.”
Fiquei sem os dois Amores. Perdi-Os ao mesmo tempo.

― Creio, meu Deus, creio, meu Deus. Espero em Vós.

Depressa veio Jesus, sozinho.

― “Coragem, minha filha! Oh! como esse teu “creio” de tanta dor alegra o céu! Recebe a gota do meu
Divino Sangue. Vive a vida que dou à tua alma e ao corpo. Vives de Mim. Vives de Mim. Coragem!
Coragem!”

E, assim, fiquei sem Jesus, mas com a alma mais confortada. Fiz-Lhe os meus pedidos, pedi-Lhe para
poder encobrir os meus gemidos durante a ceia para conforto dos meus. Assim sucedeu. Fiquei
confortada por algumas horas.

― Oh, como Jesus é bom!

31 Dezembro de 1954 – Sexta-feira

O Menino Jesus para mim não nasceu. Não dei conta do Seu nascimento. Só após uns momentos da
meia-noite é que me recordei que o fogo que se dava era a comemoração do Seu nascimento. Sofri muito
com isso. Foi em grande dor que Lhe fiz os pedidos que desejava fazer.

― Meu Deus, meu Deus, parece que não estou na terra e que a vida sem vida nada me aproveita.

Tive a Santa Missa. Apesar de viver sem fé, pedi à Mãezinha para suprir todas as coisas por mim. Não
tenho forças, não posso falar da grande dor, do grande pavor que sinto em minha alma. Limito-me às
menos palavras.

Ontem à noite, quando em família rezávamos o terço e as orações da noite, eu sem poder ver a luz
encobria os olhos o mais possível. Ao terminar as orações na escuridão, eu vi sair por uma negra
muralha uma mão negra muito grossa com alguns metros de comprido. Essa mão veio como que a
apanhar a minha alma. Logo ao lado, apareceram umas balanças. Quando as vi, julguei que era o
momento de comparecer na presença de Deus. Ia a gritar muito alto com o medo que tive. Contive-me e
fiquei calada. A mão sempre a tentar arrancar-me a alma e fazer pesar mais o prato da balança que
estava do seu lado. Esta manteve-se equilibrada a prumo e de repente pendeu para uma espécie de uma
grande sala cheia de luz, muito asseada. Não era Céu nem era terra. Nela via muitas pessoas à espécie de
anjos, mas não eram anjos. Batiam palmas, riam-se, saltavam alegremente. Depressa, tudo desapareceu.
Fiz a viagem para o calvário, por esse segundo andar da terra. Sem fé, repeti muitas vezes:

― Creio na vida eterna. Creio, creio, amo-Vos, espero e confio! – ia repetindo numa mentira contínua.

Jesus demorou-se muito. Eu então dizia, recordando a data de há um ano:

― Agora é para sempre, Jesus? Quereis deixar-me com a Mãezinha, para nunca mais, nunca mais Vos
ver nem ouvir? Creio, creio, meu amor. Sou a Vossa vítima.

E então Jesus, cheio da Sua bondade, falou-me, deixando-me por algum tempo nas mesmas trevas.

― “Crê, crê, minha filha, que Eu estou contigo no jardim do teu coração. Crê que Me amas, crê na vida
eterna que em breve tens para gozar. Vem descansar, repousa aqui no teu Jesus. A tua morte é vida. As
tuas trevas são luz, a tua frieza, amor. No Céu, por todos será vista toda a reparação que me deste, todas
as almas que salvaste e mais, e mais, muito mais, neste ano que hoje termina e em que te parece teres-
Me perdido. Confia: tens Jesus, tens a Mãezinha, tens o Paraíso, tens as almas.”

Eu estava sentada sobre a terra. A cabeça repousava sobre os joelhos de Jesus. Ele falava e a Sua mão
divina cobria-me de carícias.
― Ó Jesus, eu não acredito em Vós. Eu não tenho fé e Vós nem ao menos me dais um pouquinho de luz?!

Ele continuou a falar e a fazer brilhar uns raiozinhos de luz.

― “Minha filha, a tua reparação é completa. Tu sem luz fazes luz; sem fé dás a fé. Com esse teu martírio
dás às almas a salvação.

A mão negra que viste era a mão de Satanás. Ele queria atemorizar-te. Ele queria a tua alma e as almas
que às fibras da tua estão agarradas. Nunca, nunca, confia. As almas que viste em grande júbilo foram
salvas pela tua dor. Foi ela que fez pender para o meu lado a balança com as obras dessas almas. Nunca
mais são dele. Estavam em lugar de purificação e vão gozar eternamente. O temor que tiveste ao ver as
balanças não era o teu modo de compareceres na minha presença. Foi o teu sofrimento que deu a essas
almas o temor de bradarem por Mim, de Me pedirem perdão ao serem chamadas ao juízo.

Coragem, coragem, e confia. Muitas coisas se cumpriram este ano. Agora quero concluir a realização das
minhas promessas.

Diz a todos os que te amparam e velam pela minha causa, diz ao teu médico o meu obrigado. É assim, e
avante sempre, a trabalhar, a defender as obras de Deus, a minha causa. Coragem! Sempre no combate a
receber balas que ferem mais do que aquelas que tiram a vida.”

Jesus desapareceu. Desapareceu a luz. Eu fiquei sentada, mas sem equilíbrio.

― Ó meu Deus, ó meu Deus, eu caio! Não tenho amparo. Morro de pavor, desfalecida.

Ele veio novamente, mas eu já estava caída. Levantou-me. Fiquei de joelhos, encostada a Ele.

― “Coragem, filha! Coragem, filha! Vou dar-te o meu Sangue, Sangue de vida, de alimento e de amor.
Vou fazê-lo passar com abundância. Coragem! Coragem! Dor, sangue e amor, tudo para o mundo, tudo
para as almas que não sabem mais meios, não podem inventar mais meios para Me ofenderem. Não
pode haver mais dor para ti, nem ofensas para Mim. Coragem a reparar a justiça a de meu Pai. Coragem!
Repete o teu “creio” sem fé. Diz que Me amas, sem amor. Com isso dás-Me toda a consolação e alegria.”

Sem fé, fiquei logo a repeti-lo na ausência de Jesus e a fazer os meus pedidos.

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