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Capítulo 6

TRANSTORNO DO ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO


Francine Nunes Ferreira e Marcelo Feijó de Mello

INTRODUÇÃO
O transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) ocorre após experiência traumática que
envolve risco de morte ou da integridade física do próprio indivíduo ou de terceiros. O
paciente apresenta, após um período de 30 dias, sintomas como revivescência do evento
traumático, hipervigilância, evitação e sintomas negativos cognitivos e afetivos, que levam a
comprometimento em seu funcionamento em vários campos da vida social, familiar e de
trabalho ou estudo.

PREVALÊNCIA
A prevalência ao longo da vida varia de 6,8 a 12,3% na população adulta dos EUA, sendo
maior no sexo feminino (2:1). Número semelhante foi encontrado por Ribeiro et al.1 nas
cidades do Rio de Janeiro e São Paulo (8,7 e 10,2%, respectivamente). Esse número é
impressionante e é o primeiro estudo no Brasil, que não participa de guerras há décadas.
Tais números são justificados pela alta prevalência de violência interpessoal.
Nesse mesmo estudo, foram encontradas prevalências ao longo da vida para esse tipo
de violência de 59,4 e 63,8%, nas mesmas cidades, ou seja, ser vítima desse tipo de
violência é a regra. Também favorecem negativamente nesses índices as associações de
condições ambientais e maior prevalência de TEPT, como baixo nível socioeconômico,
negligência dos pais ou cuidadores e baixo suporte social.

DIAGNÓSTICO
O TEPT está incluído em um novo capítulo do Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais (DSM-5) intitulado “Trauma e transtornos relacionados com o
estresse”, cuja origem pode ser especificamente atribuída à situação de estresse e
trauma.2
O critério A1 do DSM-IV-TR exigia que o evento traumático fosse vivenciado ou
testemunhado pelo próprio indivíduo. Esse critério foi ampliado e, hoje, ter conhecimento
de um evento traumático vivenciado por uma pessoa próxima ou ser exposto a detalhes
repulsivos do trauma também pode satisfazer critérios diagnósticos. Vale ressaltar que
esse critério não se aplica à exposição por meio da mídia. Não há exigência de que o
evento seja vivenciado com intenso medo, desamparo ou horror.
CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS (DSM-5)2
A. Exposição ou ameaça de morte, ferimento grave, violação sexual de uma das seguintes
maneiras:
1. Sofrer exposição direta ao evento traumatico
2. Presenciar o evento que ocorreu a outras pessoas
3. Saber que o evento traumático ocorreu a um familiar ou amigo próximo. Em caso de
morte ou ameaça de morte de um familiar ou amigo, o evento deve ter sido violento
ou acidental
4. Ser extremamente ou repetidamente exposto a detalhes aversivos do evento (p. ex.,
bombeiros, policial)
B. Presença de um ou mais sintomas intrusivos associados ao evento traumático, iniciado
após o evento traumático:
1. Memória intrusiva, involuntária e recorrente do trauma
2. Sonhos recorrentes relacionados com o evento traumático
3. Dissociações: alterações da percepção da realidade ou de si próprio, inabilidade de
lembrar fatos importantes relacionados com o trauma. Por exemplo, flashbacks, em
que o indivíduo sente ou age como se o evento estivesse acontecendo
4. Estresse psicológico intenso ou prolongado diante de algo que simbolize ou lembre
o evento traumático
5. Reações fisiológicas evidentes diante de algo que simbolize ou lembre o evento
traumático
C. Evitação persistente de um estímulo associado ao evento traumático, iniciado após
evento traumático, evidenciado por, pelo menos, um dos sintomas:
1. Evitação ou esforço para evitar lembranças, pensamentos ou sensações
associadas ao evento traumático
2. Evitação ou esforço para evitar pessoas, lugares, conversas, atividades, objetos e
situações relacionadas com o trauma
D. Alterações negativas na cognição e no humor, iniciando ou piorando após o evento
traumático, evidenciado por dois ou mais sintomas:
1. Incapacidade de recordar aspectos importantes do trauma (típico de amnésia
dissociativa e não relacionado com o uso de drogas ilícitas, álcool e traumas
cranianos)
2. Pensamentos negativos persistentes e exagerados ou expectativas negativas sobre
si mesmo, sobre os outros e sobre o mundo (p. ex.: “Sou mau”, “Não posso
acreditar em ninguém”, “O mundo é completamente perigoso”)
3. Cognições distorcidas e persistentes sobre a causa ou as consequências do evento
traumático que levam o indivíduo a culpar a si mesmo ou a outros
4. Estado emocional negativo persistente (p. ex., medo, horror, raiva, culpa ou
vergonha)
5. Diminuição do interesse ou participação em atividades significativas
6. Sensações de distanciamento ou estranhamento dos outros
7. Inabilidade persistente de sentir emoções positivas, como felicidade, satisfação ou
amor
E. Alterações importantes na excitabilidade e reatividade, iniciando ou piorando após o
evento traumático, evidenciado por dois ou mais sintomas:
1. Irritabilidade ou explosões de agressividade (com pouca ou nenhuma provocação)
expressada por agressão verbal ou física contra objetos e pessoas
2. Comportamento autodestrutivo ou imprudente
3. Hipervigilância
4. Reações instintivas exageradas
5. Problemas de concentração
6. Distúrbios de sono (dificuldade de iniciar o sono, manter ou terminar)
F. Duração dos sintomas (critérios B, C, D e E) superior a 1 mês
G. O transtorno causa sofrimento significativo ou prejuízo social, ocupacional, funcional ou
em outras áreas importantes do funcionamento
H. Não é secundário a efeitos psicológicos de substância ou outra condição médica geral.

FATORES DE RISCO
• Gravidade do trauma
• Dissociação peritraumática
• Gênero feminino
• Jovens
• Baixos níveis socioeconômico e educacional
• Antecedentes psiquiátricos pessoais e familiares
• Exposição a trauma anterior, sobretudo na infância
• Ausência de apoio social
• Predisposição biológica.

COMORBIDADES MAIS FREQUENTES


• Depressão e distimia
• Transtorno de ansiedade generalizada (TAG)
• Transtornos relacionados com o uso de substâncias.

TRATAMENTO FARMACOLÓGICO

ANTIDEPRESSIVOS
Os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS) são os medicamentos de
primeira escolha para o tratamento de TEPT.
A paroxetina e a sertralina são aprovadas pela Food and Drug Administration (FDA)
para o tratamento de TEPT, demonstrando taxas de 62 e 53% de remissão dos sintomas,
respectivamente.
Outros ISRS, como fluoxetina, fluvoxamina e citalopram, mostraram efetividade em
estudos controlados ou abertos.
Entre os antidepressivos tricíclicos, a imipramina e a amitriptilina demonstraram
redução nos sintomas de TEPT.
A trazodona apresenta eficácia limitada para os sintomas de TEPT, porém é usada em
associação com os ISRS em pacientes com insônia refratária.
Os sintomas de TEPT remitiram em 64,5% em um estudo controlado com mirtazapina.
Alguns estudos com venlafaxina demonstram resultados promissores (taxas de
remissão de 50,9%), ao contrário da bupropiona, que não mostrou eficácia.

ANTIPSICÓTICOS
Habitualmente, são usados como terapia adjuvante para pacientes refratários aos
antidepressivos.
Os antipsicóticos reduzem transtornos do sono, agressividade, agitação, ansiedade,
hipervigilância, lembranças intrusivas, flashbacks dissociativos e sintomas psicóticos.
Existem estudos com resultados positivos para risperidona, quetiapina e olanzapina.

BENZODIAZEPÍNICOS
Não há evidências de que os benzodiazepínicos apresentem eficácia na prevenção do
TEPT. Ao contrário, dois estudos demonstraram resultados negativos para uso em
prevenção, devendo, portanto, ser evitados nas fases iniciais da exposição ao trauma.
Não há evidência, também, de melhora dos sintomas específicos.
Podem ser usados com terapia adjuvante, no controle dos sintomas ansiosos e
transtorno do sono presentes em TEPT, preferencialmente por curtos intervalos de tempo,
pelo risco de dependência.

ANTAGONISTAS ADRENÉRGICOS
Clonidina, propranolol, prazosina e guanfacina podem ser utilizadas para redução do tônus
adrenérgico, com consequente redução das lembranças recorrentes do evento traumático,
dos sintomas ansiosos e da hiperexcitabilidade. A prazosina mostrou eficácia na redução
dos pesadelos.

ANTICONVULSIVANTES
Acredita-se que possam exercer efeitos terapêuticos por um mecanismo antikindling.
Existem estudos abertos, retrospectivos e relatos de casos que demonstram eficácia
de carbamazepina, ácido valproico e lamotrigina para sintomas de TEPT, porém são
necessários estudos controlados.
Um estudo controlado com topiramato não mostrou superioridade ao placebo, e a taxa
de abandono foi muito alta.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O TEPT pode ser desencadeado por diferentes eventos traumáticos, como guerras,
violência sexual, violência urbana e catástrofes naturais, ou seja, eventos que põem em
risco a integridade física e psíquica do paciente. O TEPT também pode ser desencadeado
quando o paciente presencia outras pessoas nessas situações de risco.
Pacientes com TEPT podem apresentar sintomas cognitivos, afetivos, dissociativos e
psicóticos. Muitos desenvolvem comorbidades psiquiátricas, como depressão, uso de
substâncias e somatização.
Os critérios diagnósticos incluem pensamentos intrusivos, alteração do humor, evitação,
hipervigilância e prejuízo no funcionamento. O diagnóstico deve ser feito após 30 dias do
evento traumático. Se os sintomas estiverem presentes antes desse período, trata-se de
transtorno de estresse agudo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Ribeiro WS, Mari JJ, Quintana MI, Dewey ME, Evans-Lacko S, Vilete LM et al. The
impact of epidemic violence on the prevalence of psychiatric disorders in Sao Paulo
and Rio de Janeiro, Brazil. PloS One. 2013;8(5):e635-45.
2. American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental
disorders. 5. ed. Washington: American Psychiatric Association, 2013.

BIBLIOGRAFIA
Kessler RC, Chiu WT, Demler O, Merikangas KR, Walters EE. Prevalence, severity and
comorbidity of 12 month DSM-IV Disorders in the National Comorbidity Survey
Replication. Arch Gen Psychiatry. 2005;62:617.
Kessler RC, Sonnega A, Bromet E et al. Posttraumatic stress disorder in the National
Comorbidity Survey. Arch Gen Psychiatry. 1995;52:1048
Kroll J. Posttraumatic symptoms and the complexity of responses to trauma. JAMA.
2003;290:667.
Norris FH. Epidemiology of trauma: frequency and impact of different potentially traumatic
events on different demographic groups. J Consult Clin Psychol. 1992;60:409.
Resnick HS, Kilpatrick DG, Dansky BS, Saunders BE, Best CL. Prevalence of civilian
trauma and posttraumatic stress disorder in a representative national sample of women.
J Consult Clin Psychol. 1993;61:984.
Stein MB, McQuaid JR, Pedrelli P, Lenox R, McCahill ME. Posttraumatic stress disorder in
the primary care medical setting. Gen Hosp Psychiatry. 2000;22:261.
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