Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
net/publication/317603883
CITATIONS READS
0 221
8 authors, including:
Some of the authors of this publication are also working on these related projects:
Common mental disorders and subjective well-being in medical students: a preventive intervention based on positive psychology View project
All content following this page was uploaded by Amaury Cantilino on 04 July 2017.
ARTIGO
JERÔNIMO DE A. MENDES RIBEIRO
JOEL RENNÓ JR.
HEWDY LOBO RIBEIRO
JULIANA PIRES CALVASAN
AMAURY CANTILINO
GISLENE VALADARES
RENAN ROCHA
ANTÔNIO GERALDO DA SILVA
além de possuir alta comorbidade com transtornos do maior. Essa aparente sensibilidade aumentada aos efeitos
uso de substâncias, especialmente o álcool10. nocivos do álcool e um caminho mais curto entre o uso
Em termos culturais, no passado, as mulheres tendiam abusivo do álcool e a dependência deram origem ao
a beber escondidas, enquanto o homem, em grupos termo telescoping effect13. Em populações mais jovens, há
de amigos. Porém, atualmente, fatores como alta dados bastante heterogêneos em relação a esse efeito,
escolaridade e ocupar cargos de chefia estão associados principalmente com relação à idade de início de uso14. A
a um maior uso de álcool entre as mulheres7. progesterona está associada, de forma bem documentada
Existem diferenças entre os sexos no metabolismo na literatura, em estudos pré-clínicos, a um menor efeito
do álcool no sistema nervoso central. A mulher tem positivo no sistema de recompensa cerebral, sugerindo a
menor atividade da álcool desidrogenase no estômago; influência dos hormônios gonadais tanto na neurobiologia
uma mesma quantia ingerida por um homem e uma quanto na sensibilidade ao álcool. Além disso, a terapia
mulher causa maior concentração de álcool no plasma e, hormonal e o uso de anticoncepcionais orais podem
consequentemente, no cérebro da mulher, pois o álcool também influenciar o sistema de recompensa cerebral15.
atravessa facilmente a barreira hematoencefálica11,12. Diversos estudos têm demonstrado a interferência do
Também se observou, em estudos com populações estresse em todo o ciclo da adição: na primeira exposição,
clínicas, que as mulheres tendiam a iniciar mais tardiamente na transição para um padrão de uso abusivo e repetido,
o uso de álcool que os homens, a desenvolver problemas no desenvolvimento de dependência, nos sintomas
clínicos de maneira mais precoce (tais como cirrose ansiosos e depressivos causados pela abstinência e como
e miocardiopatia dilatada), além de ter dano cerebral desencadeante ou facilitador de recaída16 (Figura 1).
Figura 1 - Diagrama ilustrando a interferência do estresse no ciclo da adição. O estresse impacta em todo o ciclo
da adição, influenciando o início do consumo de álcool, o beber compulsivo, a dependência e a abstinência, além de
agir como facilitador de recaída, através de mecanismos adaptativos nos circuitos de neurorregulação do estresse.
ARTIGO
JERÔNIMO DE A. MENDES RIBEIRO
JOEL RENNÓ JR.
HEWDY LOBO RIBEIRO
JULIANA PIRES CALVASAN
AMAURY CANTILINO
GISLENE VALADARES
RENAN ROCHA
ANTÔNIO GERALDO DA SILVA
O início do uso de álcool estimula mecanismos de tema bastante relevante. O entendimento dos conceitos
recompensa no cérebro, principalmente em estruturas que envolvem a resposta regulatória a um estímulo
mesolímbicas, como o córtex frontal tegmental estressante envolvendo a manutenção da homeostase
ventral. Entretanto, com o uso repetido e continuado, vem sendo substituído pelos conceitos de alostase ou
alterações na plasticidade neuronal passam a ocorrer carga alostática16. Além disso, a experiência estressante
de maneira gradual e sutil, através de mudanças pode produzir mudanças celulares e moleculares sutis,
de padrões de transcrição gênica, mecanismos que alternam os sistemas de recompensa para um padrão
epigenéticos, sensibilização e tolerância17. Assim como de uso abusivo e continuado.
os benzodiazepínicos, o álcool atua como modulador Importantes contribuições quanto à diferença de
da transmissão GABAérgica, colocado em sítios de resposta ao estresse entre os sexos em amostras
neuropeptídios, como no núcleo central da amígdala, ricos expostas ao álcool têm sido demonstradas em estudos
em fatores de liberação da corticotrofina, fator-chave na pré-clínicos e clínicos, que têm se mostrado essenciais
modulação da resposta ao estresse. O núcleo central da na busca do preenchimento de lacunas no entendimento
amígdala é uma região envolvida tanto na sensibilidade dos mecanismos que possam estar envolvidos no
ao stress e quanto no abuso de substâncias16,18. desenvolvimento de transtornos de uso de álcool, na
O eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA) é via vulnerabilidade da mulher aos chamados transtornos
neural primária da resposta ao estresse. A partir do relacionados ao estresse, assim como na busca de
núcleo paraventricular do hipotálamo, é liberado o fator novos alvos de tratamento dessas condições. Futuras
liberador da corticotrofina, que através da sinalização à pesquisas e suas consequentes aplicações práticas devem
hipófise anterior libera o hormônio adrenocorticotrófico contribuir para a promoção de abordagens terapêuticas
na circulação sistêmica, que atinge as glândulas adrenais, individualizadas, gênero-específicas e com impacto
estimulando a síntese de glicocorticoides e modulando a favorável, baseado em evidências, no plano terapêutico.
resposta fisiológica através de feedback negativo16,19.
O álcool, tanto em curto como em logo prazo, promove Artigo submetido em 24/01/2017, aceito em 16/02/2017.
profunda alteração no eixo HHA. O uso agudo de álcool Os autores informam não haver conflitos de interesse
ativa o eixo HHA, resultando em níveis elevados de associados à publicação deste artigo.
glicocorticoides e diminuindo a ansiedade, ao passo que Fontes de financiamento inexistentes.
a exposição prolongada ao álcool promove hipertrofia Correspondência: Joel Rennó Jr., Rua Teodoro Sampaio,
adrenal e embotamento da resposta ao estresse, tendo 352/127, CEP 05406-000, São Paulo, SP. E-mail:
efeito ansiogênico20,21. Também tem sido demonstrado rennojr@terra.com.br
que a desregulação do eixo HHA permanece mesmo
após longos períodos de abstinência, interferindo nos Referências
mecanismos de coping frente a novos estressores e 1. Gonzalez P, Martinez KG. The role of stress and
facilitando a recaída22. fear in the development of mental disorders.
Além disso, estudos pré-clínicos e clínicos têm Psychiatr Clin North Am. 2014;37:535-46.
demonstrado que ocorrem mudanças duradouras no eixo 2. Wolle CC, Sanches M, Zilberman ML, Caetano
HHA que podem ser passadas de forma transgeracional R, Zaleski M, Laranjeira RR, et al. Differences in
para a prole, e que mecanismos epigenéticos estariam drinking patterns between men and women in
implicados16. Brazil. Rev Bras Psiquiatr. 2011;33:367-73.
Concluindo, pode-se dizer que, combinados, os achados 3. Cheng HG, Cantave MD, Anthony JC. Taking the
envolvendo o conhecimento de como o estresse afeta first full drink: epidemiological evidence on male-
cada fase do uso de álcool e as diferenças cada vez mais female differences in the United States. Alcohol
consistentes entre os sexos nos circuitos integrativos de Clin Exp Res. 2016;40:816-25.
neurorregulação do estresse fazem dos estudos envolvendo 4. Macinko J, Mullachery P, Silver D, Jimenez G,
o uso crônico de álcool e seus efeitos nesses circuitos um Libanio Morais Neto O. Patterns of alcohol
consumption and related behaviors in Brazil: 14. Keyes KM, Martins SS, Blanco C, Hasin DS.
evidence from the 2013 National Health Survey Telescoping and gender differences in alcohol
(PNS 2013). PLoS One. 2015;10:e0134153. dependence: new evidence from two national
5. Zaleski M, Laranjeira RR, Marques ACPR, Ratto surveys. Am J Psychiatry. 2010;167:969-76.
L, Romano M, Alves HNP, et al. Diretrizes da 15. Devaud LL, Risinger FO, Selvage D. Impact of the
Associação Brasileira de Estudos do Álcool e hormonal milieu on the neurobiology of alcohol
outras Drogas (ABEAD) para o diagnóstico e dependence and withdrawal. J.Gen.Psychol.
tratamento de comorbidades psiquiátricas e 2006;133:337-56.
dependência de álcool e outras substâncias. Rev 16. Retson TA, Sterling RC, Van Bockstaele EJ.
Bras Psiquiatr. 2006;28:142-8. Alcohol-induced dysregulation of stress-related
6. Chander G, McCaul ME. Co-occurring psychiatric circuitry: the search for novel targets and
disorders in women with addictions. Obstet implications for interventions across the sexes.
Gynecol Clin North Am. 2003;30:469-81. Prog Neuropsychopharmacol Biol Psychiatry.
7. Cheng HG, Cantave MD, Anthony JC. Taking the 2016;65:252-9.
first full drink: epidemiological evidence on male- 17. Mons N, Beracochea D. Behavioral neuroadaptation
female differences in the United States. Alcohol to alcohol: from glucocorticoids to histone
Clin Exp Res. 2016;40:816-25. acetylation. Front Psychiatry. 2016;7:165.
8. Ruiz SM, Oscar-Berman M. Closing the gender 18. Zorrilla EP, Logrip ML, Koob GF. Corticotropin
gap: the case for gender-specific alcoholism releasing factor: a key role in the neurobiology of
research. J Alcohol Drug Depend. 2013 Sep;1(6). addiction. Front Neuroendocrinol. 2014;35:234-
pii: e106. Epub 2013 Aug 27. 44.
9. Steiner M, Dunn E, Born L. Hormones and mood: 19. Edwards S, Little HJ, Richardson HN, Vendruscolo
from menarche to menopause and beyond. J LF. Divergent regulation of distinct glucocorticoid
Affect Disord. 2003;74:67-83. systems in alcohol dependence. Alcohol.
10. Blaine SK, Milivojevic V, Fox H, Sinha R. Alcohol 2015;49:811-6.
effects on stress pathways: impact on craving and 20. Huang MM, Overstreet DH, Knapp DJ, Angel R,
relapse risk. Can J Psychiatry. 2016;61:145-53. Wills TA, Navarro M, et al. Corticotropin-releasing
11. Bobzean SAM, DeNobrega AK, Perrotti LI. Sex factor (CRF) sensitization of ethanol withdrawal-
differences in the neurobiology of drug addiction. induced anxiety-like behavior is brain site specific
Exp Neurol. 2014;259:64-74. and mediated by crf-1 receptors: relation to
12. Erol A, Karpyak VM. Sex and gender-related stress-induced sensitization. J Pharmacol Exp
differences in alcohol use and its consequences: Ther. 2010;332:298-307.
contemporary knowledge and future research 21. Retson TA, Hoek JB, Sterling RC, Van Bockstaele
considerations. Drug Alcohol Depend. 2015; EJ. Amygdalar neuronal plasticity and the
56:1-13. interactions of alcohol, sex, and stress. Brain
13. Randall CL, Roberts JS, Del Boca FK, Carroll Struct Funct. 2015;220:3211-32.
KM, Connors GJ, Matt son ME. Telescoping of 22. Sinha R, Shaham Y, Heilig M. Translational and
landmark events associated with drinking: a reverse translational research on the role of stress
gender comparison. J Stud Alcohol. 1999;60: in drug craving and relapse. Psychopharmacology
252-60. (Berl). 2011;218:69-82.