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UNIVERSIDADE ESTACIO DE SÁ

GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

CÍNTIA APPEL LANDVOIGT

ESTADO E PSIQUIATRIA NO GOVERNO CIVIL-MILITAR BRASILEIRO:OS


HOSPITAIS PSIQUIÁTRICOS UTILIZADOS COMO FORMA DE REPRESSÃO
POLÍTICO-IDEOLÓGICA DE 1968 A 1979

RIO DE JANEIRO
2022

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UNIVERSIDADE ESTACIO DE SÁ
GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

CINTIA APPEL LANDVOIGT

ESTADO E PSIQUIATRIA NO GOVERNO CIVIL-MILITAR BRASILEIRO:OS


HOSPITAIS PSIQUIÁTRICOS UTILIZADOS COMO FORMA DE REPRESSÃO
POLÍTICO-IDEOLÓGICA DE 1968 A 1979

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE
CURSO EM GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA -
BACHARELADO

ORIENTADORA: MARCIA ALVES

RIO DE JANEIRO
RJ
2022

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RESUMO:

O presente trabalho abrange os hospitais psiquiátricos brasileiros, com


ênfase nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, que estavam no meio de todas
as maiores tensões políticas da época, levando os dois estados a serem os estados
com um maior número de instituições psiquiátricas da federação, tornando-se assim,
mais fácil também de se conseguir fontes a respeito do tema e até mesmo em
questão de acessibilidade, tendo sido utilizadas como fontes arquivos da época,
literatura e relatos orais. O ano de 1968 o mais sangrento do período e o ano de
1979 o ano onde começou a haver um declínio dessas instituições, devido a reforma
antimanicomial que já estava propagada pelo mundo. O objetivo deste trabalho é
demonstrar a forma como as pessoas eram trancafiadas sendo isoladas do convívio
social para que consigamos ter uma melhor análise da atual estrutura e possamos
alterar a forma como esse relacionamento se dá.

Palavras -chave: hospitais psiquiátricos, manicômios, loucos, poder.

ABSTRACT:

The present work covers Brazilian Pychiatric hospitals, with enphasis on the
States of Rio de Janeiro and São Paulo, which were in the midst of all greatest
political tensions at the time, leading the two states to be the states witg the highest
number of psychiatric intitutions in Federation. Thus making it easier to obtain
sources on the subject and even terms o accessibility. 1968 was the bloodiest year of
the period and 1979 was the year in which these institutions began to decline, due to
the anti-asylum reform that was propaged in the world. The objective of this work is
to demonstrate how people were locked uo, being isolated from social life, so that we
can have a better analysis of the current structure and we can change the this
relationship takes place.

Key-words: Pychiatric hospitals, asylum, crazy, power.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...........................................................................................................4

2 RELAÇÃO ENTRE INSTITUIÇOES PSIQUIATRICAS E O PODER PÚBLICO. .5

2 ANÁLISE DO DISCURSO E DA PRÁTICA DOS HOSPÍCIOS.......................8

3 INSTITUIÇÕES QUE TIVERAM NOTORIEDADE E SEUS PRINCIPAIS


PROBLEMAS..............................................................................................................11

4 CONCLUSÃO................................................................................................12

5 CONCEITOS.................................................................................................13

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................
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1 INTRODUÇÃO
Precisamos realizar um breve histórico sobre as instituições psiquiátricas no
Brasil, o primeiro hospital brasileiro designado ao atendimento de pessoas com
problemas mentais foi o chamado hospício Pedro II, criado em 18 de Julho de 1841
e já tinha como função retirar as pessoas indesejadas – até então chamadas de
alienadas, tendo inclusive essa denominação dado origem ao nome do movimento
Alienista onde era reivindicada assistência especializadas às ditas pessoas loucas
que até então ou eram trancadas em cadeias comuns, ou tratadas em casa ou
jogadas na rua, porém algumas desordens mentais colocam o enfermo e demais
pessoas a sua volta em risco, com o objetivo de um tratamento mantido pelo Estado,
foi criado o hospício de Pedro II ( em homenagem ao imperador). Contudo, cabe
ressaltar que a maioria das desordens mentais ainda hoje em dia não são
diagnosticadas através de exames físicos, em sua maioria são diagnosticados
através de uma série de avaliações realizadas por profissionais qualificados que
possuem técnica e anos de estudo sobre a mente humana. Dito isso se torna mais
claro que à época da instauração dos hospícios não havia clareza a cerca de quem
era ou não de fato louco, então a lógica já nos permite afirmar que por vezes
pessoas que não eram loucas eram internadas já desde o início destas instituições e
esse tipo de tratamento foi se perpetuando ao longo dos anos. De que forma se deu
esse encarceramento? Quais eram as justificativas para que pessoas fossem
trancafiadas em hospícios? Essas são questões que iremos abordar ao longo do
artigo, através de análise de literatura disponível, periódico da época, documentários
e entrevista com uma fonte ainda viva que passou por uma dessas instituições foram
consultados também alguns prontuários de internos, mas devido ao sigilo médico -
paciente se torna mais difícil a divulgação ampliada.

2 RELAÇÃO ENTRE INSTITUIÇOES PSIQUIATRICAS E O PODER PÚBLICO

Foi levado em consideração, neste estudo, as formas de tratamento


atribuídas aos ditos loucos dentro dos hospícios, a forma em que os internos se
encontravam, como o Estado compactuava para que nada fosse modificado nessa

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estrutura. Uma questão que outrora se enquadrava como social, passa a ter um
status médico, o louco é antes de tudo aquela pessoa que foge aos padrões da
sociedade e que não se enquadra no capitalismo, ou por não ser produtiva, ou por
ameaçar politicamente o sistema, aí reside o aumento significativo no número de
hospícios em 1964. O Estado sempre esteve lado a lado com a psiquiatria, as
instituições psiquiátricas sempre foram mais um instrumento estatal de repressão,
com o regime militar, esta relação se intensificou, pois os militares tinham a
justificativa sob o ponto de vista médico para trancafiarem pessoas indesejadas a
manutenção da ordem do sistema em hospícios, passa-se a não ter um critério para
a internação dos pacientes, muitos são presos políticos, enquanto o mundo assiste a
chamada reforma psiquiátrica, o governo faz um discurso positivo em relação a
extinção de métodos agressivos, a diminuição de internações e ampliação de
ambulatórios psiquiátricos, com o objetivo de prevenção da doença mental, mas na
prática não é isso que acontece, o Estado passa a perceber os hospitais
psiquiátricos como fonte de lucro, e as internações passam a ser cada vez mais
freqüentes , para se ter noção da amplitude da coisa, eram os militares quem
internavam pessoas em hospícios e não os médicos propriamente ditos.
Militares fizeram valer ainda mais o decreto nº 24.559, de 03 de Julho de
1934 que dispunha o seguinte:

“Art. 9° Sempre que, por qualquer motivo, for inconveniente a conservação do psicopata [doente
mental] em domicílio, será o mesmo removido para estabelecimento psiquiátrico.

Art. 10° O psicopata ou indivíduo suspeito que atentar contra a própria vida ou de

outrem, perturbar ou ofender a moral pública, deverá ser recolhido a estabelecimento psiquiátrico
para observação ou tratamento.

Art. 11° A internação de psicopatas, toxicômanos e intoxicados habituais em estabelecimentos


psiquiátricos, públicos ou particulares, será feita:

a) por ordem judicial ou requisição de autoridade policial;

b) a pedido do próprio paciente ou por solicitação do cônjuge, pai ou filho ou parente até quarto grau,
inclusive, e, na sua falta, pelo curador, tutor, diretor de hospital civil ou militar, diretor ou presidente de
qualquer sociedade de assistência social, leiga ou religiosa, chefe de dispensário psiquiátrico ou
ainda por alguns interessados, declarando a natureza de suas relações com o doente e as razoes
que determinantes da sua solicitação.”

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No artigo 11, letra a, podemos perceber claramente que a polícia tinha total
poder para internar pacientes, pacientes que por vezes passavam anos sem
consulta médica, uns morriam na instituição, segundo prontuários das próprias
instituições como por exemplo Pinel, Pedro II, dentre outros, nos quais contem a
data de cada consulta ( ou falta de data de consulta, informando que o paciente
ainda não havia passado por avaliação profissional) e também as medicações
prescritas. Hospícios eram lugares excludentes, que na verdade não tinham a
mínima intenção de curar ninguém, tinham como objetivos, somente tirar pessoas
indesejadas do convívio social, ou seja, o que deveria ser um problema médico, era
regulamentado pelo Estado que passou a considerar a loucura uma questão de
segurança pública, não havia profissionais qualificados para atender a demanda de
internos, como passou a ser tratada como questão de segurança, a loucura passou
a ser banalizada em seu teor médico e o número de pessoas internadas por neurose
cresceu absurdamente, alcoolismo, toxicomania, tudo isso era considerado plausível
de internação psiquiátrica . Pessoas diagnosticadas doentes mentais perdiam sua
cidadania, perdiam todos os direitos, dentre eles o de liberdade, ficavam cercadas
por muros dos hospícios, sendo tratadas como animais, de forma a acabar com toda
a dignidade que lhes restava e não tinham a quem recorrer uma vez que eram
órgãos estatais que regulamentavam tudo a cerca das internações, era na verdade
uma luta Estado x população ( população esta que de alguma forma viesse a
representar qualquer risco ao lucro capitalista, a forma de produção e a ideologia
vigente), foi a forma que o Estado encontrou para trancafiar pessoas que não
chegaram a cometer alguma infração, mas que não lhes agradava por determinadas
atitudes.
Os hospícios já eram viáveis aos militares desde o início de seu mandato,
pois como instituições repressoras, eram bastante eficientes e tinham o respaldo
médico, mas conforme a prática asilar foi aumentando a perspectiva de lucro foi
sendo cada vez mais almejada, transformando a loucura em uma espécie de
indústria, podemos afirmar hoje que tivemos a “Indústria da Loucura Brasileira”, o
interno só tinha a certeza de entrada no hospício, mas não tinha certeza de sua
saída, a respeito disso, o sociólogo Nelson Garcia afirma em seu livro Do hospício à
comunidade: Políticas publicas de saúde mental que a prisão tem perspectivas

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melhores que o hospício, pois o preso sabe que está lá para cumprir pena e que
será solto após um determinado tempo e no hospício não havia esse conhecimento.

Almeja-se com esse trabalho de pesquisa desconstruir a idéia sobre loucura


que ainda permeia a sociedade atual, até mesmo pelo fato de loucura ser um
conceito mutável, é um conceito de cunho social que passa por constantes
alterações de acordo com o momento em que a sociedade se encontra. Entretanto,
acima de tudo, deseja-se com esse artigo explorar um pouco mais um ângulo do
governo ditatorial, que até hoje é pouco pesquisado, mostrando os abusos que eram
cometidos por militares em instituições que teoricamente deveriam estar fora da
alçada governamental.:
As transformações sociais pelas quais os hospícios passaram que permitiram
que relações de poder fossem estabelecidas de forma tão rigorosa no meio médico
e a forma como os militares se aproveitaram disso. Até que ponto iam as premissas
médicas e qual era a base sobre a qual o Estado se respaldava para interferir em
assuntos de saúde mental? Qual era o tratamento dado aos pacientes dos
hospícios? O real tratamento e não aquele que era amplamente divulgado, as
formas de tortura, as razões que levaram a tanta violência.
Acerca disso colocamos em estudo duas hipóteses a serem discutidas:

1. O governo militar se aproveitou da situação ditatorial e no auge de seu


poder, de forma absolutamente premeditada, se alia ao segmento médico
psiquiátrico como forma de auto-afirmar sua posição de repressão a
todos aqueles que desqualificassem a ordem social almejada pelos
militares, tendo sido interventor direto na forma como os internos eram
tratados em instituições psiquiátricas.
2. Conforme os hospitais psiquiátricos iam se expandindo (de forma
independente do Estado), o governo militar percebeu que poderia tirar
proveito dessa situação, mas não atuou de forma direta no
funcionamento dessas instituições, era somente responsável por
encaminhar algumas das pessoas que não se encaixavam em seu
modelo social, mas sem nenhuma atuação ao que tange a forma de
tratamento.

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2 ANÁLISE DO DISCURSO E DA PRÁTICA DOS HOSPÍCIOS

É impressionante como a forma de pensar e agir se aproxima com o discurso


aplicado aos doentes mentais, similar a prisão por seu caráter de reclusão e
aproximandose ao sistema das fábricas ao que tange o processo produtivo, pois
aqueles que não geravam lucro, que não movimentavam a economia não eram
considerados normais, ou seja, poderiam ser internados sem data prévia de saída,
essa saída se daria quando recuperassem o elo com a comunidade, que na verdade
queria dizer que voltariam quando pudessem novamente gerar lucro ao sistema,
mas de que forma se daria isso se tudo o que se faz nos hospícios é justamente o
contrário? Ana Bursztyn-Miranda foi uma dessas pessoas encarceradas como presa
política, em entrevista para o veículo de mídia TV 247 através do Youtube
( MIRANDA, Ana, Lugar de escuta – O primeiro torturador condenado no Brasil e os
presos políticos em manicômios) ela relata parte dos horrores vividos, corroborando
os relatos contidos nesse artigo, nos servindo como valiosa fonte oral, segundo Ana
a tática era a desumanização e a tortura da pessoa, fazendo com que por vezes a
pessoa passasse a questionar sua própria sanidade Cada vez mais a pessoa
interna se afasta do mundo real, em outras palavras: A teoria em nada tem a ver
com a prática, pois muitas pessoas jamais chegaram a sair dos hospícios. A relação
entre prisões e hospícios no que diz respeito a forma de tratamento do interno era
praticamente a mesma: Correntes, péssimas condições de vida e ainda havia o
agravante do eletrochoques no caso dos doentes mentais, tudo isso respaldado em
um discurso médico que prometia a cura, cura de doenças muitas vezes inventadas
pela própria psiquiatria para explicar qualquer comportamento social que não se
encaixasse nos padrões aceitáveis pelo Estado, mas o tema da loucura em si, é
tratado com maior profundidade em outra obra sua intitulada: História da loucura
( Michel de FOUCAULT), onde se aborda todo o lado social do que se convencionou
chamar de distúrbio mental, nessa obra Foucault volta a antiguidade, resgatando a
relação entre a loucura atual e a daquela época, pois na antiguidade referia-se muito
as maus dos loucos, que eram embarcações marítimas que levavam pessoas
socialmente não enquadradas no sistema ao seu “mundo particular”, tarefa atribuída
no mundo contemporâneo aos hospícios, pois ao carregar os loucos, as naus os

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tiravam do convívio social, exatamente como nos hospícios, onde parece que o
mundo externo morreu, tudo está acabado, só o que existe para o interno é aquela
instituição, onde o indivíduo para recuperar sua cidadania tem que ser um fantoche,
completamente manipulado pelo sistema e deixar de mão toda sua vida antes de
entrar no hospício, para se agarrar a uma nova vida, uma vida perfeitamente
capitalista, mas acima de tudo, o interno precisa antes de mais nada sobreviver aos
maus tratos, as torturas praticadas, sob alegação de expulsar a doença mental do
corpo. Além de correntes e eletrochoques, já descritos anteriormente como práticas
comuns, o uso de drogas e entorpecentes também, era bastante difundido nesse
meio. Pelo fato de Foucault ter sido um importante teórico que estudou as mais
diversas relações de poder, usarei aqui mais uma de suas obras, Microfisica do
Poder, na qual o autor descreve a relação entre medicina e capitalismo como bio-
politica, ou seja, o Estado tentando manipular a população através do corpo, é desse
pressuposto que parte a necessidade de transformar a “loucura” em algo patológico,
para que possa ter um respaldo médico , que mostra a medicina, que a seu princípio
deveria manter a saúde do ser humano, trazendo para si um assunto de cunho
social, ou seja, a medicina sucumbindo ao Estado e se tornando mais um de seus
objetos de poder, o conhecimento médico passa a ser regulamentado pelo Estado,
ao que cabe em minha pesquisa, é possível dizer que especialmente a psiquiatria se
transformou no principal ramo médico a exercer poder político sobre a população,
pois tinha como privar indivíduos de sua liberdade, tinha como arrancar-lhes a
cidadania. A obra mostra também como o simples fato de designar que uma pessoa
possui um distúrbio mental já é uma forma de poder, já que esta determinação se dá
através da constatação do que seria denominado “ fato notório” , isto é, reconhecido
por todos, que nos trás novamente a saúde mental como um 4º problema social, se
pararmos para analisar, veremos que o conceito de loucura ( denominado no mundo
contemporâneo como doença ou distúrbio mental, que era uma forma de validar o
teor médico a cerca dos desvios comportamentais), foi transformado ao longo do
tempo, Podendo ser tomado como um conceito social, uma vez que é alterado de
acordo com o momento pelo qual a sociedade passa no tempo. O enclausuramento
de pessoas varia de acordo com o que a sociedade aceita como normal, como
sociável, com isso durante a ditadura militar brasileira, os principais trancafiados
eram: Comunistas, opositores políticos de forma geral, e, alcoólatras, dependentes

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químicos e qualquer outra classe que ameaçasse o Estado ou pudesse sugerir que
a ordem não era cumprida, é nesse foco que se embasa Nelson Garcia em sua
obra: Do Hospício a Comunidade: Políticas públicas de saúde mental aborda
psiquiatria de uma forma geral com um direcionamento especifico justamente ao
período que nos interessa mais para esta pesquisa, a ditadura militar, colocando o
golpe de 64 como divisor de águas para a ampliação de hospitais psiquiátricos no
Brasil, em todo mundo corria na década de 60 a reforma psiquiátrica, que era a favor
da diminuição no número de internações, alegava aquilo que todos já perceberam a
tempos, mas que o Estado se recusava aceitar, que o hospício não cura ninguém,
com todo o alarde feito pela imprensa mundial, os militares não tiveram como negar
as teorias, mas ao mesmo tempo, não queriam abrir mão deste poderoso
instrumento de repressão, a solução achada foi simples: teoricamente eles
apoiavam a tese de diminuição dos leitos psiquiátricos, do aumento do que se
chama psiquiatria preventiva, mas tudo isso não passou de um mero discurso, pois o
número de internações só aumentava cada vez mais, o número de doenças mentais
que passaram a existir também aumentava cada vez mais, o questionário que se
fazia para averiguar se uma pessoa era louca ou não era absurdo, completamente
fora de nexo e que faziam com que qualquer pessoa pudesse ter um motivo para ser
internado, coloca as internações e a psiquiatria de uma forma geral como uma
representação entre luta de classes, exatamente como no discurso marxista, seria
uma luta entre uma classe que se rebela ( classe dos loucos, que em um discurso
médico que justifique sua internação passam a ser chamados de doentes mentais,
ou portadores de distúrbios mentais) e o Estado, Analisa todo o processo pelo qual a
regulamentação da psiquiatria passa até chegar ao ponto que chegou, com amplos
poderes e apoiada incisivamente pelo Estado, nesta obra, o autor diz que: “ Estado e
psiquiatria estão um para o outro assim como Estado está para o capitalismo, onde
um não sobrevive sem o outro”, isto quer dizer que a psiquiatria é um aparelho
repressor que tem a finalidade de transformar e criar um novo pensamento, uma
nova ideologia. Com um número crescente de internos, houve obviamente um
problema de fator econômico, a crise se estendera aos hospícios, aumentando a
pressão para que os militares cedessem e optassem pela desospitalização
psiquiátrica, o que não aconteceu, pois não poderiam abrir mão de seu mais
poderoso e camuflado ( talvez tão poderoso justamente por estar camuflado) objeto

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de poder, com essa crise, cada vez mais e mais o Estado intervinha em questões de
saúde metal, o que levou com que fosse criada uma espécie de indústria da loucura,
pois hospícios particulares passaram a funcionar também e apesar de terem
incentivo governamental, abrigavam grande parte dos internos e movimentavam a
economia, era tudo o que os militares precisavam, tinham agora a faca e o queijo
nas mãos, o fator político e o econômico para manter os hospícios funcionando a
todo vapor. Como podemos ver, é todo um jogo onde pessoas são manipuladas,
onde interesses políticos são escondidos por prontuários médicos. Uma outra obra
que nos mostra a loucura como construção social é Elogio da Loucura, de Erasmo
de Rotterdam, obra onde a loucura é o 5 tema central, é a própria loucura quem fala,
nos apresenta todos os seus lados todas as suas facetas, as formas como o
individuo pode ser caracterizado como louco, ou melhor a forma como todos os
indivíduos podem ser caracterizados como loucos dependendo do prisma pelo qual
se olha, dependendo do observador, pois a loucura está em toda a parte, está em
tudo aquilo que fazemos, porém se determinada ação vai ser considerada loucura
ou não, depende do julgamento de sua época, a loucura é como o historiador, é filha
de seu tempo, a diferença é que ao invés de interrogar como acontece com o
historiador, a loucura pe interrogada, mas suas respostas dependem de todo o
contexto de sua época, não são problemas atuais que levantam questionamentos
aos historiadores? O historiador pesquisa de acordo com sua visão de mundo atual,
assim também o é feito com a loucura e os problemas atuais da loucura durante a
ditadura militar estavam na preocupação da manutenção da ordem e do poder dos
militares ( pelo menos ao ponto de vista do Estado), então a loucura começa a ser
questionada e as respostas estão sempre dentro da problemática atual, ou seja,
assim como a fonte, a loucura responde atendendo as expectativas de quem a
questiona. Isso fez com que militares se aproveitassem cada vez mais da situação,
transformando em um verdadeiro caos a vida dos internos e toda a estrutura social
fora dos hospícios também, pois termina afetando a quem está do lado de fora,
parentes, amigos, tem também os que sobreviveram a saíram do internato, que
passam a ter um convívio social, para onde trazem seqüelas daquilo o que viveram
dentro dessas instituições.

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3 INSTITUIÇÕES QUE TIVERAM NOTORIEDADE E SEUS PRINCIPAIS
PROBLEMAS

Tivemos várias instituições com problemas graves, dentre elas podemos citar
algumas que são amplamente conhecidas, como por exemplo a Colônia em Minas
Gerais, que foi fielmente retratada na obra de Daniela Arbex: “ O Holocausto
Brasileiro” ( ARBEX, Daniela – ano de lançamento: 2016)), que teve inclusive uma
adaptação para o cinema – é uma excelente obra para que possamos traduzir os
estudos com o visual, a iconografia chega a nos assustar, as condições deploráveis,
as mortes ocorridas dentro do hospital, o descaso dos profissionais da saúde que
deveriam ser assistencialistas, mas viviam sob a égide ditatorial que lhes conferia
poder. No Rio de Janeiro tivemos o hospital Nise da Silveira, que também se tornou
um filme, um filme de luta de uma psiquiatra a frente de seu tempo, o filme mostra
todos os percalços que Nise enfrentou justamente por tentar prover um atendimento
mais humanizado, Nise foi exceção dentro do sistema, foi uma voz que tentaram
silenciar, mas não conseguiram. Também temos outro grande exemplo através do
filme: O Bicho de 7 cabeças ( PENNA, Sérgio – ano de lançamento: 2000), que nos
mostra vários lados da barbárie que era instaurada, da forma como as pessoas eram
totalmente desacreditadas, como eram apagadas do mundo em todas as suas
formas. As pessoas que conseguiram sair dessas instituições com vida, viveram
e/ou vivem suas vidas inteiras com sequelas, muitas não conseguem mais falar, pois
desenvolveram problemas cognitivos, outras tem traumas eternos. A tortura era
institucionalizada e não havia qualquer tipo de fiscalização.
Segundo a revista Rádice de psicologia, número 5 ano 2 - 1978, entrevistados
relataram uma comunidade em torno da loucura, uma formação social dentro dos
limites do hospício que não era formada por profissionais da área de saúde, casas
no terreno de hospitais psiquiátricos com pessoas “ aleatórias” vivendo lá, não se
tem registro oficial sobre quem eram essas pessoas, a revista somente conseguiu
apurar que de fato havia essa formação. Qual era o intuito disso? Por que havia
mais gente que o necessário? A revista também conseguiu apurar que receitas
falsas eram emitidas, essa apuração foi realizada através de checagem por exemplo
de pacientes que já estavam mortos quando as receitas foram emitidas ou receitas
com doses humanamente não suportáveis pelo corpo, que teriam levado a morte

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instantânea do paciente em caso de aplicação, mostrando de forma bem objetiva
que o intuito não era de cura dos internos.

4 CONCLUSÃO

Podemos inferir que o governo se aproveitou de forma pre-meditada, pois


havia legislação prévia que os permitia realizar os trancafiamentos de alienados,
uma vez que não havia tratamento na maioria dos casos, o que havia era o
contrário: descaso total, temos como exemplo varias imagens degradantes de
internos em meio as fezes, a vômitos em condições completamente desumanas,
com sua integridade física e emocional absolutamente comprometidas. Instituições
que deveriam zelar pela saúde mental e se responsabilizar por seus internos
terminaram servindo ao “apagamento” humano, ao processo de roubar aos poucos a
identidade até que a pessoa não aguentasse e se tornasse de fato insana.
Foi um período demasiadamente tenebroso na história do país que não
podemos deixar que retorne de forma alguma, precisamos expor as deficiências que
ainda existem na saúde mental, o despreparo que ainda se encontra nas instituições
psiquiátricas. Houve avanços significativos, o citado hospital Nise da Silveira foi
recentemente desativado, ainda temos uma luta global contra os muros dos
hospícios, contra internações, todavia ainda vemos atualmente uma parcela de
setores conservadores indo contra esses avanços. A quem serve essa contramão?
Hoje, mais que nunca se faz necessário relembrar o passado como forma de
memorar, para que não caiamos no mesmo abismo.

5 CONCEITOS

Ideologia: Conjunto de pensamentos que definem modos de se agir política e


socialmente de acordo com princípios adquiridos entre seu meio de convívio. Forma
como o indivíduo encara questões problemáticas dentro da sociedade e do regime
político vigente, forma de se encarar o mundo em si, pensamento rodeado de ações
que nos levam a buscar algo no qual acreditamos, sem contudo sermos
compreendidos muitas vezes, o que no caso supracitado levou muitas pessoas a

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serem taxadas de loucas e conseqüentemente internadas em hospícios como um
perigo social, uma aberração a ser escondida do mundo externo. Em geral
ideologias são criadas por uma classe dominante, que impõe sua maneira de pensar
aos demais na tentativa de continuar sendo o topo da pirâmide de poder, mas
ideologias também nascem da vontade de libertação dessas mesmas ideologias que
as tentam dominar, indivíduos reprimidos tendem a desenvolver pensamentos
( ideologias) sobre uma nova forma de vida, são das ideologias que surgem as
revoltas, as repressões, então pode-se dizer que ideologia é a parte teórica de todas
as ações sócio-políticas. Cidadania: conjunto de deveres e obrigações dos
indivíduos perante a sociedade, ato dos indivíduos exercerem seus atributos de
cidadãos, atributos de cidadão implica no individuo ter suas individualidade
respeitadas, ter sua liberdade tanto corpórea quanto de expressão também
respeitadas. Cidadania é se ter o direito de viver dignamente, de forma que
possamos nos considerar cidadãos da nação, pessoas respeitáveis e respeitadas,
pois nos dias atuais cidadão não é somente aquele que possui alguns privilégios,
todos os indivíduos são cidadãos, pois são iguais, detendo portanto o direito de
exercerem sua funções de cidadão, que inclui não só deveres, como também
direitos, que no caso dos hospícios foram suprimidos de forma grotesca. Loucura:
Todo o comportamento que foge aos padrões da sociedade é denominado por via
de regra loucura, se vemos uma pessoa qualquer na rua que nos chame um pouco
mais a atenção, a caracterizamos como louca, porém, uma loucura mais branda,
que seria uma loucura social, possível de ser tolerada entre os ditos normais, mas
em épocas como a da ditadura, contrariar o Estado era tido como uma loucura
impossível de ser controlada de forma sutil, sendo necessária intervenção médica e
drogas para tirar da cabeça do individuo a idéia “ absurda” de que o regime político
adotado pelo Estado não era satisfatório. 9 Eugenia: Conceito de que o ser humano
pode ser melhorado geneticamente. Em termos de psicanálise, afirma-se que o ser
humano deve ser melhorado por meio de tratamentos ( atualmente terapias), em
tempos ditatoriais, o tratamento deveria ser realizado com internações, pois
considerava o individuo inferior aos demais, e relação a sua capacidade mental, algo
parecido com isso era o conceito de eugenia utilizado durante a Segunda Guerra
Mundial, onde alemães acreditavam que alguns povos como judeus e ciganos eram
inferiores e defendiam a melhora do ser humano através da purificação da raça

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ariana, fazendo uma analogia, podemos inferir que a diferença entre a forma como a
eugenia era tratada na Segunda Guerra em relação a esse conceito tratado na
ditadura com a loucura está no simples fato de que a morte era encarada de forma
diferente, pois nos hospícios muitos esperavam a morte e em ambos os casos
acreditava-se que as causas da inferioridade fosse biológica, a loucura era uma
doença e ponto.

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Tundis, Silvério Almeida e Costa, Nilson Rosário, orgs., Cidadania e loucura:
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16
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Dalgalarrondo, Paulo. Civilização e loucura: uma introdução à história da
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Delgado, Pedro Gabriel Godinho. As razões da tutela - psiquiatria, justiça e
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