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LITURGIA E CULTO cessário, retomou a crítica cessitado entre elas (4.

34),
Fundamentos bíblicos, históricos, feita por profetas. Foi e estava amparada no cul-
teológicos, antropológicos opositor severo ao constatar to. E isso foi um dos princi-
que um dos lugares separa- pais motivos do ódio que os
Concepção dos (consagrados) para o líderes do Império Romano
culto tinha sido transforma- cultivaram contra os cris-
A história entre Deus e Traços bastante expres- do em covil de ladrões que tãos de Jerusalém.
as pessoas carrega em suas sivos desse culto estão no se apoiavam no aparato re- Tomando as pessoas na
entranhas a experiência do primeiro livro da Bíblia, ligioso (Mt 21.13). Esse cul- sua integralidade (de forma
culto. Culto é aqui conce- envolvendo o grupo de to, que reúne pessoas na holística), o culto as congre-
bido como encontro que Noé (Gn 8-9). Diz essa con- presença de Deus – como ga e reúne na presença de
congrega Deus e um gru- fissão bíblica que, ao sair foi com a família de Noé –, Deus. O culto é uma para-
po de pessoas, bem como da arca, a família de Noé não só recebeu o aval de da estratégica necessária
estas entre si. O sujeito do ergueu um altar e sobre ele Jesus (Mt 18.20), como tam- ao longo de uma jornada.
culto é Deus. Deus vem ao ofereceu sacrifícios. Cele- bém foi ordenado por ele Reúne pessoas na presença
encontro da comunidade brou culto (8.20). Essas pes- (1Co 11.24-25). de Deus e faz delas uma
(Mt 18.20), e Deus de fato soas reconheceram a pre- Atos dos Apóstolos 2.42 comunidade. E, a partir do
ordena que o culto aconte- sença de Deus em sua his- traduz a intensa vida em exemplo de Noé, o culto é
ça (1Co 11.24-25: “fazei tória. Adoraram esse Deus. comunhão das primeiras realizado num contexto pre-
isto”). O encontro é ação de Ouviram sua vontade. Fo- comunidades cristãs, ampa- sente (após a saída da arca),
Deus. As pessoas reagem e ram abençoadas e viveram rada na doutrina dos após- em vista de acontecimentos
aceitam o convite de Deus. orientadas por ele. tolos, na oração, na partilha passados (o dilúvio), numa
Nesse encontro, elas ou- Esse culto – encontro de de bens e numa refeição perspectiva futura (o reco-
vem sua vontade (Palavra Deus com pessoas, realiza- (em cujo centro estava a meço após a destruição).
de Deus), comungam na do num contexto determi- Ceia do Senhor – não mais No culto, a comunidade
sua mesa (Ceia do Senhor) nado, embebido na vida como sacrifício de encontra-se com Deus. Essa
e realizam comunhão en- cotidiana – é um dos traços propiciação oferecido a realidade é sinal da ação
tre si. A Deus dirigem ora- que identificou o povo de Deus, mas como recepção primeira de Deus. Ele vem
ção, adoração, louvor, evi- Deus. E toda vez que o cul- do sacrifício de Jesus em fa- e cria comunidade. A comu-
denciam sua disposição de to foi deturpado, sofreu crí- vor do mundo). Diariamen- nidade reage. Neste senti-
assumir o compromisso da ticas, e críticas severas (Jr te (v. 46) essas pessoas se do, a atitude de Noé de cons-
fé, e saem do culto para tes- 7.1-11; Am 5.21-22). reuniam. Sua forma de or- truir um altar resultou da sua
temunhar a fé e para servir No seu tempo, Jesus co- ganização comunitária pro- fé. A Bíblia o apresenta
ao Senhor no contexto em nheceu esse culto. Celebrou movia a inclusão, ao ponto como pessoa temente a
que estão inseridas. com sua gente. Quando ne- de não haver nenhum ne- Deus (Gn 6.22). Sua pronti-

I.19 I.20
dão para o culto estava an- certo jeito, numa certa se- o culto, ela se reconhece local e hora marcados,
corada no reconhecimento qüência. como corpo de Cristo, cria- acontece de uma certa for-
de que Deus o guardara até A vida cristã é uma atitu- do pelo Espírito Santo, con- ma, com determinados re-
ali, juntamente com todos os de constante de culto, no sagrado para ser sal e luz cursos, segundo uma
seres vivos na arca. A ado- sentido de que as pessoas no mundo. E esse culto, em liturgia.
ração de Noé representou cristãs sempre seguem a
uma reação à ação primei- voz de Deus e dialogam Um legado histórico comum
ra de Deus. O culto, nesse com ele para atuarem no
sentido, foi a resposta da fa- mundo. O apóstolo Paulo Noé ergueu um altar. do seu sacrifício remidor.
mília de Noé de que Deus traduziu isto ao falar do “cul- Outros consagraram novos Após a ascensão de Jesus,
a guiara e salvara. to racional” (Rm 12.1-2), lugares e utensílios destina- os grupos de pessoas bati-
Num segundo sentido, isto é, o culto cotidiano, da dos aos cultos (Nm 7.1). Pes- zadas em nome do trino
como reação, o culto tra- vida. Ao mesmo tempo, esse soas foram consagradas Deus – as comunidades
duz uma ação coletiva. E culto diário, de cada indiví- para presidir os cultos (Nm cristãs - se reuniam regular-
isto traz conseqüências duo (que também pode ser 8.5-26). Os descendentes mente para ouvir a Palavra,
para quem organiza o cul- articulado de forma grupal), dos escravos saídos do Egi- para orar, para reconciliar-
to. Dando asas à imagina- não substitui a necessidade to festejavam essa memória se, para fazer a refeição em
ção, podemos, com base do culto que congrega pes- anualmente, contando, can- memória de Jesus (a Ceia do
no texto, enxergar a famí- soas num local e horário tando, ceando (Dt 6.20-25; Senhor), recebendo nela os
lia de Noé preparando o específicos, para ali ouvi- 16.3. Êx 12.25-27). No tem- benefícios do seu sacrifício
lugar litúrgico (sinalizado rem, experimentarem, ado- po de Jesus, o culto nas si- na cruz, para fortalecer a vi-
pelo altar construído), car- rarem, louvarem, orarem de nagogas congregava gente da em comunhão, para su-
regando a madeira para o determinado jeito, com o que lia e ouvia a palavra de perar as desigualdades e
fogo, carneando os animais auxílio de determinados re- Deus, orava, em nome dele, construir a justiça pela parti-
para o sacrifício, reunida cursos. Assim, no todo da intercedendo pelo mundo, e lha de bens, testemunhando
em círculo para adorar o vida, no culto diário e cons- pedia sua bênção. O pró- publicamente a vontade de
Senhor, cantando hinos, tante, destaca-se o culto prio Jesus celebrou. Duran- Deus revelada em Cristo.
tendo, todos, a oportunida- que congrega pessoas e faz te uma refeição, dando no- Essa convivência estava
de de expressar sua grati- delas uma comunidade. No vo significado aos elemen- ancorada em intensiva e
dão e suas preces. Noutras caso do cristianismo, é ali, tos de um rito antigo, que regular prática de celebra-
palavras, essa reação re- no culto, que a comunida- implicavam o uso do pão, ções, nas quais se fazia uso
sultou numa liturgia, um de se fortalece na Palavra e do fruto da videira, de ges- de elementos litúrgicos que
conjunto de atos, palavras na Ceia do Senhor. Ali ela tos e símbolos, ordenou que remontam às raízes da his-
e formas, carregados de sig- festeja a presença do Res- seus adeptos se reunissem tória do povo hebreu, ainda
nificado, expressos de um suscitado. Congregada para para celebrar em memória que interpretados à luz do

I.21 I.22
evento pascal. Às vezes da mesa, a Oração eucarís- ção eucarística, Fração, Co- “consagrado” pela igreja co-
desvirtuados, outras vezes tica e a Comunhão. munhão. mo recurso comum para ce-
utilizados para fins questio- Segundo G. Dix1 , liturgis- Em diferentes lugares e lebrar. Antes da sua divisão
náveis, esses elementos cu- ta inglês, a Ceia do Senhor, momentos, outros gestos, (1054), a igreja cristã cele-
nharam a liturgia cristã. instituída por Jesus, passou a atos, símbolos e textos foram brou com base nesse ordo por
Deixaram nela suas marcas ser celebrada, já pela pri- agregados àqueles dois nú- 1.000 anos! Depois, ainda
indeléveis e acabaram meira geração cristã, de cleos e àquelas quatro que divididas em igrejas, as
agregados em dois núcleos. acordo com um “esquema ações. Um deles é a recon- famílias confessionais encon-
Fontes bíblicas (como de quatro ações”. E essas ciliação, através do Gesto tram nesse ordo um ponto de
1Co 11.17-34 e At 2.42-47) quatro ações se desenvolve- da paz (Mt 5.23-24; Tg 5.16). encontro. Um sinal evidente
e documentos dos três pri- ram a partir das ações cen- Noutros momentos históri- disso está no fato de que ele
meiros séculos d. C. (como trais praticadas por Jesus na cos, elementos litúrgicos fo- serviu como meio para cele-
a Didaqué, a Apologia de instituição da Ceia. Lá, ele ram retirados. Outras vezes, brar um dos momentos mar-
Justino, a Tradição Apostóli- tomou o pão e o cálice, agra- novas interpretações foram cantes da caminhada ecu-
ca de Hipólito de Roma) deceu sobre eles, partiu o adicionadas a elementos mênica da história recente.
atestam que, desde as ori- pão e os deu (pão e cálice) desses dois núcleos. Tudo Ajudou a expressar um pon-
gens do culto cristão, esses aos que estavam à mesa. isso representou ganhos e to de convergência central de
dois núcleos litúrgicos são o Conforme o autor, o ato de perdas. E assim surgiu a um grupo de igrejas históricas
da Palavra e o da Ceia do tomar originou o Ofertório. liturgia, o ordo, um conjun- ocidentais. Isto sucedeu em
Senhor (ou Eucaristia). O pri- Seu ato de dar graças (práti- to de elementos e formas 1982, no encerramento da
meiro, proveniente do culto ca central da tradição judai- usados para realizar o en- reunião da Comissão de Fé e
judaico, passou a ser a ca: a ação de graças) deu ori- contro entre Deus e a comu- Constituição, do Conselho
Liturgia da Palavra. Compre- gem à Oração eucarística. nidade. E é a partir desse Mundial de Igrejas, em Lima,
endia trechos lidos (narrados) Seu gesto de partir o pão deu processo que se constituí- Peru. Nessa ocasião, acordos
da palavra de Deus (Leitu- origem à Fração. Finalmen- ram as grandes famílias litúr- ecumênicos sobre Batismo,
ras bíblicas), a Pregação e a te, do ato de dar o pão e o gicas, que mantêm os nú- Eucaristia e Ministério2 foram
oração de intercessão (Ora- cálice desenvolveu-se a cleos básicos comuns. selados com uma celebra-
ção geral da Igreja). O se- Comunhão. Ainda segundo Assim como Noé consa- ção. Dali surgiu a chamada
gundo, e que pode ser con- Dix, em todo o mundo cris- grou lugar e objetos para o Liturgia de Lima3 . Ela teve
siderado como marca genu- tão dos primeiros séculos, a culto, pode-se afirmar que o por base o ordo litúrgico que
inamente cristã do culto, é a Liturgia da Ceia do Senhor ordo do culto cristão acabou a história legou.
Liturgia da Ceia do Senhor, era celebrada nesta forma e
2
que compreendia o Preparo nesta ordem: Ofertório, Ora- CONSELHO MUNDIAL DE IGREJAS, Batismo, Eucaristia, Ministério, 2.
ed., Rio de Janeiro: Centro Ecumênico de Documentação e Informação,
1984 (Convergência da fé, 2).
3
1
G. DIX, The Shape of the Liturgy, London: A/C Block, 1945. A Liturgia de Lima encontra-se como anexo em: N. KIRST, Nossa Liturgia:
das origens até hoje, ed. rev. e atualizada, São Leopoldo: Sinodal, 2000
(Série Colméia, I).
I.23 I.24
A liturgia na IECLB: Para tratar dessa ques- bávara (no meio) e oficial
entre a tradição e a decisão conciliar tão, é útil analisar a tabela da IECLB, aprovada no
comparativa entre as litur- Concílio Geral de 2000 (à
No baú da sua história, lou o culto da maioria das gias prussiana (à esquerda), direita)7 .
as pessoas luteranas que vi- comunidades da IECLB que
eram da Alemanha ao Bra- surgiram nos estados do sul
sil, a partir de 1824, trou- do Brasil.
xeram profundas experiên- Outra é a tradição litúr-
cias de fé e de vida comu- gica que até hoje identifi-
nitária. Bíblia, hinário, livro ca o culto luterano no esta-
de orações e liturgias são do do Espírito Santo (tam-
parte destacada dos compo- bém denominada “liturgia
nentes dessa herança. capixaba”). Trata-se da li-
A partir da influência de- turgia de tradição bávara
cisiva dos pastores que para (do sul da Alemanha). Essa
cá vieram e acompanha- liturgia consta no Prontuá-
ram as comunidades4 , duas rio do Culto Evangélico-Lu-
são as principais tradições terano (1955)6 .
litúrgicas que identificam o Na medida em que a
culto das comunidades da IECLB decidiu aprovar e
IECLB: a prussiana e a adotar como sua liturgia ofi-
bávara. A prussiana (Manu- cial o ordo que a história le-
al do Culto, 19645 ) é origi- gou, surgem algumas per-
nária da determinação do guntas. O que acontece
rei da Prússia, Frederico com as liturgias prussiana
Guilherme III, no início do e bávara? Serão jogadas na
século XIX, quando uniu as lixeira da história? Têm elas
tradições reformada e alguma relação com a litur-
luterana. Essa liturgia mode- gia oficial?

4
Esses pastores trouxeram a experiência litúrgica da sua respectiva igreja,
ancorada em tradição e contexto específicos. Isto também ajuda a entender
os vários matizes litúrgicos existentes na IECLB. Confira Tear – Liturgia em
7
revista, São Leopoldo, n. 10, maio 2003. Os elementos da liturgia prussiana têm por base o esqueleto litúrgico que
5
Manual do Culto, 1ª. ed. (prov), São Leopoldo: Sinodal, 1964. está no final de Hinos do Povo de Deus (HPD I) e a prática litúrgica efetiva,
6
Prontuário do Culto Evangélico-Luterano (Handreichung für den que adotou elementos não registrados. Os elementos da liturgia bávara
Gottesdienst), 3ª. ed., Vitória: Artgraf, 1981. (“capixaba”) são extraídos do Prontuário do Culto Evangélico-Luterano.

I.25 I.26
LITURGIA DE ENTRADA Absolvição ou Absolvição Uma das formas da
Anúncio da graça Confissão de pecados
Prussiana Bávara Oficial da IECLB é com a Absolvição.
Intróito com
Chegada Chegada Chegada Gloria Patri
Sino Sino Sino Kyrie eleison Kyrie eleison
Como saudação a Como lamento pelas
Oração Oração Oração Jesus Cristo dores do mundo
preparatória preparatória preparatória
individual individual individual Gloria in excelsis Gloria in excelsis Gloria in excelsis
Como resposta da Alegria pela vinda de O louvor da
Prelúdio Prelúdio Prelúdio comunidade ao Jesus como Salvador comunidade porque
anúncio da graça Deus se faz presente
Versículo de Versículo de Versículo de na Palavra e nos
entrada entrada entrada Sacramentos

Acolhida Acolhida Acolhida Oração do dia Oração do dia Oração do dia

Cântico de Cântico de Cântico de


entrada entrada entrada Observações a partir desta comparação:
*Não há elementos novos na liturgia aprovada no
Intróito com Voto inicial8 Voto inicial Concílio.
Gloria Patri *Há, sim, elementos litúrgicos que na liturgia oficial, a
Saudação partir da pesquisa litúrgica, recebem outra função e outro
apostólica significado.
*Há pequenas alterações na seqüência dos elementos.
Oração
preparatória da
comunidade

Confissão de Confissão de A Oração


pecados pecados preparatória da
É seguida pela comunidade pode
exclamação Tem ter o caráter de
piedade de nós, confissão de
Senhor!, tradução de pecados.
Kyrie eleison

8
Voto inicial (Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.) é
sinônimo de outras expressões utilizadas para definir esse elemento da liturgia,
como: “Voto de abertura”, “Declaração Trinitária”, “Invocação”. Na liturgia
prussiana, esse voto está embutido no chamado “Intróito com Gloria Patri”.

I.27 I.28
LITURGIA DA PALAVRA Observações a partir desta comparação:
Prussiana Bávara Oficial da IECLB *O núcleo desta parte consiste de três elementos: Leituras
bíblicas, Pregação, Oração geral da Igreja.
Leituras bíblicas Leituras bíblicas Leituras bíblicas
Determinadas pelo Determinadas pelo Determinadas pelo
*A liturgia oficial procura ressaltar:
Lecionário Lecionário Lecionário a) a aclamação do Evangelho;
Distingue-se pelo b) a possibilidade de pregar a Palavra de múltiplas formas;
resgate do Salmo, c) a distinção entre Avisos gerais (como parte da Liturgia
após o texto do AT de Saída) e Comunicações sobre assuntos que serão in-
Cânticos Cânticos cluídos na Oração geral da Igreja;
Cânticos d) a Confissão de fé como resposta à Palavra;
intermediários intermediários intermediários
Com destaque para a e) que a Oração geral da Igreja pode ter muitas formas e
Confissão de fé Confissão de fé aclamação do que é essencial a participação ativa da comunidade;
Evangelho f) que as Ofertas são parte do Ofertório, na Liturgia da Ceia
do Senhor.
Hino Hino Hino 9
LITURGIA DA CEIA DO SENHOR
Pregação Pregação Pregação
Com sugestão de Prussiana Bávara Oficial da IECLB
múltiplas formas
de pregação Hino Hino Hino
Hino Hino Hino Confissão de Preparo da mesa e
pecados Ofertório
Confissão de fé Admoestação com O recolhimento das
vistas à Ceia ofertas ocorre aqui
Comunicações Comunicações Comunicações
Sobre assuntos que Oração do ofertório
precisam ser
incluídos na Oração Diálogo Diálogo Diálogo
geral da Igreja
Oração
Oração memorial Oração memorial eucarística
Oração memorial Prefácio Prefácio Prefácio
Sanctus Sanctus Sanctus
Oração geral da Oração geral da Oração geral da Palavras de Anamnese* Anamnese
Igreja Igreja Igreja Instituição Epiclese* Narrativa da
Inclui agradecimentos
Instituição
e faz uso de preces
breves, subscritas
com um refrão pela
comunidade 9
A liturgia oficial, à luz dos núcleos que compõem o ordo, pressupõe o culto
Ofertas Ofertas com a Ceia do Senhor como culto regular. A história do nosso culto centrado
Utiliza a expressão na Palavra, sem a Ceia, não pode ser negada. Urge, porém, incluir a Ceia do
ofertório Senhor nos cultos da Igreja.

I.29 I.30
Dípticos* Epiclese Palavras de Instituição uma função destacada, apartando-
Doxologia* Mementos ou as dessa oração.
(* Considerados Dípticos
facultativos) Doxologia
*O Gesto da paz não aparece na liturgia prussiana; a
Palavras de liturgia bávara o apresenta como Saudação da paz.
Instituição *Essas duas liturgias igualmente não fazem menção da Fra-
ção como elemento distinto, com sua função específica.
Pai-Nosso Pai-Nosso Pai-Nosso
LITURGIA DE SAÍDA
Saudação de paz Gesto da paz
Prussiana Bávara Oficial da IECLB
Fração
Avisos gerais
Cordeiro de Deus Cordeiro de Deus Cordeiro de Deus
Hino Hino
Comunhão Distribuição Comunhão
(Comunhão) Bênção Bênção Bênção
Hinos Hinos Hinos – Música Hino Hino
Durante a Durante a Durante a
comunhão comunhão comunhão Envio Envio
Como uma opção
Versículo final
Oração mental de Oração silenciosa
Oração Oração Oração pós- saída individual
comunhão
Poslúdio Poslúdio Poslúdio
Observações a partir desta comparação: Sino Sino Sino
*Enquanto componentes do “esquema de quatro ações”,
o Preparo da mesa e o Ofertório são parte constitutiva da Observações a partir desta comparação:
liturgia oficial. *A liturgia oficial da IECLB acentua um nexo litúrgico-
*A liturgia prussiana repete a Confissão de pecados, como teológico entre Bênção e Envio. O Envio segue-se ime-
preparação para a Ceia do Senhor. diatamente à Bênção e não há hino intercalado entre
*A liturgia prussiana mantém da Oração eucarística clás- ambos; a comunidade abençoada vai, imediatamente,
sica o Prefácio, o Sanctus e as Palavras de Instituição. sem se deter, para o culto do dia-a-dia.
*A liturgia bávara admite como possibilidade o uso de to- *A liturgia bávara e a liturgia oficial preservaram um
dos os elementos da Oração eucarística, ainda que consi- componente rico da espiritualidade cristã, em muitos
dere “facultativos” a Anamnese, a Epiclese, os Dípticos e
casos perdido: o lugar da Oração mental de saída ou
a Doxologia.
*Enquanto a Narrativa da Instituição é parte da Oração Oração silenciosa individual.
eucarística clássica, as liturgias prussiana e bávara dão às

I.31 I.32
Que ensinamentos nos oferece essa comparação? quietações diante das práti- dial (FLM) propôs reformas
cas litúrgicas vigentes. No no culto e ofereceu subsí-
Analisando as duas tradi- sido entendidos distinta- centro dessas inquietações dios para as discussões dali
ções litúrgicas, a prussiana mente por uma e outra tra- estava o propósito de “rea- decorrentes11 . Neste senti-
e a capixaba, constata-se dições. Portanto, ninguém vivar o culto”. E uma manei- do, pode-se perceber que a
que elas contêm, na sua es- “inventa” liturgia a partir do ra de traduzir isso em pala- renovação litúrgica é um
sência, os elementos cen- nada. vras era dizer que se busca- traço do rosto da grande
trais do ordo legado pela Isso, porém, não isenta a vam liturgias “diferentes” e ecumene, ainda que a ma-
história da igreja cristã, con- Igreja de revisar sua litur- “novas”. Os chamados “cul- neira de renovar faça as
firmados pela base confes- gia. A comparação indica, tos jovens” revelam a mes- igrejas caminharem por tri-
sional desta igreja. Por por exemplo – e a prática ma preocupação. lhos distintos12 .
exemplo, nelas encontram- o confirma – que as li- Hoje sabe-se que a in- No seu Concílio Geral,
se os núcleos da Palavra e turgias de tradição prus- quietação salutar com o em 1990, em Três de Maio/
da Ceia do Senhor. siana e bávara, a partir da culto das comunidades não RS, os conciliares entende-
Essa análise também per- sua própria origem, acaba- é fato isolado na IECLB. A ram que chegara a hora de
mite afirmar que a liturgia ram fazendo do culto da Igreja Católica Apostólica a IECLB oferecer às suas
sempre foi motivo de aten- Palavra o culto regular 10 . Romana lançou um projeto comunidades orientações
ção e preocupação na Igre- Ademais, percebe-se que de reforma litúrgica em mais concretas e mais cla-
ja. Por exemplo, o Manual as duas enfatizam de forma 1962, com o Concílio Vati- ras sobre o culto. E assim
do Culto (liturgia prussiana) distinta alguns elementos cano II. Igrejas luteranas de foi elaborado um (novo)
e o Prontuário do Culto da Liturgia da Ceia do Se- vários países também sen- prontuário, que, entre ou-
Evangélico-Luterano (litur- nhor. Também há concep- tiram-se desafiadas por tros recursos, continha uma
gia bávara) representam um ções divergentes acerca da questionamentos relacio- liturgia para a celebração
sinal claro de que a Igreja, interpretação de certos ele- nados ao culto e à liturgia. do culto comunitário prin-
além de dispor de recursos mentos da liturgia e há, ain- Prova disso é que em 1977, cipal, intitulada A Celebra-
litúrgicos para que as comu- da, elementos do ordo clás- em sua Assembléia Geral, ção da Eucaristia (Celebra-
nidades pudessem celebrar sico que simplesmente es- a Federação Luterana Mun- ções do Povo de Deus –
o culto em terra brasileira, tão ausentes.
ofereceu liturgias ancoradas A partir de 1970, porém,
11
no ordo legado pela histó- surgiram novas perguntas Citamos quatro textos publicados na IECLB e que são fruto dessa reflexão:
1. O culto luterano, São Leopoldo: Sinodal, 1982. 2. Eugene L. Brandt (Ed.),
ria, ainda que elementos em relação à liturgia da A liturgia entre os luteranos, São Leopoldo: Centro de Elaboração de Mate-
litúrgicos desse ordo tenham Igreja. Aumentaram as in- rial, 1985. 3. Celebrações litúrgicas, São Leopoldo: Centro de Elaboração
de Material, 1986. 4. Regin Prenter, Liturgia e teologia, São Leopoldo:
Centro de Elaboração de Material, 1988.
10 12
No Manual do Culto (liturgia prussiana) isto está bem claro. O Prontuário As Igrejas Evangélicas da Alemanha (EKU e VELKD) lançaram, no Advento
do Culto Evangélico-Luterano ainda pressupõe, ao menos na forma como de 1999, depois de mais de uma década de experimentação, seu livro de
está impresso, que o culto regular é com a Ceia do Senhor. culto: Evangelisches Gottesdienstbuch, Bielefeld/Hannover: Luther-Verlag/
Lutherisches Verlagshaus, 1999.
I.33 I.34
CPD, p. 7-21)13 . Na apre- Todas essas iniciativas, ços, confissões e culturas, de culto que abrange os
sentação desse prontuário, à luz da decisão conciliar decidiu beber nas fontes do componentes principais da
está dito que o mesmo “des- de 1990, fermentaram nas culto cristão. Por isso, o liturgia que o povo de Deus
tina-se a enriquecer e reno- comunidades. Resultaram Concílio Geral, no ano de realizou ao longo da histó-
var a liturgia em nossa vida em ensaios, experiências, 2000, aprovou a ordem de ria, que delineou a renova-
eclesial”. Partindo do pres- estudos, discussões, com culto que esteve na base ção litúrgica proposta pela
suposto de que “liturgia faz ritmos diversificados, por das reflexões e ensaios Federação Luterana Mun-
parte da identidade cristã”, caminhos diferentes, com litúrgicos ocorridos a partir dial (FLM), a partir de 1977,
que ela “não deixa de ser percalços e conquistas, en- do concílio de 1990. Trata- e que está na base da
expressão de uma teolo- volvendo número expressi- se, na verdade, da ordem Liturgia de Lima14 .
gia”, o referido prontuário vo de pessoas.
foi “levado às comunidades Ainda há questões liga- Liturgia é tarefa da comunidade
para experiência e avalia- das ao culto que estão teo-
ção” (CPD, p. 5). lógica e liturgicamente
Deus age. Ele vem e a nistério de todas as pesso-
Essa decisão conciliar abertas. Carregam marcas
comunidade reunida pode as crentes. E a IECLB advo-
de 1990 ajudou a Igreja. A teológicas e culturais espe-
confiar que ele está ali em ga o sacerdócio geral de
partir dali, muitos passos cíficas e, às vezes, diver-
seu meio. A comunidade todos os crentes. Neste sen-
realmente foram dados em gentes de uma igreja para
reage. E acontece culto. tido, convém lembrar que
termos de liturgia. Inúmeros outra. Carecem, pois, de
Como ação-resposta da co- esta Igreja, enquanto ainda
cursos de liturgia foram ofe- aprofundamento. Mesmo
munidade, o culto necessi- não dispunha de pessoas
recidos, tanto para obreiros assim, a IECLB, a partir da
ta de preparo e coordena- ordenadas, contou com o
e obreiras quanto para pes- sua história litúrgica, mas
ção. No caso da IECLB, os trabalho dedicado de mu-
soas que não são clérigos também como igreja que se
documentos normativos lheres e homens que, devi-
(as chamadas leigas). Fo- entende como parte da
atestam que Deus vocacio- damente incumbidos pela
ram elaborados materiais ecumene, herdeira, por
na pessoas, a igreja as pre- comunidade, pregaram a
didáticos sobre liturgia. conseqüência, desse lega-
para e ordena, e as comu- Palavra e administraram os
Também houve pesquisas do litúrgico comum, o ordo,
nidades as escolhem para, Sacramentos. O ministério
no campo da liturgia. que perpassa tempos, espa-
entre outras tarefas, prega- do sacerdócio geral, espe-
rem a Palavra e administra- cialmente na liturgia, revi-
13
CONSELHO DE LITURGIA da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no rem os Sacramentos. gorou-se a partir dos anos
Brasil (Coord.), Celebrações do Povo de Deus: prontuário litúrgico da Igreja
Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, ed. prov., São Leopoldo: Sinodal, Antes mesmo dos minis- 90. Desde então vem cres-
1991. “Culto comunitário principal” é uma referência ao culto dominical, ou térios específicos, há o mi- cendo o papel desempe-
semanal, o mais freqüente. Além dele há muitas outras celebrações que
reúnem a comunidade, como o culto de Batismo, as situações singulares
(ofícios: sepultamento, casamento, unção, Ceia com doentes), além das
14
Orações Diárias da Comunidade, que também aparecem em CPD. Veja acima, nota 3.

I.35 I.36
nhado no culto da comuni- a comunidade assista a ele. que vão se reunir? Serão jo- dem ser envolvidos? O gru-
dade pelas chamadas equi- A equipe coordena o culto, vens, idosas? Participarão po de jovens, por exemplo?
pes de liturgia. O alvo pro- e um de seus integrantes o crianças? Residem em área Qual será o papel do coral
posto para essas equipes é preside. Mas ela não subs- rural, na vila, no centro? O e dos músicos?
o preparo e a coordenação titui nem elimina o papel que fazem? Qual é seu grau Definida a situação es-
do culto da comunidade. As que cabe a cada pessoa de instrução? Quais são pecífica, convém encontrar
pessoas ordenadas fazem com seus dons. O culto é suas alegrias, esperanças, um símbolo ou estabelecer
parte dessa equipe. ação-resposta de toda a dores, conflitos? um gesto simbólico para ex-
Essa tarefa, realizada comunidade. A comunida- c) o lugar do culto: onde pressar o tema. Neste caso,
por pessoas preparadas e de celebra. O alvo maior de será a celebração? Como é além de ouvir o que Deus
autorizadas, a equipe de quem coordena e preside é esse lugar? Que condições diz ao seu povo, a comuni-
liturgia, não substitui o pa- o envolvimento e a partici- oferece? Permite aconche- dade poderá ver, sentir,
pel da comunidade. A equi- pação ativa e significativa go, recolhimento, movi- apalpar a palavra de Deus.
pe não faz o culto para que da comunidade. mentação das pessoas? E assim se pode moldar
d) quando será a celebra- cada liturgia, fazendo uso
O culto acontece numa situação específica ção? Em qual hora do dia? dos recursos litúrgicos de
Em que época do ano? Em que se dispõe: o ordo, com
A tarefa a ser executa- isto, a equipe precisa esta- que período do Ano Ecle- suas partes e elementos,
da pela equipe de liturgia belecer: siástico (tempo litúrgico)? constituído pelos dois nú-
contém alguns pressupos- a) o tema: a celebração e) de quanto tempo se cleos centrais, além de po-
tos. Implica conhecer o enfocará o quê? Normal- disporá para celebrar? emas, símbolos litúrgicos
ordo, a lógica das suas par- mente o tema é indicado f) quem participará do (vela, cruz, panôs, antipên-
tes com seus elementos, os pelo Evangelho, segundo o preparo e da coordenação dios), bem como objetos da
critérios – bíblicos, teológi- Lecionário15 . Também po- desse momento? Quem po- natureza (água, pedras, ga-
cos, históricos, litúrgicos, de ser que ele brote a par- derá fazer o quê? Há gru- lhos, folhas, flores, óleos
confessionais, antropológi- tir do contexto em que o pos da comunidade que po- para unção, incenso).
cos - que orientam o que é culto está inserido, daquilo
imprescindível e o que é que ali está acontecendo e Culto: apoiado num tripé, sustentado por Deus
útil para o culto cristão. que precisa ser levado em
Também implica conhecer conta. Uma das críticas diri- to é preparado na perspec-
a situação específica em b) o perfil da comunida- gidas ao “culto luterano” – tiva de “fazê-lo” com pes-
que o culto acontece. Por de: quem serão as pessoas aqui, equivale a “culto na soas “que só [assim parece
IECLB” – é a de que o mes- ser!] têm a capacidade de
mo é “muito racional”. Com ouvir e assimilar conteúdo”.
15
Lecionário é uma coleção de leituras ou seleções das Escrituras, organizadas isto, quer-se dizer que o cul- Culto “precisa ser compre-
e destinadas para a proclamação durante o culto da comunidade.

I.37 I.38
endido”. De acordo com essas pessoas têm senti- como se valoriza a capa- ação ritual (sentir). Dessa
essa lógica, “o centro do mentos. Elas têm emoções. cidade de compreensão forma, a liturgia tem maior
culto é a pregação”. Embu- São seres afetivos. Por isto, das pessoas! – os movi- força para promover modi-
tida na mesma crítica, como o culto também precisa al- mentos e os gestos que a ficações na maneira de vi-
conseqüência da primeira cançar os sentimentos da liturgia do culto possibilita ver das pessoas (implica-
afirmação, está a constata- comunidade que celebra. A e, em geral, pede. Isto é, ções éticas) e de gerar e ali-
ção de que o culto luterano liturgia do culto precisa, cada elemento da liturgia mentar sua espiritualidade.
“é frio” e “não envolve as necessariamente, provocar pode – deve – ser articula- O trino Deus, cuja ação
pessoas”. Essas “só sentam uma atitude interior nas do por meio de gestos, re- primeira, generosa, gracio-
e levantam”. pessoas. A presença de querendo o envolvimento sa criou e sustenta a comu-
Como a liturgia do Livro Deus, através do Espírito pleno da comunidade. Por nidade, está e age no culto
de Culto recebe e trabalha Santo, é experimentada, exemplo, uma coisa é dizer através do Espírito Santo.
essa crítica16 ? sentida. Eis o mistério da fé! “você é bem-vinda neste Faz com que o culto seja
Qualquer celebração Só assim é possível com- culto”. Outra coisa, bem percebido como seu servi-
traz consigo uma dimensão preender a afirmação de outra, é traduzir esse con- ço em nosso favor. Ele evo-
intelectual e cognitiva. No uma pessoa, após o culto: teúdo das boas-vindas atra- ca a resposta feita, sentida,
caso do culto, tudo que ali “Não lembro da prédica, vés de um abraço caloro- compreendida. Por isto, en-
acontece contém um sen- mas o culto foi bonito. Eu so. Liturgia, portanto, é algo quanto reação articulada
tido teológico-litúrgico. O senti a presença de Deus”. que as pessoas fazem. pela inter-relação do tripé
culto necessita da razão, Portanto, ao comunicar a Baronto resume a rela- saber, sentir, fazer, a liturgia
tanto de quem o prepara Palavra para que seja com- ção desse tripé assim: ao se do culto está sustentada na
quanto da comunidade que preendida pela comunida- executar um rito com o cor- força que não parte das pes-
o celebra. Portanto, o culto de, a liturgia sempre tem a po (fazer), pressupõe-se o soas que celebram, mas que
tem a ver com o saber de ver com a experiência do conhecimento do seu signi- lhes é dada. Para ficar na fi-
conteúdos. Daí o lugar e a sentir. ficado teológico (saber) e gura do tripé, é o próprio
função imprescindíveis da Essa experiência interi- requer-se o envolvimento Deus que une as suas par-
pregação da palavra de or será tanto maior quanto afetivo e emocional na tes e o sustenta.
Deus, por exemplo. Mas o mais expressiva for a ação
Trindade
culto não se resume a essa litúrgica de cada pessoa do
dimensão. corpo comunitário. Para
O culto é feito por pes- isto, nada precisa ser inven-
soas, por corpos vivos. E tado. Importa valorizar –
Saber Fazer
16
As ponderações que seguem têm por base o texto de Luiz E. P. Baronto, Sentir
Laboratório Litúrgico – pela inteireza do ser na vivência ritual, São Paulo:
Salesiana, 2000.

I.39 I.40
Princípios teológicos da liturgia e do culto significa que a Ceia reafir- brar a Ceia por ele ordena-
ma e concede o benefício da é manifestar alegria,
A IECLB é uma igreja de ternamente, de renovação; inteiro do sacrifício de Je- gratidão, louvor (At 2.46).
imigração. Seu nascimento na relação com a ecume- sus. E esse benefício abran- Ceia do Senhor é expres-
no Brasil se deu com a vinda ne, de aproximação –, a ge vários aspectos. Neste são de gratidão e louvor
de pessoas da Alemanha. Ela igreja observa princípios sentido, Ceia do Senhor é: (articulada por meio da
é também uma igreja herdei- teológicos que fundamen- a) presença real: Jesus dis- Oração eucarística) efusi-
ra. Herdou as tradições tam a compreensão do seu se com clareza que “isto [o vos pelo que ali é recebi-
litúrgicas da “igreja-mãe”. culto e que são parte essen- pão] é [!] meu corpo” e do, atualizado, experimen-
Mesmo assim, um dos traços cial do alicerce que susten- “este cálice é [!] a nova tado. f) ação e presença do
da IECLB é sua luta histórica ta este Livro de Culto da aliança no meu sangue” Espírito Santo: na sua Ceia
para ser igreja no Brasil. A IECLB17 . (1Co 11.24-25); b) come- com discípulos, Jesus agiu.
tradução de liturgias, o 1. A base e os critérios moração: Jesus ordenou Na Ceia da comunidade
surgimento de hinários e can- do culto luterano são solus celebrar a Ceia “em memó- cristã, o Espírito Santo age.
cioneiros, e a edição de ma- Christus, sola scriptura, sola ria de mim”. Fazê-la em Essa Ceia é do Senhor por-
nuais de culto em português gratia, sola fides (somente sua memória é atualizar, que o Espírito Santo a faz;
apontam nessa direção. Cristo, somente a Escritura, tornar presente e afirmar a g) antecipação do banque-
Seguindo essa dinâmica, somente a graça, somente eficácia de toda a obra de te messiânico: a Ceia do Se-
na busca por uma liturgia a fé). Deus em Cristo (anám- nhor antecipa a comunhão
renovada, a partir do seu 2. Na realização do cul- nesis), desde a criação até plena com Deus. Ela procla-
contexto histórico, a IECLB to, importa destacar o que o retorno de Cristo; c) co- ma a ressurreição de Jesus
optou, por decisão concili- Cristo ordenou e deixar de munhão: a Ceia cria e es- na expectativa da sua volta
ar, pelo ordo litúrgico bási- lado o que se opõe a isso. tabelece comunhão com (1Co 11.26); h) remissão de
co que a história legou. E, 3. Na Ceia do Senhor, Cristo (1Co 10.16) e, por ser pecados e reconciliação:
como foi apontado acima, Jesus está presente em, com comunhão com e em Cris- Cristo morreu por nós. Esse
esse ordo insere a IECLB e sob os elementos do pão to, cria, é e sustenta comu- sacrifício concedeu perdão
num espaço ecumênico e do vinho e se dá a nós de nhão entre as pessoas que dos pecados. Fomos recon-
abrangente e significativo, graça. comungam; d) compromis- ciliados com Deus median-
comum a muitas igrejas. Ao Na Ceia do Senhor re- so: participação na Ceia do te o sacrifício de Jesus (Rm
fazer esse movimento – in- cebe-se o Cristo inteiro. Isto Senhor implicará compro- 5.10). A Ceia do Senhor ce-
misso solidário na promo- lebra esse benefício. E por-
ção e defesa da vida cria- que Deus perdoa e reconci-
17
Esses princípios não foram inventados. Orientam, por exemplo, o
Evangelisches Gottesdienstbuch (livro de culto das Igrejas Luteranas da
da por Deus; e) ação de lia, quem participa da Ceia
Alemanha) e o livro de culto da Igreja Evangélica Luterana da Finlândia (cf. graças: Jesus deu graças na está capacitado e incumbi-
Yngvill MARTOLA, Worship Renewal in the Evangelical-Lutheran Church instituição da Ceia. Cele- do por Deus de perdoar e re-
of Finland, Studia Liturgica, London, v. 31, n. 1, p. 84-85, 2001).

I.41 I.42
conciliar-se com seu próxi- da, a qual inclui os liturgos. Igreja e textos litúrgicos turgia precisam ser fortale-
mo. Daí o lugar do Gesto da A função de cada pessoa na modernos têm lugar no cidas, partindo do núcleo
paz no culto da comunida- celebração é insubstituível. ordo. Por isto, renovar central do culto luterano.
de (Tg 5.16). O culto é a celebração de liturgia não significa, de for- Como elemento constituti-
4. O Deus trinitário está ação de graças de toda a ma alguma, abolir textos vo do núcleo da Ceia do
presente no culto. O culto congregação, onde cada reconhecidos pela tradi- Senhor, essa oração reafir-
sempre inicia com o Voto pessoa ocupa seu próprio ção, ricos no seu conteúdo, ma a obra salvadora de
inicial (Em nome do Pai, e lugar e exerce responsabi- imagens e força irradia- Deus por meio de Jesus
do Filho, e do Espírito San- lidade específica. dora. Eles são mantidos e, Cristo. Confirma a presen-
to), ou com a Saudação 7. O culto segue uma muitas vezes, recuperados. ça e ação do Deus Criador
apostólica (A graça de nos- estrutura litúrgica básica, Ao mesmo tempo, é neces- e do Espírito Santo, que con-
so Senhor Jesus Cristo, o estável e reconhecível, he- sário – e prioritário – formu- sagra e congrega. Articula
amor de Deus e a comu- rança preciosa da tradição lar liturgias com linguagem o louvor da comunidade
nhão do Espírito Santo se- cristã – o ordo. Essa estru- e textos que reflitam o con- que recebe Jesus no pão e
jam com todos vocês). tura oferece a base e a mol- texto da vida das pessoas no vinho.
5. Culto é diálogo entre dura para o culto. Ela foca- que hoje celebram, à luz da 12. O culto evangélico-
Deus e a comunidade. É liza dois núcleos centrais: teologia que fundamenta a luterano, e a própria revi-
anámnesis (rememoração a pregação da Palavra e a liturgia do culto da igreja. são dos livros de culto têm
atualizada) da obra do trino celebração da Ceia do Se- 10. O culto cristão pre- por base a tradição litúrgica
Deus e resposta da congre- nhor. Sobre essa estrutura cisa revelar genuinamente da Igreja. Por isso, a liturgia
gação. A comunidade se deve-se moldar a liturgia. E o novo tempo que iniciou do culto está relacionada
encontra com o Deus que, os resultados dessa tarefa com Jesus. Ao mesmo tem- de forma viva com os cul-
primeiramente, a criou e que podem ser distintos. po, a mensagem que anun- tos de outras igrejas na ecu-
permite e ordena o culto. 8. A pregação da Pala- cia esse novo tempo preci- mene. E isso possibilita
6. O culto é celebrado vra (que pode ser multi- sa ser reinterpretada à luz aprendizagem, cultivo de
sob a responsabilidade e forme) é imprescindível no do contexto atual. Isso traz espiritualidade e busca de
com a participação de toda culto da comunidade; é ele- conseqüências para a lin- caminhos comuns.
a comunidade. Nesse ato, mento central do culto lu- guagem, a arte, a música, 13. A linguagem litúrgi-
o papel das pessoas orde- terano. Mas ela é um ele- a arquitetura, as normas éti- ca não é excludente. O cul-
nadas ao ministério eclesi- mento entre muitos outros, cas e os padrões culturais to reúne o corpo comunitá-
ástico, junto com as equi- da liturgia toda, que cons- que, no caso da moldagem rio na companhia de Deus.
pes de liturgia, é imprescin- tituem o conjunto de ele- de uma liturgia, são deter- Desse corpo fazem parte
dível para realizar o culto mentos imprescindíveis. minantes. todas as pessoas, homens,
da comunidade. Mas quem 9. Textos litúrgicos reco- 11. A posição e a função mulheres, idosas, jovens,
celebra é a comunidade to- nhecidos pela tradição da da Oração eucarística na li- crianças, articuladas nos

I.43 I.44
grupos mais diversos. Todas dizem respeito ao ser hu- isto se articula com pala- das origens do culto cristão,
precisam encontrar no cul- mano como um todo. Por vras e com gestos. A Ora- as quatro ações (sempre em
to um espaço digno e a pos- isto, são expressos de for- ção do dia recolhe (daí tam- resposta à ação primeira de
sibilidade de plena acolhi- ma corporal e sensitiva. bém a designação de Co- Deus por nós) detectadas
da e expressão. E isto impli- Este pressuposto implica leta) as expectativas da co- por Gregory Dix traduzem
ca encontrar uma lingua- moldar liturgias para cultos munidade reunida e as o que é imprescindível, ou
gem que, de forma correta em que as pessoas sejam apresenta a Deus, com vis- seja: o Ofertório18 , a Ora-
e adequada, exprima a di- acolhidas e possam cele- tas às Leituras bíblicas. ção eucarística, a Fração19
mensão inclusiva do culto. brar de forma integral, com Na Liturgia da Palavra e a Comunhão, além do Pai-
14. Ação, comunicação seus cinco sentidos, como são imprescindíveis a Pala- Nosso e do Gesto da paz20 .
e comportamento litúrgicos gente que são. vra de Deus, lida e pregada, Na Liturgia de Saída são
e a Oração geral da Igreja. considerados imprescindí-
Elementos imprescindíveis e úteis da liturgia Na Liturgia da Ceia do veis a Bênção e o Envio.
Senhor parece residir a di- Portanto, podem ser con-
A liturgia do culto cristão Mas isso não responde ficuldade maior de indicar siderados elementos im-
apresenta, em sua base, dois de forma cabal à pergunta os elementos imprescindí- prescindíveis da liturgia do
núcleos: a Palavra e a Ceia pelo que é imprescindível veis. Porém, tomadas à luz culto regular:
do Senhor. Esses dois núcle- e útil no culto, ainda que
os indicam o que é impres- seja uma indicação essen-
cindível no culto. Portanto, cial e objetiva. Há outros
a liturgia do culto cristão – elementos a considerar
também na IECLB – não de- que, na liturgia, aparecem
veria conter menos que isso. antes ou depois desses dois
Já a história da IECLB re- núcleos.
vela que o culto principal No caso da Liturgia de
desta Igreja tem sido o cul- Entrada, o culto deve ser
to da Palavra, e a Ceia do declarado como evento
18
Senhor a exceção. Diante que se realiza em nome do Este provavelmente é o elemento que exigirá mais tempo de estudo e
diálogo para poder ser incorporado ao ordo regular do culto na IECLB,
dessa realidade, o propósi- trino Deus (Voto inicial) e devidamente compreendido, com toda a sua importância teológica. Diante
to do Livro de Culto não é o não pode prescindir de uma dessa necessidade, precisa haver cautela no processo de recolocar o
de abolir esse culto da Pa- Acolhida. Porque o próprio Ofertório na liturgia, para que não dê margem ao mal-entendido de que se
trata de obra meritória humana.
lavra. O desafio consiste em Deus está ali e acolhe a co- 19
A Fração, neste lugar, fora da Oração eucarística, auxilia a evitar que se
assumir a Ceia do Senhor munidade reunida, esta associe às Palavras de Instituição (Narrativa da Instituição) qualquer
como parte constitutiva do precisa ouvir e experimen- interpretação mágica e a resgatar a força dos gestos: partir o pão, derramar
o líquido no cálice.
culto regular. tar tal convicção de fé. E 20
O Gesto da paz abrange a confissão de pecados a Deus.

I.45 I.46
LITURGIA DE ENTRADA Culto eucarístico é culto extenso?

Acolhida Quem enxerga essa li- mentos e todas as partes da


Voto inicial turgia registrada numa folha liturgia.
Oração do dia pode ter a impressão de que A duração estabelecida
“disso acaba resultando um para um culto também é
LITURGIA DA PALAVRA culto muito comprido”. E, de critério para moldar uma
fato, se a liturgia for molda- liturgia. Desde 1992, tem
Leituras bíblicas da (definida e formulada) havido celebrações do cul-
Pregação com base em toda a sua es- to eucarístico em todos os
(Recolhimento das ofertas) trutura, sem distinguir o que concílios gerais da IECLB.
Oração geral da Igreja é tão-somente útil, o culto O tempo previsto sempre
durará mais do que os 60 foi de 40 minutos. A partir
LITURGIA DA CEIA DO SENHOR minutos considerados “nor- dessa previsão de tempo é
mais”. Mas essa primeira que se moldou a liturgia. E
Preparo da mesa e Ofertório impressão é relativa. foram cultos com a presen-
Oração eucarística Além da necessidade de ça de até 200 participantes.
Pai-Nosso submeter-se a estrutura toda Finalmente, na definição
Gesto da paz da liturgia aos critérios do do tempo do culto, também
Fração que é imprescindível e do se devem considerar e bus-
Comunhão que é útil, importa compre- car ações que agilizem o
ender que cada elemento desenrolar da liturgia, sem
LITURGIA DE SAÍDA da liturgia pode ser molda- que, com isso, se perca em
do. Como o oleiro modela qualidade. Como exemplo,
Avisos gerais um recipiente para compor- pode-se tomar a forma de
Bênção tar 100 mililitros de água e realizar a Comunhão, na
Envio21 outro para 20 mililitros – e Ceia do Senhor. Há muitas
os dois conterão água que formas de se reunir uma
sacia a sede –, cada ele- comunidade para esse mo-
mento da liturgia também mento tão relevante, que,
pode ser moldado de modo de preferência, deve acon-
a tornar-se mais ou menos tecer no espaço ao redor da
extenso, sem prejuízo para mesa da comunhão, seu
21
Esta liturgia recebe, como o gostoso bolo de aniversário, o “recheio” dos sua função e significado. E lugar legítimo. Se, porém,
hinos, cânticos e da música em geral.
Todos os demais elementos do ordo são considerados úteis.
isto vale para todos os ele- o número de pessoas para

I.47 I.48
a Comunhão for muito gran- recer outras formas de rea- bretudo, elas não deveriam so, tal processo de mudan-
de e ela for “como de cos- lizar a Comunhão é um de- quebrar a fluência da litur- ças deve ser cauteloso, sem
tume”, essa parte pode safio à criatividade e ao gia, mas permitir a compe- pressa e sem atropelos,
ocupar até 60% do tempo bom senso. netração sempre mais pro- com absoluto respeito pelo
do culto. Nesses casos, ofe- funda, à medida que a litur- “lar litúrgico” das pessoas.
gia vai acontecendo. Infor- O ideal é que esses en-
Costuras e explicações técnicas mações técnicas inoportu- sinamentos (O que é isto?
nas transformam-se em ruí- Para que serve este ele-
Na liturgia, os elemen- nidade em vista das pes- do que distrai e desvia a mento? Como se pode fa-
tos precisam estar relacio- soas que sofrem): “Estamos atenção22 . zer?) não aconteçam no
nados de forma lógica, e num mundo em que, longe Explicações normal- culto. As mudanças litúrgi-
cada um necessita ser ex- e perto de nós, ecoam os mente se fazem necessári- cas – que as próprias comu-
presso de tal maneira, que mais diferentes clamores. as em vista de novidades. nidades anseiam – deve-
cumpra sua função de Conscientes disso, ouça- Em virtude da “nova” litur- riam ser fruto de catequese
acordo com seu significa- mos o que nos diz a Pala- gia na IECLB, há uma ne- litúrgica, desenvolvida ao
do. E isto se faz com uma vra do Senhor”. cessidade maior de dar ex- longo de um período, nos
costura. Costura é uma fra- Se costuras são neces- plicações. E as comunida- grupos da comunidade, ou
se breve, objetiva, precisa, sárias para o desenvolvi- des precisam da oportuni- mesmo durante alguns mi-
não imprescindível para mento pleno da liturgia, dade para reaprender a li- nutos, antes do culto. E essa
cada elemento da liturgia, também o são as explica- turgia. Explicar para com- catequese pode ser teórica
que ajuda a traduzir, onde ções técnicas. Mas é pre- preender e para saber co- e prática. Cada elemento
for útil, “o que vem agora e ciso fazer a devida distin- mo fazer é parte desse pro- da liturgia pode ser expli-
por que isso vem nesse mo- ção entre ambas. Explica- cesso de mudanças na cado. Qual seu significado?
mento”. A costura ajuda a ções técnicas são informa- liturgia da igreja. No culto, Qual a teologia que o sus-
comunidade a compreen- ções breves e claras sobre essas explicações podem tenta? Qual sua função na
der e sentir seu encontro elementos da liturgia, sobre ter lugar antes do seu iní- liturgia? Mas cada elemento
com Deus de forma profun- alguma ação específica cio. Nesse caso, precisam (e aí estão incluídos os cân-
da e marcante. Como ilus- que será realizada, sobre o ser apresentadas “em doses ticos litúrgicos) também po-
tração, segue uma costura uso de algum folheto, sobre homeopáticas”. Além dis- de ser tema de celebrações
que faz a ponte entre a Li- a forma de participação da
turgia de Entrada e a Litur- comunidade. A utilização 22
Um exemplo desse ruído é quando se diz, após o convite para a Comunhão:
gia da Palavra, numa litur- desse recurso das explica- “Agora pedimos que vocês formem três grupos... ali... naquele ponto... e
gia que enfatiza o Kyrie ções técnicas – antes do também pedimos que vocês abram o hinário na página...”. Afirmações deste
tipo desviam daquilo que é essencial em cada momento do culto e esvaziam
(elemento que permite ex- início do culto! – requer cui- a força que cada elemento da liturgia tem de levar as pessoas a um profundo
pressar o clamor da comu- dado e sensibilidade. So- encontro com Deus, na companhia da comunidade toda.

I.49 I.50
nos diversos grupos da co- liturgia do culto regular. Se
munidade (presbitério, essa for uma catequese
OASE, terceira idade, jo- litúrgica bem planejada,
vens, crianças). Uma des- certamente será possível
sas reuniões pode iniciar conhecer a liturgia e fami-
com uma celebração que liarizar-se com ela de tal
focaliza o elemento Kyrie, forma que explicações téc-
por exemplo. Depois de ali nicas (“ruídos”) no transcor-
experimentado, tal elemen- rer do culto sejam totalmen-
to pode ser introduzido na te desnecessárias.

I.51

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