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Jornalzinho didático de Sociologia

2ª Edição Digital (CDA/ CEM XXX) 4º BIMESTRE 2022 Organizado e editado: prof. Luis José
Capítulo 10 - O trabalho e a estratificação social na sociedade capitalista

Os seres humanos e o trabalho


Todos os dias, milhões de pessoas em todo o Na sociedade capitalista, é por meio do trabalho que
mundo acordam e seguem para seu trabalho. os indivíduos fazem sua mediação com o mundo,
Elas desempenham as mais distintas funções, e o constroem suas identidades, seus projetos de vida e
conjunto dessas atividades permite o estabelecem relações sociais. No entanto, é também
andamento da vida cotidiana. O pão que nos por meio do trabalho que se estabelecem duras e
alimenta, o transporte que usamos, o prédio de cruéis formas de dominação e exploração. É assim
nossa escola e o livro que lemos, entre tantos que o trabalho passou a ser, ao mesmo tempo, fonte
outros exemplos, são frutos do trabalho de de realização e de felicidade, mas também de
milhares de indivíduos. desigualdade. Segundo o sociólogo Ricardo Antunes,
é essa dimensão contraditória do trabalho que faz
Diariamente, os seres humanos trabalham para dele uma questão crucial no nosso conturbado
garantir seu sustento, a manutenção e a cenário do século XXI.
reprodução da vida social. O trabalho pode ser
definido como a atividade, material ou Atualmente, bilhões de homens e mulheres de todo
intelectual, pela qual os seres humanos o mundo precisam trabalhar para garantir sua
transformam o mundo ao seu redor. Foi por sobrevivência. Os trabalhos desenvolvidos
meio do trabalho que o ser humano passou a apresentam formas, procedimentos, técnicas e
intervir na natureza, criando formas de extrair recursos extremamente diferenciados. Além disso, o
recursos e melhorar suas condições de vida, o trabalho passou a ser fonte de inúmeros conflitos e
que viabilizou a organização e o disputas na vida social, o que faz dele um importante
desenvolvimento das sociedades. elemento na compreensão das contradições e dos
problemas do mundo contemporâneo, como a
No entanto, com o desenvolvimento e a desigualdade social e a pobreza.
consolidação da sociedade capitalista, o trabalho
adotou características e significados muito
peculiares, que extrapolaram o sentido de
transformação da natureza. Mais do que garantir
a sobrevivência, o trabalho passou a ser um
elemento central e contraditório na nossa
existência como indivíduos e membros de uma
sociedade.

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O trabalho na sociedade capitalista
O trabalho na sociedade capitalista inaugurou uma nova fase das relações produtivas e sociais, ao promover
a separação entre o trabalhador e os meios de produção, que compreendem ferramentas, máquinas,
matéria-prima, terras, fontes de energia, entre outros instrumentos necessários à atividade produtiva, ou
seja, tudo aquilo que possibilita que uma pessoa realize seu trabalho para além de suas capacidades físicas
e mentais. Durante o período medieval, o trabalho era basicamente dividido entre as atividades agrícolas e
artesanais. O artesão, por exemplo, era dono de seus próprios instrumentos de trabalho e determinava o
tempo em que ele seria realizado, o que lhe concedia certo grau de autonomia e de liberdade em relação à
sua capacidade produtiva.

Com o desenvolvimento da manufatura, a partir do século XVI, e principalmente com a Revolução Industrial,
o século XVIII, uma nova relação de trabalho desenvolveu-se na sociedade. O trabalho, assim como a
produção, passou a ter valor de uso e de troca e a ser negociado como uma mercadoria. O artesão deu lugar
ao operário, obrigado, para sobreviver, a trocar sua força de trabalho por um salário, condicionado a uma
jornada preestabelecida, e por novas relações hierárquicas de poder.

“Entre outras coisas a industrialização também modificou profundamente a percepção do tempo entre as
populações europeias, ajustadas a ritmos naturais em obediência a costumes milenares. Isso se explica porque
quanto menos os povos dependem da tecnologia para levar adiante suas atividades produtivas, mais o tempo
social é regulado pelos fenômenos da natureza – as estações, as marés, a noite e dia, o clima. A Revolução
Industrial obriga a um registro mais preciso do tempo da vida social. O empresário passa a comprar horas de
trabalho e exigir seu cumprimento. Os trabalhadores perdem o controle do ritmo produtivo que impõe uma
disciplina até então desconhecida.”
QUINTANEIRO, Tania; BARBOSA, Maria Lígia de Oliveira; OLIVEIRA, Márcia
Gardênia Monteiro. Um toque de clássicos. Belo Horizonte: Editora UFMG,
2017. p. 12.

As mudanças no sistema produtivo e as alterações nas relações de trabalho não se restringiram apenas à
produção industrial. Elas reverberaram por toda a sociedade e trouxeram novos problemas e dilemas. É
nesse contexto que pensadores como Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber promoveram importantes e
significativas contribuições para a compreensão do funcionamento da sociedade capitalista ocidental. Suas
análises nos dão importantes referências para entender como essas transformações foram capazes de
transformar toda a estrutura da sociedade e de modificar a maneira como homens e mulheres ocidentais
interpretam o mundo e a si mesmos.

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Segundo Marx, a divisão do trabalho e
o estabelecimento de uma lógica de
dominação e exploração de uma classe
sobre outra inviabiliza a existência de
uma sociedade justa. Para o autor,
dentro dessa lógica, em que as
desigualdades entre os indivíduos são
um imperativo para a constituição da
estrutura social, a noção de igualdade
política e jurídica, tão conclamada
pelos liberais, torna-se inalcançável e
irreal. Doc. 1 Durkheim afirmou que esses laços, responsáveis por manter a
coesão de um grupo, tendem a variar de acordo com a
Marx e Engels revolucionaram o estrutura de cada sociedade. Em sociedades pré-capitalistas,
entendimento da política ao defender como as tribos, os indivíduos estão ligados uns aos outros por
a ideia de que as classes dominantes, um conjunto de crenças e sentimentos que são comuns a todos
que detêm o poder material e os membros dos grupos. Nessas sociedades nem sempre há
econômico, estendem esse poder para distinções significativas quanto à posse de bens ou recursos, e
a organização política da sociedade. O os sujeitos são uma representação de seu próprio grupo social.
Estado, que deveria ser uma instituição Durkheim denominou esse tipo de vínculo de solidariedade
capaz de garantir e defender os mecânica.
interesses comuns a todos os
indivíduos, estaria refém dos anseios e Nas sociedades capitalistas, por sua vez, o alto grau de
objetivos das classes dominantes, e sua diferenciação e especialização entre as funções acentuou a
atuação estaria voltada para garantir as divisão social do trabalho. Segundo Durkheim, à medida que
diversas formas de exploração das isso ocorre, os laços que unem os indivíduos se transformam,
camadas sociais dominadas. dando espaço para o que o autor denominou de solidariedade
orgânica. Nela, os indivíduos passam a criar vínculos em um
O pensamento de Marx é considerado contexto social altamente especializado e individualizado,
um dos mais influentes de todos os próprio das sociedades industriais. Se antes as relações sociais
tempos. Sua abordagem crítica, eram regidas pela tradição e pela cultura, com o advento da
apoiada no reconhecimento de que o industrialização elas passam a se basear na interdependência
sistema capitalista é incapaz de criada pela divisão do trabalho. É na dependência do trabalho
eliminar a miséria e os mecanismos de executado pelos outros que passamos a estabelecer nossos
exploração social, se mostrou uma vínculos com a sociedade.
importante ferramenta na luta por
melhores condições de vida e trabalho Para compreendermos melhor o pensamento de Durkheim, é
ao longo do século XX e, quem sabe, do preciso conhecer como ele interpretava a sociedade. De
século XXI. acordo com o sociólogo, a sociedade se assemelha a um
organismo vivo, que depende dos órgãos e das múltiplas
funções desempenhadas por cada um desses elementos. Tais
funções, em conjunto, garantem o bom funcionamento de
todo o corpo.

Logo, as diferenciações impostas pela especialização do


trabalho nas sociedades industriais não eram,
necessariamente, vistas como um problema por Durkheim.
Elas compunham um mecanismo importante para a
manutenção e o bom andamento da vida social, uma vez que
essas diferenças garantiriam a coesão entre os indivíduos e a
sociedade.

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“Com a consciência de estar na plena graça de
Deus e ser por ele visivelmente abençoado, o
empresário burguês, com a condição de manter-
se dentro dos limites da correção formal, de ter
sua conduta moral irrepreensível e de não fazer
de sua riqueza um uso escandaloso, podia
perseguir os seus interesses de lucro e devia
fazê-lo. O poder da ascese religiosa, além disso,
punha à sua disposição trabalhadores sóbrios,
conscienciosos, extraordinariamente eficientes
e aferrados ao trabalho como se (fosse a)
finalidade de sua vida, querida por Deus. E ainda
por cima dava aos trabalhadores a reconfortante
certeza de que a repartição desigual dos bens
deste mundo era obra especial da divina
Providência.”

WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do


capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
p. 161.

A riqueza proveniente dessas atividades representava a retribuição divina pelos esforços dos fiéis. Esse
tipo de pensamento, segundo Weber, estimulou os protestantes a viver em função de suas atividades
e negócios, e o trabalho passou a figurar como uma espécie de vocação. De acordo com Weber, essa
nova concepção de trabalho e riqueza impunha sobre trabalhadores e empresários uma vida regrada
pela disciplina e pelo controle, uma vez que a riqueza adquirida não deveria ser destinada à satisfação
de prazeres ou luxos. O estímulo era direcionado para poupar e reinvestir esse montante, visando
multiplicá-lo.
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Estratificação social

Ao longo da história, o trabalho vem sendo usado como um importante elemento no processo de
diferenciação dos indivíduos dentro da estrutura social. Dessa forma, as atividades que desempenhamos
tendem a influenciar nossa posição na sociedade e, consequentemente, nosso acesso a recursos materiais,
direitos e oportunidades. Esse sistema, marcado pela hierarquização de indivíduos ou grupos, caracteriza a
chamada estratificação social. Podemos compreendê-la como uma construção histórica, em que as
diferenças entre indivíduos ou grupos passam a localizá-los socialmente em camadas ou estratos distintos.

O pertencimento a esses estratos está vinculado a um conjunto de critérios, que podem aparecer
isoladamente ou sobrepostos, como gênero, raça, classe e etnia. Cada sociedade desenvolve um sistema de
diferenciação social específico, elegendo os critérios necessários para a ocupação de cada um de seus
estratos sociais. Na sociedade tradicional chinesa, por exemplo, a posição era definida pelas qualificações
dos indivíduos, mais do que pela riqueza que eles possuíam. Na sociedade contemporânea, o pertencimento
a uma classe social está vinculado a um conjunto de elementos, entre os quais o trabalho e a renda gerada
por ele têm uma importância significativa.

No Brasil, as desigualdades
sociais figuram como uma das
principais características de
nossa sociedade e colocam o
país no ranking das nações mais
desiguais do mundo. Na foto,
catador de lixo trabalha no Lixão
da Estrutural, em Brasília (DF),
em 2018.

Apesar das particularidades dos diversos sistemas de estratificação social estabelecidos ao longo da história,
podemos destacar três exemplos que nos auxiliam a compreender como as desigualdades sociais são
produzidas através do tempo: as castas, os estamentos e as classes sociais.

Castas domésticos e artesãos. Abaixo dessas castas,


encontram-se os dalits, ou “intocáveis”, como
As castas são uma forma de organização social também ficaram conhecidos. Esse grupo é
definida pela hereditariedade, ou seja, a posição composto de indivíduos que estão fora do sistema
social ocupada pelos pais será transmitida de castas, por isso são conferidos a eles os
diretamente aos filhos. Nesse tipo de sistema, o trabalhos considerados mais degradantes, como a
nível social dos indivíduos não se altera; os limpeza de esgotos e dejetos.
casamentos entre membros de castas diferentes
são proibidos e a casta de nascimento permanece a Apesar de o sistema de castas ter sido abolido na
mesma até o fim da vida. Um dos sistemas de casta Índia nos anos 1950, e de a modernização e a
mais conhecidos é o da Índia. Organizado com base industrialização terem aproximado esses grupos,
nas diretrizes religiosas do hinduísmo, esse sistema ainda são profundas as desigualdades sociais
está estruturado em quatro grandes grupos: os originárias dessa forma de organização social. De
brâmanes, representados por sacerdotes e acordo com dados da Organização das Nações
educadores – detentores do conhecimento; os Unidas (ONU), mais de 260 milhões de pessoas são
xátrias, que compreendem soldados, governantes e vítimas de discriminações decorrentes do sistema
funcionários públicos; os vaixás, compostos de de castas em países como Índia, Nepal e Paquistão,
fazendeiros, comerciantes e aqueles que trabalham o que faz desse grupo mais vulnerável à pobreza, à
na indústria; e, por fim, os sudras, trabalhadores exclusão social e à violência.

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Estamentos
Os estamentos representam uma forma de estratificação social em que os grupos se diferenciam entre si
pela posse de privilégios, honrarias e prestígio. De acordo com Max Weber, além desses elementos, as
sociedades estamentais possuem importantes códigos de honra e estilos de vida, que irão criar os
mecanismos de distinção entre os membros da sociedade.

A sociedade francesa do Antigo Regime, por exemplo, mantinha características estamentais de origem
feudal. Às vésperas da Revolução da 1789, a população francesa dividia-se em três grandes estamentos: o
primeiro estado, constituído pela nobreza; o segundo estado, representado pelo clero; e o terceiro estado,
que reunia todos os indivíduos que não pertenciam aos outros dois estados.

Embora houvesse grandes variações de prestígio e riqueza no interior da nobreza e do clero, os principais
cargos da administração pública eram ocupados por membros desses dois estados, que também estavam
isentos do pagamento da maior parte dos impostos. O terceiro estado era o grupo mais heterogêneo, que
reunia desde a grande burguesia (banqueiros e comerciantes) até camponeses submetidos a obrigações
feudais, havendo entre os dois extremos pequenos e médios lojistas, artesãos, trabalhadores urbanos,
desempregados etc. A grande burguesia tinha hábitos e um padrão de riqueza que a aproximavam da
nobreza. Porém, mesmo com grandes fortunas, a burguesia tinha pouca influência política, além de carregar
o estigma da origem não aristocrática.

Os privilégios políticos, as isenções fiscais e o prestígio social eram exclusivos do primeiro e do segundo
estados. Mas era principalmente sobre os camponeses e os trabalhadores urbanos que recaía o peso de uma
sociedade estratificada de origem feudal, que mantinha ainda direitos senhoriais e obrigações servis para
sustentar o reino e a riqueza da aristocracia. Apesar de permitir certa mobilidade social, a sociedade de
estamentos francesa se chocava com os anseios de ascensão política da burguesia e de mais igualdade social
por parte de camponeses e trabalhadores urbanos. O resultado desse confronto foi a Revolução Francesa,
em 1789, que destruiu o Antigo Regime no país.

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