Você está na página 1de 38

Os reflexos do

conservadorismo no
debate de gênero na
educação

Daniele Motta
• Local designado para a socialização do saber,
nasce da necessidade de preservação e
propagação da cultura humana, e que ao
longo do tempo se transforma, assume quer
possibilidades de permanências, quer
possibilidades de mudanças. A escola é o
espaço de ensino e aprendizagem, que por
sua vez, resultam da troca de conhecimentos
entre seus sujeitos, fazendo assim, emergir
Qual o um debate de ideias e reflexões.

papel da
• A escola é para Paulo Freire um espaço de
escola? relações, um lugar destinado não apenas ao
estudo, mas fundamentalmente ao encontro, a
troca, a conversa, a discussão, ao diálogo

• Importante é debater, refletir, dialogar sobre


temas tabus, sobre sexualidade, sobre
violência, sobre construção social dos
gêneros, sobre orientação sexual,
principalmente com jovens e adolescentes,
sedentos por aprender, por conhecer, por
questionar.
• A educação tem o propósito de inquietar o
aluno, ao passo que a escola tradicional,
conservadora ou ‘alienante’ procura
acomodá-los. Nesse sentido, discutir
gênero é uma forma de inquieta-los e é
um tema que passa pela vida de todas
as pessoas. A educação é desafiadora e
E o papel transformadora, e para obtermos êxito
da como educadores faz-se necessário o
diálogo e a convivência, e entendendo a
educação? escola como espaço destinado para este
fim.
• A educação tem um papel básico na
reprodução ou desconstrução das
desigualdades de gênero. Por isso, a
censura ao debate de gênero é a
reprodução do que está posto:
desigualdade, injustiça e violência
Surge a partir dos estudos
feministas

Gênero:
quando e
O conceito de gênero foi
como surge? disseminado sobretudo a partir do
que ficou conhecido como 2a onda
do feminismo, na década de 1970.
Mas isso não significa que antes
disso não havia discussão sobre a
desigualdade entre homens e
mulheres.
Lições sobre Gênero

• Definição de Gênero: são as relações sociais baseadas nas diferenças


percebidas entre os sexos (uma das formas de dar significado às relações de poder).
• Sua abrangência para as questões da diferença.
• Gênero e Educação – se gênero não é natural, é histórico e social, todos somos
socializados para cumprir o que se espera do destino de gênero. Natureza x
Cultura, corpo e papel social, sexo e gênero.
• Nesse sentido, a educação das pessoas (crianças, adolescentes, jovens e
adultos) é crucial para manutenção dessas ordens. De que forma?
• Como papel e expectativas de gênero são ensinados (e reproduzidos) nas
escolas. (Performatividade/Atos repetitivos - BUTLER)
• Para além da escola, os papéis de gênero são reproduzidos e produzidos em
outras instituições como Igrejas, família, comunicação, na política e práticas de
saúde.
Gênero

→ Ajuda a desnaturalizar as desigualdades que são ocultadas através de


argumentos de “diferentes capacidades”, “aptidões natas”, como se o
homem fosse naturalmente dado a exercer os melhores cargos e a mulher
naturalmente apta a apenas realizar o trabalho doméstico e de cuidado.

→ Ajuda a entender como que esses papéis sociais são historicamente


construídos e, que portanto, podem ser questionados de forma a não
limitar as escolhas de profissão, de gosto, de modo de se vestir, de lazer,
de desejo, com quem relacionar, etc.

→ Gênero também diz respeito à possibilidade de libertação dos destinos


de gênero: se o gênero é construído, ele pode ser desconstruído. E não é
porque você nasceu mulher que terá total concordância com o que a
sociedade relaciona ao Feminino
Os adultos (família, escolas, igreja, mídia) educam as crianças
marcando diferenças entre meninas e meninos, de acordo com o que a
sociedade define como sendo próprio de homem e próprio de mulher.

7
“ (…) a preocupação com o corpo
sempre foi central no engendramento
dos processos, das estratégias e das
práticas pedagógicas. O
disciplinamento dos corpos
acompanhou, historicamente, o
disciplinamento das mentes. Todos os
processos de escolarização sempre
Gênero e estiveram - e ainda estão -
as etapas preocupados em vigiar, controlar,
modelar, corrigir, construir os corpos de
escolares meninos e meninas, de jovens homens
e mulheres.”

Guacira Lopes Louro (Corpo, Escola e


Identidade, 2000)
INFANTIL - desenvolvimento físico, psicológico, intelectual e
social da criança.
Creches, Berçários, Educandários (de 0 a 3 anos)
Pré-Escola (4 e 5 anos)
● esfera do cuidado (trabalho das mulheres, muito pouco
valorizado)
● brincadeiras, cores, banheiro, uniformes, divisão
meninos e meninas / reafirmação do gênero

Gênero e as FUNDAMENTAL- desenvolver a capacidade de


compreender o ambiente natural e social, o sistema político,
etapas a tecnologia, as artes e os valores básicos da sociedade e da
família (de 6 a 14)
escolares ● esportes
● paqueras
● separação de brincadeiras
● Mudanças nos corpos (pelo, suor, cheiros, toques,
vontades)
● menstruação para as meninas
● masturbação
● pensar o currículo generificado: a forma como as
discussões sobre corpo do homem e da mulher são
apresentadas nas disciplinas de ciências, biologia.
Macho e fêmea são naturalizados.
● exatas: meninos
● humanas e biológicas (do cuidado): mulheres
Gênero e as etapas escolares

MÉDIO (15 a 17) - aprofundados os conhecimentos adquiridos no ensino


fundamental; preparação básica para o trabalho e a cidadania; propiciar a
formação ética, o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento
crítico e a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos
produtivos.
● sexualidades e identidades
● evasão escolar a partir das questões de gênero: travestis, trans, gays, lésbicas,
gravidez na adolescência.
● Padrões, gostos, como os estereótipos aparecem na forma como olham para
os colegas (gordofobia, racismo, capacitismo, religião)
● como os professores são responsáveis por intervir contra a discriminação que
acontecem pela estigmatização da diferença.
● menina: vagabunda, piranha, marmita
● menino: garanhão, pegador
● como intervir nesses momentos? É fundamental que o professor se posicione
diante das “brincadeirinhas” que acontecem nos espaços da escola. Não
permitir que uma aluna seja ridicularizada e estereotipada pelos colegas.
● gênero na mídia. Como afeta os adolescentes e nós mesmos (ver imagens de
propagandas)
A questão de gênero inclusive aparece se analisarmos
quem são os trabalhadores da educação

11
• Meninas: não são incentivadas a
conhecerem seu próprio corpo, seu
próprio desejo, tendo que se guardar
para o homem ideal ou ficar “mal
vistas”, como a mulher que todos só
querem usar.
• Além disso, são bombardeadas pela
mídia pelos padrões de nossa
sociedade: precisam ser magras,
brancas, com cabelos lisos, para serem
aceitas.
SEXUALIDADES • Violência sexual contra as mulheres →
culpabilização das vítimas, direito ao
próprio corpo.
• Meninos: são estimulados sexualmente
desde cedo, tendo mais liberdade com
seus desejos e vontades; não há no
senso comum um caráter pejorativo
para aquele menino que fica com
muitas meninas.
● Escola é grande agente socializador
● Reforça, tradicionalmente, a desigualdade entre
homens e mulheres.
● Tarefas/funções de menino e menina
● Estereótipos
● Muitos livros ainda trabalham com figuras
tradicionais masculinas e femininas – análise
crítica é necessária.
● A maioria dos livros de História não mostra o
papel das mulheres.
● Como educadores, precisamos ter o cuidado de
ESCOLA não reproduzir estereótipos que reforçam
desigualdades.
● Brincadeiras e piadas podem machucar.
● Quais barreiras minha instituição tem que
enfrentar para oferecer uma educação em gênero
e diversidade?
● Quais práticas estão disponíveis para que se
possa atuar em uma educação pela perspectiva
de gênero?
E a ideologia de
gênero nisso tudo?
● Acredita-se que o termo “ideologia de gênero” apareceu pela primeira vez em
1998, em uma nota emitida pela Conferência Episcopal do Peru intitulada
“Ideologia de gênero: seus perigos e alcances”. O evento nacional que reúne
bispos de todo o país é uma tradição da Igreja Católica no mundo inteiro.
● Desde seu surgimento, a expressão “ideologia de gênero” carrega um sentido
pejorativo (negativo, ofensivo).
● contra atividades que buscam falar sobre a questão de gênero e assuntos
relacionados – como sexualidade – nas escolas.

● a escola vai contra os valores da família; menospreza crenças familiares e gera


intolerância religiosa, induza crianças a serem homossexuais ou transexuais.
● discordam das teorias que colocam gênero como sendo socialmente
construído e acreditam que o sexo biológico define tanto o gênero quanto a
sexualidade da pessoa. Entendem que os comportamentos generificados, o
destino de gênero e a heterossexualidade são “naturais”

Se chama erroneamente de ‘ideologia de gênero’ qualquer iniciativa que


busque debater questões de gênero e orientação sexual em escolas,
iniciativas que visam combater as discriminações de gênero ou orientar e
conscientizar sobre educação sexual”

https://www.politize.com.br/ideologia-de-genero-questao-de-genero/
A filósofa Arlene Bacarji,uma das teóricas da ideologia de gênero a define como:

“Uma “ideologia” que atende a interesses políticos e sexuais de determinados


grupos, que ensina, nas escolas, para crianças, adolescentes e adultos, que o
gênero (o sexo da pessoa) é algo construído pela sociedade e pela cultura, as
quais eles acusam de patriarcal, machista e preconceituosa. Ou seja, ninguém
nasce homem ou mulher, mas pode escolher o que quer ser. Pois
comportamentos e definições do ser homem ou mulher não são coisas dadas pela
natureza e pela biologia, mas pela cultura e pela sociedade, segundo a ideologia
de gênero.”

“temos de entender que existem os aspectos biológicos que não podem ser negados,
eles são reais e dados. Loucura são as vezes que escapamos da realidade para fazer
de nossas fantasias, alucinações e delírios uma realidade”.

- Por “fantasias, alucinações e delírios”, a filósofa se refere à ideia defendida por


movimentos feministas de que a biologia não determina o gênero. Bacarji discorda
de que os papéis atribuídos a homens e mulheres são construídos a partir de
relações de opressão, resultado de uma cultura machista.
E no Brasil?

No Brasil, o termo “ideologia de gênero” ficou famoso quando o Ministério da Educação


(MEC) quis incluir educação sexual, combate às discriminações e promoção da
diversidade de gênero e orientações sexuais no Plano Nacional da Educação (PNE), em
2014.

- setores conservadores não consideravam as pautas sobre questão de gênero apropriadas ao


ambiente escolar, e o projeto foi barrado. Após muitos protestos por parte da população,
liderada por grupos religiosos e pelo Escola Sem Partido, o PNE foi aprovado sem fazer
menção a gênero e orientação sexual.

- Escola sem Homofobia, pejorativamente conhecido como "Kit Gay", foi uma iniciativa
não governamental proposta para compor o Programa Brasil sem Homofobia do
governo federal brasileiro. Constituiu um material didático (filmes e cartilha para
professores) baseada em um conjunto de diretrizes criadas pelo Ministério da Educação
do Brasil (MEC), elaboradas pelo Ministério dos Direitos Humanos em parceria com
entidades não governamentais e apoiadas pela Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) que visava a promover a cidadania e os
direitos humanos da comunidade LGBT.

- Elaboração de materiais para o combate à homofobia nas escolas, como vídeos, cartilhas e
sugestões de sequências didáticas para professores
“ideologia de gênero” como uma maneira de assustar a sociedade.

- “pânico moral”

- Associam a educação sobre questões de gênero apenas aos temas mais polêmicos: a
aborto e pedofilia por exemplo

Núcleo de Etnografia Urbana e Audiovisual (NEU) da Fundação Escola de Sociologia e


Política de São Paulo (FespSP) realizou uma pesquisa com os grupos que estavam
presentes no aeroporto. Um dos levantamentos feitos pelos pesquisadores consistia em
perguntar às pessoas que carregavam cartazes com frases “não à ideologia de gênero”
e afins o que elas queriam dizer. Algumas das respostas foram:

“A ideologia de gênero transmite conceitos totalmente contrários à biologia e à ordem


natural das coisas.”

“Eles [defensores da teoria de gênero] querem tirar a autoridade dos pais.”

“Querem acabar com a família tradicional e passar a ideia de que a homossexualidade é


cool [descolada], moderna e que a maioria é homossexual. Isso não é verdade.”

→ Os estudos sobre a questão de gênero não buscam diminuir ou rechaçar religiões


e pessoas religiosas. Ela destaca que ao reconhecer a diversidade de famílias, não
se nega a família tradicional e heterossexual
O que já foi feito em termos de
política educacional para combater a
desigualdade de gênero?
● Políticas educacionais são transversais a outras políticas: saúde, trabalho, violência,
segurança pública
● MEC, MinC, Ministério Saúde, Direitos Humanos, Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), da Secretaria de Políticas para
Mulheres (SPM) e também da Secretaria de Política de Promoção da Igualdade Racial
(SEPPIR) - perderam o status de Ministério logo após o processo de impeachment de
Dilma Rousseff
● Pauta de gênero e parte dos direitos humanos (tratados internacionais)
● Kit anti-homofobia (2010) Programa Escola Sem Homofobia - SECADI, da Global
Alliance for LBGT Education, a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Travestis e Transexuais
● Escola sem partido (não estaríamos aqui hoje caso o escola sem partido fosse
vitorioso) - embates judiciais
● Ideologia de gênero
● Barreiras no Legislativo (bancada evangélica) Marcos Feliciano, presidente Comissão
de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (2013)
● Governo Bolsonaro (2019) – Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos
(Damares) características teológicas
O que já foi feito em termos de política
educacional para combater a
desigualdade de gênero?

Projetos em disputa; conflitos em aberto; retrocessos


● ESCOLA SEM PARTIDO:

○ Coloca o professor sob constante vigilância


○ Ilegal a possibilidade de ampla aprendizagem
○ Confunde a educação escolar com a fornecida pelos pais
○ Contraria o princípio do Estado Laico
○ Impede o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas
○ Nega a liberdade de cátedra

● A Educação para reproduzir um padrão de gênero: machista e


heterossexual
● Por que falar de gênero incomoda?
Por que discutir gênero e diversidade?

⚫O debate feito nas escolas proporciona elementos para reflexão e promove o


reconhecimento das diferenças como forma de superarmos os preconceitos e
desigualdade de oportunidades que são vivenciados por mulheres, lésbicas, gays,
transexuais,

⚫Porque crianças e adolescentes precisam construir desde cedo noções de respeito,


dignidade e cidadania para todas e todos, independente de raça, classe, identidade de
gênero, orientação sexual e religião!

⚫Porque existem crianças que têm outra identidade de gênero e precisam ser acolhidas
quando descobrem isso!

Porque existem adolescentes homossexuais e eles precisam saber que está tudo bem!

⚫Porque as piadinhas homofóbicas e racistas ou as que maculam a imagem das mulheres


mitigam as pessoas por dentro, dilacera sua confiança em si mesma, faz com que ela não
acredite em seu potencial!

⚫É por essas e outras que as professoras e professores precisam de formação e


informação para lidarem com estes temas de maneira responsável e o poder público
precisa garantir a confecção de materiais didáticos comprometidos com a igualdade de
gênero e diversidade!
Gênero é transversal: pode ser tematizado em todas as
disciplinas.
Faz parte da nossa vida o tempo todo
Retrocesos na educação nos últimos quatro anos

• Política educacional confusa e sem rumo (foram nomeados 5 ministros em 4 anos): a falta
de continuidade na gestão da área prejudica a condução de programas importantes
• Corte de recursos: da creche à universidade
• Problemas com enem e diminuição do numero de ingressantes na universidade (maior
queda desde 1990)
• Aprovação do homeschooling (mesmo durante a pandemia o único tema da educação
elencado como prioridade pelo governo no congresso foi a regulamentação do ensino
domiciliar)
• Militarização das escolas – se abstem da condução de políticas educacionais e apostam
em iniciativas de cunho ideológico
• Foi ausente/negligente no apoio as redes de ensino durante a pandemia
• Escandalos de corrupção
• Ainda nos primeiros dias do governo Bolsonaro houve a extinção da Secadi (Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade). Segundo denuncia do jornal Folha de
São Paulo uma manobra para eliminar temáticas de direitos humanos, educação étnico-
racial e a própria palavra diversidade
• Segregação: politica nacional de educação especial
• Política de alfabetização: gramophone
https://jornalevangelhoecidadania.blogspot.com/2015/09/g
overno-do-pt-insiste-na-ideologia-de.html
Os mitos sobre a personalidade feminina
que voltaram a tona para o centro do debate
político. É interessante perceber que essa
estigmatização das mulheres como recurso
político não é novidade. Em obra de 1969,
Heleieth Saffioti elaborou da seguinte maneira:

“era chegado, portanto, o momento de reviverem


os mitos. É deles que a sociedade costuma lançar
mão para impedir ou retardar a emancipação de
uma categoria social que se impõe a tarefa da
libertação. Assim aconteceu com os negros,
assim ocorreu com as mulheres, assim é com os
nativos dos países sob o colonialismo. (…) Cria-
se, então, a imagem da feminista como um
monstro que visa a destruir a família e a reduzir
os homens à escravidão, numa completa
subversão das leis divinas”. (SAFFIOTI, H. A
mulher na sociedade de classes: mito e realidade.
2013 [1969], p. 179).
REFERÊNCIAS:

• https://m.facebook.com/eprafalardegenerosim/
?hc_ref=NEWSFEED&fref=nf%22+%5Ct+%22_
blank

• https://marchavadiascampinas.milharal.org/20
15/06/19/genero-e-diversidade-nas-escolas-
aprender-a-respeitar-e-construir-cidadania/

• https://www.politize.com.br/ideologia-de-
genero-questao-de-genero/

• https://azmina.com.br/reportagens/ideologia-
de-genero-entenda-o-assunto/

Você também pode gostar