058 O Ultimo Tentaculo. II

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Um possível remanescente da organização Octopus

ameaçando a vida de Brigitte Montfort. Um plano onde


jovens universitário são acusados de atentados contra
pessoas não grata aos EUA e implicados como possíveis
agentes da CIA.

© 1968/Março – Lou Carrigan


Publicado No Brasil Pela Editora Monterrey
Ilustração De Capa: Benício
JVS - 411118 – 411119
MEMÓRIA

No primeiro volume desta aventura protagonizada por


Brigitte “Baby” Montfort, a famosa espiã de luxo da CIA,
ocorre o dramático aparecimento de um último tentáculo,
remanescente da terrível “Organização Octopus”, cujas
destruições assinalou um dos triunfos mais memoráveis de
sua carreira, conforme foi narrado em O ÚLTIMO SUSTO
“Tentáculo” surge ameaçador, agindo repetidamente
contra a vida de “Baby” e pondo em prática um plano
diabólico que, perante a opinião pública mundial,
responsabiliza a CIA como promotora de tentativas de
assassinato perpetradas por universitários norte-
americanos contra homens eminentes de diversos países,
todos eles em manifesta oposição à política externa ou aos
interesses econômicos dos Estados Unidos.
Após esquivar magistralmente dois de seus ataques
perigosos em Nova Iorque e mais um em Nova Haven,
nossa heroína inicia em Hong Kong, sob o pitoresco
disfarce da strip-teaser “Caroline Karr”, uma audaciosa.
ofensa contra “Tentáculo” frustrando com habilidade o
lance imediato de seu plano para comprometer a CIA — a
morte de Co Doh Bienh, líder cambojano anti-americanista.
Mas no exato momento em que acaba de derrotar dois
inimigos, em seu apartamento do “Hong Kong Terrace
Hotel”, Brigitte Montfort cai sob a ação do violento veneno
contido numa carta enviada par “Tentáculo”...
CAPÍTULO PRIMEIRO
Um círculo de “Johnnies”
“Baby” em baby-doll
Quatro cartas
Uma grande garota

Quando recebeu o chamado de “Baby” Montfort,


“Johnny” ia com o seu companheiro do mesmo nome num
carro, em cujo assento traseiro, desmaiado, reclinava-se o
jovem estudante.
— Fale, “Baby” — atendeu ele, sorrindo.
Ambos ouviram a voz alterada de Brigitte:
— “Jo”... “Johnny”, v-v-venha... de... pressa... Fui... en-
envenenada. . -
— “Baby”! — gritou “Johnny”, lívido como um
cadáver, igual ao seu colega da CIA. — “Baby”, responda!
O outro agente tinha já manobrado o volante e o carro,
com grande guinchar de pneus, deu meia volta completa na
rua, subindo quase um metro por uma calçada e criando
absoluto pânico entre os pedestres, chineses era sua maioria.
Deixando atrás um coro de protestos, o carro empreendeu o
caminho inverso, regressando a toda a velocidade ao hotel.
Quer dizer, todo o contrário do que tinham estado fazendo
até então: passear lentamente pelos arredores, esperando
que o rapaz despertasse de seu sono artificial. Um guarda de
trânsito da municipalidade de Hong Kong negou-se, durante
dois segundos, a acreditar em seus olhos quando aquela
bólide passou pelo centro da cidade, rumo à Avenida
Vitória, sem respeitar absolutamente nada.
Em menos de dois minutos, numa guinchante e gritante
freada. o carro detinha-se diante do “Hong Kong Terrace
Hotel” e os dois homens dele saíam era disparada,
justamente quando outros dois pareciam dispostos a entrar
no hotel, tranqüilamente. Mas sua tranqüilidade
desapareceu de imediato:
— Que foi? — perguntou um deles.
— Vamos subir! — gritou “Johnny”. — Você fica aqui e
atende ao guarda!
Este vinha chegando, de motocicleta, e o agente secreto
que estivera ao volante do carro dirigiu-se para ele,
enquanto os outros três lançavam-se para o interior do hotel,
correndo, sem prestar atenção a ninguém... Nem sequer a
um maneta de rosto um pouco desfigurado, que saía com
uma dama de aspecto tranqüilo, um pouco gorducha, ambos
caminhando depressa.
Galgaram as amplas escadas brancas de três em três, a
uma velocidade assombrosa, como se suas faculdades
físicas não se pudessem consumir, fosse qual fosse o
esforço que realizassem. Ofegantes, chegaram à porta da
suíte 402, que não estava trancada.
Os três entraram precipitadamente, olhando para todos
os lados. Havia um homem no chão, que parecia morto. Um
dos agentes fechou a porta e aproximou-se do homem. Os
outros dois, sem se deter, lançaram-se para o quarto.
No banheiro!
Correram para lá. A porta estava fechada por dentro e
parecia muito sólida. “Johnny” sacou o revólver, sem
hesitar, apontou para a fechadura e disparou. Um abafado
“plop” e a fechadura afundou, lascando a madeira. Um
pontapé acabou de arrombar a porta do banheiro.
Os dois homens, suando, ajoelharam-se junto de Brigitte
Montfort, que jazia de lado, o rosto lívido, como se fosse de
cera. Perto de uma de suas mãos via-se a bolsa, aberta. E
junto a esta, o pequeno rádio.
“Johnny” apanhou uma diminuta cápsula perto da boca
de Brigitte, que estava manchada.
— Tomou um antídoto — disse ele. — Tomara que
produza efeito! Me ajude...
Levantaram-na. Quando saiam do banheiro, o outro
agente estava na porta, tão pálido como seus companheiros.
Precedeu-os até o quarto e abriu o leito.
— Os sapatos... E o vestido...
— Chamamos um médico?
— Não é preciso. Tenho o curso de medicina quase
completo. E o caso está bem claro. Basta uma bebida.
Quanto mais álcool contenha, melhor... Arranje uma garrafa
de uísque, para neutralizar mais o veneno. Precisamos
salvá-la, custe o que custar!
***
A primeira coisa que viu ao abrir os olhos foi um balde
prateado, do qual sobressaía o gargalo de uma garrafa de
champanha.
— Está esperando aí há dois dias — disse uma voz
amável. — Trata-se, é claro, de uma “Perignon 55”.
Ergueu um pouco os olhos, lentamente.
— “Johnny”...
— Olá! Estamos a seis de março, Hong Kong agita-se
tão intensamente como sempre, faz um sol aceitável e você
está bem. Quer saber mais alguma coisa?
— Não sei... Que aconteceu?
Olhou os quatro rostos amigos que a rodeavam, com um
sorriso de alegria um tanto crispado. “Johnny” olhou as
horas.
— Nove e meia da manhã. Descanse, “Baby”: às doze e
meia almoçaremos todos juntos, como alegres camaradas.
— Escaparam...?
— É verdade. Mas não se preocupe. Tudo está em boa
forma. Ordeno-lhe que descanse. Aliás, a ordem não é
minha apenas... Hem, “Johnny”, “Johnny” e “Johnny”?
— Exato — disseram os três ao mesmo tempo, sorrindo.
— Todos ordenamos que Baby descanse.
— Que horas são?
— Uma e quinze — sorriu “Johnny”. — Você é uma
dorminhoca: estamos esperando-a para o almoço desde as
doze e meia.
— Posso mover-me?
— Claro. Quer sentar-se na cama?
— Quero...
“Johnny” e “Johnny” ‘ajudaram-na, colocando
travesseiros para que se recostasse. Ficou imóvel, pálida,
com os braços inertes. Via fixos em seu rosto os quatro
olhares, que refletiam preocupação, e decidiu levar aquilo à
sua maneira:
— Devo estar horrível... — lamentou-se — Quem me dá
um espelho?
Os quatro “Johnnies” sorriram amplamente. Certo, de
acordo: “Baby” lhes dizia que tudo ia bem. Estava débil,
mas voltava a ser a menina mimada da CIA, novamente
disposta a demonstrar que merecia este privilégio.
— Vejamos — riu “Johnny” —: um espelho para
“Baby”!
“Johnny” pousou sua bolsa sobre a cama e Brigitte
olhou-se no espelhinho, temerosa.
— Horrível de verdade... — murmurou. — Estou pálida,
com olheiras, toda despenteada... Fiquei dois dias assim?
— Hã-hã!
— Um triste espetáculo para os meus meninos... Tudo
está novamente em marcha?
— Tudo. Esperamos apenas que você reentre em órbita.
— Posso levantar-me, ou estou fraca demais?
— Você é que sabe, querida.
— Veio a Polícia colonial, ou...?
— A CIA não quer publicidade. Conseguimos ajeitar as
coisas... Ah: terá que pôr em sua conta de despesas uma
multa de cem dólares por excesso de velocidade e outras
infrações.
— Impróprio de um espião... — sorriu ela. — Vejamos
que tal estão minhas pernas...
— A última vez que as vi, estavam exatamente como eu
gosto.
Sorrindo, Brigitte afastou as roupas da cama. Deu-se
conta, então, de que apenas usava um levíssimo “baby-
doll”, e dirigiu um olhar malicioso aos seus companheiros
de espionagem.
— Patifes...
Certamente: “Baby” tornava a ser “Baby”. O perigo
tinha passado.
— Enquanto você toma o seu chuveiro — disse
“Johnny”, — nós abrimos o champanha. Não imagina o que
nos custou encontrar “Perignon” em Hong Kong!
— Mas não há nada que um espião não possa conseguir
— troçou Brigitte, dirigindo-se para o banheiro.
Quando saiu, cinco minutos depois, ainda de “baby-
doll”, mas tendo cuidado um pouco da maquilagem, tinha
um aspecto excelente. E, dentro de dois dias, tornaria a ser
totalmente a adorável criatura que todos conheciam.
Os quatro agentes emitiram um assobio. Um deles
estendeu-lhe uma bata que tirara do armário.
— Será bom que você ponha isto, senão ficará difícil
para nós coordenar as idéias.
— Encontraram as fotos em meu isqueiro?
— E já estão reveladas.
Aproximou-se outro “Johnny” com a taça de
champanha. Brigitte sentou-se na beira da cama e tomou um
pequeno gole.
— Não está gelada como eu gosto.
— É o cúmulo! — reclamou o “Johnny”. — Ainda se
queixa de nós... Pois se lhe interessa, fique sabendo que a
senhora gorda e o maneta deixaram Hong Kong anteontem
mesmo, de avião, rumo a Paris. São estes?
Brigitte apanhou as fotos que tinha tirado no vestíbulo
do hotel e examinou-as ligeiramente. Lá estavam o
estudante americano, seu acompanhante, e Stanislas
Pogorsky e “Tentáculo”. Esta última, vista de muito longe
ao ser batida a foto, não se podia distinguir bem, pois a
ampliação deixava um tanto imprecisas suas feições.
— Foram para Paris?
— Voaram para lã. É tudo quanto sabemos.
— E o jovem universitário?
Mandado de volta para casa. À sua chegada a
Washington, foi esperado. Tinha uma carta na maleta, claro.
Agora, já está na Central para ser examinada. Mas, na
verdade, pouco adiantará isso. Seus vizinhos do hotel,
deixaram a bagagem... e um lança-chamas. Examinamos a
bagagem cuidadosamente e encontramos dois microfones
magnéticos, os respectivos receptores, um revólver...
Saíram muito depressa do hotel.
“Johnny” cruzou com eles. Requisitamos o que nos
interessava e também o lança-chamas. O resto da bagagem
ficou com os proprietários do hotel.
— Tomaram impressões digitais?
— Também estão em Washington.
— Bom. Parece que tudo está em ordem. Mandaram
aviso à Europa...?
— Toda a Europa está à procura dos dois. A mulher dos
disfarces será difícil de localizar, sem dúvida. Mas
imaginamos que o maneta não o seja tanto. Claro: deve-se
levar em conta a muito razoável possibilidade de que se
muna de um braço artificial. Com o que as coisas se
tornarão realmente difíceis. Mas, pelo menos, você está
viva.
— Foi astuta — observou, sorrindo, outro “Johnny”.
— Ainda não sabemos se fez de propósito ou por
casualidade — objetou outro.
— De que estão falando? — interessou-se Brigitte.
— Quando chegamos, você estava trancada no banheiro,
com dois revólveres... Por quê?
— Tranquei-me para que não chegassem a mim. E levei
os dois revólveres porque, se quisessem entrar, não
poderiam dispor deles para arrebentar a fechadura, com o
que lhes dificultava o trabalho... Pelo menos, o tempo
suficiente para vocês virem.
— Pague meus cinco dólares! — exigiu um ‘Johnny”,
sorrindo e estendendo a mão a outro.
— Bem lhe disse que de boba ela não tem nada. Nem
mesmo quando a envenenam.
— Bem. Que tal se almoçarmos agora? Tudo já deve
estar frio.
— Vamos... Veio algum médico cuidar de mim?
“Johnny” foi à mesinha onde tinham deixado o almoço
exatamente às doze e trinta. Levantou uma das tampas
metálicas e cheirou avidamente.
— Delicioso! Eu mesmo cuidei de você.
— Ah... E diga-me, doutor: quando poderei voltar à
espionagem?
— Dentro de dois dias, no mínimo. Melhor: quatro. Não
há grande pressa. Nossos companheiros na Europa estão
ativos, empregando todos os meios.
— Pode ser que os dois já não estejam na Europa,
“Johnny”.
— Mas estarão no planeta Terra. Portanto, a CIA os
encontrará, O negativo de suas fotos foi parar em
Washington e calculo que, no momento, milhares de cópias
estão circulando por todo o mundo.
— Poderia eu dispor de quatro cópias?
— Sem dúvida. Posso ir a certo lugar de Hong Kong
onde obterei reproduções das que temos conosco. Para que
as quer?
— Quando poderei tê-las?
— Depois do almoço — grunhiu “Johnny”. — Ou
pretende matar-nos de fome?
***
Pelas cinco da tarde, Brigitte acabou de escrever, na
maquina fornecida pela gerência do hotel, a quarta carta.
Apanhou o último conjunto de fotografias, que introduziu
também no envelope. Fechou-o.
— Via aérea e urgente, “Johnny”.
O agente da CIA apanhou as cartas e olhou os
envelopes.
— John Pearson, Wilhem von Steinheil, Monsieur...
— Que importa os nomes? — murmurou Brigitte.
— Quem são?
— Amigos meu. Muito bons amigos, “Johnny”.
— Ótimo! Você tem amigos era Paris, Londres, Berlim e
até na ilha de Malta...
— Urgentes e por avião — sorriu Brigitte. — E já pode
comprar as passagens aéreas para Paris.
— Para quando?
— Amanhã? — arriscou ela.
— Nem por sonho! E já lhe disse que não há pressa.
Ainda que chegássemos a Paris hoje mesmo, nada
adiantaríamos com isso. As coisas têm que seguir seu curso.
— Mas se chegarmos...
— Nada disso. Dois ou três dias em Hong Kong lhe
farão bem. Três, melhor ainda. Que se propõe você:
apresentar-se debilitada diante de sua amiga “Tentáculo”?
“Baby” ficou pensativa uns segundos. “Johnny” tinha
razão, claro, e ela era demasiado impaciente... O que não
daria bom resultado com “Tentáculo”. Também seu
companheiro tinha razão: por muito que corressem, tudo
continuaria igual. Se a CIA em toda a Europa estava
procurando “Tentáculo”, a presença deles naquele
continente só poderia prejudicar essa busca, já que haveria
de ser tomada em conta a possibilidade de que fosse
“Tentáculo” quem viesse à procura da agente “Baby” ou,
em lugar de tentar matá-la, como até então, levantasse vôo
para outra parte do mundo. Agora, pelo menos, sabiam que
estava na Europa. Ou que devia estar. E por último, além da
CIA, alguém ia procurar “Tentáculo” e o maneta na Europa.
— De acordo, “Johnny”. Partiremos dentro de três dias
para Paris. Mas nem um só dia depois.
— Prometido. Você é uma grande garota, “Baby”!

CAPÍTULO SEGUNDO
“Três parisienses”
Aparece “Monsieur Nez”
Nice ou Chamonix?
Esportes de inverno

Inclusive no “Hotel George V”, de Paris, um dos


melhores do mundo, causou sensação a chegada daquela
jovem de maravilhosos olhos azuis, cujo corpo perfeito
tornava mais elegante sua toilette no mais puro estilo da alta
elegância parisiense. Em troca, ninguém prestara a menor
atenção aos dois homens que tinham chegado um dia antes
e que, sentados no vestíbulo, separadamente, pareciam
sentir grande interesse pelos jornais “Le Figaro” e “Le
Monde”.
Estes dois homens, de rosto viril e enxuto, mostravam
aliás grande interesse por tudo, e mais ainda quando surgiu
a belíssima jovem de olhos azuis. Então, puseram de lado
seus jornais e, coisa estranha, não olharam para ela, como
faziam todos, mas relancearam o olhar com grande atenção
ao seu redor. Por fim, olharam para outros dois homens que
tinham entrado no vestíbulo, atrás da jovem.
E uma troca de olhares entre aqueles quatro homens foi
suficiente: tudo ia bem.
A morena de olhos azuis procedia de Hong Kong. Os
dois cavalheiros que se registraram depois dela, de Tóquio.
Assim, pelo menos, constava de seus passaportes. Os três
eram dos Estados Unidos mas não se conheciam.
Com amplos sorrisos compreensivos, os dois recém-
chegados de Tóquio deixaram que fosse devidamente
atendida a esplêndida criatura, cujo francês era também
esplêndido. Num minuto, ela conquistou todo o pessoal do
hotel que a atendeu: portaria, recepção, boys...
E assim, sexta-feira, dia dez de março, pelas oito horas
da noite, a mais audaz espiã do mundo era acomodada numa
luxuosa suíte do “Hotel George V”.
Sua gorjeta aos três boys que se encarregaram da
bagagem foi generosa, mas não em excesso. Com o que eles
tiveram certeza de que aquela era realmente uma pessoa de
classe: sabia dar gorjetas. Nem pouco, o que indicava
avareza; nem muito, o que pode indicar esnobismo, falta de
distinção ou, pelo menos, de familiaridade com o grande
mundo.
Durante o jantar, magnífica em seu vestido de noite, a
nova hóspede do “George V”, convenceu os sérios e pontos
garçons de um modo definitivo. Uma dama. Sabia o que
pedir em cada momento.
— Champagne, mademoiselle?
— Oui, naturellement... li y a du Perignon
— Mais sans doute. Merci, madernoiselle.
Depois do jantar, mademoiselle Montfort, cansada da
viagem, decidiu retirar-se para suas acomodações.
E muito pouco depois, estava em “deshabillée”,
fragrante e delicada como uma flor de primavera, mas
examinando rotineiramente uma bonita e diminuta pistola
de coronha de madrepérola. O que talvez tivesse
surpreendido um pouco o sofisticado pessoal do hotel.
Que se teria surpreendido mais, se soubesse que a
elegante jovem recebia homens aos pares em sua suíte.
Quando soou a batida na porta, ela ergueu vivamente a
cabeça, apontando a pistola para lá. Depois, sorrindo,
aproximou-se da porta.
— Quem é?
— “Johnny”.
Abriu e dois “Johnnies” entraram, olhando para todos os
lados. Tornou a fechar e indicou o quarto, aonde os dois a
seguiram, cada vez mais convencidos de que sua gentil
companheira de perigos era a mulher mais formosa do
mundo... além de ser a melhor espiã.
— Excelente hotel — comentou “Johnny”.
— Como outros muitos — sorriu “Baby”. — Alguma
novidade?
— Não. Seria demasiado se “Tentáculo” já soubesse que
acabamos de chegar a Paris. Examinou a suíte?
— Ainda não.
— Nós ajudaremos...
— Ora vamos, queridos meninos... Sei como se faz.
Além disso, é mesmo pouco provável que “Tentáculo” já
tenha preparado um de seus truques. Naturalmente, não está
em Paris.
— Por que diz isso?
Brigitte suspirou, desalentada.
— Seria demasiado fácil. Vão esta mesma noite ver o
chefe local?
— Claro. “Johnny” e “Johnny” estarão perto de você o
tempo todo. De qualquer modo, não se descuide. Mmmm...
— O que é, “Johnny”?
— Talvez seja melhor que revistemos a suíte...
— Querem mesmo fazer algo por mim? — atalhou ela,
sorrindo.
— Qualquer coisa!
— Deixem-me dormir. Estou cansada de verdade.
Amanhã...
Calou-se de súbito, olhando fixamente para o rádio de
bolso, colocado sobre a mesinha de cabeceira. Uma
pequena luz vermelha estava apagando e acendendo
silenciosamente. Atendeu o chamado.
— Que há, “Johnny”?
— Vão bater na sua porta agora mesmo. Alguém da
portaria do hotel.
— Armado?
— Não parece. Leva... — Soou a batida na porta da
suíte. — Já bateu. Leva uma bandeja com uma carta ou
telegrama.
— Bem.
— Diga aos “Johnnies” que tomem cuidado.
— De acordo... sorriu Brigitte. Boa noite, “Johnny”.
Fechou o rádio e saiu do quarto. “Johnny” saiu com ela e
colocou-se atrás de uma cortina, revólver na mão. O outro
“Johnny” ficou no quarto, atrás da porta, olhando pela fresta
entre esta e o batente, também de revólver na mão.
E “Baby” Montfort abriu a porta da suíte.
— Oh, rnademoiselle Montfort! Terá que perdoar-nos...
Vim pessoalmente para pedir-lhe desculpas...
— Por que motivo? — sorriu ela. Tudo está perfeito...
O homem adiantou a bandeja, na qual via-se um
telegrama.
— Chegou anteontem, de madrugada. Seu nome não
constava no registro do hotel, de modo que resolvemos
conservá-lo... Lembrei-me há alguns minutos de sua
chegada e... Suplico-lhe que nos perdoe!
— Está bem. Não tem importância. Muito obrigada.
— Estou incomodadíssimo, mademoiselle Montfort...
— Asseguro-lhe que não tem importância. Boa noite.
— Boa noite, mademoiselle Montfort.
Ela fechou a porta e “Johnny” e “Johnny” apareceram,
guardando os revólveres.
— De quem é? — perguntou um deles.
— Ainda não abri, querido. Vejamos...
Abriu o telegrama e leu. Realmente, não podia ser mais
breve:
NICE
Um

— Nice, Um... Está certa de que é para você, “Baby”?


— O endereço está claríssimo — sorriu ela — Brigitte
Montfort, “Hotel George V”, Paris. Além disso, estava
esperando algo assim. “Johnny”. E tinha que ser ele quem
desse o primeiro informe.
— Quer dizer que “Tentáculo” está em Nice?
— Com efeito.
— E quem é esse Um? Ah... Um momento! — exclamou
“Johnny” — Mas, não pode ser, claro...
— Que é que não pode ser?
— Bem, imagino que esse Um seja Número Um... Mas
não pode ser: Número Um morreu há alguns meses, na
Europa. O que foi lamentável: o melhor espião que a CIA já
possuiu...
— Deveras? Não seria tão bom quando o mataram em...
não sei onde.
— Você o conheceu?
— Um pouco. Sim... Um pouco. Mas, claro, se está
morto, este telegrama não pode ser dele1.
— De quem é, então?
— De um grande amigo. Ele se assina assim porque está
convencido de que é o homem mais importante de minha
vida.
— E é? — sorriu “Johnny”.
— Todos são importantes. Bem. Parece que vamos ficar
muito pouco tempo em Paris.
— Suponho que esse homem chamado Um é de sua
inteira confiança?
— Absoluta, “Johnny”. Vá esta noite ver se nossos
companheiros na Europa podem confirmar isto... Embora
seja necessário: se Um assim disse, é que estão mesmo em
Nice. E amanhã cedo, obtenha as passagens de avião para
lá. Mmm... Creio que será melhor não pagar a conta do
hotel, no momento. Deixaremos as suítes por nossa conta,
como se apenas fôssemos a Nice para uma brevíssima
permanência e pensássemos tornar a Paris.
— De acordo. Boa noite, “Baby”.
— Até amanhã, queridos.
***
O zumbido do rádio a despertou: o suave “bip-bip-bip”
que substituíra a luzinha vermelha durante a noite, a fim de
que pudesse ouvir um possível chamado de urgência, como
então estava acontecendo. Só que não devia ser demasiado

1
Número Um co-protagonizou com Brigitte Montfort a aventura OPERAÇÃO
ESTRELAS. NE
urgente, já que era de dia. Um sol pálido, baço e triste
banhava Paris. Eram nove horas e quinze minutos
— Fale, “Johnny”.
— Um homem está indo para aí. Vai bater.
Brigitte olhou para a porta aberta do quarto em direção à
da suíte, onde, com efeito, soou uma batida.
— Nós o conhecemos, “Johnny”?
— Eu não.
— Como é ele?
— Meio baixo, magro... Está vestido de preto tem uns
olhos muito pequenos e, em compensação, um vasto nariz.
— Oh, oh! — riu Brigitte. — Creio que sei quem é,
“Johnny”. Não há perigo. De qualquer modo, vou certificar-
me. Se eu não chamar dentro de um minuto, fiquem
tranqüilos.
— Certo.
Brigitte saiu da cama, vestiu um deshabillée e foi até a
porta, com a pistolinha na mão direita e o rádio na esquerda.
— Quem é?
— Posso entrar, mademoiselle Montfort?
Sorrindo, ela abriu e olhou com uma expressão entre
amável e irônica seu visitante.
— Meu querido Monsiseur Nez! — saudou. — Quanto
tempo sem nos vermos2!
Monsieur Nez, coisa assombrosa nele, sorriu
amistosamente, estendendo a mão.
— Como está, Brigitte? — interessou-se, realmente
amável.

2
Entre outras aventuras: UM TIRO NO AZUL
— Bastante bem. — Ela afastou-se para que o francês
entrasse, depois fechou a porta. — Pareceria tolice
perguntar se recebeu minha carta, já que está aqui.
— SiM... — suspirou ele. — Estou aqui. E você
também, nesta mesmíssima França, O que significa que vai
complicar minha vida.. Cheguei cedo demais?
— Não, não. Na verdade, devia ter-me levantado há
mais tempo: parto hoje mesmo para o sul.
— Já sabe, então? — assombrou-se o subchefe do
Deuxiéme Bureau.
— O quê?
— Pois não disse que ia para o sul?
— Disse. Mas...
— Então é que sabe.
Brigitte riu.
— Que maneira mais esquisita de falar, monsieur! A sua
e a minha. Porque o sul, porque sabe, porque não sabe... De
que estamos falando afinal? Um cigarro?
— Oui, merci.
Monsieur Nez sentou-se numa das pequenas poltronas do
quarto e Brigitte na beira da cama, após oferecer-lhe um
cigarro, olhando com nítida simpatia para o espião francês.
— Assim é a vida, monsieur — disse, sorrindo. —
Várias vezes eu o ajudei, em benefício da França e, de um
modo especial, do Deuxième Bureau. E...
— Ajuda que lhe foi paga em dólares americanos.
— Oh... Sim, é verdade... Um pequeno detalhe de
somenos importância, porque às vezes os serviços de
Brigitte Montfort não têm preço. Que são cem, duzentos,
trezentos mil dólares, comparados com a astúcia e a
eficiência da espiã internacional mais cara de todas? Ou vai
atrever-se a pedir-me uns quantos dólares por seu auxílio,
monsieur?
— Deveria fazê-lo.
— Mas não pedirá?
O Sr. Nariz hesitou, como se irritado.
— Não, não pedirei.
— O’est magnifique! — exclamou “Baby”. — Isso quer
dizer que, no fundo, tem por mim uma estima considerável,
monsieur. Não é verdade?
— Diga-me o que está acontecendo — grunhiu o
francês. — Por que está buscando essa gente?
— São uns... agitadores políticos internacionais.
— E pensam fazer uma das suas na França?
— Bem, se estão aqui, suponho que não será pelo gosto
de visitar o país. A última vez que os vi, em Hong Kong,
consegui atrapalhar seus planos, e escaparam rumo a Paris...
Tenho certeza de que estão projetando alguma coisa
desagradável nesta doce França.
— Que espécie de coisa?
— Não sei, monsieur. Mas estou segura de que se trata
da morte de alguma pessoa importante.
— Um francês?
— Não forçosamente. Um personagem impor tante na
política, talvez na ciência, nas finanças.... Não forçosamente
um francês, mas alguém que no momento deve estar na
França.
— E você quer impedir esse... atentado?
— Sem dúvida. Além disso, tenho um caso pessoal com
um dos elementos cuja fotografia lhe mandei.
— E vai partir hoje à sua procura?
— Espero que antes do meio-dia, de modo que poderei
almoçar em Nice.
— Vai procurá-los em Nice?
— Claro.
— Por quê?
— Bem... — Brigitte semicerrou as pálpebras. — Não
estão em Nice, monsieur?
— Segundo me consta, não.
— Neste caso, onde se encontram?
— Bom — sorriu amavelmente o Sr. Nariz. — Digamos
que o Deuxième Bureau, muito bem formado sobre a grande
capacidade de certa agente secreta norte-americana, observa
com curiosidade os passos dessa eficaz agente na França.
Certo subchefe do Deuxième Bureau pensou que valeria a
pena meter... o nariz no assunto.
— O seu nariz é demasiado grande para se meter neste
assunto, monsieur — declarou peremptoriamente Brigitte.
— Pode dizer ao Deuxième Bureau que a agente secreta
norte-americana não aceita condições, nem entra em
acordos com ninguém. E acrescente, monsieur, que a agente
norte-americana não escreveu ao Deuxième Bureau mas a
seu amigo pessoal, o Sr. Nariz.
— Não tem motivo para se irritar — resmungou ele.
— Nem estou irritada, monsieur. Apenas decepcionada.
Espero que os serviços secretos franceses não tenham que
tornar a recorrer à espiã americana, porque a resposta seria
NÃO. Bom dia, monsieur.
Levantou-se. Monsieur Nez permaneceu sentado,
grunhindo.
— Está bem, está bem... Só queria tentar, mademoiselle
Montfort. Compreenda que eu sinta interesse pelos passos
de uma espiã de sua categoria...
— A França não ganha nem perde com isto, asseguro-
lhe.
— Acredito, claro... Não necessita... digamos uma
discreta colaboração do Deuxième Bureau?
— No momento, não. E agora, monsieur, se me permite:
tenho alguma coisa a fazer antes de partir para Nice.
— Por que para Nice? Essas pessoas que procura não
estão lá.
— Não? — sorriu Brigitte.
— Uma delas, pelo menos. Refiro-me ao maneta... Foi
visto com dois braços, mas isso não engana um espião com
uma semana de experiência. Foi reconhecido pela
fotografia.
— Esplêndido! E não está em Nice?
— Não.
— Onde está?
— Em Chamonix.
— Impossível. Está tentando alguma jogada suja?
— Não diga tolices. Por que é impossível que esse
homem esteja em Chamonix?
— Um amigo meu, de cuja capacidade profissional
jamais me ocorreu duvidar, assegurou-m que as pessoas que
procuro estão em Nice.
— Seu amigo, seja quem for, está equivocado: estão em
Chamonix, num hotel que tem o nome de “Logis Mont-
Blanc”, próximo ao Grande São Bernardo. Um hotel caro,
naturalmente, Todo o conforto.
Brigitte olhou fixamente o subchefe do Deuxième
Bureau, as sobrancelhas contraídas.
— Quando soube isso, monsieur?
— Ontem à tarde. Vim até cá, mas você ainda não tinha
chegado. E durante a noite pareceu-me mais correto deixá-
la descansar. Vai partir para Chamonix? Ou para Nice?
— Pensarei. De qualquer modo, agradeço sua
gentileza... embora tenha sido um tanto a contragosto. Pode
comunicar ao Deuxième Bureau,da parte de certa espiã
norte-americana, que, como em outras ocasiões, dita espiã o
servirá da melhor vontade.
Dirigiu-se para a porta da suíte e o francês colocou-se a
seu lado. Antes de abrir, ela estendeu-lhe a mão, sorrindo.
— Muito obrigada, monsieur.
O Sr. Nariz reteve alguns segundos aquela mão bonita e
delicada.
— Voltará a Paris, Brigitte?
— Talvez. Por quê?
— Pensei que talvez gostasse de conhecer a cidade pela
mão de um especialista.
— Já conheço Paris — riu “Baby”. — Entretanto, não
esquecerei o seu convite se voltar a esta formosa cidade.
Novamente obrigada. E até à vista, monsieur.
O Sr. Nariz beijou-lhe a mão e saiu da suíte, deixando
Brigitte pensativa. Naturalmente, ali havia algo que não
estava funcionando bem. Se Número Um afirmava que
aquelas pessoas estavam em Nice, era que estavam em
Nice. Entretanto Monsieur Nez não tinha nenhum motivo
para enganá-la. E sua informação era mais recente...
O rádio estava chamando. Atendeu.
— Que há, “Johnny”?
— O que desejava o narigudo?
— Ele afirma que Stanislas Pogorsky está em
Chamonix.
— É? Pois “Johnny” já tem as passagens para Nice, no
vôo cento e...
“Baby” Montfort tomou uma decisão súbita, intuitiva:
— Que as troque. Iremos a Genebra. Lá alugaremos um
carro, ou o compraremos, para ir até Chamonix. Mas não
antes das cinco da tarde: tenho que fazer umas compras.
— Compras? É uma de suas brincadeiras, “Baby”?
— Não, não — respondeu ela, sorrindo. — Felizmente,
estamos em Paris, e espero encontrar tudo quanto preciso...
Oh, sim, estou certa de que conseguirei tudo antes das cinco
da tarde. Vão continuar guardando-me as costas, “Johnny”?
— Claro.
— Pois estejam alerta, porque irei fazer compras dentro
de meia hora. E às cinco, para Chamonix... Prefiro os
esportes aquáticos, mas também me diverte esquiar.
CAPÍTULO TERCEIRO
No albergue de Chamonix.
“Madame la Duchesse de Montpelier”.
O “signore” Angelo Tomasini.
Falar para quê?

Pela vinte horas e meia daquele mesmo dia, um


automóvel preto, que vinte anos atrás teria sido considerado
moderno e de grande luxo, deteve-se diante do “Logis
Mont-Blanc”, em Chamonix, defrontando o Grande São
Bernardo, como encerrado entre os altos picos do Monte
Branco e da Agulha Verde. Soprava um vento frio e havia
no ar miúdos flocos de neve, que redemoinhavam formando
caprichosos desenhos brancos na negrura da noite.
Do albergue brotavam torrentes de luz e pelas janelas
cobertas de geada, apenas audível, fluía música. Uma
grande construção de troncos, amplos terraços, janelas com
postigos de madeira. Para os lados do Monte Branco, as
pistas de esqui, como largas faixas azuis à luz da lua.
O chofer do antigo mas bem cuidado carro saltou
imediatamente para abrir a porta traseira esquerda. Ao
mesmo tempo, dois boys do hotel mais caro e luxuoso de
Chamonix acorreram a toda a pressa, provenientes do
vestíbulo.
Do imponente carro desceu uma dama. Uma dama que
orçava pelos sessenta anos, vestida de negro com rendas no
peito, sapatos de tacão, uma grande medalha ao pescoço.
Manejava um bastão encastoado de prata, com uma perícia
que revelava longa prática.
— Depressa, Madame... — disse o chofer. — O tempo é
rigoroso neste lugar.
O porteiro do albergue adiantou-se com um guarda-
chuva, protegendo a velha dama dos minúsculos flocos de
neve. Ganhou um olhar reconhecido dos olhos negros, ainda
brilhantes através dos óculos de lentes ovaladas.
— Eu cuidarei da bagagem, Madame la Duchesse —
disse o chofer.
— Très bien, Henri. — Estavam já no vestíbulo, e a
dama olhou para o porteiro. — Detesto a neve, jovem. Mas,
às vezes, tem-se que correr o risco, em benefício da família.
— A neve não chega até aqui, Madame — sorriu o
porteiro. — Estou convencido de que sua permanência neste
albergue será feliz.
— Duvido, jovem, duvido...
— Por aqui, Madame...
Conduziu-a através do vestíbulo, completamente
solitário naquele momento, com exceção do recepcionista.
Do bar-restaurante, a música chegava agora com muito mais
intensidade. Mas a construção do albergue tinha sido feita
de tal modo que o bar ficava isolado.
O recepcionista soube aquilatar imediatamente a
qualidade daquela velha senhora.
— Boa noite, Madame! Bem-vinda ao “Logis Mont-
Blanc”. Espero que tenha feito boa viagem.
— Infernal... Infernal, jovem, infernal... Embora... há
neve no inferno?
— Creio que não, Madame — sorriu o homem. — Mas
não poderia garantir. Nunca estive lá.
— Tudo chegará, jovem, tudo chegará... Onde estão
meus sobrinhos?
— Muito receio que o ignore, Madame.
— Mas não é possível! Três altos, escandalosos e
preguiçosos rapazes, de nome Simonet... Não chegaram?
— Não. Lamento, Madame.
— Já esperava por essa... — suspirou a velha dama. —
Nunca se pode contar com eles...
— Talvez estejam em outro albergue, Madame, à sua
espera.
— Em outro albergue? Ah, não, não... Eles sabem muito
bem escolher onde se hospedar. Quanto a mim, estou tão
cansada que aceitaria qualquer coisa. Embora... Diga-me,
jovem: há algo no bar que uma dama respeitável não deva
ver ou ouvir?
— Absolutamente não, Madame.
— Magnifique! Então irei tomar qualquer coisa que faça
bem aos meus velhos ossos... Interessa-lhe meu nome e
demais dados para efeito de registro, jovem?
— Se Madame quiser ter a bondade...
— Pois sou Annette Simonet, Duquesa de Montpelier3...
Henri lhe proporcionará a documentação de que precise.
Tudo pronto, Henri?
— Oui, Madame la Duchesse — inclinou-se o chofer,
que acompanhava os dois boys, todos carregados de velhas
maletas e uma mala.
— Meus sobrinhos não vieram... Ah, mas não me
surpreende, não... Que número tem meu apartamento,
jovem?
— Número 16, Madame la Duchesse.
— Bem... Acomode-se também você, Henri. E não
desejarei mais nada por hoje. Boa noite, Henri.

3
aventura EPIONAGEM CIENTÍFICA
— Boa noite, Madame.
Annette Simonet, Duquesa de Montpelier, voltou-se
novamente para o recepcionista:
— Se chegarem meus sobrinhos, não lhes diga onde
estou: eles mesmos encontrarão o bar, não há perigo.
O chofer e os boys encaminharam-se para a escada de
madeira que levava aos apartamentos, enquanto a duquesa
dirigia-se ao bar, com graciosos passos miúdos e batendo
orgulhosamente no chão com sua bengala de punho de
prata.
— Bons vivedores devem ser os tais sobrinhos —
comentou o porteiro, sorrindo divertido.
— Aposto com Madame la Duchesse saberá dar-lhes o
que merecem, na hora do ajuste de contas — opinou o
recepcionista.
— Nada! — riu o porteiro. — Conheço bem uma
verdadeira aristocrata quando a vejo. E essa senhora
duquesa...
Madame la Duchesse fez sua aparição no bar com toda a
naturalidade, olhando em todas as direções por cima dos
óculos ovalados, os olhos negros brilhando, impecável em
seu severo vestido, venerável com seus cabelos grisalhos
bem penteados, o rosto ao mesmo tempo simpático e grave.
Dirigiu-se sem vacilar para uma mesa vazia e sentou-se,
sem deixar de olhar ao seu redor, com expressão entre
divertida e critica. Malhas coloridas, gorros com uma borla
na ponta, botas grossas, rostos queimados pela neve, música
moderna... Havia esquis pelas paredes, duas cabeças de
gamo, uma pele de urso, vidraças em policromias nas
janelas. As paredes eram de troncos, o que dava uma
sensação cálida, de conforto e intimidade. A lareira estava
acesa. No centro do bar, alguns pares dançavam sem tocar-
se, olhando-se, rindo e dobrando os joelhos, quase em
silêncio, como se cumprissem um ritual. Fora, devido à
película de gelo que cobria as vidraças, mal se via a neve.
Assombroso. Alguns dos hóspedes do albergue
permitiam-se vestir formalmente. Talvez ali fossem por
simples obediência ao programa social que manda trocar de
lugar uns determinados números de vezes por ano.
— Madame?
— Mmmm... Conhaque. “Napoleon”. Quente, por favor.
— Tout de suite.
As moças eram muito jovens. Algumas delas usavam
calças largas e um pulôver nas costas, com as mangas
amarradas nó pescoço. No canto oposto, um grupo de
pessoas mais velhas que faziam comentários indiferentes,
talvez sobre o tempo, talvez sobre o dia passado, talvez
sobre o dia seguinte.
A uma mesa, sozinho, estava Stanislas Pogorsky.
Mas parecia ter dois braços, não um apenas. Além disso,
ocultava a calvície com uma peruca muito bem colocada, na
qual se viam inclusive alguns fios brancos. Estava quase
atraente. Só que se lhe arrancassem a peruca e o braço
artificial, o desengano seria grande.
O olhar de Madame la Duchesse passou brevemente por
ele. Brevemente, mas de forma escrutadora, perspicaz.
Pogorsky olhara-a também por um instante, mas com total
indiferença; sua atenção concentrava-se num dos rapazes
que dançavam no centro do bar, rindo. Sempre simpática,
entre sorridente e crítica, Madame la Duchesse tornou a
olhar os dançarmos. Estava quase certa de não se enganar:
Stanislas Pogorsky prestava atenção ao mais alto, moreno,
de ombros largos e olhos escuros. Um belo tipo de rapaz
simpático e inteligente, em pleno desenvolvimento, a
caminho de transformar-se num homem interessante. Isso,
supondo-se que pudesse sobreviver à sua aventura em
Chamonix.
— Votre cognac, Madame.
— Merci... Ah, jovem, quer fazer-me um favor?
— Ordene, Madame.
— Vê aquele cavalheiro, impecável em seu smoking?
— O signore Tomasini?
— Não sei como se chama. Refiro-me àquele que tem
um tipo atlético, cabelo ondulado... e creio que olhos
negros. É muitíssimo atraente, não lhe parece?
— Sem dúvida, Madame — sorriu o garçom.
— Vejo que está só, como se este ambiente frívolo não
lhe agradasse. Eu diria que se aborrece. Quer convidá-lo de
minha parte para tomar um “Napoleon”? E diga-lhe que se
tem vontade de conversar com alguém que valha a pena, já
tem companhia. Pode fazer isso?
— Claro que sim, Madame — tornou a sorrir o garçom.
— E estou certo de que o signore Tomasini vai passar um
momento agradável. Com sua licença, Madame...
O garçom afastou-se. Madame la Duchesse viu-o chegar
junto ao muito atraente cavalheiro do smoking impecável,
dizer-lhe algo e ser ouvido com atenção. Depois os olhos
negros do chamado Tomasini, inteligentes mas talvez um
tanto frios, fixaram a Duquesa. Ele assentiu com a cabeça e
o garçom afastou-se. O signore Tomasini apanhou seu copo
sobre o balcão, desceu do alto banco e aproximou-se
lentamente da mesa de Annette Simonet.
Deteve-se diante dela, com um sorriso cortês.
— Angelo Tomasini, Madame — apresentou-se. —
Minhas homenagens.
Annette Simonet estendeu sua branca mãozinha para que
o varonil, elegante e atraente personagem pudesse beijá-la.
— Annette Simonet, Duquesa de Montpelier...
Encantada, senhor Tomasini. Quer sentar-se?
— Com muito prazer, Madame.
Sentou-se. Era elegante e, pela sua atlética esbelteza,
parecia sólido como aço.
— Está surpreendido com meu convite, senhor
Tomasini?
— Muito pouco, Madame. Embora, realmente, seja
difícil encontrar alguém que se interesse por uma
conversação amena. Devo acrescentar, Madame, com todo
o respeito, que sua idade influiu bastante em minha
aceitação. Sua idade e... sua aparência. Espero não me ter
equivocado.
— Temo não compreendê-lo, senhor Tomasini. Oh, por
favor, se acha que lhe é mais grato conversar em italiano,
podemos fazê-lo.
— O francês é um idioma encantador, inclusive para um
italiano. A respeito de minhas palavras anteriores, Madame,
talvez lhe pareça um tanto imodesto de minha parte, mas
estou bastante enfastiado de senhoras de certa idade que
procuram minha companhia mais ou menos discretamente.
— Oh... Compreendo, senhor Tomasini. Pareço-lhe uma
dessas?
— Eu não estaria aqui, Madame.
— Muito obrigada... Entretanto, compreendo essas
damas a que se refere, senhor Tomasini. Na verdade, seu
aspecto é o mais varonil e interessante. E tem a idade
exata... Trinta e cinco anos?
— Trinta e seis, Madame.
— Um homem completo — suspirou a Duquesa. — Mas
não tema, senhor Tomasini: sou uma dama de verdade.
— Assim me pareceu. Tem algum tema predileto de
conversação, Madame?
— Bem... Sempre gostei de falar das pessoas em geral.
Que espécie de pessoas há neste lugar?
— Pouco interessantes para seu... ponto de vista, creio.
Veio só a Chamonix?
— Não, não. Vim com Henri, meu chofer. E estou
esperando a chegada de meus três sobrinhos. Três
simpáticos rapazes, sadios e fortes. Muito inteligentes, mas
um tanto preguiçosos, talvez distraídos... É possível que,
embora sabendo que os espero aqui, estejam em qualquer
outro lugar tomando seus “drinks”.
— Compreendo. Quanto às pessoas deste albergue,
Madame, a senhora mesma pode verificar: jovens
simpáticos, mas um pouco tolos na hora de divertir-se;
excelentes esportistas, isso sim. É um prazer vê-los esquiar.
Inclusive, em certas ocasiões, pode ser agradável ouvir seus
risos e gracejos. Este é um lugar encantador... Depois,
temos as pessoas mais velhas. Interessantes, na maioria.
Mas apenas uma ou duas dessas pessoas poderiam
interessar de um modo especial.
— E que pessoas são essas, senhor Tomasini?
— Uma, o rapaz moreno, de ombros de atleta. Não pára
de dançar. Eu diria que está... terrivelmente contente. Mas,
se me chamou atenção, foi por sua relação com outra
pessoa, esta de mais idade. Parecem bons amigos. Refiro-
me ao cavalheiro solitário daquela mesa... — olhou apenas
um segundo. — Não lhe quero parecer malicioso, Madame,
mas juraria que ele usa cabeleira postiça. E um braço
artificial.
— Incrível! É preciso muita boa vista para notar isso,
senhor Tomasini.
— Bom — sorriu ele. — Algumas pessoas gostam de
observar as demais. É interessante.
— Sem dúvida, sem dúvida... Diga-me, senhor
Tomasini: esteve alguma vez em Nice?
— Evidentemente, Madame! Quem não esteve em Nice?
Há exatamente dois dias estive lá e... Não vai acreditar,
Madanne: o cavalheiro do braço artificial também.
— Assombroso.
— Não é mesmo? Ao que parece, ambos sentimos o
mesmo desejo: Apanhar sol sobre uma montanha. Nesta
época do ano, as praias estão demasiado... úmidas, inclusive
em Nice. Aqui, pelo menos, o ar é seco.
— Um clima horrível. Detesto o frio, senhor Tomasini.
— Bem. Parece-me bastante prudente em sua idade,
Madame. Oh, e voltando ao senhor do braço artificial:
chama-se Michel Bouvoir e ocupa o apartamento número
22, no último andar. Sistema americano.
— Tão bom como outro qualquer. Parece que o senhor
Bouvoir está também muito só, não é verdade? Porque eu
diria que o rapaz sabe divertir-se por sua conta.
— Ah, o rapaz... Apartamento 20, contíguo ao do senhor
Bouvoir. Chama-se Leslie Bowles. Norte-americano, claro.
Eu diria que é estudante universitário. Sotaque do sul...
Posslvemente, de Miami.
— Senhor Tomasini, eu estou maravilhada! — exclamou
a dama. — Nunca vi ninguém com capacidade para deduzir
tantas coisas.
— É meu hobby, como dizem os americanos. Esquecia-
me um detalhe, a respeito da solidão do senhor Bouvoir:
deixou alguém em Nice. Uma senhora da idade de Madame,
aproximadamente.
— Sua amante? — sorriu, maliciosa, a Duquesa.
— Oh, Madame, por favor... Admita que o senhor
Bouvoir é o mais possível oposto a mim; quer dizer, a um
homem na idade justa para interessar a uma dama de certa
idade.
— Talvez seja de sua família.
— Não creio. A dama em questão alugou uma vila em
Nice... “Ville Bouganville”. Não é muito grande, mas
confortável e bem situada, sobre o mar, em Basse Corniche,
à direita indo-se para Mônaco. Essa senhora tem dois
amigos na vila... Dois homens cujo aspecto não é lá dos
mais simpáticos. E se eu fosse dado ao novelesco, diria que
costumam andar armados.
— Acha que sejam... gangsteres? — assustou-se a
Duquesa.
— Tudo é possível, Madame — sorriu Tomasini. —
Mas se o são, eu diria que de baixa qualidade.
— E essa dama de “Ville Bouganville” como é? Que
pensa a seu respeito, senhor Tomasini?
— Bem... Faz-se chamar Marie Leblanc e parece que
pretende dar a impressão de que é francesa.
— Mas não é?
— Claro que não! Por uma rara casualidade, pude ouvi-
la em certo momento... Justamente quando estava
conversando com o senhor Bouvoir a respeito da viagem
deste a Chamonix, há deis dias. Eu diria, pelo tom de voz,
que a dama chamada Marie Leblanc é... russa. Russa, sim.
Ou algo parecido. Ainda não consegui classificá-la...
— Poderia ser armênia — murmurou a Duquesa.
Angelo Tomasini ficou olhando-a, assombrado.
— Mas exatamente, Madame! Claro que sim: Armênia!
Ah, Dio mio... Armênia! Nesse caso, o senhor Bouvoir,
embora fale o francês e o inglês muito melhor do que ela,
creio que também tem que ser armênio.
— E esses homens que estão com Marie Leblanc em
“Ville Bouganville”?
— Ah, esses são franceses, Madame. Com toda a
segurança.
— Então, claro, sabem que Marie Leblanc não é
francesa.
— Devem saber, certamente.
— E acontece, então, que o senhor Bouvoir é um
impostor.
— Sem dúvida, Madame. Um aventureiro, diria eu...
Não é apaixonante conversar sobre as pessoas? A gente vem
a saber de cada uma! Um cigarro, Madame?
— Não, não obrigada... Não tenho vontade de tossir.
Angelo Tomasini riu simpaticamente, olhando
encantado para Madame la Duchesse.
— Posso dizer-lhe, Madame, que me parece uma
senhora muitíssimo sedutora?
— É demasiado amável, senhor Tomasini. Não está
obrigado a tanto.
— Mas é o que penso realmente, Madame. Ah! Dio mio,
alguns homens chegam sempre tarde.
— Como...?
— Pergunto-me como seria Madame la Duchesse há
trinta anos... Menos, talvez.
— Isso é muito difícil de imaginar, senhor Tomasini —
riu a Duquesa de Montpelier.
— Mmmm... Não muito. Vejo que está terminando seu
conhaque. Poderia convidá-la?
— Um é suficiente. Obrigada.
— Ah, esquecia-me... Falta um personagem que pode
resultar interessante quando chegue aqui a Chamonix. E
precisamente a este albergue. Parece que sua chegada
ocorrerá amanhã, por volta do meio-dia.
— Quem é?
— Trata-se de um político mais ou menos importante, de
nacionalidade turca. Seu nome é Cassim Fazil. Creio ter
ouvido rumores a respeito de que sua atitude não é
favorável às bases de projéteis dirigidos norte-americanas
na Turquia. O senhor Cassim Fazil está preparando um
agressivo discurso contra a existência dessas bases e, ao que
parece, o esforço fatigou-o tanto que resolveu descansar uns
dias em Chamonix... Sabia, Madame, que aqui se descansa
muito bem?
— Assim deve ser, quando um político dessa categoria
escolhe tal lugar.
— Claro. Oh, certamente, o senhor Cassim Fazil viaja
com sua esposa. Uma bonita senhora, segundo se diz. Uma
dama muito bela e gentil, muito caritativa.
— Caritativa?
— É adorada na Turquia por sua boa vontade em ajudar
quantas pessoas a ela recorram, os pobres principalmente.
Posso assegurar-lhe que nada causaria tanta consternação
em seu país que um acidente sofrido por essa dama...
enquanto se dedicava ao bonito esporte do esqui. Ou
qualquer outra espécie de acidente, está claro. Quanto ao
senhor Cassim Fazil, tem muitos e muito bons amigos na
Turquia, sem dúvida. É um casal muito popular e benquisto,
tanto pessoal como publicamente.
— É de desejar que não sofram acidente algum, em tal
caso. Vai perdoar-me, senhor Tomasin...
— Já se retira?
— Bem, não quisera ser descortês com o senhor, que foi
tão amável e paciente com uma velha senhora. De maneira
que se tem vontade de conversar mais um pouco, ou se tem
algo sobre que gostaria de falar...
— Por esta noite, o prazer foi suficiente, Madame,
asseguro-lhe. Além disso, estou plenamente convencido de
que as coisas boas devem ser dosadas, de modo que não
sobrevenha o fastio.
— Estou de pleno acordo, senhor Tomasini. Foi um
verdadeiro prazer conhecê-lo.
Angelo Tomasini levantou-se, sorrindo, e tomou a mão
que a velha dama lhe oferecia para beijá-la suavemente.
— O prazer foi meu, Madame la Duchesse. Há tempo
que desejava encontrar uma pessoa como a senhora.
— Boa noite, senhor Tomasini.
— Minhas homenagens.
A Duquesa de Montpelier retirou-se, com seus passinhos
miúdos, ainda cheios de vivacidade, os ombros um pouco
inclinados, manejando sempre orgulhosamente sua bengala.
Poucos segundos depois, o garçom que a tinha servido
aproximou-se da mesa, onde Angelo Tomasini estava
terminando seu uísque.
— Uma dama encantadora... Não é verdade, signore?
— Muito.
— Outro uísque?
— Não, não.
— Alguma outra coisa? É um prazer servi-lo, signore
Tomasini.
— Muito obrigado... Bem, creio que seria uma boa idéia
celebrar o encontro de uma dama como já existem poucas.
— Sem dúvida — sorriu o garçom. — Sirvo-lhe outro
uísque?
— Não, não. Nada de uísque. Champanha. “Perignon
55”.
— Excelente idéia.
— Bem gelada. Eu mesmo a levarei ao meu apartamento
quando subir, dentro de meia hora.
— Muito bem, signore Tomasini.
Em seus aposentos, a Duquesa de Montpelier estava
falando a um diminuto aparelho metálico, sentada na beira
da cama, de tal modo que suas esplêndidas pernas
apareciam entre o severo tecido negro.
— De acordo, “Johnny”, Agora, portem-se bem e
permaneçam astutamente escondidos. Continuarei
esperando em vão a chegada de meus sobrinhos. Até
amanhã.
Fechou o rádio e ficou pensativa. Tão pensativa, que
passou meia hora assim. Até que soou a batida na porta. A
velha Duquesa apanhou o bastão e foi abrir. Nem sequer
teve a precaução de perguntar quem era.
Abriu e o signore Tomasini entrou tranqüilamente, sem
olhá-la. Foi direto ao quarto, deixou sobre uma mesinha o
balde com a garrafa de champanha e sacou duas taças do
bolso do smoking. A duquesa, que o havia seguido após
fechar a porta, observava-o sorrindo.
Não se alterou quando Angelo Tomasini aproximou-se
dela e tirou-lhe cuidadosamente a peruca grisalha, as
sobrancelhas e, com seu lenço, fez desaparecer as discretas
rugas que lhe marcavam o rosto... Quando ele a abraçou
pela cintura e beijou-lhe ardentemente os lábios, ela ergueu
os braços, sempre segurando o bastão, para rodear-lhe o
pescoço.
Foi um beijo longo e profundo. Depois, ela suspirou:
— Estava à sua espera, Número Um.
— Compreendi, meu amor... Soube que hoje, aqui, você
ia ser minha. Foram satisfatórias as informações que lhe
dei?
— Perfeitas. Mas não falemos disso agora, querido.
— De que podemos falar?
— De nada — sorriu ela. — Para quê?
Ele assentiu com a cabeça. Foi abrir a garrafa de
champanha. E enquanto o fazia e servia o champanha, a
Duquesa de Montpelier ia-se despindo. Quando Número
Um, o melhor espião de todos os tempos, aproximou-se dela
com a taça, já estava completamente nua, mostrando a
estupenda juventude de seu corpo perfeito e elástico. Seus
bonitos e meigos seios palpitavam de ansiedade pelo
homem que amava. Um dos homens aos quais amaria
sempre, à sua maneira, generosamente,
desinteressadamente.
Número Um, diante dela, olhava-a fascinado. Entregou-
lhe uma taça e sorveu o conteúdo da sua de um só trago,
precipitadamente.
Brigitte “Baby” Montfort tomou apenas um gole.
Deixou a taça de champanha sobre a mesinha de cabeceira.
Apanhou a de Número Um e pousou-a também. Depois,
suas mãos esguias seguraram as grandes mãos tisnadas do
famoso espião, passando-as por seu corpo, lentamente,
enquanto seu belo rosto erguia-se para ele.
— Não se apresse, meu amor... — sussurrou. — Temos
toda esta noite para nós dois...

CAPÍTULO QUARTO
Chegam as vitimas.
A velha duquesa consulta seu espelho...
O amigo perigoso.

Madame la Duchesse de MontpeLier levantou-se tarde


no dia seguinte, após tomar seu café na cama, embora a
camareira a encontrasse perfeitamente composta,
impecavelmente penteada. Teria na certa levado um grande
susto se aquela dama tirasse a peruca, a maquilagem e as
lentes de contacto que transformavam em negros seus olhos
muito azuis.
Mas claro está que Madame la Duchesse não cometeu
semelhante despropósito.
E, por volta do meio-dia, apareceu no salão-bar, com sua
inseparável bengala e seu amável sorriso de censura a tudo
o que via. Lançou um olhar ao bar, franziu a testa e foi à
recepção.
Não. Seus sobrinhos ainda não tinham chegado. Isto
pareceu irritar um pouco a velha senhora, que saiu do
albergue com um passo mais vivo, mal-humorada... Saberia
dar uma lição àqueles preguiçosos!
No terraço ao ar livre era agradável estar. O sol de
março aquecia o suficiente para tornar-se um prazer, sem
chegar a causar incômodo. O mau era quando vinha uma
rajada do Grande São Bernardo...
Stanislas Pogorsky, quer dizer, o falso Michel Bouvoir,
estava no terraço, mas não sentia o menor interesse pelos
esquiadores que se viam nas pistas, deslizando velozmente,
como pontos coloridos sobre a neve branca, quase
ofuscante, levantando borrifos de neve pulverizada, que
brilhavam com as cores do arco-íris.
Não. Stanislas Pogorsky, vulgo Michel Bouvoir, não
tinha interesse algum nos esquiadores. Nem se interessava
sequer por Madame la Duchesse, coisa que possivelmente o
iria prejudicar. Toda a sua atenção concentrava-se na
esplanada do hotel, lá onde paravam os carros que
chegavam a Chamonix. Madame la Duchesse pediu uma
garrafa de água tônica, gelada, para espanto do garçom, e
começou a beber pausadamente. A beber e a olhar para
todos os lados por cima dos óculos, como uma velhota entre
simpática e um pouco impertinente.
Às doze e meia, aproximadamente, um carro negro e
brilhante, de oito lugares, detinha-se diante da entrada do
albergue. Dele saltaram dois homens: o chofer e outro que
tinha viajado atrás. Depois, outro homem e uma mulher.
Uma mulher interessante, de grandes olhos escuros, um
tanto exóticos talvez. Muito bem: chegavam a senhora e o
senhor Fazil. Os outros dois homens? Mmmm..... O chofer e
o secretário, sem dúvida. Uma temporada de descanso,
talvez duas semanas. Mas sempre haveria oportunidade para
desenvolver qualquer idéia que o inefável senhor Fazil
pudesse ter com relação à sua irredutível atitude contra as
bases norte-americanas de projéteis dirigidos para território
da URSS.
Três ou quatro boys do albergue já estavam às voltas
com a abundante bagagem. Ah, as mulheres... E enquanto
isto, que fazia o impostor Monsieur Michel Bouvoir, por
nome verdadeiro Stanislas Pogorsky?
Lógico: olhava com o máximo interesse, e também com
a máxima dissimulação, os recém-chegados. Por certo,
Madame la Duchesse já havia dissipado todas as suas
dúvidas a respeito dos ataques de que tinha sido objeto.
Com efeito, conhecera tempos atrás Stanislas Pogorsky.
Tinha sido um dos homens da “Organização Octopus”. Só
que quando o vira, no Recife das Gaivotas, Stanislas tinha
os dois braços de verdade, não um artificial. Sem dúvida,
sua fuga do recife não tinha sido fácil, pois certamente lhe
custara o braço. Como quer que fosse, Pogorsky, um dos
homens de OCTOPUS, tinha conseguido escapar à fabulosa
redada que a CIA, sob a hábil orientação da mais astuta
espia do mundo, tinha realizado no Recife das Gaivotas.
Como se sabe, numa grande pescaria, os peixinhos
pequenos têm oportunidade de escapar da rede. Porque, sem
a menor dúvida, Stanislas Pogorsky tinha sido um peixinho.
Tão pequeno, que era absurdo atribuir-lhe agora a direção
daquele assunto de vingança direta contra a agente “Baby” e
contra a CIA em peso, ainda por cima...
Então, evidentemente, o bastão de comando estava em
mãos da dama que aguardava o resultado da atual manobra
na “Ville Bouganville” em Nice, Base Corniche, à direita de
quem vai a Mônaco. Porque, agora, com toda a segurança,
“Baby” sabia que era uma mulher, não um homem. Número
Um a tinha visto, e dissera “mulher”. Ele nunca se
enganava. Quando telegrafara a Paris dizendo simplesmente
“Nice”, Pogorsky, ainda ali estava. Depois, quando este
partira e a mulher ficara, Número Um tinha decidido, antes
de dar novo aviso a “Baby”, vigiar por alguns dias os
movimentos do falso Michel Bouvoir, enquanto em Nice
alguns de seus amigos ficavam observando a “Ville
Bouganville”.
Bem. Quem era a mulher? Quem era, que tão a sério
queria tirar a vingança contra “Baby” e contra a CIA,
causadores da destruição da “Organização Octopus” e,
portanto, da morte de seu chefe, Najo Vakan, às mãos do
agonizante espião russo Yuri Sivonov, que utilizara um
lança-chamas?
Quem era a mulher?
Os Fazil tinham entrado no hotel... depois que Stanislas
Pogorsky os fotografara com uma microcâmara, é lógico.
Para que as fotos? Uma recordação do homem que
pretendiam assassinar? De que poderiam servir?
Uma vibração na discreta bolsa de Madame la Duchesse
atraiu a atenção desta, que a abriu e aproximou do rosto,
como se dentro estivesse um espelhinho. Apertou o botão
do pequeno rádio e recebeu o chamado.
— Que há, “Johnny”? — murmurou.
— Está-se arriscando muito: Pogorsky pode reconhecê-
la de um momento para outro.
— Duvido, se não o fez até agora. Que deseja você? Que
alguém repare que estou usando um rádio?
— Aconteça o que acontecer, estamos protegendo-a.
— Já sei, pois estão mais visíveis que a Estátua da
Liberdade. Adeus, “Johnny”.
Cortou, baixou a bolsa e olhou os arredores. Um ali...
Outro junto à subida do teleski... Outro na pista plana,
simulando dar os primeiros passos sobre esquis... Com suas
malhas de cor, suas grossas botas... Ah: faltava o “Johnny”
que fazia o papel de chofer, com o nome de Henri... Esse
estava na porta da garagem, como se nada houvesse a fazer
com o carro e para ele fosse um prazer aguardar as ordens
de Madame la Duchesse.
Bons rapazes, aqueles da CIA. Só que com um medo
excessivo de que a morte lhes arrebatasse sua “Baby”...
Excessivo? Bem, tinham estado a ponto de ficar sem ela por
diversas vezes e, ao que parecia não estavam dispostos a
incorrer em novos riscos.
Faltavam cinco minutos para as treze, quando o
signore Tomasini, magnífico em seu traje de esquiador, os
esquis sobre o ombro, regressou das pistas. Viu a velha
Duquesa, entregou os esquis a um boy e dirigiu-se ao
terraço.
— Bom dia, Madame.
— Esplêndido, signore Tomasini! Madrugou muito
hoje?
— Não, não. — Os olhos negros de Tomasini brilharam.
— Na verdade, sentia-me um pouco fatigado.
— Oh. Passou mal a noite?
— Mal? Pelo contrário, Madame. Foi uma noite
excelente. Diria mesmo que inesquecível.
— Deve, então, ter sido uma grande noite, meu amigo.
Sabe realmente esquiar?
— Pratico todos os esportes. Posso sentar-me à sua
mesa?
— Como não? Oh: sabe que já chegaram?
— De quem está falando? — perguntou Tomasini,
sentando-se.
— O casal turco de que me falou à noite. Bem, suponho
não estar enganada. O aspecto da senhora pareceu-me
bastante revelador.
— Ah, sim. Que está tomando, Madame?
— Água tonica.
— Posso oferecer-lhe um “martini”?
— Considerando que a hora é adequada, aceito... embora
com um pouco de medo.
— Medo de mim, ou do “martini”?
— Do “martini” — sorriu a Duquesa. — Quanto ao
senhor, parece-me boa pessoa.
— Por que lhe pareço boa pessoa? Devo dizer-lhe que já
matei mais homens do que dedos que a senhora e eu temos
nas mãos. E se lhe interessa — seu olhar desviou-se
fugazmente para Stanislas Pogorsky, — posso repetir a
experiência todas as vezes que for necessário.
— Estou quase convencida, meu perigoso amigo — riu a
Duquesa. — Não se esqueça do meu “martini”.
Angelo olhou para o garçom, que se aproximou
rapidamente. Pediu-lhe dois “martinis” secos e novamente
ambos ficaram sós, isolados, a conveniente distância de
Stanislas Pogorsky, que, após olhar com impaciência para
as pistas, tinha-se levantado e descia os degraus do terraço.

— Não lhe interessaria uma demonstração, Madame?


— No momento, não.
— Bem, Almoçaremos juntos?
— Acho a idéia inconveniente, senhor Tomasini. Não
quisera que se murmurasse a nosso respeito. É a sua
reputação que me preocupa, meu jovem amigo.
— Minha reputação? — riu Angelo Tomasini. — Ou a
sua?
— A minha? — riu também a Duquesa. — Creio que os
bonitões que procuram a companhia de velhas damas
endinheiradas tornam-se conhecidos por um nome muito
feio. E não gostaria absolutamente que o chamassem assim.
— Agradeço-lhe a consideração, Madame. Tomaremos
um “martini” juntos, almoçaremos separados e... Costuma
dormir a sesta, Madame?
— Certamente. Não há pressa, jovem amigo... Permite?
— Novamente a vibração em sua bolsa. Abriu-a e,
aparentemente, consultou um espelho. — E o que é agora,
“Johnny”?
— Esse homem... O que está com você... Quem é ele?
— Você não sabe?
— Não.
— Isso indica que não me protegem muito bem, porque
este homem entrou à noite em meus aposentos... Não
viram?
— Você está brincando, “Baby”... Quem é?
— Angelo Tomasini. Um velho amigo de toda a
confiança.
— Há qualquer coisa nele que me parece familiar... Está
certa de que não é americano?
— Depois eu pergunto a ele. Quer deixar de aborrecer-
me “Johnny”?
— Você é mal-agradecida...
— E você é muito simpático. Chame “Johnny-Henri” e
diga-lhe que a partir deste momento quero saber o que faz
Pogorsky, minuto a minuto. E se possível, com fotografias.
Está claro?
— CLaríssimo. Não se fie nesse Tomasini.
Brigitte cortou a comunicação. Quando ergueu a cabeça,
havia um frio sorriso nos lábios de Angelo.
— A CIA sempre tão desconfiada... Embora nem sempre
saiba quando deve desconfiar. Em geral, seus agentes
pecam por ingênuos, como um tal Número Um, que traído
por seus próprios chefes, faleceu há alguns meses.
— Faleceu? Realmente, senhor Tomasini?
— Realmente.
— Então, por que certa agente chamada “Baby” está
recebendo colaboração de Número Um? Não será o caso de
que, apesar de tudo, Número Um não esquece que é
americano, que tem bons sentimentos e que, no fundo,
sempre fará o possível para ajudar a sua querida CIA? Não
será isso, meu caro Tomasini?
— Não creio. Número Um é muito rancoroso.
Atualmente, dedica-se à espionagem por conta própria e
ganha todo o dinheiro que quer.
— Entretanto, ele está trabalhando grátis, agora.
— Mas não para a CIA, nem para os Estados Unidos,
mas para a agente “Baby”, de quem muito gosta e a quem,
segundo me consta, ele deve a vida.
— Creio que chegam os “martinis” — anunciou a
Duquesa, sorrindo docemente, mas talvez um pouco triste.
— Gostaria de encontrar um meio de convencer Número
Um de que nem tudo é maldade neste mundo.
Angelo Tomasini sorriu friamente.
— Claro que não, Madame: os “martinis” não são maus,
são excelentes.

CAPÍTULO QUINTO
Uma atitude demasiado óbvia.
A lábia de Pogorsky.
Contagem reversa.
A grande explosão.

Depois da sesta, Madame la Duchesse resolveu tomar


chá no bar. Evidentemente, o signore Angelo Tomasini
estava lá, sempre varonil, absolutamente impecável, duro e
frio como aço. Entretanto a velha dama mereceu um amável
sorriso do homem mais atraente de todos os que se
encontravam em Chamonix. Foi tudo, e o suficiente.
— Com limão, Madame?
— Sim, sim, com limão... Duas gotinhas.
— Chinês ou indiano?
— Indiano. Ultimamente, o chá chinês tem-me sabido
mal... René, você acha que os chineses invadirão o mundo?
O garçom ficou algo perplexo.
— Não sei, Madame...
— É que são tantos!
— Quantidade não significa qualidade, Madame.
— Ah, é certo, é certo, René... Você se interessa por
questões políticas?
— Nem um pouco Madame. Em minha opinião, e com a
permissão de Madame, a melhor política é viver e deixar
viver.
— Isso me recorda uma canção italiana... Perguntarei ao
senhor Tomasini se a conhece. Pode trazer o chá, René.
— Tout de suite, Madame.
Angelo Tomasini estava jogando pôquer. Até nisso
revelava aquela indestrutível segurança, aquela
imperturbabilidade friamente cortês que o distinguia de seus
parceiros, os quais deixavam transparecer com freqüência
sua boa ou má sorte.
Pelas seis da tarde, Cassim Fazil e esposa apareceram no
salão-bar, muito simpáticos e despreocupados. O secretário
acorreu imediatamente e sentou-se com eles a uma mesa
próxima á grande lareira, onde ardia alegremente uma lenha
aromática. Fora, a neve caía em flocos branquíssimos,
espalhando sobre a paisagem urna espessa camada de
silêncio.
Quase às sete, “Johnny-Henri” entrou no bar,
procurando a Duquesa. Esta fez um sinal e o atlético chofer
aproximou-se rapidamente.
— Alguma novidade, Henri?
— Oui, Madame la Duchesse... Parece que o carro está
com algum defeito.
— Oh! Mas como é possível? Trata-se de um carro
excelente, como você bem sabe...
— Há vinte anos que ele é excelente, Madame. Talvez
por isso mesmo...
— Bem, bem... E que fazemos?
— Sugiro que Madame o veja e autorize-me a procurar
em Chamonix uma peça nova.
— Boa idéia, Henri. É até possível que em Chamonix
encontremos meus sobrinhos. Mas se o carro está estragado,
como chegaremos lá?
— Não está estragado, Madame. Mas conviria trocar
uma peça para que sua vida se prolongue por mais uma
temporada.
— Então, iremos a Chamonix. Vá tirá-lo da garagem e
volte para avisar-me.
— Já está diante do hotel, Madame.
— Ah, bem... Vamos, então.
O mais notável, segundo a velha Duquesa, era a ausência
de Michel Bouvoir, quer dizer, de Stanislas Pogorsky, no
salão-bar. Tampouco estava o simpático rapaz chamado
Leslie Bowles, o estudante que, conforme informara
Número Um, pertencia à Universidade de Miami.
Já fora do hotel, o porteiro acompanhou a velha senhora
até o carro, com seu guarda-chuva. Henri fechou a porta,
passou ao volante e pôs a veículo em marcha.
Após percorrer pouco mais de um quilômetro, deteve-se
junto de uns abetos com os galhos cobertos de neve, fora da
estrada que levava ao centro de Chamonix.
— E então, “Johnny”?
O agente da CIA acendeu a luz interior do carro e sacou
do bolso um envelope.
— Temos algumas fotos, “Baby”. Em todas elas a
atitude de Pogorsky é tão óbvia, que realmente nem
merecem um interesse especial. Aqui estão.
Brigitte apanhou o envelope, abriu-o e pôs-se a examinar
as fotografias, lentamente. Sempre desconfiava das coisas
demasiado óbvias. De qualquer modo, a coisa parecia de
fato bastante clara. Muito clara, considerando que Stanislas
Pogorsky não tinha conseguido descobrir a verdadeira
identidade de Madame la Duchesse. Por outro lado, se a
descobrira e queria aparentar que não, a coisa podia ser um
ardil inteligente.
Mas não achava que fosse, é lógico.
Via-se Pogorsky vigiando os Fazil; tirando fotos de sua
entrada na suíte que iriam ocupar; conversando com o
universitário norte-americano, que sorria amavelmente;
diante da porta 28, quer dizer, a dos Fazil...
— É tudo?
— Há mais ainda: Stanislas Pogorsky entrou nos
aposentos do casal, quando este se ausentou, demorando lã
quase meia hora. Levava um pacote, ao entrar. Ao sair,
tinha as mão vazias.
— Depois...?
— Foi ao seu apartamento. Pouco após, tornou a sair e
entrou no do rapaz chamado Leslie Bowles. Ainda está lá
com ele, já que “Johnny” não me chamou para informar o
contrário.
— Colocaram algum microfone, “Johnny”?
— Claro, boneca. “Johnny” está gravando a conversa de
Pogorsky com nosso jovem compatriota. Ele é quem visita
o rapaz. Em seus aposentos ninguém entra.
— Nem sinal da mulher... de “Tentáculo”?
— Nem sinal.
— Deve continuar em Nice. Ligue-me com “Johnny”.
“Johnny-Henri” sacou o rádio, ligou-o e passou-o a
Brigitte, que logo ouviu a voz de seus companheiros.
— Fale.
— Alô, “Johnny”.
— Ah! Nada menos que a genial “Baby”... Como vai?
— Bem. De que estão falando, “Johnny”?
— De um excelente emprego. O rapaz está acreditando
em tudo, como um tolo. A técnica habitual, “Baby”. Devo
acrescentar que Stanislas Pogorsky tem muita lábia.
— Está convencendo o rapaz?
— Por completo. O homem que estão esperando é um
americano, lógico, que não tardará a chegar ao albergue.
Entrementes, Pogorsky convence o rapazinho de que deve
comportar-se convenientemente. Por exemplo, não dançar
esta noite. Essas tolices que fazem parecer tudo mais sério e
verossímil.
— Fala-se em mortes, armas, atentados?
— Não, não.
— Onde você está exatamente, “Johnny”?
— No posto de chegada dos esquiadores. Já é noite e,
com este simpático ventinho, ninguém sente vontade de
esquiar.
— Está sozinho?
— Mais non, Madame la Duchesse — riu “Johnny”. —
Seus outros sobrinhos estão comigo.
— Ótimo. Quero que um de vocês vá a suíte de Cassim
Fazil, E que dê uma busca, Uma boa busca, “Johnny”.
Entendido?
— Entendido, Duquesa. Irei eu mesmo. Chamarei dentro
de vinte minutos.
— Muito bem, “Johnny”. Estou com “Johnny-Henri”
muito perto do albergue. Quero notícias o mais breve
possível, com referência ao truque que Pogorsky preparou
nos aposentos dos Fazil.
— Que faço com o que encontrar?
— Inteligente pergunta, “Johnny”. Preciso responder?
— Não — tornou a rir “Johnny”. — Claro que não.
Vinte minutos, “Baby”.
— Certo.
***
— “Baby”?
— Diga, “Johnny”.
— Truque anulado. E Pogorsky continua com o rapaz,
nos aposentos deste. Eu diria que a coisa está ficando séria,
pelo que me contam “Johnny” e “Johnny”... quer ouvir a
gravação?
— Não é necessário. Quais são os planos dos Fazil para
esta noite?
— Entendo que pretendem ir a um concerto em
Chamonix.
— A que horas é o concerto?
— Às nove e meia.
— Os Fazil continuam no bar?
— Continuam. Parece que pensam jantar cedo, para
poderem assistir ao concerto.
— É tudo, “Johnny”. Continuem atentos.
Brigitte fechou o rádio e olhou pensativa para “Johnny-
Henri”, que perguntou:
— E...?
— Voltemos. Chegou a hora. Creio que começo a
entender as maquinações de Stanislas Pogorsky.
***
Stanislas Pogorsky sorriu amavelmente.
— Bem, ainda não está na hora, Leslie. Mas não creio
que seu futuro patrão demore muito a chegar.
— Parece — sorriu o jovem — que esse Mr. Anderson é
um bocado esquisito.
— Esquisito? Por quê?
— Não sei... É, sem dúvida, generoso. Estamos aqui há
três dias, passamos dois em Nice...
— É um homem muito ocupado. Mas não acho que
tenha nada de esquisito.
Talvez você tenha razão. Seja como for, estou-me
divertindo bastante aqui. Por mim, ele poderia demorar um
ano a aparecer.
Stanislas Pogorsky riu com simpatia.
— Mas só demorará algumas horas. De qualquer modo,
tempo demais para passar sem um pequeno trago... Que
acha você?
— Não creio que Mr. Anderson fique muito satisfeito se
me encontrar cheirando a bebida.
— Tolice... Ele quer um rapaz normal. Bastante normal
e inteligente para saber apreciar um bom uísque...
Moderadamente, é claro. E tenho aqui uma garrafa que
poderíamos chamar de emergência.
— Está bem. Tomarei um pouco...
Pogorsky estendeu a pequena garrafa de bolso ao rapaz,
que a destampou e bebeu um trago prudente. Quando
baixava a garrafa, Pogorsky piscou-lhe um olho, animando-
o, e então Leslie Bowles encompridou o trago.
— Não é mau, hem?
— Não... Nada mau... Sabe de uma coisa? Eu bem que
gostaria de viver sempre assim.
— Assim como?
— Como agora... Dinheiro no bolso, gente alegre ao
meu redor... Garotas bonitas, lugares como este, um bom
carro, música, diversões.
— Isso é vida de milionário, Leslie. E eu não lhe ofereci
tanto.
— Eu sei... Mas pode ser que algum dia eu fique
milionário. Então, voltarei aqui sozinho, com a carteira
recheada, sem estar esperando por ninguém... Milionário...
Ou talvez algo melhor.
— Melhor que milionário? — riu Pogorsky.
— Muito melhor... Você não bebe?
— Oh, sim... Mas isso me interessa: que e melhor que
ser milionário?
— Não sei... Artista. Pintor, escritor, músico... Algo que
permita viver em qualquer parte, conhecendo o mundo, as
pessoas... Acho que é uma estupidez ficar sempre no
mesmo lugar e fazer as mesmas coisas, ver a mesma gente,
as mesmas caras... O bonito é viajar, andar por todo o
mundo... Hoje em Chamonix, amanhã no Havaí, ou em
Tóquio, Acapulco, Paris, Roma... Isso é a melhor coisa da
vida.
— Só isso?
— Além de viver... — riu um tanto displicente Leslie.
— Porque enquanto se está vivo, há oportunidades. Tem-se
esperança de uma vida melhor. Uma vida... Uma vida...
— Quê?
— Uma vida melhor...
— Você está sentindo alguma coisa?
— Não sei... Um pouco... tonto...
— Tonto? Mas se só tomou um trago!
— Pois é... Mas estou tonto... Não, não é isso... Acho
que estou é com sono...
— Dormiu mal a noite?
— Ao contrário... Dormi muito bem... Mas tenho um
sono... como... como nunca tive...
— Será melhor que se deite um pouco. E se está com
sono, durma. Descanse, Leslie.
— Mas se Mr. Anderson chegar...
— Eu o acordarei, naturalmente. E talvez ele se atrase.
Não se preocupe, rapaz. Eu me encarregarei de tudo.
Venha... Ajudo-o a chegar à cama.
Leslie Bowles encaminhou-se para a cama,
cambaleando. Pogorsky não teve necessidade de ajudá-lo a
chegar lá, pois o jovem sentia tanto sono que com dois
tropeções conseguiu fazê-lo sozinho. Sentou-se na beira da
cama e quis inclinar-se para tirar os sapatos. Mas teria caído
no chão se Pogorsky não o amparasse. Estendeu-o de costas
e ficou olhando-o com cruel ironia.
— Está-me ouvindo, Leslie Bowles?
— Estou... Estou ouvindo...
— A coisa chega ao fim. Você não despertará. E não
pense que o envenenei, não... É apenas um soporífero.
Dentro de dois minutos, estará dormindo profundamente. Se
o deixasse, dormiria até amanhã. O mau é que seu sono irá
se transformar em outra coisa...
— Não... não entendo...
— Vão morrer umas pessoas dentro de alguns
momentos, Leslie. E tudo responsabilizará você por sua
morte. Você e a CIA. Esta vez, realmente, a CIA terá ido
demasiado longe: mandar um rapaz cometer um assassínio
duplo, talvez triplo. E depois, esse rapaz se suicidará...
Demasiado sinistro e cruel, inclusive para a CIA.
Encontrarão coisas em sua maleta, Leslie: peças de um
mecanismo de explosão, uma carta em papel timbrado da
CIA, instruções especiais, os nomes das pessoas que você
teve ordem de assassinar... Aos olhos do mundo, será um
novo crime da CIA, utilizando um universitário de olhar
inocente. Só que este universitário não terá podido
permanecer insensível à própria consciência e se suicidará.
Qualquer coisa de terrível, de bestial... E a CIA será a
culpada. Está ouvindo?
— Quero... quero dormir... dormir...
— Ninguém o impede, rapaz. Durma... Não acordará
mais. As oito e meia, o tempo começará a ser contado ao
inverso. Às oito, os personagens que nos interessam irão
jantar. Depois, subirão a seus aposentos ... Isso ocorrerá às
oito e meia. Um jantar ligeiro... E quando entrarem em seus
aposentos, dar-se-á a explosão... Duas suítes depois da sua,
Leslie Bowles. Só precisamos esperar que terminem de
comer e subam. E quando entrarem em seus aposentos,
apenas quinze segundos depois... a grande explosão!
Oito e meia.
Stanislas Pogorsky, após consultar o relógio, sacou uma
fina luva do bolso e calçou-a. Depois sacou uma pequena
pistola automática. Examinou-a com um gélido sorriso.
Leslie Bowles dormia profundamente sob o efeito do
narcótico. Pogorsky tomou-lhe a mão direita, suavemente, e
nela colocou a pistola, fazendo com que as impressões
digitais do jovem ficassem claramente marcadas na arma.
Depois deixou a mão do universitário sobre a cama, com a
pistola entre os dedos. Tudo era muito simples: só precisava
esperar que Cassim Fazil e sua esposa entrassem na suíte
28. Depois da explosão, que logo se seguiria, ele levantaria
a mão de Leslie Bowles, apoiaria o cano da pistola em sua
fronte, apertaria o gatilho e sairia dali quando todo o
albergue estivesse ainda agitado pela explosão. Certamente,
seria um dos primeiros a sair ao corredor... Coisa muito
natural, já que todos fariam a mesma coisa. E após
investigações um tanto complicadas da Polícia francesa, se
chegaria à conclusão simples, insofismável, de que Fazil
tinha sido vítima de um atentado mortal. E na suíte 24 um
rapaz americano tinha-se suicidado depois da explosão. Um
rapaz americano chamado Leslie Bowles, com uma carta da
CIA que mencionava Cassim Fazil e o lugar, o dia e a hora
em que o atentado tinha ocorrido. Além disso, algumas
peças suplementares para artefatos de explosão...
Perfeito.
A CIA se veria em apuros uma vez mais, ante a opinião
mundial.
Quanto à agente “Baby”... tudo em seu devido tempo. A
ordem dos fatores não altera o produto. Dava na mesma
desprestigiar primeiro a CIA e depois matar a agente
“Baby”, ou proceder ao inverso.
E uma coisa era certa: se a agente “Baby” não morrera
envenenada, acorreria a Chamonix ao saber do ocorrido no
“Logis Mont-Blanc”. Então, seria uma boa oportunidade
para tirar definitivamente da jogada a espiã de olhos azuis
que tinha liquidado com a “Organização Octopus”.
Apenas cinco minutos depois das oito e meia, Stanislas
Pogorsky ouviu vozes no corredor. Saiu a toda pressa do
quarto, cruzou o confortável living e abriu a porta meia
polegada, Silenciosamente. Pôde ainda Ver Cassim e sua
esposa entrando na suíte 28.
A contagem reversa... Regressou rapidamente ao quarto,
contando. Segurou a mão de Leslie Bowles e colocou o
cano da pistola em sua fronte. O resto estava preparado, na
maleta. As provas contra a CIA...
— Seis, cinco, quatro, três, dois, um... Zero!
E nada.
Nenhuma explosão.
Stanislas Pogorsky mal pôde conter seu dedo, que se
crispava sobre o gatilho. Tinha que esperar a explosão...
Calma... Não devia precipitar-se... O mecanismo detonador
que tinha conectado à porta devia funcionar quinze
segundos após abrir-se esta... Mas sempre cabia a
possibilidade de alguma pequena falha, um ligeiro atraso...
Tornou a olhar o relógio. Fazia já mais de meio minuto
que os Fazil tinham entrado em seus aposentos. E nada.
Nenhuma explosão... O dedo de Pogorsky continuava
crispado no gatilho da pistola cujo cano se apoiava na fronte
do jovem universitário. Calma... Muita calma. Não devia
disparar antes da explosão.
Um minuto.
Um minuto e meio.
Dois minutos!
Stanislas Pogorsky deixou a mão do rapaz sobre a cama,
com todo o cuidado, de modo que seus dedos não soltassem
a pistola. Daria uma olhadela ao corredor... E talvez se
aproximasse daquela porta, a dos Fazil...
Voltou-se rapidamente, disposto a sair ao corredor.
— Boa noite, monsieur Bouvoir.
Ele ficou petrificado de assombro, tão petrificado que
durante cinco segundos pelo menos não pôde pensar, nem
falar. E quando finalmente ia abrir a boca, Madame la
Duchesse, sorrindo encantadoramente, deixou de apoiar-se
no bastão a agitou-o diante do armênio, num gesto de
censura.
— Ah, rnonsieur Bouvoir... que maldade a sua —
recriminou. — Não devia pensar em fazer essas coisas com
um rapaz tão saudável. Embora não muito esperto, não é
verdade, monsieur Bouvoir?
— Que faz aqui? — balbuciou Pogorsky.
— Mas, monsseur, isso é... óbvio: dando um passeio.
— Saia... Saia daqui, senhora!
— Annette Simonet, Duchesse de Montpelier... Muito
prazer, monsieur Bouvoir. Mas... que velha tonta eu sou!
Estou-lhe falando como se na verdade acreditasse que o
senhor é Michel Bouvoir, quando realmente sabemos que
não passa do meu querido amigo Stanislas... Stanislas
Pogorsky, o armênio que escapou com vida, embora com
menos um braço, à grande redada que deu a CIA no
malsinado Recife das Gaivotas.
— “Baby”! — gritou Pogorsky. — Você é a agente
“Baby”!
Madame la Duchesse pôs-se a rir alegremente.
— Amigo Pogorsky, que inteligente é você! Verdade
que não me tinha reconhecido?
CAPÍTULO SEXTO
A bengala de “Madame la Duchesse”.
Executado com todas as honras.
Aqui não aconteceu nada.
Votos de boa permanência em Chamonix.

— Você tem muita sorte, “Baby”!


— Assim parece — sorriu a velha dama. — O que não é
nada mau, querido Stanislas. Ou é?
— Como entrou aqui?
“Baby” Montfort, sob seu disfarce de Duquesa de
Montpelier, riu desdenhosamente.
— Isso não é coisa que se pergunte a uma espiã,
Pogorsky: entrei pela porta naturalmente, em silêncio e
utilizando meus próprios meios para abri-la. Você estava
tão distraído, que não ouviu nada... E eu diria que estava
esperando ouvir algo, realmente. Que coisa, Pogorsky?
— Qual é seu jogo? — resmungou o armênio.
— Meu jogo? Simples: destruir o seu.
— Acho que isso não lhe vai ser fácil, “Baby”.
— Acha? Por quê?
— Porque tudo está em marcha.
A velha Duquesa tornou a sorrir desdenhosamente e deu
uns passinhos curtos para Stanislas, manejando com sua
habitual desenvoltura a bengala de castão de prata. Parou
diante do armênio, olhando-o como se fosse um verme de
espécie rara.
— Se você se refere à bomba conectada à porta da suíte
28, Pogorsky, não espere em vão. Jamais explodirá. Nem
dentro de quinze segundos, nem dentro de quinze séculos
Um amigo meu deu-se o incômodo de desarranjar o
mecanismo. Oh, claro que levou também o diabólico
engenho... Receio muito, Stanislas, que o simpático casal
Fazil poderá assistir com toda a tranqüilidade seu concerto
em Chamonix. E, evidentemente, prezado inimigo, vamos
respeitar a vida desse ingênuo rapaz meu conterrâneo.
Parece que está apenas adormecido, não é assim, Pogorsky?
— Apenas adormecido.
— O truque do suicídio do fanático?
— Era essa a intenção.
— Terá que mudar de intenções, Pogorsky. E vou dar-
lhe certa margem de... possibilidade, em seu próprio
benefício. Podemos fazer duas coisas. Uma, lutar para ver
quem morre agora mesmo. Outra, conversar calmamente,
procurando um entendimento razoável.
— Por que hei de procurar entendimentos? É evidente
que você não está armada... Pelo menos, não de um modo
que possa inquietar-me.
— Acho que não o compreendo.
— Quero dizer que se traz armas não se deu o trabalho
de exibi-las. Isso significa que ambos temos as mesmas
possibilidades de disparar. E nessas condições, não vejo por
que aceitar entendimentos.
Brigitte pôs-se a rir sarcasticamente.
— Você é um cretino, Pogorsky! — exclamou. —
Tenho cinco homens rodeando este albergue. E com eles
não lhe valeria essa possibilidade de recorrer à decisão pelas
armas, o atirador mais rápido... tal como no Velho Oeste
cinematográfico. Não somos pistoleiros, mas espiões.
Portanto, usemos de preferência a cabeça, não as armas. Por
que morrer, podendo evitá-lo?
— Qual é sua proposta? — perguntou Pogorsky,
movendo lentamente a mão para a axila esquerda.
— Posso... poupar-lhe a vida.
— A troco de quê?
— Leve-me até essa mulher que deseja matar-me com
um lança-chamas.
— Não.
— Olhe, Pogorsky, está pondo a perder sua vida,
segundo a segundo... Sei onde se encontra essa mulher: em
Nice. na “Ville Bouganville”, acompanhada por dois
pistoleiros de nacionalidade francesa, alugados,
naturalmente. Ela se faz chamar Marie Leblanc. Diga-me
qual é seu nome verdadeiro e vamos buscá-la...
amistosamente. Prefiro não ter que lhe tirar a vida. Ficaria
satisfeita com uma declaração dela a respeito dos fatos
ocorridos ultimamente. Aborrece-me ver o mundo acreditar
que a CIA contrata assassinos sem experiência... — sorriu
docemente. — Está claro, Pogorsky, que a CIA dispõe de
assassinos mais bem treinados que uns rapazolas tolos,
capazes de ir na conversa de gente como você. Eu mesma,
por exemplo. Sou uma assassina tão eficiente, tão
escrupulosa e infalível em meu trabalho, que a CIA pode
apregoar aos quatro ventos sua capacidade total de
prescindir da colaboração de universitários ainda imberbes.
Aceita ajudar-me a dizer isto aos cidadãos do Estados
Unidos?
— Não.
— Pogorsky, posso demonstrá-lo aos meus compatriotas
por meus próprios meios. Não me obrigue a isso.
— Que meio?
— O rapaz de Hong Kong dirá o que nós lhe sugerirmos.
E o mesmo fará Leslie Bowles. Dentro de poucos dias, eles
vão comparecer a uma reunião de imprensa, na qual será
explicada toda a verdade. Como vê, não necessito muito de
sua pessoa. Estou-lhe apenas concedendo uma
oportunidade. Vamos buscar seu chefe, essa mulher que
está em Nice, e tudo terminará moderadamente bem.
— Não.
— Como queira — suspirou Brigitte. — Tenha a
bondade de sair, Pogorsky. Vamos.
— Sem matá-la? — sorriu o armênio.
— Se possível. — Olhou-o friamente. — Vamos, não
seja estúpido. Posso matá-lo antes que você perceba. E não
esqueça os meus cinco amigos, Você jamais sairia vivo
deste albergue sem minha companhia.
— Isso veremos, agente “Baby”.
Stanislas Pogorsky levou a mão direita ao revólver, no
bolso interior esquerdo. Mas “Baby” deu outro passo para
ele e golpeou-lhe a mão com a bengala. Pogorsky soltou um
grito de raiva e quis lançar-se contra ela. Recebeu uma
bengalada em plena boca, que lhe partiu os lábios e atirou-o
para trás, contra a parede de troncos. Mal se chocara de
encontro a ela, quando a ponta da bengala mergulhou em
seu estômago, deixando-o quase sem fôlego.
— Está vendo, Pogorsky? — espetou Madame la
Duchesse. — É muito fácil dominá-lo... Quieto! Não saque
o revólver...
Mas Stanislas Pogorsky tinha afastado a bengala com
um tapa e novamente tentou puxar o revólver. E puxou-o,
esquivando a bengalada seguinte, que soou com força sobre
os troncos que formavam a parede.
— Agora você vai ver.
Não pôde concluir sua frase ameaçadora. Quando já
estava apontando o revólver contra Brigitte, esta apertou o
castão da bengala, na base, e uma brilhante lâmina de aço,
agudíssima, surgiu diante de seus olhos pela outra
extremidade, com mais de trinta centímetros de
comprimento.
Só pôde vê-la um instante.
Porque logo aquela fina lâmina penetrou em sua
garganta, atravessando-a com arrepiante facilidade para
cravar-se na parede de troncos.
Stanislas Pogorsky sequer pôde gritar. Morreu quase de
modo fulminante. Seu corpo relaxou, seus braços caíram e o
revólver desprendeu-se de seus dedos. E ele ficou pregado
na parede, de pé, a cabeça pendendo sobre o peito.
— Executado com todas as honras.
Brigitte voltou-se. Não parecia lá muito contente.
— Estimo que pense assim, Um.
Angelo Tomasini, na porta do quarto, encolheu os
ombros.
— Ele e outros da mesma espécie merecem a morte.
Você fez bem.
— De qualquer modo, lamento.
— Às vezes não compreendo você — murmurou
Número Um. — Que outra coisa poderia ter feito? Aliás,
você tentou salvar-lhe a vida.
— Não gosto de matar.
— Posso ajudá-la em alguma coisa?
— Não sei. Vou chamar um “Johnny”. — Sacou o rádio
da bolsa e acionou-o. — “Johnny”?
— Diga, “Baby”.
— Tudo bem. Tive que matar Pogorsky. O universitário
está vivo, dormindo.
— Ótimo.
— Quero que vocês se encarreguem de Pogorsky e do
rapaz... Sumiço total, “Johnny”. Enterrem o armênio onde
só possa ser encontrado daqui a mil anos. Quanto ao
estudante, remetam-no imediatamente a Washington.
— Mas... de Chamonix?
— Não. Você e outro o levarão a Cannes, com todo o
material recopiado: fotos, gravações e o relatório. Quando
eu regressar aos Estados Unidos, o público já deverá saber a
verdade sobre este assunto.
— Bem, mas... Não vamos deixar esse rapaz com todo o
material e informações...
— Vocês irão com ele.
— Aonde? espantou-se “Johnny”.
— Para casa.
— E você fica aqui? — quase gritou o homem da CIA.
— Não — sorriu Brigitte: — irei a Nice.
— A...? Não!
— Calma, “Johnny”. Ficam ainda dois meninos para
cuidar de mim. E um amigo especial, o signore Angelo
Tomasini. A coisa está terminando. De maneira que,
enquanto vocês regressam aos Estados Unidos e preparam
tudo para que seja amplamente divulgada a verdade, eu irei
à procura de “Tentáculo”.
— Mas... mas...
— Qual a objeção, “Johnny”?
— Poderíamos esperar até que tudo estivesse resolvido
definitivamente, e dar então explicações muito mais
completas à imprensa...
— Não. Essas explicações mais completas significariam
dar a conhecer que “Tentáculo” investiu várias vezes contra
mim. E eu não quero ser mencionada, nem sequer sob
pseudônimo. Trata-se, simplesmente, de dar a conhecer ao
mundo que se estava envolvendo a CIA num complô de
hostilidade internacional. E naturalmente, como de hábito,
não será a CIA quem dê as explicações. Serão esses
rapazes. Mas. “Johnny”, será necessário prepará-los bem,
ensinar-lhes o que devem dizer. E enquanto eles falarem, a
CIA permanecerá em seu característico silêncio, e a agente
“Baby” liquidará o assunto de Nice. Alguma dúvida?
— Não... Mas... Olhe, “Baby”...
— Leslie Bowles dormirá ainda por duas horas. Quando
despertar, já deverá estar de viagem. E não para o Outro
Mundo, “Johnny”. Boa sorte e... até a vista!
Cortou a comunicação. Número Um olhava-a talvez um
tanto ironicamente.
— Bem — comentou com aparente displicência, — pelo
menos, você colocou dois de seus “meninos” fora do perigo.
— Mandei-os para...
O falso Angelo Tomasini ergueu a mão.
— Comigo, não — atalhou, rindo. — Comigo suas
mentiras não pegam. Sei que os mandou para casa a fim de
evitar-lhes... incômodos. E estou convencido de que fará o
mesmo com os outros dois, tão logo puder arranjar uma
desculpa aceitável. Sei o que você quer: chegar sozinha
diante desse personagem a quem chama “Tentáculo” e que
em Nice faz-se chamar Marie Leblanc. Prefere que eu
também desapareça de cena?
— Você faria isso, Um?
— Faria. Também eu tenho esse raivoso amor-próprio:
quem me faz passar um mau bocado, terá que pagar. Se
peço auxilio, é para pequenas coisas, para poupar tempo, ou
dinheiro. Mas na hora da verdade, não preciso de ninguém.
— Ficará aborrecido se eu não o levar a Nice? —
perguntou Brigitte.
— Não, querida — disse seriamente Número Um. —
Aliás, sei que não vai precisar de mim. Compadeço-me
desse “Tentáculo”. Parte esta mesma noite?
— Ainda não sei. Terei que aguardar as últimas noticias
de meus companheiros. Quero ter certeza de que tudo saiu
bem, até o último detalhe.
— Claro. Creio que, enquanto isso, seria muito
agradável que Angelo Tomasini e a Duquesa de Montpelier
se dedicassem a um simpático bate-papo no bar, tomando
conhaque “Napoleon”. Porque, Madame, aqui não
aconteceu nada — concluiu Número Um, sorrindo. — Não
é verdade?
— Assim é, signore Tomasini: aqui não aconteceu nada.
***
Às dez e meia da noite, aproximadamente, Madame la
Duchesse tomou urna decisão súbita, que parecia fruto
daquela irritação por todos notada durante o dia: já que os
sobrinhos não vinham reunir-se a ela em Chamonix,
conforme o combinado, ela regressaria a Paris... e não
queria mais ouvir falar neles. Naturalmente, os três alegres
jovens é que sairiam perdendo: nem que se arrastassem de
joelhos tornariam a arrancar dela um único franco.
O primeiro a saber de tal decisão foi Angelo Tomasini,
que estava com a velha dama quando esta teve notícia de
que tudo se encontrava em perfeita marcha, por intermédio
de “Johnny-Henri”, o qual recebeu ordem de preparar o
carro imediatamente.
— Mas, Madame — protestou Tomasini — a noite não é
boa para viajar de carro, e por lugares frios...
— Disse-lhes que os esperaria por vinte e quatro horas e
já se passaram vinte e seis. Não terei mais contemplações,
signore Tomasini.
O garçom, que estava junto deles, mostrou-se
consternado.
— Madame vai deixar-nos?
— Oui, René. Volto a Paris.
— Sentiremos falta de Madame la Duchesse.
— Você é muito gentil, René. Quer avisar que preparem
minha conta?
— Certamente, Madame. Espero que tornaremos a ter a
honra de sua presença aqui...
— Algum dia. E espero que torne a coincidir com o
senhor Tomasini, que foi tão amável comigo... O que devo
agradecer-lhe duplamente, pois com grande facilidade teria
conseguido uma companheira mais jovem do que eu.
— Oh, Madame — riu o garçom: — o signore Tomasini
demonstrou a todo momento ter muito bom gosto!
O garçom afastou-se e Número Um olhou um momento
a brasa de seu cigarro.
— Bem... Tornamos a separar-nos, “Baby”...
— Havemos ainda de nos encontrar... — murmurou ela.
— Quando menos o esperarmos. Talvez você apareça em
Nova Iorque, ou eu me decida e passar umas férias em certa
vila da ilha de Malta, propriedade do signore Angelo
Tomasini. De um modo ou de outro, ainda nos tornaremos a
ver.
— Claro... Saberei como terminará tudo isto?
— Sem dúvida.
— Obrigado.
— Não fique triste — murmurou Brigitte. — Nós nunca
podemos estar tristes.
Angelo Tomasini sorriu suavemente.
— É verdade... Os espiões nunca podem estar tristes.
Supõe-se que não temos sentimentos. Nem sequer rosto. E
se não temos rosto, como poderíamos mostrar nossa
tristeza?
— Até sempre, Um.
— Bon voyage, Madame la Duchesse.
***
Quando a velha Duquesa se dispunha a abandonar o
albergue, aconteceu algo de inesperado. Algo sem muita
importância, evidentemente, pois na verdade o suspeitara
desde o princípio.
O cavalheiro vestido de preto, olhos muito pequenos
sobre o grande nariz apareceu de improviso, com ar
distraído. Ela, porém, se “surpreendeu” muito ao vê-lo.
Uma surpresa que foi percebida pelo recepcionista e o
porteiro, enquanto os boys retiravam sua bagagem.
— Madame la Duchesse, por aqui?
— Oh, monsieur... Eu o imaginava em Paris.
— Mais non... Resolvi passar uns dias em Chamonix.
— Férias, monsieur?
— Exatamente... Férias.
— Mentira... — baixou a voz da Duquesa. — Está-me
espionando, Monsieur Nez. O senhor e dois de seus homens.
Coisa muito feia a espionagem, monsieur, não lhe parece?
— Conseguiu o que desejava? — murmurou o senhor
Nariz.
— Não... Lamentável não é verdade?
— Muito.
— Como vê... Um dia inteiro esperando meus sobrinhos
num lugar de clima tão hostil... Espero que o sol de Nice me
compense deste frio tão desagradável... Terei o prazer de vê-
lo em Nice, monsieur?
— Talvez.
— Talvez, monsieur? — riu mansamente a velha dama.
— Sei muito bem que enquanto eu estiver na França, o
senhor tratará de não me perder de vista. Mas como vê,
monsieur: não aconteceu nada...
E aquela noite, quando Cassim Fazil regressou de sua
noitada musical, viu um envelope no chão, perto da porta de
sua suíte. Um envelope do hotel. Também o papel que
continha ostentava o timbre do “Logis Mont-Blanc”.
— Que é? — perguntou sua esposa.
— Nada... Não sei... Uma brincadeira, suponho.
— Mas... que diz?
— Está em inglês...
— Bem, mas leia.
— Diz que... Bem, diz exatamente: “É agradável estar
vivo, não lhe parece, senhor Fazil? Para agradecer-me, leia
atentamente os jornais de depois de amanhã. Só isso. Votos
de boa permanência em Chamonix. Assinado: CIA.”
CAPÍTULO SÉTIMO
Aparece o “Fantasma”.
“All right Baby”.
E também “Alexandria”.
O momento de atacar.

— Pare, Johnny. Esta deve ser a vila...


A certa distância, era visível entre pinheiros e
amendoeiras, numa exótica mistura de cores e formas.
Efetivamente, fazia sol em Nice. Um sol tíbio, sem
demasiada força, mas suficiente para dar a tudo uma amável
luminosidade. Em março, tudo floresce ali; junquilhos,
primaveras, jacintos, mimosas, asfódelos, giestas, tulipas...
Parece que o mundo se enche de flores e aromas. No fundo,
à direita, sob o azul do céu, o mar, não menos azul, com
uma orla de límpido verdor salpicada de espumas brancas.
— Parece que não há ninguém — murmurou “Johnny-
Henri”, ao volante.
Brigitte assentiu com a cabeça, pensativa. A vila parecia
mergulhada no silêncio da solidão absoluta. Todas as
janelas estavam fechadas.
— Que fazemos? — perguntou “Johnny”. — Vamos lá?
— Temos de ir — decidiu “Baby”. — Há muitos dias
procuro “Tentáculo” para dar-me por vencida agora, que
talvez possa encontrá-la. Vamos separar-nos para...
— Um homem — avisou “Johnny”.
Sacou o revólver, olhando para o homem que aparecera
subitamente, dirigindo-se para o carro. Um homem alto,
esbelto, de cabelos louros e rosto irônico, aristocrático.
Usava calças brancas, sapatos esportivos e uma grossa
camisa de malha sem gola. Seus olhos claros e juvenis
destacavam-se.
— Guarde o revólver, “Johnny” — sorriu Brigitte: —
vou sair do carro para falar com ele.
— Mas pode ser uma cilada...
— É um amigo.
— Outro de seus amigos?
— Outro de meus amigos. Não saltem do carro.
— Estaremos vigiando esse tipo.
— Como queiram, mas perderão seu tempo... — disse
ela, rindo. — Até já.
Saltou e encaminhou-se para o homem tão
surpreendentemente surgido entre os pinheiros que
bordavam a estrada de Base Corniehe, rumo a Mônaco.
Aproximou-se dele, olhou-o sorridente, rodeou-lhe o
pescoço com os braços, num gesto impulsivo, e beijou-o.
Quando seus lábios se separaram, o homem contemplou-
a carinhosamente.
— Valeu a pena trabalhar para você... — admitiu. —
Como está a agente “Baby”?
— Tão formosa e maravilhosa como sempre, senhor
“Fantasma”4 — riu Brigitte. — John, não sabe quanto me
alegro por vê-lo, depois de tanto tempo!
— Satisfaço-me com que sinta a metade da minha
alegria neste momento.
— Então, pode estar satisfeito, meu querido.

4
John Pearson, vulgo “Fantasma”, é um agente secreto inglês, do MI5; novelas
MISTER FANTASMA EM AÇÃO e OUTRA VEZ MISTER FANTASMA. NE
— All right, Baby. Por que demorou tanto? Mandei-lhe
ontem um telegrama ao “Hotel George V”, em Paris,
segundo suas indicações.
— Tive o que fazer em Chamonix.
— O maneta?
— Exato.
— Bem, sinto por ele. Esses dois rapazes que estão no
carro são da CIA?
— Não, não... — mentiu Brigitte, risonha. — São
amigos meus daqui, da Europa.
— Claro, claro... — sorriu ironicamente “Fantasma”. —
Vou dizer-lhe o que sei, Brigitte. Não é muito e, além disso,
a menos que você precise mesmo de mim, deverei partir:
perdi um dia em Nice, enquanto um trabalho delicado está à
minha espera em Praga... Temo que no MI.5 me peçam
explicações.
— Ao melhor de seus agentes? Ora, vamos, John, não
seja tão modesto... Que tem a dizer-me?
— Aí está a vila, como lhe dizia no telegrama. Mas a
mulher já se foi.
— Aonde?
— Não sei. Não podia segui-la e estou sozinho em Nice,
com muita pressa de chegar a Praga. Tudo quanto lhe posso
dizer é que o iate em que ela partiu tem o nome de
“Armianskaia”.
— “Armênia”, em russo... — murmurou Brigitte. —
Bem, já não me surpreende... Não tem a menor idéia do
rumo que tomou, John?
— Rumo este. Aparentemente, pelo menos. Olha,
“Baby”, eu posso ficar com você, caso precise realmente de
mim.
— Você fez bastante, John, tendo em conta que devia
iniciar outro trabalho.
— Mas insisto em que, se necessitar de alguém que lhe
dê cobertura, eu abandono tudo...
— Sei muito bem disso, senhor “Fantasma” — sorriu
docemente Brigitte — Mas não quero que perca seu
trabalho por mim. Só pedi auxílio de localização, e este me
foi prestado, O resto eu faço sozinha.
— Está bem... Mas ficarei mais tranqüilo se seus amigos
a acompanharem. Há dois homens dentro da casa, “Baby”.
— Ah... É possível, sim. Conhece-os de algum lugar,
John?
— Não. Creio que não pertencem ao nosso mundo. Diria
antes que são uma dupla de assassinos alugados.
Acompanharam a mulher até o iate. Ela partiu, eles
regressaram à vila e desde então não mais saíram.
Realmente, é como se não houvesse ninguém na casa, não
é?
Olharam-se os dois, sorrindo zombeteiramente.
— Sem dúvida, estão à minha espera — comentou
Brigitte. — Assim sendo, não os façamos esperar mais.
— Ótimo. Não, quero perder isso. Depois tomarei o meu
avião...
— Tome-o agora, John. Cada um de nós tem seu
trabalho, e eu não o estimaria tanto se você fosse dos que
fazem mal as coisas. Meus amigos e eu daremos conta do
nosso.
John Pearson, vulgo “Fantasma”, hesitou um instante.
Mas acabou sorrindo uma vez mais.
— All right, Baby!. Se fosse outra, ficaria para protegê-
la. Mas creio que com você seria perder tempo. Tenho
pensado muitas vezes que sou um homem de sorte por tê-la
como amiga, em vez de inimiga. Acredito que, neste último
caso, viveria muito pouco...
— Você é um exagerado, John. E agora, peço-lhe: vá
tomar seu avião... Diga-me: Posso fazer alguma coisa por
você?
— Parece que nós dois sabemos andar sozinhos pelo
mundo. Pedirei sua ajuda, tal como você fez, em pequenas
coisas. E espero que nosso próximo encontro seja mais
prolongado... Não quer mesmo que vá com você à vila?
Brigitte tornou a beijar o espião inglês, depois o olhou
ternamente.
— Boa sorte, “Fantasma”.
— Boa sorte, “Baby”.
John Pearson afastou-se, a pé, por entre os pinheiros, em
direção a Nice, assobiando e com as mãos nos bolsos,
tomando grande cuidado em passar o mais longe possível
do carro onde os dois “Johnnies” estavam esperando
Brigitte.
Esta voltou para junto de seus companheiros e, mal abriu
a porta, notou o rosto tenso de “Johnny”, que tinha o rádio
de bolso na mão.
— Acabam de chamar — disse secamente.
— Quem? — assombrou-se “Baby”.
— Não disseram. Chamaram, perguntei quem era,
cortaram a comunicação. Chamei eu, então,
insistentemente; ouve-se o sinal de chamado, mas ninguém
responde.
— “Johnny” e “Johnny” seguiram para Washington?
— Sem dúvida.
— Então... Então, é alguém que conhece minha
freqüência de rádio para operações pessoais na Europa, não
é assim, “Johnny”?
— Justamente, o que é perigoso ao extremo.
— Logo saberemos. O rádio, “Johnny”.
Sentou-se junto dele e acionou o rádio. Deixou que
fizesse dois chamados e cortou. Tornou a chamar, agora três
vezes, e cortou novamente.
— Que está fazendo?
— Ssst!
Quase imediatamente, seu rádio emitiu o sinal de
chamado: bip-bip. Duas vezes apenas. Depois três vezes.
Por fim, outras duas vezes. E Brigitte imediatamente
recebeu a comunicação.
— “Baby” falando — disse, um sorriso nos lábios.
— Ibrahim El Kefer. Venha à casa. Sozinha.
— Já vou.
Fechou o rádio e devolveu-o a “Johnny”, que grunhiu:
— Quem é Ibrahim El Kefer5?
— Um amigo. Como vê, “Johnny”, nenhum dos quatro a
quem recorri deixou de responder. Não é maravilhoso?
Fiquem aqui os dois.
— Você está pensando em entrar sozinha nessa vila?
— Se Ibrahim me diz que o faça, é que posso fazê-lo.
Fiquem tranqüilos, mas vigilantes.
Tornou a sair do carro e dirigiu-se para o portão da vila.
Estava fechado, mas “Baby” escalou trepando agilmente
pelas grades, com absoluta facilidade. Depois,
5
Ibrahim El Kefer, a quem Brigitte chama “Alexandria”, é o Barão Wilhem von
Steinheil, ex-espião alemão, que apareceu em UM ESPIÃO NAZISTA, VIAGEM
DE PRAZER e PLANO DE INVASÃO. NE
absolutamente despreocupada, caminhou-se para a casa pela
ampla alameda aspirando o odor misto de flores, mar e
pinheiros. A porta da casa estava aberta, de modo que
precisou apenas empurrá-la para entrar. Olhou para o
homem que a esperava. Um homem alto, de ombros,
larguíssimos, olhos negros, perfil de águia: Ibrahim El
Kefer, “Alexandria”, Wilhem von Steinheil. Outro dos
fabulosos amigos da espiã “Baby” senão o mais fabuloso de
todos. Ele tinha um binóculo na mão esquerda.
— Esse homem — disse — o que você beijou, há vinte e
quatro horas que ronda esta vila. Quase tanto quanto eu.
Brigitte beijou os lábios de seu amigo, depois o olhou
fixamente.
— Wilhem, esse homem é também um amigo meu, que
aceitou ajudar-me quando lhe pedi.
— Compreendo.
— Então, não fique aborrecido por causa de dois beijos.
O alemão sorriu. Abraçou fortemente Brigitte e beijou-a
várias vezes, enquanto ela lhe enlaçava o pescoço, ficando
para isso na ponta dos pés,
— Em minha idade, e sabendo quem é a agente “Baby”,
não deveria aborrecer-me por essas coisas. Sei que você tem
um coração muito grande e generoso, Brigitte. Nele podem
caber diversos amores.
— Nunca se tem o coração demasiado grande. Wilhem.
Suponho que me tenha enviado notícias ao “Hotel George
V”, mas eu estava em Chamonix e de lá vim a Nice.
— O maneta foi a Chamonix.
— Eu sei. Um agente francês me avisou... Pensei que
houvesse dois homens nesta casa...
— Venha.
Passou-lhe o braço pelos ombros e levou-a até o living.
Havia uma espécie de fardo, ao fundo, coberto por um
lençol. Wilhem von Steinheil tirou-o... E ante os olhos de
Brigitte surgiram três cadáveres. Um deles tinha duas
grandes queimaduras no rosto.
— Três? — murmurou ela.
— Quando a mulher partiu, estes dois a acompanharam,
até um iate chamado “Armianscaía”. Depois voltaram. Mas,
enquanto o homem a quem você beijou os seguia, eu me
adiantei a ele. Escondi-me no jardim. Aconteceu que
enquanto seu amigo e eu íamos até o iate, outro homem
tinha entrado aqui. Os dois amigos da mulher que você
procura o surpreenderam e mataram. É este. Depois,
ficaram tranqüilamente na vila. De quando em quando,
sacavam seus revólveres e olhavam para a estrada. Não
demorei a compreender que estavam esperando alguém para
preparar-lhe uma armadilha... Quer dizer: a armadilha já
estava preparada.
— E a vitima era eu.
— Foi o que conclui. De maneira que entrei na casa,
pela cozinha. Lá surpreendi um — indicou o cadáver com
as queimaduras no rosto — e dominei-o sem matá-lo. Mas o
outro se precipitou quando falhei em meu intento de
surpreendê-lo também, e tive que atirar. Enquanto isso, o
homem que você beijou estava lá fora. Esteve lá toda a
noite, sem tentar aproximar-se. Portanto, não tomou
conhecimento de nada.
— Ele sabia que eu só desejava informes, não ação,
Wilhem.
— Bem... Foi mais obediente que eu, não é isso?
— E também mais frio. E o resto da história?
— Esperei que o homem surpreendido em primeiro
lugar recuperasse os sentidos. Disse-me que não conhecia o
intruso que mataram.
— Claro que não — murmurou soturnamente Brigitte —
Esse homem era um amigo de Número Um. E com toda a
probabilidade, haverá outro de seus amigos seguindo o iate
“Armianskaia”, já que Número Um deverá ter-lhes deixado
instruções concretas antes de ir a Chamonix.
— Número Um? — estranhou von Steinheil. — Mas
ouvi dizer que tinha morrido...
— Para seus amigos, continua vivo.
— Compreendo... Bem, acho que dispondo da ajuda de
Número Um, não devia nem ter-se lembrado de mim. Ele
foi... e é, segundo parece, o melhor espião de todos os
tempos, na Europa.
— Não vamos discutir isso, Wilhem — riu Brigitte. —
De qualquer modo, alegro-me por ter recorrido a meus
quatro amigos: é muito agradável constatar que a amizade
pode existir entre espiões. Que mais aconteceu aqui?
— O homem que estava vivo, depois de dizer que não
conhecia o que ele e seu companheiro tinham eliminado,
negou-se a dar-me qualquer outra informação. Tive de
convencê-lo que sua atitude me aborrecia. Aqueci ao rubro
uma faca e fiz-lhe um par de queimaduras na cara. Ficou
sabendo que eu não era de brincadeiras.
— Às vezes — murmurou Brigitte, — você parece
mesmo um xeque do deserto, insensível e cruel. Que
conseguiu obter dele?
— Tudo o que sabia. Uma mulher que se fazia passar
por Marie Leblanc e por francesa, mas que não era, tinha-os
contratado. Pagava muito bem e a obedeciam,
simplesmente. Quando lhes disse que ia partir, mandou que
a protegessem até o iate. Depois, pagou-os para que
esperassem aqui uma mulher... Uma moça de olhos azuis e
cabelos pretos, muito bonita. Tinham que capturá-la, se
pudessem. Ela chamaria diariamente. duas vezes, e quando
tivessem em seu poder a moça de olhos azuis, lhes diria o
que fazer com ela. Entretanto, na hipótese de que a
capturassem pouco depois de ter sido feito um dos
chamados, não deveriam esperar doze horas até o seguinte,
mas partir numa lancha alugada para Portoferraio, na ilha de
Elba, levando a moça com eles.
— Portoferraio, Arquipélago Toscano, em frente à costa
meridional da Itália.
— A umas cento e quarenta milhas de Nice — sorriu
“Alexandria”. — Vamos lá?
— Irei sozinha, Wilhem.
— Sozinha? Por quê? Já lhe ajudei outras vezes...
— Eu sei. E agradeço. Mas sempre foi em trabalhos não
relacionados diretamente comigo. Essa mulher, estou certa,
dependia tecnicamente de Stanislas Pogorsky, o homem
sem um braço da fotografia que lhe enviei a Berlim. Agora,
morto Pogorsky, ela não sabe muito bem o que deve ou
pode fazer. Está fugindo. Seu propósito de desprestigiar a
CIA perante o mundo, cometendo assassinatos sucessivos
em todos os continentes, vê-se pelo menos, condenado a
adiamento. Na realidade, está vencida. Esse assunto, o da
espiã “Baby” trabalhando para a CIA em benefício desta e
de outras pessoas, está resolvido. Dentro de dois dias, três
no Maximo, os jornais de todo o mundo comentarão o caso
dos estudantes americanos assassinados, restabelecendo a
verdade. Mas agora, Wilhem, quero saber por que essa
mulher quis matar-me também tão obstinadamente, e de um
modo especial.
— A você?
— Em várias ocasiões. Sabe quem sou, onde vivo...
Suponho que quando Stanislas Pogorsky escapou de certa
redada num recife, recorreu a ela, depois passou a ajudá-la,
a assessorá-la... Agora, quero saber por que este ódio
especial contra mim. E quero que ela mesma o diga, que o
explique. Quero, sobretudo, que me diga por que deseja
matar-me com lança-chamas... E uma vingança Wilhem.
Urna vingança contra mim, mas não consigo compreendê-la
— Essa mulher quer matá-la queimando-a com um
lança-chamas?
— Exatamente.
— E você pretende ir enfrentá-la sozinha?
— Já lhe disse, Wilhem: para trabalhos gerais aceito
ajuda de qualquer de meus bons amigos, como você. Mas
agora o caso é particular e, além disso, assume um aspecto
especial. Quero convencer-me de que posso proteger
adequadamente minha vida, em qualquer momento, sem
auxilio de ninguém. Se não for assim, não deverei continuar
trabalhando para a CIA.
— Nem para ninguém. Se não souber defender-se
sozinha, essa mulher a matará.
— Um risco estúpido, esse que quero correr não lhe
parece?
— Não — murmurou “Alexandria”. — Pensa que não.
Compreendo você.
— Obrigada. Vou a Portoferraio, Wilhem. Calculo que
possa chegar lá por volta das dezenove horas, numa boa
lancha, que depois me servirá para procurar o iate
“Armianskaia” por essas águas italianas. Enquanto isso,
você me fará outro favor.
— Mas não vamos juntos?
— Não.
— Está bem... — disse sombriamente o alemão. —
Talvez nos tornemos a ver, em breve. Que quer que eu faça?
— Telefone para o “Logis Mont-Blanc”, em Chamonix,
e chame o signore Angelo Tomasini. Fale em italiano. E
diga ao signore Tomasini, da parte de “Baby”, que venha
buscar seu amigo na “Ville Bouganville”; e que o outro, ou
os outros, talvez estejam a caminho de Portoferraio,
seguindo o iate chamado “Armianskaia”; que seria
conveniente, avisá-los para que abandonem o trabalho.
— É tudo?
— Tudo.
Wilhem von Steinheil assentiu sisudamente com a
cabeça.
— Espero você em Nice? — indagou.
— Não poderei voltar, Wilhem. Se sair com vida,
deverei voar imediatamente a Washington para coordenar
todos os dados e redigir o relatório final... Até a vista, meu
amor.
O alemão beijou-a suavemente nos lábios. Depois
sussurrou:
— Até a vista.
***
— Aí vem ela — disse “Johnny”.
O outro “Johnny” abriu a porta traseira, quando “Baby”
chegou ao carro. Ela entrou e sentou-se, suspirando.
— Vamos, “Johnny”.
— Aonde?
— Ao porto de Nice. Temos que alugar ou comprar uma
lancha veloz, para chegarmos a Portoferraio antes do
anoitecer.
— Se há tanta pressa, podemos conseguir um
helicóptero que...
— Quero chegar de lancha. É menos espalhafatoso.
Num porto de mar, o normal são as embarcações, não?
— Mas se tem tanta urgência...
— Não... Não há urgência. O iate chamado
“Armianskaia” ainda estará lá, pelo menos até amanhã
esperando a boa notícia de que “Baby” foi capturada.
— Que iate...?
— O “Armianskaia”... Ou seja, o “Armênia”,
exatamente. Vamos à procura dessa lancha. Durante o
trajeto, explicarei a vocês tudo o que averigüei.
— Que se passou na casa?
— Encontrei um outro amigo. A caminho... Vamos
encerrar o capítulo em Portoferraio, agora que “Tentáculo”,
ao que tudo indica, ficou sem auxílio... desamparada.
Chegou finalmente o momento de atacar!
CAPÍTULO OITAVO
Ascensão com piteira.
Kira Sadja Vakan.
Uma pistola diabólica.
Ponto final em Portoferraio

Os três chegaram a Portoferraio pelas seis e meia da


tarde e, poucos minutos depois, viram o iate “Armianskaia”
ancorado cerca de trezentos metros ao largo, em frente à
costa da ilha e um tanto longe da povoação. Brigitte estava
a examiná-lo com um pequeno binóculo, quando soou o
zumbido dos motores de uma lancha, que se aproximava
rapidamente. Viram a esteira de branca espuma ao sol
vermelho do entardecer e uma lancha azul e branca, que
parecia rodeada por todas as cores do arco-íris.
Os três agentes da CIA entreolharam-se. “Johnny” e
“Johnny” sacaram seus revólveres. Brigitte abriu a famosa
maleta vermelha, sua inseparável companheira de tantas
missões perigosas e montou com extraordinária rapidez o
tubo-fuzil.
— Mantenham-nos afastados... — sussurrou. — Vou
afundá-los com uma granada.
Retirou da maleta a diminuta granada, que parecia um
dardo, e deixou-a cair no tubo, invertida. Então, a lancha
estava fazendo soar a sirena, transmitindo um sinal que os
três logo identificaram: CIA.
— Pode ser uma armadilha — murmurou “Johnny”.
— Não creio — contrapôs Brigitte. — Afinal de contas,
nossos companheiros na Europa também estiveram
procurando “Tentáculo”. E se outros espiões a encontraram,
por que não também eles?
A lancha aproximava-se, já com o motor parado,
seguindo o impulso da marcha. Um homem assomou à
popa, lançando ao mar uma pequena âncora. Havia outro,
ao volante da embarcação. E outros dois, junto à borda. Não
pareciam ter armas a seu alcance, no momento.
Por fim, a lancha deteve-se, quase tocando a de Brigitte.
Um dos que estavam junto à borda, sem fazer caso dos
revólveres de “Johnny” e “Johnny”, olhou para ela.
— Agente “Baby”? — perguntou.
— Eu.
— CIA — apresentou-se —: pessoal sob o comando de
Mr. Europa, chefe continental. Mandamos avisos a Paris e
Chamonix... Procuramos por você em Nice. Finalmente, um
de nossos companheiros comunicou-nos que você tinha
saído de lá numa lancha, depois de visitar a “Ville
Bouganville”. Viram-na com um agente do MI.5... E
quando você abandonou a vila, cerca de meia hora mais
tarde, um homem enterrou três cadáveres no jardim. Nosso
companheiro da vila supôs que ambos eram seus amigos
pessoais e pareceu-lhe mais acertado não intervir.
— Excelente trabalho — aprovou Brigitte. — Confesso
que estava decepcionada com a CIA na Europa,
companheiro Mas por que não entraram em contacto
comigo?
— Por quê? Sempre preferimos a segurança o não-
contacto... Sobretudo quando você, por outros meios, ia-se
aproximando gradativamente do lugar desejado. Notícias de
Washington: Horace Blake, o rapaz de Hong Kong, e Leslie
Bowles, o de Chamonix, chegaram são e salvos à Agência
Central. Estão estudando suas declarações “espontâneas”
para a reunião de imprensa que terá lugar depois de amanhã.
Espera-se o relatório final da agente “Baby” para encerrar o
caso. Confia-se na apresentação desse relatório, pelo menos.
— Ótimo — murmurou Brigitte, indicando o iate
“Armianskaia”. — Vou pôr o ponto final agora mesmo.
— De acordo. Vamos a esse iate.
— Eu vou sozinha.
O agente da CIA no comando do grupo da lancha
franziu o cenho, olhando-a quase irritado.
— Está maluca? — perguntou descortesmente.
— Não, não estou maluca. Mas irei sozinha.
— Não irá. Temos ordens terminantes da Central:
proteger a vida da agente “Baby”. E vamos obedecer a esta
ordem inclusive contra sua vontade. A CIA nos deu a
entender que sob nenhum pretexto podemos permitir-nos o
luxo de perder uma agente como você.
— O mesmo deviam ter pensado, há alguns meses, a
respeito do Número Um.
O espião enrubesceu.
— Nada tive a ver com aquilo, “Baby”.
— Todos tivemos alguma coisa a ver com aquilo. Agora,
já que dispõe de um rádio para comunicar-se com Nice,
faça-o. E que eles enviem esta mensagem à Central, da
parte de “Baby”: ou irei sozinha ao iate, ou deixarei agora
mesmo de trabalhar para a CIA.
— Por que tanta obstinação? — grunhiu o outro.
— Porque só continuarei trabalhando para a CIA
enquanto estiver segura de que posso defender-me por mim
mesma. Não me agradam os guarda-costas.
— Não quer nosso auxilio? E eles dois? — indicou
“Johnny” e “Johnny”. — Acaso não a estiveram ajudando
durante todo o tempo?
— Contra minha vontade e enquanto considerei que não
atentavam contra minha confiança em mim mesma. Agora,
chegamos ao momento final, e quero ir sozinha. Posso
propor-lhes uma coisa.
— Que coisa?
— Eles dois passarão a essa lancha. Eu irei sozinha até o
iate. E vocês o cercarão, por via das dúvidas. Mas não
tenham receio: a agente “Baby” não vai morrer, pois se eu
vir as coisas mal paradas, saltarei ao mar e, então, vocês
poderão intervir. Mas tanto neste caso, como no de sua
negativa a consultar a Central, demito-me da CIA. Sou de
opinião que os inúteis devem retirar-se. Vai comunicar-se
com Nice? Ou aceita minha proposta?
— Um momento... — pediu o homem. — Devemos
entender que, se não a deixarmos ir sozinha ao
“Armíanskaia”, estará de qualquer modo perdida para a
CIA?
— Exatamente.
— Então, vá sozinha ao iate. Apenas a sua vida estará
em jogo, “Baby”. E penso que na Central preferirão arriscar
sua vida e perdê-la como agente.
— Claro que preferirão... — olhou para seu colega
europeu. — Bem: que diz você, amigo?
— Apenas que lhe desejo a melhor sorte do mundo.
Venham vocês dois para esta lancha. Vigiaremos a uma
distância conveniente o trabalho final de “Baby”.
“Johnny” e “Johnny” olharam para Brigitte. Ela
estendeu-lhes a mão, sorrindo; aceitaram-na em silêncio e
depois, com ar preocupado, saltaram para a outra lancha.
Brigitte passou ao volante e, voltando-se, atirou um beijo a
seus companheiros.
— Até já, queridos!
Pôs a lancha em marcha, rumo ao iate.
— Está louca — insistiu o agente da CIA na Europa.
— Certamente conseguirá o que pretende — murmurou
um “Johnny”. — Nós já a conhecemos bem. Mas, de
qualquer modo, estejamos atentos: esse iate, morra ou não a
agente “Baby”, não deve escapar.
— Não escapará. E, enquanto esperamos, observemos o
que é capaz de fazer essa amalucada garota.
Brigitte deteve a lancha a menos de sessenta metros do
iate e olhou friamente para os dois homens que a estavam
observando, junto à borda. Retirou a granada do tubo-fuzil e
substituiu-a por uma outra, que continha uma ampola de gás
fulminante. Ergueu-se de pronto e sem dar tempo para que
os dois homens se surpreendessem, apontou rapidamente e
disparou. Viu com nitidez o gesto de um deles levando a
mão ao peito, onde se tinha espatifado a ampola. O outro
levou a mão ao bolso traseiro da calça. E os dois caíram na
coberta, subitamente, fora do alcance da vista de “Baby”.
Esta empunhou o remo de emergência e impulsionou sua
lancha para o iate, sem necessidade de acionar os motores.
Chegou à proa, encostou a lancha à corrente da âncora e
agarrou-se fortemente aos grossos elos, levando presa entre
os dentes a alça da maleta vermelha.
Começou a subir.
Ouvia-se o rumor do mar e o sol adquiria tons
estridentes, vermelhos, violáceos e, em contraste, negros.
Por trás dela, a certa distância, Portoforraio. À sua direita, a
solitária praia.
Estava quase tocando a borda, quando deteve a
ascensão, agarrando-se à corrente da âncora com as pernas e
um braço. Utilizou a mão livre para remexer na maleta.
Sacou a piteira, colocou-a entre os dentes, após erguer a
maleta e atirá-la à coberta do iate, por cima da borda.
Depois continuou a subir.
Ainda não tinha conseguido acabar de escalar a borda,
quando viu um homem diante dela, olhando-a com
expressão sinistra e apontando-lhe um revólver. Usava
roupas idênticas às dos outros dois: calças azuis e camisa de
malha preta. Tinha na mão esquerda a maleta vermelha.
Disse qualquer coisa, mas Brigitte, ainda sem saltar à
coberta, moveu negativamente a cabeça.
— Fale em russo, pelo menos — pediu — não entendo o
armênio.
— Suba... Ela está à sua espera.
— Ah...
Soprou com força na piteira e, era vez de subir a bordo,
deixou-se escorregar para baixo, um pouco. Sabia que a
reação imediata do homem, ao sentir no rosto a picada da
agulha contendo narcótico, seria disparar o revólver. Ouviu
o zumbido da bala por sobre a borda, mas não houve
estampido algum. Quase em seguida, o ruído de um corpo
caindo na coberta.
Então, subiu a bordo, por fim. Olhou o homem, que iria
dormir por duas horas, no mínimo, tal como os outros dois.
Apanhou sua maleta e dirigiu-se resolutamente para a
escada que levava ao interior do iate. Deteve-se, antes de
descer os degraus de madeira. Lá embaixo não se ouvia
nada. Desceu lentamente, ainda sem sacar a pistola e com a
já inútil piteira entre os dentes.
Estava na metade do corredor, quando viu os dois
homens, à direita e à esquerda, surgindo subitamente diante
dela por duas portas laterais vis-à-vis. A armadilha surtiu
efeito: cada braço de Brigitte “Baby” Montfort foi seguro
por duas mãos grandes e ásperas, rudemente. Nem a mais
remota possibilidade de libertar-se delas. Aliás, não o
tentou. Um dos homens arrancou-lhe a maleta e atirou-a
para cima, para a coberta. Ao que parecia, não queriam mais
truques da agente “Baby”...
Em seguida, apareceu “Tentáculo”, saindo de um dos
camarotes.
E esta vez, ao natural. Brigitte estava certa disto. Era
uma mulher, com efeito. Uma mulher miúda, seca,
completamente vestida de preto, cabelos brancos, olhos
pequenos, negríssimos e ardentes, de feitio mongólico,
brilhando cruelmente com um ódio tão feroz que Brigitte
sentiu-se estremecer. Era como um galho seco vestido, com
os dois pontos malignos dos olhos perversos. Uma mulher
tosca, áspera, rude, de mãos nodosas, ossudas, como garras.
Seu rosto estava muito tostado pelo sol, crestado pelo vento,
pelo frio. Sua simples presença causava uma desagradável
sensação de ameaça, de medo...
Tinha uma estranha pistola na mão. Uma pistola grande,
com quase quarenta centímetros de comprimento.
A mulher adiantou-se e, ainda sem dizer palavra, sem
qualquer preâmbulo, ergueu a mão livre para o belo rosto de
Brigitte, que o que menos podia esperar era aquilo: a mão
crispou-se como uma garra e as unhas cravaram-se em sua
carne... Depois, a espantosa mulher moveu bruscamente a
mão para baixo, rasgando cruelmente aquele rosto que
odiava, marcando-o com quatro sulcos paralelos, que logo
se transformaram em traços sangrentos.
“Baby” empalideceu, mas não fez um movimento. Seus
admiráveis olhos azuis estavam fixos naqueles olhos
negríssimos, ardentes como fogo negro, implacáveis.
Súbito, a mulher agarrou a borda da blusa de jérsei de
Brigitte e deu um repelão, arrancando-a, junto com o sutiã.
Os seios magníficos, todo o torso, ficaram desnudos. Sobre
o seio esquerdo, outras quatro estrias vermelhas
apareceram, causadas por aquelas unhas aduncas. A mulher
ficou uns segundos contemplando, momentaneamente
satisfeita, sua inimiga indefesa.
— Você vai morrer — disse por fim, em russo, de um
modo que pareceria teatral em outras circunstâncias. — Vai
morrer, Brigitte Montfort... Mas antes terá que me pedir,
suplicar-me que a mate... Sim, terá que pedir para morrer,
chorando!
— Quem é você? — perguntou Brigitte, quase com
insolência.
— Não me reconhece? Não vê em mim nenhum traço
que lhe seja familiar?
— Não!
— Olhe-me bem... Olhe bem para mim!
— É inútil. Não a conheço. Já a vi em diversas ocasiões,
mas sempre sob um disfarce diferente. Eu não a conheço. A
Stanislas Pogorsky sim, conhecia... Mas está morto agora.
— Eu sei. Você o matou. Isso significa que durante
algum tempo, até que encontre outro homem capaz de
orientar-me no mundo da espionagem, deverei permanecer
inativa. Mas não importa... Não me importará esperar para
tentar novamente qualquer coisa contra a CIA... Não me
importará, porque você estará morta. Passei meses
preparando tudo, sob a direção de Stanislas Pogorsky.
Soube esperar... e saberei esperar outra vez. A CIA não se
livrará de mim tão facilmente: encontrarei outro homem, ou
vários, que quererão trabalhar para mim, em todo o mundo.
E não descansarei até acabar com a CIA!
— Acabar com a CIA? — duvidou Brigitte. — Você
está louca... Poderá talvez acabar comigo, mas não com a
CIA. Nunca!
— Isso é o que se vai ver, agente “Baby”... Primeiro quis
eliminar você. E talvez tenha sido isso um engano. Depois
pensei que me poderia ser mais útil estando viva. Queria
matá-la junto com algum dos estudantes de seu país e,
assim, a presença da CIA no atentado daquele momento
teria sido mais evidente... Mas já não vou esperar mais...
— Dentro de dois ou três dias, o mundo saberá que a
CIA absolutamente nada teve a ver com esses assassinatos,
ou tentativas de assassinatos.
— Procurarei outro sistema. Com o dinheiro de que
disponho, posso encontrar homens que preparem algum
plano diabólico. Sei que posso conseguir isso. Não me
deterei até acabar com a CIA! Mas por ora... por ora vou
acabar com você...
— Com um lança-chamas?
— Não... Atrapalhou tanto meus planos, obrigando-me a
ir de um lado para outro, que aqui, em meu refúgio atual,
nem sequer tenho um lança-chamas... Entretanto, veja esta
pistola que Stanislas conseguiu há algumas semanas na
Tcheco-Eslováquia... E uma pistola elétrica, com três
posições, três intensidades de corrente. Uma para produzir
queimaduras leves e provocar cãibras. Outra para produzir
queimaduras graves. E outra, cuja carga elétrica é suficiente
para matar. Veja... E experimente.
Colocou a ponta da pistola contra o ventre de Brigitte e
comprimiu o gatilho, olhando para seus olhos, os quais não
deviam pestanejar sequer por mais que ela sofresse... Mas
não foi só a dor, foi a dilacerante sensação de ter uma brasa
viva nas entranhas, enquanto todo seu corpo estremecia com
tanta força que quase se soltou das poderosas mãos dos dois
homens. Só um instante. Em seguida, eles tiveram que
ampará-la, porque suas pernas dobraram, sua cabeça pendeu
sobre o peito molemente.
A horrenda mulher agarrou-lhe os cabelos e levantou-lhe
a cabeça com um puxão violento. Seus lábios finos, quase
ausentes, mal se moveram quando ela murmurou;
— E antes de eletrocutá-la, vou destruir sua beleza...
Queimarei seus olhos, sua língua, suas mãos... Quero
queimá-la viva! Quero que morra como ele morreu...
Lembra-se?
Brigitte parecia não ter força nem sequer para falar:
— Refere-se... a... Najo Vakan?
— Sim! gritou a mulher. — É a ele que me refiro! A
Najo Vakan, ao homem que, com o nome de “Octopus” e
dirigindo sua organização, poderia ter sido o senhor do
mundo se você não tivesse interferido! A ele refiro-me, a
Najo Vakan, a meu filho!
— “Octopus”... era seu...
— Meu filho! Primeiro a MVD, e depois a CIA, foram
contra ele! Mas só você... só você pôde vencê-lo, matá-lo...
— Quem o matou foi um espião russo, chamado Yuri
Sivonov... Não fui eu quem queimou seu filho com um
lança-chamas.
— Eu sei... Stanislas conseguiu escapar, ferido, e chegar
até meu domicilio na Armênia... Eu tinha tudo... Meu filho
me mandava muito dinheiro, continuamente... E saberei
empregar este dinheiro para vingá-lo! Kira Sadja Vakan
saberá vingar seu filho! Todos os culpados pagarão! Cabeça
por cabeça, mão por mão, olho por olho... Pagarão tudo! É
verdade: você não o matou. Mas o espião russo pôde fazê-lo
graças a você! Foi você a causa da ruína da “Organização
Octopus”! E por sua causa meu filho foi queimado vivo!
— Verdade. Eu fui a causa de tudo. E devo dizer-lhe que
me alegro, porque seu filho estava tão louco como você
mesma.
Kira Sadja Vakan lançou um grito. Ergueu novamente a
pistola, tornou a apoiá-la no ventre de Brigitte e comprimiu
o gatilho. Ela tornou a sentir a dor terrível daquela brasa em
sua carne e, mais uma vez, estremeceu fortemente ao ser
atingida pela descarga elétrica.
E como da outra vez pareceu relaxar-se, a ponto de cair
no chão.
Só que desta vez não quis continuar fingindo. Não ficou
pendendo inerte das possantes mãos dos dois homens, mas
lançou-se para frente, libertando os braços por surpresa e
investindo com toda a força contra Kira Sadja Vakan que
gritou de raiva quando aquele corpo ágil chocou-se contra
ela, levantando-a, mandando-a longe pelo ar, antes de cair
por terra como um horrendo fantasma negro e contorcido. A
pistola elétrica escapou-lhe da garra adunca e Brigitte
precipitou-se para apanhá-la.
Seus dedos finos já se crispavam na avantajada culatra,
quando tornou a ouvir o grito da mulher:
— Não a matem! Quero-a viva!
Quase ao mesmo tempo, o braço de um dos homens
rodeava-lhe o pescoço, num primeiro movimento para
imobilizá-la. E apesar de bloqueada pela enorme massa que
era o corpo daquele homem, a espiã de luxo da CIA cravou
os dedos exatamente no tríceps de seu grosso braço,
inclinou-se para frente, e o homem foi projetado contra a
parede. O impacto foi tão forte, que fez vibrar toda a
embarcação.
“Baby” acabava de incorporar-se quando o outro gigante
se atirava contra ela, braços abertos, como um urso. E
aqueles braços estavam-se fechando rapidamente, quando
ela apoiou a ponta da pistola elétrica no ventre do homem e,
movendo a alavanca de troca de voltagem, quase
simultaneamente apertou o gatilho.
O gorila não acabou de abraçá-la. Soltou um urro e foi
jogado para trás, levando as mãos ao ventre. Deslizou sobre
as costas, pelo chão, até chegar embaixo de uma das vigias
redondas, onde ficou como morto, com um orifício negro no
abdômen, de onde se escapava um cheiro irritante de carne
queimada.
Brigitte virou-se rapidamente para o outro, que após ir
de encontro à parede tornava a carregar contra ela, com toda
a fúria que estava concentrada em seus poderosos músculos.
O encontrão foi de tal modo violento, que Brigitte sentiu-se
arremessada para trás como por uma catapulta. A pistola
caiu-lhe das mãos e ela bateu contra o tabique, de costas e
cabeça, antes de tombar sobre o homem que continuava
cheirando a carne queimada.
O outro acompanhando o brutal impulso de sua
investida, tinha-se também precipitado contra o tabique,
mas colidindo com o ângulo formado pela sala de recreio do
iate. Foi um choque estrondoso, e novamente pareceu que a
embarcação ia fazer-se em pedaços.
Mas o brutamontes conservava todas as suas energias.
Voltou-se para Brigitte, que estava estendida no chão, junto
a seu companheiro, e pareceu estudá-la, hesitar antes de
prosseguir o ataque, na realidade ainda atônito ante o fato
inexplicável de ter sido projetado por cima do ombro
daquela bonita jovem de doces olhos azuis, poucos
segundos antes, para chocar-se estrepitosamente contra a
parede.
Kira Sadja Vakan arrastava-se para a pistola elétrica,
gritando para o homem que não matasse “Baby”, que a
agarrasse viva. E soltou um grito de estridente alegria
quando seus dedos ossudos recuperaram a terrível arma.
— Agarre-a! — guinchou. — Mas não a mate!
O homem aproximou-se de Brigitte com as mãos
estendidas, os olhos escuros vigilantes. Demorou um
segundo a mais para compreender a verdadeira causa da
imobilidade daquela hábil lutadora de olhos azuis. E quando
compreendeu e quis levar a mão direita ao bolso traseiro da
calça, já era tarde.
“Baby” tinha sacado o revólver do bolso do outro
homem.
Só precisou apontá-lo e disparar. E sabia que para deter
semelhante bruto era preciso mais que uma bala, a menos
que seu efeito fosse total. Por isso, a bala que saiu com
abafado “plop” do silencioso revólver cravou-se
diretamente na testa do inimigo.
Fulminante.
Ele recuou de chofre e caiu de costas, morto.
Brigitte desviou imediatamente a arma para Kira Vakan,
que, ainda de joelhos no chão, olhava-a com olhos
arregalados, frementes de ódio. Levantou-se lentamente,
apontando sempre o revólver.
— De pé — ordenou à bruxa, mantendo-se afastada
dela.
Kira Vakan começou a erguer-se. De repente, soltou um
de seus medonhos gritos de furor e lançou-se contra
“Baby”, apertando o gatilho da pistola elétrica. Uma
vibrante linha azulada apareceu na boca da arma, como um
relâmpago em miniatura numa experiência de laboratório.
Ouvia-se o fino crepitar do arco elétrico, avançando para
Brigitte, nas mãos de Kira.
Ela desviou-se velozmente e o relâmpago elétrico passou
a alguns centímetros de seu peito. Na pressa de esquivá-lo,
Brigitte tropeçou e caiu de costas. Kira voltou-se como uma
gata que tivesse falhado o bote contra sua presa e tornou a
investir, o dedo sempre apertando o gatilho. Sentada no
chão, rosto crispado, “Baby” tinha os olhos fixos naquela
descarga elétrica que vinha novamente contra ela.
— Não se aproxime! — gritou. — Não se aproxime,
senão atiro!
Kira Vakan não lhe fez o menor caso. Plantou-se diante
dela e avançou ferozmente a pistola. Brigitte disparou e a
bala, tal como tinha desejado, penetrou na coxa da harpia,
que caiu de bruços, mas sempre com a pistola fortemente
segura. Como se não sentisse dor alguma, começou a
arrastar-se para Brigitte, rugindo de cólera, gritando,
ululando.
“Baby” correu para a escada que conduzia à coberta e,
de um salto, galgou três degraus. Então, voltou-se,
apontando o revólver para a mulher. Esta parecia ter
compreendido a inutilidade de seus esforços e agora jazia
imóvel no chão, os olhos ardentes obstinadamente pousados
na vitima que lhe escapava.
— Não se mova mais — disse Brigitte. — Basta. Não
quero matá-la, Kira Sadja Vakan. Mas virá comigo aos
Estados Unidos: lá vai ter que explicar muitas coisas...
Coisas que serão divulgadas por todo o mundo.
— Maldita... ofegou Kira. — Maldita! Maldita...!
— Solte essa pistola, Rira. Uns amigos meus virão
buscá-la. Solte-a, estou dizendo!
Mas Kira Sadja Vakan, evidentemente, não tinha a
menor intenção de obedecer. Pelo contrário: colocou a
pistola em posição para eletrocutar e, diante de Brigitte, que
ficou paralisada de terror, apoiou a ponta da arma em seu
peito seco e comprimiu o gatilho.
Aquele foi o horrível fim do último tentáculo da extinta
“Organização Octopus”.
Ponto final em Portoferraio.
UM BRINDE

Encerrada numa das salas secretas da CIA em Langley,


Washington, a espiã de categoria de luxo Brigitte “Baby”
Montfort terminou de falar ao microfone do gravador. Ficou
uns segundos pensativa; por fim, acendeu um cigarro e
recostou-se no sofá, suspirando. A sala estava apenas
iluminada por uma lâmpada de pé, junto ao sofá. Diante
deste, uma mesinha redonda, de vidro, sobre a qual havia
cigarros, fotografias, apontamentos datilografados.
Brigitte apertou um botão sob o tampo da mesa e quase
imediatamente abriu-se a porta da sala, dando passagem a
Mr. Cavanagh, chefe central direto da agente “Baby”. Após
fechar a porta, ele aproximou-se do sofá, mostrando aquela
leve claudicação inconfundível. Deteve-se diante de
Brigitte, que o olhou languidamente, com um suave sorriso.
— Terminou, “Baby”?
— Terminei. Pode enviar aos datilógrafos. Quanto a
mim, posso voltar para casa?
Mr. Cavanagh sentou-se na ponta do sofá e estendeu um
monte de jornais a Brigitte.
— Notícias de todo o mundo. A verdade sobre os jovens
universitários norte-americanos que se tornavam assassinos
a mando da CIA.
— Não me interessa a leitura agora — sorriu Brigitte. —
Sei muito bem que este assunto está solucionado. E com
este meu relatório interno, o caso fica encerrado para a CIA.
Espero que também para mim. A menos — sorriu
deliciosamente — que ainda tenha ficado por aí outro
tentáculo de “Octopus”.
— Você é capaz de acabar com todos os tentáculos de
todos os polvos, “Baby”.
— Muito gentil. Mr. Cavanagh. Que traz aí, nessa caixa?
Segredos máximos da CIA?
— Segredos, sim. Lamento esses seus... ferimentos.
“Baby” ergueu as sobrancelhas, surpreendida. Súbito,
levou a mão às quatro estrias que marcavam sua face.
— Ah... Refere-se a isto?
— Sim.
— Bem.. Não creio que tenha muita importância. De
qualquer modo, agradeço muito seu interesse. Espero logo
recorrer a um cirurgião plástico, que deixará meu rosto tão
belo como sempre foi.
— A CIA lhe oferece assistência para isto, “Baby”.
— A CIA, segundo está parecendo, é muito amável
comigo. Mas tenho meu próprio cirurgião para estes casos.
— Bem. Mas segundo me consta, você sofreu outros
ferimentos...
— Oh, sim. Uns arranhões parecidos no seio esquerdo.
Também ficarão completamente invisíveis. Eu lhe
mostrarei, depois que meu cirurgião tiver feito seu trabalho,
e aposto como não verá nenhum sinal ou cicatriz.
— Ótimo — permitiu-se sorrir Mr. Cavanagh. —
Esperarei impaciente esse momento.
Brigitte riu e tornou a olhar para a intrigante caixa que
ele trouxera.
— Qual é o segredo, afinal?
— Oh, sim... Fiz algumas perguntas sobre suas
preferências e penso que consegui um presente de seu
agrado.
Ele abriu a caixa, que continha uma garrafa de
“Perignon 55” e duas taças, tudo convenientemente esfriado
por meio de gelo seco. Destampou a garrafa com leve ruído
e encheu as taças. Ofereceu uma a Brigitte e ergueu a sua.
— Saúde?
— Saúde! — admitiu “Baby”. — Na verdade a CIA
está-se tornando bastante simpática. Pelo que podemos
brindar, Mr. Cavanagh?
— Seria grato para mim poder levar ao Comando
Central a noticia que a agente “Baby” brindou comigo por
uma longa permanência entre nós. Sente-se disposta a
continuar sendo a admiração do mundo da espionagem?
Havia um amável sorriso nos lábios de Mr. Cavanagh.
Brigitte também sorriu, com sua simpatia cativante, e
ergueu a taça:
— Pela agente “Baby”, a querida da CIA... Saúde!

A seguir: POR VIA DIPLOMÁTICA

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