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058 O Ultimo Tentaculo. II
058 O Ultimo Tentaculo. II
058 O Ultimo Tentaculo. II
CAPÍTULO SEGUNDO
“Três parisienses”
Aparece “Monsieur Nez”
Nice ou Chamonix?
Esportes de inverno
1
Número Um co-protagonizou com Brigitte Montfort a aventura OPERAÇÃO
ESTRELAS. NE
urgente, já que era de dia. Um sol pálido, baço e triste
banhava Paris. Eram nove horas e quinze minutos
— Fale, “Johnny”.
— Um homem está indo para aí. Vai bater.
Brigitte olhou para a porta aberta do quarto em direção à
da suíte, onde, com efeito, soou uma batida.
— Nós o conhecemos, “Johnny”?
— Eu não.
— Como é ele?
— Meio baixo, magro... Está vestido de preto tem uns
olhos muito pequenos e, em compensação, um vasto nariz.
— Oh, oh! — riu Brigitte. — Creio que sei quem é,
“Johnny”. Não há perigo. De qualquer modo, vou certificar-
me. Se eu não chamar dentro de um minuto, fiquem
tranqüilos.
— Certo.
Brigitte saiu da cama, vestiu um deshabillée e foi até a
porta, com a pistolinha na mão direita e o rádio na esquerda.
— Quem é?
— Posso entrar, mademoiselle Montfort?
Sorrindo, ela abriu e olhou com uma expressão entre
amável e irônica seu visitante.
— Meu querido Monsiseur Nez! — saudou. — Quanto
tempo sem nos vermos2!
Monsieur Nez, coisa assombrosa nele, sorriu
amistosamente, estendendo a mão.
— Como está, Brigitte? — interessou-se, realmente
amável.
2
Entre outras aventuras: UM TIRO NO AZUL
— Bastante bem. — Ela afastou-se para que o francês
entrasse, depois fechou a porta. — Pareceria tolice
perguntar se recebeu minha carta, já que está aqui.
— SiM... — suspirou ele. — Estou aqui. E você
também, nesta mesmíssima França, O que significa que vai
complicar minha vida.. Cheguei cedo demais?
— Não, não. Na verdade, devia ter-me levantado há
mais tempo: parto hoje mesmo para o sul.
— Já sabe, então? — assombrou-se o subchefe do
Deuxiéme Bureau.
— O quê?
— Pois não disse que ia para o sul?
— Disse. Mas...
— Então é que sabe.
Brigitte riu.
— Que maneira mais esquisita de falar, monsieur! A sua
e a minha. Porque o sul, porque sabe, porque não sabe... De
que estamos falando afinal? Um cigarro?
— Oui, merci.
Monsieur Nez sentou-se numa das pequenas poltronas do
quarto e Brigitte na beira da cama, após oferecer-lhe um
cigarro, olhando com nítida simpatia para o espião francês.
— Assim é a vida, monsieur — disse, sorrindo. —
Várias vezes eu o ajudei, em benefício da França e, de um
modo especial, do Deuxième Bureau. E...
— Ajuda que lhe foi paga em dólares americanos.
— Oh... Sim, é verdade... Um pequeno detalhe de
somenos importância, porque às vezes os serviços de
Brigitte Montfort não têm preço. Que são cem, duzentos,
trezentos mil dólares, comparados com a astúcia e a
eficiência da espiã internacional mais cara de todas? Ou vai
atrever-se a pedir-me uns quantos dólares por seu auxílio,
monsieur?
— Deveria fazê-lo.
— Mas não pedirá?
O Sr. Nariz hesitou, como se irritado.
— Não, não pedirei.
— O’est magnifique! — exclamou “Baby”. — Isso quer
dizer que, no fundo, tem por mim uma estima considerável,
monsieur. Não é verdade?
— Diga-me o que está acontecendo — grunhiu o
francês. — Por que está buscando essa gente?
— São uns... agitadores políticos internacionais.
— E pensam fazer uma das suas na França?
— Bem, se estão aqui, suponho que não será pelo gosto
de visitar o país. A última vez que os vi, em Hong Kong,
consegui atrapalhar seus planos, e escaparam rumo a Paris...
Tenho certeza de que estão projetando alguma coisa
desagradável nesta doce França.
— Que espécie de coisa?
— Não sei, monsieur. Mas estou segura de que se trata
da morte de alguma pessoa importante.
— Um francês?
— Não forçosamente. Um personagem impor tante na
política, talvez na ciência, nas finanças.... Não forçosamente
um francês, mas alguém que no momento deve estar na
França.
— E você quer impedir esse... atentado?
— Sem dúvida. Além disso, tenho um caso pessoal com
um dos elementos cuja fotografia lhe mandei.
— E vai partir hoje à sua procura?
— Espero que antes do meio-dia, de modo que poderei
almoçar em Nice.
— Vai procurá-los em Nice?
— Claro.
— Por quê?
— Bem... — Brigitte semicerrou as pálpebras. — Não
estão em Nice, monsieur?
— Segundo me consta, não.
— Neste caso, onde se encontram?
— Bom — sorriu amavelmente o Sr. Nariz. — Digamos
que o Deuxième Bureau, muito bem formado sobre a grande
capacidade de certa agente secreta norte-americana, observa
com curiosidade os passos dessa eficaz agente na França.
Certo subchefe do Deuxième Bureau pensou que valeria a
pena meter... o nariz no assunto.
— O seu nariz é demasiado grande para se meter neste
assunto, monsieur — declarou peremptoriamente Brigitte.
— Pode dizer ao Deuxième Bureau que a agente secreta
norte-americana não aceita condições, nem entra em
acordos com ninguém. E acrescente, monsieur, que a agente
norte-americana não escreveu ao Deuxième Bureau mas a
seu amigo pessoal, o Sr. Nariz.
— Não tem motivo para se irritar — resmungou ele.
— Nem estou irritada, monsieur. Apenas decepcionada.
Espero que os serviços secretos franceses não tenham que
tornar a recorrer à espiã americana, porque a resposta seria
NÃO. Bom dia, monsieur.
Levantou-se. Monsieur Nez permaneceu sentado,
grunhindo.
— Está bem, está bem... Só queria tentar, mademoiselle
Montfort. Compreenda que eu sinta interesse pelos passos
de uma espiã de sua categoria...
— A França não ganha nem perde com isto, asseguro-
lhe.
— Acredito, claro... Não necessita... digamos uma
discreta colaboração do Deuxième Bureau?
— No momento, não. E agora, monsieur, se me permite:
tenho alguma coisa a fazer antes de partir para Nice.
— Por que para Nice? Essas pessoas que procura não
estão lá.
— Não? — sorriu Brigitte.
— Uma delas, pelo menos. Refiro-me ao maneta... Foi
visto com dois braços, mas isso não engana um espião com
uma semana de experiência. Foi reconhecido pela
fotografia.
— Esplêndido! E não está em Nice?
— Não.
— Onde está?
— Em Chamonix.
— Impossível. Está tentando alguma jogada suja?
— Não diga tolices. Por que é impossível que esse
homem esteja em Chamonix?
— Um amigo meu, de cuja capacidade profissional
jamais me ocorreu duvidar, assegurou-m que as pessoas que
procuro estão em Nice.
— Seu amigo, seja quem for, está equivocado: estão em
Chamonix, num hotel que tem o nome de “Logis Mont-
Blanc”, próximo ao Grande São Bernardo. Um hotel caro,
naturalmente, Todo o conforto.
Brigitte olhou fixamente o subchefe do Deuxième
Bureau, as sobrancelhas contraídas.
— Quando soube isso, monsieur?
— Ontem à tarde. Vim até cá, mas você ainda não tinha
chegado. E durante a noite pareceu-me mais correto deixá-
la descansar. Vai partir para Chamonix? Ou para Nice?
— Pensarei. De qualquer modo, agradeço sua
gentileza... embora tenha sido um tanto a contragosto. Pode
comunicar ao Deuxième Bureau,da parte de certa espiã
norte-americana, que, como em outras ocasiões, dita espiã o
servirá da melhor vontade.
Dirigiu-se para a porta da suíte e o francês colocou-se a
seu lado. Antes de abrir, ela estendeu-lhe a mão, sorrindo.
— Muito obrigada, monsieur.
O Sr. Nariz reteve alguns segundos aquela mão bonita e
delicada.
— Voltará a Paris, Brigitte?
— Talvez. Por quê?
— Pensei que talvez gostasse de conhecer a cidade pela
mão de um especialista.
— Já conheço Paris — riu “Baby”. — Entretanto, não
esquecerei o seu convite se voltar a esta formosa cidade.
Novamente obrigada. E até à vista, monsieur.
O Sr. Nariz beijou-lhe a mão e saiu da suíte, deixando
Brigitte pensativa. Naturalmente, ali havia algo que não
estava funcionando bem. Se Número Um afirmava que
aquelas pessoas estavam em Nice, era que estavam em
Nice. Entretanto Monsieur Nez não tinha nenhum motivo
para enganá-la. E sua informação era mais recente...
O rádio estava chamando. Atendeu.
— Que há, “Johnny”?
— O que desejava o narigudo?
— Ele afirma que Stanislas Pogorsky está em
Chamonix.
— É? Pois “Johnny” já tem as passagens para Nice, no
vôo cento e...
“Baby” Montfort tomou uma decisão súbita, intuitiva:
— Que as troque. Iremos a Genebra. Lá alugaremos um
carro, ou o compraremos, para ir até Chamonix. Mas não
antes das cinco da tarde: tenho que fazer umas compras.
— Compras? É uma de suas brincadeiras, “Baby”?
— Não, não — respondeu ela, sorrindo. — Felizmente,
estamos em Paris, e espero encontrar tudo quanto preciso...
Oh, sim, estou certa de que conseguirei tudo antes das cinco
da tarde. Vão continuar guardando-me as costas, “Johnny”?
— Claro.
— Pois estejam alerta, porque irei fazer compras dentro
de meia hora. E às cinco, para Chamonix... Prefiro os
esportes aquáticos, mas também me diverte esquiar.
CAPÍTULO TERCEIRO
No albergue de Chamonix.
“Madame la Duchesse de Montpelier”.
O “signore” Angelo Tomasini.
Falar para quê?
3
aventura EPIONAGEM CIENTÍFICA
— Boa noite, Madame.
Annette Simonet, Duquesa de Montpelier, voltou-se
novamente para o recepcionista:
— Se chegarem meus sobrinhos, não lhes diga onde
estou: eles mesmos encontrarão o bar, não há perigo.
O chofer e os boys encaminharam-se para a escada de
madeira que levava aos apartamentos, enquanto a duquesa
dirigia-se ao bar, com graciosos passos miúdos e batendo
orgulhosamente no chão com sua bengala de punho de
prata.
— Bons vivedores devem ser os tais sobrinhos —
comentou o porteiro, sorrindo divertido.
— Aposto com Madame la Duchesse saberá dar-lhes o
que merecem, na hora do ajuste de contas — opinou o
recepcionista.
— Nada! — riu o porteiro. — Conheço bem uma
verdadeira aristocrata quando a vejo. E essa senhora
duquesa...
Madame la Duchesse fez sua aparição no bar com toda a
naturalidade, olhando em todas as direções por cima dos
óculos ovalados, os olhos negros brilhando, impecável em
seu severo vestido, venerável com seus cabelos grisalhos
bem penteados, o rosto ao mesmo tempo simpático e grave.
Dirigiu-se sem vacilar para uma mesa vazia e sentou-se,
sem deixar de olhar ao seu redor, com expressão entre
divertida e critica. Malhas coloridas, gorros com uma borla
na ponta, botas grossas, rostos queimados pela neve, música
moderna... Havia esquis pelas paredes, duas cabeças de
gamo, uma pele de urso, vidraças em policromias nas
janelas. As paredes eram de troncos, o que dava uma
sensação cálida, de conforto e intimidade. A lareira estava
acesa. No centro do bar, alguns pares dançavam sem tocar-
se, olhando-se, rindo e dobrando os joelhos, quase em
silêncio, como se cumprissem um ritual. Fora, devido à
película de gelo que cobria as vidraças, mal se via a neve.
Assombroso. Alguns dos hóspedes do albergue
permitiam-se vestir formalmente. Talvez ali fossem por
simples obediência ao programa social que manda trocar de
lugar uns determinados números de vezes por ano.
— Madame?
— Mmmm... Conhaque. “Napoleon”. Quente, por favor.
— Tout de suite.
As moças eram muito jovens. Algumas delas usavam
calças largas e um pulôver nas costas, com as mangas
amarradas nó pescoço. No canto oposto, um grupo de
pessoas mais velhas que faziam comentários indiferentes,
talvez sobre o tempo, talvez sobre o dia passado, talvez
sobre o dia seguinte.
A uma mesa, sozinho, estava Stanislas Pogorsky.
Mas parecia ter dois braços, não um apenas. Além disso,
ocultava a calvície com uma peruca muito bem colocada, na
qual se viam inclusive alguns fios brancos. Estava quase
atraente. Só que se lhe arrancassem a peruca e o braço
artificial, o desengano seria grande.
O olhar de Madame la Duchesse passou brevemente por
ele. Brevemente, mas de forma escrutadora, perspicaz.
Pogorsky olhara-a também por um instante, mas com total
indiferença; sua atenção concentrava-se num dos rapazes
que dançavam no centro do bar, rindo. Sempre simpática,
entre sorridente e crítica, Madame la Duchesse tornou a
olhar os dançarmos. Estava quase certa de não se enganar:
Stanislas Pogorsky prestava atenção ao mais alto, moreno,
de ombros largos e olhos escuros. Um belo tipo de rapaz
simpático e inteligente, em pleno desenvolvimento, a
caminho de transformar-se num homem interessante. Isso,
supondo-se que pudesse sobreviver à sua aventura em
Chamonix.
— Votre cognac, Madame.
— Merci... Ah, jovem, quer fazer-me um favor?
— Ordene, Madame.
— Vê aquele cavalheiro, impecável em seu smoking?
— O signore Tomasini?
— Não sei como se chama. Refiro-me àquele que tem
um tipo atlético, cabelo ondulado... e creio que olhos
negros. É muitíssimo atraente, não lhe parece?
— Sem dúvida, Madame — sorriu o garçom.
— Vejo que está só, como se este ambiente frívolo não
lhe agradasse. Eu diria que se aborrece. Quer convidá-lo de
minha parte para tomar um “Napoleon”? E diga-lhe que se
tem vontade de conversar com alguém que valha a pena, já
tem companhia. Pode fazer isso?
— Claro que sim, Madame — tornou a sorrir o garçom.
— E estou certo de que o signore Tomasini vai passar um
momento agradável. Com sua licença, Madame...
O garçom afastou-se. Madame la Duchesse viu-o chegar
junto ao muito atraente cavalheiro do smoking impecável,
dizer-lhe algo e ser ouvido com atenção. Depois os olhos
negros do chamado Tomasini, inteligentes mas talvez um
tanto frios, fixaram a Duquesa. Ele assentiu com a cabeça e
o garçom afastou-se. O signore Tomasini apanhou seu copo
sobre o balcão, desceu do alto banco e aproximou-se
lentamente da mesa de Annette Simonet.
Deteve-se diante dela, com um sorriso cortês.
— Angelo Tomasini, Madame — apresentou-se. —
Minhas homenagens.
Annette Simonet estendeu sua branca mãozinha para que
o varonil, elegante e atraente personagem pudesse beijá-la.
— Annette Simonet, Duquesa de Montpelier...
Encantada, senhor Tomasini. Quer sentar-se?
— Com muito prazer, Madame.
Sentou-se. Era elegante e, pela sua atlética esbelteza,
parecia sólido como aço.
— Está surpreendido com meu convite, senhor
Tomasini?
— Muito pouco, Madame. Embora, realmente, seja
difícil encontrar alguém que se interesse por uma
conversação amena. Devo acrescentar, Madame, com todo
o respeito, que sua idade influiu bastante em minha
aceitação. Sua idade e... sua aparência. Espero não me ter
equivocado.
— Temo não compreendê-lo, senhor Tomasini. Oh, por
favor, se acha que lhe é mais grato conversar em italiano,
podemos fazê-lo.
— O francês é um idioma encantador, inclusive para um
italiano. A respeito de minhas palavras anteriores, Madame,
talvez lhe pareça um tanto imodesto de minha parte, mas
estou bastante enfastiado de senhoras de certa idade que
procuram minha companhia mais ou menos discretamente.
— Oh... Compreendo, senhor Tomasini. Pareço-lhe uma
dessas?
— Eu não estaria aqui, Madame.
— Muito obrigada... Entretanto, compreendo essas
damas a que se refere, senhor Tomasini. Na verdade, seu
aspecto é o mais varonil e interessante. E tem a idade
exata... Trinta e cinco anos?
— Trinta e seis, Madame.
— Um homem completo — suspirou a Duquesa. — Mas
não tema, senhor Tomasini: sou uma dama de verdade.
— Assim me pareceu. Tem algum tema predileto de
conversação, Madame?
— Bem... Sempre gostei de falar das pessoas em geral.
Que espécie de pessoas há neste lugar?
— Pouco interessantes para seu... ponto de vista, creio.
Veio só a Chamonix?
— Não, não. Vim com Henri, meu chofer. E estou
esperando a chegada de meus três sobrinhos. Três
simpáticos rapazes, sadios e fortes. Muito inteligentes, mas
um tanto preguiçosos, talvez distraídos... É possível que,
embora sabendo que os espero aqui, estejam em qualquer
outro lugar tomando seus “drinks”.
— Compreendo. Quanto às pessoas deste albergue,
Madame, a senhora mesma pode verificar: jovens
simpáticos, mas um pouco tolos na hora de divertir-se;
excelentes esportistas, isso sim. É um prazer vê-los esquiar.
Inclusive, em certas ocasiões, pode ser agradável ouvir seus
risos e gracejos. Este é um lugar encantador... Depois,
temos as pessoas mais velhas. Interessantes, na maioria.
Mas apenas uma ou duas dessas pessoas poderiam
interessar de um modo especial.
— E que pessoas são essas, senhor Tomasini?
— Uma, o rapaz moreno, de ombros de atleta. Não pára
de dançar. Eu diria que está... terrivelmente contente. Mas,
se me chamou atenção, foi por sua relação com outra
pessoa, esta de mais idade. Parecem bons amigos. Refiro-
me ao cavalheiro solitário daquela mesa... — olhou apenas
um segundo. — Não lhe quero parecer malicioso, Madame,
mas juraria que ele usa cabeleira postiça. E um braço
artificial.
— Incrível! É preciso muita boa vista para notar isso,
senhor Tomasini.
— Bom — sorriu ele. — Algumas pessoas gostam de
observar as demais. É interessante.
— Sem dúvida, sem dúvida... Diga-me, senhor
Tomasini: esteve alguma vez em Nice?
— Evidentemente, Madame! Quem não esteve em Nice?
Há exatamente dois dias estive lá e... Não vai acreditar,
Madanne: o cavalheiro do braço artificial também.
— Assombroso.
— Não é mesmo? Ao que parece, ambos sentimos o
mesmo desejo: Apanhar sol sobre uma montanha. Nesta
época do ano, as praias estão demasiado... úmidas, inclusive
em Nice. Aqui, pelo menos, o ar é seco.
— Um clima horrível. Detesto o frio, senhor Tomasini.
— Bem. Parece-me bastante prudente em sua idade,
Madame. Oh, e voltando ao senhor do braço artificial:
chama-se Michel Bouvoir e ocupa o apartamento número
22, no último andar. Sistema americano.
— Tão bom como outro qualquer. Parece que o senhor
Bouvoir está também muito só, não é verdade? Porque eu
diria que o rapaz sabe divertir-se por sua conta.
— Ah, o rapaz... Apartamento 20, contíguo ao do senhor
Bouvoir. Chama-se Leslie Bowles. Norte-americano, claro.
Eu diria que é estudante universitário. Sotaque do sul...
Posslvemente, de Miami.
— Senhor Tomasini, eu estou maravilhada! — exclamou
a dama. — Nunca vi ninguém com capacidade para deduzir
tantas coisas.
— É meu hobby, como dizem os americanos. Esquecia-
me um detalhe, a respeito da solidão do senhor Bouvoir:
deixou alguém em Nice. Uma senhora da idade de Madame,
aproximadamente.
— Sua amante? — sorriu, maliciosa, a Duquesa.
— Oh, Madame, por favor... Admita que o senhor
Bouvoir é o mais possível oposto a mim; quer dizer, a um
homem na idade justa para interessar a uma dama de certa
idade.
— Talvez seja de sua família.
— Não creio. A dama em questão alugou uma vila em
Nice... “Ville Bouganville”. Não é muito grande, mas
confortável e bem situada, sobre o mar, em Basse Corniche,
à direita indo-se para Mônaco. Essa senhora tem dois
amigos na vila... Dois homens cujo aspecto não é lá dos
mais simpáticos. E se eu fosse dado ao novelesco, diria que
costumam andar armados.
— Acha que sejam... gangsteres? — assustou-se a
Duquesa.
— Tudo é possível, Madame — sorriu Tomasini. —
Mas se o são, eu diria que de baixa qualidade.
— E essa dama de “Ville Bouganville” como é? Que
pensa a seu respeito, senhor Tomasini?
— Bem... Faz-se chamar Marie Leblanc e parece que
pretende dar a impressão de que é francesa.
— Mas não é?
— Claro que não! Por uma rara casualidade, pude ouvi-
la em certo momento... Justamente quando estava
conversando com o senhor Bouvoir a respeito da viagem
deste a Chamonix, há deis dias. Eu diria, pelo tom de voz,
que a dama chamada Marie Leblanc é... russa. Russa, sim.
Ou algo parecido. Ainda não consegui classificá-la...
— Poderia ser armênia — murmurou a Duquesa.
Angelo Tomasini ficou olhando-a, assombrado.
— Mas exatamente, Madame! Claro que sim: Armênia!
Ah, Dio mio... Armênia! Nesse caso, o senhor Bouvoir,
embora fale o francês e o inglês muito melhor do que ela,
creio que também tem que ser armênio.
— E esses homens que estão com Marie Leblanc em
“Ville Bouganville”?
— Ah, esses são franceses, Madame. Com toda a
segurança.
— Então, claro, sabem que Marie Leblanc não é
francesa.
— Devem saber, certamente.
— E acontece, então, que o senhor Bouvoir é um
impostor.
— Sem dúvida, Madame. Um aventureiro, diria eu...
Não é apaixonante conversar sobre as pessoas? A gente vem
a saber de cada uma! Um cigarro, Madame?
— Não, não obrigada... Não tenho vontade de tossir.
Angelo Tomasini riu simpaticamente, olhando
encantado para Madame la Duchesse.
— Posso dizer-lhe, Madame, que me parece uma
senhora muitíssimo sedutora?
— É demasiado amável, senhor Tomasini. Não está
obrigado a tanto.
— Mas é o que penso realmente, Madame. Ah! Dio mio,
alguns homens chegam sempre tarde.
— Como...?
— Pergunto-me como seria Madame la Duchesse há
trinta anos... Menos, talvez.
— Isso é muito difícil de imaginar, senhor Tomasini —
riu a Duquesa de Montpelier.
— Mmmm... Não muito. Vejo que está terminando seu
conhaque. Poderia convidá-la?
— Um é suficiente. Obrigada.
— Ah, esquecia-me... Falta um personagem que pode
resultar interessante quando chegue aqui a Chamonix. E
precisamente a este albergue. Parece que sua chegada
ocorrerá amanhã, por volta do meio-dia.
— Quem é?
— Trata-se de um político mais ou menos importante, de
nacionalidade turca. Seu nome é Cassim Fazil. Creio ter
ouvido rumores a respeito de que sua atitude não é
favorável às bases de projéteis dirigidos norte-americanas
na Turquia. O senhor Cassim Fazil está preparando um
agressivo discurso contra a existência dessas bases e, ao que
parece, o esforço fatigou-o tanto que resolveu descansar uns
dias em Chamonix... Sabia, Madame, que aqui se descansa
muito bem?
— Assim deve ser, quando um político dessa categoria
escolhe tal lugar.
— Claro. Oh, certamente, o senhor Cassim Fazil viaja
com sua esposa. Uma bonita senhora, segundo se diz. Uma
dama muito bela e gentil, muito caritativa.
— Caritativa?
— É adorada na Turquia por sua boa vontade em ajudar
quantas pessoas a ela recorram, os pobres principalmente.
Posso assegurar-lhe que nada causaria tanta consternação
em seu país que um acidente sofrido por essa dama...
enquanto se dedicava ao bonito esporte do esqui. Ou
qualquer outra espécie de acidente, está claro. Quanto ao
senhor Cassim Fazil, tem muitos e muito bons amigos na
Turquia, sem dúvida. É um casal muito popular e benquisto,
tanto pessoal como publicamente.
— É de desejar que não sofram acidente algum, em tal
caso. Vai perdoar-me, senhor Tomasin...
— Já se retira?
— Bem, não quisera ser descortês com o senhor, que foi
tão amável e paciente com uma velha senhora. De maneira
que se tem vontade de conversar mais um pouco, ou se tem
algo sobre que gostaria de falar...
— Por esta noite, o prazer foi suficiente, Madame,
asseguro-lhe. Além disso, estou plenamente convencido de
que as coisas boas devem ser dosadas, de modo que não
sobrevenha o fastio.
— Estou de pleno acordo, senhor Tomasini. Foi um
verdadeiro prazer conhecê-lo.
Angelo Tomasini levantou-se, sorrindo, e tomou a mão
que a velha dama lhe oferecia para beijá-la suavemente.
— O prazer foi meu, Madame la Duchesse. Há tempo
que desejava encontrar uma pessoa como a senhora.
— Boa noite, senhor Tomasini.
— Minhas homenagens.
A Duquesa de Montpelier retirou-se, com seus passinhos
miúdos, ainda cheios de vivacidade, os ombros um pouco
inclinados, manejando sempre orgulhosamente sua bengala.
Poucos segundos depois, o garçom que a tinha servido
aproximou-se da mesa, onde Angelo Tomasini estava
terminando seu uísque.
— Uma dama encantadora... Não é verdade, signore?
— Muito.
— Outro uísque?
— Não, não.
— Alguma outra coisa? É um prazer servi-lo, signore
Tomasini.
— Muito obrigado... Bem, creio que seria uma boa idéia
celebrar o encontro de uma dama como já existem poucas.
— Sem dúvida — sorriu o garçom. — Sirvo-lhe outro
uísque?
— Não, não. Nada de uísque. Champanha. “Perignon
55”.
— Excelente idéia.
— Bem gelada. Eu mesmo a levarei ao meu apartamento
quando subir, dentro de meia hora.
— Muito bem, signore Tomasini.
Em seus aposentos, a Duquesa de Montpelier estava
falando a um diminuto aparelho metálico, sentada na beira
da cama, de tal modo que suas esplêndidas pernas
apareciam entre o severo tecido negro.
— De acordo, “Johnny”, Agora, portem-se bem e
permaneçam astutamente escondidos. Continuarei
esperando em vão a chegada de meus sobrinhos. Até
amanhã.
Fechou o rádio e ficou pensativa. Tão pensativa, que
passou meia hora assim. Até que soou a batida na porta. A
velha Duquesa apanhou o bastão e foi abrir. Nem sequer
teve a precaução de perguntar quem era.
Abriu e o signore Tomasini entrou tranqüilamente, sem
olhá-la. Foi direto ao quarto, deixou sobre uma mesinha o
balde com a garrafa de champanha e sacou duas taças do
bolso do smoking. A duquesa, que o havia seguido após
fechar a porta, observava-o sorrindo.
Não se alterou quando Angelo Tomasini aproximou-se
dela e tirou-lhe cuidadosamente a peruca grisalha, as
sobrancelhas e, com seu lenço, fez desaparecer as discretas
rugas que lhe marcavam o rosto... Quando ele a abraçou
pela cintura e beijou-lhe ardentemente os lábios, ela ergueu
os braços, sempre segurando o bastão, para rodear-lhe o
pescoço.
Foi um beijo longo e profundo. Depois, ela suspirou:
— Estava à sua espera, Número Um.
— Compreendi, meu amor... Soube que hoje, aqui, você
ia ser minha. Foram satisfatórias as informações que lhe
dei?
— Perfeitas. Mas não falemos disso agora, querido.
— De que podemos falar?
— De nada — sorriu ela. — Para quê?
Ele assentiu com a cabeça. Foi abrir a garrafa de
champanha. E enquanto o fazia e servia o champanha, a
Duquesa de Montpelier ia-se despindo. Quando Número
Um, o melhor espião de todos os tempos, aproximou-se dela
com a taça, já estava completamente nua, mostrando a
estupenda juventude de seu corpo perfeito e elástico. Seus
bonitos e meigos seios palpitavam de ansiedade pelo
homem que amava. Um dos homens aos quais amaria
sempre, à sua maneira, generosamente,
desinteressadamente.
Número Um, diante dela, olhava-a fascinado. Entregou-
lhe uma taça e sorveu o conteúdo da sua de um só trago,
precipitadamente.
Brigitte “Baby” Montfort tomou apenas um gole.
Deixou a taça de champanha sobre a mesinha de cabeceira.
Apanhou a de Número Um e pousou-a também. Depois,
suas mãos esguias seguraram as grandes mãos tisnadas do
famoso espião, passando-as por seu corpo, lentamente,
enquanto seu belo rosto erguia-se para ele.
— Não se apresse, meu amor... — sussurrou. — Temos
toda esta noite para nós dois...
CAPÍTULO QUARTO
Chegam as vitimas.
A velha duquesa consulta seu espelho...
O amigo perigoso.
CAPÍTULO QUINTO
Uma atitude demasiado óbvia.
A lábia de Pogorsky.
Contagem reversa.
A grande explosão.
4
John Pearson, vulgo “Fantasma”, é um agente secreto inglês, do MI5; novelas
MISTER FANTASMA EM AÇÃO e OUTRA VEZ MISTER FANTASMA. NE
— All right, Baby. Por que demorou tanto? Mandei-lhe
ontem um telegrama ao “Hotel George V”, em Paris,
segundo suas indicações.
— Tive o que fazer em Chamonix.
— O maneta?
— Exato.
— Bem, sinto por ele. Esses dois rapazes que estão no
carro são da CIA?
— Não, não... — mentiu Brigitte, risonha. — São
amigos meus daqui, da Europa.
— Claro, claro... — sorriu ironicamente “Fantasma”. —
Vou dizer-lhe o que sei, Brigitte. Não é muito e, além disso,
a menos que você precise mesmo de mim, deverei partir:
perdi um dia em Nice, enquanto um trabalho delicado está à
minha espera em Praga... Temo que no MI.5 me peçam
explicações.
— Ao melhor de seus agentes? Ora, vamos, John, não
seja tão modesto... Que tem a dizer-me?
— Aí está a vila, como lhe dizia no telegrama. Mas a
mulher já se foi.
— Aonde?
— Não sei. Não podia segui-la e estou sozinho em Nice,
com muita pressa de chegar a Praga. Tudo quanto lhe posso
dizer é que o iate em que ela partiu tem o nome de
“Armianskaia”.
— “Armênia”, em russo... — murmurou Brigitte. —
Bem, já não me surpreende... Não tem a menor idéia do
rumo que tomou, John?
— Rumo este. Aparentemente, pelo menos. Olha,
“Baby”, eu posso ficar com você, caso precise realmente de
mim.
— Você fez bastante, John, tendo em conta que devia
iniciar outro trabalho.
— Mas insisto em que, se necessitar de alguém que lhe
dê cobertura, eu abandono tudo...
— Sei muito bem disso, senhor “Fantasma” — sorriu
docemente Brigitte — Mas não quero que perca seu
trabalho por mim. Só pedi auxílio de localização, e este me
foi prestado, O resto eu faço sozinha.
— Está bem... Mas ficarei mais tranqüilo se seus amigos
a acompanharem. Há dois homens dentro da casa, “Baby”.
— Ah... É possível, sim. Conhece-os de algum lugar,
John?
— Não. Creio que não pertencem ao nosso mundo. Diria
antes que são uma dupla de assassinos alugados.
Acompanharam a mulher até o iate. Ela partiu, eles
regressaram à vila e desde então não mais saíram.
Realmente, é como se não houvesse ninguém na casa, não
é?
Olharam-se os dois, sorrindo zombeteiramente.
— Sem dúvida, estão à minha espera — comentou
Brigitte. — Assim sendo, não os façamos esperar mais.
— Ótimo. Não, quero perder isso. Depois tomarei o meu
avião...
— Tome-o agora, John. Cada um de nós tem seu
trabalho, e eu não o estimaria tanto se você fosse dos que
fazem mal as coisas. Meus amigos e eu daremos conta do
nosso.
John Pearson, vulgo “Fantasma”, hesitou um instante.
Mas acabou sorrindo uma vez mais.
— All right, Baby!. Se fosse outra, ficaria para protegê-
la. Mas creio que com você seria perder tempo. Tenho
pensado muitas vezes que sou um homem de sorte por tê-la
como amiga, em vez de inimiga. Acredito que, neste último
caso, viveria muito pouco...
— Você é um exagerado, John. E agora, peço-lhe: vá
tomar seu avião... Diga-me: Posso fazer alguma coisa por
você?
— Parece que nós dois sabemos andar sozinhos pelo
mundo. Pedirei sua ajuda, tal como você fez, em pequenas
coisas. E espero que nosso próximo encontro seja mais
prolongado... Não quer mesmo que vá com você à vila?
Brigitte tornou a beijar o espião inglês, depois o olhou
ternamente.
— Boa sorte, “Fantasma”.
— Boa sorte, “Baby”.
John Pearson afastou-se, a pé, por entre os pinheiros, em
direção a Nice, assobiando e com as mãos nos bolsos,
tomando grande cuidado em passar o mais longe possível
do carro onde os dois “Johnnies” estavam esperando
Brigitte.
Esta voltou para junto de seus companheiros e, mal abriu
a porta, notou o rosto tenso de “Johnny”, que tinha o rádio
de bolso na mão.
— Acabam de chamar — disse secamente.
— Quem? — assombrou-se “Baby”.
— Não disseram. Chamaram, perguntei quem era,
cortaram a comunicação. Chamei eu, então,
insistentemente; ouve-se o sinal de chamado, mas ninguém
responde.
— “Johnny” e “Johnny” seguiram para Washington?
— Sem dúvida.
— Então... Então, é alguém que conhece minha
freqüência de rádio para operações pessoais na Europa, não
é assim, “Johnny”?
— Justamente, o que é perigoso ao extremo.
— Logo saberemos. O rádio, “Johnny”.
Sentou-se junto dele e acionou o rádio. Deixou que
fizesse dois chamados e cortou. Tornou a chamar, agora três
vezes, e cortou novamente.
— Que está fazendo?
— Ssst!
Quase imediatamente, seu rádio emitiu o sinal de
chamado: bip-bip. Duas vezes apenas. Depois três vezes.
Por fim, outras duas vezes. E Brigitte imediatamente
recebeu a comunicação.
— “Baby” falando — disse, um sorriso nos lábios.
— Ibrahim El Kefer. Venha à casa. Sozinha.
— Já vou.
Fechou o rádio e devolveu-o a “Johnny”, que grunhiu:
— Quem é Ibrahim El Kefer5?
— Um amigo. Como vê, “Johnny”, nenhum dos quatro a
quem recorri deixou de responder. Não é maravilhoso?
Fiquem aqui os dois.
— Você está pensando em entrar sozinha nessa vila?
— Se Ibrahim me diz que o faça, é que posso fazê-lo.
Fiquem tranqüilos, mas vigilantes.
Tornou a sair do carro e dirigiu-se para o portão da vila.
Estava fechado, mas “Baby” escalou trepando agilmente
pelas grades, com absoluta facilidade. Depois,
5
Ibrahim El Kefer, a quem Brigitte chama “Alexandria”, é o Barão Wilhem von
Steinheil, ex-espião alemão, que apareceu em UM ESPIÃO NAZISTA, VIAGEM
DE PRAZER e PLANO DE INVASÃO. NE
absolutamente despreocupada, caminhou-se para a casa pela
ampla alameda aspirando o odor misto de flores, mar e
pinheiros. A porta da casa estava aberta, de modo que
precisou apenas empurrá-la para entrar. Olhou para o
homem que a esperava. Um homem alto, de ombros,
larguíssimos, olhos negros, perfil de águia: Ibrahim El
Kefer, “Alexandria”, Wilhem von Steinheil. Outro dos
fabulosos amigos da espiã “Baby” senão o mais fabuloso de
todos. Ele tinha um binóculo na mão esquerda.
— Esse homem — disse — o que você beijou, há vinte e
quatro horas que ronda esta vila. Quase tanto quanto eu.
Brigitte beijou os lábios de seu amigo, depois o olhou
fixamente.
— Wilhem, esse homem é também um amigo meu, que
aceitou ajudar-me quando lhe pedi.
— Compreendo.
— Então, não fique aborrecido por causa de dois beijos.
O alemão sorriu. Abraçou fortemente Brigitte e beijou-a
várias vezes, enquanto ela lhe enlaçava o pescoço, ficando
para isso na ponta dos pés,
— Em minha idade, e sabendo quem é a agente “Baby”,
não deveria aborrecer-me por essas coisas. Sei que você tem
um coração muito grande e generoso, Brigitte. Nele podem
caber diversos amores.
— Nunca se tem o coração demasiado grande. Wilhem.
Suponho que me tenha enviado notícias ao “Hotel George
V”, mas eu estava em Chamonix e de lá vim a Nice.
— O maneta foi a Chamonix.
— Eu sei. Um agente francês me avisou... Pensei que
houvesse dois homens nesta casa...
— Venha.
Passou-lhe o braço pelos ombros e levou-a até o living.
Havia uma espécie de fardo, ao fundo, coberto por um
lençol. Wilhem von Steinheil tirou-o... E ante os olhos de
Brigitte surgiram três cadáveres. Um deles tinha duas
grandes queimaduras no rosto.
— Três? — murmurou ela.
— Quando a mulher partiu, estes dois a acompanharam,
até um iate chamado “Armianscaía”. Depois voltaram. Mas,
enquanto o homem a quem você beijou os seguia, eu me
adiantei a ele. Escondi-me no jardim. Aconteceu que
enquanto seu amigo e eu íamos até o iate, outro homem
tinha entrado aqui. Os dois amigos da mulher que você
procura o surpreenderam e mataram. É este. Depois,
ficaram tranqüilamente na vila. De quando em quando,
sacavam seus revólveres e olhavam para a estrada. Não
demorei a compreender que estavam esperando alguém para
preparar-lhe uma armadilha... Quer dizer: a armadilha já
estava preparada.
— E a vitima era eu.
— Foi o que conclui. De maneira que entrei na casa,
pela cozinha. Lá surpreendi um — indicou o cadáver com
as queimaduras no rosto — e dominei-o sem matá-lo. Mas o
outro se precipitou quando falhei em meu intento de
surpreendê-lo também, e tive que atirar. Enquanto isso, o
homem que você beijou estava lá fora. Esteve lá toda a
noite, sem tentar aproximar-se. Portanto, não tomou
conhecimento de nada.
— Ele sabia que eu só desejava informes, não ação,
Wilhem.
— Bem... Foi mais obediente que eu, não é isso?
— E também mais frio. E o resto da história?
— Esperei que o homem surpreendido em primeiro
lugar recuperasse os sentidos. Disse-me que não conhecia o
intruso que mataram.
— Claro que não — murmurou soturnamente Brigitte —
Esse homem era um amigo de Número Um. E com toda a
probabilidade, haverá outro de seus amigos seguindo o iate
“Armianskaia”, já que Número Um deverá ter-lhes deixado
instruções concretas antes de ir a Chamonix.
— Número Um? — estranhou von Steinheil. — Mas
ouvi dizer que tinha morrido...
— Para seus amigos, continua vivo.
— Compreendo... Bem, acho que dispondo da ajuda de
Número Um, não devia nem ter-se lembrado de mim. Ele
foi... e é, segundo parece, o melhor espião de todos os
tempos, na Europa.
— Não vamos discutir isso, Wilhem — riu Brigitte. —
De qualquer modo, alegro-me por ter recorrido a meus
quatro amigos: é muito agradável constatar que a amizade
pode existir entre espiões. Que mais aconteceu aqui?
— O homem que estava vivo, depois de dizer que não
conhecia o que ele e seu companheiro tinham eliminado,
negou-se a dar-me qualquer outra informação. Tive de
convencê-lo que sua atitude me aborrecia. Aqueci ao rubro
uma faca e fiz-lhe um par de queimaduras na cara. Ficou
sabendo que eu não era de brincadeiras.
— Às vezes — murmurou Brigitte, — você parece
mesmo um xeque do deserto, insensível e cruel. Que
conseguiu obter dele?
— Tudo o que sabia. Uma mulher que se fazia passar
por Marie Leblanc e por francesa, mas que não era, tinha-os
contratado. Pagava muito bem e a obedeciam,
simplesmente. Quando lhes disse que ia partir, mandou que
a protegessem até o iate. Depois, pagou-os para que
esperassem aqui uma mulher... Uma moça de olhos azuis e
cabelos pretos, muito bonita. Tinham que capturá-la, se
pudessem. Ela chamaria diariamente. duas vezes, e quando
tivessem em seu poder a moça de olhos azuis, lhes diria o
que fazer com ela. Entretanto, na hipótese de que a
capturassem pouco depois de ter sido feito um dos
chamados, não deveriam esperar doze horas até o seguinte,
mas partir numa lancha alugada para Portoferraio, na ilha de
Elba, levando a moça com eles.
— Portoferraio, Arquipélago Toscano, em frente à costa
meridional da Itália.
— A umas cento e quarenta milhas de Nice — sorriu
“Alexandria”. — Vamos lá?
— Irei sozinha, Wilhem.
— Sozinha? Por quê? Já lhe ajudei outras vezes...
— Eu sei. E agradeço. Mas sempre foi em trabalhos não
relacionados diretamente comigo. Essa mulher, estou certa,
dependia tecnicamente de Stanislas Pogorsky, o homem
sem um braço da fotografia que lhe enviei a Berlim. Agora,
morto Pogorsky, ela não sabe muito bem o que deve ou
pode fazer. Está fugindo. Seu propósito de desprestigiar a
CIA perante o mundo, cometendo assassinatos sucessivos
em todos os continentes, vê-se pelo menos, condenado a
adiamento. Na realidade, está vencida. Esse assunto, o da
espiã “Baby” trabalhando para a CIA em benefício desta e
de outras pessoas, está resolvido. Dentro de dois dias, três
no Maximo, os jornais de todo o mundo comentarão o caso
dos estudantes americanos assassinados, restabelecendo a
verdade. Mas agora, Wilhem, quero saber por que essa
mulher quis matar-me também tão obstinadamente, e de um
modo especial.
— A você?
— Em várias ocasiões. Sabe quem sou, onde vivo...
Suponho que quando Stanislas Pogorsky escapou de certa
redada num recife, recorreu a ela, depois passou a ajudá-la,
a assessorá-la... Agora, quero saber por que este ódio
especial contra mim. E quero que ela mesma o diga, que o
explique. Quero, sobretudo, que me diga por que deseja
matar-me com lança-chamas... E uma vingança Wilhem.
Urna vingança contra mim, mas não consigo compreendê-la
— Essa mulher quer matá-la queimando-a com um
lança-chamas?
— Exatamente.
— E você pretende ir enfrentá-la sozinha?
— Já lhe disse, Wilhem: para trabalhos gerais aceito
ajuda de qualquer de meus bons amigos, como você. Mas
agora o caso é particular e, além disso, assume um aspecto
especial. Quero convencer-me de que posso proteger
adequadamente minha vida, em qualquer momento, sem
auxilio de ninguém. Se não for assim, não deverei continuar
trabalhando para a CIA.
— Nem para ninguém. Se não souber defender-se
sozinha, essa mulher a matará.
— Um risco estúpido, esse que quero correr não lhe
parece?
— Não — murmurou “Alexandria”. — Pensa que não.
Compreendo você.
— Obrigada. Vou a Portoferraio, Wilhem. Calculo que
possa chegar lá por volta das dezenove horas, numa boa
lancha, que depois me servirá para procurar o iate
“Armianskaia” por essas águas italianas. Enquanto isso,
você me fará outro favor.
— Mas não vamos juntos?
— Não.
— Está bem... — disse sombriamente o alemão. —
Talvez nos tornemos a ver, em breve. Que quer que eu faça?
— Telefone para o “Logis Mont-Blanc”, em Chamonix,
e chame o signore Angelo Tomasini. Fale em italiano. E
diga ao signore Tomasini, da parte de “Baby”, que venha
buscar seu amigo na “Ville Bouganville”; e que o outro, ou
os outros, talvez estejam a caminho de Portoferraio,
seguindo o iate chamado “Armianskaia”; que seria
conveniente, avisá-los para que abandonem o trabalho.
— É tudo?
— Tudo.
Wilhem von Steinheil assentiu sisudamente com a
cabeça.
— Espero você em Nice? — indagou.
— Não poderei voltar, Wilhem. Se sair com vida,
deverei voar imediatamente a Washington para coordenar
todos os dados e redigir o relatório final... Até a vista, meu
amor.
O alemão beijou-a suavemente nos lábios. Depois
sussurrou:
— Até a vista.
***
— Aí vem ela — disse “Johnny”.
O outro “Johnny” abriu a porta traseira, quando “Baby”
chegou ao carro. Ela entrou e sentou-se, suspirando.
— Vamos, “Johnny”.
— Aonde?
— Ao porto de Nice. Temos que alugar ou comprar uma
lancha veloz, para chegarmos a Portoferraio antes do
anoitecer.
— Se há tanta pressa, podemos conseguir um
helicóptero que...
— Quero chegar de lancha. É menos espalhafatoso.
Num porto de mar, o normal são as embarcações, não?
— Mas se tem tanta urgência...
— Não... Não há urgência. O iate chamado
“Armianskaia” ainda estará lá, pelo menos até amanhã
esperando a boa notícia de que “Baby” foi capturada.
— Que iate...?
— O “Armianskaia”... Ou seja, o “Armênia”,
exatamente. Vamos à procura dessa lancha. Durante o
trajeto, explicarei a vocês tudo o que averigüei.
— Que se passou na casa?
— Encontrei um outro amigo. A caminho... Vamos
encerrar o capítulo em Portoferraio, agora que “Tentáculo”,
ao que tudo indica, ficou sem auxílio... desamparada.
Chegou finalmente o momento de atacar!
CAPÍTULO OITAVO
Ascensão com piteira.
Kira Sadja Vakan.
Uma pistola diabólica.
Ponto final em Portoferraio