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© 1980 – LOU CARRIGAN

Publicado no Brasil pela Editora Monterrey Ltda.


Título original: “Trompetas de Muerte”
Tradução de Luiz Osvaldo Cunha - Capa de Benicio
Colaboração de Sergio Bellebone
® 531027
CAPÍTULO PRIMEIRO
Assalto a um banco

Naturalmente, uma das primeiras pessoas a receber todas


as manhãs o jornal Morning News era a senhorita Montfort,
já que dirigia a Seção Internacional e era uma das amigas
diletas do diretor geral.
Bem, para sermos mais exatos, ela não recebia o Morning
News todas as manhãs, pois, com muitíssima frequência, não
se encontrava em seu apartamento do Crystal Building, na
Quinta Avenida. A senhorita Montfort vivia percorrendo o
mundo sob sua dupla personalidade secreta de “Baby”, a
agente NY-7117 da CIA, dedicando-se à tarefa de pôr um
pouco de ordem no planeta Terra, atribulado dia a dia pelas
ambições e maldades de algumas pessoas. Pessoas a quem a
temida “Baby” dava a devida lição.
Naquela manhã de fim de verão, porém, a senhorita
Montfort estava em casa, quando o velho e querido Pete, o
porteiro do edifício, levou-lhe pontualmente o exemplar do
Morning News. Como gostava de estar bem informada do
que se passava neste mundo, a senhorita Montfort, depois de
tomar café e fumar um cigarrinho, dedicou-se a ler o jornal.
Belíssima, usando um deshabillée transparente, sem
maquilagem alguma, a divina espiã folheou o Morning
News. Conhecia bem as pessoas e a vida. Por isso, raramente
se alterava. Uma guerra aqui, uma revolução armada acolá,
os preços subindo vertiginosamente, eleições em
determinado lugar, depressão em outro... Coisas da vida. Da
vida que não lhe agradava, é claro. Andava até pensando em
pedir a Miky Grogan, o diretor do jornal, que lhe permitisse
encaixar uma seção intitulada Coisas Felizes, na qual
contaria, por exemplo, que um soldado encontrara uma
borboleta ferida e se dedicara a tratar dela. Ou que o
presidente Tal demitiu-se, para evitar a guerra civil em seu
país. Ou ainda: o país X acabou com seu equipamento
bélico, desmobilizou suas tropas e dedicou sua verba
destinada à guerra ao plantio de árvores e de flores. Ou
mesmo: sábios biólogos de todo o mundo dedicam seus
esforços, apoiados por seus governos, na proteção da fauna
marinha.
Ilusões. Sonhos. Fantasias. Utopias. Raramente há
notícias desse tipo. Além disso, com toda a certeza, os
jornais não venderiam tantos exemplares, se contivessem
apenas informações desse gênero. Uma guerra, sim, vendia
bastante. Uma guerra é assunto importante!
Numa das últimas páginas, Brigitte Montfort encontrou
uma notícia que chamou sua atenção. Intuitivamente. Sim,
foi pura intuição. Não se tratava de uma notícia
internacional. Acontecera na própria cidade de Nova York.
Fazia referência a um banco assaltado há alguns dias. Dizia o
seguinte:
Nova York, agosto, 28. — Este comentarista
gostaria de poder informar aos leitores algo novo
sobre o assalto ao York Manhattan Bank, realizado
na semana passada por quatro indivíduos
estranhamente equipados. O assalto custou ao
York Manhattan a desprezível soma de um milhão e
oitocentos mil dólares. O assalto foi muito bem
planejado. Tão bem que a nossa polícia continua
sem encontrar a menor pista dos quatro indivíduos
em questão. A ineficácia da nossa polícia impede
este comentarista de trazer novos dados. Os
empregados do banco e os clientes que se
encontravam no local, na ocasião, nada sofreram,
embora os assaltantes estivessem armados com
pistolas. Não houve um só tiro. Apesar disso, todos
os presentes sofreram os efeitos de uma espantosa
anormalidade: cãibras em todo o corpo, vômitos,
enjoos, forte dor de cabeça. Isso aconteceu na
sexta-feira, 24. Hoje, continuamos sem pista
alguma. Esperamos que, muito breve, nossa ativa
polícia possa fornecer dados dignos do interesse
dos nossos leitores.
Esta é uma mininotícia de Matthews Nolan

Durante dois minutos, enquanto terminava o segundo


cigarrinho da manhã, Brigitte ficou com o olhar perdido.
Esmagou o cigarro no cinzeiro, pegou o fone e discou um
número.
—...?
— Olá, Matt, bom-dia. Alegro-me por encontrá-lo em
casa.
—...!
— Sou eu, é claro! — exclamou Brigitte, rindo. — Por
que esse espanto?
—...!
— Ora, por que iria ligar para seu apartamento antes, se
nos vemos com frequência no Morning?
—...
— Tem razão — admitiu a divina. — Se telefonei hoje,
podia tê-lo feito antes. O quê?
—...?
— Não, não se trata disso — disse Brigitte, tornando a
rir. — Ainda não me apaixonei por você. Escute, Matt, acabo
de ler seu miniartigo sobre o assalto ao York Manhattan
Bank. Fiquei curiosa e gostaria de me inteirar um pouco mais
do caso.
—...
— Sim, eu sei. Você publicou outras notícias a respeito.
Mas não sei onde estão os jornais dos últimos dias e não me
seduz a ideia de me enterrar no arquivo da redação. Poderia
dedicar-me uns minutinhos?
—... ?
— Oh, Matt, não seja malicioso! Uns minutinhos só.
Estou falando a sério.
—...
— É mesmo? Curioso! Continue, não quero interrompê-
lo. Diga tudo que escreveu sobre o assalto, sim, querido?
Matthews Nolan, colega de Brigitte no jornal, falou o que
sabia sobre o caso, até aquele momento. A espiã
internacional, como de costume, não o interrompeu.
Despediu-se num tom amável e desligou. Estendeu a mão
para o maço de cigarros. Eram nove horas da manhã e já
fumara duas vezes. Desistiu, portanto, de tirar mais um
cigarro.
Mergulhou num mar de reflexões. Tudo aquilo era muito
esquisito. Segundo as declarações dos empregados do banco
e dos clientes que lá se encontravam na hora do roubo, os
quatro sujeitos vestiam macacões, que podiam ser de
amianto ou de um material semelhante. Estavam, inclusive,
com a cabeça coberta. Como pessoas metidas num saco. Para
poderem enxergar, havia na região dos olhos uns vidros
redondos e grandes. Alguns jornalistas pilheriaram sobre a
possibilidade dos assaltantes serem de outro planeta. Ou, no
mínimo, cosmonautas.
Deixando de lado as brincadeiras, os quatro homens
carregaram quase dois milhões de dólares, após dominar um
bom número de pessoas, deixando-as desmaiadas e
acometidas de náuseas, de cãibras e de vômitos. Que poderia
produzir isso? Um gás?
Depois de meditar durante alguns minutos, a senhorita
Montfort consultou o belíssimo relógio de parede. Eram
nove e sete minutos.
***
Passava um pouco das dez e meia da manhã, quando o
diretor do York Manhattan Bank, o senhor Randolph
Ambler, recebeu em seu gabinete a pessoa anunciada por um
dos empregados: a senhorita Lili Connors. Ao vê-la entrar, o
senhor Ambler levantou-se, como movido por uma mola
gigantesca. Estava apatetado, maravilhado, pasmado. Nunca
vira em toda a sua vida uma loura tão bonita, de corpo tão
espetacular e com olhos verdes alucinantes. E que elegância!
Randolph Ambler compreendeu logo que se encontrava
diante de uma pessoa de classe.
— Obrigada por me ter recebido, senhor Ambler — disse
a recém-chegada, estendendo a mãozinha para o diretor do
banco.
— Espero não tomar muito seu tempo.
— Oh, não se preocupe! Sente-se, por favor. Um cigarro?
— Não, obrigada. Não quero fumar mais esta manhã.
— Faz bem. Importa-se se eu fumar?
— À vontade — respondeu a visita, rindo. Randolph
Ambler acendeu um cigarro. Passou a sentir-se mais
satisfeito. Começara mal o dia, envolvido por complicações
decorrentes do assalto.
— Lamento ser mais uma das pessoas que o incomodam
por causa do roubo, senhor Ambler — disse Lili Connors,
sorrindo.
— É jornalista? — perguntou o diretor do York
Manhattan Bank, levemente aborrecido. — Se for, nada mais
tenho a dizer. Já prestei declarações à imprensa e...
— Trabalho para a Cruz Vermelha, senhor Ambler —
cortou a louríssima Lili Connors. — Para a Cruz Vermelha
Internacional.
— Mas... não compreendo...
— Explicarei com muito prazer. Segundo soube, todas as
pessoas que se encontravam no banco, durante o assalto,
sofreram de um estranho mal-estar: vômito, cãibras, dores...
— Sim, sim... Foi horrível.
— Horrível — repetiu a senhorita Connors. — O senhor
também foi afetado, naturalmente. Pode me dizer o que
sentiu?
— Já expliquei aos jornalistas, à polícia, aos clientes
curiosos, à minha família, aos amigos...
— Compreendo que o assunto o aborreça, senhor
Ambler. No entanto, atrevo-me a pedir-lhe um pouco de
paciência. A Cruz Vermelha pretende fazer uma
investigação... científica, digamos, desse caso. Nossos
propósitos, além de científicos, são ajudar na medida do
possível as investigações policiais. Com isso, talvez se
consiga mesmo recuperar o dinheiro.
— Não duvido de suas boas intenções, senhorita Connors
— disse Randolph Ambler, sorrindo sem entusiasmo. —
Mas receio que esse dinheiro jamais seja recuperado. Enfim,
lamento por causa da companhia de seguros.
— Que sentiu, exatamente, senhor Ambler — insistiu a
loura de olhos verdes.
— Bem... no começo, uma pressão nos ouvidos. Uma
pressão aguda, perfurante. Em seguida, cãibras.
Principalmente no estômago. Depois, náuseas e dor de
cabeça. Foi horrível. Eu queria morrer, juro!
— E antes dessas sensações? Lembra-se de algum cheiro
estranho?
— Cheiro? Não. Nenhum.
— Viu os assaltantes?
— Sim. Dois entraram aqui para pegar a chave do
mecanismo do cofre-forte. Eu os vi rapidamente, mas foi o
bastante para poder descrevê-los. Minha descrição coincidiu
com as das pessoas que estavam lá fora, na parte destinada
ao público.
— A porta de seu gabinete estava fechada? Eles a
abriram e o senhor os viu? Ou a porta já estava aberta?
— Sempre a mantenho fechada. Eles a abriram e
entraram.
— Além deste gabinete, há outros, naturalmente. E o
resto dos escritórios, os vestiários, os toaletes, etc. Isso
significa que todos os empregados do banco estavam
divididos pelo prédio e não concentrados na parte destinada
ao público.
— Exato. Havia dois nos lavabos, um no depósito de
material, outro tomando café... e eu aqui. Espalhados pelo
banco, sim.
— Apesar disso, todos sofreram, e ao mesmo tempo, as
dores de cabeça, as náuseas, as cãibras e tudo o mais?
— Sim. Todos ao mesmo tempo, sem distinção do lugar
onde estivessem.
— Vou fazer uma pergunta e peço-lhe para se concentrar
na resposta, senhor Ambler. Não tenha pressa. Reflita, para
depois falar, por favor. Antes disso, aconteceu algo fora do
comum, aqui no banco? Qualquer coisa diferente, com a qual
não estivessem acostumados?
— Não. Foi tudo normal. Como de costume. Cheguei,
abri o banco, os empregados começaram a chegar,
prepararam se, abrimos as portas para o público. Tudo igual
aos outros dias.
— Há muito tempo as coisas se passavam assim?
— Exatamente.
A senhorita Connors abriu a bolsa e retirou um estojo
metálico. Dele extraiu a caixinha com seringa e agulha.
Encarou Ambler, sorrindo, e murmurou:
— Vou me transformar num vampiro. Preciso de um
pouco do seu sangue, senhor Ambler.
— Para quê?
— Para ser examinado. Se tem medo da picada da agulha,
pedirei a um dos empregados. Dos que sofreram aqueles
estranhos efeitos.
— Já fomos examinados pelos médicos, senhorita
Connors, e submetidos à observação. Nada encontraram de
anormal no nosso organismo, nem no nosso sangue.
— Poderia pedir meio litro de seu sangue como doação
voluntária para a Cruz Vermelha, mas peço apenas um
pouquinho de nada. O senhor é jovem e forte. Vai negar-me
este favor?
— A senhorita convenceria qualquer um — murmurou
Randolph Ambler, cativado pelo sorriso daquela criatura
alucinante.
Tirou o paletó e arregaçou a manga da camisa. A picada
da agulha causou uma dorzinha insignificante. Lili Connors
recolheu o sangue na seringa, passou-a para um frasquinho e
guardou tudo na caixa de metal, que fechou hermeticamente.
— O senhor foi muito gentil — balbuciou em seguida. —
Ah, mais uma pergunta! Pelo que viu ou pelo que seus
empregados viram, diria que os assaltantes conheciam bem o
banco? Isto é: sabiam o que fazer com exatidão.
— Claro.
— Fizeram ou disseram algo que implicasse num
conhecimento... excessivo do banco e de seus sistemas?
— A polícia desconfia que algum empregado, ou eu
mesmo, tivesse preparado algo aqui de dentro — rosnou
Ambler. — Não me decepcione, senhorita Connors.
— Desculpe. Mas é comum e rotineiro um empregado
cometer tolices. Aconteceu em outros lugares: um
empregado farto da rotina, com salário baixo...
— Um momento — cortou Ambler. — Por falar em
rotina ou em coisas fora do comum... Refiro-me à sua
pergunta anterior, quando quis saber se aconteceu algo
diferente naquele dia... Qual! Bobagem minha!
— Aconteceu algo diferente?
— Não. Seguimos a rotina de todos os dias...
— Que aconteceu? Fale. O senhor ia dizer qualquer
coisa...
— Bem... Na véspera, uns empregados da Wanders
estiveram aqui para trocar um dos aparelhos de ar
condicionado. Nada de importante, como vê.
Lili Connors ficou olhando fixamente para Ambler,
durante alguns segundos. Como se não tivesse ouvido as
palavras dele. De repente, murmurou:
— Qual foi o aparelho trocado?
— Fizeram uma revisão em todos. Informaram que um
não funcionava direito. Foram até o caminhão e trouxeram
um novo, colocando-o em substituição ao outro. Não era um
aparelho definitivo e sim dos que costumam carregar para
deixar no lugar de um que precisa ir para o conserto.
— Qual foi o aparelho trocado? — repetiu Lili Connors.
— Fica no setor destinado a atender o público.
— Poderia mostrá-lo, daqui?
— Claro.
Foram até à porta. Ambler ia abri-la de todo, mas a
senhorita Connors o impediu, pedindo:
— Entreabra apenas o suficiente, por favor.
Ambler obedeceu. Pela fresta de mais de um palmo,
puderam ver o condicionador de ar.
— Devem vir retirar esse aparelho para recolocar o de
propriedade do banco, sem dúvida — murmurou a loura,
tornando a fechar a porta.
— Naturalmente. Já deviam ter vindo. A mudança foi
feita na quarta-feira. Houve tempo suficiente para consertá-
lo, não acha?
— Senhor Ambler, gostaria que seu nome subisse de
categoria junto ao Conselho Diretor do Banco, graças a seu
inteligente e silencioso trabalho em prol da recuperação do
dinheiro roubado?
— É lógico!
— Nesse caso, entremos num acordo, cuja base principal
será a seguinte: Não faça comentários, com pessoa alguma,
a meu respeito, sobre o que eu lhe disse, nem sobre aquele
aparelho. Aceita?
— Mas... não compreendo...
— Logo compreenderá. Por enquanto, fique calado e me
obedeça. Se não confia em mim, senhor Ambler, talvez
confie no presidente.
— No presidente do banco? — exclamou Ambler.
— No presidente dos Estados Unidos da América. Se
quiser, para convencer-se de que deve aceitar as minhas
disposições, o senhor Carter lhe telefonará da Casa Branca.
Pode também ligar para o prefeito de Nova York. Qual das
duas hipóteses prefere?
— Bem... Não sei... Está falando a sério?
— Não saia daqui e não comente este caso com pessoa
alguma, senhor Ambler — murmurou Lili Connors, sorrindo.
— Muito breve tornará a ter notícias minhas.

CAPÍTULO SEGUNDO
A gruta dos horrores

Charles Alan Pitzer, chefe do setor Nova York da CIA,


disfarçava sua profissão de espião, passando por um florista
conhecido da Segunda Avenida. Exatamente no número
1.004, onde tinha um amplo e bem montado
estabelecimento.
Dedicava mais tempo à espionagem que às flores, é claro.
Frequentemente atendia os fregueses, para mostrar sua
presença na loja. Por isso estava ali, naquela manhã, quando
a louríssima senhorita Connors apareceu na casa de flores.
Pitzer acabou de atender um casal de jovens que desejava
enviar um belo buquê à mãe da moça, e aproximou-se da
loura, dizendo:
— Bom-dia, senhorita. Em que posso servi-la?
Lili Connors o encarou, muito séria. Olhou também para
o simpático Johnny-floricultura que a contemplava da outra
extremidade do balcão, voltando logo a atender a freguesa
com quem conversava naquele instante.
— Ouvi dizer que o senhor tem uma estufa de rosas
especiais. Posso vê-la?
Um casal maduro entrou na loja. A mulher a quem
Johnny-Floricultura atendia observou criticamente a
belíssima loura.
— Com muito prazer — respondeu Pitzer. — Não é
grande coisa. O pátio dos fundos é pequeno.
— Estou pensando em plantar roseiras no meu terraço e
recomendaram-me esta loja — acrescentou Lili Connors.
— Fico-lhe muito grato pela preferência. Venha comigo,
por favor.
Encaminharam-se para o fundo da loja. Pitzer abriu uma
porta. Mal passaram para o corredor, ele tornou a fechá-la e
perguntou, ansioso:
— Que aconteceu, Brigitte?
A loura beijou-o no rosto, tomou-o pelo braço e levou-o
para a saleta de estar com o maior desembaraço, pois
conhecia cada canta da casa de flores. Sentou-se, pegou o
maço de cigarros, hesitou, enrugou a testa e acendeu um.
— Que se passa? — insistiu Pitzer.
— Vamos solucionar o caso do assalto ao York
Manhattan Bank, tio Charlie — disse Lili Connors, aliás,
Brigitte Montfort, através da fumaça do cigarro. — Estou
vindo de lá.
Pitzer não se alterou. Sentou-se diante de Lili, acendeu
seu velho cachimbo e ficou fumando em silêncio, durante
alguns segundos. Finalmente, balançou a cabeça, resignado,
e suspirou. Se havia alguém neste mundo que conhecia bem
a agente “Baby”, era ele.
— Descobriu alguma coisa? — perguntou em voz baixa.
— Na véspera do assalto, trocaram um dos
condicionadores de ar. O serviço foi feito pela firma
Wanders. Combinei com o diretor, o senhor Randolph
Ambler, que esta tarde uns companheiros meus da Cruz
Vermelha irão examinar o aparelho e o resto do banco.
— Agora somos da Cruz Vermelha? — resmungou
Pitzer.
— Pois é — respondeu Brigitte, rindo — — Precisamos
convencer o senhor Ambler a nos deixar perambular pelo
banco depois das cinco. Nossos Johnnies chegarão lá a partir
das três e ficarão, quando o banco fechar. De portas
fechadas, farão as investigações. Discretamente. E só
poderão sair no dia seguinte, depois do público começar a se
movimentar no banco.
— Compreendo. E como convenceremos o senhor
Ambler a nos deixar fazer tudo isso?
— Ele me garantiu que bastava um telefonema do nosso
prefeito.
— Posso arranjar isso. Ou prefere ir pedir esse favor a
seu amigo prefeito?
— Não. Brigitte Montfort não deve ser mencionada.
Ligue para ele, exponha o caso e peça-lhe para ser discreto,
etc. e etc. Combinado?
— Combinado. Uma pergunta, apenas: Que tem a CIA
com o assalto ao banco?
— A CIA, nada. Mas “Baby” está curiosa para saber o
que provocou em tantas pessoas, ao mesmo tempo, dores de
ouvido, enjoos, vômitos, cãibras, etc.
Pretender dissuadir Brigitte a se meter em complicações,
seria o mesmo que tentar fazer as águas da catarata de
Niágara subirem, em lugar de descer. E Pitzer sabia disso.
— Entendi — rosnou finalmente. — Devemos chamá-la,
se encontrarmos qualquer coisa?
— Não, porque estarei na Central.
— Que aconteceu? — perguntou Johnny- Floricultura,
entrando com os olhos arregalados.
— Nada do outro mundo — respondeu Brigitte, sorrindo.
— Mas preciso que o helicóptero me recolha esta tarde, no
terraço do Crystal Building. Posso contar com isso?
— Naturalmente. Ei, você fica linda, loura. Quase tanto
como morena.
— Falta o quase — murmurou Brigitte, sorrindo. —
Como vai a venda de flores.
— Não temos motivo de queixas, não é, senhor?
— Não — disse Pitzer, sorrindo com ironia. — A
propósito, já que está aqui, vou preparar um buquê de rosas
para você...
— Nada disso — cortou Brigitte. — Estou farta de rosas,
por uma temporada!
— Oh, mas isso não dura muito! — exclamou Johnny,
rindo. — E as rosas vermelhas são as suas preferidas, não é
mesmo?
— São. Mas nada de flores! Avisem à Central de minha
chegada. Mas advirtam que não quero ninguém à minha
espera. Apenas McGee. Ele, sim. Mande que me espere na
gruta dos horrores.
***
McGee, o chefe do Departamento de Armas Especiais da
CIA, estava em seu laboratório. Ou, conforme a designação
de “Baby”, na gruta dos horrores. Havia motivo para esse
nome, pois naquele laboratório McGee engendrara invenções
de todos os tipos. E nenhuma boa. Gases narcóticos, gases
mortais, vírus, ácidos, armas sofisticadíssimas de diversas
espécies, mecanismos, maquilagens... inclusive o
extraordinário soro chamado Black Color, que injetado numa
pessoa branca tingia sua epiderme de negro com tal
perfeição que essa pessoa poderia passar como pertencente à
raça negra.
A gruta dos horrores. Talvez. Mas dessa gruta, do cérebro
de McGee, saíram também invenções armas e truques que
em várias ocasiões ajudaram a agente “Baby” a escapar com
vida de perigos horripilantes. Perigos que teriam custado a
vida de uma pessoa normal, com recursos normais. Por isso,
e porque McGee era um bom sujeito, ingênuo mesmo em
seus contatos com os seres humanos, Brigitte Montfort lhe
dedicava uma grande estima. Era compridão, feio,
desengonçado, usava óculos, sua cabeleira parecia uma
vassoura de pernas para o ar... mas era um dos melhores
amigos da divina espiã.
Quanto a McGee, se sentira alguma vez ternura ou
mesmo algo parecido com amor, por uma mulher, esta
chamava-se Brigitte “Baby” Montfort. Por isso, quando a viu
aparecer na sua gruta dos horrores, levantou-se de um salto,
exclamando:
— É verdade! Não me enganaram! Você veio!
— Parece — murmurou Brigitte, rindo. — Como vão as
coisas aqui na gruta?
McGee estendeu a mão, mas a agente internacional
beijou-o nas duas faces, como de costume. McGee ficou
levemente corado, o que aumentou o bom humor da espiã
mais implacável do mundo.
— Você devia casar, McGee — disse ela, num tom
reprovativo. — Assim, ficaria mais aliviado sexualmente e
uma mulher não o deixaria tão perturbado com dois
beijinhos, apenas.
— Ora essa — resmungou McGee. — Sei perfeitamente
como me comportar com outras mulheres. Você, porém, é
formosa demais para mim. É tolice, naturalmente, mas não
consigo evitar: você me encanta!
— Pelo jeito, todos tiraram o dia de hoje para ser amáveis
— riu Brigitte. — Vamos comemorar isso jantando em
minha casa. Tenho um helicóptero à minha espera. Você irá
comigo, McGee?
— Sem dúvida. Acabo logo com...
— Não se afobe, querido. Ainda falta bastante para a hora
do jantar. Poderá examinar exaustivamente esse sangue até
lá?
— De quem é? — perguntou McGee, recebendo o
vidrinho e examinando-o contra a luz. — Seu?
— Não! Já sei tudo sobre meu sangue. É de... Explicarei
durante o jantar.
— Muito bem. Entregarei esta amostra a um de meus
assistentes...
— Não, McGee — interrompeu a espiã. — Cuide dele,
pessoalmente, peço-lhe.
McGee agitou as pestanas por trás das lentes grossas de
seus óculos: Compreendeu perfeitamente que “Baby” lhe
pedia para analisar aquele sangue, porque não queria admitir
a mínima possibilidade de engano.
— Está certo — concordou ele. — Mas precisará esperar
duas horas.
— Ponha minha paciência à prova.
— Oh, pode aproveitar para examinar umas coisinhas que
acabo de aperfeiçoar! Foi bom você ter vindo!
— Que novo engenho criou desta vez?
McGee fez um sinal e levou-a até sua mesa de trabalho,
acima da qual havia uma fileira de armários metálicos,
fechados à chave e com um mecanismo especial de segredo.
Abriu um dos armários e dele tirou duas caixas que colocou
na mesa. De uma das caixas, extraiu uma pistola parecida
com a que Brigitte usava há muitos anos e que fora refeita
algumas vezes. A pistola que Brigitte viu, porém, não tinha
cabo de madrepérola e a culatra parecia um tubo coberto de
veludo.
— É material isolante — explicou McGee. — Gostou do
artefato?
— Que tem de particular?
— É elétrica. Pode matar... ou apenas provocar um abalo
tremendo, um choque não mortal. Depende de como for
graduada. Aqui está o mecanismo. Vai de um a cinco.
Observe as diferentes posições. A número um provoca uma
simples cãibra na pessoa que recebe a descarga elétrica. A
cinco mata. Depende da vontade do atirador que uma pessoa
morra ou não. De qualquer modo, sempre fica fora de
combate durante algum tempo.
— Grande invenção! — murmurou Brigitte. — É o
protótipo?
— Sim. Mas tenho seis exemplares prontos para serem
distribuídos. Quer um?
— Claro.
— Darei mais tarde. Quanto a esta outra invenção... Bem,
não sei o que vai pensar dela, mas me sinto orgulhoso. Como
cientista a serviço da CIA, naturalmente. Venha comigo até
o túnel. Vamos fazer uma experiência.
Brigitte demorou alguns segundos contemplando a pistola
que McGee queria experimentar. Tinha quase o dobro do
tamanho da outra e seu aspecto era mais convencional.
Exceto a culatra, um pouco volumosa. O cano era curto e
muito fino. Em vez de balas, dali deveriam sair agulhas.
McGee abriu a porta lateral do laboratório. Atravessaram
um pequeno corredor e surgiram no subterrâneo e
secretíssimo túnel de tiro do Departamento de Armas
Especiais. McGee acendeu a luz. Ao fundo recortou-se uma
silhueta humana. Por meio dos comandos, McGee retirou a
silhueta e em seu lugar apareceu outra semelhante.
— É de aço — murmurou McGee. — Foi recortada numa
placa de meia polegada de espessura. Preste atenção.
Pousou a pistola no suporte especial. Fez pontaria e
puxou o gatilho. Um finíssimo raio de tom violeta partiu do
cano da arma e chegou à silhueta quase no mesmo instante.
McGee movimentou a pistola, fazendo o raio passar de um
lado para o outro do pescoço da silhueta. Em poucos
segundos, a cabeça foi cortada. Na silhueta, restou apenas
um pouco de fumaça, que logo desapareceu.
— Sinto muito — balbuciou McGee, olhando para
Brigitte, — Mas cumpro ordens.
— Raios laser? — sussurrou a agente internacional.
— Uma variante do laser — respondeu McGee. — Quer
experimentar?
— Não.
— Talvez fosse bom. Ouvi uns comentários, outro dia.
Criticavam o fato da agente “Baby” não assistir aos
cursinhos de aperfeiçoamento e de atualização. Esses
comentários cessariam, se você praticasse um pouco de tiro
ao alvo.
Brigitte tomou a pistola das mãos de McGee. Sem apoiar
a arma no suporte, atirou. Uma, duas, três vezes. Quando
parou de puxar o gatilho, o peito do boneco de aço estava
fumegante. McGee apertou o botão que aproximava a
silhueta e observou os orifícios deixados pelos raios. Bem no
ponto onde se supunha que os homens tivessem o coração, as
descargas de laser desenharam um coração. Uma linha
perfeita. Como se tivesse sido feita a pincel.
— Não quer um brinquedinho desses? — perguntou
McGee.
— Vou pensar. E que me diz do sangue?
— Oh, sim! Cuidarei dele agora mesmo.
Quase duas horas mais tarde, McGee tornou a juntar-se a
Brigitte no laboratório, onde ela esperara calmamente, sem o
menor gesto de impaciência. Ao vê-lo aparecer, arqueou uma
sobrancelha. Foi tudo.
— Grupo A, fator RH positivo — disse McGee. — É só o
que posso dizer desse sangue. Tem um pouco de diabete,
mas não é perigoso... por enquanto.
— Desconfio que o dono do sangue ficou sob os efeitos
de um gás especial, há dias. Seria possível?
— Talvez. Mas não encontrei indicação alguma nesse
sentido. Como você sabe, existem gases que produzem
determinados efeitos, incapazes de ser detectados
posteriormente.
— Em resumo... uma ligeira diabete — murmurou
Brigitte.
— Ligeiríssima. Diga a essa pessoa para se tratar.
— Será um modo de agradecer ao senhor Ambler pela
colaboração — exclamou a divina, rindo. — Bem, vamos
jantar. Espero que o senhor Ambler tenha sido paciente,
colaborando com os nossos companheiros.
***
O senhor Ambler mostrou-se paciente e colaborou.
Quando Brigitte e McGee chegaram ao apartamento da
agente mais perigosa do mundo, Charles Alan Pitzer já os
esperava. Ao vê-la, levantou-se e disse:
— Encontramos algo.
— O quê? — perguntou Brigitte, ansiosa.
— Um objeto dentro do condicionador de ar.
— Que tipo de objeto? — insistiu Brigitte, servindo dois
aperitivos e dando um a McGee,
— Não fazemos a menor ideia do que possa ser. Parece
um maço de cigarros hermeticamente fechado. É metálico.
De alumínio ou coisa parecida.
— Retiraram do condicionador?
— Não. Está conectado a ele e achamos melhor esperar
para ver se um técnico... Oh, McGee! Que sorte você estar
aqui neste momento!
— Sim — suspirou McGee. — É uma sorte eu estar
aqui... por acaso...
— Não se queixe — atalhou Brigitte, rindo. — De
qualquer modo, o convite para jantar continua de pé. Foi
feito com sinceridade, querido.
— Sei disso... Mas antes devo examinar o tal objeto, não
é?
***
Contra sua decisão matinal, Brigitte Montfort, isto é,
novamente a loura Lili Connors, foi ao York Manhattan
Bank, no fim da tarde. Quase no início da noite. No interior
do banco, além de Ambler, estavam três agentes da CIA,
especializados em revistas técnicas. Foram eles que acharam
o misterioso objeto no condicionador de ar. Continuaram a
busca, mas nada encontraram. Só o tal objeto.
Lili Connors não apresentou Pitzer, nem McGee. O
último, sem necessidade de instruções, dirigiu-se ao
condicionador de ar, cuja tampa fora retirada.
— Que está acontecendo? — perguntou Ambler,
atordoado. — o que significa isso?
— Seja o que for, nosso companheiro dirá, senhor
Ambler — respondeu Lili. — Só posso afirmar que esse
pequeno objeto foi a estranha arma que os derrotou. Para
livrar-se de seus efeitos, os assaltantes usaram os macacões.
— Como pode essa caixinha de metal produzir náuseas e
vômitos?
— Logo saberemos. E lembre-se, senhor Ambler: nem
uma palavra sobre tudo isso, hem? Com pessoa alguma.
Contamos com seu sigilo?
Randolph Ambler olhou para Pitzer e para o agente da
CIA que trouxera os recém-chegados ao gabinete. Aqueles
homens eram da Cruz Vermelha? Não lhe passou pela
cabeça a menor ideia deles pertencerem à CIA. Mas tinha
certeza de que não eram da Cruz Vermelha. E tinha certeza
de outra coisa: o prefeito de Nova York, em pessoa,
aconselhara-o a colaborar em tudo que aquelas pessoas
pedissem.
— Contem com meu sigilo — murmurou ele.
— Nosso jantar vai se atrasar um pouco
— disse a loura de olhos verdes. — Mas jantaremos, nem
que seja à meia-noite. A propósito, senhor Ambler, tome
cuidado com os alimentos. O senhor está com um princípio
de diabete.
— Eu? Não me diga!
Ambler resmungou qualquer coisa a respeito de tão
inesperada notícia. A senhorita Connors sentou-se numa
poltrona e cruzou as pernas. O diretor do banco pôde
contemplá-las à vontade. Respirou fundo. Toda a tensão do
dia ficava compensada com a possibilidade daquele
espetáculo maravilhoso.
Uma hora mais tarde, McGee juntou-se a eles, para dizer:
— Descobri como funciona. Está ligado à entrada normal
de eletricidade para o condicionador de ar, mas dispõe de um
minúsculo dispositivo mecânico de controle por rádio, a
distância, que pode fazê-lo funcionar ou detê-lo. Se quiserem
ligá-lo, basta emitir a onda de rádio adequada. Se quiserem
detê-lo, é só desligar a onda. E não afeta o funcionamento do
condicionador de ar.
— Que é esse objeto?
— Preciso levá-lo para o laboratório. Só assim poderei
analisá-lo melhor. Pelo exame ligeiro que fiz, parece um
emissor de ondas de baixa frequência, capaz de produzir um
infrassom. Isso combina com o que você me explicou no
helicóptero. Esse infrassom, se alcançar determinada
intensidade, pode produzir certos efeitos: enjoos, cãibras,
vômitos, afeta as funções do organismo humano. O
infrassom penetra no corpo e causa esses transtornos. Posso
explicar tecnicamente, mas seria muito demorado e talvez
acabassem não entendendo.
— Que mais, McGee? — perguntou Brigitte.
— Se as ondas de baixa frequência descerem o suficiente,
o infrassom pode chegar a matar... de um modo doloroso,
horrível. De qualquer maneira, não precisamos ficar
preocupados com esse objeto. Não tem potência suficiente
para tanto. Só vômitos e etc. Trata-se apenas de um filhote.
— Um filhote?
— Quem fabricou este filhote talvez esteja em condições
de fabricar o pai. Ou um irmão maior. A escala de
possibilidade de fabricação é praticamente ilimitada.
— Mortes causadas por infrassom?
— Sim. O número dependerá da vontade do fabricante
deste aparelhinho e no lugar que ele desejar. De nada
servirão paredes, nem proteções convencionais. O infrassom
atravessa as paredes. Pode mesmo furá-las, com determinada
potência. Quanto aos esquisitos macacões que os assaltantes
vestiam, foram confeccionados com material isolante, é
claro. Isolante ao menos para este filhote. De nada
adiantariam, com um de potência maior,
— E quem pode fabricar esses aparelhos? Grandes
centros industriais?
— Qualquer um— murmurou McGee. — Desde que
disponha dos conhecimentos técnicos e do dinheiro para
comprar o material necessário.
— Dinheiro para comprar o material necessário... Dois
milhões de dólares seriam suficientes?
— Com dois milhões de dólares, eu construo
aparelhinhos capazes de eliminar meio mundo.
Até Randolph Ambler compreendeu o significado das
palavras de McGee, Sentiu as pernas bambearem e deixou-se
cair numa poltrona, resmungando algo que ninguém
entendeu. Também, não estavam interessados no que Ambler
pudesse dizer. A revelação de McGee era simplesmente
alarmante. Para não dizer aterradora. Todos ficaram imóveis,
olhando para Lili Connors. A loura estava ligeiramente
pálida, mergulhada em suas reflexões.
— Está bem — disse ela, finalmente. — Tratemos de
trabalhar.
— Retiro o aparelhinho do condicionador? — perguntou
McGee.
— Não. A possibilidade de tornarem a atacar este banco
parece remota. Mas virão buscar o condicionador,
substituindo-o pelo outro, sem dúvida. Pelo que estava
avariado. Vamos esperá-los.
— Se estão vigiando o banco, já nos viram — murmurou
Pitzer. — Sendo assim, não virão.
— Se não vierem, paciência. É a única pista que temos,
por enquanto.
Lili Connors consultou o reloginho de pulso, ergueu a
cabeça e sorriu, acrescentando:
— Ainda temos tempo para jantar agradavelmente em
minha casa. Mas deixaremos o banco bem vigiado. Vocês
cuidam da primeira hora, até chegarem novos companheiros?
A pergunta foi dirigida aos três agentes da CIA.
Concordaram com um movimento de cabeça. Pitzer também.
Daria ordens para o pessoal do Setor Nova York se
concentrar ao redor do York Manhattan Bank.

CAPÍTULO TERCEIRO
Catástrofe em Paris

Brigitte abriu os olhos e viu McGee inclinado para ela,


sacudindo-a pelo ombro nu. Tão nu quanto o resto do corpo
escultural da divina espiã. McGee, Pitzer e Johnny-
Floricultura tinham jantado no apartamento de Brigitte.
Pitzer e Johnny retiraram-se de madrugada. McGee ficara
para dormir num dos quartos de hóspedes. E ali estava ele,
vestido de qualquer maneira, desgrenhado, excitado, no
quarto de Brigitte.
— Que aconteceu? — perguntou ela.
— Venha depressa! Corra!
Brigitte pulou da cama, pegou o deshabillée de gaze e
correu para a sala, atrás de McGee. Antes de entrar, ouviu a
voz do locutor da televisão dando as primeiras notícias da
manhã. Ao olhar para o aparelho, viu a imagem da Torre
Eiffel, enquanto o locutor dizia:
“Estão vendo a Torre Eiffel em sua posição normal. Mas,
no momento, não está assim. Segundo as notícias chegadas
da agência de Paris, a Torre Eiffel foi consideravelmente
danificada e inclinou-se, como a de Pisa. Algumas de suas
vigas entortaram. Arrebites saltaram dos lugares. Os cabos
dos elevadores se romperam. Na hora do acidente, a Torre
Eiffel estava praticamente vazia e espera-se que não tenha
feito vítimas. O curioso, porém, e até alarmante, é o fato de
ter feito vítimas nos arredores. Várias pessoas residentes
nas imediações faleceram de modo misterioso e doloroso, no
momento em que se produziam as avarias da torre. E isso
não é tudo. Num raio de quinhentos metros, todas as pessoas
sofreram indisposições físicas. Cãibras, dores de cabeça e
vômitos. Quanto mais perto da torre, maiores os efeitos.
Neste momento, ela está cercada por forças policiais de
Paris. Pensam em recorrer ao exército para isolar a zona do
estranho sinistro, deixando-a de quarentena no centro da
capital francesa. No nosso próximo informativo, esperamos
ampliar as notícias e oferecer fotografias do estado atual da
Torre Eiffel.”
A imagem da torre desapareceu e surgiu o locutor para
informar outros acontecimentos mundiais. Brigitte desligou a
televisão e dirigiu se ao telefone, perguntando a McGee:
— Isso pode ter sido feito por um irmãozinho maior do
filhote?
— Sim. Por isso a acordei.
Brigitte ligou para a agência de viagens que em outras
ocasiões resolvera o problema de passagens à última hora.
Pediu uma para o primeiro voo direto que saísse para Paris.
Deu quinze minutos para aguardar a confirmação.
Doze minutos mais tarde, quando o telefone tocou, para
espanto de McGee, a senhorita Montfort estava pronta,
vestida e com a bagagem praticamente feita. Incluindo a
maletinha vermelha. Peggy, acordada às pressas, acabava de
fechar a mala. A passagem foi confirmada para o avião que
partia às onze e trinta do aeroporto Kennedy. Brigitte deu
outro telefonema para certo número em Paris, mas não
atenderam. Impaciente, a espiã chamou Pitzer.
—...?
— Tio Charlie, vou a Paris pelo voo das onze e meia, da
Air France. Arrume-se como puder, mas quero encontrar
Monsieur Nez à minha espera em Orly, Previna-o, nem que
seja pelo canal de serviço a serviço. Está claro?
—...?
— McGee fica aqui em casa, Ele explicará tudo. Adeus.
***
Monsieur Nez estava em Orly, esperando a senhorita
Montfort. Eram quase onze da noite, quando o jato pousou
numa das pistas do aeroporto. Minutos depois, a mais linda
passageira daquele voo da Air France foi salva de qualquer
formalidade aduaneira por um homenzinho sobriamente
vestido de escuro, de olhos miúdos e penetrantes e dotado de
um formidável apêndice nasal, que a levou para um carro
preto, enquanto outro homem cuidava da bagagem da recém-
chegada. A maletinha vermelha, porém, estava com sua
dona.
— Alegro-me por tornar a vê-la — disse Monsieur Nez,
quando já se encontravam acomodados no automóvel. — É
sempre um prazer.
— Há algum tempo atrás, não pensava assim, monsieur.1
— Dei, depois, as explicações necessárias — murmurou
Monsieur Nez, sorrindo. — Mas não falemos nisso. Fico
furioso, quando me lembro como fui desagradável com você.
A que devo o prazer de sua visita?
— O senhor está ficando velho — disse Brigitte,
divertida. — Não adivinhou?
— Por causa da Torre Eiffel?
— Naturalmente.
— Sabe alguma coisa a respeito do que aconteceu?
1
Ver aventura de número 328: O Assassinato do Século.
— Se não fossem os vômitos e as mortes, eu teria julgado
que se tratava apenas de um acidente — respondeu Brigitte.
— Mas essas mortes estranhas, os vômitos, etc., me disseram
tudo.
— Poderia fazer a gentileza de me pôr a par, enquanto
retiram sua bagagem do aeroporto?
Quando o agente da SDECE chegou com a mala de
Brigitte, Monsieur Nez já estava bem informado. O agente
francês acomodou-se ao lado do motorista e o veículo
iniciou a marcha rumo a Paris, pela estrada.
— Muito bem — disse Nez, no fim de alguns minutos de
silêncio. — Tudo parece combinar.
— A que se refere?
— Sabíamos que não foi acidente, mas ignorávamos
como aconteceu. Graças a você, já sabemos. Tenho uma
pequena notícia a lhe dar: o presidente D’Estainq recebeu
um telefonema, exigindo cem milhões de francos. Só assim
evitará novos males à cidade e aos habitantes.
— Isso aconteceu enquanto eu voava para cá? Qual foi a
resposta do bom Giscard?
— Tem vinte e quatro horas para responder. Sendo
afirmativa, receberá instruções. Não sendo, ignoramos o que
se passará.
Brigitte balançou a cabeça. Não era a primeira vez que se
defrontava com um caso complicado. O dinheiro a pagar não
a preocupava. O que a deixava inquieta era o fato do Filhote,
como ela designara o homem que comandava tudo aquilo,
possuir tanto dinheiro. Os dois milhões roubados no banco
de Nova York, somados aos cem milhões de francos, dariam
uma quantia elevadíssima. Que exigiria o Filhote, quando
tivesse tanto dinheiro?
— Gostaria de ver como ficou a torre — murmurou
Brigitte.
— Iremos até lá. Não haverá problemas para cruzarmos o
cordão de isolamento.
— Esse cordão deve ser colocado o mais distante
possível.
— Por quê?
— Toda essa zona de Paris deveria ser evacuada.
Explicarei por que, Monsieur. Como no York Manhattan
Bank, o aparelhinho que provocou a catástrofe ainda deve
estar por perto... Talvez volte a funcionar a qualquer
momento.
— Sacré! — exclamou Monsieur Nez, empalidecendo. —
Tem razão! Nesse caso, é melhor procurarmos o aparelho,
para retirá-lo. Mandarei mil homens revistarem toda a zona..
— Não me parece conveniente, Monsieur. Basta mandar
esvaziar as imediações dentro do raio de ação do irmãozinho
maior do Filhote.
— Perfeitamente. Mas por que não procuramos o
aparelho?
— Porque, se perceberem, talvez tornem a pô-lo em
funcionamento. Isso, mesmo supondo que a zona já tivesse
sido evacuada, custaria a vida de mil soldados.
— Não podemos permitir que o aparelho torne a
funcionar e derrube a torre!
— A decisão é simples: a torre ou mil soldados — disse
Brigitte, encarando Nez, com um olhar penetrante. — O que
significa mais para a França, Monsieur?
Nez ficou calado, sombrio. Os dois homens do banco da
frente continuaram em silêncio. O motorista olhava a espiã
norte-americana pelo espelhinho retrovisor, contemplando-a
com espanto.
— Que se pode fazer? — balbuciou Nez, preocupado.
— Por enquanto, nada. Eu, se fosse o senhor D’Estaing,
pagaria.
Mas Brigitte, evidentemente, não era Giscard D’Estaing.
Ao meio-dia seguinte, hora em que terminava o prazo
imposto pelo Filhote, o presidente francês não havia dado
resposta alguma. Nem parecia ter intenção de dá-la.
Atentos à televisão, no amplo e antiquado apartamento de
Monsieur Nez, “Baby” e ele aguardavam, impacientes e
preocupados. Monsieur Nez fora pessoalmente ao palácio
presidencial, naquela madrugada, sendo recebido pelo senhor
D’Estaing. O presidente ouviu-o com amabilidade. Afinal,
Nez era um dos homens-base da espionagem e da
contraespionagem francesa.
O presidente, porém, contava com outros colaboradores e
conselheiros e estes mostraram-se contra a opinião da espiã
americana. De nada adiantou Nez lembrar os grandes
serviços prestados por “Baby”, em diversas ocasiões, ao
SDECE e à própria nação francesa. De nada adiantou
recordar a todos que a agente americana ocupava um posto
elevado na espionagem internacional e que jamais cometera
erro algum.
Ao meio-dia, quando se esperava o aparecimento do
presidente francês nos vídeos de televisão, nada aconteceu.
— Talvez ainda apareça — gaguejou Monsieur Nez,
apontando o aparelho.
Brigitte não respondeu. Levantou-se e foi até uma das
janelas, de onde avistou ao longe a Torre Eiffel. Estava
inclinada uns doze graus para a esquerda. Na noite anterior, a
vira do automóvel parado na Avenida La Motte Picquet,
entre a Escola Militar e o início da Avenida Pare du Champ
de Mars.
— Talvez ele resolva pagar — disse a agente da CIA,
voltando-se para Nez. — Esperemos que o faça a tempo.
— A zona foi evacuada.
— Sim — murmurou a espiã. — Essa zona foi evacuada.
Mas ninguém nos garante que a mesma coisa não aconteça
de um outro ponto de Paris. Não se esqueça de um detalhe,
Monsieur, esse irmãozinho do Filhote de Nova York pode ter
um irmão ainda maior.
Monsieur Nez estava mais pálido que de costume. Era um
homem pouco habituado a apanhar sol. Brigitte, por sua vez,
também estava, um pouco pálida. Mas o tom dourado de sua
pele disfarçava a palidez.
De repente, um estampido abafado chegou até eles. Os
vidros das janelas estremeceram levemente.
— Mon Dieu! — balbuciou Nez, olhando para Brigitte.
— Tornaram a...
— Não. Acabaram com o irmãozinho maior. O Filhote
aborreceu-se, Monsieur. Compreendeu que o senhor
presidente não quer pagar. Compreendeu, também, que não
poderia retirar o aparelho do lugar onde o colocaram. Assim,
por meio da carga disposta para esta eventualidade, explodiu
a peça em pedaços.
— Então... o perigo desapareceu!
— Este, sim. Poderia ter feito o aparelhinho funcionar
novamente, mas preferiu explodi-lo. Por quê?
— Por quê? — replicou Monsieur Nez.
— Para dar uma impressão de força e de organização. E
de poder econômico. Em poucas palavras: acaba de nos
informar que dispõe de aparelhos melhores e nos previne
para esperarmos por um ataque mais violento.
— Como pode saber disso? — quase gritou Nez.
— Conheço essa classe de gente — respondeu Brigitte,
com um sorriso. — Todos são ambiciosos, cruéis e
orgulhosos. Para mim, está claro que o Filhote tem um
grande objetivo a alcançar. O resto não passa de minúcias.
Nez ficou calado, olhando para Brigitte.
De repente, correu para o telefone, que começou a tocar.
— Alô!
—...
— De onde? — tornou a gritar.
—...
— Está bem... Está bem. Obrigado.
—...?
— Não, não. Por enquanto, continua tudo igual. Avisarei,
se mudarmos nossos dispositivos. Isso é tudo.
Desligou, encarou Brigitte, que o contemplava
interrogativamente, e murmurou:
— Um carro estacionado na Avenida Suffren, perto do
Quai Branly, praticamente junto da torre, explodiu, ficando
transformado em ferro velho. Foi essa a explosão que
ouvimos, sem dúvida.
— O irmãozinho maior devia estar no porta-bagagem do
carro. Bem, Monsieur, estou um pouco cansada. Vou dormir
duas horas.
Era quase uma e meia.
Por volta das três da tarde, Brigitte levantou-se do sofá
onde se recostara e estendeu a mão para a maletinha
vermelha. Seu ouvido apurado captara o zumbido de
chamada dos dois rádios. O normal e o de emergência.
Pegou o que estava camuflado num maço de cigarros e
atendeu perguntando:
— Sim?
— Johnny-Paris, falando — respondeu uma voz de
homem.
— Que aconteceu, querido?
— Tenho uma mensagem para você. Acaba de chegar de
casa, com máxima urgência.
— Que diz a mensagem?
— Dois homens, uniformizados com equipamento de
trabalho da indústria de eletrodomésticos Wanders,
estiveram hoje de manhã, às nove e vinte, hora de Nova
York, no York Manhattan Bank. Retiraram um
condicionador de ar, deixando outro no lugar. Os dois
sujeitos em questão partiram numa caminhonete da Wanders,
mas logo a abandonaram e entraram num automóvel, onde
mais dois homens os esperavam. Os quatro seguiram para o
aeroporto Kennedy. Neste momento, voam para Paris. Em
casa, solicitam instruções suas.
— Informe o seguinte: não toquem na caminhonete, por
enquanto. Mas mantenham-na sob vigilância. Duvido que a
Wanders tenha algo a ver com tudo isso. Na certa, a
caminhonete é falsa. Não se trata de uma roubada. É falsa.
Cessem a vigilância no York Manhattan Bank. Façam uma
recopilação das informações a respeito de todos os
empregados. Falemos agora dos quatro sujeitos. Sabemos os
nomes?
— Naturalmente. Nós os obtivemos na agência de
Transworld, mal o avião decolou. Ai vão eles: Hans Werther,
John Delmare, Felix Roche e Kurt Berthou. Foram
fotografados e aguardamos as telefotos. Não devem demorar
mais de uma hora.
— Ótimo. Pode recolher-me daqui a pouco, Johnny?
Dentro de trinta minutos, digamos.
— Naturalmente. Onde?
— Bem... espere por mim em...

CAPÍTULO QUARTO
Quatro viajantes

A loura entrou no carro e Johnny-Paris fez um sinal ao


motorista. O homem do volante sorriu, piscou um olho e deu
a partida.
— Olá, Johnny! — exclamou a sorridente loura.
— É um prazer entrarmos em contato direto com você —
disse o Johnny-Paris.
— Penso do mesmo modo, em relação a vocês. Como
vão as coisas por aqui?
— Fora o caso da Torre Eiffel?
— Naturalmente.
— Como sempre. Rotina normal.
— Ótimo. Assim poderemos dispor de alguns rapazes
para se trasladarem até Orly. Ficarão à espera de nossos
quatro viajantes procedentes de Nova York. Quantos temos?
— Os que você achar necessários — afirmou Johnny
Paris.
— Resolva quantos serão precisos para nenhum dos
quatro pássaros escapar.
— Não se preocupe. Temos tempo para preparar tudo.
Que está acontecendo?
“Baby” explicou com sua precisão habitual todo o caso.
Quando terminou, Johnny-Paris balançou a cabeça e
murmurou:
— Esse tipo de aparelho foi inventado na França, sabia?
Se não estou enganado, em Marselha. E de um modo casual.
Posteriormente, utilizando ondas hertzianas, aperfeiçoaram-
no até se transformar nessa arma terrível. Alguém conseguiu
descobrir o processo de fabricação, é evidente, e passou anos
trabalhando nele para alcançar seus objetivos. Nós dispomos
de alguns aparelhinhos desses. Mais aperfeiçoados, é claro,
que os do Filhote, como você chama a quem dirige esta
confusão. Esses aparelhos são conhecidos pelo nome de
Trombetas da Morte. Podem destruir por meio de vibrações
de baixa frequência. Qualquer coisa. A muralha da China ou
as pirâmides do Egito. Quanto aos seres humanos, ele os
arrebenta, digamos assim, caso o infrassom for
suficientemente baixo.
— Sim. Nosso Chefe de Departamento de Armas
Especiais me falou a respeito disso.
— É um caso complicado e feio, acredite.
— Por isso estamos aqui — sussurrou Lili Connors. —
Para resolver o problema.
— E vamos conseguir — exclamou o agente que dirigia o
carro.
— Viu só? — murmurou “Baby”, rindo.
— Isso é que é ter fé! Agora, esperemos pelas fotos dos
nossos quatro amigos viajantes.
As fotografias foram levadas por um agente da CIA a um
discreto apartamento da rua Didot, por volta das cinco da
tarde. Isto é, algumas cópias. O restante foi espalhado entre o
grupo de espiões que as aguardavam para seguir rumo ao
aeroporto de Orly, onde ficariam à espera dos quatro
homens. Tinham tempo de sobra, pois o avião esperado só
chegaria depois das nove e meia, hora de Paris.
Os quatro tinham mais ou menos a mesma idade: entre
trinta e trinta e cinco anos. Eram fortes, de fisionomia
decidida, e atraentes. John Delmare era moreno. Hans
Werther era louro, quase albino. Kurt Berthou tinha cabelos
castanhos e uma pequena cicatriz junto do nariz. Felix Roche
era moreno, de olhos grandes, bonitos, inteligentes.
— Este deve ter atuado como chefe do grupo — disse
Lili, apontando o retrato de Roche. — Mas por que
precisaram ir a Nova York para obter um milhão e oitocentos
dólares, usando o Filhote?
— Talvez tudo venha dos Estados Unidos.
— Não — protestou “Baby”. — O importante deste caso
está aqui, na França. Ou, pelo menos, na Europa. É aqui
onde devem estar fabricando os irmãos maiores do filhote
utilizado em Nova York. Seria comprometedor fabricá-los
nos Estados Unidos e trazê-los para cá. Sendo fabricados
aqui na Europa, foi fácil transportar o filhote para a América,
usá-lo e trazê-lo de volta, como se fosse um radinho
transistor, um gravador ou qualquer coisa no gênero. É o que
estão fazendo: eles voltam com o filhote, depois de tê-lo
utilizado.
— Isso faz sentido — admitiu Johnny. — O que não faz é
ir a Nova York conseguir o dinheiro. Podiam ter conseguido
aqui mesmo em Paris. Ou em Londres, Madri, Roma...
— Acho que já sei por que foram para lá.
— Explique — pediu Johnny-Paris, sorrindo.
— Não é fácil transportar quase dois milhões de dólares
ou seu equivalente em moeda francesa, espanhola, inglesa,
ou italiana. Certo?
— É arriscado, sem dúvida.
— No entanto, o Filhote precisava desse dinheiro nos
Estados Unidos. Assim, em vez de correr o risco de enviá-lo,
mandou quatro homens. Os quatro homens conseguiram o
dinheiro nos Estados Unidos e o esconderam em algum
lugar... ou o entregaram a alguém de lá. Para quê?
— Para começarem a fabricar, por lá, trombetas da morte,
de mais envergadura.
— Parabéns! — exclamou Brigitte. — Isso é que eu
chamo: acertar o alvo!
— Não sei se me alegra ser tão esperto — resmungou o
Johnny. — Acabamos, desse modo, descobrindo que vão
iniciar nos Estados Unidos a fabricação desses malditos
aparelhos.
— Sim. Mas eu pergunto: só nos Estados Unidos?
— Ora...
— Para que desejam cem milhões de francos?
— Hum... Para irem distribuindo pelo mundo todo, a fim
de fabricarem trombetas da morte? — perguntou Johnny-
Paris.
— Pode ser — murmurou “Baby”. — Experimentaram o
aparelho em Nova York e, agora, em Paris. Viram que
funciona. Poderão, portanto, exigir avultadas somas em
dinheiro, aqui mesmo, e enviá-las sem problemas para outros
continentes. Digo sem problemas porque, com a ameaça
desse aparelhinho, esperam impor-se em todos os sentidos.
Ainda há mais. Com a ameaça das trombetas da morte,
podem exigir dinheiro em qualquer parte do mundo e
utilizarão os cem milhões de franco apenas na França. Mas
em que poderão gastar tanto dinheiro, supondo que o
governo francês concorde em pagar?
— É muito dinheiro.
— Sem dúvida. Esses francos, naturalmente, já têm um
destino. Qual? Eu apontaria dois prováveis. Primeiro: a
simples e agradável sensação de dispor de dinheiro para
aproveitar melhor a vida, enquanto tramam a segunda parte.
É aí que precisamos chegar. Qual será essa segunda parte?
Esse objetivo?
— Fabricar mais trombetas da morte?
— Não creio. Já possuem aparelhos suficientes. O fato de
terem destruído um deles é a prova. Na realidade, precisam
apenas de um para aterrorizar o mundo todo. E direi por quê.
Suponhamos que eu ameace você, querido, pretendendo
matá-lo com duas balas nos miolos. Que importância terá o
fato de dispor de cem pistolas ou de uma só, com nove
balas? Você saberia que com essa única pistola de nove balas
posso eliminá-lo. E eu saberia que essa arma seria suficiente
para mantê-lo sob o temor de minha ameaça. Ameaça que
poderia cumprir a qualquer momento. Logo, para que eu iria
querer cem pistolas? Com uma, você ficaria à minha mercê e
me obedeceria em tudo... ou seria assassinado. Compreende?
— Claro! Diabos! Então para que querem esse dinheiro?
Ah, já sei! Para viver bem, é evidente. Mas e a outra parte?
Qual é o segundo objetivo, se não se trata de fabricar mais
trombetas da morte?
Lili Connors ficou pensativa durante alguns segundos,
antes de balançar a cabeça com resignação, dizendo:
— Não sei se encontraremos a solução, agindo sozinhos.
Mas talvez consigamos algo positivo, a partir do momento
em que nossos quatro viajantes chegarem a Paris,
procedentes de Nova York, nesse voo da Transworld.
***
Nenhum dos quatro teve problemas ao chegar a Orly.
Nem mesmo Felix Roche, francês, que trazia na mala o
pequeno aparelho deixado pela CIA no condicionador de ar
do York Manhattan Bank. Não tiveram problemas, porque
essa foi a ordem de “Baby”. Deviam movimentar se
livremente. Talvez assim pudessem conduzir a elementos
mais importantes.
Além do carro estacionado no aeroporto, onde esperavam
pacientemente “Baby”, Johnny-Paris e Monsieur Nez, havia
em Orly uma enorme rede de agentes franceses e
americanos. Uma rede tão bem estendida que a ideia dos
quatro homens conseguirem escapar dela parecia absurda.
A missão tornou-se mais fácil quando os quatro homens
se juntaram, após cumpridas as formalidades aduaneiras, e
saíram do aeroporto em direção ao estacionamento.
— Em minha opinião, isso nos favorece — comentou
Johnny-Paris, depois de ouvir as informações dadas pelo
rádio, por um dos colegas. — Se eles tivessem saído
separados, perderíamos tempo, vigiando cada um. Como vão
juntos, possivelmente encaminham-se para a base ou para
um lugar de onde possam chamá-la. Que acha disso?
— Tem lógica — concordou “Baby”.
A informação seguinte chegou quase em seguida:
— Estão entrando num automóvel. Num Peugeot 504,
com chapa de Paris, número AD 6871.
— Continuem mantendo distância.
Depois de dar a ordem, Brigitte olhou para Nez. O francês
compreendeu e lançou mão de seu radinho, que o mantinha
em comunicação direta com os homens do SDECE. Com voz
pausada, mandou seguirem o Peugeot 504 e descobrirem
quem era o proprietário do carro.
Dois minutos mais tarde, o espião americano tornou a
informar:
— O veículo em questão segue para o sul.
— Para o sul? — exclamou Lili Connors.
— Não para Paris?
— Pelo jeito, não.
— Onde estão no momento e para onde se dirigem?
— Circulam pela estrada Nacional 7.
— Em direção a Fontainebleau — murmurou Nez.
— Não são obrigados a ter a base em Paris — disse
Johnny. — Acho aconselhável irmos atrás deles.
Brigitte concordou. Johnny-Paris fez um sinal ao colega
que estava ao volante. Monsieur Nez tornou a recorrer a seu
radinho, dizendo:
— Viram o veículo que segue para o sul, em direção a
Fontainebleau?
— Oui, Monsieur.
— Vamos atrás dele. Continuem mantendo distância.
Dois minutos mais tarde, o carro onde se encontravam
“Baby” e seus companheiros tomava o rumo sul pela estrada
Nacional 7.
— Não dispomos de um mapa das estradas? — perguntou
Lili Connors.
— Não é necessário — respondeu Johnny-Paris,
voltando-se para o banco traseiro. — Conhecemos bem todas
elas. Monsieur deve conhecê-la melhor ainda.
— Seguimos em direção a Fontainebleau — insistiu Nez,
Minutos depois, não houve necessidade de comentário
algum por parte de Monsieur Nez. O veículo seguido, de
acordo com nova informação, abandonou a estrada Nacional
7 e seguiu por um desvio à esquerda, para Corbeil.
Decididamente, o Peugeot 504 dirigia-se a Fontainebleau.
Deixou a localidade de Corbeil para trás e continuou rumo
ao sul. A partir de Milly, porém, deixou de ir para o sul,
mudando o rumo para oeste, pela Nacional 191, em direção a
Étampes.
— É absurdo — murmurou Monsieur Nez.
— Se queriam ir para Étampes, por que deram a volta por
Corbeil e por Milly?
— A rota é ilógica, Monsieur? — perguntou Lili.
— Torna o percurso um pouco maior.
— Vamos detê-los — disse “Baby”. — Mande dois
carros se adiantarem e cortar a passagem alguns quilômetros
depois. Aí nós nos aproximaremos pela retaguarda. A
perseguição acabou.
— Se fizermos isso, não nos levarão à base — lembrou
Johnny-Paris.
— Nenhum de nós pensou no apoio de um helicóptero,
hem? — exclamou Brigitte.
— Tínhamos dois em Orly, mas como eles usaram um
carro, não foi necessário...
— Coloque o suplemento em seu rádio e comunique-se
com os Johnnies de Orly. Mande-os vir imediatamente com
o helicóptero.
Johnny-Paris estava colocando o suplemento no rádio,
quando o chamado ecoou;
— Estão fazendo sinais com os faróis do carro.
— Que há diante deles? — perguntou Lili.
— Nada. A estrada é escura. Bem, de vez em quando
cruzamos com algum veículo.
— A que distância estão do carro em questão?
— Duzentos metros, mais ou menos. Chegar mais perto
pode ser demais.
— A brincadeira acabou. Avancem com um dos carros e
cortem a passagem do Peugeot.
— Estamos ouvindo o barulho de um helicóptero —
informou o espião.
— Alcancem o Peugeot — cortou Brigitte. — Acelere,
Johnny! A toda a velocidade.
O automóvel de Monsieur Nez voou pelo asfalto. Johnny-
Paris acabou de colocar o suplemento no radinho e
transmitiu a ordem para os dois helicópteros decolarem de
Orly. Monsieur Nez, por intermédio de seu rádio, também
ordenou a seus homens que se aproximassem do carro
perseguido. Lili Connors baixou o vidro da janelinha e
debruçou-se, olhando para o céu. Avistou ao longe as luzes
regulamentares de um helicóptero.
— “Baby” — soou a voz do agente da CIA, pelo radinho.
— Fale! Que aconteceu agora?
— Pararam o carro e o deixaram abandonado na estrada.
— Onde estão eles?
— Meteram-se no bosque, à esquerda. Perdemos os
pássaros de vista.
Johnny-Paris soltou uma praga. O Johnny-motorista
aumentou a velocidade. Em poucos segundos, chegaram ao
ponto onde se concentravam os carros dos agentes franceses
e norte-americanos. Alguns homens corriam bosque adentro.
Sobre o ponto para onde se dirigiam, surgiu o helicóptero.
— Peguem todas as lanternas disponíveis — gritou Lili.
Vários tiros ecoaram, acompanhados por gritos e pelo
barulho do motor do helicóptero. “Baby” correu para o
bosque, levando na mão direita a pistolinha de cabo de
madrepérola e na esquerda a lanterna esferográfica que
apanhara rapidamente na maletinha vermelha. O delgado
feixe de luz ajudou a espiã a esquivar-se dos pinheiros. Seus
sapatos, porém, não serviam para aquela caminhada.
Desequilibrou-se várias vezes nos saltos altos. Parou um
instante e resolveu prosseguir, descalça.
Mais tiros ecoaram no bosque. “Baby” viu o faiscar das
armas. Ficou furiosa. Por que não previram a ação de um
helicóptero? Por que nem todos os agentes usavam armas
com silenciador? Na certa, eram os franceses que atiravam
sem silenciador. O ruído do motor do helicóptero continuava
a se ouvir, mas seu vulto desapareceu entre as copas dos
pinheiros. Sem dúvida, havia pousado ou estava suspenso a
poucos centímetros do solo.
Brigitte tropeçou e caiu de bruços. Rolou de lado e
apontou a lanterna para o obstáculo que a derrubara. O foco
de luz mostrou os olhos de um homem caído de barriga para
cima. A espiã ajoelhou se ao lado dele e identificou-o logo:
Hans Werther. Não precisou examiná-lo, para saber que
estava morto.
Vários círculos de luz, mais amplos que o da lanterninha,
iluminaram o cadáver de Werther.
— Está louca? — exclamou Johnny-Paris. — Não devia
arriscar-se desse modo.
— Continuem — cortou “Baby”. — Se for preciso,
derrubem o helicóptero. Não percam tempo!
Outros tiros ecoaram no fundo do bosque. Mais fortes,
mais nítidos. Lili Connors calculou o que aquilo significava
e deixou-se cair no chão, desanimada. O helicóptero se
afastava. Por isso o barulho do motor não abafava mais os
tiros. Apagou a lanterninha e olhou para o céu, por entre as
copas dos pinheiros. Viu ao longe as luzes do aparelho em
fuga, misturando-se com as estrelas. Lili tornou a acender a
lanterna. Voltou-a para o pé esquerdo e enrugou a testa, ao
ver sangue no calcanhar. Ora, não seria um simples arranhão
que iria deixar “Baby” fora de circulação.
Quando alguns agentes americanos e franceses se
aproximaram, ela já havia colocado um pedaço de
esparadrapo no pé. Em silêncio, um dos ianques entregou-lhe
os sapatos. Monsieur Nez, arquejante, abaixou-se junto ao
cadáver de Hans Werther e o revistou. Um de seus homens
apoderou-se da pistola de Werther, caída a quatro passos de
seu dono.
— Não encontrará coisa alguma capaz de informá-lo
melhor — disse Lili.
Nez balançou a cabeça afirmativamente mas continuou a
revista. Os homens foram chegando, do fundo do bosque.
Johnny-Paris adiantou-se, parou diante de Brigitte e apontou
para trás, dizendo:
— Agarramos um. Está ferido.
— Os outros dois escaparam?
— Infelizmente — balbuciou o espião.
— Vamos ter muitas complicações por causa disso —
vaticinou “Baby”.
Aproximou-se dos quatro homens que carregavam o
ferido: Felix Roche. Por um instante, Lili Connors ficou
esperançosa, imaginando que Roche fosse o chefe do grupo.
— Falta de sorte, Roche — disse ela, encarando o ferido,
— Se colaborar conosco, talvez consiga sair bem de tudo
isso, Para onde vai o helicóptero?
Felix Roche não respondeu.
— Que tipo de ferimento ele tem? — perguntou Lili,
voltando-se para um dos agentes,
— Foi atingido numa perna e nas costelas. Nada grave,
mas o suficiente para impedi-lo de correr.
— Levem-no para um dos carros.
— Você estava certa — disse Nez, levantando-se. — Não
encontrei nada interessante.
— Precisamos de uma clínica discreta para onde
possamos levar o ferido.
— Não há problema. Eu me ocupo dessa parte.
— Ótimo. Vamos esperar os dois helicópteros. Um deles
transportará o ferido para a clínica. Tratem de revistar tudo
por aqui. Talvez encontremos algo digno de interesse. E
esvaziem a estrada para o tráfego prosseguir normalmente.
Cuidado com esse homem! Precisa estar em perfeitas
condições, amanhã cedo, quando eu for visitá-lo, para fazer
umas perguntinhas... que ele será obrigado a responder.

CAPÍTULO QUINTO
Corrida de motocicleta

— Muito bem — murmurou a belíssima loura, sentando-


se junto à cama do ferido.
— Já estamos reunidos de novo, amigo Roche. Como vai
passando?
Eram oito da manhã. O sol entrava pela janela do quarto
da clínica. Um sol fraco ainda.
— Podia ter sido pior — respondeu o ferido, encarando
Lili.
— Sim — admitiu ela, sorrindo. — Você poderia estar
morto, como seu companheiro Hans Werther. Isso seria
muito pior, sem dúvida.
— Não direi nada — rosnou Felix Roche.
— Compreendo. Você é masoquista.
— O quê?
— Masoquista. Gostaria de sofrer e, por isso, nega-se a
cooperar. Já deve ter imaginado que passará maus
momentos, se não responder às minhas perguntas, hem?
— Quem é você?
— A agente “Baby”, da CIA. Já ouviu falar de mim?
— Não.
— Pior para você. Isso me demonstra que é um pobre-
diabo. Olhe, Roche, tenho, à minha disposição todos os
homens e meios da CIA e conto com o apoio do SDECE
francês. Estamos trabalhando juntos neste caso. Queremos
saber onde fica a base das trombetas da morte e quem a
dirige. Você vai dizer tudinho que sabe a respeito, garanto.
Pode escolher o meio: tortura, drogas e coisas parecidas... ou
um bate-papo tranquilo e delicado. Entendeu?
Felix Roche, muito pálido, balançou a cabeça
afirmativamente.
— E então? — insistiu Brigitte.
— Não direi nada.
— Já ouvi essa frase muitas vezes. Eu mesma a
pronunciei, em certas ocasiões. E sempre foi uma rematada
tolice. Você dirigia o grupo em Nova York? Se for assim,
poderá dizer-me a quem entregou o dinheiro do York
Manhattan Bank. A quem?
Felix Roche apertou os lábios. Por um instante, Lili
Connors fez o mesmo. Mas logo recuperou sua expressão
gentil.
— Você é um pobre bobo — murmurou ela, esboçando
um sorriso. — E será tratado como tal. Pela última vez:
vamos conversar... ou prefere dizer tudo em piores
condições?
Roche tornou a apertar os lábios. Lili levantou-se e, sem
acrescentar uma palavra, saiu do quarto.
— Então? — perguntou Johnny-Paris, que a esperava no
corredor, ansioso. — Que disse ele?
— Seremos obrigados a tratá-lo com menos delicadeza
— resmungou Brigitte. — Mas, no estado em que se
encontra, seria excessivamente cruel submetê-lo a torturas
físicas. Além disso, esse recurso sempre me desagradou.
Veremos que drogas Monsieur Nez pode proporcionar ao
nosso amigo. Por falar nisso, onde está ele?
— Atendendo a um telefonema urgente.
— De quem?
— Ignoro,
— Será possível conseguirmos um café?
Johnny respondeu com um gesto afirmativo. Um minuto
mais tarde, estavam numa saleta, tomando café e fumando.
Nez apareceu quatro ou cinco minutos depois. Ao ver sua
expressão, Brigitte compreendeu que algo ia mal. Muito mal.
— Café, Monsieur? — ofereceu ela, erguendo a cafeteira.
— Sim, obrigado — respondeu Nez, deixando-se cair
numa poltrona. — Seremos obrigados a soltar o prisioneiro.
Johnny-Paris estremeceu. Lili Connors acabou de servir o
café, sem se alterar.
— Deixá-lo ir embora? — exclamou o agente da CIA. —
Por quê?
— Ordens do senhor D’Estaing. Há meia hora ele
recebeu outro telefonema.
— Pelo jeito, o senhor D’Estaing é uma pessoa muito
acessível. — disse Brigitte, entregando a xícara a Monsieur
Nez. — Sim, agora me lembro. Há alguns anos convidou
alguns lixeiros para um almoço em casa dele. Muito
democrático, sem dúvida. Mais democrático seria pagar os
cem milhões de francos. Que tipo de ameaças recebeu desta
vez, como uma terrível represália?
— Se não soltarmos o ferido, uma grande desgraça
afetará toda a França.
— Que desgraça?
— Não foi especificada.
— Sei. O temor do desconhecido. Bem, sabendo do que
são capazes as trombetas da morte, ele tem razão de ficar
preocupado. Insistiram no pagamento dos cem milhões?
— Agora querem duzentos.
— Juros muito elevados, por um dia de atraso, não acha?
— perguntou Lili Connors, arqueando as sobrancelhas. —
Está certo. Soltaremos Felix Roche. Excelente este café,
Monsieur.
— Soltando esse homem, perderemos a pista do caso —
resmungou o francês. — O carro usado quando saíram de
Orly tinha placa falsa. Estão seguindo a pista, pelo número
do motor. Foi vendido há dois anos na Suíça, diretamente da
fábrica.
— Tudo muito bem pensado — balbuciou Lili, sorrindo.
— Como, quando e onde devemos soltar o nosso teimoso
prisioneiro?
— Devemos soltá-lo imediatamente, pondo um carro à
disposição dele. Na certa, sabe para onde se dirigir. Fomos
avisados de que não devemos segui-lo. Só se quisermos
complicar ainda mais as coisas.
Lili Connors ficou pensativa durante alguns segundos.
Levantou-se e fez sinal aos dois homens para acompanhá-la.
Quando entraram no quarto de Felix Roche, o ferido os
encarou com hostilidade, apertando os lábios. Lili ocupou a
mesma cadeira onde estivera sentada antes. Acendeu um
cigarro e o estendeu para o prisioneiro, que a observou com
desconfiança.
— Seu último cigarro — disse suavemente a espiã. —
Seus chefes acabam de condená-lo à morte, Roche.
— O quê?
— Exigiram e conseguiram que soltemos você. Devemos
pôr um carro à sua disposição e permitir que vá embora, sem
segui-lo. Seus chefes sabem que você é um osso duro de
roer, sem dúvida. Têm certeza que ainda não nos disse nada.
Confiam nisso e, antes de podermos trabalhá-lo
convenientemente, exigem sua liberdade. Mas de nada
adiantará, pois já o identificamos. Você, agora, passou a ser
um transtorno. Logo, quando aparecer no lugar onde o estão
esperando, morrerá. Quer ou não o cigarro?
— Não é verdade — arquejou Roche. — Não me
matarão. Nem sequer sei onde eles se encontram. Só sabia
onde deveríamos ser recolhidos pelo helicóptero, ao
voltarmos dos Estados Unidos. Não têm motivos para me
matar.
— Ouça: Werther morreu e você está ferido. Sabe o que
isso significa, naturalmente. Significa que foram
identificados, que sabemos muito a respeito de vocês. A
qualquer momento poderão ser úteis para obtermos outra
pista melhor. Não entendeu ainda? Werther morreu. Seus
companheiros Delmare e Berthou já foram eliminados. Só
resta você. É facílimo de compreender. Nós lhe oferecemos
uma proposta muito melhor. Você deve saber de alguma
coisa. De outro modo, não estariam tão interessados em
matá-lo.
— Não sei de nada!
— Sabe e pode falar a qualquer momento. Se o
conservarmos conosco, a França inteira correrá perigo, mas...
— Não — balbuciou Roche. — Não farei tratos com
vocês. Quero ir embora!
Lili Connors ficou imóvel um instante, encarando Felix
Roche. Em seguida, olhou para o cigarro que ainda segurava
entre os dedos. Apagou-o no cinzeiro e ficou de pé, dizendo
num fio de voz:
— Não chegará ao meio-dia com vida. Enfim, é você
quem quer assim. Paciência. Dentro de alguns minutos, terá
um carro à sua espera, na porta da clínica. Automático, é
evidente, para evitar a fadiga de dirigir, na medida do
possível. Poderá dirigir um carro automático?
— Sim... sim...
— Sinto muito, por você. Adeus, Roche.
***
O lado ferido doía muito, mas sabia que estava bem
enfaixado e poderia resistir até chegar ao ponto onde seria
recolhido. A perna incomodava menos. Felizmente tratava-se
da esquerda. A direita estava em forma para manobrar o
acelerador e o freio.
Felix Roche deteve o carro, de vez em quando, à margem
da estrada, esperando a aproximação de algum veículo que
lhe inspirasse confiança. Mas nada aconteceu.
Seguia pela mesma estrada da noite anterior. Dessa vez,
esperava não ter problemas.
Embora nada visse, tinha certeza de estar sendo seguido.
Afinal, lidava com a CIA e com o SDECE. As duas
organizações podiam agir de um modo sofisticado e quase
invisível. Sorriu, imaginando que haviam colocado
transmissores de sinais no automóvel. Isso de nada
adiantaria, quando ele abandonasse o carro e fosse recolhido
pelo helicóptero.
***
Dois quilômetros à retaguarda de Felix Roche, um
motociclista viajava também pela Nacional 191. Dirigia com
perícia uma Yamaha de 500 centímetros cúbicos. O
motociclista usava capacete vermelho e um macacão da
mesma cor. O velocímetro da poderosa máquina marcava
apenas setenta quilômetros por hora. Era o mesmo que usar
um cavalo de corrida para puxar uma carroça. Mas o
motociclista não aumentava a velocidade. Mantinha
constantemente a mesma distância de Felix Roche.
Como conseguia isso? Muito simples: não perdendo de
vista o minúsculo aparelho detector de sinais que prendera
ao velocímetro. Enquanto o emissor vibrasse com a mesma
intensidade, Roche estaria a dois quilômetros de distância.
Se algo falhasse, entrariam em ação todos os receptores
preparados para rastreá-lo por toda a França, se fosse
necessário.
A intensidade do sinal aumentou um pouco. Certamente
Roche tornara a parar, para verificar se estava sendo seguido,
O motociclista saiu da estrada e parou o motor. Tirou o
capacete que o incomodava... e uma cascata de cabelos
louros cobriu-lhe os ombros. Dois olhos verdes piscaram sob
o sol matinal. A estrada estava deserta naquele momento.
Lili Connors tirou o radinho do bolso do macacão. Ligou-
o e perguntou:
— Estão recebendo os sinais?
— Tudo em ordem — respondeu uma voz de homem. —
Continuo achando que você enlouqueceu... mas vai tudo
bem.
— Acalme-se, Johnny. Estou descansando um
pouquinho. Roche tornou a parar. Chamarei daqui a um
minuto.
Desligou o rádio e aguçou o ouvido. De longe chegou até
ela o zumbido de um helicóptero. A bela motorista guardou
o radinho e ligou a moto. Conforme fora previsto, vinham ao
encontro de Felix Roche. Só existia uma dúvida a respeito:
viriam para recolhê-lo e pô-lo a salvo... ou para eliminá-lo?
***
Aproximadamente a um quilômetro e meio do
motociclista, Felix Roche saiu do carro e fez sinais para o
helicóptero, que brilhava ao sol. O aparelho desceu
lentamente, como se o piloto estivesse indeciso. Roche
agitou os braços com mais insistência, suportando a dor nas
costelas. Gritou, atraindo a atenção para si,
De repente, levou as mãos aos ouvidos e caiu de joelhos,
como se tivesse sido fulminado. Seu rosto contorceu-se
horrivelmente e os olhos pareceram querer saltar das órbitas.
Cãibras alucinantes sacudiram seu corpo, provocando uma
dor insuportável, náuseas e vômitos amargos.
Felix Roche rolou pelo chão, debatendo-se de um modo
angustiante. Uma golfada de sangue seguiu-se aos vômitos.
Os olhos arregalaram-se ainda mais e Felix Roche
imobilizou-se.
***
Um quilômetro à retaguarda, a bela motociclista sacudiu
a cabeça, ao notar aquela pressão nos ouvidos. Resmungou
contra o capacete que a incomodava. Mas, ao sentir as
náuseas, compreendeu que o capacete acabava de lhe salvar
a vida, protegendo-a dos efeitos do infrassom. No reduzido
espaço de cinco metros, Lili Connors manobrou a moto,
colocando-a em sentido contrário, e voltou para a estrada, na
maior velocidade que a Yamaha permitia. Precisava afastar-
se ao máximo do helicóptero, que vira pouco antes.
Durante um quilômetro, a proteção do capacete e a
distância mantiveram Lili Connors a salvo. O mal-estar
começou a diminuir. De repente, por um dos espelhos
retrovisores da moto, tornou avistar o helicóptero que se
aproximava, perseguindo-a. A pressão nos ouvidos
reapareceu. A vista nublou-se. As cãibras e as náuseas
voltaram. Lili começou a ver as árvores dançarem ao seu
redor. No fundo de sua mente atordoada, acendeu-se uma luz
vermelha, dizendo: reduza a velocidade, ou acabará indo de
encontro a um pinheiro.
Reduziu a velocidade. Viu a árvore diante dela e fez uma
manobra. A roda traseira da Yamaha bateu em alguma coisa.
A moto rodopiou. Lili Connors foi expelida. Voou quatro ou
cinco metros, indo cair de cabeça no chão. Ainda protegida
pelo capacete, rolou por terra, chocando-se de lado contra
um pinheiro. Levantou-se e caiu, como fulminada por um
raio.
Quando dois homens, usando um estranho macacão e
protegidos por enormes óculos de vidro, a recolheram para
colocá-la no helicóptero, um filete de sangue escorria da
cabeça da bela motorista, aparecendo por baixo do capacete
vermelho... que era menos vermelho que o sangue.

CAPÍTULO SEXTO
O castelo

Levou alguns segundos para compreender que acordara


com o ladrar de uns cães.
Olhou para o teto. Era de pedra e muito alto. A um lado,
havia uma janela esquisita, mais alta que larga. Viu o céu
azul. Percebeu que estava inteiramente nua. Ao erguer um
pouco a cabeça, viu o macacão vermelho pendurado nos pés
da cama muito alta. Sentou-se. Notou que estava com a
cabeça enfaixada, ligeiramente acima da linha do cabelo.
Lembrou-se do capacete. Devia a vida a ele, sem dúvida.
Não só por tê-la protegido na queda. Fora ele quem a
protegera contra o zumbido nos ouvidos.
Levantou-se, apressada. No espelho do lavatório, viu sua
imagem refletida da cintura para cima. Os seios belíssimos
vibravam ainda. Aproximou-se do espelho e contemplou-se
demoradamente. Muito bem. Ali estava Brigitte Montfort e
não a louríssima Lili Connors. Brigitte Montfort, morena,
com seus lindos olhos azuis. Suspirou, achando um
verdadeiro milagre não ter morrido no acidente.
Onde se encontraria? Foi até à janela e olhou para fora.
Viu um pátio de calçamento de pedra. Alguns cães ladravam
alegremente, ao redor de um grupo de cavaleiros. Todos eles
usavam botas altas, calças bombachas e paletó esporte.
— Santo Deus! — balbuciou Brigitte, olhando ao redor.
— Isso é sonho ou estou mesmo num castelo?!
Lembrou-se que estava na França, e não nos Estados
Unidos. Ora, na França, não seria de espantar, encontrar-se
num castelo. Sim, estava num quarto, num castelo e a janela
abria para o pátio de armas, onde um grupo de cavaleiros se
divertia, cercado pelos cães de caça.
Voltou para junto da cama. Pegou o macacão vermelho e
vestiu-se, sem se preocupar com o fato do resto de suas
roupas íntimas ter desaparecido. Avançou para a porta de
carvalho, grossa, solidíssima, enorme, intransponível. Os
cães pararam de ladrar. Só se ouvia o relinchar dos cavalos.
— Não importa onde esteja — murmurou a espiã. —
Johnny me encontrará.
Claro que a encontrariam. Por uma razão muito simples:
ela engolira um poderoso emissor de sinais. Não tinham
posto um emissor daqueles no carro onde Felix Roche fugira.
Colocaram-no no ferimento das costelas, ao fazerem o
curativo. Por isso conseguira segui-lo com eficiência. O
mesmo aconteceria com ela. Por intermédio do emissor que
tinha no estômago, Johnny-Paris e Monsieur Nez não
levariam muito tempo para encontrá-la. Naquele momento,
uma rede de equipamento de detecção devia estar
funcionando, em busca da agente “Baby”.
E Felix Roche?
A divina espiã não tinha a menor dúvida a respeito. Fora
eliminado, com toda a certeza. Ela escapara aos efeitos das
ondas de baixa frequência por que usava o capacete de aço.
Tornou a olhar pela janela. O pátio estava deserto. O
silêncio era absoluto. Pela altura do sol, calculou que fosse
meio-dia. Ou um pouco mais.
Havia um armário no quarto. Enorme. Pesadão. Mas
estava vazio.
A agente da CIA deitou-se novamente e acomodou-se no
confortável colchão de lã de carneiro. Quinze ou vinte
minutos mais tarde, sentou-se na beira da cama, ao ouvir
ruídos fora do quarto. Segundos depois, a porta abriu-se.
Dois homens entraram, vestidos com roupas comuns. Um
deles empunhava uma pistola munida de silenciador. O outro
trazia uma bandeja com comida.
— Ah, já está melhor! — disse o segundo, em francês. —
Trouxemos qualquer coisa para você comer.
— Que significa isso? — perguntou Brigitte, fingindo
estar irritada e espantada. — Onde estou? Quem são vocês.
— É inútil fingir — respondeu o da pistola. — Temos as
suas coisas. Sabemos como agir em relação a você. Se está
viva, é porque nosso chefe deseja saber como obtiveram
pista de Felix e dos outros.
— Muito bem — murmurou Brigitte, sorrindo. — Então
cheguei até o Filhote, hem?
— Quem?
— O Filhote. É assim que eu chamo seu chefe, seja ele
quem for. Gostaria de saber o verdadeiro nome, é claro... e
outros dados... Quem é?
— Logo falará com ele. Trate de almoçar. Se quiser mais
alguma coisa, além do que está na bandeja, é só falar. Por
enquanto, temos ordens de ser gentis com você.
— Ótimo. Hum, a comida parece gostosa — exclamou a
agente da CIA, examinando a bandeja. — O vinho é da
região?
— O vinho? É um...
— Cale-se — cortou o da pistola, secamente. — Vamos
embora. Nada de complicarmos a vida, companheiro.
— Perguntei apenas se o vinho é desta região —
protestou Brigitte. — Que tem isso de mau?
Não recebeu resposta. Os dois homens saíram e fecharam
a porta. Brigitte almoçou tranquilamente. Na falta do que
fazer, resolveu dormir a sesta. Acordou mais tarde, com o
barulho de um motor. Pulou da cama e correu para a janela.
Precisou ficar na ponta dos pés, agarrando-se às grades, para
ver os carros no pátio de armas. Os dois veículos passaram
por um portão largo e desapareceram. O silêncio voltou a
imperar.
Quinze minutos depois, os dois homens reapareceram.
— Venha — disse um deles.
Brigitte os acompanhou. Saiu do quarto. Passaram por
um corredor para onde abriam outras portas iguais à do
quarto. Uma escadaria levava ao andar inferior. Ao descer os
degraus, a divina espiã observou que havia manchas mais
claras nas paredes. Como se tivessem tirado quadros há
muito tempo ali pendurados.
Chegaram a uma porta no vestíbulo. Um dos homens
bateu com a culatra do revólver e empurrou uma das folhas
da porta. Brigitte entrou. Viu o Filhote. Bastou olhar para ele
e compreendeu que só um homem como aquele poderia dar
ordens no castelo. Era alto, atraente, elegante. Aparentava
quarenta anos, mais ou menos. Os olhos escuros e
inteligentes combinavam com a pele bronzeada. O terno
devia ter sido feito por um dos melhores alfaiates da Europa.
Os cabelos, sem dúvida, eram cuidados pelo melhor
barbeiro. Tudo nele deixava transparecer classe e distinção.
Assim era o Filhote.
Um dos homens cochichou qualquer coisa ao ouvido
dele. Algo divertido, porque o fez sorrir. Despachou os dois
com um gesto autoritário. Os dois foram colocar-se diante da
porta fechada,
— Devo admitir que a senhorita é tremendamente
simpática e interessante — murmurou, aproximando-se de
Brigitte. — Sua argúcia ao perguntar se o vinho era desta
região, para descobrir pela etiqueta da garrafa onde se
encontrava, me divertiu, confesso. O que mais me divertiu,
porém, foi o nome que me deu: Filhote.
— Precisava de um modo de chamá-lo. É você quem
dirige tudo isso?
— Sim. Por que me batizou com o nome de Filhote?
— Foi esse o nome que demos ao aparelhinho colocado
por seus homens no banco de Nova York. Nós o chamamos
assim, porque deduzimos que você dispunha de irmãozinhos
maiores... Talvez mesmo, do chefe da família. Por isso,
aquele brinquedinho foi batizado de filhote.
— Muito interessante! — exclamou o Filhote, rindo.
— Seria mais interessante saber quem você é.
— Chame-me de Filhote. É suficiente — disse o homem
elegante, tornando a rir.
— Por que esperou ficar sozinho comigo, para
conversarmos? Não quis que eles soubessem que está tendo
complicações?
— Ah, é muito perspicaz, realmente! — exclamou o
Filhote.
— Não. Sou inteligente.
— Sim — admitiu o Filhote, enrugando a testa. — Deve
ser, não há dúvida. Inteligente e... corajosa. É preciso
coragem para montar numa moto e rastrear Felix, sabendo
que só poderia ter dificuldades.
— Minhas dificuldades estavam previstas,
— Sei disso. Infelizmente para você, as previsões de nada
adiantaram. Uma das primeiras iniciativas de meus homens,
ao recolhê-la, foi ministrar-lhe um vomitório. Assim,
expulsou de seu estômago o minúsculo aparelho que
suponho ser um emissor de sinais. Veja-o.
Tirou do bolso o aparelhinho, enrolado num pedaço de
gaze branca. Sorriu, ao notar o gesto inquieto de Brigitte, e
apontou para um lado do salão, para onde se dirigiu. Brigitte
o acompanhou. Em cima de uma mesa, estava o arsenal da
divina espiã, todo o conteúdo da maletinha vermelha:
passaportes, dinheiro, escova de cabelos, o secador, a câmara
fotográfica, o binóculo de teatro, que era, ao mesmo tempo,
um visor para microfotos e diapositivos, o pente com punhal
oculto no cabo, os potes de creme facial que camuflavam as
cápsulas de gás. Tudo. Também ali se encontravam o
radinho e a pistolinha de cabo de madrepérola. Tudo, enfim.
— Tenho a impressão de que acabo de obter uma peça
importante — disse o Filhote, com um sorriso gentil. — Não
só pela sofisticação de sua bagagem, como pelos
passaportes. Fiquei intrigado, acredite. Quem seria você,
afinal? Qual das três mulheres, cujos passaportes estavam no
fundo falso da maletinha vermelha? Seria a loura Lili
Connors, a morena Galina Cherkova, russa, ou Brigitte
Montfort, de olhos azuis e americana, como Lili Connors?
Fiquei maravilhado, confesso. Resolvi examinar seu corpo e
cheguei à conclusão de que tenho diante de mim a senhorita
Brigitte Montfort, jornalista e americana. Acertei?
— Talvez,
— Seu aspecto mais indicado é o de Brigitte Montfort.
Logo, vou chamá-la de senhorita Montfort. Oh, sente-se, por
favor!
Brigitte sentou-se. O Filhote fez o mesmo. Ofereceu
cigarro à agente da CIA e o acendeu com um isqueiro de
ouro.
— Agora diga-me, senhorita Montfort: como
conseguiram a pista de Felix Roche e dos outros três? Que
aconteceu, exatamente? Se sua explicação não me acalmar,
serei obrigado a lançar mão de um irmãozinho maior daquele
filhote. Compreendeu?
— Sim.
— Então?
— Li a notícia do assalto ao banco num dos jornais de
Nova York. Achei esquisito todos os funcionários e clientes
terem padecido dos mesmos incômodos. Fui até lá e descobri
que, dias antes do roubo, haviam mudado um condicionador
de ar. Vi o filhote e compreendi que os assaltantes voltariam
para apanhá-lo. Uns amigos e eu os esperamos.
— Isso é fantástico! — exclamou o Filhote. — É
inteligente de verdade, senhorita Montfort! Sabe de uma
coisa? Talvez essa inteligência salve sua vida. Seria um
desperdício matá-la! Estou pensando em dá-la a Espectrus.
— A quem?
— A Espectrus. Oh, mas a senhorita não sabe de quem
estou falando, é claro! Trata-se de um amigo. Um amigo
extraordinário e especial, que me emprestou dinheiro para
meus projetos e...
— E que cobrou o favor graças ao assalto ao York
Manhattan Bank? Foi a ele que Roche e os outros
entregaram o dinheiro, sem necessidade de trazê-lo para a
Europa, hem?
— Exatamente — exclamou o Filhote.
— Logo, esse tal Espectrus está nos Estados Unidos e não
aqui. Prepara algo semelhante ao que você pôs em marcha na
França?
— Não — respondeu o Filhote, após um instante de
reflexão. — Espectrus nada tem a ver com isso. É um amigo,
apenas, e me prestou um favor. Tenho certeza de que ele
gostará de possuir um espécime como a senhorita, para
estudar. Mas deixemos isso para mais tarde. Depois
telefonarei para ele nos Estados Unidos e direi que vou
enviar uma moça inteligentíssima, chamada Brigitte
Montfort, residente em Nova York, jornalista, norte-
americana, etc. Bem, tenho todos esses dados no passaporte.
Falemos de nós, do atual, do presente. Os homens que a
acompanharam são... jornalistas, também?
— Naturalmente.
— Não tenho interesse algum em lhe fazer mal, senhorita
Montfort. Prefiro que chegue sã e salva às mãos de
Espectrus. Mas se teima em não me informar com a verdade
que necessito, a fim de tomar minhas precauções, serei
obrigado a... incomodá-la. Entendeu?
— Trabalho para a CIA. Os homens que me apoiaram são
da CIA e do SDECE.
— Eles a estiveram apoiando? Então a senhorita dirigiu
tudo isso, pessoalmente?
— Sim.
— Muito bem. Que mais sabem seus amigos, além do
que já ficou provado até agora?
— Nada mais.
— Eles a perderam de vista e ficaram completamente
desorientados, hem?
— Parece.
— Não se preocupe — murmurou o Filhote, sorrindo. —
Vou presenteá-la a um amigo. Logo, sua sobrevivência está
garantida... por enquanto. Se seus amigos da CIA e do
SDECE me causarem o menor aborrecimento, a França
inteira lamentará... antes do mundo.
— Antes do mundo? — balbuciou Brigitte. — Que quer
dizer com isso?
— Direi, primeiro, outra coisa. Será tolice tentar fugir do
castelo. Sendo espiã, deve estar bem treinada para resolver
dificuldades de todos os tipos. Neste caso, porém, de nada
adiantarão seus conhecimentos. Mesmo que conseguisse
desembaraçar-se de meus homens, não escaparia dos cães.
Eles a destroçariam antes de chegar aos muros externos.
Muros intransponíveis, diga-se de passagem. Compreendeu?
— Claro. Devo comportar-me como uma hóspede bem-
educada.
— Gostei de você. Palavra! Não só do seu aspecto...
intelectual. Do físico, também. É lamentável nesses dias eu
não dispor de tempo, nem me sentir com disposição para o
sexo.
— Quem perde é você — sussurrou Brigitte, sorrindo.
O Filhote riu e levantou-se, consultando o relógio de
pulso, sempre com gestos sóbrios e elegantes. Em seguida,
acrescentou:
— Por outro lado, a ideia de você poder me superar em
alguma coisa parece-me absurda. Espero que tenha
compreendido isso.
— Julga-se superior a mim, em todos os sentidos?
— Naturalmente. Em todos.
— Parabéns, belo gênio!
O Filhote tornou a consultar o relógio de pulso.
Aproximou-se de Brigitte, estendeu- lhe a mão e disse com
suavidade:
— Venha. Vamos ver um pouco de televisão. Espero que
o senhor D’Estaing tenha refletido de modo mais inteligente
sobre sua capacidade de me enfrentar.
— Esperemos que sim — disse Brigitte. — Pobre
homem! Como ousou recusar-se a obedecer a você?! Infeliz!
E pensar que um homem desses é o presidente da França...
— Acompanhe-me — ordenou o Filhote, rindo. — Está
conquistando toda a minha simpatia. Logo vou permitir que
assista a um... eletrizante programa de televisão!

CAPÍTULO SÉTIMO
O programa de televisão

Cinco minutos mais tarde, Brigitte estava no porão do


castelo. Mal pôs os pés ali, compreendeu onde haviam ido
parar os quadros e as tapeçarias que dera por falta no
vestíbulo e no salão, Foram transformados em dinheiro para
adquirir o conjunto eletrônico de aparelhos de todas as
espécies, que ocupavam o enorme subterrâneo.
— Não se pode comparar às instalações da NASA, bem
sei — disse o Filhote, — Mas não necessito mais que isso,
para ser poderoso, Mais que a NASA, Mais que qualquer
exército deste planeta.
Brigitte não fez comentários, observando a meia dúzia de
homens que se movimentava pelo porão, cuidando dos
diversos aparelhos. O Filhote parou diante de alguns,
semelhantes a pequenos morteiros, e disse com satisfação:
— Aqui tem alguns Hertz. O mecanismo de disparo é
mais volumoso que o de um morteiro convencional. Mas não
atiram bombas. Apenas ondas hertzianas. Entende disso,
senhorita Montfort?
— Pouca coisa.
— É pena. Tentarei explicar com simplicidade, para fazê-
la compreender. Estas máquinas atiram apenas sons.
Infrassom, para ser mais exato. Foram montadas para emitir
até 200 Hz. A potência pode ser regulada, naturalmente. Se
fizermos baixar o infrassom ao mínimo, isto é, a 200 Hz,
conseguiremos derrubar completamente a Torre Eiffel. Isso
ficou demonstrado em parte. Fomos prudentes com a Torre...
mas podemos mudar de ideia e transformá-la num monte de
ferro velho em alguns segundos. Mas esses são os filhotes
menores. Venha ver os outros.
Levou-a para diante de uns que se assemelhavam a
pequenos canhões.
— Com estes podemos baixar até 50 Hz. Descreverei em
poucas palavras para a senhorita entender. Com um só destes
Hertz, posso derreter qualquer obstáculo, desde um bloco de
cimento de cem toneladas que se esfacelaria como se fosse
de açúcar, até triturar a mais poderosa nave de guerra
fabricada no mundo, atualmente. Sem contar que os efeitos
das ondas causariam uma mortandade humana de proporções
jamais imaginadas. A expansão do infrassom alcança perto
de cinquenta quilômetros de raio. Já imaginou?
— Infelizmente, sim — sussurrou Brigitte.
— Ótimo! Sabe que os Estados Unidos possuem um
Hertz, cujos tubos acústicos têm o comprimento superior a
vinte e cinco metros e cujo rebaixamento nas ondas
hertzianas é inferior à escala 4?
— Não. Não sabia.
— Pois é. De modo que os Estados Unidos e outros
países mais discretos entendem com que os estou
ameaçando. E isso os deixa apavorados. Pense numa coisa:
se eu instalar um de meus Hertz numa colina perto de
Washington e atirar, a cidade ficará transformada em ruínas.
Todos os habitantes morrerão. Numa questão de segundos,
apenas, Compreende?
— Sim. Mas não entendi ainda o que pretende com tudo
isso. Que busca? Que espera conseguir? Qual é o seu
objetivo... final?
— Pergunta inteligente. Que diria, se eu dispusesse de um
tubo acústico de... cinquenta metros de comprimento,
digamos? Com uma frequência abaixo da escala 1 de ondas
hertzianas, hem?
— Diria que só o fato de construir semelhante engenho,
já é uma monstruosidade. Só por pensar na construção dessa
trombeta da morte, merecia ser executado.
— Ah! Vejo que já se deu conta do inacreditável,
inexplicável poder de uma trombeta da morte, como você
chama esse aparelho. Até onde chega sua imaginação a
respeito do poder desse tubo acústico, dessa trombeta da
morte?
— Não sei... Seria uma coisa monstruosa. Poderia acabar
com toda a humanidade.
— Com a humanidade? — exclamou o Filhote, rindo. —
Sua imaginação é muito curta, senhorita Montfort. Um tubo
acústico dessas dimensões, com um infrassom inferior à
escala 1, faria muito mais que acabar com toda a
humanidade.
— Mais? Que mais se pode fazer?
O Filhote revirou os olhos e contemplou a espiã
americana com ar satisfeito. Sorrindo como um menino
travesso, tomou-a pelo braço e disse:
— Vamos ver a televisão. Perguntou o que mais se pode
fazer? Direi, em parte. E provarei se, antes de um mês, não
tiver recebido a submissão absoluta e incondicional de todos
os países do mundo. Daqui a uma semana, serei coroado
Imperador da França. Depois, de Paris, dirigirei o mundo que
estará aos meus pés. Não falo por metáforas. O mundo
inteiro estará aos meus pés. E aos pés da França,
naturalmente. Quer saber que mais se pode fazer, além de
acabar com toda a humanidade? Podemos acabar com o
planeta Terra. Se eu disparasse um tubo acústico de
cinquenta metros de comprimento, por três de diâmetro,
escudado na potência correspondente, o planeta Terra se
esfacelaria. Se abriria em dois como uma casca de noz sob o
impacto de uma martelada. Depois disso não existiria
humanidade alguma. Nem existiria o planeta Terra. Salvo
alguns pedaços que se perderiam no espaço. Sabe o que me
deixa intrigado?
— Não.
— O que aconteceria com o mar. Para onde iria, se o
planeta explodisse? Tem alguma ideia sobre isso?
— Não — murmurou Brigitte, suspirando. — Nenhuma.
— Tenho alguns cientistas estudando esse ponto. Breve
terei algumas teorias.
— Dispõe desse tubo acústico de cinquenta metros com a
potência de 1, em infrassom? — perguntou a espiã.
— Acha possível possuir um tubo dessa envergadura?
— Não sei.
— Poderia ter, realmente — prosseguiu o Filhote,
satisfeito. — Talvez fazendo por seções, na Alemanha, e
soldando todas elas, com, a ponta voltada para o interior da
terra. Aí só me faltaria o maquinismo elétrico com a potência
suficiente para conseguir o infrassom da escala 1 Hz, não é
mesmo? Esse equipamento, porém, custaria caríssimo. Por
exemplo: cem milhões de francos. Talvez duzentos. Acha
possível?
Brigitte Montfort estava pálida. Não era a primeira vez
que se encontrava diante de alguém com um cérebro
diabólico. O Filhote, entretanto, causava-lhe uma
repugnância muito maior que todos os outros que conhecera
antes. De repente, a divina começou a rir.
— Disse algo divertido? — perguntou o Filhote,
arqueando as sobrancelhas.
— Pelo amor de Deus! Estão todos loucos! Refiro-me a
você e as seus homens. Não àqueles que vivem presos nos
manicômios. Não são esses os verdadeiros loucos! São
vocês... os gênios ambiciosos! E quem os controla e os
alimenta, protegendo-os nessas invenções terríveis. Que
espera, afinal? Ser Imperador da França... do mundo? Ora, é
mais divertido ser acrobata, por exemplo! Ou porteiro de
cinema, diretor de orquestra, palhaço, criança, avó, capitão
de um time de beisebol, floricultor ou... pássaro, cão, flor,
nuvem...
— Você é que está louca — rosnou o Filhote. —
Completamente louca!
— Nesse caso, não precisará enviar-me de presente a seu
amigo Espectrus. Que faria esse outro gênio, com uma
louca? Sem dúvida Espectrus é outro gênio, hem? E que
procura ele? Que pretende? Ser adorado pelo mundo inteiro
como o mais genial de todos os gênios? Que está inventando
ou descobrindo? O modo dos seres humanos poderem voar?
O segredo da saúde eterna? Ou talvez a bondade pura. Quem
sabe se ele está descobrindo a origem da vida e do homem
ou das moscas?
— O medo a deixou transtornada, senhorita Montfort.
Acalme-se.
— Acalmar-me? Papagaio! Você é o sujeito mais
engraçado que já conheci em toda a minha vida! Que
pretende? Acabar com o mundo, caso não o coroem
imperador? Pois pode ir preparando sua trombeta da morte,
porque os imperadores do mundo não lhe entregarão o cetro.
Quantos anos gastou, traçando esses planos? Cinco, seis,
oito? Coitadinho! Os outros imperadores do mundo já
possuem suas trombetas de morte e muitas outras armas,
fique sabendo. Acha que eles lhe entregarão o planeta? Pois,
sim! Antes, farão com o mundo o que você está pensando
fazer. Mandarão tudo para o inferno!
— Está atordoada, É melhor ir descansar um pouco.
— Não, não! Não me convidou para assistir a um
programa de TV?
— Perfeitamente. Veremos se acha tanta graça no que vai
ver — murmurou, dirigindo-se a Brigitte. Elevando a voz,
ordenou: — Televisão geral!
Numa das paredes havia um painel com diversos vídeos.
Um dos técnicos ligou os aparelhos e as oito telas se
acenderam. Cinco delas transmitiam os canais da televisão
francesa. As outras três recolhiam imagens de diversos
lugares, estando as câmaras montadas em vários pontos do
Museu do Louvre, em Paris.
— Daqui a três minutos, Giscard D’Estaing vai aparecer
— disse o Filhote, tornando a consultar o relógio de pulso.
— Se não aparecer, ou se recusar a entregar-me duzentos
milhões de francos, verá como funcionam as trombetas da
morte. Observe aquelas três telas. Estamos recebendo
imagens de três unidades de circuito fechado,
estrategicamente colocadas ao redor do Louvre e trabalhando
com teleobjetiva. Junto de uma dessas unidades de TV,
numa posição de grande visibilidade, tenho um dos meus
Hertz, Posso fazer o disparo de som em ângulo muito aberto,
abarcando um espaço bastante vasto. Se o disparo for feito
em ângulo bem aberto, o Louvre desmoronará e milhares de
pessoas morrerão. Se o ângulo for bem fechado, só afetará o
Museu... que ficará transformado em ruínas. Talvez a
senhorita tenha oportunidade de assistir ao espetáculo...
enquanto milhões de franceses chorarão amargamente.
Brigitte ouviu as explicações do Filhote, observando
atentamente os vídeos de televisão. Um silêncio pesado
tomou conta do subterrâneo do castelo. Todas as pessoas ali
reunidas concentravam a atenção naquelas oito telas.
— Dupré! — chamou o Filhote.
— Pronto, senhor — respondeu um dos homens,
adiantando-se.
— Comunique-se com a unidade que maneja o Hertz.
Mande preparar o disparo em ângulo direto, por enquanto.
Dupré sentou-se diante de um consolo de emissão e
passou a ordem ao grupo de homens que cuidava da
trombeta da morte apontada para o Louvre.
— Está na hora — disse o Filhote, secamente. — O
senhor D’Estaing não aparece para dar a resposta. Dupré!
Mande preparar o disparo.
— Espere — gritou Brigitte, assustada. — Seu relógio
pode estar adiantado. Dê mais alguns minutos.
— Cale-se! — cortou o Filhote. — Nemours! Gilbert!
Façam essa mulher calar a boca! Dupré! Mande a ordem de
atirar!
Os dois guardiães, que haviam permanecido afastados,
aproximaram-se rapidamente de Brigitte e apontaram as
pistolas para o peito dela. O olhar da espiã fixou-se nas três
telas onde aparecia o Museu do Louvre. A ordem de Dupré
aos homens que manejavam a trombeta da morte ecoou ao
longe. De repente, na tela que mostrava a fachada do museu,
algo se passou. As paredes começaram a ficar gretadas e
uma coluna desabou como se fosse de barro seco. Uma
rachadura irregular tomou conta da fachada, como um
estreito caminho cortado na pedra. Uma parte do prédio
desabou, levantando uma nuvem de pó.
Nas outras telas dos canais normais franceses, apareceu
um locutor, dizendo:
— Senhoras e senhores: o presidente da França.
A fisionomia de Giscard D’Estaing surgiu sem maiores
protocolos. Brigitte desviou o olhar para o Filhote, no
momento em que ele ordenou:
— Dupré! Mande cessar o disparo!
A ordem foi transmitida imediatamente. O Museu do
Louvre, com a fachada consideravelmente danificada, parou
de sofrer os efeitos das ondas de baixa frequência.
A voz do presidente da França ecoou, lenta, serena,
nítida. Ao ouvi-lo falar, Brigitte Montfort sentiu-se mais
aliviada. O governo francês aceitava as exigências do
pagamento de duzentos milhões de francos. Em nome da
França, o senhor D’Estaing garantia a entrega do dinheiro a
quem estava em condições de causar tantos danos ao país.
— Conseguimos! — gritou o Filhote. — Conseguimos!
Chegaremos ao final!
Sua alegria contagiou os outros homens. O senhor
D’Estaing continuou falando pausadamente. Mas no
subterrâneo do castelo ninguém ouvia. Todos gritavam,
felicitando-se e rindo. Brigitte observou aquele júbilo como
quem assiste a uma brincadeira de macaquinhos
domesticados.
— Levem-na daqui — ordenou o Filhote. — Temos
muito trabalho. Esta noite deve estar concluído. Levem-na!
Gilbert e Nemours apontaram as pistolas para a porta. A
espiã suspirou e encaminhou-se para a saída.
***
A porta do quarto-cela abriu-se. Nemours e Gilbert
apareceram. Atrás deles, sorridente, estava o Filhote. Brigitte
voltou-se para eles e encarou o chefe das trombetas da norte.
Segundo os cálculos da agente da CIA, eram nove da noite.
— Desculpe se a esquecemos durante estas horas — disse
o Filhote, sorrindo. — Estivemos muito ocupados. Daqui a
pouco lhe servirão o jantar. Depois de amanhã,
possivelmente, será enviada para os Estados Unidos, onde
meu amigo Espectrus a espera, ansioso para conhecer a
mulher inteligente que eu descrevi.
— Já falou com ele?
— Há alguns minutos. O telefone foi uma grande
invenção, não acha?
— Existem outras melhores.
— Sem dúvida — exclamou o Filhote, rindo.
— Tudo em ordem?
— Oh, sim! As condições para a entrega do dinheiro já
estavam bem estudadas. O caso se resolverá ainda esta noite.
O senhor D’Estaing concordou com tudo, naturalmente.
— Como será feita a entrega?
— Não se preocupe com essas coisas. Seu destino já está
traçado. Digo-lhe apenas o seguinte: amanhã eu me terei
transformado no homem mais poderoso do planeta Terra.
— Só porque tem duzentos milhões de francos? —
perguntou Brigitte, arqueando a sobrancelha,
— Por ter o que se pode comprar com parte desse
dinheiro. Terei tudo, finalmente! Bem, não posso conversar
mais com a senhorita. Quis apenas certificar-me de que está
bem. De que meu presente para Espectrus encontra-se em
perfeitas condições. Além de alimentá-la, posso fazer mais
alguma coisa?
— Sim: morra!
O Filhote espantou-se ligeiramente. Logo soltou uma
sonora gargalhada. E, sem parar de rir, saiu do quarto.
Brigitte tornou a ficar sozinha, depois que a sólida porta de
carvalho se fechou pelo lado de fora.

CAPÍTULO OITAVO
O fim do mundo

Acordou assustada com o barulho. Sem acender a luz,


aproximou-se da janela. Distinguiu os carros e um caminhão
pequeno. Ouviu a voz do Filhote. Que horas seriam?
Calculou entre três e cinco da madrugada.
Muitos homens movimentavam-se no pátio.
Descarregavam o caminhão. Qualquer pessoa com uma
inteligência menos privilegiada que a senhorita Montfort
compreenderia que estavam descarregando algo relacionado
aos Hertz do Filhote. Não podiam ser tubos de três metros de
diâmetro por cinquenta de comprimento, naturalmente.
Seriam os sistemas elétricos que produziam o infrassom
inferior a 1 Hz? Se fosse, o que significaria? Que o Filhote já
dispunha dos tubos? Que estaria tramando realmente aquele
desequilibrado?
A atividade no pátio durou mais de uma hora. Em
seguida, o caminhão foi embora. Os dois automóveis
ficaram. O silêncio tornou a imperar. Brigitte deitou-se
novamente e continuou avaliando os riscos do plano que
concebera. Bem, os riscos eram sempre os mesmos: a perda
da vida. Se o plano desse certo, o Filhote seria vencido. Se
falhasse, ela morreria.
Se continuasse de braços cruzados, seria dada de presente
ao tal Espectrus. O Filhote prosseguiria com seus planos e
muito breve conseguiria sua coroação como imperador da
França.
— Cretino do inferno! — balbuciou a agente “Baby”. —
Vou ensinar uma coisa que você não sabe.
***
Por volta das dez da manhã, uma hora depois de Brigitte
ter tomado o café, o Filhote a visitou, acompanhado por
Gilbert e por Nemours. Parecia cansado e estava com a barba
por fazer. Usava o mesmo terno da véspera.
— Que tem de tão importante a me dizer? — perguntou
ele, impaciente. — Seja breve, pois estou muito fatigado.
— Podemos fazer um trato — murmurou Brigitte.
— Um trato? Nós dois? Que espécie de trato?
— Posso pôr à sua disposição, em menos de vinte e
quatro horas, até mil milhões de dólares.
— Está brincando? — balbuciou o Filhote, tão espantado
como Gilbert e Nemours.
— Não. Mil milhões de dólares, a colaboração de todos
os agentes da CIA e talvez de mais dois mil espiões de
diversas nacionalidades. Além dos exércitos de pelo menos
seis países, cujos governos têm uma dívida pessoal comigo.
Isto serve para iniciar seus sonhos imperiais?
— Está louca... Completamente louca! Quem imagina
que é? Não passa de uma jornalista... de uma mulher!
— É pegar ou largar — disse Brigitte, erguendo o queixo
com altivez.
— Andou sonhando! — exclamou o Filhote, rindo. —
Para que quero tudo isso, se muito breve disporei do mundo
todo? Ora, vamos, senhorita Montfort... não me faça perder
tempo! Deseja mais alguma coisa?
— Não aceita?
— Claro que não! E se tornar a...
O Filhote deixou a frase pela metade e soltou um grito,
quando Brigitte atirou-se sobre ele. A divina espiã poderia
ter acabado com ele ali mesmo. Bastaria um atemi de judô
ou um golpe de caratê. Em vez disso, atracou-se com o
Filhote, jogando-o no chão.
— Tirem esta idiota de cima de mim — gritou o poderoso
dono das trombetas da morte. — Tirem-na de cima de mim!
Enquanto gritava, golpeou Brigitte na barriga e no peito.
A agente da CIA gemeu de dor, mas não afrouxou o abraço.
Por duas vezes, suas unhas roçaram o rosto do homem.
Tentou mordê-lo. Esmurrá-lo. Passada a surpresa inicial,
porém, Gilbert e Nemours atiraram-se sobre ela, seguraram-
na pelos braços e a separaram do Filhote com um puxão
violento. O Filhote ficou de pé rapidamente e contemplou a
mulher, com os olhos faiscando de ódio, vendo-a debater-se
nas mãos dos vigilantes. O chefe aproximou-se e assestou
uma violenta bofetada na senhorita Montfort. A espiã parou
de gritar. Encarou o Filhote, apavorada, e de repente
começou a chorar.
— Está louca, sem dúvida — rosnou o Filhote,
arquejante. — Se não tivesse anunciado a Espectrus sua
chegada aos Estados Unidos, matava-a neste momento,
idiota! Que esperava conseguir, atacando um homem como
eu?
Em resposta, Brigitte diminuiu o choro. Gilbert e
Nemours estavam atordoados. Não tinham a mente tão
brilhante como a do chefe. Não compreendiam
absolutamente a mudança de atitude tão repentina que se
operara na prisioneira.
— Soltem-na — ordenou o Filhote. — Mantenham-na
bem fechada. Mas que nada lhe falte até a hora da viagem.
Os dois homens obedeceram. Brigitte caiu no chão,
soluçando. Ouviu a porta sendo fechada. Só então ergueu a
cabeça e esboçou um sorriso. Em seguida, lentamente,
aproximou do rosto a mão direita, que mantivera fechada.
Abriu-a e contemplou o pedacinho de gaze branca. O
pequeno emissor de sinais, que funcionava com o, calor do
estômago, surgiu diante dos olhos da espiã mais implacável
do mundo. Quanto tempo o Filhote levaria para se dar conta
de que aquela luta histérica tivera um único objetivo: roubar
o emissor que ele cometera a imprudência de não destruir?
Brigitte “Baby” Montfort engoliu o emissor. Quanto
tempo se passaria até seus Johnnies receberem os sinais?
Uma hora? Duas? Cinco? Um dia?
***
Descansado pelos efeitos do banho quente, recém-
barbeado, cheirando a água de colônia, o Filhote acabou de
vestir-se diante do espelho de seu quarto. Dormira pouco,
mas sentia-se repousado. Mais tarde, teria tempo para dormir
o quanto quisesse.
— Algum reparo, André? — perguntou, voltando-se para
o valet de chambre.
— Nenhum, senhor. Está impecável, como sempre.
— Impecável. Isso! É necessário dar a impressão de
perfeição, de energia, de segurança. Principalmente quando
se precisa dos serviços de uns imbecis. Estão à minha
espera?
— No salão, senhor. Se me permite uma observação, eles
devem estar achando muito demorado o aperitivo.
— Não se inquiete, André. Agora tenho tudo o que
queria. Logo, sou o mais forte. Meus sócios devem
acostumar-se a esperar por mim e a me obedecer. Quanto
mais depressa se acostumarem, melhor para eles.
O Filhote deixou de se contemplar ao espelho e
aproximou-se da mesinha onde se se encontravam os objetos
que usava no terno da véspera. Lentamente, foi recolocando
tudo nos bolsos do traje que vestia. A carteira, o chaveiro, o
isqueiro, a cigarreira. Estava colocando o relógio de pulso,
quando viu André saindo com a roupa usada.
— Aonde vai com esse terno? — perguntou o Filhote.
— Vou escová-lo e passá-lo, senhor.
— Ainda há uma coisa no bolso interno do paletó. Um
pedaço de gaze branca. Dê-me.
— Não há nada, senhor. Tudo o que havia no terno,
deixei na mesinha.
O Filhote, irritado, aproximou-se do camareiro. Tomou-
lhe das mãos o terno usado e o examinou, ansioso.
— Desgraçada! — exclamou, empalidecendo
bruscamente. — Chame Gilbert e Nemours. Diga a eles para
me trazerem a prisioneira, imediatamente! Não ouviu?
Mexa- se! Depressa!
***
A porta do quarto abriu-se e Gilbert e Nemours
apareceram de pistola em punho.
— Venha — disse o primeiro. — O chefe quer vê-la. Não
sei o que fez agora, mas acho que vai passar maus
momentos.
Brigitte, deitada na cama, encolheu-se e balbuciou,
choramingando!
— Não... Não quero ir...
— Não seja idiota! — rosnou Nemours, segurando-a pelo
braço e arrancando-a da cama.
A joelhada nos testículos quase matou Nemours. Foi um
golpe tremendo, espantoso, inesperado. O guardião
emudeceu, recuando, com a fisionomia crispada, com a
impressão de que um ferro em brasa lhe penetrava pelos
órgãos genitais, subindo pelo ventre.
Quase no mesmo instante, Gilbert recebeu no peito, sobre
o coração, o fortíssimo ura tsuki de caratê, propiciado pela
mãozinha delicada da prisioneira. Mas aquele punho
pequeno, mas de aço paralisou o coração de Gilbert. Numa
fração de segundo, o guardião passou da vida para a morte.
Brigitte abaixou-se e pegou a pistola de Nemours e a de
Gilbert. Aproximou-se da porta, ligeira e silenciosa. A
brincadeira chegara ao fim. O Filhote compreendera que ela
tornara a engolir o emissor de sinais. Desta vez não se
limitaria a fazê-la tomar um vomitório. Havia de querer parar
o emissor de um modo definitivo: com a morte da
prisioneira.
A prisioneira, porém, não era mais uma gatinha mansa,
quando apareceu no corredor largo, armada com duas
pistolas. André estava na porta do quarto do patrão. Ao ver
aquela mulher espetacular, de macacão vermelho e cabelos
soltos, com os olhos faiscando, compreendeu o que se
passava. Empalidecendo como um cadáver, meteu a mão
direita no paletó.
Brigitte atirou antes. Sem piedade.
André ainda não havia caído de todo, com uma bala no
coração, e a senhorita Montfort já descia a escada a toda
pressa. O grito de morte do valet de chambre foi
acompanhado pelo do Filhote. Brigitte já estava nos últimos
degraus. Olhou para o alto. Lá estava o inimigo. A espiã
internacional girou nos calcanhares, decidida a matar aquele
louco. Mas seus pés se imobilizaram, como se estivessem
colados ao chão, ao ouvir uma voz perguntar do vestíbulo:
— Que aconteceu?
Voltou-se novamente. Dois homens saíam do salão. Atrás
deles, apareceu mais um.
— Matem-na — gritou o Filhote, do alto da escada. —
Matem-na!
A agente da CIA não hesitou. Girou novamente para a
escada e atirou. Um segundo depois do Filhote ter recuado
no patamar do andar superior. Brigitte correu para o fundo
do vestíbulo, colada à escadaria. Encontrou a porta. Abriu-a
e saiu... para outro corredor. Correu por ele, olhando para
todos os lados em busca de uma solução. Não lhe convinha
deixar o castelo. Se o fizesse, soltariam os cães. Quantos
haveria? Oito ou dez, no mínimo. Nem com a maior sorte do
mundo conseguiria matá-los antes deles chegarem até ela.
Nem com sua sorte habitual conseguiria semelhante proeza.
Viu uma porta à direita. Empurrou-a e entrou. Encontrou-
se em outro corredor. Correu por ele até a porta que havia na
extremidade oposta. Escancarou-a, deparando com um lance
de degraus. Desceu por eles sem hesitar. Sabia que estava se
metendo numa ratoeira de pedra, mas não tinha outra coisa a
fazer. Precisava, pelo menos, ganhar tempo, esconder-se em
algum canto do castelo, para o emissor de sinais continuar
funcionando. Tempo. Era o fator decisivo. Não devia lutar.
Devia apenas continuar viva, proporcionando um pouco de
calor ao estômago.
Parou bruscamente. E se não estivesse funcionando? Oh,
devia estar! Caso contrário, o Filhote não teria ficado tão
furioso. Funcionava, sim. Há duas horas, no mínimo.
O chão desapareceu sob os pés de Brigitte. Desabou
como um saco vazio. Quis levantar-se, mas rolou mais
alguns metros. Escorregara numa rampa. Não sabia mais
onde se encontrava, pois a escuridão era total. Foi descendo
a rampa, com cautela. Chegou outra vez a um plano
horizontal. Andou sem pressa, tateando a parede da
esquerda. A mão esbarrou em algo e a pistola escapuliu-lhe
dos dedos. O barulho da arma ao bater no chão ecoou
lugubremente no corredor, que parecia não ter fim.
— Santo Deus! Onde estou?
Abaixou-se, tateando o chão em busca da pistola. Uma
luz apareceu à retaguarda da espiã. E logo uma voz ressoou
retumbante:
— Ali está!
Brigitte saiu correndo. Desistiu de encontrar a pistola.
Ainda lhe restava uma arma, embora com seis balas, apenas.
Os passos ressoaram atrás dela. Outras luzes apareceram.
Dois projéteis passaram assoviando acima da cabeça da
agente da CIA. “Baby” voltou-se e ergueu a mão armada.
Atirou nas silhuetas que se recortavam ao fundo do corredor.
Ouviu gritos de dor e duas luzes se apagaram. Continuou
correndo às cegas. Uma luz apareceu de repente diante dela,
à direita. Como um raio dourado que a atingiu em cheio.
— Aqui está...
O grito do homem foi silenciado com mais uma bala.
Brigitte correu para onde caíra a lanterna do perseguidor.
Ficou atordoada, ao identificar o morto. Era Nemours. Como
conseguira chegar até ali, para cortar-lhe a passagem pela
frente?
— Nemours? — gritou o Filhote. — Agarrou-a?
Também ele estava ali!
Brigitte agarrou a lanterna com a mão esquerda e
iluminou aquele trecho do corredor. Apagou e tornou a
correr. Felizmente, não estava de sapatos de salto alto e sim
com as botas de motociclista. Isso a ajudava a manter o
equilíbrio.
— Nemours está morto — gritou um dos perseguidores,
pouco depois.
A espiã continuou correndo. Teve a impressão de estar
passando várias vezes pelos mesmos corredores. Viu outras
luzes. Outras silhuetas masculinas. Novos tiros assobiaram,
ecoando na escuridão,
— Preciso encontrar um lugar onde me esconder —
murmurou a divina. — Não posso continuar correndo a vida
inteira. Eles acabarão conseguindo caçar-me.
Lembrou-se que a corrida aumentava o calor de seu
corpo. Assim, o emissor de sinais funcionaria ainda melhor,
A corrida, porém, deixara-a esgotada.
De repente, bateu em algo muito duro e caiu sentada.
Encontrou rapidamente a lanterna e acendeu-a para ver onde
tinha esbarrado. Viu uma porta baixa. Levantou-se.
Experimentou abrir a porta, mas não pôde. Dirigiu a luz para
o lado oposto. Viu um vão na parede, iluminou o interior e
ficou surpresa, ao ver que parecia a porta de um cofre-forte.
Um cofre ali? Que absurdo!
Apagou a lanterna e procurou o botão do segredo.
Começou a movimentá-lo suavemente. O suor escorria pelo
corpo escultural da senhorita Montfort. Sentia-se exausta,
encurralada, perdida. Ouviu um ruído à esquerda. Acendeu a
lanterna. A porta em frente estava aberta. Achou estranho a
porta abrir-se com a combinação do segredo do cofre.
Empurrou-a suavemente e entrou, movimentando a lanterna.
Estava numa sala ampla, repleta de aparelhos elétricos, dos
quais saíam cabos grossos. De repente, viu os três túneis.
Fechou a porta e aproximou-se deles.
Não eram túneis comuns, de pedra. Eram cilíndricos e
metálicos. Tinham três metros de diâmetro,
aproximadamente. Estavam colocados um ao lado do outro.
Dirigiu a lanterna para frente. O túnel devia ter quase
cinquenta metros de comprimento e descia numa inclinação
menor a quarenta e cinco graus. Como um poço, para o
fundo, para o fundo, para o fundo...
— Não! — exclamou Brigitte, apavorada. — NÃO!
— Sim — respondeu a voz do Filhote, de algum ponto.
— Sim, senhorita Montfort!
A agente da CIA voltou-se na direção de onde partira a
voz. O Filhote estava entre as instalações elétricas. Atrás
dele, abria-se uma passagem na pedra. O Filhote
movimentou a mão, tocando qualquer coisa, e a parede à sua
retaguarda fechou-se.
— Está no coração da grande fera, senhoria Montfort —
disse ele, avançando para Brigitte, de pistola em punho. —
Trombetas da morte? Tolices! Estamos no coração do
monstro capaz de acabar com o mundo. Tudo o que vê à sua
volta, instalado à noite passada, transforma este lugar no
coração da fera esfaimada. Para ser sincero, ainda não
verifiquei se funciona. Mas não creio que haja problemas. Os
três tubos que está vendo levarão para o centro da terra um...
rugido que fará o planeta explodir. Eu expliquei, lembra-se?
Posso fazer o mundo ir pelos ares.
— Acalme-se... Não há motivo para fazer isso...
— Ainda não entendeu? — perguntou o Filhote,
balançando a cabeça. — Por que imagina que vim para cá?
Este lugar, no qual jamais pensei que a senhorita pudesse
chegar, nem mesmo pela porta normal, com segredo de
cofre, é meu último recurso. Estava tudo preparado.
Convenci e controlei meus sócios. A mim, bastava saber que
dispunha de tudo isso, para ameaçar o mundo. Estava quase
conseguindo alcançar meu objetivo. E que aconteceu?
Aconteceu que, por sua causa, cadela maldita, dezenas de
helicópteros sobrevoam meu castelo e centenas de homens o
estão invadindo! Você foi a culpada de tudo isso! E você vai
ser a causadora do mundo se abrir como uma fruta madura,
sob o rugido da minha fera!
— Não seja louco... Olhe, basta entregar-se e eu
garanto...
— Entregar-me? Você, sim, está louca! Jamais cederei!
Não consentirei que o planeta seja de outra pessoa! Como
por sua causa não atingirei meu alvo, destruirei a Terra. O
bramido de minha fera chegará ao centro do planeta.
Provocará gretas, abalos internos, reativará vulcões,
incendiará depósitos de petróleo, de gases... O mundo vai
acabar por sua culpa, senhorita Montfort. Mas lhe reservei
uma morte adequada. A morte que merece: pule para o
interior de um dos tubos. Pule, estou mandando!
Brigitte fez menção de pular, mas em direção ao Filhote.
Ele adivinhou a intenção da adversária e atirou. O esforço da
espiã para esquivar-se do tiro favoreceu os desejos do
Filhote. Brigitte ficou na beira do tubo de aço. Oscilou para
diante e para trás, debateu-se desesperadamente e caiu de
costas. Deslizou para baixo, como se estivesse num tobogã,
para a profundidade da enorme trombeta da morte.
Não se machucou, ao chegar ao fundo. Seus pés tocaram
a terra e a descida chegou ao fim. No alto, num pequeno
círculo de luz, apareceram a cabeça e os ombros do Filhote.
— Senhorita Montfort! — chamou ele. — Está viva?
Brigitte não respondeu.
— Não importa — prosseguiu o Filhote. — Viva ou
morta, chegou ao final de seu caminho. Vai estourar como
um balão de borracha.
A silhueta desapareceu no alto do tubo. Brigitte tentou
subir pelo declive escorregadio. Nada conseguiu. Suando
como nunca suara em toda a sua vida, escorregava a cada
nova tentativa. Tirou as botas e o macacão. Inteiramente nua,
esmagou os seios contra a superfície metálica. Cravou o
dedo grande dos pés no tubo de aço e movimentou o corpo
para cima. Tornou a escorregar. Estava suada demais.
Enxugou-se com o macacão e tentou novamente a
escalada. Conseguiu vencer meio metro. Dois... Quatro,
cinco, seis metros...
— Não se impaciente, senhorita Montfort — disse o
Filhote. — Breve iniciará sua última viagem.
O louco devia estar cuidando dos últimos detalhes para
ligar os dispositivos. Dez metros... quinze... vinte e cinco...
trinta e cinco... Recomeçou a suar. Certamente escorregaria
de novo. Parou um pouco. Com uma das mãos, esfregou o
corpo, limpando-o do suor, e reiniciou a subida. Quanto
faltaria para chegar à borda do tubo? Seis metros? Cinco?
Quatro? Três? Dois? Um? Pronto!
No momento em que a mão direita agarrou-se à beira do
tubo, o Filhote reapareceu, dizendo:
— Senhorita... Ah, está aqui, hem? Melhor! Está tudo em
marcha. A contagem regressiva já começou. Quinhentos
segundos... quatrocentos e noventa e nove... quatrocentos e
noventa e oito... Compreendeu? Mas a senhorita não deve
ficar aqui. Volte para baixo.
Os dois se encararam fixamente. O Filhote, sem arma
alguma nas mãos, avançou uma delas para empurrar Brigitte.
Mas as mãos de espiã agarraram os pulsos do adversário e
puxaram com força.
— NÃÃÃÃÃÃÃOOOOO — gritou o Filhote, rolando
pelo tubo abaixo.
Atrás dele rolou a agente internacional. Não conseguiu
deter o impulso. Não tinha onde se segurar. Os dois
chegaram ao fundo. O Filhote agarrou-se a Brigitte,
querendo impedi-la de tornar a subir.
— Não sairá daqui — disse ele, arquejante. — Não
permitirei que detenha meu rugido!
— Veremos — respondeu a divina, também arquejante.
— Veremos se é superior a mim em tudo!
Um golpe de caratê afastou as mãos do Filhote do
pescoço de Brigitte. Um golpe decisivo, na testa, fulminou
aquele louco que queria acabar com o planeta Terra.
A agente “Baby” olhou para o alto, desesperada. Quantos
segundos faltariam para as trombetas da morte começarem a
rugir?

Ninguém pode chamar-se Espectrus


— Quantos faltavam? — perguntou Minello, pulando da
poltrona. — Quantos?
— Dezenove — respondeu Brigitte Montfort, sorrindo,
mais linda que nunca, sentada no sofá do salão de seu
apartamento em Nova York. — Faltavam dezenove
segundos, quando consegui deter aquele mecanismo infernal,
Frank. Você precisava me ver, nua, coberta de suor, como se
estivesse saindo de uma sauna.
— Mas parou, hem? Parou?
— Oh, querido, que pergunta boba! Se não tivesse
parado, estaria aqui conversando com você?
— Papagaio! Dezenove segundos...
— Que mais aconteceu? — perguntou Miky Grogan.
— Meus Johnnies e os rapazes do Monsieur Nez já eram
donos do castelo, quando saí do tubo e...
— Nua? — exclamou Minello. — Saiu nua?
— Queria que eu descesse até o fundo novamente para
apanhar o macacão vermelho? — retrucou “Baby”, sorrindo.
— Tem razão... E quem era aquele sujeito? Que
aconteceu com os cúmplices do desgraçado?
— Monsieur Nez encarregou-se do caso, pois tudo
aconteceu em solo francês. O nome do sujeito? Esqueci.
— Não é possível!
— Não... mas é melhor assim — respondeu a divina,
rindo. — Que importa um malvado a mais ou a menos,
Frankie? Não é melhor ignorarmos a maldade? O importante
é que tudo se resolveu bem e as trombetas da morte não
soarão em nosso planeta... por enquanto. Claro... O Filhote
não era o único a possuir trombetas da morte, querido.
Quanto à maldade... também não era o único a possuí-la.
Portanto, não compliquemos mais a vida... Tratemos de vi-
vê-la... enquanto nos deixarem.
— Tem razão. O que devemos fazer agora é... Ei, um
momento! E o tal Espectrus, o amigo do Filhote? Nada
sabemos a respeito dele?
— Ora, na certa era mais uma das loucuras do Filhote.
Pense um pouquinho, querido, e verá que não existe pessoa
alguma no mundo que se chame Espectrus...

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