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© 1989 – Antônio Vera Ramirez

“VISITA AL ZOO”
Tradução de Margarida Gandra
Ilustração de Benicio
Colaboração de
Carlos Natali
® 540918
A memória de Brigitte
Brigitte Montfort e Frankie Minello dirigiam-se ao
Morning News. Acabavam de atravessar o vestíbulo e
estavam em frente ao elevador que os levaria ao andar onde
tinha seu escritório.
Como sempre acontecia, todas as pessoas que se achavam
no saguão do edifício olhavam pasmadas para Brigitte e
Minello, sobretudo para a moça, dona de uma beleza
fascinante. Mas, se a jovem chamava atenção pela formosura
do rosto e pelo corpo escultural que possuía, Frankie Minello
não o fazia por menos dados seu físico atlético e sua
virilidade e simpatia.
Frankie apertou o botão do elevador e, quando este
chegou e eles já se dispunham a entrar, ouviram passos
apressados de alguém que os alcançou e entrou com eles na
cabina. Frankie levantou os olhos como se perguntasse que
mal havia feito para merecer semelhante castigo. Brigitte
compreendeu o gesto do companheiro, riu e beijou as faces
do recém-chegado, que não era outro senão Miky Grogan,
diretor do Morning News e chefe dos dois jovens há muito
tempo.
— Você ainda tem coragem de beijá-lo, apesar do que
apronta contra nós?... — exclamou Minello.
— Do que está falando, idiota? — retrucou Miky, com
desprezo. — Será possível que só abre a boca para dizer
asneiras?
— Vamos, minha gente... Não comecem a brigar a esta
hora. Sim? — pediu Brigitte, rindo divertida. — Estamos
aqui para trabalhar. Por isso, cada um ao seu escritório, com
bom humor e dispostos a dar o melhor de si pelo jornal.
Mike Grogan soltou um bufado, pois captou
perfeitamente a ironia nas palavras de Brigitte Montfort, a
jornalista mais famosa do mundo e a espiã mais perigosa e
implacável, conhecida pelo apelido de “Baby”.
— Você é um amor, querida — disse Minello, soltando
um suspiro. — Agora esse nosso chefe é um osso duro de
roer!... Sabe com quem ele deveria confraternizar? Com
Amenotep e Siskarion, aqueles monstros enlouquecidos que
tivemos de enfrentar no palácio do não menos louco faraó do
Arizona1... Se bem que não me surpreenderia nada se
conseguisse pô-los sob seu comando a golpes de chicote.
— Parece-me que nem mesmo Miky poderia com
Amenotep e Siskarion — comentou Brigitte.
— E, quanto a domá-los, isso me faz lembrar algo que
sucedeu tempos atrás... Foi um caso que me contaram... Uma
coisa horripilante..
O elevador chegara ao andar onde funcionava a redação
do jornal e a jovem abandonou-o seguida dos amigos, que a
fitavam expectantes. Minello sugeriu:
— Que tal nos contar essa história, pequena? — disse,
consultando o relógio.
Depois acrescentou:
— Ainda temos bastante tempo antes do início do
expediente.
— De acordo — assentiu a moça. — Venham ao meu
escritório e, enquanto tomamos um cafezinho, relembrarei a
visita que Clifford Nash, um detetive que passou a colaborar
com a CIA, fez o zoo.

1
Ver aventura anterior a esta: A Pirâmide de Oguzeh
CAPÍTULO PRIMEIRO
Boa fé e... morte!

Nora Ackerman guiava o carro, tendo a seu lado o


homem que ela recolheu em Port Everglades. Ela havia
chegado de Miami e o sujeito apareceu junto ao automóvel
pouco depois.
— Sou eu, senhora Ackerman — disse ele. — A pessoa
que lhe telefonou... — O homem entrou no veículo e sentou-
se junto dela. — Não deve preocupar-se por seu marido. Ele
pediu que a chamasse. Suponho que não falou com ninguém
sobre o nosso encontro. Verdade?
— Não disse nada, acredite... Mas, onde Bob se
encontra? O que aconteceu?
— Logo saberá, senhora Ackerman. Seu marido
responderá todas as perguntas que desejar.
A viagem continuou e o desconhecido indicava o
caminho por onde deveriam seguir. Depois de entrar por uma
estrada de terra, uma granja surgiu diante dos olhos
assustados da mulher e seu companheiro indicou-a, dizendo:
— Chegamos, senhora Ackerman.
Nora, embora arrependida por ter seguido aquele tipo,
divisou luz em uma das janelas da casa e se convenceu, de
que não podia voltar atrás. Antes que pudesse desligar o
motor, a porta da vivenda se abriu e outro homem apareceu,
seguido por dois cães negros e enormes.
— Olá, Ketter! — saudou o indivíduo que saiu da casa.
— Como está, senhora Ackerman?
— Meu marido? Onde está Bob? — inquiriu ela,
angustiada.
— Ele a espera. Venha — convidou o tipo.
Nora saiu do carro, apressada para acompanhar o sujeito.
Ketter também se reuniu a eles e os três entraram na vivenda,
— Crosk tem tudo preparado para as fotos?
— Sim — assentiu Tamblin. — Já informei sobre a
ausência de Bridgett, para que nos enviem uma substituta.
Por aqui, senhora Ackerman.
Nora avançou pelo corredor indicado por Tamblin,
quando outro homem surgiu, segurando uma máquina
fotográfica com flash.
— Seu marido está neste quarto, senhora Ackerman —
disse o último tipo a aparecer, apontando uma porta. Abriu-a
com a mão livre e se afastou.
A luz estava acesa, o que permitiu a Nora ver o marido
assim que entrou no aposento. Ao fixá-lo, porém, ficou com
a boca aberta pelo espanto. Seu corpo foi tomado de um
tremor incontrolado enquanto, com os olhos arregalados
fitava o cadáver do seu marido. Se é que podia chamar
aquilo que estava sobre a mesa de Robert Ackerman. Parecia
ele em linhas gerais. Usava a mesma roupa com que saíra de
casa... Mas seu rosto desaparecera praticamente e o que
restava da cabeça pendia como um trapo fora da superfície
de madeira onde fora colocado. Seu terno se apresentava
rasgado e cheio de sangue...
Era uma visão tão apavorante que Nora ficou paralisada,
muda.
Então, brilhou a chama do flash e isto a fez raciocinar.
Pestanejou e viu diante de si o tipo da máquina fotográfica,
que acabava de tirar seu retrato e sorria, fingindo ser amável.
O queixo da mulher começou a tremer. Voltou a olhar o
que restava do esposo e percebeu que não estava só naquela
espécie de mesa tão grande... Não. Havia outra pessoa ali...
Acercou-se como um autômato, e pôde ver o cadáver da
moça junto ao de Bob. Observou seu, rosto e cambaleou,
sentindo náuseas, quando viu o buraco em que se convertera
um dos seus olhos.
A ponto de desmaiar, virou-se para os homens que a
acompanhavam e Crosk bateu outra chapa, de tal modo que
os dois corpos ficaram enquadrados atrás de Nora
Ackerman.
— Seu marido complicou as coisas — declarou Ketter,
calçando umas luvas negras de couro. — Matou Bridgett e
os cães o liquidaram quando tentava escapar. Bridgett nos
disse que telefonaria dentro de cinco minutos, pois
chamavam à porta e nós esperamos. Mas, passado esse
tempo, ela não voltou a ligar. Depois de quinze minutos
resolvemos chamá-la, mas o telefone estava em
comunicação. Assim permaneceu durante muito tempo.
Estranhamos o fato e resolvemos ver de perto o que
sucedera. Tamblin e eu nos pusemos a caminho até a casa de
Bridgett. Foi uma pena, senhora Ackerman, que seu marido
tenha complicado tudo. Agora, não podemos deixá-la viva.
Compreende? Quando os outros clientes do zoo descobrirem
o sumiço de vocês dois, calarão. Não arriscarão nada por
vocês. Mas a senhora talvez fizesse estardalhaço demais se
seu marido não regressasse... Falaria sobre a viagem, do
zoo... E queremos evitar complicações.
Ketter ergueu as mãos e ela fitou-as, aterrorizada.
Entendeu tudo num relance e começou a gritar... Um alarido
longo, agudo, terrível...
Nesse momento, Crosk bateu outra foto. Em seguida,
Ketter agarrou-a pelo pescoço, apertando-o com força. Foi
como desligar um rádio: a voz de Nora morreu para sempre
em sua garganta.
— Tire mais duas ou três fotografias, enquanto Ketter a
estrangula, Crosk — ordenou Tamblin.
O fotógrafo obedeceu.
***
Clifford Nash fitava seu amigo e ajudante, o jovem,
simpático e dinâmico Mike Bowles, com expressão amável,
ao vê-lo rir espalhafatosamente e bater com as mãos sobre as
coxas, por causa da anedota que o outro acabava de contar.
— Teve mesmo coragem de fazer isso, Cliff? — indagou
Bowles, tentando ficar sério.
— Claro — admitiu o chefe e cérebro da agência
particular de investigações, a Nash Investigations. — Como
sabe, não suporto imbecilidade, Mike. Compreendo que as
mulheres são diferentes dos homens... Tolero que sejam
bobinhas, coquetes e que se pintem... Tudo isso é suportável
no sexo feminino. Tudo, menos a imbecilidade. E essa garota
era imbecil, rapaz!
— Acredito! Mas essa de deixá-la despida. É dentro do
elevador do hotel!...
— Bem... Não foi exatamente assim. Estávamos no
quarto e, de súbito, pareceu-me tão estúpida, que me pus de
pé e deixei-a. Então, ela veio atrás de mim e meteu-se no
elevador...
Naquele momento, soou o intercomunicador. Clifford
Nash abaixou a tecla.
— Sim, Trudy?
— Senhor Nash — falou o ajudante. — Uma chamada na
linha três. Trata-se da senhorita Ophelia Prince, secretária de
um advogado.
— Obrigado — disse Nash, desligando o aparelho, para
apertar o botão número três do telefone. Logo, falava: —
Sou Clifford Nash. Em que posso servi-la, senhorita?
Durante alguns segundos, a moça expôs o que desejava e
ele assentiu, afirmando:
— Não há inconveniente algum... Vou repetir o endereço.
Confira, por favor... Miami Beach, número 212 da 9th Street.
Certo?... OK. Estarei aí dentro de vinte minutos. De nada...
Até logo, senhorita Prince.
Desligou o telefone, ergueu-se e foi até o armário.
Retirou o paletó, vestiu-se e se dirigiu à porta, seguido pelo
olhar de Mike, que disse:
— Se dentro de uma hora não me telefonar, é que não
teremos nossa partida de tênis.
— Isto mesmo — concordou Nash e saiu do escritório.
Atravessou a sala de espera, sorrindo para Trudy, que
ficou suspirando. Pouco depois, achava-se no
estacionamento subterrâneo, metia-se no carro e alcançava o
exterior. Depois de rodar algum tempo por diversas ruas e
avenidas, cruzou a baía em direção a Miami Beach.
Vinte e cinco minutos mais tarde, parava o automóvel
diante do número 212 da 9th Sreet. Mais adiante viu um
parque de estacionamento. Deixou o carro ali e entrou no
edifício de sete andares. Não teve dificuldade em localizar o
escritório do advogado, do qual a senhorita Prince era
secretária, graças à relação dos nomes dos profissionais que
se achava no quadro preso à parede do hall de entrada.
Apertou o botão da campainha da porta e esta se abriu
imediatamente. No vão surgiu uma senhora cinquentenária,
de aspecto eficiente e sério.
— Bom-dia! Sou Clifford Nash. A senhorita Prince, por
favor?
— Entre, senhor Nash — convidou a mulher, fechando a
porta. — A senhorita está com o senhor Donner...
Acompanhe-me...
— Muito obrigado.
À primeira vista, Nash compreendeu que o cliente
poderia ser dos bons. O luxo e o gosto apurado existentes ali
lhe dava esta certeza.
Nash foi introduzido no gabinete de trabalho do
advogado. Deste modo conheceu Ophelia Prince. Ela estava
sentada diante da mesa, com as pernas cruzadas. Só pela
visão das pernas era possível saber que o restante devia ser
da mesma altíssima qualidade. Mas Nash quis assegurar-se.
Não lhe foi difícil. Ophelia continuou sentada, fitando-o
com curiosidade, enquanto o olhar do detetive,
aparentemente inexpressivo, recreava-se com sua beleza
extraordinária.
— Sou Edward Donner — disse o advogado, adiantando-
se para Nash, com a mão estendida. — Ela é a senhorita
Prince, que marcou esta entrevista com o senhor. Agradeço-
lhe por ter vindo até aqui. Por favor, sente-se — convidou-o
indicando outra poltrona. — Se não se incomoda, senhor
Nash, iremos diretamente ao assunto.
— Creio que é melhor assim — assentiu Nash, sentando.
— Aceita um café? — ofereceu Donner.
— Não, obrigado. Mas aceitaria um dos seus cigarros,
pois os meus acabaram quando me dirigia para cá.
Donner estendeu-lhe seu maço. Já fumando, Nash dirigiu
um olhar veloz à senhorita Prince, que seguia fitando-o como
se ele fosse um bicho Mas, quando Donner começou a falar,
entendeu o interesse e a curiosidade com que Ophelia Prince
o olhava.
— Senhor Nash, ontem encarreguei a senhorita Prince de
buscar o melhor detetive particular de Miami e ela se ocupou
da seleção. Ao que parece seu prestígio é indiscutível.
— Sou apenas uma pessoa que gosta de fazer bem o seu
trabalho.
— Isso é magnífico e pouco frequente... Bem... Agora,
passaremos ao assunto, uma vez que fique bem claro que,
para o senhor, o sigilo profissional é tão sério como para
mim.
— Assim é — afirmou Nash.
— De acordo. Comecemos pelo princípio. Anteontem, às
oito horas, estava convidado para uma festa que os
Ackerman ofereciam a alguns amigos. Desse modo, cheguei
à sua residência pontualmente a essa hora, no Di Lido Island.
Fui informado pela senhora Ackerman que Robert tivera que
sair para fazer algo. Não me surpreendi porque Bob tinha
muitos negócios...
— Honestos? — cortou Nash, interessado.
— Naturalmente! — retrucou Donner, um tanto
incomodado pela pergunta do outro. — Bem... Nora
assegurou-me que ele estaria logo volta... Mas isso não
aconteceu. Pouco mais tarde, Bob me chamou pelo telefone
de sua própria casa e mantivemos uma conversa. Veja esta
carta... A senhorita Prince datilografou-a. Está na íntegra,
praticamente... Gostaria que a lesse.
Nash recebeu o escrito das mãos da moça e ficou
inteirado do seu conteúdo. Dizia que Bob estava no número
512 da Weste 4th Avenue, em Hialeah e que matara uma
moça. Assustado pela revelação, o advogado lhe pedira que
não se movesse dali e que não tocasse em nada. Mas Bob lhe
afirmara que havia posto a casa de pernas para o ar;
declarando, ainda, que o que lhe ocorrera talvez pudesse ter
acontecido com Noah ou Albert, já que os outros dois foram
em sua companhia ao zoo. Perguntara ao advogado se eles se
achavam na festa em sua casa. E, ante a afirmativa de
Donner, suplicara-lhe para que não dissesse nada a nenhum
deles nem a Nora e terminara por implorar que Donner fosse
ao seu encontro o mais rápido possível. Quando acabou de
ler a carta que narrava a conversa entre os dois homens,
Nash indagou:
— Posso ficar com isto? Gostaria de estudar esta
conversação com mais calma.
— Esta cópia é para o senhor — disse Ophelia Prince,
sorrindo e falando pela primeira vez.
— Obrigado. O que mais ocorreu, senhor Donner?
— Estive na tal casa, mais Bob não se achava ali.
Tampouco havia uma moça morta. Contudo, vi sangue no
dormitório e tudo se encontrava revolvido. Imaginei que Bob
tinha ido àquela vivenda pata procurar algo... e tendo em
conta as circunstâncias da chamada de Bob, fiquei assustado
e decidi chamar a polícia. O tenente Cassidy, do Police
Department, Seção de Homicídios, chegou em seguida com
outros agentes. Disse-lhe que um amigo meu telefonara,
pedindo minha presença ali, mas que, ao chegar, não o
encontrara nem o seu carro. Perguntaram se eu sabia quem
vivia naquele endereço e eu lhes disse que não tinha a menor
ideia. Então, o tenente deixou seus homens procurando pistas
e fazendo indagações e dirigiu-se comigo à casa dos
Ackerman. A festa havia terminado e Nora também não se
achava ali. Charles, o mordomo, assegurou que ela recebera
uma chamada telefônica, mas que não fora da parte de Bob e
que deixara a vivenda em seguida.
— Qual o tipo de carro que o senhor Ackerman utilizava?
— Um Lincoln. Isso aconteceu quinta-feira à noite. Fui
para casa pedindo a Charles que, assim que soubesse algo
sobre o paradeiro dos Ackerman, me avisasse. Mas, até o
momento, não recebi nenhum comunicado. Em troca, recebi
ontem a visita do tenente Cassidy. Ele afirmou que
encontrara manchas de sangue na parte dos fundos da casa e
até um pequeno pedaço de carne...
— De carne?
— Carne humana, senhor Nash — declarou Donner,
impressionado. — O tenente descobriu uma clínica onde
Robert Ackerman submeteu-se a uma intervenção cirúrgica
há alguns meses. Ali não foi difícil saber o seu grupo
sanguíneo e outros dados que coincidiam com o sangue
encontrado na parte posterior da vivenda e com o pedaço de
carne.
— Conseguiram ver a que parte do corpo corresponde
esse pedaço de carne?
— Creio que a garganta... Ao pescoço. Imagino que
Robert estava aguardando minha chegada à casa da moça
quando ocorreu algo que o fez fugir pela janela do
dormitório. Mas foi alcançado.
— Por quem?
— Não sei... Mas... não parece próprio de um ser humano
arrancar pedaços de carne. Não acha?
Cliff Nash baixou o olhar para o papel e permaneceu
alguns segundos pensativo, antes de murmurar, sem erguer a
vista:
— Acredita que foi algum animal do zoo que tirou esse
pedaço de carne do senhor Ackerman?
— Francamente, não sei o que pensar. A verdade é que
meus amigos estão desaparecidos e tampouco foi achado o
corpo da moça a quem disse ter assassinado.
— Supondo que não disse nada à polícia sobre a morte
dessa moça. Não é assim?
— Acertou, senhor Nash. Não tive coragem para fazê-
lo... Compreenda, estou desconcertado e também assustado.
Em nossa conversa telefônica, Bob mencionou nossos
amigos comuns Albert Holden e Noah Lamarr, assim como o
zoo... Pois bem: ontem estive com Noah Albert e mencionei
as próprias palavras de Bob sobre sua ida com eles ao zoo,
mas ambos negaram isso.
— Negaram ter ido ao zoológico? Por quê?
— Não sei. Mas os dois empalideceram. Falei com eles
em um bar, com discrição. E, antes mesmo de mencionar o
sumiço de Bob e de Nora, notei que eles estavam nervosos.
Quando citei a visita que fizeram juntos ao zoológico,
negaram e desapareceram rapidamente. Estive propenso a
contar tudo o que sei ao tenente Cassidy, mas.. Que diabos!
Eles são meus amigos! Então, pensei que seria conveniente
fazer algumas investigações antes de ir à polícia. Então
resolvi contratar um detetive particular.
— Já que o senhor é advogado, creio que não preciso lhe
dizer o que deve fazer — manifestou Nash. — Agora,
falemos dos carros. O do senhor Ackerman era um Lincoln.
E o de sua esposa?
— Um Dodge. Esse também não apareceu até o
momento. Quem sabe o senhor poderia encontrá-los?
— Duvido muito, senhor Donner. Não será nada fácil
achar esses automóveis. Se o casal Ackerman fugiu depois
que o senhor Robert cometeu um homicídio, é evidente que
se preocuparão em ocultar bem os veículos, já que sabem
que a polícia se dedica a procurá-los. Por outro lado, se os
Ackerman foram mortos, as pessoas... ou feras responsáveis
pelos assassinatos, terão se apressado a esconder os
automóveis.
— Acha que uma fera pode guiar um carro? — inquiriu
Ophelia, com certa ironia.
— Não. Mas tampouco creio que uma fera do zoo tenha
saído de sua jaula para arrancar um pedaço de carne da
garganta de Bob Ackerman — retrucou Nash, sem fitá-la. —
A verdade é que, se quisermos saber algo sobre o ocorrido
com esse casal, não será por meio dos animais do zoológico,
mas conversando com pessoas. Estou me referindo aos
senhores Albert Holden e Noah Lamarr.
— Não lhe dirão nada — assegurou Donner.
— É possível — admitiu Nash, rindo. — Uma coisa,
senhor Donner é o que seus amigos queiram me dizer, e
outra é o que eu consiga averiguar. Poderiam fornecer-me o
endereço do senhor Ackerman e dos seus amigos?
Ophelia inclinou-se sobre a mesa, recolheu outro papel e
estendeu-o ao rapaz, dizendo:
— Supondo que pediria esses endereços, apressei-me em
anotá-los para o senhor. Se precisar de algo, não vacile em
ligar para mim, senhor Nash.
— É uma secretária muito eficiente, senhorita Prince —
elogiou Nash.
— Sou apenas uma pessoa que gosta de fazer bem seu
trabalho — retrucou ela com intenção.
Clifford Nash soltou uma risada. Logo, perguntou:
— Já comunicou ao senhor Donner quais são meus
honorários?
— Claro — disse ela, sorrindo. — Quer o cheque de
contrato agora?
— Posso esperar — assegurou Nash. — Diga-me,
senhorita Pince: se quisesse ver feras por aqui... aonde iria?
— Ao Grandon Park Koo, onde existe maior variedade de
animais. Depois, visitaria Parrot Paradice, Monkey Jungle, o
Serpentarium... E, claro, não deixaria de ir ao Lion Country
Safari, fora de Miami.
— Ao que parece, a senhorita considera uma tolice o
ocorrido com os Ackerman e a referência do zoológico.
Não?
— É absurdo. Que relação pode ter o zoo com o
desaparecimento do senhor e da senhora Ackerman?
— Não sei, mas é evidente que, quando o senhor
Ackerman falou pelo telefone com o senhor Donner,
relacionou o zoológico com o que pudesse ocorrer-lhe ou a
seus amigos. A senhorita mesma datilografou essa conversa,
lembra-se? Deveras, não a faz pensar que pode haver uma
relação entre esses personagens e o zoo?
— Admito que pode ter acontecido alguma coisa no zoo
que esteja relacionado com o caso. Todavia, isso não tem
nada a ver com os animais que vivem ali.
— Concordo com seu ponto de vista. Não é fácil aceitar
que um leão, um tigre ou um macaco do zoológico ande
solto por Miami para arrancar pedaços de carne das pessoas.
A verdade, porém, é que o senhor Ackerman mencionou o
zoo.
— Você é um bocado teimoso — disse sorrindo Ophelia.
— Enfim... Se resolver fazer uma visitinha ao zoológico,
avise-me. Faz muito tempo que não vejo animais.
— De acordo. Antes disso, tentarei falar com os amigos
do senhor Ackerman. Não é possível que ele estivesse
metido em alguma encrenca, senhor Donner? Mulheres, por
exemplo... Não sabe se andava de caso com a tal pequena
que assassinou?
— Não sei de nada, pode acreditar.
— Algum outro problema... Familiar, profissional,
econômico?...
— Não, não... Os Ackerman eram milionários. Não creio
que tivessem problemas de espécie alguma.
— Pois lhe afirmo que há um problema no ar e, por sinal,
sério, senhor advogado. Bem. Começaremos a trabalhar.
Senhorita Prince, poderia me facilitar os números das placas
dos carros dos Ackerman?
— Agora mesmo — disse ela, começando a fazer as
anotações.
Nash pôs-se de pé e esperou que a moça lhe entregasse os
números pedidos. Logo, estendeu a mão para ela, dizendo:
— Foi um prazer conhecê-la, senhorita. O mesmo para o
senhor, advogado.
— O prazer foi mútuo, senhor Nash — assegurou
Donner. — Quando saberemos algo?
— Naturalmente, têm direito a um informe diário sobre
minhas investigações, só que não costumo fazê-lo. Acho
uma perda de tempo. Este é o meu estilo, senhor Donner. —
Fez uma pausa e indagou: — Por que vocês trabalham no
sábado? Ou será que hoje não é sábado?
— Claro que hoje é sábado — assentiu Donner. — O
senhor também não estava em seu escritório?
— Caramba! — exclamou Nash, pasmado de fato. — Por
isso achei que havia pouco tráfego...
— Segundo parece — disse Donner sorrindo. — O
senhor e eu somos dois algozes com nossos empregados.
— Verdade mesmo que não se recordava que hoje é
sábado? — perguntou Ophelia, surpreendida.
— Esqueci completamente — confessou o rapaz.
— Nós, não — disse Donner. — Na realidade, nós nos
reunimos aqui só para recebê-lo.
— Não deviam incomodar-se tanto para falar comigo —
protestou Nash.
— Estávamos curiosos por conhecê-lo pessoalmente —
declarou Ophelia.
— Pois espero não tê-los decepcionado — disse sorrindo
o detetive. — Bom-dia para todos.
— Até a vista, senhor Nash.
Cliff saiu do escritório e sorriu para a senhora Loomis,
que se apressou em abrir-lhe a porta. Minutos mais tarde,
entrava em um café próximo ao edifício onde Donner tinha
seu escritório. Foi diretamente ao telefone e ligou para a
secretária.
— Trudy? Nash. Os clientes que estávamos esperando
chegaram?
— Sim — soou a voz da moça. — Entenderam-se com
Mike.
— Ótimo. Diga a Mike para ir embora. Você também.
Talvez segunda tenhamos que mobilizar os rapazes para ver
se encontram dois carros que estão desaparecidos. Por agora
é só. Bom fim de semana e obrigado por terem ido ao
escritório neste sábado tão bonito. Até depois de amanhã,
Trudy! Ah! Avise Mike que hoje não jogaremos tênis.
Desligou, dirigiu-se ao balcão e pediu um café. Retirou o
papel onde estava anotada a conversa entre Donner e Robert
e leu-o com toda atenção, chegando à conclusão de que o
que acontecera a Ackerman ou estava acontecendo poderia
também ocorrer a Albert Holden e a Noah Lamarr, já que
tinham ido juntos ao zoológico.
“Que relação poderia ter uma visita ao zoo com a morte
de uma moça?” — perguntou a si mesmo. — “Creio que a
chave desse mistério.”
— Olá!
Nash virou a cabeça e viu Ophelia Prince se acomodando
no tamborete junto do seu.
— Passei por aqui, e o vi no bar. Pensei que talvez me
convidaria a tomar um café — disse ela e sorriu.
— Com todo prazer — disse Nash, fazendo um sinal ao
garçom. — Outro café para esta senhorita.
O rapaz apressou-se a servi-la e ela perguntou ao
detetive:
— Pensa trabalhar hoje?
— Há algo melhor a fazer? — inquiriu ele, sorvendo um
gole da bebida.
— Creio que sim... Por exemplo: passear de lancha... Em
certas ocasiões é possível combinar o prazer e o trabalho,
senhor Nash. Sabia que Albert Holden vive nas Venetian? É
vizinho do senhor Ackerman. Quando a Noah Lamarr, reside
em Surfside. Saindo do Embarcadouro que temos no início
desta rua, resultaria num bonito passeio de lancha. Se quiser
acompanhar-me, terei prazer em levá-lo na minha lancha. O
que me diz?
— Convenceu-me, senhorita — disse Nash, sorrindo. —
Visitaremos esses dois senhores. Deixarei meu carro aí fora.
Vamos.
CAPÍTULO SEGUNDO
Primeiros contatos

Em casa dos Holden, Cliff e Ophelia foram informados


de que eles haviam viajado para a Europa.
A revelação deixou-os abismados. Mesmo assim, o
detetive perguntou:
— Sabe quando regressarão?
— Infelizmente, não — disse a criada. — Creio que, com
a pressa, esqueceram-se de mencionar o dia de sua volta.
— Obrigado — murmurou Clifford, saindo com a moça.
Regressaram ao embarcadouro e, uma vez na lancha, o
rapaz sentou-se ao lado da jovem, que observou:
— Está pensando que tampouco vamos encontrar os
Lamarr. Verdade?
— Exato — admitiu Nash. — Mas, de qualquer forma,
vamos a Surfside.
Ela assentiu e a lancha partiu com zumbido forte. Mas,
para surpresa de ambos, os Lamarr estavam em casa e Noah
os recebeu no seu escritório. Era um homem alto e esbelto,
de sobrancelhas espessas, olhos pequenos e vivos, que
pareciam fugir ao olhar atento de Cliff.
— Se não me engano, o senhor vem da parte de Ed...
Quero dizer do senhor Donner.
— Estou trabalhando para ele — explicou Cliff. E
percebendo o olhar de estranheza que o homem dirigia a
Ophelia, apressou-se a informar: — Quanto à senhorita
Prince ela teve a gentileza de me oferecer uma carona em sua
lancha.
Cliff compreendeu que Lamarr estava nervosíssimo e que
teria de escolher muito bem suas palavras. Continuou:
— Procuramos o senhor Ackerman. Talvez tenha alguma
notícia sobre ele. Não?
— Não — disse Noah Lamarr, empalidecendo mais
ainda. — Não, não tenho.
— Receamos que tenha sofrido um acidente de carro.
Talvez esteja internado em algum hospital por um motivo ou
outro, não foi identificado.
— Sim... Pode ser isso.
— Buscamos também sua esposa. Compreende? Tudo
isto resultou um pouco inquietante e o senhor Donner
resolveu me contratar para...
— Se tiver alguma notícia de Bob ou de Nora, avisarei
Ed imediatamente, senhor Nash. Mais alguma coisa?
— Uma só, senhor Lamarr. O que aconteceu durante a
vista que vocês fizeram ao zoológico e quando foi isso?
A pergunta teve o efeito que Nash esperava, pois Lamarr
perdeu a cor por completo. Parecia incapaz de raciocinar,
mas, por fim, moveu a cabeça em sentido negativo.
— Já disse a Ed que não sei que tolice é essa —
murmurou com voz pouco firme. — Faz muito tempo que
não vou ao zoo. E que me lembre, não fui com os Ackerman.
— Não obstante, o senhor Ackerman afirmou ao
advogado Donner...
— Senhor Nash, tenho muita pressa e receio que não
possa ajudá-lo.
— Pensei que, sendo amigo dos Ackerman, não haveria
inconveniente em dedicar-me alguns minutos, senhor
Lamarr. Bem... Uma última coisa para não perturbá-lo mais.
Vou deixar meu cartão. — Cliff colocou o cartão sobre a
mesa e continuou: — Se, por acaso, o senhor Ackerman
comunicar-se com sua casa, poderia informar-me?
— É que... minha esposa e eu estamos de partida para o
Havaí.
— Havaí? — repetiu Nash, compreendendo tudo
perfeitamente. — Pois espero que se divirtam bastante!
Obrigado por sua atenção, senhor Lamarr. Bom dia e,
sobretudo, boa viagem!
Enquanto deixavam a linda vivenda, Nash pensava: Três
casais vão ao zoológico. Um deles desaparece e os outros
dois se apressam a fazer as malas e ir para bem longe de
Miami... É quase certo de que temem alguma coisa!
Assim que os jovens saíram, Noah Lamarr deixou-se cair
no sofá. Passou as mãos pelo rosto, notando-o frio. Na
realidade, Noah sentia um calafrio horrendo por todo o
corpo, desde que vira aquelas fotografias...
No dia anterior atendera uma chamada telefônica e a voz
de uma mulher jovem se fez ouvir.
— Desculpe se o chamo agora, senhor Lamarr. Sei que o
dia da entrevista está marcado para dois de junho, mas houve
mudanças em nossos planos. Poderá apresentar-se hoje
mesmo. Acontece que o dia dois cai num domingo e amanhã,
primeiro de junho, é sábado. Como não será possível retirar
o dinheiro do Banco...
— Já tinha previsto isto e retirei o dinheiro ontem,
senhorita.
— Bem... De todo modo, seria transtorno se viesse agora
mesmo ao lugar de sempre?
— Está certo... Só uma coisa... Sua voz não parece a
mesma que...
— Explicarei tudo assim que chegar. Dentro de meia
hora... Está bom para o senhor?
— Sim.
Noah Lamarr foi ao Bayfront Park. Não demorou muito e
viu uma moça que se acercava. Não era a mesma dos meses
anteriores. Mas pela maneira como andava em sua direção,
soube imediatamente que se tratava da cobradora e que, é
claro, o conhecia. A jovem, ruiva e muito bonita, parou
diante dele, sorrindo.
— Foi muito amável, senhor Lamarr. Entregue-me a
pasta, por favor.
— Aconteceu algo... especial? — inquiriu o homem,
passando a pasta às mãos femininas.
— Com efeito — assentiu a moça. — O senhor
Ackerman buscou complicações e fomos obrigados a fazer
uns pequenos reajustes. No momento ocupo o lugar de
minha companheira Bridgett... O que o senhor Ackerman fez
foi tão comprometedor que nos vimos forçados a pedir ao
senhor Holden que deixasse Miami... por uma longa
temporada. O senhor deveria fazer o mesmo.
— Por que devo sair daqui?
— Para não termos que matá-lo, no caso que faça
referências ao zoo. Talvez se sentisse obrigado a fazê-lo se o
interrogassem sobre o desaparecimento dos Ackerman. E
evidente que mataríamos também sua esposa, senhor
Lamarr. Foi o que fizemos com os Ackerman.
— Meu Deus!...
— Por isso, sugiro que vá para bem longe. Quando
regressar, cobraremos os meses atrasados... Podemos
esperar, pois vocês não são os únicos clientes. Entendido?
— Sim...
— Ótimo! Agora, quero lhe mostrar algo. É só para que
se convença de que não estou brincando e que, no caso que o
condenássemos à morte, seria executado de maneira
violenta. Pense também em sua esposa... Veja estas
fotografias, por favor. É a espécie de morte que sofreriam...
Noah Lamarr perdeu a fala à vista das fotografias
horripilantes que a jovem lhe punha diante dos olhos. Eram
tão apavorantes que sentiu as pernas vacilarem. Seu rosto
estava lívido quando ergueu-o para a jovem, que lhe sorria
docemente.
— Adeus, senhor Lamarr! Boa viagem! Ah! Nós vamos
chamá-lo pelo telefone e, se nos inteirarmos de que não saiu
de Miami... Bom... Viu as fotos. Verdade?
***
No momento sentado nó sofá do seu escritório. Noah
voltava a sentir aquele mesmo frio e suava de angústia. A
visão daquelas fotografias... Jamais poderia esquecer...
Jamais!
— O que queriam, Noah?
Lamarr soltou um grito e ergueu-se de um salto,
assustando a esposa, que acabava de entrar em seu gabinete
de trabalho. Fitaram-se, com olhos desorbitados.
— Era um detetive particular que Ed contratou — disse,
procurando acalmar-se. — Estão buscando Bob e Nora e
andam fazendo perguntas a respeito do zoológico...
— Você lhes disse algo?
— Claro que não! — resmungou Lamarr. — Acha que
estou louco?
— Não vejo razão para ficar tão alterado, querido...
— Devíamos ter viajado ontem mesmo... Como os
Holden. Eles estão cumprindo sua promessa... Já telefonaram
duas vezes e nos acharam em casa.
— Se voltarem a ligar, diremos que estamos de partida.
Meu Deus... Pobre Nora! E Bob! Oh, tudo isto é horrível,
Noah, horrível!
— E tudo por concordar com aquela “nova e grandiosa
diversão”. Maldita seja a hora em que fui a esse zoo!

CAPÍTULO TERCEIRO
Visitas aos zoológicos

Clifford Nash resolveu que deveriam ir ao zoo, embora


soubesse de antemão que perderiam tempo. Mesmo assim,
vinte minutos mais tarde, chegavam a um dos
embarcadouros de Key Biscayne, próximo ao Crandon Park
Zoo. Pouco depois, achavam-se passeando por suas
alamedas, comendo sanduíches.
Durante quase uma hora entreteram-se em ver os animais
e depois Nash decidiu:
— Será interessante interrogar o diretor. Vamos.
Este era um homem de meia-idade, simpático, cordial,
que os recebeu com amabilidade. Mas, ao escutar a pergunta
de Nash referente aos Ackerman, negou com a cabeça.
— Será possível que não se recorde nem mesmo do nome
dessas pessoas? — inquiriu o detetive, surpreso. —
Estiveram visitando o zoo.
— Não duvido, meu caro senhor. O que sucede é que
bem poucos visitantes me procuram. De qualquer forma, não
faço parte da fauna...
Os jovens sorriram divertidos com o gracejo do diretor e
Nash insistiu:
— Seria capaz de recordá-los se lhe mostrássemos suas
fotos?
— Talvez — admitiu o homem. — A verdade é que vem
muita gente ao zoo. Mas, de qualquer forma, terei prazer em
examinar as fotografias que me enviar.
— Far-me-á um grande favor, senhor Miles — assegurou
Cliff. — Tratarei de enviá-las o quanto antes. E não apenas
os retratos dos Ackerman, mas também dos Holden e dos
Lamarr. Quem sabe se, mostrando-as aos seus empregados
algum deles possa se lembrar dessas pessoas?
— Tudo é possível — admitiu o diretor. — Mas, diga-
me: que importância pode ter que alguns casais visitem o
zoológico? Muitos fazem isso...
— É precisamente o que estou tentando saber, senhor
Miles Acha que há algo... estranho, extraordinário neste
lugar?
— Não o entendo, senhor Nash... O que quer dizer?
— Vou tentar me explicar melhor — disse Cliff, paciente.
— Por exemplo, vocês vendem algumas das feras?
— Claro que não! — disse o diretor, quase gritando.
— Não escapou um dos animais nestes últimos dias?
— Não! Dou-lhe minha palavra! — retrucou Miles,
irritado.
— Sinto, diretor, não pretendi aborrecê-lo.. Continua
disposto a olhar as fotografias?
— Claro. Conte com isso.
— Obrigado. Telefonarei amanhã para avisá-lo sobre a
remessa das fotos. Até a vista, senhor Miles.
Saíram do escritório do diretor do zoo e Ophelia indagou:
— Onde pensa arranjar retratos dessas pessoas?
— Você se incumbirá disso. Não se ofereceu para me
ajudar no que fosse preciso?
— Está bem — disse ela e sorriu. — Verei o que posso
fazer.
Abandonaram o zoo e ainda visitaram o Parkt Paradise,
Monkey Jungle e o Serpentarium. Nos três locais haviam
perguntado pelos Holden, Lamarr e Ackerman e em todos
receberam resposta negativa. Não obstante, seus diretores
aceitaram a proposta de Nash de examinar as fotografias dos
casais. Aquilo não fazia sentido algum.
Por volta das sete da tarde, a lancha se deteve diante de
um embarcadouro pintado de branco e Ophelia indicou:
— Chegamos.
— Ótimo — disse Cliff, erguendo-se. — Foi um dia
bastante interessante, senhorita Prince. Agradeço-lhe por me
fazer companhia e... — Olhou em volta e comentou: —
Espere! Isto não é Miami Beach! Preciso recolher meu carro.
Nós o deixamos em...
— Pensei que aceitaria tomar um drinque comigo, senhor
Nash. Se não estivesse todo o tempo tão pensativo, teria
percebido que não íamos para Miami Beach.
Clifford pestanejou. Logo observou as casinhas que
surgiam perto do embarcadouro. Retirou os papéis
datilografados e leu o endereço da moça. Ali estava: 16,
Aurelia Avenue, Coral Gables. Por fim, seu olhar se deteve
no poste que indicava o nome da mesma avenida. Sorriu,
dizendo:
— Seu convite me parece uma boa ideia, senhorita
Prince.
Saltaram em terra e a jovem amarrou a lancha. Logo
apontou para uma das vivendas mais próximas. Na realidade,
era um bonito bangalô, rodeado de flores.
— É ali que moro. Gosta?
— Por fora, sim. Por dentro, ainda não sei...
Ophelia sorriu. Tomou-lhe a mão e caminharam até a
casinha. Assim que entrou, Cliff ficou encantado. O
ambiente era despretensioso, mas alegre, confortável e de
muito bom gosto.
— Isto é um paraíso! — exclamou Nash, sinceramente
admirado. — Creio que é o lugar indicado para um homem
ser convidado a tomar um drinque...
— Está falando a verdade?
— Juro! — assegurou ele, cruzando os dedos, fazendo-a
rir divertida.
— Bem... Vou à cozinha buscar gelo. Fique à vontade...
Ali está o bar.
Ela saiu e Cliff foi ao local indicado, colocando dois
copos sobre o balcão, servindo uísque. Bebeu um gole e
achou forte demais. Comparou mentalmente a garota que
deixara nua no elevador com Ophelia Prince. Suspirou,
aliviado, murmurando com seus botões:
— Esta não me parece imbecil...
Afastou-se do bar, orientando-se até a cozinha.
Achou o recipiente de vidro cheio de cubos de gelo, mas
não viu a jovem. Surpreso, regressou, chamando:
— Senhorita?
— Estou no dormitório, senhor Nash...
— Imagino que prefere o uísque com gelo. Trouxe-o
comigo...
— Adivinhou, senhor Nash... Entre!
Cliff empurrou a porta e por pouco o vaso com os cubos
de gelo não caiu de suas mãos. Seus olhos deram em cheio
na moça que, neste momento, trajava um baby-doll
transparente, de cor negra e se equilibrava sobre sandálias de
salte alto, da mesma cor.
— Gosta?
— Desculpe-me... Mas como disse que eu podia entrar...
— Já que está aqui — prosseguiu ela, sem parecer notar
sua perturbação. — Qual destas peças lhe parece mais
bonita?
Ao dizer isto, indicou outros dois baby-dolls atirados
sobre a cama.
— Para ser sincero, prefiro o azul — confessou. —
Embora o negro, lhe assente às mil maravilhas... Quanto ao
vermelho, creio que lhe daria um ar de garota de conjunto,
ou algo assim. Bom... Talvez não me explique bem, mas
acho-o vulgar. Não devia comprá-lo.
— Não o comprei. Deram-me de presente.
— Hum... Talvez algum dos seus anteriores...
convidados...
— Está dizendo tolices — disse Ophelia, sorrindo. — E
sabe perfeitamente disso, senhor Nash
— Quer me fazer crer que sou seu primeiro convidado?
— Exatamente.
— Nesse caso... Como conseguiu esse baby-doll?
— Comprei-os em uma liquidação, em Flagler Street. Na
compra de dois, presenteavam com outro. Compreende?
Pareceu-me um bom negócio. E, como só havia nestas três
cores, fui obrigada a trazer o vermelho. Mas tratarei de
oferecê-lo a outra pessoa. Pensando melhor, que tal
tomarmos champanha em vez de uísque? Tenho uma garrafa
no refrigerador. Iria buscá-la para mim?
Cliff permaneceu alguns segundos fitando Ophelia
Prince. Súbito, deu meia-volta e saiu do dormitório. Quando
regressou com a champanha, a jovem estava sentada diante
do espelho e conservava o baby-doll negro.
— Não acha que fico com ar de vampi cinematográfica
com esta roupa?
— De forma alguma... — retrucou ele.
— Faz tanto calor hoje... — murmurou ela, erguendo-se
da banqueta para se acercar dele.
Não estava quente aquela noite. Mas Cliff aceitou a
observação da moça, sem se alterar. Colocou as taças sobre a
mesinha, encheu-as com a bebida e estendeu uma para
Ophelia, que a ergueu, sorrindo um tanto encabulada.
— Sempre imaginei — sussurrou — que sucederia com
champanha...
E tocou sua taça na dele.

CAPÍTULO QUARTO
Pânico na manhã

Cliff Nash abriu os olhos e ficou observando o teto do


quarto. Permaneceu imóvel por alguns segundos, até que a
realidade foi penetrando em sua mente: pareceu-lhe ouvir um
ruído... Não pedia identificá-lo com precisão, mas havia sido
forte o bastante para despertá-lo. Moveu-se, acordando
Ophelia, que inquiriu:
— O que houve, Cliff?
— Escutei algo — respondeu ele, deixando o leito para
acercar-se da janela. Ela o seguiu rapidamente.
A janela, tipo guilhotina, estava quase fechada,
conservando uma pequena abertura de uns três centímetros
para a circulação de ar, Cliff segurou os ganchos, disposto a
suspendê-la. Então, ao mesmo tempo, ambos viram as
fauces, uma visão terrificante, surpreendente e tão
aterrorizante que os deixou imóveis.
Do lado de fora, ao pé da janela, rimados sobre as patas
traseiras de modo que as anteriores alcançavam o peitoril,
estavam os dois cães negros, enormes, vigilantes,
silenciosos, com as bocarras abertas, mostrando os grandes
dentes branquíssimos, com os olhos fosforescentes fixos
neles, demonstrando maldade e fúria satânica.
Ophelia se afastou e quis gritar, mas foi contida por Cliff,
que lhe tapou a boca com uma mão, enquanto com a outra
acabava de fechar a janela.
— Não grite — murmurou. — Tem alguma arma em
casa? — A moça negou com a cabeça. — Neste caso, pegue
suas roupas e vá para o banheiro e se feche por dentro. E, por
Deus, não abra a porta, aconteça o que acontecer. Vá,
Ophelia! Depressa!
Empurrou-a e foi ao lugar onde deixara suas próprias
roupas, sem deixar de olhar para a janela. A jovem saiu
correndo do dormitório e ele vestiu-se apressadamente,
seguindo até a cozinha, sem acender a luz. Abriu um dos
armários, pois recordava onde todos os utensílios se
achavam por ter ajudado a garota a guardá-los, recolhendo a
maior faca que ali havia.
Empunhou-a, percebendo que estava suando de medo,
pois vira os cães e sabia que eram dobermanns, os mais
ferozes representantes da raça canina. Era evidente que não
tinha intenção de enfrentá-los com aquela arma. Mas, no
caso que isso fosse preciso, pelo menos tentaria se defender.
Tudo quanto tinha em mente era chamar a polícia pelo
telefone.
Com a faca na mão, retrocedeu e passou pelo banheiro,
tocando na porta e chamando num sussurro:
— Ophelia?...
— Estou aqui, Cliff — respondeu ela, assustada.
— Não abra por nada deste mundo. Vou chamar a polícia
pelo te...
Naquele instante, ouviu o barulho de vidros quebrados.
Ficou sobressaltado e compreendeu que os cães iam entrar
na vivenda pela janela do quarto. Viu que não podia alcançar
o salão onde estava o telefone. Então, deu meia-volta e
começou a correr na direção da cozinha, escutando atrás de
si o som de coisas duras arranhando o solo. Quase gritou ao
perceber que eram as unhas dos cães. Virou a cabeça e
divisou as silhuetas dos animais, avançando velozmente para
ele.
Sem perder um segundo, Cliff chegou à cozinha quase
sem ar e fechou a porta atrás de si.
Do outro lado soou o choque dos corpos contra a madeira
e um grunhido apagado. Suando por todos os poros, Cliff
abriu a portinhola que dava para o jardim e saiu correndo
para o exterior, correndo até a avenida. Divisou outro
bangalô próximo e então desviou a carreira para lá. Precisava
pedir ajuda. Mas, ao virar a cabeça, gritou de pavor ao ver os
dois cães atrás dele, velozes e silenciosos...
Enquanto corria, Cliff imaginava que os animais haviam
saído pela janela do dormitório e que eram os mesmos que
atacaram Robert Ackerman.
Estava a ponto de voltar-se de novo para observar a
distância que o separava dos dobermann, quando viu os dois
homens junto a um carro estacionado. Não faziam nada.
Simplesmente, presenciavam o espetáculo. Cliff Nash
entendeu muitas outras coisas ainda e virou a cabeça a tempo
de notar que os cães estavam nesse momento a menos de dez
metros de distância.
Sua mente estava embotada, pois o pavor tira a
capacidade de raciocínio. E, quando tudo indicava que os
animais o alcançariam fez um supremo esforço e sua
inteligência o salvou. Mudou mais uma vez de direção,
perdendo o fôlego, enquanto suas pernas, aliadas à vontade
de salvar-se, corriam, levando-o ao canal, até os
embarcadouros.
Sem pensar em mais nada, saltou dentro da água, no
momento preciso em que as fauces dos dobermanns se
abriam atrás dele, a menos de dois metros. Não chegou a ver
como um dos cães foi incapaz de deter a corrida e caiu
também no canal, enquanto seu companheiro conseguia deter
se na borda do embarcadouro. Mas o animal só vacilou um
segundo, saltando no encalço do outro. Quando Cliff voltou
à superfície, divisou as duas feras nadando em sua direção,
sempre em silêncio. Todavia, na água, o homem levava
vantagem.
A corrente do Coral Gables Waterway era lenta, fraca, e
Cliff não teria a menor dificuldade para nadar até o
embarcadouro mais próximo, agarrar-se às tábuas e regressar
à terra firme, deixando os cães para trás. Contudo, ao iniciar
o movimento no líquido, os dois homens surgiram,
empunhando suas pistolas. Tampouco emitiam algum som.
Cada um deles sabia perfeitamente o que devia fazer.
Cliff viu-se obrigado a submergir. Por cima dele, duas
balas chocaram contra a água, fazendo surgir dois esguichos,
mas nem tomou conhecimento disso. Tudo quanto fez foi
nadar submerso a favor da corrente até que não aguentou e
teve que voltar à superfície.
Ao erguer a cabeça, respirando avidamente, viu o cão
diante de si. Afastou-se de um, mas se aproximou do outro.
Ao vê-lo, o animal avançou contra ele e Nash não pôde
evitar o encontro.
Levantou o braço direito e, com o facão de cozinha que
segurava com todas as forças, acertou um golpe contra a
cabeça do bicho. Este soltou um uivo, caindo sobre o rapaz,
que girou habilmente na água, esquivando-se do ataque e
ficou de lado com pavor do inimigo.
Só uma coisa lhe ocorreu naquela situação: rodeou o
pescoço do cão com os braços, tomou ar e submergiu,
apertando a cabeça do animal contra seu próprio peito, mas
de modo que a fera não o mordesse.
Sob a água, Cliff Nash sustentou a pior peleja de sua
vida. O dobermann, apesar de poderoso, pareceu
enlouquecer quando as águas o cobriram e começou a agitar-
se de tal forma, que Cliff chegou a temer que não pudesse
mantê-lo submerso, apesar de sua potência muscular.
Apertando o pescoço da fera, esqueceu o resto. Enquanto
tivesse ar nos pulmões, manteria o cão de costas, sem largar
seu pescoço. Súbito, porém, sentiu a cabeça chocar-se contra
algo e só então percebeu que girava, girava e girava... A
água entrou por seu nariz, ele abriu a boca e engoliu-a em
abundância.
Já não podia mais. E, ao se convencer de que todo o
esforço fora em vão, percebeu que o dobermann não mais
forcejava, que estava imóvel. Só então, soltou-o e ficou
quieto até notar em que direção seu corpo tendia a flutuar.
Naquele instante, impulsionou os pés e apareceu na
superfície rapidamente. Voltou a mergulhar, reapareceu e,
dessa vez, nadou até o embarcadouro. Chegou junto a uma
lancha, segurou-se na embarcação, e ficou ali, arquejante,
tossindo.
Seus olhos fitaram a mão direita que lhe doía e percebeu
que ainda segurava o facão. Estava a ponto de soltá-lo, para
subir na lancha utilizando ambas as mãos, quando escutou
pisada apressadas que se acercavam, ressoando nas tábuas do
embarcadouro. Ergueu os olhos e viu um dos homens. Mais
atrás, descobriu a mancha clara da roupa do outro. Voltou a
atenção, para o primeiro, notando que passava ao largo, na
direção da corrente.
E o cão que restava? Onde se achava? — inquiriu
mentalmente.
Dispunha-se a subir na lancha quando voltou a escutar as
pisadas. Compreendeu o que ocorrera: o homem ia embora,
imaginando que ele se afogara. E, desse modo, não era
necessário seguir pela borda do canal até o embarcadouro. O
sujeito passou junto da lancha amarrada, deu alguns passos e
se deteve, virando-se. Divisou Cliff. Então, aproximou-se da
borda do embarcadouro e ergueu a pistola... Sempre em
silêncio.
Cliff Nash nem chegou a saber o que fazia. Limitou-se a
mover o braço direito com força, atirando a grande faca de
cozinha.
Os resultados do seu gesto lhe foram favoráveis. Cliff
ficou espiando o tipo, de pé, com a faca cravada na garganta.
Súbito, caiu de bruços na lancha, que ressoou e se agitou,
desprendendo-se dos dedos do detetive. Em seguida, porém,
Nash voltou a segurar-se na borda e com ambas as mãos
livres içou-se com hábil impulso. Caiu de barriga sobre o
chão da embarcação, com o rosto a menos de dois palmos do
sujeito morto. Percebeu a pistola caída a seu lado e recolheu-
a, depois que acabou de subir na embarcação.
Permaneceu sentado com as pernas cruzadas, ofegante de
pistola na mão. Seu olhar abrangeu o canal e distinguiu a
silhueta branca do outro indivíduo, que caminhava pela
margem, observando a água. De repente, ele levantou a
cabeça e Cliff teve a certeza de que o descobrira, porque
começou a correr até ali. Certamente pensava que o inimigo
estava desarmado.
Quando o tipo se deteve, Cliff gritou:
— Deixe cair a pistola! Tenho a do seu amigo!
Mas o homem levantou o braço e disparou. A bala
ricocheteou contra o casco da lancha, dando a certeza ao
detetive de que o sujeito não se deteria por nada. Desse
modo, não lhe deu tempo de disparar pela segunda vez.
Ergueu a arma, apontou e apertou o gatilho
O tipo soltou um grito, abrindo os braços e deixando cair
sua arma. Pareceu que ia ficar naquela postura, mas terminou
por despencar de cabeça na água.
Cliff subiu ao embarcadouro e correu até o lugar onde o
sujeito caíra, sem conseguir divisá-lo. Viu, em troca, o outro
cão, que nadava até a borda do canal. Cliff apontou a pistola
na direção de sua cabeça, mas desistiu de fazê-lo ao
constatar que o animal não conseguiria subir ao
embarcadouro, pelo menos por ali.
Guardando a arma, regressou à lancha para se certificar
de que o primeiro homem estava realmente morto. Naquele
instante, escutou as unhas do dobermann arranhando o casco
da embarcação e estremeceu mais uma vez.
Regressou ao embarcadouro e se dirigiu à vivenda de
Ophelia, a toda pressa. Entrou e, depois que se identificou, a
moça abriu a porta de quarto de banho e abraçou-se a ele,
exclamando:
— Meu Deus! Está encharcado, Cliff!
— Preciso do seu carro, Ophelia! Depressa!
— O que aconteceu?
— Algo horrível... Matei dois homens e um daqueles
cães!... Foi espantoso! Creio que poderemos conseguir algo
positivo se você me emprestar seu carro.
— Aonde iremos?
— Não, não... Você ficará aqui.
De jeito nenhum, Cliff! Não quero ficar sozinha!
— Está bem. Neste caso, vamos. Não há tempo a perder.
Com Ophelia ao volante, acercaram-se do canal. Cliff
indicou que conduzisse pela borda, o mais próximo possível.
De vez em quando, saíam do veículo para observar a água
até que, em determinado momento, divisaram o dobermann,
esgotado, deixando-se levar pela correnteza.
— Ainda não encontrou um lugar por onde possa sair —
murmurou o rapaz. — Há algum embarcadouro cujas
escadas estejam ao nível da água?
— Sim. Um pouco mais abaixo há vários.
— Vamos esperar o cão junto ao primeiro.
Chegaram em menos de um minuto ao local indicado e
Ophelia estacionou o automóvel. Pouco depois, o animal
subia os degraus, escorrendo água, visivelmente extenuado.
Logo, porém, se orientou, seguindo canal acima.
— Vamos atrás dele — ordenou Nash.
O cão foi diretamente no local onde jazia o homem morto
sobre a lancha. Viram-no saltar dali e regressar ao
embarcadouro e, logo, voltar à lancha e, mais uma vez,
distanciar-se, como se estivesse indeciso.
— O que esperamos, Nash? — inquiriu a jovem,
assustada.
— Que o animal volte à sua casa. É uma ideia, mas
espero que dê resultado. Está com medo? — perguntou,
fitando-a.
— Sim, Cliff. Estou apavorada! — reconheceu ela.
— Eu também — disse ele, tentando sorrir. — Creio que
não devemos perder essa pista. Creio que o melhor a fazer é
esperarmos que o cão se afaste. Então, você voltará ao
bangalô e avisará a polícia. Eu me encarregarei de seguir o
dobermann, mesmo sabendo que não será nada fácil.
— E se ele voltasse à minha casa para me pegar?
Nash fitou-a sobressaltado e apressou-se a dizer:
— Será mais seguro não se afastar de mim, pequena.
— Sou da mesma opinião, querido — disse ela, sorrindo.
Cliff segurou-a pelo rosto e puxou-a para si. Beijando-a
nos lábios e as boas recordações da noite passada
amontoaram-se em sua mente. Todavia apenas por um
instante, porque se lembrou do cão e afastou-a, para olhar na
direção onde o dobermann se encontrava, deixando a moça
desiludida.
— Veja! O animal parece que se decidiu agora!
Empreende a retirada, por fim!

CAPÍTULO QUINTO
O regresso do dobermann

Ainda não eram oito horas da manhã quando Crosk viu o


cão aparecer pelo caminho. Ergueu-se rapidamente da
cadeira que colocara junto à janela, atirando fora o cigarro.
— Margo! — chamou. — Ao mesmo tempo, dirigiu-se a
um dos dormitórios, onde a moça ruiva dormia. Sacudiu-a
por um ombro, ordenando: — Acorde! Aconteceu algo! A
mulher abriu os olhos, viu o homem e sentou na cama, com
expressão interrogativa no rosto.
— Tamblin e Katter não regressaram... Apenas um dos
cães!
A ruiva soltou uma exclamação, pulou fora do leito e saiu
apressada do quarto, seguida por Crosk. Chegaram à janela
da sala de refeições quando o cão se achava a poucos passos
da casa. Sua língua estava de tal forma para fora que Crosk
compreendeu que o animal se encontrava extenuado. Foi
abrir a porta. O dobermann entrou, cheirou o homem e a
mulher e moveu o rabo curto, fitando os dois. Em seguida,
deixou-se cair de lado e ficou nessa posição, arquejando,
sem deixar de encará-los.
— Talvez o cão os tenha perdido de vista e voltou só —
observou Margo.
— Não. Deve ter acontecido alguma coisa grave —
manifestou Crosk.
— Não precisamos temer nada. Antes de partir para o
Havaí, o senhor Lamarr nos disse que esse detetive andava à
procura dos Ackerman, mas já deve ter abandonado a busca.
Possivelmente, Katter e Tamblin andaram atrás desse tipo,
mas, como não o encontraram em sua casa, continuam no
seu encalço. O senhor Lamarr informou que ele estava com a
secretária do advogado.
— Creio que devíamos deixar esse sujeito em paz. É
perigoso!...
— Como deixá-lo em paz se ele sabe que Ackerman
falou sobre o zoo? Acalme-se. Logo. Katter e Tamblin
estarão de volta com o outro cão, trazendo os cadáveres do
detetive e da moça para atirá-los ao mar, como se fez com os
Ackerman.
— O helicóptero chegará às nove horas para recolher os
corpos — lembrou Crosk, consultando o relógio. Ainda
dispomos de mais de uma hora.
Todavia, na hora marcada, Katter e Tamblin não haviam
regressado, nem o outro cão. O helicóptero é que foi pontual,
como da vez anterior, quando teve de levar os cadáveres dos
Ackerman e de Bridgett. Um único indivíduo saltou do
aparelho e se dirigiu à granja. Crosk saiu para recebê-lo,
informando-o:
— Katter e Tamblin não voltaram até agora. O recém-
chegado fitou-o surpreso, e entrou na casa, acocorando-se
junto ao dobermann, que o contemplou vigilante.
— O que está olhando? — perguntou Margo.
— Queria ver se o cão está ferido. O que acham que
aconteceu?
— Imagino que lhes sucedeu algo grave — opinou Crosk.
— Do contrário, o cão não voltaria sozinho. Para mim,
Katter e Tamblin estão mortos.
O piloto ficou preocupado. Virou-se para a moça,
ordenando:
— Margo, pegue seu carro e vá para Miami inteirar-se do
sucedido. Se foi um acidente ou algo especial, as notícias
sairão na televisão ou pelo rádio e jornais. Assim que souber
de alguma coisa, reúna-se conosco em Nova Orleans. Mas
não se mova de Miami até que eu a chame. Entendeu?
— Sim, claro, Wilkes.
— Crosk e eu iremos de helicóptero agora mesmo. Antes,
porém, teremos que matar o cão.
— Por que isso, Wilkes? — perguntou Margo. — É um
bom animal, está bem treinado e...
— Bem treinado por Katter e Tamblin. Se eles estão
mortos, este animal só nos causará problemas. Mate-o,
Crosk. É uma ordem!
Crosk virou a cabeça para o dobermann e mordeu os
lábios. O cão o fitava confiante, tranquilo. O homem sacou a
pistola, apontou rapidamente e disparou. O bicho saltou,
emitindo um gemido leve, com uma bala na cabeça.
— Agora já dispõe de um cadáver para atirar ao mar —
disse Crosk, irritado. — Espero que isso o faça feliz.
Wilkes olhou-o com desprezo. Virou-se depois para a
ruiva, dizendo áspero:
— O que espera, Margo? Vá de uma vez.
A moça saiu da granja e Wilkes foi ao quarto,
regressando com um lençol, para envolver o corpo do cão.
Uniu as quatro pontas e fitou o comparsa, que se mantinha
sombrio e calado.
— Ajude-me! — resmungou. — Este animal pesa como
um cavalo!
Seguraram duas pontas cada um e seguiram até o
helicóptero. Margo apareceu naquele momento ao volante do
seu carro e se despediu, acenando com a mão.
Um minuto mais tarde, o aparelho alçava voo. De cima,
Crosk e Wilkes viram o automóvel de Margo rodando pela
estrada. Não notaram, porém outro veículo, metido entre os
inúmeros arbustos existentes na região e os dois jovens que
ali se achavam.
Às nove da manhã, Margo parou o carro diante do
edifício de número 480, de North Bayshore Drive, em Miami
Shores. Subiu ao apartamento 4-C e se ocupou em preparar o
desjejum, enquanto escutava o rádio. Não ouviu nada que lhe
interessasse e passou o resto da manhã deitada em uma
cadeira, no terraço do prédio, contemplando o mar azul. As
notícias do meio-dia foram muito interessantes.
Um homem morto havia sido encontrado em uma lancha
amarrada em um dos embarcadouros de Coral Gables
Waterway. Graças à televisão, Margo pôde reconhecer o
cadáver, quando a câmara exibiu um close do seu rosto.
Tratava-se de Tamblin.
O resto do domingo transcorreu sem maiores novidades.
Na segunda-feira, porém, o Miami Herald noticiava que o
Coral Gables Waterway, muito perto do mar, fora achado um
bonito cão da raça dobermann, afogado. E na terça-feira, ao
meio-dia, a última notícia pela televisão: um homem não
identificado fora achado no mar, morto com um balaço no
peito.
De posse dessas informações, Margo percorreu a lista
telefônica, até localizar o sobrenome Nash. Havia muitos no
catálogo. Mas a ruiva centralizou sua atenção na Nash
Investigations. De posse do número discou e foi atendida por
uma voz de mulher. Depois de dizer o que pretendia, foi
informada de que o senhor Clifford Nash não tinha
comparecido à agência desde o sábado. Agradeceu e buscou
o número de Ophelia Prince. Ali, ninguém atendeu ao
telefone, e ela desistiu. Por fim, discou para o escritório do
advogado Donner, sendo informada de que este se
encontrava ausente também desde o sábado. Intrigada,
desligou.
Sua ligação seguinte foi para a Eastern Airlines. Margo
reservou uma passagem para Nova Orleans, aonde chegou às
nove e meia da noite. Rumou diretamente para o
apartamento onde Wilkes se achava com Crosk. Ali os
colocou a par de tudo quanto apurara. Ao terminar o relato,
Wilkes comentou:
— Os rapazes e o cão estão mortos. E quanto ao detetive
e sua acompanhante?
— E provável que tenham morrido também —
manifestou Margo. — Ninguém sabe deles desde sábado.
Nem a respeito do advogado Donner.
— Há uma coisa que não faz sentido — interveio Crosk.
— Se Tamblin e Katter foram mortos por esse Clifford Nash,
quem matou esse detetive e a moça que o acompanhava?
— Talvez tivessem trocado tiros e todos morreram —
sugeriu Margo.
— Digamos que foi o que ocorreu — concordou Crosk.
— Mas os cadáveres da secretária do advogado e do próprio
Nash não apareceram.
— Logo aparecerão mar adentro. De todos os modos,
creio que o melhor é informar nossa central sobre tudo isso.
Voltarei mais tarde.
Wilkes saiu do apartamento, para regressar quando já
passava da meia-noite.
— Deixaremos as coisas como estão. Miami ficará
esquecida por enquanto. Nenhum de nós se aproximará dessa
cidade. Mas temos ordens para começar a procurar novos
clientes para o zoo, em Nova Orleans. Amanhã mesmo
iniciaremos os trabalhos.
— Eu também, Wilkes? — quis saber Margo.
— Não. Você e Crosk descansarão por uma temporada.
As outras garotas ficarão encarregadas de recrutar o novo
grupo de clientes.
— Esperemos que seja um bom lote — disse Crosk e
sorriu.

CAPÍTULO SEXTO
Proposta aceita

Ao chegar em casa aquela tarde, o senhor Lassiter foi


informado de que sua esposa o esperava no salão com uma
visita.
Imediatamente, dirigiu-se para lá e, ao vê-lo entrar, o
homem que conversava com sua mulher, pôs-se de pé.
— Querido, este é o senhor Clifford Nash, detetive
particular.
Silas Lassiter estendeu a mão para o visitante e repetiu,
brincalhão:
— Detetive particular? Por acaso, necessitamos de um
detetive particular, meu bem?
— O senhor Nash veio até aqui por sua livre iniciativa,
querido — retrucou Vivian, com certa ironia, recordando o
procedimento um tanto leviano do marido.
— Ah! Bem... — disse este, corando um pouco, ao captar
a intenção nas palavras da esposa. — O que deseja, senhor
Nash? Espero que seu assunto seja breve, porque minha
mulher e eu partiremos amanhã em viagem e temos algumas
providências a tomar.
— É justamente sobre essa viagem que desejo lhes falar.
Será melhor que não a realizem. Bem... Tratarei de explicar
tudo... ou, pelo menos, tudo o que sei. Diga-me, senhor
Lassiter: falaram-lhe sobre um zoo?
— Não — respondeu o homem, surpreendido. — Por que
o fariam?
— Simplesmente porque eles os levarão a um zoológico...
Ouçam-me com toda atenção, por favor — iniciou Nash. —
No dia primeiro deste mês, um advogado chamado Donner
pediu-me que fosse vê-lo em seu escritório de Miami. Uma
vez ali, contou-me que...
À medida que avançava o relato, Nash percebia o grande
interesse que despertava nos Lassiter. Interesse que foi se
convertendo em incredulidade e espanto quando citou o
sucedido no Coral Gables Waterway.
— Conseguimos seguir o cão. — prosseguiu o rapaz. —
Escondemos o carro e nos ocupamos em vigiar a casa. Uma
hora mais tarde, chegou um helicóptero. O piloto entrou na
vivenda e, logo, ele e outro homem saíram carregando algo
pesado, envolto em um lençol. Creio que se tratava do
dobermann, que mataram. Depois, o aparelho alçou voo e
não podemos segui-lo, mas o fizemos sem perder um só
movimento da moça ruiva. Durante todo o domingo e
segunda-feira não saiu do apartamento. Na terça, porém, pela
tarde, estamos seguros de que foi ela quem ligou para minha
agência e para o escritório do senhor Donner, perguntando
por este e por sua secretária, do mesmo modo que havia
indagado por mim. Ao que parece, conseguimos enganá-la.
Tanto o senhor Donner, como a senhorita Prince e eu,
simplesmente tivemos a ideia de nos ocultarmos, como se
tivéssemos morrido, compreende?
Silas assentiu, boquiaberto.
— Na terça-feira pelas seis da tarde, a garota ruiva saiu
do edifício, foi até o aeroporto e seguiu num voo para Nova
Orleans...
— Como sabe tudo isso? — inquiriu Vivian, tão pasmada
como Silas.
— Bem... — disse Cliff, sorrindo. — Minha agência está
trabalhando neste assunto em tempo integral. Vários dos
meus homens, sob o comando do meu ajudante Mike
Bowles, estavam se revezando na vigilância dessa jovem
desde que, depois de vê-la entrar no prédio, chamei Mike
para que se encarregasse dessa parte.
— Então, o senhor se escondeu... — murmurou Silas.
— Exato. Como a senhorita Prince e o senhor Donner.
Porque tentaram me assassinar e a secretária do advogado,
imaginei que poderiam fazer o mesmo com o causídico, uma
vez que foi ele quem nos falou sobre o zoo. A propósito:
conseguimos fotos dos Ackerman, Lamarr e Holden e as
fizemos circular pelo Crandon Park Zoo e demais
zoológicos, por meio dos meus agentes. Os funcionários
desses estabelecimentos não se lembraram de nenhum desses
senhores nem de suas esposas. Mas, voltando à moça ruiva...
Ela embarcou para Nova Orleans e um dos meus homens
adquiriu uma passagem para o mesmo voo. Assim, quando
ela chegou a essa cidade pôde ser seguida. Dirigiu-se a um
edifício de apartamentos, de onde saiu na manhã seguinte. Aí
também, outros dois agentes e Mike Bowles que haviam
chegado a Nova Orleans, em avião particular, viram a ruiva
tomar um táxi e saltar diante de um motel, registrando-se sob
o nome de Margo Tracy. Um vigilante não a perdeu de vista.
Enquanto isso Mike e outro dos nossos companheiros
regressaram ao edifício de apartamentos, para se juntar ao
primeiro dos meus homens e chegar nesta cidade...
— Pelo que vejo, sua agência é importante e muito bem
servida, senhor Nash.
— Assim é — admitiu o detetive. — Mas deixe-me
continuar, por favor. Dizia que Mike regressara ao edifício
de apartamentos onde a ruiva estivera. E, naquela mesma
manhã, ele e outro agente viram sair dali dois homens que
foram identificados graças à descrição que fiz de ambos: um
deles era o tal do helicóptero e o outro, o que estivera na
granja com Margo. Esse último dirigiu-se a um hotel e pediu
alojamento, usando o nane de Maxwell Crosk. Desde então,
como a ruiva, está sendo vigiado ininterruptamente. Quanto
ao tipo do helicóptero, Mike descobriu que se chama James
Wilkes e...
— Espere um pouco, senhor Nash — pediu Lassiter. —
Suponho que o senhor não contou nada sobre este assunto à
polícia. Não é assim?
— Senhor Lassiter — reiniciou Nash, com paciência. —
Saiba que os dois homens que tive que matar no canal eram
assassinos profissionais. Parece razoável pensar que aqueles
cães mataram os Ackerman. A polícia está investigando o
sumiço de ambos e considero que já tem trabalho suficiente.
Por outro lado, a polícia não simpatiza com as agências
particulares de investigação, em geral. Talvez, mais adiante,
resolva explicar esta parte à polícia. No momento, porém,
prefiro continuar sozinho no caso. E sabe por que, senhor
Lassiter? Simplesmente porque quero descobrir que zoo é
esse e onde fica.
— Há muitos zoológicos na região, senhor Nash, e eu...
— Não, não, não! O senhor não entendeu! Este zoo não é
comum. E um lugar do qual os que o visitaram negam ter
notícias. Afirmam que jamais estiveram ali. Veja! Se eu
fosse contar tudo à polícia, o que acha que esta faria?
— Francamente, não sei... — disse Lassiter.
— Pois eu lhe digo: deteriam todo mundo relacionado
com o assunto: a ruiva, Crosk, Wilkes e as outras três garotas
que se ocupam em arranjar clientes para essas viagens. O
que aconteceria se elas e eles não soubessem tudo quanto
quero saber? Ficaríamos na metade do caminho. E não é o
que anseio, senhor Lassiter. Preciso chegar ao final do
problema. Já que mencionei as moças, tenho que lhe dizer
que James Wilkes foi vê-las em um pequeno chalé perto do
rio, na manhã em que Margo e Crosk buscaram alojamento
individual. Esses dois foram descansar, ao que tudo indica,
por uma temporada. As três jovens visitadas por Wilkes
eram parecidas com Margo: bonitas, simpáticas, alegres,
com certa classe... Uma delas veio a vê-lo, abordando-o com
muita simpatia e desenvoltura, no sábado... Não é assim?
— Exato — concordou o ricaço.
— Pois as outras duas fizeram contato com os cavalheiros
Cyril Samuels e Baldwin Grooms. O senhor os conhece?
— Claro — assentiu Silas, surpreso. — São bons amigos.
— A mesma técnica adotada em Miami Será que não
percebe? Nós vamos deixar que Margo e Crosk descansem
em seus respectivos alojamentos. Temos certeza de que não
intervirão no assunto por enquanto. Portanto, ficarão quietos
até que chegue o momento de detê-los. O caso é o seguinte,
senhor Lassiter. Depois de estudar os Samuels, os Grooms e
os Lassiter, eu me decidi por vocês. Quero que me diga
exatamente o que aquela bela mulher falou durante a visita
que lhe fez. Está seguro de que não mencionou um zoo?
— Seguríssimo. Ela me perguntou se podia conduzi-la à
cidade e acedi. Durante o trajeto, conversamos e, de súbito,
ela abriu o jogo. Afirmou que eu fora escolhido
escrupulosamente participar como cliente da nova diversão.
Fiquei interessado e curioso. Assegurou-me que sua
organização cobrava os serviços depois de comprazer o
cliente, o qual poderia negar-se a pagar se não ficasse
satisfeito. Pareceu-me razoável. Indaguei o que ela ganhava
com tudo isso e soube que recebia uma comissão por cada
cliente que arranjava.
— Ela mencionou o roteiro da viagem? — quis saber
Nash.
— Não. Disse apenas que era um lugar com diversões
inéditas no mundo...
— Eu também gostei da ideia — interveio a senhora
Lassiter. — Minha vida é um pouco aborrecida... Silas tem
seu trabalho e... outras coisas mais... Foi uma grande
delicadeza de sua parte resolver me levar desta vez, em lugar
de querer me fazer crer que se trata de uma viagem, de
negócios... Estou animada, senhor Nash.
— Sinto decepcioná-la, minha senhora — disse Nash,
sorrindo. — Mas quaisquer que sejam os componentes dessa
organização que proporciona diversões inéditas, dispõem de
assassinos profissionais e de cães treinados para matar. Não
devem esquecer isto. Creio que tenho uma solução que
talvez seja do seu agrado.
— Que solução?
— Poderei ir no lugar do casal. E, quando regressar, lhes
direi se vale a pena ou não essa viagem de diversões.
— Isto é impossível — afirmou Lassiter. — Eles nos
esperam, sabem quem somos. Além do mais, tem que ser um
casal. Não aceitam cavalheiros solitários.
— Isso não é empecilho — assegurou Cliff. — O senhor
poderia escrever uma nota apresentando-me como seu
amigo, para que ocupe seu lugar. Alegaria que tem de
atender um assunto inesperado em Washington, por
exemplo... É claro que, depois disto, o senhor e sua esposa
fariam uma viagem o mais longe possível de Washington,
acompanhados por Mike Bowles, que os avisará quando
deverão regressar à casa.
— Tudo isto me parece tão entranho, senhor Nash...
— Sei disso. Mas, se o senhor não aceitar minha
proposta, serei obrigado a comunicar tudo à polícia, o que
significa que de todos os modos não poderão viajar. Talvez
seja melhor assim.
— Por quê? — inquiriu Lassiter, irritado. — Os casais de
Miami voltaram. Não é assim? Não lhes aconteceu
absolutamente nada!
— Na viagem, não. Mas agora, tememos que os
Ackerman tenham sido assassinados, enquanto os Lamarr e
os Holden fugiram de Miami, apavorados. É possível que,
mais tarde, queiram matá-los também... Por que correr esse
risco, senhor Lassiter?
— O senhor está disposto a correr. Não?
— Esse é meu trabalho.
— Mas não é casado, senhor Nash — lembrou Silas. —
Como fará?
— Minha secretária aceitará passar por minha esposa.
Terei apenas que ligar para Miami chamando-a até aqui. É
uma jovem corajosa, que sabe manejar armas como um
homem, além de ser faixa preta de caratê. Vamos, senhor
Lassiter... O que mais posso dizer para convencê-lo? Alguma
vez foi agredido por um doberman?
— Creio que deveríamos aceitar a proposta do senhor
Nash, querido — murmurou Vivian Lassiter, empalidecendo.
Silas terminou por concordar com a mulher. Em seguida,
Nash deu algumas instruções ao casal e deixou a residência.
Uma vez na rua, tomou um táxi e foi ao encontro de Mike
Bowles. Este já o aguardava no local combinado, dentro de
outro táxi. Saiu do veículo ao ver o chefe e amigo chegar e
acercou-se, perguntando:
— Então? Como se saiu?
— Aceitaram que eu vá no lugar deles. A viagem é uma
grande surpresa para os clientes. Assim é que sei apenas que
amanhã, às seis da tarde, terei que estar na entrada do City
Park, a mando de Robert E Lee Boulevard, com minha
esposa... Com Trudy, é claro.
— Entendo — concordou Mike.
— Bom... Você se encarregará de avisar Trudy. Diga-lhe
para conseguir qualquer documento dos que temos
arquivados por meio do qual, ela e eu possamos passar por
casados... Sem fotografias, Mike. Ela poderá tomar o mesmo
avião que me trouxe para cá, de modo que chegará amanhã
às três e meia. Eu estarei esperando-a.
— De acordo. Quanto a Trudy, tudo está bem. Não creio
que a cúnheçam. Mas, e você? Tentaram assassiná-lo...
— Esses assassinos já não poderão me identificar.
Restam Crosk e Margo, mas foram afastados do negócio por
algum tempo.
— E sobre os clientes que essa gente contrata...
Descobriu algo?
— Bem, pelo que pude averiguar, são todos de meia-
idade e milionários... Não me encaixo em nenhum desses
requisitos — disse e sorriu Cliff.
— Ora... Tampouco é pobre... Outra coisa: o que
sucederá se eles se negarem a levá-los nessa tal viagem?
— Nesse caso, você e os rapazes, que nos seguirão o mais
discretamente possível, entrarão em ação para me ajudar a
deter quem quer que seja. Então, veremos o que ocorrerá.
— De acordo — admitiu, Mike Bowles.

CAPÍTULO SÉTIMO
Mergulho no desconhecido

Às três e meia da tarde do dia seguinte, Clifford Nash


achava-se a postos no aeroporto, esperando Trudy. Mas a
secretária não chegou. Em seu lugar apareceu Ophelia
Prince, elegante, belíssima, carregando uma valise. Ao vê-la,
Cliff olhou por trás da moça, na esperança de que Trudy
surgisse também.
— Olá! — disse Ophelia, sorrindo e caminhando na
direção do rapaz.
— E Trudy? Onde está?
— Ficou tomando conta de sua agência, querido... Ela me
ligou e fiquei sabendo que você precisava de uma moça para
apresentá-la como sua esposa. Então, ofereci-me para o
posto e ela compreendeu...
— Ophelia... — começou Nash, tentando conter a
irritação. — Meu pessoal é capacitado para enfrentar
diversas situações por mais difíceis que sejam. Mas você...
Luta caraté ou, pelo menos sabe manejar uma pistola?
— Qualquer um sabe usar uma arma, Cliff... — disse ela,
sorrindo.
— Está bem... Vá sentar ali. Voltarei em seguida.
Vinte minutos depois, regressou para junto da jovem,
dizendo:
— Infelizmente, não há nenhum vôo que Trudy possa
tomar em Miami e estar aqui antes das seis da tarde. Desta
forma, você terá mesmo que vir comigo.
— Não terá queixa de mim, Cliff... Ah! Trudy deu-me
alguns documentos que provam que somos marido e mulher.
A partir de agora, seremos Ruth e Thomas Carawan. Aqui
estão — disse, retirando os papéis da bolsa e entregando-os
ao rapaz.
O pseudo-senhor Carawan recebeu-os e ficou olhando-a
entre preocupado e divertido. Por fim, puxou-a por uma
orelha e atraiu-a para si para beijar-lhe os lábios.
Até as cinco e meia passearam no carro alugado pelo
rapaz. Depois, ele deixou o automóvel em um
estacionamento e tomaram um táxi que os levou ao City
Park. Para tranquilidade de Cliff, durante todo o trajeto,
divisou o amigo e ajudante Mike Bowles ao volante de outro
veículo.
Depois de despacharem o táxi, colocaram as maletas a
um lado da estrada. Passava das seis e meia quando um carro
se deteve diante deles e um homem desceu, acercando-se
rapidamente.
— Suponho que são os amigos dos Lassiter — disse. —
Por favor, entrem no automóvel. Eu me ocuparei da
bagagem.
Outro sujeito saiu também do veículo para abrir o porta-
malas e as valises foram colocadas ali. Cliff e Ophelia
ocuparam os assentos de trás e o primeiro homem sentou
junto ao motorista.
Assim que o automóvel arrancou, o sujeito virou-se para
os jovens, sorridente.
— Peço que nos desculpem o atraso. Acontece que não
nos preveniram de que tomariam o lugar dos Lassiter.
Somente depois de telefonarmos para a casa deles é que
fomos informados de que o casal viajara para Washington e
que vocês iriam substituí-lo. São Ruth e Thomas Carawan.
Não é assim?
— Exato — retrucou Cliff.
— Ficarão maravilhados com a viagem, posso garantir...
— A propósito: é mesmo verdade que só devemos pagar
se apreciarmos o passeio?
— Claro — assegurou o indivíduo, endireitan do-se no
assento.
Pouco depois, o carro se detinha perto da margem de
Lake Pontchartrain e o tipo se voltou de novo para informar:
— Chegamos.
Os quatro saíram do veículo. Os dois sujeitos se
ocuparam da bagagem, colocando-a em um barco que já os
esperava. Os dois jovens foram convidados a entrar na
embarcação. O motorista regressou ao carro e seu
companheiro empunhou os remos, começando a manobrar o
barco até o centro do lago. Pouco mais tarde, Cliff e Ophelia
viram outros dois barcos adiante deles. O jovem fitou o
remador interrogativo eeste explicou:
— São outros convidados. Os senhores Grooms e os
senhores Samuels.
Continuaram avançando até que se reuniram aos demais
barcos e se detiveram ao mesmo tempo. O remador informou
mais tuna vez:
— Logo virão buscá-los.
Minutos mais tarde, surgiu um hidroavião, que foi pousar
bem no meio do triângulo formado pelos três barquinhos. A
portinhola foi aberta e uma escada metálica arriada até a
água. Nos outros dois barcos, Cliff reconheceu os Grooms e
os Samuels, descritos com detalhes pelos Lassiter.
Todos subiram a bordo, onde uma formosa garota os
esperava.
— Senhoras e cavalheiros: sejam bem-vindos a bordo.
Meu nome é Penny e espero que apreciem minha companhia
durante este primeiro trecho da viagem. Perdão — disse,
fitando Cliff e Ophelia surpresa. — Vocês foram
convidados?
— Penny! — ouviram a voz do remador dos Carawan.
— Oh! Desculpem-me por um instante — disse Penny,
descendo pela escada. Reapareceu, quase em seguida,
recolheu a escadinha, fechou a portinhola e aproximou-se de
Cliff e Ophelia, que a fitava preocupados.
— Tudo entendido, senhores Carawan. Decolaremos
imediatamente.
Foi até a cabina da tripulação. Quando abriu a porta, Cliff
pôde ver o homem que comandava o hidroavião. A porta se
fechou e o aparelho começou a deslizar pela água e, logo, se
elevou. Parecia que seguia a direção do golfo do México.
Penny reapareceu e se perdeu no interior, voltando com
um carrinho, onde se viam champanha e copos. Serviu a
bebida, entre sorrisos e amabilidades.
Momentos mais tarde, Cliff compreendeu que a rota se
desviava para o oeste. Nessa direção o aparelho permanecera
voando por mais de três horas. Finalmente, Penny surgiu,
dessa vez saindo da cabina do piloto.
— Vamos amerissar. — informou. — Preparem-se para
desembarcar.
Minutos depois, o hidroavião se detinha e o ruído do
motor de uma lancha chegou aos ouvidos de todos. As
bagagens foram retiradas e os convidados passaram à lancha.
Cliff imaginou que estavam próximos à costa mexicana.
Fitou os dois homens da lancha, mas optou por não fazer
pergunta alguma. Logo alcançavam a praia e dois sujeitos
surgiram carregando uma prancha de madeira, que foi
colocada de modo a evitar que os convidados molhassem os
pés, ao desembarcarem.
— Por aqui, senhores — indicou um dos guias.
Duzentos metros afastado da praia havia um carro negro,
reluzente. Os casais ocuparam os assentos e o automóvel
rodou por um caminho de terra, que tomava a jornada um
tanto incômoda pelos solavancos do veículo. Apenas cinco
minutos mais tarde, os convidados divisaram uma esplanada
diante deles e, no centro desta, a forma inconfundível de um
avião.
Apesar do cansaço que sentiam, viajando durante tantas
horas seguidas e em diversos meios de transporte, os casais
viram-se dentro do avião. Ali, compreenderam que não eram
os únicos passageiros. Quase todos os assentos estavam
ocupados.
Uma jovem de grande beleza apareceu, dizendo: — Bem-
vindos! Senhores Grooms, Samuels e Carawan, seus
assentos estão na proa. Por favor, sigam-me.
Escutaram o motor do carro se afastando. Logo, a porta
do avião foi fechada. Nash lançou um olhar pelas pessoas
sentadas e calculou que aquele aparelho tinha trinta lugares.
Um avião particular, sem sombra de dúvida.
— Vocês são os últimos — informou a jovem. —
Decolaremos agora mesmo. Chamo-me Lucille.
O avião começou a movimentar-se e alçou vôo, tomando
a direção do mar. A escuridão era completa. Somente mais
tarde, as hizes foram acesas. A voz de Lucille voltou a ser
ouvida:
— Senhores passageiros, esta é a última etapa da viagem,
cuja duração será de quatro horas e meia. Na bolsa de cada
assento encontrarão a lista de tudo quanto posso lhes
oferecer. Peço a cada um assinalar suas preferências, para
dar maior agilidade ao serviço, que esperamos seja do agrado
geral. Esperamos aterrissar paleas duas da madrugada.
Obrigada.
— Ainda não disseram para onde nos levam — sussurrai
Ophelia.
— E não dirão — sentenciou Cliff.
Todavia, depois que Lucille reapareceu, acom-panhada
por outras duas auxiliares, tão bonitas e amáveis quanto ela,
e começaram a servir os passageiros, Cliff chegou a pensar
que realmente estavam viajando para algum paraíso e que o
sucedido em Miami não tinha nada a ver com tudo aquilo.
Pouco a pouco, a conversa foi diminuindo, a música
cessou, as luzes foram amortecidas e os convidados
terminaram vencidos pelo sono, inclusive o detetive Clifford
Nash...
Ele despertou ao escutar a voz agradável de Lucille:
— Senhoras e senhores, aterrissaremos dentro de cinco
minutos. Por favor, coloquem os cintos de segurança.
Obrigada.
Antes de atender ao pedido da moça, Cliff olhou pela
janelinha, inclinando-se para Ophelia, que o fitava como se o
interrogasse:
— Não vejo nada — murmurou. — Absolutamente nada.
Nem uma única luz. Isto aqui não é um aeroporto.
No tempo determinado por Lucille, o avião aterrissou. A
escada foi colocada e os passageiros começaram a descer,
dentro da mais completa escuridão.
— Onde estamos? — quis saber Cliff.
— Se quer saber a verdade, nem eu mesma sei — disse e
sorriu a moça. — Mas, que importa isto? Qualquer lugar do
mundo é bom para ser feliz, senhor Carawan.
— Tem razão. Até a vista.
— Adeus! Adeus, senhores Carawan!
Ophelia segurou a mão de Cliff e desceram.
Quase sem enxergar o que havia em frente, foram
conduzidos até um automóvel, com os demais casais. O
veículo arrancou e durante alguns minutos viajaram
completamente no escuro. Depois, o motorista acendeu os
faróis e os condutores dos carros que seguiam na frente
fizeram o mesmo.
Passados dez minutos, divisaram as luzes e, logo,
puderam distinguir a casa, grande, de paredés escuras. À
porta estavam vários homens esperando. Quando os
automóveis pararam ocuparam-se das malas.
Os passageiros agruparam-se e, de súbito, apareceu um
negro muito alto, atlético, de sorriso franco e cordial, vestido
impecavelmente.
— Bem-vindos, senhoras e cavalheiros — disse, em
inglês perfeito. — Eu sou Norberto, o chefe do pessoal.
Estarei à sua disposição, dia e noite. Por agora, presumo que
todos preferirão descansar, de modo que os conduzirei aos
seus alojamentos. Sigam-me, por favor. As acomodações
estão no andar superior. Em cada porta está indicado o nome
de cada casal e suas bagagens estão sendo distribuídas...
Uma observação a fazer apenas, quanto aos Carawan...
Como não tivemos tempo de trocar o cartaz com o nome dos
Lassiter, os senhores ocuparão o quarto destinado a eles.
Amanhã mesmo terão seu sobrenome afixado à porta do
dormitório que lhes foi reservado.
Entraram na casa e subiram até os aposentos. Cliff
empurrou a porta e viu suas malas e as de Ophelia sobre um
móvel próprio para isso. A moça, por sua vez, lançou um
olhar em torno, dizendo:
— É bonito...
Efetivamente, o dormitório era espaçoso, decorado em
azul e tinha quarto de banho privativo. Oe um lado, via-se a
cama de casal, rodeada de peles que pareciam de jaguar.
Haviam ainda um sofá, duas poltronas, armário embutido,
uma pequena estante com livros, toca-discos
Cliff acercou-se da janela que dava para a fachada da
casa e olhou para baixo. Os carros já não se achavam ali e as
luzes haviam sido apagadas. Ophelia aproximou-se,
passando um braço por sua cintura.
— Creio que estamos em alguma parte da selva sul-
americana — comentou Cliff.
— O que vamos fazer aqui? — perguntou ela, assustada.
— Neste momento, senhora Carawan — retrucou ele,
tentando sorrir. — Acho que devíamos dormir... Amanhã
será outro dia.
CAPÍTULO OITAVO
Desconcerto e terror

Em uma coisa Clifford Nash tinha razão: estavam em


uma selva. Pelo menos tudo quanto seus olhos abarcavam
era mato. Acordara muito cedo e resolvera dar uma espiada
pela janela. Soltando um suspiro de resignação quanto ao
que pudesse advir, voltou à cama e estendeu-se ao lado da
moça, adormecendo novamente.
Acordou com o barulho da água. Ergueu-se e foi ao
quarto de banho. Ophelia estava na banheira cheia de água.
— Bom-dia, meu amor — disse ela, sorrindo.
— Viu a selva que nos cerca? — inquiriu ele, fitando-a.
— Claro. Você estava certo. Não quer banhar-se?
O senhor Carawan sorriu de orelha a orelha. Meia hora
mais tarde, quando os dois já se achavam vestidos, chegou
um criado negro com o desjejum.
— Que programa de diversões temos para hoje? — quis
saber Cliff.
— Não sei.
— Bem... Mas alguém virá buscar-nos. Não?
— Não sei.
— Ah!... Você não fala inglês. Não é isto?
Como o negro o fitasse sorridente, como se esperasse
alguma ordem, Cliff indicou a porta. O negro se retirou.
Ophelia examinava o desjejum naquele momento e parecia
satisfeita.
— Hum... Tenho apetite — declarou. — E você, querido?
— Também... Mas creio que não nos trouxeram aqui
apenas para comer... Gostaria de saber que tipo de diversões
irão nos oferecer...
Às dez horas, o hercúleo Norberto apresentou-se à porta
do dormitório dos Carawan, tocando na madeira com os nós
dos dedos.
Cliff atendeu em pessoa e o negro perguntou: — Estão
preparados?
— Há algum tempo — respondeu Nash. — Quando
iniciaremos a jornada?
— Logo. Precisamente vocês são os primeiros. Venham
comigo, por favor.
Saíram da casa. Embaixo, um carro os esperava com um
motorista negro, junto ao qual Norberto sentou. O veículo
rodou pela selva. Havia um caminho aberto, quase cômodo,
fácil de percorrer. Viajaram por entre árvores bastante altas
que ocultaram a luz do sol durante três minutos apenas.
Pouco mais tarde, surgiu outra casa, cor de terra, muito
menor do que a primeira, onde os casais se alojaram. Toda
ela estava rodeada por um jardim que Ophelia achou
encantador.
Súbito, perceberam a paliçada.
— O que há ali? — indicou Cliff.
— O zoo — explicou Norberto, voltando-se e sorrindo
com amabilidade. — Suponho que o doutor os informará de
tudo.
— Doutor? Que doutor?
— O doutor — afirmou Norberto e virou-se para a frente.
O carro parou diante da vivenda. Norberto desceu e abriu
a portinhola para os Carawan. Em seguida, levou-os até a
porta da casa empurrou-a e apontou o interior, dizendo:
— Estão sendo esperados na sala, à esquerda.
Fechou a porta, ficando do lado de fora. Cliff e Ophelia
entreolharam-se. Logo se dirigiram à sala indicada. A
primeira coisa que viram foram os quatro cães dobermanns,
deitados de lado no chão, fitando-os. Cliff notou que a mão
de Ophelia que segurava a sua crispava-se com força. Olhou
para a moça e percebeu sua extrema palidez. Assim ele devia
estar também.
— Entre, entre, senhor Nash, por favor... — ouvi uma
voz amável. — E você também, senhorita Prince.
Os dois estavam tão aterrorizados com a visão dos cães,
que tardaram alguns segundos para compreender que alguém
os tinha chamado por seus verdadeiros nomes. Mas então,
tinham visto o casal de anciães. Ambos possuíam o rosto
bronzeado e os cabelos muito brancos. Seus olhos eram
azuis, grandes e perscrutadores. O homem devia ter sessenta
anos e a mulher pouco mais de cinquenta. Não obstante, suas
cabeleiras correspondiam a pessoas que tivessem mais de
oitenta anos. Os dois eram muito bonitos, especialmente a
mulher. Trajavam-se de branco. O conjunto que ofereciam
era assombroso e impressionante. Estavam sentados juntos
em um sofá e diante deles, em uma mesinha, via-se a
bandeja do desjejum.
— Não temam — disse o homem. — Os cães não lhes
farão mal... se eu não ordenar. Suponho que já tomaram a
primeira refeição...
— Os cães ou nós? — murmurou Cliff, por fim.
Os velhos sorriram, divertidos.
— Gosto das pessoas que têm senso de humor, senhor
Nash — declarou ele. — Em troca, não aprecio as que se
metem em assuntos que não lhes dizem respeito.
Compreende?
— Sabia todo o tempo que eu era Clifford Nash. Não é
assim? — indagou Nash.
— É evidente que você não pôde enganar meus
empregados dos Estados Unidos durante muito tempo.
Imagino que o tenham reconhecido e acharam melhor trazê-
lo até aqui, pois perceberam que lá dispõe de muitos meios
de investigação. Fui informado de tudo no que concerne a
você e sua bela acompanhante. Não foi lamentável o que
sucedeu em Miami, senhor Nash?
— Foi terrível! — afirmou a velha senhora. —
Esperemos que não volte a acontecer nada parecido.
— Vejo que estão a par de tudo — disse Cliff. — Posso
saber quem são vocês?
— O doutor e a doutora — disse o homem, sorrindo.
— Isto é tudo?
— É suficiente. Sabe por que achamos conveniente trazê-
lo aqui, senhor Nash?
— Fale.
— Porque o fato do senhor ter conseguido ocupar o lugar
do casal Lassiter indica claramente que sabe muitas coisas
sobre meus empregados dos Estados Unidos. É natural que
eu queira saber o que você conhece sobre eles para poder
agir de agora em diante. Ao que parece, ver-me-ei obrigado a
reestruturar minha organização em seu país. Não acha?
— Isso não é da minha conta.
— Tem razão. Você terá apenas que me dizer o que sabe
dos meus empregados, melhor dizendo, de quais empregados
sabe algo, a fim de que possa retirá-los do trabalho por uma
temporada ou fazer com eles o que mais convier.
— Matá-los, por exemplo?
— Por que não, se sua existência se tornar prejudicial
para mim?
— Pensa em nos matar também?
— Ainda não decidi. Segundo me consta, vocês estão
interessados no zoo... Gostariam de vê-lo?
— Sim.
O doutor assentiu com a cabeça e fitou Ophelia.
— Você não diz nada, jovenzinha? Parece Ho assustada...
— Não — negou Nash. — É que é uma das poucas
mulheres que sabem quando devem ter a boca fechada.
— Uma qualidade bastante elogiável. Por curiosidade,
senhor Nash, o que aconteceu com Tamblin e Katter e os
dois cães?
— Fui obrigado a matar dois homens e um cão. O outro
nós seguimos até a granja.
— Entendo. Daí conseguiu a pista até os demais... Avisou
a polícia, suponho...
— Sim.
— Neste caso, Maxwell Crosk, Margo Tracy, James
Wilkes e as três moças de Nova Orleans estão vigiadas.
— Exatamente.
O ancião ficou pensativo, mas a mulher pôs uma mão
sobre as suas, dizendo:
— Não se preocupe. Mesmo que sejam presos, não
poderão dizer nada. Sabem que o zoo existe e o que fazemos
aqui em sua maior parte, mas não poderão nos encontrar.
Enquanto não chegarem ao piloto do grande avião, não há o
que temer. Mesmo que detenham todos e se inteirem de
muitas coisas, estaremos a salvo. Além do mais, poderemos
prescindir dos clientes dos Estados Unidos.
— É onde ganhamos mais dinheiro — arriscou o doutor.
— Não importa. Deixaremos esse país fora de nossas
cogitações por algum tempo... Se quiser, suspenderemos
nossas atividades.
— Deixar o trabalho? — disse sobressaltado o doutor. —
Claro que não podemos fazer isso!
— Para que prosseguir? — murmurou ela, abatida,
retirando a mão que cobria os dedos do marido. — Na
realidade, faz tempo que sabemos de nosso fracasso e nos
convertemos em algo muito diferente do que sempre
sonhamos.
— Está certo — retrucou ele. — Mas, ao menos, temos
dinheiro... E só com muito dinheiro poderei seguir tentando.
— Não queira enganar-se a si mesmo. Ambos sabemos o
que ocorreu. Agora, a única coisa que nos interessa é o
dinheiro. Mas, por acaso, não foi mais do que o suficiente? O
melhor a fazer á acabar com tudo, esquecer o zoo porque
sabemos que é inútil. Queríamos ser considerados
maravilhosos. Agora, porém, se a polícia nos capturasse,
seríamos condenados à morte.
— A polícia nunca nos prenderá.
— Quer prosseguir, então?
— Sim. É um divertimento para mim. E para você... Não
negue.
— No princípio me divertia. Agora, não. Será que você
ainda se diverte com este trabalho?
— Claro. É verdade que não consegui o que planejava,
mas tenho dinheiro. Quem sabe, algum dia terei êxito?
— Não alimente ilusões... Já não somos os mesmos.
— Não devíamos discutir na presença de nossos
convidados — disse o doutor, fitando sorrindo a Cliff e
Ophelia. — Terei muito prazer em lhes mostrar o zoo, se
realmente desejam vê-lo.
— Sim — afirmou Nash. — Tenho muita curiosidade em
apreciá-lo e saber por que as pessoas que o visitaram negam
tê-lo feito.
— Nós também negaremos que o vimos, Cliff? —
indagou Ophelia.
— Vocês são diferentes dos nossos visitantes habituais —
adiantou-se o doutor, antes que o rapaz pudesse responder à
pergunta da moça. — São mais jovens, mais formosos...
Formam um casal magnífico! É bem possível que minha
decisão sobre vocês seja diferente.
— Vai nos assassinar? — inquiriu Ophelia. — Não nos
deixará regressar aos Estados Unidos como os demais?
— Assassiná-los? Claro que não. O destino de ambos
merece algo mais importante que o do resto dos convidados.
O doutor pôs-se de pé e continuou:
— Bem. Vamos ver o zoo.
Os quatro doberman ergueram-se também e a doutora foi
a última a fazê-lo. Parecia fatigada.
— Importa-se se eu ficar em casa? — desculpou-se.
— Não. Eu farei as honras a nossos jovens visitantes. Até
logo!
Saíram da casa rodeados pelos cães. Norberto estava ali
esperando, conversando com o motorista do carro. Clifford
observou-os com atenção, procurando em suas roupas a
saliência que revelasse a presença de uma pistola; mas
chegou à conclusão de que não estavam armados. Quanto ao
doutor, protegido pelos quatro dobeman, não precisaria de
arma alguma.
— Abra, Norberto — ordenou o doutor. — Vamos entrar.
Suponho que todas as jaulas estejam bem fechadas.
— Sim, doutor, naturalmente.
O atlético negro começou a caminhar na direção da
paliçada e os demais o seguiram. Enquanto se
movimentavam, Cliff notou algo que chamou sua atenção de
modo especial: os dobermanns iam se atrasando, até o ponto
de obrigar o doutor a se voltar para eles, a fim de ordenar
que seguissem em frente. Só assim, os animais reuniram-se
ao grupo, embora parecessem ressabiados, amedrontados.
Havia uma porta na paliçada, que foi aberta por Norberto.
O negro desapareceu, regressando depois de alguns minutos.
Mas nesse intervalo, Cliff e Ophelia escutaram um
verdadeiro coro de grunhidos, gemidos, lamentos e rugidos
de fúria. Os cães retrocediam tremendo e o doutor precisou
de toda autoridade para conseguir que os animais entrassem
por aquela porta.
Ophelia se agarrara com as duas mãos a de Cliff, que
notava seu tremor, sua tensão. Ele, por suá vez, não estava
menos assustado do que a moça. Por um instante, teve
vontade de recusar ao convite para ver o zoo, mas Norberto
lhes fez um sinal e ambos cruzaram a portinhola, seguidos
pelo doutor.
Ali dentro, o coro de gritos, rugidos e lamentos tomava-se
mais forte. A paliçada era circular e presas à parede de
troncos estavam as jaulas, de sólidos barrotes. Era dali que
brotava aquela espécie de tempestade de sons. Um dos
dobermanns conseguiu escapar a toda pressa antes que
Norberto tivesse tempo de fechar a porta. Os outros se
chocaram contra os troncos e começaram a ladrar, até que o
doutor deu um soco na cabeça de um deles. Então,
emudeceram, mas atinuaram tremendo, sem controle.
Clifford Nash deixou de prestar atenção aos cães ao sentir
a dor aguda na mão à qual Ophelia se agarrava.
Instintivamente, retirou-a e viu nela as marcas produzidas
pelas unhas da jovem a tal ponto que fazia o sangue brotar
dos arranhões. Surpreendido, fitou Ophelia e a viu, lívida,
com as pupilas fixas em uma das jaulas. Então, olhou
também e sentiu como se o chão paltasse sob seus pés.
— Venham. Venham vê-los de perto — convidou o
doutor.
Mas nem Cliff nem Ophelia podiam mover-se do lugar.
Ambos, brancos como cadáveres, contemplavam o exemplar
que ocupava aquela jaula.
— Não temam — pareceu-lhes chegar a voz longínqua do
doutor — as jaulas estão bem fechadas. Venham, venham...
Tenho muitos exemplares variados.
Os dois caminharam como autômatos até aquela primeira
jaula. Dentro havia um homem, ou algo parecido. Estava
completamente despido, sujo e coberto de crostas suporantes
por entre as quais crescia o pêlo. Seus cabelos e barba eram
muito compridos e formavam um emaranhado de tal forma,
que só permitia ver os olhos negros, ardentes, de córneas
avermelhadas... Os lábios sem cor e cheios de gretas
entreabriam-se para mostrar os dentes amarelados. Parecia
mais uma fera do que um homem.
— Pelo amor de Deus... — gaguejou Cliff, apavorado.
— Não lhe parece um exemplar interessante?
Dispunha-se a fitar o doutor, quando percebeu que
Ophelia havia se virado de lado e vomitava. Acercou-se dela
e apertou-a contra o peito, abraçando-a pelos ombros. A
jovem fechou os olhos, tremendo, e Cliff olhou ao redor,
vendo o cartaz no alto da jaula, com os dizeres: Sapavanda
(Índia).
— A senhorita Prince não se sente bem?
Nash encarou o doutor, que os contemplava entre amável
e surpreso. Atrás dele via a figura gigantesca de Norberto.
— Mas... O que é isto? — gemeu Cliff.
— Meu zoológico. Venha, venha... Quero lhes mostrar
mais exemplares.
O doutor caminhou na frente, mas nem Ophelia nem Cliff
conseguiram se mover. Norberto empurrou o rapaz e, então
eles prosseguiram adiante, a moça abraçada à cintura de
Cliff, e andando com os olhos fechados.
Na jaula seguinte, o cartaz indicava: Tao Cheng (China).
— Este é o leproso do zoo — apresentou o doutor.
— O... leproso? — indagou Cliff, quase gritando.
— Sim, claro. Parece que você ainda não entendeu isto,
meu caro!
— Por Deus! E claro que não entendi! Jamais poderei
entender!
— Não se precipite em suas opiniões. Deixe-me explicar.
Já visitou algum zoológico? Estou certo que sim. Muito bem:
o que viu ali? Exemplares da fauna mais interessante. Não é
verdade? Agora, diga-me, senhor Nash: por acaso, o homem
não faz parte da fauna do planeta Terra?
— O senhor... O senhor é um louco!
— Claro que não. Sou apenas um cientista. Até a alguns
anos estudei animais irracionais. Um dia consegui um gorila.
Interessante. Coloquei-o em uma jaula e comecei a
experimentar com ele...
— Que tipo de experiências?
— Boa pergunta... — diste e sorriu o doutor. — Todas as
experiências que puderam me ajudar a conhecer a natureza
animal, suas possibilidades em todos os aspectos, sua
evolução. Dessa forma, são injetados determinados vírus em
seus corpos para que adoeçam e, logo, se começa a estudar
neles o modo de curá-los em benefício do homem. Não é
assim, senhor Nash?
— Bem... Sim, mas...
— Mas — interrompeu-o o cientista. — Em todas as
investigações, encontramos sempre a mesma dificuldade: a
falta de comunicação do animal utilizado. Sabemos o que lhe
injetamos, assim como a enfermidade que o atacará e então
começamos a estudar o modo de curá-la. Em todo este
trabalho, o animal nos oferece somente seu corpo. Mas não
se comunica conosco, privando-nos, dessa maneira, de uma
ajuda que resultaria inestimável. Não seria maravilhoso se
um porquinho-da-índia nos dissesse o que sente exatamente,
onde lhe dói e o que mais concorre para aliviá-lo? É possível
adivinharmos algumas dessas reações. Infelizmente, porém,
quem nos poderá garantir que estamos certos em nossas
deduções? Por isso, quando consegui o macaco, que era
animalzinho muito simpático, comecei a afeiçoar-me a ele e
lhe disse: Ah! Como seria diferente se pudesse falar, meu
amigo! No final das contas, é o animal mais parecido com o
homem! Minha ideia inicial foi ensinar-lhe a falar. Todavia
compreendi em seguida que isso era impossível. Não se
tratava apenas de falar, mas teria de educá-lo, proporcionar-
lhe certos conhecimentos e fazer com que pudesse pensar
para poder expressar-se convenientemente. Era de todo
impossível. Somente o homem tem meios para isso. Está me
comprendendo?
Cliff engoliu em seco e suspirou fundo antes de admitir:
— Receio que sim... Concebeu então a idéia de fazer
experiências com seres humanos...
— Exatamente! E comecei a pensar, a pensar... Por fim,
já decidido, busquei um lugar adequado e me dediquei a
conseguir animais racionais para minhas investigações
científicas.
— Eles concordaram em ajudá-lo?
— Claro que não. Vieram até aqui enganados. Quando
percebiam já estavam em uma jaula. Para manipulá-los,
adormeço-os com uma injeção que disparamos de fora da
jaula. Então, são transportados à minha casa, trabalho neles,
são devolvidos ao seu domicílio e passo a aguardar os
acontecimentos, estudando e conversando com eles...
— Porque faz tudo isto?
— Não entendeu ainda, senhor Nash? Em benefício da
ciência e do homem! Não pode compreender a importância
de minha idéia! Os resultados maravilhosos que se poderia
obter... Não obstante, fracassei. Sabe por que não obtive
sucesso, senhor Nash?
— Por quê?
— No início, pensei que tudo ia bem, que poderia
conseguir o que me propunha, que em pouco tempo teria
material suficiente para apresentar uma série de estudos
sobre o homem e suas reações que assombrariam o mundo.
Ah! Isso teria significado o prêmio Nobel! Mas... Esses
estúpidos animais racionais reagiram pior do que os
irracionais... Tornaram-se agressivos e, finalmente, deixaram
de falar... Eu já havia ordenado que me trouxessem
exemplares os mais diversos. Queria ter um zoo humano. O
senhor sabe que os homens são diferentes uns dos outros,
não apenas em questão direta de raça, mas também de
mentalidade, de reações, de sistemas de vida... Um pigmeu
africano não é igual a um mongol, assim como um hindu não
se assemelha a um sueco, nem um japonês a um árabe.
Entende?
— Sim... Claro que entendo... Mas isto tudo é uma
barbaridade!
— Por quê? — perguntou o doutor surpreendido. — O
que fazemos com os animais irracionais? Não os encenamos
em jaulas? Observe a fauna humana. Não é também curiosa
e digna de estudo? Compare as diferentes raças, costumes,
cor da pele, aspecto físico... Formamos um zoo, senhor
Nash. Dispomos de uma imensa variedade que eu poderia
estudar, conseguindo o maior êxito científico, em benefício
da humanidade. Cada um deles foi contagiado por
determinada enfermidade que é ou foi uma praga para o
homem. Vamos à jaula seguinte.
Nessa última, o cartaz indicava: Kaleolo (Havaí).
— É um polinésio. Observe-o bem: contagiei-o de sífilis.
Hoje em dia, essa doença é um problema praticamente
superado, mas... sempre restam pequenos cabos soltos. Eu
poderia resolver isso se Kaleolo tivesse colaborado. Negou-
se a fazê-lo. Veja seu olhar de ódio, sua boca fechada. Acha
razoável a atitude de Kaleolo e dos demais?
Cliff Nash passou a língua pelos lábios. Observou o
polinésio que estava comido pelas chagas e tinha o olhar
negro cravado no doutor. Com efeito, seus lábios se
mostravam tão apertados, tão unidos, que talvez terminassem
soldados um ao outro.
— Alguma vez o senhor se colocou no lugar destes
homens?
— Claro que não. Eu sou um cientista, eles são apenas
exemplares do zoo humano.
— O senhor fracassou...
— Por culpa deles. Compreendi, finalmente, que, por
muitos exemplares que abrigasse aqui, a reação de todos
seria a mesma: o homem não está disposto a sacrificar-se
para ajudar seu semelhante.
— O doutor se sacrificaria? — interrogou Cliff, irônico.
— Talvez. E o senhor, detetive?
— Não.
— Puro egoísmo humano. Enfim, já havia organizado
meu zoológico quando admiti que fracassara por culpa do
elemento humano. O que fazer então? Soltar todos? Matá-
los? Curá-los? Porque sei que se os deixasse livres e
saudáveis, viriam buscar-me e me fariam em pedaços. Foi
quando já me dispunha a matá-los e a esquecer tudo, que tive
a grande idéia. Eu possuía um zoo surpreendente. Muito
bem: por que não explorá-lo? Não é assim que fazem com os
animais? E levava a vantagem de ter um zoo inédito.
— Por sorte.
— Bem. É sua opinião contra a minha. Veja este
exemplar, senhor Nash... Não lhe parece formidável?
Cliff observou primeiro o cartaz. Dizia: Ngo Yae Pinh
Dei (Sião).
Logo, olhou para dentro da jaula. Eram dois rapazes
muito jovens, unidos pelo cotovelo. A visão de dois
autênticos irmãos siameses unidos deixou-o atônito por
alguns segundos. Logo ficou horrorizado ao perceber que um
deles não dispunha de olhos nem orelhas. Virou-se para o
doutor, que sorriu e encolheu os ombros.
— Uma simples alteração cirúrgica... Tratava-se de saber
se o que ficasse sem ouvidos e sem olhos perceberia os
estímulos visuais e auditivos de seu irmão. Mas eu lhe falava
de minha idéia. Para que tivesse sucesso iria necessitar de
uma classe muito especial de clientes... Precisava ser gente
endinheirada e farta de tudo. Por acaso não ofereço algo
realmente novo, original, inédito? Visitar meu zoo é uma
experiência impressionante, algo que não se pode esquecer.
Não apenas pelo que se vê, mas principalmente porque
arranjei as coisas de modo que seja assim.
— Explique-se melhor.
— Meus clientes são obrigados a pagar mensalmente uma
cota alta. Por exemplo: a quantia do senhor Ackerman, de
Miami, era de vinte e cinco mil dólares mensais. Acha que
valia a pena morrer por esse dinheiro?
— Suponho que não — murmurou Cliff. — O que
aconteceu?
— O senhor Ackerman seguiu Bridgett Rines, a
cobradora de Miami, e, com certeza, exigiu-lhe as
fotografias e os filmes, a fim de...
— Que fotografias e filmes são esses?
— Espere — disse o doutor, sorrindo. — Terminemos
com o caso do senhor Ackerman. Certamente ele exigiu que
Bridgett lhe entregasse as fotos e os filmes. Porém ela não os
tinha em seu poder. Ele irritou-se e a matou. Logo, se
dedicou em procurar os retratos e os filmes...
— Por isso, a casa estava toda revolvida — murmurou
Cliff.
— Ele perdeu tanto tempo que Ketter e Tamplin
chegaram com os cães. Os doberman alcançaram o senhor
Ackerman quando tentava escapar e o mataram.
Clifford Nash ia se acalmando. Via os nomes no alto das
janelas, à medida que iam caminhando, mas evitara olhar o
interior das mesmas. Era melhor não ver. Junto dele, mais
serena, sem soltá-lo, Ophelia andava, com o olhar fixo no
solo.
— O que ocorreu com a senhora Ackerman? — inquiriu
Nash.
— Enquanto era estrangulada por um dos meus homens,
outro batia fotos para convencer os senhores Lamarr e
Holden de que o melhor era obedecer.
— Entendo.
A capacidade de assombro e repulsa de Nash chegara a
seu limite. Pensava estar sonhando e a qualquer momento
poderia acordar e ficar livre daquele pesadelo.
— Nesta parte estão as mulheres — indicou o doutor. —
Não querem vê-las?
Ophelia soltou um grito e escondeu o rosto no peito de
Cliff, que simplesmente baixou o olhar.
— Que fotografias são essas, doutor?
— Antes de informá-lo, o senhor e a senhorita Prince irão
converter-se em exemplares do zoo. Entrem nesta jaula, por
favor.
Cliff ergueu a cabeça, aturdido, e viu Norberto muito
próximo, junto de uma jaula cuja porta de barrotes estava
aberta.
— Não — negou. — Não, não, não!
— Vamos, vamos, não se assuste... Já lhe disse que
compreendi meu fracasso quanto às experiências científicas
com seres humanos. Não se trata disso, senhor Nash. É
simplesmente porque não disponho de um casal de raça
branca. Não é curioso? Tenho pigmeus, watusi, esquimós,
japoneses, hindus, chineses, polinésios... Enfim, muitos.
Mas, até agora, não tinha representantes da raça branca.
Serão uma atração a mais.
— Não vamos entrar aí...
— Neste caso, senhor Nash, verá como meus cães
destroçam a senhorita Prince. Escolha. Podem ficar
contentes de que reste apenas uma única jaula vazia... Assim,
terão que ficar juntos. Entram ou não?
Cliff e Ophelia entreolharam-se. Logo, como autômatos,
entraram na jaula, que Norberto fechou com uma chave.
O doutor ficou diante deles, sorrindo.
— Agora, posso satisfazer sua curiosidade, senhor Nash.
Dentro em pouco, os demais convidados virão aqui e, sob
ameaças, serão obrigados a entrar nas jaulas ocupadas. As
mulheres o farão nas jaulas onde se acham meus
animaizinhos masculinos e os homens onde se encontram as
mulheres raivosas que agora os contemplam. Imagine que
fotografias e filmes poderemos tirar quando nossos
convidados estiverem nas jaulas com seus pares!
— Você é um louco! Um demente! — gritou Cliff.
— Não, não. Fracassei em minhas ambições científicas,
mas estou ganhando rios de dinheiro! Dentro de alguns dias,
as fotos e filmes serão projetados para nossos convidados.
Logo, serão advertidos de que as películas ficarão arquivadas
e que, a menos que a cada mês paguem sua cota, cópias de
toda classe serão enviadas ao seu país, cidade e ao seu
círculo social... Não há marido que não esteja disposto a
pagar, senhor Nash. Compreende? Para todos que vêm ao
zoo, a experiência é muito amarga. Preferem não falar disso,
esquecê-lo... mas cada mês pagam o estipulado. Tenho
clientes em toda a América. É lamentável que o que
começou por amor à ciência termine por amor ao dinheiro.
Verdade? Não se perde o espetáculo. Pense que você e a
senhorita Prince foram afortunados...
CAPÍTULO NONO
Reação veloz

Clifford Nash e Ophelia Prince permaneciam sentados


dentro da jaula, silenciosos, sem sequer se fitar, cada um
deles mergulhado nos próprios pensamentos.
O doutor cumprira sua palavra, mostrando-lhes o zoo.
Não fora um sonho, mas uma dolorosa realidade.
Depois, Norberto chegara com os cães, conduzindo os
convidados e acontecera tudo aquilo. Pânico geral. As
fotografias foram batidas...
Ele e Ophelia já não queriam ver nada... Tinham fechado
os olhos e tapado os ouvidos com as mãos para não ouvir os
gritos desesperados de todos.
Nesse momento não se ouvia nada. Nada. O silêncio era
total.
Só de vez em quando, uma espécie de gemido proferido
por algum dos inquilinos daquele zoo espantoso cortava o ar.
De ambos os lados da jaula que ocupavam, haviam
outras, todas exibindo pobres mulheres desesperadas,
verdadeiros trapos humanos.
Ophelia e Cliff não queriam olhar, nem ouvir, não
queriam saber mais nada. Haviam visto o princípio e fora
demasiado... Algo apavorante como jamais podiam imaginar.
— Meu Deus!... — suspirou Ophelia, depois de longo
silêncio.
Cliff levantou a cabeça e fitou-a.
Já era noite, mas o céu não tinha nuvens e as estrelas e a
lua em quarto minguante, cada vez mais fina, podiam ser
vistas com facilidade.
— Ophelia...
— Cliff... Estou morta de medo! Creio que vou morrer de
medo!... Não sei quanto tempo aguentarei esta situação!
Ele se acercou, abraçando-a.
— Acalme-se... Por favor, querida, acalme-se.
Precisamos nos conservar serenos. Compreendo seu medo,
seu pavor, mas não deve deixar-se dominar pelo histerismo.
Ophelia se abraçou a ele com força. Estavam ambos
sentados e ela começou a chorar mansamente. Cada
estremecimento da jovem era como uma chicotada que Cliff
Nash recebia. Queria tirá-la dali e voltar a Miami, esquecer
tudo. Mas, como conseguir tal coisa? Já tentara abrir a porta
da jaula, sem o menor êxito. Era impossível separar os
grossos e fortíssimos barrotes de ferro. Achavam-se em uma
jaula, no zoo, isto era tudo. E ali ficariam... Por quanto
tempo? O que mais estava para acontecer?
Fosse o que fosse, teve início uma hora mais tarde.
Ophelia e Cliff permaneciam sentados, abraçados, em
silêncio e a moça parara de chorar.
Nash percebeu que a porta da paliçada se abria. E não
teve a menor dificuldade em identificar a pessoa que entrou,
fechando-a atrás de si: era impossível confundir Norberto,
tão grande, tão atlético. Cliff sacudiu Ophelia suavemente,
indicando-lhe o indivíduo. Ambos viram o negro aproximar-
se.
Norberto deteve-se diante da jaula, sorridente. Que dentes
tão brancos e enormes!...
Clifford Nash teve uma esperança, mas, em seguida,
compreendeu que se equivocara, quando o negro disse:
— Vá para o fundo da jaula, senhor Nash e vire-se de
costas.
Cliff pôs-se de pé e se agarrou aos barrotes, perguntando:
— O quê?... Aiii!
— Cliff! — exclamou Ophelia, erguendo-se também. —
O que houve?
— Nada — arquejou o rapaz. — Nada.
A verdade é que algo ocorrera. Norberto havia estendido
a mão armada com um porrete de uns cinquenta centímetros,
golpeando os dedos de Cliff. E depois, enquanto Nash
colocava a mão machucada sob a axila do outro lado em
busca de alívio, Norberto brandiu o pedaço de pau com mais
força ainda, sem subterfúgios.
— Faça o que lhe ordeno.
— O que pretende?
— É muito simples: gosto de sua esposa, senhor
Carawan...
Soltou uma gargalhada e agitou mais o porrete.
Clifford Nash fitou-o por alguns segundos. Logo, deu
meia-volta e caminhou até o fundo da jaula, seguido por
Ophelia, que se abraçou a ele, trêmula de pavor, pois
compreendera também as intenções do negro.
— Oh, meu Deus, não!... Cliff! Não deixe que ele!... Não,
Cliff, não! Quer matá-lo a golpes!...
— Afaste-se! Não é por mim quem deve se preocupar —
disse Nash com voz rouca.
Empurrou-a e Ophelia ficou encolhida, fitando Norberto
com olhos desorbitados pelo medo. O negro acabava de
entrar na jaula e tratava de trancá-la de novo com a chave
enorme. Guardou-a e se acercou por trás de Cliff que
permanecia de costas, imóvel. Ergueu o porrete. Ophelia
conteve um grito e levou as mãos; à boca. Norberto brandiu
um golpe tremendo contra a cabeça de Cliff Nash, que
percebeu o momento exato da ação do negro, graças ao
alarido feito pela jovem.
Sua reação foi tão veloz que Norberto não pôde evitá-la.
O pedaço de madeira bateu em um dos barrotes transversais,
ressoando com estrépito, sem roçar sequer Cliff, que se virou
e atirou a mão direita, rígida, de dedos separados, contra o
rosto do guardião do zoo. O alarido deste foi espantoso
quando o dedo indicador de Cliff mergulhou em seu olho
esquerdo. Sua reação foi instintiva, normal: soltou o porrete
e levou ambas as mãos ao rosto, sem deixar de berrar.
Nash aproximou-se, lhe golpeando na altura do estômago.
Sabia muito bem que seus socos eram terríveis, capaz de
enviar um homem a dois ou três metros com um único golpe.
Todavia, o que ocorreu com Norberto foi tão
surpreendente, que deixou o detetive imóvel, pasmado. O
negro parou de gritar, afastou as mãos do rosto e atirou-se
contra Cliff, que se inclinou, recebeu a avalanche humana
sobre os ombros e, ao erguer-se com violência, jogou-o
contra os barrotes existentes às suas costas.
Norberto bateu a cabeça na grade de ferro e caiu sentado,
ao mesmo tempo em que procurava se livrar da tonteira
momentânea que o invadira.
Cliff, porém, não permitiu que se refizesse. Recolheu o
porrete do chão e antes que o negro pudesse esboçar outra
reação, golpeou-o no alto do crânio.
Os olhos de Norberto se abriram muito, ficaram
desorbitados, mostrando as córneas brancas e giraram sem
controle. Finalmente, o colosso negro caiu fulminado para
trás, golpeando-se de novo contra os barrotes.
Ficou do jeito que tombou, inerte, quieto.
Cliff acocorou-se a seu lado e tomou-lhe o pulso. Estava
vivo, mas desmaiado o suficiente para não inteirar-se de
nada. Arrancou-lhe a chave e acercou-se de Ophelia,
tomando-a pelo braço.
— Vamos sair daqui.
Abriu a porta da janela e viram-se no exterior. Naquele
momento, os ocupantes do zoo começaram a berrar, gritar e
golpear os barrotes.
Vozes roucas, esganiçadas, gritavam em inglês, chinês,
francês e em outros idiomas, pedindo a Cliff Nash ficou sem
saber o que fazer. Pensou:
Liberdade? Que liberdade podiam esperar aqueles
pobres seres? Que classe de vida, que futuro teriam?
A gritaria, não obstante, era terrível, furiosa, suplicante.
Todas as jaulas se estremeciam sob a pressão daquelas mãos
descamadas, daqueles dedos chagados.
Por cima da paliçada Cliff divisou o brilho da luz.
Compreendeu que era da casa do doutor e da doutora.
Haviam despertado com o barulho infernal que infelizes
faziam.
— Esse louco virá com os cães, Cliff — lembrou
Ophelia, com voz trêmula.
— Tenho algo muito adequado para os animais —
afirmou o jovem.
Após falar, Nash não vacilou mais. Abriu uma jaula,
depois outra e outra e outra.
A gritaria nesse momento era indescritível ao seu redor.
Os berros pareciam partir seus tímpanos. Alguns dos
inquilinos do zoo caíam ao sair das jaulas, sem forças para se
manterem sobre as pernas.
Cliff atirou a chave dentro de uma das jaulas ainda
fechadas, ordenando:
— Abra você mesmo e continue abrindo as demais!
Ele e Ophelia estavam rodeados de seres livres que caíam
ou que corriam de um lado para outro, sem saber o que fazer.
Só gritavam e gritavam... Alguns choravam, certamente, de
alegria por se sentirem livres de novo.
Cliff buscou a mão de Ophelia e apontou a porta.
Começaram a correr nessa direção. Todavia, naquele
instante, a entrada se abria e os quatro cães surgiram a toda
velocidade.
Clifford Nash não se surpreendeu em absoluto pelo que
aconteceu em seguida.
Os quatro dobermann, por sua vez, resvalaram sobre a
poeira em seu intento apressado de frear a corrida e, depois
de rodar pelo solo, um deles se pôs de pé, soltou um gemido
de pavor e se lançou, atrás dos companheiros em louca
carreira buscando a saída, fugindo dos seres do zoo, que se
precipitavam, por fim, até a porta aberta recém-descoberta.
A chave corria de mão em mão e cada vez era maior o
número dos libertados, quando Cliff e Ophelia conseguiram
chegar à saída, fechada por aquela massa pestilenta, enferma,
ulcerosa.
O espetáculo daquela pobre gente era tão horrendo que
Ophelia retrocedeu. Cliff entendeu o gesto da companheira e
se dispôs a esperar de um lado da porta, aguardando que
todos houvessem saído. Sabia que os cães estavam se
afastando dali como se estivessem perseguidos por mil
demônios.
— Não se mova daqui — recomendou à Ophelia.
Sem perder um minuto, dirigiu-se à jaula onde havia
deixado Norberto e entrou. Tinha certeza de que o negro
chegara de carro e devia ter também a chave do veículo no
bolso. Se fosse assim, poderia...
Deteve se, espantado, de olhos presos naquela coisa que
havia no piso da jaula. O que era aquilo? Observou o local
onde deixara Norberto estendido e não viu nada. Voltou a
fitar a coisa que aparecia diante dos seus pés e retrocedeu ao
perceber que se tratava de uma perna humana.
Logo, viu os demais restos do corpo despedaçado do
negro, espalhados pela jaula.
Sentiu uma aflição tão grande que teve de se agarrar a um
dos barrotes e permanecer ali, com os olhos fechados,
lutando para não vomitar. Durante alguns segundos, pensou
que jamais voltaria a respirar com normalidade. Pouco a
pouco, porém, conseguiu se acalmar e foi se recuperando.
— Cliff! Cliff! — escutou a voz assustada de Ophelia. —
Não me deixe sozinha aqui!
O grito angustiado da moça trouxe-o de volta à realidade.
Abriu os olhos e observou ao redor.
Descobriu os pedaços da roupa manchados de sangue o
ocupou-se em examiná-los até encontrar a parte das pernas
da calça. Soltou uma exclamação de alegria quando seus
dedos apalparam a dureza das chaves do carro. Retirou-as,
limpou-as e correu até a porta.
Cruzava a esplanada do zoo quando notou que já não
restava ninguém nas janelas.
— Cliff! Por Deus! Onde esteve? — perguntou a jovem,
trêmula e assustada.
O rapaz acercou-se rápido e ela abraçou-se a ele. Estavam
sozinhos no zoológico. Os exemplares do doutor se
afastavam mais e mais de sua prisão horrenda, enchendo o ar
com seus gritos e berros estridentes.
— Acha que estão se dirigindo à casa do doutor? —
inquiriu Ophelia.
Cliff estremeceu, recordando o que as “feras” do zoo
haviam feito com Norberto. Assentiu apenas, enquanto,
segurando a mão da moça, começava a correr com ela,
saindo da paliçada. Ali, muito próximo desta, viram o
automóvel.
— O carro! — exclamou Ophelia. — Se as chaves
estiverem na fechadura!...
— Estão comigo, querida — disse ele, exibindo-as diante
dos olhos esperançosos da jovem.
Meteram-se no veículo e Cliff tratou de pô-lo em marcha.
Fez uma manobra, dirigindo-o até o caminho. A casa do
doutor estava totalmente iluminada e essa luz facilitava o
movimento do carro pela estrada de terra. Apesar disso,
acendeu os faróis e ainda pôde ver as “feras” entrando na
vivenda.
Ao passar muito próximo desta, os gritos que escapavam
dali eram horripilantes e o fogo já aparecia por uma janela.
Alguns daqueles seres correram atrás do carro, mas Cliff
tratou de acelerá-lo, deixando-os desconcertados.
— Devem ter matado o cientista e sua mulher — afirmou
Ophelia.
— Sim. Devem tê-los feito em pedaços — assegurou o
jovem.
— Por que diz isso?
— Não sei... Imagino que o tenham feito — mentiu ele,
evitando contar o que vira na jaula, onde deixara Norberto
desacordado.
— Santo Deus! A casa está pegando fogo por todos os
lados!
— Melhor assim. Se o arquivo dessas chantagens estiver
aí dentro, não sobrará nem rastro... Cuidado!
Ophelia voltou-se para frente, sobressaltada. Escutou o
golpe contra o automóvel, mas não chegou a ver do que se
tratava.
— O que foi isso, Cliff? — perguntou.
— Nada... Nada.
Contudo, compreendeu muito rápido o que sucedera
quando viu vários homens no caminho levantando os braços
e fazendo sinais para que o veículo se detivesse.
— São os criados do doutor!
Cliff buzinou forte, mas um dos empregados desafiou-o,
ficando em frente do automóvel. Então, Nash aumentou a
velocidade fazendo-o saltar no ar, obrigando os demais a se
afastarem para os lados a fim de não serem também
atropelados.
— Você os vê ainda? — indagou o rapaz, sem diminuir a
marcha.
Ophelia virou o rosto para trás, retrucando:
— Sim, porque as chamas que envolvem a residência do
doutor ilumina tudo. Estão correndo para lá, Cliff.
— Não sabem o que os esperam — disse Nash, apertando
os maxilares. — Vão deparar com seus amiguinhos do zoo
no meio do caminho. Sinto por eles... Mas para nós será
ótimo, porque ficarão distraídos. — fechou a cara e disse: —
Vá correndo ao lugar onde estão os automóveis e assegure-
se, querida! Depressa! Não se demore!
Haviam chegado diante da outra casa, que servia de
alojamento para os convidados. Ophelia abriu a porta e
saltou para fora, tratando de obedecer a ordem do rapaz. Ele,
por sua vez, buzinou forte por alguns segundos e também
saiu do veículo, olhando para as janelas do andar superior,
nesse momento cheias dos assustados clientes do zoo.
— Deixem tudo e desçam imediatamente! Não temos
tempo a perder! — gritou Cliff. — Vamos em busca do
avião!
Não teve necessidade de dar maiores esclarecimentos.
Em escassos minutos, os convidados estavam fora da casa e
vários homens correram até o enorme galpão da parte de
trás, onde se achavam os automóveis. Eram cinco no total.
Ophelia reapareceu, informando com alegria:
— As chaves estão nos veículos, querido!
— Graças a Deus — murmurou ele. — Entrem, depressa!
Os casais se distribuíram da melhor forma possível e Cliff
abriu a marcha na direção que supunha certa para chegar
onde imaginava que permanecia o avião.
— Acelerem! Acelerem! — gritava. — Os empregados
do zoo podem chegar de um momento para outro!
Em menos de dois minutos, a comitiva se afastava da
casa-grande. Sempre à frente, Cliff encontrou a marca dos
pneus no chão e tratou de segui-las. Estava convicto de que
iriam dar com o avião.
Calculando o tempo gasto na noite anterior da chegada do
avião à casa, pensou que a distância a cobrir não podia ser
superior a dez quilômetros. Em alguma parte da selva,
camuflado, o avião esperava para levar os “convidados” de
volta aos Estados Unidos, uma vez que tivessem acertado
com o doutor as condições da chantagem, em especial a cota
que deveriam pagar por mês.
Levavam seis ou sete minutos seguindo as marcas quando
Cliff deteve o carro e desceu rapidamente, virando-se para a
caravana motorizada. Quando todos o imitaram, gritou:
— As mulheres devem ficar nos automóveis! Os homens
virão comigo. Entendido?
Todos concordaram.
CAPÍTULO DÉCIMO
Fim da linha

Lucille e seus companheiros de serviço estavam sentados


nos lugares reservados aos passageiros, bebericando.
Durante os dias de espera, para evitar que o avião fosse
descoberto, permaneciam ali e o aparelho se convertia em
hotel para a tripulação, camuflado com uma rede e ramagens
que todos sabiam manejar facilmente. A inatividade
resultava um tanto aborrecida, mas haviam descoberto o
modo de passar o tempo, ainda que fossem dois homens
apenas e três mulheres.
— Gostaria de estar agora em um lindo hotel de Nassau
ao invés de estar aqui — comentou Lucille, sorrindo e
tomando mais um gole de champanha. — Eu penso que...
Cortou a frase e ficou atônita, boquiaberta, olhando o
exterior, por entre a camuflagem de ramagens sustentadas
pela rede.
— O que foi? — perguntou o piloto, erguendo as
sobrancelhas.
— Juraria que vi... Ah! Já estão de volta!
— Quem? — indagou outra das moças.
— Quem podia ser? Os clientes, os convidados...
Correram até as janelinhas e, com efeito, na escuridão da
noite, por entre as folhagens, puderam distinguir as luzes dos
vários carros que se aproximavam.
— Caramba! — exclamou o piloto, surpreendido. —
Foram rápidos desta vez! Normalmente gastam três ou
quatro dias para se... decidirem... Logo, teremos que
conduzi-los a um lugar aonde possam ir por sua conta,
terminar o “agradável” passeio...
— Seja como for, nossa estada na selva será mais curta
desta vez — disse rindo outra das pequenas. — Não
podemos nos queixar. Verdade?
O copiloto abriu a grossa porta de acesso ao avião e ficou
ali esperando. Quando os passageiros chegassem, desceriam
a escadinha e, logo, estariam sobrevoando a selva.
— Vamos pôr tudo em ordem, meninas — ordenou
Lucille, apressando-se em recolher as garrafas e os vários
copos espalhados.
— Para quê? — disse rindo uma das garotas. — Agora já
não nos acharão simpáticas, mesmo que limpemos tudo isto
aqui.
Riram, divertidos. O piloto foi para a cabina de comando
e o copiloto continuou olhando o exterior. Quando
colocassem a escadinha começariam a retirar a rede de
camuflagem e poderiam decolar sem perda de tempo ou
ainda esperar o amanhecer, que não tardaria muito, porque,
no trópico, as noites são tão curtas que...
— Ei! O que estão fazendo? — exclamou o homem,
sobressaltado. — Vão chocar contra o avião!
Todos correram a observar o que sucedia. Mas os carros
que chegavam, iluminando nesse momento a grande massa
do aparelho camuflado, não chocaram contra este;
simplesmente em lugar de deter-se a um lado, rodearam-no.
Logo, com todas as luzes acesas, uma das buzinas soou.
— Algo aconteceu — murmurou o piloto.
— Vocês do avião! — ecoou uma voz forte.
— Sou Carawan ou Nash, como preferirem! Saiam todos
daí com as mãos para cima ou vamos incendiar o aparelho
com vocês dentro! Dispõem de um minuto para pensar!
Os tripulantes fecharam a porta e entreolharam-se,
bastante assustados.
— O que aconteceu? — perguntou o copiloto.
— Seja o que for, estamos numa situação difícil —
arriscou uma moça.
— Esse tal Nash é detetive particular — cortou o piloto.
— Não podemos tapeá-lo. Não é nenhum tolo... Mandou que
os demais colocassem os carros de forma que não poderemos
decolar. Acho conveniente ceder.
— Não concordo — protestou Lucille. — Estamos a
salvo aqui dentro. Temos tudo. Em troca, eles, aí fora, estão
expostos a todos os perigos... Não têm água nem comida...
— Parece que não entendeu bem o que esse tal Nash
disse, pequena — esclareceu o piloto. — Ele foi claro:
declarou que, se não sairmos com as mãos para cima em um
minuto, tocará fogo no avião. Não há o que escolher, Lucille:
ou nos entregamos ou morreremos assados como perus no
Natal.
— Não se atreverão e...
— Engana-se! Pense no estado de ânimo dessa gente,
garota. Coloque-te em teu lugar. O que faria depois de
presenciar tanta hediondez?
Não demorou muito e todos concordaram com o piloto.
Momentos depois, saiam do avião como Nash ordenara.
Clifford Nash e seus acompanhantes não tiveram trabalho
com os tripulantes do avião. E, quando este aterrissou às dez
da manhã do dia seguinte no Miami International Airport, a
polícia já o esperava. E um dos policiais era o tenente
Cassidy, da Seção de Homicídios.
***
— E agora, escute o final da história, netinha querida.
— Sim, vovozinho.
— Bem... A polícia se encarregou de todos os criminosos,
metendo-os no cárcere. Puseram-se ainda em contato com as
autoridades do país onde fica aquela selva e se erguia o zoo e
soldados e policiais foram enviados para lá, encontrando os
pobres seres vagando por ali. Alguns haviam sucumbido,
outros estavam loucos para sempre, mas alguns deles se
salvaram, porque foram bem atendidos... Está ouvindo,
minha netinha?
— Sim, vovô.
— Ah! Daqueles filmes e fotografias não restou nada,
tudo se queimou, inclusive os cadáveres do doutor e da
doutora. E aquela gente endinheirada aprendeu a lição,
compreendendo que na vida há algo mais importante do que
divertir-se a qualquer preço. Agora, certamente, devem estar
tranquilos e esperamos que dispostos a pensar melhor nos
seus semelhantes... Então, gostou da história?
— Sim, vovô.
— Muito bem. Agora, é hora de dormir, netinha querida.
Ao dizer isto, Clifford Nash apagou a luz da mesinha de
cabeceira e acabou de estender-se junto de Ophelia Prince,
agora, senhora Nash. Ambos se achavam instalados numa
bonita suíte do Hotel Solicelo, na Jamaica, desfrutando a lua-
de-mel para esquecer de uma vez por todas que haviam
estado em um zoológico.
Uma mão da formosa garota deslizou pelo peito do
marido, que estremeceu... mas não de medo, precisamente.
— Conte outra história, vovô — sussurrou ela.
O detetive particular virou-se para sua encantadora
esposa. A lua refletia sobre o corpo de Ophelia, que brilhava
como se fosse de prata. Ele a fitou embevecido, observando
a languidez dos seus olhos e os lábios úmidos, frescos, com
gosto de mel...
— Outro conto? Não prefere dormir, netinha?
— Não, vovozinho... Não tenho sono... Creio que
poderíamos levar uma garrafa de champanha até a praia, nos
estendermos na areia e contar as estrelas... O que acha da
ideia?
O senhor Nash sorriu de orelha a orelha e quase esmagou
os lábios carnudos da esposa, num beijo ardente e
apaixonado. Momentos depois, estavam na praia particular
do hotel, bebericando champanha e fazendo amor sob a luz
das estrelas...

FINAL
Quando Brigitte terminou a narrativa, Mike Grogan
perguntou:
— Não poderíamos publicar isso, Brigitte?
— Sem o consentimento de Cliff, não. Se você está
deveras interessado, posso lhe arranjar o número do telefone
dele. Há algum tempo que trabalha para a CIA. O que não
posso é trair a confiança de um amigo. Ele me contou tudo
com detalhes, mas não tenho o direito de publicar sem o seu
consentimento. Não acha?
— Claro — concordou Grogan. — Você possui amigos
bem interessantes, minha querida.
— Isso é verdade — afirmou Minello. — Olhe para
mim... Sou grande amigo de Brigitte. Um tipo bonitão,
elegante, inteligente, culto...
— Ih! Já está embriagado — caçoou Grogan. — E olhe
que só bebeu café! Este maluco cada dia tem miolos mais
fora do lugar!
— É? Você acha? — desafiou Minello. — Pois você é
um sujeito que nem mesmo Amenotep e Siskarien se
interessariam!
— Outra vez com esses indivíduos... Quem são? Alguns
desses colegas desses ginásios asquerosos que você
gerencia?
— Asquerosos? — explicou Minello. — Fique sabendo
que esses ginásios são estabelecimentos modelo, de onde
têm saído os maiores campeões do mundo! E eu não sou
gerente deles. Ouviu bem? Sou patrocinador! Promovo
competições esportivas!
— Bem... Não precisa ficar tão furioso, rapaz —
resmungou Miky.
— Creio que Frankie tem razão — disse Brigitte. — Ele
está dedicando sua vida e todo seu dinheiro a promover o
esporte. Logo só merece elogios.
— Está bem... Está bem... Eu não sabia de nada...
— Não venha agora querendo botar panos quente...
— Ora! Vá... para as goelas de Amenotep e Siskarion!
— Maldito seja! Quem diabos são esses dois? — inquiriu
Grogan. — Esperem: goelas... Você falou em goelas... Logo,
são animais... E têm nomes egípcios! Oh, não! Bendito seja
Deus! Não me diga que você e esse desmiolado estiveram na
pirâmide do tal faraó do Arizona... e que me trouxeram uma
reportagem palpitante que nenhum jornal, exceto o
“Morning” poderia publicar!
— Exato — disse e sorriu Brigitte, divertida. — Frankie e
eu somos os autores desta reportagem que deixará os leitores
do “Morning” de cabelos arrepiados. Verdade, Minello?
— Sim, claro — concordou sorrindo o jornalista. — Nós
nos esforçamos para que o jornal desse sujeitinho noticie
grandes acontecimentos... E veja o que recebemos? Insultos!
Sabe, Brigitte, querida... Ainda continuo pensando que
poderíamos atirá-lo para aqueles crocodilozinhos educados e
amáveis do palácio do faraó do Arizona!
Miky Grogan apanhou um peso de papel e fez gesto de
atirá-lo sobre Minello, que se escondeu atrás de Brigitte, que,
por sua vez, ria alegremente, murmurando:
— Qual... Vocês dois não tomam jeito...

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