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"Quando o mundo estiver unido na busca do

conhecimento, e não mais lutando por dinheiro e


poder, então nossa sociedade poderá enfim

evoluir a um novo nível."


Lou Carrigan
Brigitte contra a morte
© 1978 – LOU CARRIGAN
Publicado no Brasil pela Editora Monterrey Ltda.

Capa de Benicio

Só para lembrar

Brigitte Montfort, agente secreta internacional, é filha de


Giselle, aquela famosa espiã nua que abalou Paris. Sua
história, muito movimentada, vem tendo curso nos volumes
desta coleção. Em resumo, pode-se dizer que a jovem
Montfort nasceu pouco antes de estourar a guerra mundial
de 1939. Seu pai, o estrategista louco, Fritz Bierrenbach,
raptou-a do berço, no próprio hospital suíço aonde veio à
luz, levando-a para os Estados Unidos onde parentes seus
lhe deram educação esmerada, na Universidade de
Colúmbia, e a naturalizaram americana.
Brigitte fez um brilhante curso de jornalismo e só depois
de formada veio a saber — pelos seus pais de criação —
que era filha ilegítima de um nazista de Hitler e de uma
francesa da Resistência, ambos mortos, cada qual lutando
pelo que achava certo. A jovem não se deixou abater por
tão violenta revelação, mas jurou a si mesma que dedicaria
toda a sua vida ao combate a qualquer espécie de
extremismo, de direita ou de esquerda, do que leva a
Humanidade a conflagrações fratricidas.
Hoje Brigitte Montfort é uma repórter de sucesso, mas,
sobretudo, agente secreto, ora a serviço da França — pátria
de sua inesquecível mãe, Giselle, de quem herdou o feitiço
de fêmea e o gosto pela grande aventura libertária — ora a
serviço dos Estados Unidos, a admirável nação de Lincoln e
de John Kennedy.
O leitor deve estar familiarizado com o fato de ser
Brigitte, antes de tudo, uma grande repórter do jornal
"Morning News”, o matutino de maior tiragem de Nova York.
Ali trabalha ela sob as ordens do Diretor e Redator-Chefe,
Miky Grogan, um ranzinza simpático que lhe dá muito
trabalho, mas lhe faz todas as vontades e caprichos de
mulher vaidosa. Como repórter bonita, Brigitte é usada
sucessivamente em missões do jornal e do Serviço Secreto
Americano, a pedido do Inspetor Pitzer da CIA, amigo e
companheiro do jornalista Miky Grogan.
Pitzer é um quarentão bem sólido, exato, calculista,
cheio de raciocínios perfeitos, uma espécie de Sherlock
Holmes atualizado. Instrui Brigitte sobre o trabalho a ser
feito nas várias partes do mundo. Mas está sempre
interessado em sair com a moça, em Nova York, para tentar
um namoro, ou coisa parecida. Brigitte, entretanto, só o
considera do ângulo profissional.
Frank Minello, redator da seção esportiva do jornal, é o
bobo alegre, companheiro de Brigitte nas missões
arriscadas, uma espécie de guarda-costas para os
momentos difíceis.
Vez por outra Brigitte funciona sob as ordens do velho
Monsieur Nariz, seu chefe no Deuxième Bureau, Serviço
Secreto Francês. E tem como rival, antigo, namorado ou
amant du coeur, um grande personagem da intriga
internacional, o agente M15, John Pearson (Mister
Fantasma), do “Intelligence Service” britânico.
Com esse especial elenco, e tendo o mundo por cenário,
a nossa heroína — quase uma James Bond de saias —
movimenta-se, igual à Mata Hari de todos os tempos, entre
o luxo e o perigo. Está tão bem num leito macio de vicunha
como num desvão de escada escura, à espera do inimigo.
Bebe, com a mesma desenvoltura, uma talagada de mau
conhaque russo, nos Bálcãs, entre portuários, cu um cálice
de Chateau Mouton Rotchild, 1959, entre diplomatas, em
Paris.
Na sua última aventura, “Quando Surge a Morte”,
aventura publicada em dois volumes, Brigitte Montfort
esteve às voltas com contrabandistas de armas que
tentavam aproveitar-se dos conflitos entre brancos e pretos
no Watts
District de Los Angeles. Agora ela está em Nova York,
outra vez, e é chamada a resolver o caso de... bem... é
melhor vocês lerem a história. E, a propósito, uma
observação para os mais inquietos: Brigitte só entra em
cem no capítulo terceiro. Até lá.

O EDITOR

Onde se vê que um sábio, diante do perigo iminente,


pode ficar burro 
Primeiras partes de um complexo quebra-cabeça

O cuco do relógio anunciou a meia-noite, monótona e


compassadamente. O professor Erving ergueu os olhos da
mesa de trabalho, fixou-se por um instante no passarinho
mecânico e voltou aos complicados cálculos.
Estava contente. Depois de árduas e trabalhosas
experiências em seu laboratório e na Universidade de
Colúmbia, onde lecionava Física Nuclear, havia conseguido
realizar o seu sonho: aplicar a energia atômica por
desintegração em cadeia como força propulsora dos
foguetes teledirigidos. Assim, tomava sua pátria, os Estados
Unidos, uma potência invencível. Os objetivos mais
distantes e ocultos do globo poderiam ser atingidos das
plataformas de lançamento no próprio território americano.
Com sua invenção, nenhum país se atreveria a desafiar o
colosso ianque nem a perturbar a paz do mundo.
Um ligeiro ruído, como um leve roçar na porta do
laboratório, veio tirá-lo, num sobressalto, de seus
devaneios.
Mas não podia ser nada, tinha os nervos tensos, era só.
Ninguém àquela hora poderia chegar ao laboratório, no
terceiro andar do prédio.
Entretanto; estava inquieto. Talvez um sexto Sentido o
alertasse, impedindo-o de prosseguir no trabalho. Resolveu
inspecionar o terceiro andar em que se achava.
Tirou da gaveta uma pistola e carregou-a com cuidado.
Caminhou em passos rápidos para a porta, abrindo-a de
supetão. Não havia ninguém ali! Avançou pelo corredor
semiobscurecido examinando todas as salas. O resultado foi
o mesmo: ninguém. Voltou ao laboratório, satisfeito com a
inspeção. Mas de novo sobressaltou-o leve ruído. Desta vez
vinha da janela. Apontou a pistola e gritou: — Quem está aí?
Viu, porém, que era apenas o vento sacudindo a
persiana.
Começou a caminhar em direção à mesa, mas não
chegou até lá. Um tremendo golpe na cabeça fê-lo cair sem
sentidos.
— É fácil enganar esses caras metidos a sábios —
murmurou o agressor, guardando o revólver. — Esse aí vai
dormir um bocado.
Apagou as luzes e com uma lanterna, junto à janela, fez
sinais para alguém lá fora. Em seguida começou a recolher
todos os papéis que encontrava. Alguns minutos depois
ouviu ligeiras pancadas na porta. Abriu o ferrolho e deixou
entrar dois homens com as clássicas feições de facínoras.
— Bom golpe, Larry — disse um dos recém-chegados,
tipo da cara de carneiro, baixo e magro. — Você liquidou o
velho?
— Não! Adormeceu com a coronhada na cabeça. Foi
canja, Nick.
Este olhou seu comparsa com admiração, perguntando:
— Encontrou os tais papéis?
— Alguns. Mas é melhor revistar todos os cantos, rápido,
antes que chegue alguém.
Alguns minutos mais tarde um automóvel levando os três
assaltantes e o corpo inanimado do professor Erving
desaparecia na escuridão da noite rumo ao bairro negro do
Harlem.
A sorte estava lançada.

Introdução ao mistério, em poucas palavras


Por que se deve guardar um segredo na memória, mais
que no bolso do colete
Onde as balas se encontram

— Em que posso servi-lo? — perguntou polidamente o


maître do luxuoso restaurante, dirigindo-se ao jovem que
aguardava no hall.
Deny Cutler, atlético, impecavelmente vestido,
respondeu disfarçando o nervosismo: — Procuro a mesa
reservada para o Sr. Harriman.
— Pois não. Tenha a Bondade de seguir-me. A mesa
ficava num canto discreto, longe da orquestra. Estava
ocupada por um cavalheiro de aspecto distinto, expressão
nobre, nos seus quarenta anos. Com a chegada do jovem,
perguntou: — Senhor Harriman? — e diante do sinal de
assentimento de Deny convidou-o a sentar-se,
prosseguindo: — Disseram-me que o senhor estaria
interessado em minha fábrica de artigos de couro...
— Realmente, estou pensando em dedicar-me a esse
ramo de negócios — respondeu Deny, que passava por
Harriman.
Era a senha, de acordo com as instruções que recebera
por telefone momentos antes em seu quarto de hotel. Deny
estava intrigado, pois haviam cancelado a licença de uma
semana que recebera ao concluir o curso da Escola de
Espionagem do CIA, o famoso Serviço Secreto dos Estados
Unidos. Embora não soubesse do que se tratava, supunha
que aquele ia ser o seu primeiro caso. E deveria ser
importante, para interromperem assim as suas férias
quando ainda faltavam dois dias e com tantas cautelas...
Depois que o garçom se afastou para encomendar o
almoço pedido, o cavalheiro falou em voz baixa: — Tenho
instruções específicas para você. O Departamento Seis nos
encarregou do “Caso Erving”. Creio que vai ser muito
complicado como primeiro trabalho para você, apesar das
suas excelentes qualidades físicas e intelectuais que já lhe
valeram uma promoção logo de saída.
— Só conheço o “Caso Erving” pelos jornais, mas por
mais complicado que seja, acho que conseguiremos resolvê-
lo, senhor...
— Smith, Andrew Smith daqui por diante — sorriu o
cavalheiro.
Durante o almoço conversaram apenas sobre coisas
triviais. Foi só na hora do café, no salão anexo, longe de
ouvidos indiscretos, que Smith falou: — Primeiro vou lhe
contar em que pé está o “Caso Erving”. Se você tiver que
agir sozinho, já fica sabendo o que fazer. — Depois de
pequena pausa prosseguiu: — O “Caso Erving” tem dois
aspectos diferentes que se entrecruzam. O sequestro do
professor Erving, atentado à segurança pessoal de um
habitante de Nova York e, como tal, sob a jurisdição do
Departamento Central de Polícia. O outro aspecto, que
interessa à CIA, não foi dado ao conhecimento público. O
professor havia conseguido aplicar a energia atômica para
lançar projéteis teledirigidos. Os planos estão seguros, na
caixa-forte da Seção de Física Nuclear da Universidade de
Colúmbia. Mas desapareceram as fórmulas e cálculos
complementares, que constituem a parte mais importante
da invenção. A CIA acha que por trás deste roubo está uma
quadrilha de espiões especializados em projéteis dirigidos
que tem aparecido em vários países.
Nossa missão consiste em averiguar as ligações entre o
“Caso Erving” e essa rede de espionagem, seguir o fio e
desfazer a meada.
Deny não respondeu imediatamente. Antevia as
dificuldades de um plano tão vasto e não pôde deixar de
sentir ligeira depressão, apesar de seu espírito de iniciativa
e da imensa confiança que tinha em si mesmo.
— E com que meios contamos? — perguntou por fim. —
O senhor tem algum indício, alguma pista?
— Até agora não, mas nosso lema e agir e conseguir
informações do nada. O Departamento Seis dará todos os
dados interessantes que a Polícia encarregada do sequestro
conseguir. A rigor, só nesta altura é que nós deveríamos
entrar no caso, mas como até agora não descobriram nada,
acho melhor agirmos por nossa conta para localizar os
autores do sequestro, sem contar com o auxílio da Polícia.
Pelo contrário, fugindo dela tanto quanto os malfeitores.
Os dois agentes debateram rapidamente um plano de
ação e, antes de se despedirem, Smith falou: — E agora,
para encerrar, tome esta carta, Harriman. Leia somente
quando estiver em seu quarto e depois a queime. Aí estão
as instruções do Departamento Seis. Guarde-as de
memória.
Os agentes da CIA despediram-se com um cordial aperto
de mão.
Já em seu quarto no hotel, Deny, com as mãos trêmulas,
abriu o envelope que lhe entregara Smith. A carta estava
escrita em papel especial e dizia:

“Agente A-345:
Coloque-se sob as ordens diretas do agente Z-213,
que lhe entregou esta carta, para resolver O ‘Caso
Erving, projéteis dirigidos’.
Na hipótese de ficar isolado, informe ou peça auxílio
pelo telefone 42-2210 usando o código VX-3 se estiver
no país, ou VZ-1 se estiver no exterior, transmita
informações radiofônicas no comprimento de onda e na
frequência que já conhece.
Valha-se de seus próprios recursos e não
comprometa nosso serviço diplomático nem nossos
compatriotas, a não ser em casos desesperados ou de
transcendental importância. Lembre-se dos
ensinamentos da Escola e, acima de tudo, não esqueça
que o melhor e menos comprometedor dos arquivos é a
memória e que saber resistir como homem a um
interrogatório talvez o salve de morte certa.
Não esqueça que milhões de norte-americanos
descansam confiantes em seu zelo e espírito de
Sacrifício.
Roscoe Hillenkoetter.”

Deny fez um esforço para guardar na memória os dados


importantes e que poderiam ser de grande utilidade na
arriscada vida prestes a iniciar-se. Mas não precisou
queimar o documento, como dissera Smith.
Uns minutos mais tarde, o papel da carta começou a
encolher e amarrotar-se por si mesmo, à medida que
adquiria intensa cor violeta, desaparecendo por completo o
que estava escrito. Uma fumaça espessa e irritante subia
lentamente. O líquido que impregnava a carta oxidara em
contato com o ar, queimando e fazendo sumir qualquer
prova. Deny remexeu o papel carbonizado, transformando-o
em simples pó.

O lance e a sorte

Uma hora mais tarde, um homem de seus trinta anos de


idade, andar vacilante e olhar torvo de bêbedo entrava no
Bar Condor, um dos mais concorridos pela malandragem do
bairro negro de Harlem. Ninguém reconheceria nele o jovem
Deny Cutler.
O lugar estava literalmente repleto de marginais. Uma ou
outra mulherzinha exageradamente pintada. Deny chegou-
se ao balcão e pediu um uísque duplo. Os homens a seu
redor calaram por um momento, olhando-o com
desconfiança, mas logo reiniciaram a conversa quando
alguém disse uma piada de mau gosto sobre a bebedeira de
Deny.
— Isto está cada vez pior — comentava um deles. —
Cada dia a gente tem menos trabalho e não se ganha gaita
nenhuma.
— Nem todos dizem isso — replicou outro. — Nick e o
“Melado” devem ter descoberto uma mina, do jeito que
soltam a grana.
— Qual o quê! Aquilo não vai durar muito. Hoje em dia, a
única coisa que vale mesmo são as drogas.
Deny não perdia uma palavra, fingindo olhar uísque,
enquanto pensava como poderia localizar Nick e “Melado”.
Se tinham dinheiro novo, era possível que tivessem
participando do “trabalho Erving”. Ficou por ali mais algum
tempo ouvindo a conversa sem apurar nada de
interessante.
Já se dispunha a sair quando de uma porta dos fundos
apareceu um garçom pedindo duas garrafas de uísque.
— Para quem? — perguntou o homem do bar.
— Para Nick e seus amigos. Têm mais resistência que um
boi.
Era muita sorte! Deny pagou a conta e, tropeçando cada
vez mais, dirigiu-se à porta dos fundos.
Antes de alcançá-la, o garçom com as garrafas passou à
sua frente subindo alguns degraus que davam em estreito
corredor.
Deny apressou o passo e ainda conseguiu ver o garçom
entrar por uma das várias portas. Resolveu esperar que
saísse escondendo-se em um canto escuro. Mas não teve
que aguardar muito, pois o garçom reapareceu logo,
seguindo seu caminho. Esperou mais alguns instantes e,
sem fazer o menor ruído, chegou até à porta por onde tinha
visto o garçom entrar e sair, pondo-se à escuta. A conversa
estava animada.
— Vamos fazer um brinde para que eu também arranje
algum serviço. Depois eu convido vocês — dizia uma voz
alcoolizada.
— Siga os meus conselhos, Proud — disse outro em tom
de superioridade. — Você tem que reconhecer que eu sou
mais vivo. Trabalhe para os estrangeiros. Eles é que soltam
a gaita. Vou falar com o Larry para ver se arranja alguma
coisa para você.
— Vê se arranja alguma coisa para mim também, Nick —
disse um terceiro. — Você sabe que sou bom.
Deny não quis esperar mais. Verificou se o revólver
estava solto no coldre e bateu de leve na porta. Alguém
abriu o trinco e o agente empurrou a porta com violência,
dando de cara com um mastodonte mestiço, de nariz chato
e lábios grossos. Este, vendo que não era o garçom,
procurou rapidamente puxar o revólver, mas antes que o
fizesse Deny estava apontando o seu.
— Fique quieto com essas mãos, garoto, ou vai se dar
mal. E vocês, aí, levantem as mãos e nada de truques —
disse Deny com voz calma.
Nick, que se achava voltado para a porta, pretendeu
sacar sua arma e derrubar a mesa para usar de escudo. Mas
Deny percebeu a manobra e advertiu rápido: — Não se
mexa. Tenho vista muito boa e pontaria melhor ainda.
Levante-se e encoste-se à parede.
O homem obedeceu. Havia ainda outro sujeito, deitado
num banco, meio adormecido. Sem saber bem o que estava
acontecendo, pois não tinha percebido a entrada de Deny,
levantou os braços obedientemente.
O agente da CIA desarmou os quatro bandidos e, numa
voz com certo tom de simpatia, mas firme, de maneira a
não deixar dúvidas, falou: — Agora, sentem-se! Quero fazer
uma proposta. Tenho um serviço que dá boa gaita para
todos. Soube que vocês têm dinheiro novo, quer dizer:
vocês devem ser bons, pois de outro jeito não arranjariam
trabalho. Quem de vocês é Nick e “Melado”?
— Eu sou Nick! — exclamou este, satisfeito com o elogio.
— Você tem razão, quem não trabalha é porque não presta.
— Olha, Nick! Eu não tenho nenhum trabalho, mas estou
com mais grana que você... — disse, ofendido, um dos
bandidos.
— Você só tem é mais corpo e mais medo — Bem, chega!
Deixem de discussões. Cada um vai poder provar o que
sabe fazer. Preciso de cinco ou seis “pintas” de confiança
para um serviço amanhã à noite, e tenho muitos outros
engatilhados. Dinheiro há bastante, mas preciso de alguém
com mais crânio e mais coragem para dirigir vocês
conforme eu mandar. Disseram-me que um tal de Larry é
bem bom. Vocês conhecem?
— É meu chefe — respondeu Nick com orgulho. — é
muito bom e capaz de tudo. é o homem que lhe convém.
— Mas quem garante que você não é da “justa”? —
perguntou o mestiço desconfiado.
— Isto! — disse o agente da CIA, jogando na mesa um
papel que provava ser ele o famoso bandido de Chicago,
Eddy Brokly. O documento era um certificado de soltura que
os bandidos examinaram com admiração.
— Quando posso falar com esse Larry? O serviço é para
amanhã e preciso arrumar algumas coisas antes.
— Agora mesmo, se você quiser — respondeu Nick. — Ele
está me esperando. Venha.
— Então vamos. Vocês — disse Deny dirigindo-se aos
outros — estejam aqui amanhã à tarde para receber as
ordens de Larry. Agora vou mandar subir mais algumas
garrafas para vocês se distraírem.

Já no táxi, enquanto “Melado” ressonava num canto,


Deny procurou interrogar habilmente: — Não sei se Larry
servirá para o que eu quero. É um negócio de afanar planos
de invenções e coisas parecidas, e preciso de alguém capaz
de perceber esse tipo de documentos.
— Ora, Larry é muito vivo e nós já fizemos esse tipo de
serviço. Ainda outro dia, para não ir mais longe, levamos um
monte de papéis cheios de números, letras e desenhos que
deviam ter muito valor, pois pagaram os tubos.
— E vocês tiveram que liquidar alguém?
— Não, mas carregamos um cara que vai acabar mal,
pois não quer cantar. Por mais que a gente aperte, não quer
fazer uns desenhos.
— Pois eu garanto que faria ele cantar, desenhar e até
bailar — afirmou Deny.
— Diga isso ao Larry. Talvez ele deixe você provar, pois o
velho está na casa para onde estamos indo.
— E para quem vocês fizeram esse serviço? Para algum
estrangeiro?
Deny notou nos olhos do bandido um brilho quase
imperceptível de desconfiança e, com medo de pôr tudo a
perder, justificou: — São os que pagam melhor. Eu também
trabalho para uns estrangeiros. É menos complicado que
drogas e assaltos.
Viu com satisfação que a dúvida se dissipara quando
Nick respondeu: — Larry falou qualquer coisa assim, mas só
ele conhece os homens — e, dirigindo-se ao motorista: —
Pare naquela casa à direita.
Enquanto Nick abria a porta da casa, Deny dizia ao
motorista que esperasse.
Deny e “Melado” seguiram Nick por um corredor até
chegar a uma sala onde Nick pediu ao agente que
aguardasse, pois ia avisar a Larry.
— Eu vou com você. Gosto da primeira impressão que
me causam as pessoas que vão trabalhar comigo.
— Mas, Larry está com o prisioneiro e talvez se aborreça.
— Ou tem confiança ou não tem. Se não tem, vou
embora. Não falta quem queira trabalhar comigo.
Nick cedeu com relutância. Seguiram por outro corredor
e atravessaram o pátio onde havia uma porta. Nick bateu
discretamente até que uma voz do outro lado perguntou
quem era.
— Abre, Thompson. Sou eu, Nick.
Thompson apareceu e ao ver Deny pôs a mão no coldre,
mas Deny, que já esperava por isso, prendeu-lhe os braços
enquanto Nick explicava que era Eddy Brokly, de Chicago.
Thompson não ficou muito convencido, mas deixou que
entrassem e descessem ao porão. Deny foi o último a
passar, tendo a mão próxima à axila, disposto a vender caro
sua vida. Mas Larry o recebeu sorridente: — Pelo que Nick
me diz, você tem qualquer coisa interessante para nós.
Sente-se nesse caixote e vamos conversar. E você, Nick, vê
se faz esse velhinho acordar.
Desmaiou como uma donzela quando lhe enfiei uns
alfinetes entre as unhas dos pés. O danado não quer cantar.
Se até amanhã não disser nada, seu corpo de suíno vai
estar flutuando no rio. Ei! Thompson, traga aí uma garrafa
de conhaque.
Deny olhou pela sala iluminada e percebeu num canto o
velho com as mãos amarradas em argolas penduradas do
teto, a cabeça caída sobre o peito. A camisa e as calças
estavam em tiras e por todo o corpo viam-se manchas roxas
e feridas com sangue coagulado. Sentiu náuseas e ódio Ao
olhar para Larry percebeu um sinal dissimulado que este
dirigia aos comparsas. Deny estava com os nervos tensos
quando disse a Larry: — Você quer trabalhar comigo?
Preciso de gente capaz, que não vacile se precisar
despachar alguém.
— Não são escrúpulos de consciência que imobilizam
meus dedos — replicou Larry. E apontando o corpo
inanimado do velho professor, acrescentou: — Aí está uma
prova de que nada me impede de conseguir o que quero.
Mas vamos tomar um trago antes de falar de negócios, e
depois vou lhe mostrar como se aplica a prova da água
nesse cabeçudo.
Thompson chegou com uma garrafa e uns copos,
servindo bebida a todos. Havia certa tensão no ar que
desmentia a aparente camaradagem. Depois de uns goles,
Larry anunciou: — Agora vamos acordar esse velho e aplicar
a última prova. Quero ver se aguenta.
— Não enquanto eu estiver vivo — disse Deny,
apontando-lhe o revólver que havia sacado como que por
um golpe de mágica. — Levantem bem os braços e tenham
cuidado, pois meu dedo está engraxado.
Todos obedeceram sem resistência. Larry sorria tranquilo
como se estivesse prevendo aquilo.
— Espero que você não tenha pensado que mordi a isca
como esse imbecil do Nick — comentou Larry. — Vi que você
era da Polícia assim que entrou. Não pense que ganhou a
partida Tomei minhas medidas e daqui você não sai com
vida.
— Não fique tão certo disso e prepare-se para pagar seus
crimes na cadeira elétrica — disse Deny, avançando para
desarmar Larry.
Thompson, que se encontrava à direita do chefe,
pensando não estar vigiado, sacou sua arma com
velocidade incrível. A bala perdeu-se no teto da cova ao ser
ele alcançado na testa por um tiro certeiro do agente da
CIA, que havia disparado uma fração de segundo antes.
Um silêncio pesado seguiu-se ao estampido quase
simultâneo das duas armas, deixando que Deny percebesse
um leve ruído na escada. Que enfrentar a nova ameaça,
mas já era tarde. Uma voz esganiçada, que tanto podia ser
de homem como de mulher, ordenou por trás de Deny: —
Levante as mãos, rápido, ou atiro.
Um sorriso de triunfo se desenhou no rosto de Larry que
levou a mão à sua arma.
Deny levantou os braços como haviam ordenado, mas
não estava disposto a cair na armadilha. Recordando os
tempos da Escola deixou-se cair de costas, disparando
contra o vulto na escada. A mulherzinha deu um grito,
segurou o ventre ferido com ambas as mãos e despencou
para a frente numa grotesca pirueta.
O jovem atleta, sem dar tempo a que os outros se
refizessem da surpresa, atirou por entre as pernas
acertando “Melado” com um tiro no olho.
Nick disparou sua arma com muita precipitação, errando
o alvo. A bala passou a um milímetro da cabeça de Deny.
Este, com violenta contração muscular, virou de lado
apoiando-se sobre o braço esquerdo. A rapidez do
movimento salvou-lhe a vida: uma bala de Larry alojou-se
no lugar que ele acabava de abandonar.
Novo tiro de Deny acertou o peito de Nick, que terminou
sua vida de crimes com uma trágica cabriola.
Larry tomou a disparar. O agente sentiu um golpe seco
no braço esquerdo e a carne a queimar.
O bandido, ao ver que não havia atingido nenhum ponto
vital, pretendeu virar a mesa e proteger-se atrás do pesado
tampo. Mas um tiro de Deny feriu-o no ombro antes que o
conseguisse. Larry ainda tentou derrubar a mesa, mas
empurrou-a com tanta força que esta deu uma volta
completa, deixando-o a descoberto. Sem qualquer proteção,
o gangster perdeu a serenidade e disparou. A bala roçou a
orelha do agente.
Deny só tinha mais uma bala no tambor do revólver e
queria pegar vivo o bandido. Apontou serenamente para a
mão de Larry que segurava a arma. Se errasse o tiro
poderia dar-se por morto. Consciente da gravidade da
situação, atirou. A pistola de Larry voou pelos ares e o
bandido viu que estava perdido.
— Solte o professor e cuidado com o que faz' Minha
paciência acabou — gritou Deny.
Furioso, Larry fez o que lhe mandavam, enquanto revia
mentalmente o rápido e absurdo desfecho da luta desigual.
De repente percebeu verdade. O inimigo havia
despachado seus companheiros com um tiro em cada um,
contra ele tinha disparado dois. Não havia mais nenhuma
bala no revólver!
Caíra como um principiante Mas uma centelha de vitória
brilhou em seus olhos. Aquele garotão ia conhecer a força
demolidora de seus punhos.
— Ajude a segurar o corpo deste velho; assim não posso
soltá-lo das argolas — disse.
— Já falei que estou farto dos seus truques — exclamou
Deny, aproximando-se. — Solte logo antes que lhe dê um
tiro.
Para tornar mais concreta a ameaça, encostou o cano do
revólver no peito do bandido.
Um instintivo movimento de cabeça mal deu para que se
desviasse do inesperado direto de Larry, que o acertou de
lado deixando-o aturdido.
Encorajado pelo êxito inicial, o bandido lançou-se
imprudentemente sobre Deny. Este se esquivou da investida
e deu-lhe terrível golpe de canto de mão no pescoço. O
homem foi cair de cabeça contra a parede e ali ficou imóvel,
a caminho do inferno.

Onde surge Brigitte Montfort, linda como sempre, no seu


bom realismo anatômico
Uma reportagem sensacional que se anuncia e a decisão
de última hora

A redação do Morning News, poderoso matutino de Nova


York, estava em alvoroço. Os redatores mostravam-se
alegres, uns cantarolando, outros assoviando baixinho. Num
canto formara-se pequeno grupo de novatos, conversar
animadamente.
— Nunca vi coisa igual! — dizia um, entusiasmado.
— Fenomenal! — replicava outro. — Você observou só
que proporções?
— O mais fabuloso, para mim — acrescentava um
terceiro — é a cor daquela pele queimada de sol. E que jeito
de andar!
— O chefão é que tem sorte! Ela já está lá dentro faz
mais de meia hora.
De fato. Na sala do Diretor-Redator-Chefe do velho jornal,
Miky Grogan dava as boas-vindas a Brigitte Montfort que
regressava de suas longas férias nas Bahamas. A famosa e
estonteante filha da não menos famosa e estonteante
Giselle, A Espiã Nua que Abalou Paris, confortavelmente
afundada na macia poltrona de couro diante da
escrivaninha de Miky, deixava à mostra um bom palmo de
suas magníficas pernas tostadas de sol. Consciente do seu
tremendo poder de sedução, divertia-se intimamente em
provocar o chefe e amigo quarentão, fingindo o ar mais
inocente do mundo.
— Pois é, Brigitte — dizia Miky — você estava fazendo
falta nesta casa. Isto aqui andava muito sem grava. Os
rapazes já estavam inquietos...
— Só os rapazes? — atalhou ela, com ar maroto e dando
ao corpo um jeito que salientava o busto escultural,
sugerindo o tesouro mal escondido pela tênue blusa de pura
seda italiana.
Miky pigarreou para disfarçar a indocilidade. Afinal, era o
chefe e precisava conservar o pouco de autoridade que
ainda lhe restava.
Brigitte continuava olhando para ele, um meio sorriso
cheio de promessas bailando nos lábios, com ar de
provocativa interrogação, a espera de resposta. Mas acabou
sentindo pena do bom amigo. Deu um ligeiro suspiro,
compôs-se na poltrona e falou em tom que para ela era
sério, embora irreverente: 
— Vamos ao que interessa. Cansei dessas férias,
derretendo o sol com meu corpinho. Semanas e semanas
sem ter o que fazer! Apenas aguentando aqueles ricaços
em volta de mim que mais pareciam moscas esfomeadas
em açucareiro. Ufa! Chega! Quero entrar em atividade,
fazer alguma coisa sensacional! Qual é a minha nova
missão? Roma? Paris? Saigon? Cairo?...
— Calma, mocinha. Calma — cortou Miky. — Não tem
havido nada de importante. Parece que todos os espiões do
mundo entraram em férias junto com você. Nada de novo
pelos lados da CIA.
— Mas eu não quero nada com espiões nem com a CIA!
Quero simplesmente uma reportagem boa e honesta —
replicou ela, acrescentando com um tom de ironia na voz: —
Por exemplo, desfile da última coleção de Courrèges em
Paris, o festival cinematográfico em Veneza, o último
bezerro de três cabeças e cinco patas que nasceu em...
No seu entusiasmo, com sua exuberante movimentação
e vivacidade de gestos, não percebeu que se descompôs,
revelando novamente partes essenciais de sua impecável
anatomia, muito além do que seria lícito num ambiente de
trabalho. Miky já estava às vésperas do enfarte e, com
severidade, tomou o interrompê-la, dando às suas palavras
um duplo sentido.
— Chega, Brigitte! Conheço você muito bem e sei aonde
quer chegar. Mas agora vai fazer o que eu mando.
E já mais calmo, prosseguiu: — Tenho um trabalho que
não é lá muito interessante, mas servirá pelo menos para
desviar sua atenção e concentrá-la em outras coisas... —
Brigitte fez um muxoxo e ele continuou. — Um professor de
Colúmbia, a sua universidade, foi sequestrado anteontem.
O Departamento Central de Polícia não explicou muito bem
o caso e, até agora não conseguiu localizar nem o homem
nem os autores. Quero que você faça uma reportagem e
investigue o caso. Vá à casa do professor, fale com os
criados e parentes, se houver, converse com os
vizinhos... Enfim, veja o que há por trás disso. Não creio que
dê em nada, mas afinal é um cidadão nova-iorquino
sequestrado em plena metrópole há mais de quarenta e oito
horas e a Polícia nada fez. Queremos agitar um pouco e
fazer onda, principalmente agora que as eleições estão
próximas...
Brigitte, que se formara pela universidade Columbia,
ficou logo interessada e perguntou: 
— Se esse professor é da minha universidade, é possível
que eu o conheça. Quem é ele?
— Creio que não. Mas deixe-me ver — pegou de cima da
mesa um exemplar do “Morning News” e procurou numa
página interna. — Ah! Aqui está — prosseguiu. — Chama-se
Erving, professor Erving, mas não diz nem qual a matéria
que leciona. Estes repórteres de hoje em dia!... Lembra-se
do nome?
Brigitte não deixou transparecer o súbito e redobrado
interesse que o nome Erving lhe despertou. Sabia muito
bem quem ele era: Física Nuclear. Nisso deveria estar a
razão por que o Departamento Central de Polícia não
explicara muito bem o caso, e porque os jornais omitiam
dados sobre o professor. Aquilo não era um simples caso de
sequestro e Miky sabia muito bem disso. Sorriu intimamente
e fingiu a maior inocência: — Não, não conheço. Esse nome
não me toca nenhuma sinetinha... Mas vou saber. —
levantou-se e concluiu: — Até mais big boss. Logo à noite
trarei notícias.
Encaminhou-se até a porta jogando os quadris num
ligeiro meneio, como só ela sabia fazer. Antes de sair, virou-
se para Miky e atirou-lhe um beijo, piscando o olho
maliciosamente. Depois que a porta se fechou, Miky
exclamou para si mesmo, dando um soco de satisfação na
mesa: — Que grande artista!

Interlúdio de morte antes do perigo maior


Onde todas as conjecturas chegam a um mesmo ponto
nebuloso
É estranho o roteiro do crime

Deny Cutler olhou, desgostoso, o corpo inanimado de


Larry. Precisava dele vivo. Se morresse estariam frustradas
todas as possibilidades de encontrar a pista dos espiões por
trás do “Caso Erving”. Era preciso, pois, salvar o bandido,
que deveria saber de alguma coisa.
Erving tinha voltado a si, seu corpo ainda pendente dos
braços amarrados às argolas. Com grande esforço, e apesar
do ferimento no braço, Deny conseguiu soltar o cientista,
que tornou a perder os sentidos. Deitou-o cuidadosamente
no chão e revistou a casa e os mortos, à procura de algum
indício, mas nada encontrou. Ergueu-o, então,
penosamente, carregando-o às costas, conseguindo, afinal,
levá-lo para fora. O ar fresco da noite fez com que Erving
recobrasse parcialmente os sentidos.
O táxi ainda estava esperando. Tudo aquilo não tinha
levado mais do que vinte minutos. O motorista não ouvira
nada e não estranhou quando Deny lhe explicou que seu
amigo não estava passando bem e precisava levá-lo para
casa indicando-lhe a rua.
Deny mandou o carro parar a uns cem metros da casa do
professor, numa rua tranquila Certificando-se de que não
havia ninguém por perto, desembarcou, segurando o
professor pelo braço, e esperou que o táxi se afastasse.
Caminhou com dificuldade até onde morava Erving e
tocou a campainha com insistência. Finalmente alguém
abriu uma das janelas no andar superior.
— Quem é, a estas horas? — perguntou uma voz de
homem.
— Abra a porta depressa. Trago o professor Erving. Não
diga nada a ninguém e apague as luzes — respondeu Deny.
Pouco depois um criado, segurando na mão trêmula uma
pistola, entreabria cautelosamente a porta.
— Abra de uma vez! — ordenou Deny em voz baixa. — O
professor e eu estamos em perigo.
O criado, reconhecendo o patrão, deixou-os passar
conduzindo-os ao dormitório do professor no primeiro andar.
Enquanto Deny deitava o pobre velho em sua cama, dizia
ao criado que chamasse alguém da casa.
— Mas não há ninguém — informou o criado — o senhor
Erving mora sozinho...
— Quer dizer que não há ninguém na casa? — perguntou
Deny meio incrédulo e preocupado.
— Bem... há... há... uma pessoa — balbuciou o criado —
mas não é da casa... É uma estranha... chegou pouco antes
do senhor...
— O quê?! — exclamou Deny. — Fique aqui com o
professor e não chame médico. Deixe que eu o farei. Onde
está essa pessoa?
— Lá embaixo, na biblioteca, senhor.
Deny precipitou-se escada abaixo. No hall escuro uma
réstia de luz passava sob a porta. De revólver em punho,
abriu-a de supetão protegendo-se de encontro à parede do
lado de fora da sala e gritou: — Quem estiver aí, saia com
as mãos para cima!
Não obteve resposta. Com a máxima cautela penetrou na
sala, detendo-se a meio caminho com ar de espanto.
Confortavelmente refestelada na melhor poltrona, uma
belíssima jovem de cabelos negros folheava displicente uma
revista científica, como se nada de anormal estivesse
acontecendo e sem dar a mínima atenção ao revólver
ameaçador de Deny.
— Quem é você? — perguntou Deny desconcertado — e
o que está fazendo aqui?
A jovem colocou a revista de lado e envolveu Deny com
seus olhos provocadores, mais azuis do que o Mediterrâneo,
avaliando num relance as qualidades e possibilidades
másculas do agente do CIA Aparentemente ficou satisfeita e
respondeu num sorriso: — Brigitte Montfort, repórter do
“Morning News” em missão jornalística... E você, quem é e o
que faz?
Brigitte fez a pergunta por pura provocação. Havia
observado através da janela a chegada de Deny,
carregando o professor e, com sua experiência, percebeu
logo tratar-se de um agente.
Deny hesitou um pouco, abaixou a arma e disse: — Não
queremos jornalistas aqui. É melhor você ir dando o fora...
— Mas como? — exclamou Brigitte, levantando-se da
poltrona e encaminhando-se para Deny com pretenso ar de
indignação. — E a liberdade de imprensa, onde é que fica?
Vim aqui fazer uma reportagem sobre o sequestro do
professor Erving, e vou fazê-la, nem que seja apenas para
dizer que um agente mal-educado da CIA impediu a
imprensa de cumprir o seu dever...
Deny redobrou o espanto. Primeiro, com a perfeição
daquela figura de estátua que surgia assim de repente, num
vestido de noite elegantíssimo, quase uma jovem deusa.
Depois, pela revelação que fizera. Mas, antes que ela
chegasse mais perto, apontou de novo o revólver,
ordenando: — Pare aí onde está! — e depois de um instante:
— Por que supõe que eu seja agente da CIA?
— Ora! — replicou, obediente, no meio da sala. — Então
esse seu jeito de mocinho de fita de bang-bang não diz
nada?
Vamos, abaixe esse revólver e conversemos um pouco.
Não é melhor? — acrescentou sorrindo, aquele seu sorriso
indefinido que deixava os homens malucos, sem saberem
se era sagrado ou profano.
Deny considerou rapidamente a situação. Não podia
arriscar-se a deixar o “Caso Erving” vir a público através dos
jornais; tampouco podia empregar a violência para deter a
moça; seria pior. Havia muito ainda que fazer e era preciso
agir logo. Concordou: — Está bem. Mas, primeiro, deixe-me
ver suas credenciais.
Brigitte percebeu que havia ganhado a parada Mostrou
as credenciais de repórter do “Morning News” e, em poucas
palavras, entraram em acordo. Ela prometeu não publicar
nada por enquanto, mas teria exclusividade na história
quando tudo ficasse esclarecido.
Deny telefonou a Smith e contou-lhe rapidamente o que
havia acontecido, pedindo que viesse e trouxesse um
médico.
Smith chegou poucos minutos depois, acompanhado de
um médico oficial. Deny foi logo explicando como e por que
se achava ali uma repórter, enquanto o médico subia para
examinar o professor. Mas Smith atalhou: — Você não quer
dizer que Brigitte Montfort está aqui?
— Ela mesmo! — respondeu Deny admirado. — Você a
conhece?
— Ora, se...! Onde está ela?
Deny levou-o à biblioteca onde Brigitte aguardava.
Quando a viu, Smith exclamou: — Brigitte, meu amor! Eu
devia imaginar que você estava metida em alguma. Quando
voltou de férias?
— Não é possível! O meu querido chefe! — exclamou por
sua vez Brigitte. — Cheguei hoje pela manhã e o velho Miky
mandou-me fazer esta cobertura. E aqui estou eu — com
um tom de voz malicioso, perguntou: quem será que
mandou Miky me mandar?...
Smith sorriu e, ante o ar de incompreensão de Deny,
explicou-lhe que Brigitte era uma eficiente auxiliar da CIA e
que já atuara em numerosos casos seus.
Na realidade, Smith era o velho Alan Pitzer, chefe do
Departamento de Investigações Especiais, Divisão de Nova
York da CIA Mas isso não foi relatado a Deny embora ele
tivesse ficado muito mais tranquilo.
Serviram-se de uísque para comemorar o reencontro.
Nisto apareceu o médico que foi dizendo: — Aquele
homem sofreu demais. Não está em condições de falar.
Creio que não resiste por muito tempo. É melhor vocês o
interrogarem agora, antes que seja tarde.
Subiram todos ao dormitório. Erving jazia imóvel em seu
leito, mas com a aproximação das pessoas entreabriu os
olhos e fez um sinal com a mão para que chegassem mais
perto.
Deny acercou-se, seguido de Smith e Brigitte, e
perguntou: — Havia alguém mais no assalto ao laboratório,
além dos que estavam no porão?
— Não — respondeu o professor em voz débil.
— Sabe quem determinou o roubo dos documentos e o
seu sequestro?
— Sim — e fazendo um sinal para que Deny chegasse
mais perto, continuou com grande esforço: — Um homem
alto e magro, calvo e de nariz um pouco curvo, com uns
cinquenta anos, foi várias vezes ao porão. Falava com
sotaque francês — Erving parou de falar e cerrou os olhos.
Respirou fundo, tomando fôlego para prosseguir: — Certa
vez foi com uma mulher ainda jovem, com longos cabelos
louros, muito bonita e bem vestida. Ela disse ao homem:
“Charles, é necessário encontrar os planos, mesmo que seja
preciso martirizar esse velho animal. Você os levará ao
Hotel Empereur. Eu estarei lá. Não posso reter mais estes
papéis.”
O homem perguntou: “Quando você embarca para Paris,
Mireille?”, e ela respondeu: “Esta tarde.”
As últimas palavras mal foram audíveis.
O professor, como resultado do grande esforço realizado,
tombou a cabeça de lado. O médico examinou-o e,
voltando-se para os demais, anunciou: — Está morto.
— Que lástima! — exclamou Deny contrariado.
Smith comentou: 
— É uma pena, mesmo! O bandido do Larry também
acaba de morrer. E eu tinha uma pista que ele poderia
confirmar. Agora não adianta — e virando-se para Deny: — É
melhor você deixar o médico examinar seu
ferimento. Precisa estar em forma — e saiu levando Brigitte.
No dia seguinte os jornais publicavam uma pequena nota
dizendo que a Polícia havia encontrado cinco cadáveres
num porão, explicando que se tratava de uma luta entre
grupos rivais de bandidos.
Em outra página de noticiário informava-se que o corpo
do professor Erving havia sido encontrado. A Polícia
esclarecia tratar-se de um caso de sequestro por resgate,
que fracassara por ter o professor morrido de enfarte. As
investigações continuavam.
Por outro lado, verificou-se que o ferimento de Deny era
mais sério do que a princípio parecia. O agente teve de
baixar ao hospital, por alguns dias.

Episódios em Paris
Implicações sociais, espertezas e manobras químicas
com tinta invisível

Quarenta e oito horas depois, Brigitte Montfort


desembarcava de um jato, no aeroporto de Orly ao norte de
Paris. Chegava com um passaporte falso fornecido pela CIA
em nome de Edith LaSalle, devendo passar como turista,
filha de riquíssimo banqueiro franco-canadense de Montreal.
Diante do impedimento temporário de Deny, Pitzer
resolveu mandá-la a Paris para localizar Mireille. É claro,
houve entendimentos com Miky Grogan, de maneira que o
“Morning News” ficava com exclusividade do caso. Assim,
Brigitte novamente atuava na dupla qualidade de agente da
CIA e repórter do grande jornal. Deny deveria encontrar-se
com ela em Paris logo que seu braço melhorasse. Enquanto
isso, Pitzer procuraria descobrir Charles, em Nova York, e os
possíveis ramos norte-americanos daquela rede de
espionagem.
Enquanto fazia seu registro na recepção do luxuoso Hotel
George V, Brigitte, aliás, Edith, perguntou ao encarregado
qual o apartamento de sua amiga Margueritte Leblanc, que
deveria ter chegado dois dias antes de Nova York e com
quem tinha combinado encontrar-se naquele hotel. O truque
surtiu efeito: o recepcionista percorreu o registro de
hóspedes e informou que a única senhora registrada dois
dias antes, procedente de Nova York, era a condessa
Pawlova Polowsky. E estava no 139.
Brigitte agradeceu e subiu até seu apartamento que, por
coincidência, era o 137, em frente ao da condessa. Pôs-se a
imaginar se Mireille seria a condessa, o que não era
improvável diante da informação prestada pelo
recepcionista.
Durante várias horas ficou espreitando o 139 através da
sua porta apenas ligeiramente entreaberta. Queria ver se
identificava Mireille pelos simples dados fornecidos por
Erving. Mas em vão.
Vestiu-se, bem “habillée”, e surgiu deslumbrante no bar
do hotel, causando sensação. Todos se voltaram para ela.
Brigitte, num relance, examinou as pessoas presentes,
como se estivesse à procura de alguém. Verificou que
nenhuma das mulheres presentes correspondia à descrição
feita pelo malogrado professor. No restaurante do hotel o
resultado foi o mesmo. Saiu à rua e tomou um táxi,
mandando que rumasse para a joalheria “Leedman & Co.”,
no boulevard Saim Michel. A loja estava fechada, mas uma
estreita porta lateral conduzia ao andar superior. Brigitte
tocou a campainha da porta onde se lia: “Frederic
Leedman.”
Recebeu-a um homem muito baixo e magro,
exageradamente calvo, usando óculos de lentes grossas.
Perguntou, desconfiado, com ligeiro tom de irritação: —
Que deseja, senhorita? Sou Leedman, Jr.
— Sou Edith LaSalle, de Montreal.
Sua atitude mudou por completo, — Entre! Estava à sua
espera. Recebi um telegrama de Pitzer hoje de manhã. Mas
não imaginava uma criatura assim, como um anjo baixado à
terra! Estou às suas ordens.
Fale com toda a franqueza.
Brigitte explicou sua missão e as instruções que
recebera: procurá-lo em caso de necessidade. Leedman
pensou um pouco e disse: — De fato, com todos os anos de
experiência que tenho aqui na França a serviço de nossa
pátria, conheço perfeitamente esse fervedouro de espiões
que é Paris, onde se misturam desde os mais altos
aristocratas e homens de governo até o mais baixo
marginal. Escute, fui convidado para uma festa hoje à noite
em casa do príncipe Basile Andreievsky. É um ucraniano que
se diz eLivros desde a revolução de 17, mas deve ter
descoberto um veio de ouro, a julgar pelos gastos que faz.
Venha comigo, pois é muito possível que, entre os
convidados, se encontre o cabeça da organização em que
você está interessada. Quem sabe, também, se a sua
Pawlova não estará entre eles? Você já está vestida; deixe
que eu me arrume e sairemos dentro de quinze minutos.
No cenário
A festa ia avançada quando chegaram. Leedman
apresentou Brigitte ao príncipe, que ficou encantado com a
beleza irradiante da jovem: — Temia ver-me privado da sua
agradável companhia, senhor Leedman, mas vejo agora que
sua demora foi plenamente justificada — e oferecendo o
braço a Brigitte levou-a para os salões.
As apresentações sucediam-se com graça e entusiasmo
naquele ambiente requintado: — Madame Belcourt, sempre
muito jovem e bela... e marquesa de Trevigny;
mademoiselle Rose Decaillox, filha do adido militar belga;
madame, a condessa Polowsky, que acaba de chegar de
Nova York, une grande femme du monde; o tenente-coronel
monsieur Dumond, do Estado-Maior...
A todos Brigitte encantava com seu charme, fazendo
frases adequadas, inconsequentes ou cheias de ironias
próprias do grand mond.
Como Leedman previra, ali estava a condessa Polowsky,
cabelos louros e extraordinária beleza, lembrando a
descrição de Mireille, feita por Erving. Seria de fato a espiã
Mireille? Difícil de acreditar, vendo-a ali, naquele ambiente
refinado, conversando alegre e despreocupadamente,
compondo-se num ar angelical, o riso franco, que fosse
capaz de cometer as mais violentas torturas. Entretanto,
não era também Brigitte, com toda sua beleza, candura e
refinamento, mulher que nos momentos próprios sabia
aplicar violentos golpes de jiu-jitsu, atirar com certeira
pontaria liquidando sem titubear seu adversário? Aquela
aparência mundana e despreocupada nada significava
realmente.
Esses pensamentos ocorriam a Brigitte enquanto ouvia,
sem prestar muita atenção, aos galanteios banais de um
velhote entusiasmado, esperançoso de ver renascer nele
certas qualidades há muito perdidas. Aproveitando a linha
de conversação, a jovem jornalista comentou
maliciosamente, com jeito de blague: — Mas há aqui
mulheres mais belas e estimulantes do que eu, monsieur...
Veja, por exemplo, a condessa Polowsky.
Linda, não lhe parece? Ou será que o marido é muito
ciumento?
— Oh! Sim! Muito linda! E muito rica também! —
respondeu o cavalheiro que, à menção da condessa, foi
tomado de novo entusiasmo.
— É viúva; o marido morreu deixando-lhe fabulosa
fortuna que ela dissipa em viagens inúteis pouco
aparecendo em Paris para nos encantar com sua graça. Já
viajou três vezes, desde que foi apresentada à sociedade
parisiense há dois meses, por monsieur Tartin, o diplomata
polonês eLivros, aquele que está falando com ela agora. Faz
apenas dois dias que chegou de Nova York. Antes, parece
que esteve pela África do Norte, Itália... Viaja muito, a
condessa.
Brigitte olhou em direção da condessa e a viu
conversando com um senhor alto, magro, de porte elegante,
prováveis trinta anos.
Leedman acercou-se nesse instante e, pedindo
permissão, levou Brigitte, a pretexto de fazer umas
apresentações, deixando o velhote indeciso entre Edith
LaSalle e Pawlova Polowsky.
Aos poucos os convidados foram saindo. Leedman
acompanhou Brigitte ao hotel e ao despedir-se colocou-se
mais uma vez à sua disposição.
Brigitte passou toda a manhã do dia seguinte em seu
apartamento, aguardando o momento em que a condessa
saísse. Por volta das onze horas, ouviu a porta do 139 abrir
e fechar c os passos rápidos da condessa pelo corredor.
Colocou sua minúscula pistola de cabo de madrepérola
entre os seios e aguardou, com calma, mais meia hora.
Verificando não haver ninguém no corredor, penetrou no
apartamento em frente, valendo-se de uma gazua, parte da
coleção de instrumentos imprescindíveis que sempre traz
consigo, escondidos no fundo falso da frasqueira. Revistou
completamente todo o apartamento. A bela agente da CIA
se mostrou, mais uma vez, muito hábil nesse tipo de
trabalho: examinou todos os móveis, gavetas e possíveis
esconderijos com método e ordem, o que permitiu deixar
tudo arrumado como se nada tivesse sido tocado. E agiu no
máximo de rapidez.
Dentro de pequena arca de madeira esculpida, belíssimo
trabalho provavelmente de origem hindu, encontrou uma
pistola 6.35 com cabo de chifre. Por baixo da pequena arma
havia um maço de cartas, notas de compras, alfinetes e
outras miudezas. Brigitte já vira muitas caixas daquele tipo,
geralmente de fundo falso, para um compartimento secreto.
Examinou a arca, cuidadosa, por dentro e por fora,
mando sua pequena lanterna elétrica. Finalmente descobriu
minúsculo orifício na parte interna da parede do fundo,
disfarçado entre um entalhe de madeira. Com a gazua mais
fina que tinha, trabalhou algum tempo até que ouviu
pequeno click e a parede lateral soltou-se revelando uma
gavetinha entre o fundo falso e o fundo verdadeiro. Abriu-a
lá encontrou um maço de papéis. Examinou-os com a
lanterna: continham números, fórmulas matemáticas,
gráficos, desenhos. Deviam ser os documentos roubados ao
professor Erving. Nisso ouviu no corredor passos que se
aproximavam.
Rapidamente fechou a arca, colocou os papeis na bolsa,
junto com as cartas e a arma da condessa e, sacando sua
própria pistola, pôs-se em posição estratégica, pronta para
a emergência. Mas, quem quer que fosse passou pela porta
do apartamento sem se deter e o ruído abafado dos passos
perdeu-se no fundo do corredor. Isto a advertiu de que já
estava há muito tempo naquela busca e era preciso sair
antes que alguém chegasse. Dando um olhar em volta e
verificando que tudo estava em ordem, deixou os aposentos
da condessa passando para os seus sem que ninguém a
visse.
Começou a ler as cartas. As mais recentes estavam
datadas de Orã, de alguns dias antes. Pela data do carimbo
de chegada, do Correio de Paris, verificou terem sido
entregues no hotel enquanto a condessa ainda se
encontrava em Nova York. As cartas, porém, não continham
nada de especial.
Apanhou na frasqueira um vidrinho de perfume contendo
certo reagente químico e aplicou-o com um pequeno bastão
plástico nas entrelinhas de uma das cartas de Orã, datada
de 28 de setembro. O reagente provocou um precipitado
violeta e as entrelinhas povoaram-se de letras. Era evidente
que a Pawlova ainda não tinha lido a mensagem. Brigitte
pôs-se a pensar. Aquilo provavelmente significava que a
condessa não era cabeça da organização, mas apenas uma
intermediária, uma espécie de “correio.”
A mensagem dizia: “Informe do agente 0-6. No próximo
dia 9 serão realizadas as provas e as fórmulas definitivas do
“Poisson Volauf”. O agente 0-7 copiará os planos e as
fórmulas definitivas assim que estejam ao seu alcance.”
Brigitte estava emocionada. Aquilo era sensacional!
Continuou aplicando o reagente nas outras cartas. Mas
só as de Orã continham mensagens escritas com tinta
invisível nas entrelinhas Todas eram do mesmo agente 0-6,
indicando a existência de mais quatro agentes sob as suas
ordens.
Mencionava moderníssimas armas secretas em vias de
construção ou em fase de experiência em um Centro de
Pesquisas de Armamentos do Exército Francês, ao sul de
Orã.
Em poucos minutos a agente trocou de roupa vestindo
elegante costume, de acordo com aquela magnífica tarde
de princípio de outono, adquirindo um tentador aspecto de
adolescente que desabrocha para a vida. Colocou na bolsa
os papéis que achara, a máquina fotográfica a tiracolo,
como convém a uma turista que se preza, e em poucos
instantes achava-se num táxi a caminho da joalheria de
Leedman.
Ao entrar no escritório em que estivera na véspera, no
primeiro andar da loja, teve uma agradável surpresa: Deny
estava lá, recém-chegado de viagem a julgar pela valise ao
lado da poltrona em que se acomodara.
— Olá, companheiro! Que alegria em vê-lo! Não o
esperava tão cedo. Pensei que ainda estivesse de molho no
hospital, curando o arranhãozinho...
— Qual o quê! — replicou Deny, levantando-se para
cumprimentá-la. — O ferimento não era tão sério assim. Só
os médicos é que achavam. Fiquei impaciente e vim
embora... impaciente por ver você, é claro. Afinal, não é
justo que os franceses tenham o privilégio de ter você
todinha, só para eles.
Ao contemplar aquele belo tipo atlético, transbordante
de masculinidade, Brigitte lembrou-se de Mister Fantasma,
sentiu um friozinho correr espinha abaixo e disse com um
tom de malícia: — Que bom! Agora podemos continuar o
que não chegamos a começar em Nova York...
Leedman, que assistia divertido àquela cena,
interrompeu dizendo: — Bem, vamos aos negócios. Que
novidades traz você, minha linda e perigosa agente?
— Ah! Vocês nem imaginam o que eu achei — respondeu
ela. E em poucas palavras contou o que estivera fazendo no
apartamento da condessa e mostrou os papéis encontrados.
Leedman examinou por alto os documentos e comentou: —
Isto é muito sério. Precisamos tomar agora algumas
providências acauteladoras. Venham comigo, vocês dois.
Aproximou-se da lareira e apertou um botão escondido
na parte interna. Uma pequena escada de tubos de alumínio
desceu da chaminé ao mesmo tempo que seu interior se
iluminava.
— Sigam-me — disse Leedman, que se agachou e passou
para dentro da lareira começando a subir pela escadinha.
Brigitte e Deny seguiram-no. O interior da chaminé era
bem mais espaçoso do que parecia por fora. Depois de
subirem uns oito degraus, chegaram a uma passagem que
dava entrada para ampla sala muito bem iluminada. O lugar
não tinha janelas e era todo forrado com material à prova
de som. Além de confortável mobiliário, continha uma
infinidade de aparelhos e material químico, laboratório
fotográfico, prancheta e material de desenho, instrumentos
de todos os tipos, inclusive instalação de radiotelegrafia e
telefotografia para transmitir fotografias de planos e
documentos. Num canto, pequeno forno crematório para
destruir documentos. Leedman explicou que as antenas de
recepção e transmissão se escamoteavam dentro da
chaminé e que a ventilação se processava também através
da chaminé por meio de exaustores.
— Sentem-se — prosseguiu — e examinemos a
situação. Hoje à noite mandarei uma radiofoto destes
documentos para Pitzer, em Nova York. Mas agora
precisamos muito cuidado. A estas horas a condessa
provavelmente já descobriu que os papéis foram roubados e
terá alertado outros membros da quadrilha. Você, Edith,
deverá deixar o hotel o quanto antes. Vá para este
endereço, no bairro de Maison Blanche, e procure Jean. Ele a
acomodará numa pequena pensão que tem ali — e dizendo
isso estendeu-lhe um papel com a rua e o número da casa.
— Convém mudar de nome...
— Ótimo! — atalhou ela. — Passarei a me chamar Brigitte
—, acrescentou com um riso maroto.
Leedman continuou, dirigindo-se a Deny: — Edith, quero
dizer, Brigitte, precisa apanhar suas coisas no hotel e pagar
a conta para não levantar suspeitas entre a Polícia local. É
bom Harriman, você ir com ela.
Levem o meu automóvel para qualquer eventualidade.
Mas não convém que sejam vistos juntos. Ela sobe ao
apartamento e você segue logo depois. Aguarde no quarto o
tempo necessário até ela descer, pagar a conta e ir para a
área de estacionamento nos fundos do hotel, onde ficará
esperando por você dentro do carro. Aí vocês vão à casa de
Jean, nesse endereço que acabei de dar. Certo?
— Certo! — responderam Brigitte e Deny ao mesmo
tempo.
— Agora, sumam-se! Não há tempo a perder! — concluiu
Leedman autoritário.
Os dois agentes procederam exatamente como Leedman
os instruíra.
Fazia já uns quinze minutos que Brigitte deixara o
apartamento, levando a valise e a inseparável frasqueira.
Deny estava para sair, quando a porta do apartamento
se abriu violentamente dando entrada a dois homens
atarracados, com feições de bandidos, revólveres na mão.
Um deles foi logo dizendo: — Nem um movimento, ou
estouro os seus miolos. Onde está a moça?
— Que moça? — perguntou Deny, apanhado de surpresa
e tentando ganhar tempo. — Estou hospedado aqui sozinho.
Que espécie de hotel é este? Vou me queixar à gerência...
— Deixe de gracinhas, seu moço — cortou rapidamente o
homem. Dirigiu-se a seu companheiro e ordenou: — Pierre,
reviste esse cara e veja se está armado. Depois procure a
moça aí dentro.
Pierre obedeceu e retirou o revólver de Deny. Percorreu
os aposentos e voltou dizendo que não havia mais ninguém.
O primeiro hesitou um pouco e depois comunicou a
Deny: — Você vem conosco. O chefe vai fazer você cantar
direitinho.
Dizendo isso, adaptou o silenciador ao revólver e forçou
Deny a caminhar em direção aos fundos do hotel.
Deny não tinha alternativa. Precisava esperar uma
oportunidade para desvencilhar-se de seus raptores.
Desceram pela escada de serviço, deserta àquela hora, e
alcançaram o pátio do estacionamento onde obrigaram
Deny a entrai num carro preto.
Brigitte já estava impaciente no “Citroen” de Leedman.
Por medida de precaução, havia-se abaixado no fundo do
carro para que ninguém a visse Assim, não foi vista pelos
bandidos, mas tampouco viu-os levando Deny. Somente
quando carro deles deu a partida foi que, atraída pelo
barulho, levantou a cabeça e ainda consegui vislumbrar o
companheiro no assento de trás. Sem perda de tempo, mais
por instinto que por raciocínio, deu partida no “Citroen” e
saiu em perseguição do automóvel preto.
Pouco depois de entrar no carro, Deny recebeu uma
coronhada na cabeça. Quando voltou a si, encontrava-se
estirado no chão de pequeno quarto frio e úmido. Na
semiobscuridade, percebeu que não havia qualquer mobília.
Levou as mãos à cabeça que latejava horrivelmente e
sentiu que o ferimento no braço ainda estava dolorido.
Lembrou-se então do audaz sequestro de que fora vítima,
em pleno Hotel George V. O que teria acontecido a Brigitte?
Meia hora depois apareceram três homens. A luz que
penetrou quando abriram a porta ofuscou-o por alguns
instantes. Mas logo reconheceu seus dois assaltantes. O
outro teria uns trinta anos, alto e magro, de porte elegante
e muito bem vestido.
— Boa noite, senhor agente da CIA — disse em perfeito
inglês, mas com ligeiro sotaque russo ou polonês. —
Queremos os documentos que foram roubados do 137 do
Hotel George V. E a pistola também. Quem foi, você ou a
moça?
Aquilo fez renascer uma esperança em Deny: parecia
indicar que não haviam apanhado Brigitte e era possível
que ela tivesse visto e seguido o carro em que ele fora
raptado.
— Não sei do que vocês estão falando — disse Deny,
sentando-se no chão com dificuldade — sou um pacífico
homem de negócios que estava hospedado no melhor hotel
de Paris e de repente me vejo raptado, socado e maltratado.
Vou apresentar queixa...
— Chega de comédia! — atalhou o homem alto. —
Sabemos perfeitamente quem você é, bem como aquela
marafona que passa por turista canadense.
— Marafona é a sua avó! — gritou uma voz autoritária
por trás deles, indiscutivelmente feminina. — Levantem os
braços e nem um gesto, ou rebento os cocos de todos três!
Brigitte havia seguido o carro preto e, treinada como era
nessa técnica, não foi percebida pelos bandidos. Aguardou
pacientemente o momento oportuno de penetrar naquela
garagem abandonada, em um subúrbio de Paris. Foi quando
um terceiro homem chegou que os dois raptores relaxaram
a vigilância, dando a ela a oportunidade esperada.
Esgueirando-se silenciosamente ao longo da parede,
chegou ao pequeno quarto a tempo ainda de ouvir o insulto
com que o homem elegante se referira a ela. A porção latina
de seu sangue ferveu e redobrou o ódio de que já se achava
possuída. Assomou à porta e, dramática, de pistola em
punho, intimou os três bandidos.
Pierre não se intimidou e esboçou um gesto em busca do
revólver. Mas não chegou a terminar; uma bala atingiu-o
entre os olhos e ele caiu pesadamente. Deny, que estava
sentado no chão, atirou-se sobre as pernas do outro raptor,
derrubou-o e saltou sobre ele, agarrando-lhe o pescoço com
as duas mãos. O homem alto, aproveitando a fração de
segundo em que Brigitte se mostrou indecisa, diante da luta
iniciada por Deny, pegou-a pelo pulso da mão que
empunhava a pistola e, com violento safanão, jogou-a sobre
os dois homens em luta, precipitando-se em desabalada
carreira para fora da garagem. A jovem, que não soltara a
arma, levantou-se e ainda atirou atingindo-o nas costas.
Mas o homem continuou correndo e alcançou a rua.
Deny, com as mãos transformadas em garras de aço e
sem sentir a dor do ferimento no braço esquerdo,
comprimia a garganta do bandido, até que ouviu a voz
angustiada de Brigitte: — Chega! Ele já está morto.
Pouco mais tarde, na pensão de Jean, Leedman dava a
Brigitte e Deny as últimas instruções e notícias recebidas de
Pitzer, vindas de Nova York.
Deveriam seguir imediatamente para Orã e frustrar os
planos da quadrilha.
Charles fora preso em Washington e estava sendo
submetido a intenso interrogatório.

No labirinto oriental
Onde se vê que os espiões também podem ser
eletrônicos
A última chave

Da janela do avião, Brigitte e Deny, de mãos dadas e


rostos colados, contemplavam a moderna Babel, a cidade
cosmopolita de Orã, amálgama de raças, povos, línguas,
religiões e costumes.
Os dois jovens, alegres e felizes, hospedaram-se no hotel
Empire, o melhor da cidade, localizado em sua principal
artéria, à rua d’Arzew. O hotel podia concorrer em luxo e
conforto com os melhores da Europa. Brigitte manifestou
desejo de visitar a cidade antes de se entregar a perigosa
missão. Sentia-se em lua de mel. Deny concordou e, depois
de um longo passeio em carro alugado, entraram no Café
Colombo para descansar e tomar um refresco.
De repente, Brigitte apertou a mão de Deny dizendo em
voz baixa: 
— Não olhe agora, mas Mireille, a condessa, acaba de
entrar. Está de vestido preto e sentou-se lá no fundo.
É preciso que não me veja, de maneira que volto para o
hotel. Você fica aqui e procure segui-la quando sair, para
descobrir onde mora. Nos veremos no hotel. Tchau!
Deny olhou disfarçadamente para ver a famosa condessa
Polowsky que ainda não conhecia. Era realmente linda.
Passaram-se alguns minutos e entrou um cavalheiro de
seus cinquenta anos, muito gordo, que foi sentar-se junto a
Mireille. Meia hora depois saíram, tomando um táxi. Deny
seguiu-os no carro que havia alugada Atravessaram quase
toda a cidade, até alcançar, por trás do cemitério, o Village
Lemur, um dos bairros mouros de Orã, um amontoado de
pequenas casas térreas, onde as famílias árabes de classe
pobre viviam aglomeradas.
O movimento de carros nessa área era muito reduzido,
de maneira que Deny conservou-se a razoável distância do
táxi para não deixar perceber que o estava seguindo.
Finalmente, o táxi parou diante de uma casinha de aspecto
melhor, com pequeno jardim na frente. Deny passou direto
e notou que os dois ocupantes do carro tinham entrado na
casa, mas o táxi esperava. Dobrou na primeira rua,
estacionou um pouco adiante e foi postar-se
disfarçadamente na esquina para observar a casa onde a
condessa havia entrado com seu acompanhante.
Era muito comum turistas europeus passearem por
Village Lemur para observar e tirar fotografias de seus
aspectos pitorescos, e a presença de Deny ali não chamava
atenção nem causava estranheza.
Não demorou muito, e o senhor gordo saiu, embarcando
no táxi.
Deny voltou para o seu carro e arrancou rapidamente até
alcançar a rua do cemitério, principal via de acesso ao
bairro, parando numa esquina. Não se enganara: o táxi com
o cavalheiro gordo surgiu momentos depois. Deu-lhe
distância e começou a segui-lo. À medida que se
aproximavam do centro da cidade a perseguição não
precisava ser tão cautelosa, pois o movimento de carros
servia perfeitamente de cobertura. O único cuidado era não
perder de vista o táxi.
Repentinamente, na praça Karguenta, o táxi encostou no
meio-fio e o ocupante saiu, pagando a despesa.
Deny não teve tempo de parar também, sem chamar
atenção. Teve que seguir em frente, mas resolveu dar a
volta à praça. Queria ver para onde o homem ia. Teve sorte.
Quando já tinha dado toda a volta e estava próximo do
ponto onde o gordo desembarcara, viu-o na direção de
outro carro, saindo de um estacionamento. Deny continuou
a segui-lo.
Novamente afastaram-se da cidade, atravessaram o
bairro de Saint Eugene e entraram na Gambetta. O gordo
meteu-se por estreita rua calçada de pedregulhos soltos,
parando diante de uma casa. Deny procedeu como da vez
anterior: passou à frente e dobrou na primeira rua, parando
pouco adiante.
Saltou e aproximou-se da esquina para observar. O gordo
tinha aberto a garagem e estava manobrando com grande
dificuldade para entrar com o carro. O agente sorriu
satisfeito e voltou para o hotel.
Brigitte o esperava em seu quarto, lendo um livro,
langorosamente deitada numa chaise-longue. Vestia apenas
um transparente négligée que ainda mais realçava seu
corpo escultural. Deny não se conteve diante daquela
moderna versão de Madame Recamier e lançou-se
impetuoso para enlaçá-la em seus braços. Mas Brigitte, num
movimento ágil de felino em guarda, esquivou-se do
assalto, detendo o agente com o braço estendido.
— Não, não, querido. Agora não. Primeiro você vai me
contar tudo o que aconteceu.
Deny caiu em si e percebeu o ridículo. Aos poucos se
recuperou de sua frustração e relatou em pormenores o
resultado de sua perseguição, concluindo: — Matamos dois
coelhos com uma só cajadada. Sabemos onde dois deles
têm suas tocas. Agora é preciso agir.
Nessa noite foram ambos a Argel, visitar o agente da CIA
na Argélia. Pitzer, por intermédio de Leedman, tinha dado o
endereço, bem como a senha de identificação. Era um
americano simpático, cordial, que vivia em Argel há vários
anos com um negócio de importação e exportação que
justificava suas viagens frequentes.
O agente de Argel arranjou-lhes um carro equipado com
rádio de ondas ultracurtas e forneceu-lhes também pequeno
transmissor transistorizado, altamente sensível, da mesma
frequência. O carro tinha ainda vários outros instrumentos
úteis para qualquer emergência: binóculos, máquina
fotográfica, bem como armas, inclusive uma metralhadora
portátil de pequeno porte, tudo muito bem escondido e
disfarçado.
Na manhã seguinte, Brigitte e Deny foram para o bairro
de Village Lemur. Tinham que vigiar a casa de Mireille e
aguardar os acontecimentos. Descobriram uma pracinha
muito comum, com poucas casas e praticamente sem
movimento algum. Rodeada de frondosas árvores, ficava no
fim da rua em que morava Mireille, mas bastante longe da
casa. Ali poderiam encostar o carro durante algumas horas
e vigiar. Quem passasse julgaria tratar-se de um par de
namorados que escolhera aquele recanto para fugir de
olhos indiscretos.
Não passara muito tempo quando um carro encostou
diante da casa com a parte de trás voltada para eles. Deny
apanhou um pequeno binóculo de teatro e viu tratar-se de
um táxi. Logo a seguir, surgiu Mireille que embarcou e o táxi
partiu imediatamente. Pouco depois outra pessoa deixou a
casa. Pelo binóculo viu que era uma mulher, envolta em
trajes mouros, provavelmente a empregada da casa. Notou
que fechara à chave a porta da casa e o portãozinho do
jardim, caminhando pela rua em direção oposta àquela que
tomara o táxi e dobrando na primeira esquina.
Evidentemente não havia mais ninguém na casa. Era a
oportunidade que estavam esperando Brigitte e Deny
trancaram o carro c caminharam em passos rápidos. Ao
chegarem perto da casa diminuíram o andar para não
chamar a atenção, apesar da rua estar deserta. Olharam em
volta para certificar-se de que ninguém os observava.
Com uma gazua penetraram na casa. Havia uma
pequena sala de estar confortável mente mobiliada, três
quartos e dependências Brigitte passou a revistar toda a
habitação naquela sua maneira metódica, sem deixar
escapar nada.
Enquanto isso, Deny instalava numa sanca, por cima da
janela, o pequeno transmissor transistorizado que lhe dera o
agente de Argel, colocando o minúsculo microfone e o fio
que o ligava ao transmissor por trás da cortina que pendia
do teto encobrindo essa mesma sanca. O arranjo era
perfeito e ninguém perceberia a instalação. Quando
terminou, Brigitte juntou-se a ele dizendo que não
encontrara absolutamente nada. Saíram sem deixar o
menor vestígio de que alguém havia estado na casa.
Chegaram à conclusão de que Mireille não regressaria
tão cedo, pois tomara um táxi, provavelmente indo à cidade
encontrar-se com algum comparsa. A saída da criada
também reforçava essa conclusão. Acharam melhor
abandonar o local, pois a permanência muito prolongada do
carro ah poderia levantar suspeitas.
Às sete da noite voltaram à pracinha, tende antes
passado diante da casa de Mireille. Notaram que havia
alguém em casa, pois as luzes estavam acesas. A rua era
muito mal iluminada e do lugar onde estavam não podiam
ver o movimento em frente à casa. Ligaram o receptor do
carro e puseram-se à escuta. Com toda a nitidez ouviram a
voz de Mireille dando instruções à empregada e o barulho
de pratos que eram removidos. A certa altura perceberam o
toque de uma campainha e a voz de Mireille dizendo: — É
melhor você sair, Jaíra.
Pouco depois ouviram o ruído de uma porta abrindo e
novamente a voz de Mireille: — Entre, Emanuel. Tenho
péssimas notícias.
— O que houve? — perguntou uma voz com acentuado
sotaque italiano.
— Recebi um telegrama cifrado de Tartin. Ele está ferido
e dois dos nossos morreram. Aquela vagabunda do Serviço
Secreto Americano era ajudada por outro agente. Os dois
escaparam e devem estar aqui em Orã à nossa procura...
Brigitte no carro mordeu os lábios e disse: — Vagabunda
é a...
Mas Deny interrompeu-a enérgico: — Quieta! Vamos
ouvir.
A voz de Mireille continuava: — ... e não conseguiram
reaver os planos de Erving.
Charles e Fred estão presos e os caras que eles
contrataram em Nova York para fazer o serviço foram
assassinados. Ele também morreu, o velho miserável, sem
contar nada.
— Tudo vem por água abaixo! — a voz de Mireille era de
ódio quando acrescentou: — Ah! Mas quando eu pegar
aquela ordinária...
— Calma — era a voz italianada de Emanuel. — Eu
sempre disse a você que tomasse cuidado com esses
agentes da CIA Eles são fogo. Agora é preciso agir com a
cabeça fria e ter confiança no chefe. Ele sabe o que faz — e
depois de uma pausa prosseguiu: — O que foi que você
combinou?
— Turner vai chegar hoje à noite de Colomb-Béchar
trazendo notícias. Aí veremos o que se faz, com essa
situação em Paris e esses malditos da CIA aqui em Orã.
— Sabe — tornou o italiano — as coisas estão ficando
pretas. Na verdade, acabaram com a maior parte da nossa
organização. Eu gostaria de dar uns bons golpes e cair fora
do negócio Houve um momento de silêncio, e a voz Mireille
voltou a ser ouvida: — É verdade, Emanuel? Mas para onde
voa iria? Você sabe que eles não deixam ninguém sair
vivo...
— Eu sei. Mas, olhe: estou ficando velho, já não dou mais
para essas violências. Com um bom golpe eu arranjava
algum dinheiro e ia para a América do Sul, para o Rio de
Janeiro, viver sossegado.
— Sabe de uma coisa, Emanuel? Eu também penso como
você. Os planos do “Poisson Volant” poderiam nos dar
várias centenas de milhares de dólares. Por que dividir isso
com o chefe, que sempre fica com a maior parte? Você sabe
que eu conheço pessoalmente todos dentro da organização,
menos o chefe, é claro. Com ele só Tartin entra era contato.
Sei, portanto, em quem a gente pode confiar. Tartin
ficaria do meu lado, e eu e ele conhecemos uns tantos
governos que comprariam esses planos sem fazer
perguntas, nem questão de preço.
— Por mim, não vejo inconveniente — disse o italiano.
— É o que estou querendo há muito tempo.
Houve uma pausa e, no carro, Deny comentou para
Brigitte: — Se o que estão planejando desse certo, um dos
dois acabaria com o outro.
Ouviu-se novamente o toque da campainha e ruídos de
cadeiras, passos até a porta.
— Olá, Turner! — era a voz de Mireille. — Mas por que
Ben Husein veio com você?
— Tem um assunto para discutir. Depois fala. Eu trouxe
os planos do “Poisson”. Tive que copiá-los ontem à noite e
trazer para cá, pois não tinha onde guardá-los. E se
descobrissem...
— Está bem — replicou Mireille. — Mas nós precisamos
de fotografias, senão nenhum governo vai acreditar nesses
planos. Vão achar que é fantasia nossa...
— E há mais — continuou a voz de Turner. — Um tanque
teleguiado de alta velocidade e superblindagem. Trouxe
esses planos também Tudo vai ser testado depois de
amanhã no campo de provas.
— Ótimo — exclamou Mireille. — Isto me dá uma ideia:
vamos todos amanhã para Colomb-Béchar e fotografamos
as experiências. Depois voaremos direto para Argel e daí
rumo a Paris. Sairemos amanhã de madrugada. Assim
deixam Orã e nos livramos desses agentes da CIA antes
mesmo que nos descubram. O avião está pronto, Emanuel?
— Sim, é claro — respondeu o italiano, que continuou: —
Mas não acho, Mireille, que você deva andar por aí
carregando esses planos, É muito perigoso. Podem ser
roubados, ou poderão ser descobertos, o que é mais
grave... O melhor é eu levá-los até Paris e esperar por você
lá...
— Nada disso — atalhou Mireille. — Você vem
conosco. Não se preocupe com os planos. Ficarão aqui
mesmo nesta casa, sem perigo algum. Eu farei com que
cheguem a Paris. Tenho os meus recursos. Ou vocês já
esqueceram que quem manda aqui sou eu?
— Está bem, Mireille. Você é que sabe — volveu o
italiano.
— Estamos todos de acordo? — perguntou a espiã e, sem
esperar resposta continuou: — Muito bem. Então, amanhã
às seis você me apanha aqui, Emanuel. Turner se encontra
conosco no local, em Ain el Turk, para tomarmos o
avião. Quanto a você, Ben Husein, volte agora mesmo de
carro para Colomb-Béchar. Encontre-se conosco às onze
horas no mesmo lugar, adiante do oásis... os outros também
devem ir, mas levem seus camelos...
— Mas, Mireille — começou a protestar Husein — são
setecentos quilômetros e eu acabo de chegar de lá! Estou
morto de cansaço.
— Em primeiro lugar — disse Mireille ríspida — não
mandei você vir para cá. Em segundo, precisamos do carro
lá; em terceiro, não há lugar no avião para todos; em quarto
lugar, são ainda apenas dez horas da noite... você tem,
portanto, treze horas pela frente, pode dormir uma meia
hora se quiser... e em quinto lugar, obedeça! — concluiu
num grito que não permitia réplica e que chegou a assustar
Brigitte e Deny no carro.
Aparentemente, com isso estava encerrada a reunião. Os
agentes da CIA ainda ouviram o barulho de cadeiras e vozes
distantes pronunciando palavras indistintas que soavam
como despedidas. O bater de uma porta, alguns passos
rápidos. Outra porta que bateu e depois o silêncio total.
Deny desligou o receptor dentro do carro olhou para
Brigitte, que olhava para ele. Cada um via no outro uma
expressão mista de espanto, dúvida, entendimento e
interrogação, como quem diz: “Mas, você viu só?”
Foi Brigitte quem interrompeu o silêncio: — Você está
pensando no que eu estou pensando?
— Creio que sim. Temos que ir a Colomb-Béchar. Se
conseguirmos apanhar o grupo todo lá, só ficam faltando
Tartin e o chefe...
— Não, meu caro — interrompeu Brigitte. — Ainda tem
aquele que vai apanhar os planos na casa de Mireille, aqui
em Orã, e levá-los para Paris. E este deve ser...
— A empregada de Mireille, é claro! Temos que pegar
esses planos o quanto antes. Vamos embora dormir, que
amanhã teremos um dia cheio!
Na manhã seguinte, pouco antes das seis. Deny voltara à
pracinha. Tinha ido só e deixara o carro estacionado em
outro local para que seu repetido aparecimento não
começasse a chamar a atenção dos moradores das
vizinhanças. Às seis em ponto chegou Emanuel no seu auto
e nem teve tempo de descer. Mireille já vinha saindo,
vestindo elegante slack e blusão, carregando uma valise.
Depois que o carro se afastou, Deny ainda esperou uns dez
minutos, antes de se dirigir para a casa.
Tocou a campainha e entrou pelo jardim, postando-se
junto à porta de entrada. Veio abri-la uma linda jovem,
vestida à europeia. Deny teve um choque: pensou tratar-se
de Mireille, tal a semelhança com a condessa: o mesmo
cabelo, as mesmas feições belas, mas rígidas, o mesmo
olhar penetrante, decidido e cruel. Apesar do espanto, Deny
não perdeu a presença de espírito e disse com naturalidade,
sabendo de antemão que não ia adiantar nada: — Madame
esqueceu aqui alguns papéis e mandou que eu viesse
apanhá-los...
— Pode deixar que eu me encarrego disso — respondeu a
moça fechando a porta com violência.
Mas Deny tinha avançado o pé impedindo que a porta se
fechasse e forçando a entrada.
A jovem recuou e sacou uma pistola do bolso do casaco.
Deny, com sua agilidade característica, atirou-se sobre
ela para arrebatar-lhe a arma. Na rápida luta que se travou,
a pistola detonou atingindo a jovem mortalmente. Deny
ficou penalizado, mas tinha que sair dali o mais
rapidamente possível. No fundo falso de uma maleta
semiarrumada com roupas femininas encontrou uma série
de planos e desenhos que deveriam ser os do “Poisson
Volant” e do tanque.
Aparentemente o barulho do tiro não atraíra nenhum dos
vizinhos.
Pouco depois das sete horas, naquela mesma manhã,
Brigitte e Deny seguiam para Argel, onde iam deixar os
documentos em lugar seguro — nas mãos do governo
americano. De lá seguiriam para Colomb-Béchar.

Uma expedição perigosa


Colomb-Béchar é um mistério maior
Atrações e desvios
Novo ritmo

Depois de se abastecerem e equiparem com tudo aquilo


que acharam que poderia ser-lhes útil naquela expedição ao
deserto no sul da Argélia, os dois agentes especiais da CIA
puseram-se em marcha.
Chegaram a Colomb-Béchar por volta da meia-noite. Não
tiveram que procurar muito através das estreitas ruelas,
mortas àquela hora: logo encontraram um albergue com
pretensões a hotel na única praça do lugarejo. Próximo
havia uma garagem onde deixaram o carro, torcendo para
que nenhum curioso o arrombasse e visse os objetos
demasiado comprometedores nos seus diversos
compartimentos secretos.
Na manhã seguinte Deny levantou-se muito cedo e saiu
para fazer um reconhecimento da localidade. O que mais o
preocupava, porém, era descobrir onde ficava o campo de
provas e como chegar lá, junto com a companheira, sem
levantar suspeitas.
Depois de dar umas voltas pela vila, resolveu ¦tomar
alguma coisa num café da pequena praça para descansar
um pouco e procurar traçar um plano de ação.
A vila era mais um acampamento militar do que qualquer
outra coisa. A população europeia constituía-se de
legionários, famílias de oficiais, operários e funcionários da
estrada de ferro transaariana.
Embora tivesse trazido vestimentas mouras de Argel,
Deny trajava suas roupas europeias, notando que chamava
a atenção. Estava entretido em suas meditações, quando
dele se aproximou um legionário perguntando-lhe em
inglês: — Perdão, mas o senhor é americano, não é?
— Sou sim. Vim conhecer o deserto, em busca de
aventuras e emoções, mas estou desanimado — respondeu
Deny em tom de enfado.
O legionário era também americano e narrou a sua
odisseia, afirmando que contava dia a dia o tempo que
ainda faltava para completar os cinco anos de engajamento
na Legião Estrangeira.
Deny ouviu pacientemente e, depois de alguns
comentários em tom de simpatia, perguntou: — O que é que
existe por aqui de interessante para se ver?
— Quase nada — respondeu o legionário. — O melhor é o
oásis, mas fica um pouco longe. É o oásis mais importante
desta parte do Saara. A terra nas proximidades é muito
fértil, de maneira que existem numerosas plantações por
ali. Além disso, tem uma espécie de jardim zoológico que
vale a pena ver.
A menção do oásis interessou a Deny, pois por ali, um
pouco além, Mireille e seus companheiros deveriam ter-se
encontrado às onze horas da véspera. Paia onde teriam ido?
Talvez estivessem ali mesmo, em Colomb-Béchar. Mas
não deixou transparecer seu interesse e, com um bocejo,
tornou a perguntar: — E o que mais? Não vejo a menor
possibilidade de aventuras nisso que você acaba de
mencionar...
— Mais nada, ora essa! — exclamou o legionário. — É
claro que você não vai querer visitar o Centro de Pesquisas
de Armas Secretas, que é o mais importante que existe por
aqui e a razão de ser deste acampamento.
— Não sabia que existia uma coisa dessas nesta região
— mentiu Deny, fingindo desinteresse.
— Fica perto. Cerca de cinco quilômetros na direção de
Kenadza. Mas não tente chegar lá e nem diga a ninguém
que sabe da sua existência. Fazem o maior mistério. Desde
que foi cria do, há uns dois anos, está cheio de agentes
secretos do Deuxième Bureau, que enxergam espiões por
toda parte, até nas próprias sombras. Por um nadinha à toa
prendem qualquer pessoa como suspeita.
Conversaram mais um pouco sobre coisas banais, o
legionário pedindo notícias dos Estados Unidos. Deny
despediu-se, deu mais algumas voltas e regressou ao
“hotel”.
Brigitte já o esperava impaciente, vestindo os trajes
mouriscos trazidos de Argel e que ocultavam a melhor parte
de suas múltiplas qualidades. Deny, vendo-a, fez uma
careta de desagrado e disse: — Já que você está pronta,
vamos embora. Tenho dois camelos alugados aí fora.
— Para onde vamos, queridinho? — perguntou Brigitte
brincalhona, ensaiando uns gestos de odalisca que nada
tinham a ver com seus trajes, mas graciosos de qualquer
forma, e que ressaltaram um pouco da encoberta beleza.
— Vamos amar no deserto... De passagem tiraremos
fotografias de qualquer coisa interessante que possa
aparecer, como peixes voadores por exemplo...
— Mas logo no deserto! — respondeu ela fingindo
desapontamento e fazendo cara de enfado. — Olhe que
pode entrar areia...
Deny havia passado na garagem e retirado do carro uma
valise onde colocara alguns objetos e instrumentos de
grande utilidade. Vestiu rapidamente suas roupas mouriscas
e, pouco depois, estavam ambos montados em camelos,
sob o ardente sol do Saara.
Tinham tomado a direção oposta a Kenadza estavam
dando uma volta imensa, para alcançar uns maciços
montanhosos, formação esporádica derivada do Atlas,
vários quilômetros a sudeste de Colomb-Béchar, não muito
distante do campo de provas.
— Você sabe — disse Brigitte — a certa altura este
maldito camelo vai me deixar moída com esse passo
atrapalhado. Nunca vi meio de transporte mais incômodo e
sacudido!
— Também acho — confirmou Deny. — Andar de camelo
deveria ser considerado exercício físico completo.
Endurece uma parte do corpo e amolece o resto...
E Depois de uma longa caminhada, que fizeram silêncio,
chegaram ao pé de uma elevação xisto argiloso, de altura
razoável. Desmontaram e subiram a pé.
— Acho que este é o lugar ideal — disse Deny ao
chegarem ao alto, apanhando um par binóculos especiais,
de grande aproximação, trazia enfiado em suas amplas
vestes.
Passou a examinar a paisagem e de repente exclamou,
passando o binóculo à companheira: — Olhe, Brigitte! Veja
lá as instalações do Centro de Pesquisas e, na frente, o
campo de provas. Parece que estão aos nossos pés!
Brigitte olhou e distinguiu claramente vários edifícios
baixos, mas muito grandes, circundando por três lados
imensa praça retangular; hangares, aviões e gente indo e
vindo numa faina incessante em volta de um aparelho de
forma elíptica, parecendo um imenso charuto, com aletas
laterais no centro e na extremidade, onde havia também
um leme direcional. Deveria ser o “Poisson Volant”.
Deny apanhou a câmara fotográfica, adaptou uma
teleobjetiva e começou a tirar fotografias, comentando: —
Não disse que íamos tirar fotos de coisas interessantes,
inclusive de um peixe voador em pleno deserto?...
Nisso, o projétil começou a deslizar de ré por uma rampa
com trilhos, desaparecendo dentro da terra.
Naquele momento surgiu um tanque semelhante a um
modelo russo de setenta toneladas, mas com as chapas de
blindagem da parte superior muito inclinadas. Com
espantosa velocidade afastou-se do Centro de Pesquisas,
saiu pela parte aberta da praça e penetrou no deserto.
Galgava as dunas, sumia do outro lado, para tornar a
aparecer no topo de outra duna, como se fosse um
barquinho enfrentando as ondas enfurecidas do mar.
— Esse deve ser o tanque teledirigido de que falou
Turner — observou Deny, que continuava fotografando.
— Não há dúvida — concordou Brigitte. — Mas o mais
formidável é a velocidade com que corre pela areia, que
tanto dificulta os tanques comuns.
De repente viram imenso clarão na praça do Centro de
Pesquisas, e o projétil arrancar com velocidade incrível do
fundo da terra para alcançar os ares. Segundos depois um
estrondo chegava aos ouvidos dos agentes da CIA Deny
ainda conseguiu bater algumas chapas.
Brigitte comentou, passada a emoção: — Parece uma
bólide. Só o deslocamento de ar é capaz de desintegrar
aquele tanque.
Dois bombardeiros bimotores e um de quatro turbinas a
jato levantaram voo e, após algumas evoluções, atacaram o
tanque que havia chegado a um terreno duro e pedregoso.
Cada avião soltou duas bombas sobre o tanque, mas
este manobrava com tal rapidez e mobilidade, que
conseguiu livrar-se dos impactos. Finalmente, depois de
várias tentativas malogradas, o bombardeiro maior ganhou
altura, picou, e lançou de quatrocentos metros de altitude
uma enorme bomba sobre o tanque. Atingida em cheio, a
máquina foi jogada a alguns metros de distância, tombando
de lado.
Brigitte, que acompanhava emocionada a luta, soltou
uma exclamação de pesar, pois estava torcendo pelo
tanque. Qual não foi sua surpresa, porém, quando do
interior do aparelho saíram umas barras, espécie de
macacos, e, como se fossem patas, colocaram-no
novamente em posição.
A luta entre o tanque e os aviões continuou por mais uns
quinze minutos, até que as aeronaves regressaram à base
sem que o engenho tivesse sofrido maiores avarias.
Repentinamente surgiu no espaço o “Poisson Volant” em
velocidade meteórica, lançando-se diretamente sobre o
tanque. A explosão que se seguiu foi de tal magnitude que
até a montanha onde estavam os jovens, tremeu
violentamente, como que sacudida por um terremoto. No
momento da explosão, imensa coluna de fogo subiu aos
céus e pedaços de ferro e aço, misturados com pedras e
terra foram lançados a grande distância. No lugar do
impacto ficou apenas uma grande cratera fumegante.
— Bem, Brigitte — disse Deny — nada mais temos a
fazer aqui. Espero que estas fotos não venham a nos custar
caro. Precisamos voltar a Colomb-Béchar e descobrir onde
andam nossos “amigos”.
— Sim — concordou a jovem. — De algum eles devem ter
tirado estas mesmas fotografias e é preciso que não
cheguem a seu destino qualquer que ele seja. É bem
verdade que as fotos sem os planos de nada valem...
— Sim, mas quem garante que não têm outras cópias
dos planos? — atalhou Deny.
Desceram em silêncio a escorregadia colina de xisto e
iniciaram o regresso. Ainda não haviam caminhado uns
quinhentos metros quando viram um carro escondido numa
reentrância do morro. Dirigiram-se para lá. Ao chegarem
perto viram quatro mouros sentados sobre uma rocha.
Um dos mouros gritou qualquer coisa para Deny, que não
respondeu por não entender árabe. O mouro repetiu as
mesmas palavras, gritando mais alto.
Deny decidiu continuar sem responder. Tanto fazia
responder como não: sua falsa personalidade estava
revelada, pois no deserto não há mouro que não
corresponda a uma saudação ou que não responda a uma
pergunta. Acariciou a metralhadora portátil que levava sob
o manto e lembrou a Brigitte que estivesse pronta para
atirar ao menor sinal de perigo. Advertência desnecessária,
aliás.
O mesmo mouro gritou qualquer coisa, olhando para o
alto da montanha. Outro maometano surgiu lá em cima e
respondeu, parecendo a Deny reconhecer a voz de Ben
Husein.
Os quatro mouros desembainharam seus longos punhais
e lançaram-se contra os camelos. O ataque foi rápido, mas
os agentes da CIA estavam preparados: dispararam
simultaneamente, e dois deles caíram para nunca mais se
levantar. O terceiro tentou desferir uma punhalada na perna
de Deny, mas o americano esquivou-se rapidamente e o
punhal penetrou a ilharga do camelo. Este deu um salto e
derrubou o agente que não estava habituado com aquele
tipo de montaria. O mouro lançou-se sobre ele com o punhal
erguido ferozmente, mas não chegou a baixá-lo: um tiro de
Brigitte abriu-lhe a tampa do crânio. O último assaltante
saiu a correr em ziguezague à procura de um abrigo nas
rochas, mas uma curta rajada de metralhadora acabou com
seus dias.
Uma bala passou sibilando junto a Brigitte, que ainda
estava montada em seu camelo. Os dois agentes olharam
na direção de onde tinha vindo o disparo e viram o gordo
Emanuel e mais três desconhecidos. Um deles era mouro e
deveria ser Ben Husein. Outro vestia farda da Legião
Estrangeira. O último só poderia ser Turner. Empunhavam
pistolas e desciam a íngreme encosta da montanha.
Ao alto, no topo de uma rocha, a loura cabeleira solta
agitada pelo siroco, a condessa parecia uma deusa do mal
contemplando a luta de morte.
— Vamos para aquelas rochas! — gritou Deny para
Brigitte. — Aqui estamos em posição de inferioridade.
O inimigo avançava, protegendo-se nas reentrâncias da
montanha e disparando esporadicamente. A distância,
porém, era muito grande para assegurar boa pontaria.
Os dois jovens subiam a encosta em direção aos
bandidos, sempre pela esquerda, abrigando-se também em
rochas e reentrâncias. Procuravam uma posição vantajosa.
Duas balas sibilaram ameaçadoramente, indicando a
conveniência de não ficarem a descoberto.
Ben Husein perdeu a paciência com aquela marcha
vagarosa e, ressentido com a morte de seus quatro
companheiros, arriscou-se imprudentemente, saindo do
esconderijo para atacar pelo flanco. Avançou quase a correr,
disparando toda a carga de sua pistola. Dois tiros soaram ao
mesmo tempo e o mouro parou abruptamente, deu um
grito, ergueu os braços como que pedindo a proteção de Alá
e rolou pela vertente, estatelando-se lá embaixo.
Os outros aprenderam a lição e não mais abandonaram o
abrigo proporcionado pelas rochas, apenas erguendo a
cabeça no momento exato de disparar.
O duelo continuou assim por algum tempo, sem
vantagem de parte a parte. As balas, quando muito,
arrancavam inofensivos estilhaços das rochas, sem atingir o
alvo.
— É melhor forçar o combate — disse Deny para Brigitte
— e acabar o quanto antes. Vou avançar e você me dá
cobertura.
Dizendo isso, saiu de seu esconderijo e, arrastando-se ou
caminhando bem abaixado segundo as circunstâncias,
descreveu um semicírculo colocando-se entre Mireille, que
continuava impassível no alto da montanha, e os outros três
espiões. Estes não chegaram a perceber a manobra. Foi
Mireille quem os advertiu, disparando contra Deny.
A situação os desorientou e o legionário encaminhou-se
para o outro lado da rocha que o abrigava, ficando um
momento a descoberto. Um tiro de Brigitte atravessou-lhe o
braço.
O tiroteio se generalizou. As balas zuniam sobre as
cabeças dos contendores. A condessa atirava contra Deny
que estava sem cobertura por esse lado, embora se
encontrasse a uma distância razoavelmente segura. Mas,
temendo ser atingido, disparou uma rajada contra Mireille,
obrigando-a a desaparecer em busca de abrigo.
Outra rajada coseu o peito de Emanuel, que caiu
pesadamente sem proferir um “ai”.
Brigitte travava um duelo com o legionário que queria
vingar-se do ferimento recebido. No ardor da luta,
descuidou-se, escorregou e ficou com a cabeça
desprotegida.
Em dado momento largou a arma, levando ambas as
mãos à cabeça e caiu por trás da rocha que a abrigava.
O legionário soltou um grito de triunfo e, cego pelo ódio,
correu em sua direção disposto a descarregar toda sua
munição sobre ela.
Deny, que acompanhara toda a cena, quis disparar
contra ele. Apertou o gatilho... mas houve apenas uma
detonação, perdendo-se a bala no espaço. Tinha esgotado a
munição!
Rogando uma praga, lançou-se encosta abaixo para
alcançar o legionário, sem importar-se com as balas de
Turner, que disparava furiosamente.
O gesto de Deny, entretanto, era inútil. O legionário
chegada antes junto a Brigitte, pois a distância que o
separava dela era muito menor que a de Deny. Vendo,
porém, o agente com a metralhadora na mão, e sem saber
que estava descarregada, lançou-se ao solo e disparou
contra ele. A bala passou roçando pela cabeça do agente
norte-americano, obrigando-o a cuidar-se diante da nova
ameaça.
Dando saltos, correndo e ocultando-se, mas sempre
avançando na direção de Brigitte, conseguiu chegar a curta
distância de onde ela se encontrava caída. Apenas alguns
metros o separavam da jovem, mas esse pequeno espaço
era completamente descoberto. Não poderia atravessá-lo
sem ser atingido pelo legionário.
Deny, por trás do abrigo, resolveu remuniciar a
metralhadora com as balas que trazia soltas no bolso. Mas
não contara com Turner, que, percebendo estar ele
desarmado, abandonara o abrigo e avançava disparando.
Sua situação era desesperadora, sob o fogo cruzado de
Turner e do legionário.
Sem que ninguém percebesse, Brigitte assomou por trás
da rocha onde caíra e atirou: a bala penetrou o parietal
esquerdo do legionário.
No momentâneo silêncio que se fez após o inesperado
tiro, ouviram o ruído do motor de um carro. Olharam na
direção de onde vinha: Mireille havia descido pelo outro lado
da montanha e fugia!
Brigitte mordeu o lábio de raiva ao ver que a condessa
lhe escapava.
A momentânea trégua permitiu que Deny chegasse até
ela e visse o filete de sangue escorrendo de sua testa.
— Puxa! Que susto você me deu, Brigitte! O que foi que
aconteceu?
— Não houve nada sério, Deny. Fui atingida por um
estilhaço de rocha que me deixou meio grogue. O diabo é
que o raio da condessa conseguiu fugir. É preciso sair em
sua perseguição. Eu vou, enquanto você acaba com esse
último que ainda está ai.
— Não — replicou Deny. — Vamos acabar com isso
primeiro. Passe-me a sua pistola.
Deny, com uma pistola em cada mão, saiu do
esconderijo em busca de Turner. Este, apavorado por trás de
outra rocha, disparava um ou outro tiro, mas as balas
passavam longe do alvo. Quando o agente chegou bem
perto, Turner gritou: — Não atire! Eu me rendo!
— Jogue a pistola onde eu possa ver e saia daí com os
braços levantados — respondeu Deny. — Continuo
apontando e atiro ao menor sinal de traição.
Turner fez como Deny mandara.
Brigitte aproximou-se a revistou-o para ver se possuía
alguma outra arma.
— Como se chamava esse legionário? — perguntou Deny.
— Paul Hoffman.
— Conte tudo o que você sabe e dê-me todos os nomes.
As declarações de Turner não acrescentaram nada de
novo ao que os agentes já sabiam.
Depois de alguns instantes de reflexão, Deny falou: 
— Você jogou e perdeu a parada. Tenho que acabar com
você, pois não posso entregá-lo às autoridades francesas.
Isso não me convém. Por outro lado, não quero matá-lo a
sangue-frio, pois não sou assassino. Vou dar-lhe uma
oportunidade de salvar-se: devolvo-lhe a arma e concedo-
lhe duzentos metros de vantagem. Respeitarei sua vida
enquanto você não alcançar essa distância. Depois sairei
em sua perseguição para matá-lo onde quer que você se
encontre.
— E se eu não aceitar?...
— Então não terei outro remédio senão liquidá-lo aqui
mesmo, a sangue-frio.
— Nesse caso, aceito — disse o espião, apanhando a
pistola e pondo-se em marcha.
— Esconda-se atrás daquela rocha, Brigitte — disse Deny.
— Não confio nesse tipo de gente.
Não estava enganado. Ao chegar a umas rochas a vinte
metros de distância, Turner virou-se repentinamente e atirou
contra Deny. Mas, em seu nervosismo, errou o alvo.
Deny, que já esperava por uma reação desse gênero,
estava preparado. Disparou e liquidou o traidor.

Quase um epílogo no instante vertiginoso 


A beleza de Brigitte e as considerações de um esteta

O carro disparava velozmente em direção a Orã pela


estrada asfaltada, traço negro sobre a areia branca do
deserto.
Colomb-Béchar ia ficando cada vez mais longe.
Brigitte segurava firme a direção enquanto Deny
cochilava despreocupadamente. A condessa havia partido
pelo menos com uma hora de antecedência, mas era
preciso alcançá-la. Somente Mireille poderia conduzi-los ao
que restava da quadrilha.
Deny acordou, endireitou-se no banco e não pôde deixar
de notar a beleza do espetáculo que era Brigitte. O pé
descalço comprimia o acelerador até o fundo. A saia subira
o máximo possível, revelando as pernas esculturais,
torneadas com perfeição. Ainda retinham o maravilhoso tom
bronzeado adquirido nas Bahamas.
A expressão do rosto era magnífica: uma faixa na cabeça
prendia os vastos cabelos negros, os olhos azuis fixos na
estrada revelavam uma determinação muito contrária à
aparente frivolidade e inconsequência com que tratava as
coisas e as pessoas.
Deny sentiu desejos de ter aquela mulher só para si,
para todo o sempre. Parecia-lhe clamorosa injustiça jogar
aquele incomparável exemplar da espécie humana nas
arriscadas missões a que se dedicava.
Lembrou as últimas horas passadas na montanha e a
batalha que ali se travara, atribuindo a um milagre o terem
escapado com vida.
— Acordou, querido? — perguntou Brigitte.
— Não cheguei a dormir. Estava apenas cochilando e
pensando. Saímos de Colomb-Béchar na hora exata: nessa
altura a pancadaria por lá deve estar grossa.
— É mesmo! Que barulho era aquele que estavam
armando na praça? — perguntou a moça.
— Foi um mouro que encontrou os corpos lá nas
montanhas, cinco maometanos e três franceses. Pedia
justiça e incitava o povo a se revoltar contra o jugo
francês. Começou a juntar gente e todos gritavam numa
barulheira infernal. Aí chegaram os soldados e cercaram a
praça. Alguém deu um tiro e começou a bagunça.
Escapamos mesmo por um triz...
— Imagine se tivéssemos ficado presos — comentou
Brigitte com um sorriso. — Iam fazer milhões de perguntas
que não poderíamos responder e acabariam descobrindo
nosso arsenal, as fotografias. . . Ia ser o diabo!
Depois de uma pausa, Brigitte continuou: — Só não
gostei de ter que voltar montada naquele camelo!...
— Até que não foi tão ruim — volveu Deny.
— Achei bem melhor do que a ida, pois tive você bem
juntinho de mim...
Brigitte fez um de seus característicos muxoxos e não
retrucou.
Um pequeno ponto negro surgiu na distância.
— Olha! — gritou Brigitte. — Deve ser o carro de Mireille
— e pisou mais no acelerador, mas sem resultado porque já
estava com o pé na tábua.
Aos poucos a distância entre os dois carros diminuía.
Já estavam bem próximos quando Deny sacou a pistola,
preparando-se para atirar. Queria furar um pneu e prender a
espiã.
Mireille, porém, percebeu a manobra pelo espelho
retrovisor e reduziu a velocidade. Deu a impressão de que ia
parar de maneira que Brigitte emparelhou o carro com o
dela, mas os dois carros continuavam ainda em alta
velocidade.
Deny gritou para a condessa: — Renda-se, ou atiro!
Nesse instante Mireille acelerou e deu um golpe de
direção para a esquerda. O inesperado e rapidez da
manobra atingiram Brigitte desprevenida. Manobrou
também para a esquerda para evitar o choque, levando o
pé instintivamente ao freio. O carro gingou, saiu da estrada
e capotou espetacularmente sobre um montículo de areia,
tombando sobre o lado esquerdo.
A muito custo, Deny conseguiu abrir a porta do seu lado.
Brigitte estava caída e havia sangue em seus cabelos.
O agente saiu do carro e com muito trabalho retirou a
companheira. Tinha perdido os sentidos. Um profundo corte
na têmpora sangrava abundantemente. Deny fez um
curativo de emergência com o material de pronto-socorro
que havia no carro e aos poucos conseguiu reanimá-la.
Brigitte entreabriu os olhos esboçando um débil sorriso:
— Desculpe, Deny. Não pude evitar... Você está bem?
Que mulher magnífica!
O carro tinha ficado apoiado em uma pequena elevação
de areia ao lado da estrada.
Com grande esforço e usando como alavanca uma
estaca que encontrou abandonada nas proximidades, Deny
conseguiu colocar o carro novamente em posição. As
avarias não tinham sido muitas, uma vez que o veículo não
tinha batido em coisa alguma, apenas na areia.
Deny tomou a direção e puseram-se novamente em
marcha.
Não havia mais esperanças de alcançar Mireille, de
maneira que fizeram o resto da viagem conservando uma
velocidade prudente.
Chegaram a Orã de madrugada. A cidade estava
adormecida e não havia ninguém pelas ruas para olhar
curiosamente o carro amassado e o ferimento de Brigitte.
Foram direto à residência particular do cônsul americano.
Custaram a acordá-lo, mas acabou aparecendo.
Explicaram a situação. O cônsul ficou com o rolo de
filmes para enviá-lo a Washington pela mala diplomática.
Depois mandou os agentes irem a uma garagem na rua
Victor Hugo, dizendo-lhes que procurassem em seu nome
um certo Mareei.
Mareei recebeu-os muito bem e pouco depois enviava
por um pequeno transmissor, na frequência usada pelos
agentes da CIA, uma mensagem cifrada: 

“Do agente A-345 para VZ-1 — Espiã Mireille, aliás,


condessa Pawlova Polowsky escapou de Orã. Supõe-se
que tenha seguido para Paris. Aguardem-na em todos
os aviões de carreira da linha de Argel a partir de hoje e
cubram todos os seus movimentos.”
 
Depois disso fizeram ligeira refeição que Mareei lhes
proporcionou e foram dormir. Bem que mereciam esse
descanso!
Na manhã seguinte Mareei saiu cedo voltando cerca de
duas horas depois com um médico de confiança para tratar
do ferimento de Brigitte e trazendo notícias.
Um avião particular americano seguiria aquela tarde
para Pará. Tinha feito arranjos para que Brigitte e Deny
embarcassem nele. Já se havia comunicado com o agente
do CIA em Argel e ficou de devolver-lhe o carro, depois de
melhorar seu aspecto danificado pela capotagem e pôr em
ordem seu precioso equipamento.

Final agitado para uma novela turbulenta


Onde os criminosos se encontram
Brigitte vale uma noite em Paris

O alegre bulício do Hotel Continental, na rua Tivoli, uma


das principais artérias da capital francesa, soava
agradavelmente aos ouvidos de Brigitte. Fazia apenas duas
horas que havia chegado de Orã ao avião particular que
Mareei havia arranjado.
Tudo contribuía para afastar de sua mente o pesadelo
das últimas horas passadas na África do Norte.
Um delicioso e prolongado banho morno com seus sais
preferidos havia posto novamente em forma seu corpo
escultural. O make-up disfarçava o pequeno ferimento na
testa, feito pelo estilhaço de rocha nas montanhas de
Colomb-Béchar e o penteado escondia o curativo do corte,
mais grave, na têmpora esquerda.
No bar do hotel, com Leedman e Deny, agora também
refeito da espantosa aventura, saboreava um delicioso
martini extrasseco.
Leedman informava que a condessa havia chegado de
Argel no dia anterior, no avião de carreira. Alguns agentes
da CIA. em Paris vigiavam seus menores movimentos,
seguindo-a por toda parte.
— Mireille dirigiu-se há pouco para o apartamento 10, no
número 48 da Avenida Presidente Wilson, onde esteve
ontem durante mais de uma hora, logo que desembarcou do
avião — informava Leedman.
— Que tal se fôssemos descobrir qual é o lobo que se
esconde nessa toca?
— perguntou Brigitte, toda entusiasmada com a
possibilidade de ação.
— Ótimo! — replicou Deny. — O que estamos esperando?
— Sinto não poder ir com vocês — lamentou Leedman.
— Mas não posso me expor e arriscar a ser envolvido em
qualquer caso policial que fatalmente atrairia o Deuxième
Bureau. Isto poria a perder todo o nosso arranjo aqui e
colocaria os Estados Unidos em uma posição difícil.
— Mas é claro! — disse Brigitte, num daqueles seus
sorrisos devastadores. — Você nos espera aqui, caro
Leedman. Voltaremos para repetir este martini, e depois
vamos celebrar numa grande noitada parisiense.
— Deny e Brigitte tomaram um táxi e desembarcaram a
alguma distância do número 48 da Avenida Presidente
Wilson, fazendo o resto do trajeto a pé.
No luxuoso saguão do edifício, o indicador mostrava o
nome J. S. Martin como ocupante do apartamento 10.
— Aposto como é mais conhecido por Tartin — comentou
Deny para Brigitte.
Subiram as escadas até o primeiro andar onde ficava o
apartamento.
Deny encostou o ouvido à porta e não percebeu o menor
ruído. Com todo o cuidado experimentou umas duas ou três
gazuas, até que a porta se abriu silenciosamente.
Deram com um amplo hall mobiliado com luxo e bom
gosto. Ninguém à vista. Entraram e fecharam a porta com
cuidado. Um pequeno corredor terminava com belíssimas
cortinas que provavelmente o separavam de uma sala.
Atravessaram o hall e caminhavam pelo corredor quando
ouviram passos além da cortina. Esconderam-se entre as
dobras das cortinas, espiando por uma fresta. Era o criado
que se dirigia para os fundos do apartamento.
Uma coronhada de Deny fez o criado adormecer
amparado nos braços de Brigitte. Suavemente ela o
depositou no tapete da sala.
Por baixo de uma porta, no fundo de outro pequeno
corredor, passava uma réstia de luz.
Caminharam para lá, sempre sem fazer o menor ruído e
encostaram o ouvido à porta.
— É melhor você ir agora — dizia uma voz que Brigitte e
Deny reconheceram como a de Tartin. — Estou esperando
uma visita — continuou — e não quero que a vejam aqui.
Logo que eu tenha falado com o chefe entrarei em
contato com você e darei as instruções necessárias. Em
minha opinião, seria conveniente você tirar umas férias e ir
para longe daqui, até que a coisa toda esfrie e os agentes
da CIA desistam de procurar. Poderia ir para o Rio de Janeiro
e, logo que eu me restabelecesse, iria ao meu encontro.
Mas, vamos, é melhor você sair.
— Pois eu não saio daqui — era a voz de Mireille. — Sei
que você está esperando outra mulher e, se for, mato os
dois...
Deny fez um sinal a Brigitte. Empunhando a pistola
entrou no quarto seguido pela companheira.
— Boa noite, meus amigos — disse Deny em tom
pausado. — Sinto muito ter que interromper uma cena tão
íntima.

Mireille estava sentada na beira da cama em que jazia


Tartin convalescendo do ferimento que lhe infligira Brigitte
na garagem, ao libertar Deny.
Tartin olhou-os estupefato e emudeceu.
Mireille, que estava de costas para os visitantes, virou-se
lentamente, empunhando uma pistola. Mas não pode usá-la:
uma bala disparada por Deny atingiu-a na mão, fazendo
voar a arma.
Tartin não perdeu tempo e, num abrir e fechar de olhos,
apanhou o revólver que mantinha sob o travesseiro atirando
contra Deny. Houve dois disparos simultâneos.
Deny sentiu a carne queimar no ombro esquerdo.
Tartin pendeu a cabeça para um lado, o sangue jorrando
pela boca e manchando sinistramente o travesseiro: uma
bala o atingira na garganta. O tiro de Brigitte fora certeiro,
como sempre.
Com um grito, Mireille lançou-se sobre o corpo inanimado
de Tartin presa de convulsivo pranto. O sangue abundante
do morto lhe empapava as vestes, misturando-se ao seu
próprio que corria da mão ferida.
— Vocês mataram Tartin! — gritou ela desesperada. —
Assassinos. Mataram o único ser a quem dediquei minha
vida! Acabaram com tudo, destruíram tudo! Mataram minha
pobre irmã, meus companheiros...
Subitamente, calou-se. Abraçava ainda o corpo
inanimado de Tartin.
A cena era macabra, e mesmo Brigitte, sempre
impassível e fria diante da morte, estremeceu. Aquela
mulher cruel, pensava, capaz de matar a sangue-frio e de
ordenar e presenciar as mais terríveis torturas, conservava
ainda algumas cordas sensíveis em seu coração.
Mireille ergueu-se da cama completamente
transformada.
Já não chorava, embora em seus olhos ainda houvesse
restos de lágrimas. A palidez da face e os cabelos em
desalinho davam-lhe um ar de demente.
Coberta pelo sangue de Tartin, avançava a passos lentos
em direção aos dois jovens que ainda empunhavam suas
pistolas. Tinha o braço estendido, a mão ferida apontando
acusadoramente para Brigitte: — Foi você! Você matou o
único amor de minha vida, o único bem que eu tinha no
mundo. Por ele menti, roubei, matei... só por ele tenho
vivido... mas você o matou...
Pairava no quarto um ar de tragédia. Mireille avançava
em silêncio, como uma sonâmbula.
Os dois agentes permaneciam ali, junto à porta,
paralisados de horror.
Um toque de campainha fê-los voltar à realidade.
Deny afastou Brigitte e deu alguns passos, mantendo
Mireille à distância.
Nisso, um vulto surgiu da extremidade oposta do
corredor. Uma arma detonou e a condessa caiu sem vida.
Dois novos disparos e uma das balas incrustou-se na
parede.
Deny e Brigitte voltaram e atiraram ao mesmo tempo
contra o vulto que se agarrou às cortinas, tombando
lentamente.
Aproximaram-se e viram que estava morto. Era o
príncipe Andreievsky.

No bar do Hotel Continental, Brigitte e Deny reuniram-se


a Leedman e procuraram reanimar-se com um martini
duplo, extra-seco.
Brigitte dizia: — Era o príncipe que Tartin estava
esperando. Quando entrou e nos viu atirou contra nós, mas
atingiu Mireille.
Evidentemente não participava da parte suja da
organização e não tinha boa pontaria..
Depois de uma pausa, prosseguiu: — Não sei, não. Mas
alguma coisa dentro de mim, desde aquela festa na
primeira noite que passei em Paris, me dizia que era ele o
chefe da quadrilha. Não sei por quê...
Ficaram calados. Tinham perdido a vontade de ccelebrar
a vitória com uma grande noitada parisiense.
Mas tinham outras ideias.

Colaboração de Carlos Natali

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