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© 1990 – Antônio Vera Ramirez

“Con Las Manos Vacias”


Tradução de Izabel Xrisô Baroni
Ilustração de Benicio
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PRELÚDIO
Acapulco

— Não acredito que esteja em Acapulco! Estou em


Acapulco com a mulher mais linda que nasceu no mundo!
Sou um cara muito feliz!
— Fale baixo, Frankie; os outros podem ouvi-lo —
murmuro Brigitte, pondo o dedo em seus lábios.
— E dai? Por acaso estou falando alguma mentira ou
menosprezando as outras mulheres só porque estou dizendo
que você é a mais linda?...
— Cale-se! Não se esqueça que estamos no México e que
algum mexicano pode ficar aborrecido com você, porque
para eles as mulheres mexicanas são as mais formosas.
— Está bem, rainha de minha vida, continuarei sendo seu
vassalo eterno!
Tinham chegado há poucos minutos em Acapulco, cidade
onde Brigitte cumpriria a missão mais misteriosa de sua
carreira. Frankie estava intrigado para descobrir o que ela
faria, pois há muitos anos lhe tinha jurado, que, em nenhuma
ocasião, ele teria oportunidade de acompanhá-la quando
estivesse empenhada em algum serviço solicitado pela CIA.
Frank Minello estava se sentindo feliz. O que lhe
importava era que sua amiga o escolhera para acompanhá-la
naquela viagem! Na verdade, ambos estavam necessitando
de uma semana de férias, depois dos dias tenebrosos que
tinham enfrentado em Nova Iorque, quando um grupo de
assassinos resolvera caçar sua amiga querida. Ainda bem que
Brigitte não era tola e no final da história, foram eles que
acabaram sendo caçados por ela.
Tinham pousado no México e assim que a bagagem fosse
liberada, apanhariam um táxi e mandariam o motorista levá-
los a um dos chalés do Hotel Gran Condessa. situado na
Playa Condessa, onde passariam sete dias inolvidáveis,
desfrutando do sol, do mar, da vida...
O táxi já estava rodando há alguns minutos. Frankie
olhou para Brigitte que muito sorridente contemplava a
paisagem linda e agreste.
— Agora já posso saber por quê viemos ao México? E
por favor, pare com suas mentiras costumeiras e de pensar
que conseguiu enganar-me, quando me convidou apenas para
gozar as delícias da vida em uma praia mexicana.
Os olhos de Brigitte estavam ternos quando se pousaram
nos dele.
— Está bem, Frankie eu nunca quis enganá-lo. Viemos ao
México para presentear alguém com dez milhões de dólares.

CAPÍTULO PRIMEIRO
Encontro providencial

Raymond Ashton passou o braço pela cintura de Nancy c


a puxou para si, murmurando a seu ouvido:
— Vamos sair daqui. Retiremo-nos para um lugar mais
aconchegante...
— Por quê, querido, se aqui está tão agradável?...
— Tolices — cortou Ashton, com olhos cheios de fogo
para a ruivinha.
Nancy Custer teve vontade de protestar com veemência e
se recusar àquele convite, mas no mesmo momento, pensou
que seria um absurdo se protestasse, uma vez que as coisas
tinham ficado bem claras desde o primeiro encontro quando
saíra com o cinquentão barrigudo e milionário. Desde então,
passara a ficar a maior parte do tempo no iate “Mildred II”,
cercada de todo o conforto e luxo. E estava conseguindo um
saldo bem favorável em sua conta bancária graças à
generosidade de Raymond. E por quê iria destruir uma
situação tão agradável com um protesto bobo, quando sabia
que tudo estava dependendo somente de uma condição:
satisfazer todos os desejos do amante cinquentão, que a
mimava como se fosse o único proprietário de uma
bonequinha muito linda, elegante e bastante jovem a seu
lado, pois tinha apenas vinte e cinco anos?
— A vida é ingrata. Ter de satisfazer um velho, quando
podia gozá-la ao lado de um jovem — pensou com uma
certa revolta —, mas infelizmente ninguém pode escolher
seus próprios caminhos.
— E para onde você quer ir, amorzinho? — perguntou
com voz de mulher dengosa.
— Assim eu já gosto sorriu o velhote, apertando-a com
mais força. — Vamos voltar para o “Mildred II”.
Saíram do clube noturno El Pavo Real, considerado o
mais luxuoso dentre os muitos que se encontravam
espalhados pela cidade de Acapulco. Ele segurava o braço de
Nancy como se ela fosse um objeto valioso de sua
propriedade.
— Podíamos ir andando porque a noite está tão linda,
meu amor!
— Tolices — resmungou Ashton. — Por quê andar, se eu
aluguei um carro assim que chegamos aqui?
— Ora, querido, o iate está tão pertinho..
— Tolices — repetiu Raymond Ashton novamente.
Aliás, acostumado como estava a mandar e ter todas as
suas vontades e ordens obedecidas, era um homem que não
admitia recusas e quando alguém não concordava com suas
propostas e sugestões, imediatamente usava a palavra
“tolices” como se esta pudesse resolver todas as situações:
mas, às vezes, acontecem certas coisas que jamais poderão
ser catalogadas como tolices por sujeito algum.
Naquela noite, por exemplo, aconteceu algo semelhante.
Quando Ashton apanhou o chaveiro e se preparava para abrir
o carro, três homens surgiram das trevas e três navalhas
reluziram, brilhando sob os reflexos das lâmpadas que
iluminavam a rua.
Nancy sentiu o coração pulsar mais depressa, quando o
friozinho da lâmina de aço encostou-se ao seu pescoço.
Ashton também não se sentiu muito satisfeito ao perceber as
duas navalhas apontando para sua barriga volumosa.
— Vamos velho, vá nos entregando a carteira ou o
estropiamos sem dó ou piedade! — disse um dos homens.
— O que é isso? O que estão pretendendo? — a voz de
Ashton não parecia muito possante naquele momento e o
suor começou a escorrer por seu rosto quando uma das
navalhas pressionou-lhe o ventre.
Preferiu não falar mais nada, apanhou a carteira e a
entregou ao ladrão. Enquanto isso. os outros dois avaliavam
o colar de pedras preciosas que ornamentava o pescoço de
Nancy.
— Também vamos levar as jóias — disse um deles. —
Juan, tire essas preciosidades da garota.
— Não podem! O colar é meu! — gritou Nancy.
Plaf!
A bofetada ressoou no silêncio da noite e foi ela que
apaziguou os ânimos do casal. Nancy permitiu que Juan lhe
tirasse o colar, as pulseiras e os anéis que passaram para os
bolsos dos malandros e enquanto isso, Ashton também
retirava o relógio de ouro do bolso e o colocava nas mãos de
um dos ladrões.
Estes pareciam estar satisfeitos com a féria e já se
afastavam quando um deles falou na escuridão:
— Chema, por quê não vamos dar um passeio no carro do
bestalhão e levamos a garota conosco? Ela é bacaninha e nós
podemos ter uma noite feliz e animada. O que pensam desta
minha idéia?
— Magnffica, Felipin! — respondeu um dos
companheiros.
Ashton e Nancy protestaram, mas alguém fechou a boca
da moça com a mão e a arrastou para o automóvel, enquanto
um outro esmurrava o velhote, primeiro, no rosto e em
seguida, no estômago, deixando-o desacordado, caído no
chão.
No mesmo instante, desinteressaram-se por ele. Nancy
era uma peça mais agradável talvez a mais valiosa dentre
todas as jóias que tinham conseguido em questão de minutos.
Realmente, a loura era uma jóia muito bem acabada,
devia ter um metro e setenta de altura, sessenta quilos de
peso e curvas muito harmoniosas.
Entraram no carro e Juan mantinha a garota sentada em
seus joelhos e enquanto o mesmo rodava, ele ia fazendo os
primeiros exames.
— Chema, esta garota promete. Suas carnes são rijas e
macias — disse de repente. — Passe as mãos por suas coxas
e veja!
— Como posso passar a mão em suas carnes se você não
a tirou do colo? Por quê não deixa a peste ficar sentadinha
entre nós dois? Uma mulher dá para vários homens!
Os três soltaram risadinhas nervosas e dúbias. Nancy
estava muito assustada, mas não podia falar ou gritar, porque
uma das mãos de Juan continuava fechando seus lábios.
Olhava para os brutamontes. Felipin, que estava ao volante
era o mais forte dos três, um homenzarrão grande e
musculoso, mas, Chema e Juan não lhe ficavam muito atrás.
Na verdade, os três eram grandalhões e poderiam dominá-la
com facilidade.
O medo foi em um crescendo. Ela não conseguiu
dominar-se mais e começou a soluçar, reconhecendo, que,
uma coisa é alegrar a vida de um macho que se esforça para
ser amável e outra bem diferente, é servir de passatempo a
três indivíduos abrutalhados, que sonham e idealizam as
piores formas para usá-la como um objeto.
— Vamos para aquela praia? — perguntou Felipin,
olhando os outros pelo retrovisor.
— Sim, mas trate de correr! — pediu Chema.
— Voar, somente se estivéssemos em um avião. Estou
dirigindo um carro a toda velocidade.
— Não, por favor — implorou Nancy, quando o veículo
estacionou perto de uns coqueiros e os homens a puxaram
para fora do mesmo.
— Fique calma, pombinha — riu Felipin. — Nós só
queremos fazer você voar!
— Nas asas do amor! — concluiu Chema.
— Não... Não, não, não! — soluçava a garota.
Foi derrubada com unta bofetada e em seguida, os três
covardes se jogaram sobre ela e seis mãos rasgaram seu
vestido de cima abaixo, bem como as calcinhas que ela
usava.
Os soluços de Nancy se tomaram mais impetuosos, mas
altos e quando os miseráveis se preparavam para o melhor da
resta, escutaram:
— Pelos demônios! O que está acontecendo aqui?
A pergunta soou a poucos metros de distância, talvez a
menos de três e ao mesmo tempo, um homem se levantava.
Sua voz e sua presença primeiro causaram um certo
sobressalto e logo em seguida. um claríssimo mal-humor.
Quase, ao mesmo tempo, também aparecia a figura de uma
jovem, que se ajoelhou no chão, procurando cobrir sua nudez
com os braços e as mãos. O homem, entretanto, não se
molestava e nem procurava cobrir coisa alguma.
— Titica! — exclamou Juan. — Viemos para um lugar
que já estava ocupado!
Nancy primeiro ficou paralisada, mas reagiu quase
instantaneamente e começou a pedir socorro aos gritos. O
desconhecido aproximou-se deles. Era um homem que tinha
um físico estupendo, era alto e de compleição atlética.
— Por favor, ajude-me! — continuava gritando Nancy
em um espanhol péssimo.
Felizmente o desconhecido conseguiu entendê-la e
exclamou no auge do ódio:
— Miseráveis! Estupradores de mulheres!
Chema levantou-se rapidamente e jogou a navalha em sua
direção. A lâmina brilhou sob o reflexo do luar e o cintilar
das estrelas, mas o desconhecido foi mais rápido do que o
aço; inclinou o corpo para trás e desse modo, livrou-se do
primeiro ataque. Porém, imediatamente, levantou sua perna
direita e Chema gemeu surdamente, quando o pontapé foi
chocar-se no seu baixo ventre, entre as virilhas. O golpe foi
tão violento que ele caiu, depois de cambalear, procurando
proteger com as mãos a região machucada.
Enquanto Chema era atacado e perdia a consciência,
Felipin e Juan levantaram-se, também com as navalhas
abertas.
— Agora vou dar uma boa lição a esse cretino! —
resmungou Juan por entredentes.
— Prepare-se porque vamos cortar seus!... — começou
Felipin, mas não teve chance de terminar a frase
ameaçadora.
O desconhecido já estava no ar, tendo as pernas
encolhidas, voando para Juan que mais parecia um
macaquinho espantado, pois não esperava aquele ataque
violento e repentino. O yeko tobi geri foi perfeito e o pé do
carateca foi incidir exatamente em seu peito. O impacto do
golpe foi forte e Juan foi jogado para trás, onde ficou
estirado, procurando recuperar o ar que não lhe chegava aos
pulmões.
Rapidamente, o desconhecido flexionou as pernas
novamente no ar e essas foram bater na nuca de Felipin, que,
ao auge do furor gritou para os companheiros que
começavam a se remexer no solo, procurando forças para se
levantarem.
— Vamos acabar com ele, rapazes!
Chema agora estava de joelhos, mas as mãos
continuavam na virilha e ele não conseguia encontrar forças
para pôr-se em pé. Felipin continuava esgrimindo a navalha
no vazio, porque o desconhecido facilmente conseguia
esquivar-se de seus golpes. E este novamente conseguiu
derrubar Chema e Felipin, aplicando-lhes novas investidas
certeiras.
Este segundo bandido ainda tentou reagir, mas recebeu
um ura tsuki no peito e logo em seguida, um mae geri no
rosto que o pôs em nocaute.
Chema e Juan aproveitaram a oportunidade para fugirem
dali, sumindo na escuridão da noite.
O desconhecido nem tentou persegui-los. Levou alguns
segundos imóvel em kamae, expulsando lentamente o ar que
estava depositado no estômago, até este órgão ficar
totalmente comprimido, a ponto de parecer um pedaço de
granito sob sua pele rija. Nancy chegou a ter medo que, de
um momento para o outro, as carnes sé rompessem e o
sangue começasse a escorrer por seu ventre desnudo. Porém,
lentamente a pele começou a se distender, conforme os
músculos estomacais voltavam à sua forma natural e pôde
perceber perfeitamente quando o ar passou pelo peito e
pareceu chegar aos ombros. que ficaram ainda mais eretos.
Só então ele abriu os olhos e a fitou. Nancy continuava
sentada no chão e mantinha os braços cruzados no peito,
procurando cobrir os seios com as mãos, tal qual a outra
jovem.
— Está se sentindo bem? — perguntou-lhe o
desconhecido em inglês corretíssimo.
Nancy assentiu, sacudindo a cabeça com os olhos
pregados nos do desconhecido, que se agachou ao lado de
Felipin, despiu-lhe o casaco e o jogou para a moça.
— Cubra-se com ele e você, Maria, se vista porque
precisamos ir embora.
Nancy pôs o casaco e contemplou o casal que se vestia.
Depois o rapaz se aproximou dela e lhe estendeu a mão.
— Imagino que não pensa continuar aqui, senhorita.
— Não... não, não senhor. Oh, meu Deus... eu lhe
agradeço!...
— Se está rezando, tudo bem, mas reze sozinha, por
favor.. Se está pensando em me agradecer, não há
necessidade. De forma alguma eu ia permitir que aqueles
sem-vergonhas violassem uma mulher. Está em condição de
dirigir ou prefere apanhar o carro mais tarde?
— Estou bem e posso dirigir.
— Carlos — chamou Maria.
Ele virou a cabeça e a viu ajoelhada junto de Felipin.
— Acho que esse homem está morto, Carlos. Este
também se abaixou e pôs a mão no pescoço do acidentado e
em seguida, auscultou-lhe o peito e apalpou seu pulso.
— Maldição!...
— O que aconteceu? — perguntou Nancy com um sopro
de voz.
Os dois olharam para ela e começara a cochichar tão
baixinho que Nancy não pôde entender uma palavra de tudo
que falavam. Depois, ambos se levantaram. Maria entrou no
carro e partiu imediatamente. Nancy não compreendia o que
estava acontecendo. Tinha combinado que iria dirigindo,
mas pensava que Maria e Carlos fossem voltar juntos e agora
Maria os tinha deixado sozinhos.
Ele sorriu e lhe explicou:
— Eu e Maria adoramos esta praia e costumamos vir de
lancha, que está ancorada pertinho daqui. Viemos muitas
vezes porque adoramos mergulhar nestas águas límpidas
durante a noite. Eu e você voltaremos na lancha, mas agora
terá de ajudar-me porque esse homem está morto.
Abaixou-se novamente, levantou Felipin e o colocou em
um dos ombros. Em seguida, olhou para Nancy que estava
dura como uma boneca de gelo que tivesse os olhos
esbugalhados.
— Bom, agora já podemos ir para a lancha.
— Eu... eu devia... voltar para a cidade! Creio que não...
devia...
— É muda de nascença ou aprendeu a técnica da gagueira
em escola especializada?
— Não eu não sou muda.
— Pois então pare de gaguejar, droga! Ou melhor, cale-se
e venha comigo.
— Sim, senhor.
Caminharam para o mar e realmente havia uma lancha na
praia, metade na água e metade na areia. Carlos jogou o
cadáver dentro dela, depois levantou Nancy pela cintura e a
pôs dentro do bote. Em seguida, também embarcou e
segundos mais tarde, estavam navegando mar adentro.
— Para onde vamos? — perguntou a moça.
Carlos não respondeu e navegaram mais alguns minutos,
quando então, ele desligou o motor da lancha e esta foi
diminuindo a velocidade da marcha. Enquanto o bote ia
ficando mais vagaroso, ele amarrou uma Ancora aos pés do
morto e pediu:
— Agora estou precisando de sua ajuda.
— Para quê?
— Quero que fique segurando a âncora e se a solte
quando eu jogar esse tipo dentro da água.
— Vai... jogá-lo no... mar?...
— Não vai querer que eu o conserve como um troféu na
proa de meu barco, não é? Cinto que vou jogá-lo no mar!
— Eu pensei... que fosse avisar a polícia. Bem, talvez
seja melhor fazer ludo como planejou e...
— Vejo que também é esperta e não gosta de
aborrecimentos, não é?
Nancy não respondeu. Seria tolice insistir para Carlos
comunicar o fato às autoridades quando Raymond também
estava envolvido no mesmo.
Levantou a âncora e sé a soltou quando o corpo de
Felipin caia na água, mergulhando imediatamente. Só então,
aquele homem estranho se virou para ela e colocou as mãos
em seu pescoço.
— E agora, o que vou fazer com você, beleza?
O coração de Nancy novamente pulsou com mais rapidez
e novamente seus olhos se esbugalharam.
— Pensa que vou deixá-la viva depois de ter presenciado
este enterramento sui-generis? Assistiu a morte do homem...
— Sim, mas matou-o em legitima defesa.
— Olha, garota, os tempos do fabuloso e legendário
faroeste já ficaram no passado, compreende? Hoje, se
alguém mata, tem que pagar por seu crime e eu tenho muitos
problemas para resolver, por isso... — as mãos de Carlos
começaram aumentar a pressão na garganta da jovem.
— Por favor... posso lhe dar dinheiro...
— Quanto, beleza? Mil dólares? Isso é muito pouco para
Carlos Cervantes, sabe?
— E cem mil? — notou que as mãos começaram a
afrouxar e continuou: — é isso o que eu lhe darei. Estou
vivendo com um milionário e ele pagará o que você pedir
para que eu continue viva!
Carlos a soltou, passou a mão pela cabeleira despenteada
e falou:
— Não custa nada eu entrevistar-me com seu amante
milionário, garota... Talvez cheguemos a um acordo e cem
mil dólares não fazem mal a ninguém.
Nancy explicou-lhe como tudo tinha acontecido naquela
noite e também comentou sobre sua situação pessoal em
relação ao milionário ianque.
— E ele pagará cem mil dólares para salvar sua vida,
boneca?
— Sim, até mais se você pedir.
— Há muito não via uma sonhadora mais linda. Por
muito menos, ele poderia gozar de boa companhia feminina.
— Sei que Raymond me ama e de mais a mais, eu e sua
filha somos boas amigas.
— Vejo que é um sujeito de muita moral — falou Carlos
com boa dose de ironia. — Raymond Ashton é seu nome?
— Sim e sua filha se chama Mildred. O iate tem seu
nome: “Mildred II” é um barco luxuoso e eu sei que
Raymond não se negará em pagar-lhe uma boa quantia,
desde que eu continue viva.
— Nada custa à gente tentar, não estou em condições de
desprezar todo esse dinheiro. Porém, vou avisá-la de uma
coisa, se, quando chegarmos ao “Mildred II”, houver
policiais à minha espera, eu lhe corto esse pescoço de cisne,
entendeu?
— Não acredito que Raymond tenha feito qualquer
contato com a polícia... Garanto como ele já está no iate;
ansioso por me ver de volta. Ele não é dos que solicitam
colaboração policial à toa, entende?
CAPÍTULO SEGUNDO
Homenageados especiais.

Carlos Cervantes franziu o cenho quando viu os homens


saírem do iate, pois Nancy lhe pedira para esperá-la..
Os três pararam perto da lancha do mexicano que
continuava na proa, vestindo apenas uma calça de linho
branco muito amassada, uma camiseta de malha e um gorro
tipo marinheiro.
— Senhor Cervantes? — perguntou o velhote barrigudo.
— Suba a bordo, senhor Ashton... O senhor só, os outros
poderão esperá-lo aí mesmo.
Raymond Ashton atendeu o convite, mas os outros dois
também o acompanharam. No mesmo instante, a fisionomia
do mexicano se transformou. demonstrando somente
desagrado. Ashton percebeu a mudança e explicou:
— Não se preocupe, senhor Cervantes. Nós viemos em
paz.
— Eles são seus guarda-costas?
— Talvez.
— Pensei que o senhor fosse mais esperto, senhor
Ashton. Se Carlos Cervantes tivesse dois caras para protegê-
lo, juro que ninguém ia assaltá-lo como fizeram com o
senhor.
— Concordo com seu ponto de vista, mas eu e Nancy
tínhamos saído sozinhos para jantar e eu pensei que não valia
a pena chamar a atenção de todos em uma cidade onde
ninguém me conhece. Nunca poderia supor que três diabos
fossem assaltar-nos e há mais, preferi que Liddel e Donovan
protegessem minha filha que continuava no iate.
— Bem, isso demonstra que é um pai zeloso. Trouxe o
dinheiro?
Os três homens começaram a rir.
— Senhor Cervantes, eu seria um tolo se lhe pagasse esta
fortuna. Julguei que o senhor tivesse percebido qual seria
minha atuação.
— Está querendo dizer-me que Nancy não vale tanto
dinheiro?
— Mas ou menos. É uma gatinha quente que me dá
muitas alegrias, mas se eu tivesse que pagar cem mil de
dólares por ela, você sabe que eu poderia resolver este
problema de forma bem mais barata. Só precisada conversar
com Liddel e Donovan, meus homens de confiança lhe
dariam uma boa lição e assunto concluído, entende?
— Estou pressentindo que o senhor não é nenhum tolo —
retrucou Carlos com ares de resignação. — O azar foi meu,
pois esperava embolsar a bolada, contudo, espero que não
me guarde rancor.
— Estou sentindo que devemos conversar a sós, senhor
Cervantes. Há alguém dentro da lancha?
— Ninguém,
— Nem mesmo uma garota chamada Maria?
— Não, nem ela. Disse-lhe que abandonasse o carro em
qualquer ruela e esperasse, que eu a chamaria mais tarde.
— Pois bem, vamos lá para dentro, nós dois sozinhos.
Quero conversar com o senhor.
Carlos Cervantes estudou-o por alguns segundos e entrou
com ele, deixando a porta da cabine apenas encostada.
Esta era pequena e mais parecia o esconderijo de um tigre
que apreciava a graça felina das tigresas. No camarote havia
aquela desordem muito peculiar que existe em todos os
ambientes masculinos.
Carlos levantou o leito superior e ofereceu o inferior a
Ashton, sentando-se em seguida a seu lado. Raymond
Ashton abriu um estojo de prata e ofereceu um charuto a
Carlos que não hesitou em apanhá-lo.
Acendeu-o imediatamente, soltou umas baforadas e
sorriu.
— Sim, é verdade, são mais cheirosos do que uma garota
pelada.
— E bem mais baratos — riu Ashton.
— Não para mim. Charutos preciso comprar, mas as
garotas vivem atrás de mim. Espero que não julgue
fanfarrão.
— Claro que não, senhor Cervantes. É um homem bonito
e chamativo e certamente, não deve ser nenhum tolo,
— Eu diria que sou esperto — admitiu o mexicano com
malícia. — Porém meu dinheiro é curto e não posso gastá-lo
com essas bagatelas. Agora gostaria de saber o que quer
comigo.
— Gostaria de ganhar duzentos e cinqüenta mil dólares?
— Para matar quem? — sorriu Carlos como se estivesse
falando de algo impossível.
— Três homens.
O sorriso desapareceu do rosto do rapaz mexicano.
— Creio que este não é um momento adequado a
brincadeiras.
— Claro que não. As brincadeiras se acabaram há
minutinhos, Cervantes.
— Senhor Ashton, sinceramente não tenho vontade de me
meter em embrulhadas. portanto..
— Pelo que Nancy comentou, você sabe safar-se delas
com muita facilidade e há mais uma coisa, meu jovem,
somente os tolos se deixam enredar nas malhas das
embrulhadas, Pelo que pude ver e o que conversamos, sei
que você não é um tolo. Estes são aqueles que nunca sabem
agir corretamente quando devem enfrentar uma situação
mais ou menos difícil, mas os espertos sempre sabem
resolvê-la sem maiores complicações e de uma forma tal,
que todos os problemas e suas soluções ficam parecendo
bastante naturais, eu até diria, acidentais.
— Seus homens não podem encarregar-se do trabalho?
— Poderiam, mas achei melhor não utilizá-los. Por isso
que estou aguardando a chegada de alguns sujeitos
americanos que deveriam realizá-lo. Não quero que alguém
possa nem de longe desconfiar que eu tenho alguma ligação
com os casos.
— Bem, se já contratou pessoal para realizar o trabalho...
— O contrato poderá ser desfeito, desde que eu pague
uma pequena indenização. Depois que Nancy me falou de
você, não tive mais dúvidas e sei que é o homem certo para a
operação. Prefiro gente estranha que não esteja relacionada
comigo, mas que seja decidido, que tenha iniciativa e resolva
tudo sem pedir orientações. É verdade que problemas sempre
podem surgir, mas você saberá solucioná-los por seus
próprios métodos e sem pedir ajuda a ninguém.
— O senhor está querendo dizer que se eu aceitar o
trabalho, terei de realizá-lo sozinho, sem complicar sua vida
e solicitar maiores esclarecimentos ou instruções quando as
dificuldades começarem a aparecer à minha volta?
— Exatamente. Escolhi você porque é sagaz, porque tem
mais rabo do que um touro e não precisa usar armas para
vencer os adversários.
— E o senhor está pensando que somente por eu ser um
latino-americano, por ter mais rabo do que um touro e não
usar armas, tenho possibilidades de executar os assassinatos?
— Exatamente. Ainda que os sujeitos ianques chegassem
a culminar o trabalho, alguém poderia suspeitar que eles
tivessem alguma ligação comigo. No entanto, você é um
mexicano que anda desarmado; é desconhecido no ambiente
onde deverá agir e também, não tem qualquer conexão a
certos ambientes dos Estados Unidos... Chega! É o homem
perfeito para o caso!
— E quem serão os homenageados?
— Deverão chegar amanhã ou depois de amanhã e irão
visitar-me no iate. Trarão seus guarda-costas. Por isso você
deve ser bastante cauteloso, compreende? Chegarão dos
Estados Unidos, mais concretamente de Nova Orleans.
Denver e Nova Iorque. Ficarão hospedados em locais
diferentes: um no Hotel El Mirador, outro no Acapulco
Marriot e o outro, em um dos chalés da Playa Caleuilla.
— O que significa que todos eles são perigosos como o
senhor?
— E isso o deixa preocupado?
— O que mais me preocupa é que, depois desta conversa,
se eu não aceitar o trabalho. dificilmente verei o sol de
amanhã. Assim que o senhor saísse de minha lancha, os
bebês que o aguardam na proa, entrariam em ação e me
liquidariam em poucos minutos.
— Se eu fosse você, ia preferir meus duzentos e
cinqüenta mil dólares — sorriu o velhote com bom humor.
— Certo. E eu só os veria depois de terminado tudo?
— Cervantes, se você conseguir realizar o trabalho, eu
farei questão de contratá-lo como um de meus auxiliares
diretos, jamais precisará preocupar-se por dinheiro ou com o
dinheiro, Sempre terá trabalho.
— Um futuro bastante promissor — sorriu Carlos. — E
quando o pagamento será efetuado?
Ashton meteu a mão no bolso e retirou um papel
retangular que estendeu ao mexicano. Carlos desdobrou-o,
passou os olhos por ele e disse:
— Para o senhor isto é um cheque de duzentos e
cinqüenta mil dólares. Sei que não é falso, mas para mim
representa apenas um pedaço de papel e eu prefiro outra
classe de papeizinhos, entende?
— Então, está tentando dizer-me que aceita o serviço?
— Se eu receber adiantado e em dinheiro,
— Bom, agora, não posso reunir todo o dinheiro, mas
amanhã de manhã, lá pelas onze ou doze horas você o
receberá.
— É, bem que dizem que a gente não deve perder as
esperanças... Se esperei trinta anos pela fortuna, acho que
agora posso esperar mais algumas horas, senhor Ashton.
— O dinheiro lhe será entregue aqui na lancha. Já que
acertamos esta parte, podemos agora falar dos homens. Eles
são Charles Robbins, Paul Flynn e James Kenton. Têm
aproximadamente minha idade e se você ficar atento, poderá
vê-los quando chegarem a meu iate. Charles Robbins ficará
hospedado no Acapulco Marriot; Paul Flynn, no El Mirador
e James Kenton, reservou um dos chalés de Playa Caletilla.
Embora cheguem acompanhados ao “Mildred II”, você
saberá imediatamente quem são os patrões e os guarda-
costas, disso não tenho a menor dúvida. Só não sei se eles
trarão mais gente consigo e tenha certeza de que seu trabalho
não será nada fácil.
— Ora, senhor Ashton, ninguém paga um quarto de
milhão de dólares por um trabalho fácil. Há um tempo limite
para eu realizá-lo?
— Não, porém nenhum dos três americanos deverá voltar
vivo aos Estados Unidos. Este é o ponto primordial,
entendeu?
— Sim. Também entendi que o serviço deve ser feito
sigilosamente, mas temo que sua pequena Nancy fale mais
do que deve.
— Cervantes, Nancy não está a par de tudo o que faço.
Ela pensa que vim aqui para pagar os cem mil dólares por
sua vida. A garota sabe que não gosto de ter transações com
a polícia, não é nenhuma tola, já está comigo há alguns
meses e portanto já deve ter compreendido que meus
melhores negócios são os que não aparecem nas planilhas de
minhas firmas. Pode ficar descansado porque ela nada sabe
sobre minhas atividades extras,
— Caramba, senhor Ashton, mais parece um pássaro que
adora voar e...
— Isso mesmo! Sou um pássaro que adora voar em todas
as direções e sempre voando em grandes alturas, meu rapaz.
— Pressinto que estou colaborando com um homem de
futuro.
— De futuro, mas com um grande presente — riu
Ashton. — Creio que já falamos tudo que devíamos. Mate os
três de forma que ninguém desconfie que foram assassinados
e muito menos, que suas mortes foram encomendadas por
mim. A partir deste momento, só me procure em
circunstâncias muito especiais. Não se preocupe com o que
eu faço ou deixe de fazer. Limite-se a trabalhar sem se
preocupar com mais nada. Quero que uma coisa fique bem
clara: seremos duas frentes de trabalho diferentes sem
qualquer conexão. Entendeu?
— Perfeitamente.
— Ah, outra coisa. Não é pelo valor dos objetos que os
miseráveis nos roubaram na noite passada, mas eu gostaria
de recuperá-los e sobretudo, saber se pelo menos, foram
enterrados no mar com... Felipin
— Nancy me disse que um dos homens tinha esse nome
horrível: Felipin — riu o mexicano. — Os outros se chamam
Chema e Juan. Prometo ao senhor que se eu os encontrar,
cumprimenta-los-ei em seu nome.
Raymond Ashton levantou-se e ficou olhando para as
fotos das mulheres nuas que cobriam as paredes do
camarote. Carlos riu e ofereceu:
— Se gostou de alguma, terei prazer em presenteá-lo.
— Rapaz, estou ficando velho, mas ainda prefiro
mulheres de carne e osso que fazem meu sangue ferver,
— Eu também, mas estas poses ousadas ajudam as mais
tímidas a ambientar-se.
— A idéia é boa. Ah, outra coisa — disse Ashton como
se tivesse recordado de algo importante. — Cada um de
meus homenageados carrega uma agenda ou uma folha de
papel com vários nomes anotados. Deve dar um jeito para as
mesmas chegarem em minhas mãos.
— Isso me parece mais complicado porque as mesmas
poderão estar escondidas em alguma parte e eu...
— Não, não, eles costumam trazê-las sempre à mão
quando estão no México.
Cervantes acompanhou o milionário à pra e voltou em
seguida para a cabine. Deitou-se no leito, apanhou o charuto
e começou a fumar. A fumaça fazia evoluções no ar e ele
pensou:
“Que coisa mais idiota, alguém gastar dinheiro com
fumo. Droga! Se todos pensarem desta forma, ninguém mais
gasta dinheiro em comida. A coisa mais gostosa, mais
apetitosa da vida e que no final se converte em algo mais
nojento e repelente. Porém, a gente tem de comer para
prolongar a vida e os afortunados em dólares fumam para
encurtar a própria vida.”

CAPÍTULO TERCEIRO
Mulheres a bordo

A vida é a coisa mais linda que existe no mundo Pelo


menos em Acapulco, uma cidade sempre dourada por um sol
que sabe flutuar sobre o mar azul, até esconder-se nas linhas
do horizonte.
Onde o ancoradouro sempre está repleto de iates
luxuosos, enfeitado, adornado pela presença de mulheres
bonitas, donas de corpos esculturais, cobertos com peças
mínimas que pouco cobrem as belezas que deviam estar mais
resguardadas.
— Eta garota gostosa! Deve ser mais saborosa que o leite
de cabra! — exclamou, sorrindo.
Porém, conforme os minutos foram passando, ele
começou a ficar aborrecido. Não podia estar equivocado com
aquela casualidade irritante, mas, cada vez que olhava para a
pequena tinha a impressão que ela estivesse batendo fotos
suas e de sua lancha.
Já estava ficando aborrecido, mas sinceramente, não
saberia dizer se estava zangado porque a garota batia as fotos
ou porque não tinha certeza se ela realmente o estava
fotografando... Claro, podia estar enganado, pois o local era
lindo, pitoresco e todo americano adora ficar tirando retratos
daquilo que vê.
— O que tenho vontade de fazer, é conseguir uma
máquina para também fotografá-la, no entanto, sei que terei
aborrecimentos, pois se eu bater a foto tal como está, seu
retrato não poderá entrar em minha coleção. Ela está usando
um biquíni menor que meu umbigo, mas se eu lhe pedisse
para despi-lo, ia organizar um verdadeiro escarcéu — falou
em voz alta, sabendo que ninguém poderia ouvi-lo. — Já sei
o que vou fazer, conversarei com ela e decidirei como
fotografá-la!
Olhou diretamente para a beleza loura de pele amorenada
e sacudiu a cabeça com desconsolo. A garota aparentava
menos de vinte anos e não aceitaria o convite de posar
despida para ele. Ou quem sabe ia topar a proposta? A vida é
semeada de surpresas, de segredos indecifráveis...
Uma ruiva apareceu dentro do campo visual do
mexicano. Reconheceu-a imediatamente: era Nancy que se
aproximava do embarcadouro, carregando uma pasta de
couro em sua mão esquerda. Realmente, era linda e naquele
momento estava usando um short branco, uma blusa azul,
transparente e sandálias de salto alto, que davam a impressão
de ela estar caminhando na ponta dos pés que aumentavam o
tamanho de suas pernas roliças e bem contornadas. Aliás,
tudo em Nancy era roliço e tremendamente certinho,
Instintivamente comparou a loura do “Stranger” com ela e
concluiu que Nancy tinha mais alguns anos, talvez vinte e
cinco, enquanto a outra parecia bem mais jovem, uma
garotona de dezenove ou vinte anos, mas dona dos olhos
mais lindos que Carlos Cervantes já tinha visto, isso,
olhando para ela de longe e sem querer, ficou imaginando
como se sentiria se eles estivessem bem pertinho.
— Bom-dia, Carlos — gritou-lhe Nancy.
— Bom-dia — respondeu Cervantes. — Está dando seu
passeio matinal?
— Eu lhe trago um recado do senhor Ashton — riu ela,
mostrando-lhe a pasta.
— E pressinto que esse recado a faz sentir-se muito feliz?
— E quem não se sentiria como me sinto se soubesse que
alguém a valoriza a ponto de desembolsar cem mil dólares
para lhe dar paz e segurança?
— Está tão feliz que começo a pensar em aumentar a
quantia.
— Não. É melhor eu não abusar. Como posso subir nessa
lancha?
— Subindo, boneca. Use os pés e as pernas e tudo sairá
bem.
Nancy deu um pulinho que com aqueles saltos altos
poderiam parecer uma grande imprudência, mas seus
cálculos não falharam. Porém, teria caído na coberta se o
mexicano não a tivesse amparado muito amavelmente.
— Como você se movimenta com agilidade, mulher! —
murmurou Carlos,
Ela ainda encostada a seu corpo, levantou o rosto e
sussurrou:
— Convida-me para um café?
— Com ou sem leite?
— O que menos gosto é misturar as coisas, sabe?
— Sendo assim, só lhe darei a primeira parte. Entre,
gulosa.
Enquanto Nancy entrava no camarote, ele lançou mais
um olhar para o “Stranger” e viu que a garota continuava
batendo fotos. Era uma coisinha linda, muito loura, mas
bastante queimada, com a pele bem bronzeada. Era a
bonequinha mais linda que tinha visto nos últimos tempos.
Entrou na cabina atrás de Nancy e quase sorriu quando a
ruiva começou a desabotoar os botões da blusinha muito leve
que estava usando.
— Puxa, Carlos, como aqui dentro está quente! Você não
sente calor?
— Eu deveria chamá-la de Nancy. “a rápida” —
respondeu, sorrindo. — Garanto que o senhor Ashton
gostaria que tivesse menos calor.
— Ray não vai saber de nada... — olhou à volta e
continuou: — Seu barco ficaria muito mais agradável sem
essas fotos estúpidas.
— Pelo contrário, são inteligentíssimas. E sabe por quê?
Todas ficam caladas o tempo todo e era desse modo que
todas as mulheres deviam comportar-se, só abrindo as
boquinhas para se alimentarem e... beijar.
— Sabe que hoje não estou com um pingo de apetite? —
sussurrou Nancy, entreabrindo os lábios e entrecerrando os
olhos.
O mexicano sorriu, aproximou-se dela e apanhou a pasta
que ainda não tinha soltado. O coração da ruiva bateu mais
depressa. nas ficou decepcionada quando viu Carlos
sentando-se no beliche. Calmamente, ele abriu a pasta e seus
olhos cintilaram ao ver a quantidade de cédulas que ela lhe
tinha trazido. Fechou-a de novo e perguntou à mulher que já
estava com a respiração ofegante:
— Então... só vai querer café puro?
— Quero qualquer coisa que você me queira dar...
— Tudo tem de ser muito rápido. Não gostaria que o
senhor Ashton tivesse maus pensamentos a nosso respeito.
— Ray não está no iate.
— Sei, vi quando saía com seus dois amigos inseparáveis.
Ele deve ser um homem muito ocupado.
— É, sim, mas eu nada tenho para fazer esta manhã, até a
hora do almoço.
— Está querendo que eu saiba que tem duas horas livres?
— Sim — disse com um suspiro, passando o braço pelo
pescoço do homem.
— Você não queria tomar café?
— Deixe de ser antipático. Carlos — sussurrou a seu
ouvido.
Cervantes abraçou-a pela cintura e a apertou suavemente
de encontro a seu peito que mais parecia feito de rochas.
Nancy deixou escapar um outro suspiro e ele se inclinou para
beijar a boquinha que implorava por seus beijos e... foi nesse
momento que ambos sentiram a lancha balançar suavemente
e logo em seguida, ouviram uma voz de mulher, perguntado:
— Não há ninguém por aqui?
Nancy afastou-se rapidamente de Carlos e falou com voz
abafada:
— É Mildred! A filha de Ray!
— O que ela veio fazer aqui? — surpreendeu-se o rapaz.
Os passos estavam mais perto. O mexicano era de tomar
decisões rápidas; abriu o armário pequeno e empurrou Nancy
para dentro dele. Estava acabando de fechar a porta, quando
a moça apareceu no camarote.
— Oi! — cumprimentou-o, sorridente. — Não sei se você
ouviu meu chamado assim que cheguei.
— Ouvi, mas estava acabando de vestir-me para ir a seu
encontro.
— Agora podemos conversar aqui mesmo — sorriu a
moça. — Nancy não me mentiu quando falou que... Ela tinha
razão.
— Que razão ela tinha?
— Sou Mildred Ashton e Nancy me disse que Carlos
Cervantes era um tipaço. Fiquei curiosa e vim conhecê-lo de
perto. Bem de perto...
Carlos contemplava a filha de Ashton. Era loura e mais
bonita que Nancy. Também devia ser mais jovem, embora
um pouco mais velha do que a fotógrafa do “Stranger”.
Como era possível? Três mulheres sensacionais que cabiam
em uma área de poucos metros quadrados?...
— Se queria me conhecer bem de perto, por quê ficou
parada aí?
Mildred sorriu, deu mais alguns passos e se pendurou em
seu pescoço, beijando-o com ardor. Nancy tinha razão,
dentro do camarote estava um forno, mas era bem mais
tranqüilo, porque a garota do “Stranger” não podia fotografá-
lo naquele instante. Ele se sentia como envolto por uma bola
de fogo enquanto beijava sua mais nova visitante. O sol dava
na vigia e por esta, podia-se ver a coberta da lancha, que
parecia estar pintada de ouro ardente.
Quando finalmente as bocas se separaram, ele disse:
— Creio que podemos ficar mais perto ainda, Mildred
sortiu e seu sorriso era radioso. Beijou-o novamente e só
então. perguntou~
— Nancy também passou por aqui?
— Sim, veio trazer-me um recado e saiu em seguida.
— Ótimo. Não gostaria que ela me visse aqui.
Certamente foi dar um passeio por Acapulco, aproveitando a
folga que papai lhe deu hoje e, eu aproveitei a ausência deles
para vir visitá-lo.
— E como vamos aproveitar nosso tempo? — sorriu
Carlos.
— Sou uma pessoa que gosta de tudo às claras — riu a
moça. — Estou a par de todos os negócios de meu pai e sei
que você está trabalhando para ele. Ele me conta tudo, sabe?
— É um bom pai — elogiou Carlos.
— E eu pensei: se ele está trabalhando para papai,
também pode trabalhar para mim.
— Claro, quando um vassalo está às ordens do rei, é
lógico que também esteja às ordena da princesa.
— Delicioso — riu Mildred.
— Alguém já disse a Sua alteza que está com vontade de
comê-la todinha? — perguntou Carlos com uma voz muito
séria.
— Já me falaram com outras palavras. Porém, se você me
comer todinha, eu desaparecerei e nunca mais nos veremos.
— É verdade e Sua Alteza se converterá em algo pior do
que o fumo de tabaco.
— O quê? Eu não entendi seu raciocínio, repita, por
favor.
— Esqueça-se do que falei e satisfaça minha curiosidade.
Por quê Sua Alteza veio visitar o vassalo?
— Vim porque queria conhecê-lo e saber se valia a pena
ficar um pouco com você. Uma moça sempre se aborrece
quando está longe de seu ambiente!

— Você se aborreceu?
— Absolutamente — sorriu Mildred. — O café que você
me deu estava delicioso.
— E nós tomamos o café?
A moça começou a rir, acabou de vestir a blusa de malha
pela cabeça e se dirigiu para a porta do camarote, mas antes
de sair, disse:
— Você fala inglês muito bem. Passou muito tempo nos
Estados Unidos?
— Algum.
— É bom, porque se você voltar para lá, se adaptará
rapidamente.
— Parece que está planejando levar-me como uma
recordação do México — comentou Cervantes;
— Provavelmente, mas só depois que terminar o trabalho
que papai lhe designou, meu querido.
— Não percebe que esta visita foi uma grande indiscrição
de sua parte? Seu pai falou que do quer que ninguém nos
relacione de forma alguma e você...
— Tolices, quem iria prestar atenção em uma jovem que
fosse visitar um rapaz que estava repousando em sua lancha?
Ele teve vontade de dar-lhe uma resposta ferina, mas
preferiu permanecer calado, pensando que muitas vezes é
melhor calar do que dizer palavras que nunca mais poderão
ser recuperadas. E naquele momento, agiu com grande
sabedoria.
Quando a moça saiu, ele continuou no camarote, mas pela
vigia pôde ver que a garota do “Stranger” continuava a
postos, de máquina em punho, tirando fotos a torto e a
direito. Não podia esperar mais, teria de tomar uma decisão
sobre o assunto.
Esperou que Mildred se afastasse e abriu o armário onde
Nancy ficara escondida o tempo todo. Estava muito pálida e
trêmula. Ajudou a sair e ela o fez com certa dificuldade, com
o corpo encurvado.
— Deveria fazei um pouco de ginástica para recuperar a
elasticidade dos músculos. Quer um pouco de café?
— Vá pro inferno! Agradeço suas gentilezas, calhorda!
— Não aja como uma mulher vulgar. Ou talvez prefira
leite?
— Você é o sujeito mais repugnante que já conheci, seu
porco!
— As mulheres são os seres mais estranhos desta vida. O
que eu poderia fazer? Se não gostou de minha atuação,
poderia ter aparecido e garanto que os três teríamos jogado
muito bem o ping-pong que vocês tanto apreciam — riu
Carlos, dando-lhe uma palmada.
— Vá à mer...
— Não, não tolero palavrões. Nancy!
— Então me dê logo a blusa porque não suporto mais este
barco!
— Ainda bem que a escondi — disse, tirando a blusa
debaixo de uma almofada. — Não sei se Mildred reparou
nela. Quer que eu a ajude?
— Não me toque!
— Claro, entendo que não somos um Romeu e Julieta e
portanto, podemos parar com as encenações, minha querida
— o ar de deboche desapareceu, repentinamente. — Você
sabe por quê Mildred veio aqui?
— Deixe de frescura, verme! Nunca escutei uma pergunta
mais idiota! Não entendeu por quê ela veio aqui?...
— Em minha opinião, ela não veio para ganhar o que
ganhou e não sei se reparou em sua blusa, antes de eu
escondê-la. Agora lhe faço outra pergunta: qual seria a
reação de Ashton se soubesse que sua queridinha quase
desmaiou dentro de meu armário?
O sangue de Nancy gelou e ela ficou prestes a desmaiar
de novo.
— Você vai lhe dizer? — perguntou com medo e
angústia.
— Claro que não, tesouro. Não sou tão estúpido.
— Então como ele chegaria a saber? Tchau, vou sair
daqui logo de uma vez!
— Pare de fazer tolice. Zarparemos imediatamente e eu a
deixarei longe daqui e do... “Mildred II”, entende? Não se
esqueça que ela pensa que você foi dar um passeio.
Nancy sorriu. Carlos saiu à coberta, mantendo a cara
fechada. Diabos? A peste não ia cansar-se de bater tantas
fatos? Pôs a lancha em movimento e zarpou mar adentro.
Regressou meia hora mais tarde, depois de ter deixado
Nancy em um local afastado. A loura do “Stranger” não
estava à vista e isso o decepcionou. Tampouco, havia gente
na coberta do “Mildred II”. que estava ancorado um pouco
mais além do “Stranger”. Uma situação bastante estratégica.
Entretanto, sua saída precipitada não fora multo
estratégica, porque durante sua ausência, Ashton poderia ter
regressado ao iate ou então, algum dos homenageados
poderia ter chegado. Bem, se estes tinham chegado,
forçosamente teriam que sair do “Mildred II” e não custava
esperar.
CAPÍTULO QUARTO
Encontro para decisões

Não saíram por uma simples razão: porque ainda não


tinham chegado ao iate e isso só foi acontecer depois dás
cinco horas da tarde, quando a paciência de Cervantes
chegava ao clímax. Já não tolerava o abuso da Loura do
“Stranger” que continuava batendo fotografias. Já estava
furioso.
Viu quando Ashton chegou com Liddel e Donovan.
Quase vinte minutos após, chegaram três visitantes: um
homem que aparentava cinqüenta anos aproximadamente e
duas mulheres jovens, com menos de trinta anos, altas,
elegantes e charmosas. Carlos sorriu com malícia e
comentou:
— Arre! Por aqui todo mundo tem amantes ou filhas. Por
onde andarão os guarda-costas dele. Quem será; Robbins.
Kenton ou Flynn?
Uns dez minuto mais tarde, chegou um outro convidado,
também de meia-idade, mas de aspecto mais juvenil, mais
forte e atlético: vinha acompanhado por dois homens de
rostos impenetráveis.
Quase vinte minutos depois chegou o terceiro. Este era o
mais jovem dos três, mas também o mais gordo, mais calvo e
o menos elegante.
— Todos têm tipo de pessoas prósperas, mas um bocado
perigosas — concluiu, Cervantes ao observá-los.
Resolveu não ficar esperando que saíssem do iate.
“Qual é o melhor modo para caçar-se um urso? Quem o
persegue, acaba esgotado e dificilmente consegue apanhá-
lo, porém, o caçador esperto é aquele que se coloca nas
proximidades de sua toca e quando o animal aparece, záz!
Laça-o pelo pescoço e assunto terminado” — pensou,
sorrindo.
Carlos apanhou três fios de linha de uma toalha, dois
mais longos e o terceiro, mais curto. Embaralhou-os por
entre os dedos, sempre de olhos fechados e depois, separou
um. Assim que o viu, soube qual dos três visitantes do
“Mildred II” receberia sua visita.
Quando passava pelo iate “Stranger” viu a morena
sentada na amurada, contemplando-o fixamente. Que olhos
mais luminosos! A garota era linda, tinha um corpo
harmonioso e umas pernas! O mexicano chegou a parar, mas
desviou o olhar. Aquele não era o momento apropriado para
entreter-se.
Passou pelo “Mildred II” de cabeça ereta, mas daria tudo
que tinha para saber sobre o que conversavam lá dentro.
***

— Não é que eu desaprove seu plano, Raymond, mas ele


me parece muito perigoso — disse James Kenton.
Ashton sacudiu a cabeça com um olhar de resignação e
olhou para os outros que estavam no salão do iate. Junto a
ele, de pé, estava sua filha Mildred acompanhando a
conversa com muita atenção. Nancy não estava presente,
alguém lhe tinha sugerido que fosse descansar no camarote.
Nó divã estava sentado James Kenton, ladeado pelas duas
moças que tinham chegado em sua companhia. Paul Flynn
estava sentado em uma poltrona e um homem se mantinha
parado perto dele. Charles Robbins ocupava outra poltrona e
dois homens estavam às suas costas, também de pé e
silenciosos.
Paul Flynn era o careca, mas seus olhos não se afastavam
do decote atrevido que Mildred estava usando àquela noite.
— Vamos, James, em que meu plano lhe parece
perigoso? — retrucou Ashton com um sorriso amável.
— Não sei.. Não consigo esquecer-me do que aconteceu
com Murray Daniels.
— O que aconteceu com ele, senhor Kenton? —
perguntou Mildred.
— Morreu em um acidente de automóvel.
— Exatamente — confirmou Ashton. — Mas pelo que eu
saiba, até hoje, ele não foi o único cristão que morreu em
acidente de carro, James.
— Sim, mas as autoridades não chegaram e essa
conclusão.
— Tolices — Ashton repetiu sua palavra favorita. — O
pobre Murray teve um azar danado e acabou ficando
irreconhecível, quando o carro bateu e explodiu. Pura má
sorte.
— Entendo o raciocínio de limes, porque eu. às vezes,
também desconfio que aquele acidente foi preparado,
possivelmente por um dos rapazes de Norman Lawton —
disse Charles Robbins.
— Tolices — repetiu Ashton. — Por quê Lawton faria
isso? Você provocaria a morte de Murray podendo matar-
me? Afinal de contas, o patrão era eu e ele somente fazia o
que eu ordenasse. Se Lawton suspeitava de nós, atacaria o
cabeça e nunca seu braço direito. O que acham?
James e Robbins encolheram os ombros, sacudiram as
mãos, mas continuaram caladas.
— Talvez você esteja certo, Raymond, contudo não se
deve menosprezar Lawton — disse Paul Flynn. — Talvez ele
até saiba que estamos reunidos aqui em Acapulco.
— Não se preocupem com ele. Tenho Lawton sob
constante vigilância, sei tudo que ele faz e posso aniquilá-lo
a qualquer momento, mas, antes de dar esta ordem, gostaria
de ter a certeza de que realmente formamos um bloco coeso.
Sim ou não?
— Conte comigo — murmurou James Kenton. — Seria
espetacular se chegássemos a herdar o império de Norman
Lawton. Porém, todos nós já temos excesso de
compromissos, por quê não permitir que ele prossiga com as
drogas?
— São as drogas que lhe rendem toda a fortuna —
atalhou Robbins.
— Não entendo você. James — exclamou Ashton. — Por
acaso não conseguiu os nomes para encher sua agenda?
— Claro que sim.
— Espero que Paul e Robbins também tenham feito sua
parte.
— Raymond, logo de inicio concordei com seu plano,
mas nestes últimos dias, todos nós estamos meio indecisos
— falou Robbins.
Raymond Ashton ficou pensativo por alguns segundos,
depois aspirou fundo e finalmente, sorriu.
— Está bem, mas temos de aclarar as coisas de uma vez
por todas... Há alguns meses, eu lhes propus um plano que
foi aceito por unanimidade: cada um ficaria encarregado pela
obtenção, dentro de sua zona de influência, de todos os
nomes dos prováveis colaboradores de Norman Lawton em
sua grande rede de distribuição de drogas por todo o país. O
negócio até parecia fabuloso, pois ultimamente era Lawton
que o vinha controlando, praticamente sozinho... Bem, isso
sem contar com os colaboradores anônimos que estavam a
seu serviço. Não foi isso que combinamos?
— Claro que sim — resmungou Kenton.
— Exatamente, James. Você controla Denver e toda sua
zona de influência para o norte e o oeste, até a costa. Paul
controla a zona de Nova Orleans estendendo-se para o norte
e leste, eu quanto Charles tem toda Nova Iorque, avançando
para o sul e o oeste. Eu controlo desde Los Angeles até os
limites das zonas que lhes pertencem. Até hoje ainda não
tínhamos falado em drogas.
— É verdade que nós não negociamos com drogas,
somente nos aproveitamos da ignorância humana em todos
os sentidos, mas como o homem em geral está ficando cada
vez mais atualizado e esperto. Os negócios começam a
rarear. E quais são os negócios mais rendosos? Aqueles que
proporcionam prazer aos sentidos. Partindo deste ponto,
podemos explorar os nossos semelhantes com mais
facilidade... O que há, Dan?
Todos os olhares se voltaram para a porta onde Dan
Maxwell, o capitão do iate estava parado. Ele trazia um
papel dobrado que entregou ao patrão.
— Chegou outra mensagem, senhor Ashton.
— Obrigado, Dan. Pode retirar-se.
Maxwell cumprimentou-os e regressou à coberta.
Raymond leu o papel, sorriu e o dobrou novamente.
— Do que se trata? — interessou-se Robbins.
— Falaremos dele mais tarde, agora quero terminar o que
estava dizendo... Eu lhe dizia que devíamos atacar,
explorando os sentidos dos homens. Há bastante tempo só
nos temos dedicado a roubar, enganar, assassinar, Temos
cometido fraudes, adulterações de grandes quantidades de
produtos alimentícios e farmacêuticos, mas tudo está ficando
mais difícil com o passar do tempo. As pessoas andam cada
vez com mais cuidado e no entanto, também se lançam de
cabeça a tudo que lhes represente prazer e uma das coisas
que mais preferem para esquecer-se do mundo cão em que
vivem, são exatamente as drogas. Falem o que quiserem,
mas o consumo de drogas esta aumentando dia-a-dia.
— Isso é uma verdade — concordou James Kenton.
— E agora eu lhes faço uma pergunta: por quê deixar que
Norman Lawton se beneficie com esta situação?
— Demônios, você está certo porque todos nós queremos
dinheiro! — exclamou James com entusiasmo.
— Foi pensando nisso que tracei um plano. De nada nos
adiantaria fazer concorrência a Lawton. É um homem
poderoso, não, só por si mesmo, mas também, porque conta
com a ajuda de muitas pessoas importantes que estão
espalhadas por todos os estados do país. Por ora, eles se
consideram tão poderosos quanto o próprio Lawton. Mas o
que aconteceria, se, de repente, o poderoso chefão ficasse
sem apoio, sem o respaldo de todas as pessoas importantes
que agora lhe estio facilitando os negócios? Juro como ele
passaria a ser um joão-ninguém. E foi daí que surgiu a idéia
que quero pôr em prática. Se todos nós estamos reunindo,
compilando em nossas agendas ai nomes de seus
colaboradores... —Raymond apanhou um caderno do bolso e
o mostrou a todos. — Aqui estão os nomes das pessoas que
em minha zona prestam serviço a Lawton. Há nomes de
policiais, fiscais, juizes, até mesmo de senadores e gente do
povo... Agora prestem atenção em meu plano: Já temos uma
relação completa dos nomes que colaboram com ele e só
devemos organizar esta relação e remetê-la ao FBI ou então,
à Divisão de Narcóticos: Dentro de poucas semanas serão as
autoridades que limparão o campo, para nós começarmos a
agir. Teremos todo o país à nossa disposição e então,
poderemos organizar nossa rede de distribuição de
narcóticos em todo os Estados Unidos. Que tal acharam meu
plano?
— É bom — murmurou Paul, desviando os olhos do
decote de Mildred. — Não seria mais interessante se
aproveitarmos a rede organizada por Lawton depois de o
eliminarmos?
— Nada disso. Sempre ficaríamos em dúvida podíamos
confiar plenamente naqueles que o haviam servido. Penso
que é melhor limpar o terreno para então, começar a semear.
Em menos de um ano, os negócios adquiririam um volume
que nem se pode imaginar. Agora pergunto: vocês me
entregariam suas agendas para que eu possa organizar a
relação que enviaria à Divisão de Narcóticos?
O silêncio tomou-se denso, até Robbins falar:
— Ficaríamos mais confiantes se soubéssemos não
correremos perigo quando este plano for posto em prática.
Lawton e seu grupo poderá vingar-se. Não se esqueça que
todo. não passam de assassinos.
— Entendo, preferem antes que eliminemos Lawton.
Os amigos de Ashley sacudiram a cabeça confirmando.
— Pelo que vejo, nós nos encarregaremos dele em
primeiro lugar. Muito bem, agora vou ler para vocês a
mensagem que recebi. Ela diz o seguinte: Podemos caçar o
pato assim que você nos ordenar.
— E qual o sentido cifrado?..
— Alguém me avisa que tudo está preparado e que, só
aguardam uma ordem minha para Norman Lawton ser
eliminado.
— Assim tão facilmente? — perguntou Robbins com
surpresa.
— Nada foi tão fácil como vocês estão imaginando! —
explodiu Ashton. — Levei muitos meses preparando tudo,
com calma e inteligência! Nada foi fácil, mas o pato está
pronto para ser caçado!
— E o que estamos esperando? — perguntou James
Kenton.
— Antes de se iniciar a caçada, eu teria de voltar aos
Estados Unidos, James. Ainda há algo que devo fazer
pessoalmente.
— Pois vá aos Estados Unidos, Faça o que deve fazer e
volte para cá, a fim de iniciarmos nossa operação “Caça
Pato”.
— Concordo com James Robbins.
— Eu também — apoiou Paul.
— Então, nada mais temos para falar — disse Ashton,
olhando para o relógio de pulso. — Mildred e eu
embarcaremos agora mesmo para a cidade do México, onde
tomaremos um avião para os Estados Unidos, Não
demoraremos mais de três dias.
— Não precisam ter pressa para voltar — sorriu Jantes.
— Aqui em Acapulco não faltam distrações para homens
desocupados.
— Estou pensando que tudo ficaria mais interessante se
Mildred não fosse com você, Raymond — arriscou Paul.
O pai ia responder, mas a moça foi mais rápida do que
ele.
— Aprendi com meus pais que nunca se deve misturar
trabalho com prazer. Paul. Será que não pode esperar uns
três ou quatro dias para então conversarmos sobre outros
assuntos que não sejam trabalho?
— Posso esperar, mas não de boa vontade — respondeu
Flynn com o cenho fechado e a cara amuada.
— E quanto às agendas que carregam, creio que seria
mais seguro se as guardássemos no cofre do iate — sugeriu
Ashton.
— Não se preocupe com elas, Raymond — atalhou-o
Robbins — mas eu prefiro continuar com a minha no bolso.
Se algo não sair correto, não quero que nada recaia em
minha zona. Sou de opinião que cada um deve conservar a
agenda, até não se ter mais dúvidas sobre o resultado da
caçada que vamos efetuar.
— Tudo bem, rapazes. Podem fazer como acharem
melhor — disse Ashton com voz menos animada. — Agora,
eu e Mildred vamos apanhar algumas coisas que teremos de
levar.
— E Nancy vai com vocês? — perguntou Robbins.
— Não, mas espero que ninguém a moleste de forma
alguma.
— Acalme-se, homem, não sabe que em Acapulco o que
mais há são mulheres bonitas?
— É melhor que todos pensem conto você. Vamos, filha.
Pai e filha saltam do salão e todos continuaram calados
até que uma das moças que havia chegado com James
perguntou:
— Você não gostaria de distrair-se um pouco. Um?
— Claro que sim, querida — respondeu com um sorriso
amável. — Agora que nossa reunião terminou, podemos
chamar o camareiro e pedir que nos sirva champanha. Todos
vamos esperar a volta de Raymond com muita calma e
aproveitando bem nosso tempo... Onde vocês gostariam de
jantar?
CAPÍTULO QUINTO
O final de uma noite adorável

Helen parou o carro de aluguel e se virou para o banco de


trás, onde viajavam Kathy e James Kenton, este
massageando as coxas da garota.
— Chegamos, Um — riu Helen. — Parece que você anda
no céu e nem se apercebe de onde está.
— Sei que por ora ainda continuo na terra. Aqui há
muitas coisas boas e, o céu pode ficar para mais tarde.
— E você acha que tem condições de viver no céu? —
perguntou Kathy.
Os três começaram a rir e Kenton confessou com bom
humor:
— Não sei se vou chegar ao céu, mas por ora refestelo-
me no meu céu particular. Preparem-se porque estamos
quase chegando nele! Gostaram da noite que lhes
proporcionei?
— Muito! — exclamou Kathy.
— Pois bem, agora vem a melhor parte que passaremos
no chalé.
Desceu do carro sons perceber o olhar resignado e
malicioso das moças que se penduraram alegremente em
seus braços e juntos caminharam para a cabana. A Playa
Caletilla parecia pintada de prateado e o mar marulhava
dolentemente.
— Eu gosto mais quando a lua está alaranjada — disse
Helen.
— Talvez amanhã ela já esteja com essa cor — consolou-
a James.
Entraram na cabana. Helen acendeu a luz e James sentou-
se em uma das poltronas.
— Que tal tomarmos o nosso último trago desta noite
adorável?
— Eu o servirei — disse Kathy.
— Enquanto isso vou tirar esses sapatos miseráveis —
suspirou Helen. — Cada sapato novo que estréio, o
desgraçado quase me arranca os pés.
Calou-se bruscamente e os outros dois a fitaram surpresos
e em seguida, seguiram a direção de seu olhar... Na porta do
dormitório estava um sujeito se espreguiçando e bocejando.
Era alto, com tipo de mexicano, forte e naquele momento
vestia uma calça branca, uma camiseta listrada e tinha os
cabelos cobertos por um gorro igual àqueles usados por
todos os marinheiros no mundo inteiro e um tênis branco,
sujo e encardido.
— Caramba, senhor Kenton, não pensei que fosse
demorar tanto. Que horas são? — perguntou o desconhecido.
O pasmo era total, mas as moças reagiram com rapidez.
Meteram a mão no decote do vestido de noite, e duas
pistolinhas apareceram entre seus dedos. Ambas apontadas
na direção do desconhecido.
— Quem é você? — perguntou Kenton.
— Um personagem muito conhecido. Creio que já ouviu
falar de Pancho Villa... Eu pensava esperá-lo desperto, mas
acabei cansando e me deitei na cama. Peguei no sono
imediatamente. Suas companhias são lindas, senhor Kenton!
— Quero saber o que está fazendo aqui!
— Não fique nervoso porque eu lhe vou dizer, se eu não
falasse esta visita não teria objetivo, não é mesmo? Permite
sentar-me, porque depois de eu ter dormido e acordado,
sinto-me débil, enfraquecido.
Era mentira e esta mentira ficou comprovada em seguida.
Pancho Villa deixou de falar e caminhava para James
Kenton. Repentinamente, quando estava a uns três metros de
Helen, pulou. A moça soltou um gritinho atemorizado,
levantou a mão armada, olhando para o homem que parecia
voar em sua direção.
Plop, ressoou sua pistolinha munida de silenciador.
A bala passou pela cabeça do mexicano, no mesmo
instante em que sua perna direita alcançava a mão da mulher,
fazendo com que a pistola fosse jogada pelos ares e antes
que esta chegasse ao chão, encontrava-se na mão de Pancho
Villa que agora, ainda dentro do primeiro salto, foi cair
exatamente na frente de Kathy que também apontou para o
visitante indesejado e disparou.
Porém o homem nada tinha de tolo e velozmente jogou o
corpo para a direita, para em seguida se deixar cair para a
esquerda, rodando as pernas como se estas pertencessem a
uma piorra: deu mais uma rodada com o corpo, levantou a
perna direita e a impulsionou para Kathy.
O voko gari alcançou-a no ombro, empurrando-a com
força para a parede. O impacto foi violento, Kathy perdeu o
equilíbrio e caiu no chio. Não se atemorizou com a queda e
novamente apontou a arma para Poncho Villa, mas este lhe
deu um outro pontapé na mão sem muita crueldade, somente
para forçá-la à soltar a pistola.
— Ai, ai, ai! Garotas tão bonitas, tão simpáticas e tão má!
— caçoou, guardando as pistolinhas no bolso da calça.
Depois olhou para Helen que parecia petrificada,
segurando a mão dolorida. Ajudou-a a levantar-se, ou
melhor, levantou-a com um único movimento, tal como se
estivesse levantando uma criança.
— Agora, vocês duas vão ficar quietinhas, sentadas no
sofá — em seguida sorriu para James. — Caramba, senhor
Kenton, é um homem um bocado esperto, soube arranjar
guarda-costas e companhia para a cama, tudo em uma só
peça e ainda em partida dupla! Isso é o que se pode chamar
um gozador da boa vida! Faz assim por que gosta ou por que
quer fingir-se de homem machão?
Kenton não respondeu. Esperou que as duas moças se
sentassem no sofá e sé então, aproximou uma poltrona à de
James, sentou-se diante dele e lhe disse:
— Entregue-me sua agenda, por favor.
— Que... que agenda?
— Aquela onde o senhor anotou uma porção de nomes.
Percebeu que as cores fugiam de seu rosto.
— Não me obrigue a ser violento — disse logo em
seguida.
— Quem é você? — murmurou James Kenton. — Quem
o enviou aqui?
— Já lhe disse quem sou. E quanto à pessoa que me
enviou, creio que o senhor não devia confiar em ninguém,
isso sem querer ofender suas amiguinhas que me parecem
fiéis. Também elas devem receber boas recompensas por
essa fidelidade, mas isso não vem ao caso. Entregue-me o
caderno, por favor.
— O senhor está comprando aborrecimentos. senhor
Villa. Eu posso...
— Não estou interessado em suas propostas, quero
apenas que me entregue sua agenda e ponto final. Se estou
procurando aborrecimentos. o problema será meu. No
entanto, permita que eu lhe diga somente mais uma coisa:
Quem está se afogando, é o senhor. Encontra-se em sérios
apuros, recebi ordens para matá-lo se não me entregar a
bendita agenda.
Os olhos de James estavam desorbitados e ele se sentia
incapaz de se mexer, estava totalmente paralisado quando
Villa levantou-se da poltrona e introduziu a mão sob seu
casaco, a fim de procurar o caderno com as anotações que
Ashton queria e... sem entender por que as coisas aconteciam
daquele modo. Villa virou a cabeça para a esquerda e, em
seguida, afastou-se com uma velocidade incrível.
Tudo foi horrível.
Kathy que tencionava surpreendê-lo, empunhava uma
faca de aço reluzente, pensando cravá-la em suas costas.
Porém nem sempre as coisas acontecem conforme uma
pessoa planeja.
O mexicano afastou-se rapidamente, a moça levada pelo
impulso não pede interromper o movimento do corpo e caiu
sobre o amante. O punhal se enterrou no olho esquerdo de
James Kenton e este não teve tempo nem de gritar ou gemer,
porque a lâmina acabou penetrando em seu cérebro.
Sua boca se abriu em uma horrenda crispação, enquanto o
líquido viscoso do globo ocular salpicava a mão e o rosto de
Kathy que acabou caindo sobre o cadáver de seu chefe e
amante.
Ela sim gritou, berrou de surpresa e de medo diante das
conseqüências de seu gesto precipitado.
A mão direita de Villa caiu como uma barra de ferro em
suas costas privando-a do conhecimento, instantaneamente.
Helen tinha aproveitado aquele momento de confusão
para atacar o desconhecido e quando viu a companheira cair
desmaiada teve vontade de retroceder, mas já era tarde.
Na realidade, não foi o mexicano quem a golpeou porque
foi a mulher que se jogou contra o punho de aço que ele
tinha erguido para defender-se. O maxilar rangeu quando
Helen se chocou com a mão do homem e ela caiu como um
saco vazio.
Pancho Villa olhou para as duas moças, mas abaixou-se
perto de James Kenton. Tomou-lhe o pulso, nada.
Auscultou-lhe o peito e verificou que o coração deixara de
bater. Ele tinha chegado ao final de seu caminho terreno.
Bem, nada mais poderia fazer por aquele homem.
Sacudiu os ombros com resignação e passou a revistá-lo.
Encontrou a agenda em um dos bolsos internos de seu
casaco.
Levantou-se, olhou para James Kenton e pensou que mais
um acabava de perder todas as coisas boas que há na terra
para o gozo dos homens.

CAPÍTULO SEXTO
Assim é a vida

Alguns morrem, outros continuam vivos, gozando do sol,


do mar, de todas as delícias que existem no mundo. Os que
têm muito dinheiro fazem nada e os que têm pouco dinheiro
trabalham dias a fio para ganhar alguns centavos e comprar o
pão de cada dia. Razão tinha o sábio que dizia: justo seria
que tivesse dinheiro aquele que trabalha e não, o filho da
mãe que passa a vida no dolce far niente.
Eram esses pensamentos que povoavam a mente de
Carlos Cervantes ao ver a loura do “Stranger”, ainda sentada
na amurada do iate, batendo fotografias a montões.
Agora estava usando um outro biquíni, mas continuava
linda de cima abaixo.
Sim, senhor, aquela garota podia servir como exemplo do
que estava pensando sobre a raça humana: jovem, saudável,
vivendo às custas de seus semelhantes... e gastando uma
fortuna com filmes fotográficos.
A raiva do mexicano chegou ao máximo. Saltou da
lancha e se dirigiu ao Stranger. direto como uma bala. Subiu
a escada e se encontrou a bordo.
A loura continuava sentada na amurada e olhou para ele
com surpresa. Arre! que olhos tinha aquela condenada!
Parou perto dela e lhe disse com raiva:
— Boneca, pelo jeito você não se cansa de fotografar-me!
— Não me canso mesmo — respondeu meio gaguejante.
— Entendo, então é uma agente da CIA que recebeu
informações que Nicolai Nicolaiev é um espião russo que
está cumprindo uma missão secretíssima em Acapulco. Para
melhor me vigiar, finge-se de garota milionária e começa ate
fotografar a fim de mandar meus retratos para os arquivos
americanos... Talvez seus colegas já estejam preparando meu
assassinato.
— Não, senhor... Nicolaiev... eu não sou...
— Pare de mentir! E vá me dizendo logo o seu nome —
impôs Carlos com o dedo em riste.
— Eu me chamo Melanie Parker.
— E onde mora?
— São Francisco, no... no 1126 de Rose Terrace.
— Idade? Casada?
— Vinte e um anos e sou solteira.
— Bom, as coisas começam a melhorar, sua boba! Meu
nome é Carlos Cervantes, sou mexicano, mas vivo aqui ou
ali, sem ter um endereço fixo.
— Como me disse que era um espião russo?
— Diga-me uma coisa, o que você tem dentro dessa sua
cachola? — deu um tapinha em sua testa conforme ia
falando. — Aposto que em vez de cérebro, tem um punhado
de dólares.
— Se está dizendo que sou uma tola, asseguro-lhe que
está errado. Apenas me assustei quando o vi chegar aqui na
coberta... Não está esperando nenhuma visita para hoje?
— Não preciso lhe dar satisfações! — respondeu,
pensando como seria maravilhoso beijar aqueles lábios
vermelhos como uma cereja. — O que importa para você, se
eu recebo ou não recebo visitas?
Ele sorriu e a fitou como um tigre que procura agradar
um cordeiro.
— Percebo que não é uma tola,mas aposto como é
milionária.
— Errou. Ganhei este iate como prêmio de uma rifa.
— Um presente fenomenal para uma mulher sensacional
— sorriu Carlos.
— Verdade? Estamos empate porque o senhor também é
homem muito interessante.
— O que me diz de aproveitarmos essa manhã?
— Seria ótimo. Está convidando-me para seu iate, senhor
Cervantes?
— Bem, a idéia foi sua e não minha.
— Talvez eu vá visitá-lo em outra ocasião. Como o
senhor conseguiu toda essa musculatura?
Carlos franziu os sobrolhos, olhou para seus braços e
mãos.
— Gostaria de ser como eu sou?
— Não! Um corpo musculoso como o seu só é bonito
para homem. No homem essa musculatura fica mais
provocativa.
— Provocativa? — surpreendeu-se o rapaz. — Como?
— O que eu mais gostaria de ver, era o senhor despido, a
fim de poder passar meus dedos por esses músculos.
Parecem ser de aço.
— Garota, está querendo divertir-se as minhas custas?
— De maneira alguma. O senhor aceitaria meu convite
para um café?
— Por que não? Até posso misturá-lo com leite.
— Pois posso oferecer-lhe café com leite porque temos
de tudo aqui no “Stranger”. Venha. senhor Cervantes.
Desceram ao interior do barco e Carlos olhava para tudo
com curiosidade. Ela apertou uma campainha e um
camareiro apareceu.
— Walter, o senhor Cervantes e eu tomaremos café
dentro de alguns minutos. Poderia prepará-lo?
— Em seguida, senhorita.
O camareiro retirou-se e Melanie começou a andar pelo
corredor dos camarotes, em silêncio e Carlos a seguiu. De
repente, a jovem parou abriu a porta de um desses.
— Entre, por favor, senhor Cervantes.
O mexicano afastou-se mais um pouco e murmurou
— As damas primeiro.
Quando ele entrou, logo após Melanie, ficou pasmo, pois
naquele camarote não havia cama ou móvel... parecia vazio.
Bem, estava cheio de sol que entrava pela vigia circular e no
meio do mesmo, um cavalete de pintor com uma tela alta
colocada sobre os suportes.
A garota olhou para ele e sorriu diante de seu ar
apalermado, depois colocou a mão em seu braço e o levou
para perto do quadro que estava no cavalete. A perplexidade
de Carlos aumentou.
— Como pode? — exclamou. — Esse aí sou eu.
Era ele, sem a menor dúvida. O quadro ainda não estava
terminado e em um tabuleiro de madeira, afixado à parede,
havia mais de vinte retratos seus.
— O senhor se reconheceu? Então isso é sinal que eu
soube transmiti-lo no quadro.
— Quer dizer que foi você que pintou? Você sozinha?
— Eu com a ajuda dos pincéis. O senhor me chamou
atenção assim que o vi. Comecei a bater fotografias e espero
que me perdoe por este abuso. Realmente gostou de meu
trabalho?
— Infelizmente não entendo do assunto, mas na minha
opinião está perfeito!
— Espero que as opiniões dos críticos norte-americanos
combinem com as do senhor. Espero que este trabalho fique
realmente bom. Repare na linha dos tendões do pescoço, no
movimento das sobrancelhas e repare na força das mãos.
Estas mãos que estão dando muito trabalho, mas eu não me
desespero. Sabe que suas mãos são estranhas, senhor
Cervantes?
Carlos olhou para as mãos e as meteu rapidamente nos
bolsos da calça, e depois de alguns segundos, perguntou:
— Realmente é assim que me vê?
— Realmente.
— Então não sou muito simpático, não é?
— Depende do ponto de vista, O tigre também não parece
ser simpático, mas muitos o admiram pela sensação de
suavidade e força que produz. Nunca se tinha apercebido
deste pormenor?
— Nunca.
— Qual é a sua profissão, senhor Cervantes?
— Por que me faz essa pergunta? — Carlos parecia
surpreso.
— Porque suas mãos me deixam desconcertada.
Geralmente, nas mãos está manifestada a profissão das
pessoas que podem ser divididas em dois grandes grupos:
um dos que trabalham manualmente e outro dos que não
usam as mãos como ferramentas. Por exemplo, as mãos de
um médico não têm deformações, mas as do camponês são
maltratadas e deformadas. Isso se falando de forma geral,
porque os dois grupos básicos também são subdivididos em
grupos menores. Suas mãos não se encaixam nos grupos que
conheço... não são ásperas, mas têm uma forma pouco usual:
são fortes, finas, parecem trabalhar pouco, mas ao mesmo
tempo seus tendões são muito desenvolvidos. Qual é a sua
profissão?
— Sou arquiteto.
— Senhor Cervantes, não me faça pensar que como o
arquiteto de uma obra também coloca os tijolos que revestem
as paredes das casas que constrói!
— Todos os trabalhos são, bons. Esse ai é o seu, não é?
— Estou apenas começando. Acredita que eu possa ter
futuro?
— Creio que sim... Então, efetivamente, não é uma
agente da CIA?
— Não — riu uma risada cristalina. — Novamente
estamos empate porque o senhor tampouco é um agente
russo! Papai vai gostar desta nossa conversa e eu vou contar-
lhe tão logo chegue ao iate. O senhor ficaria aborrecido se eu
pedisse para desnudar-se?
— Por quê? Por que quer que eu me dispa, loura? —
calou-se um instante e continuou: — Pensando bem,
começamos a entrar em um terreno mais interessante,
boneca!
— Senhor Cervantes, eu queria bater algumas fotos de
corpo inteiro para poder pintar o quadro.
— Creio que não há inconveniente. Melanie mas sou um
tipo que tem uma mentalidade estritamente justiceira.
— O que você quis dizer com mentalidade estritamente
justiceira, Carlos?
— Conhece aquele ditado que diz: Estela onde estiver.
faça sempre o que desejar?
— Conheço, sim. E daí?
— Só me despirei se você também se despir.
— Percebo. Infelizmente não o poderei pintar de corpo
inteiro!
— Qual é o problema de tirar esses dois trapinhos que
mal cobrem partes de seu corpo.
— É, esse é todo o problema, mas não faz mal. Vamos
tomar nosso café?
— Agora me lembrei porque vim aqui. Vim somente para
lhe dizer uma coisa, boneca: Esqueça-me!
— Não compreendo — murmurou Melanie.
— Pois serei bem claro. Pare de tirar fotos minhas, não
me cumprimente e nem insista em me visitar! Pare de ficar
me observando com os binóculos! Faça de conta que eu não
existo! Entendeu o que vim fazer aqui?
— Sim. Sou tão desagradável que você não quer papo
comigo.
— Entenda como quiser, mas faça o que eu disse!
Carlos saiu do iate e regressou à lancha.
Entrou no camarote, pensativo e ficou olhando para a
mulher que estava deitada no leito.
— O calor está terrível, Carlos o que podíamos fazer para
nos refrescar? — perguntou Nancy quase que em sussurro.
— Perder a memória.
— Não estou brincando, seu tolo.
— Nancy, estou em Acapulco para divertir-me não quero
nada a sério.
— E quem o está forçando? Você tem tequila na lancha?
— Tequila e limão. Até que podíamos tomar uma
bebidinha. Você gosta de tequila com limão?
— Tenho certeza de que gosto de tudo que você gosta.
— O melhor da vida é quando duas pessoas sabem
concordar. Espere que eu vou apanhar a garrafa de tequila.
— Depois. — sussurrou Nancy, passando braços por seu
pescoço. — Depois você pode ir buscá-la.

CAPÍTULO SÉTIMO
Casualidade da vida

Paul Flynn desligou o telefone e olhou para os homens


que estavam na saleta da suíte que ocupava no “El Mirador”.
— Kenton continua sumido e Robbins também nada sabe
sobre ele. Algo deve estar acontecendo.
— Talvez o senhor Kenton esteja divertindo-se na
companhia das garotas e não deseja ser aborrecido —
arriscou Sark.
— Robbins já ligou para a gerência do hotel alegando que
o assunto era urgente e de li responderam que não há
ninguém na cabana,
— Certamente estio aproveitando a noite em uma praia.
— Kenton sabe que não viemos a Acapulco para divertir-
nos, temos responsabilidade e precisamos solucionar os
problemas de Ashton e o assunto de Norman Lawton. Estou
ficando apreensivo, isso sim.
Os três homens continuaram calados, não eram eles que
deviam tomar decisões, mas o chefe Paul Flynn.
— Sark, você ficará comigo, enquanto Bowman e Cooper
irão ao “El Mirador” para ver se descobrem alguma coisa,
mas sejam cautelosos.
— Evidentemente, senhor Flynn — asseverou Cooper. —
Vamos embora, Bowman.
Os dois saíram e Flynn continuou pensativo por instantes.
Depois apanhou uma revista para ler.
Não tinham passado nem três minutos quando alguém
bateu na porta discretamente. Sark foi abri-la e viu um
sujeito alto e forte que usava um gorro de marinheiro velho e
desbotado.
— O que deseja?
— Falar com o senhor Flynn... diga-lhe que é a mando do
senhor Kenton.
Sark piscou os olhos diversas vezes. Fechou a porta no
nariz do visitante e voltou à saleta onde Flynn continuava
lendo.
— Você é um imbecil. Reviste-o e o deixe entrar —
ordenou o patrão.
Abriu a porta e olhou para o desconhecido que sorria.
Com um gesto autorizou-lhe a entrada e com outro mandou
que erguesse os braços. Apalpou-o de cima abaixo, mas não
encontrou arma alguma. Depois o levou para a saleta, onde
Flynn agora fumava, com a mão esquerda metida no bolso
do roupão de seda que estava usando.
— Senhor Flynn? — perguntou o recém-chegado.
— Sim. O que sabe de Kenton?
— Ele e as duas moças estão no meu pesqueiro: pagaram-
me bem para eu permitir que ficassem ali... parece que estão
se escondendo, mas enquanto me pagarem o preço que peço,
poderão continuar lá.
— Afinal o que está acontecendo?
— Não sei. Só sei que o senhor Kenton está no meu
pesqueiro e pediu-me para eu vir buscá-lo com seus amigos.
Também tenho que levar o senhor Robbins que está
hospedado no “El Marriot”. Não há mais ninguém aqui? O
senhor Kenton me disse que havia três homens em sua
companhia e eu só vejo um.
Os outros dois estão procurando exatamente o paradeiro
do senhor Kenton. Ele está bem?
— Muito bem, embora eu o sinta muito assustado.
Espero-o aqui mesmo ou na portaria?
— Espere-me? — Flynn agora parecia surpreso.
— Sim, se eu vim para levá-lo a meu barco...
— Não sairei daqui. Já sou um gato muito velho para
deixar-me arranhar, amigo. Qual é o jogo?
— Senhor Flynn, não entendo. Garanto-lhe que...
— Não imagina que eu seja louco e que vá sair daqui
para acompanhá-lo. Sé o acompanharia se falasse com
Kenton, usando meus próprios meios. Diga-me, onde o
pesqueiro está ancorado e qual é o seu nome.
— Se todos vocês viessem comigo.
— Desista porque não sairemos daqui e se quiser evitar
aborrecimentos, vá logo me respondendo às perguntas que
eu lhe fizer.
— Senhor Flynn. por quê se esforça em dificultar tudo
quando nós três poderíamos ir agora mesmo para o
pesqueiro?
Sark que não estava gostando da conversa. introduziu a
mão sob a axila esquerda para apanhar a arma, mas Carlos
Cervantes agiu com mais rapidez. Rodou o corpo agilmente
sobre apenas um pé, levantou o braço direito, enrijecendo
todos os músculos e seu punho de ferro foi chocar-se com o
queixo do assassino que caiu para trás, sem nem gemer.
Flynn também tinha apanhado a pistola com silenciador
que estava no bolso do roupão. Apontou-a na direção do
mexicano e disparou. A bala passou de raspão por seu ombro
esquerdo, ferindo-o, mas Carlos poderia ter recebido a
segunda em pleno peito, se não se tivesse jogado no chão.
Flynn não desistiu, levantou a arma para novamente apontá-
la em sua direção, mas recebeu um golpe violento na mão
armada e este desviou a pistola que agora estava virada para
seu pescoço quando apertou o gatilho mais uma vez.
O projétil penetrou na garganta de Paul Flynn e
atravessou sua nuca, matando-o no ato.
Carlos Cervantes estava atônito diante daquele cenário
horrendo e só então reparou que também estava perdendo
sangue em abundância, mas tinha certeza de uma coisa:
Ainda não seria daquela vez que Carlos Cervantes ia
morrer.
Teve vontade de sair em seguida, mas lembrou-se da
agenda. Olhou para o cadáver de Paul Flynn e concluiu que o
livro não deveria estar nos bolsos do roupão. Foi ao quarto
de dormir, abriu as portas do armário e começou a revistar
todos os ternos que estavam no seu interior. Não achou nada
e as coisas começavam a ficar mais complicadas porque o
ferimento continuava sangrando. Teve que suspender a busca
para ocupar-se da ferida. Felizmente, no armário do banheiro
encontrou tudo que precisaria para um curativo urgente e
rápido que acabou sendo tamponado por gaze que aderiu à
pele com tiras de esparadrapo.
Tudo perfeito, mas como poderia sair do apartamento
com a camisa toda manchada de sangue? Pensou em usar
uma jaqueta, mas as de Flynn eram bem menores do que ele.
Foi só então que se lembrou do guarda-custas.
Sark talvez tivesse recuperado o conhecimento e a pistola
continuava em seu poder!
Chegou a sentir um certo alívio quando retornou à saleta
e o viu ainda jogado no chão, Acocorou-se a seu lado e
começou a despir a jaqueta de couro que ele estava usando.
Estranhou porque seu corpo estava frio. Olhou-o mais
atentamente e percebeu a realidade.
Sark estava morto, Examinou-o rapidamente e
comprovou que tinha fraturado a base do crânio ao cair.
Carlos espalmou a mão musculosa que possuía e pensou
que havia dito à Melanie que era um arquiteto.
Cortou aquele pensamento incômodo, acabou de despir o
casaco do defunto e o vestiu em seguida. Regressou ao
quarto e começou a vistoriar a mala e foi no seu fundo falso
que encontrou o que estava procurando e mais vinte mil
dólares que meteu no bolso da calça.
Abandonou a suíte imediatamente e pouco depois
atravessava o vestíbulo do hotel. Sentia-se em segurança
porque tão cedo ninguém ida encontrar os dois corpos, pois
tinha fechado a porta da suíte por fora e agora precisava
desfazer-se da chave.
Chegou à rua, aspirou o ar fresco da noite profundamente
e foi então que a viu dentro de um carro que estava
estacionado junto ao meio-fio.
— Formidável! — riu Melanie. — Até que enfim
consegui surpreendê-lo! Vamos dar um passeio?
— Mais ou menos — conseguiu murmurar quando viu
que não estava sonhando. — O que você está fazendo aqui?
— Sobe! Estava com vontade de me ver em terra firme e
resolvi dar um passeio por Acapulco e, de repente, vi um
homem que me recordou alguém, mas parece que acabo de
encontrar um outro. Carlos, você não devia comprar roupas
de confecção. Essa jaqueta está horrorosa em seu corpo,
muito apertada e parece não ser sua.
— Nem todos têm condição de mandar fazer roupas sob
medida.
Ela sorriu. meneou a cabeça sem deixar de contemplá-lo.
— Pensei que se tivesse convencido que não sou uma
boboca ou tola. Logo de início, quando eu o via chegando e
saindo da lancha, recebendo aquele monte de visitas
femininas, inclusive a ruiva que o visitou hoje, eu pensava
que você fosse só um homem bonitão e relaxado no modo de
vestir-se. Somente por isso, eu ainda não o tinha convidado
para posar diretamente. No entanto, agora depois de ter
conversado com você, penso diferente porque a cultura de
uma pessoa é sempre transparente e uma pessoa culta por
muito povo que seja sempre tem um... estilo especial. Agora
sei que você não é um joão-ninguém e deve ter um curso
superior que talvez nem seja o de Arquitetura porque suas
mãos têm características próprias. E agora eu lhe faço mais
uma pergunta, Carlos. Será que não tem dinheiro para pagar
um bom alfaiate?
— Pensarei nessa sua sugestão... Agora, pare aqui
mesmo!
— O que está acontecendo?
— Nada. Tenho que dar um telefonema. Obrigado pelo
passeio.
Ele abriu a porta do carro, atravessou a calçada e entrou
em uma loja. Melanie acendeu um cigarro, decidida a
esperá-lo o tempo que demorasse, mas sua demora foi
mínima porque ele apareceu poucos minutos depois.
Quando a viu esperando, vacilou por frações de segundo
e acabou se sentando a seu lado.
Percebo que anda me seguindo desde que saí da lancha.
— Confesso que sim. Agora me explique uma coisa: você
tem acomodações alugadas no “El Mirador” e só esteve no
hotel para apanhar a jaqueta?
— Eu já disse para você esquecer-se de mim!
— Seu conselho não foi bem aceito. Está se sentindo
bem, Carlos?
— Muito bem e mais forte do que um tigre!
— Pois eu estou achando você muito pálido. Onde
gostaria de ir?
— Pode deixar-me perto do “Acapulco Marriot”.
— Não! Não me diga que também tem acomodações
reservadas naquele hotel!
— Não, agora vou visitar minha amante.
— A ruiva que esteve com você hoje de manhã? Ou a
loura de ontem?
— Nenhuma dessas. Agora vou visitar uma velha norte-
americana que só tem rugas e ossos. Ela é casada com um
milionário.
— Bem, creio que chegou o momento para eu parar de
insistir, não é?
— É o que deve fazer se tiver um mínimo de dignidade.
— O que é digno para você?
— Respeito o que cada um deve ter por si mesmo,
concorda?
— Deu-me uma definição perfeita e eu tenho dignidade.
— Então?...
Melanie nem respondeu e fizeram o restante do trajeto em
silêncio. Estacionou o carro nas proximidades do “Acapulco
Marriot”. Carlos olhou para ela e ainda lhe deu uma
palmadinha no joelho, procurando tornar-se mais simpático.
Ela continuou calada, de rosto trancado e ele saiu do carro,
afastando-se sem olhar mais para a jovem.
Pouco depois, entrava no hotel e se dirigiu a uma cabine
telefônica. Ligou para o apartamento de Charles Robbins e
foi este mesmo quem atendeu à chamada.
— ...?
— É o senhor Robbins? — perguntou Carlos.

CAPÍTULO OITAVO
Encontro marcado

— Sim, sou eu mesmo quem estou falando? —


respondeu. — Com quem estou falando?
— ...
— Pancho Villa? Que idéia mais original. Nós já nos
conhecemos?
— ...
Enquanto falava, Robbins olhava para seus dois guarda-
costas. Corbett e Lubbock que o fitavam com curiosidade.
Com eles por perto, sentia-se em segurança e por isso,
chegou a soltar uma gargalhada ao escutar a proposta de
Pancho Villa.
— Não sei quem é o senhor e nem sei por que quer uma
entrevista em um pesqueiro.
— ...
— É verdade que desde esta manhã não conseguimos
localizar o senhor Kenton, mas não faz muito falei com o
senhor Flynn por telefone.
— ...
— É exatamente o que vou fazer. Ligue-me daqui a cinco
minutos.
Charles Robbins desligou o aparelho e o ligou novamente
para o número do “Mirador”. Aguardou vários minutos e no
final, informaram-no que não havia ninguém na suíte do
senhor Flynn. Desligou e a campainha do telefone soou em
seguida
— Sim?
— ...?
— Sim, sou eu mesmo.
— ...?
— Talvez esteja falando a verdade porque não havia
vivalma na suíte do senhor Flynn. No entanto, desista porque
não o acompanharei a lugar algum. Porém posso propor-lhe
uma outra coisa. Por que não vem ver-me?
— Muito bem. Então nos veremos dentro de dez minutos,
certo?
Robbins sorria ao desligar, sempre olhando para seus dois
homens de confiança.
— Escondam-se no terraço.
— Isso não seria muito fácil com este dia claro e
luminoso.
— Não me interessa o que façam, mas façam alguma
coisa e só intervenham quando eu lhes fizer algum sinal.
Prestem atenção. Se eu passar a mão direita na cabeça,
devem matá-lo, mas se eu passar a esquerda pelo queixo,
quero que o prendam vivo. Entenderam?
Ambos confirmaram com a cabeça e saíram da suíte.
Robbins sentou-se numa poltrona e pensou que algo estava
acontecendo.
Saiu da suíte, apanhou o elevador e chegou ao terraço
quando faltava exatamente um minuto para o hora
combinada.
— Boa-noite, senhor Robbins.
Chegou a sobressaltar-se quando escutou a voz agradável
com um teve sotaque de castelhano. Virou-se rapidamente e
viu um mexicano forte e espadaúdo.
— Pensei que ainda não tivesse chegado — disse
Robbins.
— Cheguei há alguns segundos. Não gosto deste lugar,
sinceramente creio que seria melhor conversarmos no
pesqueiro.
— O que deseja realmente, senhor Villa?
— O assunto é um pouco longo para se tratar aqui.
— Senhor Villa, não estou com vontade de ir a lugar
algum, portanto decida, falaremos aqui ou nossa entrevista
está terminada.
Carlos Cervantes olhou para a baía que se descortinava à
sua frente, até onde o mar se estendia em uma faixa luminosa
entre Punta Eruja e a ilha.
— Tudo começou há algum tempo, senhor Robbins, há
quase dois anos para sermos mais exatos. Um dia alguns
amigos que moravam em Hermosillo, no estado de Sonora,
deixaram de responder minhas cartas e isso me surpreendeu
bastante. Eu estava na Cidade do México e decidi ligar para
eles e não consegui localizá-los. Por isso, procurei um amigo
que tem um avião leve que costuma alugar. Eu e ele fomos a
Hermosillo e chegando lá, soube que meus amigos tinham
partido para os Estados Unidos, fato que me surpreendeu
muitíssimo.
— Por quê?
— O senhor sabe que ninguém consegue entrar nos
Estados Unidos facilmente quando já tinha sido uma luta
admiti-los no México.
— Então seus amigos não eram mexicanos?
— Eles eram chineses, senhor Robbins.
— E o senhor tem amigos chineses?
— Tenho amigos de todas as nacionalidades, espalhados
pelo mundo inteiro. Entre nós há uma amizade que é baseada
no bom entendimento, fruto de certas disciplinas que
certamente o senhor não entenderia... Mas voltemos aos
meus amigos. Surpreendi-me muitíssimo quando me
disseram que tinham embarcado para os Estados Unidos,
pois eu sabia que nenhum deles possuía passaporte. Pensei
que talvez tivessem recorrido a meios ilegais ou que alguém
os tivesse engabelado de algum modo, como sempre
acontece quando há promessas de se arranjar os documentos
essenciais à obtenção de um visto necessário para a entrada
nos Estados Unidos. Fiquei invocado, pois considerava essa
atitude imprópria aos costumes e dignidade de meus amigos
e ainda mais, tinha certeza que me teriam enviado notícias
em caso de uma mudança repentina. E a partir daí, sem
aperceber-me do que estava acontecendo, comecei a
investigar o caso, procurando descobrir o paradeiro dos
desaparecidos.
— E conseguiu localizá-los?
— Não, mas consegui descobrir que fatos análogos
tinham ocorrido com outras pessoas não só em Hermosillo,
mas em vários pontos da costa do Golfo da Califórnia e em
povoados mais distantes. E, de repente, conclui que há algum
tempo vários mexicanos vinham desaparecendo depois de
avisar que se mudariam para os Estados Unidos e que
ninguém mais tinha recebido notícias deles. Contratei um
detetive particular em Los Angeles e ambos continuamos
com as investigações. Por acaso sabe o que conseguimos
descobrir, senhor Robbins?
— Não.
— Simplesmente descobrimos que periodicamente, um
determinado navio era lotado por passageiros mexicanos:
todos clandestinos, que embarcavam transbordantes de
esperança por poderem ser introduzidos nos Estados Unidos,
mediante uma quantia mais ou menos importante, isto é,
elevada. Porém o mais interessante, senhor Robbins, foi o
fato de nenhum destes clandestinos, cujos nomes pudemos
relacionar, terem chegado ao destino. Sei que o senhor vai
dizer: Se tinham entrado ilegalmente no país, deviam
esconder-se. No entanto, todos sabemos que a polícia
americana é muito bem estruturada e seria óbvio que um ou
outro mexicano fosse encontrado e recambiado para o
México ou então encarcerado até sua situação de ilegalidade
ficar esclarecida. Não acha impossível que nenhum daqueles
clandestinos mexicanos fossem descobertos?
— Não sei o que dizer.
— Pois nós chegamos a uma conclusão estarrecedora
porque nenhum daqueles homens e mulheres chegaram a pôr
os pés nos Estados Unidos por via marítima e nem tampouco
havia caminhões ou helicópteros os esperando à saída do
Golfo da Califórnia. a fim de transportá-los até o destino da
viagem. Absolutamente, senhor Robbins, nada disso era
necessário porque todos os viajantes foram mortos. Foram
jogados ao mar em pleno golfo, tendo os pés e as mãos
amarradas a um saco de pedras que os levaria mais depressa
para o fundo. Agora eu pergunto, quantas pessoas teriam
morrido desse modo? Ninguém sabe.
Carlos tinha falado sempre olhando para a baía e quando
se virou para o interlocutor, notou que Robbins estava
cadavérico.
— E também descobri mais uma coisa, essas viagens
eram e... continuam sendo um dos negócios preferidos de
Raymond Ashton. Depois da primeira descoberta, fui
descobrindo tudo com mais facilidade. Por exemplo, soube
que o navio usado nessas viagens pertencia a um sujeito que
trabalhava para uma empresa que era filiada a uma outra,
que por sua vez, era controlada por uma das companhias que
pertencem ao senhor Ashton. Quando cheguei a essa
conclusão, decidi não complicar mais aquela situação e disse
ao detetive particular que o caso já não me interessava,
Continuei agindo sozinho. Reconheço ser uma pessoa
teimosa que quando se propõe fazer uma coisa, sempre a
termina. Continuei com minhas sindicâncias durante várias
semanas e, finalmente, decidi agir. Por acaso o senhor
conhecia Murray Daniels?
— Ele era o braço direito de Ashton! — respondeu,
assombrado.
— Exatamente e o acidente com seu carro foi muito
especial. Alguns dias antes do evento ocorrer, estivemos
conversando e quando vi que nada conseguiria com métodos
afáveis, optei pelos meus especiais. Assim que os iniciei, ele
decidiu colaborar comigo e contou-me muito acerca de todos
os negócios de Ashton. Foi dessa forma que confirmei
minhas desconfianças sobre a sorte de meus amigos.
— Então, o senhor está a par de tudo? — gaguejou o
assassino. — E por que não denunciou Ashton às autoridades
competentes?
— Senhor Robbins, sei que o senhor, como Horace
Lawton ou Ashton dispõem de recursos legais. de pessoas
influentes que sempre estão prontas para salvaguardá-los.
Pensando assim, preferi permitir que se encarregassem do
canalha, rei dos narcóticos, para em seguida, eu cuidar de
vocês. Consegui entrar em contato com o senhor Ashton, até
que com uma certa facilidade, por intermédio da graciosa
Nancy.
— Então já conhece Ashton pessoalmente?
— Sim e neste momento, tenho o encargo de assassiná-lo,
bem como os senhores Kenton e Flynn. Ele pagou-me
duzentos e cinqüenta mil dólares por esse serviço triplo.
Charles Robbins passou a mão direita pelos cabelos,
lentamente.
— Não acredito nessa história — murmurou.
— Como queira, mas posso adiantar-lhe que o senhor
Kenton está morto, suas duas amiguinhas estão no pesqueiro
com meus três amigos que me ajudaram armar a isca para
entrar em contato com Ashton. Um deles levou uma surra
tremenda, tomou um banho na égua gelada e teve que nadar
um bom pedaço, até chegar à costa e ser recolhido por Juan e
Chema! Felipe foi um personagem muito importante dentro
do enredo que criei! Resumindo, eu já sabia que Raymond
Ashton queria matar os três e tal como planejou, também
achou que eu poderia ser o instrumento adequado para seus
planos. Porém, eu diria que mordeu o anzol para ser pescado.
— Pescado? Ele e a filha, neste momento, encontram-se
nos Estados Unidos!
— Parece que tomando as últimas medidas para o
assassinato de Horace Lawton, mas se é isso que está
acontecendo realmente creio que não veremos o senhor
Ashton novamente.
— O que quer dizer?
— Esta é a última surpresa que reservei para Raymond
Ashton. Cumpri com todas as obrigações que assumi perante
ele, pois os senhores Kenton e Flynn já estão mortos, embora
eu não tivesse intenção de matá-los; queria levá-los para o
pesqueiro onde já se encontram as duas amiguinhas de
Kenton e, talvez os dois guarda-costas de Flynn que não
estavam no hotel quando cheguei. Parece que tudo está
saindo de acordo com meus planos. Só preciso matar o
senhor para apresentar-me ao senhor Raymond Ashton e lhe
dizer que agi conforme as instruções que me forneceu, mas
que agora, é a vez de ele pagar por seus crimes.
— Pensa matá-lo também?
— Depende da conversa que tivermos, mas... O senhor
está bem?
— Sim. Por quê?...
— É que já passou a mão pelos cabelos três vezes. Pensei
que estivesse sentindo alguma dor.
— Não, não, estou sentindo-me muito bem.
— Então o gesto deve ser sinal para seus homens agirem.
— Não, não. Não! — quase gritou, ficando pálido,
repentinamente.
— Bem, nem adiantada se fosse. Perca as esperanças
porque seus amigos já não têm condições para socorrê-lo.
Eles chegaram aqui um pouco antes que o senhor, pensando
que poderiam esconder-se, mas agora já estão fora de
combate. Portanto, não adianta resistir e me entregue a
agenda de uma vez.
— Eu não a trouxe comigo.
— Colabore, senhor Robbins porque desejo reunir todas
as anotações que os senhores conseguiram, a fim de remetê-
las ao FBI. Atacar qualquer um dos senhores seria
semelhante a um lenhador que começasse a talhar a árvore
pela copa. Os ramos cairiam, mas o tronco continuaria em
pé, mas se ele abatesse o tronco primeiramente, a arvore
cairia em menor tempo. Quero a relação dos nomes que
conseguiu levantar para uni-la às de seus companheiros e,
desse modo, poderei ter certeza que a partir de Norman
Lawton haverá uma tremenda limpeza por toda a nação
americana.
— Espere, talvez possamos fazer um acordo!
— Desista porque não negocio com cafajestes! Passe-me
a agenda!
— Está no cofre da recepção do hotel.
— Mentira. Sei que jamais a entregaria a quem quer que
fosse, ela deve estar em seu bolso.
— Escute, Villa, o que me diria se eu lhe oferecesse um
milhão de...
— Não quero nem um centavo! — gritou Carlos
Cervantes. — Você não passa de um ser desprezível, uma
escória que só merece a morte!
Carlos parecia possesso e o sacudia com raiva. Robbins
assustou-se e sussurrou:
— Solte-me que eu a entregarei... está no bolso interno do
casaco.
Carlos acalmou-se bruscamente, respirou fundo e avisou:
— Muito cuidado com o que vai tirar do bolso, homem!
Dê-me a agenda.
Robbins abriu o paletó e lhe mostrou a caderneta no bolso
interno superior, e junto dela também eslava sua caneta.
— Só posso apanhá-la se antes retirar a esferográfica.
E foi nessa ocasião que o mexicano foi apanhado
desprevenido e sé se salvou porque seus reflexos eram mais
aprimorados e apurados do que os de Charles Robbins.
Este apanhou a caneta com calma e naturalidade. Carlos
só percebeu que algo estranho estava acontecendo quando
ele disparou com sua caneta especialíssima que na realidade
nada mais era do que uma pistolinha de balas de cianureto.
Carlos afastou-se rapidamente da meta do tiro, mas o
clarão produzido pela explosão do cianureto cegou-o,
momentaneamente.
Robbins aproveitou a situação para fugir. O mexicano
ficou completamente cego naquele momento, mas pôde
captar perfeitamente o ruído de seus passos. Foi então que
agiu mais por instinto do que com a sabedoria. Correu em
direção dos passos que se afastavam e desferiu um murro no
ar e no espaço.
Seu punho foi chocar-se com o peito do assassino,
exatamente sobre o coração que cessou de trabalhar no ato,
enquanto o corpo de Robbins era jogado para trás, indo bater
na amurada do terraço e se precipitando no vazio. Sem
provocar som algum, uma vez que era um corpo já sem vida.
A visão do mexicano demorou alguns segundos para
retornar e quando seus olhos puderam ver novamente, ele
procurou Robbins, mas aos poucos percebeu que este não
estava no terraço. Onde ele poderia estar depois do golpe que
recebera?
Gastou algum tempo mais para compreender o que tinha
acontecido e ainda perplexo, aproximou-se das grades e
olhou para baixo e só viu uma pequena multidão
aglomerando-se à volta do morto.
Desceu os primeiros lances da escada correndo, mas
quando chegou à portaria estava aparentando muita
serenidade.
Aliás, não havia ninguém ali, porque tanto os hóspedes
como os empregados agrupavam-se em torno do cadáver e
comentavam a morte estúpida que o homem tinha escolhido.
Carlos Cervantes. naquele momento, sentia muita dor no
ferimento que tinha no ombro, mas afastou-se dali,
respirando com alívio e satisfação porque o carro de Melanie
não o estava esperando.
CAPÍTULO NONO
Triste sorte a de Nancy

Finalmente chegou sem problemas ao ancoradouro,


percorreu a distância com passos apressados. não por ter
medo de estar sendo seguido, mas porque sentia que o
ferimento estava necessitando de um bom curativo e uma
boa esterilização e no barco havia todos os medicamentos
que precisava.
Entrou na lancha e foi direto ao camarote que não
chegava a estar totalmente escuro porque a iluminação do
“Stranger” penetrava pela vigia. E principalmente por isso,
pensou em abaixar a cortina, pois não queria que Melanie
sequer desconfiasse que já tinha chegado.
Para fazer isso, tinha de encostar os joelhos no beliche e
foi então que percebeu que havia alguém deitado no mesmo.
Não gastou mais de dois segundos para reconhecer a pessoa.
— Nancy! O que está fazendo aqui sozinha? —
murmurou.
— Não obteve resposta. Colocou a mão em seu braço, a
fim de despertá-la, uma vez que imaginou que se cansando
de esperá-lo, tinha adormecido. Primeiro sacudiu o braço
levemente e depois quase com brutalidade, mas a moça não
acordou, manteve-se imóvel... porém sua cabeça balançou
brandamente de um lado para o outro, como se o pescoço
estivesse fora da articulação.
Não, não era uma coisa nem outra, simplesmente a
tinham degolado.
Carlos Cervantes ficou imóvel enquanto os olhos iam
examinando o quadro horrível que tinha a sua frente. O
pescoço da mulher tinha um talho horizontal que o cortava
de um lado ao outro
Ainda estava perplexo, sem saber o que fazer ou pensar
quando ouviu que alguém estava caminhando no convés. Os
ruídos dos passos não eram somente de uma pessoa...
Prestou mais atenção e concluiu que havia quatro visitantes
chegando c naquele momento ouviu a voz de Mildred:
— Carlos, você já chegou?
O mexicano afastou os olhos de Nancy e percebeu que
Mildred estava acompanhada por três homens cujas passadas
ressoavam mais fortemente do que as dela que eram sutis e
delicadas.
Ainda estava ao lado do beliche quando a porta do
camarote foi aberta, deixando penetrar um jorro de luz c em
seguida, um homem estranho entrou, apontando-lhe uma
pistola com silenciador. Atrás deste entraram mais dois
também de armas em punho. Só então, Mildred entrou muito
sorridente.
— Você é um rapaz muito mau — reclamou. — Eu devia
castigá-lo. Por quê não respondeu quando o chamei?
Carlos continuou em silêncio. Mildred olhou para a morta
e disse:
— Coitadinha de Nancy... viemos atrapalhar, não é
verdade? Estavam... — calou-se repentinamente e
perguntou: — O que está acontecendo? Você está ferido?
Carlos confirmou com um gesto. Mildred gastou alguns
segundos fitando-o com comiseração e sorriu novamente.
— Não o supúnhamos tão eficaz, meu querido, mas você
é rápido como quê.
— De que está falando? — sussurrou Carlos, finalmente.
— Sabemos que matou Robbins, Flynn e Kenton. Até ai
tudo bem, mas...
— Como soube?
Ora nós o vigiamos o tempo todo. Mentimos ao avisar a
nossos amigos que eu e papai iríamos aos Estados Unidos
para tratar do assassinato de Norman Lawton. Por que íamos
fazer uma viagem desnecessária se podíamos resolver tudo
com um simples telefona? Mas isso agora não vem ao caso
porque Lawton já deve estar morto.
— Alegro-me.
— Por quê você se alegra com sua morte? Já observou
como é um tipo diferente? Afinal por quê se alegra?
— Porque tanto ele como vocês todos só merecem a
morte, Alteza.
— Sim, realmente você é um tipo muito esperto que tem
olhos de águia, mas por acaso pensou que estivesse lidando
com alguns idiotas?
— Sim.
— Errou porque eu e meu pai nada temos de tolos e por
isso mesmo o mantivemos sob vigilância acirrada. Vimos
quando chegou à cabana que Kenton tinha alugado para
gozar Acapulco ao lado de suas garotas. Vimos quando saiu,
dirigindo o carro de Kenton até um local afastado, onde
havia um pesqueiro atracado. Em seguida, você passou por
aqui e nós o seguimos, com exceção de Forbes — indicou
com um dos homens. — que continuou vigiando o
pesqueiro, mas este zarpou em seguida e nada se conseguiu
desvendar do mistério que o cercava. Você sabe trabalhar
muito bem, rapaz!
— Obrigado. Alteza. Quanto à Nancy o que foi...
— Espere um instante. Você sabe quem são estes três
homens que me acompanham?
— Não, quem são?
— Sei que meu pai comentou com você sobre os três
cavalheiros que iam chegar para exterminar Robbins. Kenton
e Flynn. Eram eles que ficariam encarregados dos serviços
que você realizou maravilhosamente, porém nada sabíamos a
seu respeito e meu pai achou que nada perderíamos se o
vigiássemos. Certamente o dinheiro que recebeu como
pagamento lambem está no pesqueiro, não é verdade?
— Sim.
— Falando sinceramente, duzentos e cinqüenta mil
dólares não nos fazem diferença, agora que estamos prestes a
ganhar uma verdadeira fortuna. Estamos preocupados com
duas coisas outras: queremos saber quem é você realmente e
para onde foi o pesqueiro. Primeiro nos diga: Quem é você?
— Carlos Cervantes, um homem que adora aventuras.
— Chega de engabelações, Carlos. Ontem, meu pai viu
no pesqueiro um dos homens que o atacaram àquela noite
quando ele saia do “Favo Real”. E segundo as explicações de
Nancy, era precisamente aquele que você tinha afogado no
mar. Meu pai o reconheceu apesar da distância.
— Creio que Raymond Ashton confundiu-se.
— Carlos, Carlos, você sabe que meu pai não se
confunde, quem se confundiu foi a coitadinha de Nancy.
Jamais deveria ter demonstrado que estava enrabichada por
você... Meu pai não tolera traições.
— E por isso a matou?
— Que barbaridade! Meu pai não suja as mãos de
sangue! O trabalho foi executado por Liddell e Donovan...
mas você é o astro principal de nosso teatro. Reunimo-nos
com estes três amigos que tinham tudo preparado para caçá-
lo. Estávamos bem armados e poderíamos controlar vocês
todos... Lamentamos quando o pesqueiro partiu, mas ainda o
encontraremos. Estávamos próximos do “Acapulco Marriot”
quando alguém caiu do terraço. Naturalmente, fomos ver
quem era e quando reconhecemos Robbins naquele corpo
estraçalhado. Compreendemos que você não recebera nosso
dinheiro em vão. Foi então que papai resolveu acabar com o
jogo. Ordenou que Liddell e Donovan trouxessem Nancy
para seu barco e a matassem aqui mesmo, enquanto nós
continuávamos em seu calcanhar. Vimos quando saiu do
hotel e se dirigia para cá.
— E agora o que estão querendo comigo?
— As agendas que os homens traziam nos bolsos.
— Só consegui duas porque Robbins não a levou quando
foi encontrar-se comigo, ou então, caiu com ela quando se
precipitou no vazio.
— Não é hora de mentir ou brincar! — falou Mildred
com voz séria.
— Não estou mentindo e certamente algum policial já a
recolheu, embora neste momento ninguém possa saber o que
significa aquela relação de nomes, mas tudo será esclarecido
quando a policia receber as outras duas com uma nota
explicativa que remeti anexo.
— Não! — gritou Mildred.
— Lamento, Alteza, mas você mesmo afirmou que sou
um tipo eficaz e rápido... Amanhã de manhã, os dois
envelopes deverão estar nas mãos das autoridades
mexicanas. Em seguida, meus amigos que estão no pesqueiro
apresentarão as garotas de Kenton e certamente, dois dos
colaboradores de Flynn que não estavam com ele quando eu
cheguei. Essas pessoas e mais as agendas serão um bom
motivo para as autoridades mexicanas entrarem em contato
com as americanas que já deverão estar sindicando o
homicídio de Norman Lawton e isso, deverá ser o começo de
uma grande investigação muito bem articulada para
desbaratar, aniquilar a rede de distribuição de narcotóxicos
que tanto os interessam. Deste modo, terei colaborado para a
exterminação das duas maiores organizações criminosas que
já ouvi falar.
— Maldito... Maldito! Você não passa de um grande
cretino! Você é um grande miserável! Nojento!
— Acho que devia ter mais cuidado com seu vocabulário,
Alteza.
— Tudo é uma mentira seu porco!
— Alteza pode procurar o consolo que queira. Até
mesmo enganar-se, mas eu sempre falo a verdade. Só
lamento porque meu mestre não vai tomar conhecimento
deste meu trabalho magistral. Sei que Sensei ficaria
orgulhoso.
— De que mestre e de que Sensei você está falando?
— Nem adianta gastar tempo tentando-lhe explicar uma
coisa que não tem capacidade para compreender, Alteza.
— Você está em minhas mãos e quero saber o que está
pensando!
— Algum dia já ouviu falar da Kuro Arashi?
— O que é Kuro Arashi?
A Kuro Arashi é uma organização muito diferente
daquela que vocês defendem. É dirigida por um único
homem, mas este recebe a colaboração de muitos outros que
estão espalhados pelos cinco continentes e que obedecem
cegamente seus ensinamentos. Tenho certeza de que se
vocês me matarem, não conseguirão prosseguir por esse
caminho de crimes porque mais cedo ou mais tarde cairão
nas malhas da polícia ou nas mãos de meus companheiros da
Kuro Arashi que usam nosso distintivo com orgulho e
abnegação. Aquele que usa a estrela negra de seis pontas que
tem três orifícios que simulam os olhos e a boca vive para
exterminar o mal que possa existir na face da terra. Esperem
para ver quem são meus companheiros.
— Esse sujeito está tendo uma crise de alucinações —
falou Forbes entredentes.
O mexicano olhou para ele e em seguida, novamente para
Mildred.
— Você quer saber quem eu sou, não é? Muito bem, sou
Carlos Cervantes Martinez, arquiteto e resido na Cidade do
México. Sou um cara que já viajou muito e conheço quase
todo o mundo... E fui em uma dessas viagens que conheci
um homem que orientou definitivamente meu caminho e
minhas escolhas mentais e espirituais. Nós, os budocas,
seguimos todos os ensinamentos de Sensei, o Mestre
Querido, Sem sua ajuda, compreensão e orientação eu jamais
teria compreendido realmente o que é o caratê.
— Você é do caratê? — surpreendeu-se Forbes.
— Sou Caratê Do Jo Dan — confirmou com um sorriso
prazeroso. — Quinto Don de Caratê, árbitro internacional e
mestre de artes marciais. E com todo este preparo sinto-me
um garotinho Sensei.
— Eu não disse que ele está louco e tendo alucinações?
Carlos olhou para Forbes e sorriu.
— Pôr que você está sorrindo, Carlos? — quis saber
Mildred.
— Em certa ocasião Sensei falou-me sobre a Morte e
sobre a Vida. E eu jamais me esqueci daqueles ensinamentos
que me têm ajudado muito. E agora saberei e testificarei se
ele estava certo,
— O que ele lhe disse, Carlos?
— Coisas que você não pode entender, Alteza. Só poderia
compreender tudo que ele me disse àquele dia, se purificasse
seu espírito e pensamentos porque o homem é o que pensa
e...
— Entendo — falou Mildred com malícia. —
Pensamentos purificados são os da garota do “Stranger”, não
é?
— De quem você está falando? — O sangue gelou nas
veias de Carlos.
— Da garota que vive batendo fotografias dias e noites.
Nós a víamos sentada na amurada, não ligávamos para ela
até quando vimos você saindo de seu iate e depois, quando a
vimos lhe dando carona. Neste momento, papai está com ela,
certamente fazendo-lhe algumas perguntas.
— Não!
— Claro que sim ou você acha que íamos permitir que
escapasse? — sorriu Mildred.
— Ela não sabe dos negócios que estão sendo realizados!
— Isso veremos quando papai acabar de falar com ela.
— Mildred, deixem-na ir embora, não a prejudiquem!
Juro como ela nada sabe do que anda acontecendo!
Mildred Ashton olhou para ele com olhar perverso e
propôs:
— Posso trocar a vida daquela jovem pelas agendas. Sei
que não as remeteu à polícia, não é verdade? O que você
ganha mentindo?
— Absurdo seria eu dizer que ainda estão comigo se já as
enviei.
— Então é verdade? Você as mandou com nota
explicativa?
— Sim.
— Neste caso, pior para você! — gritou Mildred com
ódio. — Vai pagar bem mais caro do quê imagina!
— Mais caro do que minha vida? — sorriu o mexicano.
— Muito mais caro! Você vai pagar tudo, até os
momentos de prazer que lhe concedi! Lembre-se de que eu
fiz amor com você!
— Chama de amor aquela sujeira que aceitei porque não
podia rejeitá-la?
Mildred ficou branca como se fosse desmaiar.
— Pois bem, eu vou dizer o que faremos com você. Não
vamos matá-lo imediatamente, mas sacrificaremos a garota
do “Stranger” diante de seus olhos e quando ela morrer, nós
vamos estraçalhá-lo a chicotadas até que nos diga onde
escondeu as agendas! E também terá de nos dizer onde o
pesqueiro está ancorado, não queremos que alguém que
esteja nele, continue vivo! Você me pedirá perdão pela
ofensa machista que me fez.
— Vamos levá-lo para o iate, senhorita Mildred? —
perguntou Forbes.
— Não, talvez haja alguns amigos dele pela área e eu não
quero correr riscos. Afastem-se com a lancha e o “Mildred
II” os seguirá.
— E o que fazemos com essa garota? — um dos homens
mostrou Nancy.
— Joguem o corpo dessa prostituta no mar!
Mildred saiu e durante alguns minutos seus passos eram
audíveis no camarote. Em seguida só o silêncio.
Forbes olhou para os companheiros e determinou:
— Lomak ficará encarregado de sepultar essa vagabunda
no mar. Eu me encarregarei desse malandro sabichão que
tem um mestre sábio e você, Seranti, cuidará do barco.
Zarparemos imediatamente!
— Na minha opinião, devíamos obrigá-lo a nos entregar
os dólares que recebeu do patrão — sugeriu Seranti.
— Estes estão no pesqueiro e os amigos de Sensei já
devem ter feito a partilha dos mesmos, não é verdade,
sabichão?
— Não. Sei que o dinheiro está intacto e nós o
enviaremos a Sensei que deverá gastá-lo em obras sociais.
— Além de sábio esse tal de Sensei também é um
espertalhão! — riu Forbes. — Aposto como está milionário,
tão rico que sé arrota dólares!
O sangue de Carlos Cervantes ferveu, mas ele continuou
impassível.
— Nós vamos subir ao convés, mas não tente bancar um
passarinho esperto — aconselhou Forbes, olhando para ele.
Os três abandonaram o camarote, onde o corpo de Nancy
continuava repousando.
CAPÍTULO DÉCIMO
O segredo da vida.

— Bem, acho que podemos jogar o corpo aqui mesmo —


avisou Forbes depois da lancha ter saído da baía. — Lomak e
Seranti vão buscar o presunto! Enquanto isso, Cervantes
tomará conta do leme, somente para ficar dando voltas quase
que no mesmo lugar, ouviu?
Lomak e Seranti voltaram à coberta, trazendo o corpo de
Nancy enrolado em lençol e tendo uma ruma de livros
amarrada aos pés para mais facilmente poder afundar.
— Vamos! O que estão espetando para jogar a vagabunda
nas águas? — reclamou Forbes.
O momento que Carlos estava aguardando chegara. As
coisas estavam acontecendo tal e qual havia imaginado e sua
ação não foi um impulso do momento, mas algo muito bem
planejado.
Os dois assassinos alçaram o corpo de Nancy para
sepultá-lo nas águas do mar e justamente naquele instante,
ele manobrou o leme bruscamente, fazendo a lancha mudar
totalmente de posição, Com esse movimento brusco a morta
e seus dois sepultadores foram jogados de encontro à
amurada e lançados ao mar.
O mesmo quase acontecia com Forbes, mas este caiu
sentado no chão quando escorregava pelo convés, sem
encontrar um ponto de apoio.
Levantou-se rapidamente com as feições crispadas, sacou
a arma e gritou:
— Espere para ver como trato...
Calou-se quando a perna esquerda do budoca bateu na
arma, jogando-a longe. O homem ficou desnorteado
momentaneamente, mas nem teve tempo de decidir o que ia
fazer porque novamente, recebeu um outro chute, desta vez
no maxilar que o deixou desacordado e com o rosto
transformado em uma máscara sanguinolenta.
Carlos levantou-o apenas com uma mão e o jogou nas
águas escuras e geladas. Em seguida, apanhou o comando da
lancha novamente. Sentia-se tenso, preocupado e sabia que
um budoca jamais deve se deixar envolver pelos
sentimentos, principalmente quando está no palco de ação.
Antes de mais nada precisava recuperar á serenidade.
***

— Fique calma, senhorita Parker — recomendava


Raymond Ashton com um sorriso que procurava parecer
amável.
— O senhor é um cínico! — explodiu Melanie quase em
soluços. — Eu já lhe disse tudo que sabia sobre Carlos
Cervantes. Fiz isso para poder retornar a meu iate e o senhor
continua me retendo aqui!
Calou-se quando a bofetada estalou em seu rosto, mas
teve ímpeto de atirar-se contra Mildred que a tinha
esbofeteado, enquanto Ashton continuava refestelado em
uma poltrona, sorrindo como se nada estivesse acontecendo.
Ao contrário ele ainda disse rindo:
— Fez muito bem, minha querida porque esta gatinha
estava merecendo! É linda, mas parece ter um temperamento
difícil! É como eu gosto e agora tenho de arranjar uma
substituta para Nancy, talvez ela me sirva.
— O senhor é um homem mau! — gritou Melanie.
E no mesmo momento, recebeu outra bofetada de
Mildred.
— Chega, filha — interveio o pai. — Tive uma idéia que
talvez acabe serenando o mau gênio da ferinha. Os rapazes
deverão tardar mais meia hora no mínimo e durante este
tempo, farei a prova para ver se esta gatinha dourada serve
para ser minha futura preferida.
Olhou para os dois guarda-costas que assistiam a cena
sorrindo e lhes ordenou:
— Levem a garota com muito cuidado para meu
camarote.
Os dois riram com maior prazer, seguraram Melanie
pelos braços e a puxaram para o convés, pressentindo que
facilmente ela poderia jogar-se nas águas.
— Pai, você sempre parece um vulcão em erupção —
disse Mildred, rindo, — mas no meu entender este não um
momento muito adequado a provas de cama.
— Não vai ser nada sério, querida. Somente vou assustar
a garota e ver como ela é quando tira o biquíni do corpo.
Espero que Cervantes chegue a tempo para presenciar
algumas coisas.
— É o que também desejo, papai — os olhos de Mildred
reluziam de raiva.
O velho apagou o cigarro e saiu. Encontrou Melanie
parada a porta de seu camarote e ainda ladeada por Donovan
e Liddell. Abriu a porta e os dois auxiliares empurraram a
jovem para dentro do camarote. Ashton entrou com um
sorriso bonachão e chaveou a porta por dentro.
Melanie estava apavorada e só murmurava:
— Fique onde está e não se aproxime de mim!
O sorriso desapareceu do rosto do homem. Deu dois
passos em sua direção. Estendeu o braço e com um único
gesto rasgou-lhe a roupa diminuta que estava usando.
***
Naquele instante, o iate deslizava suavemente, tendo os
motores desligados. Dan Maxwell, o capitão, estava
debruçado no convés e observava a lancha que tinham
divisado há poucos minutos.
O iate também estava flutuando a mercê das marolas,
pois seus motores estavam parados.
— Eu daria minha vida para saber o que está acontecendo
— disse um dos tripulantes.
Dan Maxwell retirou os cotovelos da amurada, ergueu o
corpo que estava debruçado na mesma e quando ia falar, não
teve forças para emitir um único som.
A surpresa foi enorme e os três homens ficaram como
que petrificados quando o viram pingando água, ensopado, a
poucos metros de distancia... Quando tiveram condições para
reagir, já era tarde demais porque as pernas do recém-
chegado pareciam voar no ar para caírem exatamente sobre a
cabeça de um, enquanto seus murros de ferro se chocavam
com a nuca de um outro ambos caíram mais vivos do que
mortos no chão.
Em seguida, foi a vez de Maxwell receber um mae geri
perfeito que o deixou quase morto.
Enfim o caminho estava livre e Carlos correu para o
interior do iate, fá ia descer os primeiros degraus da escada
quando escutou a voz de Mildred dizendo:
— Não, não devem ser os rapazes... Forbes e os outros
não tiveram tempo para...
Calou-se ao pressentir que havia alguém a seu lado e foi
então que viu aquele personagem extremamente másculo e
cujas roupas ensopadas colavam ao corpo. Reconheceu-o
imediatamente e exclamou:
— Carlos, você aqui!
Ele não vacilou e tampou sua boca com a mão e a afastou
da escada. Quase em seguida, apareceram Donovan e Liddell
que fizeram menção de atacá-lo.
Carlos colocou a moça a sua frente e os advertiu:
— Se fizerem alguma coisa, é ela quem sofrerá as
conseqüências.
Os dois homens pararam. Conheciam Carlos Cervantes c
sabiam que era um tipo tão veloz que poderia matar qualquer
um, sem precisar de armas, só usando as mãos, pernas e
pés... E na opinião daqueles assassinos um homem assim era
muito perigoso e não lhe podiam dar a menor oportunidade...
Portanto, ambos pensaram a mesma coisa naquele instante:
Carlos Cervantes é um tipo perigoso e faz menos mal morto
do que vivo, sempre procurando prejudicar, a vida de todos.
Não perderam mais tempo, sacaram as pistolas e as
detonaram em uníssono.
O grito de Mildred ficou parcialmente sufocado com a
pressão exercida pela mão de Carlos em sua boca, enquanto
o corpo da moça estremecia colado ao seu.
Sentia-se contrariado, pois havia agido daquela forma por
instinto de conservação e nunca porque desejasse que
Mildred recebesse as balas que lhe eram destinadas.
Os dois pistoleiros estavam cadavéricos e contemplavam
o cadáver da filha do patrão com olhares atemorizados, mas
reagiram em seguida e novamente, levantaram as pistolas.
Porém não tiveram tempo ou oportunidade para usá-las.
Carlos empurrou o corpo de Mildred para o lado e com a
força de seus movimentos o mesmo rolou a escada levando
os dois guarda-costas de roldão.
Ambos sentiram um frio na coluna quando viram o
carateca flexionando as pernas no ar como se realmente
pudesse voar, enquanto os punhos eram estendidos... E
ficaram petrificados, apavorados completamente quando um
Kiai magistral cortou o silêncio do iate.
O budoca conseguiu reunir com este kiai toda a energia
que havia em seu ventre, tórax, mente, enfim em todo seu
corpo que em segundos transformou-se num conjunto de
músculos, enquanto suas feições se crispavam, endureciam e
uma chama luminosa surgia em seus olhos.
A transformação foi instantânea e o primeiro golpe
desferido por Carlos Cervantes praticamente destroçou os
ossos do braço direito de Liddell que caiu para trás sem
sentidos depois de lançar urros de dor.
O segundo golpe foi desferido contra Donovan que agora
tremia de medo. E na realidade nem pressentiu quando a
mão do mexicano chocou-se com sua nuca e ele caía já sem
vida.
Carlos Cervantes pôde respirar profundamente e então
sua voz ecoou por todo o iate:
— Melanie... Onde você está, Melanie!
O grito feminino chegou até ele, mas ele não podia saber
ou poder identificar de onde tinha vindo. Correu como um
louco para o corredor dos camarotes e começou abrir todas
as portas que havia neste. Não encontrou ninguém, mas
quando se aproximou da última que havia naquele corredor e
tentou abri-la, viu que esta estava trancada e também ouviu
vozes abafadas que chegavam de seu interior.
Não hesitou um minuto e um novo Kiai brotou de seu
peito e as forças novamente foram fortificadas. Ele se lançou
em um demolidor ara tsukí de encontro à porta. Esta parecia
estar sendo deslocada dos portais, mas somente o punho
direito de Carlos atravessou-a junto à fechadura que acabou
sendo arrancada com um pontapé.
A primeira coisa que viu quando penetrou no camarote
foi Melanie completamente desnuda, jogada sobre o tapete
no chão, chorando convulsamente. Ashton estava a seu lado
e a contemplava com expressão indefinível, porém quando
seus olhos se desviaram para o recém-chegado só
expressavam terror.
— Espere... espere, Cervantes — conseguiu balbuciar
com muito custo. — Espere, nós podemos fazer um acordo e
você acabará quase tão rico como eu! Eu lhe darei o que
você quiser...
Carlos agora estava mais interessado na garota que
continuava soluçando em desespero. Ajoelhou-se junto dela
e encostou sua cabeça ao peito.
— Melanie... agora eu estou aqui e tudo vai ficar bem.
Só quando escutou a voz pareceu notar sua presença. A
moça abraçou-o com toda sua força e embora continuasse
chorando, seu choro agora se tornara menos convulso, e
continuava muito agarrada a ele.
— Acalme-se, lourinha, porque agora tudo está bem —
afastou-se suavemente de seu peito e enxugou as lágrimas
que corriam por seu rosto. — Agora, você já está calminha e
eu quero um sorriso.
Um sorriso muito tênue apareceu no rosto perolado de
lágrimas.
— Diga-me, ele violou-a?
— Não. Você chegou a tempo... porque, quando ouviu
seu... primeiro grito... assustou-se.
— Entendo. Agora fique calminha porque tudo passou.
Vou levar o iate para o porto e apresentar... Onde está
Raymond Ashton?
Este havia desaparecido do camarote. Cervantes
levantou-se e saiu correndo. Melanie enrolou-se nas roupas
esfrangalhadas e correu atrás dele.
— Deve ter saltado na água, Carlos.
— Claro que não. Antes poderia ter apanhado as armas
dos homens que estão desmaiados ou mortos e... voltar para
nos matar. Onde ele se meteu?
De repente, Carlos Cervantes sobressaltou-se ao pensar
no que Ashton poderia ter feito. Era um homem que se
considerava o máximo e, de um momento para o outro, via-
se irremediavelmente perdido.
Melanie pressentiu seus temores e perguntou:
— Carlos, o que está acontecendo?
— Pule na água! Depressa!
Ele mesmo levantou-a do chão e a lançou ao mar,
fazendo o mesmo em seguida.
— Nade para a lancha! Afaste-se do iate com rapidez!
Felizmente a jovem nadava admiravelmente e em menos
de um minuto, ambos chegavam à lancha, onde estavam dois
homens fortemente amarrados que olhavam com ódio para
Carlos.
— Quem são eles? — perguntou a moça com
curiosidade.
— Auxiliares de um dos traficantes de narcotóxicos que
deverão...
Carlos calou-se quando o estrondo da explosão ecoou
pela imensidão do mar. Ambos olharam para o “Mildred II”
que estava sendo estilhaçado em milhares de pedaços
incandescentes.
***
Na manhã seguinte, ele foi ao “Stranger” olhou para
Melanie e disse:
— Chegou a hora de nos despedirmos.
— Não! Você não pode ir embora! — murmurou a
garota.
— Claro que posso. Tudo terminou bem, cumpri com
minhas determinações e agora vou voltar para minha casa,
para meu trabalho na Cidade do México. Adeus, minha
lourinha!
— Certo! Sei que vai voltar para sua mulher!
— Nada disso. Sou solteiro e não tenho compromisso
com mulher alguma. minha lourinha.
— Então por quê vai embora?
— Vou embora porque tenho muito trabalho para
realizar. Há muitas coisas me aguardando, entende? Vou
embora com vontade de ficar — murmurou, beijando os
lábios juvenis que ela lhe oferecia e que o vinham tentando
há vários dias.
Depois saiu do salão e em seguida, do “Stranger”.
Enquanto andava pelo ancoradouro para chegar a lancha ia
pensando:
A vida é muito gostosa, mas tem um segredo que é
inexplicável a todos os homens. Carlos Cervantes. por
exemplo: É um sujeito que sempre sonhou com a felicidade
ao lado de uma mulherzinha especial e quando encontrou
esta mulherzinha que o poderia lazer feliz, despede-se dela
com um beijinho simplório. Quem me poderá explicar e
segredo da vida?
EPÍLOGO
Carlos Cervantes chegou à praia particular do Hotel Gran
Condessa precedido por um camareiro que o encaminhou até
o guarda-sol que sombreava o atleta que tinha o nariz
deformado, mas um olhar transbordante de bondade e
humanismo, porem seus olhos preferiram se fixar na mulher
de pele dourada que estava deitada em uma espreguiçadeira.
— Por quê está olhando para ela com tanto interesse? —
perguntou o tipo que tinha cara de boxeador.
— Vim porque recebi um recado da senhorita Montfort
— sorriu o desconhecido. — Sou Carlos Cervantes.
— Mentira! O carateca? — os olhos de Frankie
transbordavam de surpresa.
— Obrigada por ter vindo, senhor Cervantes — disse
Brigitte, levantando-se e lhe estendendo a mão com um belo
sorriso.
— Sou eu quem deve agradecer, pois jamais teria
oportunidade de conhecer a minha repórter predileta.
— É muito amável. Sentemo-nos. Quer tomar um
refresco? Ah, deixe-me apresentá-lo a Frank Minello, meu
me...
— Que surpresa! Também desejava conhecer o senhor
Minello que eu considero o melhor repórter esportivo do
mundo. Só lamento que não aprecie o caratê e nunca
comente sobre...
— Senhor Cervantes, eu só escrevo sobre os esportes que
me interessam — cortou Frankie abruptamente mal
segurando a mão que o outro lhe estendia.
Brigitte olhava para eles, reprimindo a risada que estava
prestes a explodir. Um camareiro passou perto deles e ela lhe
encomendou refrescos. Em seguida, sentou-se outra vez na
espreguiçadeira e olhou para o mexicano.
— Um amigo comum falou-me do senhor: o inspetor
Clarence Hadaway, do FBI.
— Conhecemo-nos há alguns anos, mas julgava que o
inspetor já nem mais se lembrasse de mim.
— Enganou-se, senhor Cervantes. Encontrei-me com ele
há poucos dias em Washington e quando casualmente falou-
se sobre o caratê... ele imediatamente citou-o.
— Vejo que o inspetor tem boa memória. Espero que
esteja bem de saúde.
— Esta é o que menos lhe falta — riu a espiã. — E
também continua a par de sua vida. senhor Cervantes, Sabe
que é arquiteto e uma pessoa que tem grande prestígio no
México: que seu maior desejo seria a construção de um
grande complexo que servisse de colégio e colônia de férias
para meninos mexicanos carentes.
— Exatamente, senhorita Montfort, mas creio que jamais
verei este sonho realizado. Tudo é muito caro e o dinheiro
continua escasso.
— Precisamente por isso vim ao México. Eu e Frankie
viemos para entregar-lhe um cheque que deverá ser usado na
obra de seus sonhos.
Brigitte pegou a bolsa, abriu-a e apanhou o cheque que
entregou a Cervantes. O carateca passou os olhos pelo valor
e chegou a engolir em seco, enquanto Seus olhos
transbordavam de emoção.
O camareiro chegou com os refrescos e os deixou em
cima da mesa, afastando-se em seguida. Frankie entregou um
copo à Brigitte e pós outro na frente de Carlos Cervantes que
continuou estático como que petrificado.
— Prove o refresco senhor Cervantes. Está ótimo —
pediu a espiã.
— Senhorita Montfort, nesse momento eu não me sinto
em condições de engolir nada... Cada vez que me deparo
com um anjo autêntico sinto um nó crescer em minha
garganta e só consigo murmurar: Muito, muito obrigado!

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