Você está na página 1de 61

Sinopse

Todas as noites nos sonhos de Nyx, ela


viaja para um reino lindo e infernal onde é
forçada a lutar por sua vida contra vampiros,
bruxas e outros sobrenaturais. Ela logo percebe
que alguns pesadelos são reais - e que não há
nada mais perigoso do que seu passado
esquecido.
1
Fiquei na frente da máquina de café,
esperando que ela produzisse minha terceira
xícara de cafeína concentrada desde o
almoço. Eu não tinha dormido bem na última
semana. Sim, adormeci muito bem. Na
verdade, eu mal conseguia lutar contra a onda
de exaustão que se abatia contra mim agora,
às quatro e meia da tarde. O problema não era
adormecer; era o que acontecia
depois disso. Todas as noites em meus sonhos,
eu tinha que lutar por minha vida. E a coisa
era tão real, eu não estava mesmo certa que
eram apenas sonhos.
Bati com o dedo do pé no ritmo do meu
pulso impaciente, os cliques afiados de sapatos
sociais contra os ladrilhos de cerâmica ecoando
na sala aberta, estalando sobre os passos
arrastados dos dois homens em uniformes
escuros da polícia vindo em minha
direção. Eles carregavam o que parecia ser um
canhão portátil entre eles. Deveria ser a nova
artilharia anti-vampiro que o Departamento
de Polícia de Portland ordenou. Pelas faces
vermelhas e enrugadas dos homens, o
canhão era tão pesado quanto
parecia. Quando eles passaram por mim, Ben,
o homem que carregava a metade de trás, me
lançou um sorriso. Sorri de volta, e ele
tropeçou, perdendo o controle. Minhas mãos
dispararam - rápida e instintivamente - e
peguei sua ponta do canhão.
— Uh, obrigado, Nyx, — disse Ben, suas
bochechas coradas.
Seu olhar traçou os contornos delgados dos
meus braços. Eu não parecia muito forte, mas
conseguia levantar mais do que qualquer
pessoa na estação. Era um mistério. Eu não
levantava pesos. Tentei correr uma vez, mas
só me assustou. Corri muito rápido. Não era
natural. Não era humano. Não tinha ideia de
onde vinha minha força e velocidade. Na
verdade, eu nem sabia quem eu era antes de
acordar nua em um beco escuro em Portland,
cinco anos atrás. Considerando que estava
coberta de sangue da cabeça aos pés, pensei
que nem queria saber.
O que quer que tenha acontecido comigo
antes, esta era minha vida agora. Depois de
lavar o sangue no rio, descobri uma pequena
tatuagem no meu quadril: alguns redemoinhos
decorativos com a palavra “Nyx” no meio. E
esse é o nome que dei à dupla de policiais que
me encontraram andando nua e atordoada ao
longo da margem do rio.
Esses dois homens na minha frente agora
não estavam na força policial naquela época,
então eles não me conheciam pela minha
nudez à meia-noite. Eles só me conheciam pela
minha força bizarra. Eu também era boa em
consertar coisas. Sempre que algo quebrava
na estação, eles me chamavam para
consertar. Talvez eu tenha sido um mecânico
na minha vida anterior.
— Nós realmente temos que colocar esse
canhão montado no telhado, — Mac, o outro
policial, me disse.
— Oh, claro, — eu disse rapidamente,
passando a carga de volta para Ben. Há
quanto tempo eu estive parada ali,
estupidamente, segurando aquela coisa?
Os dois policiais carregaram o canhão em
direção ao elevador e levei meu café de volta à
minha mesa. Valerie, uma das outras
secretárias que trabalhava neste turno, deu-
me um sorriso malicioso quando me sentei.
— O que? — Perguntei, alisando as rugas
da minha saia.
Seu sorriso se alargou. — Ben gosta de
você.
Valerie era uma fofoqueira entusiasmada
e uma casamenteira incorrigível, mas tinha
um bom coração. Ela só queria fazer as
pessoas felizes.
— Ele é muito jovem, — eu disse a ela,
bebendo meu café.
— Você também parece muito
jovem, Nyx . Eu juro que você não envelheceu
um dia em cinco anos. Você usa Age of
Innocence?
Age of Innocence era o mais recente creme
anti-envelhecimento a chegar ao mercado. Foi
feito por bruxas e, ao contrário da maioria dos
produtos concorrentes, aparentemente
funcionou. Se você pudesse pagar. O material
custava mais de cem dólares por uma pequena
garrafa.
— Não, eu não uso Age of Innocence, — eu
disse a ela.
Valerie já estava avançando para o meu
próximo potencial jogo. — Que tal Liam?
— ela perguntou, seus olhos cintilando para o
detetive persuadindo a máquina de café a
acordar.
— Muito velho.
— E Will? — ela perguntou quando um
policial com o corpo de um levantador de peso
profissional passou por nossas mesas.
Tínhamos jogado esse jogo tantas vezes
antes, mas eu respondi mesmo assim: — Muito
casado.
— Que tal ele?
Segui seu olhar para o homem que tinha
acabado de entrar na sala. Bem,
talvez caminhar fosse a palavra errada. Ele
realmente era uma besta de homem. Ele
estava vestido com um par de jeans e uma
camiseta sem mangas que exibia braços
musculosos completamente cobertos por
tatuagens - tatuagens que faziam os
redemoinhos decorativos em meu quadril
parecerem minúsculas gotas de tinta. Ele ficou
parado como uma pedra entre os dois policiais
que estavam tendo dificuldade em puxá-lo
junto com eles.
— Ei, você aí, — ele disse, parando para
bater com as mãos algemadas na minha
mesa. Seus olhos escuros encontraram os
meus, e não importa o quanto os policiais o
puxassem, ele não se mexeu. — Quer tomar
uma bebida comigo, Branca de Neve?
Ele não foi a primeira pessoa que me
chamou assim. Ele nem era o
centésimo. Entre meu longo cabelo preto e
minha pele clara, eu podia ver por que as
pessoas me apelidaram em homenagem
àquela princesa de conto de fadas.
—Isso depende, — eu disse a ele. — Você é
o Príncipe Encantado?
A diversão brilhou em seus olhos. — Eu
poderia ser para você. — Ele cambaleou para
o lado quando um dos policiais o atingiu . —
Pense nisso, princesa, — ele gritou enquanto o
arrastavam.
Rindo, me virei na cadeira - e encontrei o
sorriso largo de Valerie.
— Muito delinquente, — falei a ela.
Ela suspirou. — E quanto ao Nate? —
perguntou, referindo-se ao mais novo membro
da força policial.
— Muito magro. Eu poderia pressioná-lo
no banco com meu dedo mínimo. —
— Bem, você não é uma Goldilocks1
normal. Tão exigente! — Seus olhos se
fixaram em outro policial do outro lado da
sala. — Que tal August? Ele não é muito
jovem, nem muito velho, nem muito casado,

1 Termo utilizado para alguém que experiementa várias opções até encontrar a “certa”.
nem muito delinquente, nem muito magro. Ele
está certo. Em todos os lugares certos. — Ela
mexeu as sobrancelhas.
Olhei para ele de cima a baixo. — Muito
paranormal, — declarei.
— Você está brincando comigo.
— Não, não estou, — falei. — Ele é um
lobisomem.
— Como você sabe? Você é uma telepata ou
algo assim?
— Não, mas uma de nossas colegas é.
Seu nome era Melanie e ela era outra das
secretárias da estação. Mas eu não ia dedurá-
la. Havia apenas uma escolha na vida para os
telepatas: ficar à serviço dos deuses. Se eu
contasse às pessoas sobre ela, nunca mais a
veríamos.
O queixo de Valerie caiu. — Não me diga
que também temos uma fada.
— Não. Mas existe um vampiro entre nós.
Ela balançou a cabeça. — Eu não acho que
quero saber.
Sorri para ela. — Você está certa. Você não
quer saber. E não é quem você pensa.
— Kipling.
— Não, ele é um bruxo.
Ela piscou surpresa. — Há alguém normal
neste escritório?
— Oh, quase todos aqui são
completamente humanos. — Felizmente.
— Mas Kipling? Ele é um bruxo? De jeito
nenhum. Eu até saí com ele algumas vezes.
— O que aconteceu?
— Nada. O problema foi que simplesmente
não somos compatíveis. Ele é... excêntrico.
— O sorriso voltou ao rosto dela. — Ei, talvez
devesse sair com ele. Você também é
excêntrica.
— Caramba, valeu.
— Eu não quis dizer isso de uma maneira
ruim, Nyx, — ela acrescentou
apressadamente. — Claro que ele é um pouco
diferente se for um bruxo. E você é, uh,
diferente também. Talvez vocês dois tenham
algo em comum.
— Quero ficar longe dos sobrenaturais.
A primeira lembrança que tive era de cinco
anos atrás. Enquanto as memórias vinham, as
imagens persistentes de
dois sobrenaturais passaram pela minha
cabeça. A memória estava confusa, mas eu não
precisava de muito para entender a essência
dela. Os dois homens me
atacaram. Brutalizarem-me. E então, eles me
deixaram para morrer. Eu nem sabia que tipo
de sobrenaturais eram - apenas que eram
fortes, rápidos e cruéis. Tudo o que eu sabia
era que não queria ter nada a ver com o mundo
paranormal. Sobrenaturais eram a razão pela
qual eu tinha apenas uma memória da minha
vida antes de acordar naquele beco escuro: a
memória daqueles homens me espancando até
sangrar. Estremeci, tentando libertar minha
mente daquelas imagens paralisantes
nascidas do medo e do desamparo.
Um pouco da minha dor deve ter aparecido
no meu rosto porque Valerie colocou o braço
em volta de mim. — Não se preocupe,
querida. Encontraremos para você um cara
legal e normal.
O problema era que eu não era
normal. Nem um pouco. E meu passado
sobrenatural estava prestes a mostrar sua
cara feia.
2
Após o trabalho, andei até o meu
apartamento de um quarto. Era velho e
pequeno e meio frio, mas nada podia superar a
vista. Eu levei um momento para ficar na
janela e desfrutar enquanto acariciava meu
gato Twilight. Milhões de minúsculas faíscas
dançaram na superfície do rio - reflexos
dispersos da lua, as luzes da cidade e a enorme
parede verde brilhante do lado de fora dos
limites da cidade. Além daquela parede de
pedra e magia ficava a Planície dos Monstros.
Duzentos anos atrás, uma guerra havia
ocorrido na Terra, uma guerra entre deuses e
demônios. Os deuses venceram e levaram os
demônios de volta ao inferno, mas os monstros
permaneceram. Incapazes de destruir as
bestas que invadiram metade do planeta, os
deuses construíram vastas paredes entre a
civilização e as terras selvagens. A maioria
das cidades ao longo da muralha - uma área
chamada de Fronteira - era pequena e
degradada, mas algumas cidades
resistiram. Portland foi uma delas. No que diz
respeito às cidades da Fronteira, estávamos
bem. Não tínhamos nada da justiça estilo
cowboy ou da tecnologia a vapor antiquada que
caracterizava outras cidades
fronteiriças. Nossa cidade era agradável,
organizada e totalmente movida a Magitech, o
vapor mágico que fazia tudo funcionar,
incluindo pequenas e adoráveis amenidades
como aquecimento e eletrodomésticos. Graças
a Deus por isso.
O inverno havia chegado de repente
hoje. Tremendo em minha blusa e saia finas,
fui para o fogão para esquentar meu luxuoso
jantar: sopa de macarrão de frango. Uma
rápida olhada pela janela da cozinha me disse
que havia começado a nevar. Enquanto
Twilight ronronava e se esfregava contra
minhas pernas, assisti flocos de neve gordos
caindo como penas de anjo do céu. Era tão
lindo, tão hipnótico. Tão frio. A geada estalou
por dentro da vidraça. Olhei para baixo para
encontrar minha própria mão pressionada
contra o vidro, uma teia de gelo se espalhando
da minha palma. Retirei minha mão
rapidamente e fechei os olhos, contando
lentamente a partir de dez. Quando abri os
olhos novamente, a geada havia
sumido. Talvez eu estivesse imaginando
coisas. Ou talvez eu estivesse apenas
enlouquecendo.
A concha de sopa balançava em minha
mão trêmula. A coloquei no balcão antes de
perder meu controle e a deixar cair sobre o
gato.
— O que eu sou? — Perguntei a ela.
Um ronronar alto retumbou em seu peito,
como o motor de um carro.
— Eu sou tão forte quanto um vampiro ou
um shifter. Posso lançar feitiços como um
elemental. E posso consertar
as máquinas Magitech no escritório como só
uma bruxa pode. O que quer que eu seja, não
é humano.
Twilight miou, como se ela aprovasse de
todo o coração o meu status não humano. Ou
talvez ela estivesse apenas impaciente para
jantar. Enchi duas tigelas com sopa e as levei
para a mesa de centro. Eu colocaria frango
extra na tigela de Twilight do jeito que ela
gostava. No momento em que coloquei seu
jantar na mesa, ela se lançou sobre ele, sua
língua rosa lambendo a sopa com fome voraz.
— Obrigado por ser uma boa ouvinte, — eu
disse a ela, acariciando suas costas.
Talvez falar com seu gato fosse um sinal
precoce de demência iminente, mas não me
importei. Não havia mais ninguém com quem
eu pudesse falar sobre minhas habilidades
estranhas. Claro, as pessoas no trabalho
tiveram vislumbres da minha força anormal,
mas eles não sabiam da metade, nem mesmo
Valerie. E também não pude contar a
ninguém. No momento em que eu fizesse isso,
a Legião dos Anjos, a mão da justiça dos
deuses, se precipitaria e me carregaria para
me picar, me cutucar e me torturar até que
descobrissem o que eu era. Todos estavam com
medo da Legião e por um bom motivo. Cada
um deles era um assassino brutal.
Empurrando os pensamentos sobre a
Legião para longe de minha mente, levantei
minha colher para enfrentar meu próprio
jantar. Mas eu não estava com fome. Senti a
fadiga subindo na periferia da minha
consciência, preparando-me para atacar. Eu
teimosamente tentei segurá-la, mesmo
sabendo que era inútil. Esta não era uma
batalha que eu poderia vencer. Havia algo
mágico sobre essa onda de exaustão - algo
sombrio. Entre um momento e o próximo,
minhas pálpebras mergulharam na
escuridão. Quando os abri novamente, estava
em um mundo maravilhoso e horrível.
Eu estava dentro de um bosque de árvores
altas, cada uma pingando com folhas de prata
pura. Minhas roupas de trabalho foram
substituídas por uma malha com uma saia de
chiffon cintilante e um par de asas fantasiosas
brilhantes presas às minhas costas. Eu usava
chinelos prateados nos pés com fitas azuis
claras que se cruzavam até os joelhos, onde
terminavam em grandes laços com babados.
O tilintar suave de pequenos sinos soou e
outra mulher saiu do meio das árvores. Ela
estava vestida como eu, exceto que suas fitas
eram rosa em vez de azul. Não a reconheci, o
que significava que ela era nova neste
pesadelo.
— Onde estou? — ela perguntou, olhando
ao redor em confusão. Seus olhos caíram sobre
suas vestes. — E por que estou vestida como
uma bailarina?
As batidas e cliques de pesados de
instrumentos de percussão tocavam à
distância, lindos, ferozes e inegavelmente
mágicos. Como o canto de uma sereia, eles
estavam me chamando para eles. O som era
quase irresistível, atingindo-me em um nível
profundo e primitivo que se misturou à música
da minha alma. Eu queria resistir, realmente
queria. Mas não adiantava. Não importa o que
eu fizesse neste pesadelo recorrente, sempre
acabava naquele mesmo buraco horrível.
A mulher já estava seguindo a música, seu
medo derretendo em puro espanto enquanto as
árvores prateadas davam lugar às de ouro, e
então às árvores carregadas de diamantes
cintilantes. No que diz respeito aos pesadelos,
este era certamente lindo.
— Qual o seu nome? — Perguntei a ela,
caminhando ao lado dela.
— Fern.
— Ok, Fern. Preciso que você me escute
com muita atenção. — Mantive meus olhos
firmes no caminho à nossa frente. As árvores
estavam diminuindo. Estávamos quase lá. —
Você não pode fugir, não importa o que veja.
— Por quê? — Sua voz era quase um
sussurro. — O que vai acontecer?
Pude ver mais mulheres caminhando pela
floresta agora, doze de nós ao todo, cada uma
de nós vestida com uma malha de dança. Não
tinha muito tempo.
— Apenas me prometa que você não vai
fugir.
— Ok, — ela murmurou.
Todas nós saímos da floresta para uma
clareira. Um grande pavilhão, decorado com
flores brilhantes e cordões de pedras preciosas
cintilantes, projetava-se do campo
gramado. Também era lindo. Era o que estava
dentro de suas paredes que me dava
calafrios. Era onde eu e outras onze mulheres
éramos forçadas a lutar por nossas vidas todas
as noites.
— Depressa, anjos, — disse o homem
parado em frente ao pavilhão.
Anjos - é assim que eles nos chamam. Os
doze anjos dançantes. Todas as noites, eles nos
embonecavam com lindas fantasias e nos
faziam lutar para sobreviver. Aqueles que
conseguiam voltar mais uma noite para lutar
novamente. Chame de uma grande
recompensa.
— Rápido, agora, — disse o homem. Ele
tinha o couro cabeludo raspado e usava um
colete minúsculo que expunha o peito nu. Suas
calças estavam soltas e esvoaçantes, e seus pés
descalços. Em sua mão, ele segurava um
grande cajado.
Olhei com ódio para aquele cajado e
rapidamente entrei no pavilhão para entrar na
arena. Além da cova arenosa onde estávamos,
dezenas de espectadores encheram as
arquibancadas, rindo e festejando enquanto
esperavam pelo início do banho de sangue.
Mais dois homens com a cabeça raspada
pararam logo depois da porta. Eles nos
encurralaram em uma pequena caixa de vidro
ao lado do Poço. A nota longa e estridente de
uma trombeta perfurou a tagarelice do
público. A porta do outro lado do pavilhão se
abriu e um vampiro entrou no Poço. À minha
volta, Fern e outras cinco gritaram. O resto de
nós - aquelas que viveram este pesadelo antes
- apenas observamos o vampiro com cautela.
— Você, — disse um dos homens carecas,
apontando para uma mulher com tranças
loiras. — Você vai para o poço.
A mulher loira agarrou-se ao mastro da
tenda para salvar sua vida.
— Não vou perguntar de novo, — disse ele,
enquanto um raio azul ganhava vida em seu
cajado.
Ela olhou do relâmpago azul para o olhar
frio nos olhos do homem. Era a aparência de
um assassino de sangue frio, alguém que não
dava valor à vida humana. O homem estava
totalmente preparado para matar qualquer
uma de nós e nem mesmo perderia o sono por
causa disso. Eu o tinha visto fazer isso antes.
A mulher deve ter reconhecido aquele
brilho maligno em seus olhos também. Ela
tirou as mãos do mastro e, com passos
trêmulos, saiu da caixa de vidro. Assim que a
porta se fechou atrás dela, a cabeça do vampiro
virou-se para ela. O brilho azul prateado da
fome deslizou sobre seus olhos, e ele lambeu os
lábios, lentamente, languidamente, como se
quisesse dizer que era exatamente assim que
iria matá-la. Ela deu uma olhada no vampiro,
então se virou e correu.
Ela não foi longe.
Um dos guardas saltou em seu caminho e
bateu a ponta de seu cajado contra seu
estômago. Um raio azul saiu do ponto de
impacto, envolvendo seu corpo. Ela ficou
suspensa por um momento, depois caiu no
chão arenoso. Tremendo, convulsionando, ela
tentou se levantar, mas era muito lenta. O
vampiro já estava sobre ela. Apesar de sua
promessa silenciosa, seu fim foi rápido e
sangrento.
— Oh, deuses, — Fern murmurou ao meu
lado, balançando para frente e para trás em
seus calcanhares, enquanto se abraçava com
força.
Ninguém mais correu. Das seis novas
mulheres, apenas duas sobreviveram ao
Pit. Fern não estava entre elas. Depois disso,
três das minhas colegas gladiadoras lutaram
contra uma bruxa, uma lutou contra uma
sereia e o outra lutou contra um elemental.
E então foi minha vez. Esta era minha
nona noite aqui, minha nona batalha. Eu já
lutei com um vampiro e uma bruxa e uma
sereia - e todos os tipos de
outros sobrenaturais . Esta noite, enfrentei
uma telepata. Lutar contra alguém que podia
ler seus pensamentos e prever cada
movimento seu não foi fácil, mas isso não foi
nada comparado com a enxurrada de ruído
mental que ela explodiu em minha mente
durante toda a maldita batalha.
Seja por sorte ou simplesmente graças aos
meus inexplicáveis poderes, sobrevivi. Quando
meu oponente caiu diante de mim, o Poço
desvaneceu em uma lufada de magia,
substituído por um grande salão de baile
decorado para um baile real. Mesas de bufê
abarrotadas de comida e arranjos florais
surgiram do ar. A platéia e os guardas
desapareceram, com garçons e músicos
tomando seu lugar. A orquestra começou a
tocar uma valsa e príncipes vestidos com
ternos coloridos e faixas se curvaram para nós,
as cinco sobreviventes. Pegamos suas mãos
estendidas, permitindo que nos levassem para
a pista de dança.
Nós giramos e giramos e giramos, nossas
vestes se transformando em longos vestidos de
baile. Um cheiro doce e picante ondulou no ar,
me enchendo de uma euforia que rivalizava
com meu medo anterior. Meus pés estavam
leves, meu coração erguido. Eu podia sentir a
magia deste lugar correndo em mim, me
tornando mais forte. Todas as noites meus
poderes aumentavam, não só aqui, mas
também no mundo real. Eu estava me
tornando outra coisa, algo mais.
Meu príncipe me afastou e, quando voltei,
um novo parceiro estava em seu lugar. Ele
estava vestido como os príncipes - mas de
alguma forma diferente. Todos os príncipes
pareciam iguais, como se você pudesse trocar
qualquer um deles por outro e realmente não
notar a diferença. Mas este homem tinha uma
aura própria. Seus olhos azuis brilhavam com
uma inteligência que faltava aos
príncipes. Havia também uma cicatriz
desbotada em um lado do rosto, uma mancha
faltando nos rostos perfeitos dos príncipes.
— Concede-me esta dança? — ele me
perguntou, sua voz baixa e sombria. E sexy
como o inferno.
— Claro, — sussurrei.
Ele pegou minha mão e me levou para uma
curva. — Eu sou Leon.
— Nyx.
— É um prazer conhecê-la, Nyx. — Meu
nome escorregou de sua língua como mel. Seus
olhos queimaram com uma intensidade que
quase me cegou. Sua mão roçou minha
bochecha corada. — Tão bonita.
— Eu... eu não vi você aqui antes.
— Ninguém jamais conseguiu chegar ao
nono nível. Quando soube de seus triunfos,
tive que vir ver por mim mesmo. E você é tão
magnífica quanto eles me disseram.
— O que é este lugar?
— Eu o criei.
— Por quê?
— Tenho procurado por alguém especial.
— Ele levou minha mão aos lábios. — Vocês.
Minha pele zumbindo, inclinei-me contra
ele.
— Eu estive procurando por você por muito
tempo, Nyx.
Suas palavras eram inebriantes, seu toque
acendendo, acordando-me do meu sono de
cinco anos. Imagens dele - de nós juntos -
passaram pela minha cabeça.
— Eu conheço você? — Perguntei a ele.
Ele beijou minha bochecha. — Ainda
não. Você não está pronta.
— Pronta para que?
— Sua magia deve primeiro ser
desbloqueada.
— Que magia? O que eu sou? Que diabos
está acontecendo aqui? — Exigi.
— Mais uma noite e então explicarei tudo.
— Que tal você explicar isso agora.
— Minha cabeça estava clareando, minha
vontade cortando a névoa que estava tentando
me fazer feliz e complacente. — Qual o jogo
que você está jogando? Por que você matou
todas aquelas mulheres?
— É só um sonho. Elas não estão
realmente mortas, — disse ele, virando-se
para sair.
— Mas por que você está nos trazendo
aqui?
Ele olhou por cima do ombro. — Isso nunca
foi sobre elas, Nyx . Sempre foi sobre você.
Eu nem sabia o que isso queria dizer, mas
antes que pudesse dizer a ele para parar de
falar em enigmas, Leon desapareceu no ar.
3
Acordei na manhã seguinte, cansado e
dolorido. Enquanto eu jogava água no rosto em
frente ao espelho do banheiro, percebi um
hematoma crescendo sob a pele do meu
queixo. Foi exatamente onde o telepata
desferiu um golpe forte durante nossa luta na
noite anterior. Se realmente
não corríamos perigo naquele mundo dos
sonhos, como Leon alegou, então por que eu
estava machucada? E esta não foi a minha
primeira contusão ou arranhão na Arena nas
últimas nove noites, embora minhas feridas
sempre cicatrizassem antes do fim da
manhã. Seu rápido desaparecimento era
quase tão estranho quanto o fato de que
apareciam, para começar.
Eu era essa suspeita de que algo sinistro
estava se formando - e que tinha algo a ver com
meu passado. Talvez fosse arrogante pensar
que tudo isso era sobre mim, mas Leon não
disse exatamente isso?
Dei uma segunda olhada em mim mesma
no espelho. Deuses, eu parecia terrível. Além
do hematoma que se espalhou pela minha
mandíbula, mergulhando no meu pescoço,
meus olhos estavam vermelhos, inchados e
dentro de sombras escuras. Eu realmente
precisava de um cochilo. Pensei em ligar para
o trabalho dizendo que estava doente, mas de
que adiantava? Cada vez que adormecia,
acordei ainda mais exausta do que
antes. Então tentei cobrir a bagunça que
estava em meu rosto da melhor maneira que
pude, depois fui para a delegacia.
Havia uma cesta de muffins ao lado da
máquina de café. Peguei um de mirtilo,
mordiscando enquanto esperava meu café
ficar pronto. Verdade seja dita, eu não estava
com muita fome, mas precisava comer alguma
coisa. Meu corpo precisava de comida para
lutar, e isso é o que eu estaria fazendo assim
que adormecesse esta noite - gostasse ou não.
— Dormiu tarde da noite? — Valerie me
perguntou quando me sentei à minha mesa.
Ela não tinha ideia. Mas não pude contar
a ela para onde fui quando fechei os olhos à
noite. Essa confissão era uma passagem só de
ida para uma cela acolchoada - ou, pior ainda,
uma sessão de interrogatório com a Legião dos
Anjos.
— Não estou dormindo bem, — disse
evasivamente.
— Você deveria experimentar Honey, —
ela disse. — É uma nova bebida do coven das
bruxas da meia-noite. Um gole e você dorme
como um bebê.
Adormecer não era o problema. Era o que
acontecia depois disso.
— Obrigado, — eu disse de qualquer
maneira. — Talvez eu tente isso.
A porta se abriu e nossa colega Melanie
entrou na sala, seus olhos desanimados
inchados e vermelhos. Valerie e eu nos
levantamos imediatamente, indo até ela.
— Ela se foi. — gritou Melanie, com o peito
tremendo. — Ela se foi.
— Quem? — Perguntei enquanto Valerie
colocava seu braço em volta de Melanie.
— Minha irmã. Eu a encontrei em sua
cama. Morta. — A palavra saiu de sua boca,
seguida por uma torrente de soluços.
Valerie estava zumbindo na linha de
telefone de Liam. Um momento depois, a porta
do detetive se abriu e ele correu em nossa
direção.
— Por favor, — disse Melanie, agarrando
a gola da minha blusa. — Você tem que me
ajudar. Minha irmã foi assassinada.
— Como você sabe? — Perguntei.
— Porque eu a vi morrer.
Melanie era uma telepata. Algumas
pessoas os chamam de Fantasmas. Eles não
apenas liam mentes. Eles também podiam se
conectar com as mentes das pessoas que
amavam, vendo através de seus olhos, mesmo
que estivessem longe. Se ela experimentou a
morte de sua irmã em primeira mão, então não
era de admirar que sua mente estivesse
rachando. Para ela, seria como se ela própria
estivesse morrendo.
— Melanie, — Liam disse, colocando a mão
suavemente em seu braço.
Mas Melanie não me largou. Ela se
agarrou como se estivesse se afogando. —
Você sabe. — Ela olhou para mim, seus olhos
implorando por confirmação de que ela não era
louca. — Veja. — Ela soltou uma das mãos,
enfiando a mão no bolso. Ela puxou uma foto,
empurrando-a na minha cara. — Minha irmã.
Fern, a mulher que eu conheci no bosque
de prata na noite passada, olhou para mim da
fotografia. Um nó duro se formou em meu
estômago.
— Um vampiro rasgou minha irmã em
pedaços! — Melanie gritou de horror. — Havia
sangue por toda parte!
— Deixe-me mostrar meu escritório, —
Liam disse em um tom suave.
Ela encontrou seus olhos e franziu a
testa. — Eu não sou louca, — ela enfatizou a
última palavra. — Eu sei o que vi.
— Tenho certeza que sim.
— Não, você está pensando que perdi a
cabeça e que precisa ligar para o psicólogo do
departamento assim que me colocar em algum
lugar onde eu não possa fazer uma cena.
O sorriso amigável do detetive vacilou e
seus olhos se desviaram culpados.
— Minha irmã foi assassinada, — ela
disse, seus lábios zumbindo com um rosnado
baixo. — Então, vou fazer o máximo de cena
possível até você parar de se preocupar com o
quão louca eu sou e começar a procurar por
quem a matou!
— Nós cuidaremos daqui, detetive.
Olhei para cima para ver duas mulheres e
um homem entrando pela porta. Cada um
deles vestia um macacão de couro preto e cada
um usava uma espada nas costas. Eles se
moviam com suprema confiança, como se
assim que entrassem em uma sala, eles a
possuíssem por completo. Eles estavam
certos. Fiquei lá, congelada, boquiaberta com
os três soldados da Legião dos Anjos. Ao meu
lado, a boca de Valerie se abriu surpresa.
A mulher na frente, que usava um
pequeno alfinete de flor de platina no peito,
acenou para Melanie. Como se estivesse em
transe, nosso colega obedeceu à convocação do
soldado.
— A Legião agradece sua cooperação, — o
soldado com alfinetes de flores nos
disse, então todos se viraram e partiram,
Melanie seguindo atrás deles.
O silêncio reinou na estação. Ninguém
disse nada. Ninguém se moveu. Quase não
respiramos.
— Uau, — Valerie finalmente
engasgou. — A Legião dos Anjos. Aqui.
— Isso não é uma coisa boa, — Liam disse
a ela sabiamente. — A Legião não sai por
qualquer coisa. O que quer que eles queiram
com Melanie, não pode ser bom para ela.
Não, não era. Se eles percebessem que
Melanie era uma telepata, eles a forçariam a
servir aos deuses. E se eles descobrissem sobre
o mundo dos sonhos , eu estaria em
apuros. Leon disse que o mundo dos sonhos foi
feito apenas para mim, e não havia dúvida em
minha mente que a Legião usaria qualquer
meio necessário para descobrir o porquê, até
mesmo me torturando.
4
Quando entreu no Pit naquela noite em
meus sonhos, Leon estava esperando por
mim. Minha surpresa ao vê-lo ali quase
superou minha raiva.
— Mentiroso, — rosnei enquanto nossas
espadas se chocavam.
Aprendi há dez noites que poderia, de fato,
lutar com uma espada. Parecia cada vez
menos provável que eu tivesse sido algo tão
inócuo quanto um mecânico em minha vida
passada. Na verdade, meu corpo passou pelos
movimentos da batalha com eficiência brutal,
como se eu tivesse sido feita para nada
mais. Esse pensamento era tão perturbador
quanto o próprio mundo dos sonhos.
— Quando menti para você, Nyx?
— ele perguntou, um sorriso fácil em seu
rosto, enquanto aparava meus golpes.
— Você disse que era apenas um sonho,
que nada do que aconteceu aqui era levado
para o mundo real. — A raiva pulsou pelo meu
corpo, alimentando meus ataques. — Esta
manhã, a irmã de uma de suas vítimas nos
disse que Fern está morta.
— Isso não era para acontecer. Cometemos
um erro.
— Explique, — grunhi com os dentes
cerrados.
— A garota era telepata, — disse ele. —
Nós não sabíamos disso.
— O que a magia dela tem a ver com
alguma coisa?
— Tem tudo a ver com isso. Um telepata
experimenta o mundo dos sonhos de
maneira diferente dos outros. Ao contrário dos
outros, um telepata se lembra de tudo o que
acontece aqui. Seu verdadeiro eu e sua metade
dos sonhos estão ligados.
— Então, quando ela morreu aqui, —
comecei.
— Ela morreu no mundo real—,
concluiu. — Nyx , você tem que acreditar em
mim. Nunca tive a intenção de que ela
morresse.
— Todas as manhãs, nos últimos nove
dias, acordei com hematomas e
arranhões. Você está dizendo que eu também
sou uma telepata?
— Não, você é algo mais, — ele evitou.
— O que eu sou?
— Uma de cada tipo.
— Estou cansada dos seus jogos, —
rebati. — Você é um mentiroso e um assassino.
Ele estremeceu com a minha acusação - ou
talvez tenha sido uma reação à minha lâmina
cortando seu ombro. Era uma ferida
superficial e sarou instantaneamente quando
ele bateu com o dedo nela.
— O que você é? — Exigi, atacando
novamente.
— Você sabe o que eu sou.
— Um monstro. Você nos traz aqui todas
as noites. Você nos força a lutar por sua
diversão. Fern não foi a primeira a morrer, foi?
— Tudo que eu fiz, eu fiz por
você, Nyx . Por nós.
— Que diabos você está falando? Nem te
conheço.
— Você conhece, disse ele. — E assim que
eu libertar sua mente, você me reconhecerá
novamente.
Ele estendeu a mão, liberando uma
explosão psíquica que bateu com força no meu
corpo, atirando-me através do Poço. Minhas
costas bateram na parede de vidro, tirando o
ar dos meus pulmões. Caí no chão, manchas
pretas dançando na frente dos meus
olhos. Minha cabeça girou e meus ossos
rangeram em protesto enquanto eu me
levantava.
— Talvez eu não queira conhecer alguém
que está tentando me matar, — falei.
— Estou tentando te libertar da maldição
sobre você.
Ele disparou para frente, rápido como um
raio. Minha mão disparou e bateu em seu
punho, então investi novamente, acertando
um golpe na lateral de sua cabeça. Quando
minha pele roçou contra a dele, um fluxo
confuso de memórias mutiladas me
inundou. Pisquei para o homem na minha
frente. Eu o conhecia. De alguma forma.
— Você está começando a se lembrar, —
disse ele, um sorriso tocando seus lábios,
enquanto uma visão de nós nos beijando
passou pela minha mente. — Só um pouco
mais.
Balancei minha cabeça, tentando me
concentrar. Quando minha visão embaçada
clareou, o Poço havia sumido. Leon e eu
estávamos no centro de um salão de baile
inundado de flores e magia. Eu usava um
vestido de tango vermelho costa nua que
ressaltava minhas curvas; ele usava um terno
preto que se estendia por seu corpo como
escuridão líquida. Uma sugestão daquela doce
especiaria familiar permaneceu no ar,
eletrificando meus sentidos. A mão de Leon se
fechou em torno da minha e ele me fez uma
curva fechada. Um tango em staccato nítido
soava da orquestra.
Leon me jogou em um mergulho. — Nós
dançamos assim antes, meu amor, — ele disse
em um sussurro baixo que zumbiu contra
minha pele.
Ele me puxou de volta, me guiando pelo
chão. Música e magia pipocaram dentro da
minha cabeça como pequenos fogos de artifício,
cada pulso deleitando meus sentidos. Pela
primeira vez em cinco anos, me senti
acordada. Viva. Eu estava apenas seguindo os
movimentos da vida, existindo, mas não
vivendo realmente. Algo estava faltando o
tempo todo.
— Lembre-se, Nyx . Lembre-se de nós, —
ele disse, passando a mão pelos meus quadris
e depois subindo pelo meu braço. Fechou em
torno da minha mão, me fazendo girar com
força. — Lembre-se quem você é. — Suas
palavras caíram contra meus lábios.
Em minha mente, eu nos vi treinando
juntos, lutando juntos. Eu o chutava para o
chão. Quando me inclinei para ajudá-lo
novamente, sua mão disparou, seus dedos
fechando em volta do meu pulso. Antes que eu
pudesse me mover, ele me jogou no chão. Ele
prendeu minhas mãos com as dele e prendeu
minhas pernas sob seus joelhos. Sua boca
desceu dura e quente em meus lábios,
devastando o interior dela com a fome de um
homem faminto.
E então ele simplesmente se foi, arrancado
de mim. Uma sombra escura pairou sobre ele,
a raiva girando como uma tempestade de fogo
ao redor dos dois. A figura sombreada se virou
para olhar para mim.
Antes de ver seu rosto, saí da memória. O
solavanco me fez pisar em falso na pista de
dança e meus tornozelos desabaram. Leon me
pegou antes que eu caísse.
— Você está quase lá, — disse ele,
acariciando minha bochecha com a mão. — Só
mais um pouco até você se lembrar. — Seus
olhos dispararam para um ponto além do meu
ombro. — Um segundo, meu amor. — Ele
pressionou sua testa contra a minha, sua voz
baixando. — Eu volto já.
Então ele se virou e caminhou até um dos
príncipes que estava na beira da pista de
dança. Eu apertei os olhos, percebendo pela
primeira vez que aqueles príncipes se
pareciam terrivelmente com os guardas
carecas do Fosso - apenas mais bem vestidos e
com uma longa juba de cabelo. A magia no ar
estava girando em torno da minha mente,
tecendo um feitiço que tornava muito difícil
pensar direito. Eu estava bêbada. Acho que
era isso. Nunca fiquei bêbada antes, mas
havia algo inebriante sobre a magia deste
lugar. Era tão bom que quase não me
importei. Ao lado das mesas do bufê, Leon e o
príncipe conversavam
rapidamente. Fragmentos de sua conversa
sussurraram em meus ouvidos. Foi como se
meus sentidos tivessem despertado depois de
um longo sono.
— ...violou o perímetro.
— Quem?
— A Legião... não temos muito... mestre
quer... você a tem?
— Em breve.
A névoa evaporou da minha mente, e o
desejo repentino de dar o fora daqui me
atingiu com força. Se ao menos aparecesse
uma porta de saída desse pesadelo.
— Concede-me esta dança?
Me virei, encarando o homem que estava
se curvando para mim. Ele estava vestido
como os outros príncipes, em um terno feito de
tecido ricamente colorido, uma faixa no peito,
uma coroa em seus cachos loiros - mas ele não
era como os outros. De modo nenhum. Ele não
se encaixava. Havia algo estranho nele.
— Você não é loiro natural, — observei.
— Não. — Seus olhos escuros brilharam,
queimando com uma ferocidade que deveria
ter me assustado.
Em vez disso, achei reconfortante. Chame
de loucura. Comecei a rir histericamente.
— Nyx, — ele disse, pegando minha
mão. Sua pele queimava contra a minha, como
se ele estivesse com febre alta ou escondendo
um vulcão dentro dele. — Você pode lutar
contra isso.
Pisquei surpresa. — Lutar contra o quê?
— A magia tecida em torno deste lugar é
forte, mas você é mais forte.
Pisquei e por um momento vi uma sala
muito diferente: uma criada com magia negra,
uma na qual os belos príncipes eram na
verdade criaturas diabólicas tecidas nas
sombras. Mas quando pisquei novamente, o
salão estava como antes.
— O que foi isso? — Perguntei, o fedor de
enxofre queimando meu nariz. — Onde estou?
— Em um reino de pesadelo.
Agora, essa era a verdade. — Quem é você?
— Ronan.
— Precisamos sair daqui, Ronan, — falei.
Um sorriso forte e sexy torceu seus
lábios. — De fato.
Atravessamos o salão de baile,
ziguezagueando entre os casais
dançando. Quando chegamos ao fundo da sala,
escapamos pela porta.
— Você é da Legião, não é? — Perguntei
quando entramos no bosque de diamantes. —
Você é um anjo.
— Não exatamente.
— Então o que... — A verdade me atingiu
como uma parede de pedra. — Um deus. Você
é um deus.
Ele inclinou a cabeça. — Sim. — O loiro
desbotou de seu cabelo, substituído por um
cabelo mais preto que o meu. Seu traje
principesco derreteu para revelar um traje de
couro de batalha ajustado. — Ronan, deus dos
exércitos do céu.
O que significava que a Legião dos Anjos
pertencia a ele. Eu estava caminhando por um
reino de pesadelo com o mais feroz de todos os
deuses. Isso realmente deveria ter me
assustado, mas tudo parecia tão normal, como
se nós dois tivéssemos feito isso um milhão de
vezes antes.
Olhei para ele, tentando me lembrar de
seu rosto. — Já nos encontramos antes?
— Sim, nos conhecemos há mais de
duzentos anos.
Duzentos anos? Pensei que estava
perdendo algumas décadas de memórias, não
séculos.
— Não pareço ter duzentos anos, — disse
eu.
Seus olhos deslizaram sobre mim. — Não.
— Diversão puxou sua boca. — Você não
parece.
— Onde eu estive todos esses anos? E por
que não me lembro de nada sobre quem eu era?
— Você estava preso dentro de uma
maldição sombria. Manteve você prisioneira
por quase dois séculos.
— O que eu sou?
— Você é única, Nyx, — ele disse, suas
palavras ecoando as de Leon. — Você é filha de
um deus e de uma mortal. Uma semideusa,
um anjo nato.
Ele fez uma pausa em seu passo. Suas
mãos se fecharam em volta dos meus ombros e
ele me virou para encará-lo. Enquanto suas
mãos deslizavam pela minha espinha, uma
onda de poder surgiu em minha pele. Fogo
líquido disparou pelo meu corpo, acendendo
minha magia. Asas brancas salpicadas de ouro
brotaram de minhas costas.
— Você foi meu primeiro anjo, líder da
Legião dos Anjos, — disse Ronan, as pontas
dos dedos deslizando suavemente por minhas
asas.
Cada terminação nervosa do meu corpo
despertou com seu toque.
— E então você desapareceu, engolida por
aquele feitiço das trevas. — Sua mão acariciou
minha bochecha. — Não pensei que veria você
novamente. Eu temia... — Ele suspirou,
retirando as mãos, deixando meu corpo frio.
— Algo aconteceu entre nós. Eu era mais
do que apenas o seu primeiro anjo, não era?
— É complicado. — Ele recuou, colocando
ainda mais distância entre nós, como se me
tocar tivesse sido uma recaída. — Vou tirar
você daqui, Nyx . Eu prometo. Não vou te
deixar. De novo não.
Outro flash me atingiu, eu estava caindo
em um abismo. Acima de mim, Ronan estava
no topo de uma colina, lutando contra os cinco
anjos que o cercavam.
Não anjos, percebi. Anjos das trevas, anjos
do inferno.
Leon era um deles, suas asas tão azuis
quanto seus olhos. Ele saltou sobre Ronan, a
agonia rasgando seu rosto. Leon mergulhou na
borda do cume, vindo atrás de mim, mas o
abismo me engoliu. A magia brilhou e então
ele se foi. Tudo se foi. Eu estava sozinha, presa
na da escuridão.
Balancei minha cabeça, saindo da
memória. Minhas mãos tremendo, encontrei
os olhos de Ronan.
— Você está começando a se lembrar.
— Ele parecia feliz e triste com isso. —
Vamos. Sinto uma saída por perto.
Corremos pelo bosque de diamantes,
passando pelas árvores douradas e,
finalmente, pelas árvores prateadas. Cada vez
que meu pé batia no chão, uma nova memória
martelava em mim. Me vi conhecendo
Ronan. Ele me treinou, me tornando a
guerreira que sou. Ele usou a magia em mim,
aquele equilíbrio perfeito de sangue divino e
mundano, para descobrir como dar magia aos
mortais. E foi assim que os deuses deram à
humanidade dons sobrenaturais. Foi assim
que nasceu a Legião dos Anjos.
Os anos se passaram, tantos longos
anos. Tantos quase beijos e proclamações que
nunca foram ditas. Eu podia ver o amor em
seus olhos, mas curvando-se à pressão dos
outros deuses, ele se afastou de mim.
O martelo da memória me atingiu
novamente. Eu me vi recebendo consolo com
outro anjo. Leon. Éramos amantes - até que
Ronan o atacou com uma fúria de ciúme,
espancando-o até quase a morte. Leon se
retirou dos deuses, desertando para os
demônios. Ele se tornou o primeiro anjo
sombrio, seu corpo infundido com um novo
poder, o poder do inferno.
E foi assim que Ronan e eu acabamos
naquele cume, lutando contra Leon e os anjos
das trevas no último dia da minha antiga vida,
o dia em que pulei no abismo para impedir o
feitiço dos demônios, antes que consumisse a
Terra. Enquanto aquela memória final se
desenrolava, tudo em minha mente se
encaixou. Aquelas visões nebulosas
de sobrenaturais me espancando até sangrar
não aconteceram naquele beco em
Portland. Tinha acontecido duzentos anos
atrás, em uma batalha que determinou o
destino da Terra.
A magia estalou como um relâmpago
através do bosque de diamantes, e Leon estava
de repente na nossa frente, barrando nosso
caminho. — Nyx. — Ele estendeu a mão.
Dei um passo para trás.
O olhar de Leon passou de Ronan para
mim. — Você lembra.
— Me lembro de tudo.
— Então você se lembra do que ele fez com
você, — disse Leon, olhando para o deus ao
meu lado.
— Sim, — eu disse, a dor e o coração
partido tão recentes quanto o dia que Ronan
me deu as costas. Uma lágrima escorreu pela
minha bochecha e eu rapidamente a
afastei. Agrupar décadas de memórias em
uma explosão de trinta segundos era uma
passagem certa para a sobrecarga emocional.
— Nyx, — Ronan disse, colocando sua mão
no meu braço.
Estremeci, me afastando dele, pela dor que
ele me causou.
— Ele partiu seu coração, — disse Leon. —
Ele brincou com você como os deuses fazem,
brincando com suas emoções. E então ele jogou
você de lado.
Lágrimas escorreram pelo meu rosto. As
limpei. Eu era um anjo no exército dos
deuses. Eu não chorava.
— Não foi isso que aconteceu, Nyx, —
disse Ronan.
Mas eu não conseguia ignorar a memória
dele se virando e se afastando de mim - ele me
dizendo que não poderíamos ficar juntos, nem
agora, nem nunca.
— Eu estava... com medo, — admitiu
Ronan, a miséria saturando suas palavras. —
Os outros deuses me disseram que nossa
conexão não era certa ou natural. Que nós,
deuses, não podemos nos misturar com sangue
humano. Não mais . E eu fui junto com
eles. Segui as regras. Ignorei meu coração. E
nós dois sofremos por isso. — Ele acariciou
pequenos círculos em minha mão, sua voz
ficando mais suave e gentil do que eu já tinha
ouvido antes. — Me perdoe, Nyx . Eu te
amava. E ainda amo.
Pisquei, limpando a ardência dos meus
olhos. — Não sei se posso te perdoar, Ronan.
— Minha voz falhou, minha respiração
dividindo-se em minha garganta dolorida. —
Ainda não. — Toquei seu rosto.
Ronan colocou sua mão sobre a minha. —
Dê-me uma chance de compensar você.
— Você não se importa com ela, — Leon
rosnou. — Você a jogou fora como se fosse lixo,
forçando-a a se sacrificar para que você não
precisasse. Você é um covarde, Ronan.
— Não, — falei, revivendo a onda de
emoções que senti naquele dia, dois séculos
atrás. — Foi minha escolha. E me recusei a
deixar Ronan morrer. Então, pulei.
O choque atingiu o rosto de Leon. — Como
você pôde se sacrificar por ele? Como você pôde
fazer isso depois da maneira como ele te
tratou?
— Porque mesmo depois de tudo isso,
ainda o amo.
Os olhos escuros de Ronan brilharam de
pura felicidade. Eu nunca tinha visto aquele
olhar no rosto de um deus antes, muito menos
no rosto do deus dos exércitos do céu. Eu não
esperava vê-lo novamente tão cedo, então
absorvi enquanto durou.
— Esse feitiço foi feito para Ronan, —
disse Leon. — Ele deveria se jogar na nuvem
negra para se sacrificar . Ele deveria
desaparecer em um abismo que iria privá-lo de
sua magia e memórias - não você, Nyx.
— As coisas nem sempre saem do jeito que
esperamos, — lembrei a ele com um sorriso
triste.
Eu podia sentir a dor de Leon, entrelaçada
com seu amor por mim. Ele me amou tanto que
esteve disposto a sacrificar a Terra para me
ter.
— Eu procurei por você, Nyx, — Leon disse
calmamente. —Eu não consegui te encontrar,
mas eu sabia que você estava viva. Eu nunca
desisti de você. Passei os últimos duzentos
anos procurando por você, vasculhando a
Terra.
— Roubar mulheres em seus sonhos?
— Era a única maneira. Nenhum outro
feitiço poderia encontrar você. Então rastreei
qualquer mulher com magia bloqueada e a
coloquei em testes. Cada sobrenatural que
você derrotou desbloqueou um dos poderes
adormecidos dentro de você. Eu sabia que se
você pudesse desbloquear todos eles, você
libertaria sua magia - e suas memórias - da
fechadura que a maldição colocou em você.
— Quantas mulheres você torturou só
para me encontrar?
— Elas não se lembram do que aconteceu.
— Exceto aquelas que passaram. Exceto
aquelas que morreram, — enfatizei.
— Fiz tudo por você. — Ele deu um passo
à frente.
— Isso não significa que seja certo, —
lembrei-o.
— Fizemos coisas piores durante nosso
tempo na Legião.
— Nós os fizemos para o bem da
humanidade, — falei. — Pelo menos eu fiz.
— Venha comigo, — ele implorou.
Balancei minha cabeça tristemente. —
Sinto muito, Leon. Você foi longe demais,
antes e agora.
Agarrei a mão de Ronan. A magia explodiu
de nós, cortando as sombras, expondo uma
abertura nas dobras da realidade. A
saída. Parecia uma cachoeira feita de pura luz.
Leon correu sobre nós, mas nossa magia de
luz combinada era forte, mesmo aqui neste
reino de pesadelo. Ao atingir nosso halo, ele se
conteve, incapaz de chegar até nós. A
cachoeira de luz desceu, caindo sobre mim e
Ronan, nos puxando para fora do pesadelo. A
bela ilusão se despedaçou atrás de nós. A
magia brilhou e pousamos na minha sala de
estar. Os braços de Ronan se fecharam
protetoramente ao meu redor, protegendo-me
quando caímos no chão. Tentei me levantar,
mas seu aperto não se afrouxou.
— Eu não vou deixar você ir, Nyx, — ele
disse, depositando beijos suaves contra minha
orelha. — Nunca mais.
5
Meu escritório na sede da Legião em Los
Angeles havia mudado muito pouco em
duzentos anos. Ronan nunca havia preenchido
o cargo na minha ausência; ele apenas
designou uma série de chefes temporários. Em
seu coração, acho que ele nunca realmente
desistiu de mim. Isso era mais romântico do
que todas as flores e chocolates do mundo.
Meu escritório também estava cheio de
flores e chocolates. Centenas de flores, de tipos
e cores diferentes estavam em todas as
superfícies livres da sala colossal. Caixas
chocolate estavam empilhadas ao longo das
paredes. Havia doces suficientes lá para me
alimentar por uma década. Quando um deus
fazia algo, ele não o fazia pela metade. Isso
servia para fazer guerra, bem como para atos
de arrependimento.
Sorrindo para mim mesma, me virei e
olhei pelas janelas do chão ao teto. O quartel-
general da Legião era de longe o prédio mais
alto de Los Angeles. A cidade parecia tão
magnífica lá embaixo, as luzes Magitech
ganhando vida em todas as direções enquanto
o sol se punha no oceano. Mesmo através da
janela de vidro, eu podia sentir o gosto do sal
no ar. Ele dançou em minha língua, o chiado
suave deleitando meus sentidos recém-
despertados.
Os soldados da Legião ficaram surpresos
quando irrompi no prédio esta manhã em meu
couro preto, minhas asas brancas e douradas
abertas atrás de mim. Caminhei por aquele
corredor como se fosse o dono do lugar, meu
gato Twilight caminhando ao meu lado. As
aparências eram tudo no mundo sobrenatural
e isso triplicou para a Legião dos Anjos. Eu
estava morta há duzentos anos e precisava
mostrar a eles que estava forte como
sempre. Então, fiz minha caminhada e os
observei beber o feitiço do meu
encantamento. A admiração passou por seus
rostos - admiração e uma pitada de terror. Fui
uma líder obstinada em meu tempo. Eu tinha
que ser.
Toquei a janela de vidro, desejando poder
tocar a própria cidade. O cheiro de canela
queimando e aço fez cócegas em meu nariz, e
então a magia explodiu como uma bomba
explodindo em meu escritório. Virei-me para
encontrar Ronan parado ao lado da minha
mesa, fumaça prateada saindo dele.
— Vejo que seus modos não melhoraram
nos últimos duzentos anos, — comentei,
cruzando os braços sobre o peito. — Apenas
aparecendo sem avisar, fazendo um grande
show disso com sua magia chamativa. Como
um deus.
— Porque eu sou um deus. — Ele encolheu
os ombros enormes e seu couro de batalha
rangeu deliciosamente. Ele olhou para
Twilight, que estava cochilando em cima de
uma das caixas de chocolate. — Você ficou com
o gato.
— Achei que me fazia parecer mais
acessível.
Os deuses não bufavam, mas eu poderia
dizer que Ronan estava tentado a quebrar essa
pequena regra. Seu olhar cintilou do meu gato
para minhas asas. — Você está com as asas
abertas.
Eu poderia tê-las recolhido se quisesse,
mas estava sem elas há muito tempo. Elas
eram uma parte de mim, e eu sentia muita
falta delas. Passei cinco anos sentindo como se
algo estivesse faltando na minha vida, nem
mesmo sabendo o que era. Eram minhas asas
e minha magia e... sim, até mesmo o deus
arrogante parado na minha frente.
— Suas asas são lindas, — disse ele, dando
um passo à frente. Seu movimento foi suave
como a seda e rápido como um raio. Seus dedos
acariciaram minhas penas, um formigamento
quente espalhando-se em todos os lugares que
ele tocou.
Suspirei, lutando para manter meu juízo
sobre mim. — Como você me encontrou
naquele mundo dos sonhos ?
— Por muitos anos, a Legião tem rastreado
um fenômeno estranho: telepatas morrendo
durante o sono. Era uma ocorrência rara, uma
morte acontecendo apenas uma vez a cada
poucas décadas, mas, novamente, os próprios
telepatas são raros. Achamos que alguém
havia encontrado um feitiço para identificá-los
e matá-los enquanto dormiam, mas não
conseguimos descobrir como. Nem sabíamos
por que elas sempre eram mulheres - até dois
dias atrás, quando a Legião entrevistou uma
telepata que viu sua irmã morrer em seus
sonhos.
— Melanie, irmã de Fern.
— Sim. Ela descreveu ter visto uma
mulher que parecia com a Branca de Neve e
lutou como um anjo. Quando li o relatório,
soube que tinha que ser você. Eu sabia que
você estava viva e que, de alguma forma, tudo
isso estava ligado a você. Então eu mesmo
liderei a missão no mundo dos sonhos . Os
outros mantiveram os cães de guarda de Leon
ocupados enquanto entrei sorrateiramente
para encontrar você.
— Isso é muito fofo.
— Você quer dizer ousado.
Sorri. — Claro.
— Senti sua falta, Nyx. — Ele se inclinou
para mim, seu peito roçando no meu, sua boca
provocando meu pescoço.
Meu coração estava batendo forte no meu
peito, minha pele corou com o calor. — Você
está tentando me distrair.
Ele olhou para cima, encontrando meus
olhos. — Sim. — A palavra caiu em meus
lábios, escura e sensual.
— Convidei você aqui para ouvir meu
relatório, — o lembrei.
Sua risada profunda ronronou em minha
pele. — E eu me convidei aqui para beijar
você. Não parece muito mais divertido?
— Estou falando sério, Ronan.
Um sorriso sexy torceu seus lábios quando
ele pegou minha mão. — Assim como eu.
— Seu polegar acariciou minha palma,
traçando pequenos círculos lentos em minha
pele. Cada golpe disparou uma sacudida de
seu poder pelo meu braço, ondulando em meus
sentidos.
— O mundo dos sonhos se foi, — eu disse,
tentando me concentrar. — Mandei uma
equipe de volta lá e eles não encontraram
nada. Sem arena, sem pessoas, sem lacaios do
inferno - nada além de um campo vazio. Leon
e seu povo voltaram para o inferno. E eles
nunca mais usarão aquele campo dos sonhos
novamente. Meus soldados o destruíram e sua
conexão com o inferno.
— Senti falta de sua eficiência
feroz. Minha Legião não era a mesma sem
você, — disse ele. — E você está mudando de
assunto.
— De que?
— Nós.
— Tem certeza de que existe um nós? —
Falei. — Era uma vez, você tinha certeza de
que não existia.
— Um erro do qual passei os últimos
duzentos anos lamentando.
— E talvez eu deva fazer você passar os
próximos duzentos anos se arrependendo, —
falei, sorrindo para ele.
— Se isso é o que é preciso para você me
perdoar. — Seu rosto estava perfeitamente
sério.
— Vou pensar sobre isso.
Ele acenou com a cabeça e disse: — Nesse
ínterim, jante comigo.
— Você vai cozinhar?
— Sim.
— Então, aceito.
Ronan cozinhava tão bem quanto
lutava. Eu teria aceitado seu convite mesmo se
ainda o odiasse - eu não odiava, percebi. Claro,
isso não significava que eu não o faria
trabalhar por seu perdão.
— Mas só jantar, — eu disse a ele, me
afastando. — Sem beijos.
Ele aceitou o desafio, a magia brilhando
em seus olhos. — Como quiser. Embora eu
deva, é claro, me esforçar para mudar sua
mente.
— Tenho certeza que você vai. — Rindo,
me virei para olhar para fora das minhas
janelas mais uma vez. — É tão bonito.
— É ainda melhor visto de cima.
Então ele pegou minha mão. As portas
deslizantes se abriram diante de nós,
respondendo à sua magia, e saímos para a
varanda. O vento mordeu minha pele, forte e
inflexível. E absolutamente perfeito. Asas tão
diferentes das minhas se abriram das costas
de Ronan, brilhando como uma tapeçaria de
diamantes, como se fossem iluminadas por
dentro.
— Estamos tão alto, — comentei.
— Com medo? — ele perguntou, suas
sobrancelhas levantando em desafio.
— Você está?
— Com medo de mergulhar com
você? Não. Nunca mais.
Ele pulou na barreira, puxando-me com
ele, e então saímos da borda, voando sobre a
cidade com asas mágicas.

Happily Ever After

Você também pode gostar