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Sinopse

Quando deuses e demônios se chocam,


os mortais sangram.
A mais recente missão de Leda Pierce a
traz de volta para sua cidade natal na
fronteira do Muro. Mas as coisas pioraram nos
seis meses desde que ela saiu de casa para se
juntar à Legião dos Anjos em Nova York. Os
senhores do crime agora governam a cidade, e
o número de feras está crescendo além do
grande Muro mágico que separa a
humanidade das Planícies dos Monstros.
Junto com o anjo ferozmente sedutor Nero,
Leda guia um grupo de peregrinos através da
extensão infestada de monstros até as ruínas
da batalha final entre deuses e demônios. O
que começa como uma peregrinação, no
entanto, logo se transforma em uma caça ao
tesouro por uma arma antiga que poderia
inclinar o equilíbrio do poder entre o céu e o
inferno - em uma intriga que coloca Leda e
Nero contra um membro desonesto da Legião,
um lendário anjo tão poderoso quanto seu
coração sombrio.
1
Guerra de força de vontade
— Stash, me dê outro, — exigi, batendo
meu copo no balcão com fervor. Eram duas
horas da tarde e essa festa estava apenas
começando.
Agora, qualquer pessoa razoável poderia
ter se perguntado o que eu estava fazendo no
Magic Formula, um bar de bruxas na cidade
de Nova York, bebendo doses de álcool
brilhante misturado com magia a essa hora da
madrugada. Não era depressão, coração
partido ou as lamentações de uma vida
miserável que me trouxeram aqui. Era o meu
treinamento na Legião dos Anjos, uma
unidade de elite de soldados sobrenaturais
com poderes concedidos a eles pelos próprios
deuses.
Stash olhou para mim, acariciando sua
barba escura de dois dias, em um silêncio
pensativo, como se estivesse pensando em me
cortar. Em vez disso, ele me serviu outra dose
de álcool rosa com magia.
— Homem esperto, — falei.
Ele bufou.
— Eu posso lidar com isso, — assegurei a
ele, virando o shot. Queimava como fluido
mais leve no caminho, exatamente como
deveria.
Seus olhos seguiram o copo enquanto eu o
colocava delicadamente de volta no balcão.
Minha mão nem tremia. Comparado com o que
eu estava acostumada, esse material rosa
efervescente era brincadeira de criança.
— Não tenho dúvida disso, doçura. Você
bebe veneno no café da manhã.
Stash estava certo. O Néctar, a bebida dos
deuses, era essencialmente veneno, uma
substância mágica que o matava ou
aumentava sua magia. Era o que nos davam
na Legião dos Anjos quando éramos
promovidos, um tipo de teste do tipo “faça ou
morra”. A Legião era boa em fazer ou morrer.
Ele apoiou os cotovelos no balcão, os cantos
da boca levantando. — Então, o que uma
garota como você está fazendo em um lugar
como este?
Ri de sua tentativa fingida de flertar. Fora
da minha família e da Legião, Stash era
provavelmente a coisa mais próxima que eu
tinha de um amigo. Um shifter que havia sido
expulso de uma das matilhas da cidade, agora
fazia trabalhos estranhos para outros
sobrenaturais da cidade. Nós nos conhecemos
em um bar de fadas há alguns meses atrás. Ele
estava ganhando dinheiro com queda de braço
dos clientes do bar. Ele não tinha contado com
o meu status de Legião, que eu era mais forte
do que a maioria dos sobrenaturais, mesmo
um shifter grande e durão como ele.
— Desculpe, amigo, esta visita é
estritamente profissional, — contei a ele,
virando minha cabeça em direção ao palco em
que uma banda tocava sob um show de luzes
artificiais.
Na sugestão, um vampiro saiu do banheiro
e correu nu pelo palco, ziguezagueando em
torno de instrumentos e membros da banda,
luz vermelha e verde refletindo em sua bunda
pálida e nua. Risos e aplausos surgiram da
multidão enquanto do outro lado do bar, as
pessoas levantavam suas bebidas em
saudação, um agradecimento ao vampiro por
aquele breve momento de diversão.
Eles estavam agradecendo à pessoa
errada. O vampiro não teve a brilhante ideia
de dar a essas pessoas algo para se animar.
Isso tinha sido tudo eu. Eu coloquei a ideia na
cabeça dele - literalmente, com magia. Tinha
muitos nomes: compulsão, encantamento,
carisma, o canto da sereia. Era um monstro
complicado, e eu passava os últimos quatro
meses praticando sem parar. Este era o
treinamento necessário para o próximo nível
da Legião.
— Muito bom, certo? — Falei, virando-me
para olhar Jace.
— Você convenceu um vampiro bêbado a
tirar suas roupas. Bravo! — ele respondeu
secamente.
Jace tem sido meu parceiro de treino
nesses quatro meses. Ele era um “pirralho” da
Legião, um termo agradável para um soldado
da Legião com um pai anjo. Eles tinham toda
a magia, disciplina e arrogância que você
esperaria de pessoas com sua herança
estimada, mas Jace não era tão ruim assim
que bebia um pouco. Bebidas de verdade, com
gotas de néctar. Esses tiros e coquetéis de
bruxa não pareciam afetá-lo.
— Não importa. Eu tive sucesso, então,
você tem que beber, — falei.
Jace bebeu seu shot azul efervescente,
depois colocou o copo na frente de Stash.
— Ah, claro, posso ver que você está
trabalhando muito, Leda, — o lobisomem me
disse.
Sorri para ele. — Trabalhe e se divirta.
Mate dois coelhos com uma cajadada, meu
amigo.
— Quantas pedras você planeja jogar aqui,
doçura?
— Até os pássaros começarem a jogar de
volta.
Eventualmente, isso aconteceria. Eu
ficaria sem vapor ou escolheria o alvo errado,
alguém forte o suficiente para resistir à minha
magia ainda fraca. Compelir as pessoas era
um trabalho árduo, então tive a ideia de levá-
lo a um bar e fazer um jogo de bebida. Toda vez
que Jace ou eu compelia alguém com sucesso,
o outro tinha que tentar. Eu não tinha contado
com meu oponente neste jogo sendo imune ao
álcool.
Olhei para Jace. — Sua vez.
Seus olhos percorreram o clube,
finalmente se estabelecendo em uma fada
feminina com um corte de cabelo de duende
rosa chiclete. Largando a bebida, ela deslizou
a mão para a tira de couro das facas presas à
coxa. Era prática comum ir a um bar
sobrenatural armado até os dentes. Os dedos
da fada dançaram sobre as facas, jogando-as
em rápida sucessão na parede oposta. Embora
a multidão fosse tão densa quanto o melaço no
inverno, ela não havia atingido uma única
pessoa. O que ela fez foi soletrar 'Jace' na
parede com suas facas.
— Boa, — elogiei, rindo. Bebi do copo que
Stash já tinha preparado e estava esperando
por mim.
— Este é o jogo de bebida mais bizarro que
já vi, — o lobisomem me disse. — E eu já vi
muitas coisas estranhas.
Um vampiro do outro lado do bar estava
olhando para mim, seus olhos hipnotizados
presos nos meus cabelos claros. Ele estava
olhando para mim como se não quisesse nada
além de manchar meu rabo de cavalo de
platina com meu sangue. Os vampiros tinham
uma queda pelo meu cabelo. Eu nunca entendi
o porquê, mas algo sobre isso os fazem querer
me morder, provocando fome até no vampiro
mais saciado.
O vampiro se levantou, seus olhos azuis
prateados brilhando com uma necessidade
selvagem. Ele estava prestes a perder o
controle. Se ele fosse pelo meu pescoço, eu teria
que atirar nele, e eu realmente não queria
fazer isso. Não era culpa dele que meu cabelo
estranho era um gatilho para a sede de sangue
dos vampiros.
Eu só teria que usar sua energia de uma
maneira melhor. Me concentrei em sua mente,
naquela centelha de consciência enterrada sob
uma tempestade de instintos - e agarrei-a com
tudo o que tinha. Sua consciência recuou ainda
mais, buscando refúgio nas profundezas de
sua mente. Eu não deixei passar. Coloquei
minha própria vontade nele. Eu não tinha
muita magia, mas o que eu tinha era o
suficiente para me envolver. E uma vez que
entrei, a mente dele era minha. A compulsão
era um jogo de ginástica mental, uma guerra
de força de vontade. E havia poucas pessoas
que poderiam me igualar na teimosia crua.
O vampiro parou na minha frente, o brilho
azul prateado de seus olhos desaparecendo.
Ele olhou para mim, uma lousa em branco. Dei
um grande sorriso para ele. Em uma explosão
de velocidade sobrenatural, ele estava
subitamente no balcão, rodopiando pela
bancada em uma série de acrobacias que
tornariam uma ginasta de primeira linha
verde de inveja.
— Você realmente é a portadora do caos,
— Stash me disse, então ele correu atrás do
vampiro, tentando derrubá-lo do bar.
Desenhei outra marca com o meu nome no
guardanapo que Jace estava usando para
marcar pontos.
— Isso foi... vistoso, — disse Jace.
— Você é quem fala. Você teve uma fada
soletrando seu nome com facas na parede.
— Esse foi um teste de controle mental
preciso.
— Sim, sim, diga isso ao placar. — Eu
mostrei o guardanapo. — Estou à frente,
várias opções.
— As pessoas que você escolheu estão
bêbadas, então elas fariam o que você dissesse.
Do jeito que você está vestida, não é preciso
muito convencimento.
Eu estava usando um minivestido
vermelho escuro e botas pretas, então ele
poderia ter razão.
Sorri para ele. — Há um elogio enterrado
em algum lugar nessa desculpa?
— Deuses, não. Sei que é melhor não bater
na namorada do coronel Windstriker.
— Eu não sou a namorada dele.
Ele me deu um olhar indulgente. — Você
continua dizendo isso a si mesma, Leda.
— Ainda nem saímos para um encontro.
— Ainda, — Jace repetiu com ênfase.
— Ok, sim. Ele me convidou para sair, mas
ele está fora do escritório mais do que tem
estado ultimamente, então não tivemos
realmente um encontro.
— Isso não impediu você de ficar com ele
na biblioteca.
Como ele poderia saber sobre isso? Nero
me encontrou na biblioteca, pegando um livro
da lista de leitura que me dera para me
preparar para o próximo nível da Legião. As
estantes da biblioteca da Legião eram muito
altas, obviamente construídas com os anjos em
mente. Isso criava problemas para nós, com os
pés presos no chão.
Nero pegou o livro da prateleira alta para
mim. Uma coisa levou a outra, e antes que eu
percebesse, eu estava atacando-o contra as
estantes, livros chovendo ao nosso redor.
Um suspiro escapou da minha boca. Beijar
Nero era um passatempo perigoso - um vício,
uma porta de entrada para seduções sombrias
e mortais. E eu já estava muito envolvida.
— Quando foi a última vez que você o viu?
— Jace me perguntou.
— Aquele dia na biblioteca no mês
passado.
E aquele pequeno encontro certamente
deixou sua marca. Ele me beijou como se eu
fosse a única mulher no mundo, e então ele
simplesmente se foi. Aquele anjo estava
jogando comigo, um jogo em que eu nem
conhecia as regras, um que eu estava
começando a perceber que havia perdido antes
mesmo de começar.
— Você entendeu tudo errado, Leda, —
Jace disse, rindo.
— Oh, cale a boca. — Joguei um pedaço de
pipoca nele. — Você é quem fala. Há rumores
de que você e Mina estão ficando muito
confortáveis ultimamente.
O sorriso murchou de seus lábios. — Mina
e eu somos apenas amigos.
— Você continua dizendo isso a si mesmo.
Ele apertou a mandíbula. — Devemos
voltar a praticar.
— Então, com todo o que tem, me
impressione.
— Compelir alguém é controlar, por dentro
e por fora, corpo e mente, cada pedaço de
autocontrole, todo pensamento. Lá. — Ele
apontou para dois grupos de homens
encarando um ao outro. Eles pareciam a uma
distância de um fio de cabelo para uma briga.
— O que você vê?
— Shifters vs bruxas, o confronto épico.
Ele não riu. — Uma coisa é convencer
alguém a fazer algo que possa fazer de
qualquer maneira. O verdadeiro desafio é
convencê-los a fazer algo que não querem
fazer.
Os shifters e bruxas pararam
subitamente, oito homens completamente
congelados no tempo. Um momento depois,
eles bateram palmas, o pop sincronizado
ecoando sobre uma pausa na música. Um
sapateado se seguiu. Uma vez. Uma
reviravolta. Eles começaram uma dança
coordenada, como se fossem pegos em um
musical. Girando, espiralando, circulando,
levantando. Continuamente, eles se moviam,
não inimigos, mas parceiros. Girando,
empinando, estalando, batendo.
— Isso foi legal, — eu disse a Jace quando
os shifters e bruxas terminaram seu número
musical. Com o rosto vermelho, os olhos
desviados, eles se separaram com vergonha de
lutar. — Tanto controle. Cada passo foi
perfeito. Você deveria fazer shows.
— O Canto da Sereia não é um truque de
festa. É uma habilidade importante. Ajuda a
Legião a reunir suas tropas. Difunde
problemas. E aprender essa habilidade
aumenta a resistência de um soldado ao
controle mental.
— Você engoliu o manual da Legião? —
Perguntei a ele.
Ele me lançou um olhar perplexo. — Você
está fazendo aquilo que sempre faz de novo.
— O que?
— Provocando.
— E isso é uma coisa ruim?
— Eu... realmente não posso decidir se
gosto.
— Então, você e sua família não se
provocam?
— Meu pai não provoca. Ele disciplina você
para o seu próprio bem.
Eu bufei. — Ele soa como um típico anjo.
Presumo que o discurso sobre o Canto da
Sereia foi uma citação dele.
— Sim.
Adicionei outra marca ao guardanapo em
seu nome. — Bem, acho que provei que
podemos trabalhar nessa importante
habilidade e nos divertir ao mesmo tempo.
Peguei o braço de uma vampira que
passava. Ela fez uma pausa, seus olhos
assumindo aquele brilho distinto de fome
enquanto deslizavam pelos meus cabelos,
mergulhando no meu pescoço. Sua boca se
curvou para trás, expondo suas presas.
— Minha nossa, que dentes compridos
você tem, — eu disse, segurando sua mente.
O vampiro saltou do chão, deslizando com
graça sedosa sobre o bar.
— Ei, você não pode estar de volta aqui, —
Stash disse a ela enquanto pulava ao lado dele.
A vampira piscou seus cílios brilhantes
com falsa modéstia. Então ela pegou Stash e
beijou-o com força nos lábios. Os dedos dela,
com esmalte vermelho escuro, arranharam
seus cabelos, raspando sua mandíbula. Stash
a estava beijando de volta, e ele também não
estava sendo gentil com isso. Acho que ele
decidiu que ela poderia voltar para lá, afinal.
— Você já terminou? — Jace me
perguntou.
Ri. — Eles estão fazendo isso por conta
própria agora.
Surpresa brilhou em seus olhos. Ele olhou
do casal se beijando para mim.
— Muito bom, né? A compulsão ficou
arraigada, não apenas quando eu a estava
controlando ativamente.
— Não é de surpreender, — disse ele,
recuperando-se. — Ela é uma vampira, afinal.
Suspirei. — O que é preciso para
impressionar você?
Jace olhou através da pista de dança. —
Pronto, — disse ele, indicando o bruxo sentado
em um sofá numa plataforma elevada, olhando
para todos e tudo como se ele fosse o rei. —
Encante ele. Convença-o a cantar “In the
Moonlight”, e então ficarei impressionado.
— Essa é uma música shifter, — lembrei-
o.
“In the Moonlight” era o hino dos shifters,
a música tema deles. É o que eles cantavam
antes de ficarem peludos e uivar para a lua.
Convencer um bruxo a cantar era tão fácil
quanto convencer um vampiro a seguir uma
dieta sem sangue. Hoje em dia, os shifters e
bruxas de Nova York estavam se dando bem,
bem como picles e chocolate.
— Bem, se você tem medo de falhar... —
Jace deixou sua voz sumir.
— Não tenho medo de nada, muito menos
de um bruxo usando uma peruca roxa e um
terno dourado.
Me servi de outra dose e bebi. O bruxo rei
tinha guarda-costas, dois grandes bruxos que
pareciam ter saído das páginas de uma revista
de musculação. Virei outro shot.
— Se você não está assustado, por que
precisa de tantas bebidas? — Jace me
perguntou.
— Apenas aumentando minha magia.
O que era meio que a verdade. As bebidas
de bruxa tinham um toque de magia nelas.
Certamente nada parecido com o Néctar, mas
você só pode obter gotas de Néctar nos bares
da Legião. Afinal, era veneno, então a taxa de
mortalidade era bastante chocante. E matar
seus clientes simplesmente não era bom para
os negócios.
— Ele é um líder, — eu disse, olhando para
o rei bruxo escondido em segurança atrás de
sua parede de guarda-costas. — Os líderes são
mais difíceis de obrigar. As qualidades que
fazem os outros quererem segui-los também os
tornam resistentes a ataques mentais.
— É por isso que é chamado de desafio, —
respondeu Jace. — Você não quer se esforçar?
Eu queria. Como todo mundo, eu tinha
minhas razões para ingressar na Legião.
Alguns só queriam um lugar para se encaixar,
outros estavam famintos por poder - ou
desesperados pela magia que os dons dos
deuses lhes concediam. Eu estava
desesperada. Depois que meu irmão Zane
desapareceu sem deixar vestígios, seis meses
atrás, eu fui para a Legião com a intenção de
atravessar as fileiras para ganhar a magia
necessária para encontrá-lo. A pegadinha? A
mágica que me permitiria vincular a ele, algo
chamado Sussurro do Fantasma, era uma
habilidade da Legião do nono nível. Eu tinha
um longo caminho a percorrer, supondo que
sobrevivesse a ele. Esse treinamento era o que
eu precisava. Eu tinha que me esforçar.
A Legião estava fazendo um bom trabalho
em me empurrar também. Graças ao primeiro
anjo, eu estava no caminho rápido, um
caminho acelerado de treinamento
intensamente brutal. E eu não era a única.
— Ivy me disse que há dezenas de nós em
todos os escritórios da Legião neste programa
acelerado, — eu disse.
— Como ela sabe disso?
Dei de ombros. — Ela fala com as pessoas.
E você conhece Ivy. As pessoas contam tudo
para ela.
— Talvez ela pudesse convencer o rei
bruxo a cantar “In the Moonlight”.
— Eu vou fazer isso. Apenas me dê um
momento. — Passei o dedo pela borda do meu
copo vazio.
As sobrancelhas de Jace se levantaram. —
Precisa de outro?
— Acho que posso gerenciar sem outro, —
eu disse, batendo as pontas dos dedos em cima
do balcão. — Há muitos sendo pressionados a
fazer crescer sua magia mais rapidamente. A
Legião deve estar se preparando para alguma
coisa.
— Você faz muitas perguntas. É isso que
causa problemas.
— Seu pai te contou alguma coisa?
— É exatamente disso que estou falando,
— respondeu ele, franzindo a testa. —
Problemas.
Sorri para ele.
Jace suspirou. — Não, ele não me disse
nada. O coronel Fireswift não gosta muito de
compartilhar.
— Assim como um anjo, — comentei,
relaxando os ombros enquanto me levantava.
— Ok, acho que procrastinei por tempo
suficiente.
Segui pela pista de dança, mantendo
alguma distância entre mim e o cheiro quente
de axilas suadas e hormônios furiosos. Às
vezes, possuir os sentidos aguçados de um
vampiro era mais um fardo do que uma
benção. Andei direto para o palco do rei das
bruxas, meus olhos se levantaram com
confiança, meus calcanhares batendo com
força contra o chão. Atitude era tudo, uma
pequena dica que eu aprendi nos meus anos de
caçador de recompensas.
Eu tinha chegado à parede de músculo
contratado. O rei bruxo acenou para os
guarda-costas irem para o lado. Obviamente,
ele ficou impressionado com a minha atitude.
Ou isso ou com meu minivestido vermelho.
— Venha aqui, — ele ronronou ricamente,
dando um tapinha no assento vazio à sua
direita. O local à sua esquerda já estava
ocupado por uma bruxa de cabelos negros
coberta por um pedacinho de lingerie preta
rendada, disfarçada de vestido.
— Acho que vou ficar aqui. Eu tenho a
visão perfeita da calcinha da sua adorável
companheira daqui.
O silêncio preencheu o espaço entre o rei
bruxo e eu. Os segundos passaram. Então, de
repente, ele jogou a cabeça para trás e riu.
— Fantástico. — Ele pegou um lenço
bordado e enxugou as lágrimas de alegria dos
olhos, tomando cuidado para não manchar o
delineador. — Você é perfeita. Perfeita demais.
Constantine enviou você?
— Constantine Wildman? — Perguntei.
Ele era a única bruxa chamada Constantine
que eu conhecia.
— Sim. Ela está sempre enviando seus
lacaios para tentar me recrutar para seu
coven. Depois do último, eu disse a ele que era
melhor que seu próximo mensageiro fosse uma
garota bonita, ou eu não ouviria.
— Eu não sou um dos seus servos.
Ele trançou os dedos juntos. — Então a que
devo o prazer desta visita?
— Você parece um homem com uma voz
espetacular.
O sorriso dele se alargou. — Continue,
sereia com fala mansa.
— Eu esperava que você honrasse a todos
nós com uma música hoje à noite. — Alcancei
os fios de sua mente. — Algo emocionante.
Algo profundo.
— O que você tem em mente?
Este era o momento da verdade. Quanto do
Canto da Sereia já estava em mim? — In the
Moonlight.
O sorriso dele azedou. Raiva brilhando em
seus olhos, ele pulou. Cantos - ou eram
maldições? - saíram de sua boca. Ele pegou um
frasco do cinto e jogou aos meus pés. Um peso
invisível pressionou meus ombros. Senti como
se estivesse presa dentro de uma garrafa
hermética, sufocando lentamente pela minha
própria respiração. Algo duro bateu em mim, e
o feitiço da bruxa me jogou para fora da
plataforma. Minhas costas atingiram a pista
de dança com um estalo seco. Rolei, ofegante,
me amparando em meus braços trêmulos.
Um dos grandes guarda-costas estava me
esperando. Seu punho bateu como um martelo.
Deslizei para fora do caminho - apenas por
pouco - e sua mão atravessou as tábuas do
assoalho. Ele sacudiu os fragmentos de
madeira lascados e tentou novamente. Eu me
afastei, me levantando. O guarda-costas
agarrou a mesa mais próxima e puxou com
tanta força que os parafusos que prendiam as
pernas no chão se soltaram. Então o amigável
atirou em mim.
Me abaixei. — Isso não é legal, — falei.
Havia um brilho estranho e sutil em seu
corpo, algum tipo de feitiço. Um feitiço para
aumentar a força, eu percebi. Ele borrifou pó
de ouro reluzente em todo o corpo. Abaixei e
uma segunda mesa voadora passou. Um dos
meus livros de bruxaria havia mencionado
como combater esse feitiço. Como era mesmo?
Cheguei à minha bolsa, misturando
Wildflower e Unicorn Dust. Então joguei o pó
branco-rosa resultante nele. Ele congelou,
suspenso no tempo. Não era o feitiço que eu
estava procurando, mas serviria por enquanto.
Eu estava prestes a encontrar uma cadeira
para terminar o trabalho quando uma nuvem
de pó azul brilhante da meia-noite o atingiu
nas costas. Sua boca enrugou em um O
surpreso, e ele bateu no chão, revelando Jace
atrás dele.
— Achei que você poderia precisar de
ajuda, — disse ele, olhando para o bruxo
inconsciente.
— Eu estava indo bem.
Ele olhou ao redor do clube com atenção.
Era uma estação de guerra aberta. Os shifters
e bruxas estavam brigando, e os vampiros
perseguiam, caçando as fadas que fugiam.
— Ok, então talvez poderia ser melhor, —
falei.
Um estrondo sacudiu o prédio. Todo
mundo parou. O boom repetiu. A escada
estremeceu. Molduras caíam das paredes, a
frente de vidro quebrando contra o chão
trêmulo. O que estava acontecendo?
— Oh-oh, — Jace disse, sua voz baixa.
— O que é isso? Um monstro? Um
demônio?
Ele balançou sua cabeça. — Não, um anjo.
A porta do clube se abriu, e raios dourados
de luz do sol entraram no quarto escuro,
iluminando uma silhueta alada em uma
auréola. Ele entrou, cinzas flamejantes
brilhando sobre ele como chuva ardente.
— Você está com problemas agora, — Jace
sussurrou.
Encontrei o fogo verde queimando nos
olhos do anjo, um fogo que ameaçava me
consumir. Era como se o tempo tivesse parado.
Eu não pude deixar de encarar o anjo se
movendo em minha direção - ou apreciar o
físico musculoso criado ao longo de séculos de
treinamento duro. Ele se movia como cetim
sobre o aço.
Sua pele parecia brilhar por dentro com a
luz dos deuses. E aquelas asas! Ele as
espalhou, exibindo a tapeçaria linda e escura
de penas pretas, azuis e verdes. Ele
obviamente fez isso para chamar nossa
atenção. Bem, ele a tinha cem por cento. Eu
não poderia ter desviado o olhar mesmo se
quisesse - e definitivamente não queria.
Molhei minha boca, minha língua deslizando
lentamente pelos meus lábios. Seu olhar
mergulhou na minha boca e algo perigoso
brilhou em seus olhos.
— Deixe-nos, — disse ele com um aceno de
mão.
E assim, o clube esvaziou. Seu rosto
impassível, o anjo parou na minha frente e
Jace.
— Nero, — comecei.
— Por que não estou surpreso em
encontrar você no centro desse caos?
Nero tinha uma aura que derrubava
montanhas e congelava furacões. Ele se movia
como se fosse dono de todos os cômodos, como
se tudo fosse seu - e você só queria agradá-lo,
fazê-lo olhar para você, perceber você. Um suor
quente estourou na minha pele, medo e
emoção rodando dentro de mim.
— Estávamos treinando, — eu disse
fracamente.
Os olhos duros de Nero se voltaram para
Jace. — O treinamento acabou. Volte para o
escritório. Seu pai está esperando por você lá.
— Sim, coronel. — Engolindo em seco, Jace
atravessou o chão e saiu do clube. Ele devia
saber que a visita de seu pai não era sobre o
tempo de união pai-filho.
Nero o observou sair, então seus olhos
voltaram para mim. — Existe alguma maneira
para te ensinar sobre o decoro adequado?
— Provavelmente não. — Inclinei minhas
costas contra o bar.
— Foi tolice de sua parte tentar obrigar
Orsin Wildman.
Não perguntei como ele sabia o que havia
acontecido aqui. Ele provavelmente a tirou da
mente dos festeiros. Nero era um telepata
talentoso.
— Foi ideia de Jace.
— O bruxo estava usando um amuleto
para se proteger da compulsão, — disse Nero.
— Você precisará ganhar muito mais magia
antes de poder romper um feitiço como esse.
— Um amuleto? Então era isso que aquele
colar chamativo era.
— Você precisa ler mais dos livros que lhe
designei, — ele respondeu com paciência.
— Estou lendo eles. Existem tantos para
superar.
A testa dele arqueou. — Uma desculpa?
— Um fato, — respondi.
— Ser soldado na Legião dos Anjos é uma
luta constante para melhorar a si mesmo,
aumentar todas as habilidades, mesmo as que
você acha que já dominou. Estou tentando
ajudá-la.
— Eu sei, e estou tentando melhorar. —
Suspirei. — Vou me esforçar mais.
— Eu não vim aqui para dar uma palestra
em você, Leda.
— Então, por que você veio? — Um sorriso
apareceu nos meus lábios. — Quer me beijar
atrás do bar?
Os olhos de Nero desviaram para o bar. A
prata acendeu neles por um breve momento
antes de afundar nas profundezas esmeraldas.
Pisquei para ele.
— Você vive perigosamente, Pandora. —
Seus olhos mergulharam, deslizando pelo meu
corpo como mel derretido.
— Adoro quando você me chama de
Pandora. — Esse era o apelido dele para mim,
a portadora do caos.
Sua mão roçou meu braço, seu toque leve.
Arrepiando minha pele, como se eu tivesse
sido atingida por um raio. E não de uma
maneira ruim.
— Eu vim para falar sobre a nossa nova
missão. — Ele levou a mão ao meu pescoço,
afastando meu cabelo.
— Nossa? Você também vai?
— Sim.
— E que missão finalmente trouxe o
ilustre coronel Windstriker de volta para nós?
— Eu queria voltar mais cedo.
— Oh? Perdendo os dias de torturar novos
iniciados?
— Senti sua falta, espertinha.
Eu ri. — Conte-me sobre esta missão.
— Estaremos guiando um grupo de
peregrinos pelas Planícies Negras.
As Planícies Negras era uma extensão
queimada que abrigava centenas de
variedades de monstros. As únicas pessoas que
iam lá eram os criminosos e os loucos - e os
soldados da Legião porque anjos como Nero
pensavam que lutar contra monstros
devoradores de seres humanos criava caráter.
— Os peregrinos estão fazendo uma santa
peregrinação ao local do campo de batalha do
confronto final entre deuses e demônios, de
duzentos anos atrás.
— Então, assumimos que nosso trabalho é
protegê-los e evitar que sejam comida de
monstros?
— Sim.
— Romântico.
— Leda, designei você para esta missão
porque conhece a área, não porque eu tenha
segundas intenções.
— Claro que não.— Mantive meu rosto
perfeitamente sério. — Porque isso seria
completamente inapropriado.
— Exatamente.
Ok, tudo bem. Profissional. Eu poderia ser
profissional.
— Quando vamos embora? — Perguntei.
— Em meia hora.
2
Monstros e bandidos
O saguão do escritório da Legião dos Anjos
em Nova York estava ocupado hoje. Dois
soldados da Legião arrastavam uma fada
algemada, com cabelos azuis flexíveis entre
eles. Um terceiro soldado caminhava na frente
deles, carregando uma bolsa enorme marcada
como 'evidência'. Na frente de plástico
transparente, partículas de poeira da cor do
arco-íris fervilhava em pequenos ciclones.
Pixie dust. Era uma droga que fazia os
sobrenaturais perderem o controle e terem
alucinações. E essas não eram alucinações da
variedade de sol e de narcisos. O Pixie Dust
tornava as pessoas paranoicas e assassinas.
Geralmente, a Legião deixava os casos de
drogas para a polícia paranormal. Essa fada
deve ter lidado com as pessoas erradas.
Nero e eu passamos por um trio de
soldados armados até os dentes com armas e
facas. Suas expressões eram tão mortais
quanto seus armamentos. Estes eram
assassinos duros e frios, o tipo de soldados que
a Legião enviava para derrubar os criminosos
realmente desagradáveis.
— Onde eles estão indo? — Perguntei a
Nero.
— Oeste. Em uma operação conjunta entre
nós e o escritório de Los Angeles.
— Monstros?
— Foras da lei, — respondeu ele. — Eles
deixaram um rastro de destruição da costa
leste para o oeste.
— E eles? — Perguntei.
Nero seguiu meu olhar para um grupo de
cinco soldados vestidos com roupas grossas de
inverno. — Eles estão indo atrás de um bando
de shifters desonestos que se escondem no
extremo norte das Wilds. Esses shifters
roubaram propriedades da Legião.
Esse era um termo genérico que a Legião
aplicava com frequência e generosidade. Isso
pode significar várias coisas.
A porta que passava pela recepção se abriu
e um terceiro grupo de soldados entrou no
saguão superlotado. Dos quatro, eu conhecia
um deles. Tínhamos participado em algumas
missões juntos no mês passado. A Sargento
Lavender Kane. Ela e seus três companheiros
estavam no caminho rápido para o nível
quatro, e hoje era o dia em que eles seguiam
para um treinamento especial. Ela estava
realmente animada com isso quando me
contou. Essa mesma emoção brilhava em seus
olhos agora. Ela olhou de Nero para mim,
depois me deu uma piscadela conspiratória.
— Por que Nyx colocou tantos de nós em
treinamento acelerado? — Perguntei a Nero.
— Eu não posso dizer nada sobre isso.
Claro que não. — O novo plano misterioso
dela tem algo a ver com onde você esteve nos
últimos meses, não é?
Ele saiu logo depois que salvamos o
dirigível das bruxas de ser destruído em
pedaços, depois que ele me pediu para sair com
ele. Isso foi há quase quatro meses e, desde
então, ele só voltou aqui uma vez por mês,
durante alguns dias de cada vez. Basta dizer
que não houve tempo para encontros.
Não que eu tivesse tempo para encontros
de qualquer maneira. Eu nem tinha tempo
para dormir - não entre o meu trabalho
habitual, o treinamento extra que Nyx me
designou e a lista interminável de leituras de
Nero. Sem fim, porque ele estava adicionando
novos livros mais rápido do que eu podia lê-los.
Na ausência de Nero, a Capitã Somerset
estava administrando as coisas aqui. Agora
que ele estava de volta com uma missão, talvez
as coisas voltassem ao normal - ou pelo menos
o mais normal possível para os soldados do
exército dos deuses. Ei, quem sabe? Talvez nós
finalmente chegássemos a esse encontro.
— Esteja na garagem em quinze minutos,
Pandora, — Nero me disse, depois seguiu pelo
corredor que levava ao seu escritório.
Apoiei meu cotovelo no balcão da recepção
e soltei um suspiro. Encontros com anjos eram
uma espécie de sucesso. É como se fossem
vinte pessoas diferentes, e você nunca sabia
qual delas encontrará. Hoje eu tinha
conseguido o Nero profissional. Peguei um
donut da caixa no balcão. Ser profissional
cansava. Eu preferia muito mais ter o Nero da
biblioteca.
— Como é beijá-lo? — Cocoa, a secretária,
me perguntou.
— Ele tem gosto de néctar.
Cocoa piscou, obviamente confusa sobre
como responder à minha afirmação. O néctar
era um veneno que te abençoava com nova
magia ou te matava.
Meu donut na mão, fui para o meu
apartamento no segundo andar, uma suíte de
três quartos que compartilhava com meus
amigos Ivy e Drake. Nenhum dos dois estava
em casa agora. Fui direto para o meu quarto
para me trocar. Os soldados que se dirigiam
para as Wilds, no Norte, podem estar
enfrentando os ventos fortes do inverno, mas
agora as Planícies Negras estavam se
aquecendo no calor do verão. Em fevereiro. Eu
não questionei isso. Ninguém questiona. A
magia havia mudado as Planícies Negras e a
fronteira próxima. O tempo raramente fazia
sentido. Você pode ter uma semana de calor
escaldante, seguida por uma semana de
nevascas.
Dei de ombros para o meu longo casaco de
inverno, jogando-o na minha cama. Troquei
minhas roupas do clube por uma blusa, shorts
e botas de caminhada. Ivy e Drake entraram
no apartamento quando eu terminei de
trançar meu cabelo para trás. Eu estava
carregando duas espadas hoje. Elas eram
assustadoramente afiadas, e eu não tinha
nenhuma intenção de cortar meu cabelo por
engano. Esperava-se que os soldados da legião
fossem ambidestros, flexíveis e rápidos - e eu
ainda não havia conseguido entender o que
era.
A risada contagiante de Ivy soou com o
clique da porta do apartamento. Peguei meu
donut e depois fui para a sala.
— Ei, Leda, — disse ela, pousando o
telefone na mesa de café. Seus longos cabelos
ruivos saltaram contra suas costas enquanto
ela se movia. — O que é isso que eu ouvi sobre
você sair bebendo com Jace em vez de mim?
— Foi um treinamento. — Sorri para ela.
— Não significou nada, sério.
Ela bufou. — Então, quanto tempo você
acha que ficará presa treinando com ele?
— Até que um de nós morra, eu acho. —
Devorei meu donut em quatro mordidas. —
Mas ele não é tão ruim assim.
— Perdoarei esse comentário porque você
está obviamente embriagada.
Lambi a cobertura dos meus dedos. —
Minha cabeça está perfeitamente clara. —
Esse era um dos benefícios de um metabolismo
sobrenatural com carga turbo.
A porta se abriu novamente e Drake
entrou no apartamento. Ele usava uma
camiseta muscular, calça cargo e botas de
caminhada pesadas. Seu cabelo escuro estava
cortado curto e penteado em picos espetados.
Ele parecia pronto para chutar bundas e partir
corações.
Drake era um lutador da linha de frente,
alguém que você trazia quando tinha um
trabalho desagradável que precisava ser feito.
Ele vinha fazendo muitas missões difíceis
ultimamente. A Capitã Somerset gostava de
usá-lo porque atropelava qualquer coisa em
seu caminho.
— Senhoras, — Drake disse com um
sorriso suave.
Ivy se abanou. — Alguém chama o médico.
Drake piscou para ela. — Devo levá-la
para a enfermaria, querida?
Ivy e Drake eram melhores amigos desde
o nascimento. Eles também estavam
totalmente uma na do outro, embora nenhum
deles parecia perceber. Ambos namoravam
pessoas diferentes.
— Pensando bem, não. — Ivy sentou no
sofá. — Passei o dia inteiro lá. Nunca mais
quero ouvir aquela música estúpida de Sandy
Marine.
— Eu pensei que você gostasse dessa
música, — eu disse.
— Eu gostava antes do mês passado. Mas
eles tocam repetidamente, hora após hora, dia
após dia. — Ela passou os dedos pelos cabelos.
— É o suficiente para fazer alguém
enlouquecer. Se é nisso que os deuses estão me
testando, prefiro pegar o néctar e acabar com
o teste.
Drake e Ivy haviam sido promovidos ao
nível dois na cerimônia do mês passado. O
Caldeirão da Bruxa era uma habilidade
mental, e alguns dos pirralhos da Legião não
tinham pensado que meus amigos tinham
neles uma inteligência. Mas Drake era um
leitor ávido, e Ivy tinha muito talento para
poções. Ela estava trabalhando na ala médica
agora, tentando encontrar seu verdadeiro
chamado.
— Leda lhe contou sobre a missão que
estamos realizando? — Drake perguntou a ela.
Me virei para ele. — Você também vai?
— Sim.
— Oh, eu me sinto deixada de fora, —
disse Ivy.
— Guiaremos os peregrinos pelas
Planícies Negras, — Drake disse a ela.
— O deserto infestado de monstros? — Ela
pegou um pedaço de chocolate da tigela na
mesa de café. — Pensando bem, prefiro ficar
aqui, mesmo que isso signifique ouvir aquela
música miserável repetidas vezes.
— Bem, divirta-se com isso. — Drake
pegou sua jaqueta e a bolsa pré-embalada. —
Eu preciso ajudar a carregar o caminhão. Vejo
você mais tarde. — Ele soprou um beijo para
Ivy, que ela pegou na mão.
— Você vai segurar isso por um tempo? —
Perguntei a ela quando Drake se foi.
Ela olhou para o punho fechado. A mão
dela se desenrolou lentamente, como se ela
ainda pudesse sentir o peso do beijo dele na
palma da mão.
— Beijos no ar não são tão divertidos
quanto a coisa real, — falei, sorrindo.
— O que? — Ela olhou para mim,
distraída.
— Deixa pra lá. Eu tenho que ir também.
Se eu me atrasar, causarei a ira do anjo
favorito de Nova York.
— Ele voltou? Quando isto aconteceu? Ele
já veio te ver? Vocês se beijaram? — As
perguntas saíram de sua língua tão rápido que
mal consegui acompanhar.
— Sim, ele voltou. Eu não sei quando
chegou. Ele veio me ver cerca de meia hora
atrás, quando eu estava treinando com Jace. E
não, não nos beijamos.
— Mas você espera que haja beijos?
Dei de ombros. — Eu não sei. Ele está
liderando a missão nas Planícies Negras, mas
acho que estaremos ocupados demais lutando
contra monstros para amassos.
— Não tenha tanta certeza, Leda. Ele
esteve no escritório cinco minutos no mês
passado e ainda encontrou tempo para ficar
com você na biblioteca.
— Eu não deveria ter lhe contado sobre
isso,— falei, franzindo a testa.
— Você não contou.
— Oh, certo.
Ivy tinha talento para saber tudo o que
estava acontecendo na Legião. Inferno, ela até
sabia coisas sobre soldados da Legião que
nunca conhecera em escritórios que nunca
havia visitado.
— Até logo. — Coloquei minha mochila nas
costas. — Tente ficar longe de problemas
enquanto eu estiver fora.
— Você também, Pandora. — Ela piscou
para mim.
Rindo, saí do apartamento e fui para a
escada. Os corredores estavam ocupados como
sempre, pessoas indo e vindo entre o trabalho
e seu pequeno pedaço de privacidade em um
escritório de mais de mil soldados.
Todo mundo que eu passei me encarou. Eu
não era popular nem impopular na Legião.
Algumas pessoas gostavam de mim, outras
não gostavam de mim, mas todo mundo sabia
quem eu era. Eles me conheciam por minha
capacidade incomparável de atrair problemas
aonde quer que eu fosse - e pela promessa
tácita de Nero de me fazer sua amante. Caos e
sexo, a receita perfeita para fofocas.
— Leda, — Jace disse, dando um passo ao
meu lado. — Ouvi dizer que você está indo
para as Planícies Negras com o coronel
Windstriker.
— As notícias viajam rápido. Parece que
você está saindo sozinho. — Olhei de lado para
ele, notando sua jaqueta e calça justas, o
uniforme aprovado pela Legião para missões
abaixo de zero. Onde quer que ele estivesse
indo, seria em algum lugar frio. — Acho que
sua reunião com seu pai correu bem.
— Assim como uma reunião com ele pode
ser, — disse ele sombriamente. — Ele me
recrutou para participar de sua última missão.
— Seu pai chefia o escritório de Chicago,
certo? É comum recrutar um soldado de outro
escritório da Legião para participar de uma
missão?
— Não é comum, mas acontece se o soldado
que você deseja possui habilidades especiais
críticas para o sucesso da missão.
— E quais são suas habilidades especiais
de missão crítica?
— Sou filho dele.
Ah.
— Estamos rastreando Osiris
Wardbreaker. Ele fazia parte do círculo
interno de Nyx, um dos primeiros soldados que
ela treinou para ser um anjo.
— Ele desapareceu? — Perguntei.
Um olhar sombrio cruzou o rosto de Jace.
— Ele ficou desonesto. Más notícias, Leda. Ele
é o primeiro anjo a escurecer há muito tempo.
Se ele se juntar aos demônios, estamos todos
com muitos problemas. Temos que detê-lo. —
Ele ficou em silêncio, sem falar novamente até
estarmos na escada. — Meu pai me colocou
nessa missão para que eu pudesse me provar
ao primeiro anjo.
— Tenho certeza que você conseguirá.
— Por que você está sendo tão legal? Você
não entende? — ele exigiu, frustração
pulsando em sua voz. — É difícil vencer o que
você fez, salvando um dirigível cheio de
bruxas. Capturar um anjo desonesto é quase
tão grande quanto isso. Ele quer que eu supere
você.
Ri. — E?
— Você é minha maior competição e um
anjo está me ajudando. Você não acha isso
realmente injusto?
— Você quer me vencer em um jogo justo,
— comecei.
— Sim.
— Eu tenho um anjo me ajudando
também, — apontei. — Então, acho que é o
mais justo possível.
— Você tem razão, — disse ele, um olhar
pensativo deslizando em seu rosto.
— Mas isso não precisa ser uma
competição, você sabe, — eu disse a ele.
— Diga isso ao meu pai.
Coloquei minha mão em seu ombro. — Seu
pai não controla você, Jace. Ele não define
quem você é.
— Você não o conhece.
— Não, mas eu conheço você. E quando
você não está tentando ser a pessoa que seu
pai quer que seja, você é um cara legal. — Sorri
para ele. — Um grande amigo. Lembre-se
disso.
Me virei em direção à garagem.
— Leda, espere.
Olhei por cima do ombro.
— Fique de olho nas Planícies Negras, na
cidade perdida, — disse ele. — Alguns dizem
que os fantasmas do passado ainda
permanecem lá, esperando para serem
liberados. Outros dizem que o lugar possui um
portão que leva direto ao inferno.
— Na verdade, estou mais preocupada com
monstros do que com fantasmas, mas obrigado
pelo aviso. E boa sorte.
— Obrigado. Vou precisar disso. O plano
do meu pai para me distinguir só pode me
matar. — Então ele se virou e caminhou de
volta pelo corredor.
3
Jogando legião
Uma hora depois, eu e onze outros
soldados estávamos em um trem para
Purgatório. Não, isso não era piada da Legião.
Purgatório era o nome da minha cidade natal,
um pequeno bolso de civilização nos limites da
fronteira, a porta de entrada para as Planícies
de Monstros. Era onde os criminosos
desapareciam nas Planícies Negras - e onde
soldados e caçadores de recompensas iam
atrás deles.
O trem que viajava entre Nova York e
Purgatório tinha uma carruagem reservada
para soldados da Legião dos Anjos. As
almofadas dos assentos eram de veludo
vermelho opulento, o chão era de madeira
maciça e a mini cozinha estava abastecida.
Alguém decidiu que os lustres eram o epítome
da fantasia e colocou um no centro de nossa
carruagem, deixando de levar em conta o teto
baixo.
O maço de sinos acima da porta tocou, e
Drake desceu pelo corredor, evitando
cuidadosamente os galhos de cristal do
candelabro.
— A carga está toda segura. O que eu
perdi? — ele perguntou, sentando-se ao meu
lado no banco almofadado.
— Grama, árvores, algumas lagoas,
algumas flores silvestres. — Não havia muito
mais por aqui.
Ele olhou pela janela. Do lado de fora, o
campo passava a oitocentos quilômetros por
hora. Ele estava respirando normalmente, e
não suava demais, movendo as enormes caixas
cheias de suprimentos para o escritório da
Legião em Purgatório.
— Você sente falta de casa? — ele me
perguntou.
— Todo dia. — Suspirei. Embora eu
estivesse mais perto de casa do que em meses,
me senti mais longe do que nunca. Eu estaria
lá em minha cidade natal e talvez nem visse
minha família. — Você se arrepende de se
juntar à Legião?
— Não, — ele respondeu imediatamente,
como se nem precisasse pensar sobre isso. —
Ivy precisava de mim, e eu não a deixaria
enfrentar esta vida sozinha. Não é isso que os
amigos fazem.
Drake e Ivy haviam se juntado à Legião ao
mesmo tempo que eu. Todos tinham suas
próprias razões para ingressar na Legião:
poder, necessidade de provar a si mesmos,
desespero. Drake juntou-se para estar lá para
sua melhor amiga Ivy. Ela se juntou para
ganhar o poder de curar sua mãe, mas sua mãe
já tinha um plano próprio, um plano que
significava fazer um acordo com demônios.
Esses acordos nunca deram certo. A mãe de
Ivy, a razão pela qual ela viera para a Legião,
estava morta agora, e era tarde demais para
ela sair. A Legião dos Anjos era um
compromisso vitalício, e isso é muito tempo
para um imortal.
Eu sabia que Drake tinha sido um atleta
importante em uma universidade antes de se
juntar à Legião. Ele tinha vampiros e shifters
em sua família, mas os poderes nunca
chegaram a ele. Como muitos de nós com
sangue sobrenatural, mas sem mágica, ele era
um pouco mais forte e mais rápido que os
humanos normais. Ok, talvez mais do que
apenas um pouco no caso dele.
Eles o chamavam de “o Dragão” no campo
de futebol - a força forte e poderosa que poderia
passar por qualquer um. Ele tinha um futuro,
uma longa lista de equipes profissionais que o
queriam depois que se formasse. Ele poderia
estar em uma dessas equipes agora, no centro
das atenções, dando autógrafos, comerciais,
outdoors, sua imagem projetada nos edifícios
da cidade de Nova York. Nos edifícios de todas
as principais cidades do mundo.
Em vez disso, ele era um parente
desconhecido na Legião, subindo como todo
mundo, comendo perigo no jantar e morte na
sobremesa. Arriscando-se todos os dias. Ele
havia desistido de tudo isso por Ivy. E ele
realmente não se arrependia. Vi nos olhos
dele.
— Há um grupo de soldados paranormais
na próxima carruagem, — Drake me disse.
Eles devem ser as forças de substituição de
Purgatório. Os soldados paranormais nunca
ficavam na fronteira por muito tempo,
raramente mais de seis meses. Quando
criança, eu os assistia entrar e sair de
Purgatório, vigiando o muro, a barreira que
separava a civilização das terras selvagens dos
monstros.
— Eles estão jogando Legião, — continuou
ele, divertido.
Legião era um jogo de cartas baseado na
Legião dos Anjos. E quero dizer, grosso modo,
porque nenhum jogo de cartas poderia se
aproximar do sangue, suor e lágrimas da coisa
real. O treinamento dos soldados paranormais
não era fácil, mas eles não encontraram
metade da classe de iniciação morta antes
mesmo do início do treinamento. Eles não
tinham ideia do que passamos.
Algumas pessoas em Purgatório
romantizam os soldados paranormais. Minha
irmã Tessa era uma delas. Eu nunca entendi
por que ela estava tão apaixonada por eles, por
que os considerava heroicos e corajosos. Um
vampiro já havia me batido sangrentamente
na frente deles, e eles não tinham levantado
um dedo para ajudar. Eles nunca levantaram
um dedo para ajudar ninguém na cidade. Eles
eram covardes.
Pelo menos era o que eu sempre pensei.
Agora que eu também era um soldado, me vi
revisitando meu preconceito anterior. Como
soldados da Legião, eles não tinham permissão
para interferir. Eles deveriam seguir as ordens
à risca, e se envolver nos assuntos locais não
fazia parte disso.
— Quando eu era criança, morava nas
ruas, costumava fazer brincadeiras com
soldados paranormais, — disse a Drake.
— Sério? — Ele não pareceu nem um pouco
surpreso. — Que tipo de brincadeiras?
— Principalmente roubar a comida deles,
mas às vezes roubava as armas e as plantava
em seus camaradas.
— Sério? — As sobrancelhas dele se
ergueram em desafio.
— Você quer que eu faça trote neles agora?
— Estou te desafiando a fazê-lo.
— Claro, por que não? — Levantei do meu
lugar. — Temos algum tempo para matar.
Tirei minha jaqueta, evidência de minha
afiliação com a Legião. Isso não funcionaria se
eles não estivessem à vontade - e um soldado
da Legião não os deixaria à vontade. A Capitã
Somerset, sentada do outro lado da
carruagem, me viu tirar minha jaqueta com
muita diversão. Ao lado dela, Nero não parecia
divertido. Ele não parecia muito, de fato. Seu
rosto era uma máscara de mármore duro. Os
outros oito soldados nem sequer ergueram os
olhos do jogo de cartas.
Acenei com a mão para abrir a porta e
entrei na carruagem dos soldados
paranormais. Doze homens bem vestidos, de
uniforme bem passado, ergueram os olhos
quando entrei. Seus olhos começaram no meu
top, deslizando para o meu short justo e depois
voltando novamente. Isso seria muito fácil.
— Ei, meninos, — eu disse com um
pequeno aceno. Eu não era um flerte de
primeira classe como minha irmã Tessa, mas
descobri em meus anos como caçadora de
recompensas, que as palavras que saíam da
minha boca eram muito menos importantes do
que o que eu vestia. — Será que eu poderia me
juntar a vocês?
— É claro, — disse um deles enquanto se
moviam para dar espaço para mim.
— Obrigada, — falei, sorrindo enquanto
me sentava.
— Você sabe jogar Legião, pêssegos? —
Um homem com uma tatuagem de fênix no
pescoço perguntou, me distribuindo dez
cartas.
Mais do que você. Eu sobrevivi à coisa real,
abóbora. Mas eu apenas continuei sorrindo. —
Eu acho que posso descobrir isso.
— Só me avise se precisar de uma mão. —
Ele piscou para mim.
— Ou uma espada.
Eles riram.
Há, Há. Espero que você seja melhor
jogando cartas do que fazendo insinuações.
Tatuagem de fênix abriu o jogo com o
cartão de vampiro. Deixei a primeira rodada
antes de trazer à tona a verdadeira magia.
— Pare, — falei, e todos congelaram, os
olhos sem foco. — Coloque suas cartas na
mesa, com a face para cima.
Eles obedeceram. Meu olhar percorreu
seus cartões. Não havia motivo para eu não
poder brincar com os soldados e praticar
compulsão ao mesmo tempo.
— Na verdade, eu não preciso de uma
espada, — disse ao homem que tão
generosamente se ofereceu para me emprestar
sua espada. — Mas eu vou levar o seu anjo.
Peguei um cartão com um anjo seminu
nele. Com seus longos cabelos negros e pele
pálida e cintilante, ela tinha uma estranha
semelhança com Nyx - mas eu nunca tinha
visto o Primeiro Anjo montando uma
motocicleta em sua lingerie. Quem diabos
havia projetado esse baralho?
Dei a ele minha carta de monstro em troca,
depois direcionei minha atenção para as cartas
dos outros jogadores. Um deles também tinha
um anjo, que eu imediatamente peguei para
mim. Este anjo era a imagem cuspida de Nero,
embora eu nunca tivesse visto Nero
carregando uma espada de fogo tão alta
quanto ele. Virei o cartão, tentando descobrir
como você balançaria uma espada tão grande.
Decidi que era impossível, mesmo para um
anjo.
O soldado conseguiu meu iniciado, um
sujeito com um status fraco de força de
vontade, então ele provavelmente não
chegaria longe de qualquer maneira. Não pude
deixar de me sentir mal pelo desenho
bidimensional do cartão. Assim como na vida
real, ele nunca teve uma chance.
Minhas trocas terminaram, olhei para os
soldados e disse: — Continue.
Eles pegaram suas cartas e começaram a
jogar como se nada tivesse acontecido. Os dois
caras com quem eu troquei, apertaram os
olhos, confusos. Eles deviam estar se
perguntando aonde seus anjos haviam ido - ou
se eles realmente os tiveram ou apenas
imaginaram.
Olhei de volta para a porta entre os carros.
Drake ficou lá, olhando pela janela de vidro,
lutando para conter sua diversão.
— Você está trapaceando, — um dos
soldados rosnou, chamando minha atenção de
volta ao jogo. Mas ele não estava olhando para
mim. Seus olhos raivosos estavam focados no
homem à sua direita. — Esse cartão de fada
azul que você jogou era meu. Eu tinha na
minha mão alguns segundos antes.
Para apimentar as coisas, eu reorganizei
algumas das cartas dos soldados. Isso foi ainda
mais divertido do que roubá-las para mim.
— Bem, esse cartão de líder do clã das
bruxas era meu, — ele retrucou.
— Onde está o meu lobisomem?
— Minhas poções de cura se foram!
Os soldados estavam gritando agora, cada
um mais alto que o anterior. Cartas voaram
sobre a mesa, misturando-se em uma pilha
desleixada. Olhei para a porta novamente,
esperando encontrar Drake rindo. O que eu
encontrei fez meu coração gaguejar de alarme.
Nero entrou pela carruagem, com os olhos
ardendo como uma tempestade no Ártico. Esse
era o olhar que ele sempre tinha antes de me
punir. Os soldados paranormais congelaram
quando viram o anjo, levantando-se para
cumprimentá-lo. Os soldados paranormais
reverenciavam a Legião dos Anjos quase tanto
quanto a temiam.
— Pedimos desculpas por incomodá-lo,
coronel, — disse Tatuagem de fênix,
inclinando a cabeça. — E nos submetemos ao
seu santo julgamento.
Engoli uma risada. A cabeça de Nero se
virou com o barulho, aqueles olhos frios se
fixando em mim.
— Cabo Pierce, venha comigo.
Eu sabia que estava com problemas
quando ele não me chamava de Leda ou
mesmo seu apelido favorito Pandora. Respirei
fundo e o segui. Os soldados paranormais
olharam boquiabertos para mim.
— Foi bom sair com vocês. Deveríamos
jogar de novo algum dia. — Falei a eles,
piscando.
Eles olharam para mim horrorizados,
como se jurassem que nunca mais bateria em
uma mulher no caso se mostrasse um soldado
da Legião.
Segui Nero pela carruagem e depois para
o carro do motorista.
— Deixe-nos, — disse ele ao motorista.
O homem deu uma olhada no fogo frio
queimando nos olhos de Nero, depois saiu tão
rápido que quase bateu na porta.
— Bem, isso é legal, — falei a Nero quando
estávamos sozinhos. — Agora quem vai dirigir
o trem?
— Essas coisas dirigem a si mesmas. O
trem pode sobreviver sem ele por alguns
minutos.
— Alguns minutos? Eu acho que você está
subestimando quanto tempo suas palestras
levam.
Nero me lançou um olhar nada simpático.
— Estou muito ciente de quanto tempo elas
levam.
— Oh, você cronometra, não é? —
Perguntei, meu eu atrevido tirando o melhor
de mim. Novamente.
— Isso seria impossível. Você desafia todas
as leis que conheço, Pandora, incluindo as leis
do tempo.
Sorri para ele. — Isso deve ser frustrante.
— Sim. — Sua expressão gelada rachou,
revelando frustração, como se ele não soubesse
o que fazer comigo. Nero raramente mostrava
suas emoções, mas quando o fazia, essa
expressão era um visitante frequente. — O que
você estava fazendo com aqueles soldados
paranormais?
— Praticando compulsão.
Sua boca afinou em uma linha dura. —
Você estava brincando com eles.
— Posso ser multitarefa. — Sorri para ele.
— Eu estava apenas tentando passar o tempo.
— Se você está entediada, posso encontrar
coisas para preencher seu tempo.
O sorriso morreu nos meus lábios. A ideia
de Nero de “preenchimento de tempo”
envolvia correr voltas e perfurar uma parede
de metal duro repetidamente, para aumentar
seu limite de dor. Mas estávamos em um trem,
então nenhuma dessas coisas era praticável no
momento. A menos que ele estivesse pensando
em me fazer correr pelos topos dos vagões, que
se moviam a oitocentos quilômetros por hora.
Mas isso nem era possível.
A boca de Nero se torceu, como se ele
tivesse ouvido meus pensamentos novamente.
Droga. O olhar em seus olhos estava me
desafiando a dizer que era impossível. Os
soldados da Legião desafiavam o impossível.
Não deveríamos contemplar o significado da
palavra.
Hora de levar isso em uma direção
diferente. — Passar o tempo, você diz? —
Arqueei minhas sobrancelhas com lentidão
deliberada. — O que você tinha em mente?
O olhar de Nero seguiu minhas mãos
enquanto arrumavam uma ruga no meu short.
Ele ficou assustadoramente quieto, lutando
contra a tentação.
— Quer saber? Esqueça. — Dei de ombros.
— Vou encontrar mais alguns soldados para
irritar.
— Leda, espere. Pare.
O comando em sua voz me fez parar, mais
pelo desejo de saber o que ele ia dizer do que
pelo desejo de obedecer.
— Seu poder cresceu no último mês. Você
tinha aqueles soldados completamente
encantados.
— Talvez tenha sido a minha magia, ou
talvez eles tenham se encantado com a minha
falta de roupa íntima.
Seu olhar desviou para o meu short
apertado. A metade inferior do uniforme de
deserto da Legião parecia muito com hot
pants.
Sorri para ele. — Eu não suporto linhas de
calcinha.
— Isso é tudo? — Sua voz estava mais
baixa, mais sombria. — Essa é a verdadeira
razão?
Minha garganta se apertou sob a
intensidade de seu olhar. — Sim, claro.
Ele deu um passo em minha direção,
preenchendo a distância cada vez menor entre
nós. — Senti saudade de você. Toda hora que
estive longe, pensei um pouco mais em você.
A declaração contundente me pegou
desprevenida, descarrilando o comentário
espertinho que eu tinha pronto para deixar
sair. — Onde você esteve?
— Não é seu lugar questionar um anjo. —
Suas palavras sussurradas caíram no meu
ouvido como beijos leves.
— Sim, bem... — Limpei minha garganta.
— Você sabe que eu não sou boa em seguir
ordens.
— Não, você não é.
Ele me agarrou bruscamente, me girando.
Uma mão estava no meu quadril; a outra
traçou meu pescoço. Afastando minha trança,
ele mergulhou a boca na minha garganta,
provocando a veia pulsante entre os dentes.
Um gemido suave quebrou meus lábios.
— Eu e os outros anjos da América do
Norte treinamos com Nyx, — disse ele contra
o meu pescoço.
Eu me inclinei contra ele, seu peito duro
contra as minhas costas, sua mão trancada em
volta do meu quadril. — Anjos ainda precisam
treinar?
— Claro. O treinamento não termina até
que você esteja morto. E estou meio convencido
de que Nyx projetou o treinamento para nos
matar.
Ri baixinho.
Nero me virou. — Você tem uma risada tão
perfeita. — A ponta de seu dedo tocou meus
lábios. — A mistura perfeita de bem e mal.
Ele disse isso antes, que eu era um
equilíbrio perfeito entre luz e escuridão.
— Quente, rica, macia. — Seus beijos
traçaram minha mandíbula. — Como café.
— Pensei que você não bebia café. A
cafeína é uma fraqueza. — Provoquei.
— Você é minha fraqueza, Leda. Minha
tentação, o canto da sereia que eu seguiria de
bom grado para minha própria morte.
Meu pulso bateu contra a minha pele como
um vulcão borbulhante, crescendo, fervendo.
Levantei meu olhar, encontrando o fogo verde
em seus olhos.
Ele me beijou devagar, suavemente. —
Gostaria de levá-la para jantar.
— Eu já concordei, — lembrei-o. — Contra
meu melhor julgamento, devo acrescentar.
Peguei seu lábio inferior entre os dentes,
puxando-o lentamente. Um gemido profundo e
baixo retumbou em seu peito, zumbindo contra
a minha pele, trazendo meu corpo cansado e
sobrecarregado de volta à vida.
— Eu não esperava que Nyx nos fizesse ir
nesse treinamento logo depois que eu convidei
você para jantar, — disse ele. — Lamento o
atraso. Se você permitir, planejo fazer as pazes
com você.
Sua voz estava carregada de coisas não
ditas. Tinha gosto de doces seduções e
promessas perversas. Minha pele formigou
com a magia dessa promessa, a promessa de
um anjo que nunca voltou atrás em sua
palavra. Ele traçou uma trilha de fogo
selvagem no meu braço.
— Como posso recusar uma oferta como
essa? — retruquei, minha voz falhando.
Ele me deu um sorriso satisfeito. Ele sabia
que me tinha. Eu podia ver nos olhos dele,
aquela arrogância tingida com um toque de
vulnerabilidade nua. Como se eu pudesse
penetrar na máscara de mármore do anjo,
como se pudesse feri-lo com uma única
palavra. Mas eu não queria machucá-lo. Eu
queria ver aqueles olhos ardendo de prazer,
não de dor.
Ele me beijou novamente, sua boca
descendo com força na minha. Não estava
sendo gentil dessa vez. Não provocou ou
provou; ele devorou. Calor brilhou através do
meu corpo, uma cascata de sensações febris e
uma necessidade dura e crua. Agarrei seu
colarinho, puxando-o contra mim.
Muito cedo, ele se afastou. — Tudo em seu
tempo. — Sua mão permaneceu na minha
bochecha por um momento final antes de
retirá-la também. — Temos um trabalho a
fazer.
Seu rosto ficou sério, frio. Era como se um
interruptor tivesse clicado dentro dele. O
amante apaixonado se foi, deixando apenas o
coronel.
— Volte para os outros, — disse ele. — O
trem está chegando em Purgatório agora.
4
Cowboy da realeza
Drake me deu um olhar divertido quando
voltei para a carruagem da Legião. — Seu
namorado te repreendeu?
Vários de nossos colegas de equipe riram.
Mostrei minha língua para eles. Eu era
madura assim.
— O coronel Windstriker com certeza
estava furioso, — comentou Monique Park,
levantando a bolsa do chão.
— Eu me pergunto por que estaria. —
Claudia Vance piscou para mim, girando a
ponta da longa trança loira ao redor do dedo.
Foi um gesto bastante tímido da donzela de
batalha de Nova York, como alguns a
chamavam. A sargento Vance era uma
dicotomia interessante, curvas voluptuosas e
músculos endurecidos pela batalha, todos
embrulhados em uma única pessoa.
— Ele está bravo porque eu obriguei os
soldados paranormais na carruagem seguinte
a me darem todas as suas cartas de anjo, —
expliquei.
— Esses meninos estão jogando Legião?
— Sim. — Abaixei-me e puxei minha nova
carta de Nero da minha bota.
Claudia olhou rindo. — O artista com
certeza sabe como fazer um anjo, — ela
ronronou, a língua deslizando lentamente
pelos lábios, os olhos traçando a ilustração de
Nero em um terno de couro preto e elegante.
— Você vai ferrar com ele ou o quê, Leda?
— Alec Morrows me perguntou.
O sargento Morrows era um dos mais
afetados como Drake. Na semana passada, os
dois haviam enfrentado um bando de
lobisomens que haviam violado as leis dos
deuses. Morrows era estranhamente forte e
resistente como aço, mas isso não significava
que eu deixaria que ele me provocasse sem
retaliação.
Eu estava pensando em uma resposta
cortante, quando a tenente Lawrence disse: —
Não incentive a pobre garota, Morrows. Ela
não faz ideia de em quem está interessada.
Lembre-se da tempestade de merda que caiu
na última vez em que Nero se apaixonou. —
Ela simulou, seus lábios se curvando com
prazer vicioso. — Ele deixou a pobre garota
uma bagunça. Ela ficou de coração partido e foi
transferida para a Europa.
O trem parou e as portas se abriram. No
alto, os cristais do lustre tilintavam em
comemoração à nossa chegada.
— Lembro-me do por que nunca gostei
dessa mulher, — sussurrei para Drake quando
a tenente Lawrence saiu do trem.
— Ela é apenas amarga. Ela passou anos
tentando chamar a atenção do coronel
Windstriker com todos os tipos de acrobacias
loucas, mas ele nunca deu a ela a hora do
dia.— Claudia passou o braço em volta de
mim, me levando em direção à porta. — E
então você veio e o enroscou em seu dedo até o
final do primeiro dia.
— Eu não diria que o tenho enroscado no
meu dedo. — Se eu tivesse, seria capaz de
convencê-lo a me tirar de todas aquelas voltas
e flexões extras que ele gosta de me atribuir
quando faço beicinho.
— Sim, existem lugares melhores para ter
um anjo enroscado em você, — disse ela com
uma piscadela, depois correu para caminhar
ao lado de sua melhor amiga, capitã Somerset.
Drake e eu fomos os últimos a sair do trem.
Bem, eu não tinha visto Nero partir, mas
talvez ele pudesse se teletransportar ou pelo
menos se tornar invisível. Os feitiços dos
escalões mais altos dos anjos eram um
mistério para mim - e para praticamente todo
mundo que não era um anjo.
Juntamente com os outros, Drake e eu
carregamos a carga da Legião do trem até o
caminhão grande que esperava em frente à
estação. Quando terminamos, o caminhão
estava tão cheio que não havia espaço para
nenhum de nós. Andamos pela cidade,
atraindo olhares e sussurros, enquanto
seguíamos para o escritório da Legião.
Fazia cinco meses desde que eu voltei para
casa, mas pareceu anos. E não apenas porque
estava com saudades de casa. Algo aconteceu
ao Purgatório naquele meio ano, uma
deterioração, uma corrosão que deveria levar
anos e não meses. Um trio de homens
sombrios, com espingardas automáticas
escondidas embaixo de seus enormes casacos,
ficava do lado de fora Witch’s Watering Hole.
Esse foi o último bar que eu tinha ido antes de
partir para Nova York. Purgatório ficava na
fronteira, então as pessoas sempre andavam
pela cidade com armas e facas. Mas não tantas
armas e facas - e não armas como essas. Eles
não estavam armados para se defender; eles
estavam armados para destruir uma vida.
Reconheci os casacos de couro marrom escuro,
botas pesadas e fedidas. Esses companheiros
pertenciam a Prince, um dos senhores do
distrito da cidade que se achava um cowboy da
realeza.
Eles não estavam sozinhos. Vi bandidos de
cinco senhores distritais distintos. Eles
estavam por toda parte, mais do que nunca.
Eles estavam nos restaurantes, lojas e bares.
Andando pelas ruas como se os possuíssem.
Havia um cheiro estranho na cidade, o cheiro
de perfume caro demais, um almíscar
profundo ensaboado para cobrir o cheiro de
medo que sangrava pelas ruas. Mas não havia
perfume, por mais potente que fosse não
poderia cobrir o cheiro do medo. O medo era o
mais básico dos instintos, o mais forte dos
aromas. Ele permeia tudo, um cheiro doentio
de frutas maduras estragando ao sol do verão.
— A cidade parece diferente, — eu disse
baixinho para Drake.
— As coisas mudam, Leda. É uma parte
natural da vida.
— Essa mudança é para pior. A cidade
nunca foi luxuosa ou brilhante, mas era
reconfortante. Como um velho cobertor de
segurança manchado por vinte anos de
lágrimas e suor.
— Cobertor de segurança? Prefiro algo
com um pouco mais de chute. — Ele bateu na
besta. — Eu usei esse bebê para limpar o
Sapphire Point de monstros alados de
serpentes.
— Esse mesmo?
— O mesmo. Cinquenta e dois demônios,
duas horas, um homem. Uma batalha que
cairá nos livros de história, — declarou ele, os
olhos erguidos em triunfo, a voz cheia de
nostalgia.
Sorri para ele. — Isso é lindo. Parece o
começo de um daqueles filmes de terror que
Ivy gosta.
— Ah não. Isso foi melhor. Muito melhor,
— ele respondeu seriamente.
Paramos em frente ao templo de adoração
dos peregrinos. O escritório da Legião da
cidade era apenas uma sala dentro daquele
templo.
— Arquivo, — disse Nero, saindo da porta.
Como ele chegou aqui tão rápido? Talvez
ele realmente pudesse se teletransportar. Ou
talvez fui lenta, distraída com a epidemia de
corrupção que consumia minha cidade.
Seguimos Nero até um pequeno escritório
no final do corredor. Sete peregrinos
esperavam lá dentro. Eles não estavam
vestidos com as roupas habituais do clero, mas
com calças e camisetas de carga. Eu poderia
tê-los confundido com pessoas comuns, se não
fosse pela maneira distinta em que cruzavam
as mãos, as palmas das mãos para fora. Era
um gesto de peregrino, que transmitia seu
desejo de transmitir a mensagem dos deuses.
— Nossa missão, — disse Nero quando
estávamos todos lá. — É guiar e proteger os
peregrinos em sua jornada para o local
sagrado da batalha na Cidade Perdida, que
fica no meio das Planícies Negras.
Séculos atrás, os monstros haviam
invadido a Terra. O Livro dos Deuses nos diz
que os deuses desceram ao nosso mundo,
afastando os selvagens e salvando a
humanidade de certa destruição. A verdade
era um pouco mais complicada - ok, muito
mais complicada. Tão complicado, de fato, que
ninguém sabia exatamente o que havia
acontecido naquela época.
Nós sabíamos que os deuses nos haviam
ajudado a construir muros para separar a
humanidade dos monstros. Sabíamos que eles
formaram a Legião dos Anjos, uma nova
geração de soldados para combater a guerra
contra demônios e monstros. Os peregrinos
haviam ressuscitado das cinzas da
humanidade em nossa pior hora. Eles
adoravam os deuses, construindo templos em
sua homenagem. Assim como a Legião
representava a mão dos deuses, os Peregrinos
representavam sua voz.
— Valiant me disse que objetos de grande
poder estavam enterrados sob a Cidade
Perdida, — disse Nero, indicando o Peregrino
à sua direita.
Valiant. Seu nome significava que ele era
um membro mais elevado dos peregrinos,
alguém que os deuses distinguiram ao
abençoar com vida longa por seu serviço. Todos
eles possuíam títulos honorários com nomes de
virtudes.
— É absolutamente essencial que
recuperemos essas preciosas relíquias
históricas antes que ladrões ou mercenários as
peguem, — disse Valiant, sua voz tremendo de
emoção.
Se os artefatos fossem da época da batalha
final, eles estavam na Cidade Perdida há
séculos. Os caçadores de relíquias já os
encontraram há muito tempo ou estavam
enterrados tão profundamente que ninguém
jamais o faria.
— Precisamos sair imediatamente, —
declarou Valiant.
— Isso seria imprudente, — eu disse a ele.
Todo mundo olhou para mim.
— As planícies negras não são seguras à
noite, — continuei. — Os piores monstros
saem depois do anoitecer.
Nero me observou, como se estivesse
debatendo se deveria ou não me punir por
falar fora de hora. — Ela está certa, — ele
finalmente disse, para desgosto do tenente
Lawrence. — Vamos dormir aqui no templo
hoje à noite e sair amanhã à primeira luz. —
Ele acenou com a mão na porta, que se abriu,
revelando uma peregrina em um vestido liso.
Ela se curvou para nós. — Por favor,
permita-me mostrar-lhe seus quartos. — Ela
parecia tão jovem, não mais velha do que
minhas irmãs de dezessete anos.
Eu estava prestes a seguir quando Nero
disse: — Pandora, uma palavra.
Meus camaradas seguiram a garota e os
peregrinos os seguiram, fechando a porta atrás
deles. Deixando-me sozinha com o anjo de
rosto pedregoso, que pela aparência não tinha
apreciado meu desejo de dizer o que pensava.
— Você vai me punir, não é? — Falei com
um suspiro pesado.
— Temo que não faça nenhum bem.
— Isso nunca te impediu antes.
Uma pitada de diversão passou por sua
máscara de granito.
— Admita, — falei, sorrindo. — Você
aprecia minha inteligência afiada.
— Em particular, talvez, mas não na
frente dos meus soldados. E certamente não na
frente de pessoas de fora.
— Tudo bem. — Suspirei novamente. —
Manda.
— Quando voltarmos, mais trinta milhas
todas as manhãs por uma semana.
No que diz respeito às punições de Nero,
foi bastante branda.
— Está se sentindo magnânimo hoje? —
Perguntei.
Ele me lançou um olhar duro. — Em vez
disso, posso te fazer percorrer 80 quilômetros.
— Não, trinta deve servir. Obrigado. Eu já
estou me sentindo muito arrependida. — Eu
deveria ter parado por aí, mas nunca soube o
que era bom para mim. — Você ainda vai me
punir com voltas extras quando eu for um
anjo? — Perguntei a ele. Simplesmente não
pude evitar.
— Você acha que ainda precisarei puni-la
com voltas extras quando você for um anjo?
— Provavelmente, — admiti.
Um pequeno sorriso tocou seus lábios. —
Acredito que sim.
— É? E por que isto? Porque você gosta de
me punir tanto assim?
— Não, porque significará que você
conseguiu se tornar um anjo sem mudar quem
você é. — Ele roçou a mão na minha. — Eu não
pedi para você ficar apenas para poder punir.
— Nero, não vou te dar uns amassos neste
pequeno escritório. Nem sequer tem uma
trava adequada. Qualquer um pode entrar a
qualquer momento.
Ele riu alto. — Você ficou comigo na
biblioteca. Não havia nem uma porta.
O calor correu para minhas bochechas - e
alguns outros lugares.
Ele levou minha mão aos lábios, beijando
as pontas dos dedos. — Eu não pedi para você
ficar aqui também pra isso. Eu só queria
informá-la sobre a infeliz escassez de camas no
templo.
— E é aqui que você generosamente se
oferece para compartilhar sua cama comigo?
Ele bufou. — Essa é uma opção, é claro.
Mas eu ia propor que você ficasse com sua
família.
O atrevimento vibrou dentro de mim,
banhado por uma onda avassaladora de
gratidão. — Sério?
— É uma solução apropriada para o
problema.
— Obrigado.— Joguei meus braços em
volta dele. — Muito obrigado.
— Espero vê-la aqui amanhã às quinze
para as seis. Não se atrase.
— Não vou,— prometi, dando-lhe um
segundo abraço antes de ir para a porta.
— E Leda.
Virei minha cabeça para olhá-lo.
— Eu sei que é difícil para você ver as
mudanças na cidade desde que partiu, mas
devo lembrá-la para não interferir nos
assuntos locais. Você é um soldado da Legião
agora e jurou defender a justiça dos deuses. Se
você esquecer isso, nem eu posso salvá-la da
ira deles.
— Eu sei. — Respirei fundo. — Lembrarei
disso.
— Durma bem.
Sorri para ele. — Você também.

Não havia nada melhor na vida do que


jantar com sua família. Ficar longe deles por
tanto tempo me lembrou dessa verdade
simples. Calli e as meninas, Tessa e Gin,
estavam lá. A Universidade de Bruxaria de
Nova York estava fechada entre os semestres,
então Bella também estava em casa. A única
pessoa que faltava para completar esse jantar
em família era Zane. Olhei para a cadeira
vazia do meu irmão e uma pontada de
melancolia ardeu no meu coração, uma única
mancha negra nessa noite perfeita.
— Você o encontrará, — Bella disse do meu
lado. Ela apertou minha mão. — Todos nós
acreditamos em você, Leda.
Calli levantou o copo para mim. Minhas
irmãs imitaram o gesto. Estávamos bebendo
água hoje à noite, mas eu gostei da mesma
forma.
— Então, como vai à escola? — Perguntei
a Bella, enquanto colocava as batatas fritas no
meu prato. — Algo interessante está
acontecendo?
— Bem, não há como eu vencer a aventura
que tivemos, Leda, mas eu consegui as
melhores notas da minha classe nas finais do
semestre.
— Isso é incrível, — eu disse a ela. — Eu
sabia que você poderia fazer isso.
— Isso é legal e tudo, — disse Tessa,
pegando a tigela de milho. — Mas o que me
interessa é ouvir sobre essa 'aventura' que
você e Leda tiveram.
— Oh, não foi nada demais. Bella e eu
apenas paramos uma conspiração que ia
destruir a comunidade de bruxas de Nova
York. — Olhei para a tigela na frente de Tessa.
— Você poderia me passar o feijão verde?
— Isso não parece nada demais para mim,
— comentou Tessa, olhando de mim para
Bella.
— Você me dá muito crédito, — Bella me
disse. — Apenas desempenhei um pequeno
papel em uma trama maior que você e o
coronel Windstriker revelaram.
— Coronel Nero Windstriker, tipo o anjo
sexy de Nova York? — Tessa perguntou.
— Não fale com a boca cheia, querida, —
Calli a repreendeu.
Tessa engoliu em seco, depois olhou para
mim com olhos famintos. — E? Não me deixe
esperando aqui!
— Fui eu quem ficou pendurada. Eu ainda
estou esperando aqueles feijões verdes, — eu a
lembrei.
Ela passou a tigela para mim. Seus lábios
tremiam com uma centena de perguntas de
acompanhamento, apenas esperando para
serem lançadas.
— Sim, esse Nero Windstriker, — disse à
minha irmã que sofria. — Como você sabe
quem ele é?
Uma expressão de puro horror adolescente
brilhou em seu rosto. — Você está falando
sério? Claro que sei quem ele é. Todo mundo
sabe quem ele é. Você não viu o deck de cartas
da Legião?
Eu não sabia quem era Nero quando nos
conhecemos, mas depois não colecionava
cartas da Legião. Bem, pelo menos eu não
tinha até hoje. Tirei a carta de Nero da minha
bota e coloquei-a sobre a mesa.
— Você quer dizer essa carta? — Perguntei
a Tessa.
Um sorriso travesso torceu seus lábios. —
Deuses, Leda, você acabou de tirar isso da sua
bota?
— Sim. E?
Os olhos de Tessa dispararam para Gin. —
Ela mantém a foto dele na bota. É como o
equivalente da Legião a um armário.
— Você mantém essa carta com você o
tempo todo? — Gin me perguntou.
— Desde que eu o peguei de alguns
soldados paranormais no trem uma hora
atrás.
Tessa cruzou as mãos na frente do coração.
— Que romântico.
— Se você diz.
Tessa acariciou a borda externa do
baralho. — Seus músculos são tão grandes na
vida real?
— Oh, muito maior. São bem grandes, —
falei, pegando a fatia grossa de peru que Calli
havia cortado para mim.
— Sério? — Tessa umedeceu os lábios.
— Sim, tão grande que ele estava sempre
vestindo seu uniforme, então agora ele só anda
pelo escritório da Legião nu.
Um beicinho deslocou o sorriso eufórico em
seu rosto. — Você está zombando de mim.
— Apenas me divertindo com você,
irmãzinha. — Olhei para Bella. — Então,
quando voltarmos a Nova York, deveríamos
sair para comemorar seu triunfo acadêmico.
Que tal cheesecake?
— Isso parece divino.
— Você sabe o que é mais divino? Anjos, —
disse Tessa com um sorriso. — Conte-nos mais
sobre o seu anjo, Leda.
— Não há nada para contar. Que tal você
nos contar sobre a escola? O que há de novo?
— Ganhei o concurso Rainha do Inverno,
— disse ela. — E estou no comando do comitê
do baile. Dani Wilkinson queria que o tema
fosse bruxas, mas já o fizemos pelo regresso a
casa há três anos. Quero dizer, sério, o que
essas pessoas fariam sem mim para
acompanhar essas coisas? Eu disse a ela que
faremos com Anjos este ano, e é claro que todos
adoraram. Quem não ama anjos?
Ninguém aparentemente.
— Como estão as aulas? — Perguntei a
Gin.
— Recebi um A na Steam Tech, — disse
ela, sorrindo.
Calli sorriu para ela. — Gin tem me
ajudado na garagem. Lembra daquela
motocicleta velha que encontramos no ano
passado no cemitério de automóveis, nos
arredores da cidade, Leda? Ela conseguiu
fazer funcionar.
— Isso é fantástico, — eu disse a Gin. Ela
era realmente talentosa. As pessoas
simplesmente não viam porque ela estava
vivendo na sombra de Tessa.
— É mesmo, — disse Tessa. Ela poderia
ter sido uma porca da atenção, mas ela amava
Gin. — Todos os caras na parede ficaram
realmente impressionados. Eu acho que
aquele bonitinho com a tatuagem de dragão
vai te convidar para sair.
Gin corou num adorável tom de rosa.
— E como está seu soldado paranormal,
aquele cujo nome você queria tatuar em sua
pele? — Perguntei a Tessa.
Tessa esticou o lábio inferior. — Nem
mencione o nome dele.
— Eu acho que você está segura nisso. Eu
nem me lembro do nome dele. — Era
impossível acompanhar a porta giratória de
namorados de Tessa.
— Ele deixou a cidade quando seu tempo
acabou. Ele disse que escreveria para Tessa,
mas ele nunca escreveu. — Gin me disse.
— Tanto faz. Conheci alguém que é dez
vezes o homem que ele nunca será, — declarou
Tessa.
— Sério. Quem é esse sujeito maravilhoso?
— Uh-uh. Não vou dizer. — Tessa passou
os dedos pela boca.
— Por que não?
— Porque eu posso dizer pelo seu olhar
que, assim que eu fizer, você o encontrará e
fará um discurso sobre como ficar longe de sua
irmãzinha.
— Infelizmente irmãzinha, não tenho
tempo para brincar de pega-pega com soldados
paranormais agora. — Suspirei, olhando para
Calli. — O que está acontecendo aqui? A
cidade parece diferente.
— O governo cortou fundos para os
escritórios do xerife em várias cidades da
fronteira, inclusive a nossa. Os recursos estão
sendo desviados para a Legião, o muro e a luta
contra os monstros. O xerife Wilder não tinha
dinheiro para continuar pagando os caçadores
de recompensas para rastrear criminosos.
— Você não está trabalhando? —
Perguntei.
— Estamos trabalhando, mas não o
suficiente. Muitos dos caçadores de
recompensas locais seguiram em frente, mas
mesmo com apenas alguns de nós, não há
trabalho suficiente para dar a volta. E seu
amigo Jinx criou o hábito de nos deixar fazer
todo o trabalho e depois tirar nossas marcas de
baixo de nós.
Cerrei os dentes. — Onde ele está?
— Nem pense em ir atrás dele. Sei que a
Legião tem regras para não interferir nos
assuntos locais.
— O homem é um abutre, — Rosnei.
— Ele é muito pior que isso, mas acima de
tudo, ele não vale a pena, garota. Deixe estar.
Graças a você, estamos indo bem. — Ela
encontrou meus olhos. — Você não precisa nos
enviar tanto dinheiro.
— Depois do que você disse, eu gostaria de
ter enviado mais.
— É o seu dinheiro, Leda.
— A Legião me alimenta e me abriga, e de
qualquer maneira não tenho tempo para
gastar dinheiro.
— Eu poderia ajudá-la com isso, —
ofereceu Tessa.
Calli deu-lhe um olhar duro.
— O que? Eu estava me oferecendo para
fazer compras para ela.
— Depois que o xerife Wilder perdeu seu
financiamento, ele tomou medidas drásticas
para manter o crime sob controle, não foi? —
Perguntei a Calli.
— Sim, ele aceitou a ajuda dos senhores do
distrito. Os criminosos comuns praticamente
desapareceram, mas agora temos o crime
organizado em seu lugar.
Cerrei os punhos. — Não foi um bom
negócio. Ele não deveria ter feito um acordo
com os senhores do distrito. Ele sabia que a
ajuda deles tinha um preço. Eles são a polícia
agora. São eles que administram esta cidade.
— Ele não teve muita escolha, Leda, —
Calli me disse. — Ele tentou aguentar, mas
assim que os criminosos descobriram que o
xerife não tinha mão de obra para mantê-los
afastados, eles se reuniram aqui em massa.
Tentei ajudá-lo. Alguns outros fizeram o
mesmo. Mas não foi suficiente. Ele teve que
fazer o acordo ou ver a cidade queimar até o
chão, seu povo assassinado, suas casas
despojadas.
Dois pedaços de metal deformado
atingiram meu prato. Olhei para a minha mão
e descobri que havia quebrado meu garfo ao
meio. Eu sabia que não tinha permissão para
interferir. Enquanto os senhores do distrito
não fizessem nada contra a vontade dos
deuses, desde que continuassem fazendo
doações à Legião e aos Peregrinos, minhas
mãos estavam atadas.
— Vamos lá, Leda. Não vamos falar dessas
coisas infelizes, — disse Calli. — Não há nada
que possamos fazer para mudá-los. Nós vamos
sobreviver como sempre. A maré vai mudar e
teremos a chance de corrigir o que está errado.
— Você acha mesmo?
— Claro.
— Sim, — Bella concordou. — A esperança
é uma magia poderosa, Leda. Não se esqueça
disso. Vamos salvar esta cidade. E salvaremos
Zane. Conte a elas o que você me contou sobre
como o viu.
— Você o viu? — Gin disse, seus olhos se
arregalando. — Onde?
— Eu não o vi pessoalmente. Peguei um
vislumbre de passagem dele. Ele está seguro.
Por enquanto.
— Como você o viu? — Tessa me
perguntou. — Pensei que você não ganharia
esse tipo de magia até se tornar um anjo.
— Eu não tenho essa magia. Eu... peguei
emprestado por um curto período de tempo.
Não foi o suficiente para localizá-lo, mas pelo
menos pude ver que ele está bem.
— Então os anjos sombrios do inferno não
o têm? — Gin perguntou.
— Nem deuses e nem demônios o têm. Ele
está num lugar onde se sente seguro. Isso é
tudo que sei.
— Como você tomou emprestada essa
magia? — Tessa perguntou. — Você poderia
fazer isso de novo para que todos possamos ver
Zane?
Balancei minha cabeça. — Não funciona
assim.
— Então, como isso funciona?
Hesitei.
— Você compartilhou um vínculo de
sangue com um anjo, não foi? — Calli
perguntou.
O queixo de Tessa caiu.
— E não com qualquer anjo, — Calli
continuou. — Com Nero Windstriker.
— Sim. — A palavra pairava sobre a mesa,
preenchendo o silêncio.
— Leda. — Calli suspirou. — Ele é um
anjo. Quando apertar, ele escolherá a Legião
em vez de seu irmão. Você não pode confiar
nele.
— Ele não é assim. Ele é diferente.
— Eu pensei que tinha bom senso, mas
você ainda é tão ingênua quanto Tessa.
— Ei! — Tessa exclamou em protesto.
— Nero sabia sobre Zane. Eu não contei a
ele. Ele veio até mim, oferecendo sua ajuda.
Ele está me treinando, me ajudando a ficar
mais forte.
— E você nunca se perguntou por quê
— Porque ele é uma boa pessoa.
— Ele não é uma pessoa, Leda. Ele é um
anjo. Ele pode se parecer conosco. Ele pode até
falar como nós, mas ele não é como nós.
Nenhum deles é. O néctar dos deuses os muda.
Eles não são mais humanos.
— Nem eu! — Gritei, pulando. — Bebi o
néctar dos deuses e farei isso de novo muitas
vezes antes que isso acabe. Para encontrar
Zane e trazê-lo de volta para nós, me tornarei
um anjo, a mesma coisa que você odeia.
— Eu não odeio os anjos. — Calli ficou de
pé. — Eu só quero que você desconfie deles.
— Você vai confiar em mim quando eu for
um anjo.
— Sempre. — Ela colocou as mãos nas
minhas bochechas, pressionando sua testa na
minha. — Porque sei que você sempre será
você. Você é mais forte que o néctar. Isso não
vai mudar você. Você é boa demais.
Coloquei minhas mãos sobre as dela. —
Nero também é bom. Eu posso sentir isso em
sua magia, em seu sangue.
As sobrancelhas de Calli se uniram. — Há
trevas naquele anjo.
— Há escuridão em mim também. —
Escuridão não era maldade. E luz não era
bondade. Escuridão e luz eram apenas dois
lados da mesma magia. — Por favor, Calli...
mãe. Você precisa confiar em mim.
— Sempre. — Ela apertou minhas mãos.
Sua expressão se iluminou. — Embora eu me
reservo o direito de avisá-la sobre o
envolvimento com um anjo como Nero
Windstriker. Prerrogativa de mãe.
Eu ri. — Claro.
Calli levantou a tampa de um prato de
vidro. O delicioso aroma de maçã assada e
canela subiu. Era o cheiro mais doce do mundo
- porque cheirava a casa.
— Nós provocamos você sobre o Nero
Windstriker, você sabe. Prerrogativa das
irmãs. — Tessa disse, colocando maçãs com
canela fumegantes no prato. — Como é beijar
um anjo?
— Vejo que você está começando com as
perguntas fáceis logo de cara, — comentei.
Ela sorriu para mim. — Fale. Eu quero
saber tudo sobre os lábios daquele anjo.
— É classificado.
— Seus lábios são classificados?
— Sim.
— Vamos lá, Leda. Estou morrendo aqui.
Você tem que me dar alguma coisa.
— Bem. Nero me convidou para um
encontro.
Os olhos dela brilharam de alegria. — E
como foi?
— Eu não sei. Ainda não aconteceu. Nós
dois estivemos muito ocupados nos últimos
quatro meses.
— Ele te convidou para sair há quatro
meses, e você ainda não foi a um encontro?
— Isso.
— Mas você o beijou certo? E trocou
sangue com ele? Como foi?
Não é para seus ouvidos, irmãzinha.
Estiquei meus braços e bocejei alto. — Uau,
olha a hora! Eu tenho que acordar bem cedo
amanhã, então é melhor eu ir para a cama
agora.
— Covarde, — Tessa murmurou.
— Eu vou para a cama também, — Bella
disse, me seguindo no banheiro.
Depois de escovar os dentes, fomos para o
quarto que compartilhamos desde que éramos
crianças. Nossa velha cama nos esperava.
Mergulhamos e puxamos o cobertor sobre
nossos queixos.
— Você desapontou Tessa, — Bella me
disse, com a boca tremendo.
— Quando você quiser saber tudo o que há
para saber no mundo, ficará desapontada de
vez em quando. — Abracei minha irmã. —
Mas, eu queria te perguntar uma coisa.
— Sim?
— É sobre o néctar dos deuses.
— Eu acho que você sabe mais sobre
Néctar do que eu, Leda. Os escritórios e
edifícios da Legião são os únicos lugares na
Terra em que você o encontra. Nós, bruxas,
não temos acesso ao néctar.
— Mas você tem acesso ao conhecimento.
Você deve ter lido sobre o néctar, — falei.
— Um pouco. Eu sei que é um veneno,
mais poderoso do que qualquer veneno na
Terra. É por isso que os soldados da Legião não
podem ser envenenados. Seus corpos já
sobreviveram ao veneno mais forte conhecido
pelo homem - e isso muda você, dando-lhe
poderosos dons mágicos.
— O que você sabe sobre o que acontece
quando alguém bebe o néctar? — Perguntei a
ela.
— Se a pessoa não é iniciada, o néctar a
mata ou libera seu potencial mágico. Os
iniciados treinam e depois bebem o néctar
novamente, desta vez de forma menos diluída.
Aqueles que sobrevivem ganham o primeiro
presente dos deuses. Com cada novo nível,
cada nova habilidade, você bebe um néctar
mais forte e menos diluído. Ouvi dizer que é
uma provação agonizante.
— Sim, — confirmei, lembrando os rostos
de todos que vi beber o néctar em uma
cerimônia de promoção. — É angustiante.
Para eles. Mas não para mim. O néctar não me
machuca. Isso me deixa bêbada.
Bella ficou muito quieta. — Lembro-me de
ler um caso de alguém que teve essa reação. Os
pais dele eram anjos.
— Nero tem a mesma reação ao Néctar, e
seus pais são anjos. Ele é a única pessoa que
conheço com dois pais anjos, na verdade.
Talvez você tenha lido sobre ele.
— Talvez. O estudo não listou nomes.
— Bella, você acha que isso significa...
Você acha que isso significa que meus pais
eram anjos também? Que eu sou uma criança
do mais alto nível?
— Um pirralho? — ela perguntou,
divertida.
— É assim que os soldados da Legião
chamam os recruta com um pai anjo.
— Entendo. — Bella fez uma pausa. —
Leda, não posso lhe dizer se os seus pais são
anjos, mas isso pode explicar sua reação ao
néctar.
— Você se lembra do título desse livro? —
Perguntei a ela.
— Venenos e poções.
— Obrigado. — Parecia que eu estaria
adicionando outro livro à minha lista de
leitura quando voltasse a Nova York.
— Estou feliz que você esteja aqui, — ela
sussurrou no escuro. — Faz muito tempo.
— Sim, faz.
Fechamos os olhos, abraçadas, duas irmãs,
duas amigas. Assim como nos velhos tempos.
As coisas tinham sido muito mais fáceis
naquela época, muito mais pacíficas.
Adormeci, esperando os bons sonhos daqueles
felizes anos dourados.
Em vez disso, sonhei que estava lado a
lado com Nero nas planícies negras, lutando
contra a horda de monstros que se
aproximavam de nós. Foi uma longa batalha,
uma batalha difícil, mas finalmente fomos
vitoriosos. Comemoramos nossa sobrevivência
fazendo sexo na traseira da motocicleta de
Nero.
Sim, minha vida definitivamente mudou.
E não havia como voltar atrás.
5
A Lei dos Deuses
Na manhã seguinte, acordei na escuridão.
Era tão cedo que nem mesmo os pássaros
estavam cantando. Era a hora mais silenciosa
do dia, antes que os madrugadores abrissem os
olhos e depois que os monstros e bêbados
tivessem ido para suas camas - ou desmaiado
nas ruas.
A janela estava aberta, deixando a brisa
entrar. Estava quente, mesmo antes do sol
surgir no horizonte. O calor e a umidade
pairavam no ar como um cobertor de lã, quente
e sufocante. Não pude deixar de me
maravilhar com o bizarro clima de fevereiro.
Eu deveria ter olhado para fora para ver
árvores carregadas de gelo e calçadas com
neve - não isso.
Vesti meu traje do deserto, grata pelos
shorts e camiseta. Meu uniforme de couro
preto da Legião seria insuportável nesse calor.
Mesmo em minhas roupas leves, uma camada
quente de suor cobria minha pele. E só ia ficar
mais quente aqui.
Enquanto colocava minhas roupas
noturnas na mochila, vi Bella dormir. Ela
estava tão quieta, tão pacífica. Eu a beijei
gentilmente na testa, depois saí da sala,
fechando a porta atrás de mim.
A casa estava escura e não acendi
nenhuma luz. Arrastei-me com passos
suavizados, não querendo acordar ninguém.
Parei em frente à porta aberta de Zane,
parando um momento para lhe enviar uma
promessa silenciosa de que o encontraria. Eu
duvidava que ele pudesse me ouvir, mas, para
o caso, eu queria que soubesse que estava
procurando por ele.
— Leda.
Me virei, puxando uma das minhas
espadas ,enquanto me movia. Parei quando vi
que era apenas Calli. Eu devia estar tão
envolvida pensando em Zane que não a ouvi se
aproximar. Nero teria me repreendido por ser
desleixada, e ele estava certo. Eu tinha os
sentidos aguçados de uma vampira. Não havia
desculpa por deixar alguém me pegar de
surpresa. Bem, exceto pelos anjos. Eu juro que
eles vieram com silenciadores embutidos. Você
nem podia ouvi-los respirar.
— Você acordou cedo, — falei a Calli.
— É assim todos os dias.
Calli sempre foi madrugadora. Nos velhos
tempos, ela usava aquelas horas tranquilas
para trabalhar na garagem, fazer o café da
manhã e fazer todas aquelas pequenas coisas
que, de outra forma, nunca pareciam ser feitas
em uma família de crianças que brincavam
tanto quanto nós. Lutavam. Eu sabia que ela
acordava muito antes de nós, mas não tinha
percebido até hoje o quão cedo seu dia
começava, porque eu não era madrugadora.
Quando adolescente, eu podia dormir até o
meio dia todos os dias da semana. Eu tinha
desistido de minhas manhãs preguiçosas e
café da manhã tardio no dia em que entrei
para a Legião dos Anjos. Era uma das coisas
que eu sentia falta - mas não tanto quanto
sinto falta da minha família.
Calli olhou pela porta aberta para o quarto
de Zane. Tudo estava exatamente como era no
dia em que Zane foi levado. Estava esperando
seu retorno.
— Ele voltará, — eu disse a ela, colocando
minha mão em seu ombro.
— Claro que ele vai. Ele é um lutador. —
Ela se virou e entrou na cozinha. — A mãe dele
também era lutadora.
Peguei um rolo da tigela de pão. — Você a
conheceu? — Calli nunca me falou sobre a mãe
biológica de Zane.
— Sim, de volta aos meus dias na Liga.
A Liga era a maior empresa de caça a
recompensas do mundo. Calli havia
trabalhado lá antes de vir à Purgatório, antes
de nos criar. De vez em quando, conhecíamos
uma de suas antigas amigas da Liga, mas na
verdade eu não sabia muito sobre o tempo que
ela passou lá.
— O nome dela era Cora. Eu não a via há
anos, desde a Liga. Ela saiu no ano anterior a
mim. Eu nunca descobri o porquê até a noite
em que apareceu na minha porta com um
menino. O filho dela.
— Zane, — completei. — Ele era procurado
até então?
Calli assentiu, mexendo o chá. — Cora me
implorou para acolhê-lo. Ela estava chorando
histericamente, mas entre seus pedidos e
soluços, consegui juntar o que estava
acontecendo. Os deuses descobriram que o
filho dela era um telepata.
Telepatas, pessoas com poderes
telepáticos, eram muito raros e altamente
valorizados. Os telepatas mais fortes podiam
fazer muito mais do que apenas ler
pensamentos; eles podiam ver as coisas e
rastrear as pessoas por grandes distâncias.
Mesmo anjos com magia telepática não
podiam fazer isso; eles só podiam se conectar
com aqueles que amavam.
Apenas um punhado de telepatas nascia
em cada geração. Tanto os deuses quanto os
demônios caçavam todos que encontravam
para testar, drogar e usar como espiões, como
uma janela para os campos de seus inimigos.
— Os deuses enviaram a Legião dos Anjos
para caçar Zane e sua mãe, — disse Calli. —
Eles viajaram de muito longe para chegar até
mim. Mas todos sabemos que nenhum lugar
na Terra é verdadeiramente seguro de deuses
e demônios. — Ela enxugou uma lágrima da
bochecha. — Ela sabia que a Legião iria atrás
dela até os confins da Terra para encontrar seu
filho, então ela o deixou comigo. Vi o olhar dela
quando saiu, Leda. Era como se uma parte
dela tivesse sido arrancada. Ela desistiu do
filho para salvá-lo.
— O que aconteceu com ela? — Perguntei,
minha garganta ficando rouca. Eu temia já
saber a resposta.
— Cora pegou um trem para o oeste. A
Legião não estava muito atrás dela. Ela estava
tentando levá-los o mais longe possível de
Zane. Então ela saiu no Deserto Ocidental. Ela
sabia que estava indo para a morte, mas era a
melhor chance que seu filho tinha. Eles
encontraram o corpo dela uma semana depois.
Ela conseguiu sobreviver aos monstros por
tempo suficiente para liderá-los em uma
perseguição pelo deserto selvagem. Para dar
uma chance à vida do filho, — terminou Calli,
sua voz tremendo de emoção.
Eu fiquei lá por um minuto, tentando
pensar no que dizer. Cora sabia que a Legião
tinha magia que poderia quebrar qualquer
mente, até a dela, e ela escolheu a morte em
vez de desistir da localização do filho. Não
havia palavras para descrever a beleza
angustiante do sacrifício daquela mãe por seu
filho.
— Calli, por que você está me dizendo isso
agora depois de todos esses anos? — Perguntei
a ela.
— Porque eu sei que você se sente culpada
pelo que aconteceu com Zane.
— Ele desapareceu no meu trabalho, me
ajudando, salvando minha vida. Ele se expôs -
seu poder - para me salvar. Eu tenho todos os
motivos para me sentir culpada. Isto é minha
culpa.
Calli ficou quieta por alguns momentos,
me observando. Por fim, ela disse: — Ensinei
Zane a usar seu poder e como escondê-lo,
quando usá-lo e quando escondê-lo. — Ela fez
uma pausa. — Zane escolheu salvar sua vida
naquele dia, Leda, e eu não esperava nada
menos dele. De qualquer um de vocês. Vocês
são fantásticos como indivíduos, cada um de
vocês, e tenho orgulho de ter criado você.
— Calli
— Mas você tem que abandonar essa
culpa. Zane sabia o que estava fazendo.
— Assim como sei o que estou fazendo. É a
minha vez de salvá-lo.
— Foi por isso que você se juntou à Legião.
Foi por isso que disse que tinha que ser você.
— De todos, você sempre foi a única a ter
mais problemas, — disse Calli. — Mais do que
todos os outros juntos, de fato. — Ela riu. — E
sempre insistiu em se livrar deles também.
— Claro. Quem faz a bagunça deve
consertar. Isso é ser responsável.
Calli me deu um olhar estranho que eu não
conseguia decifrar. — Você é mais parecida
com o seu coronel Windstriker do que pensa.
Não me preocupei em discutir com ela
sobre 'seu anjo'. Eu discutia o assunto com
minhas irmãs e amigas, mas não com Calli.
Ela sempre foi capaz de ver através das
minhas besteiras. E verdade seja dita, todos
fingindo de lado, meu coração perdia uma
batida sempre que alguém o chamava de meu
ou dizia que eu era dele. Tentei não pensar
muito nisso, sobre o que significava, porque,
honestamente, isso me assustava muito -
ainda mais do que o pensamento de caminhar
até o coração das Planícies Negras, cheias de
monstros.
Então eu apenas disse: — Você nem
conhece o Nero. Como você pode dizer que
somos parecidos?
— Eu sei que ele é um anjo. E é assim que
os anjos pensam. Limpando a bagunça.
Restaurando a ordem do caos. Gosto de você.
Nero me chamava de portadora do caos, e
ele estava certo. Mas Calli também. Sentia a
necessidade de restaurar a ordem depois de
desencadear esse caos. Era uma dicotomia
estranha que vivia dentro de mim. Uma
divisão. Era isso que eu era - perpetuamente
pega, constantemente puxada entre ordem e
caos.
— Eu também li sobre ele, — continuou
Calli.
— Sério? — Imaginei Calli, minha mãe
durona, folheando a última coluna do tabloide,
e não pude deixar de rir da imagem.
— Eu achei prudente saber no que você
estava se metendo, — disse ela. — Leda, ele é
um anjo com quase duzentos anos, então não
preciso te dizer o quão perigoso ele é. Você sabe
que a Legião dos Anjos não faz com que seus
soldados façam a coisa certa, apenas a coisa
legal. A lei dos deuses. Este pode ser o nosso
mundo, mas é o playground deles. E as regras
deles.
— Eu sei, Calli. E você sabe que eu nunca
quis nada disso. Eu nunca quis essa vida. Eu
queria estar aqui com todos vocês juntos.
Calli colocou a mão na minha. — Essa vida
nunca foi para você, Leda. Eu sempre soube
disso, no fundo. Eu não admitia para mim
mesma, mesmo depois que você saiu para se
juntar à Legião. Mas é a verdade. Você foi feita
para grandes coisas. Você deveria se juntar à
Legião dos Anjos.
Nero uma vez me disse algo assim. Ele me
disse que meus passos acabariam me levando
à Legião.
— Você acredita em destino? — Perguntei
a Calli.
— Durante a maior parte da minha vida,
eu teria dito não. Mas agora... — Ela balançou
a cabeça. — Só não tenho mais certeza.
Eu nunca tinha visto Calli tão indecisa.
Era inquietante. Calli era nossa rocha e nossa
cola. Ela sempre soube o que fazer, não
importa qual o problema que tivemos.
— Você sabe alguma coisa sobre o meu
passado? — Perguntei a ela, depois dei uma
mordida no meu pão. Eu estava ficando sem
tempo.
— Nada antes de seus dias morando nas
ruas. Uma vez procurei sua mãe adotiva
anterior, mas não consegui encontrar nada
sobre uma bruxa chamada Julianna Mather.
— Obrigado, — eu disse, decepcionada,
mas não surpresa. Afastei-me do balcão. — Eu
tenho que ir agora.
Andei pelas ruas escuras de Purgatório. A
cidade estava acordando, pessoas correndo de
um lugar para outro, como se estivessem com
medo de serem pegos do lado de fora no escuro.
Eles me observavam de suas janelas, com
esperança nos olhos. Eles pensavam que eu
estava aqui para salvá-los das atrocidades que
atormentavam a cidade. Minha garganta se
contraiu de culpa. Eu não era a salvadora
deles.
— Vamos querida, — uma voz masculina
murmurou. — Não faça isso agora.
Virei minha cabeça, procurando o homem
que possuía aquela voz. Eu o encontrei nas
sombras de um prédio antigo. Ele e seu amigo
usavam casacos pretos. Isso significava que
eles eram homens de Royal.
— O que ela está carregando? — o outro
homem perguntou.
— Um taser. Magitech. O chefe diz que os
civis não têm permissão para portar armas na
cidade.
Uma sombra além deles tremia. Ao me
aproximar, vi que a sombra era uma mulher.
Tremendo, ela segurou o taser diante de seu
corpo. O primeiro homem bateu na arma das
mãos dela. Deslizou pela rua de
paralelepípedos e tilintou contra o edifício de
pedra do outro lado. O templo. Aqueles
demônios estavam fazendo isso nos arredores
do templo dos peregrinos.
— Nem pense nisso. — O primeiro homem
se moveu com ela, impedindo-a de alcançar a
arma. — Não se mexa, ou eu vou cortar esse
seu lindo rosto.
Me apressei, meus passos alimentados por
pura raiva. Eu não me importava por não ter
permissão para interferir. Nem pensei no que
aconteceria comigo se o fizesse. Tudo que eu
podia ver era aquela pobre mulher, aqueles
dois bandidos, e o fio da minha espada.
Uma mão travou em volta do meu braço
como uma pinça de ferro. Eu me virei para dar
um soco em quem teve a ousadia de me
impedir de ajudar aquela mulher. Nero pegou
meu punho no ar.
— Deixe-me ir, — rosnei.
— Você não interferirá nos assuntos locais.
Cerrei os dentes, pressionando contra o
seu aperto. Eu não consegui movê-lo uma
polegada. Estava travada.
— Pare, Leda.
O chutei na canela.
— Este é o seu último aviso.
Empurrei com cada fragmento de força
sobrenatural que eu tinha, mas eu poderia
muito bem estar tentando mover uma
montanha. A mão de Nero estremeceu de lado.
Ouvi meu pulso estalar um momento antes
que a dor rasgasse meus nervos. Engoli minha
agonia e não parei de lutar. Empurrei e puxei
e chutei.
— A Legião vai puni-la se você atacar
aqueles homens, — ele me disse calmamente.
— Eu não ligo, — rosnei.
— Atacá-los pode salvá-la, mas não
salvará mais ninguém aqui.
Preparei outro chute para ele, mas ele
desviou. Seu chute quebrou minha perna.
— Como você pode ser tão frio? — Exigi,
tremendo de raiva e dor.
— A Legião nunca permitirá que você volte
aqui, Leda. Você nunca mais verá sua família.
E você irá arruinar suas chances de ganhar a
magia necessária para salvar Zane.
O som do nome do meu irmão me fez parar
- ou talvez fosse a tempestade de agonia
correndo pelo meu corpo, me arrastando para
baixo. Pisquei os olhos, tentando me manter
consciente. A próxima coisa que soube foi que
a capitã Somerset estava me carregando pelo
corredor do templo. Nero não estava à vista.
— Você simplesmente não pode ficar longe
de problemas, pode, Pandora? — ela disse, me
colocando em uma cadeira dentro do escritório
da Legião.
Nove pares de olhos se viraram para me
encarar. Parecia que todos estavam aqui -
todos, exceto Nero. E os peregrinos.
— Pegue isso. — A capitã Somerset me
entregou uma poção. Ela acrescentou em voz
baixa: — Ninguém pode fazer uma pausa
limpa como Nero. Seus ferimentos sararão em
alguns minutos. Tente não quebrar mais nada
enquanto isso. — Então ela foi até nossos
camaradas.
— O que aconteceu com você? — Drake
sussurrou quando se sentou ao meu lado.
Usei minha mão boa para estourar a
poção, bebendo-a em um único gole. — Um
anjo, foi o que aconteceu comigo.
— O coronel Windstriker fez isso com
você? — Surpresa brilhou em seus olhos. —
Por quê?
— Os senhores do distrito - senhores do
crime realmente - administram esta cidade
agora. As pessoas estão assustadas, Drake.
Eles estão sofrendo. Eu ia impedir que dois
bandidos do senhor do distrito Royal
machucassem uma mulher. — Fiz uma careta.
— Nero me impediu de interferir nos assuntos
locais. — Procurei algo para chutar - então
lembrei que minha perna ainda estava
quebrada. — Qual o sentido de tudo isso, de
ser forte, se não podemos ajudar os fracos? Se
não podemos consertar os erros no mundo?
— Existem muitos erros no mundo. Tanto
mal, — disse Drake. — A Legião não pode
corrigir todo mal ou banir todo mal.
— O mal não vem apenas em pacotes feios,
em forma de monstro. Esconde-se atrás dos
sorrisos humanos e das falsas banalidades que
dizemos a nós mesmos para podermos dormir
à noite. Eu poderia ter parado aqueles
homens, Drake.
— Mas não todos os outros, e não o sistema
que os criou. Pelo menos não em um dia. — Ele
colocou a mão no meu braço. — Essa é uma
guerra mais longa, a guerra contra o mal que
está dentro de todos nós.
— Podemos ganhar essa guerra?
— Sim, — ele disse imediatamente.
— Como você pode ter certeza?
— Nem tudo o que os deuses fazem é
gentil, e nem tudo o que os soldados da Legião
precisam fazer é bonito, mas eu realmente
acredito que estamos fazendo do mundo um
lugar melhor. Você tem que ter fé, Leda, que
isso vai acontecer. Fé, esperança, amor - essas
são as coisas que nos mantêm em atividade. As
coisas que nos mantêm lutando pelo que
realmente importa.
— Você parece os peregrinos, — comentei.
— Eu? — Os olhos dele brilharam. — Falei
com eles ontem à noite. Eles estão fazendo o
que fazemos, combatendo o mal e preservando
o que é bom neste mundo. A humanidade
perdeu muito desde que os monstros
invadiram a Terra. Mas também ganhamos
muito. Você deveria conversar com os
peregrinos, Leda. Eles podem ajudar você a se
lembrar disso.
Não tive boas experiências conversando
com os peregrinos, pelo menos não com os que
distribuem panfletos nas esquinas de
Purgatório. Eles estavam vendendo fé cega, e
eu tinha um talento especial para questionar
tudo.
— Pandora, Football, vocês acham que
podem nos agraciar com a sua presença? — A
capitã Somerset chamou.
Testei minha perna. Quando descobri que
podia movê-la sem dor agonizante, levantei-
me. Não desmaiei, o que foi um bom sinal. Meu
pulso também estava bem. Qualquer poção
que a capitã Somerset tivesse me dado era de
primeira.
— Estamos pegando dois caminhões.
Pandora, você estará no primeiro caminhão e
nos mostrará o caminho mais rápido para a
Cidade Perdida, — disse a capitã Somerset. —
Park, você não andou batendo a propriedade
Legião ultimamente, então você irá dirigindo.
Morrows riu.
A capitã Somerset virou a cabeça para ele.
— Morrows, você sempre bate em tudo, não
fique perto do volante.
— E se todo mundo estiver morto? — ele
perguntou solenemente.
— Se todo mundo está morto, tudo bem.
Derrube-se. Mas até esse ponto, vou usar
melhor seus talentos. Você tem o primeiro
turno com o canhão. Abater todos os monstros
que ameaçam os caminhões.
Morrows sorriu como se seu aniversário
tivesse chegado mais cedo.
— Norman, Football e eu também
estaremos no primeiro caminhão, — continuou
a capitã Somerset. — Lawrence, você dirige a
caminhonete do coronel Windstriker.
A tenente Lawrence zombou do outro lado
da sala para mim.
— Vance, você pega o canhão. Silvershield,
Greer, Cupcake, vocês também irão no
segundo caminhão.
— Eu me pergunto por que apenas alguns
de nós têm apelidos, — sussurrei para Drake.
— Acho que apenas os bons continuam.
— É difícil vencer Cupcake. — Olhei para
Maton Chambers, também conhecido como
Cupcake. Na verdade, me senti mal por ele.
Ele era um cara muito legal.
A porta do escritório se abriu e Nero
entrou com os sete peregrinos. Ele acenou com
a cabeça para a capitã Somerset.
Ela devolveu o aceno. — Tudo bem,
mexam-se. O sol nascerá em apenas alguns
minutos. Pode parecer verão, mas os dias
ainda são curtos nessa época do ano e
precisamos usar todas as horas do dia.
Seguimos pelo corredor em direção à
garagem. Ignorei Nero ao longo do caminho -
ou ignorei a parte de trás de sua cabeça, já que
ele estava à minha frente. Não me importei
com os ossos quebrados; eu tinha muito deles
desde que entrei para a Legião. Mas eu estava
chateada como o inferno que ele os quebrou
para me impedir de salvar aquela mulher. Era
minha escolha se queria me meter em
problemas, não a dele. Havia uma coisinha
chata chamada livre arbítrio que ele esquecia
regularmente que existia. Como um anjo.
Talvez Calli estivesse certa. Talvez Nero não
fosse tão diferente quanto eu pensava.
Entrei no caminhão, sentada entre Drake
e a capitã Somerset. Fiquei tão feliz que Nero
estava no outro caminhão. Não achei que
pudesse segurar minha língua até a Cidade
Perdida se o tivesse sentado ao meu lado.
Os caminhões saíram da garagem. Quando
eles viraram o templo para dirigir em direção
à parede, um brilho de luz chamou minha
atenção. Dois corpos pendiam da chaminé do
templo, balançando ao vento. Homens de
Royal. Suas gargantas foram cortadas em
golpes frios e impiedosos. Eles foram mortos
rapidamente, antes que pudessem revidar.
Não havia um único arranhão neles. Não foi
um ato de raiva ou malícia; foi uma execução.
Olhei para o caminhão andando ao nosso
lado. Nero encontrou meu olhar, seus olhos
desprovidos de emoção. Ele matou aqueles
homens. Eu sabia que ele tinha matado.
— Acho que ele os deixou lá para você, —
disse Drake, de olhos arregalados.
— Esse é um sinal forte, Pandora, —
comentou a capitã Somerset.
— Mas ele disse que não podemos
interferir nos assuntos locais.
— Tecnicamente, isso é verdade, — disse a
capitã Somerset. — Mas Nero sempre se
encarregou de aprender todas as regras.
Porque quando você conhece as regras por
dentro e por fora, pode encontrar todas as
brechas. Os soldados da legião não podem
interferir na atividade criminosa local, a
menos que se refira à missão ou ocorra na
propriedade dos deuses. Como os terrenos de
um escritório da Legião ou um templo de
Peregrino.
— Eles não estavam na propriedade dos
deuses. — Eles estavam do outro lado da rua
do templo.
— Eu aposto que eles estavam na
propriedade dos deuses quando Nero os
executou.
Ela estava certa. Nero era um defensor das
regras. Ele provavelmente os atraiu para o
território da Legião - e depois os matou por seu
crime.
— Brecha, — eu murmurei.
— Proposição.
Olhei para a capitã Somerset. —
Desculpa?
— Nero faz mal para você. Eu pensei que
um pouco de diversão poderia curá-lo, mas
parece que ele quer apenas uma cura. Você. E
agora ele está pendurando criminosos mortos
para que você saiba. — Ela balançou a cabeça.
— Por que ele não escolheu chocolate?
— Porque ele é um anjo, é por isso, — disse
Morrows de seu assento atrás do canhão. — E
você sabe que chocolate não é a mesma coisa.
De modo nenhum.
— Chocolate é menos complicado.
Senti como se estivesse perdendo parte da
conversa - uma conversa sobre a minha vida
amorosa que agora envolvia todos no
caminhão, exceto eu. Olhei para Drake, que
deu de ombros. Bem, pelo menos eu não fui a
única que não entendeu.
— É uma linha tênue entre brechas e o
caminho para a autodestruição. Qual o jogo
que você está jogando? — Exigiu a capitã
Somerset.
— Não estou fazendo nenhum jogo.
A capitã Somerset me lançou um olhar
crítico. — É assim que os anjos caem. E você
pode ser o catalisador da queda dele. Eu gosto
de você, Pandora, mas se você arruinar Nero,
vou te matar.
Pude ver em seus olhos que ela quis dizer
cada palavra. Com a saída de Harker, ela era
a melhor amiga de Nero e era ferozmente leal
a ele.
— Eu não fiz nada, — disse a ela.
Ela continuou a encarar.
— O que você quer que eu faça? — Exigi.
— Querida, acho que você sabe o que
precisa fazer para fazê-lo parar de amarrar
cadáveres.
Devolvi seu olhar. Eu não ia fazer sexo com
Nero, só para que a capitã Somerset parasse
de afiar suas facas - literalmente. Ela estava
com a arma e estava afiando a lâmina. Ok,
então não era uma faca. Era uma espada. O
que era ainda pior, na verdade.
— Então, que tipo de espada é essa? —
Perguntei a ela, tentando mudar de assunto.
— Uma espada de fogo. — Chamas
explodiram, deslizando em ondas de seda
através da lâmina. — Uma boa arma. Elas são
afiadas e cortam a carne com facilidade,
especialmente quando são agradáveis e
quentes.
Tive a sensação de que ela estava falando
sobre minha carne. — É melhor eu ir guiar
nosso motorista. — Antes dessa conversa ter
mais uma descida.
6
A cidade perdida
Olhei para as planícies negras, a extensão
de terra arrasada onde nada natural crescia.
Porém, havia muitas coisas não naturais
crescendo, produtos mágicos que deram
errado. Passamos por uma floresta de árvores
negras, seus troncos brilhando como óleo
borbulhante quente. De seus galhos
alienígenas, folhas crocantes farfalhavam ao
vento, rangendo como uma velha escada.
Dez minutos de nossa jornada, uma fera
gigante que parecia muito com um
tiranossauro rex saiu da floresta, atirando
troncos de árvores lascados para o lado. Dois
dos peregrinos em nosso caminhão começaram
a gritar histericamente, como se não
esperassem ser atacados por monstros nas
planícies dos monstros. Na verdade, fiquei
surpresa. Ouvi dizer que o número de animais
estava crescendo, que eles estavam se
aventurando mais perto da parede, mas tão
perto? Parecia que a ascensão dos senhores do
crime era apenas um dos problemas que
Purgatório estava enfrentando.
O canhão do caminhão rugiu, e Morrows
riu de alegria ao atirar na besta vermelha
cheia de munição projetada para penetrar em
tanques e na balança de monstros gigantes do
tipo dinossauro que balançavam a terra
enquanto corriam. O dinossauro caiu, mas já
havia mais três se aproximando de nós - e até
nossos caminhões movidos a Magitech não
eram rápidos o suficiente para fugir deles.
O tiranossauro rex verde se agachou em
suas pernas, seus músculos contraídos. Ele
surgiu, depois desceu com um baque
retumbante logo atrás de nós. Olhei para trás.
O segundo caminhão guinchou quando desviou
para evitar o rabo oscilante da fera. Ben, o
peregrino sentado atrás de mim, desmaiou.
Morrows virou o canhão na direção do monstro
e disparou uma bala mágica no peito. Greenie
inclinou-se e bateu no chão como um
terremoto, perdendo nosso caminhão por
meras polegadas.
O terceiro dinossauro saltou sobre o
animal caído. Outro dos peregrinos fez xixi nas
calças quando suas mandíbulas gigantes
estalaram no caminhão. Não que eu o
culpasse. Eu poderia ter feito xixi nas calças
também se tivesse pensado que teria sido bom.
O monstro girou, indo para o outro
caminhão. Claudia estava atrás do canhão
deles. Nosso atirador Morrows preferiu o
ataque de força bruta: atirar no alvo o máximo
de vezes possível até que ele caísse. Claudia
preferiu um método mais eficiente. Ela bateu
na fera onde doía. E se realmente doeu, ela
atirou lá novamente.
— Essa é uma mulher sexy, — comentou
Morrows quando o animal atingiu a terra.
Sorri para ele. — O dinossauro?
— Não, espertinha. Sargento Vance. Eu
amo uma mulher que sabe como lidar com um
grande canhão.
— Eu realmente não precisava ouvir isso.
— Nenhum de nós precisa, — capitã
Somerset disse. — Morrows, mantenha seus
hobbies para si mesmo. E seu canhão também.
Suspirei.
— Ei, não havia outro monstro? — Drake
disse, olhando em volta.
Um objeto pesado caiu do céu. Aterrissou
com uma crise repugnante dentro de uma vala
profunda ao lado da estrada em ruínas em que
estávamos dirigindo.
— Não importa, — disse Drake.
— O que aconteceu com isso? — Perguntei.
— O coronel Windstriker aconteceu com
isso, — disse a capitã Somerset enquanto Nero
descia do céu e pousava no outro caminhão. —
Ou, mais especificamente, uma de suas
explosões telecinéticas.
— Eu acho que seu anjo deixou outro
presente para você, querida, — Morrows me
disse.
Encantador.
— Aposto que o coronel aprecia uma
mulher que também sabe lidar com um grande
canhão, — acrescentou Morrows.
— Oh, cale a boca.
Ele riu.
— Todos estão bem? — Drake perguntou
aos peregrinos no caminhão.
— Estamos bem, querido, obrigada, —
respondeu Grace, uma mulher que parecia ter
pouco mais de sessenta anos.
Drake estava conversando com ela antes
dos monstros atacarem. Na verdade, ela tinha
mais de cem anos, um dos peregrinos que os
deuses haviam presenteado com uma vida
longa. Seu grande ato aconteceu no final de
sua vida mortal. Ela recuperou o Coração de
Diamante, um colar que pertencia à deusa
Kiara, da selva. Enfrentar monstros e caçar
relíquias mágicas antigas não era novidade
para ela.
— Os animais que vivem nas planícies de
monstros se tornaram ousados ultimamente,
— disse Valiant. — E grandes. Vimos apenas
alguns pequenos lagartos de fogo durante
minha jornada pelo deserto selvagem no
último verão. Eu nunca vi um dinossauro
antes. E certamente não quatro deles juntos.
— À medida que você se aventura mais nas
terras selvagens, os animais se tornam mais
desagradáveis e mais abundantes, — falei a
ele.
— Aqueles dinossauros nos atacaram a
trinta quilômetros do muro, — respondeu ele.
— Parece que eles são os que estão se
aventurando. Como nos primeiros dias, os dias
antes do muro.
Ele passou a mão pelo queixo liso. Ele
parecia estar na casa dos vinte, mas seus olhos
eram mais velhos. Muito mais velhos. Eles
viram horrores que o resto de nós só podia
sonhar.
— Você estava lá antes da construção do
muro? — Perguntei a ele.
— Sim. Vi os monstros consumirem a
Terra, destruindo cidades, derrubando
cidades.
— Oh, agora você começou vovô, — Grace
me provocou.
Eu quase ri ao ouvir a senhora idosa
chamá-lo de vovô, um homem que parecia
jovem o suficiente para ser seu neto.
— Você foi feito imortal muito cedo na
vida. Você deve ter feito algo muito
importante, — acrescentei.
— Foram os dias antes do muro. Eu fazia
parte de um grupo de voluntários que
afastavam os animais de nossa cidade,
comprando às bruxas o tempo necessário para
ativar a parede mágica. Mais de duzentos de
nós foram. Só eu voltei. Pelo meu serviço, os
deuses me fizeram imortal. Eu sobrevivi por
uma razão: proteger a humanidade dos
monstros que atormentam nosso mundo. As
relíquias sagradas são objetos de grande
poder. Não se trata apenas da emoção de
localizar relíquias que desapareceram há
séculos. É sobre salvar o mundo. — Ele sorriu
para mim. — E só podemos fazer isso juntos.
— Uau, esse é um ótimo discurso
motivacional.
— Ele é excelente nisso, — comentou
Grace. — E é por isso que estamos todos aqui,
sete peregrinos de sete cidades.
— Essa é uma ótima linha para as
memórias.
Rugas suaves e gentis apareceram em sua
testa, enquanto ela sorria. — É realmente.

Tivemos que estacionar fora da Cidade


Perdida. Nos últimos duzentos anos desde o
fim da guerra, seções das ruínas da cidade em
ruínas haviam afundado no chão. Não havia
nenhuma estrada que levasse à cidade, pelo
menos nenhuma em que nossos caminhões
pudessem dirigir.
Então nos aproximamos da cidade a pé. As
ruínas brilhavam assustadoramente,
refletindo o show de luzes de cores misturadas
dançando no céu. Era como se a magia
estivesse se formando e se misturando
naquela cozinha sobrenatural no céu. Um
choque de céu e inferno. Gelo e fogo. Sol e
fumaça. Com certeza tinha esquentado as
coisas aqui embaixo. A temperatura subiu pelo
menos dez graus desde que acordei esta
manhã. O doce adornou meu corpo, saturando
minhas roupas, colando-as na minha pele.
Passamos as cascas dos prédios antigos
destruídos há duzentos anos, na batalha para
decidir o destino da Terra. O tempo tinha
lentamente devorado o que restava, corroendo,
deteriorando, corrompendo. As ruas estavam
abertas, suas entranhas sujas expostas. Pelo
menos o que restou das ruas. O chão havia
engolido a maioria das superfícies
pavimentadas da cidade. Nós evitamos
buracos e crateras. Atravessamos telhados
afundados. Equilibramos no topo de pontes
tombadas, aqueles gigantes caídos que outrora
atravessavam rios furiosos perdidos para
sempre.
A Cidade Perdida cantarolava com magia,
uma ressonância que zumbia contra a minha
pele como o ar depois de uma tempestade
elétrica. Fiz uma pausa para inalar. Um cheiro
velho e quebrado permeava as ruínas - o cheiro
de completa desolação e derrota final. Apenas
de pé aqui, essa história de aflição e desespero
sendo sussurrada em meu ouvido, quase me
deixou deprimida demais para continuar.
Estremeci. Uau, o que era tudo isso?
A cidade permaneceu adormecida por
séculos. Não estava viva. Não pensava ou
sentia. E certamente não estava sussurrando
para mim.
Então, por que eu ouvia um hino de
batalha silencioso tocando à distância, uma
canção de batalhas antigas e uma magia
inimaginável que destrói a terra? Por que ouvi
tiros sendo disparados, espadas batendo,
explosões mágicas? Por que os gritos finais e
moribundos dos soldados ecoavam em meus
ouvidos? Ao chegar mais perto do centro da
cidade, mais alta essa sinfonia de sons batia
na minha cabeça.
— Pandora.
Pulei com a voz da capitã Somerset. Ela
estava olhando para mim como se eu tivesse
enlouquecido. Talvez eu tivesse. Ninguém
mais parecia ouvir vozes em suas cabeças.
— Procurando nadar? — Os lábios dela se
contraíram.
Olhei para a piscina borbulhante de gosma
espessa e misteriosa em que eu quase tinha
entrado. Eu precisava colocar minha cabeça no
jogo. Não era hora de perdê-la. Fortaleci meus
escudos mentais, uma habilidade que
desenvolvi para bloquear meus pensamentos
de anjos bisbilhoteiros, e os sons da batalha
desapareceram. Talvez ouvir vozes do passado
fosse outra habilidade estranha que eu tivesse,
junto com minha reação incomum ao Néctar.
Isso tinha que estar ligado, certo? A
alternativa era que eu estava louca, o que
parecia muito menos atraente do que poderes
mágicos legais.
— Os peregrinos têm motivos para
acreditar que as relíquias sagradas estão nas
seções que foram inundadas da cidade, —
anunciou Nero. — Prepare-se para fazer a
descida.
— Algo está errado Leda? — Valiant me
perguntou. — Você não tem medo de altura,
tem?
— Não.
Ele olhou para o abismo diante de nós. —
Eu tenho. — Ele me deu um olhar
envergonhado.
— Eu estarei bem aqui ao seu lado.—
Prendi sua corda no gancho na rocha. — Está
bem? — Sorri para ele.
Ele sorriu de volta. — Está bem.
Pegamos a descida devagar.
— Há quanto tempo você procura as
relíquias? — Perguntei a ele, tentando manter
sua mente longe do abismo escuro abaixo de
nós.
— Desde que virei imortal. Ouvi falar
desses objetos de poder que tinham a magia de
transformar o dia em noite e as trevas em luz.
— O que isso significa?
— Isso significa que eles possuem grande
magia, e essa magia pode ser usada para o bem
ou para o mal.
— Como a maioria dos objetos de poder, —
comentei.
Excitação brilhou em seus olhos. — Essas
relíquias são a nossa salvação. Com elas,
expulsaremos os monstros desta Terra e
iremos recuperar nossa casa.
— Eu nem consigo imaginar um mundo
sem monstros. Mas gostaria de viver para vê-
lo.
— Se formos bem-sucedidos, você realizará
o seu desejo. Desde que os monstros invadiram
nosso mundo, eu sonhei com esse dia.
— Mesmo com tudo isso, todas as coisas
horríveis, você manteve a esperança? Como fez
isso? Como sabia que as coisas iriam
melhorar?
— Fé, — disse ele, ecoando as palavras de
Drake mais cedo, quando falei dos senhores do
crime que tomavam conta da minha cidade. —
Você tem que acreditar. Nunca deve desistir de
procurar a centelha de luz no escuro. Falando
nisso, acredito que chegamos ao fundo. Parece
que vou viver de verdade para ver outro dia.
Nós nos desconectamos das cordas.
— Como as relíquias destruirão os
monstros? — Perguntei a ele, enquanto
caminhávamos por essa parte inundada da
cidade. Os prédios e estradas estavam quase
perfeitamente preservados, em muito melhor
forma do que os que estava acima do solo.
— Ainda não descobri isso. Eu tive que
juntar tudo de dezenas de fontes, várias se
contradizendo.
— Então, mesmo que encontremos as
relíquias, podemos não ser capazes de usá-las?
— Não imediatamente disse ele
rapidamente. — Mas com o tempo, talvez.
Suspirei. — Acho que posso esperar um
pouco para esse mundo sem monstros.
— Não se trata apenas de usar as relíquias
contra os monstros. Trata-se de manter as
relíquias afastadas dos catadores, dos
demônios do inferno, de quem as usaria para o
mal. — Ele apontou para uma torre de aço e
vidro. — Olhe ali. A torre em espiral. Estamos
chegando perto do Tesouro.
— O Tesouro?
— De acordo com minha pesquisa, as
relíquias sagradas eram mantidas com um
tesouro de objetos mágicos, não muito longe da
Torre Espiral. O Tesouro é guardado por
magia tão antiga quanto os deuses.
— Então, como vamos passar por essa
magia?
— Bem, não é...
Um rugido profundo cortou suas palavras
como aço afiado. O som ricocheteou no céu
rochoso, ecoando pelos prédios. Vi um flash de
movimento na Torre Espiral, depois sombras
escuras saltaram, aterrissando na rua.
— Que porra é essa? — Morrows
murmurou na minha frente.
Eu não conseguia ver nada sobre sua
cabeça grande, então me mudei para o lado
para olhar entre ele e Drake. As sombras eram
monstros, mas não se pareciam com nenhum
monstro que eu já vi. Uma mistura confusa de
partes de plantas e animais, os animais
tinham a forma de leões, mas em vez de pêlos,
tinham escamas verdes cintilantes. E no lugar
de uma crina, uma grinalda de trepadeiras e
folhas emaranhadas que crescera no pescoço
de cada monstro.
Os monstros eram do tamanho de um
cachorro grande. Mas haviam muitos deles,
pelo menos cinquenta pela minha conta. E eles
não pareciam herbívoros.
— Snapdragons, — disse Nero. —
Cuidado, eles cospem fogo.
Um dos animais escolheu aquele momento
para pular em Nero. Um globo de gosma de cor
mucosa saiu da boca. Nero saiu correndo do
caminho. Em vez de bater na cara dele, a
gosma fumegante bateu na rua. Um pedaço da
calçada se abriu e afundou, deixando um
buraco do tamanho de um abacaxi.
Drake e Morrows sacaram suas armas e
atiraram nos dragões. As balas ricochetearam
na balança dura. Eles mudaram para espadas,
mas suas lâminas não penetraram na
armadura dos animais. E um deles revidou
cuspindo fogo.
— Eles cospem fogo e veneno. E eles são
imunes a armas e espadas? Como devemos
matar essas coisas? — Morrows perguntou.
Claudia pegou uma granada da mochila e
jogou. O coquetel mágico explodiu, acendendo
o feitiço que transformou seis dragões em
pedra. Ela sacou a arma e matou os animais
em rápida sucessão, destruindo seus corpos
petrificados.
— Ei, Vance, que tipo de balas você está
usando? — Morrows perguntou a ela.
Os lábios dela se curvaram para trás. —
Grandes. — Ela lançou sua segunda granada.
— Eu amo essa mulher, — Morrows riu,
atirando nos novos monstros que ela
petrificou.
O restante seguiu o exemplo. Exceto Nero.
Ele atacou os monstros, afastando-os dos
peregrinos. Monstros eram atraídos pela
magia. Quanto mais forte a magia, mais eles
queriam consumi-la. A magia de anjo de Nero
devia ser um prato cheio para eles. Ondas
telecinéticas pulsavam para fora dele, colando
os monstros no chão, enquanto provocava uma
tempestade sobre os monstros. Gavinhas de
raios lambiam seus corpos escamados, lenta e
teimosamente. Ele estava quebrando a
armadura deles como uma noz.
Snapdragons saíam dos edifícios em um
rio furioso. Havia tantos que eu nem conseguia
contar todos. Centenas.
— As comportas se abriram. Parece que o
primeiro grupo foi apenas a festa de boas-
vindas, — comentei.
— Quantas granadas petrificantes você
tem? — Drake me perguntou.
— Esta é a última, — respondi enquanto
a jogava.
— Eu também estou fora.
Uma rápida olhada ao redor me disse que
o resto da nossa equipe também estava fora. E
o tsunami de dragões não mostrava sinais de
desistir. De onde todos eles vieram?
A capitã Somerset correu para frente,
balançando a espada. Chamas explodiram e
deram vida a lâmina, que ela afundou no corpo
da fera. Ela não estava brincando antes,
quando disse que sua espada de fogo poderia
cortar qualquer coisa.
Ela chutou o monstro morto da espada. —
Lawrence!
A espada da tenente Lawrence também
pegou fogo. Juntas, ela e a capitã Somerset
investiram contra a onda de monstros,
cortando-os.
O bando se afastou de Nero, atraído pela
magia combinada das duas espadas de fogo.
Eles esmagaram o tenente Lawrence, e ela
tropeçou, a espada caindo da mão. Seus olhos
dispararam para a espada ainda queimando
no chão, como se ela estivesse pensando em ir
atrás dela. Mas os monstros estavam muito
perto. Ela atacou com o chicote elétrico. Ela
era boa, atingindo seu alvo com cada estalo da
bobina carregada de magia: a carne macia dos
narizes dos animais.
Mexi no meu pacote de poções, procurando
algo útil. Eu decidi por uma poção corrosiva.
Talvez fosse forte o suficiente para romper a
armadura dos animais. Prendendo a
respiração, joguei o pó laranja pálido em um
dos Snapdragons. Fumaça escura subiu das
escamas do monstro. Ele gritou e saiu
correndo. Ok, talvez isso não fosse tão
espetacular quanto eu esperava, mas pelo
menos fez alguma coisa, e era melhor do que
as outras armas.
Dois Snapdragons investiram contra a
capitã Somerset, derrubando a espada de fogo
da mão dela. Ela desapareceu no bando de
monstros. Ela continuou lutando, jogando pó
corrosivo neles como o resto da equipe estava
fazendo agora. Menos Nero. Ele os estava
abrindo com barras telecinéticas, depois
incendiando-os.
Vislumbrei as duas espadas de fogo entre
os monstros. Elas não estavam muito longe de
mim. Eu tinha que chegar até elas. Elas
funcionavam melhor do que qualquer arma
que tínhamos, exceto Nero. As chamas ainda
estavam fortes, mas por quanto tempo? Eu
tinha que agir rápido. Eu não tinha a magia
para reacendê-las. Isso exigia magia
elementar, um feitiço de nível quatro.
Os Snapdragons estavam muito perto. Eu
nunca conseguiria se não afinasse o rebanho,
mas estava sem pó corrosivo. Hmm. Peguei um
frasco de poção pegajosa, desenrolei e joguei
nos monstros no meu caminho. Então peguei
minha arma mágica e atirei. Eu sabia que não
iria penetrar na armadura dos animais, mas
não era esse o ponto.
A labareda, enfeitiçada por bruxas, era um
farol de energia mágica, projetada para atrair
a atenção de monstros. Às vezes as usamos em
terras selvagens; se você atirasse em um ponto
longe, os monstros às vezes perseguiam a
chama em vez de você. Quanto mais mágica
você tiver, menor a probabilidade de os
monstros correrem atrás do engodo, e é por
isso que os soldados da Legião não os
carregavam.
A labareda fez seu trabalho hoje, no
entanto. Ela grudou na extremidade traseira
do monstro escamoso pela poção pegajosa que
eu jogara nele. Imediatamente, os
Snapdragons em volta giraram, atraídos pela
magia da labareda. A fera soltou um grito de
alarme e depois saiu correndo, seguindo uma
corrente de magia inflamada. Seus
companheiros de matilha o perseguiram.
— Eles não são muito brilhantes, não é? —
Drake comentou.
— Bem, o que você espera quando combina
um réptil com uma planta de jardim? —
Respondi, sorrindo.
Com meu caminho livre, peguei as duas
espadas de fogo do chão. Ainda havia monstros
mais do que suficientes para matar, e eu não
tinha uma, mas duas armas flamejantes.
Cortei a fera mais próxima, minha espada
direita cortando através dela. Empurrei com
minha espada esquerda, espetando o
Snapdragon que tentou me pegar. Ambas as
lâminas estalaram em apreciação ardente.
Legal.
Cortei e cortei, rompendo os monstros. Me
movi rápido, incansavelmente. Enquanto os
feitiços nas espadas persistissem, eu não iria
parar.
Um grito humano estridente ecoou sobre o
chiado das espadas de fogo, e eu parei. Olhei
em volta, procurando a fonte. Eu os encontrei:
três peregrinos sitiados por um demônio. Mas
o demônio não era um monstro; era um homem
de capuz, o rosto escondido, a espada
desembainhada.
Eu me afastei dos Snapdragons, correndo
direto para o homem de capuz. Ele se afastou
com facilidade fluida, movendo-se mais rápido
do que qualquer um que eu já vi. Como se ele
fosse o vento. Minha espada cortou o ar vazio.
Empurrei com minha segunda espada. Ele
pegou meu braço, segurando-o lá por um
momento. Empurrei contra seu aperto, mas eu
poderia muito bem estar envolta em pedra. Ele
me soltou, empurrando de volta. O fogo em
minhas duas espadas se apagou. Ah Merda.
Ele atacou rápido e com força, me jogando
nos três peregrinos. Olhei para cima, pulando
de pé, mas ele se foi, sem deixar vestígios.
Bem, quase. Eu tinha um galo considerável na
cabeça que poderia atestar sua existência.
Ainda assim, eu tinha que perguntar...
Olhei para os peregrinos. — Vocês viram
aquele homem de capuz?
— Claro, — respondeu Grace.
Certo, eu não tinha imaginando coisas que
não estavam lá. Pelo menos não desta vez.
— Onde ele foi? Por que você não o parou?
— Valiant exigiu, correndo em nossa direção.
Atrás dele, o chão era um tapete grosso de
monstros mortos.
— Alguém precisa de cuidados médicos? —
Nero perguntou.
— Leda precisa, — Claudia falou com um
sorriso, acrescentando um sussurro para mim:
— De nada.
Nero avançou, seus olhos fixos na ferida na
minha testa.
— Eu estou bem, Nero, — falei, afastando
a mão dele. — Mas Grace está sangrando.
O olhar dele deslizou para o corte no dedo
dela. Ele abriu uma poção de cura.
— Estou bem. É apenas um arranhão.
— Magia não é a única coisa que atrai
monstros, — alertei-a quando Nero derramou
uma gota de poção em seu corte. — Muitos
deles são atraídos pelo cheiro de sangue.
— Ah, claro. Eu deveria ter me lembrado
disso, — ela disse corando. — Faz anos desde
que eu estive tão perto de monstros.
— Ah sim. Monstros. Que assustador. Mas
temos problemas muito maiores! — Valiant
exclamou, sua boca tremendo. — Onde está
aquele bandido encapuzado?
— Bandido? — Perguntei.
— Sim, bandido. Ele roubou meu caderno
de pesquisa. Ele deve ter nos seguido o tempo
todo, apenas esperando para me roubar.
— Acalme-se, Valiant, — disse Grace com
uma voz suave.
— Acalme-se? Esse caderno contém tudo.
Todas as minhas anotações sobre as relíquias,
todas as minhas pesquisas.
— Você quer dizer nossa pesquisa, — disse
um dos peregrinos.
— Estamos oscilando no precipício do
desastre, mas, sim, por todos os meios, vamos
discutir a semântica, — retrucou Valiant.
— Quão essencial é este caderno? — Nero
perguntou.
— Você não estava ouvindo? Eu disse que
continha toda a minha pesquisa!
— Nossa pesquisa.
Nero olhou para Grace.
— Perder o caderno é ruim, mas não
catastrófico, — ela disse. — Valiant tem
backups de sua pesquisa.
— Onde? — Nero perguntou a ele.
— Em Nova York.
— Eu vou mandar alguém buscar.
Valiant suspirou. — Não há necessidade.
Tenho tudo na memória.
— O caderno inteiro? — Perguntei,
impressionada.
— Sim. Mas temos um problema maior.
Lembra como eu estava lhe dizendo sobre
manter as relíquias a salvo daqueles que as
usariam para fazer o mal? Bem, um daqueles
demônios do mal acabou de colocar as mãos no
meu caderno.
— Como você sabe que ele é um demônio
do mal? — Claudia perguntou a ele.
— Eu estou com Valiant nesse caso.
Aquele cara bateu como um demônio do mal.
— Esfreguei minha testa.
— Bem, mesmo com o caderno, esse
'demônio' levará algum tempo para decifrá-
lo,— disse Grace.
— Você escreveu em código? — Nero
perguntou a Valiant.
— Sim, uma medida de precaução caso
fosse roubado. Na verdade, eu não esperava
que alguém o roubasse, especialmente não com
a Legião nos protegendo. Você precisa ir atrás
do bandido encapuzado e recuperar meu
caderno antes que ele o decifre, — disse ele a
Nero.
Nero lançou-lhe um olhar frio. — Não. O
sol estará se pondo em breve. Vamos voltar
para a cidade e depois voltaremos aqui de
manhã.
— A trilha do bandido estará fria até
então, — protestou Valiant.
— Se ele está atrás das relíquias, não está
indo muito longe. E ele vai voltar aqui. Minha
primeira prioridade é a sua segurança. As
Planícies Negras são ainda mais perigosas à
noite do que durante o dia, especialmente nas
últimas semanas. Não vou arriscar que você e
seus colegas sejam mortos.
— Estou disposto a correr esse risco, —
insistiu Valiant.
— Isso não está em discussão. Voltaremos
à cidade e continuaremos amanhã.
Valiant parecia pronto para plantar os pés
no chão e se recusar a ir, mas o fogo frio nos
olhos de Nero deve ter lembrado a ele que Nero
era um anjo - e que os anjos não tinham
problemas em machucá-lo para mantê-lo
seguro.
Voltamos à cidade sem ser devorados por
monstros. Considerando o dia que acabara de
ter, estava contando isso como uma vitória.
Valiant estava se sentindo notavelmente
menos vitorioso.
— Vou até lá sozinho. Ninguém mais
estará em perigo, — disse ele a Nero quando
estávamos todos de volta ao escritório da
Legião dentro do templo.
— Este assunto está encerrado.
— Discordo.
— Discorde quanto você quiser. Não vai
mudar nada, — disse Nero friamente.
— Valiant, mostre algum respeito, —
Grace disse gentilmente. — O coronel
Windstriker é um anjo.
— Ele está sendo irracional.
Os outros peregrinos pareciam
apropriadamente chocados com sua queixa
moderada. Eu nunca tinha visto um peregrino
discutir com Nero. Eles estavam sempre muito
ocupados reverenciando anjos para discordar
deles.
— O homem do bairro provavelmente era
apenas um ladrão comum, — disse um dos
peregrinos. — As Relíquias Perdidas estão
desaparecidas há séculos. Um ladrão assim
nem saberia que elas existem.
— Relíquias perdidas? — Perguntei. — Eu
acho que li sobre elas. É isso que estamos
procurando?
Valiant franziu o cenho para o colega. —
Boa partida.
— Pelo que me lembro, as Relíquias
Perdidas foram feitas por deuses,— disse a
capitã Somerset.
— Sim, feita por deuses para os anjos, —
disse Nero. — Dizem que essas são as armas
mais poderosas que a Terra já viu.
— O que elas fazem? — Perguntei.
— Elas podem matar um anjo em um único
ataque.
7
Delícias sombrias
Matar um anjo não era uma tarefa fácil.
Tantas doses de néctar dos deuses, tanta
magia, tantos testes - tudo, tornou os anjos
quase inabaláveis. Era assustador pensar que
havia uma arma que poderia matar um anjo
em um único ataque. Era ainda mais
assustador saber que a arma estava lá fora
agora, apenas esperando para ser encontrada.
Tudo fazia sentido agora, por que os
deuses haviam concedido a assistência
especial aos peregrinos da Legião, incluindo a
de um anjo como Nero. Mas os deuses ainda
deixaram Nero no comando dessa missão, e ele
estava certo. Pode haver uma arma embaixo
da Cidade Perdida com o poder de matar anjos,
mas definitivamente havia monstros por aí
nas Planícies Negras com poder mais do que
suficiente para matar alguém louco o
suficiente para ser pego do lado de fora à noite.
As marés mágicas do mundo estavam
mudando. Acabamos de passar por mais
ataques de monstros durante o dia do que eu
já havia experimentado, mesmo à noite. Ir lá
fora agora era suicídio e eu disse.
Nero assentiu em aprovação, mas Valiant
franziu a testa para mim como se eu tivesse
caído alguns pontos em sua estima.
— Eu não vou mentir para você, — eu disse
a ele. — Eu vivi aqui nas margens das
Planícies Negras a vida toda e nunca vi tantos
monstros. Isto é ruim. Muito ruim.
Nero parecia preocupado. Bem, pelo menos
tão preocupado quanto ele poderia parecer.
Havia uma pequena ruga entre os olhos, mas
o resto do rosto era duro como mármore, tão
insensível quanto pedra. Talvez tenha sido
essa expressão dura e insensível que me disse
que ele estava preocupado, que ele queria
voltar lá e proteger as Relíquias Perdidas
tanto quanto Valiant.
— Vamos partir à primeira luz, — disse
Nero. — Estou ordenando que todos comam e
depois vão para a cama. Espero que amanhã
seja pelo menos tão agitado quanto hoje, e
preciso de todos vocês alimentados e
descansados para que estejam com força total.
Meu estômago roncou e me perguntei o
que Calli estava fazendo para o jantar. Eu
esperava que ela tivesse cozinhado o suficiente
para alimentar um exército porque eu estava
faminta.
— Leda,— disse Nero.
Todo mundo tinha saído enquanto eu
estava lá, fantasiando sobre o jantar. Nero
fechou a porta. Oh-oh.
— Isso é sobre as espadas de fogo? Eu sei
que não pedi exatamente permissão para usá-
las. A capitã Somerset e a tenente Lawrence
estão chateadas?
— A tenente Lawrence detalhou suas
queixas para mim no caminho de volta à
cidade.
Calculado. Ela provavelmente estava feliz
por ter uma desculpa para falar com ele e
reclamar de mim.
— A capitã Somerset ficou divertida.
— Divertida? — Perguntei.
— Sim.
— Hmm.
— Ela expressou sua preocupação de que,
se sua técnica não melhorar, na próxima vez
você poderá incendiar seu cabelo.
— Ela estava rindo quando disse isso, não
estava?
— Sim, — ele confirmou. — Mas isso não é
sobre as espadas de fogo.
— As armas de fogo?
— Essas armas não são uma questão
padrão para os soldados da Legião.
— Eu sei. Peguei emprestado da minha
mãe. Costumávamos trazê-las conosco quando
viajávamos pelas Planícies Negras, então
achei que seria útil carregar uma. As
labaredas são feitas por bruxas, uma mistura
de magia concentrada projetada para...
— Eu sei para que elas são usadas.
Sorri para ele. — Você? Mesmo que elas
não sejam um problema padrão da Legião?
— Cuidado. — Ele cruzou os braços sobre
o peito.
Imitei o gesto, mas tive a sensação de que
parecia menos duro em mim. — Sempre.
Ele arqueou uma única sobrancelha, me
desafiando a provocá-lo ainda mais. Pela
primeira vez, me comportei.
— Da próxima vez que você quiser trazer
uma arma não autorizada, discuta-a comigo
primeiro. As armas de sinalização são um risco
de incêndio.
Eu quase ri na cara dele. — Quase todas
as armas do arsenal da Legião representam
um risco de incêndio, incluindo todos os
soldados de nível quatro ou superior.
Ele me observou com uma leve diversão.
— Você está me provocando.
— Como você pode achar que estou?
— Eu não sei. Deve ter sido a explosão
repentina de emoções irrestritas, — falei,
sarcasmo pingando de cada palavra.
Ele não mordeu a isca, mesmo que eu a
tenha deixado ali para ele.
— Então, sobre as armas de fogo, — ele
disse, em vez de algo, bem, não sei, romântico.
Apenas Morrows achava que as armas eram
românticas.
— Ainda estamos falando sobre a pistola
de sinalização?
— Você incendiou o traseiro de um
Snapdragon com uma chama mágica, Leda.
Claro que ainda estamos falando sobre isso.
Eu não sabia dizer se ele estava falando
sério ou sendo divertido. Provavelmente
ambos. Eu parecia trazer à tona emoções
conflitantes nas pessoas.
— Minha estratégia de batalha não
ortodoxa perturbou suas sensibilidades
primárias e adequadas de anjo? — Perguntei a
ele.
— Havia uma estratégia para essa
loucura?
— Claro, você acabou de dizer: incendiar o
rabo de um Snapdragon com uma chama
mágica. — Sorri com satisfação. — Aposto que
o demônio nunca viu isso acontecer.
— Sim, isso geralmente acontece quando
você atira em alguém por trás. — Ele até
conseguiu dizer com uma cara séria.
Nós nos encaramos por alguns segundos,
seus olhos duros contra os meus sorridentes.
Foi uma verdadeira luta não desviar o olhar da
tempestade de ouro e prata mágica em seus
olhos.
— Então, entendo que com seu silêncio,
você deseja analisar minhas ações na luta
contra o Snapdragon, — eu finalmente disse.
— Você lutou bem.
Pisquei surpresa. Eu não esperava isso. —
Você sempre desconstrói minhas lutas.
— Não dessa vez?
— Oh?
Um leve sorriso tocou seus lábios. —
Decepcionada?
— Claro. Adoro analisar minhas
inadequações uma a uma após o fato.
— Jante comigo, — ele disse de repente.
Olhei para ele.
— Você não está inadequada, nem um
pouco, — acrescentou.
— Você está apenas determinando isso,
então vou sair com você.
— Você já concordou em sair comigo.
— Eu acho que você me pegou lá.
— Sim, eu sei, — respondeu ele, sua voz
sedutora, possessiva.
— Vá devagar com a compulsão, anjo, —
eu disse contra o calor subindo sob a minha
pele.
Ele encolheu os ombros. — Você é imune.
— Ele se inclinou para mais perto, seus lábios
roçando os meus enquanto dizia: — Como
prova sua resistência a seguir ordens.
Não tão completamente imune. — Ei, você
saberá que não desobedeço a uma ordem há
pelo menos uma semana.
— De alguma forma, eu duvido seriamente
disso, Pandora.
— Ok, então talvez eu tenha desobedecido
o tenente Ripley na semana passada, quando
ele me disse para usar o Saintly Suds para
lavar o caminhão, mas em minha defesa, essa
foi uma ideia realmente estúpida. Todo mundo
sabe que as bolhas abençoadas são o produto
superior. Enfim, eu não vi isso como uma
ordem, mais como uma sugestão.
— Quantas vezes você diz a si mesma isso
antes de se preparar para desobedecer a algo
que ordeno que você faça?
— Quase nunca. Normalmente só penso
nisso depois.
— Pare. — Suas mãos deslizaram pelas
minhas bochechas em uma carícia gentil. —
Não confesse seus pecados para mim, ou serei
forçado a disciplinar você.
— Você tem certeza de que quer que eu
pare? Eu sei o quanto você ama me atribuir
flexões.
— E o quanto você gosta de fazê-las,
especialmente quando estou em cima de você.
Claro, ele quis dizer estar sentado em
mim, como às vezes fazia para dificultar as
flexões, mas ele escolheu as palavras de
propósito. Ele sempre escolhe suas palavras
com cuidado, cada uma colocada exatamente
como ele queria. A insinuação era tão grossa
quanto um creme de chantilly pesado - e tão
deliciosamente prejudicial. Esse é um dos
benefícios de elevar sua magia na Legião. Você
poderia sobreviver a todos os tipos de coisas
deliciosamente prejudiciais. Como anjos.
Eu tomei um momento para me recompor
para que, quando eu falasse, não gaguejasse
como uma tola. — Estou surpresa que você
queira ter nosso encontro agora depois de todo
esse tempo.
— Nunca terá a hora certa, por isso pode
muito bem ser agora.
Gostei desse argumento. Gosto muito
disso.

Enquanto Nero e eu andávamos pela


cidade, ouvia a noite. As Planícies Negras
estavam chorando hoje. A lua estava quase
cheia e a magia estava em plena floração.
Magia sombria e sinistra que fazia eu querer
me enrolar na minha cama até amanhã.
— Não é seguro lá fora, — eu disse
calmamente.
— Os monstros estão com fome hoje à
noite. Sem descanso.
— Assim como os bandidos, — comentei,
olhando para os dois homens de trincheira que
estavam nos seguindo do outro lado da rua nos
últimos dois quarteirões.
Nero virou-se para encará-los. — Vão
embora, — disse ele, a única palavra
congelando o ar úmido da noite.
Os bandidos se viraram e correram para o
outro lado.
— Agora estou com fome.
— Você usou muita magia hoje, — lembrei-
o.
— Assim como você.
— Nah, eu apenas acabei de disparar
minha arma de fogo e roubar as espadas de
fogo de outras pessoas do chão. — Parei em
frente ao restaurante. — Chegamos.
— O Jolly Joint? — Nero leu a placa com
uma inclinação duvidosa na boca. — Isso é
humor na fronteira?
— Confie em mim. É incrível. — Eu
alcancei a porta, mas ele chegou lá primeiro.
— Permita-me. — Ele segurou a porta
para mim.
— Oh, então isso é como um encontro de
verdade? — Sorri para ele quando entrei no
restaurante.
Ele deu um passo ao meu lado, olhando ao
redor para o interior rústico. — Vamos
gerenciar o melhor que pudermos.
O Jolly Joint não era um lugar chique, mas
tinha a melhor comida da cidade. Os móveis
pareciam ser do século passado, antigos, tipo
“envelhecidos” e não nos itens de coleção muito
caros. As mesas eram pequenas, cortadas e
com extrema necessidade de um bom
lixamento. O tecido dos assentos estava
manchado, e parte da costura estava se
desfazendo. Eles cheiravam como se tivessem
absorvido os aromas de todas as refeições que
vieram antes desta. Eu amava todos os pontos
estourados e pernas bambas, porque eles
significavam que este lugar tinha uma
história, uma personalidade que não tinha
sido lavada, lixada e caiada de branco.
Arlo, nosso garçom, colocou uma grande
cesta de pão entre nós, com o olhar baixo na
jaqueta de Nero. A reverência em seus olhos
disse que ele sabia o que a posição de Nero
significava - que havia um anjo no meio deles.
Ainda de costas, o garçom nos deixou sozinhos
à nossa mesa. Nero deu uma mordida em um
rolo. Ele rapidamente terminou.
— Eu sabia que você gostaria deste lugar,
— eu disse quando ele começou seu segundo
teste.
— O lugar é áspero nas bordas, mas só o
torna mais charmoso.
Pelo jeito que ele estava olhando para
mim, ele não estava falando apenas da comida.
Ele estava falando de mim também.
— Sim, é, — concordei. — E pelo menos
está longe dos olhares indiscretos da Legião.
— Você não deve se incomodar com as
fofocas deles.
Passei o dedo pelas marcas da mesa, onde
alguém tinha esculpido 'Heather ama James'
na madeira com uma faca de bife.
— A que fofocas você está se referindo? —
Perguntei a ele, abandonando o grafite da
mesa para tirar um rolo de gergelim da cesta.
— Talvez o boato de que você decidiu me fazer
sua amante no momento em que eu entrei nas
Planícies Negras para salvá-lo de um ninho de
vampiros desagradáveis? Ou a insistência de
todos de que eu nem tenho escolha, porque
Nero Windstriker sempre consegue o que
quer?
— Eles estão entediados e precisam de
uma maneira de preencher o tempo entre as
batalhas e ficar chapados. Você não deve
acreditar em tudo que ouve.
— Então não é verdade?
— Não. Claro que não, — ele disse. — Eu
não decidi que te faria minha amante depois
que você me resgatou das Planícies Negras.
Isso só reforçou o que eu sabia sobre você.
— Que significa isso?
— Decidi que faria de você minha amante
no momento em que a conheci. — Perigo
brilhou em seus olhos - perigo que tinha gosto
de cerejas pingando chocolate escuro. — E você
sempre teve uma escolha, Leda. Estou apenas
fazendo minha missão de convencê-la. Porque
sim, geralmente consigo o que quero.
Nosso garçom escolheu aquele momento
para voltar e receber nossos pedidos. Ele se
virou para Nero. Geralmente, as damas eram
as primeiras, mas eram os anjos antes de tudo.
— Você receberá primeiro o pedido da
minha adorável companheira, — disse Nero.
Surpresa brilhou nos olhos de Arlo. Os
anjos gozavam de privilégios e sempre vinham
em primeiro lugar.
— É claro, — disse Arlo, recuperando-se.
— O que vai pedir, minha dama?
Minha dama? Pensei em lembrá-lo de que
tínhamos estudado juntos, mas qual era a
graça nisso?
— Vou querer o Jolly Platter e um suco de
abacaxi, — eu disse a ele.
Nero olhou por cima do menu para mim. A
mesa era tão pequena que, quando ele virou a
página, sua mão passou pela minha. Então se
retirou, tão perto e tão longe. Nero estava
brincando comigo. Ou ele não estava? Talvez
eu estivesse me enrolando por nada. Ele
estava apenas folheando o menu, pelo amor de
Deus. E, no entanto, ele estava olhando para
mim o tempo todo, não o menu.
— O frango primavera e a água da
nascente Fogo de Anjo. — Seus olhos não me
deixaram quando fez seu pedido.
Eu trancei meus dedos juntos, olhando em
seus olhos, me perguntando que segredos
estavam por baixo de sua armadura. Uma
sombra pairou sobre meu ombro.
— O que é isso, Arlo? — Perguntei a ele,
impaciente, mantendo meus olhos em Nero.
— Seu cardápio, Leda, — ele sussurrou.
Deslizei meu cotovelo do meu menu
fechado. — Pegue.
Ouvi o farfalhar de couro e algodão
pressionado, e então ele sumiu com os
cardápios. A mão de Nero deslizou sobre a
minha e, embora seu toque apenas roçasse a
superfície, um rio de fogo líquido queimou
minhas veias, envolvendo meu corpo inteiro,
me consumindo. Eu não queria perder esse
concurso de encarar, qualquer que fosse o jogo
que os anjos jogassem. Mas eu simplesmente
não conseguia mais olhar. O olhar de Nero
deveria ter me assustado, mas não o fez. Isso
me excitou. E me assustou.
Eu podia sentir os olhos de todos em nós.
Quando me virei para encontrar os olhares
deles, eles rapidamente desviaram o olhar.
Mas eu sabia que eles ainda estavam nos
olhando pelo canto dos olhos.
— Podemos estar longe dos olhares
indiscretos e da boca fofoqueira da Legião, mas
estamos sob os holofotes da cidade, — eu disse,
tomando um gole do suco de abacaxi que Arlo
acabara de trazer. — E os habitantes de
Purgatório não têm batalhas monstruosas e
ficam chapados no Néctar para preencher as
horas chatas. Nós somos o entretenimento
deles.
— Você com certeza está se preocupando
muito com os outros. Os únicos olhos em que
você deveria estar pensando agora são os
meus. A única boca com a qual você precisa se
preocupar é a minha.
Outra insinuação. Isso tinha que ser
algum tipo de registro para ele.
— Este é o nosso encontro, — continuou
ele. — Não deles.
— Você está certo. Eu sinto muito.
— Se isso facilitar as coisas... — Ele
acenou um pouco para a mão e, como se por
mágica, todas as pessoas na sala desviaram o
olhar.
— Você os obrigou?
— Cada um deles, — disse ele sem um
pingo de vergonha.
Eu ri. — Então, você realmente acha que
essas relíquias estão sob a cidade?
Ele me deu uma olhada dura.
— O que? Você tem todos eles alheios a
nós, certo?
— Todos, menos o garçom. Ele foi obrigado
a nos trazer o jantar o mais rápido possível.
— Eu não acho que você precisava fazer
isso. Suas asas são um argumento bastante
convincente por conta própria.
— Eu não mostrei minhas asas aqui.
— Não importa. Arlo sabe que elas estão
lá.
— Como você conhece nosso garçom
— Fomos à escola juntos, — eu disse com
um encolher de ombros. — Nós não saímos nos
mesmos círculos, no entanto.
— E em quais círculos você esteve?
— Apenas com minha irmã Bella
principalmente - quando eu não estava
caçando criminosos para conseguir dinheiro.
— Você levou uma vida interessante.
— Ficou mais interessante recentemente,
— eu disse, mexendo meu suco.
Sua mão se fechou sobre a minha. — A
minha também. Por bem ou por mal.
— Você acha que vamos encontrar as
relíquias?
— Nyx acha que sim. — Seu polegar traçou
pequenos círculos lentos na minha mão. —
Liguei para ela no caminho de volta. Ela
confirmou que sabia o tempo todo sobre o que
os peregrinos buscavam. Ela está guardando
muitos segredos.
— Bem, ela é um anjo.
— O que você acha que estou escondendo?
— Muita coisa, tenho certeza. A Legião
guarda bem seus segredos.
Decepção cintilou em seus olhos, e ele
largou a mão.
— Eu não estou pedindo para você me
dizer, — falei.
Ele me observou por um longo e silencioso
segundo, depois respondeu: — Você é boa
demais.
— Para a Legião?
— Para sobreviver a este mundo. — Ele
roçou a mão na minha. A centelha de calor
retornou, ganhando vida própria, me
acordando como se fosse um sonho, de uma
vida que eu nunca estive realmente vivendo.
Arlo veio com o nosso jantar e
desvendamos as mãos.
— Então, como foi crescer como o único
filho conhecido de dois anjos? — Perguntei a
Nero. — Você sempre teve poderes, mesmo
quando criança?
— Desde a tenra idade, sim. Eu não
conseguia controlar muito bem esses poderes,
mas eles estavam lá.
— Os filhos dos anjos sempre têm esses
poderes antes de se juntarem à Legião?
Ele terminou de mastigar o pedaço de
frango que cortou e disse: — Você está se
perguntando se é filho de dois anjos.
— O pensamento passou pela minha
cabeça. Não reajo ao néctar como as outras
pessoas. Eu reajo como você.
— Em resposta à sua pergunta, sim. Todas
as crianças com um pai anjo manifestam pelo
menos alguns poderes, mesmo no início. Você
já manifestou algum poder?
— Não. — E lá se foi a minha teoria.
— Há algo diferente em você, — disse
Nero. — Algo especial. Foi por isso que Nyx a
colocou no caminho rápido da Legião.
— Há muitas pessoas no caminho rápido
agora. Por quê? O que a Legião está se
preparando para fazer? Lutar?
Nero tomou um gole longo e lento do copo.
— Fazer perguntas como essas vai te causar
problemas.
— Então você me avisou antes. E a capitã
Somerset também. Na verdade, ela me alertou
sobre mais do que isso.
— O que você quer dizer?
— Ela é assustadora às vezes, sabe? Estou
com a sensação de que ela vai me espetar com
suas espadas se eu não dormir com você. Ou se
eu dormir com você. Acho que ela ainda não
decidiu.
O rosto de Nero estava impassível.
— Eu acho que você realmente precisa me
ensinar a usar uma espada de fogo. Apenas no
caso de...
— Eu entendo a partir dessa afirmação
que você não planeja dormir comigo.
— Bem... eu... hum...
Um ruído baixo e profundo retumbou no
peito de Nero.
— Você está rindo de mim? — Exigi.
— Sim.
Eu olhei para ele. — Isso não foi
engraçado.
— Primeiro, foi muito engraçado. E em
segundo lugar, eu lhe disse para não me
encarar dessa maneira até que tenha a magia
necessária para isso. Você não tem, Pandora.
— Ainda.
Um leve sorriso tocou seus lábios. —
Ainda, — ele concordou.
— Então, sobre essas espadas de fogo,—
comecei.
— Elas?
— Eu preciso que você me ensine a
manejá-las. Eu quero ser capaz de fazer mais
do que apenas girá-las e tentar não me
queimar.
— Não se queimar é um primeiro passo
importante.
— Estou falando sério, Nero. Eu quero
dominá-las.
— Não tenho certeza se quero ajudá-la a
incendiar as coisas. Você já é perigosa o
suficiente.
— Muito engraçado.
— Quando você ganhar o poder da magia
elementar, poderá incendiar mais do que
espadas. Varais, paus, cordas, tudo em sua
vizinhança que você queira usar como arma.
Mostrei a língua para ele.
— Muito assustador, Pandora. — Nero
tirou um frasco da jaqueta.
— Néctar? — Sussurrei, reconhecendo o
líquido fluindo como lava arco-íris cintilante
dentro da pequena garrafa.
— Apenas as gotas.
Gotas de néctar eram a forma diluída de
néctar, a droga de escolha dos soldados da
Legião. Uma ou duas gotas adicionadas a uma
bebida nos deixariam felizes, altos e realmente
relaxados, a combinação perfeita após um dia
longo e cansativo.
— Você gostaria de algumas? — ele
perguntou-me.
Hesitei, mesmo quando minha língua
disparou para deslizar pelos meus lábios. —
Tem certeza de que é uma boa ideia?
— Eu acho que é uma ideia muito boa. —
Debaixo da mesa, sua perna roçou na minha,
fazendo-me pular um pouco na minha cadeira.
— Você está muito tensa. — Ele derramou
uma gota em cada uma das nossas bebidas. —
Aqui, vamos fazer isso juntos.
— Como posso recusar uma oferta como
essa?
Levantamos nossos copos e bebemos. O
néctar dançava sobre o sabor do abacaxi,
melhorando-o. Tornando-o mais rico, mais
doce. O rio quente de magia escorreu pela
minha garganta, provocando uma reação em
cascata, uma dúzia de minúsculas explosões
de êxtase. Meus músculos, tensos de um dia
lutando contra monstros e caminhando por
ruínas, ficaram líquidos. Eu não me sentia tão
relaxada desde que, bem, a última vez que
tomei Néctar. A viagem de spa com Ivy no mês
passado, embora divertida, não conseguiu nem
competir com isso.
Olhei do outro lado da mesa para Nero.
Uma pálida luz etérea brilhava ao seu redor,
aquela suave auréola angelical contrastando
com o fogo perverso que queimava em seus
olhos. Meu olhar deslizou pelo tecido liso de
sua camisa. Não havia uma única ruga - ou
uma única gota de suor - nela. Era
perfeitamente intocada, como se tivesse sido
passada a ferro nele. Ou derretido. Eu me
perguntei se ele era tão quente quanto eu - ou
se os anjos suavam.
— Você está facilitando muito, Pandora.
— Fazendo o que fácil demais?
Ele se inclinou, os músculos duros do peito
se deslocando contra a camisa. — Seduzir
você.
Ele capturou meus lábios com a boca. Seu
beijo foi lento, ardente e cruelmente erótico.
— Você gostaria de pular para a
sobremesa? — Suas palavras caíram no meu
queixo, mergulhando na minha garganta.
Ele ainda tinha que perguntar? Uma fome
forte e básica se enraizou profundamente
dentro de mim. Se não saíssemos daqui agora,
eu faria algo que quebrasse todas as regras do
livro de regras de decoro da Legião.
— Sim, eu disse. — Minha blusa parecia
uma camisa de força contra meus seios
inchados.
Seu sorriso era puro pecado, o sussurro em
retirada de seu beijo final, uma promessa
tácita de delícias sombrias. — Estamos
prontos para pedir a sobremesa.
Pisquei, minha mente incapaz de
processar suas palavras. Olhei para cima e
encontrei nosso garçom sempre atento parado
ao lado de nossa mesa. Oh, essa sobremesa.
— O que você gostaria? — Nero me
perguntou casualmente.
— Eu…
— Você precisa de um momento?
Ele estava certo. Ele realmente não queria
que eu ganhasse o poder de incendiar as coisas
- e anjos perversos.
— Vou comer uma fatia de torta de maçã.
Arlo olhou para Nero.
— O mesmo, — disse ele.
Arlo curvou-se e saiu. Nero continuou
olhando para mim, seus olhos brilhando com
deleite malicioso.
— Você gostou disso, — rosnei para ele.
— Eu gostei. Sobremesa é uma
indulgência, mas vale cada mordida.
— Não é a sobremesa. Me confundindo.
— Estou apenas cumprindo minha
promessa, — ele respondeu calmamente,
claramente incomodado pela fantasia mental
de incendiar seus cabelos que eu estava
transmitindo para ele em voz alta e clara.
Quando eu ganhasse magia elementar, ele
estaria com problemas. — Você queria que
nosso jantar fosse em algum lugar público.
Tenho a sensação de que você ainda não tem
certeza de que quer se envolver comigo.
— Eu sei que quero estar com você. É o
outro cara que não tenho certeza.
— Que outro cara?
— O anjo.
— Eu sou um anjo.
— Nem sempre.
Ele refletiu sobre isso por um momento e
disse: — Se você quer ficar comigo, o 'outro
cara' faz parte do pacote.
Suspirei. — Eu sei.
— Leda, você quer ser um anjo. Isso
significa passar muito tempo com outros anjos.
Eu sorri para ele. — É um sacrifício que
estou disposta a fazer.
Ele se inclinou, capturando meu lábio
inferior entre os dentes. — Cuidado, Pandora.
Há uma linha tênue entre preliminares e
insubordinação.
Suas presas quebraram a superfície do
meu lábio. Uma gota de sangue subiu
lentamente, pulsando, queimando, disparando
meus sentidos em excesso. De repente, fiquei
hiper consciente de tudo. Cada batida do seu
coração. Meu. Todo sussurro, toda respiração.
O aroma rico e espesso de seu perfume
acariciou meus sentidos, potentes e puros. O
gosto de um anjo. Do meu anjo. Inclinei meu
pescoço, afastando meu cabelo.
Os olhos de Nero piscaram na minha
garganta nua. — Pare, — ele sussurrou, sua
voz rouca de necessidade.
Sorri. — Parar o que?
Deslizei minha mão pelo meu pescoço,
traçando a linha do meu pulso agitado sob a
minha pele. Com a outra mão, peguei a mão
dele, mas ele a retirou. Deslizei minha perna
contra a dele e um baixo ruído masculino
zumbiu em sua garganta.
— Você está tornando extremamente
difícil para mim manter suas condições para
este encontro, — disse ele, cada palavra
perfeitamente articulada, como se estivesse
lutando para manter o controle.
Arqueei minhas sobrancelhas para ele. —
E se eu revogasse essas condições
— Você está fazendo isso? — ele perguntou
cautelosamente.
— O que você faria se eu dissesse que sim?
— As coisas que eu faria para você não
posso falar aqui.
Minhas coxas se apertaram juntas,
tremendo. Engoli a maré crescente de luxúria
excruciante e coloquei um sorriso atrevido
sobre ela. — Não te conheço tão modesto.
Sua voz baixou para um sussurro áspero e
irregular. — Não me desafie, Pandora. Não
tenho escrúpulos em queimar todas as suas
roupas e possuí-la aqui e agora nesta mesa. —
Sua mão traçou minha coxa, provocando a
barra inferior do meu short.
Minha cabeça girando, meu coração
martelando como um trem em fuga, arqueei as
costas em um convite silencioso e sensual. Meu
corpo inteiro, da cabeça aos pés, do pico ao
vale, estava queimando por ele como se eu
nunca tivesse realmente estado viva antes
deste momento.
— Na frente de todas essas pessoas? —
Minha voz estava rouca.
— Não te conheço tão modesto, — ele
revidou, com minhas palavras. Elas pareciam
muito mais sexy saindo de sua boca.
— Muito engraçado.
— Eu posso obrigar todos eles a saírem, se
desejar. — Suas presas traçaram a carne
macia e sensível da minha garganta.
— Morda-me, — falei, presa em algum
lugar entre apelo desesperado e demanda
áspera.
Ele se afastou, encontrando meus olhos. —
Você deseja ficar sozinha comigo, Leda?
— Sim.
Um sorriso torceu seus lábios, e sua mão
subiu pela minha coxa, separando minhas
pernas.
Seu telefone tocou contra a minha pele. Ele
enfiou a mão no bolso e o puxou para fora,
olhando para a tela. E assim, meu amante
sombrio desapareceu diante dos meus olhos,
substituído pelo soldado frio. Ele tirou a mão
da minha coxa.
— Temos que ir, — disse ele, de pé.
O segui em direção à saída, meu pulso
batendo com uma necessidade não satisfeita.
— Você pode se concentrar? — Nero
perguntou quando saímos na noite escaldante.
— Ficarei bem, — assegurei a ele. Depois
de tomar um banho frio.
— Eu posso fazer nevar sobre você, — Nero
ofereceu.
Ele leu meus pensamentos novamente. Eu
fiz uma careta para ele saber o que eu pensava
sobre isso.
— Eu realmente não consigo bloquear seus
pensamentos quando você os transmite para
mim alto e claro, Pandora.
Eu não estava transmitindo nada. Ok,
talvez isso não fosse verdade. De volta ao
restaurante, eu estava transmitindo alto e
claro. Mas de qualquer forma. Eu não tinha
tempo para me sentir constrangida agora. A
mensagem que Nero havia recebido era
obviamente uma má notícia.
— Estou bem, — repeti, desta vez sem o
monólogo interno. — O que está acontecendo?
— Valiant e dois dos outros peregrinos
pegaram um de nossos caminhões e dirigiram
para as planícies negras.
— Eles estão indo atrás das relíquias, —
eu disse.
— E nós vamos atrás deles, — ele me disse.
— Antes que os monstros os peguem.
8
Relíquias perdidas
— A noite está escura e cheia de monstros,
— comentei enquanto recarregava minha
arma.
Ao meu lado no caminhão, Drake riu.
A capitã Somerset olhou para nós do banco
do motorista. — Menos brincadeira. Mais
monstros sendo mortos.
Eu atirei no gigante de metal em forma de
homem correndo atrás de nosso caminhão. O
chão tremia sob seus pés a cada passo pesado.
O demônio parecia um monstro nascido dos
destroços de metal das cidades caídas e das
estradas destruídas das Planícies Negras.
Veja, monstros não eram feitos apenas de
carne e osso. Eles poderiam ser plantas. Eles
poderiam ser feitos de metal ou madeira, de
vidro ou lama, de água ou fogo. Basicamente,
qualquer coisa que você possa imaginar e
muito mais.
Esse gigante do metal era muito mais. Sua
armadura era perfeita, dura como escamas de
dragão e tão flexível quanto aço. As únicas
coisas que tínhamos que funcionavam contra o
monstro eram balas cheias de um agente
mágico que corroía o metal, tornando-o
enferrujado. Só tínhamos que continuar
atirando nele até que tivesse buracos
suficientes na armadura para que o grande
canhão no topo do caminhão os explodisse em
pedaços. Isso demorava muito tempo. Ainda
mais do que nos levou a derrubar os outros
dois gigantes do metal.
— Estamos ficando sem munição, — disse
Drake.
— Continue atirando, — comandou a
capitã Somerset.
Morrows não precisou ser avisado duas
vezes. Ele não parou de atirar desde que um
trio desses monstros de metal nos atacou do
lado de fora da Windy Woods, uma das muitas
florestas assombradas nas planícies negras.
Cupcake lhe entregava uma arma nova
sempre que ficava sem balas, para que a festa
nunca parasse.
— Você tem certeza de que está realmente
atingindo o alvo? — Perguntei a Morrows.
— Chegue um pouco mais perto e descubra
por si mesma.
— Eu acho que vou passar, — falei quando
uma das minhas balas corrosivas atingiu o
monstro nos olhos. — Não há espaço lá.
Desde que os peregrinos pegaram um de
nossos caminhões, todos tivemos que nos
espremer neste. Doze soldados da Legião -
onze agora já que Nero estava voando à frente
para limpar nosso caminho de monstros - e
armas, munições e poções suficientes para
matar uma legião de monstros.
— Você pode sentar no meu colo, querida,
— Morrows ofereceu. — Deixarei você segurar
minha arma.
— Não, obrigada. Não quero acariciar seu
canhão.
Morrows rugiu de rir. — Você tem
coragem, Pandora. Ninguém pode negar isso.
— Muita coragem, — disse a tenente
Lawrence, cada palavra pingando uma
desaprovação contundente. — Não consigo
entender o que o coronel Windstriker poderia
ver em você.
— O fato de ela não usar calcinha
provavelmente ajuda, — disse Claudia, rindo.
— Eu pensei que era o único que tinha
notado, — disse Greer.
— Não. — Morrows sorriu. — Todos nós
notamos.
Minhas bochechas queimaram. — Tenho
certeza de que há alguma regra da Legião
sobre encarar a bunda do seu camarada, —
murmurei.
— Não, apenas se tocar, — Claudia me
informou, olhando para Morrows.
— Eu posso sentir você queimando um
buraco na parte de trás da minha cabeça,
sargento Vance, — disse ele alegremente.
— Isso tudo é incrivelmente estúpido, —
disse a tenente Lawrence.
Ela marcou um tiro perfeito na boca do
monstro de metal. Gritando de raiva, ele
atirou uma pedra em nós. A capitã Somerset
conseguiu desviar para o lado a tempo. Por
pouco.
O próximo passo do monstro foi um passo
em falso. A bala da tenente Lawrence deve ter
atingido algo importante dentro de seu corpo.
A fumaça começou a subir de seus ouvidos.
Esse foi o sinal de Claudia para soltar o
canhão.
— Linda, — disse Morrows em apreciação,
enquanto pedaços de metal em chamas caíam
do céu.
Outros dois monstros de metal saíram da
floresta, jogando árvores e pedras contra nós.
Eles pareciam estar surgindo das planícies
hoje à noite, subindo dos cacos de cidades
caídas. Pelo menos esses novos demônios eram
menores que os anteriores, menos da metade
do tamanho dos gigantes. Claudia usou o
canhão para arrancar uma perna do primeiro.
A bala corrosiva que atirei no segundo monstro
derreteu seus pés na estrada de asfalto
rachada.
— Pegue isso, sua lixeira de grandes
dimensões! — Ri.
— Você sabe o que o coronel diz. Se você
pode rir, não está trabalhando o suficiente. —
A capitã Somerset também estava rindo.
— Sigo uma filosofia muito diferente, —
respondi. — Se você não está rindo, não está se
divertindo o suficiente. E você deve pensar em
uma nova linha de trabalho. Eu podia ver Nero
como um modelo. Ou talvez um instrutor de
direção.
— Você está brincando, — disse a capitã
Somerset, acelerando quando mais dois mini
gigantes nos viram.
— O que tem isso?
— Eu sei que você esteve em um carro com
ele quando estava ao volante.
Ela desviou para a direita para evitar um
monstro, depois virou à esquerda para evitar o
outro. O caminhão derramou sobre a beira da
estrada e rolou pela paisagem irregular.
— Você é quem fala, — eu disse.
— Se minhas mãos não estivessem
ocupadas, eu lhe daria um tapa por
insubordinação, — ela me disse, sorrindo.
— Nero é realmente um bom motorista.
Ele apenas dirige pelo menos cem milhas por
hora, muito rápido. Talvez ele devesse ser
piloto de corridas.
Os dois monstros afundaram em um
pântano de fluido preto borbulhante, e a capitã
Somerset voltou para a estrada. — Me
lembrarei de dizer a ele para pedir sua ajuda
na nova carreira dele.
Olhei através das planícies. Nero estava
bem à nossa frente, uma sombra no céu. Eu
não podia ver com que monstros ele estava
lutando, mas o que quer que fossem, eles não
estavam se saindo bem. O fogo choveu como
bombas caindo de um avião, explodindo os
monstros.
— Mas acho que você não precisa que eu
fale com Nero, — disse a capitã Somerset. —
Vocês dois são bastante conversadores.
Primeiro no trem e depois no seu encontro.
Como foi o encontro, a propósito?
Não fiquei surpresa que ela soubesse. Ela
deve ter nos visto sair juntos. Ou nos ouviu
conversando antes de deixarmos o templo.
Sentidos sobrenaturais podiam penetrar as
paredes, razão pela qual as paredes do
escritório da Legião em Nova York eram tão
grossas.
— Foi curto, — eu disse a ela. Curto
demais.
— Nem sempre haverá uma emergência.
Vi algo nos olhos dela, algo que não
consegui decifrar. Humor? Um desafio? Um
desafio?
Continuamos a dirigir em alta velocidade
pelas planícies negras. Talvez a capitã
Somerset devesse pensar em dirigir um carro
de corrida. Ela dirigia o caminhão grande e
pesado como se fosse um carro esportivo.
A Cidade Perdida pairava à nossa frente,
suas paredes em ruínas brilhavam com o luar.
Estacionamos na periferia da cidade, bem ao
lado do outro caminhão. Pelo menos isso
significava que os peregrinos haviam
atravessado as planícies sem serem comidos.
Nunca subestime o poder da sorte. Eu fui salva
por esse poder misterioso especial mais de
uma vez na minha vida.
Nós nos movemos rapidamente pela
cidade. Tendo percorrido aquelas pontes
precárias e prédios deteriorados poucas horas
atrás, o caminho era familiar. Conhecíamos os
altos e baixos, as crateras e os erros. Mas a
Cidade Perdida era diferente à noite, assim
como as Planícies Negras que a cercavam.
Chegamos a uma rua congelada em gelo preto.
Sem aviso. Era a própria estrada que brilhava
com aquela escuridão assustadora, como se a
magia tivesse deformado suas propriedades
físicas. Quem sabia o que mais a magia havia
distorcido por aqui.
— Vamos dar a volta, — decidiu a capitã
Somerset.
Passamos pela rua de gelo preto, rumo ao
abismo que levava às seções afundadas da
cidade. Nero voou e seguimos devagar,
restritos a cordas. Um par de asas certamente
teria sido útil.
As vozes da batalha soaram nos meus
ouvidos, ficando mais altas quanto mais eu
descia. Antes de eu sair de Nova York, Jace me
disse que os fantasmas do passado ainda
estavam na Cidade Perdida, esperando para
serem libertados.
Eu não tinha certeza se acreditava nisso.
As vozes não pareciam espíritos ou fantasmas.
Pareciam lembranças. A questão era de quem
eram as memórias. E por que eu os ouvia
quando ninguém mais podia.
— Este lugar é ainda mais assustador à
noite, — disse Drake.
— Sim, — concordei, colocando um escudo
mental para bloquear as vozes na minha
cabeça.
Passando pela Torre Espiral,
atravessamos o tapete grosso de snapdragons
mortos que cobriam a rua. Nós viajamos mais
fundo na cidade afundada. A água escorria
pelas paredes, um eco rítmico e oco apareceu
sobre o zumbido baixo de vozes distantes. E
essas vozes não estavam apenas na minha
cabeça.
— É Nero, — falei, reconhecendo sua voz.
— Você pode distinguir a voz dele daqui?
— Perguntou a capitã Somerset.
— Sim.
As sobrancelhas dela se uniram. — E os
outros?
— Eu... — Escutei, enquanto
continuávamos nos movendo em direção às
vozes. — Nero está ordenando que eles
partam. Ele parece um pouco irritado, então
acho que está falando com os peregrinos, não
com o homem do bairro.
— ...não posso recusar... as ordens dos
deuses... não estão em debate... estou no
comando aqui, não você.
Eu podia ver Nero agora. Ele estava de
frente para Valiant e os outros dois Peregrinos
desaparecidos - e parecia tão feliz quanto
deveria.
— Não estamos abandonando nossa busca.
O bandido encapuzado ainda está lá fora,
procurando as Relíquias Perdidas. — Valiant
acenou com a mão para indicar a cidade
subterrânea.
— Você não sabe disso, — disse Nero.
— Por qual outro motivo ele roubaria meu
caderno? Não, coronel. Nós vamos ficar aqui.
Você pode se tornar útil já que está aqui agora.
Nero parecia que acabara de esgotar sua
paciência durante o ano. — Eu vou facilitar as
coisas para você. Pode sair de bom grado, ou
eu posso levá-lo e amarrar todos no topo dos
caminhões. Isso lhe dará assentos na primeira
fila dos ataques de monstros durante nossa
viagem de volta à Purgatório.
Os companheiros de Valiant
empalideceram, mas ele apenas plantou os pés
mais fundo. — Você não ousaria tratar os
santos peregrinos dessa maneira. Nós somos a
voz dos deuses.
— Você pode ser a voz dos deuses, mas eu
sou a mão dos deuses. E estou totalmente
preparado para usar essa mão para bater em
seu rabo.
— Você está blefando.
Nero encontrou seu olhar desafiador e não
se impressionou. — Juramos protegê-lo e você
está dificultando isso. Vocês não se colocaram
em perigo apenas vindo aqui. Você colocou
meus soldados em perigo.
A voz de Nero estava fria como gelo.
Estremeci no ar agradável. Ele com certeza
era assustador quando estava chateado. Sua
raiva mal estava contida, fervendo sob a
superfície gelada de seu autocontrole. Ouro e
prata rodavam em seus olhos, pulsando com os
tons inconstantes de sua raiva. Apenas
duzentos anos de prática em controlar seu
temperamento o mantinham sob controle.
Ele girou, sua espada um arco prateado da
morte. Por um momento horrível, pensei que
ele realmente se tivesse perdido, mas então vi
o tentáculo espasmódico pendurado em sua
lâmina - e o monstro do qual ele o cortou. A
coisa não era uma criatura. Era uma cortina
de trepadeiras rolando pelo prédio atrás dele.
Diante dos meus olhos, a videira cortada se
transformou em duas novas videiras.
— Ótimo, exatamente o que precisávamos.
Uma planta de hidra, — comentei.
Névoa espessa surgiu do chão, gemendo.
Névoa assombrada era outra coisa de que não
precisamos.
Mais trepadeiras caíam pelo edifício como
uma cachoeira verde. Elas atacaram,
estalando como um chicote, envolvendo suas
bobinas grossas ao nosso redor. Nero colocou
fogo em um monte de monstros videira. Eles
cresceram mais gordos, maiores. Ele tentou a
próxima geada. O monstro congelou e Nero
cortou sua lâmina através da planta picada
pelo gelo. Quebrou em pedaços.
— Use feitiços de gelo, — ele nos disse.
Peguei meu kit de poções. Eu não
conseguia conjurar magia elementar, mas
tinha algumas poções que produziam um
efeito semelhante. Joguei um pó nevado sobre
uma fera próxima. Uma vez congelado, Drake
atirou no monstro, que explodiu como um
espelho quebrado.
Estávamos começando a progredir no
problema de ervas daninhas da Cidade
Perdida quando o nevoeiro mostrou sua
verdadeira natureza. Um pedaço de luz
pingada de orvalho mudou na minha frente,
tomando a forma de um homem. Antes que eu
pudesse me mover, a fumaça se transformou
em rocha sólida. A forma de homem bateu com
o punho de pedra na minha costela. Dor. O
monstro havia quebrado duas delas.
Engolindo a agonia, passei minha espada no
monstro, mas minha lâmina passou por ele.
Ele voltou a ser fumaça.
Um ciclone girou dentro da cidade
submersa, um turbilhão de magia que sugava
a fumaça. Nero estava no centro do feitiço,
suas mãos girando e girando para manter o ar
girando - e o monstro da névoa preso. Mas
quanto tempo ele poderia continuar?
O resto da equipe estava ocupada com as
videiras. Além do campo de batalha, Valiant
estava se retirando para mais fundo na cidade.
Ele estava indo sozinho, indo atrás das
relíquias. Os outros dois peregrinos não
estavam longe de mim.
— Venham, — eu disse, canalizando o
Canto da Sereia. Eu sabia que tinha
funcionado quando seus rostos aterrorizados
ficaram sem expressão. — Fiquem comigo.
Segurando minhas costelas, corri em
direção a Valiant. Essas relíquias nos
matariam muito antes mesmo de encontrá-las.
— Pare! — Chamei por ele. — Você não
pode ir sozinho, Valiant. Haverá mais
monstros.
— Então venha comigo. Eu posso confiar
em você. — Ele franziu a testa. — Mas não
naquele anjo que ameaçou me amarrar ao
caminhão dele.
— Nero está tentando protegê-lo, — eu
disse a ele quando os outros dois peregrinos
vieram atrás de mim.
— Você pode me proteger.
Olhei para as minhas costelas quebradas.
Minha respiração irregular, como uma facada
de uma agulha quente. — Eu não posso. Nós
precisamos de Nero. Nós precisamos de todos.
E acima de tudo, precisamos voltar depois do
amanhecer. Não é seguro aqui.
— Não, não podemos nos atrasar. O
capuz...
— Não está aqui. — Estendi minha mão.
— Vamos.
Os olhos de Valiant passaram de mim,
para seus companheiros, depois de volta para
mim. Eu não tinha magia suficiente em mim
para obrigá-lo também, então eu só teria que
contar com seus instintos de sobrevivência.
Parecia que eu havia superestimado sua
vontade de viver. Ele se virou e saiu correndo.
Ele não chegou longe, no entanto. Ele
escorregou em um pedaço de gelo de asfalto
preto e caiu, batendo a cabeça na rua. Pelo som
disso, ele quebrou algo também. Boa. A dor
teria sucesso onde o bom senso falhou. Isso o
impediria de fugir.
— Deuses, estou pensando como Nero
mais e mais a cada dia, — murmurei para mim
mesma enquanto o perseguia, tomando
cuidado em evitar o gelo negro.
Valiant se mexeu, deixando escapar um
gemido de dor. E então meus sentidos
vampíricos apareceram. Sangue. As videiras
gritaram e mudaram de direção, atraídas pelo
mesmo cheiro. Atirei poções de gelo nas
videiras, mas isso não as atrasou. O sangue as
havia incitado, trazendo à tona sua
necessidade mais primordial: a fome. Elas
colidiram com seus parentes congelados,
despedaçando-os e separando-os na
necessidade de alcançar a fonte daquele
sangue.
Eu era tudo que estava entre a onda de
trepadeiras e os três peregrinos indefesos.
Infelizmente, eu estava sem feitiços
elementares, e minha espada não fez nada
além de brotar novos bebês monstros de
videira.
— Nossas chances não parecem boas, — eu
disse aos dois peregrinos hipnotizados ao meu
lado.
Eles apenas assentiram, observando os
monstros com interesse desconectado. As
videiras estavam tão ocupadas lutando entre
si para chegar ao sangue que as estava
atrasando.
Valiant jazia no gelo preto. Ele caíra em
uma pedra afiada, que havia penetrado seu
braço., atravessando-o. No lado positivo, a
rocha o impediria de se arrastar para muito
longe. Ele ainda estava perto o suficiente para
eu chegar sem ter que pisar naquele gelo preto.
Além dele, o chão preto e cintilante mergulhou
lentamente... e depois desapareceu em um
abismo. Eu poderia trabalhar com isso.
Espero.
— Valiant, preciso que você me escute e
faça exatamente o que digo, — falei. — Você
pode fazer isso?
Ele assentiu, os olhos arregalados de
horror.
— Não olhe para os monstros. Olhe para
mim.
Seu olhar cintilou para mim.
— Bom. Agora vou pegá-lo. Quando eu
puxar você do gelo, jogue-se no chão.
Entendeu?
Ele assentiu. Eu não acho que ele tinha
percebido que estava empalado em uma pedra
ou o quanto doeria quando eu o levantasse.
— Vocês dois, fiquem abaixados e
afastados, — falei para os meus peregrinos.
Eles obedeceram e eu fui até Valiant. As
videiras estavam chegando, por isso era agora
ou nunca. Eu o tirei da pedra. Tentei não o
empurrar, não conseguindo completamente.
Ele estava sangrando muito agora. Ajudei-o a
tirar o gelo, cortando rapidamente a camisa
dele. Ele caiu no chão e lancei o pacote
ensanguentado de tecido no gelo.
As videiras monstro gritaram, mordendo a
isca. Me joguei sobre Valiant quando as
videiras dispararam sobre mim, direto para a
camisa manchada de sangue. Elas
derraparam quando atingiram o gelo preto,
deslizando sobre a borda para o abismo.
Erguendo-me de joelhos, puxei uma poção de
cura e a coloquei na boca de Valiant.
— Obrigado, — ele tossiu.
— Você pode me agradecer prometendo me
ouvir da próxima vez.
Uma explosão de magia bateu no meu
peito, me jogando no gelo preto. O monstro do
nevoeiro se libertou do feitiço de Nero. Ele
estava girando, girando fora de controle ao
meu redor, me acelerando no caminho para a
borda. Procurei algo - qualquer coisa - para
segurar. Não havia nada. Meus dedos
escorregando no gelo brilhante, caí no abismo.
9
Ordem e Caos
Pedras choveram em mim quando caí no
abismo. Elas estavam pegando fogo,
queimando até o chão como estrelas cadentes.
Uma luz branca brilhante chamou minha
atenção e eu me virei. Meu cabelo. Estava
ondulando ao vento, brilhando como um farol
de luz na escuridão da noite. Esperei fazer algo
mais do que brilhar, algo mágico, algo que me
salvaria. Depois de alguns momentos, o brilho
do meu cabelo desapareceu e desapareci na
escuridão. Meu cabelo não ia fazer nada. Não
poderia fazer nada.
— Nero, — eu sussurrei.
Leda.
— Eu gostaria que tivéssemos tido a
chance de terminar o nosso encontro.
Nós vamos.
Uma luz ofuscante, mil vezes mais
brilhante que o brilho fraco do meu cabelo,
inundou a extensão. A escuridão se dissolveu.
Manchas negras flutuavam no ar na frente do
meu rosto, suspensas no tempo.
Uma silhueta alada mergulhou,
deslocando as rochas flutuantes. Braços
cruzados ao meu redor. Olhei para o rosto de
Nero.
— Estou com você, Leda. — Sua voz tremia
com vulnerabilidade nua.
Pisquei, meus olhos se ajustando à luz
abrasadora. Ele estava me carregando. Ou eu
já estava morta, ou Nero tinha acabado de
salvar minha vida. Com base na dor latejante
de cinco locais distintos em todo o meu corpo,
deduzi que era o último.
— Oh, graças a Deus! — exclamei. — Eu
não queria morrer lá embaixo cercada por
essas videiras monstro.
— Nem eu quero que você morra, —
acrescentou Nero rapidamente. Ele estava
incomumente perturbado. Era adorável.
— Sim, descobri isso quando você entrou
heroicamente para me resgatar. Como você fez
esse truque com as pedras?
— Telecinese.
— Você quer dizer telecinesia inversa, —
retruquei
— Telecinesia inversa?
— A telecinesia normalmente move os
objetos com sua mente. A telecinesia inversa
os faz ficar parados.
Ele olhou para mim por um momento e
depois declarou: — Você acabou de inventar
isso.
— Eu não. É uma coisa que você acabou de
fazer. Caso em questão.
— Isso é lógica circular.
— Não, não é. É uma lógica muito não
circular.
— Você não pode simplesmente atribuir
seus próprios nomes a coisas que já têm
nomes.
— Claro que eu posso. — Sorri para ele. —
Você não me conhece?
— Você está jogando a ordem mundial
inteira no caos.
— E isso é diferente do que eu
normalmente faço, exatamente como?
— Você fez uma observação válida, —
disse ele quando pousamos. Rochas cobriam o
chão onde o gelo negro estivera.
— O que aconteceu aqui em cima?
— O monstro de fumaça e pedra se libertou
do meu feitiço e a derrubou. Então flutuou e
virou pedra. O quebrei.
— Uau. — Olhei em volta para as rochas.
Elas cobriam tudo. Nero não tinha acabado de
romper; ele quebrou o monstro inteiro. — Você
deve ter batido forte.
— Eu estava motivado.
Onze pares de olhos estavam nos
observando.
— Onde está a capitã Somerset e Valiant?
— Perguntei a Nero.
— A capitã Somerset levou Valiant à
frente, ao caminhão porque estava
desmaiando de dor.
Eu esperava que a capitã Somerset não
cumprisse a ameaça de Nero de amarrar
Valiant no teto de nosso caminhão. Claro, ele
quase nos matou, mas ele parecia um cara
legal. E nós tínhamos o mesmo objetivo. Todos
queríamos manter a arma de matar anjo em
segurança.
— Nero. Talvez você devesse me colocar no
chão, — sussurrei, já que todo mundo ainda
estava olhando para nós.
— Por quê?
— Todo mundo está olhando para nós.
Seus braços me seguraram em um abraço
protetor. — Eu vou ter que te decepcionar,
Leda.
Nero voltou por nosso caminho para fora
da cidade. Os outros seguiram, sem dizer uma
palavra.
— Eles estão estranhamente silenciosos,
— comentei com Nero.
— Shh. Estou apreciando o silêncio.
Geralmente, é impossível calá-los.
Especialmente você.
— Ei, você deve ser legal comigo em meu
estado frágil.
Ele arqueou as sobrancelhas. — Estou
carregando você, não estou?
— Pensei que você só queria me abraçar.
Passamos os próximos minutos em
silêncio.
— O que você acha dos meus dois
peregrinos? — Perguntei ao Nero.
— Seus peregrinos?
— Sim, meus peregrinos. Eu os compeli
por dois minutos sólidos. — Virei minha mão
para lhe mostrar dois dedos, mas a soltei,
estremecendo de dor.
— Tente não se mexer, — disse ele. — Seus
ferimentos não são fatais, então não os curei.
Não há tempo para isso agora. Precisamos sair
daqui rapidamente, é uma prioridade. Antes
que mais monstros cheguem.
Agora que o alto nível de sobrevivência
estava passando, a dor estava voltando como
uma vingança. As costelas quebradas não
doíam tanto quanto o galo que eu tinha na
cabeça quando a besta da névoa me jogou no
gelo preto.
— Dói, — admiti.
— Mas você é forte.
— Você pode apostar que sou. — Abri um
sorriso, que doía tanto quanto mover minha
mão.
Ele suspirou. — Eu disse para você não se
mexer. Pela primeira vez, você poderia apenas
seguir as ordens?
— Bem, você me conhece. — Continuei
sorrindo. Doeu, mas valeu a pena ver a
frustração - e mais ainda, a admiração - em
seus olhos. Ele pode ter ficado irritado comigo
por não ouvir, mas respeitava minha força por
tentar aliviar sua dor.
— Eu sei o que você está pensando. E o que
está sentindo.
Percebi que não o estava impedindo de
pensar - e que não tinha forças para fazê-lo
agora de qualquer maneira.
— Qualquer outra pessoa estaria gritando
de agonia com a dor que você está sentindo, —
disse ele, com um tom reverente.
— Se você pode ler meus pensamentos,
então sabe que estou gritando por dentro.
— Sim, e estou muito impressionado com o
uso criativo de sua linguagem tão colorida.
Nunca ouvi ninguém xingar tão bem.
Eu sorri através da dor. — Eu procuro
agradar.
— Nós dois sabemos que isso não é
verdade.
— Ok, talvez não. — Estremeci. A dor
estava ficando mais forte.
— Estamos quase lá. — Ele deslizou junto,
movendo-se tão suavemente, sem me
empurrar.
Eu descansei minha cabeça no ombro de
Nero. Os dois peregrinos estavam andando
atrás de nós em uma marcha manca. De vez
em quando, um deles me olhava rapidamente.
— Você está bem? — Perguntei por cima
do ombro de Nero.
— Nossos ferimentos são muito menos
graves do que nosso crime de agir contra as
ordens do coronel Windstriker, — disse um
deles, abaixando a cabeça.
— Aguardamos sua punição, — disse o
outro.
Nero olhou para ele, balançando a cabeça
com lenta desaprovação. Mas ele não falou
ameaças, nem mesmo repetiu sua promessa de
amarrá-las ao topo dos caminhões. Tudo o que
ele disse foi: — Eu estou no comando desta
missão, não Valiant. Vocês também não estão.
E foi o suficiente. Eles assentiram,
baixando os olhos de vergonha.
— Uau, isso foi brando, — sussurrei para
ele.
Nero não disse nada. Olhei novamente
para os peregrinos. Eles rapidamente
desviaram os olhos dos meus.
— O que há com eles? — Perguntei a Nero.
— Por que eles têm medo de olhar para mim?
— Porque eu fui atrás de você lá nas
ruínas. A luta não terminou, os monstros não
foram neutralizados, os peregrinos não
estavam seguros - e eu fui atrás de você.
Eu estava tão feliz por estar viva que não
tinha percebido o que suas ações significavam.
Sua missão era proteger os peregrinos, e ele
mergulhou nesse abismo para me salvar. Os
peregrinos poderiam ter morrido. Ele
transmitiu a todos que me salvar era mais
importante do que salvá-los. É por isso que os
peregrinos estavam me olhando de maneira
diferente. Qualquer pessoa importante para
um anjo era importante para eles.
Chegamos ao caminhão. Nero me colocou
no banco de trás.
— Tente não se mexer durante o caminho
de volta, — disse ele, colocando uma pequena
garrafa em minhas mãos.
— Uma poção de cura?
— Sim, uma invenção minha, — disse ele.
— Pegue. Não tenho magia suficiente para
curá-la gentilmente e precisarei de toda a
magia que tenho para voltar. Muitos de vocês
estão feridos. Se te curar não serei capaz de
matar todos os monstros sozinho. E a poção
ajudará com sua dor.
— Eu pensei que o que não mata você, só o
fortalece, — provoquei.
— Eu não quero que você sinta dor, Leda.
— Ele beijou minha testa. — Se cuide.
Então ele disparou no ar, um brilho
determinado em seus olhos. Ele estava se
preparando para limpar nosso caminho de
monstros.
A capitã Somerset entrou no carro.
Quando ela olhou para mim, vi uma expressão
muito diferente daquela que os peregrinos
haviam me dado. Era um olhar que me avisou
que eu havia atrapalhado o trabalho de Nero -
e que haveria consequências.

Adormeci durante o caminho de volta. O


que quer que estivesse naquela poção que Nero
havia me dado, além de aliviar minha dor,
também me derrubou. A próxima coisa que
soube foi que estava de volta a Nova York,
piscando no teto de uma das camas da ala
médica.
Olhei em volta. Eu não era a única aqui.
De fato, a ala médica estava mais ocupada do
que eu já tinha visto. Além dos meus
companheiros de equipe feridos, havia mais
duas dúzias de soldados aquecendo as camas
aqui hoje à noite.
— Como você está se sentindo?
Me virei ao som da voz de Nero. Ele estava
sentado ao lado da minha cama e, quando olhei
para ele, pegou minha mão.
— Bem. — Esfreguei minha cabeça.
Seus olhos traçaram meu corpo,
catalogando os cortes e contusões. — Você não
está mentindo para mim, está?
— Eu pensei que você gostaria que seus
soldados fossem durões.
— Sim, mas eu quero que você seja curada.
E para isso, preciso que seja honesta sobre
seus ferimentos.
— Minhas mãos parecem ter tido um
infeliz encontro com um monstro furioso de
lixa, minha cabeça parece que vai explodir e,
de onde estou, parece que tem dois de você
sentado ao lado da minha cama. E não tenho
certeza de como me sinto sobre isso. Por um
lado, fico feliz que você se importe o suficiente
para ficar, mas, por outro, não tenho certeza se
tenho energia para conversar com um de você
agora, muito menos com dois.
Nero ficou sentado em silêncio.
— Você queria que eu fosse honesta.
— De fato. — Ele colocou a mão sobre as
minhas costelas. Um calor passou por mim,
expulsando a dor.
— O que havia naquela poção que você me
deu antes?
— Como eu te disse, algo para ajudá-la a
dormir. Seus efeitos curativos foram mínimos.
Eu queria curá-la assim.
— Por quê?
Antes que ele pudesse responder, o Dr.
Hallows parou ao lado da minha cama.
— Coronel, — disse ela. — Precisamos
olhar os ferimentos dela.
— Eu estou cuidando disso.
— Se você...
— Eu disse que estou cuidando disso, —
ele disse friamente. — Agora vá conferir
Valiant. Ele parece estar à beira de outro
ataque de pânico.
Dr. Hallows olhou do fogo frio nos olhos de
Nero, para o brilho quente de sua mão
curadora, para o toque suave de sua outra mão
segurando a minha. Embora ele estivesse
sentado lá perfeitamente imóvel, eu podia
sentir a tensão em seu corpo. Tudo nele estava
transmitindo perigo, dizendo a todos para ficar
longe, porque ele estava com um pavio curto
no momento. O médico se virou, correndo para
Valiant, que estava gritando sobre ladrões
encapuzados e plantas devoradoras de
homens.
— Ele vai ficar bem? — Perguntei a Nero.
— Com o tempo.
— Você vai ficar bem?
— Estou perfeitamente bem.
— Não, você não está. Está mais tenso do
que nunca.
— Tem sido um longo dia. — Ele me deu
um pequeno sorriso. — Estou bem.
— Nero...
— Eu disse que estou bem, — disse ele, sua
voz, um rosnado baixo. Ele respirou fundo,
depois levantou a mão das minhas costelas. —
Como você está se sentindo?
— Curada, — respondi.
— Leda, pare de me observar como se eu
fosse explodir a qualquer momento.
— Então pare de parecer que você vai
explodir a qualquer momento, — rebati.
— Depois dessa experiência, eu esperava
pelo menos uma pequena pausa de sua
insubordinação.
— Então você esperou errado, — respondi,
sorrindo.
Ele me entregou uma barra de chocolate, e
minha mente voltou aos dois bandidos de
cowboys mortos pendurados na chaminé do
templo, balançando ao vento.
Nero faz mal para você. Eu pensei que um
pouco de diversão poderia curá-lo, mas parece
que ele quer apenas uma cura. Você. E agora
ele está prendendo criminosos mortos para que
você saiba isso. Por que ele não poderia ter ido
com chocolate?
Porque ele é um anjo, é por isso. E você sabe
que chocolate não é a mesma coisa. De modo
nenhum.
Chocolate é menos complicado.
— O que é isso? — Perguntei a Nero.
— É chocolate. Eu pensei que você
reconhecesse, — ele respondeu, com uma
pitada de irreverência em sua voz.
— Eu quis dizer, por que você está me
dando chocolate?
— Seu corpo acabou de curar alguns
ferimentos muito substanciais. O chocolate é
uma das melhores substâncias da Terra para
reabastecer sua magia e energia.
Ah, que bom. Isso me dá mais um motivo
para amar chocolate.
Os olhos de Nero dispararam para a porta.
Um homem de túnica branca brilhante entrou
na sala e se dirigiu diretamente para nós.
— Esperando problemas? — Perguntei a
Nero.
— Sempre.
O homem parou na frente de Nero. —
Coronel Windstriker, tenho uma mensagem
para você do Primeiro Anjo. — Ele entregou o
envelope a Nero e depois saiu.
Nero virou o envelope na mão uma vez
antes de abri-lo. Seus olhos percorreram a
página. Então ele dobrou de volta, colocou no
envelope e olhou para mim.
— Nyx deseja falar conosco, — disse ele.
— Nós dois?
— Sim.
— Boas ou más notícias?
— O primeiro anjo não tem o hábito de
estragar o impacto dramático dando dicas.
— Claro que não.
— Como você está se sentindo agora? —
Ele perguntou.
— Quase humana de novo.
— Você não é mais humana. Não
inteiramente, — ele me lembrou.
— Era apenas uma expressão.
Minha cabeça parou de girar. Balancei
meus dedos das mãos e pés. Quando nenhum
deles gritou de dor, me afastei lentamente da
cama.
— Tudo bem. Agora só preciso de alguém
para encontrar minhas roupas. Eu não acho
que o Primeiro Anjo esteja me esperando em
um vestido de hospital.

Quando chegamos ao escritório de Nyx, a


porta estava fechada, então esperamos do lado
de fora. Não havia cadeiras. Aparentemente,
os soldados da Legião não precisavam de
cadeiras. Elas com certeza teriam sido um
toque agradável, no entanto. Os minutos
passavam, e o tempo todo Nero me encarava,
seus olhos duros de culpa.
— Você se arrepende de me salvar? —
Perguntei a ele calmamente.
— Não, — foi sua resposta imediata.
— Mas você ainda se sente culpado por
isso.
— Sim.
— Eu teria feito o mesmo por você, — eu
disse a ele.
— Leda, você não deveria dizer essas
coisas aqui. Não sabemos quem está ouvindo.
A porta do escritório de Nyx se abriu e um
homem com cabelos loiros cortados saiu,
vestido com o uniforme de couro preto da
Legião dos Anjos. Ele ficou paralisado nos
vinte anos, na mesma idade física que muitos
soldados da Legião tinham. Seus olhos eram
mais velhos, no entanto. Muito mais velho.
Azul claro, tão claro quanto um dia sem
nuvens, eles tinham uma ponta dura e cínica,
especialmente quando cortavam direto para
mim e Nero em pé do outro lado do corredor.
Quando ele se virou, tive meu primeiro
vislumbre do símbolo em seu uniforme. Ele era
coronel, nível nove, assim como Nero. Um anjo.
Ele era um pouco mais baixo que Nero, mas
mais largo, construído como um fisiculturista.
Ele tinha uma mandíbula de ferro e, olhando
para ele, eu sabia que doeria demais dar um
soco nele.
Os dois anjos se entreolharam com desdém
profissional, parecendo se odiarem por tanto
tempo que fosse rotina, outra parte do dia
como escovar os dentes ou acordar antes do
amanhecer. As sobrancelhas do anjo, tão leves
que se misturaram à sua pele bronzeada,
arquearam e ele lançou um olhar convencido
para Nero.
Ele tinha numerosas espadas e facas
amarradas ao corpo e um arco de alta
tecnologia nas costas, que parecia poder
disparar através daqueles snapdragons
rígidos que havíamos enfrentado
anteriormente. Mas as armas eram
principalmente para mostrar. Ele parecia
arrancar a cabeça dos monstros por esporte, de
preferência com as próprias mãos - ou com os
dentes.
Meus olhos mudaram para o nome em seu
uniforme: Coronel Fireswift. Então este era o
pai de Jace. Eles certamente se pareciam
muito, o pai era uma versão mais cruel e
poderosa do filho. Aposto que as penas de suas
asas eram vermelhas como sangue. Este era
um homem que ressuscitou das cinzas da dor -
seu próprio sofrimento, tanto quanto o dos
outros. E ele se levantou sozinho, triunfante.
Então era nisso que o coronel Fireswift queria
moldar seu filho.
Depois de um último sorriso de despedida,
o coronel Fireswift se virou e caminhou pelo
corredor. Atravessamos a sala para entrar no
escritório de Nyx. Ela ficou no centro da sala,
equilibrada e real. Sua roupa de couro preto se
encaixava perfeitamente em sua forma
esbelta, e suas botas de salto alto apenas
aumentavam sua altura já impressionante.
Seu cabelo, trançado e preso à cabeça, era tão
preto quanto seu traje brilhante, e seus olhos
eram tão azuis quanto o oceano.
Um vaso cheio de flores de Angel's Breath
estava em sua enorme mesa de madeira,
trazendo um toque de primavera neste dia frio.
A neve caía livremente além das janelas, os
flocos grossos flutuando ao vento do inverno.
Apenas algumas horas atrás, eu estava
suando no calor escaldante das Planícies
Negras, e agora eu estava aqui, assistindo a
neve cair.
Nero e eu nos curvamos diante do Primeiro
Anjo.
Ela nos deixou ficar assim por um
momento e depois disse: — Levante-se, cabo
Pierce.
Olhei para ela surpresa. Nero era um anjo.
Ele deveria ter sido convidado a se levantar
diante de mim.
— Vamos, minha querida, não me deixe
esperando.
Me ergui Nyx olhou para Nero por mais
alguns momentos, depois levantou as mãos no
ar.
— Tudo bem, coronel. Levante-se. — Nyx
suspirou. — Vamos acabar com isso.
Nero a observou, o rosto inexpressivo.
— Sua missão era proteger os peregrinos
durante a peregrinação à cidade perdida. Por
que nas chamas você os deixou desprotegidos?
— Eles roubaram um caminhão e
dirigiram para as Planícies Negras à noite,
contra os comandos explícitos de Nero, — falei
a ela.
Ela levantou o dedo indicador, e fiquei
surpresa ao ver suas unhas pintadas num
esmalte rosa. — Chegarei até você em um
momento. — Seu olhar deslizou para Nero. —
Sob a cidade, você foi atacado por monstros.
Durante a luta, você mergulhou em um
abismo, deixando os peregrinos desprotegidos.
Tecnicamente, havia dez soldados da
Legião com eles. E Nero destruiu o último
monstro antes de mergulhar no abismo. Nyx
levantou a mão, me cortando antes que eu
pudesse apontar isso, como se ela estivesse
lendo meus pensamentos. Malditos anjos.
— Bem, coronel? — ela disse. Eu me
perguntei se ela poderia ler seus pensamentos
também. — Por que você deixou três valiosos
peregrinos à mercê dos monstros para
mergulhar no abismo por sua Pandora?
— Você quer fazer de Leda um anjo. Isso a
torna valiosa, mais valiosa do que três
peregrinos. — disse Nero sem um pingo de
emoção.
Nyx olhou dele para mim. — Bem, parece
que todas as cartas estão sobre a mesa agora.
— Ao contrário de Nero, ela estava
demonstrando emoção, sendo a diversão, a
predominante.
Nyx era um anjo interessante. Ela era
rigorosa, mas tinha senso de humor. Ela
garantia que as regras da Legião fossem
respeitadas, mas eu poderia jurar que metade
do tempo ela não estava as levando a sério. Ela
não era arrogante, exceto quando se adequava
à situação, que era basicamente quando ela
precisava manter as pessoas na linha.
— Um argumento convincente, coronel,
exceto que ela ainda não é um anjo, — disse
Nyx. — Ela ainda deve provar a si mesma,
como todo mundo.
— Ela irá.
Um sorriso apareceu no canto da boca de
Nyx. — Coronel, você teve uma carreira longa
e distinta na Legião, então, desta vez, vou
abandonar as punições habituais.
A maneira como ela disse 'punições
habituais' me fez desejar nunca descobrir
como a Legião punia anjos que se comportam
mal. Os anjos podem sofrer muito dano, então
as punições devem ter sido realmente
horrendas.
— Sério, Nero, — Nyx continuou, seu tom
mais claro agora. — Você deveria ter dormido
com ela, não a cortejar. Sentimentos tornam as
coisas confusas. Especialmente quando esses
sentimentos são por alguém sob seu comando.
Eu resisti à vontade de apontar que Nyx,
como anjo chefe da Legião, relatava aos
deuses, um dos quais era seu amante.
Nero me lançou um olhar duro.
— O que? Eu não disse nada. Você não
pode me punir por algo que eu não disse.
— Quando os anjos estão envolvidos, eu
posso, — respondeu ele. — Nós podemos ler
pensamentos. Você precisa aprender a
controlar o que pensa.
— Desculpe, ainda estou trabalhando para
controlar o que digo.
— Temo que o trabalho nunca seja feito. —
Nero inclinou a cabeça para Nyx. — Peço
desculpas por seus pensamentos inadequados.
— Não, está tudo bem. Ela está certa. Tudo
sai pela janela quando o amor entra em cena,
não é?
Eu poderia jurar que Nyx piscou para
mim, mas tinha acontecido tão rápido.
Nero não disse nada, e eu não perguntei se
era assim que ele se sentia. Eu nem tinha
certeza do que sentia.
— Agora, apenas mais algumas ordens de
negócios. Nero, você vem comigo, pelo menos
por um tempo. Eu tenho uma missão
importante para você.
— E quanto a mim?
— Sim, eu disse que iria chegar até você,
não disse? — disse Nyx. — Você continuará
sua missão atual, embora tenha mudado um
pouco após os eventos recentes. O Coronel
Fireswift estará supervisionando a missão
agora. Acontece que a missão dele e a sua estão
muito conectadas.
Missão do Coronel Fireswift? Pensei no
que Jace tinha me dito antes de sair com o pai.
— O coronel Fireswift está rastreando um
anjo desonesto. Osiris Wardbreaker, — falei.
As sobrancelhas escuras de Nyx se
arquearam. — Eu não vou perguntar como
você sabe disso. O problema parece segui-la,
onde quer que você vá, Leda Pierce. — Nyx
cruzou as mãos. — Sim, o coronel Fireswift
está atrás de Osíris Wardbreaker. Eu acredito
que você o conheceu.
Eu só conheci três anjos: Nero, Nyx e, a
alguns minutos atrás, o Coronel Fireswift. Se
você pudesse contar trocando olhares gelados
como 'reunião'. Mas nenhum desses três anjos
era Osíris Wardbreaker.
— Você o conhece como o bandido
encapuzado, — Nyx me disse.
— Aquele era o anjo desonesto? —
Perguntei, me lembrando de como ele se
moveu. Quão rápido ele tinha sido. Quão forte.
— Sim, um anjo desonesto está atrás das
relíquias sagradas, e se ele as alcançar
primeiro, ninguém na Terra estará seguro,
nem mesmo os anjos.
10
O Legado da Legião
Nyx seguiu seu aviso de desgraça e
tristeza com algumas boas notícias.
— Por sua determinação inabalável em
proteger os Peregrinos e alguma técnica de
extermínio de monstros muito engenhosa, bem
como sua dedicação ao seu contínuo
desenvolvimento mágico, estou promovendo
você, Leda Pierce, ao terceiro nível da Legião.
Há apenas a pequena questão de sobreviver à
cerimônia, e então tudo será oficial.
Aquela 'pequena questão' era beber o
néctar que elevaria minha magia ao terceiro
nível - a menos que isso me matasse. Meu
corpo foi direto ao Néctar, então, enquanto eu
estivesse pronta, tudo ficaria bem. E Nyx
achou que eu estava pronta. Eu tinha que me
confortar nisso.
— Você está pronta, — Nero me assegurou
quando estávamos de novo fora do escritório de
Nyx. — A maneira como você compeliu aqueles
peregrinos prova isso. Não se preocupe. — Ele
olhou para a porta. — Eu tenho que voltar e
falar com Nyx sobre a minha nova missão.
— Agora. — Comecei a andar — Então.
Divirta-se.
— Leda.
Parei e olhei para ele.
— É sempre mais divertido com você, —
ele me disse.
Pisquei, depois continuei andando. Meu
destino: Deméter, a cantina da Legião. Eles
estavam prestes a abrir as portas para o
jantar, e eu estava faminta. A barra de
chocolate de Nero não era grande o suficiente.
E, infelizmente, uma garota não podia viver só
de chocolate.
Encontrei Drake no balcão de massas.
Carregamos nossas bandejas cheias até a
mesa onde Ivy já estava sentada com o
namorado, o capitão Soren Diaz.
— Então, Soren estava me dizendo que
vocês tiveram uma aventura emocionante nas
planícies negras ontem, — Ivy disse enquanto
Drake e eu deslizamos nas cadeiras de frente
para eles. — Você realmente lutou com um
dinossauro?
— Não tenho certeza se era um dinossauro
de verdade, mas tinha uma semelhança
impressionante com um tiranossauro rex. E
havia quatro deles, — acrescentei, empalando
um tomate no garfo. Olhei para Soren. —
Como você soube disso?
— Eu estava conversando com Claudia e
Basanti mais cedo, e elas me disseram tudo
sobre isso. — Ele arqueou as sobrancelhas
escuras para mim, me convidando para falar.
Ele provavelmente queria ouvir tudo sobre
como Nero mergulhou no abismo atrás de
mim.
Dei a ele detalhes de monstros. Quando
contei a ele sobre todos os monstros bizarros e
aterrorizantes que encontramos nas Planícies
Negras, todos já passamos a sobremesa. Meu
tempo com meu pudim de baunilha foi
interrompido, no entanto, quando o coronel
Fireswift entrou na cantina. A sala ficou em
silêncio, e todos assistiram surpresos quando
ele atravessou a sala em direção à mesa
principal e se sentou na cadeira de Nero. Bem,
isso foi ameaçador.
— O Primeiro Anjo me colocou no comando
deste escritório até novo aviso. — Seus olhos
brilharam em triunfo quando encontraram os
meus. Eu nunca tinha falado uma única
palavra com o cara, e ele já odiava minhas
entranhas. E agora ele estava no comando. —
O coronel Windstriker foi transferido. — Ele
falou as palavras com um senso de finalidade,
como se nunca esperasse que Nero voltasse.
Sussurros ergueram-se da multidão e os
olhos se voltaram na minha direção. Parecia
que os eventos da aventura da noite passada
na Cidade Perdida eram de conhecimento
geral. E agora todos pensavam que era minha
culpa que Nero não estivesse mais aqui.
O coronel Fireswift levantou a mão no ar e
os sussurros desapareceram. — As coisas
serão diferentes daqui para a frente. Vocês
descobrirão que não sou tão brando quanto o
coronel Windstriker.
Jace se sentou ao meu lado, parecendo
positivamente doente. Se o filho do coronel
Fireswift tinha medo dele, o resto de nós não
tinha chance.
— O primeiro anjo quer que todos estejam
prontos, — disse-nos o coronel Fireswift.
Ninguém se atreveu a perguntar para o
que estávamos nos preparando. O olhar duro
no rosto do coronel Fireswift deixou claro que
perguntas frívolas não seriam toleradas.
— Seus horários atualizados chegarão em
breve.
Centenas de telefones tocaram
simultaneamente. Olhei para a minha agenda,
que estava bloqueada para a missão nas
Planícies Negras. A de Drake também.
— Ele não agendou um horário para
dormir, — disse Ivy secamente, mostrando-nos
a tela do telefone.
— Isso não é um erro, — disse Jace.
Pela primeira vez, Ivy parecia que
realmente sentia pena dele.

Eu tinha perdido o meu apetite. Não que


houvesse tempo para comer de qualquer
maneira. De acordo com a agenda sádica do
coronel Fireswift, eu treinaria no salão cinco
com Jace. E o próprio coronel estaria
supervisionando esta sessão.
Uma hora depois, eu tinha um braço
quebrado e um lábio ensanguentado. Meu
rosto estava manchado de sangue. Meu cabelo,
que havia começado a sessão de treinamento
em um rabo de cavalo, agora caía sobre meu
ombro. Também estava manchado com o meu
próprio sangue.
Com base na minha visão turva e no
zumbido persistente nos meus ouvidos - para
não mencionar minha completa incapacidade
de ficar de pé sem balançar para o lado - eu
tinha certeza de que tinha uma concussão.
Meu corpo era uma tapeçaria de cortes frescos
e machucados em flor. O coronel Fireswift
acreditava no treinamento com armas reais - e
na luta para matar. Jace realmente não estava
tentando me matar, apesar dos contínuos
comandos de seu pai para fazê-lo.
Os primeiros cinco minutos de
treinamento foram bons, até Jace tirar a
espada das minhas mãos, e eu revidei jogando
sua garrafa térmica de metal em sua cabeça.
O coronel Fireswift me atirou com uma
explosão telecinética por minha insolência e
falta de decoro adequado - e, em seguida,
removeu imediatamente todos esses itens da
sala. Agora era só eu, Jace, e o próprio diabo.
Cujo nome era coronel fireswift.
— Ela mal está de pé. Derrube-a agora! —
O coronel Fireswift disparou contra Jace.
— Não há honra nisso, — respondeu o
filho.
— O que Windstriker tem ensinado a você?
— O coronel Fireswift exigiu. — Honra é para
jogos de esgrima e recital de balé. Esta é a
Legião dos Anjos. Estamos entre a
humanidade e sua destruição, entre o bem e o
mal. Os soldados da Legião não vacilam e não
hesitam. Agimos, rápido e sem piedade, para
derrubar os demônios. Antes que eles atinjam
você. — Ele empurrou Jace para o lado. — Vou
te mostrar como se faz.
O coronel Fireswift me encarou, mas suas
palavras foram para o filho. — Os monstros
mais perigosos não são os monstros além do
muro. São os que se parecem conosco -
sobrenaturais que servem demônios, bandidos
que apenas servem a si mesmos. Osiris
Wardbreaker, o que ele é?
— Um anjo, — disse Jace.
Uma explosão de magia telecinética bateu
nele, martelando-o contra a parede,
segurando-o ali.
— Tente novamente.
— Um bandido.
Uma faca subiu do chão e se atirou em
Jace, perfurando seu pulso.
— Um traidor.
Uma segunda faca pregou seu outro pulso
na parede. Jace rangeu os dentes, mas não fez
barulho. Meu estômago revirou quando
comecei a perceber que não era a primeira vez
que o coronel Fireswift havia ensinado uma
lição ao filho dessa maneira.
— Meu inimigo.
A terceira faca levou Jace no estômago.
— Você está chegando lá, — disse o coronel
Fireswift. — Mas você precisa ir mais fundo.
Por que Osiris Wardbreaker é seu inimigo?
— Porque ele traiu a Legião.
A quarta faca afundou na coxa de Jace.
— Ele é seu inimigo porque ele é você, —
disse o coronel Fireswift. — Ele representa o
que você pode se tornar. Essa é a ameaça que
ele e seu tipo desonesto representam. Não a
magia chamativa que eles lançam, mas a
pequena verdade suja de que todos podemos
cair na escuridão.
Ele acenou com a mão e as quatro facas
alojadas dentro de Jace se libertaram e caíram
no chão. Jace caiu com elas. Ele se retirou do
chão, deixando manchas de sangue na
superfície lisa. Eu esperava que o coronel
Fireswift jogasse uma poção de cura para ele.
Em vez disso, ele jogou uma espada para ele.
— Você pode impedir sua queda na
escuridão, identificando seus gatilhos - suas
fraquezas - e eliminando-as. — O coronel
virou-se para mim novamente. — E você deve
fazer o mesmo pelos seus soldados. Vamos
começar com facilidade e trabalhar o nosso
caminho. Soldado, por que você se juntou à
Legião? — Ele perguntou-me.
Mal sabia ele que acabara de iniciar seu
interrogatório com a única pergunta que eu
não podia responder com sinceridade. O
coronel Fireswift não conseguiria descobrir
sobre meu irmão. Nunca.
— Para manter o mundo seguro de
sobrenaturais desonestos, — respondi,
jogando na linha que havia escrito no
formulário de inscrição da Legião.
Um sorriso duro e cruel torceu seus lábios.
— Você está mentindo.
Senti meu braço girar para trás por
vontade própria. Não, não por si só. De alguma
forma, o coronel Fireswift estava controlando
meus movimentos. Uma onda aguda de dor
seguiu aquela percepção indesejável. Meu
corpo dobrou na cintura, meu ombro saiu do
encaixe, pressionei meus lábios e olhei para o
anjo sádico.
— Por que você se juntou à Legião dos
Anjos? — ele me perguntou de novo.
— Ouvi dizer que anjos são gostosos. Mas
não é verdade. Não sobre todos eles, — rosnei
violentamente.
Seus olhos eram tão duros quanto
diamantes azuis. — Nero pode ter tolerado sua
insubordinação, mas como eu disse antes, as
coisas estão diferentes agora. E não acho
engraçado seus comentários descarados, nem
considero sua completa falta de classe
encantadora.
Meu outro braço se moveu, pegando a faca
na minha coxa. Antes que eu soubesse o que
estava acontecendo, eu me apunhalei no
estômago.
O coronel Fireswift pegou meu rosto com
força em sua mão, seus dedos travando em
minha mandíbula. — Vou descobrir o que você
está escondendo.
Ele apertou minha mandíbula como se
estivesse esmagando uma lata na mão. O osso
gemeu sob a pressão, e a dor disparou em meus
nervos. Então, assim como eu pensei que meu
queixo fosse quebrar, ele soltou, afastando-se
de mim. Senti meu controle sobre meu próprio
corpo retornar - e junto com ele, mais dor.
— Jace. — Ele empurrou o filho para a
frente. — O que é Leda Pierce?
— Eu.
O coronel Fireswift assentiu. — Agora lute
contra a sua escuridão interior, garantindo
que este nunca seja o seu destino.
Jace avançou, cortando com sua espada.
Eu saí do caminho, colocando alguma
distância entre nós. Coloquei meu ombro
deslocado de volta no lugar.
— Mova-se mais rápido. Sobrecarregue-a.
Não lhe dê tempo para se recuperar - gritou o
coronel Fireswift.
— Sinto muito, — Jace murmurou para
mim silenciosamente, de costas para o pai. —
Vá para esquerda.
Ele balançou a espada. Eu fui para a
esquerda, evitando a lâmina. Ele passou o
braço ao redor, batendo o punho da espada
contra a minha têmpora. A próxima coisa que
eu soube foi que o coronel Fireswift estava de
pé sobre mim, aquele sorriso de escárnio
familiar torcendo sua boca.
— Parece que você não é tão especial,
afinal. Nyx superestimou você. Você não é
forte. Você é fraca. Fraca e indigna. Patética -
ele cuspiu com um movimento desdenhoso do
pulso. — Vá para a enfermaria e se limpe. Não
quero te ver, alguém tão indigna dos dons dos
deuses. Você é um moleque de rua, uma
vagabunda, uma vaivém. Os soldados da
Legião representam os deuses. Você
representa tudo o que há de errado com o
mundo: o pecado, as falhas, a podridão.
Eu me levantei, sem dizer uma palavra.
Não havia sentido em conversar com alguém
assim. Eu pensei que tinha visto o mal. Eu não
tinha visto nada até conhecer o Coronel
Fireswift. Minha cabeça tonta, sangue
escorrendo pelo meu corpo, tropecei pelos
corredores, batendo nas paredes. A escuridão
pulsava na frente dos meus olhos, minha visão
entrando e saindo. Eu não sabia como cheguei
à enfermaria médica naquele estado. Talvez
fosse memória muscular.
— Leda! — Ivy chamou. Ela me levou para
uma cama. — Beba isso.
Levantei a garrafa fria até a boca e bebi.
Minha visão retornou lentamente, e então
percebi que não estava sozinha. A enfermaria
médica estava superlotada de pacientes.
— O que é isso tudo? — Perguntei a Ivy. —
O que aconteceu com todos eles. Missões?
— Não. Temos nosso novo líder para
agradecer por isso.
— Coronel Fireswift?
— Ele ordenou a implementação de novos
métodos para todos os grupos de treinamento,
com efeito imediato. E este é o resultado. —
Ela acenou com as mãos, indicando o sangue,
queimaduras e membros perdidos no
treinamento. — Esse é o chamado treinamento
dele. Tortura, é mais como tortura cruel e
brutal. Eu nem imaginava alguns desses
ferimentos até os ver hoje à noite. Aquele
homem é um demônio.
— Não deixe ele ouvir você dizer isso, — eu
disse a ela. — Eu não quero que ele faça você
passar por isso. — Puxei a faca ainda no meu
estômago.
Ivy pressionou um curativo na ferida,
enquanto eu engolia o que parecia ser a
centésima poção de cura em dois dias.
— Com Nero, o treinamento era difícil e
nos levou ao ponto de ruptura. Mas nunca foi
sobre machucar pessoas assim. Nunca foi
sobre destruí-las totalmente. Ou nos
separando, nos desfazendo camada por
camada, sem deixar nada de nós mesmos, —
falei. — Isso é o que acontece quando alguém
que tortura combatentes inimigos recebe
poder sobre os soldados da própria Legião. Ele
não se importa com eles como pessoas, com o
quanto ele tem que machucá-los para
transformá-los no que ele quer. Eles são
apenas ferramentas para ele, armas.
— Cedo ou tarde, o treinamento do coronel
Fireswift vai matar alguém, — declarou Ivy,
com lágrimas de raiva nos olhos.
Eu não estava apenas com raiva. Eu
estava furiosa — Se eu não tivesse certeza de
levar um chute no traseiro, teria marchado até
o coronel Fireswift e dado a ele um pedaço da
minha mente. Mas tenho que fazer isso com
cuidado. Tenho que ser inteligente.
— Como?
— Eu preciso falar com Nyx.
— Ela já foi embora, — Ivy me disse.
Impressionante. Eu não tinha o número
dela ou qualquer maneira de contatá-la. Eu
tinha o número de Nero. Imaginei se ele
passaria uma mensagem para mim, algo como:
'SOS, o coronel Fireswift é um filho da puta
sádico. Por favor, envie um substituto, alguém
que não prenda seus próprios soldados na
parede. Com amor, Leda. Ou algo assim. Eu
ainda tinha que decidir o texto exato.
Saí da cama, deixando-o para o próximo
paciente. Uma linha estava se formando e já
se estendia para o corredor. Passei pela cortina
que levava ao quarto dos fundos, onde os
peregrinos estavam descansando em suas
camas, se recuperando de seus ferimentos.
— Oi, — eu disse, acenando para eles. —
Vocês já estão todos melhores.
— Você não está. — Valiant olhou meu
traje atlético rasgado e manchado de sangue
de cima a baixo, franzindo a testa. — O que
aconteceu? Monstros?
Ele não tinha ideia do quão certo ele
estava. O Coronel Fireswift era mais um
monstro do que todos os monstros combinados
que havíamos enfrentado durante a
peregrinação. Quão irônico ele alegou que seus
métodos foram projetados para livrar o mundo
dos monstros.
— O coronel Fireswift aconteceu, — eu
disse.
— Coronel Fireswift, — repetiu Valiant,
fazendo uma careta. Aparentemente, ele
também não era fã.
— Ouvimos dizer que o bandido
encapuzado é o anjo desonesto Osiris
Wardbreaker, — disse um dos peregrinos.
— Onde você ouviu isso? — Perguntei a
ele.
— Todo mundo está falando sobre isso.
Tanto pelos segredos de Nyx.
— Valiant quer voltar à Cidade Perdida
para encontrar as relíquias, — disse outro
Peregrino.
— Depois do que aconteceu com você?
Sério? — Perguntei a Valiant, chocada.
Embora eu realmente não deveria estar.
— Não podemos ir, — disse um peregrino.
— O coronel Fireswift está no comando da
missão agora, e ele não está deixando nenhum
de nós sair deste edifício. Colocaram
rastreadores em nós. Ele afirma que é para
nossa proteção.
— O coronel Fireswift é um burro
insuportável, — declarou Valiant.
Eu tive que lutar para não rir. Não era
apropriado para um soldado da Legião rir de
um anjo. Eu apenas disse: — O coronel
Fireswift está certo. É muito perigoso lá fora
para você.
— A Legião está usando minha pesquisa
para descobrir as Relíquias Perdidas e salvá-
las de um anjo desonesto. Tudo sem mim, —
Valiant resmungou. — Eu nem estarei lá
quando o trabalho da minha vida, meu legado,
for realizado. E tudo para que o Coronel
Fireswift possa roubar a glória.
Eu não tinha certeza de que ele estava
errado sobre isso. O coronel Fireswift era um
porco da glória. Ele acreditava que havia uma
quantidade finita para dar a volta ao mundo e
queria guardá-la para ele. Mas ainda achava
melhor que os peregrinos ficassem aqui.
Protegê-los quase matou minha equipe.
— Você está ferido. E não cura tão rápido
quanto nós, — lembrei Valiant. — Não se trata
de glória ou de quem pode fazer a grande
descoberta. Trata-se de manter essas relíquias
poderosas daqueles que as usariam para
machucar muitas pessoas. Você pode me
ajudar a salvar vidas.
— Claro, o que você precisar, — disse um
peregrino.
— Existe alguma coisa que você saiba
sobre o Tesouro que detenha as relíquias?
Alguma coisa que possa me ajudar?
— Alguns dizem que Sierra, o último anjo
conhecido por usá-los, morreu com as
relíquias, mas seu corpo nunca foi encontrado,
— Grace me disse. — Um velho hino de
batalha fala dela trazendo-os para o tesouro
em segurança enquanto a cidade
desmoronava. Para salvá-los porque um dia,
eles seriam necessários novamente.
— Necessário de novo? Essa é uma visão
bastante romântica de uma arma de matar
anjo, — comentei.
— É poesia épica. É assim que é.
Romântica, — ela disse.
— Como você sabe que o Tesouro
sobreviveu à destruição da cidade? —
Perguntei.
— O Tesouro é protegido por magia, por
grandes feitiços. Esses feitiços impedem que
seja esmagado. E mantém ladrões de fora.
— Então, se o Tesouro está protegido,
como você planeja entrar? E se esse feitiço de
proteção é tão poderoso, as relíquias não são
mais seguras?
Valiant parecia horrorizado que eu
sugerisse uma coisa dessas. Os acadêmicos
tinham suas cabeças idealistas presas nas
nuvens.
— Outro poema épico diz que os guardiões
do Tesouro deixaram para trás as pistas para
desbloquear suas maravilhas, para que um dia
um herói possa recuperar esses tesouros
perdidos.
Levantei minhas sobrancelhas. Herói?
Havia aquele ângulo romântico novamente.
— Um herói com uma ótima mente.
Alguém com o intelecto para entender isso,—
disse Valiant. 'Pois durante a meia-noite o sol
e a lua brilharão, e um novo herói surgirá, sua
mente revelando os segredos internos'.
— Esse poema foi a última peça do quebra-
cabeça, — disse Grace. — Valiant e eu a
encontramos no mês passado.
— Deveria haver uma foto na parede de
um prédio na cidade submersa. Quando você o
alcança, você está na porta, — acrescentou
Valiant.
— Que tipo de imagem? — Perguntei.
— O texto apenas nos diz que saberemos
quando o virmos.
Bem, isso não era nada enigmático.
— Por que está me ajudando se não quer
que a Legião faça isso sem você? — Perguntei
a ele.
— Porque você é diferente de soldados
como o coronel Fireswift. Você não está
buscando a glória ou o seu próprio progresso,
— ele disse. — Então, se alguém da Legião
precisa encontrá-lo, quero que seja você.
Os outros peregrinos concordaram,
oferecendo seus desejos de boa sorte.
Quando me virei para sair, Valiant disse:
— O anjo desonesto que roubou meu caderno
tem todas essas informações e minhas
anotações. Ele sabe o que você sabe. — Ele
colocou as mãos sobre as minhas. — Seja
cuidadosa.
Saí da ala médica superlotada, voltando
para o meu apartamento. Eu precisava tomar
banho e me transformar em algo que não
estava manchado no meu próprio sangue.
— Leda.
Olhei para trás e encontrei Jace correndo
pelo corredor atrás de mim. Ele não estava
mais sangrando. O coronel Fireswift deve ter
curado ele mesmo.
— Você está bem? — ele perguntou.
— O que você acha?
Ele desviou os olhos das minhas roupas
ensanguentadas. — Sinto muito pelo meu pai.
Ele parecia honesto - e ele me ajudou na
luta, enquanto fazia um show para o pai. Pelo
menos, pensei que tinha sido um show.
— Você visitou a enfermaria médica para
ver como estão as vítimas do treinamento do
coronel Fireswift?
— Eu não fui, mas posso imaginar. Anjos
são diferentes de nós, — ele disse, ecoando as
palavras de Calli. — Especialmente os anjos
dos primeiros anos da Legião. Os tempos eram
diferentes. Aqui, deixe-me mostrar uma coisa.
— Ele pegou minha mão, me levando ao
escritório de Nero. Não, o escritório do coronel
Fireswift. Agora era dele.
Ninguém estava em casa, mas a porta
estava destrancada. O coronel Fireswift deve
ter acreditado que ninguém era ousado o
suficiente para entrar em seu escritório sem
ser convidado. Enquanto passávamos pela
mesa, vi que o pai de Jace já havia se sentido
em casa. Medalhas e placas catalogando seus
triunfos e realizações pendiam nas paredes, ao
lado das fotos dos anjos da Legião, passados e
presentes. Toquei a foto de Nero, desejando
que ele estivesse aqui, em vez de seu
substituto maligno.
— Olhe aqui, — Jace disse, apontando
para uma grande foto emoldurada de Nyx
cercada por outros doze anjos. — Os anjos
originais de Nyx. Há Osiris Wardbreaker, o
traidor que estamos caçando. Um anjo cruel.
— Ele apontou para um anjo que parecia o
gêmeo do coronel Fireswift. — Meu avô. — Ele
bateu em um casal segurando espadas iguais.
— Esses são os pais do coronel Windstriker.
As fotos dos anjos originais e seus
descendentes foram posicionadas abaixo desta
figura central. As fotos de outros anjos não
descendentes dos anjos originais estavam em
outra parede.
— Legado é importante na Legião, — disse
Jace. — Você se lembra de como eu disse que
os pirralhos da Legião usam o nome com
orgulho? Isso é ainda mais verdadeiro para
aqueles de nós que são de uma das famílias
originais. Carregamos nossa história conosco.
Nosso conhecimento. Nossas tradições ricas e
bonitas. — Seu olhar deslizou para a foto de
seu pai. — Quando Nyx treinou os primeiros
anjos, o mundo era um lugar diferente. Era
uma época em que os deuses e demônios
estavam em guerra. Havia tão poucos na
Legião e Nyx precisava deles para subir de
nível rapidamente. Ela precisava de um
exército. O treinamento foi duro e cruel, pior
do que o treinamento de meu pai.
Ele olhou para mim. — Alguns dos anjos
originais caíram e se tornaram os primeiros
anjos das trevas, numa época em que a Legião
não podia se dar ao luxo de perder ninguém.
Meu avô era um anjo original. Ele viu alguns
de seus amigos se voltando contra ele e indo
para o outro lado. Meu avô transformou meu
pai à sua imagem, com todos esses mesmos
medos. Meu pai é filho de seu pai, e ele
também quer me fazer à imagem deles. Não
estou dizendo isso para desculpá-lo, Leda. Eu
só quero que entenda isso. Talvez isso ajude
você a sobreviver à tirania que tenho
sobrevivido nos últimos vinte anos. Boa noite.
Te vejo amanhã.
— Boa noite, Jace, — eu disse, e nos
separamos, cada um de nós virando por um
corredor diferente, indo para nossos
apartamentos.
Estaríamos saindo cedo. Em apenas
algumas horas, pegaríamos o trem para
Purgatório, para podermos entrar nas
Planícies Negras quando o sol nascesse. Eu
estava exausta - fisicamente, mentalmente e
emocionalmente - mas não estava indo para a
cama coberta pelo meu próprio sangue. Tomei
um banho e, quando voltei para o meu quarto,
havia um livro na minha cama que não estava
lá antes.
O título era Anjos. Abri a capa para
encontrar uma nota colada na página de rosto.
Treinamento de sobrevivência, dizia a nota
na letra elegante de Nero.
Ele deve ter me dado para que eu pudesse
aprender sobre meu novo inimigo. Enviei um
silencioso obrigado a Nero, onde quer que ele
estivesse agora. Eu precisaria de toda a ajuda
possível para sobreviver ao coronel Fireswift e
seus jogos.
11
À meia-noite
Pegamos o trem de volta à Purgatório.
Nossa equipe mais que dobrou, por isso
tivemos que trazer mais caminhões. A capitã
Somerset estava sentada do meu lado direito.
Ela estava olhando para mim como se fosse
minha culpa que Nero tivesse sido transferido,
e ela estava certa. Era por minha causa. Nyx
claramente queria que ele passasse algum
tempo longe de mim para que pudesse clarear
a cabeça das bobagens que eu coloquei lá.
— Nero vai voltar, certo? — Perguntei à
capitã Somerset, pensando em como o coronel
Fireswift estava confortável no escritório de
Nero.
— Talvez. Ou talvez não. O primeiro anjo
pode transferi-lo permanentemente.
— Ele disse qual é a missão dele?
— Por quê? Você está pensando em correr
atrás dele?
— Não, ele pode se cuidar.
A capitã Somerset me lançou um olhar
estranho. Pela primeira vez, eu não conseguia
decidir se ela estava feliz ou simplesmente
chateada comigo.
Drake e Jace estavam sentados nos
assentos de frente para nós. Jace estava
tentando envolver Drake em uma conversa.
— Então, você era jogador de futebol, — ele
começou.
— Sim.
— Ouvi dizer que você era muito bom.
— Eles me chamavam de dragão. —
Respondeu, até aí tudo bem.
Jace assentiu. — Você já foi derrubado?
— Sim. Foram necessários cinco caras.
Ele mostrou a Jace os dentes. Foi um
sorriso perigoso. Drake era tão amigável com
todos. Ele deve ter realmente odiado Jace.
Talvez por causa da maneira como os pirralhos
tratavam Ivy. Drake não era do tipo de culpar
as pessoas pelos pecados de seus pais. Apenas
por seus próprios pecados.
Jace não falou depois disso, e a capitã
Somerset também não estava muito falante. O
resto da viagem de trem passou em silêncio.
Era tão completamente diferente da última
vez que viajamos para Purgatório.
Quando chegamos à cidade, o coronel
Fireswift estava esperando. Ele voou na frente
na noite passada, logo depois que terminou de
me bater e deixar Jace sangrando. O sol estava
prestes a nascer, então o coronel nos mandou
sair imediatamente para as planícies negras.
Quando estacionamos do lado de fora da
Cidade Perdida, indo para as ruínas, vi Jace
sair do caminhão da frente com o Coronel
Fireswift. O anjo deu um tapinha forte nas
costas do filho. Eu não sabia dizer se isso
deveria ser punição ou elogio.
Fomos à cidade em equipes para explorar
os níveis mais baixos dos distritos afundados.
O coronel Fireswift colocou Jace para liderar à
mim e Drake. Andamos pelas ruas escuras,
procurando a entrada do Tesouro. Eu não
tinha compartilhado o que os peregrinos
haviam me dito, mas estava procurando essas
marcas misteriosas que supostamente
estavam no prédio que guardava as relíquias.
— Ele me fez líder de equipe por uma
razão, — disse Jace.
— Porque você é um material de liderança.
Sim, ouvi o discurso, — respondi.
Ao meu lado, Drake bufou.
— Não, a verdadeira razão.
— Então você pode me comandar?
— Ele nos uniu porque o problema sempre
a encontra, Leda. E ele quer que eu esteja lá
quando isso acontecer. Ele me colocou no
comando, para que eu pudesse reivindicar
crédito por derrotar o problema que você
atraiu.
— Inteligente. — Ou devo dizer desonesto?
— Muito inteligente, — disse Jace. — Com
a minha sorte, você irá atrair uma horda de
monstros e o anjo desonesto, e então
encontraremos o caminho para o cofre apenas
para ser atacado por outra horda de mortos
vivos.
Esqueletos estavam nas ruas, vestindo a
armadura de uma guerra que já havia
passado. Tantas pessoas morreram aqui nesta
batalha entre o céu e o inferno. Meu olhar
encontrou um esqueleto com asas. As penas do
anjo já haviam se transformado em pó, mas
uma flor roxa floresceu em uma das asas,
exatamente onde uma pena estaria. Me movi
para mais perto do anjo. Uma luz dourada caiu
sobre o esqueleto, como se fosse de uma
claraboia, e o ar zumbiu com um velho hino
esquecido. Mais flores roxas brotaram do chão,
asas de pétalas, tão bonitas quanto penas.
— Leda, — Jace chamou. Ele e Drake
estavam do outro lado da rua, me observando.
— Você viu…
Eu pisquei, e as asas florescendo se foram.
Não havia flores, nem luz dourada, nem
música. Devo estar imaginando coisas
novamente, não apenas ouvindo vozes, mas
vendo coisas agora. Este lugar - estava
saturado de lembranças, chamuscado como
impressões permanentes na magia que fluía
pela cidade como um rio.
Drake e Jace estavam olhando para mim
como se eu tivesse enlouquecido. Talvez eles
estivessem certos. Eu me levantei e voltei para
eles. Avançamos mais fundo na cidade. Não
encontramos nenhum monstro. Onde estavam
os monstros?
— Pronto, — eu disse, apontando para
uma rua ladeada por casas pequenas.
— O que há lá embaixo? — Jace
perguntou.
Sem responder, me movi rapidamente,
atraído por um brilho fraco. Encontrei-o em
uma das casas - a foto. Valiant estava certo.
Eu sabia quando o vi. Era uma auréola com
asas, o símbolo dos anjos. Um brilho pulsou
lentamente da imagem.
— Um portal. Como você sabia que estaria
aqui? — Jace perguntou, espantado.
— Segui o brilho.
Jace traçou o dedo pela foto. — Esta é a
porta do tesouro. As relíquias precisam estar
além desse muro.
Drake procurou um caminho para dentro
do prédio, mas as portas e janelas da casa
estavam fechadas. — Eu me pergunto como
entraremos.
— Tem que haver um truque para isso. —
Jace pressionou a mão na parede de pedra. —
Anjos protegem seus tesouros com alas.
— 'Pois à meia-noite o sol e a lua brilharão,
e um novo herói surgirá, sua mente revelando
os segredos internos', — citei suavemente.
A cabeça de Jace se virou. — Onde você
ouviu isso?
— Dos peregrinos.
Se Jace ficou surpreso que os Peregrinos
tivessem compartilhado informações secretas
comigo, ele não disse nada.
— Essa é a solução, — disse ele. — ...à
meia-noite... sol e lua... — Eu quase podia ver
as engrenagens girando em sua cabeça. —
Acredito que esse portal só possa ser aberto à
meia-noite.
— Bem, — falei, sentando-me em uma
pedra ao lado da casa. — Parece que vamos
ficar aqui por um tempo.
À meia-noite, quase toda a expedição
havia se reunido em torno daquela casinha.
Talvez eu devesse ter mantido minha boca
fechada. Os peregrinos queriam que eu
descobrisse as relíquias, e agora o coronel
Fireswift estava a caminho de reivindicar a
glória para si mesmo. Eu não dava a mínima
para a glória, mas não estava disposta a
esperar enquanto alguém que não tinha feito
nada tomava tudo por si.
Nossas mentes coletivas ficaram
intrigadas ao perceber que a meia-noite era a
hora em que o portal podia ser aberto e que o
sol e a lua representavam luz e escuridão.
Tivemos que iluminar o símbolo, algo para
penetrar na escuridão.
A capitã Somerset lançou uma pequena
chama na frente da marca do anjo. Quando a
imagem não reagiu, ela aumentou a chama.
Continuou pulsando da mesma maneira lenta,
sem sinais de mudança.
— E se a menção da lua for literal? —
Claudia disse. — E se o portal reagir ao luar?
Jace olhou para cima. A luz da lua passava
por uma abertura no teto rochoso, mas o raio
da lua não descia no ângulo certo para tocar o
símbolo na parede. Jace sacou a espada,
colocando-a no riacho iluminado pela lua,
girando a lâmina. A luz pálida ricocheteou no
aço. Ele mudou o ângulo até a corrente atingir
o símbolo do anjo. Todos prenderam a
respiração por um longo momento, mas nada
aconteceu.
— Bem, isso foi anticlimático, — comentou
a tenente Lawrence.
— Eu não ouvi você dar nenhuma ideia, —
falei a ela.
— É óbvio, não é? — ela disse com um
sorriso irônico. — O texto diz que você precisa
da lua e do sol. Precisamos de luz solar e luar
juntos em um único fluxo.
— Você quer dizer um eclipse, — eu disse.
— Sabe, você é apenas metade burra, ao
que parece.
Eu ignorei a ofensa. — Ok, nos
deslumbram. Salve o dia. Mostre-nos o feitiço
que cria um eclipse.
O sorriso murchou de seus lábios. Ha! A
peguei.
— Pelo seu silêncio prolongado, você não
tem esse tipo de magia. — Falei docemente
para ela. — Sabe, você é apenas metade
poderosa, ao que parece.
Ela deu um passo à frente, mas ficou
isolada de mim quando a multidão se separou,
abrindo caminho para o coronel Fireswift e sua
equipe.
— Vejo que encontramos a porta de
entrada, — disse ele, olhando para o símbolo
do anjo na casa. Seu olhar mudou para a
tenente Lawrence. — E um de vocês teve o
cérebro para descobrir a chave para abri-lo.
— Leda foi quem nos contou o quebra-
cabeça que nos permitirá abri-lo, — disse
Drake.
O coronel Fireswift me lançou um sorriso
irônico. — Parabéns, você pode repetir algo
que foi informado sem entender o que isso
significa. Você deve estar tão orgulhosa.
Calculei quantos ataques eu poderia
receber antes que o coronel Fireswift
revidasse. Decidi que a resposta seria uma, se
eu tivesse sorte. O que significava que não
valia o risco. Eu precisava ficar mais rápida e
mais forte, e não me importava quanto tempo
tinha que treinar para fazer isso acontecer. O
coronel Fireswift olhou para todos como se
fossem a lama debaixo de suas botas, e um dia
eu tiraria aquele olhar superior do rosto dele.
Jurei por tudo que houvesse de sagrado e
profano.
— A tenente Lawrence teve uma boa ideia
do eclipse, — disse o coronel Fireswift,
caminhando em direção ao símbolo. — Vamos
explorar isso.
— Ele nunca elogia ninguém, — Claudia
sussurrou para mim. — Ele só está elogiando-
a porque descobriu que vocês duas são
inimigas mortais.
— A coisa toda do inimigo mortal está do
lado dela, — respondi em um sussurro.
O coronel Fireswift estava tão ocupado
ouvindo a si mesmo falar que nem sequer nos
ouviu.
Claudia riu. — Ele com certeza ficará
irritado quando perceber que a obsessão dela
pelo coronel Windstriker é a razão pela qual
você também não se dá bem.
Magia retumbou no alto. As pedras do teto
começaram a se reorganizar. Olhei para o
coronel Fireswift, que estava dirigindo seus
movimentos, deslocando o buraco no teto para
que a luz da lua atingisse o símbolo do anjo
diretamente. Apertando os olhos, vi uma luz
ofuscante brilhar diante da lua, tão brilhante
quanto a luz do sol. O minúsculo sol girava no
ar como uma bola de discoteca, movendo-se na
frente da lua. Fiquei boquiaberta com o
coronel Fireswift. Ele acabou de convocar seu
próprio sol pessoal.
A luz combinada da lua e do sol fluía em
um único raio, brilhando contra o símbolo do
anjo na parede. A casa roncou e gemeu à luz
do poderoso feitiço mágico, mas nenhuma
porta se abriu.
A cidade subterrânea começou a tremer, as
paredes dos edifícios explodindo sob o peso do
teto que caía. O coronel Fireswift emitiu uma
ordem aguda de recuar, e todos corremos o
mais rápido que nossos poderes sobrenaturais
pudessem nos levar. Conseguimos sair sem
que ninguém fosse morto, mas toda a seção
afundada da cidade estava agora enterrada
sob várias centenas de toneladas de rocha.
O coronel Fireswift olhou para a entrada
desabada e depois me lançou um olhar
irritado. — O que é que você fez? Qual o jogo
que você está jogando?
Eu queria ressaltar que foi sua
reorganização aleatória do teto que derrubou o
telhado, mas antes que eu pudesse me meter
em problemas por responder, Cláudia chamou.
— É Wardbreaker! — ela disse, apontando
para a sombra encoberta que corria pelos
telhados.
— Pegue ele! — O coronel Fireswift
estalou e todos nós subimos as pontes e os
edifícios que nos levariam aos níveis
superiores da Cidade Perdida.
Mas quando chegamos lá, Wardbreaker se
fora, como se tivesse desaparecido no ar. O
coronel Fireswift nos afastou, as asas escuras
e vermelhas se abrindo de suas costas. Eu
estava certa. Suas penas eram da cor do
sangue. O coronel sobrevoou a cidade por mais
de uma hora, mas ele não encontrou nenhum
sinal do anjo desonesto. Finalmente, ele
interrompeu a busca, chamando-nos até o
nível da rua.
— A magia telecinética será necessária
para abrir o caminho, — disse ele, olhando
para a entrada desabada. — De todos vocês,
além de mim, apenas a capitã Somerset possui
esse tipo de magia. — Ele nos deu uma olhada
dura, como se a culpa fosse nossa por não
termos magia suficiente para fazer o plano
dele funcionar. — Voltaremos com reforços.
12
O Canto da sereia
Os soldados da legião de nível seis e acima,
aqueles com magia telecinética, eram difíceis
de encontrar. Quando nosso trem chegou em
Nova York, o coronel Fireswift havia
telefonado para todos os escritórios da Legião
deste lado do Atlântico - e até alguns além.
Amanhã de manhã, o coronel teria seu time
dos sonhos para abrir caminho para o Tesouro
da Cidade Perdida. Entre todos esses figurões
e gênios, com certeza eles iriam além da ala
dos anjos.
Enquanto isso, o coronel Fireswift havia
chamado todos nós para o Hall Um, porque seu
escritório era pequeno demais para acomodar
confortavelmente vinte e cinco pessoas. Não
que ele se importasse com o nosso conforto.
Muito pelo contrário, de fato. Ele nos trouxe a
este salão em particular porque o sangue
ainda não havia sido limpo pelo grupo de
treinamento que acabara de terminar. Este
era um jogo psicológico. Ele queria que
ficássemos entre as poças de sangue. Eu tinha
cem por cento de certeza disso.
— Levará algumas horas para os
telecinéticos chegarem, — disse ele. — Um
atraso causado pelos padrões negligentes que
atualmente afetam este escritório. Se o coronel
Windstriker os pressionassem com mais força,
mais de vocês já teriam atingido os níveis mais
altos da Legião. Eu não teria que telefonar
para telecinéticos dos outros escritórios.
Ele não precisaria ligar para telecinética
dos outros escritórios se não tivesse derrubado
o teto da cidade submersa.
— Felizmente, não acredito em mimar
meus soldados como o coronel Windstriker. A
Legião precisa de soldados mais fortes e de alto
nível com uma magia poderosa. É disso que se
trata o seu treinamento. Melhorando os
soldados, fortalecendo a Legião. Nyx foi sábia
em me trazer. Seu líder anterior simplesmente
não estava terminando o trabalho.
Drake pisou no meu pé. Engasguei com a
dor - e o comentário que eu estava pronto para
dizer ao Coronel Fireswift.
— Haverá uma cerimônia de promoção no
salão de baile em uma hora. Vistam roupas
apropriadas para a cerimônia. Alguns de vocês
serão testados. Seus olhos mau piscaram para
mim. — Mas apenas aqueles que merecem um
novo presente de magia sobreviverão. — E
nessa nota feliz, ele nos dispensou.
— Isso dói, — falei a Drake quando
voltamos ao nosso apartamento. — Você tem
um pé grande e pesado.
— Teria doído mais se eu não tivesse
impedido você de falar com o coronel Fireswift.
— E quem disse que eu faria isso? —
Retruquei.
— Sua expressão estava gritando alto e
claro.
— Bem, o coronel Fireswift estava muito
ocupado aproveitando os holofotes para
perceber.
Drake riu e entramos no apartamento.
Ivy e Soren estavam sentadas no sofá
quando entramos. Os dois se levantaram.
— Você viu esta lista para a cerimônia de
promoção? — Ivy perguntou, sua voz
estranhamente solene. — Isso continua por
páginas. — Ela rolou a tela do telefone,
mostrando-nos as infinitas linhas de nomes.
— Existem mais de cinquenta nomes, —
disse Soren. — Na maioria das cerimônias, há
apenas um punhado de pessoas em promoção.
— Uma promoção em massa? — Me
perguntei, pegando meu próprio telefone para
olhar a lista.
— Você está nisso, — Ivy me disse.
— Uma promoção? O coronel Fireswift
deve gostar mais de você do que pensa. —
Drake me provocou.
— Não, isso é de Nyx. Ela colocou meu
nome lá. — Meu estômago revirou em um nó
duro. — E não tenho certeza se é hora de
parabéns.
— Ela está certa. Tudo isso é sem
precedentes. — disse Soren, uma ruga se
formando entre as sobrancelhas. — Estou na
Legião há mais de uma década e nunca vi
tantos nomes na lista exceto na cerimônia de
iniciação.
A cerimônia de iniciação era um abate. Era
a maneira fria da Legião de bater à porta na
cara daqueles com pouco potencial mágico.
Exceto que não era uma porta batendo. Era a
tampa de um caixão. Mais da metade das
pessoas morreram na minha cerimônia de
iniciação, e eu ouvi dizer que outras eram
muito piores. Tanto sofrimento e morte.
Tantas vidas destruídas. Só de pensar nisso,
fiquei com dor de estômago.
— A Legião geralmente é tão cuidadosa em
esperar até que alguém esteja pronto antes de
dar a eles o próximo presente dos deuses, —
continuou Soren. — Se um soldado não estiver
pronto, o néctar o matará. A Legião vê isso
como um desperdício.
— O coronel Fireswift tem uma filosofia
diferente, — observei.
— De fato. — Soren franziu a testa. — Ele
está se esforçando. Pode ser um banho de
sangue.

O coronel Fireswift havia informado a


todos que a presença era obrigatória na
cerimônia de promoção, portanto, o salão de
festas estava lotado. Essas cerimônias eram
sempre à noite. Era estranho estar vestindo
roupas de noite e mordiscando aperitivos de
jantar pela manhã. Acho que o coronel não
estava à espera de conseguir seus soldados
nivelados.
Uma orquestra tocava uma peça leve e
animadora, um contraste com a tempestade de
neve selvagem que se espalhava do lado de
fora. Saias com longas caudas e smokings
giravam pela pista de dança. Os passos dos
dançarinos eram praticados e precisos, mas
seus olhos estavam distraídos. Todo mundo
estava se perguntando por que tantos de nós
estavam subitamente em promoção ao mesmo
tempo. Ansiedade, excitação e curiosidade
lutavam contra a emoção dominante na sala.
— Você está bonita, — Ivy me disse
quando cruzamos o salão de braços dados.
Eu estava vestido com um elegante vestido
de noite vermelho com tiras finas como
espaguete. O vestido foi feito para destacar as
curvas dos meus quadris, com babados
brilhantes em cascata, como um vestido de
flamenco. Eu tinha complementado o visual
com um par de saltos pretos de tiras e com meu
cabelo para cima em um coque enfeitado com
uma rosa.
Essa era a roupa que eu comprara há
algum tempo, esperando que Nero a visse
quando chegasse a hora. Mas ele não estava
aqui. Tudo estava errado. Parecia - a manhã
inteira, a cerimônia. Nero não está aqui. Ele
nunca esteve longe das minhas cerimônias. Eu
não conseguia abafar a sensação de que aquilo
era um sinal de que algo ruim iria acontecer
comigo.
E não era só eu. Havia tantas pessoas em
promoção. Tentando não imaginar qual dos
rostos pelos quais passei não sobreviveria pela
manhã, continuei.
Ivy virou à esquerda em uma urna alta
cheia de maços de paus decorativos
perfumados gigantes que cheiravam a laranja.
— Eu vou falar com Daz. Acho que ele precisa
de uma conversa animada.
Daz era um dos amigos de Soren. Ele
estava no nível cinco e não parecia ter certeza
de que sobreviveria ao teste. Ivy se juntou a ele
e Soren ao lado da mesa de queijo. Em
segundos, seus músculos tensos relaxaram
visivelmente. Ivy tinha um talento especial
para acalmar as pessoas. Ela seria uma
excelente conselheira. Graças ao coronel
Fireswift, nosso escritório nunca precisará
mais de um conselheiro do que naquele
momento.
Fiquei aliviada ao encontrar nem o nome
de Ivy nem Drake na lista. Eles foram
promovidos recentemente, então eu esperava
que estivessem a salvo dos abates do coronel
Fireswift até Nero retornar. Eu não acreditava
nos rumores de que ele não voltaria. Ele tinha
que voltar. Ele não podia nos deixar aqui à
mercê do coronel Fireswift.
Drake e sua namorada Lucy estavam de pé
atrás de uma das urnas gigantes. Ela estava
agachada, como se esperasse que os enormes
gravetos e o cheiro de laranja pudessem
escondê-la. Lucy estava na lista. Ela esteve
conosco desde o começo. Ela era doce, amigável
e tranquila, e adorava ler contos românticos.
Ela era uma pessoa legal em geral. E eu temia
que ela não tivesse chance.
As mãos de Lucy tremiam e seu rosto
pálido estava pegajoso de suor. Um aroma
áspero e excessivamente doce subiu dela.
Medo. Ela estava assustada. Quando Drake
passou o braço em volta das costas dela,
puxando-a contra ele, ela abaixou a cabeça no
ombro dele e começou a soluçar baixinho.
Ela não estava pronta e ia morrer. Eu
tinha que fazer alguma coisa. Eu tinha que
ajudá-la. Mas o que eu poderia fazer? O
coronel Fireswift colocara o nome dela na lista
e ninguém, muito menos eu, seria capaz de
convencê-lo a retirá-lo novamente.
Antes de descer para o salão, tentei ligar
para Nero, mas o telefone não estava ligado.
Foi direto para o correio de voz. Deixei dois
milhões de mensagens para ele. Mas o que ele
faria mesmo se ouvisse as mensagens? Nyx
colocou o coronel Fireswift no comando aqui.
Tecnicamente, Nero não podia fazer nada, mas
talvez ele tivesse uma ideia. Nero sempre
conhecia todas as brechas em todas as regras.
Deuses, eu desejava conhecer as regras tão
bem quanto ele. Então eu teria conhecido as
brechas também. E talvez uma desses poderia
ter salvado Lucy.
Mas eu não era Nero. Eu era apenas a
garota com um milhão de ideias diferentes
sobre como ajudar minha amiga, mas
nenhuma delas funcionaria. Mesmo se eu
tirasse Lucy daqui, então o que? A Legião a
consideraria uma traidora e a caçaria. E o
mesmo para mim. Mas tinha que ter um jeito.
Sempre havia um jeito.
Jace parou ao meu lado, a expressão em
seu rosto espelhando exatamente como eu me
sentia: impotente. — As missões do meu pai
podem me matar.
— Esse anjo será a morte de todos nós, —
declarei.
— Ele quer que eu seja o único a capturar
Osiris Wardbreaker. Ele diz que o Primeiro
Anjo não será capaz de ignorar tal ato, e eu
posso finalmente sair da sua sombra.
— Desde quando você está na minha
sombra? Você é melhor do que eu em tudo.
— Não tudo. Você sempre é quem salva o
dia, fato que meu pai me lembra toda vez que
o vejo.
— Sem ofensa, mas seu pai é um
psicopata, — eu disse a ele. — Ele crucificou o
próprio filho na parede para lhe ensinar uma
'lição'. Sei que você diz que ele está apenas
seguindo os costumes antigos, mas acho que
há algo a ser dito para deixar esses costumes
antigos no passado.
Jace olhou para mim e suspirou. — Ele
quer me levar ao topo da Legião, não importa
o que for preciso, não importa os riscos. E ele
nunca vai me perdoar se você se tornar um
anjo antes de mim. Ele vê isso como um golpe
em sua honra por ninguém fazer parte das
fileiras diante de seu próprio filho.
— Honra ou orgulho? — Perguntei.
— Ambos.— Jace tomou um gole de sua
bebida, e pelo cheiro dela, era fortemente
alcoólica. — Eu tenho o mesmo problema, você
sabe. A mesma falha. Eu apunhalaria você
pelas costas se isso significasse uma promoção.
— Então é bom que eu durma com uma
faca debaixo do travesseiro, — brinquei.
— Eu não estou brincando, Leda. Não te
apunhalaria pelas costas literalmente, mas
você não deve confiar em mim.
— Nero me disse a mesma coisa, — falei.
— Mas acho que o fato de você conseguir
admitir isso para si mesmo significa que não
fará isso. Você é uma pessoa melhor que isso.
— Não. — Ele balançou a cabeça
tristemente. — Eu não sou. Você sabe qual foi
a primeira coisa que pensei quando soube que
você quase explodiu naquele dirigível? Fiquei
com ciúmes. Ciumento de termos trabalhado
juntos na missão, mas foi você quem esteve lá
naquele dirigível para salvar o dia. Foi você
quem foi a heroína.
— Você terminou?
— Sim.
— Ok, então, primeiro de tudo, você
precisa parar de se sentir culpado. Esses maus
pensamentos e emoções pelas quais você está
se destruindo - sabe de uma coisa? Eles são
normais. Isso se chama ser humano. E todos
nós temos.
— Você não, — ele disse. — Meu pai pensa
que você é a personificação do pecado, mas
você não é. Você é uma santa.
Eu ri. — Você tem certeza que quer
continuar bebendo isso? Você está falando
bobagem. Eu definitivamente não sou uma
santa.
— Você nunca está com ciúmes.
— Estou com ciúmes o tempo todo. Tenho
ciúmes dos peitos de Ivy. Da força de Drake.
Da sua capacidade de lutar com qualquer
arma. Da estúpida fada de cabelo rosa...
— Que fada de cabelo rosa?
Balancei a cabeça. — Deixa pra lá. Meu
ponto é que estou com ciúmes o tempo todo. E
um monte de outras coisas desagradáveis
também. Humana, lembre-se.
— Meu pai diz que a humanidade é uma
fraqueza.
— É por isso que seu pai é um psicopata
que tortura seus próprios soldados e brinca
com seu próprio filho.
— Não é tão simples assim.
— Talvez não, mas vou dizer que é simples
assim porque quero, e sou apenas uma
humana falha que guarda rancores e tem
ciúmes de todos aqui por pelo menos alguma
coisa.
— Até a tenente Lawrence? — O canto da
boca dele se contraiu.
— Oh, deuses, sim. Ela pode incendiar sua
espada e luta como um demônio. Embora mais
cedo ou mais tarde, terei que chutar a bunda
dela, porque ela está me irritando. Opa, eu
disse isso em voz alta? — Pisquei para ele. —
Acho que não sou santa, afinal.
Ele riu. — Obrigado.
— Por ser inapropriadamente irreverente?
— Você é mais.
— Você pode vir falar comigo a qualquer
momento, e eu vou colocá-lo no seu lugar,
prometo. — Coloquei minha mão em seu
ombro. — Olha, tudo vai dar certo para você.
Você está sendo promovido hoje também,
assim como eu. Não estou ganhando nenhuma
corrida.
— Isso é óbvio.
Eu me virei para encarar os visitantes
indesejados, Mina e um monte de outros
pirralhos da Legião. Eles eram amigos de Jace,
e eles não pareciam entender o que eu era.
— Vamos lá, Jace, — Mina disse, puxando-
o para longe de mim. — Você precisa ter
certeza de que sua aura é pura antes da
cerimônia. Você não gostaria de contaminá-la.
Os pirralhos levaram Jace para limpar sua
aura em cupcakes e doses de vodca. Fui até
Ivy, Drake e Lucy quando o coronel Fireswift
subiu ao palco para começar a cerimônia.

O coronel Fireswift começou com Jace,


fazendo um grande discurso sobre os feitos
heroicos de seu filho e sua forte constituição.
Suas palavras eram cheias de mais elogios do
que eu já ouvi dele - e eram muito melhores do
que qualquer coisa que ele já dissera a seu
filho quando eu estava por perto.
Jace sobreviveu e, em seguida, o coronel
Fireswift chamou o próximo soldado, alguém
indo para o nível cinco. Ela teve uma morte
horrível, envenenada pelo néctar dos deuses.
O coronel Fireswift acenou com a mão e a
soldado morta foi levada.
A partir daí, as coisas só pioraram. Um a
um, os soldados foram convocados para o
palco, em nenhuma ordem específica. A
maioria sobreviveu, mas as mortes entre os
dois lançaram um ar sombrio na cerimônia.
Essas pessoas estavam mortas por causa do
coronel Fireswift. Ele estava pressionando
demais porque essas perdas eram aceitáveis
para ele. Mas elas não eram aceitáveis para
mim. De modo nenhum.
Quando um soldado bateu no chão aos pés
do coronel Fireswift, com a boca cheia de ácido
e sangue, alguém na multidão desmaiou.
— Tire-a da minha vista, — disparou o
coronel Fireswift para o homem que a pegou
antes de cair. — Esse não é o comportamento
que espero de um soldado da Legião.
Observando o homem levar sua amiga
inconsciente para fora do salão, tive uma ideia.
Caminhei lentamente através da multidão até
a Dra. Harding.
— Nerissa, — chamei baixinho, parando
ao lado dela.
— Leda. — A voz dela estava sombria. Ela
era geralmente tão enérgica, tão falante. Ela
não podia nem conter sua felicidade. Mas hoje
ela não podia conter uma emoção muito
diferente: horror.
— Este é um banho de sangue, — falei.
— O primeiro anjo cometeu um erro
quando colocou o açougueiro no comando aqui,
— respondeu ela em um sussurro
contundente. Essa era a franqueza que eu
esperava dela.
— Você tem um sedativo com você? —
Perguntei a ela.
Nerissa levantou seu coquetel. — Chama-
se álcool, Pandora. Beba profundamente. —
Ela esvaziou o copo de uma só vez.
— Na verdade, eu estava pensando em
algo de ação rápida e muito mais forte. Algo
que poderia nocautear um soldado da Legião
em menos de um minuto.
— Tentando sair da sua promoção?
— Não é para mim, — falei a ela, indicando
Lucy. — É para a minha amiga.
— Ela parece tão frágil como um floco de
neve. Essa doce menina tem a mais extensa
biblioteca de romances eróticos de divindades
de todos que eu conheço, então seria uma pena
perdê-la. — Nerissa pegou minha mão e então
senti o peso de uma seringa na palma da mão.
— Isso deve funcionar. Trinta segundos no
máximo e ela estará fora.
— Obrigado, — sussurrei, voltando
através da multidão para ficar ao lado de Lucy.
Quando seu nome foi chamado, Lucy deu
um pulo de alarme.
— Vai ficar tudo bem, — prometi,
abraçando-a.
Ela ficou rígida quando a agulha escondida
perfurou sua pele. — Obrigado, — ela
sussurrou de volta.
Lucy caminhou em direção ao palco, seus
passos desiguais e trêmulos. Suas mãos
tremiam enquanto se preparava para receber
o cálice do coronel Fireswift. Mordi o interior
da minha bochecha, rezando para que a droga
tivesse efeito a tempo.
— Beba agora o néctar dos deuses, — o
coronel Fireswift começou as falas que já havia
falado tantas vezes hoje.
Os olhos de Lucy reviraram e ela caiu no
chão.
— Como você ousa desmaiar na minha
frente o coronel retrucou. — Eu ordeno que
você acorde.
— Eu não acho que ela possa ouvi-lo, —
alguém na multidão disse.
O coronel Fireswift procurou na multidão
o soldado que falara fora de hora. Quando ele
não o encontrou, sua voz dura soou: — Dra
Harding.
Nerissa navegou na multidão,
caminhando para a frente. — Coronel, como
posso ser útil?
— Acorde-a.
Nerissa se agachou ao lado de Lucy,
limpando os cabelos da testa. — Isso seria
imprudente.
— Seria imprudente me desobedecer, —
ele respondeu com uma voz que enviou
calafrios pela minha espinha. — Acorde-a para
que ela possa enfrentar o teste.
— É contra os regulamentos submeter
soldados doentes a este teste.
— Contra os regulamentos, — ele rosnou.
— Posso citar a passagem se você
esqueceu, coronel. — Nerissa disse
calmamente.
Um arfar suave surgiu da multidão.
— Ela não está doente, — disse o coronel
Fireswift, a raiva fervendo em sua voz. — Ela
desmaiou.
— Que é um sintoma de sua doença.
— Que doença?
— Febre do dragão.
— Febre do dragão?
— Em termos leigos, gripe, coronel.
Ele soltou um suspiro irônico. — Isso é
impossível. Os soldados da Legião não pegam
doenças comuns. Nós somos imortais.
— Só porque você é imortal, não significa
que não pode pegar um vírus, — respondeu
ela. — Ou qualquer número de outras doenças.
Como você deve se lembrar da sua visita no
ano passado, quando tratei seu pequeno...
problema.
O rosto do coronel Fireswift ficou tão
vermelho quanto o fogo do inferno. Nerissa o
observava com perfeita serenidade, sua boca
levantada em desafio, como se pressionada, ela
anunciaria a toda a sala o que ele tinha.
— Tire-a daqui, — disse o coronel
Fireswift, olhando para longe de Nerissa.
Do que quer que ela o tenha tratado, ele
estava obviamente envergonhado demais para
olhá-la nos olhos. Parecia que o coronel tinha
algumas fraquezas. E eu pretendia descobrir
quais eram.
Nerissa levantou Lucy em seus braços e a
levou para fora do salão de baile. Soltei um
grito silencioso de vitória. Minha amiga estava
segura - pelo menos por enquanto. Mas
teremos que recuperar o Nero.
Drake pisou no meu pé e percebi que todos
na sala estavam olhando para mim. Do seu
lugar alto no palco, o coronel Fireswift estava
olhando para mim com um prazer sinistro. Ele
deve ter chamado meu nome enquanto eu
estava perdida em meus próprios
pensamentos. Tentei parecer confiante
enquanto subia ao palco.
— O teste final da cerimônia, — declarou
o coronel Fireswift para toda a sala com um
sorriso frio e sombrio.
Tive a sensação de que a ordem havia sido
intencional. Ele queria que eu visse pessoas
morrendo, para me fazer perceber que eu era
mortal, afinal, que eu poderia morrer, não
importa em que nível eu estivesse. Este foi
apenas mais um de seus jogos mentais.
— Pegou gripe também? — ele me
perguntou com um sorriso de desafio.
Respondi com um grande sorriso. — Não.
Estou em perfeita saúde.
Recusei-me a deixá-lo chegar até mim. Eu
faria isso. Eu tinha que salvar Zane e não
permitiria que algum néctar bobo me
derrotasse. Meu corpo deveria ter néctar. Eu
poderia fazer isso. Sem problemas.
— Beba agora o néctar dos deuses, — disse
o coronel Fireswift. — Consuma a magia do
terceiro presente. Deixe-o preenchê-lo,
fortalecendo-o nos próximos dias.
— Para os próximos dias, — todos
repetiram.
Peguei o cálice que ele me ofereceu e bebi
tudo, cada gota. A doçura do néctar acendeu
meus sentidos, me acordando. Foi a coisa mais
perfeita e deliciosa que eu já tive. Subi na
euforia de uma magia que eu deveria ter.
E então, caí. A doçura azedou na minha
boca, virando ácido. Em vez de doce êxtase, o
néctar tinha o gosto do veneno que era. Minha
garganta queimando, meu sangue fervendo,
eu cambaleei para o lado. Minha cabeça estava
girando. Eu estava me afogando.
Isso era o fim? Era isso que os outros
provaram antes que o néctar os matasse? Caí
no chão, em convulsão. A agonia devastou meu
corpo. Senti como se estivesse sendo virada do
avesso. Senti uma súbita onda de dor perfurar
meu peito, e então a escuridão me engoliu.
13
Do céu e do inferno
Sonhei que era um anjo, voando com asas
de prata, meus cabelos ruivos tremulando ao
vento. Andei pelas ruas da cidade dourada,
olhando para o céu vermelho e laranja. O chão
tremeu com tremores terrestres quando outro
anjo pousou diante de mim. Ele caiu de
joelhos.
— Sierra, — disse ele.
— Por que você se curva diante de mim,
Calin? — Perguntei a ele. Ele estava fazendo
isso desde que nos conhecemos, e não importa
quantas vezes implorei para ele parar, ele
apenas continuou fazendo isso.
— Porque você é a Guardiã, — disse ele. —
Você é nossa salvadora.
Não me sentia como uma salvadora. Eu me
sentia... perdida. Como se eu tivesse herdado o
destino de outra pessoa, como se tivesse sido
lançada em uma guerra que eu nem entendia,
uma guerra que existia desde o nascimento da
magia.
— Sierra, precisamos nos apressar. —
Calin pegou meu braço, me levando em direção
à porta de entrada para o Tesouro. — Eles
estão vindo. Você precisa vestir a armadura e
usar as armas do céu e do inferno. Você precisa
salvar todos nós.

Acordei em uma cama de hospital,


sentindo como se tivesse sido esfolada, depois
deixada de fora para queimar ao sol
escaldante. Eu estava sozinha em um quarto
escuro. Lá fora, uma lua cheia brilhava
intensamente sobre a cidade, misturando-se
com luzes da cidade nascidas de um milhão de
fontes diferentes.
Consegui me sentar, mas tive que lutar
por cada centímetro. Uma mão roçou minha
testa. Virei minha cabeça e encontrei Nero na
cadeira ao lado da minha cama.
— Ei, — falei, minha voz tremendo.
— Ei.
Nós olhamos um para o outro por alguns
minutos em silêncio - eu porque doía falar,
Nero porque, bem, ele é Nero.
— Eu recebi sua mensagem, — ele
finalmente disse.
Eu consegui dar um sorriso - ou pelo menos
metade de um. — Qual?
— Todas as vinte e duas. Você deve ter
realmente sentido minha falta.
— Bem, basta ver o que acontece quando
você se vai.
Nero apertou a mandíbula.
— Acho que você já ouviu falar das
mudanças que o coronel Fireswift fez por aqui.
— Sim.
— Nyx ouviu?
— Sim.
— E? O que ela está fazendo para detê-lo?
— Nada. — A palavra afundou como uma
pedra entre nós. — Ele estava seguindo as
ordens dela para conseguir soldados de mais
alto nível. Ontem à noite, quarenta e dois
foram promovidos.
— E doze pessoas morreram, — eu rosnei.
— Não iniciados, Nero. Soldados estabelecidos
da Legião.
— Nyx não especificou como ele deveria
levá-los para soldados de nível superior. Ele
escolheu as pessoas que achava que
provavelmente sobreviveriam, adicionando-as
à lista de promoção. E então ele adicionou
aqueles que via como elos fracos.
Lucy.
— Nyx está feliz com os resultados, —
disse Nero.
— Feliz? — Ofeguei, desgosto queimando
na minha garganta crua. — Ela está feliz com
doze mortes sem sentido?
— O coronel Fireswift assumiu um risco, e
valeu a pena. Nyx considera essas perdas
aceitáveis.
— Como ela pode fazer isso?
Eu não pude deixar de me sentir traída. O
coronel Fireswift era um anjo cruel e tóxico,
mas Nyx deveria ser um dos bons. Pelo menos
eu pensava assim.
— Nunca esqueça que Nyx não é como nós,
— disse Nero em resposta aos meus
pensamentos não ditos. — Ela nasceu um anjo,
nasceu com um pé no mundo dos deuses. E
para os deuses, essas são perdas aceitáveis.
— Isso significa que podemos esperar que
as 'perdas aceitáveis' do coronel Fireswift se
tornem visitantes regulares deste escritório?
— Espero voltar aqui antes disso.
— Então você não voltou agora?
— Infelizmente não. Eu só vim te checar.
Ouvi o que aconteceu quando você bebeu o
néctar ontem de manhã.
— Então, já faz quase dois dias.
— Sim.
— Isso explica por que estou morrendo de
fome.
Ele me entregou uma barra de chocolate.
— Coma isso. Isso fará você se sentir melhor.
Mordi um pequeno pedaço. Derretia na
minha boca e senti uma nova energia me
encher. Talvez depois de mais algumas
mordidas, eu comece a me sentir viva
novamente.
— O que aconteceu ontem de manhã,
Nero? Quando tomei o Néctar antes, era tão
diferente.
— Toda vez, todo nível, é diferente.
— Mas não assim. Fui de ficar bêbada com
Néctar para desmaiar quando o tomei. E o
Néctar tinha um gosto... diferente.
— Como assim?
— No começo, era o mesmo, doce e
delicioso. Mas então ficou azedo na minha
boca, ficando ácido. Eu senti como se todo o
meu corpo estivesse queimando em agonia.
Como se estivesse fervendo viva.
— A primeira vez que você tomou o néctar,
você vomitou, — ele me lembrou.
— Eu lembro. Mas desta vez foi diferente.
O néctar estava errado. Tinha o gosto de que
havia algo dentro dele que não pertencia a ele.
— Poção.
— Mas o néctar é uma espécie de veneno.
Como você pode envenenar algo que já é
veneno?
— Não é fácil, mas existem maneiras, —
disse ele. — Maneiras conhecidas por poucas
pessoas.
Por alguma razão, minha mente lembrou-
se da promessa da capitã Somerset de que ela
me mataria se eu arruinasse a vida de Nero. E
eu fui envenenada logo depois que Nyx
transferiu Nero. A capitã Somerset tentou me
envenenar?
— Você não estragou nada, — disse Nero,
tocando meu rosto.
— Você está na minha cabeça novamente.
— Dói para você falar. Só estou tentando
ajudar. — Seu rosto estava perfeitamente
sério, mas eu peguei um flash de prazer
perverso em seus olhos.
— Nero Windstriker, você é tão cruel.
— Eu senti falta da sua boca. — Seu dedo
traçou suavemente meu lábio inferior.
— Eu gostaria que você nunca fosse
embora, — eu disse, puxando-o para baixo.
Ele me beijou suavemente. — Quando o
Primeiro Anjo ordena que você faça uma
missão extremamente secreta para ela, você
não recusa.
— O que ela queria que você fizesse?
— Super secreta, Leda.
— Oh vamos lá. Você realmente vai me
fazer passar por todos os seus arquivos?
— Você não ousaria.
Segurei o telefone que eu tinha roubado do
bolso dele. — Eu poderia.
Ele pegou o telefone, me dando um olhar
de pura descrença. — Você está quase morta e
está furtando anjos?
— Esta é a parte em que você me diz em
sua voz profunda e agourenta que ninguém
rouba dos anjos?
— Já ouvimos essa música e dançamos
muitas vezes antes. Isso nunca foi bom.
— Então não vamos fazer o bem. —
Coloquei meus dedos em seus cabelos,
puxando-o para mais perto.
— Você está machucada.
Pisquei para ele. — Já estou me sentindo
melhor. Promessa.
Ele gentilmente acariciou meu rosto.
— Na verdade, você não está pensando em
tirar proveito da pobre garota, Nero? Não faz
nem dois dias desde que ela quase morreu.
Vi a capitã Somerset emergir das sombras.
— O que ela está fazendo aqui? — Exigi.
Ela franziu o cenho para mim. — Prazer
em ver você também, Pandora.
— Ela acha que foi você que a envenenou.
Por ela ter arruinado a minha vida.
A capitã Somerset bufou. — Você se meteu
nessa confusão, Nero. Não a Leda. Deuses, do
jeito que você explodiu através daquele
monstro de pedra. — Ela assobiou baixo. —
Agora, isso era um espetáculo de se ver. — Ela
olhou para mim. — Este não foi o meu
trabalho.
— Você me disse que me mataria se eu não
o deixasse em paz, — a lembrei.
Ela revirou os olhos. — E você sempre faz
o que as pessoas mandam? Eu estava
brincando com você, Pandora. Eu estava
tentando convencê-la a dormir com Nero. Ele
não transa há anos, e isso o deixa
completamente irritado. Se você quiser, posso
ficar de guarda na porta e dar a vocês alguns
minutos.
— Alguns minutos?
— Ele não vai durar mais do que isso hoje,
querida.
Abri minha boca para falar, mas nenhuma
palavra saiu.
— Obrigado, Basanti. Assumirei as coisas
daqui.
— Sempre fico feliz em ajudar, — disse ela,
dando um tapa forte nas costas dele, enquanto
dava um passo para trás.
— Leda? — Nero me perguntou.
Pisquei.
— Você a deixou atônita e em silêncio, —
disse ele a capitã Somerset.
— Eu nem sabia que isso era possível. —
Ela acenou com a mão na frente do meu rosto.
— Eu me pergunto quanto tempo dura.
— Estou quase morta, não surda, —
ressaltei.
A capitã Somerset olhou para mim e riu.
— Eu gosto de você, Pandora. Você não tem
medo de ninguém. Ou de fazer perguntas que
provavelmente lhe causarão problemas.
Na sala ao lado, a porta da enfermaria se
abriu. Vozes vieram do corredor. A capitã
Somerset levantou-se e foi despistar os
médicos, que pude ouvir vindo para este
quarto.
— Você confia nela? — Perguntei a ele.
— Sim, confio, — respondeu ele. —
Basanti foi quem me trouxe aqui. Ela entrou
em contato comigo para me contar o que
aconteceu assim que você desmaiou na
cerimônia.
Decidi confiar em seu julgamento. Afinal,
ele se voltou contra seu outro melhor amigo
quando se mostrou mau. Nero tinha a cabeça
limpa e não me enganava.
— Ela está mantendo guarda? —
Perguntei a ele quando as risadas subiram na
sala da frente.
— Sim. Ninguém sabe que estou aqui.
— Por que eu sinto que você não deveria
estar aqui?
— Porque eu não deveria.
Fiz uma careta. — Estou colocando você
em apuros novamente.
— Sou perfeitamente capaz de me meter
em problemas sozinho, obrigado.
Eu não pude deixar de rir. Fiz isso em
silêncio, no entanto. Houve um movimento
além da porta fechada. A capitã Somerset
estava conversando com os médicos, tentando
convencê-los a ir embora para que eu pudesse
dormir. Nero me observou, seu polegar se
movendo devagar, fazendo círculos na minha
mão.
— Então, porque?
— Você me preocupou. Os médicos não
puderam fazer nada para ajudá-la depois que
você foi envenenada.
Arfei. — Como eu sobrevivi?
— Seu corpo fez isso sozinho. Ele deve ter
integrado o veneno com o néctar. É parte de
você agora. — Ele me lançou um olhar que era
em parte admiração, em parte preocupação. —
Era Venom, o equivalente dos demônios ao
néctar. Era isso que estava no seu néctar. Foi
isso que fez você desmaiar.
— O que o Venom fará comigo?
— Soldados da Legião dos Anjos bebem
Néctar e soldados da própria legião dos
demônios bebem Venom. Como Néctar, Venom
te mudará, — ele disse. — A questão é quanto
uma dose tão pequena vai te mudar. Você já
tem tanto néctar que os efeitos podem não ser
grandes. Talvez você nem note mudanças.
— Há uma enorme quantidade de talvez
nessa frase, Nero.
— Não entendemos completamente os
efeitos do Néctar e do Venom. O fato de você
ter sobrevivido a uma dose mista de Néctar e
Venom é notável. Ninguém nunca sobreviveu
aos dois juntos em uma dose única. Essa
combinação deveria ter matado você.
— Então os demônios me envenenaram?
— Essa é uma teoria.
— Você não parece convencido.
— Eu tenho outra teoria, — disse ele. —
Coronel Fireswift.
— Eu sei que ele quer me tirar do caminho,
mas correr o risco de me envenenar na frente
de todo o escritório de Nova York? Isso é
corajoso.
— Ele é um homem corajoso. E ele não tem
medo de usar um lança-chamas para matar
um mosquito.
— Sim, eu vi isso em primeira mão quando
ele reorganizou o teto de pedra da cidade
subterrânea.
Nero fez um barulho irônico. — Ele sempre
foi um exibido.
— Ele é mais poderoso que você? —
Perguntei a ele.
— Ele tem poder bruto, mas não sutileza.
Seria difícil matá-lo em uma luta justa.
— Se ele é tão correto, ele não usaria
veneno.
— O coronel Fireswift é um anjo, um dos
principais membros da Legião. Existem regras
na Legião, regras que até nós anjos devemos
seguir. O coronel Fireswift não pode matá-la
completamente, mas se você morrer durante a
batalha ou for envenenada durante a
cerimônia, isso pareceria legítimo. O coronel
Fireswift não quer perder seu lugar ou o lugar
de seu filho na Legião.
— Na Legião, as crianças pagam pelos
crimes dos pais?
— Não diretamente. Mas, de um jeito ou
de outro, você deve expiá-los. Especialmente
traição, — acrescentou com um olhar quase
lamentável. Talvez ele estivesse pensando em
seu próprio pai, que havia sido desonesto todos
aqueles anos atrás.
— O que você sabe sobre Osiris
Wardbreaker?
— Não muito. Ele era um dos anjos
originais de Nyx.
— Como seus pais.
Ele me deu um olhar surpreso.
— Eu fiz o tour fotográfico do seu
escritório.
— Sim, meus pais conheciam bem o
general Wardbreaker. Os originais eram um
grupo muito unido. Desde então, o
Wardbreaker voltou para a Europa, então tive
poucas relações com ele. Mas ele é um anjo
original, e isso o torna perigoso.
— O coronel Fireswift voltou à cidade
perdida?
— Sim, com uma equipe de trinta
telecinéticos. Eles estão trabalhando dia e
noite para cavar um túnel no Tesouro para que
possam proteger as relíquias sagradas.
— As Relíquias Perdidas não são
sagradas.
Ele me deu um olhar curioso.
— O que eu quis dizer foi que elas não são
o que os Peregrinos e a Legião pensam que são.
Elas não foram feitas por deuses. Algumas das
peças foram forjadas no fogo do inferno. São
relíquias do céu e do inferno.
— Nyx me fez seguir sussurros de armas
antigas, relíquias poderosas forjadas no
inferno, mas perdidas na Terra. Os demônios
estão tentando recuperá-las. Ela precisava da
minha capacidade de rastrear objetos de poder
sombrio.
— Você está atrás da mesma coisa que o
coronel Fireswift. Ele está procurando por
armas celestiais, você por armas infernais.
Mas elas são a mesma coisa, — deduzi. —
Armas do céu e do inferno. E Osiris
Wardbreaker está atrás de todas elas.
— Como você sabe disso? — ele perguntou-
me.
Contei a ele sobre as visões que tive na
cidade e o sonho de que acabei de acordar. Ele
não olhou para mim como se eu fosse louca. Ele
parecia intrigado.
— Você está bem o suficiente para viajar?
— ele perguntou.
Empurrei meu cobertor. — Estamos
fazendo uma viagem de campo?
— Sim, de volta às planícies negras.
Tentei sair da cama, mas minhas pernas
desabaram sob a tensão do meu próprio peso.
Os braços de Nero brilharam, me pegando.
— Talvez você possa me levar até lá? —
Brinquei.
— Seu corpo está curado, — disse ele,
puxando uma faca enquanto se sentava ao
meu lado na cama. — É o seu equilíbrio, o seu
equilíbrio mágico, está errado.
Ele cortou o pulso com a lâmina.
Imediatamente senti meu corpo ficar alerta,
como todas as células nele estavam me
atraindo em sua direção, em seu sangue. Mas
eu hesitei.
— Depressa, — ele me pediu. — Não temos
muito tempo.
Peguei sua mão na minha, trazendo seu
pulso para minha boca e bebi profundamente.
Seu sangue tinha gosto de néctar puro e não
diluído - a comida dos deuses, a canção da
minha alma. Ele escorreu pela minha
garganta, passando por minhas veias como um
rio furioso, em cascata, construindo,
queimando. A necessidade bateu em mim,
levando-me com força e rapidez a um estado
vertiginoso de excitação crua.
Eu me afastei de repente, antes de fazer
qualquer coisa precipitada. Olhei para a
minha mão, que estava em sua coxa. Tanto por
não fazer nada precipitado. Ele riu quando
tirei minha mão de sua perna.
— Você está se sentindo melhor? — ele me
perguntou, batendo o dedo contra o corte no
pulso. A pele se selou diante dos meus olhos.
— Sim. Muito melhor. — Bem, exceto os
pensamentos obscuros e devassos passando
pela minha cabeça, lembrando-me que Nero e
eu estávamos sozinhos - e que já estávamos na
cama.
— Eu gosto deste vestido, — disse ele em
uma voz sensual.
Aparentemente, ninguém se preocupou em
me tirar do meu vestido de festa. Parando pra
pensar sobre isso, provavelmente tinha sido
ideia da capitã Somerset.
— Comprei porque achei que você
gostaria, — falei a ele.
— Essa é uma confissão perigosa.
— Eu gosto de viver perigosamente.
— Essa é uma confissão ainda mais
perigosa. — Os dedos de Nero roçaram meus
cabelos, acariciando meu couro cabeludo,
mesmo quando sua boca mergulhou na minha
garganta. — Seu cheiro é tão bom. Mal posso
resistir a provar.
— Então não resista.
— Leda. — A palavra era um apelo, uma
demanda.
— Morda-me, Nero.
Ele trancou a mão em volta da minha
cintura, me puxando bruscamente contra ele
enquanto suas presas perfuravam minha pele.
— Seu sangue tem um gosto diferente. — Ele
agarrou. — Ainda mais delicioso. — Ele bebeu
mais rápido. Dor e prazer torceram juntos
dentro de mim, pulsando contra a minha pele.
Seu domínio era difícil, possessivo.
— Nero, — ofeguei. — Estou ficando tonta.
Ele se segurou em mim, bebendo
avidamente.
— Nero. Pare.
Ele não parou. Seu aperto mais forte. Eu
não tinha certeza se ele ainda estava aqui
comigo. Ele se tornara outra pessoa, em algum
lugar escuro e perigoso.
Fiz um punho e o martelei na lateral da
cabeça. Seu corpo inteiro congelou por um
momento - então ele pulou da cama, se
afastando de mim.
— Leda. — Seus olhos percorreram meu
pescoço, queimando de culpa.
— Estou bem.
— Eu não posso beber de você novamente.
— Ele passou a mão brilhante pelas
perfurações no meu pescoço, e elas se curaram.
— Por mais que eu queira. — Ele passou a mão
na minha mandíbula. — Por mais que eu não
consiga pensar em mais nada. — Prata brilhou
em seus olhos verdes, e então ele estava do
outro lado da sala, tão longe de mim quanto
podia estar fisicamente.
— Nero.
— Temos que ir, — disse ele. — Temos um
anjo desonesto para parar.
14
Portadora do Caos
Viajamos para Purgatório a bordo de um
dirigível particular de propriedade de um
velho amigo de Nero. Tanto quanto eu podia
dizer, Dominic era completamente humano.
Eu nem sabia que Nero conhecia humanos.
Mas achei uma coisa boa ele conhecer,
porque não podíamos confiar em nenhum
sobrenatural agora. Tecnicamente, essa era a
missão do coronel Fireswift, então não
deveríamos interferir. Nem pedimos para
participar. Nero não confiava no coronel
Fireswift depois do que ele havia feito comigo,
e eu também não. Vi o que ele fazia com
apenas armas e magia normais. Se ele
colocasse as mãos nas armas do céu e do
inferno, machucaria as pessoas. Senti isso no
meu interior e aprendi a confiar no meu
instinto.
Não que Osiris Wardbreaker fosse melhor.
A primeira coisa que ele fez depois de desertar
da Legião foi massacrar uma cidade inteira.
Isso significava que também não podíamos
deixá-lo pegar as armas. Isso significava que
tínhamos que encontrar as relíquias, parar um
anjo desonesto e fazer tudo sem deixar
ninguém saber que estávamos lá.
— Por que nossos planos sempre parecem
tão impossíveis? — Perguntei a Nero.
— Porque você vem com eles, — respondeu
ele.
— Nós apenas temos que ser furtivos.
Coloquei um boné preto, enfiando o cabelo
dentro dele. O resto de nossas roupas também
eram pretas. Parecia mais que estávamos nos
preparando para roubar um banco do que
impedir que armas antigas e poderosas
caíssem nas mãos erradas.
— A capitã Somerset está me cobrindo de
volta a Nova York, e todo mundo pensa que
você está sozinho em uma missão secreta, —
continuei. — Ninguém está nos esperando.
— Eu acho que você está subestimando a
paranoia e a crueldade dos anjos, — ele me
disse.
— Você percebe que é um anjo, certo?
— Então, eu sei tudo sobre ser paranoico e
cruel.
— Eu prefiro suas outras qualidades, — eu
disse com um sorriso.
— É?
— Sim, eu gosto especialmente do seu
sorriso.
Ele me deu uma olhada dura.
— Esse é o único.
Dominic se sentou no sofá à nossa frente.
Um homem de trinta e poucos anos, usava um
longo casaco de couro marrom claro sobre
calças jeans escuras e uma camisa marrom
chocolate. Uma arma estava presa a um
quadril e uma faca no outro. Parecia que ele
estaria em casa na fronteira - ou em um navio
pirata.
— Coronel, quando você vai confessar que
sai com vigaristas? — Perguntei com um
sorriso tímido.
— Eu gosto dela, Nero. Ela é tão simpática.
— Você devia ouvir o quão bem eu sigo as
ordens dele, — eu disse a ele.
Dominic caiu na gargalhada. — Eu aposto,
— disse ele, levantando-se. — Tudo certo.
Estamos chegando em Purgatório. Estaremos
pousando em breve.
Ele voltou para a frente do navio, me
deixando sozinha com Nero, que estava
olhando para mim como se eu estivesse
morrendo.
— O que está errado? Acho que você não
gosta tanto do meu humor com seu amigo? —
Questionei.
— Não estou com muita vontade de rir
agora. — Ele fez uma pausa. — Eu quase te
drenei. Eu não conseguia parar.
— Mas você parou.
— Eu perdi o controle. Eu nunca faço isso.
— Ao meu redor você faz. Eu posso ver
aquele controle perfeito se rompendo nas suas
sobrancelhas, nos seus lábios - toda vez que eu
respondo, toda vez que uso uma garrafa de
água ou antenas de carro em uma briga, toda
vez que não ajo como um soldado pomposo e
rígido da Legião.
As sobrancelhas de Nero franziram.
— Isso. Exatamente isso. Você gosta da
minha coragem. — Abri um sorriso atrevido.
— Admita.
— Você é incorrigível.
— Admita.
Ele colocou uma mecha de cabelo solta no
meu chapéu. — Eu gosto da sua coragem.
— Claro que sim, — eu disse a ele, olhando
para Purgatório.
Parecia tão diferente daqui de cima. O
muro ofuscava a cidade, lançando uma sombra
escura sobre as pequenas casas. Pude ver
claramente os distritos, como se fossem fatias
pré-cortadas de uma torta de pizza. Uma torre
alta e esbelta estava no meio de cada distrito.
Era aí que os homens que se chamavam
senhores olhavam para seu território. Suas
gangues não estavam fora hoje à noite. Em vez
disso, soldados paranormais patrulhavam as
ruas. Centenas deles, por toda a cidade. Eu
queria acreditar que o governo finalmente
havia feito um movimento para acabar com os
senhores do crime, mas não estava me
sentindo ilusória esta noite.
O telefone de Nero tocou através do
silêncio, como uma pedra pesada caindo em
um lago tranquilo. — Basanti, o que você sabe?
— Eles descobriram que Leda se foi, —
ouvi a capitã Somerset dizer através do alto-
falante. — Desculpe, Nero. Foi tanto tempo
que eu não consegui adiar os médicos. E como
Leda não foi dispensada ou liberada para um
serviço, todos estão à procura dela.
— Coronel Fireswift? — Nero perguntou
— Ele emitiu uma declaração de que Leda
ficou enfraquecida com a morte dela e que
provavelmente saiu em estado de delírio.
— Delírio, minha bunda, — resmunguei.
A capitã Somerset continuou: — O coronel
Fireswift afirmou ainda que ela é perigosa. Ele
acredita que ela retornará à Purgatório a
caminho da Cidade Perdida, e todo mundo
deve ficar de olho nela. Para sua própria
segurança e a segurança dos outros.
A essa altura, eu estava xingando tão alto
que o coronel Fireswift provavelmente poderia
me ouvir da Cidade Perdida.
— Todos os soldados paranormais do
Purgatório estão à procura dela, Nero, — disse
a capitã Somerset. — Cuidado. Vocês dois.
— Obrigado, Basanti, — disse Nero.
— Me agradeça dando um beijo na sua
namorada.
— Eu posso te ouvir, você sabe, — eu disse
ao telefone.
— Eu sei que você pode, querida. — A
capitã Somerset fez um barulho alto de beijo e
depois desligou.
Nero colocou o telefone de volta no bolso.
— Os soldados paranormais deveriam
proteger a parede dos monstros, — eu disse, a
raiva fervendo em mim. — Ou que tal manter
as pessoas da cidade a salvo dos senhores do
crime? Em vez disso, todos esses recursos
estão sendo colocados em um dos jogos de
domínio do coronel Fireswift.
— Estes são os jogos dos anjos, Leda, —
disse Nero. — Se você quer jogar em nossas
fileiras, precisa aprender a lidar com isso.
Rápido.
— Ok, como você sugere que ganhemos
este jogo?
— Esta é a sua cidade. Diga-me você.
Uau. Ele estava deixando comigo? O fato
de ele confiar em mim para elaborar o plano
significava mais para mim do que ele
imaginava. Isso significava muito, eu poderia
tê-lo beijado - se não estivéssemos tão
ocupados agora.
— Não podemos ultrapassar o muro
enquanto eles estiverem assistindo, — eu
disse, — falando nisso existe apenas um
portão, e não podemos voar porque este
dirigível é muito fácil de detectar no céu.
— Dominic é louco, mas não o suficiente
para sobrevoar as Planícies Negras, — disse
Nero.
— Inferno, não, — Dominic gritou da
frente do navio. — Existem monstros voadores
por aí. E monstros gigantes que agarram
coisas do ar.
— E você não pode nos levar para fora
porque as pessoas o veriam e saberiam que
você também está aqui, — eu disse a Nero. —
Se o coronel Fireswift souber que estamos
chegando, não poderemos falar sobre essas
relíquias. Ele estará pronto. Temos que pegá-
lo desprevenido, para nos esconder quando ele
não estiver olhando. Mas primeiro precisamos
passar pelos soldados paranormais e passar
pelo muro. Mas como... — A ideia veio a mim,
uma ideia simples e perfeita. — Temos que
escalar o muro.
— Se eles abrirem a barreira mágica,
estamos mortos, — disse-me Nero.
— Vamos, coronel, — eu disse, sorrindo. —
O que é a vida sem correr riscos de vez em
quando?

Era um plano maluco. E para fazê-lo


funcionar, precisaríamos de ajuda.
Esgueiramo-nos pelas ruas, escondendo-
nos nas sombras, abrindo atalhos pelas casas,
cortando os velhos túneis dos trens
subterrâneos e escondendo-nos sob pontes -
todas aquelas coisinhas que eu sabia que os
soldados paranormais não sabiam. Eu era
natural da cidade e eles estavam apenas de
passagem, outra parada no trem da carreira.
Eles vieram aqui por apenas semanas ou
meses antes de ir para casa. E o pouco tempo
que eles tiveram aqui foi gasto principalmente
no Muro.
Muitos deles estavam agrupados lá agora,
mas o Magitech da parede não estava aceso.
Queimava muito poder para mantê-lo ligado o
tempo todo, então havia um sistema de alerta
para decidir quando ligá-lo, com base no nível
de risco de ataque de monstros. Verde,
amarelo, laranja e vermelho eram os níveis de
alerta. Verde significava “seguro” e vermelho
era “apocalipse iminente”. No momento, o
quadro de alerta estava amarelo, o que
significava que monstros haviam sido
avistados recentemente perto da parede, mas
não havia nenhum à vista agora.
Não estaríamos ultrapassando esse muro
enquanto os soldados estivessem de guarda no
fundo. Teríamos que afastá-los e, para isso, eu
precisava dos contatos de Calli. Ela conhecia
pessoas que poderiam ser subornadas para
criar uma distração para que pudéssemos sair.
Eu já tive contatos uma vez também, mas já
fazia muito tempo. Eu não sabia em quais
pessoas eu poderia confiar e quais não se
virariam e nos entregariam sem pensar duas
vezes por um pagamento dos soldados
paranormais. Mas Calli tinha pessoas que lhe
deviam favores e pessoas que ela sabia de
alguma sujeira. Ela poderia fazê-los se
comportar.
O problema estava em chegar até Calli.
Soldados paranormais patrulhavam as
calçadas, ruas e gramado ao redor da minha
casa. O coronel Fireswift deve ter pensado que
eu tentaria ir para casa. As cortinas grossas
estavam nas janelas, então Calli estava me
esperando também.
— Por aqui, — sussurrei para Nero,
levando-o para o prédio abandonado do outro
lado da rua da minha casa.
Nós nos esprememos no que uma vez fora
um banheiro. Puxei um painel escondido no
chão.
— É comum as pessoas nesta cidade terem
túneis secretos? — Nero perguntou, olhando
para o buraco escuro.
Nós pulamos para baixo. O buraco era
realmente apenas um buraco - com uma única
porta trancada.
— Não, isso é uma coisa de Calli, — eu
disse, entrando com a combinação na
fechadura. — Minha mãe cavou essa
passagem sozinha, caso precisássemos fazer
uma fuga rápida. Ou entrar secretamente
como agora.
Seguimos o túnel mofado e sujo até o fim,
onde outra porta trancada nos esperava. E
então estávamos no porão da minha casa,
cercados por prateleiras de enlatados e outras
delícias de longa duração.
— Sua mãe está se preparando para o
apocalipse? — Nero perguntou, olhando em
volta.
— Calli diz que o apocalipse já atingiu a
Terra uma vez, então as chances são boas de
atingir novamente. E ela planeja estar pronta.
É o tipo de lema dela. Ela gosta de estar
preparada para tudo.
Calli estava esperando por nós no topo da
escada, vestida com um avental coberto de
farinha. — Eu estava esperando você. — Seu
olhar piscou brevemente para Nero antes de
retornar para mim. — Eu não estava
esperando por ele.
— Longa história.
— Você pode contar para a gente no jantar.
Eu estava prestes a colocar a comida na mesa.
Gin, coloque mais dois lugares na mesa! — ela
chamou na direção da cozinha. — Temos
convidados.
— Leda veio como você pensou que ela... —
Gin congelou no meio da porta, seu queixo caiu
quando viu Nero. Ela rapidamente se retirou
para a segurança da cozinha.
— Tem alguém que você pode subornar
para criar uma grande distração? — Perguntei
a Calli.
— Quão grande?
Coloquei um maço de dinheiro na mão
dela. — Grande o suficiente para distrair todos
os soldados paranormais da cidade, para que
Nero e eu possamos escalar o muro e ir até as
Planícies Negras sem que ninguém nos veja.
A maioria das mães teria desmaiado com
essa afirmação. Calli nem piscou. — Você pede
milagres, Leda.
Eu sorri para ela. — E você sempre realiza
milagres.
Ela tirou o avental, pendurando-o no
gancho na parede. — Um dia desses, não terei
milagre nas mangas.
— Mas não hoje?
Calli passou o braço em volta de mim, me
levando em direção à sala de jantar. — Não se
preocupe com nada. Eu tenho apenas o cara
para o trabalho. Eu ligo para ele. Quando o
jantar terminar, você terá sua “grande
distração”.

Bella me deu um sorriso conhecedor


enquanto Nero e eu nos sentamos frente a
frente na mesa. Gin nem sequer olhou para
mim. Seus olhos arregalados estavam
grudados firmemente no anjo que veio jantar.
Minha irmãzinha parecia que não conseguia
decidir se desmaiaria ou fugiria, então apenas
ficou olhando.
Minha outra irmãzinha tinha mais que o
suficiente para dizer pelas duas.
— Sua foto está sendo projetada por toda a
cidade com algumas máquinas Magitech
sofisticadas que a Legião deixou sair, — Tessa
me disse. — Deve custar um monte de magia
manter tudo isso funcionando.
Senti meu queixo apertar
involuntariamente. O coronel Fireswift estava
sendo tão chato.
— Vocês dois estão fugindo da Legião?
Você está indo pro lado mal? — Tessa me
perguntou.
— Não.
— Então o que está acontecendo?
Coloquei panquecas de batata no meu
prato. — É segredo.
Tessa me deu um olhar duro. — Você
realmente é um deles agora, não é?
— Um deles quem? — Perguntei,
espalhando molho de maçã sobre as
panquecas.
— Um deles. Da Legião. Um soldado. A
velha Leda não esconderia as coisas de nós.
— É para sua própria proteção.
Tessa fez beicinho. — Eu aposto que você
disse a Calli.
— Calli é uma adulta, não uma garota de
dezessete anos.
— Quero que você saiba que completarei
dezoito anos em quatro meses.
— Então podemos revisitar este tópico
nesse ponto.
— Não é legal, Leda. Não é legal.
— Leda está apenas brincando com você,
— Bella disse a ela.
Tessa me deu um olhar desafiador.
— Sim eu estou. — Eu ri. — Você é um alvo
tão fácil.
Tessa era sensível a sua idade. Ela queria
ser uma adulta - ontem - e não gostava de ser
chamada de criança. Você tinha que conhecer
as fraquezas de seus entes queridos para poder
provocá-las adequadamente. E protegê-los.
Especialmente isso.
Eu disse a todos por que Nero e eu
estávamos aqui. Quando terminei, Bella disse:
— Este Coronel Fireswift não parece uma
pessoa muito legal.
— Que pedaço de merda, — declarou
Tessa.
As sobrancelhas de Nero tremeram como
se ele tivesse apreciado o insulto. — De fato.
— Não acredito que temos um anjo de
verdade em nossa casa. Na nossa mesa. —
Tessa sorriu docemente para ele. — Quantos
anos você tem? Quantas penas tem um anjo?
É verdade que as asas de um anjo são uma
zona erógena? Eu li isso em Adolescente
Paranormal. Oh meus deuses, eu tenho tantas
perguntas! Quantas pessoas você matou? O
que os anjos gostam de comer? Quantas
amantes você já teve? Os anjos realmente
marcam suas amantes? Eu também li isso em
Adolescente Paranormal. E que os anjos
podem fazer sexo vinte vezes seguidas.
— Você está escrevendo uma peça para
Adolescente Paranormal? — Comentei.
Ela me ignorou, sua atenção firmemente
em Nero. — Mentes questionadoras querem
saber.
Tradução: ela repetiria tudo o que ele
dissesse aos amigos da escola e, assim, se
tornaria ainda mais popular do que ela já era.
— Quantos soldados da Legião passaram
por aqui ontem? — Perguntei a Calli, antes
que Tessa pudesse fazer mais perguntas
malucas para Nero.
— Quase cem, — respondeu Calli. — É a
maior excursão às Planícies Negras que eu já
vi.
— Você acha que poderíamos pegar
emprestada sua moto, aquela que você guarda
do lado de fora na parede daquele galpão?
— A última vez que você pegou
emprestada uma das minhas motos, você
quase foi morta tentando resgatar um anjo. —
Ela olhou para Nero como se a culpa fosse dele.
Nero respondeu à acusação com um
silêncio frio. Esse silêncio se manteve por
alguns minutos, enquanto comíamos nossas
panquecas e molho de maçã.
Tessa finalmente o interrompeu e
perguntou a Nero: — É verdade que você já
lutou com quase duzentos monstros sozinho?
— Não, eram mais de duzentos.
— Uau. — Ela olhou para ele com
admiração. — O namorado da minha irmã é
um anjo superquente.
— Ele não é meu namorado.
— É? — Tessa perguntou com um sorriso
desafiador. — Então o que ele é exatamente?
Porque você ficou olhando para ele o jantar
todo, como se quisesse pular nos ossos dele.
Corei.
— E? — Tessa persistiu. — O que é o
coronel sexy para você?
Olhei para Calli em busca de apoio, um
pedido silencioso para denunciar Tessa por ser
inadequada.
Mas Calli trançou os dedos e disse: — Eu
também gostaria de saber, Leda.
— Assim como eu, — disse Nero.
Tessa o agarrou como uma mulher se
afogando, segurando um bote salva-vidas. —
Você acha que você e Leda são almas gêmeas?
E quando se casarem, posso planejar o
casamento? Estou pensando em rosas brancas,
pálidas como os cabelos de Leda. Ou você acha
que ela parecerá toda lavada de branco?
— A Legião usa rosas brancas em funerais
para homenagear nossos soldados que caíram
em batalha, — informou Nero.
Deuses, ele não apenas mordeu a isca.
— Vermelho? — Tessa perguntou.
— A Legião usa rosas vermelhas para
promoções, para significar o sangue que foi
derramado em nosso caminho para a glória.
Tessa lançou-lhe uma careta fofa. — Você
está inventando isso.
Nero balançou a cabeça uma vez.
— Bem, você tem uma cartela de cores ou
algo do tipo para as cores aprovadas pelo
casamento que eu posso escolher?
— Rosas douradas. Eles significam novos
começos e a vontade dos deuses. Essa é a cor
da flor dos casamentos.
Tive a sensação de que ele estava
brincando comigo para me provocar. Anjos
tinham um senso de humor distorcido. Como
uma família.
— Só aquela flor? É isso aí? O que
aconteceu com o livre arbítrio e a escolha?
— Querida, acho que você não entende
como funciona um exército, — disse Calli
gentilmente. — A Legião dos Anjos não é sobre
livre arbítrio ou escolha. É sobre regras e
regulamentos, dever e honra.
— Parece um casamento chato, — Tessa
fez beicinho.
Calli tinha me falhado, então atirei em
Bella um pedido desesperado e silencioso de
apoio.
— Por falar em casamentos, você sabe
quem vai se casar em breve? — ela disse. —
Dale e Cindy. Isso não é maravilhoso?
— Não é tão maravilhoso quanto um
casamento de anjos, — disse Tessa, recusando-
se a descarrilar. Ela olhou para Nero. — Como
eles são?
— Casamentos de anjos na Legião são
arranjados. O objetivo é fazer bons pares
mágicos, que por sua vez produzem
descendentes com alto potencial mágico para
se tornarem anjos um dia.
— Espere, o que? Então eles dizem com
quem você vai se casar? — Tessa parecia
horrorizada.
— Sim, a magia de cada anjo é testada e,
em seguida, somos emparelhados com um
soldado da Legião com uma alta
compatibilidade mágica.
— Outro anjo?
— Raramente. Por alguma razão que não
entendemos, os anjos geralmente têm uma
baixa compatibilidade mágica com outros
anjos; portanto, seus cônjuges são escolhidos
entre o maior grupo de soldados da Legião.
— Então você não tem uma escolha com
quem se casa? — Tessa perguntou.
— Você pode escolher entre os cinco ou seis
soldados cuja magia é compatível com a sua.
— E o amor?
— O amor não entra na equação, — disse
ele.
— Isso é realmente péssimo, você sabe.
Então, basicamente, nenhum soldado da
Legião não se apaixona.
— Eles podem. Essas regras se aplicam
apenas aos anjos. A descendência de um anjo
tem cem vezes mais chances de se tornar um
anjo também.
— Então, e se duas pessoas se casarem,
uma depois se tornará um anjo. A Legião os
separará? — Tessa perguntou.
— É complicado.
— Então você tem duzentos anos, — disse
ela. — Por que você ainda não é casado?
Como eu sabia que essa pergunta estava
chegando?
— A Legião ainda não encontrou ninguém
que tenha uma alta compatibilidade mágica
comigo.
— Gostaria de saber qual é a sua
compatibilidade mágica e a de Leda. — Ela
piscou para mim.
E eu sabia que isso estava vindo também.
O telefone de Calli tocou. Ela olhou para a
tela e depois me disse: — Sua distração está
pronta. Dez minutos.
— Salva pelo gongo. — Eu me levantei da
cadeira. — Temos de ir. Relíquias para
encontrar, vilões para frustrar.
Nero deu um tapinha no guardanapo na
boca e depois o colocou de pé. — Obrigado pela
refeição. Sra. Pierce. Ele acenou para as
minhas irmãs. — Senhoras.
Tessa e Gin juntaram suas cabeças.
Sussurros e risadas surgiram delas. Eu pensei
ter pego a palavra 'asas'. Nero e eu saímos da
sala de jantar. Logo antes de passar pela
porta, redemoinhos dourados de magia
deslizaram por suas costas. Asas apareceram
onde nada havia estado no momento anterior,
a tapeçaria completa de penas pretas, verdes e
azuis se espalhando para que as meninas
pudessem dar uma boa olhada. Elas gritaram
de alegria. Nero colocou as asas nas costas e
depois me seguiu até o porão.
— Você não deve incentivar a bobagem de
minhas irmãs, — eu disse a ele, enquanto
amarrávamos as armas que trouxemos. Nós
precisaríamos delas para sobreviver aos
monstros que vagavam pelas Planícies
Negras.
Os olhos de Nero estavam rindo de mim.
— O que?
— Valeu a pena, para vê-la tão
perturbada. — Suas asas desapareceram. Ele
as guardava para deixar mais espaço para
espadas e armas. — Eu nunca vi você assim.
Bem, exceto, talvez quando você foi até o meu
apartamento para me confrontar depois de
jogar sua calcinha no chão do meu escritório.
— Bem, eu estou feliz que você tenha se
divertido às minhas custas, — eu disse entre
dentes.
— É justo.
— O que você quer dizer?
— Depois de todos esses momentos, que
você tentou me incitar.
— Eu nunca faço isso.
— Esquecendo propositadamente o decoro
da Legião, jogando coisas em uma briga…
— Ok, então talvez eu às vezes faça isso
para obter uma reação sua, — eu admiti. —
Mas principalmente faço isso porque é apenas
quem eu sou.
— Vestindo aquelas saias, — acrescentou.
— Quais?
— Você sabe quais, então não brinque
comigo. — Ele lançou um olhar longo e
lânguido pelo meu corpo e, embora eu
estivesse vestida com mangas e calças
compridas, de repente me senti muito nua. —
Os shorts tão curtos que não consigo deixar de
pensar no que você está vestindo por baixo
deles. Ou não usando nada debaixo deles.
Leda, não ande ao meu redor sem calcinha, se
espera que eu me comporte.
— Ah, eu não pensei que você tivesse
notado, — eu disse timidamente, apenas para
ele.
— Claro que eu notei. — Ele inalou
devagar, profundamente. — Você sabia que eu
faria. Você me tentou depois de me fazer
prometer ir devagar. Leda, não posso ir
devagar com você.
Minhas costas atingiram o batente da
porta.
— E depois tem esses tops que você veste.
Projetado para me tentar.
Ele abriu os botões da minha jaqueta.
— Oh, você quer dizer meu uniforme?
— Sim. Hmmm. — Tão macios quanto
uma pena de anjo, seus dedos deslizaram para
baixo da alça da minha blusa, provocando-a de
lado. — Quando essa missão terminar,
teremos um segundo encontro. Vamos jantar e
ter sobremesa, e depois eu a levarei ao meu
apartamento.
Sua boca mergulhou na minha garganta.
Ele puxou minha veia forte e latejante entre os
dentes e chupou. Um ruído áspero e
ininteligível passou pelos meus lábios.
— Você não quer ir devagar, — ele me
disse.
— Oh, é assim? — Eu respondi sem fôlego.
Seus lábios caíram com força nos meus,
devorando o interior com uma fome insaciável.
Era como beijar uma tempestade de raios.
— Leda.
A voz de Calli me trouxe de volta à Terra.
Eu me abaixei sob o braço de Nero.
— Encontrei o que você estava pedindo
três noites atrás, — disse Calli.
Três noites atrás? Levou alguns momentos
para minha cabeça clarear. E então eu
lembrei. Perguntei a Calli se ela sabia alguma
coisa sobre o meu passado.
— O que você achou? — Perguntei a ela.
O olhar de Calli disparou para Nero.
— Está tudo bem. Nós podemos confiar
nele.
— Ele é um anjo, — disse Calli.
— Um anjo que guardou nosso segredo,
mesmo da Legião. Um anjo que está me
treinando para que eu possa ganhar o poder
que preciso para encontrar Zane. Um anjo que
me ajudou a vislumbrar Zane para saber que
ele está seguro.
Calli suspirou. — Espero que você saiba o
que está fazendo, Leda.
Eu também.
— Julianna Mather era um pseudônimo,
— disse Calli. — O nome verdadeiro de sua
mãe adotiva era Aradia Redwood.
— Eu conheço esse nome, — disse Nero.
Olhei para ele surpresa. — Como?
— A major Redwood era um soldado da
Legião dos Anjos. Ela morreu em batalha há
cerca de vinte anos.
— Na época em que nasci.
Calli nos mostrou a fotografia de uma
mulher ruiva de uniforme da Legião.
Julianna... não, Aradia. Essa foi a mulher que
me criou até morrer.
— Por que ela estava escondendo sua
verdadeira magia? — Perguntei, não
direcionando a pergunta para ninguém em
particular. — E por que ela fingiu sua morte?
Por que ela estava me criando? Quem eram
meus pais?
— Eu não sei. Foi tudo o que pude
encontrar, — disse Calli.
— Obrigado.
— Cuidado, Leda, — disse ela, depois
subiu as escadas.
Ela não estava falando apenas de ser
cuidadosa nas planícies negras. Ela estava me
dizendo para ter cuidado com Nero. E ao olhar
para o meu passado.
Eu olhei para o meu relógio. — Vamos lá.
Nós corremos pelo túnel. Assim que
entramos na velha casa abandonada do outro
lado, a distração de Calli disparou. Soldados
paranormais passaram correndo pelas janelas
sujas, perseguindo a música alta tocando na
rua seguinte. Uma lata de lixo explodiu,
atraindo mais soldados. E isso foi apenas o
começo.
Uma mulher dançou nua no telhado do
Witch’s Watering Hole. Os soldados foram
muito rápidos em verificar essa perturbação.
Alguns quarteirões depois, um bêbado estava
gritando palavrões. Uma briga de rua fechou
um quarteirão inteiro. Uma gangue de
motociclistas dirigiu em frente ao muro,
cantando canções lascivas e jogando garrafas
vazias de líquido.
Alguém com um rabo de cavalo loiro pálido
correu em direção à parede. Ela viu os
soldados, voltou-se e fugiu. Eles morderam a
isca.
— Sua mãe com certeza sabe como criar
uma distração, — comentou Nero.
— Ela é profissional, — concordei.
Isso não foi uma distração; era toda uma
sinfonia de distrações. Com os soldados
distraídos e o resto da cidade em um estado de
caos, ninguém notou as duas sombras
correndo em direção à parede.
Subimos, mantendo-nos perto das pedras.
Os soldados em suas torres, por cima do muro,
observavam o portão, como se esperassem que
algo acontecesse ali. Eles não nos viram
deslizar pela beira do muro e descer o outro
lado.
Os alarmes soaram e a tela de alerta ficou
laranja. A magia deslizou pela parede,
envolvendo-a em uma luz dourada,
eletrificando qualquer coisa que a tocasse. Isso
me incluía. Soltei-me rapidamente, caindo o
resto do caminho no chão. Nero pousou ao meu
lado, também agachado. Os guardas ainda não
tinham nos visto. Destranquei o galpão e
desenrolei a motocicleta de Calli.
— Por que sua mãe mantém uma
motocicleta deste lado do muro? — Nero me
perguntou.
— É o plano de contingência dela, caso
precisemos fugir para as planícies negras e
desaparecer.
— Ela realmente planejou tudo. — Ele
pareceu impressionado.
— Agora vem a parte difícil, — eu disse. —
Como ligar o motor sem atrair a atenção dos
soldados.
— Olhe lá fora. — Ele apontou através das
planícies negras.
Um alerta laranja significava que
monstros foram vistos à distância. Eu os vi
agora, uma debandada de monstros parecidos
com búfalos.
Nero me puxou na motocicleta atrás dele.
— Precisamos direcionar os monstros para cá.
Quando eles estiverem à nossa volta, ligamos
a motocicleta. Os monstros são tão
barulhentos que os soldados não ouvirão o
motor ligar. E então seguimos com o rebanho
para as planícies.
— Como podemos fazer com que os
monstros nos cerquem?
— Nós os obrigamos.
— Isso funciona em monstros? —
Perguntei surpresa.
— Funciona muito bem em monstros.
— Eu nunca vi isso.
— Os monstros foram feitos por deuses e
demônios. Eles foram feitos para serem
controlados. Está embutido neles. A mente
deles é simples. — Ele explicou. — Há muito
tempo eles mudaram, evoluindo. Portanto,
agora não podemos controlá-los passivamente,
mas enquanto você estiver concentrado neles,
poderá controlar ativamente os movimentos
deles.
Legal. — Quantos deles por vez? —
Perguntei a ele.
— Depende. Juntos, acredito que podemos
controlar todos eles. Deveríamos ser capazes
de lidar com mudanças simples de direção
quando estiverem no modo de rebanho, como
agora, mas não tente fazê-las fazer nada
sofisticado. Temos que dirigir o rebanho como
se fosse um ser. Entende?
Eu dei-lhe um polegar para cima.
— Siga o meu comando. Vamos fazer isso
juntos, — disse Nero, seus olhos verdes
brilhando mais ainda, enquanto olhava
através das planícies para o rebanho que se
aproximava.
Eles mudaram de direção como uma onda
do oceano, indo em nossa direção. Estendi a
mão com minha magia, sentindo a mente
deles. Eles eram como uma mente, e eu podia
sentir Nero controlando essa mente. Engatei
minha carroça na magia dele, para que
pudéssemos trabalhar juntos, um elo
facilitado porque havíamos trocado sangue
recentemente.
Enquanto os animais nos cercavam, nos
envolvendo, Nero ligou a motocicleta. Fomos
embora dentro do rebanho. Os animais eram
tão grandes e tão próximos um do outro que eu
duvidava que alguém tivesse notado a gente se
escondendo na onda. E Nero dirigiu com força
para eles, seus reflexos surpreendentes,
reagindo a cada passo, rápido, mas nunca
espasmódico.
Juntos, Nero e eu compelimos o rebanho de
monstros, direcionando-os para onde ir.
Parecia um pouco engraçado, muito legal e
extremamente cansativo. Viajamos com os
animais até ficarmos fora da vista do muro,
depois os enviamos em outra direção,
liberando suas mentes quando viramos a
estrada em direção à Cidade Perdida.
Bocejei. Obrigar os monstros tinha um
preço.
— Durma, — disse Nero. — Eu te acordo
quando chegarmos às ruínas. Ou se monstros
atacarem.
— Tem certeza que posso?
— Faria você se sentir melhor se eu fizesse
um pedido?
— Nah, eu provavelmente desobedecerei.
— Às vezes acho que você está apenas
tentando me incitar.
— Se eu quisesse te incitar, anjo, eu não
estaria usando calcinha agora.
Nero resmungou. — Vá dormir, Pandora,
portadora de caos.
Eu sorri contra suas costas. — Você não
vai me deixar cair?
Senti uma pressão suave envolver-me,
segurando-me nas costas dele. — Eu entendi.
E não vou deixar você cair.
15
O Portal
Eu dormi mais profundamente do que
pensei que poderia na traseira de uma
motocicleta. Não acordei até que paramos na
periferia da Cidade Perdida. Nero me
informou que nenhum monstro havia nos
atacado pelo caminho. Acho que não
parecíamos alvos saborosos.
— Eu me pergunto quem eram meus pais,
— falei, enquanto segurávamos a motocicleta,
escondendo-a da vista. A última coisa que
precisávamos era de uma patrulha
intrometida encontrar nossa carona e voltar
para o coronel Windstriker.
— Eles também estavam na Legião? Eles
conheciam Aradia? Eles estão realmente
mortos ou Aradia me tirou deles? Eu tenho
muitas perguntas. — Eu teria que procurar
nos registros da Legião quando voltarmos para
Nova York. Talvez houvesse algo no arquivo de
Aradia que pudesse esclarecer tudo isso.
— Algumas de suas respostas podem estar
mais próximas do que você pensa. — Nero
bateu o dedo na minha testa. — Há
lembranças dentro de você, lembranças que
não são suas.
— Como eu as consegui?
— Eu acho que alguém as enterrou lá. Não
é por acaso que elas estão saindo agora. Eu
acredito que foram desencadeadas pelo néctar,
por suas habilidades crescentes, sua magia
crescente. Se eu estiver certo, à medida que
seu poder cresce, mais lembranças surgirão.
— E de quem são as memórias?
— Você tinha lembranças desta cidade.
— Sim. Da batalha final aqui. O que
aconteceu há mais de duzentos anos atrás.
Como elas poderiam estar ligados aos meus
pais?
— Memórias de uma pessoa ou de muitas?
— Nero perguntou.
Pensei sobre isso, examinando o que eu
lembrava dos flashes. — Mais de uma pessoa,
mas todas estão confusas. E eu não posso
controlá-las. Eles simplesmente vêm ao acaso.
— Você precisa de mais disciplina.
— Este não é o momento para uma
palestra.
— Não é uma palestra. É uma oferta de
ajuda. Deixe-me ajudá-la. Ele colocou as mãos
nas minhas bochechas. — Trocamos sangue
hoje à noite, Leda. Estamos ligados. Posso te
ajudar.
— Como?
— Assim como a última vez em que eu
ajudei você a ver seu irmão. Feche os olhos, —
ele me instruiu. — Existe alguém que você vê
com mais frequência do que os outros em suas
visões?
— Sim, um anjo chamado Sierra.
— Concentre-se nela.
Imaginei o anjo ruivo com as asas de prata.
— Ela tinha as relíquias?
— Sim, — eu disse a ele.
— Imagine-as também.
A armadura dela também era prateada.
Eu pude vê-la brilhando à luz da lua. Ela
segurava uma espada flamejante. Mas não era
como outras espadas de fogo. Sua chama não
era laranja; era azul.
— Bom, — disse Nero. — Eu posso ver isso
em sua mente. Agora siga Sierra para o
tesouro.
Imagens passaram, lampejos de
lembranças. Mais rápido e mais rápido em
voltas vertiginosas e giratórias - e então tudo
parou.
Sierra desceu a cidade subterrânea, mas
não estava embaixo da terra naquele
momento. O luar derreteu com as luzes da
cidade, banhando as ruas com um brilho quase
etéreo. Sierra parou em frente à pequena casa
e tocou o símbolo do anjo. A parede mudou, a
porta se abriu.
A memória desapareceu e eu me vi de
bruços na terra. Eu me levantei e
imediatamente comecei a andar, tentando
entender o que eu tinha acabado de ver e
entender o sentido.
— Sierra tocou o símbolo do anjo, e ele
acabou de abrir. Mas como? Como ela fez isso?
Qual é o truque?
— Recite a linha para mim.
— 'Pois durante a meia-noite o sol e a lua
brilharão, e um novo herói surgirá, sua mente
revelando os segredos internos'.
— É uma metáfora, — disse Nero. — Não
se trata do sol e da lua. É sobre uma pessoa.
Alguém que encarna o equilíbrio das trevas e
da luz. Alguém como você.
— O símbolo do anjo estava pulsando.
Claro e escuro, — lembrei. — No meu sonho,
Sierra falou em herdar o destino de outra
pessoa, e o portal só se abre para alguém que
personifica a luz e as trevas. Sierra não foi a
primeira detentora das armas do céu e do
inferno. Gostaria de saber quantos detentores
houve? E onde eles estão agora?
— Acredito que estou vendo uma agora.
— Eu não sei, Nero. Sierra era tão...
poderosa. Eu sou apenas uma versão diluída.
Você provavelmente tem uma chance melhor
de abrir esse portal do que eu.
— Tenho escuridão e luz em mim, Leda,
mas elas não estão em equilíbrio. Elas estão
em conflito.
— E isso faz diferença?
— Mais do que quão mágica você é, eu
acredito. — Ele tocou meu rosto. — Você
sobreviveu a Venom misturado com Néctar. Se
isso não prova o seu equilíbrio luz-escuridão,
não sei o que é, — ele disse. — Além disso, eu
testei você.
— Me testou? Quando?
— Com os animais. O que eu disse não era
completamente verdade. Nem todos os
soldados da Legião do terceiro nível podem
compelir os animais. De fato, até hoje, eu
pensei que era a única pessoa que poderia
fazer isso, — disse ele. — Veja, os monstros
vieram de deuses e demônios. Alguns eram
animais de luz, e outros eram animais de
trevas. Mas isso mudou rapidamente. Eles
criaram um com o outro. Isso enfraqueceu o
controle dos deuses e demônios sobre eles.
Lentamente, seu domínio sobre os animais
desapareceu, até algumas gerações depois,
desapareceu.
— Porque os monstros agora são de magia
mista. De luz e escuridão, — deduzi.
— Deuses e demônios são apenas dois
lados da mesma moeda. E o mesmo acontece
com os monstros deles.
— Como você sabe tudo isso? — Perguntei
a ele. — Não parece algo que a Legião diria a
seus soldados.
— Não, claro que não. Eles chamariam o
que eu acabei de dizer de blasfêmia. Os deuses
se recusam a aceitar que eles e os demônios
são iguais. Foi minha mãe quem me contou a
verdade do que aconteceu, de como os deuses e
demônios perderam o controle dos animais.
Nero continuou: — Os humanos são como
deuses e demônios, como monstros. Nossa
magia pode ser luz ou escuridão. Mas,
diferentemente dos monstros, não existem
muitos de nós que possuem tanto magia da
escuridão quanto da luz em grandes
quantidades.
— Mas você tem, — eu disse.
— Porque sou filho de dois anjos, um da luz
e outro que se voltou para as trevas. É uma
combinação explosiva. — Ele colocou a mão na
minha bochecha. — Mas não em você. Em
você, a luz e a escuridão estão equilibradas. Eu
controlava os monstros com força bruta. Você
os controlava apenas por ser. O néctar trouxe
sua magia luz. E o Venom agora está trazendo
à tona sua magia da escuridão.
— Todos os monstros podem ser
controlados?
— De jeito nenhum. Além disso, não
funciona após o início da batalha. Eles
precisam ficar calmos. E é melhor se for um
rebanho, aqueles que seguem por instinto.
Predadores de primeira linha são quase
impossíveis de controlar. Pratique esse poder,
mas não dependa dessa capacidade para salvá-
la em uma luta.
— Está bem. Não vou.
— E não conte a ninguém que você tem o
poder de controlar monstros. É um presente
perigoso. Se os deuses ou demônios acharem
que têm alguma chance de recuperar o
controle sobre os monstros, não irão hesitar
em fazer o que puderem para que isso
aconteça.
O que provavelmente envolveria
experimentar, drogar e torturar-nos. Não
obrigado
Nero virou-se para a cidade perdida. —
Ok, vamos para a cidade.

Eu me senti como uma ladra na noite


esgueirando-se pela cidade, evitando
patrulhas da Legião. Mas pelo menos eu não
estava sozinha na minha delinquência.
— Estou feliz que você esteja aqui, — disse
a Nero. — Não importa o que Nyx pense,
fazemos uma boa equipe.
— Ela sabe que somos um ótimo time. Ela
só queria nos separar por um tempo para que
eu pudesse clarear minha cabeça.
Obviamente, não funcionou.
— Se eu fosse Nyx, provavelmente
também nos separaria, — admiti. — Sou uma
má influência sobre você. Veja o que está
acontecendo aqui. Você está quebrando regras
por minha causa.
— Não é isso que está acontecendo aqui.
Eu não estou quebrando nenhuma regra. E
você também não, — ele me disse.
— É? — Meus lábios se curvaram. — Como
você acha isso?
— Estou aqui para rastrear uma arma das
trevas, a missão que Nyx me deu. Nosso
encontro é pura coincidência. Você veio aqui
porque descobriu a verdade de que as relíquias
são do céu e do inferno, e ficou intrigada sobre
como abrir a porta. Você estava preocupada
que alguém estivesse tentando impedir que
você salvasse as relíquias, alguém de dentro
que a envenenou. Temendo por sua vida, sem
saber em quem confiar, você veio aqui em
segredo para salvar as relíquias de cair nas
mãos de alguém que as usaria para um grande
mal.
— Bela história, — eu disse a ele.
Ele inclinou a cabeça.
— Então, você realmente acha que alguém
vai comprar esse monte de besteira?
— Você precisa acreditar quando conta a
história, — ele me disse. — Você tem que
vender. Ela tem o terceiro presente dos deuses,
O Canto da Sereia, o poder de persuadir, de
fazer os outros acreditarem. E, além disso,
você já era uma sereia de qualquer maneira.
— Ele estava olhando para mim como se eu
fosse a morte dele ainda.
— Ok, convincente. Sério. Eu posso fazer
isso.
— Você pratica sua história. Vou explorar
a frente e garantir que o caminho esteja livre.
Com isso dito, Nero me deixou sozinha com
meus pensamentos. E minha cabeça estava
explodindo com eles agora. À medida que os
minutos passavam, pensei em Nero, no meu
passado, na minha magia e em como tudo não
se encaixava porque estava faltando muitas
peças. Tudo o que eu sabia - e de certa forma
estava certa disso - era que tudo o que
acontecia estava ligado. O anjo desonesto, as
relíquias do céu e do inferno, eu sendo
envenenada, meu passado, essas lembranças,
meu equilíbrio luz-escuridão: tudo fazia parte
da mesma imagem. Mas como tudo estava
conectado? O que isso significa?
Um homem alto, com cabelos escuros e
espetados e olhos azuis pálidos veio correndo
pela rua, e estava indo direto para o meu
esconderijo. Eu não reconheci o rosto dele.
Talvez ele fosse da Legião, mas por que ele não
estava vestindo um uniforme da Legião?
Me agachei mais abaixo. Eu poderia jurar
que ele olhou diretamente para mim. Isso era
ruim. Muito ruim. Se ele não era da Legião,
provavelmente era o ladrão que roubaria os
tesouros da Cidade Perdida. Ele me via como
competição e eu ia atacar antes que os homens
do coronel Fireswift se aproximassem de nós.
Eu teria que atacar primeiro e derrubá-lo
antes que ele pudesse revidar. Eu peguei
minha arma.
Mas hesitei. Havia algo nele, algo familiar.
O cheiro dele. Sim, era isso. O cheiro dele. Seu
perfume era o perfume de Nero. No momento
em que fiz a conexão, o rosto do homem ficou
embaçado, um soluço visual percorreu sua pele
antes que o feitiço se desfizesse.
— Nero? — Sussurrei.
Ele se agachou ao meu lado atrás do
caminhão velho e enferrujado. — Como você
sabia? Como você viu esse feitiço?
— Eu não tenho certeza exatamente. —
Peguei sua mão na minha, levantando-a no
meu nariz. — Tinha algo a ver com o seu
perfume. Isso me lembrou do seu sangue e o
quanto eu o desejo. Como isso me chama.
Como meu pulso sincroniza com o seu sempre
que você está por perto.
Ele afastou o cabelo do meu rosto. — Essa
é a coisa mais linda que alguém já me disse.
Peguei sua mão enquanto escovava meu
cabelo. — Quando eu reconheci seu perfume,
seu rosto ficou borrado por um momento. —
Era tão estranho ver alguém com o rosto de um
estranho me tocando assim. — Como você está
fazendo isso?
— Está mudando a magia, — ele me disse.
— Glamour, um ramo da mudança. É uma
mudança mental, não física.
— Significando que você realmente não
mudou sua aparência? Você está projetando
isso ou algo na minha mente?
— Isso.
— Outros poderão ver através do glamour?
— Perguntei.
— Depende de quão forte é a sua magia.
De perto, outros anjos e soldados de alto nível
da Legião poderão ver através dela. De longe,
deveria enganar a maioria das pessoas. Se
mantivermos distância, nossos disfarces se
manterão. Deveríamos ser capazes de passar
por eles.
— Nossos disfarces?
Ele sacou a espada, me mostrando meu
reflexo. Um rosto desconhecido me encarava,
uma mulher com cabelos negros como
obsidiana e pele escura tão suave quanto o
mel. Enruguei meus lábios carnudos e
vermelhos e me mandei um beijo.
— Você não poderia ter me feito mais alta?
Ou me dar peitos maiores? — Eu o provoquei.
— Alterar dimensões maiores é
complicado.
Suspirei. — Que pena. — Olhei para o meu
novo rosto na espada. Mesmo sabendo que era
falso, tive dificuldade para ver através do meu
próprio glamour.
— Por que não consigo enxergar isso,
sabendo que é falso? Se isso é um feitiço
mental, esse conhecimento não deveria ser
suficiente? Por que tenho que apertar os olhos
e me concentrar muito para enxergar através
dele?
— Porque eu sou um anjo com magia de
alto nível.
— Achei que a modéstia era uma virtude,
— provoquei.
— Não em anjos.
Eu ri.
— Sua capacidade de ver através dos
glamoures aumentará com a prática e à
medida que você aumenta sua magia. Por
enquanto, deve saber que nem todos são o que
parecem. Portanto, sempre verifique se
alguém é quem eles são antes de revelar
segredos. Mesmo se você me ver, pode não ser
eu.
— As coisas eram muito mais simples
quando as pessoas tinham apenas um rosto.
— Temos muitos rostos, Leda.
O coronel Fireswift tinha pelo menos uma
dúzia - todos cruéis.
Nós escapamos pelas ruínas da cidade,
evitando equipes da Legião. Evitar o coronel
Fireswift acima de tudo. Nero disse que seu
disfarce provavelmente não funcionaria contra
ele, nem mesmo à distância.
— Há quanto tempo você o conhece? —
Perguntei.
— Estávamos no mesmo grupo de iniciação
duzentos anos atrás. Entramos juntos na
Legião, nós dois pirralhos da Legião, ambos
apostando alto.
— Então ele viu você como sua maior
competição?
— Ele ainda vê. — Nero me puxou para um
prédio, enquanto passava uma patrulha. —
Você precisa ter cuidado com ele. Ele não
chegou a ser um anjo, mas apenas um bruto
burro. Ele sabe jogar o jogo. Ele encontrará
suas fraquezas e as explorará. E você facilita
isso. Seus inimigos podem ver tudo porque
você demonstra. Eles vão usá-la contra você,
incluindo o filho de Fireswift, seu amigo. Tudo
o que você compartilhar com ele, ele usará
contra você quando for necessário, quando for
uma escolha entre você e ele próprio. Eu já vi
isso antes. O pai dele fez o mesmo comigo.
— Jace não é seu pai, nem ele quer ser. E
é isso que realmente importa no final. Tenho
fé que ele encontrará o caminho certo.
— Você não pode salvar todos.
— Não, mas acho que sei quem pode ser
salvo. — Eu sorri para ele.
Saímos do prédio, continuando em direção
à entrada dos níveis subterrâneos.
— Você quer dizer eu, — disse Nero. —
Você acha que eu posso ser salvo.
— Desde o momento em que você entrou
naquele quarto dos fundos, segurando meu
pedido de Legião, eu sabia que era um anjo que
estava gritando para alguém matar aquele
inseto na bunda dele.
— E você se imaginou apta ao trabalho?
— Claro. Eu me destaquei por causas
perdidas. Você já é muito mais agradável do
que costumava ser. Se ao menos você parasse
de me dar flexões.
— Flexões constroem músculos e caráter,
— disse ele com seriedade.
— Sou bastante forte e acho que podemos
concordar que tenho caráter mais do que
suficiente para dar a volta.
Diminuímos a velocidade, ficando em
silêncio enquanto nos agachamos e olhamos
para as pilhas de pedras que cobriam a rua
daqui até a entrada da cidade subterrânea.
Cada pedaço de terra que não era ocupado por
pedras era ocupado por soldados da Legião
movendo pedras, com mãos ou magia. Havia
muitos deles. Nós nunca seríamos capazes de
passar despercebidos, não sem uma distração
considerável.
A Cidade Perdida foi entregue, como se
tivesse ouvido minha oração. Monstros
parecidos com lobos corriam pela cidade em
ruínas, inundando as ruas, cercando o edifício.
Os soldados da Legião pararam de mover
pedras e se viraram para lutar contra os
monstros. Até o coronel Fireswift se afastou do
local ao lado do buraco crescente para atacar o
enxame de monstros.
Com os soldados da Legião ocupados, Nero
e eu nos escondemos atrás deles e pulamos
sem ser vistos no buraco. Corremos pelas ruas
e túneis ainda não completamente limpos de
escombros. Todo o lugar parecia tão estável
quanto uma casa de papel de seda e podia
ceder a qualquer momento.
Chegamos à casinha. Toquei a marca
pulsante do anjo. Assim como na minha visão,
a parede se abriu para revelar o portão. Ondas
quentes de magia ondularam pela minha pele,
me puxando para frente.
A magia bateu em mim por trás, me
arremessando pela abertura. Caí em uma poça
de moedas de ouro. Nero atirou sobre minha
cabeça e bateu na parede dos fundos. Ele
pulou, a magia explodindo fora dele. A onda
telecinética disparou em direção a uma figura
encapuzada, mas se dissipou antes de chegar
lá, absorvida pela cúpula de magia que surgira
para protegê-lo. Nero ficou congelado, como se
não pudesse acreditar em seus olhos, como se
nunca tivesse visto algo assim antes.
Aquele momento de surpresa lhe custou. A
explosão telecinética do anjo encapuzado era
maior que a de Nero. Ele golpeou Nero,
jogando-o contra uma coluna de pedra com
tanta força que a coluna quebrou. O teto
desabou em cima dele.
Corri em direção à cachoeira rochosa que
enterrou Nero. Eu podia senti-lo lá, sendo
lentamente esmagado sob o peso. O pânico
aumentou em mim. Eu tinha que tirá-lo.
— Leda, — uma voz fria mordeu minha
pele, me arrepiando até os ossos. — Eu estive
esperando por você por duzentos anos.
Aquela mão fantasmagoricamente fria e
mágica se fechou em volta da minha garganta,
apertando. Algo duro bateu no lado da minha
cabeça, e o mundo ficou preto.
16
Anjo desonesto
Acordei com um gotejamento lento e
constante na minha cabeça. Água? Sangue?
Tudo estava embaçado. Eu pisquei tentando
clarear minha visão. Meu corpo todo doía,
especialmente minha cabeça. Alguém me
bateu forte lá. Meu equilíbrio estava péssimo.
A doença agitou meu estômago e senti frio.
Minha pele tremia contra o hálito gelado das
pedras em que eu estava deitada. Essas
roupas finas definitivamente não eram
adequadas para a escuridão fria dessas ruínas
subterrâneas.
Olhei em volta, mas mal conseguia me
concentrar por trás da onda latejante do meu
ferimento na cabeça. Tudo parecia distorcido,
como se o chão estivesse se movendo,
tombando como um barco preso em uma
tempestade. Sentar me fez querer vomitar.
Eu não estava sozinha. O anjo estava lá,
falando com dois homens. Ele estava vestindo
um terno de couro marrom escuro. Ele usava
uma espada, um arco e duas armas - o que era
mais do que um pouco exagerado,
especialmente considerando os feitiços que ele
lançava e seu tamanho enorme. O capuz
estava caído, revelando um rosto emoldurado
por cabelos escuros bagunçados. A sombra de
uma barba cobria seu rosto, apenas o
suficiente para fazê-lo parecer áspero. Eu
reconheci o anjo desonesto da foto, o anjo
recentemente caído.
— Osiris Wardbreaker, — falei, minha voz
rouca. — Estamos procurando por você.
Um sorriso curvou seus lábios. — E eu
estive procurando por você, que pode abrir a
porta. — Ele levantou a mão e as luzes
brilharam através da câmara.
Pisquei, protegendo meus olhos contra o
brilho ofuscante do tesouro. Ele estava em todo
lugar - brilhando, brilhando, brilhando. Ouro.
Tapeçarias. Armas. Armaduras. Urnas. Joias.
Caixas de tesouro. Era como o sonho de um
pirata. Este tesouro deve ter valido milhões.
— Se eu soubesse que você estava vindo,
eu teria batido a porta na sua cara, — eu disse
ao anjo.
Osíris riu e olhou para os dois homens. —
Ela é atrevida, não é?
— Apenas pegue o que precisamos dela, —
disse um deles, rispidamente.
Parecia que o equilíbrio de poder não era o
que eu pensava. Esse anjo estava trabalhando
com eles? Ou para eles? Eles com certeza não
eram seus homens, e não apenas isso, eles nem
tinham medo dele. Qual era o problema deles?
Até eu tive o senso de ter medo dele.
— Tudo a seu tempo, — disse o anjo.
Ele parecia relaxado, sem pressa. A
imortalidade, e sendo um dos anjos mais
antigos do mundo, devia fazer isso com você.
Ele era confortavelmente confiante, como se
sempre conseguisse o que queria.
— Vamos obter resultados, — assegurou
aos homens. — E você vai nos ajudar, não é
querida? — Sua mão pegou meu rosto,
apertando minha mandíbula da mesma
maneira que o Coronel Fireswift havia feito.
As relíquias do céu e do inferno eram
perigosas demais para estar nas mãos de um
anjo poderoso e corrupto como este. Eu estava
quase engasgando com a escuridão pingando
dele. Eu tinha que fugir daqui. Tinha que
parar esses demônios.
Devo ter murmurado um pouco disso em
voz alta porque Osíris riu e disse: — Você
precisa se preocupar em ajudar a si mesma.
Percebi que estava acorrentada ao chão.
As correntes eram longas o suficiente para que
eu pudesse suportar, mas não iria longe. E
então havia a pequena questão da colisão
muito grande na minha cabeça. Eu ainda não
conseguia focar meus olhos corretamente.
Eu olhei, me encarando ,no espelho na
parede. Meu glamour desapareceu. Ela
parecia comigo de novo, embora uma versão
realmente horrível de mim mesma. Talvez
fosse uma coisa boa que eu não pudesse ver
bem o suficiente. A mancha carmesim na
minha cabeça parecia ruim o suficiente com a
visão embaçada. Eu não precisava vê-la em
detalhes nítidos.
Se eu tivesse meu próprio rosto de volta,
isso significava que Nero não podia mais
manter o feitiço. Espero que ele esteja bem. Eu
ainda podia senti-lo. Em algum lugar. O
sentimento era desfocado, abafado. Ele ainda
estava inconsciente? Gostaria de saber quanto
tempo eu estive fora.
— Seu anjo não virá atrás de você, — ele
me disse com uma voz cruel.
Eu estava tonta e um pouco delirante, mas
definitivamente não tinha falado dessa vez. O
que significava que ele estava lendo minha
mente. A leitura da mente, que era apenas um
pouco irritante quando Nero fazia isso, estava
prestes a ficar muito problemática.
Eu tentei colocar uma barreira mental. Eu
sabia que tinha buracos do tamanho da cidade
de Nova York, mas era o melhor que eu podia
fazer agora. Minha dor de cabeça estava
atingindo proporções épicas.
— Então eu irei buscar Nero, — eu disse
ao anjo desafiadoramente.
Ele riu. — Você poderia?
— Sim. Logo depois que eu chutar sua
bunda.
O anjo riu novamente. Aparentemente, eu
era realmente engraçada.
— Estou falando sério, — eu disse a ele,
encarando-o.
— Oh, eu sei que você está, querida. Mas
você vai me perdoar se eu não entrar em
pânico. Estou bastante ocupado no momento.
E você também. Preciso da sua ajuda para nos
levar ao Tesouro.
Eu olhei para a pilha considerável de ouro
ao lado dele. — Você já está dentro.
Meus olhos passaram pelo ouro, agarrando
a pilha de pedras. Meu estômago deu um nó.
Nero foi enterrado sob tudo isso. Eu não vi a
saída da casa, então o portão deve ter fechado.
Havia duzentos soldados da Legião na cidade,
mas eles nem sabiam que Nero e eu estávamos
aqui. E mesmo que soubessem, eles não
poderiam entrar nesta câmara. Só eu poderia
abrir o portal. Meu coração disparou com
esperança. Isso significava que um anjo
desonesto e seus aliados não poderiam me
matar, não se eles quisessem sair daqui
novamente. Essa esperança morreu assim que
chegou. Um olhar nos olhos frios do anjo me
lembrou que o destino é muito pior que a morte
- e que ele estava intimamente consciente de
todos eles.
— Nós não estamos no verdadeiro Tesouro.
Este é apenas o vestíbulo. Essas bugigangas
inúteis não são o verdadeiro tesouro. Ele deu
uma onda de desprezo ao ouro e às gemas. —
As coisas valiosas reais estão além disso.
Suas mãos apertaram minha garganta e
ele me levantou como se eu não pesasse nada.
Ele me arrastou até a porta com moldura de
ouro, minhas correntes estavam presas no
chão. O portal fora selado por um único
símbolo de anjo. Uma grade de trinta símbolos
distintos estava gravada nessa porta.
— Abra,— disse Osíris, sua voz estalando
com um forte golpe do comando.
Eu tentei esconder minhas mãos atrás das
costas.
— Colocar as mãos na porta é a primeira
coisa que tentamos, — disse ele, com a voz
quase entediada. — Não deu certo. Seu sangue
também não funcionou. Acho que é uma porta
que requer um feitiço.
— Então faça isso, — rosnei. — Você é um
anjo. Tenho certeza que pode descobrir isso.
Você conhece muitos feitiços.
— Oh, mas eu não posso fazer esse feitiço.
Somente um filho da escuridão e da luz pode.
Você.
Ela olhou para a porta. — Eu não sei como
abri-la.
Ele bateu o dedo na minha testa. — Está
dentro de você, essa memória. Apenas
esperando para ser desbloqueada. E eu vou
ajudá-la a lembrar.
Magia negra brilhou nas mãos do anjo,
mas foi o abismo desumano de seus olhos
escuros que me gelou profundamente.
17
Memória
Eu não podia acreditar na minha sorte
quando minhas correntes se abriram, sentindo
minhas mãos e pernas. Enquanto eu recuava
devagar, sem saber para onde estava indo,
mas feliz por poder ir a algum lugar.
— Wardbreaker, o que você está fazendo?
— um dos homens protestou. — Isso não é um
jogo.
Foi então que minha mente enevoada se
deteve ao perceber que o anjo tinha sido o
único a abrir minhas correntes. O
companheiro dele estava errado. Este era um
jogo, aquele jogo mental mortal que os anjos
jogavam.
— Eu sei o que estou fazendo, — declarou
Osíris. — Se você quer resultados, deixe-me
trabalhar.
Os homens resmungaram, mas deixaram
a câmara para descer por um túnel estreito.
Para onde isso levava? Provavelmente em
nenhum lugar útil, eu temia. As únicas portas
pelas quais o anjo parecia se importar eram a
porta de entrada para o lado de fora, agora
enterrada na rocha, e a porta com moldura de
ouro que levava ao verdadeiro tesouro. As
armas do céu e do inferno.
Percebi que, embora estivesse solta, agora
estava em perigo ainda maior do que quando
fui presa à parede. Eu desviei o olhar da
escuridão do anjo, inflexível, tentando
encontrar uma saída, mas não havia
nenhuma. O anjo estava na porta do túnel
bloqueado. Não havia como entrar ou sair
desse pesadelo. Talvez - apenas talvez - eu
pudesse chegar a Nero, mas Osíris me
alcançaria muito antes que eu pudesse
desenterrá-lo. Eu não tinha poderes
telecinéticos, e não era tão forte, não era forte
o suficiente para mover pedras. E agora eu mal
conseguia levantar minha própria cabeça,
muito menos uma pilha de pedras. Eu não
conseguia ver direito, não conseguia andar
direito.
Osíris me observou com calma, paciência,
aquele ar confiante de que ele acabaria
conseguindo exatamente o que queria. Eu não
seria capaz de frustrá-lo, torná-lo emotivo. Ele
estava claramente preparado para o longo
jogo.
Então o que eu poderia fazer? Ele era um
anjo poderoso, mais poderoso que até Nero. Eu
já tinha visto o poder dele. Eu não conseguia
nem derrotar Nero, então como eu teria
alguma chance de derrotar esse anjo original,
endurecido por séculos de treinamento e
matança. Ele era mais rápido, mais forte e
mais poderoso do que eu. Eu não faria um
movimento que ele não veria.
Ou não? Talvez eu não pudesse vencer da
maneira que os soldados da Legião lutavam,
mas eu não era como eles. Eu não era
disciplinada. Eu era caótica, áspera, suja. Não
civilizada. E talvez isso fosse imprevisível,
exatamente o que eu precisava para pegar o
anjo bem treinado desprevenido. Era um tiro
no escuro, mas era minha única esperança.
— Por que você deixou a Legião? —
Perguntei.
— Nós não estamos aqui para me
questionar. Estamos aqui para questionar
você. E o que tem em sua cabeça.
— Não tenho nada na minha cabeça, —
brinquei.
Ele riu. — Eu peguei vislumbres daquelas
memórias, daquelas visões que você tem medo
de falar. Ver as coisas não te deixa louca, Leda.
Te faz especial. Você pode me ajudar a salvar
o mundo, salvar inúmeras vidas, impedir uma
guerra que destruiria o mundo.
— Ao lhe dar uma arma que o tornará
invencível, que lhe dará o poder de matar
anjos. Matar milhares. Ou até milhões. Você
pegará para si ou para seus mestres
demoníacos?
— Há tanta coisa que você não entende,
Leda. Os deuses não são os salvadores do
mundo. Eles foram os que trouxeram essa
destruição sobre nós.
— Eu sei o que aconteceu. Sei que deuses
e demônios libertaram os monstros e
perderam o controle deles.
— E ainda assim você serve a esses deuses
falsos. — Ele olhou para mim como se pudesse
perfurar o âmago da minha alma. — Você
precisa de algo deles.
Tranquei minha mente.
— Néctar. Poder. — Ele riu. — Você não
parece do tipo, mas sempre se resume ao
poder, não é?
— Você não sabe nada sobre mim.
— Eu sei o que vi em sua mente
deliciosamente maníaca. Até você me
bloquear. Impressionante. É preciso muita
força mental para fazer isso.
— Força mental é apenas mais uma
palavra para teimosia, e eu tenho teimosia de
sobra.— Sorri para ele.
— Não vai durar, você sabe.
— Eu posso te bloquear. — Eu tentei fazer
minhas palavras soarem firmes, mas elas
soaram fracas nos meus ouvidos. Minha
cabeça parecia estar se abrindo do fardo de
estar viva.
— Eu não estava falando sobre me
bloquear, — disse ele. — Eu quis dizer sua lua
de mel com a Legião. Você desejará nunca ter
se juntado às fileiras deles, nunca ter se
juntado aos deuses.
Não deixei de registrar a ameaça
associada ao tom agradável de sua voz. Ele ia
me torturar. Agradável.
— Me ameaçar não vai me convencer a
ajudá-lo, — retruquei.
— Não foi uma ameaça. Isso é a verdade.
Pessoas como você não podem ser felizes na
Legião. Você não se encaixa lá.
— Essa é a parte em que você confessa
para mim como nunca se sentiu que se
encaixava? A parte em que você diz como
somos realmente parecidos? Corte essa merda
e me poupe de suas mentiras. Você é um anjo.
Você conseguiu se encaixar bem o suficiente,
eu diria. Talvez muito bem. O que aconteceu?
Fiou inquieto? Você queria mais poder, mais
magia. Mais do que eles te dariam?
— Eu disse que não estamos aqui para
falar de mim. Estamos aqui para falar sobre
você. O que você pode fazer por mim. E o que
eu posso fazer por você.
— Não tenho nada para você. Não quero
nada de você.
Ele soltou um suspiro resignado. — Não
achei que você gostaria de fazer isso da
maneira mais fácil.
— Com os anjos, não há maneira fácil.
Ele riu. — De fato.
Eu nem o vi se mover. Um momento eu
estava falando com ele e no outro eu estava
batendo forte no chão. Telecinese. Se eu
pudesse bloquear esse poder como eu poderia
ler sua mente. Eu me levantei grogue. Ele
poderia ter me atingido vinte vezes no tempo
que levei para me levantar, mas ele estava
apenas me observando. Ele provavelmente era
alguém que gostava de extrair sua
brutalidade, torturando suas vítimas. Foi o
que Jace disse sobre ele. Osiris Wardbreaker.
Osíris, o coração negro.
Dei um tapinha no meu corpo, surpreso ao
descobrir que tinha todas as minhas armas e
poções. Ele realmente era arrogante. Achava
que eu não era uma ameaça. Talvez ele
estivesse certo. Talvez eu não fosse uma
ameaça. Mas às vezes você não precisava ser
uma ameaça. Às vezes, ser um aborrecimento
era o suficiente. Ele não seria o primeiro a me
subestimar. Eu estava acostumada.
Ele assistiu divertido enquanto eu
retirava algumas poções das bolsas do meu
cinto, misturando-as. Joguei-as, espalhando-
os por todo o baú atrás dele. A tampa se abriu.
Moedas de ouro, joias e coisas dispararam
como um gêiser, chovendo sobre ele.
Ele me deu um olhar entediado. — Bonito,
mas ineficaz.
Atrás dele, a arca estava ficando maior,
graças ao feitiço crescente que eu colocara
nele. Ele estava muito ocupado me julgando
para perceber.
Joguei outra poção. Uma corrente de ar o
atingiu, um feitiço de vento. Ele ficou lá, os
cabelos ondulando ao vento, os pés plantados
firmemente no chão. Ele não deslizou um
centímetro.
— Você terá que fazer melhor do que isso,
— ele me disse.
O feitiço do vento bateu no grande baú
vazio atrás dele, jogando-o no ar. Ele caiu
sobre ele, prendendo-o embaixo. Polvilhei uma
poção pegajosa na caixa, selando-a no chão. E
nem um segundo cedo demais. A caixa estava
tremendo, como se estivesse tentando jogá-lo
para fora.
Mas ele não podia fazer isso agora. Mesmo
um anjo não era forte o suficiente para quebrar
esse selo. A cola se movia com você,
absorvendo a força de seus movimentos,
usando-os para alimentar o feitiço pegajoso.
Todo esse estudo de poções estava sendo útil.
Agora, se eu pudesse descobrir como contornar
essa caixa grande e sair daqui.
A caixa explodiu no meu caminho,
fragmentos de madeira voando por toda parte.
Ela rompeu. Eu fiquei boquiaberta quando vi
que o fundo da caixa ainda estava colado no
chão. A cola segurava, mas não o resto da
caixa.
— Truque mágico bonito, mas o tempo
para os jogos acabou, — ele me disse.
Ele girou um feitiço de ar como um laço,
envolvendo-o em volta de mim. Uma faixa de
ar frio prendeu meus braços. Eu não conseguia
nem mexer meu dedo mindinho. O fogo
banhou as cordas mágicas, acendendo o feitiço
do ar. Enquanto queimava através da minha
pele, gritei de agonia. Osíris passou a mão pelo
meu rosto, me batendo com força. A dor
floresceu sob minha pele crua, cortada pelo
vento e empolada.
O tempo se esvaiu. O feitiço de Osíris se
apertou com mais força, sugando o ar dos meus
pulmões. Delirante, comecei a ver coisas,
coisas que não estavam lá.
Um anjo ruivo vestindo a armadura de
prata. Ela levantou o escudo. Ela cortou com a
espada, esquentando o braço. Em vez de ar,
sua lâmina encontrou carne. Um monstro,
atraído para a cidade pela natureza. Ele rugiu
para ela. Ela cortou seu corpo, terminando
rapidamente. Não era o inimigo. O inimigo
estava mais adiante. Eles invadiram sua
cidade.
Os gritos e chamados do campo de batalha
derreteram em mim, misturando-se dentro da
minha mente, me puxando para baixo.
Saí da memória e descobri que estava
lutando contra Osíris novamente. Ou isso
ainda estava lutando contra ele? O tempo
sagrava aqui também. Eu não sabia o que era
pior: a memória que sempre teve o mesmo fim
inevitável, repetindo várias vezes - ou a
verdadeira tortura agora, rasgando meu corpo
com uma dor insuportável. Minha garganta
estava tão ferida que eu não conseguia mais
gritar.
— Passe a batalha final, — Osíris me
ordenou. — Eu preciso que você vá mais fundo.
Eu não queria ir mais fundo. Eu não tinha
mais forças para mantê-lo fora da minha
mente, então gritei palavrões para ele dentro
da minha cabeça, repetindo essas maldições
várias vezes.
Ele olhou nos meus olhos e disse
friamente: — Você realmente é teimosa.
— Eu te avisei sobre isso, — murmurei.
A magia que me segurava se dissipou,
deixando-me com queimaduras, cortes,
contusões e coisas quebradas. Meus pés
escorregaram nas moedas de ouro que cobriam
o chão e eu caí. Osíris se afastou, me
observando fingir que não doía tanto quanto
nós dois sabíamos.
Ele deixou a porta aberta. Eu poderia
correr. Eu sabia que ele estava me provocando,
que me jogaria de volta. Não que ele precisasse
me atrair para fazer isso. Eu precisava de um
plano, alguma maneira de combatê-lo, mas a
única maneira de machucar um anjo era
sobrecarregá-lo com números absolutos ou
com a super arma atrás da porta com moldura
de ouro. Eu não tinha números absolutos e,
mesmo que pudesse abrir a porta, ele me
derrubaria muito antes de eu chegar à arma,
assumindo que ela estivesse lá.
— Wardbreaker um dos camaradas anjos
disse quando eles entraram na câmara.
— Só um momento, preciosa. Eu já volto,
— ele me disse com um sorriso perverso,
depois olhou para os homens. — Eu disse para
você nunca me incomodar enquanto estou
trabalhando.
— Você prometeu progresso. Não vemos
progresso.
— Desbloquear memórias implantadas
leva tempo. Paciência, — disse Osíris.
— Você deveria matá-la.
— Ela é a única que tem alguma
lembrança de como abrir aquela porta, —
explicou o anjo com fria paciência. — O resto
deles está morto há muito tempo. Então, a
menos que algum de vocês saiba como
ressuscitar os mortos, deixe-me em paz.
— Ressuscitar os mortos seria mais
rápido, — brincou um dos homens.
— Como você sabe que ela é a única?
— O feitiço não mente. Ele nos mostrou a
quem os Guardiões confiaram essas memórias,
— disse Osíris.
— Que feitiço? — Perguntei.
Osíris se virou para me dar um sorriso. —
O que eu lancei na primeira vez que você veio
à Cidade Perdida, aquele que desbloqueou o
tesouro de memórias dentro dessa sua
preciosa cabecinha.
Quem eram esses guardiões e por que eles
me deram lembranças que não eram minhas?
O que eles queriam? Como eles me deram
lembranças de tanto tempo atrás, se estão
mortas há tanto tempo? E isso tem algo a ver
com a minha estranha reação ao néctar?
Enquanto eu observava o anjo e seu
companheiro, esses pensamentos zunindo na
minha cabeça, uma cintilação estranha
dançou na frente dos meus olhos. O rosto de
Osíris ficou borrado. Pisquei para clarear
minha visão, mas ainda estava lá. Reconheci
esse efeito. Alguém com glamour.
— Você não é quem parece ser, — eu disse,
rindo do anjo. — Onde está o verdadeiro Osiris
Wardbreaker?
Ele estalou a mão para o lado, me
atingindo com um chicote quente de magia. A
dor me catapultou de volta à minha mente, o
que deveria ter sido um santuário, mas não era
nada menos que um pesadelo.
Não vi a batalha dessa vez. Eu vi um
casamento, uma união feita em segredo. As
portas do templo se abriram e soldados da
Legião invadiram o interior. Uma batalha
diferente em um tempo e lugar diferentes - e
ainda assim aconteceu. Eles sempre
começaram e terminaram o mesmo. Com a
morte.
Vi um anjo de cabelo claro atravessar as
planícies negras, as asas caídas, as pontas das
asas desenhando uma trilha de sangue pelas
ruínas da Cidade Perdida. Ela colocou as mãos
no símbolo do anjo para abrir o portal,
passando por ele. Então ela foi até a porta com
moldura dourada. Com a cabeça baixa, ela se
encostou na porta. Uma lágrima de puro
desespero caiu de seus olhos, espirrando
contra o painel de símbolos. Eles pulsaram
uma vez e a porta se abriu. Os símbolos não
eram um quebra-cabeça; eles eram um poema,
escrito em um idioma morto. E foram as
lágrimas que abriram a porta.
Limpando o rosto molhado, ela vestiu a
armadura. Eles se encaixam no corpo dela, se
ajustando a ela como mágica, deslizando sobre
cada pedaço e curva até que se tornou uma
segunda pele. Ela apertou o medalhão,
beijando-o. Depois, enfiou o colar na
armadura, sobre o coração, e preparou-se para
atingir seu fim.
A memória desapareceu e, quando meus
olhos se ajustaram ao mundo real, percebi que
estava em pé na frente de uma porta aberta.
As armas do céu e do inferno estavam dentro
da pequena sala, exatamente como eu me
lembrava delas.
— Como…
— É uma magia antiga. Uma magia para
fazer você passar pelos movimentos da sua
memória, como se estivesse nela, — explicou
Osíris, colocando a mão no meu ombro.
Tentei dar um passo em direção às
relíquias, mas meu corpo não se mexeu. Tentei
empurrar contra o feitiço que me segurava no
lugar, mas minha mente bateu contra uma
parede que não podia quebrar.
Congelada, impotente, vi Osíris e seus
companheiros irem para as relíquias ao
mesmo tempo. Magia brilhou, aço colidiu, e
então os dois homens atingiram o chão.
A parede rochosa que barrava o caminho
para o portal explodiu, e Nero correu, uma
tempestade de magia rodopiando em torno
dele. Uma dúzia de homens de armadura
estava atrás dele, mas não eram da Legião.
Pareciam pertencer aos dois homens agora
deitados aos pés de Osíris. O anjo virou-se
para Nero, seus olhos brilhando com o
primeiro sinal de impaciência que eu tinha
visto dele.
— Está na hora, — declarou ele. — Você
está atrasado. Pensei que passaria pela última
camada de rocha há cinco minutos. Por que
demorou tanto?
— Vocês estão trabalhando juntos? —
Perguntei a Nero, chocada. Eu só percebi
depois que disse as palavras que eu tinha
controle do meu corpo novamente.
— Não, — disse Nero.
Osíris deslizou o rosto pelo corpo,
afastando o glamour. A ilusão desapareceu
para revelar um anjo que eu reconheci da foto
dos doze originais pendurados no escritório de
Nero.
Nero piscou surpreso. — Pai.
18
Dragonsire
Os homens de armadura, que também
devem estar trabalhando com o anjo, pararam
surpresos quando viram o rosto dele. Eu me
surpreendi bastante. Este era Damiel
Dragonsire, o pai de Nero. Este era o anjo que
a mãe de Nero havia rastreado e matado
porque ele foi desonesto. Sua mãe também
morreu, ferida naquela batalha angelical.
Tudo aconteceu há séculos atrás, e ainda aqui
estava Damiel.
— Como você pode estar vivo? — Nero
disse devagar, cautelosamente, como se não
pudesse acreditar no que seus olhos estavam
dizendo.
— Agora não. Temos problemas mais
importantes.
Damiel indicou os homens blindados, que
estavam se movendo em direção aos anjos, os
cercavam. De onde todos eles vieram?
Um dos homens deu um passo à frente,
olhando entre Nero e esse anjo que se parecia
muito com Nero. Ele tinha o mesmo cabelo de
Nero, se não um pouco mais escuro, e seus
olhos eram azuis em vez de verdes, mas fora
isso, eles poderiam ser gêmeos.
— Onde está o Wardbreaker? — o homem
exigiu.
— Ainda enterrado onde eu o deixei, eu
presumo, — disse Damiel sombriamente.
— Você tomou o lugar dele.
Damiel encontrou os olhos zangados do
homem com indiferença. — Não há
necessidade de se sentir todo dividido pela
morte dele. Você nunca o conheceu.
A mão do homem acenou para os outros
adiante. — Você nos enganou. Anjo ou não,
você vai se arrepender disso.
— Cuide desses homens, — Damiel
ordenou a Nero, movendo-se em direção às
relíquias.
Nero seguiu seu caminho. — Se era você o
tempo todo, então Osiris Wardbreaker nunca
se tornou desonesto?
— Vamos discutir isso mais tarde, depois
da batalha.
Nero deu um movimento brusco no com a
mão, e uma explosão psíquica atravessou a
sala, batendo os doze homens contra a parede,
nocauteando-os.
— A batalha acabou, — disse ele enquanto
os homens deslizavam no chão atrás dele. —
Vamos conversar sobre isso agora. Osiris
Wardbreaker enlouqueceu?
— Sim, — disse Damiel em um tom que
mostrava que estava apenas brincando com
seu filho. Seus olhos passaram pelos homens
no chão e ele pareceu levemente
impressionado. — Eu o encontrei cerca de uma
semana após sua deserção. — Seu olhar
deslizou para mim. — Ele estava sequestrando
crianças sobrenaturais e se banqueteando com
o sangue delas. Ele gostava de ouvir seus
gritos. Vendo-as morrer.
Engasguei com a imagem. O ácido subiu
na minha garganta, e eu mal o segurei. Damiel
nem estava olhando para o filho. Ele estava
olhando apenas para mim.
— Então, confie em mim, eu estava
fazendo um favor ao mundo, — concluiu.
Ele provavelmente estava certo. Matar
crianças, alimentando-se de sangue e dor, era
um crime que eu não podia perdoar. O mundo
era melhor sem monstros assim.
— Confiar em você? — Nero lançou ao pai
um olhar de pura aversão. — Não confio em
você. Não em são suas palavras e
definitivamente não nos objetos de poder. Não
vou permitir que você os tenha.
— Insubordinação não combina com você,
soldado.
— Insubordinação? Foi você quem ficou
sombrio e traiu a Legião, — disse Nero. — Eu
não sou seu soldado. Você não me dá mais
ordens.
Damiel olhou para mim. — Faça-o ver a
razão.
— Não fale com ela como se você fosse um
velho amigo. — As palavras de Nero pareciam
um chicote. — Você a torturou.
— Um meio para o fim.
— Tudo é sempre apenas um meio para um
fim com você.
A raiva brilhou nos olhos de Nero,
dividindo os fios finais de seu autocontrole. Ele
correu para frente em um flash de velocidade
sobrenatural, martelando o punho na
mandíbula do pai. Ele seguiu com outro soco.
Chamas explodiram em vida por todo o corpo.
Ele se perdeu, verdadeira e completamente.
Damiel revidou, jogando Nero através da
sala. Pedra sólida se dividiu e fissuras nas
costas de Nero atingiram a parede, mas ele se
virou e continuou andando como se não
sentisse nada. Ele não estava sentindo nada
além de sua própria raiva. Os anjos lutaram
sem piedade ou pausa, sua terrível e bela
batalha ameaçando derrubar a sala inteira.
Cinco homens armados entraram correndo
na câmara. De onde eles estavam vindo? Eles
ignoraram os anjos lutando acima e correram
direto para as relíquias. Joguei pó mágico nas
moedas de ouro espalhadas pelo chão. O ouro
brilhava laranja, e a fumaça subia dos sapatos
masculinos. Eles saltaram em alarme,
afastando-se do ouro. No retiro apressado, um
deles tropeçou no meio do tiroteio entre Nero e
Damiel.
Os outros pularam e saltaram entre as
moedas brilhantes, tentando chegar às
relíquias. Agarrei o braço de um cara,
segurando-o lá.
Eu olhei nos olhos dele. — Atire em seus
camaradas.
O homem assentiu, pegando uma arma no
chão. Ele apontou para os outros homens e
atirou. Ele sabia exatamente onde estavam as
fraquezas da armadura. Depois de derrubá-
los, ele congelou por um momento, balançando
a cabeça. Eu podia sentir meu controle
escapando de sua mente. Eu já tinha passado
por muita coisa. Eu não tinha energia
suficiente em mim. Levantei minha mão para
largar a arma dele, mas eu estava muito lenta.
Ele me deu um tiro na barriga.
Eu caí de joelhos. Apesar dos olhos
embaçados, o vi caminhar em direção às
relíquias. Empurrei novamente o peso do
blecaute iminente, lutando para ficar de pé.
Eu tinha que chegar até ele. Eu tinha que
pará-lo. Ele já tinha um pedaço da armadura
de prata na mão.
Uma ponta da espada atravessou seu
peito, perfurando-o por trás. Ele caiu morto no
chão. Meus olhos se arregalaram, esperando
ver Nero. Mas não era Nero. Ere Valiant, Nero
ainda estava lutando lá em cima.
Segundos se passaram. Minha mente
lutou para não ficar inconsciente. Sangue
escorria pelo meu corpo. Eu pisquei.
— Como você chegou aqui? — Perguntei,
piscando novamente.
Minha mente estava lenta, deixando de
possuir o que estava vendo. Ele usava as
armas do céu e do inferno. A armadura de
prata se encaixava em seu corpo largo e
masculino tão perfeitamente quanto no de
Sierra. Ele segurava um escudo em uma mão,
uma espada na outra.
— Eu não deixaria nada ficar entre mim e
minhas relíquias, — disse Valiant.
Chamas tremeluziam na espada, ódio
queimava em seus olhos.
— Obrigado, Leda, — disse ele. — Eu não
poderia ter feito isso sem você.
Então ele moveu a espada, disparando as
chamas para matar os dois anjos.
19
Impotente
Seu objetivo era uma merda. As chamas
não atingiram os anjos, mas chamaram sua
atenção. Nero e Damiel pararam de lutar.
Nero saiu de qualquer transe que ele tinha
estado, e quando viu Valiant vestindo as
armas do céu e do inferno, ele ficou
perigosamente imóvel.
Valiant não se incomodou com
brincadeiras. Ele foi direto ao assassinato. Ele
balançou a espada, atirando as chamas azuis
nos anjos novamente. Damiel usou magia para
bloquear. Surpreendentemente, seu feitiço
dissolveu as chamas azuis. A magia da espada
não deveria ser mais forte que a de um anjo?
Valiant estava claramente se perguntando
a mesma coisa. — Por que você não está
trabalhando corretamente? — ele exigiu,
sacudindo a espada. — Talvez seja necessário
aquecer.
Nero e Damiel não estavam dando a ele a
chance de testar essa teoria. Eles lançaram
magia nele, tentando tirar a espada da mão
dele. Os feitiços psíquicos deslizaram
inutilmente contra a armadura de prata. Isso
parecia estar funcionando. Era para anular a
magia inimiga.
Encorajado pelo sucesso da armadura,
Valiant disparou mais bolas de fogo azuis para
os anjos, mas o super escudo de Damiel
aguentou.
— Eu acho que você está fazendo errado,
— comentei.
— Cale-se. — Ele balançou a espada
novamente.
Ele estava se concentrando na espada.
Seus olhos não estavam nos anjos. Damiel
acenou para Nero para ir para a direita, e Nero
assentiu.
Eu não estava em condições de lutar agora,
especialmente não contra as relíquias do céu e
do inferno. Eu sabia que tinha que distrair
Valiant para que os anjos pudessem passar
despercebidos. Eu poderia fazer isso. Eu
poderia conversar. Pelo menos falar me
ajudaria a ficar consciente, me ajudaria a
combater a onda quente de letargia
consumindo meu corpo um músculo por vez.
— Foi você que contratou esses homens de
armadura, que contrataram Osíris, para
encontrar as relíquias. E a Legião nunca
suspeitou de nada?
Foi um convite para ele falar sobre o quão
inteligente ele era. Os vilões gostavam de fazer
isso. Esse vilão em particular havia planejado
e planejado muito bem. Ele havia enganado
toda a Legião e estava morrendo de vontade de
tocar a buzina.
Ele pegou. — Você faz bons soldados na
Legião. Brutos, poderosos e invencíveis. Mas
não pensadores. Você não é inteligente. Os
outros são cegos pelo dever, honra e ambição.
Mas você, Leda. Você é só ingênua. Enganar
você foi fácil. Manobrá-la até onde exatamente
eu queria que você fosse foi fácil.
O encarei.
— Eu disse exatamente o que eu precisava
que você soubesse, peça por peça, para você
fazer o que eu queria que fizesse. Ou achou que
foi um acidente eu compartilhar esse pedaço
de poesia com você, a chave do quebra-cabeça.
Tinha que ser você para abrir a porta. Ouvi
falar de você, Leda Pierce. O que você fez. Sua
magia.
— Luz e Escuridão.
— Sim, luz e escuridão, o recipiente
perfeito para as memórias das relíquias do céu
e do inferno, — disse ele. — A Legião é
arrogante, tão acostumada a tudo ser algo que
eles entendem, algo que eles podem controlar.
Preto no branco. Eles não podem ver além de
sua hierarquia bem estabelecida, sua visão
cansada do mundo. Eles não sabem ler nas
entrelinhas. Eles não podem ver como você é
especial. Mas eu sabia. E quando li esse
poema, sabia que precisaria que você abrisse o
caminho. Para me levar para as relíquias.
— Suas armas contratadas estavam
falando sobre um feitiço que desbloqueou
minhas memórias?
— Outro conhecimento útil que encontrei
em minha pesquisa. — Ele sorriu como se
estivesse admirado por seu próprio gênio. —
Eles fizeram o feitiço quando chegamos às
ruínas. Isso abriu suas memórias, memórias
que o néctar já havia trazido à superfície da
sua mente. Ele sorriu para a espada. —
Finalmente, depois de todos esses anos, é
minha.
Valente girou, cortando. Magia lambeu a
lâmina, impulsionando seu ataque. Ele tirou
sangue dos dois anjos, e eles caíram contra a
parede, cerrando os dentes contra a dor. Dois
anjos, no topo da Legião, por mais durões que
parecessem, cada um mal se conteve de gritar
em agonia.
— Talvez esteja funcionando, afinal. Esta
espada pode matar um imortal, — Valiant os
provocou. — Isso me tornou poderoso, mais
poderoso que um anjo. Eu sou um Deus. E
destruirei os deuses e demônios com suas
próprias armas.
— O que aconteceu todos esses anos?—
Perguntei, chamando sua atenção de volta
para mim. Eu não queria nada mais do que ir
a Nero, para ter certeza de que ele estava bem,
mas eu tinha que manter o peregrino falando.
Eu tinha que dar aos anjos a chance de se
curar.
— Eu posso ver a dor em seus olhos,
Valiant, — eu disse. — E ódio. Por que você os
odeia tanto? Você serve aos deuses.
— Os que servem aos deuses são os que
mais sofrem. Minha esposa e minha irmã
morreram em meu serviço aos deuses, duas
mortes inúteis na guerra de titãs, vítimas dos
monstros que os deuses e demônios
desencadearam nesta Terra. Todos nós fomos
lá fora, atraindo os monstros para longe da
cidade. Só eu voltei.
— Você se sente culpado por ter
sobrevivido, — deduzi.
— Não, — ele negou. — Não me sinto
culpado. Estou furioso.
Mas eu pude ver nos olhos dele. Ele não
suportava que tivesse sobrevivido e aqueles
que amava haviam morrido. Eu quase senti
pena dele - se não pelo fato de que ele queria
sair e matar um monte de gente.
— Eu estava impotente para salvá-las, —
disse ele. — Mas eu não sou impotente agora.
Agora não mais, nunca mais. Rasgarei os
exércitos do céu e do inferno. Vou arrancar os
deuses e demônios de seus tronos. Vou
derrotar o monstro e devolver a Terra à
humanidade.
Não achei que alguém sobreviveria ao seu
tipo de guerra. Uma guerra baseada em
vingança era apenas um ciclo de
autoperpetuação. Continuaria até que todo
mundo estivesse morto.
Nero e Damiel chegaram a Valiant de
ambos os lados, não permitindo que ele usasse
a espada contra os dois ao mesmo tempo.
Depois de sentir a mordida mortal da lâmina,
eles estavam mais cautelosos agora. Eles
estavam evitando seus ataques, mas a magia
da espada o tornara forte e rápido como um
anjo. Era apenas uma questão de tempo até
que ele retirasse sangue novamente.
Uma memória caiu contra mim. Um anjo a
cortou com sua própria espada.
Valente cortou o peito de Nero, cortando o
couro. Gritei.
Ela olhou para cima, vendo sua própria
morte nos olhos do anjo. A espada desceu e
depois parou, congelada. Estava lutando com
ele. Ela estava lutando por seu verdadeiro
mestre. Ele se virou e o esfaqueou no peito.
Eu corri para frente, chamando a espada
na mão de Valiant, uma arma roubada que
nunca foi feita para ele. Voou da mão dele.
— O que está acontecendo? — Ele
exclamou.
Eu continuei avançando, um flash de
adrenalina enterrando minha dor. — Elas não
são suas.
O escudo afundou no chão. Valiant puxou,
mas não se mexeu.
— Elas veem o ódio em seu coração, — eu
disse.
A armadura mudou, contraindo.
Esmagando.
— E elas não querem fazer parte disso.
As mãos de Valiant dispararam para os
fechos da armadura, tentando abri-los. O
metal prateado começou a brilhar.
— O que você está fazendo comigo?! — ele
uivou para mim, batendo no peito, tentando
desesperadamente sair da armadura.
A espada ergueu-se no ar, depois
mergulhou em seu pescoço. A armadura se
abriu e o corpo de Valiant caiu no chão.
Os olhos de Damiel dispararam para mim,
depois para o Peregrino morto, para a pilha
de armas ao lado dele. — Espetacular. — Ele
pegou as armas.
Nero chegou primeiro a elas. Damiel não
tentou parar seu filho quando ele as levantou
do chão.
— Você tem uma grande bagunça para
explicar, — observou Damiel.
— Osiris Wardbreaker e Valiant estavam
atrás das relíquias. Suas forças entraram em
conflito. Valiant morreu, — Nero me disse.
— E Osíris?
Nero olhou atentamente para o pai e disse:
— O anjo desonesto também morreu. A magia
da armadura o sobrecarregou e matou depois
que ele matou o peregrino.
— Talvez você entenda a lealdade à sua
família, afinal, — disse Damiel.
— Pare de falar, — Nero disse ao pai,
depois me jogou um rolo de fita. — Prenda ele
nessa fita. É forte o suficiente para segurar um
anjo. Quanto mais ele luta, mais sua magia é
drenada.
Damiel assistiu em diversão silenciosa
enquanto eu amarrava suas mãos.
— As relíquias do céu e do inferno foram
destruídas, — falei a Nero. — Se a Legião
conseguir essas armas, o poder as destruiria
por dentro, virando anjo contra anjo.
— Concordo, — disse Nero, colocando-as
em uma sacola.
A sala escolheu aquela hora para se mexer.
Nero me pegou antes que eu caísse. Sua boca
endureceu quando viu a ferida de bala no meu
estômago. O resto de mim provavelmente
também não parecia tão bom.
Ele colocou a mão na minha barriga e a
magia fluiu dele para mim. — Espere, Leda.
Tudo ficou preto. Eu estava cega.
— ...não cura.
— Era uma arma imortal.
— Você não está morrendo, — Nero me
disse.
Meu corpo estava entorpecido.
— Você ainda tem que salvar Zane. Eu
ordeno que você não morra.
Eu segurei esse pensamento, voltando à
dor.
— Mandão, — murmurei.
Ele me beijou com os lábios molhados com
seu próprio sangue. Uma gota caiu na minha
língua, me sacudindo como uma dose de
cafeína pura. Abri os olhos e olhei nos olhos
dele.
— Eu posso ver novamente, — falei.
— Você pode andar também?
Levantei-me, trêmula mas não caindo. —
Temos que tirar seu pai e as relíquias sem que
o coronel Fireswift os veja?
— Suas forças estão fora do Portal.
— Há uma passagem secreta.
Pressionei minha mão na parede, uma sem
sequer um símbolo para adorná-la. Conduzi-os
pela passagem que Sierra havia feito muitas
vezes antes. Eu esperava que não tivesse
entrado em colapso desde então.
A passagem estava clara. Nos trouxe para
a periferia da cidade. Mais tarde, enquanto
andávamos na motocicleta de Calli pelas
Planícies Negras, percebi que essa era uma
das únicas coisas a dar certo a semana toda.
Pressionada entre Nero e Damiel no
banco, entrei e saí da consciência. Lembro-me
vagamente de entrar em minha casa, mas não
fazia ideia de como havíamos passado pelos
soldados no Muro.
Ouvi Calli gritando com Nero por quase
me matar. Eu queria dizer a ela que não era
culpa dele, mas não conseguia fazer minha
língua se mexer. Meus olhos ficaram pesados
e eu caí em um sono sem sonhos.
20
Revelação
Bella estava sentada ao meu lado,
verificando minhas ataduras, quando acordei
na minha própria cama. Meu corpo estava um
pouco melhor, mas minha mente e magia
pareciam ter sido colocadas no liquidificador.
— Ele não pode ficar aqui, — a voz de Calli
entrou pela porta do quarto parcialmente
aberta. — Ele é muito perigoso.
— Vou levá-lo, — respondeu Nero. — É só
por enquanto, até que Leda possa viajar
novamente.
— Nós podemos cuidar dela por conta
própria.
— Eu não vou sair do lado dela. Nas
últimas duas vezes em que fomos separados,
ela quase morreu.
— Isso não vai acontecer aqui, — disse
Calli.
— Vou ficar. Posso cuidar de mim mesmo.
— Ela não é mais do que seu soldado.
— Ela é muito mais do que um soldado.
Bella passou uma toalha sobre a minha
testa. — Apenas descanse. Você está segura,
— ela falou suavemente.
Fechei os olhos. A próxima vez que acordei,
era Nero ao meu lado. Parecia que ele não
dormia há dias.
— Como você está?
— Bem.
— Ela é forte, — Damiel falou de outra
cadeira.
— Me desculpe, ele ainda está aqui, —
Nero me disse. — Eu tenho que ficar de olho
nele, caso ele tente alguma coisa.
— O que vou tentar com essas correntes
que bloqueiam minha magia e restringem
meus movimentos? — Damiel perguntou. —
Tenho uma coceira que não consigo coçar há
mais de uma hora.
— Você acha isso engraçado? — Nero
rosnou. — Ela está nesse estado por sua causa.
Ela quase morreu.
— Eu não atirei nela. — Damiel olhou para
Leda. — Estou feliz que você tenha
sobrevivido. Você faz meu filho realmente
sentir alguma coisa. Ele está tão fechado por
tanto tempo.
— Você não pode falar com ela assim, como
se ela fosse uma velha amiga. Você a torturou,
seu porco sádico.
— Não fale comigo assim. Eu ainda sou seu
pai.
— Não, não é. Você não é nada. Você está
morto. Está morto há duzentos anos. Eu
gostaria que você tivesse ficado morto.
— Eu fiz o que tinha que fazer. Naquela
época e agora. E nem tudo é tão simples
quanto você pensa, — disse Damiel. — Pare de
ser melodramático, Nero. O que eu fiz não foi
tortura. Eu sei que você sabe como é a
verdadeira tortura porque eu o trouxe para
testemunhar quando você tinha cinco anos.
Ai credo. Fale sobre o dia de levar seu filho
para o trabalho, no estilo da Legião dos Anjos.
Isso era distorcido. Não admira que os
pirralhos da Legião tivessem problemas.
— O que eu fiz foi desbloquear as
memórias nela, — continuou Damiel. — Isso
significava quebrá-la fisicamente. Você fez
isso com ela, com inúmeros iniciados, ao longo
dos anos. Você os quebrou para que pudessem
encontrar algo dentro de si. Um poder especial.
Isso não é diferente.
— Isso é completamente diferente, —
rebateu Nero. — Porque você gostou.
— Pare de tentar me encaixar nessa
imagem maligna que você tem de mim em sua
mente, — disse Damiel. — Era um trabalho
que precisava ser feito. Nada mais. — Ele
olhou para mim, como se eu pudesse confirmar
que ele não tinha gostado de me machucar.
— Você foi bem convincente quando
chutou minha bunda, — observei.
— Eu tinha que ser convincente. — Ele
estava olhando para Nero agora. — Eu tinha
que convencer os homens de Valiant.
— Você poderia ter apenas matado eles,—
disse Nero.
— Eu estava salvando-os. Eu não tinha
certeza se a porta exigia um sacrifício humano
para abrir o caminho para as relíquias ou para
destrancá-las. Algumas magias antigas fazem.
E não achei que você quisesse usar sua garota
para isso.
— Então, eu deveria estar agradecendo
agora?
— Sim, isso seria apropriado. E enquanto
você está nisso, que tal me desamarrar? — Ele
mostrou a Nero sua mão amarrada. — Isso é
completamente indigno.
Nero lançou-lhe um olhar que dizia que o
inferno congelaria antes de desamarrá-lo.
— É verdade o que você disse sobre
sacrifícios humanos? Que eles ativam magia?
— Perguntei a Damiel.
— Para alguns tipos de magia, geralmente
objetos de poder. A magia sempre tem um
preço, mas nem sempre é tão exigente quanto
a quem a paga. — Ele fez uma pausa. — Mas
as relíquias foram feitas de um outro tipo de
magia completamente diferente. Aquele
peregrino louco manchou sua lâmina com
sangue de anjo, e não ativou a magia. Mas você
só teve que olhar para elas, e elas obedeceram
às suas ordens.
Eu realmente não queria pensar sobre
isso. Essas armas eram perigosas demais para
qualquer um usar. Tínhamos que escondê-las
ou destruí-las. Parte de mim protestou contra
o pensamento de destruí-las. Provavelmente
era a mesma parte que fez as armas atacarem
Valiant e o matarem.
A porta se abriu e Calli espiou dentro. —
O primeiro anjo está vindo pelo gramado.
Nero se levantou. — Fique aqui e fique
quieto, — disse Nero ao pai.
Eu lentamente me levantei. Antes que eu
pudesse ir muito longe, Nero se inclinou e me
jogou em seus braços. A porta da frente se
abriu quando ele me colocou em um dos sofás
da sala de estar.
— Fiquem do lado de fora, — Nyx ordenou
a seus guardas, depois fechou a porta. Ela
seguiu Calli até a sala de estar.
— Primeiro anjo, — disse Nero, curvando-
se.
Os olhos de Nyx voaram dele para mim,
embrulhada em cobertores no sofá.
— Eu me curvaria, mas acho que poderia
abrir minhas feridas e desmaiar aos seus pés,
— eu disse com um pequeno sorriso.
— Está tudo bem, querida, — respondeu
ela. — Levante-se, Nero. Não temos tempo
para brincadeiras tolas. — Ela se sentou no
sofá em frente ao meu, observando-o se sentar
ao meu lado. — Você esqueceu como curar as
pessoas, coronel?
— Não. Ela foi baleada por uma arma
imortal. Não está curando tão rápido quanto
deveria.
— Arma imortal, você diz. Bem, coronel, é
sobre isso que estamos aqui para discutir. —
Ela cruzou as mãos no colo. — Eu recebi seu
relatório. E o relatório do coronel Fireswift.—
Sua boca afinou em uma linha dura. — Eles
variam muito.
— Com todo o respeito, o coronel Fireswift
gosta de falar besteiras. — Ele parou,
baixando a cabeça. — Primeiro anjo.
Nyx pegou um biscoito do prato na mesa,
rindo. Foi uma risada genuína. Esse era o lado
de Nyx que eu gostava.
— Ok, vou ouvi-lo.
Então, contamos a história
cuidadosamente elaborada por Nero. Ela
ouviu em silêncio.
Quando terminamos, ela tirou as migalhas
de biscoitos das mãos e disse sem rodeios: —
Não acredito. Os restos de Osiris Wardbreaker
e Valiant parecem confirmar que pelo menos
parte da sua história é verdadeira. Lembre-me
novamente do porquê sobrou apenas cinzas de
Wardbreaker.
— As armas, — disse Nero.
— Entendi. — Nyx fez uma pausa. — E as
armas?
— Destruídas durante a luta.
— Então, você espera que eu acredite que
armas forjadas no céu e no inferno possam ser
destruídas assim?
Nero não disse nada. Nem eu. Nós dois
concordamos que era melhor. Ser um
espertinho nos causaria problemas.
Nyx suspirou. — Bem, suponho que seja o
melhor. Só espero que essas armas não
reapareçam. — Ela nos lançou um olhar duro.
— Ok, agora, chegamos à parte divertida.
Isso parecia ameaçador.
— Confio que vocês se lembram da nossa
última conversa juntos, então isso não deve ser
uma surpresa, — disse ela. — Vocês dois
causam problemas sem parar. — Ela olhou
para mim. — Você é uma má influência sobre
ele.
— Na verdade, ele é uma má influência
para mim, eu acho.
A mão de Nero se fechou em volta do meu
pulso.
Os olhos de Nyx mergulharam nesse gesto.
— Vai se jogar na frente dela para protegê-la
da minha ira? — ela perguntou, divertida.
— Felizmente, isso não parece necessário.
— De fato não. — Ela olhou de mim para
ele, balançando a cabeça lentamente. — O que
eu vou fazer com vocês dois?
Eu não tinha certeza se isso era uma
pergunta retórica ou uma pergunta real. Eu
fui com a opção segura e optei por manter
minha boca fechada.
— Nero, você deveria ter deixado o coronel
Fireswift lidar com ela, — disse Nyx.
— Ele certamente tentou lidar com ela.
— O que você quer dizer?
— Ela quase morreu sob o comando dele.
Do Néctar.
— Muitas pessoas morreram naquela
noite ou quase morreram, — ressaltou Nyx.
— Porque eles não estavam prontos para o
néctar. Não porque o néctar deles estava atado
a Venom.
Surpresa brilhou nos olhos de Nyx. — Você
tem certeza?
— Eu testei o sangue dela. Alguém tentou
envenenar Leda. — Ele arqueou a
sobrancelha.
— E não foi o coronel Fireswift disse Nyx,
percebendo as implicações. — Isso é ridículo.
Você está deixando seus sentimentos
obscurecerem seu julgamento. O coronel
Fireswift é um soldado leal da Legião.
— Você sabe tão bem quanto eu, que a
ambição dele o define. Isso guia suas ações. Ele
faria o que fosse necessário para garantir seu
legado, o legado de sua família.
— Chega, Nero. Vocês dois nunca
gostaram um do outro, mas nem ele iria tão
longe.
— Eu vou ficar de olho nele. E
especialmente nela, — ele disse, entrelaçando
seus dedos nos meus.
— Isso em breve será difícil, — respondeu
Nyx. — Olhe, oficialmente, fora dos registros,
vocês dois fizeram um ótimo trabalho. Você
manteve as relíquias fora das mãos do inimigo,
parou um anjo desonesto e parou um peregrino
equivocado que tinha o poder de destruir tudo
o que estamos trabalhando. Se vocês dois não
tivessem agido rápido como fizeram,
poderíamos estar em guerra agora. Você fez a
coisa certa. Você é forte, verdadeiro e
engenhoso. Muito engenhoso se o que eu ouço
dos soldados paranormais estacionados na
cidade é verdade. — O canto da boca dela se
curvou. — A Legião tem sorte de ter você.
Ela faz uma pausa, dando-lhe um olhar
duro. — Mas oficialmente, não posso dizer
nada disso. Você saiu por conta própria,
sabendo que, se me procurasse, eu teria lhe
dito para deixar o coronel Fireswift cuidar
disso. Vocês dois são problemas juntos.
Explosivos. Não posso ter vocês no mesmo
escritório juntos. Não posso tê-la sob seu
comando, Nero. Então, estou fazendo a única
coisa que posso.
— Estou sendo transferida, — eu disse
sombriamente.
— Não, você vai ficar exatamente onde
está, — Nyx disse para minha surpresa. Ela se
virou para Nero. — Você está sendo
transferido. E eu sei exatamente onde colocá-
lo. — Ela deu a ele um olhar longo e duro. —
Você está sendo promovido. Parabéns, general.
— Ela piscou para ele.
— Agora, — disse ela, levantando-se. —
Espero vê-lo no meu escritório em Los Angeles
hoje à noite, Nero, para que possamos discutir
sua próxima tarefa.
Então ela se levantou e saiu de casa. Assim
que ela se foi, a porta do meu quarto se abriu
e Damiel entrou na sala de estar.
— Eu não pude deixar de ouvir, — disse
ele.
— Estou tentado a matá-lo, — Nero
murmurou. — Ou entregá-lo para Nyx.
— Você não pode subornar o Primeiro Anjo
para deixar você ficar em Nova York, — disse
Damiel.
— Certamente não posso tentar. — Ele
olhou para mim. — Eu deveria ter visto isso
chegando, ela me promovendo para resolver
seu problema.
— Pare de ser cínico.
— Essa atitude é necessária na Legião.
— Nyx está promovendo você porque ela
precisa de você, — retruquei.
— Eu sei. Mas ela também está se livrando
de um problema.
Damiel pegou um dos biscoitos que Nyx
estava gostando tanto. — Ele tem razão. Por
não ter você sob seu comando, ela está
permitindo que esse relacionamento adorável
floresça. — Ele olhou para Nero. — Supondo
que você possa se comportar e não tentar
salvá-la em todas as oportunidades. E supondo
que você sobreviva à cerimônia. O nível dez é
brutal.
— Como sempre, você dá as melhores
conversas animadas.
— Eu posso ajudá-la a se preparar, —
ofereceu Damiel.
— Eu não preciso da sua ajuda.
Fiz uma anotação para obter dicas de
Damiel. Eu não ia perder Nero porque era
teimoso demais para aceitar ajuda.
— Nyx está certa, você sabe. — Os olhos de
Damiel mudaram entre eu e Nero.
— Sobre o que? — Nero perguntou
impaciente.
— Não foi o Fireswift que envenenou Leda.
Ele não poderia ter feito isso. Anjos não podem
pegar o Venom. Mas os deuses podem.
A expressão de Nero mudou. Ele não
parecia mais ter raiva. Ele parecia assustado.
Eu nunca tinha visto essa expressão em seu
rosto.
— O que foi? — Perguntei a ele.
— Ele percebeu que estou certo. E o que
isso significa, — disse Damiel.
Olhei para Nero pedindo esclarecimentos,
mas ele não disse nada. Então virei-me para
Damiel. — O que isso significa?
— Na melhor das hipóteses, um dos deuses
quer você morta.
— Esse é o melhor cenário?
— Sim. Quando se trata dos deuses, se
você chama a atenção deles, a morte é o melhor
que pode esperar. A outra razão pela qual um
Deus pode ter envenenado você é para testá-
la.
— Me testar como?
Damiel encolheu os ombros. — Talvez veja
como você é resiliente. Ou o deus pensa que
você é especial e quer descobrir como
transformá-la em uma arma ou um porquinho
da índia. Isso acontece o tempo todo.
— Pare de falar agora, — disse Nero a seu
pai, sua voz perigosamente calma.
— Você com certeza está no limite, Nero.
Tem certeza de que não há algo que queira
tirar do seu peito? — Ele olhou para mim.
— Eu disse para você parar.
— Só estou tentando ajudar.
— Não, você não está.
Eles se entreolharam pelo que pareceu
uma eternidade. Eu senti que eles estavam
tendo uma discussão silenciosa, excluindo-me.
Talvez eles estivessem falando
telepaticamente.
— Cuidado, velho. Ainda posso jogá-lo
para os lobos, — disse Nero finalmente.
Ok, agora eu tinha certeza de que eles
estavam conversando telepaticamente.
— Você é um péssimo mentiroso, Nero. Se
você fosse me entregar, já teria feito isso. Eu
acho que você tem uma quedinha por mim.
Os olhos de Nero brilharam com
indignação. — Você bateu a cabeça quando
caiu do céu?
Damiel riu. — Nyx estava errada, — ele
me disse. — Você não é uma má influência
para o meu filho. Você é uma influência
fantástica.
— Eu não tenho certeza disso, mas
obrigado. Eu acho.
Seus olhos assumiram um brilho
nostálgico. — Foi exatamente assim com a
mãe de Nero. Exceto que eu fui a má
influência. Costumávamos ficar acordados até
tarde...
Uma faca atravessou a sala. Damiel a
pegou entre as mãos atadas, torcendo-as
habilmente para compensar. Ele colocou a faca
na mesa de café.
— Nero, não jogue facas dentro de casa, —
disse ele no mesmo tom paciente que usara na
Cidade Perdida, no tom de um imortal com
todo o tempo do mundo, no tom de alguém que
não se importa com nada. — Especialmente
quando somos convidados na casa de outra
pessoa. Simplesmente não é apropriado.
Eu estava começando a perceber que era o
tom que ele reservava para os momentos em
que ele era realmente emocionado, como se
fosse seu contra sentimentos.
— Não fale da minha mãe, — disse Nero,
com os olhos ardendo de raiva.
— Eu a amava.
— Você a matou, — ele rosnou. Seu lábio
tremia, seus ombros tremiam de raiva.
— Não. — Ele fez uma pausa. — Está na
hora de você ouvir o que realmente aconteceu.
Eu realmente não fiquei louco. Sempre fui um
pouco sombrio, mas sua mãe se opôs a isso. Ela
me equilibrou.
Seus olhos brilhavam com vulnerabilidade
nua. Olhando naqueles olhos, eu sabia que ele
a amava - que ele ainda a amava. Nero deve
ter visto também porque não discutiu com o
pai. Ele apenas ouviu em silêncio, esperando
Damiel continuar.
— Eram tempos diferentes, Nero, — disse
ele. — Depois de alguns anjos desertarem, a
Legião ficou paranoica. Eles começaram a
atacar preventivamente, tentando abafar a
escuridão. Ouvimos dizer que eles estavam
vindo até mim - e que eles iriam designar sua
mãe para me caçar com algum tipo de senso de
justiça poética.
Meu coração apertou em simpatia. — Isso
é cruel.
— A Legião é cruel, — disse-me Damiel. —
E eles são astutos. Por isso, decidimos
antecipá-los. Encenamos um confronto. Tudo o
que você viu foi um ato. — Ele olhou para
Nero. — Para você. Portanto, você não seria
banido pela Legião por traição. Enquanto a
Legião achasse que sua mãe morreu
cumprindo seu dever, você teria a garantia de
entrada.
— Mas por que você queria que ele se
juntasse a uma organização que forçaria sua
mãe a matar seu pai? — Perguntei.
— Os deuses controlam o Néctar, — disse
Nero, seus olhos encontrando os de seu pai. —
Sem o Néctar, você não pode se tornar um
anjo. Isso é sobre poder.
— É sobre quem você é, — respondeu
Damiel. — Quem você sempre deveria ser: um
anjo.
Nero não disse nada.
— Ela está viva.
Os olhos de Nero se iluminaram.
— Sua mãe está viva e nós vamos
encontrá-la. Foi por isso que localizei as armas
do céu e do inferno. Elas pertencem a um
grupo chamado Guardiões. Eu ia usar as
armas para chamar a atenção deles para que
eu pudesse encontrá-la. Após a nossa batalha
encenada, fomos feridos e separados. Descobri
que os Guardiões a acolheram, mas ninguém
sabe onde eles estão. Estou procurando por
ela, Nero, há duzentos anos.
21
Anjos
Calli entrou na sequência da revelação de
Damiel para anunciar que o jantar estava
pronto.
Damiel deu um tapinha no ombro de Nero.
— Vamos, filho.
Nós caminhamos para a sala de jantar em
uma fila solene. Nero ainda não tinha dito
nada. Sua mente devia estar sobrecarregada
reescrevendo duzentos anos de história.
— Sra. Pierce, tudo isso parece delicioso,
— disse Damiel, enquanto se sentava.
— Você colocou os pratos sofisticados? —
exclamei para Calli.
— Claro que ela colocou. Temos dois anjos
para jantar. Dois, — repetiu Tessa com alegria
irrestrita. — Meus amigos nunca vão
acreditar.
— E você não vai contar a eles, — disse
Calli.
Tessa lançou-lhe um rosto irritado. —
Ainda é legal, — disse Tessa, se recuperando
rapidamente. — Mesmo que um dos anjos
esteja algemado.
As algemas não estavam afetando a
capacidade de comer de Damiel. Ele poderia
torcer os braços da maneira certa.
— Forma legal. — Tessa observou-o cortar
uma cenoura ao meio. — Qual é o seu nível?
— Nível dez.
— Uau. É o mais alto nível.
— Não exatamente. Aí é onde fica o
primeiro anjo.
— Sim, mas ela é como em uma classe
própria. — O olhar de Tessa deslizou para Gin.
— Você viu o cabelo dela?
— Sim, estava fluindo como se estivesse
debaixo d'água, como se estivesse preso em
algum campo mágico ou algo assim. — Gin deu
uma rápida olhada nos anjos, depois olhou
timidamente.
— Qual a sua habilidade favorita? —
Tessa perguntou a Damiel.
— O que é isso, artigo da revista
Supernatural Teen parte 2? — Exigi.
— Shh, não interrompa enquanto eu
estiver entrevistando seu futuro sogro.
— Sogro? — As sobrancelhas de Damiel se
levantaram.
Escondi meu rosto em minhas mãos.
— Pronto, pronto. Ela não faz por mal, —
disse Bella, dando um tapinha nas minhas
costas.
— Eu não tenho uma habilidade favorita.
São todas ferramentas, armas em seu arsenal.
Todos elas trabalham juntas, — disse Damiel
a Tessa, trazendo-as de volta à sua pergunta -
e longe de águas perigosas.
Obrigado, pensei, certo de que ele ouviria
minha mensagem mental.
— Você assinaria meu umbigo? — Tessa
perguntou a Damiel com uma piscadela
tímida.
— Não flerte com ele, — eu disse a ela.
— Por que não?
Sorri para ela. — Porque eu vou contar
para o seu namorado.
— Você nem sabe quem ele é.
— Eu vou descobrir, — Leda prometeu a
ela.
— É melhor você ser legal comigo, Leda.
Algum dia eu posso ser sua sogra.
Eu me virei para Bella. — Me mate agora.
— O que mata um imortal?
— Garotas de dezessete anos.
Bella riu.
— Eu adoraria ver suas asas, — disse
Tessa a Damiel, mordendo o lábio de
brincadeira.
— E você pensou que eu era ruim, —
lembrei a Nero.
— Você é ainda pior do que sua irmã
quando toma Néctar.
A faísca travessa em seus olhos me
lembrou o que havia acontecido em nosso
encontro - e na biblioteca.
— Oh. Isso é certamente vívido, —
comentou Damiel. — Eu não conhecia as
prateleiras dobradas dessa maneira.
Coloquei minha barreira mental. — Anjos
que leem mentes, — resmunguei, minhas
bochechas queimando.
— Jovem, — disse Calli.
— Homem jovem?
Calli acenou com a mão. — Não estrague
isso. Eu tinha um discurso inteiro pronto.
— Então, por tudo o que é mais sagrado.
— Suas intenções são honrosas? — ela
perguntou sem rodeios.
— O que você diria se eu dissesse não?
— Eu diria que pelo menos você é honesto.
— Os olhos dela endureceram. — E que eu
tenho um lançador de granadas em suas costas
que rasgará mais do que algumas de suas
penas, imortais ou não.
Eles se entreolharam, gelo contra fogo.
Finalmente, os dois riram.
Calli deu uma mordida no seu pão. — Eu
gosto de você.
Nero baixou o queixo. — Eu também gosto
de você.
Eles aparentemente se avaliaram e
decidiram que não precisavam ir à guerra.

Depois do jantar, Nero e eu sentamos do


lado de fora, olhando para as estrelas - e para
a completa falta de soldados vigiando a casa.
— Eu tenho que sair agora para Los
Angeles, — ele me disse.
— Eu vou ficar aqui esta noite, depois
voltarei para Nova York. — Parei. — Te verei
de novo?
— Claro. Eu fiz uma promessa a você. —
Ele se inclinou e me beijou suavemente. — E
nunca volto à minha palavra.
Com um toque final de seus lábios nos
meus, ele se afastou. Suas asas se abriram, e
ele disparou no ar. Uma pena escura caiu do
céu, pousando no meu colo.
— Ele ama uma saída dramática, —
comentei quando Calli se sentou ao meu lado.
Seu olhar cintilou na pena que eu estava
segurando entre os dedos. — Ele é um anjo.
Claro que ele ama uma saída dramática. E
você também.
— Sim. Acho que realmente somos muito
parecidos, — eu ri.
— Você está tomando cuidado, Leda? —
ela perguntou seriamente.
— Você me conhece. O que você acha?
— Que você pula de cabeça nas coisas com
boas intenções, mas não muito mais.
Passei a ponta dos dedos pelas penas de
Nero. Era tão macia quanto a seda. — Parece
certo.
— Estou preocupada com você. Você se
jogou em um mundo perigoso desta vez,
garota. Um mundo que você ainda não entende
completamente. Um mundo de deuses e
demônios. E anjos. — Ela fez uma pausa e
acrescentou: — Esse anjo está determinado.
— Para me tornar sua amante, eu sei.
— Você não entende. A maneira como ele
age. O jeito que olha para você. Ele não
permitirá que mais ninguém te cure ou cuide
de você. Ele tem que fazer por si mesmo. Ele é
protetor. Possessivo. Absolutamente assassino
se você for ameaçada.
Suspirei. — Comportamento típico de anjo.
Eles são tão mandões.
— Sim e não, — disse Calli. — Não vou
fingir que entendo tudo sobre os anjos, mas li
o livro que você tinha na bolsa, Leda. Aquele
sobre os anjos.
— Ei!
Ela me deu um olhar envergonhado. — O
livro tem uma ótima capa. E eu sou uma otária
por uma boa informação. Eu não pude resistir.
— Eu vou te perdoar se você me fizer
alguns biscoitos antes que eu vá amanhã.
— Aceito, — disse ela. — Voltando ao livro.
E anjos. A maneira como Nero age é o
comportamento clássico de acasalamento de
anjos. Ele não quer apenas que você seja
amante dele. Ele quer que você seja sua
companheira.
Calli beijou minha testa e depois voltou
para dentro de casa, me deixando com o peso
de suas palavras. Ela estava certa?
Nero me deu o livro sobre anjos. Eu pensei
que era material de pesquisa para poder lidar
com Osiris Wardbreaker e entender como
sobreviver aos jogos do Coronel Fireswift. Mas
o presente tinha sido mais pessoal? Ele estava
tentando me ajudar a entender os caminhos
dos anjos para que eu pudesse entendê-lo, para
que eu soubesse o que suas ações
significavam?
Olhei para Nero tão alto no céu, quase na
estação de trem agora. Então, ele tinha
intenções. Bem, eu tinha minhas próprias
intenções.
— Isso está longe de terminar, anjo, —
prometi a ele.

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