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Um debate sobre a consciência racial: A Ideologia política e as mudanças de

percurso.1
Maria Eduarda Reis 2

Resumo: O principal objetivo deste ensaio é explorar os entendimentos acerca da formação


da “Consciência racial” brasileira, em quais aspectos e graus ela se dá. Compreender,
primordialmente, que esta consciência não está obrigatoriamente fundamentada em ideologia
política, e sim por fatores da sociedade que tornam evidentes a existência da discriminação
raciail. Outrossim, através da trajetória de alguns movimentos sociais, busca-se aprofundar
como a discussão antirracista foi adotada no período pós-abolição.

Palavras-chave: Consciência racial; ideologia política; virada antirracista e pós-abolição

1. Introdução

“Contra o racismo, filie-se ao socialismo”. O grito de ordem ecoado por algumas


organizações na XI Marcha das Periferias, do dia 19 de novembro de 2022. O ato ocorreu
embaixo do famoso Negrão de Lima ou “Viaduto de Madureira”, local da Zona Norte do Rio
de Janeiro, conhecido pelos bailes charmes e por receber os melhores DJ’s da cena Black
carioca. A Marcha é construída pelas organizações do Movimento Negro, Social, Sindical e
Estudantil do Rio e vem há 11 anos denunciando o racismo e suas mazelas na sociedadde
brasileira.
No ano de 2022, recebeu o tema: “Contra o racismo, a fome e as chacinas - por
direitos e por democracia, reparação já”, deixando clara a denúncia aos governos que estavam
vigentes. Para além do cenário em relação à presidência - Cabe ressaltar que Bolsonaro já
havia sido derrotado nas urnas - , a reeleição de Cláudio Castro, governador que marcou sua
gestão pelas operações desumanas dentro das favelas, dando ênfase à ao caso que ficou

1
Trabalho final referente à avaliação da disciplina Movimentos Sociais na América Latina do Instituto de
História (IH) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) ministrada pelos Professores Flávio Gomes e
Wallace de Moraes.
2
Graduanda em história pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. DRE:121054617.
conhecido como “A chacina do jacarezinho”, operação da polícia Civil que matou 28
pessoas, sendo, portanto, um dos maiores massacres provocados em territórios periféricos ,
local onde os moradores, em sua maioria, são negros.
O episódio recente da Marcha é o pontapé da abordagem que será tratada neste
ensaio, pelo seguinte fator que se destacou na véspera do Dia da Consciência Negra: O grito
de ordem. Esse elemento serve como abertura para fazer a seguinte pergunta: A consciência
racial é constituída somente a partir de uma ideologia política que tende à consciência de
classe?
Quem traz essa preocupação central é o cientista político americano Michael
Hanchard, no seu intitulado livro Orfeu e o Poder, localizada dentro do capítulo que
privilegia o estudo sobre “A formação da consciência racial”, onde o autor traz a seguinte
hipótese, evidenciando algo que está articulado com a questão levantada, ou seja, a
dificuldade no que se concerne à ideologia:

Muitas vezes, a relação entre a consciência racial e a ideologia política não fica clara
para os estudiosos e ativistas da política racial brasileira. Na verdade, nem mesmo
aqueles que têm convicções firmes a respeito da identificação étnico-racial parecem
saber ao certo que formas sua identificação deve assumir. Essa falta de clareza tem
impedido o desenvolvimento da consciência racial e a formulação de posturas
políticas definidas, capazes de combinar com sucesso as análises da raça com a da
classe e da cultura. (HANCHARD, 2001.p.98)

Como será possível perceber ao longo do trabalho, a resposta não será uma regra , em
função da escolha da temática partir não somente da bibliografia apresentada na disciplina
“Movimentos sociais na América Latina”, mas por se tratar também de questões que
atravessam a experiência pessoal. Pode-se afirmar que foi uma encruzilhada e, portanto, foi
necessário fazer escolhas. Ademais, utilizei desse pontapé apenas para inserir uma reflexão
que parte dos acontecimentos recentes, pois é importante frisar que, em unanimidade, as
organizações que constroem esta Marcha, são de esquerda.
Porém, adianto as proposições que designo aqui:

a) A luta de classes não erradicou o racismo .


b) A consciência racial, independente da forma que se apresenta, é verídica.
Dentro deste panorama, com o debate de consciência racial como plano de fundo, será
imprescindível rememorar a brilhante historiadora Lélia Gonzalez, a fim de trazer a
concepção do Lugar de Negro, que recebe o título de seu livro com o sociólogo Carlos
Hasenbalg. Tal como flertar com a posição do negro e a questão política no pós abolição, para
compreender em qual momento se dá, em alguns aspectos, a virada “antirracista” dos partidos
que afirmam ter o pensamento progressista e como se apresenta a questão nos movimentos
considerados conservadores no pós-abolição, proposta esta elaborada por Jessica Graham no
livro “A política das raças - Experiências e legados da abolição e da pós- emancipação no
Brasil”, organizado pelos historiadores Flávio Gomes e Petrônio Domingues.
Da esquerda à direita, o fato não muda: a questão racial atravessa e influencia nas
relações sociais, e, por isso, é um conteúdo substancial. Sendo assim, como a história é
composta por sujeitos que também a constroem, trarei importantes figuras que conseguiram,
através de suas perspectivas, transformar a realidade independente de sua ideologia.

2. As dificuldades de ideologia política

Pretende-se, neste momento, discorrer sobre a proposta da tese de Michael Hanchard


Orfeu Poder, publicada em 1994 nos Estados Unidos e em 2001 no Brasil. Verificando de
forma minuciosa sobre as concepções tiradas por ele ao se tratar da “formação da
consciência racial”, além de apontar algumas críticas ao seu trabalho que tornou-se um dos
mais importantes feito por norte-americanos sobre o movimento negro .
O autor, em sua dissertação de doutorado, que posteriormente se tornou o livro,
buscou compreender os movimentos sociais negros no Brasil contemporâneo, dando maior
foco ao sudeste brasileiro, melhor dizendo, à São Paulo e Rio de Janeiro entre 1945 e 1988,
datas essas que estabelecem dois marcos históricos no Mundo e no Brasil: o fim da Segunda
Guerra Mundial, assim como a promulgação da constituição de 1988, após um período de 21
anos da ditadura militar.
Inicialmente, é lícito criticar não somente Hanchard, mas outros autores que
pesquisam o movimento negro, pelo fato de maioria das produções historiográficas que
estudam esse tema, focam mais em produções culturais que ocorreram no Rio de Janeiro e
em São Paulo. É uma visão que reduz a diversidade entre as regiões brasileiras, assim como
prejudica intelectuais em formação que pesquisam o movimento negro. Apesar de ser
expressivo os processos no sudeste, não se deve deixar de lado as lutas e os papéis de outras
regiões.
Além disso, o cientista político argumenta na introdução que “não existiu nenhum
movimento social afro-brasileiro sistemático no Brasil, comparável ao movimento pelos
direitos civis nos Estados Unidos ou às insurreições nacionalistas na África subsaariana, no
período que se seguiu à Segunda Guerra Mundial” (HANCHARD, 2001, p. 20), associando
isso a uma incapacidade de mobilização. Tal apontamento levantado pelo autor se torna
problemático devido à falta de cautela em estudar outro país, tendo em vista a possível
percepção que surge através de uma lente imperialista norte-americana. Em suma, ele indica
que o Brasil deveria utilizar os Estados Unidos como um modelo de mobilização a ser
seguido.
No capítulo específico sobre a "Formação da consciência racial”, é conceituado três
categorias gerais, consideradas: “Semelhança fraca” , “Semelhança forte” e uma
“combinação das semelhanças fracas e fortes”. O primeiro abordado foi a semelhança fraca,
que, nas palavras de Hanchard, é uma “questão de disposição, de atitude”(HANCHARD,
2001, p.100) e que, portanto, pode ser considerada apolítica. Acerca da semelhança forte,
significa “A mobilização estratégica de sentimentos inicialmente experimentados no nível
fraco”(HANCHARD, 2001, p. 102), ou seja, sua finalidade está articulada com a questão
política. A última categoria, as “semelhanças fracas e fortes”, seria a coalizão entre as duas
semelhanças apresentadas, no entanto, com aspectos contextuais.
O objetivo de Hanchard para conceituar estes graus foi para designar uma diferença
entre as “identificações básicas” e as condutas que politizam tal consciência. Nesse contexto
que se insere a preocupação medular que aqui proponho, e tal perspectiva julgo que se
metamorfoseou a partir de uma figura importante que foi entrevistada: Adalberto Camargo.
Adalberto Camargo foi considerado um político conservador, que durante 16 anos
permaneceu como único deputado Federal em Brasília a viver sob a ótica negra, contando
com apoio tanto da esquerda quanto da direita, tendo em vista que foi eleito pelo antigo
MDB, oposicionista, e também pela Arena, partido da situação.3 Dentro de seu projeto
político, ele possuía como item primordial a ascensão da juventude negra, através da
distribuição de bolsas de estudos. Na entrevista que foi cedida à Hanchard, ele afirma que não

:https://primeirosnegros.com/adalberto-camargo-simbolo-do-pioneirismo-empresarial-politico-e-social-no-brasil
/
está muito interessado na ideologia. O que o motiva, segundo afirmou, são a iniciativa
privada, o desenvolvimento capitalista e o desenvolvimento social dos afro-brasileiros.
Adalberto foi uma figura importantíssima para a exemplificação da consciência racial,
apesar de não ser uma regra, visto que a maioria das representatividades políticas que
assumem cargos em partidos de direita, ainda partilham de uma ideia de democracia racial,
contestanto, assim, a existência do racismo. Ao mesmo tempo que, dentro do sistema,
negligenciam as pautas raciais e reproduzem mais condutas que fortalecem as mazelas do
racismo no país. Entretanto, esse sujeito da história, a partir de uma perspectiva que é muito
diferente dos que estavam envolvidos no debate de mobilização, conseguiu transformar a
realidade na qual estava inserido através do que almejava.
Em determinado momento do capítulo aqui debruçado, Hanchard também evoca a
importante figura de Januário Garcia, que foi presidente do Instituto de Pesquisas das
Culturas Negras (IPCN) por duas vezes. No que se refere a esse debate, Januário proclamava:
“Não sou nem de esquerda nem de direita: sou negro” (HANCHARD, 2001, p.101). É
interessante a afirmação de Januário para condensar o verdadeiro intuito que abordo aqui, e
como ele já complementa e sustenta sua fala, a luta afro-brasileira preexistia a luta partidária.
Assemelha com a célebre frase da filósofa Sueli Carneiro: “Entre a esquerda e a direita, sei
que continuo preta”.
Ao fim e ao cabo, trazer a relevância da história do negro no Brasil apontanto as
raízes do preconceito racial no âmbito econômico e constitído apenas na luta de classes, é
reduzir a história e dar margem novamente para uma narrativa dos brancos. Assim como
coloca o sujeito numa caixa, indicando que a única solução para atingir a igualdade é a partir
de uma “ideologia apropriada”. Para, enfim, finalizar este tópico, compartilho o juízo deixado
por Beatriz Nascimento, que está presente no livro “Uma história feita por mãos negras”:

O preconceito quanto ao estudo das ideologias provoca, no pensamento das camadas


instruídas do país, uma série de mal-entendidos que com aparência de aceitar a
contribuição cultural do negro - perpetuam o racismo, pois fundamentalmente elas
desconhecem quem são os contribuintes e, o que é pior, não os querem conhecer.
Preferem muitos teóricos repetir obviamente que a origem da discriminação está no
aspecto socioeconômico que caracteriza a sociedade brasileira. Insistem não ver o
preconceito racial como reflexo da sociedade como um todo, ou seja, em todos os
seus níveis, pois a ideologia, em que repousa o preconceito, não está dissociada do
nível econômico ou do jurídico-político; não está nem antes nem depois desses dois,
também não está acima ou abaixo. A ideologia, em suas formas, integra-se e está
acumulada numa determinada sociedade, juntamente com os outros dois níveis
estruturais. (NASCIMENTO, 2021, p.52)

3. Experiências Políticas: transformações das circunstâncias raciais.

A década de 30 no Brasil foi exposta à transformações no assunto que diz respeito ao


cenário racial, isso devido à conjuntura mundial, marcada por crises e guerras que
demandavam novos horizontes para se pensar em termos políticos e econômicos das relações
brasileiras, assim como se encontrava num período relativamente próximo à abolição da
escravidão, já que havia passado um pouco mais de 40 anos. A partir desse prisma, cabe
discorrer, ainda sobre a consciência racial, mas inserido num contexto específico, que solicita
as ideias circuladas nos movimentos da época. Para subsidiar a análise, utilizarei o texto da
historiadora Jessica Graham “A virada antirracista do partido comunista do Brasil, A Frente
Negra Brasileira e a Ação Integralista Brasileira na década de 1930”.
Nesse texto, Jéssica propõe uma narrativa antirracista dos movimentos existentes da
década e apresenta disputa ideológica entre essas organizações, que buscavam aderência dos
negros a algum posicionamento político. Todavia, ela privilegia a doutrina racial do Partido
Comunista Brasileiro, que se dedicava na luta antifascista e contra Vargas. Em oposição, na
busca pela hegemonia, havia a Ação Integralista brasileira, organização fundada em 1932 por
Plínio Salgado, que possuía um viés fascista e buscava um nacionalismo econômico. A
década foi marcada pela agitação de politizar o debate racial, e, por isso, em 1931, emerge a
FNB, A Frente Negra Brasileira, que foi a organização negra mais importante no Brasil.
Dado o contexto, o dilema que aparece é o de que, com essas forças se inserindo no
debate racial, a FNB cativava olhares do partido comunista e da ação integralista. E o que
acontece é a aderência de muitos frentenegrinos à AIB. Este cenário deixa algumas lacunas
em relação a como a ação integralista, com seus atributos, conquistou esta adesão.
Uma das justificativas é o que tenho aprofundado como proposição ao longo da
escrita, que a luta de classes não erradicou o racismo, assim como reforça o trecho abaixo,
que conta com a perspectiva de José Correia Leite, um dos fundadores da FNB.

PCB recusou-se a engajar-se em questões raciais, apontando o classicismo como


única causa das adversidades com as quais deparam os afro-brasileiros. Ativistas
negros da época, como José Correa Leite, também promulgaram a ideia simplista de
que os comunistas fracassaram completamente em distinguir discriminação racial de
opressão de classe (p.354)

A lacuna que surge neste ensaio, pode-se justificar também por uma certa carência do
aprofundamento de Jessica Graham ao se falar das singularidades da Ação integralista. É
preciso compreender que está se tratando de um movimento que exprime o nazifascismo no
Brasil. As concepções e construções de narrativas concebidas deste período são sensíveis
tanto para os leigos, quanto para os estudiosos do assunto. No entanto, também é preciso
considerar a escassa bibliografia que disponha a relação dos negros com o integralismo.
Outro ponto se deve ao pensamento que estava instituído naquela época. Haviam
muitos simpatizantes de um pensamento conservador e cristão, então é preciso estar vigilante
nas particularidades da extrema direita no brasil ao se assemelhar o fascismo com a AIB,
porque isso fundamenta a adesão de muitos frentenegrinos, tendo em vista que os seus lemas
eram compatíveis: “Deus, Pátria e família” e “Deus, pátria, raça e família”. O importante
intelectual brasileiro, Abdias do Nascimento, já havia declarado também do quanto que a
Ação Integralista tinha educado sobre as realidades sociais, políticas e econômicas
(GRAHAM, 2014, p.367).
O historiador Jacino Ramatis, em seu artigo dedicado em pensar no conservadorismo
como estratégia para enfrentar o racismo, conclui seu texto com uma reflexão indispensável,
ao afirmar as dificuldades em achar trabalhos que compreendam

As razões pelas quais parte da intelectualidade e lideranças afrodescendentes


abraçaram uma causa que, a princípio, não representava a continuidade do legado de
lutas protagonizadas por negros ao longo do período escravista, nem mesmo da
resistência à marginalização da qual foram objeto no longo período de transição.

É uma discussão perigosa, pelo motivo de abrir a possibilidade de criarem juízos de


que o consentimento entre parcela dos frentenegrinos à AIB, tenha se estabelecido de maneira
inconsciente ou ingênua. A escolha política se deu de acordo com o que os intelectuais da
época julgavam coerentes para o que se aspirava: uma inserção do negro na sociedade e na
política após centenas de anos sendo escravizados. Sempre é bom relembrar que a abolição
era algo muito recente no Brasil na década de 30.
4. Alguns esclarecimentos: As lentes de Lélia Gonzalez e Carlos Hasenbalg

Até o momento, busquei fazer uma crítica ao marxismo ortodoxo, que se manifesta
sutilmente nas organizações políticas e movimentos que buscam pensar primeiro em termos
de classe. Retornei à década de 30, olhando atenciosamente as disputas políticas que
emergiram no campo ideológico, que foi obrigada a se pensar na inserção do negro na
política. Cabe, agora, propor alguns breves esclarecimentos a partir do livro “Lugar de
Negro”, uma vez que o pensamento construído até aqui possa ser interpretado de maneira
errônea, devido à amplitude dos conceitos e questões dialogadas.
É indispensável, primeiramente, rememorar a grandiosa intelectual Lélia de Almeida
Gonzalez: Filósofa, professora, atuante do movimento negro e feminista. Foi uma figura
fundamental na luta contra o racismo, sendo também uma das pioneiras da abordagem
interseccional. No entanto, a interpelação de agora, quem traz em termos práticos é o
sociólogo Carlos Hasenbalg, que também discorre sobre raça, classe e mobilidade.
Neste capítulo, Hasenbalg descreve o cenário já da década de 80, onde mesmo
completando quase 100 anos da abolição da escravatura, dentro da hierarquia social, os
negros ocupavam a última camada. A leitura da realidade é incontestável: em todos os setores
da sociedade, sobretudo ao que envolve o econômico, os negros estão na base da pirâmide.

A participação do negro no sistema produtivo está caracterizada pela concentração


desproporcional nos setores de atividade que absorvem mão-de-obra menos
qualificada e pior remunerada. Por sua vez, os fatos mencionados determinam uma
participação altamente desigual de brancos e negros na distribuição de renda e na
esfera do consumo do produto social.
Esse perfil de desigualdades raciais não é um simples legado do passado; ele é
perpetuado pela estrutura desigual de oportunidades sociais a que brancos e negros
estão expostos no presente. Os negros sofrem uma desvantagem competitiva em
todas as etapas do processo de mobilidade social individual. Suas possibilidades de
escapar às limitações de uma posição social baixa são menores que a dos brancos da
mesma origem social, assim como são maiores as dificuldades para manter as
posições já conquistadas.

Isso leva a uma alegação que até agora não foi exposta de maneira clara: pensar em
termos de classe não está desarticulado com a raça. A problematização é em cima de como é
que a camada político-partidária lida/lidou com este panorama, secundarizando a pauta racial.
Dessa forma, dada a estrutura do funcionamento da sociedade brasileira, o que tenho
levantado não é a forma certa ou errada de se combater, e sim que a consciência não está
somente condicionada a esse fator partidário. É uma realidade muito mais complexa para
apenas apontar a alternativa de que “para combater o racismo, filie-se ao socialismo”, como
trouxe no início, que negligencia a história plural que as facetas “antirracistas” e o
movimento negro possui.

5. Conclusão

Não pretendia nesse ensaio apontar as dificuldades de mobilização de maneira ampla


ou aprofundada. Diante das bibliografias subsidiadas, procurei buscar as formas como a
consciência racial pode se apresentar, e que ela pode ser plural. Desde o relato de Joel Rufino
dos Santos que foi ofertada à tese Orfeu e o poder4 até o posicionamento que se manifestava
em Adalberto Camargo, comprovam que essa consciência pode existir independente da
ideologia política. Entretanto, refletindo nos termos de mobilização, não posso aplicar em
todos os contextos existentes, pois poderei estar cometendo uma gafe que é reduzir todo um
debate amplo e estudado por décadas em uma única possibilidade. Busquei tratar da temática
apontando métodos que personalidades negras buscaram para conquistar a dignidade de ser e
existir: seja dentro ou fora da política partidária ou ideologia a ser seguida.
Transportando novamente a ideia de Sueli Carneiro, a consciência racial está na
defesa da dignidade de ser negro. No que concerne à ação política, é algo que pode ou não
ocorrer, tal como pode se dar em espaços diferentes, que por muitas vezes julguei
contraditório.
Ao trazer “A virada antirracista do partido comunista do Brasil, A Frente Negra
Brasileira e a Ação Integralista Brasileira na década de 1930”, não foi a fim de mudar a
percepção sobre o que a AIB representou, mas apontar que existiu uma aproximação de
4
“Joel Rufino dos Santos, um dos grandes intelectuais do movimento negro e do PDT no Brasil [...] Depois de
passar vários anos no exílio, em seguida do golpe de 1964, Rufino voltou ao Brasil, sendo prontamente detido
num trem que ia de São Paulo para o Rio de Janeiro [...] Durante o seu período de encarceramento, foi detido a
varias formas de interrogatório e tortura. Em muitas ocasiões, foi interrogado por uma equipe de três homens,
composta por um japonês, um negro e um judeu [...] certa feita, Rufino foi informado por seus inquiridores que
seria fuzilado [...] Rufino descreveu o que aconteceu depois: 'Eles acabaram dizendo que eu ia morrer no dia
seguinte. Passei aquela noite inteira me preparando para a morte. Na manhã seguinte, tiraram-me da minha cela
e me puseram num carro. Fui colocado no banco de trás, com uma pessoa sentada na frente e com o branco à
minha direita . O sujeito branco saiu do carro para urinar e eu fiquei sozinho com o negro. Ele me deu um
tapinha no braço e disse que eu ficasse calmo, que nada iria me acontecer. Falou que tudo aquilo fora montado,
só para me assustar. Mostrou-se amistoso. Perguntei-lhe por que tinha resolvido me tratar daquele jeito, depois
de ter ajudado a me interrogar. Ele apenas olhou para mim e passou um dedo em seu braço, para mostrar que
tinha sido por causa da cor da minha pele’.”
algumas lideranças negras, pois surgiu a oportunidade de atuar em um espaço que dê a
possibilidade de concretizar as aspirações do momento vivenciado, a partir das táticas e
estratégias políticas. Se é ou não contraditório, a resposta pode ser que sim, mas a contradição
faz parte da atuação política. Seria necessário um outro ensaio para poder discorrer acerca
dessa problematização.

6. Referências bibliográficas

GONZALEZ, Lélia; HASENBALG, Carlos. _Lugar de Negro._ Rio de Janeiro, Editora


Zahar, 2022.

GRAHAM, Jéssica. “A virada anti racista do Partido Comunista Brasileiro, A Frente Negra
Brasileira e a Ação Integralista Brasileira na década de 1930”, in: Políticas da Raça.
Experiências e legados da Abolição e da Pós-Emancipação no Brasil, São Paulo, Selo Negro,
2014, pp. 353-376)

HANCHARD, Michael G. Orfeu e o Poder. Movimento Negro no Rio e São Paulo, Rio de
Janeiro, Editora UERJ, 2011. pp. 97-166.

JACINO, R. Frente Negra, Ação Integralista e o conservadorismo como estratégia de


enfrentamento ao racismo – 1930-1937. Revista de História, [S. l.], n. 181, p. 1-29, 2022.
DOI: 10.11606/issn.2316-9141.rh.2022.189271. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/189271. Acesso em: 20 jan. 2023 .

RATTS, Alex (Org.). Beatriz Nascimento: Uma história feita por mãos negras. Rio de
Janeiro: Zahar, 2021.

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