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O Movimento Black Power: Um Estado do Campo


Peniel E. Joseph

Journal of American History, Volume 96, Issue 3, December 2009, Pages 751–776.
(tradução – Marcus Vinicius) Não revisado

“Na verdade***, já não há muitas questões sobre o significado - pelo menos o


significado pretendido*** - do Black Power”, observou o jornalista Charles Sutton, em
janeiro de 1967. Continua Sutton, “entre os discursos e os escritos de Stokely Carmichael,
presidente do Comitê Estudantil de Coordenação Não violenta (SNCC), as explicações de
Floyd McKissick, diretor do Congresso da Igualdade Racial (CORE), e os escritos de mais de
vinte acadêmicos e comentadores, o slogan e suas várias suposições foram examinados
minunciosamente***”.1
Claramente, Sutton estava errado. Apesar dos esforços para defini-lo, tanto naquela
época quanto hoje, o "Black Power” existe no imaginário americano como uma série de
imagens emblemáticas, contudo fugazes - dos Panteras Negras de armas em punho às luvas
negras dos velocistas na Olimpíadas da Cidade do México, em 1969 - que evocam a confusa
mistura de triunfo e tragédia da época. Com efeito, a iconografia de Stokely Carmichael em
Greenwood, Mississippi; os Panteras Negras marchando em frente ao tribunal de Oakland,
Califórnia; e o cartaz de "procura-se" por Angela Davis divulgado*** pelo FBI servem como
uma espécie de taquigrafia visual para entender a história do período. Entretanto, estas
imagens nos dizem muito pouco sobre o movimento que as gerou.
Este fato foi obscurecido pelas narrativas convencionais dos direitos civis, que, até
recentemente, aceitaram como um consenso a ideia de que o Black Power minou as lutas por
justiça racial. Tais narrativas diferiram mais em seu nível de condenação do que em sua
análise do impacto autodestrutivo do movimento Black Power. A inclusão, por vezes, de
retórica violenta, misoginia, e bravata pelos defensores do Black Power tem feito deles
mesmos e de suas lutas alvos fáceis de rejeição e demonização. Por exemplo, o Black Power
está no centro das narrativas de declínio dos anos 60: a destrutividade do movimento
envenenara a inocência da Nova Esquerda, corrompera uma geração de ativistas negros, e
desviara os direitos civis de seu caminho de uma maneira que reforçou a segregação racial
dando aos políticos um claro e assustador bode expiatório. A repercussão que se seguiu,
aparentemente destruiu o potencial do movimento por direitos civis de estabelecer novas
1 Charles Sutton, A look at Black Power and Negores’ Future, em Independent Press Telegram. Jan. 15, 1967, p.
B3.
2

fronteiras democráticas. Esta narrativa ainda fornece muito frequentemente a base para
compreensões populares, assim como abordagens acadêmicas, do Black Power como uma
impassível falha e uma contraparte negativa aos mais retos esforços para a integração racial, a
justiça social, e a igualdade econômica.2
Dadas as imagens excessivamente negativas associadas ao Black Power, os esforços
para defini-lo têm sido, em grande parte, arbitrários. Até recentemente, as perspectivas sobre
o movimento foram formadas primordialmente pela memória daqueles que o viram somente
como uma resposta raivosa ao ritmo lento das lutas por direitos civis. Não
surpreendentemente, um claro trabalho de definição do Black Power se mostrou difícil de
encontrar, especialmente porque ele foi muito frequentemente visto como um "gêmeo mal" do
movimento por direitos civis.
A era Black Power foi inicialmente documentada como parte da primeira onda
historiográfica do movimento por direitos civis, mas, especialmente ao longo dos últimos
quinze anos, os estudos sobre o movimento Black Power tem crescido em ambição,
complexidade e amplitude, culminando num novo subcampo que Peniel E. Joseph chamou de
"Black Power Studies"3. Esta onda de pesquisa sobre o período começou a desmistificar,
complexificar, e engajar intelectualmente lutas e atores demonizados, rejeitados e
negligenciados, proporcionando narrativas matizadas, sólidas e bem pesquisadas que
documentam profundas implicações das políticas do Black Power para o estudo da história
afro-americana e, mais amplamente, a história dos Estados Unidos. O Black Power pode ter
sido aproveitado*** em comunidades negras, mas suas iterações múltiplas desafiaram o
escopo do liberalismo, da democracia, e do Estado-nacional, assim como o modo que nós
encaramos a prática da democracia nos níveis local, regional, nacional, e global. Este ensaio
examina a evolução da historiografia do Black Power, sua mudança de significado dentro das
pesquisas sobre o movimento por direitos civis, e seu recente crescimento como um
subcampo distinto na história dos Estados Unidos.

2 Ver, por exemplo, Allen J. Matusow, The Unraveling of America: A history of liberalismo in the 1960s (Nova
Iorque, 1985); Todd Gitlin, The Sixties: Years of Hope, Days of Rage (Nova Iorque, 1989); Hugh Pearson, The
shadow of the Panther: Huey P. Newton and the price of Black Power in America (Reading, 1994); Maurice
Isserman and Michael Kazin, America divided: The civil war of the 1960s (Nova Iorque, 2000); e Gilbert Jonas,
Freedom’s Sword: The NAACP and the struggle against racism in America (Filadélfia, 2003). Para estudos
sobre as política e cultura radicais nos anos 60 que desafiaram esta visão do Black Power ver Van Gosse e
Richard Moser (orgs.), The world the sixties made: Politics and culture in recent America (Philadelphia, 2003);
David Barber, A hard rain fell: SDS and why it failed (Jackson, 2008), pp. 3-51; e Jeremi Suri, The rise and fall
of an international culture, 1960-1975, em American Historical Review, n. 114 (Fev. 2009), pp. 45-68.
3 Ver as questões específicas em Peniel E. Joseph (org.), “Black Power Studies I” em Black Scholar, n. 31
(outono-inverno de 2001), pp. 1-66; e Id., (org.), Black Power Studies II, ibid., n. 32 (primavera de 2002), 1-66.
3

A expressão moderna do Black Power surgiu de duas tradições distintas, mas com
pontos em comum, que formaram o ativismo político negro na primeira metade do século XX:
o "radicalismo New Negro" dos anos 20 e as subsequentes ondas de libertação*** -
movimentos democráticos que incluíram ativistas de base, trabalhistas e dos direitos civis em
todo o país - da época da Grande Depressão e Segunda Guerra Mundial que alimentaram uma
extensa visão de cidadania, direitos civis, e democracia. Dando ênfase ao orgulho racial, à
conexão entre os direitos civis nos Estados Unidos e no terceiro mundo, e à política de
autodeterminação, através de protestos contundentes e, por vezes, deliberadamente
provocativos, militantes negros no norte foram inspirados, simultaneamente, pela heroica ação
direta dos manifestantes do sul e repelidos*** pelos espetáculos de violência racial que lá
existiam. No final dos anos 50, estes militantes do norte, descrentes sobre a habilidade da
democracia americana de defender a cidadania negra, formaram um movimento paralelo sem
nome. Em 1961, ativistas nova-iorquinos incluindo Maya Angelou, LeRoi Jones
(posteriormente Amiri Baraka) e Mae Mallory desencadearam o caos*** no solo das Nações
Unidas em manifestações contra o assassinato de Patrice Lumumba, primeiro-ministro da
República Democrática do Congo. A morte de Lumumba nas mãos de seus inimigos políticos
ultrajou os nacionalistas do Harlem, que o viam como um mártir heroico morto por desafiar a
política externa americana, que, por sua vez, dizia promover a autonomia africana nos
assuntos internacionais. No ano seguinte, estudantes universitários radicais negros fundaram,
em Ohio, o Movimento de Ação Revolucionária (RAM), que se comprometeu com o
socialismo e a autodefesa armada e rapidamente estabeleceu bases em diversos estados. Na
Califórnia, ativistas associados ao RAM fundaram a Soulbook, uma revista cultural em que
dentre os membros da equipe se incluía o futuro Pantera Negra Bobby Seale. Em Detroit,
militantes negros se organizaram em torno do Grupo sobre Liderança Avançada em 1961,
para protestar contra os planos de revitalização urbana. Estes grupos todos encontraram uma
identidade e um porta-voz nacional em Malcolm X. 4 Em seu núcleo, o movimento Black
Power, em contraste às lutas por direitos civis, privilegiou uma visão de fortalecimento negro
que teve alcance nacional e internacional, manteve a política de autodeterminação como
sacrossanta, e chamou para uma redefinição da identidade negra que conectasse americanos

4 Willian L. Van Deburg, New day in Babylon: Black Power and American culture, 1965-1975 (Chicago, 1992);
Peniel E. Joseph, Waiting ‘til the midnight hour: a narrative history of Black Power in America (Nova Iorque,
2007); James Smethurst, The Black Arts Movement: Literary nationalism in the 1960s and 1970s (Chapel Hill,
2005); e Jeffrey O. G. Ogbar, Black Power: Radical politics and African American Identity (Baltimore, 2005).
Sobre o papel de Malcolm X e a Nação do Islã no desenvolvimento do Black Power, ver William W. Sales Jr.,
From civil rights to black liberation: Malcolm X and the organization of afro-american unity (Boston, 1994); e
Claude Andrew Clegg III, An original man: the life and times of Elijah Muhammad (Nova Iorque, 1998).
4

negros a um projeto político nacional e global baseado na solidariedade racial e a uma história
compartilhada de opressão racial.
O movimento Black Power, em seu desafio do liberalismo racial do pós-guerra,
transformou fundamentalmente as lutas por justiça racial através de uma busca inflexível por
transformações social, política, cultural e econômica. As atividades do movimento durante o
fim dos anos 60 e início dos anos 70 abrangeram virtualmente todas as facetas da vida política
afro-americana nos Estados Unidos e além dele. Contudo a história do Black Power é ainda
em grande parte uma epopeia inescrita na história americana. Estudantes universitários negros
protestaram por mudanças curriculares que culminaram no desenvolvimento de
departamentos e programas de "Black Studies" em todo país. Os políticos afro-americanos
aproveitaram a onda de solidariedade racial para ajudar a construir máquinas de políticas
urbanas que elegeram prefeitos em cidades como Cleveland, Detroit, Atlanta, Newark, e
Gary, Indiana, e levou à formação da Assembleia de Negros Congressistas.5 Mulheres negras
utilizaram a militância da retórica urgente do movimento*** para articular uma visão
feminista ousada (aquela que era, muitas vezes, crítica da misoginia do Black Power) e fazer
valer os seus direitos a amplos serviços sociais, especialmente aqueles relacionados a questões
básicas como habitação, educação e bem-estar social***.6 Embora as vitórias jurídicas e
legislativas do período dos direitos civis desempenhassem um papel crucial nestas lutas, a
militância do Black Power mostrou-se decisiva em inaugurar a primeira geração de
funcionários públicos eletivos e produzir um eclético leque de movimentos sociais

5 Para uma história abrangente do período ver Peniel E. Joseph , Waiting ‘til the midnight hour; Komozi
Woodard, A nation within a nation: Amiri Baraka (Leroi Jones) and Black Power politics (Chapel Hill, 1999);
Leonard Moore, Carl B. Stokes and the rise of the black political power (Urbana, 2002); Peniel E. Joseph (org.)
The Black Power Movement: Rethinking the Civil Rights-Black Power Era (New York, 2006); Peniel E. Jopeph
(org.), Neighborhood Rebels: Black Power at the Local Level (New York, 2010, no prelo); Cedric Johnson,
Revolutionaries to Race Leaders: Black Power and the Making of African American Politics (Minneapolis,
2007); e Manning Marable, Race Reform, and Rebellion: The Second reconstruction in Black America, 1945-
1990 (Jackson, 1990).
6 Paula Giddings, When and Where I Enter: The Impact of Black Woman on race and Sex in America (Nova
Iorque, 1984); Deborah Gray White, Too Heavy a Load: Black Women in Defense of Themselves, 1894-1994
(Nova Iorque, 1999); Beverly Guy-Sheftall (org.), Words of Fire: An Anthology of African-American Whomen
in the Civil Rights-Black Power Movement (Nova Iorque, 2001); Joy James, Shadowboxing representations of
Black Feminist Politics (Nova Iorque, 1999); Rhonda Y. Williams, The Politics of Public Housing: Black
Women’s Struggle against Urban Inequality (Nova Iorque, 2004); Matthew Countryman, Up South: Civil Rights
and Black Power in Philadelphia (Filadélfia, 2005); Premilla Nadasen, Welfare Warriors: The Welfare Rights
Movement in the United States (Nova Iorque, 2005); Christina Greene, Our Separate Ways: Woman and the
Black Freedom Movement in Durham, North Carolina (Chapel Hills, 2005); Felicia Kornbluh, The Battle for
Welfare Rights: Politics and Poverty in Modern America (Filadélfia, 2007) Annelise Orleck, Storming Caesar’s
Palace: How Black Mothers Fought Their Own Way on Poverty (Boston, 2006); Kimberly Springer (org.) Still
Lifting, Still Climbing: African American Women’s Contemporary Activism (Nova Iorque, 1999); Kimberly
Springer, Living for the Revolution: Black Feminist Organizations, 1968-1980 (Durham, 2005); Winifred
Breines, The Trouble between Us: An uneasy History of White and Black Women in the Feminist Movement
(Nova Iorque, 2006); Anne M. Valk, Radical Sisters: Second-Wave Feminism and Black Liberation in
Washington D.C. (Urbana, 2008).
5

multiétnicos e multitemáticos que o historiador Jeffrey Ogbar memoravelmente caracterizou


como "radicalismo arco-íris".7
Em seu ataque ao racismo institucional, partidários do lado cultural do Black Power
defenderam a construção de escolas, comunidades e mesmo estados racialmente separados
para curar problemas sistêmicos – e também atender a necessidades rotineiras/básicas. Os
Panteras Negras serviram café da manhã gratuito para estudantes em cidades como Oakland,
New Haven, e Winston-Salem, Carolina do Norte, enquanto eles também confrontavam
abertamente autoridades locais, estaduais e federais em batalhas que se transformaram em
espetaculares cenas políticas, de manifestações em massa a confrontos violentos.
Arrendatários negros em Lowndes County, Alabama, militantes urbanos no Harlem e em
Chicago, sindicalistas em Detroit, Panteras Negras em Oakland, Philadelphia, e New Haven, e
organizações de mulheres contra a pobreza em Baltimore e Durham, Carolina do Norte, todos
defendiam um programa político baseado em aspectos da ideologia Black Power.8
O significado do termo "Black Power" permanece contestado. Popularizado por
Stokely Carmichael durante a marcha Meredith em Greenwood, Mississippi – quando líderes
dos direitos civis lideraram uma manifestação de três semanas de duração em junho de 1966
até o capitólio deste estado após o ativista James Meredith ser baleado no segundo dia de sua
solitária "marcha contra o medo". A expressão foi usada anteriormente por Richard Wright
como o título de seu tratado sobre a liberação da costa oeste africana; pelo ativista Paul

7 Ogbar, Black Power, 159. Ver também Paul Chaat Smith and Robert Allen Warrior, Like a Hurricane: The
Indian Movement from Alcatraz to Wounded Knee (Nova Iorque, 1997); Carlos Muñoz, Youth, Identity, and
Power: The Chicano Movement (Londres, 2007); Steve Louie and Glenn K. Omatsu, (orgs.), Asian Americans:
The Movement and the Moment (Los Angeles, 2006); Grace Lee Boggs, Living for the Change: An
Autobiography (Minneapolis, 1998); e Diane C. Fujino, Heartbeat of Struggle: The Revolutionary Life of Yuri
Kochiyama (Minneapolis, 2005).
8 Sobre o lado cultural do Black Power ver Rod Bush, We Are Not What We Seem: Black Nationalism and
Class Struggle in the American Century (Nova Iorque, 1999); Smethurst, Black Arts Movement; Woodard,
Nation within a Nation; Joseph, Waiting ’Til the Midnight Hour; Jerry Gafio Watts, Amiri Baraka: The Politics
and Art of a Black Intellectual (Nova Iorque, 2001); Wayne Glasker, Black Students in the Ivory Tower: African
American Student Activism at the University of Pennsylvania, 1967–1990 (Amherst, 2002); Joy Ann
Williamson, Black Power on Campus: The University of Illinois, 1965–75 (Urbana, 2003); Mike Marqusee,
Redemption Song: Muhammad Ali and the Spirit of the Sixties (Londres, 1999); Amy Bass, Not the Triumph but
the Struggle: The 1968 Olympics and the Making of the Black Athlete (Minneapolis, 2002); Douglas Hartman,
Race, Culture, and the Revolt of the Black Athlete: The 1968 Olympic Protests and Their Aftermath (Chicago,
2003); e Algernon Austin, Achieving Blackness: Race, Black Nationalism, and Afrocentrism in the Twentieth
Century (Nova Iorque, 2006). Sobre os Panteras Negras, ver Charles Jones (org.), The Black Panther Party
Reconsidered (Baltimore, 1998); Yohuru Williams, Black Politics/White Power: Civil Rights, Black Power, and
the Black Panthers in New Haven (New York, 2000); Kathleen Cleaver and George Katsiaficas (orgs.),
Liberation, Imagination, and the Black Panther Party: A New Look at the Panthers and Their Legacy (Nova
Iorque, 2001); Ogbar, Black Power; Jama Lazerow and Yohuru Williams (org.), In Search of the Black Panther
Party:New Perspectives on a Revolutionary Movement (Durham, 2006); Curtis J. Austin, Up against the Wall:
Violence in the Making and Unmaking of the Black Panther Party (Fayetteville, 2006); Paul Alkebulan, Survival
Pending Revolution: The History of the Black Panther Party (Tuscaloosa, 2007); Jane Rhodes, Framing the
Black Panthers: The Spectacular Rise of a Black Power Icon (Nova Iorque, 2007); e Judson L. Jeffries (org.).,
Comrades: A Local History of the Black Panther Party (Bloomington, 2007).
6

Robeson quando usou o termo "Negro Power" durante os anos 50; e pelo congressista do
Harlem Adam Clayton Powell Jr. no início de 1966. 9. Seu uso definiu a força política negra
em termos, mais do que específicos, gerais. Em 1966, o Black Power se definiu como um
movimento por solidariedade racial, orgulho cultural e autodeterminação. Mais que isso, sua
retórica urgente, postura militante, e tom desafiador tornaram a expressão um toque de
trombeta para um tempo cada vez mais revolucionário. A partir deste ponto de vista, o Black
Power veio a ser definido como a vanguarda do ativismo negro, um movimento cuja
militância contrastava com o tom mais comedido do movimento por direitos civis e que
parecia sinalizar uma ruptura com as formas anteriores do ativismo negro. O Black Power
ecoou através dos Estados Unidos como um ousado chamado para a libertação afro-
americana.
Os brancos viram a expressão como uma declaração de guerra que inspirou o
Saturday Evening Post a professar: “We are all; let us face it, Mississipians”***. A revista
Time caracterizou o termo como "uma filosofia racista" que defendia a discriminação reversa,
e o U.S. News and World Report debateu seu significado enquanto esperava que os ativistas
negros moderados viessem intervir e acalmar as crescentes preocupações raciais*** acerca do
termo. Com seu poderoso púlpito intimidador, a mídia nacional veio a definir o Black Power
como violento, raivoso, controverso e antibranco.10
Em seu livro Black Power (1967), escrito com o cientista político Charles Hamilton,
Carmichael definiu o Black Power como uma série de "experimentos" políticos que
utilizariam o voto e a política eleitoral, e dedicou um capítulo para esses esforços
organizacionais*** em Lowndes County, Alabama. “É um chamado para o povo negro neste
país, para a união, para reconhecer sua herança, para construir um senso de comunidade. É um
chamado para que o povo negro defina seus próprios objetivos, para conduzir a suas próprias
organizações”, disse Carmichael em uma ocasião à parte em 1966. Outros ativistas e
organizações expandiram a concepção de Carmichael sobre o Black Power, adaptando o
termo para adequá-lo às necessidades locais e regionais e usando-o como uma chamada
nacional para o fortalecimento negro, cujas reverberações podiam ser sentidas mundialmente.
Sobre este assunto, The Crisis of the Negro Intellectual (1967), de Harold Cruse, tornou-se a
mais influente história intelectual e cultural do radicalismo negro, escrita por alguém que

9 Sobre a marcha de Meredith ver David Garrow, Bearing the Cross: Martin Luther King, Jr., and the Southern
Christian Leadership Conference (Nova Iorque, 1999), pp. 475–489; Taylor Branch, At Canaan’s Edge: America
in the King Years, 1965–68 (Nova Iorque, 2006), pp. 480–494; and Joseph, Waiting ’Til the Midnight Hour, pp.
132–146; Richard Wright, Black Power: A Record of Reactions in a Land of Pathos (Nova Iorque, 1954). Paul
Robeson, Here I Stand (Boston, 1988), pp. 33–36 e 104–108. O congressista Adam Clayton Powell Jr. convocou
por uma “audaciosa força negra [black power]” tanto antes quanto depois da declaração de Stokely Carmichael.
Ver Johnson, Revolutionaries to Race Leaders, pp. 57–58.
10 Saturday Evening Post, 10/09/1966, p. 88; Time, 01/07/1966, p. 11; U.S. News and World Report,
11/07/1966, p. 52. Joseph, Waiting ’Til the Midnight Hour, p. 146 e Id., Black Power’s Powerful Legacy,
Chronicle Review, 21/07/2006, pp. B6–B8.
7

participou do início do ativismo Black Power, produzida durante o período.11 A mídia


enquadrou o Black Power, em grande parte, através de narrativas jornalísticas que
promoveram a iconografia de militância, violência e perigoso apelo sexual da época, enquanto
não prestava atenção suficiente aos esforços mais discretos do movimento para transformar os
Estados Unidos. Em 7 de julho de 1966, o editorial do New York Times, proclamando que o
“poder negro [Black Power] é a morte negra”, resumiu habilmente a perspectiva do
jornalismo predominante*** sobre o movimento.12

A interpretação acadêmica do período, assim como o próprio termo "Black Power",


evoluiu com o tempo. Há quase trinta anos, em seu estudo clássico sobre o movimento por
direitos civis na Carolina do Norte chamado Civilities and Civil Rights (1980), William H.
Chafe narrou a evolução do Black Power no contexto local de uma cidade do Sul. Em
Greensboro, o local de nascimento da ação direta no movimento por direitos civis moderno,
militantes do Black Power iniciaram, em 1968, amplas alianças comunitárias que mobilizaram
estudantes secundaristas, estudantes universitários na historicamente negra North Carolina
Agricultural and Technical College, trabalhadores do campus e pessoas pobres “em torno das
questões de habitação, desenvolvimento, trabalho e renda”. Esta perseguição local do poder
político envolveu mais do que furiosas polêmicas. “O veículo para conseguir este poder”,
afirmou Chafe, “seria a organização comunitária”. Em Greensboro, ativistas negros - que se
iniciaram*** na organização de atividades do movimento por direitos civis - se esforçaram
para "tomar o controle de suas próprias agendas, formar sua própria cultura, linguagem e
instituições - em resumo, tomar o poder para si mesmos, pelo menos ao ponto de determinar
suas próprias prioridades e métodos de ação". Civilities and Civil Rights, então, define o
Black Power tanto como radical quanto pragmático, um movimento rebelde enraizado nas
lutas políticas - embora forçado a operar fora delas - que tiveram lugar durante o período
heroico do movimento por direitos civis. Ativistas Black Power em Greensboro, segundo

11 Stokeley Carmichael and Charles Hamilton, Black Power: The Politics of Liberation in America (Nova
Iorque, 1967), p. VIII. Para as definições de Black Power por Carmichael ver Joseph, Black Power’s Powerful
Legacy, p. B7 e Harold Cruse, The Crisis of the Negro Intellectual (Nova Iorque, 1984). Ver também William
Jelani Cobb (org.), The Essential Harold Cruse: A Reader (Nova Iorque, 2002); e Jeffrey Gafio Watts (org.),
Harold Cruse’s The Crisis of the Negro Intellectual Reconsidered (Nova Iorque, 2004).
12 Joseph, Waiting ’Til the Midnight Hour, pp. 146, 151–154. Para trabalhos que analizaram o fenômeno Black
Power ainda em desenvolvimento/em gestação***, ver Martin Luther King Jr., Where Do We Go from Here:
Chaos or Community? (Nova Iorque, 1968); Robert L. Allen, Black Awakening in Capitalist America: An
Analytic History (Garden City, 1969); and John H. Bracey Jr., August Meier, e Elliott Rudwick, (orgs.), Black
Nationalism in America (Indianapolis, 1970). Para o editorial que recebeu o título do discurso de Roy Wilkins,
líder da Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor (NAACP), ver Black Power Is Black Death,
New York Times, 07/07/1966, p. 35.
8

Chafe, focaram em questões locais como pobreza, educação, e direitos trabalhistas, que
atingiram as bases do poder branco.13
O tratamento cuidadoso dado ao Black Power por Chafe enquadrou o Black Power
como um estilo inaugural de organização política e de protesto social que ecoou as práticas do
período do movimento por direitos civis assim como esculpiu, através de polêmicas urgentes,
postura militante e críticas contundentes de discriminação racial, um ousado espaço novo.
Civilities and Civil Rights documenta uma manifestação de políticas do Black Power
profundamente cravadas nas esperanças, sonhos, e lutas cotidianas da população local.
Contudo, historiadores do período do movimento por direitos civis, em sua maior parte,
ignoravam largamente a intervenção de Chafe, preferindo, em vez disso, ver o Black Power
através das mesmas lentes usadas pela mídia nacional no final dos anos 60 - que focaram no
espetáculo em torno de certos protestos e encontros públicos do Black Power no lugar da
importância das demandas e programas dos ativistas.
In Struggle (1981), de Clayborne Carson foca na evolução do SNCC, de seu inter-
racialismo integracionista e não-violento do início dos anos 60 até sua defesa do Black Power
em meados desta mesma década sob o comando de Stokely Carmichael. Embora Carson
ofereça um tratamento complexo das transformações do SNCC - uma organização que
transpôs os períodos dos direitos civis e do Black Power, trabalhando em ambos - ele ainda
atribui seu fim à sua malfadada volta em direção ao nacionalismo negro em meados dos anos
60. "Assim como trabalhadores do SNCC conseguiram popularizar a luta do Black Power",
argumenta Carson, "eles começaram a perder sua habilidade de estimular duradouros
sentimentos de potência racial, como aqueles alimentados pelas lutas no Sul". Chegando à
conclusão oposta do estudo de Chafe sobre o caso da Carolina do Norte, Carson julgou a
incursão do SNCC para o Black Power como um retrocesso de sua anterior, e mais efetiva,
organização. Desta perspectiva, o deslocamento do SNCC para o Black Power, juntamente
com a ascensão de Carmichael como principal porta voz nacional do movimento, pôde ter
tornado a organização mais conhecida em detrimento de alcançar mais duradouras e
substanciais mudanças políticas. Esta visão do Black Power como uma rejeição da
organização comunitária e um infeliz espetáculo dirigido pela mídia dominaria a
historiografia dos direitos civis até a década de 8014. O trabalho do historiador Manning

13 William H. Chafe, Civilities and Civil Rights: Greensboro, North Carolina, and the Black Struggle for
Freedom (Nova Iorque, 1981), pp. 175, 173. (grifo de Joseph).
14 Clayborne Carson, In Struggle: SNCC and the Black Awakening of the 1960s (Cambridge, Massachusetts,
1981), p. 233. Para o mais poderoso exemplo dos novos estudos*** sobre os direitos civis que focam mais em
pessoas comuns que em líderes carismáticos, além de condenar o Black Power, ver Charles Payne, I’ve Got the
Light of Freedom: The Organizing Tradition and the Mississippi Struggle (Berkeley, 1996). Ver também Jeanne
9

Marable é crucial aqui. Numa série de importantes estudos históricos da tradição radical
negra, Marable lança uma importante e substantiva luz sobre a importância do Black Power
como um movimento político, cultural e social que impactou os afro-americanos nos níveis
local, nacional e internacional. No entanto, muito deste trabalho foi incapaz de penetrar nas
interpretações convencionais e os preconceitos em relação ao período do Black Power. Por
exemplo, o extremamente influente Bearing the Cross (1986), de David Garrow, sobre a
Conferência de Liderança Cristã do Sul e Martin Luther King Jr., posiciona o Black Power
como a consequência de uma frustração, a qual faltou um programa político coerente, criou
divisões organizacionais, e desapontou King. De acordo com Garrow, King estava
especialmente embaraçado pelo "declínio do SNCC da não violência aos aspectos menos
interessantes do 'Black Power'", notavelmente, protestos violentos. Similarmente, To Redeem
the Soul of America (1987) de Adam Fairclough, sobre o mesmo tema, descreve o Black
Power como uma confusa filosofia que curto-circuitou*** os objetivos políticos movimento
por direitos civis. À exceção dos livros de Chafe e Marable, então, trabalha*** na primeira
onda da pesquisa dos direitos civis, diferindo, a este respeito, somente no grau em que
condenou o movimento Black Power e seu legado.15
New Day in Babylon (1992), de William L. Van Deburg, o primeiro estudo
detalhado*** do movimento Black Power, lançou um novo panorama histórico***. Van
Deburg foca primordialmente no impacto cultural tangível do Black Power. Ele argumenta
que o Black Power ajudou, com sucesso, a reformular a identidade negra através do ativismo
Black Arts, movimento por programas e cursos*** de "Black Studies" nos campi
universitários, e de ardentes declarações públicas de líderes nacionais do Black Power. New
Day in Babylon oferece um ambicioso relato histórico do Black Power por inverter o
conhecimento historiográfico convencional que pintou os ativistas Black Power como
desorientados e voláteis e o movimento como uma fardo/pedra no sapato*** da libertação
negra e do progresso racial, depreciando-os. Contudo, assim como New Day in Babylon

F. Theoharis e Komozi Woodard (orgs.) Freedom North: Black Freedom Struggles outside the South, 1940–
1980 (Nova Iorque, 2003); e Id., Groundwork: Local Black Freedom Movements in America (Nova Iorque,
2005).
15 Manning Marable, From the Grassroots: Essays toward Afro-American Liberation (Boston, 1980); Race,
Reform, and Rebellion; Black American Politics: From the Washington Marches to Jesse Jackson (London,
1985); e African and Caribbean Politics: From Kwame Nkrumah to the Grenada Revolution (London, 1987).
Para outros trabalhos que vão contra a narrativa dominante, ver Dan Georgakas, Detroit, I Do Mind Dying: A
Study in Urban Revolution (Nova Iorque, 1975); e Adolph L. Reed (org.), Race, Politics, and Culture: Critical
Essays on the Radicalism of the 1960s (Nova Iorque, 1986). Garrow, Bearing the Cross, pp. 475–489, 530.
Adam Fairclough, To Redeem the Soul of America: The Southern Christian Leadership Conference and Martin
Luther King Jr (Atenas, 2001), pp. 309–331. Para um trabalho que descreve o Black Power como um
maneirismo (“Em face da impotência, uma ostentação de potência”), ver Doug McAdam, Freedom Summer
(Nova Iorque, 1990), p. 121.
10

documenta a influência positiva e o tremendo alcance do Black Power, ele também reforça
interpretações analíticas e temáticas limitadas. Embora Van Deburg refute explicitamente uma
ortodoxia que questiona o legitimidade do Black Power, ele reforça a ideia que o principal
legado do movimento jazia no âmbito cultural. De acordo com Van Deburg, o Black Power é
"melhor compreendido como uma expressão cultural, ampla, adaptável, que serve para ligar e
iluminar as diferentes orientações ideológicas dos adeptos do movimento”. 16 O estudo pinta o
movimento como primordialmente cultural, em vez de político; como dirigido por líderes
carismáticos, não por pessoas comuns; e como grandemente desgastado ao fim da década de
70.
Mudando de um foco que destaca a cultura para outro centrado na linhagem política e
em redes de ativistas, Radio Free Dixie (1999), de Timothy Tyson, uma biografia política de
Robert F. Williams, expande temática e cronologicamente a historiografia do Black Power.
Radio Free Dixie traça uma tradição distinta da militância negra do Sul, uma com dimensões
locais e internacionais, que mostrou-se flexível o bastante para abraçar a autodefesa e a não
violência e hábil o bastante para manter um compromisso robusto com a política de
autodeterminação. Tyson afirma de forma provocadora que Williams, líder local da
Associação Nacional para o Avanço de Pessoas de Cor (NAACP) filiada em Monroe,
Carolina do Norte, durante a década de 50, praticamente sozinho "revigorou muitos elementos
da tradição do nacionalismo negro cujo enérgico surgimento em meados da década de 1960 se
tornaria conhecido como Black Power”.17 Através deste trabalho, Tyson ajuda a mapear um
aspecto inaudito da genealogia do Black Power e desafia a rígida delimitação acadêmica entre
as narrativas do movimento por direitos civis e as do movimento Black Power.
Williams surge tanto como um dissidente do movimento por direitos civis quanto um
precoce e eloquente proponente do ethos, próprio do Black Power, de autodefesa armada,
autodeterminação político e cultural, e internacionalismo radical. A parte mais impressionante
da história de Williams é que ela toma lugar bem*** no auge do período dos direitos civis.
Para Tyson, o movimento por direitos civis e movimento Black Power "surgiram do mesmo
solo, confrontaram os mesmos impasses e refletiram a mesma busca pela liberdade Afro-
Americana”. Além disso, Tyson conclui que "praticamente todos os elementos que nós
associamos ao 'Black Power' já estavam presentes em pequenas cidades e comunidades rurais
do Sul, onde nasceu o 'o movimento por direitos civis'”. Radio Free Dixie demonstra
convincentemente a existência de uma marca nativa do radicalismo negro no Sul, que
16 Van Deburg, New Day in Babylon, p. 10.
17 Timothy B. Tyson, Radio Free Dixie: Robert F. Williams and the Roots of Black Power (Chapel Hill, 2001),
p. 191.
11

implantou consistentemente a autodefesa armada e coexistiu numa tensão desconfortável com


tradições menos arraigadas de não violência. Todavia, o deslocamento do foco das origens do
Black Power do Norte para o Sul obscurece tanto quanto revela. Indiscutivelmente, as raízes
do Black Power foram associadas*** mais ao ativismo político de Malcolm X e militantes
urbanos no Harlem, Detroit e em outros lugares do norte do que ao movimento local de
Williams em Monroe, Carolina do Norte. Além disso, enquanto grande parte da história de
Williams vai na contramão das narrativas correntes dos direitos civis, Tyson ainda encara o
Black Power como um fenômeno de meados da década de 60 e retrata Williams como um
importante antecedente do movimento em vez um prematuro proponente dele.18
O estudo de Tyson marcou uma mudança temática e cronológica nos estudos
acadêmicos sobre o Black Power. Localizando em meados da década de 50, o que ele
caracteriza como "antecedentes" do Black Power, Tyson ajudou a redefinir os parâmetros
cronológicos dos estudos sobre o movimento. Antes de Radio Free Dixie, a historiografia do
movimento por direitos civis tinha definido o Black Power como um fenômeno posterior a
1965 e isso por pelo menos três razões. Primeiro, os motins no bairro de Watts, Los Angeles,
em agosto de 1965 vieram a significar o fim da era dos direitos civis - [fim este] pontuado por
Martin Luther King sendo vaiado por moradores mais pobres***, imunes a suas eloquentes
apelos para a não violência. Em segundo lugar, os esforços de King em Chicago - onde sua
defesa do "open housing"*** e remoção de favelas produziu resultados limitados - foram
interpretados como um prenúncio tanto da nova onda de militância negra quanto a suposta
mudança da luta por direitos civis para o norte. Finalmente, a eleição de Stokely Carmichael
como presidente do SNCC, - apenas um mês antes de seu momento [já assinalado neste texto]
durante a marcha Meredith - passou a ser como o prelúdio não oficial da ascensão nacional do
Black Power. Esses três eventos vieram a constituir a gênese da era Black Power.
Na narrativa de Tyson, elementos do ativismo por direitos civis e a militância Black
Power coexistiram de maneira complexa, combativa e original. Além disso, seu estudo desafia
binários simplistas que moldam o movimento por direitos civis como um bem moral*** em
contraste às predileções violentas do Black Power. Colocando Williams como um progenitor
precoce da militância negra, contemporâneo a ícones mais conhecidos, como King e Malcolm

18 Timothy B. Tyson, Robert F. Williams, Black Power, and the Roots of the African American Freedom
Struggle em Journal of American History, n. 85 (set. 1998), p. 541. Sobre violência de auto-defesa dirante os
períodos do movimento por direitos civis e Black Power, ver Lance Hill, The Deacons for Defense: Armed
Resistance and the Civil Rights Movement (Chapel Hill, 2004); Christopher B. Strain, Pure Fire: Self-Defense as
Activism in the Civil Rights Era (Atenas, Georgia, 2005); e Simon Wendt, The Spirit and the Shotgun: Armed
Resistance and the Struggle for Civil Rights (Gainesville, 2007). ver também Steve Estes, I Am a Man! Race,
Manhood, and the Civil Rights Movement (Chapel Hill, 2005).
12

X, Tyson abre novos campos de investigação e convida a um estudo mais aprofundado dos
complexos meios político, intelectual e cultural que ajudaram a formar o período.

O deslocamento dos antecedentes para as origens e a documentação das realizações


políticas do Black Power tornaram-se o foco da mais recente onda de estudos acadêmicos
sobre o assunto. A nation whitin a nation (1999), de Komozi Woodard, narra efetivamente o
impacto do Black Power numa grande cidade americana. Seu estudo é notavelmente
importante em ajudar a responder uma pergunta constante sobre a era Black Power: O que o
movimento, de fato, realizou? Através de uma combinação de história urbana e social,
Woodard fornece respostas intrigantes e empiricamente ricas que ajudam documentar o
impacto prático do Black Power numa metrópole. Das cinzas do catastrófico motim urbano de
Newark em 1967, o poeta e ativista Amiri Baraka emergiu como um organizador local eficaz
e um mobilizador político nacional astuto que usou o Black Power, especialmente seus
impulsos nacionalista e pan-africanista, para catalisar grandes parcelas da comunidade negra
da cidade. O estudo de Woodard é significativo por esclarecer como a ideologia formou
organizações comunitárias reais no centro da cidade***. Em 1970 Baraka tornou-se um
poderoso intermediário cujo apoio foi fundamental para a eleição do primeiro prefeito negro
de Newark. Além disso, o que Woodard caracteriza como um "movimento moderno de
convenções negras" (uma série de encontros nacionais) traçou uma agenda nacional e
internacional para o ativismo Black Power. Em Newark, ativistas negros locais definiram o
poder por meio de metas de organização comunitária que culminaram na eleição do primeiro
prefeito negro de uma grande cidade da costa nordeste.19
Fundamentado na história particular de Newark, contudo, atento às maiores forças que
afetaram a ascensão e o declínio do movimento Black Power nesta cidade, a pesquisa de
Woodard foi uma das primeiras a tomar seriamente o período tanto como um movimento
político quanto cultural. Examinando a forma com que ativistas negros em Newark focaram
questões básicas relacionadas à organização comunitária, A Nation within a Nation quebra o
falso binário da cultura versus política relativo ao período do Black Power. Mais importante, a
poderosa história de Woodard ilustra que o Black Power foi uma parte indispensável da
história do pós-guerra americano, uma revelação que reverberou na comunidade [científica]
contemporânea e em estudos urbanos sobre o período que prestaram especial atenção para a

19 Woodard, Nation within a Nation. Ver também Daniel Matlin, ‘Lift Up Yr Self!’ Reinterpreting Amiri Baraka
(LeRoi Jones), Black Power, and the Uplift Tradition em Journal of American History, n. 93 (Jun. 2006), pp. 91–
116. Para uma perspectiva alternativa, ver Kevin Mumford, Newark: A History of Race, Rights, and Riots in
America (New York, 2007).
13

forma como a militância da época influenciou políticas municipais, organizações


comunitárias, e o liberalismo racial em centros metropolitanos após 1965.
O influente artigo Black like Mao (1999) de Robin D. G. Kelley e Betsy Esch põe o,
antes obscuro, Movimento de Ação Revolucionária (RAM) no centro do ativismo político e
cultural do início da era Black Power. Formado em 1962 por estudantes universitários negros
em Ohio, o RAM encontrou inspiração política nas políticas do nacionalismo negro e do
socialismo, comunicou-se com Malcolm X e Robert Williams, e influenciou diretamente os
futuros membros do Partido dos Panteras Negras. O ativismo do RAM ajudou a esclarecer o
rico radicalismo intelectual e político do período dos direitos civis e contribuiu diretamente
para insurgência da era Black Power. Para Kelley e Esch, a principal importância do RAM
está em articular uma extensa visão global do radicalismo Black Power. Ao localizar a
encubadora*** de círculos políticos e intelectuais radicais que deram origem ao ativismo do
Black Power na década de 1960, Black Like Mao expande, de maneira crítica, o elenco de
organizações e personagens do movimento.20
A organização da era Black Power que tem recebido atenção acadêmica mais contínua
na última década tem sido o Partido dos Panteras Negras (BPP). Desde o seu início, os
Panteras andaram numa corda bamba entre a esperança e o fatalismo, chamando para uma
revolução marxista que seria apoiada por meio de violência organizada enquanto
simultaneamente promovia "programas de sobrevivência" que, despojado da retórica de
ardente do BPP, pareciam suspeitosamente semelhantes aos programas antipobreza liberais.
Organizado em resposta às condições brutais e violentas em guetos de Oakland e
inspirados pela dignidade*** de arrendatários negros em Lowndes County, Alabama, que
insistiram em seu direito ao voto (e deram a sua "Organização de Liberdade Lowndes
County" o apelido de Partido dos Panteras Negras), o Partido do Panteras Negras para a
Autodefesa representou a face mais visível do radicalismo nos anos 60. Armados com livros
de direito, armas de fogo, e provocações ameaçadoras, os Panteras Negras projetaram uma
20 Robin D. G. Kelley e Betsy Esch, Black Like Mao: Red China and Black Revolution em Souls: A Critical
Journal of Black Politics, Culture, and Society, n.1 (inverno de 1999), pp. 06–41. Para outras hitórias do
Movimento de Ação Revolucionária (RAM), ver Robin D. G. Kelley, Freedom Dreams: The Black Radical
Imagination (Boston, 2002), pp. 72–93; Countryman, Up South, pp. 139–140, 234–236; Muhammad Ahmad, We
Will Return in the Whirlwind: Black Radical Organizations, 1960–1975 (Nova Iorque, 2007); e Thomas J.
Sugrue, Sweet Land of Liberty: The Forgotten Struggle for Civil Rights in the North (Nova Iorque, 2008), pp.
315–323. Sobre o impacto global do Black Power, ver Nikhil Pal Singh, Black Is a Country: Race and the
Unfinished Struggle for Democracy (Cambridge, Massachussetts., 2004); John McCartney, Black Power
Ideologies (Filadélfia, 1993); Ronald W. Walters, Pan Africanism in the African Diaspora: An Analysis of
Modern Afrocentric Political Movements (Detroit, 1997); Brian Meeks, Radical Caribbean: From Black Power
to Abu Bakr (Kingston, 1996); Rupert Lewis, Walter Rodney’s Intellectual and Political Thought (Detroit,
1999); Joseph, Waiting ’Til the Midnight Hour; e Fanon Che Wilkins, The Making of Black Internationalists:
SNCC and Africa before the Launching of Black Power, 1960–1965 em Journal of African American History, nº
92 (outono de 2007), pp. 468–490.
14

empáfia*** militante que fez com que as suas ameaças de iniciar uma revolução violenta para
a libertação negra parecessem plausíveis, apesar de consideráveis evidências do contrário. Foi
essa imagem pública — juntamente com Stokely Carmichael — que se tornou o fundamento
para o Black Power, além de sua face popular. O BPP passou por três fases de distintas,
inicialmente evocando uma revolução violenta entre 1966 e 1971. Perante as fulminantes
críticas da imprensa e marcado por devastadores confrontos com a polícia e, ocasionalmente,
organizações do Black Power rivais, o partido entrou em sua segunda fase, que durou de 1971
a 1974. Esta fase inclui uma campanha bem organizada, embora ineficaz, para eleger Bobby
Seale como prefeito de Oakland. Entre 1974 e 1982 os Panteras operaram como um grupo
local em Oakland, composto por membros sobrecarregados, onerados por uma estrutura de
liderança antidemocrática, corrupção, abuso de drogas e uma série de sórdidos embaraços
éticos e jurídicos.
A coleção The Black Panther Party Reconsidered (1998), editada pelo cientista
político Charles Jones, inovou oferecendo perspectivas interdisciplinares que procuraram
colocar o grupo num contexto histórico adequado. A antologia marca um momento decisivo
nos estudos sobre os Panteras Negras, que até então tinham sido relativamente escassos.
Oferecendo um retrato crítico, ainda que em grande parte favorável, da organização, The
Black Panther Party Reconsidered anuncia uma poderosa salva de esforços acadêmicos para
reconsiderar tanto o Panteras Negras quanto o período do Black Power, do qual eles
participaram. Dois ensaios sobre o BPP e gênero são as mais importantes contribuições
analíticas desta antologia. O tratamento de mulheres negras pelo BPP continua a ser um dos
mais controversos e incompreendidos aspectos da história do grupo. Embora Kathleen
Cleaver e Elaine Brown tivessem alcançado um status icônico em relatos históricos do grupo,
a participação de mulheres negras nas organizações políticas, programas e desenvolvimentos
[do Black Power] continua a ser um assunto de debate rigoroso. Tracye Matthews e Angela D.
LeBlanc-Ernest, em seus ensaios, argumentam convincentemente que a compreensão cada
vez mais sofisticada da relação entre racismo, desigualdade econômica e misoginia pelas
mulheres negras iniciou um processo que mudou a concepção mais estática de revolução do
BPP. No início dos anos 70, argumenta Matthews, os programas de sobrevivência dos
Panteras Negras [eram] "diretamente dirigidos às necessidades das mulheres negras pobres,
especialmente aqueles que foram responsáveis pela educação das crianças." Questões
reprodutivas*** das mulheres negras emergiram como tema central das políticas dos Panteras
Negras, especialmente durante os anos 70 quando as mulheres vieram a influenciar os
membros da organização. De acordo com LeBlanc-Ernest, como as Panteras tornaram-se
15

mães, o "número crescente de crianças criou dificuldades adicionais para um BPP já falido
financeiramente”.21
Baseado na ideia de que os Panteras Negras eram uma organização de base
comunitária que afetou lugares de formas complexas e às vezes surpreendentes, outros
estudos sobre os Panteras têm oferecido entendimentos esclarecedores sobre o impacto do
Black Power a nível municipal. O historiador Yohuru Williams coloca os Panteras Negras
dentro da evolução do ativismo político negro do pós-guerra em New Haven, Connecticut.
Black Politics/White Power (2000) é o primeiro estudo histórico a se concentrar
primordialmente num episódio específico do BPP na Costa Leste. Narrando a maneira com
que os impulsos do Black Power do fim dos anos 60 evoluíram a partir do ativismo local do
movimento por direitos civis durante o início desta mesma década em New Haven, o estudo
de Williams concebe convincentemente os Panteras como uma organização comunitária
focada na vizinhança***, que oferecia serviços sociais eficazes para alguns dos residentes
mais necessitados da cidade. "Desde o início", argumenta Williams, "o BPP, em New Haven,
foi uma organização comunitária." A presença e popularidade dos Panteras em New Haven
dependiam mais de uma malícia do que de armas. Mesmo seus planos inovadores sobre
questões locais, tais como a pobreza, foram oprimidos pelo comportamento autodestrutivo e
errático dos líderes e pela imagem de revolucionário violento que tinha o grupo. Em 1970,
estudantes da Universidade de Yale organizaram protestos em apoio aos extensos problemas
jurídicos do BPP. Os protestos e os problemas jurídicos chamaram a atenção nacional e, no
processo, argumenta Williams, "voltou o centro das atenções, em primeiro lugar, para as
questões que tinham trazido o BPP para New Haven." Para Williams, o mais importante
legado do BPP é sua organização comunitária nas ruas ásperas de New Haven em face da
pobreza e da miséria. Nesse sentido, o estudo de Williams amplia a concepção de William
Chafe do ativismo local do Black Power como sendo fundamentado mais em comunidades
baseadas na vizinhança*** que em polêmicas raivosas de militantes que, muitas vezes,
praticaram uma política sem agenda***.22
American Babylon (2003) de Robert O. Self continua a tendência de enfatizar o
impacto do Black Power a nível local, dedicando considerável atenção ao pouco estudado

21 Jones (org.), Black Panther Party Reconsidered. Tracye Matthews, ‘No One Ever Asks, What a Man’s Role in
the Revolution Is’: Gender and the Politics of the Black Panther Party, 1966–1971 em Black Panther Party
Reconsidered, pp. 267–304, especialmente p. 294; Angela D. LeBlanc-Ernest, ‘The Most Qualified Person to
Handle the Job’: Black Panther Party Women, 1966–1982, ibid., pp. 305–334, especialmente p. 319.
22 Williams, Black Politics/White Power, 130,153. See also Lazerow and Williams, eds., In Search of the Black
Panther Party; and Yohuru Williams and Jama Lazerow, eds., Liberated Territory: Untold Local Perspectives on
the Black Panther Party (Durham, 2008).
16

direcionamento do Partido dos Panteras Negras para a política eleitoral e para o ativismo
comunitário durante o início dos anos 70. A campanha dos Panteras para eleger o cofundador
do BPP, Bobby Seale, como prefeito de Oakland tomou uma dinâmica central do ativismo do
Black Power na década de 1970, um tempo em que ativistas urbanos locais coordenaram
esforços para ganhar poder político numa paisagem urbana dramaticamente reconfigurada. Os
esforços práticos dos Panteras para controlar a política de municipal de Oakland esclarecem a
provocativa afirmação, feita pelo American Babylon de que "o Black Power estava entre as
principais correntes da política americana na década de 1960 e 1970." American Babylon
destaca-se como um estudo de referência porque ele colocou a política Black Power na grande
varredura*** da história do pós-guerra de Oakland. Ao fazer isto, ele ajuda a expandir o
terreno historiográfico para o estudo do Black Power e antecipou futuros estudos urbanos que
focariam sobre a relação do movimento com a evolução do liberalismo racial pós-guerra. Para
a historiografia da era Black Power, o principal significado do estudo de Self se encontra no
seu acurado tratamento do movimento, não como simplesmente uma falha do liberalismo pós-
guerra, mas como um esforço ousado de ativistas negros para transformar instituições muitas
vezes hostis na sociedade americana. Baseado no estudo de Komozi Woodard sobre Newark e
na história de Williams sobre New Haven, American Babylon inscreve de volta a história do
Black Power nas narrativas da história americana do pós-guerra, relações raciais na década de
1960 e evolução pós-1965 da democracia americana.23
A violência continua a ser a herança mais polêmica do período do Black Power. Up
Against the Wall (2006), de Curtis J. Austin foi o primeiro estudo detalhado a examinar o uso
da violência pelos Panteras como um estratégia retórica e política. Austin argumenta que a
violência, "seja interna ou externa, retórica ou real, psicológica ou física, constituía o
elemento central de condução do processo de decisão do grupo”. "Táticas e postura machistas
criaram obstáculos para os Panteras que eles nunca superaram", a cruzada na aplicação da lei
contra o grupo ganhou uma força mortal, culminando em prisão, perseguição e morte. De
acordo com a Austin, a estratégia, às vezes imprudente, de implantação da violência do BPP,
condenou a organização, e seu desaparecimento foi precipitado por uma liderança, às vezes,
corrupta e pela vigilância governamental.24

23 Robert O. Self, American Babylon: Race and the Struggle for Postwar Oakland (Princeton, 2005), p. 218.
Para uma discussão sobre liberalismo e Panteras Negras, ver Devin Fergus, The Black Panther Party in the
Disuniting States of America: Constitutionalism, Watergate, and the Closing of Americanists’ Minds, em
Williams and Lazerow (orgs.) Liberated Territory, pp. 265–94; Devin Fergus, Liberalism, Black Power, and the
Making of American Politics, 1965–1980 (Atenas, Georgia, 2009).
24 Austin, Up against the Wall, pp. 273–348. Ver também Kenneth O’Reilly, Racial Matters: The FBI’s Secret
File on Black America, 1960–1972 (Nova Iorque, 1991).
17

Quase como se estivesse escrito em resposta ao estudo de Austin, o incisivo Survival


Pending Revolution (2007), de Paul Alkebulan, apresenta um estudo aprofundado sobre os
Panteras Negras como organizadores de base. Vendo-os como um grupo de ativistas
comprometidos em ações locais***, Survival Pending Revolution reenquadra o período do
Black Power como um fenômeno guiado mais por impulsos locais do que pela retórica de
líderes emblemáticos. A história de Alkebulan, ao contrário da maioria dos estudos sobre o
BPP, está mais preocupada com o todo do que suas partes. Para Alkebulan, o legado do
Partido Panteras Negras está muito longe dos confrontos violentos, cartazes emblemáticos,
retórica marxista e da fama midiática que tornou o grupo famoso. Em vez disso, seu legado é
o trabalho comunitário e as lutas diárias de milhares de homens e mulheres que compunham
os soldados rasos/base do BPP e a luta maior do Black Power. Comprometido em transformar
instituições sociais e políticas americanas, estes ativistas serviram cafés da manhã gratuitos,
equiparam clínicas médicas, dirigiram ambulâncias, venderam jornais, aconselharam "greves
de inquilinos"***, aconselharam presidiários e assistiram*** e ministraram aulas de educação
política, na esperança de formar um novo mundo. "O Partido dos Panteras Negras," insiste
Alkebulan, "tem um legado de ativismo, bravura, comprometimento, erro de cálculo, e
oportunidades perdidas”.25
Cobertura em jornais, revistas, televisão e rádio indelevelmente moldaram a militância
da era Black Power. O brilhante Framing the Black Panthers (2007), de Jane Rhodes, explora
este fenômeno através de uma história multifacetada que examina criticamente as
contradições do partido no contexto de seu relacionamento com a mídia. "Uma vez que o
Partido Panteras Negras se tornou um assunto de mídia, reconhecível através dos quadros
produzidos pelos meios de comunicação de massa," diz Rhodes, "a simples invocação de seu
nome ou imagem era suficiente para evocar uma série de ideias e suposições sobre o que seus
membros eram e o que eles defendiam". Esta seletiva exposição nacional mostrou-se ser uma
faca de dois gumes para o jovem grupo. A cobertura jornalística tendia a minimizar os
aspectos mais sutis da ideologia dos Panteras em favor de promulgar uma imagem paramilitar
que muitos dos Panteras apreciavam. A associação popular entre Black Power e violência e
tumultos urbanos fez a busca dos Panteras por justiça social parecer, ao menos para os meios
de comunicação, distantes das formas legítimas de protesto do movimento por direitos civis.
Relatos da grande imprensa "condenavam e repudiavam" os Panteras ao mesmo tempo em
que os posicionava como famosos anti-heróis para uma tumultuada nova era. Mas, os Panteras
foram vítimas quase ingênuas de uma imprensa paternalista e racista. Membros inteligentes,

25 Alkebulan, Survival Pending Revolution, p. 126.


18

ambiciosos e experientes/habilidosos com a imprensa como Kathleen Cleaver e Eldridge


Cleaver voltaram esforços para libertar o cofundador Huey P. Newton da prisão (ele enfrentou
a câmara de gás por matar alegadamente um agente da polícia de Oakland durante um
confronto em outubro de 1967) em uma campanha política internacional — uma missão
auxiliada por jornalistas famintos por uma boa história. Enquanto isso, o jornal Panteras
Negras permitiu ao BPP narrar sua própria história, políticas e programas, enquanto servia
simultaneamente como eixo central para esforços irregulares da organização para criar uma
"cultura revolucionária". O BPP propositadamente elaborou alianças com organizações
radicais brancas influentes, a imprensa underground, e provocadores literários, que ajudaram
os Panteras a emergir como os radicais mais conhecidos da década de 60. Ironicamente,
apesar de sua paixão por heróis emblemáticos de uma revolução marxista global, o BPP
aproveitou as crenças democráticas da nação para criar um novo tipo de movimento social
que teve algum sucesso na transformação da sociedade americana. "Os Panteras rejeitaram
qualquer identificação com os Estados Unidos, que eles julgavam a fonte da opressão negra,"
argumenta Rhodes, "ainda assim, eles abraçaram os princípios democráticos da nação numa
esperançosa busca por mudança social". Framing the Panthers retrata efetivamente o
radicalismo do período Black Power como criticando*** e abraçando***, simultaneamente,
tradições democráticas em serviço de uma maior visão de mudança social, política e
cultural.26

Líderes dos direitos de bem-estar***, ativistas de direitos dos locatários***, e outros


que trabalhavam em movimentos por trabalhadores e pessoas pobres tenderam a não se
encaixar na imagem*** padrão da era Black Power. Um traço comum que percorre os
recentes estudos urbanos e comunitários focados no Black Power, no entanto, é a prevalência
de ativistas negras, que utilizaram a retórica militante do movimento em suas organizações de
base. Ativistas afro-americanas que atuavam no nível local, argumenta a historiadora Rhonda
Y. Williams, "engendraram" o Black Power em formas inovadoras e imprevisíveis que
refutam a iconografia de dominação masculina do período. Numa série de ensaios
importantes, Williams oferece a mais abrangente pesquisa histórica de até então sobre muitas

26 Rhodes, Framing the Black Panthers, pps. 8, 74, 91–115, 8. Sobre o relacionamento entre o BPP e a mídia,
ver também Christian A. Davenport, Reading the ‘Voice of the Vanguard’: A Content Analysis of the Black
Panther Party Intercommunal News Service, 1969–1973, em Jones (org.) Black Panther Party Reconsidered, pp.
193–209. Sobre o apelo dos Panteras Negras a ideais democráticos, ver também Singh, Black Is a Country;
Joseph, Waiting ’Til the Midnight Hour, pp. 205–40; e Donna Murch, The Campus and the Street: Race,
Migration, and the Origins of the Black Panther Party in Oakland, CA em Souls: A Critical Journal of Black
Politics, Culture, and Society, n. 9 (Out.– Dez. de 2007), p. 342.
19

iterações do Black Power em Baltimore, sugerindo convincentemente que, ao olhar para


exemplos de ativismo local que não se ajustam às imagens padrão do Black Power, nossa
compreensão do período é proveitosamente complexificada. A inovadora pesquisa de
Williams ilustra o processo pelo qual as mulheres negras — "inquilinas da habitação
popular***, mães do bem-estar social*** e freiras" — utilizaram a retórica militante da
política Black Power para mobilizar esforços de base para combater a pobreza, as condições
precárias de moradia***, e serviços sociais de baixa qualidade***. Estas atividades
frequentemente implicaram em rejeitar a autoridade masculina, ideologia rígida, e
separatismo racial em prol de uma agenda política militante, mas flexível, que focou no
fortalecimento comunitário.27 Num ensaio focado no projeto Target City, (um esforço para
fornecer aumento de empregos, oportunidades e serviços sociais para innercities***)
realizado pelo CORE, políticas municipais e a maneira com que os líderes locais do
movimento por direitos civis interagiam com ativistas do Black Power, Williams argumenta
que as militantes conceberam o movimento Black Power como um que oferecia uma
oportunidade para remodelar os espaços urbanos e cívicos de Baltimore de forma prática e
pragmática.28 Os ensaios de Williams sobre o papel das mulheres negras como líderes
comunitárias*** durante a era Black Power inovaram re-situando as personagens,
organizações, objetivos, estratégias e táticas do período.
O bem pesquisado Up South (2005), de Matthew Countryman coloca a emergência do
Black Power dentre os contextos do desenvolvimento urbano do pós-guerra e da contestação
do escopo político, amplitude econômica, e caráter racial do liberalismo. O estudo de
Countryman ilustra como os defensores do Black Power utilizaram efetivamente as
organizações comunitárias*** numa das maiores cidades do nordeste para garantir o poder
político e econômico. Na Filadélfia, ativistas do Black Power desafiaram o poder dos
corretores*** brancos e a liderança negra liberal da cidade para forjar um movimento local
que tomou emprestado a "tradição de organização***" do período do movimento por direitos
civis no Sul, que tinha focado sobre organizações de base e nas tomadas de decisão
comunitárias sobre estratégias de liderança hierárquica***. A história do Black Power na

27 Rhonda Y. Williams, Black Women, Urban Politics, and Engendering Black Power, em Joseph (org.), The
Black Power Movement, pp. 79–103, especialmente p. 81. Ver também Rhonda Y. Williams, ‘We’re Tired of
Being Treated like Dogs’: Poor Women and Power Politics in Baltimore em Black Scholar n. 31 (outono-inverno
de 2001), pp. 31–41; Id., Politics of Public Housing, pp. 187–191; e Mumford, Newark, pp. 149–169.
28 Rhonda Y. Williams, The Pursuit of Audacious Power: Rebel Reformers and Neighborhood Politics in
Baltimore, 1966–1968, em Joseph (org.) Neighborhood Rebels. Ver também Self, American Babylon; James
Tyner, The Geography of Malcolm X: Black Radicalism and the Remaking of American Space (Nova Iorque,
2005); e Karen Ferguson, Organizing the Ghetto: The Ford Foundation, CORE, and White Power in the Black
Power Era, 1967–1969, em Journal of Urban History, n. 34 (Nov. 2007), pp. 67–100.
20

Filadélfia confunde percepções populares e acadêmicas do movimento como violento,


racialmente separatista e politicamente insustentável. Militantes negros criativamente lutaram
pelo controle comunitário das escolas, os direitos de bem-estar social*** e serviços
antipobreza, além de liderar os esforços para conter a violência policial e conseguir poder
político eleitoral. Enquanto os Panteras Negras vestidos em couro e outros militantes
preencheram o panorama Black Power da Filadélfia***, Up South sugere que o trabalho
político de ativistas de base, bem menos glamorosos, teve um impacto mais duradouro sobre a
cidade. O abrangente estudo de Countryman integra ainda a narrativa do Black Power numa
história maior do liberalismo pós-guerra, declínio urbano e a ascensão de uma nova classe de
negros eleitos a cargos públicos.29
A ideia de que o Black Power teve história mais rica, complexa e matizada do que o
anteriormente considerado é o cerne/núcleo de Waiting 'Til the Midnight Hour (2006), de
Peniel Joseph. A primeira narrativa histórica abrangente do período, este estudo localiza as
origens do Black Power no radicalismo de Malcolm X e em grupos militantes negros na
década de 1950. Focando nas redes intelectuais, políticas e culturais que deram amplitude e
profundidade ao período, o trabalho de Joseph transforma a compreensão do movimento
Black Power de várias formas. Primeiro, ele reperiodiza a época, argumentando que as
origens do movimento — não simplesmente seus antecedentes — remontam*** a meados da
década de 50 no ativismo local de Malcolm X e da Nação do Islã. Ele também afirma que o
movimento foi guiado por impulsos internacionais, notadamente a conferência Afro-Asiática
de 1955 em Bandung, Indonésia. Em segundo lugar, Waiting 'Til the Midnight Hour vê o
ativismo Black Power menos como uma resposta negativa e desiludida ao liberalismo do pós-
guerra e mais como um movimento que cresceu a partir de uma tradição radical negra
enraizada profundamente no período heroico do movimento por direitos civis da década de 50
e início dos anos 60. Terceiro, a explicação de Joseph da década entre a decisão da suprema
corte no caso Brown vs. Board of Education (1954) e a Lei dos Direitos de Voto de 1965
revela um cenário político onde militantes do começo do Black Power e ativistas do
movimento por direitos civis atuaram lado a lado e forjaram alianças de trabalho pragmáticas.
Esta formulação desafia as narrativas de declínio, que postulam a chegada da militância negra
na década de 60 como o término da era do movimento por direitos civis. Em quarto lugar,
Waiting 'Til the Midnight Hour detalha como eventos globais formaram o ativismo interno e
local do Black Power. Cobrindo duas décadas (1955–1975) em que a Guerra Fria
frequentemente ferveu em violência*** que ressoou de minúsculos países estrangeiros até o

29 Countryman, Up South, pp. 224–327.


21

Conselho de Segurança da ONU, Joseph narra como ativistas fizeram um uso prático das
revoluções em Cuba, África e outros locais do terceiro mundo para informar suas lutas
internas por cidadania, autodeterminação e poder político. Finalmente, Joseph situa os
objetivos do movimento Black Power como uma parte integrante de uma luta maior pela
democracia radical na América do pós-guerra. Ativistas do Black Power tentaram confrontar,
desafiar e transformar a democracia americana de formas que variaram da matizada retórica
antiguerra de Stokely Carmichael e o, em grande parte, ignorado trabalho por direitos de voto
em Lowndes County, Alabama, aos esforços dos Panteras Negras para refrear a brutalidade
policial, garantir educação de qualidade e erradicar a pobreza, e à "Agenda de Gary" na
Convenção Política Negra Nacional de 1972”.30
Enquanto Joseph situa o Black Power como uma ampla saga nacional e internacional
com portas locais de entrada interna***, Challenging U.S. Apartheid (2006) de Winston A.
Grady-Willis baseia-se no estudo clássico de Clayborne Carson sobre o SNCC e coloca essa
organização na vanguarda da história do Black Power em Atlanta. A análise de Grady-Willis
resiste a dicotomias históricas simples que equiparam militância com raiva anti-intelectual e
integracionismo liberal com agenda de direitos humanos. Challenging U.S. Apartheid amplia
e complexifica duas obras seminais dos estudos do movimento por direitos civis: Local
People (1994), de John Dittmer e I've Got the Light of Freedom (1995), de Charles Payne, que
fizeram parte de uma onda de estudos anterior, que prestou sigificativa atenção ao SNCC. O
trabalho de Grady-Willis foi o primeiro estudo de caso a documentar o impacto de Black
Power em uma grande cidade do Sul, e ao fazê-lo, ele derrubou arraigados preconceitos
geográficos, que visualizaram o Black Power como um fenômeno primordialmente nortista.31
Na "cidade muito ocupada pra se odiar”, militantes negros formaram redes densas e
bem organizadas de ativistas locais que se concentraram em questões pragmáticas
relacionadas à brutalidade policial, boas escolas, inquilinos*** e direitos de bem-estar***
além de ampliar os serviços sociais***. Além disso, os líderes do SNCC em Atlanta
conectaram com êxito "a luta por liberdade negra e a guerra do Vietnã" num ativismo
antiguerra que reverberou nacionalmente. O Black Power se manifestou em Atlanta de formas
30 Joseph, Waiting ’Til the Midnight Hour, pps. 132–204, 276–295. Brown vs. Board of Education, 347 U.S.
483***. Ver também Sugrue, Sweet Land of Liberty.
31 Winston A. Grady-Willis, Challenging U.S. Apartheid: Atlanta and Black Struggles for Human Rights,
1960–1977 (Durham, 2006). John Dittmer, Local People: The Struggle for Civil Rights in Mississippi (Urbana,
1995); Payne, I’ve Got the Light of Freedom. Ver também Aldon Morris, The Origins of the Civil Rights
Movement: Black Communities Organizing for Change (Nova Iorque, 1984). Para dois importantes estudos
locais inspirados pelo trabalho de John Dittmer e Charles Payne, ver J. Todd Moye, Let the People Decide:
Black Freedom and White Resistance Movements in Sunflower County, Mississippi, 1945–1986 (Chapel Hill,
2004); e Emilye J. Crosby, A Little Taste of Freedom: The Black Freedom Struggle in Claiborne County,
Mississippi (Chapel Hill, 2005).
22

ecléticas, variando de um grupo de reflexão radical chamado Instituto do Mundo Negro a uma
filial local dos Panteras e a uma nova classe de líderes políticos negros, mais notavelmente
Maynard Jackson, eleita como a primeira prefeita afro-americana da cidade, em 1973. Embora
o Black Power não tenha conseguido institucionalizar permanentemente as políticas radicais
previstas por alguns de seus defensores mais ardentes, o movimento fez inspirar uma
combinação impressionante de "ativismo de base***, nacionalismo negro racial, ativismo
negro eleitoral progressivo e ativismo explicitamente centrado na mulher", que transformou
fundamentalmente as relações de raça na cidade.32
New Orleans after the Promises (2007) de Kent Germany posiciona o Black Power
primariamente como um movimento radical para a democracia, cuja militância sacudiu uma
cidade inteira. Na "Cidade Crescente", uma ampla gama de militantes, dos líderes dos direitos
de bem-estar social*** aos valentões de rua reformados aspirantes à políticos, utilizaram o
ethos de autodeterminação e controle comunitário para ganhar uma posição na política local.
Ativistas do Black Power em Nova Orleans tentaram transformar as instituições democráticas
locais para fixar melhores oportunidades para os moradores mais pobres da cidade. Enquanto
os Panteras Negras e [também] outras personagens coloridas preencheram este cenário, os
líderes mais eficazes foram, muitas vezes, as mulheres negras, que usaram a retórica do
movimento para garantir o aumento dos serviços sociais para suas comunidades. 33 O
tratamento substancial que Germany dá ao Black Power em seu estudo de caso sobre o
impacto da Great Society no liberalismo, organização comunitária, relações de raça, e
democracia após 1965 representa o profundo impacto da nova historiografia sobre o Black
Power.

32 Grady-Willis, Challenging U.S. Apartheid, pp. 101, 169. Para estudos que reconsideram o legado do SNCC,
ver Barbara Ransby, Ella Baker and the Black Freedom Movement: A Radical Democratic Vision (Chapel Hill,
2003); Hasan Kwame Jeffries, Organizing for More Than the Vote: The Political Radicalization of Local People
in Lowndes County, Alabama, 1965–1966, em Theoharis e Woodard (orgs.), Groundwork, pp. 140–163; Hasan
Kwame Jeffries, SNCC, Black Power, and Independent Political Party Organizing in Alabama, 1964–1966 em
Journal of African American History n. 91, (Primavera de 2006), pp. 171–193; Hasan Kwame Jeffries, Bloody
Lowndes: Civil Rights and Black Power in Alabama’s Black Belt (Nova Iorque, 2009); Wilkins, The Making of
Black Internationalists, pp. 467–490; Wesley C. Hogan, Many Minds, One Heart: SNCC’s Dream for a New
America (Chapel Hill, 2007); Leigh Raiford, ‘Come Let Us Build a New World Together’: SNCC and the
Photography of the Civil Rights Movement em American Quarterly n. 59 (Dez. 2007), pp. 1129–1157; e Susan
Youngblood Ashmore, Carry It On: The War on Poverty and the Civil Rights Movement in Alabama, 1964–
1972 (Atenas, Geórgia, 2008). Ver também Stephen Ward, Scholarship in the Context of Struggle: Activist
Intellectuals, the Institute of the Black World (IBW), and the Contours of Black Power Radicalism em Black
Scholar n. 31 (outono-inverno, 2001), pp. 42–53; e Alton Hornsby, Black Power in Dixie: A Political History of
Black Power in the Urban South (Gainesville, 2009).
33 Kent Germany, New Orleans after the Promises: Poverty, Citizenship, and the Search for the Great Society
(Atenas, Geórgia, 2007). Ver também Clarence Lang, Between Civil Rights and Black Power in the Gateway
City: The Action Committee to Improve Opportunities for Negroes (action), 1964–1975 em Journal of Social
History n. 37 (Primavera de 2004), pp. 725–754; e Clarence Lang, Black Power on the Ground: Continuity and
Rupture in St. Louis em Joseph (org.), Neighborhood Rebels.
23

Da mesma forma, as pesquisas de Rhonda Y. Williams em Baltimore, Matthew


Countryman na Filadélfia e Christina Greene em Durham, Carolina do Norte (Our Separate
Ways, 2005), destacam como um exame crítico da participação de mulheres negras no
período, nas palavras de Williams, "expôs formações do Black Power insuspeitas ou
negligenciadas, simpatias e alianças, particularmente em nível municipal”. Por exemplo, no
estudo de Countryman da Filadélfia, mulheres negras desempenharam, em particular, papeis
vitais, aumentando os esforços comunitários antipobreza e, no processo, exercendo o controle
local sobre um movimento notório por sua visão machista de libertação negra. A militância da
era Black Power catalisou direitos de bem-estar social locais*** e líderes e ativistas
antipobreza. Com efeito, Countryman argumenta que a "combinação do discurso consumista e
maternalista" ajudou a construir "a ênfase do movimento por direitos de bem-estar social***
na liderança da classe trabalhadora feminina implicitamente complementar à ideologia
machista do Black Power***”. O incisivo estudo comunitário de Greene argumenta que as
mulheres negras pobres formaram a espinha dorsal do ativismo Black Power de espírito
comunitário em Durham. Como parte do Comitê de Solidariedade de Negra de Durham,
mulheres negras fizeram dos direitos de bem-estar social uma prioridade, o que levou
parcialmente a um boicote de sete meses, em protesto contra a discriminação racial
generalizada. Para Greene, a expressão local do Black Power de Durham desafia "a tendência
comum, tanto dos estudiosos quanto do vulgo, para se concentrar nos aspectos mais fabulosos
do Black Power e sobre a violência negra", ignorando os "mais duradouros e significativos
aspectos e projetos iniciados por mulheres" do período. 34 Se o ativismo de base fundamentou-
se nas políticas Black Power e as mulheres negras participaram mais [dele] através de
organizações comunitárias, um número menor de mulheres negras, que se auto identificavam
como feministas, formou organizações explicitamente feministas que destacaram a política de
gênero e sexualidade. Pegando as linhas do exame de Matthews e LeBlanc-Ernest sobre as
dinâmicas de gênero dos Panteras Negras, o ensaio de 1999 da historiadora Kristin Anderson-
Bricker chamado Triple Jeopardy descreve o crescimento da consciência feminista negra no
SNCC entre 1964 e 1975. Argumentando que o feminismo negro representou "um importante
legado do SNCC", Anderson-Bricker ilustra como o aumento a consciência de gênero e raça
levou as mulheres negras no SNCC a criticar a desigualdade na organização e a uma luta mais

34 Greene, Our Separate Ways, p. 189. Rhonda Y. Williams, Black Women and Black Power, OAH***
Magazine of History n. 22 (Jul. 2008), p. 23. Countryman, Up South, p. 273. Para histórias do movimento por
direitos de bem-estar social***, ver Nadasen, Welfare Warriors; Orleck, Storming Caesar’s Palace; Kornbluh,
Battle for Welfare Rights; e Francis Fox Piven e Richard Cloward, Poor People’s Movements: Why They
Succeed, How They Fail (Nova Iorque, 1979). Para políticas de masculinidade*** nas lutas de libertação negra
no pós-guerra, ver Estes, I Am a Man!.
24

ampla por liberdade. Living for the Revolution (2005), da socióloga Kimberly Springer,
oferece o primeiro tratamento substancial de cinco grupos de feministas negros da segunda
geração***. Springer argumenta que por meio da participação nessas organizações, que
existiram entre 1968 e 1980, "vários milhares de ativistas negras afirmaram o feminismo
explicitamente e definiram uma identidade coletiva, com base em suas
reinvidicações/afirmativas*** de raça, gênero, classe e orientação sexual”.35
Como sua historiografia ilustra, o ativismo Black Power afetou profundamente a
forma dos Estados Unidos urbano do pós-guerra, sua política municipal, possibilidades de
organização comunitárias e imaginário político. O Black Power manifestou-se em lutas
comunitárias que forjaram bases*** (beachheads) em bairros, cidades, e povoados rurais em
toda o país. Examinar o Black Power através de estudos de comunidades desafia o
conhecimento*** predominante de que a militância negra representou um retrocesso da
organização e que nacionalismo negro inspirou um apaixonado separatismo racial que
desencadeou o fim de alianças inter-raciais e o desmoronamento de organizações chave dos
direitos civis, mais notavelmente o SNCC e o CORE.
A maturidade dos estudos sobre o Black Power é evidente em trabalhos recentes que
têm revisitado o lado cultural do movimento com um nível anteriormente inimaginável de
sofisticação. O nacionalismo negro formou a base para muitas das políticas culturais,
desenvolvimento institucional e sucesso nacional do Black Power. Fighting for US (2003), de
Scot Brown é o primeiro estudo histórico de caso de uma das mais importantes organizações
do nacionalismo negro da época. Talvez mais conhecida por engajar-se em uma série de
confrontos mortais com os Panteras Negras, a Organization US, um grupo de nacionalistas
negros que adotaram vestes, nomes e linguagem africana em serviço de uma maior
identificação cultural e política com a África, ajudaram a popularizar o nacionalismo cultural

35 Kristin Anderson-Bricker, ‘Triple Jeopardy’: Black Women and the Growth of Feminist Consciousness in
SNCC, 1964–1975 em Springer (org.), Still Lifting, Still Climbing, pp. 49–69, especialmente p. 50. Springer,
Living for the Revolution, p. 2. Ver também Benita Roth, Separate Roads to Feminism: Black, Chicana, and
White Feminist Movements in America’s Second Wave (Cambridge, Inglaterra, 2004), pp. 76–128; Breines,
Trouble between Us; E. Francis White, Dark Continent of Our Bodies: Black Feminism and the Politics of
Respectability (Filadélfia, 2001); Duchess Harris, From the Kennedy Commission to the Combahee Collective:
Black Feminist Organizing, 1960–1980 em Collier-Thomas e Franklin (orgs.), Sisters in the Struggle, pp. 280–
305; Duchess Harris, Black Feminist Politics from Kennedy to Clinton (Nova Iorque, 2009); Valk, Radical
Sisters; Benita Roth, The Making of the Vanguard Center: Black Feminist Emergence in the 1960s and 1970s
em Springer (org.), Still Lifting, Still Climbing, pp. 70–90; Stephen Ward, The Third World Women’s Alliance:
Black Feminist Radicalism and Black Power Politics em Joseph (org.), Black Power Movement, p. 120; Guy-
Sheftall (org.), Words of Fire; James, Shadow Boxing; Margo Perkins, Autobiography as Activism: Three Black
Women of the Sixties (Jackson, 2001); Farah Jasmine Griffin, Conflict and Chorus: Reconsidering Toni Cade’s
The Black Woman: An Anthology em Eddie S. Glaude Jr. (org.), Is It Nation Time? Contemporary Essays on
Black Power and Black Nationalism (Chicago, 2002), pp. 113–129; Cheryl Clarke, After Mecca: Women Poets
and the Black Arts Movement (New Brunswick, 2005); e Linda Janet Holmes e Cheryl A. Wall (org.), Savoring
the Salt: The Legacy of Toni Cade Bambara (Filadélfia, 2007).
25

negro. Brown explora a disciplina pessoal e os rituais, incluindo a adoção de novos nomes e
do feriado alternativo "Kwanzaa", que a Organization US desenvolveu para influenciar
decisivamente as políticas da era Black Power. Localmente, o grupo ajudou a estabelecer
alianças de trabalho entre os militantes de Los Angeles, que incluiu inicialmente os Panteras
Negras, organizadas sob a noção de "unidade operacional". Em 1967 a influência crescente da
Organization US diminuiu seus números relativamente baixos***, e o grupo emitiu
declarações opondo-se a guerra do Vietnã, defendeu a autodeterminação política negra em
todas as esferas da vida e passou a fazer incursões na costa leste.*** O trabalho do US veio a
falir*** no final da década de 60 e início da década de 70, vítima da escalada da violência
com os Panteras, misoginia e sectarismo.36
A Organization US defendia uma política cultural que viu a sua expressão máxima no
movimento Black Arts, que serviu como braço cultural do Black Power. Ativistas do Black
Arts chamaram para uma consciência negra coletiva, arte politizada e centros culturais
independentes que imbuiriam a comunidade afro-americana com um sentimento de orgulho
racial, conhecimento histórico e propósito político. The Black Arts Movement (2005), do
estudioso James Smethurst é a mais completa história cultural da era Black Power. Traçando
o desenvolvimento regional, a influência nacional e a origem na esquerda negra do pós-guerra
- que subscreveu os princípios das lutas de classe e raça - do Black Arts, o estudo de
Smethurst conecta o que ele caracteriza como o "nacionalismo literário" da época com as
correntes políticas que impactaram afro-americanos em todo o país. O The Black Arts
Movement, então, contrasta com o New Day in Babylon, de William Van Deburg em
argumentar que a produção cultural da era Black Power teve consequências políticas.37
A consciência negra e a auto definição cultural formaram os objetivos organizacionais
e políticos da era Black Power, acelerando esforços para garantir programas de Black Studies
nas escolas e universidades e infundindo a busca para redefinir a identidade negra com

36 Scot Brown, Fighting for US: Maulana Karenga, the US Organization, and Black Cultural Nationalism
(Novq Iorque, 2003), pp. 74–130. Ver também Monique Guillory e Robert C. Green(orgs.), Soul: Black Power,
Politics, and Pleasure (Nova Iorque, 1998); Julius E. Thompson, Dudley Randall, Broadside Press, and the
Black Arts Movement in Detroit, 1960–1995 (Jefferson, 1999); Lorenzo Thomas, Extraordinary Measures:
Afrocentric Modernism and Twentieth-Century American Poetry (Tuscaloosa, 2000); Waldo Martin, No Coward
Soldiers: Black Cultural Politics in Postwar America (Cambridge, Massachusetts., 2005); Cynthia Young, Soul
Power: Culture, Radicalism, and the Making of a U.S. Third World Left (Durham, 2006); Joe Street, The Culture
War in the Civil Rights Movement (Gainesville, 2007); Lewis R. Gordon, Fanon and the Crisis of European
Man: An Essay on Philosophy and the Human Sciences (Nova Iorque, 1995); e Tommie Shelby, We Who Are
Dark: The Philosophical Foundations of Black Solidarity (Cambridge, Massachusetts, 2006). Para um exame do
Kwanzaa como um fenômeno de base***, ver Keith A. Mayes, ‘A Holiday of Our Own’: Kwanzaa, Cultural
Nationalism, and the Promotion of a Black Power Holiday, 1966–1985, em Joseph (org.), Black Power
Movement, pp. 229–249; e Keith A. Mayes, Kwanzaa: Black Power and the Making of the African American
Holiday Tradition (Nova Iorque 2009).
37 Smethurst, Black Arts Movement. Van Deburg, New Day in Babylon.
26

raízes*** práticas nas comunidades por meio de centros culturais, escolas independentes,
poesia, dança, teatro e estética. O crescimento, desenvolvimento e institucionalização dos
programas e departamentos de Black Studies no ensino superior americano permanecem um
legado definitivo*** da era Black Power. Embora não exista nenhuma história abrangente
deste movimento, vários trabalhos têm oferecido sofisticados estudos históricos de caso de
protestos universitários específicos que levaram aos programas de Black Studies, às amplas
reverberações intelectuais, políticas e de políticas urbanas do movimento, e à análises
sociológicas da evolução do campo como uma disciplina acadêmica. 38 Enquanto o movimento
Black Arts experimentou seu auge nas décadas de 60 e 70, os seus progenitores jazem numa
época anterior, quando, como Smethurst aponta, gerações anteriores de nacionalistas negros e
esquerdistas "frequentemente se cruzaram entre si*** e com os da nova esquerda, do
movimento por direitos civis e os novos nacionalistas, especialmente Malcolm X, de formas
surpreendentes." A maior contribuição do The Black Arts Movement está nas
meticulosamente detalhadas formações do Black Arts para além das costas leste e oeste,
revelando abundantes panoramas do ativismo político no Sul e no Meio-oeste. Essa
resignificação força uma reavaliação da escala geográfica, influência local e legado
contemporâneo - na expressiva cultura***, música e arte negras - da era Black Power.39
Sweet Land of Liberty (2008), de Thomas J. Sugrue, uma massiva história da luta por
libertação negra no norte, oferece um poderoso exemplo de como a historiografia da era Black
Power impactou abordagens históricas do que Jacqueline Dowd Hall tem se referido como o
"longo movimento por direitos civis”. Partindo de estudos recentes que examinam a era Black
Power, Sugrue coloca o ativismo Black Power ativismo na extensão da história americana do
pós-guerra. A abordagem de Sugrue do Black Power atravessa duas barreiras***
interpretativas. O Black Power faz a sua aparição formal em Sweet Land of Liberty em 1963,

38 Glasker, Black Students in the Ivory Tower; Donald Alexander Downs, Cornell ’69: Liberalism and the Crisis
of the American University (Ithaca, 1999); Williamson, Black Power on Campus; Perry Hall, In the Vineyard:
Working in African American Studies (Knoxville, 1999); Jane Anna Gordon, Why They Couldn’t Wait: A
Critique of the Black-Jewish Conflict over Community Control in Ocean Hill–Brownsville, 1967–1971 (Nova
Iorque, 2001); Noliwe Rooks, White Money, Black Power: The Surprising History of African American Studies
and the Crisis of Race in Higher Education (Nova Iorque, 2007); Fabio Riojas, From Black Power to Black
Studies: How a Radical Social Movement Became an Academic Discipline (Baltimore, 2007); Stefan Bradley,
‘This Is Harlem Heights’: Black Student Power and the 1968 Columbia University Rebellion em Afro-
Americans in New York Life and History n. 32 (Jan. 2008), pp. 99–122; Stefan Bradley, ‘Gym Crow Must Go!’:
Black Student Activism at Columbia University, 1967–1968 em Journal of African American History n. 88
(primavera de 2003), pp. 163–181; Dionne Danns, Chicago High School Students’ Movement for Quality Public
Education, 1966–1971 em Journal of African American History, n. 88 (primavera de 2003), pp. 138–150; e
Dwayne C. Wright, Black Pride Day, 1968: High School Student Activism in York, Pennsylvania em ibid., pp.
151–162; Jeanne Theoharis, ‘We Were Coming with Action’: High School Students and the Development of
Black Power in L.A. em Joseph (org.),Neighborhood Rebels.
39 Smethurst, Black Arts Movement, pp. 368–369. Ver também Martin, No Coward Soldiers.
27

mas Sugrue preocupa-se em reconhecer a dívida do movimento com uma tradição maior do
ativismo negro, observando que "muitas figuras chaves no Black Power [...] eram produtos de
uma geração anterior do ativismo". A novidade do Black Power, argumenta Sugrue, foi
exagerada. "Suas raízes em uma longa tradição negra de autoajuda/ajuda-mútua, sua relação
com a profunda corrente do anti-imperialismo negro que data da década de 30 e 40, e sua
apropriação de elementos do liberalismo racial pós-guerra, particularmente os entendimentos
psicológicos da desigualdade racial, foram negligenciados nas descrições sensacionalistas do
Black Power." Em última análise, talvez o mais poderoso legado do Black Power foi expandir
o imaginário político da nação. Nesse sentido, a insistência do Black Power na releitura da
gama retórica e prática da América democrática contribuiu para o clima político e racial que
conduziu à histórica eleição presidencial de Barack Obama.40

Conclusão
A evolução dos estudos*** sobre o Black Power tem cada vez mais redefinido o
significado do período, com consequências de longo alcance para estudos comunitários e
urbanos e para as historiografias dos direitos civis e do pós-guerra americano. Os anos entre
1966 e 1975 representam o período clássico do Black Power. Esta década testemunhou a
ascensão do movimento como um fenômeno nacional e internacional que tocou cada aspecto
da sociedade americana. Isto também produziu uma série de eventos, manifestações, e
imagens que constituíram a ainda forte iconografia do período. A chamada de Stokely
Carmichael por "força negra" [black power] em Greenwood, Mississippi, em 1966, continua
sendo o ponto de partida para a transição do movimento na cena política americana.
Historiadores não tem prestado atenção suficiente à evolução de Carmichael de líder militante
dos direitos civis para revolucionário do Black Power. Além disso, muito pouco é conhecido
sobre o papel subsequente de Carmichael como um líder nacional e como um ícone
internacional, entre 1966 e 1968, período em que tornou-se, dentre outras coisas, um
solicitado orador universitário, um proeminente ativista antiguerra, e um alvo da Casa Branca
e do FBI, sob comandos de Lyndon B. Johnson e J. Edgar Hoover respectivamente. Ele
também embarcou numa tempestuosa viagem de seis meses ao redor do mundo e ajudou a
introduzir os Panteras Negras para um público nacional.41

40 Sugrue, Sweet Land of Liberty, p. 316, 338; Jacqueline Dowd Hall, The Long Civil Rights Movement and the
Political Uses of the Past em Journal of American History n. 91 (Mar. 2005), 1234–1263. Ver também Glenda
Elizabeth Gilmore, Defying Dixie: The Radical Roots of Civil Rights, 1919–1950 (Nova Iorque, 2008); e Jeffrey
B. Perry, Hubert Harrison: The Voice of Harlem Radicalism, 1883–1918 (Nova Iorque, 2009). Peniel E. Joseph,
Dark Days, Bright Nights: From Black Power to Barack Obama (Nova Iorque, 2010).
28

A complexa interação de Carmichael com os ativistas do movimento por direitos civis,


dissidentes tentativas de forjar alianças internacionais, e ativismo antiguerra compromissado,
desafiaram a narrativa convencional do período do Black Power. A narrativa retrata o grande
desgaste da energia do movimento*** no final da década de 1960, incendiada num furacão
autodestrutivo de violência fratricida, vigilância do FBI, e decisões trágicas que o afastaram
de uma "tradição organizacional" paciente e vagarosa em direção a outra, retoricamente
grandiosa, mas de políticas praticamente delirantes, que favoreciam fantasias de separatismo
racial e premiavam o estilo em detrimento da essência.42
Os novos estudos sobre o Black Power exigem que os historiadores do pós-guerra
americano levem a sério as tensões obscuras e desconhecidas do ativismo negro. Estes novos
estudos reconhecem o Black Power como um marco inegável para as agitações e
transformações sociais, políticas, culturais e econômicas dessa época. Mais de duas décadas
atrás, Robert Korstad e Nelson Lichtenstein desafiaram os acadêmicos a repensar as, em
grande parte artificiais, fronteiras que separam os levantes por liberdade da época da Grande
Depressão e Segunda Guerra Mundial do, mais amplamente apreciado, período heroico do
movimento por direitos civis. Desde então, trabalhos publicados na intersecção da história
urbana, social, cultural e política tem preenchido as lacunas históricas sugestivamente
esboçadas por Korstad e Lichtenstein. O influente ensaio da historiadora Jacqueline Dowd
Hall chamado "O longo movimento por direitos civis e os usos políticos do passado***", de
2005, argumenta persuasivamente para uma visão mais ampla do período dos direitos civis. O
entendimento histórico contemporâneo do movimento moderno por direitos civis reconhece
um longo continuum histórico e um elenco maior de personagens, organizações, e conflitos
que o admitido anteriormente. Os estudos do Black Power estão expandindo ainda mais esse
quadro histórico para permitir uma melhor compreensão da história dos eventos e fenômenos
que foram, sobretudo, moldados, pelo menos desde a década de 60, por jornalistas e a
primeira geração de historiadores dos direitos civis.43
41 Joseph, Waiting ’Til the Midnight Hour, pp. 124–240; Id., Revolution in Babylon: Stokely Carmichael and
America in the 1960s em Souls: A Critical Journal of Black Politics, Culture, and Society, n. 9 (Out.–Dez.
2007), pp. 281–301. Ver também Stokely Carmichael e Ekwueme Michael Thelwell, Ready for Revolution: The
Life and Struggles of Stokely Carmichael (Kwame Ture) (Nova Iorque, 2003).
42 Payne, I’ve Got the Light of Freedom, pp. 338–90; Clayborne Carson, Rethinking African-American Political
Thought in the Post-revolutionary Era em Tony Badger e Brian Ward (orgs.) The Making of Martin Luther King
and the Civil Rights Movement (London, 1996).
43 Robert Korstad e Nelson Lichtenstein, Opportunities Found and Lost: Labor, Radicals, and the Early Civil
Rights Movement em Journal of American History n. 75 (Dez. 1988), pp. 786–811. Sobre a interseção entre as
histórias urbana, social, cultural e política, ver Singh, Black Is a Country; Risa L. Goluboff, The Lost Promise of
Civil Rights (Cambridge, Massachusetts, 2007); e Laurie Green, Battling the Plantation Mentality: Memphis and
the Black Freedom Struggle (Chapel Hill, 2007). Hall, Long Civil Rights Movement and the Political Uses of the
Past. Nikhil Pal Singh usou a expressão “longa era dos direitos civis” primeiro em Singh, Black Is a Country, p.
1–14. Para uma crítica da tese do longo movimento por direitos civis, ver Sundiata Keita Cha-Jua e Clarence
29

O movimento Black Power assumiu um papel de liderança em formar, contestar e


transformar o significado e os resultados políticos da democracia americana do pós-guerra.
Black Power assumiu um significado tangível e concreto no nível das políticas urbanas,
organização comunitária, e movimentos intelectuais e culturais, transformando as instituições
sociais americanas e, por vezes, criando outras novas. Em termos gerais, os ativistas do Black
Power se propuseram criar e implementar ousadas novas agendas para as políticas americanas
interna e externa. Várias tendências interpretativas nos estudos do Black Power já estão
surgindo desta nova historiografia. Histórias sociais e estudos comunitários tenderam
examinar a maneira que ativistas locais e políticos formaram o Black Power na base.***
Desta perspectiva, o movimento diz respeito menos sobre líderes emblemáticos e mais sobre
novos caminhos para organização comunitária que realçou grupos anteriormente
negligenciados e pouco estudados. Mulheres, frequentemente esquecidas das narrativas
convencionais do Black Power, são centrais nesta nova história. Tais estudos locais estão
transformando o entendimento histórico de como o Black Power afetou cotidianamente
ativistas negros de base e ampliando o entendimento dos historiadores sobre a geografia,
organização e objetivos políticos do movimento.44 Os impulsos do Black Power foram, talvez,
melhor expressados ao nível local. Ao contrário das concepções populares da mudança do
movimento por direitos civis para o Black Power como uma evolução dos protestos à política,
o período era caracterizado por ambos os impulsos no nível local. Ativistas Black Power
ampliaram tradições de organização comunitária para defender questões básicas no Norte,
Meio-oeste, Sul e Oeste. Estudos locais, nos níveis estadual, municipal e comunitário serão
importantes para o contínuo crescimento e evolução dos estudos do Black Power.
Embora essa ênfase local prometa descobrir tensões significantes, mas anteriormente
desconhecidas do ativismo, novas investigações das dinâmicas tensões e interações entre
movimentos local, nacional, e global para o poder negro [black power] também serão vitais
para desenvolver uma história mais completa do período. Análise críticas dos sucessos, falhas
Lang, The ‘Long Movement’ as Vampire: Temporal and Spatial Fallacies in Recent Black Freedom Studies em
Journal of African American History, n. 92 (primavera de 2007), pp. 265–288. Para outros ensaios
historiográficos que chamam por novas direções na literatura sobre o movimento, ver Steven F. Lawson,
Freedom Then, Freedom Now: The Historiography of the Civil Rights Movement em American Historical
Review, n. 96 (Abr. 1991), pp. 456–71; Charles W. Eagles, Toward New Histories of the Civil Rights Era em
Journal of Southern History, n. 66 (Nov. 2000), pp. 815–848; Peniel E. Joseph, Black Liberation without
Apology: Rethinking the Black Power Movement em Black Scholar, n. 31 (outono-inverno de 2001), pp. 2–17;
Id., Introduction: Toward a Historiography of the Black Power Movement em Id. (org.) Black Power Movement,
pp. 1–25; e Jeanne Theoharis, Black Freedom Studies: Re-imagining and Redefining the Fundamentals, em
History Compass, n. 4 (Mar. 2006), pp. 348–67.
44 Woodard, Nation within a Nation; Williams, Black Politics/White Power; Countryman, Up South; Joseph
(org.), Black Power Movement; Id. (org.), Neighborhood Rebels; Williams, Black Women and Black Power. Ver
também Self, American Babylon; Greene, Our Separate Ways; Germany, New Orleans after the Promises; e
Chafe, Civilities and Civil Rights.
30

e legado dos ícones do movimento, assim como líderes e organizações mais obscuras é
também necessária. Isto não*** é um chamado para uma história do movimento de cima para
baixo, mas um reconhecimento que os historiadores ainda sabem muito pouco sobre os atores
e grupos chave do período. Num agudo contraste em relação a historiografia dos direitos
civis, beneficiada com dezenas de bem pesquisadas biografias de líderes afro-americanos e
brancos (e, em menor medida, outros ativistas de cor), a historiografia do Black Power sofre
com o fato que os mais importantes líderes e ícones nacionais do movimento (inclusive,
surpreendentemente, Malcolm X) permanecem envoltos em mistério. A escassez de
biografias e histórias organizacionais *** da mais visível liderança do período do Black
Power também empobrece os estudos dos Estados Unidos pós-guerra. Preencher estas lacunas
é vital para escrever uma história mais ampla e profunda deste período. As novas histórias
políticas, intelectuais, culturais, religiosas e organizacionais*** fornecerão detalhes críticos
que traçarão a genealogia, fundamentos filosóficos e forças sociais e políticas que formaram o
movimento.45
O melhor dos novos estudos do Black Power já está forçando estudiosos a reavaliar o
saber convencional ***, focando-se no impacto da organização comunitária; examinando a
participação de mulheres negras de baixa renda; expandindo os contornos geográficos do
movimento para o Sul e acessando esse personagem sulista; explorando o papel dos radicais
brancos, assim como coligações entre os negros e eles; expondo o relacionamento entre
militantes dos direitos civis e ativistas do Black Power; e dando ênfase às múltiplas formas do
Black Power tanto na política quanto na cultura.46
Estimulado pela retórica urgente de autodeterminação do Black Power e pela busca de
poder político, ativistas negros buscaram o controle sobre a "comunidade de ação" ao lado da
Guerra contra a pobreza da Great Society. No nível da política urbana, isto significou a
perseguição agressiva do controle local sobre esforços de combate à pobreza federais através
da criação de grupos ad hoc, embora organizações como a SNCC e a CORE promovessem o
Black Power como um esforço de ação comunitária para aliviar a pobreza urbana em muitas
das piores comunidades americanas. Pelo fim dos anos 60, grupos como os Panteras Negras
expressaram um ceticismo aberto a respeito da capacidade da alardeada democracia
americana de estender a cidadania aos negros; mesmo aqueles ativistas que olharam para as
sagradas escrituras redigidas pelos Pais Fundadores como marcos em sua busca por uma nova
45 Smethurst, Black Arts Movement; Joseph, Waiting ’Til the Midnight Hour; Johnson, Revolutionaries to Race
Leaders; Watts, Amiri Baraka; Moore, Carl Stokes and the Rise of Black Political Power in America. Ver
Também Manning Marable, Malcolm X: A Life of Reinvention (no prelo); e Peniel E. Joseph, Stokely
Carmichael: Race, Democracy, and Postwar America, 1941–1969 (no prelo).
46 Williams, Black Women and Black Power; Countryman, Up South; Williams, Black Politics/White Power.
31

sociedade***. Contra o pano de fundo político que incluiu a ameaça constante de revoltas
urbanas e o medo persistente de uma guerra racial, os defensores do Black Power
frequentemente implementaram uma abordagem de "incentivo e punição"*** para a
organização política. Por um lado, ativistas ameaçavam cada vez mais instabilidade civil se a
pobreza e o racismo não fosse aliviados imediatamente. Por outro, eles sugeriam que reformas
democráticas específicas poderiam evitar um confronto violento. O impacto do Black Power
nas instituições democráticas americanas, das igrejas às prisões e das escolas às casas de leis,
é uma parte essencial, embora ainda em grande parte inescrita da história americana. As
questões de classe, regionais, e divisões religiosas entre os afro-americanos moldaram que
formaram respostas ao Black Power também oferecem uma via frutífera para a pesquisa
acadêmica.47
O ativismo Black Power existiu junto às lutas do movimento por direitos civis dos
anos 50 e início dos anos 60, e certamente ativistas participaram simultaneamente nos dois
movimentos. A cultura política afro-americana entre 1954 e 1965 tem provado ser muito mais
complexa, diversa e heterogênea que as narrativas tradicionais do período têm descrito. A
insurgência nacional dos direitos civis, manifestações coordenadas, desobediência civil
estratégica, e vitórias legais e legislativas continuam a moldar nosso entendimento desse
período. Embora isto indubitavelmente nos diga uma parte importante da história, existe
muita história desconhecida para se escrever.
Apesar de ter compartilhado um legado histórico com o movimento por direitos civis,
o movimento Black Power contestou as narrativas dominantes dos direitos civis, e, ao fazê-lo,
ele transformou fundamentalmente a democracia americana no período do pós-guerra. Os
estudiosos têm ainda de lidar plenamente com esta realidade. De fato, os ativistas Black
Power se encontraram, como afirma Sugrue, procurando por "uma alternativa política ao
liberalismo racial que prevaleceu durante maior parte dos anos do pós-guerra". 48 Contudo, tal
descrição parece estar em desacordo com a compreensão geral do movimento, que continua a
identificar o Black Power com as política de separatismo racial, de identidade e de orgulho
cultural. Todavia, estes nunca foram os únicos objetivos ou os fins do movimento.

47 Sugrue, Sweet Land of Liberty, p. 368. Joseph, Waiting ’Til the Midnight Hour; Id. (org.), Neighborhood
Rebels; Rhodes, Framing the Panthers; Yohuru Williams, ‘A Red, Black, and Green Liberation Jumpsuit’: Roy
Wilkins, the Black Panthers, and the Conundrum of Black Power em Joseph (org.) Black Power Movement, pp.
167–191; Simon Hall, The NAACP, Black Power, and the African American Freedom Struggle, 1966–1969 em
Historian, n. 69 (primavera de 2007), pp. 49–82; Smethurst, Black Arts Movement; Self, American Babylon;
Brown, Fighting for US; Germany, New Orleans after the Promises; Countryman, Up South; Ogbar, Black
Power.
48 Sugrue, Sweet Land of Liberty, p. 255.
32

O Black Power também apresentou triunfos notáveis enraizados no ethos do


movimento de autodeterminação e ancorados numa busca obstinada pelo poder político.
Diversas comunidade de atores históricos participaram ativamente do movimento, enquanto
outros encontraram inspiração no período da militância [por direitos civis]. Uma descrição
mais holística do período revelará a dimensão do caráter multirracial e multigeracional do
movimento, sua influencia prática na religião negra e grupos cívicos, seu impacto
transnacional, e sua continuada ressonância nas contemporâneas cultura, política e
democracia americana.
Mesmo que reconheçamos os impulsos transformadores das políticas Black Power na
sociedade americana, [nós, os] estudiosos devemos confrontar e lutar com os impulsos mais
sombrios do período. Os ativistas do Black Power traficaram*** em retórica exagerada,
excessos polêmicos e postura machista que ajudaram ocultar suas realizações e diminuir seu
legado histórico. O uso da violência como estratégia política pelo movimento, sua censura
contra os brancos, e sua quase casual misoginia merecem atenção crítica e constante dos
estudiosos. O Black Power contém elementos de tragédia grega, incluindo fratricídio,
encarceramento, exílios forçados e auto impostos, troca de identidades, mortes equivocadas, e
décadas de longas odisseias políticas.49
O Black Power escandalizou os Estados Unidos nos anos 60, mas sua aparente
novidade mascarava uma história mais profunda. Além do período de pirotecnias verbais,
controversas raciais, e estilística bombástica, ele foi um momento divisor de águas de
transformação política e social. O Black Power cresceu de múltiplas tensões de luta social,
política e econômica. Eventos políticos locais, nacionais e internacionais - por vezes
independentemente e frequentemente em caminhos que se cruzavam - alimentaram uma
grande e eclética variedade de movimentos sociais, culturais e políticos. Negros e negras
comuns, sindicalistas, nacionalistas negros, pregadores, trabalhadores do ramo da cultura,
estudantes, professores, prisioneiros e políticos exportaram o ethos radical do Black Power do
solo americano para os mais distantes pontos do mundo. Para toda uma geração, a
comunidade e ativismo social do Black Power formou a consciência política, solidariedade
racial, e o imaginário político doméstico e exterior dos afro-americanos.
Por fim, os novos estudos convidam a uma reavaliação da maneira que o Black Power,
não menos que o movimento por direitos civis, tentou reformular noções de longa data sobre

49 Adolph Reed Jr., Stirrings in the Jug: Black Politics in the Post-segregation Era (Minneapolis, 1999); Dean
E. Robinson, Black Nationalism in American Politics and Thought (Nova Iorque, 2001); Watts, Amiri Baraka;
Johnson, Revolutionaries to Race Leaders.
33

cidadania, identidade e democracia. Completar esta tarefa transformará a compreensão


acadêmica deste período e dramaticamente repensar os clichês sobre os anos 60, raça, e
democracia que continuam a basear a compreensão histórica, ensino, publicações e
conceptualizações do período. Chegar a um acordo sobre as contradições, deficiências e
realizações do Black Power marca um esforço vital e necessário na releitura da história
americana do pós-guerra.50

50 Sobre a reformulação da era Black Power, ver, por exemplo, a edição especial/questão específica, Peniel E.
Joseph (org), Black Power OAH Magazine of History, 22 (Jul. 2008).

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