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Journal of American History, Volume 96, Issue 3, December 2009, Pages 751–776.
(tradução – Marcus Vinicius) Não revisado
fronteiras democráticas. Esta narrativa ainda fornece muito frequentemente a base para
compreensões populares, assim como abordagens acadêmicas, do Black Power como uma
impassível falha e uma contraparte negativa aos mais retos esforços para a integração racial, a
justiça social, e a igualdade econômica.2
Dadas as imagens excessivamente negativas associadas ao Black Power, os esforços
para defini-lo têm sido, em grande parte, arbitrários. Até recentemente, as perspectivas sobre
o movimento foram formadas primordialmente pela memória daqueles que o viram somente
como uma resposta raivosa ao ritmo lento das lutas por direitos civis. Não
surpreendentemente, um claro trabalho de definição do Black Power se mostrou difícil de
encontrar, especialmente porque ele foi muito frequentemente visto como um "gêmeo mal" do
movimento por direitos civis.
A era Black Power foi inicialmente documentada como parte da primeira onda
historiográfica do movimento por direitos civis, mas, especialmente ao longo dos últimos
quinze anos, os estudos sobre o movimento Black Power tem crescido em ambição,
complexidade e amplitude, culminando num novo subcampo que Peniel E. Joseph chamou de
"Black Power Studies"3. Esta onda de pesquisa sobre o período começou a desmistificar,
complexificar, e engajar intelectualmente lutas e atores demonizados, rejeitados e
negligenciados, proporcionando narrativas matizadas, sólidas e bem pesquisadas que
documentam profundas implicações das políticas do Black Power para o estudo da história
afro-americana e, mais amplamente, a história dos Estados Unidos. O Black Power pode ter
sido aproveitado*** em comunidades negras, mas suas iterações múltiplas desafiaram o
escopo do liberalismo, da democracia, e do Estado-nacional, assim como o modo que nós
encaramos a prática da democracia nos níveis local, regional, nacional, e global. Este ensaio
examina a evolução da historiografia do Black Power, sua mudança de significado dentro das
pesquisas sobre o movimento por direitos civis, e seu recente crescimento como um
subcampo distinto na história dos Estados Unidos.
2 Ver, por exemplo, Allen J. Matusow, The Unraveling of America: A history of liberalismo in the 1960s (Nova
Iorque, 1985); Todd Gitlin, The Sixties: Years of Hope, Days of Rage (Nova Iorque, 1989); Hugh Pearson, The
shadow of the Panther: Huey P. Newton and the price of Black Power in America (Reading, 1994); Maurice
Isserman and Michael Kazin, America divided: The civil war of the 1960s (Nova Iorque, 2000); e Gilbert Jonas,
Freedom’s Sword: The NAACP and the struggle against racism in America (Filadélfia, 2003). Para estudos
sobre as política e cultura radicais nos anos 60 que desafiaram esta visão do Black Power ver Van Gosse e
Richard Moser (orgs.), The world the sixties made: Politics and culture in recent America (Philadelphia, 2003);
David Barber, A hard rain fell: SDS and why it failed (Jackson, 2008), pp. 3-51; e Jeremi Suri, The rise and fall
of an international culture, 1960-1975, em American Historical Review, n. 114 (Fev. 2009), pp. 45-68.
3 Ver as questões específicas em Peniel E. Joseph (org.), “Black Power Studies I” em Black Scholar, n. 31
(outono-inverno de 2001), pp. 1-66; e Id., (org.), Black Power Studies II, ibid., n. 32 (primavera de 2002), 1-66.
3
A expressão moderna do Black Power surgiu de duas tradições distintas, mas com
pontos em comum, que formaram o ativismo político negro na primeira metade do século XX:
o "radicalismo New Negro" dos anos 20 e as subsequentes ondas de libertação*** -
movimentos democráticos que incluíram ativistas de base, trabalhistas e dos direitos civis em
todo o país - da época da Grande Depressão e Segunda Guerra Mundial que alimentaram uma
extensa visão de cidadania, direitos civis, e democracia. Dando ênfase ao orgulho racial, à
conexão entre os direitos civis nos Estados Unidos e no terceiro mundo, e à política de
autodeterminação, através de protestos contundentes e, por vezes, deliberadamente
provocativos, militantes negros no norte foram inspirados, simultaneamente, pela heroica ação
direta dos manifestantes do sul e repelidos*** pelos espetáculos de violência racial que lá
existiam. No final dos anos 50, estes militantes do norte, descrentes sobre a habilidade da
democracia americana de defender a cidadania negra, formaram um movimento paralelo sem
nome. Em 1961, ativistas nova-iorquinos incluindo Maya Angelou, LeRoi Jones
(posteriormente Amiri Baraka) e Mae Mallory desencadearam o caos*** no solo das Nações
Unidas em manifestações contra o assassinato de Patrice Lumumba, primeiro-ministro da
República Democrática do Congo. A morte de Lumumba nas mãos de seus inimigos políticos
ultrajou os nacionalistas do Harlem, que o viam como um mártir heroico morto por desafiar a
política externa americana, que, por sua vez, dizia promover a autonomia africana nos
assuntos internacionais. No ano seguinte, estudantes universitários radicais negros fundaram,
em Ohio, o Movimento de Ação Revolucionária (RAM), que se comprometeu com o
socialismo e a autodefesa armada e rapidamente estabeleceu bases em diversos estados. Na
Califórnia, ativistas associados ao RAM fundaram a Soulbook, uma revista cultural em que
dentre os membros da equipe se incluía o futuro Pantera Negra Bobby Seale. Em Detroit,
militantes negros se organizaram em torno do Grupo sobre Liderança Avançada em 1961,
para protestar contra os planos de revitalização urbana. Estes grupos todos encontraram uma
identidade e um porta-voz nacional em Malcolm X. 4 Em seu núcleo, o movimento Black
Power, em contraste às lutas por direitos civis, privilegiou uma visão de fortalecimento negro
que teve alcance nacional e internacional, manteve a política de autodeterminação como
sacrossanta, e chamou para uma redefinição da identidade negra que conectasse americanos
4 Willian L. Van Deburg, New day in Babylon: Black Power and American culture, 1965-1975 (Chicago, 1992);
Peniel E. Joseph, Waiting ‘til the midnight hour: a narrative history of Black Power in America (Nova Iorque,
2007); James Smethurst, The Black Arts Movement: Literary nationalism in the 1960s and 1970s (Chapel Hill,
2005); e Jeffrey O. G. Ogbar, Black Power: Radical politics and African American Identity (Baltimore, 2005).
Sobre o papel de Malcolm X e a Nação do Islã no desenvolvimento do Black Power, ver William W. Sales Jr.,
From civil rights to black liberation: Malcolm X and the organization of afro-american unity (Boston, 1994); e
Claude Andrew Clegg III, An original man: the life and times of Elijah Muhammad (Nova Iorque, 1998).
4
negros a um projeto político nacional e global baseado na solidariedade racial e a uma história
compartilhada de opressão racial.
O movimento Black Power, em seu desafio do liberalismo racial do pós-guerra,
transformou fundamentalmente as lutas por justiça racial através de uma busca inflexível por
transformações social, política, cultural e econômica. As atividades do movimento durante o
fim dos anos 60 e início dos anos 70 abrangeram virtualmente todas as facetas da vida política
afro-americana nos Estados Unidos e além dele. Contudo a história do Black Power é ainda
em grande parte uma epopeia inescrita na história americana. Estudantes universitários negros
protestaram por mudanças curriculares que culminaram no desenvolvimento de
departamentos e programas de "Black Studies" em todo país. Os políticos afro-americanos
aproveitaram a onda de solidariedade racial para ajudar a construir máquinas de políticas
urbanas que elegeram prefeitos em cidades como Cleveland, Detroit, Atlanta, Newark, e
Gary, Indiana, e levou à formação da Assembleia de Negros Congressistas.5 Mulheres negras
utilizaram a militância da retórica urgente do movimento*** para articular uma visão
feminista ousada (aquela que era, muitas vezes, crítica da misoginia do Black Power) e fazer
valer os seus direitos a amplos serviços sociais, especialmente aqueles relacionados a questões
básicas como habitação, educação e bem-estar social***.6 Embora as vitórias jurídicas e
legislativas do período dos direitos civis desempenhassem um papel crucial nestas lutas, a
militância do Black Power mostrou-se decisiva em inaugurar a primeira geração de
funcionários públicos eletivos e produzir um eclético leque de movimentos sociais
5 Para uma história abrangente do período ver Peniel E. Joseph , Waiting ‘til the midnight hour; Komozi
Woodard, A nation within a nation: Amiri Baraka (Leroi Jones) and Black Power politics (Chapel Hill, 1999);
Leonard Moore, Carl B. Stokes and the rise of the black political power (Urbana, 2002); Peniel E. Joseph (org.)
The Black Power Movement: Rethinking the Civil Rights-Black Power Era (New York, 2006); Peniel E. Jopeph
(org.), Neighborhood Rebels: Black Power at the Local Level (New York, 2010, no prelo); Cedric Johnson,
Revolutionaries to Race Leaders: Black Power and the Making of African American Politics (Minneapolis,
2007); e Manning Marable, Race Reform, and Rebellion: The Second reconstruction in Black America, 1945-
1990 (Jackson, 1990).
6 Paula Giddings, When and Where I Enter: The Impact of Black Woman on race and Sex in America (Nova
Iorque, 1984); Deborah Gray White, Too Heavy a Load: Black Women in Defense of Themselves, 1894-1994
(Nova Iorque, 1999); Beverly Guy-Sheftall (org.), Words of Fire: An Anthology of African-American Whomen
in the Civil Rights-Black Power Movement (Nova Iorque, 2001); Joy James, Shadowboxing representations of
Black Feminist Politics (Nova Iorque, 1999); Rhonda Y. Williams, The Politics of Public Housing: Black
Women’s Struggle against Urban Inequality (Nova Iorque, 2004); Matthew Countryman, Up South: Civil Rights
and Black Power in Philadelphia (Filadélfia, 2005); Premilla Nadasen, Welfare Warriors: The Welfare Rights
Movement in the United States (Nova Iorque, 2005); Christina Greene, Our Separate Ways: Woman and the
Black Freedom Movement in Durham, North Carolina (Chapel Hills, 2005); Felicia Kornbluh, The Battle for
Welfare Rights: Politics and Poverty in Modern America (Filadélfia, 2007) Annelise Orleck, Storming Caesar’s
Palace: How Black Mothers Fought Their Own Way on Poverty (Boston, 2006); Kimberly Springer (org.) Still
Lifting, Still Climbing: African American Women’s Contemporary Activism (Nova Iorque, 1999); Kimberly
Springer, Living for the Revolution: Black Feminist Organizations, 1968-1980 (Durham, 2005); Winifred
Breines, The Trouble between Us: An uneasy History of White and Black Women in the Feminist Movement
(Nova Iorque, 2006); Anne M. Valk, Radical Sisters: Second-Wave Feminism and Black Liberation in
Washington D.C. (Urbana, 2008).
5
7 Ogbar, Black Power, 159. Ver também Paul Chaat Smith and Robert Allen Warrior, Like a Hurricane: The
Indian Movement from Alcatraz to Wounded Knee (Nova Iorque, 1997); Carlos Muñoz, Youth, Identity, and
Power: The Chicano Movement (Londres, 2007); Steve Louie and Glenn K. Omatsu, (orgs.), Asian Americans:
The Movement and the Moment (Los Angeles, 2006); Grace Lee Boggs, Living for the Change: An
Autobiography (Minneapolis, 1998); e Diane C. Fujino, Heartbeat of Struggle: The Revolutionary Life of Yuri
Kochiyama (Minneapolis, 2005).
8 Sobre o lado cultural do Black Power ver Rod Bush, We Are Not What We Seem: Black Nationalism and
Class Struggle in the American Century (Nova Iorque, 1999); Smethurst, Black Arts Movement; Woodard,
Nation within a Nation; Joseph, Waiting ’Til the Midnight Hour; Jerry Gafio Watts, Amiri Baraka: The Politics
and Art of a Black Intellectual (Nova Iorque, 2001); Wayne Glasker, Black Students in the Ivory Tower: African
American Student Activism at the University of Pennsylvania, 1967–1990 (Amherst, 2002); Joy Ann
Williamson, Black Power on Campus: The University of Illinois, 1965–75 (Urbana, 2003); Mike Marqusee,
Redemption Song: Muhammad Ali and the Spirit of the Sixties (Londres, 1999); Amy Bass, Not the Triumph but
the Struggle: The 1968 Olympics and the Making of the Black Athlete (Minneapolis, 2002); Douglas Hartman,
Race, Culture, and the Revolt of the Black Athlete: The 1968 Olympic Protests and Their Aftermath (Chicago,
2003); e Algernon Austin, Achieving Blackness: Race, Black Nationalism, and Afrocentrism in the Twentieth
Century (Nova Iorque, 2006). Sobre os Panteras Negras, ver Charles Jones (org.), The Black Panther Party
Reconsidered (Baltimore, 1998); Yohuru Williams, Black Politics/White Power: Civil Rights, Black Power, and
the Black Panthers in New Haven (New York, 2000); Kathleen Cleaver and George Katsiaficas (orgs.),
Liberation, Imagination, and the Black Panther Party: A New Look at the Panthers and Their Legacy (Nova
Iorque, 2001); Ogbar, Black Power; Jama Lazerow and Yohuru Williams (org.), In Search of the Black Panther
Party:New Perspectives on a Revolutionary Movement (Durham, 2006); Curtis J. Austin, Up against the Wall:
Violence in the Making and Unmaking of the Black Panther Party (Fayetteville, 2006); Paul Alkebulan, Survival
Pending Revolution: The History of the Black Panther Party (Tuscaloosa, 2007); Jane Rhodes, Framing the
Black Panthers: The Spectacular Rise of a Black Power Icon (Nova Iorque, 2007); e Judson L. Jeffries (org.).,
Comrades: A Local History of the Black Panther Party (Bloomington, 2007).
6
Robeson quando usou o termo "Negro Power" durante os anos 50; e pelo congressista do
Harlem Adam Clayton Powell Jr. no início de 1966. 9. Seu uso definiu a força política negra
em termos, mais do que específicos, gerais. Em 1966, o Black Power se definiu como um
movimento por solidariedade racial, orgulho cultural e autodeterminação. Mais que isso, sua
retórica urgente, postura militante, e tom desafiador tornaram a expressão um toque de
trombeta para um tempo cada vez mais revolucionário. A partir deste ponto de vista, o Black
Power veio a ser definido como a vanguarda do ativismo negro, um movimento cuja
militância contrastava com o tom mais comedido do movimento por direitos civis e que
parecia sinalizar uma ruptura com as formas anteriores do ativismo negro. O Black Power
ecoou através dos Estados Unidos como um ousado chamado para a libertação afro-
americana.
Os brancos viram a expressão como uma declaração de guerra que inspirou o
Saturday Evening Post a professar: “We are all; let us face it, Mississipians”***. A revista
Time caracterizou o termo como "uma filosofia racista" que defendia a discriminação reversa,
e o U.S. News and World Report debateu seu significado enquanto esperava que os ativistas
negros moderados viessem intervir e acalmar as crescentes preocupações raciais*** acerca do
termo. Com seu poderoso púlpito intimidador, a mídia nacional veio a definir o Black Power
como violento, raivoso, controverso e antibranco.10
Em seu livro Black Power (1967), escrito com o cientista político Charles Hamilton,
Carmichael definiu o Black Power como uma série de "experimentos" políticos que
utilizariam o voto e a política eleitoral, e dedicou um capítulo para esses esforços
organizacionais*** em Lowndes County, Alabama. “É um chamado para o povo negro neste
país, para a união, para reconhecer sua herança, para construir um senso de comunidade. É um
chamado para que o povo negro defina seus próprios objetivos, para conduzir a suas próprias
organizações”, disse Carmichael em uma ocasião à parte em 1966. Outros ativistas e
organizações expandiram a concepção de Carmichael sobre o Black Power, adaptando o
termo para adequá-lo às necessidades locais e regionais e usando-o como uma chamada
nacional para o fortalecimento negro, cujas reverberações podiam ser sentidas mundialmente.
Sobre este assunto, The Crisis of the Negro Intellectual (1967), de Harold Cruse, tornou-se a
mais influente história intelectual e cultural do radicalismo negro, escrita por alguém que
9 Sobre a marcha de Meredith ver David Garrow, Bearing the Cross: Martin Luther King, Jr., and the Southern
Christian Leadership Conference (Nova Iorque, 1999), pp. 475–489; Taylor Branch, At Canaan’s Edge: America
in the King Years, 1965–68 (Nova Iorque, 2006), pp. 480–494; and Joseph, Waiting ’Til the Midnight Hour, pp.
132–146; Richard Wright, Black Power: A Record of Reactions in a Land of Pathos (Nova Iorque, 1954). Paul
Robeson, Here I Stand (Boston, 1988), pp. 33–36 e 104–108. O congressista Adam Clayton Powell Jr. convocou
por uma “audaciosa força negra [black power]” tanto antes quanto depois da declaração de Stokely Carmichael.
Ver Johnson, Revolutionaries to Race Leaders, pp. 57–58.
10 Saturday Evening Post, 10/09/1966, p. 88; Time, 01/07/1966, p. 11; U.S. News and World Report,
11/07/1966, p. 52. Joseph, Waiting ’Til the Midnight Hour, p. 146 e Id., Black Power’s Powerful Legacy,
Chronicle Review, 21/07/2006, pp. B6–B8.
7
11 Stokeley Carmichael and Charles Hamilton, Black Power: The Politics of Liberation in America (Nova
Iorque, 1967), p. VIII. Para as definições de Black Power por Carmichael ver Joseph, Black Power’s Powerful
Legacy, p. B7 e Harold Cruse, The Crisis of the Negro Intellectual (Nova Iorque, 1984). Ver também William
Jelani Cobb (org.), The Essential Harold Cruse: A Reader (Nova Iorque, 2002); e Jeffrey Gafio Watts (org.),
Harold Cruse’s The Crisis of the Negro Intellectual Reconsidered (Nova Iorque, 2004).
12 Joseph, Waiting ’Til the Midnight Hour, pp. 146, 151–154. Para trabalhos que analizaram o fenômeno Black
Power ainda em desenvolvimento/em gestação***, ver Martin Luther King Jr., Where Do We Go from Here:
Chaos or Community? (Nova Iorque, 1968); Robert L. Allen, Black Awakening in Capitalist America: An
Analytic History (Garden City, 1969); and John H. Bracey Jr., August Meier, e Elliott Rudwick, (orgs.), Black
Nationalism in America (Indianapolis, 1970). Para o editorial que recebeu o título do discurso de Roy Wilkins,
líder da Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor (NAACP), ver Black Power Is Black Death,
New York Times, 07/07/1966, p. 35.
8
Chafe, focaram em questões locais como pobreza, educação, e direitos trabalhistas, que
atingiram as bases do poder branco.13
O tratamento cuidadoso dado ao Black Power por Chafe enquadrou o Black Power
como um estilo inaugural de organização política e de protesto social que ecoou as práticas do
período do movimento por direitos civis assim como esculpiu, através de polêmicas urgentes,
postura militante e críticas contundentes de discriminação racial, um ousado espaço novo.
Civilities and Civil Rights documenta uma manifestação de políticas do Black Power
profundamente cravadas nas esperanças, sonhos, e lutas cotidianas da população local.
Contudo, historiadores do período do movimento por direitos civis, em sua maior parte,
ignoravam largamente a intervenção de Chafe, preferindo, em vez disso, ver o Black Power
através das mesmas lentes usadas pela mídia nacional no final dos anos 60 - que focaram no
espetáculo em torno de certos protestos e encontros públicos do Black Power no lugar da
importância das demandas e programas dos ativistas.
In Struggle (1981), de Clayborne Carson foca na evolução do SNCC, de seu inter-
racialismo integracionista e não-violento do início dos anos 60 até sua defesa do Black Power
em meados desta mesma década sob o comando de Stokely Carmichael. Embora Carson
ofereça um tratamento complexo das transformações do SNCC - uma organização que
transpôs os períodos dos direitos civis e do Black Power, trabalhando em ambos - ele ainda
atribui seu fim à sua malfadada volta em direção ao nacionalismo negro em meados dos anos
60. "Assim como trabalhadores do SNCC conseguiram popularizar a luta do Black Power",
argumenta Carson, "eles começaram a perder sua habilidade de estimular duradouros
sentimentos de potência racial, como aqueles alimentados pelas lutas no Sul". Chegando à
conclusão oposta do estudo de Chafe sobre o caso da Carolina do Norte, Carson julgou a
incursão do SNCC para o Black Power como um retrocesso de sua anterior, e mais efetiva,
organização. Desta perspectiva, o deslocamento do SNCC para o Black Power, juntamente
com a ascensão de Carmichael como principal porta voz nacional do movimento, pôde ter
tornado a organização mais conhecida em detrimento de alcançar mais duradouras e
substanciais mudanças políticas. Esta visão do Black Power como uma rejeição da
organização comunitária e um infeliz espetáculo dirigido pela mídia dominaria a
historiografia dos direitos civis até a década de 8014. O trabalho do historiador Manning
13 William H. Chafe, Civilities and Civil Rights: Greensboro, North Carolina, and the Black Struggle for
Freedom (Nova Iorque, 1981), pp. 175, 173. (grifo de Joseph).
14 Clayborne Carson, In Struggle: SNCC and the Black Awakening of the 1960s (Cambridge, Massachusetts,
1981), p. 233. Para o mais poderoso exemplo dos novos estudos*** sobre os direitos civis que focam mais em
pessoas comuns que em líderes carismáticos, além de condenar o Black Power, ver Charles Payne, I’ve Got the
Light of Freedom: The Organizing Tradition and the Mississippi Struggle (Berkeley, 1996). Ver também Jeanne
9
Marable é crucial aqui. Numa série de importantes estudos históricos da tradição radical
negra, Marable lança uma importante e substantiva luz sobre a importância do Black Power
como um movimento político, cultural e social que impactou os afro-americanos nos níveis
local, nacional e internacional. No entanto, muito deste trabalho foi incapaz de penetrar nas
interpretações convencionais e os preconceitos em relação ao período do Black Power. Por
exemplo, o extremamente influente Bearing the Cross (1986), de David Garrow, sobre a
Conferência de Liderança Cristã do Sul e Martin Luther King Jr., posiciona o Black Power
como a consequência de uma frustração, a qual faltou um programa político coerente, criou
divisões organizacionais, e desapontou King. De acordo com Garrow, King estava
especialmente embaraçado pelo "declínio do SNCC da não violência aos aspectos menos
interessantes do 'Black Power'", notavelmente, protestos violentos. Similarmente, To Redeem
the Soul of America (1987) de Adam Fairclough, sobre o mesmo tema, descreve o Black
Power como uma confusa filosofia que curto-circuitou*** os objetivos políticos movimento
por direitos civis. À exceção dos livros de Chafe e Marable, então, trabalha*** na primeira
onda da pesquisa dos direitos civis, diferindo, a este respeito, somente no grau em que
condenou o movimento Black Power e seu legado.15
New Day in Babylon (1992), de William L. Van Deburg, o primeiro estudo
detalhado*** do movimento Black Power, lançou um novo panorama histórico***. Van
Deburg foca primordialmente no impacto cultural tangível do Black Power. Ele argumenta
que o Black Power ajudou, com sucesso, a reformular a identidade negra através do ativismo
Black Arts, movimento por programas e cursos*** de "Black Studies" nos campi
universitários, e de ardentes declarações públicas de líderes nacionais do Black Power. New
Day in Babylon oferece um ambicioso relato histórico do Black Power por inverter o
conhecimento historiográfico convencional que pintou os ativistas Black Power como
desorientados e voláteis e o movimento como uma fardo/pedra no sapato*** da libertação
negra e do progresso racial, depreciando-os. Contudo, assim como New Day in Babylon
F. Theoharis e Komozi Woodard (orgs.) Freedom North: Black Freedom Struggles outside the South, 1940–
1980 (Nova Iorque, 2003); e Id., Groundwork: Local Black Freedom Movements in America (Nova Iorque,
2005).
15 Manning Marable, From the Grassroots: Essays toward Afro-American Liberation (Boston, 1980); Race,
Reform, and Rebellion; Black American Politics: From the Washington Marches to Jesse Jackson (London,
1985); e African and Caribbean Politics: From Kwame Nkrumah to the Grenada Revolution (London, 1987).
Para outros trabalhos que vão contra a narrativa dominante, ver Dan Georgakas, Detroit, I Do Mind Dying: A
Study in Urban Revolution (Nova Iorque, 1975); e Adolph L. Reed (org.), Race, Politics, and Culture: Critical
Essays on the Radicalism of the 1960s (Nova Iorque, 1986). Garrow, Bearing the Cross, pp. 475–489, 530.
Adam Fairclough, To Redeem the Soul of America: The Southern Christian Leadership Conference and Martin
Luther King Jr (Atenas, 2001), pp. 309–331. Para um trabalho que descreve o Black Power como um
maneirismo (“Em face da impotência, uma ostentação de potência”), ver Doug McAdam, Freedom Summer
(Nova Iorque, 1990), p. 121.
10
documenta a influência positiva e o tremendo alcance do Black Power, ele também reforça
interpretações analíticas e temáticas limitadas. Embora Van Deburg refute explicitamente uma
ortodoxia que questiona o legitimidade do Black Power, ele reforça a ideia que o principal
legado do movimento jazia no âmbito cultural. De acordo com Van Deburg, o Black Power é
"melhor compreendido como uma expressão cultural, ampla, adaptável, que serve para ligar e
iluminar as diferentes orientações ideológicas dos adeptos do movimento”. 16 O estudo pinta o
movimento como primordialmente cultural, em vez de político; como dirigido por líderes
carismáticos, não por pessoas comuns; e como grandemente desgastado ao fim da década de
70.
Mudando de um foco que destaca a cultura para outro centrado na linhagem política e
em redes de ativistas, Radio Free Dixie (1999), de Timothy Tyson, uma biografia política de
Robert F. Williams, expande temática e cronologicamente a historiografia do Black Power.
Radio Free Dixie traça uma tradição distinta da militância negra do Sul, uma com dimensões
locais e internacionais, que mostrou-se flexível o bastante para abraçar a autodefesa e a não
violência e hábil o bastante para manter um compromisso robusto com a política de
autodeterminação. Tyson afirma de forma provocadora que Williams, líder local da
Associação Nacional para o Avanço de Pessoas de Cor (NAACP) filiada em Monroe,
Carolina do Norte, durante a década de 50, praticamente sozinho "revigorou muitos elementos
da tradição do nacionalismo negro cujo enérgico surgimento em meados da década de 1960 se
tornaria conhecido como Black Power”.17 Através deste trabalho, Tyson ajuda a mapear um
aspecto inaudito da genealogia do Black Power e desafia a rígida delimitação acadêmica entre
as narrativas do movimento por direitos civis e as do movimento Black Power.
Williams surge tanto como um dissidente do movimento por direitos civis quanto um
precoce e eloquente proponente do ethos, próprio do Black Power, de autodefesa armada,
autodeterminação político e cultural, e internacionalismo radical. A parte mais impressionante
da história de Williams é que ela toma lugar bem*** no auge do período dos direitos civis.
Para Tyson, o movimento por direitos civis e movimento Black Power "surgiram do mesmo
solo, confrontaram os mesmos impasses e refletiram a mesma busca pela liberdade Afro-
Americana”. Além disso, Tyson conclui que "praticamente todos os elementos que nós
associamos ao 'Black Power' já estavam presentes em pequenas cidades e comunidades rurais
do Sul, onde nasceu o 'o movimento por direitos civis'”. Radio Free Dixie demonstra
convincentemente a existência de uma marca nativa do radicalismo negro no Sul, que
16 Van Deburg, New Day in Babylon, p. 10.
17 Timothy B. Tyson, Radio Free Dixie: Robert F. Williams and the Roots of Black Power (Chapel Hill, 2001),
p. 191.
11
18 Timothy B. Tyson, Robert F. Williams, Black Power, and the Roots of the African American Freedom
Struggle em Journal of American History, n. 85 (set. 1998), p. 541. Sobre violência de auto-defesa dirante os
períodos do movimento por direitos civis e Black Power, ver Lance Hill, The Deacons for Defense: Armed
Resistance and the Civil Rights Movement (Chapel Hill, 2004); Christopher B. Strain, Pure Fire: Self-Defense as
Activism in the Civil Rights Era (Atenas, Georgia, 2005); e Simon Wendt, The Spirit and the Shotgun: Armed
Resistance and the Struggle for Civil Rights (Gainesville, 2007). ver também Steve Estes, I Am a Man! Race,
Manhood, and the Civil Rights Movement (Chapel Hill, 2005).
12
X, Tyson abre novos campos de investigação e convida a um estudo mais aprofundado dos
complexos meios político, intelectual e cultural que ajudaram a formar o período.
19 Woodard, Nation within a Nation. Ver também Daniel Matlin, ‘Lift Up Yr Self!’ Reinterpreting Amiri Baraka
(LeRoi Jones), Black Power, and the Uplift Tradition em Journal of American History, n. 93 (Jun. 2006), pp. 91–
116. Para uma perspectiva alternativa, ver Kevin Mumford, Newark: A History of Race, Rights, and Riots in
America (New York, 2007).
13
empáfia*** militante que fez com que as suas ameaças de iniciar uma revolução violenta para
a libertação negra parecessem plausíveis, apesar de consideráveis evidências do contrário. Foi
essa imagem pública — juntamente com Stokely Carmichael — que se tornou o fundamento
para o Black Power, além de sua face popular. O BPP passou por três fases de distintas,
inicialmente evocando uma revolução violenta entre 1966 e 1971. Perante as fulminantes
críticas da imprensa e marcado por devastadores confrontos com a polícia e, ocasionalmente,
organizações do Black Power rivais, o partido entrou em sua segunda fase, que durou de 1971
a 1974. Esta fase inclui uma campanha bem organizada, embora ineficaz, para eleger Bobby
Seale como prefeito de Oakland. Entre 1974 e 1982 os Panteras operaram como um grupo
local em Oakland, composto por membros sobrecarregados, onerados por uma estrutura de
liderança antidemocrática, corrupção, abuso de drogas e uma série de sórdidos embaraços
éticos e jurídicos.
A coleção The Black Panther Party Reconsidered (1998), editada pelo cientista
político Charles Jones, inovou oferecendo perspectivas interdisciplinares que procuraram
colocar o grupo num contexto histórico adequado. A antologia marca um momento decisivo
nos estudos sobre os Panteras Negras, que até então tinham sido relativamente escassos.
Oferecendo um retrato crítico, ainda que em grande parte favorável, da organização, The
Black Panther Party Reconsidered anuncia uma poderosa salva de esforços acadêmicos para
reconsiderar tanto o Panteras Negras quanto o período do Black Power, do qual eles
participaram. Dois ensaios sobre o BPP e gênero são as mais importantes contribuições
analíticas desta antologia. O tratamento de mulheres negras pelo BPP continua a ser um dos
mais controversos e incompreendidos aspectos da história do grupo. Embora Kathleen
Cleaver e Elaine Brown tivessem alcançado um status icônico em relatos históricos do grupo,
a participação de mulheres negras nas organizações políticas, programas e desenvolvimentos
[do Black Power] continua a ser um assunto de debate rigoroso. Tracye Matthews e Angela D.
LeBlanc-Ernest, em seus ensaios, argumentam convincentemente que a compreensão cada
vez mais sofisticada da relação entre racismo, desigualdade econômica e misoginia pelas
mulheres negras iniciou um processo que mudou a concepção mais estática de revolução do
BPP. No início dos anos 70, argumenta Matthews, os programas de sobrevivência dos
Panteras Negras [eram] "diretamente dirigidos às necessidades das mulheres negras pobres,
especialmente aqueles que foram responsáveis pela educação das crianças." Questões
reprodutivas*** das mulheres negras emergiram como tema central das políticas dos Panteras
Negras, especialmente durante os anos 70 quando as mulheres vieram a influenciar os
membros da organização. De acordo com LeBlanc-Ernest, como as Panteras tornaram-se
15
mães, o "número crescente de crianças criou dificuldades adicionais para um BPP já falido
financeiramente”.21
Baseado na ideia de que os Panteras Negras eram uma organização de base
comunitária que afetou lugares de formas complexas e às vezes surpreendentes, outros
estudos sobre os Panteras têm oferecido entendimentos esclarecedores sobre o impacto do
Black Power a nível municipal. O historiador Yohuru Williams coloca os Panteras Negras
dentro da evolução do ativismo político negro do pós-guerra em New Haven, Connecticut.
Black Politics/White Power (2000) é o primeiro estudo histórico a se concentrar
primordialmente num episódio específico do BPP na Costa Leste. Narrando a maneira com
que os impulsos do Black Power do fim dos anos 60 evoluíram a partir do ativismo local do
movimento por direitos civis durante o início desta mesma década em New Haven, o estudo
de Williams concebe convincentemente os Panteras como uma organização comunitária
focada na vizinhança***, que oferecia serviços sociais eficazes para alguns dos residentes
mais necessitados da cidade. "Desde o início", argumenta Williams, "o BPP, em New Haven,
foi uma organização comunitária." A presença e popularidade dos Panteras em New Haven
dependiam mais de uma malícia do que de armas. Mesmo seus planos inovadores sobre
questões locais, tais como a pobreza, foram oprimidos pelo comportamento autodestrutivo e
errático dos líderes e pela imagem de revolucionário violento que tinha o grupo. Em 1970,
estudantes da Universidade de Yale organizaram protestos em apoio aos extensos problemas
jurídicos do BPP. Os protestos e os problemas jurídicos chamaram a atenção nacional e, no
processo, argumenta Williams, "voltou o centro das atenções, em primeiro lugar, para as
questões que tinham trazido o BPP para New Haven." Para Williams, o mais importante
legado do BPP é sua organização comunitária nas ruas ásperas de New Haven em face da
pobreza e da miséria. Nesse sentido, o estudo de Williams amplia a concepção de William
Chafe do ativismo local do Black Power como sendo fundamentado mais em comunidades
baseadas na vizinhança*** que em polêmicas raivosas de militantes que, muitas vezes,
praticaram uma política sem agenda***.22
American Babylon (2003) de Robert O. Self continua a tendência de enfatizar o
impacto do Black Power a nível local, dedicando considerável atenção ao pouco estudado
21 Jones (org.), Black Panther Party Reconsidered. Tracye Matthews, ‘No One Ever Asks, What a Man’s Role in
the Revolution Is’: Gender and the Politics of the Black Panther Party, 1966–1971 em Black Panther Party
Reconsidered, pp. 267–304, especialmente p. 294; Angela D. LeBlanc-Ernest, ‘The Most Qualified Person to
Handle the Job’: Black Panther Party Women, 1966–1982, ibid., pp. 305–334, especialmente p. 319.
22 Williams, Black Politics/White Power, 130,153. See also Lazerow and Williams, eds., In Search of the Black
Panther Party; and Yohuru Williams and Jama Lazerow, eds., Liberated Territory: Untold Local Perspectives on
the Black Panther Party (Durham, 2008).
16
direcionamento do Partido dos Panteras Negras para a política eleitoral e para o ativismo
comunitário durante o início dos anos 70. A campanha dos Panteras para eleger o cofundador
do BPP, Bobby Seale, como prefeito de Oakland tomou uma dinâmica central do ativismo do
Black Power na década de 1970, um tempo em que ativistas urbanos locais coordenaram
esforços para ganhar poder político numa paisagem urbana dramaticamente reconfigurada. Os
esforços práticos dos Panteras para controlar a política de municipal de Oakland esclarecem a
provocativa afirmação, feita pelo American Babylon de que "o Black Power estava entre as
principais correntes da política americana na década de 1960 e 1970." American Babylon
destaca-se como um estudo de referência porque ele colocou a política Black Power na grande
varredura*** da história do pós-guerra de Oakland. Ao fazer isto, ele ajuda a expandir o
terreno historiográfico para o estudo do Black Power e antecipou futuros estudos urbanos que
focariam sobre a relação do movimento com a evolução do liberalismo racial pós-guerra. Para
a historiografia da era Black Power, o principal significado do estudo de Self se encontra no
seu acurado tratamento do movimento, não como simplesmente uma falha do liberalismo pós-
guerra, mas como um esforço ousado de ativistas negros para transformar instituições muitas
vezes hostis na sociedade americana. Baseado no estudo de Komozi Woodard sobre Newark e
na história de Williams sobre New Haven, American Babylon inscreve de volta a história do
Black Power nas narrativas da história americana do pós-guerra, relações raciais na década de
1960 e evolução pós-1965 da democracia americana.23
A violência continua a ser a herança mais polêmica do período do Black Power. Up
Against the Wall (2006), de Curtis J. Austin foi o primeiro estudo detalhado a examinar o uso
da violência pelos Panteras como um estratégia retórica e política. Austin argumenta que a
violência, "seja interna ou externa, retórica ou real, psicológica ou física, constituía o
elemento central de condução do processo de decisão do grupo”. "Táticas e postura machistas
criaram obstáculos para os Panteras que eles nunca superaram", a cruzada na aplicação da lei
contra o grupo ganhou uma força mortal, culminando em prisão, perseguição e morte. De
acordo com a Austin, a estratégia, às vezes imprudente, de implantação da violência do BPP,
condenou a organização, e seu desaparecimento foi precipitado por uma liderança, às vezes,
corrupta e pela vigilância governamental.24
23 Robert O. Self, American Babylon: Race and the Struggle for Postwar Oakland (Princeton, 2005), p. 218.
Para uma discussão sobre liberalismo e Panteras Negras, ver Devin Fergus, The Black Panther Party in the
Disuniting States of America: Constitutionalism, Watergate, and the Closing of Americanists’ Minds, em
Williams and Lazerow (orgs.) Liberated Territory, pp. 265–94; Devin Fergus, Liberalism, Black Power, and the
Making of American Politics, 1965–1980 (Atenas, Georgia, 2009).
24 Austin, Up against the Wall, pp. 273–348. Ver também Kenneth O’Reilly, Racial Matters: The FBI’s Secret
File on Black America, 1960–1972 (Nova Iorque, 1991).
17
26 Rhodes, Framing the Black Panthers, pps. 8, 74, 91–115, 8. Sobre o relacionamento entre o BPP e a mídia,
ver também Christian A. Davenport, Reading the ‘Voice of the Vanguard’: A Content Analysis of the Black
Panther Party Intercommunal News Service, 1969–1973, em Jones (org.) Black Panther Party Reconsidered, pp.
193–209. Sobre o apelo dos Panteras Negras a ideais democráticos, ver também Singh, Black Is a Country;
Joseph, Waiting ’Til the Midnight Hour, pp. 205–40; e Donna Murch, The Campus and the Street: Race,
Migration, and the Origins of the Black Panther Party in Oakland, CA em Souls: A Critical Journal of Black
Politics, Culture, and Society, n. 9 (Out.– Dez. de 2007), p. 342.
19
27 Rhonda Y. Williams, Black Women, Urban Politics, and Engendering Black Power, em Joseph (org.), The
Black Power Movement, pp. 79–103, especialmente p. 81. Ver também Rhonda Y. Williams, ‘We’re Tired of
Being Treated like Dogs’: Poor Women and Power Politics in Baltimore em Black Scholar n. 31 (outono-inverno
de 2001), pp. 31–41; Id., Politics of Public Housing, pp. 187–191; e Mumford, Newark, pp. 149–169.
28 Rhonda Y. Williams, The Pursuit of Audacious Power: Rebel Reformers and Neighborhood Politics in
Baltimore, 1966–1968, em Joseph (org.) Neighborhood Rebels. Ver também Self, American Babylon; James
Tyner, The Geography of Malcolm X: Black Radicalism and the Remaking of American Space (Nova Iorque,
2005); e Karen Ferguson, Organizing the Ghetto: The Ford Foundation, CORE, and White Power in the Black
Power Era, 1967–1969, em Journal of Urban History, n. 34 (Nov. 2007), pp. 67–100.
20
Conselho de Segurança da ONU, Joseph narra como ativistas fizeram um uso prático das
revoluções em Cuba, África e outros locais do terceiro mundo para informar suas lutas
internas por cidadania, autodeterminação e poder político. Finalmente, Joseph situa os
objetivos do movimento Black Power como uma parte integrante de uma luta maior pela
democracia radical na América do pós-guerra. Ativistas do Black Power tentaram confrontar,
desafiar e transformar a democracia americana de formas que variaram da matizada retórica
antiguerra de Stokely Carmichael e o, em grande parte, ignorado trabalho por direitos de voto
em Lowndes County, Alabama, aos esforços dos Panteras Negras para refrear a brutalidade
policial, garantir educação de qualidade e erradicar a pobreza, e à "Agenda de Gary" na
Convenção Política Negra Nacional de 1972”.30
Enquanto Joseph situa o Black Power como uma ampla saga nacional e internacional
com portas locais de entrada interna***, Challenging U.S. Apartheid (2006) de Winston A.
Grady-Willis baseia-se no estudo clássico de Clayborne Carson sobre o SNCC e coloca essa
organização na vanguarda da história do Black Power em Atlanta. A análise de Grady-Willis
resiste a dicotomias históricas simples que equiparam militância com raiva anti-intelectual e
integracionismo liberal com agenda de direitos humanos. Challenging U.S. Apartheid amplia
e complexifica duas obras seminais dos estudos do movimento por direitos civis: Local
People (1994), de John Dittmer e I've Got the Light of Freedom (1995), de Charles Payne, que
fizeram parte de uma onda de estudos anterior, que prestou sigificativa atenção ao SNCC. O
trabalho de Grady-Willis foi o primeiro estudo de caso a documentar o impacto de Black
Power em uma grande cidade do Sul, e ao fazê-lo, ele derrubou arraigados preconceitos
geográficos, que visualizaram o Black Power como um fenômeno primordialmente nortista.31
Na "cidade muito ocupada pra se odiar”, militantes negros formaram redes densas e
bem organizadas de ativistas locais que se concentraram em questões pragmáticas
relacionadas à brutalidade policial, boas escolas, inquilinos*** e direitos de bem-estar***
além de ampliar os serviços sociais***. Além disso, os líderes do SNCC em Atlanta
conectaram com êxito "a luta por liberdade negra e a guerra do Vietnã" num ativismo
antiguerra que reverberou nacionalmente. O Black Power se manifestou em Atlanta de formas
30 Joseph, Waiting ’Til the Midnight Hour, pps. 132–204, 276–295. Brown vs. Board of Education, 347 U.S.
483***. Ver também Sugrue, Sweet Land of Liberty.
31 Winston A. Grady-Willis, Challenging U.S. Apartheid: Atlanta and Black Struggles for Human Rights,
1960–1977 (Durham, 2006). John Dittmer, Local People: The Struggle for Civil Rights in Mississippi (Urbana,
1995); Payne, I’ve Got the Light of Freedom. Ver também Aldon Morris, The Origins of the Civil Rights
Movement: Black Communities Organizing for Change (Nova Iorque, 1984). Para dois importantes estudos
locais inspirados pelo trabalho de John Dittmer e Charles Payne, ver J. Todd Moye, Let the People Decide:
Black Freedom and White Resistance Movements in Sunflower County, Mississippi, 1945–1986 (Chapel Hill,
2004); e Emilye J. Crosby, A Little Taste of Freedom: The Black Freedom Struggle in Claiborne County,
Mississippi (Chapel Hill, 2005).
22
ecléticas, variando de um grupo de reflexão radical chamado Instituto do Mundo Negro a uma
filial local dos Panteras e a uma nova classe de líderes políticos negros, mais notavelmente
Maynard Jackson, eleita como a primeira prefeita afro-americana da cidade, em 1973. Embora
o Black Power não tenha conseguido institucionalizar permanentemente as políticas radicais
previstas por alguns de seus defensores mais ardentes, o movimento fez inspirar uma
combinação impressionante de "ativismo de base***, nacionalismo negro racial, ativismo
negro eleitoral progressivo e ativismo explicitamente centrado na mulher", que transformou
fundamentalmente as relações de raça na cidade.32
New Orleans after the Promises (2007) de Kent Germany posiciona o Black Power
primariamente como um movimento radical para a democracia, cuja militância sacudiu uma
cidade inteira. Na "Cidade Crescente", uma ampla gama de militantes, dos líderes dos direitos
de bem-estar social*** aos valentões de rua reformados aspirantes à políticos, utilizaram o
ethos de autodeterminação e controle comunitário para ganhar uma posição na política local.
Ativistas do Black Power em Nova Orleans tentaram transformar as instituições democráticas
locais para fixar melhores oportunidades para os moradores mais pobres da cidade. Enquanto
os Panteras Negras e [também] outras personagens coloridas preencheram este cenário, os
líderes mais eficazes foram, muitas vezes, as mulheres negras, que usaram a retórica do
movimento para garantir o aumento dos serviços sociais para suas comunidades. 33 O
tratamento substancial que Germany dá ao Black Power em seu estudo de caso sobre o
impacto da Great Society no liberalismo, organização comunitária, relações de raça, e
democracia após 1965 representa o profundo impacto da nova historiografia sobre o Black
Power.
32 Grady-Willis, Challenging U.S. Apartheid, pp. 101, 169. Para estudos que reconsideram o legado do SNCC,
ver Barbara Ransby, Ella Baker and the Black Freedom Movement: A Radical Democratic Vision (Chapel Hill,
2003); Hasan Kwame Jeffries, Organizing for More Than the Vote: The Political Radicalization of Local People
in Lowndes County, Alabama, 1965–1966, em Theoharis e Woodard (orgs.), Groundwork, pp. 140–163; Hasan
Kwame Jeffries, SNCC, Black Power, and Independent Political Party Organizing in Alabama, 1964–1966 em
Journal of African American History n. 91, (Primavera de 2006), pp. 171–193; Hasan Kwame Jeffries, Bloody
Lowndes: Civil Rights and Black Power in Alabama’s Black Belt (Nova Iorque, 2009); Wilkins, The Making of
Black Internationalists, pp. 467–490; Wesley C. Hogan, Many Minds, One Heart: SNCC’s Dream for a New
America (Chapel Hill, 2007); Leigh Raiford, ‘Come Let Us Build a New World Together’: SNCC and the
Photography of the Civil Rights Movement em American Quarterly n. 59 (Dez. 2007), pp. 1129–1157; e Susan
Youngblood Ashmore, Carry It On: The War on Poverty and the Civil Rights Movement in Alabama, 1964–
1972 (Atenas, Geórgia, 2008). Ver também Stephen Ward, Scholarship in the Context of Struggle: Activist
Intellectuals, the Institute of the Black World (IBW), and the Contours of Black Power Radicalism em Black
Scholar n. 31 (outono-inverno, 2001), pp. 42–53; e Alton Hornsby, Black Power in Dixie: A Political History of
Black Power in the Urban South (Gainesville, 2009).
33 Kent Germany, New Orleans after the Promises: Poverty, Citizenship, and the Search for the Great Society
(Atenas, Geórgia, 2007). Ver também Clarence Lang, Between Civil Rights and Black Power in the Gateway
City: The Action Committee to Improve Opportunities for Negroes (action), 1964–1975 em Journal of Social
History n. 37 (Primavera de 2004), pp. 725–754; e Clarence Lang, Black Power on the Ground: Continuity and
Rupture in St. Louis em Joseph (org.), Neighborhood Rebels.
23
34 Greene, Our Separate Ways, p. 189. Rhonda Y. Williams, Black Women and Black Power, OAH***
Magazine of History n. 22 (Jul. 2008), p. 23. Countryman, Up South, p. 273. Para histórias do movimento por
direitos de bem-estar social***, ver Nadasen, Welfare Warriors; Orleck, Storming Caesar’s Palace; Kornbluh,
Battle for Welfare Rights; e Francis Fox Piven e Richard Cloward, Poor People’s Movements: Why They
Succeed, How They Fail (Nova Iorque, 1979). Para políticas de masculinidade*** nas lutas de libertação negra
no pós-guerra, ver Estes, I Am a Man!.
24
ampla por liberdade. Living for the Revolution (2005), da socióloga Kimberly Springer,
oferece o primeiro tratamento substancial de cinco grupos de feministas negros da segunda
geração***. Springer argumenta que por meio da participação nessas organizações, que
existiram entre 1968 e 1980, "vários milhares de ativistas negras afirmaram o feminismo
explicitamente e definiram uma identidade coletiva, com base em suas
reinvidicações/afirmativas*** de raça, gênero, classe e orientação sexual”.35
Como sua historiografia ilustra, o ativismo Black Power afetou profundamente a
forma dos Estados Unidos urbano do pós-guerra, sua política municipal, possibilidades de
organização comunitárias e imaginário político. O Black Power manifestou-se em lutas
comunitárias que forjaram bases*** (beachheads) em bairros, cidades, e povoados rurais em
toda o país. Examinar o Black Power através de estudos de comunidades desafia o
conhecimento*** predominante de que a militância negra representou um retrocesso da
organização e que nacionalismo negro inspirou um apaixonado separatismo racial que
desencadeou o fim de alianças inter-raciais e o desmoronamento de organizações chave dos
direitos civis, mais notavelmente o SNCC e o CORE.
A maturidade dos estudos sobre o Black Power é evidente em trabalhos recentes que
têm revisitado o lado cultural do movimento com um nível anteriormente inimaginável de
sofisticação. O nacionalismo negro formou a base para muitas das políticas culturais,
desenvolvimento institucional e sucesso nacional do Black Power. Fighting for US (2003), de
Scot Brown é o primeiro estudo histórico de caso de uma das mais importantes organizações
do nacionalismo negro da época. Talvez mais conhecida por engajar-se em uma série de
confrontos mortais com os Panteras Negras, a Organization US, um grupo de nacionalistas
negros que adotaram vestes, nomes e linguagem africana em serviço de uma maior
identificação cultural e política com a África, ajudaram a popularizar o nacionalismo cultural
35 Kristin Anderson-Bricker, ‘Triple Jeopardy’: Black Women and the Growth of Feminist Consciousness in
SNCC, 1964–1975 em Springer (org.), Still Lifting, Still Climbing, pp. 49–69, especialmente p. 50. Springer,
Living for the Revolution, p. 2. Ver também Benita Roth, Separate Roads to Feminism: Black, Chicana, and
White Feminist Movements in America’s Second Wave (Cambridge, Inglaterra, 2004), pp. 76–128; Breines,
Trouble between Us; E. Francis White, Dark Continent of Our Bodies: Black Feminism and the Politics of
Respectability (Filadélfia, 2001); Duchess Harris, From the Kennedy Commission to the Combahee Collective:
Black Feminist Organizing, 1960–1980 em Collier-Thomas e Franklin (orgs.), Sisters in the Struggle, pp. 280–
305; Duchess Harris, Black Feminist Politics from Kennedy to Clinton (Nova Iorque, 2009); Valk, Radical
Sisters; Benita Roth, The Making of the Vanguard Center: Black Feminist Emergence in the 1960s and 1970s
em Springer (org.), Still Lifting, Still Climbing, pp. 70–90; Stephen Ward, The Third World Women’s Alliance:
Black Feminist Radicalism and Black Power Politics em Joseph (org.), Black Power Movement, p. 120; Guy-
Sheftall (org.), Words of Fire; James, Shadow Boxing; Margo Perkins, Autobiography as Activism: Three Black
Women of the Sixties (Jackson, 2001); Farah Jasmine Griffin, Conflict and Chorus: Reconsidering Toni Cade’s
The Black Woman: An Anthology em Eddie S. Glaude Jr. (org.), Is It Nation Time? Contemporary Essays on
Black Power and Black Nationalism (Chicago, 2002), pp. 113–129; Cheryl Clarke, After Mecca: Women Poets
and the Black Arts Movement (New Brunswick, 2005); e Linda Janet Holmes e Cheryl A. Wall (org.), Savoring
the Salt: The Legacy of Toni Cade Bambara (Filadélfia, 2007).
25
negro. Brown explora a disciplina pessoal e os rituais, incluindo a adoção de novos nomes e
do feriado alternativo "Kwanzaa", que a Organization US desenvolveu para influenciar
decisivamente as políticas da era Black Power. Localmente, o grupo ajudou a estabelecer
alianças de trabalho entre os militantes de Los Angeles, que incluiu inicialmente os Panteras
Negras, organizadas sob a noção de "unidade operacional". Em 1967 a influência crescente da
Organization US diminuiu seus números relativamente baixos***, e o grupo emitiu
declarações opondo-se a guerra do Vietnã, defendeu a autodeterminação política negra em
todas as esferas da vida e passou a fazer incursões na costa leste.*** O trabalho do US veio a
falir*** no final da década de 60 e início da década de 70, vítima da escalada da violência
com os Panteras, misoginia e sectarismo.36
A Organization US defendia uma política cultural que viu a sua expressão máxima no
movimento Black Arts, que serviu como braço cultural do Black Power. Ativistas do Black
Arts chamaram para uma consciência negra coletiva, arte politizada e centros culturais
independentes que imbuiriam a comunidade afro-americana com um sentimento de orgulho
racial, conhecimento histórico e propósito político. The Black Arts Movement (2005), do
estudioso James Smethurst é a mais completa história cultural da era Black Power. Traçando
o desenvolvimento regional, a influência nacional e a origem na esquerda negra do pós-guerra
- que subscreveu os princípios das lutas de classe e raça - do Black Arts, o estudo de
Smethurst conecta o que ele caracteriza como o "nacionalismo literário" da época com as
correntes políticas que impactaram afro-americanos em todo o país. O The Black Arts
Movement, então, contrasta com o New Day in Babylon, de William Van Deburg em
argumentar que a produção cultural da era Black Power teve consequências políticas.37
A consciência negra e a auto definição cultural formaram os objetivos organizacionais
e políticos da era Black Power, acelerando esforços para garantir programas de Black Studies
nas escolas e universidades e infundindo a busca para redefinir a identidade negra com
36 Scot Brown, Fighting for US: Maulana Karenga, the US Organization, and Black Cultural Nationalism
(Novq Iorque, 2003), pp. 74–130. Ver também Monique Guillory e Robert C. Green(orgs.), Soul: Black Power,
Politics, and Pleasure (Nova Iorque, 1998); Julius E. Thompson, Dudley Randall, Broadside Press, and the
Black Arts Movement in Detroit, 1960–1995 (Jefferson, 1999); Lorenzo Thomas, Extraordinary Measures:
Afrocentric Modernism and Twentieth-Century American Poetry (Tuscaloosa, 2000); Waldo Martin, No Coward
Soldiers: Black Cultural Politics in Postwar America (Cambridge, Massachusetts., 2005); Cynthia Young, Soul
Power: Culture, Radicalism, and the Making of a U.S. Third World Left (Durham, 2006); Joe Street, The Culture
War in the Civil Rights Movement (Gainesville, 2007); Lewis R. Gordon, Fanon and the Crisis of European
Man: An Essay on Philosophy and the Human Sciences (Nova Iorque, 1995); e Tommie Shelby, We Who Are
Dark: The Philosophical Foundations of Black Solidarity (Cambridge, Massachusetts, 2006). Para um exame do
Kwanzaa como um fenômeno de base***, ver Keith A. Mayes, ‘A Holiday of Our Own’: Kwanzaa, Cultural
Nationalism, and the Promotion of a Black Power Holiday, 1966–1985, em Joseph (org.), Black Power
Movement, pp. 229–249; e Keith A. Mayes, Kwanzaa: Black Power and the Making of the African American
Holiday Tradition (Nova Iorque 2009).
37 Smethurst, Black Arts Movement. Van Deburg, New Day in Babylon.
26
raízes*** práticas nas comunidades por meio de centros culturais, escolas independentes,
poesia, dança, teatro e estética. O crescimento, desenvolvimento e institucionalização dos
programas e departamentos de Black Studies no ensino superior americano permanecem um
legado definitivo*** da era Black Power. Embora não exista nenhuma história abrangente
deste movimento, vários trabalhos têm oferecido sofisticados estudos históricos de caso de
protestos universitários específicos que levaram aos programas de Black Studies, às amplas
reverberações intelectuais, políticas e de políticas urbanas do movimento, e à análises
sociológicas da evolução do campo como uma disciplina acadêmica. 38 Enquanto o movimento
Black Arts experimentou seu auge nas décadas de 60 e 70, os seus progenitores jazem numa
época anterior, quando, como Smethurst aponta, gerações anteriores de nacionalistas negros e
esquerdistas "frequentemente se cruzaram entre si*** e com os da nova esquerda, do
movimento por direitos civis e os novos nacionalistas, especialmente Malcolm X, de formas
surpreendentes." A maior contribuição do The Black Arts Movement está nas
meticulosamente detalhadas formações do Black Arts para além das costas leste e oeste,
revelando abundantes panoramas do ativismo político no Sul e no Meio-oeste. Essa
resignificação força uma reavaliação da escala geográfica, influência local e legado
contemporâneo - na expressiva cultura***, música e arte negras - da era Black Power.39
Sweet Land of Liberty (2008), de Thomas J. Sugrue, uma massiva história da luta por
libertação negra no norte, oferece um poderoso exemplo de como a historiografia da era Black
Power impactou abordagens históricas do que Jacqueline Dowd Hall tem se referido como o
"longo movimento por direitos civis”. Partindo de estudos recentes que examinam a era Black
Power, Sugrue coloca o ativismo Black Power ativismo na extensão da história americana do
pós-guerra. A abordagem de Sugrue do Black Power atravessa duas barreiras***
interpretativas. O Black Power faz a sua aparição formal em Sweet Land of Liberty em 1963,
38 Glasker, Black Students in the Ivory Tower; Donald Alexander Downs, Cornell ’69: Liberalism and the Crisis
of the American University (Ithaca, 1999); Williamson, Black Power on Campus; Perry Hall, In the Vineyard:
Working in African American Studies (Knoxville, 1999); Jane Anna Gordon, Why They Couldn’t Wait: A
Critique of the Black-Jewish Conflict over Community Control in Ocean Hill–Brownsville, 1967–1971 (Nova
Iorque, 2001); Noliwe Rooks, White Money, Black Power: The Surprising History of African American Studies
and the Crisis of Race in Higher Education (Nova Iorque, 2007); Fabio Riojas, From Black Power to Black
Studies: How a Radical Social Movement Became an Academic Discipline (Baltimore, 2007); Stefan Bradley,
‘This Is Harlem Heights’: Black Student Power and the 1968 Columbia University Rebellion em Afro-
Americans in New York Life and History n. 32 (Jan. 2008), pp. 99–122; Stefan Bradley, ‘Gym Crow Must Go!’:
Black Student Activism at Columbia University, 1967–1968 em Journal of African American History n. 88
(primavera de 2003), pp. 163–181; Dionne Danns, Chicago High School Students’ Movement for Quality Public
Education, 1966–1971 em Journal of African American History, n. 88 (primavera de 2003), pp. 138–150; e
Dwayne C. Wright, Black Pride Day, 1968: High School Student Activism in York, Pennsylvania em ibid., pp.
151–162; Jeanne Theoharis, ‘We Were Coming with Action’: High School Students and the Development of
Black Power in L.A. em Joseph (org.),Neighborhood Rebels.
39 Smethurst, Black Arts Movement, pp. 368–369. Ver também Martin, No Coward Soldiers.
27
mas Sugrue preocupa-se em reconhecer a dívida do movimento com uma tradição maior do
ativismo negro, observando que "muitas figuras chaves no Black Power [...] eram produtos de
uma geração anterior do ativismo". A novidade do Black Power, argumenta Sugrue, foi
exagerada. "Suas raízes em uma longa tradição negra de autoajuda/ajuda-mútua, sua relação
com a profunda corrente do anti-imperialismo negro que data da década de 30 e 40, e sua
apropriação de elementos do liberalismo racial pós-guerra, particularmente os entendimentos
psicológicos da desigualdade racial, foram negligenciados nas descrições sensacionalistas do
Black Power." Em última análise, talvez o mais poderoso legado do Black Power foi expandir
o imaginário político da nação. Nesse sentido, a insistência do Black Power na releitura da
gama retórica e prática da América democrática contribuiu para o clima político e racial que
conduziu à histórica eleição presidencial de Barack Obama.40
Conclusão
A evolução dos estudos*** sobre o Black Power tem cada vez mais redefinido o
significado do período, com consequências de longo alcance para estudos comunitários e
urbanos e para as historiografias dos direitos civis e do pós-guerra americano. Os anos entre
1966 e 1975 representam o período clássico do Black Power. Esta década testemunhou a
ascensão do movimento como um fenômeno nacional e internacional que tocou cada aspecto
da sociedade americana. Isto também produziu uma série de eventos, manifestações, e
imagens que constituíram a ainda forte iconografia do período. A chamada de Stokely
Carmichael por "força negra" [black power] em Greenwood, Mississippi, em 1966, continua
sendo o ponto de partida para a transição do movimento na cena política americana.
Historiadores não tem prestado atenção suficiente à evolução de Carmichael de líder militante
dos direitos civis para revolucionário do Black Power. Além disso, muito pouco é conhecido
sobre o papel subsequente de Carmichael como um líder nacional e como um ícone
internacional, entre 1966 e 1968, período em que tornou-se, dentre outras coisas, um
solicitado orador universitário, um proeminente ativista antiguerra, e um alvo da Casa Branca
e do FBI, sob comandos de Lyndon B. Johnson e J. Edgar Hoover respectivamente. Ele
também embarcou numa tempestuosa viagem de seis meses ao redor do mundo e ajudou a
introduzir os Panteras Negras para um público nacional.41
40 Sugrue, Sweet Land of Liberty, p. 316, 338; Jacqueline Dowd Hall, The Long Civil Rights Movement and the
Political Uses of the Past em Journal of American History n. 91 (Mar. 2005), 1234–1263. Ver também Glenda
Elizabeth Gilmore, Defying Dixie: The Radical Roots of Civil Rights, 1919–1950 (Nova Iorque, 2008); e Jeffrey
B. Perry, Hubert Harrison: The Voice of Harlem Radicalism, 1883–1918 (Nova Iorque, 2009). Peniel E. Joseph,
Dark Days, Bright Nights: From Black Power to Barack Obama (Nova Iorque, 2010).
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e legado dos ícones do movimento, assim como líderes e organizações mais obscuras é
também necessária. Isto não*** é um chamado para uma história do movimento de cima para
baixo, mas um reconhecimento que os historiadores ainda sabem muito pouco sobre os atores
e grupos chave do período. Num agudo contraste em relação a historiografia dos direitos
civis, beneficiada com dezenas de bem pesquisadas biografias de líderes afro-americanos e
brancos (e, em menor medida, outros ativistas de cor), a historiografia do Black Power sofre
com o fato que os mais importantes líderes e ícones nacionais do movimento (inclusive,
surpreendentemente, Malcolm X) permanecem envoltos em mistério. A escassez de
biografias e histórias organizacionais *** da mais visível liderança do período do Black
Power também empobrece os estudos dos Estados Unidos pós-guerra. Preencher estas lacunas
é vital para escrever uma história mais ampla e profunda deste período. As novas histórias
políticas, intelectuais, culturais, religiosas e organizacionais*** fornecerão detalhes críticos
que traçarão a genealogia, fundamentos filosóficos e forças sociais e políticas que formaram o
movimento.45
O melhor dos novos estudos do Black Power já está forçando estudiosos a reavaliar o
saber convencional ***, focando-se no impacto da organização comunitária; examinando a
participação de mulheres negras de baixa renda; expandindo os contornos geográficos do
movimento para o Sul e acessando esse personagem sulista; explorando o papel dos radicais
brancos, assim como coligações entre os negros e eles; expondo o relacionamento entre
militantes dos direitos civis e ativistas do Black Power; e dando ênfase às múltiplas formas do
Black Power tanto na política quanto na cultura.46
Estimulado pela retórica urgente de autodeterminação do Black Power e pela busca de
poder político, ativistas negros buscaram o controle sobre a "comunidade de ação" ao lado da
Guerra contra a pobreza da Great Society. No nível da política urbana, isto significou a
perseguição agressiva do controle local sobre esforços de combate à pobreza federais através
da criação de grupos ad hoc, embora organizações como a SNCC e a CORE promovessem o
Black Power como um esforço de ação comunitária para aliviar a pobreza urbana em muitas
das piores comunidades americanas. Pelo fim dos anos 60, grupos como os Panteras Negras
expressaram um ceticismo aberto a respeito da capacidade da alardeada democracia
americana de estender a cidadania aos negros; mesmo aqueles ativistas que olharam para as
sagradas escrituras redigidas pelos Pais Fundadores como marcos em sua busca por uma nova
45 Smethurst, Black Arts Movement; Joseph, Waiting ’Til the Midnight Hour; Johnson, Revolutionaries to Race
Leaders; Watts, Amiri Baraka; Moore, Carl Stokes and the Rise of Black Political Power in America. Ver
Também Manning Marable, Malcolm X: A Life of Reinvention (no prelo); e Peniel E. Joseph, Stokely
Carmichael: Race, Democracy, and Postwar America, 1941–1969 (no prelo).
46 Williams, Black Women and Black Power; Countryman, Up South; Williams, Black Politics/White Power.
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sociedade***. Contra o pano de fundo político que incluiu a ameaça constante de revoltas
urbanas e o medo persistente de uma guerra racial, os defensores do Black Power
frequentemente implementaram uma abordagem de "incentivo e punição"*** para a
organização política. Por um lado, ativistas ameaçavam cada vez mais instabilidade civil se a
pobreza e o racismo não fosse aliviados imediatamente. Por outro, eles sugeriam que reformas
democráticas específicas poderiam evitar um confronto violento. O impacto do Black Power
nas instituições democráticas americanas, das igrejas às prisões e das escolas às casas de leis,
é uma parte essencial, embora ainda em grande parte inescrita da história americana. As
questões de classe, regionais, e divisões religiosas entre os afro-americanos moldaram que
formaram respostas ao Black Power também oferecem uma via frutífera para a pesquisa
acadêmica.47
O ativismo Black Power existiu junto às lutas do movimento por direitos civis dos
anos 50 e início dos anos 60, e certamente ativistas participaram simultaneamente nos dois
movimentos. A cultura política afro-americana entre 1954 e 1965 tem provado ser muito mais
complexa, diversa e heterogênea que as narrativas tradicionais do período têm descrito. A
insurgência nacional dos direitos civis, manifestações coordenadas, desobediência civil
estratégica, e vitórias legais e legislativas continuam a moldar nosso entendimento desse
período. Embora isto indubitavelmente nos diga uma parte importante da história, existe
muita história desconhecida para se escrever.
Apesar de ter compartilhado um legado histórico com o movimento por direitos civis,
o movimento Black Power contestou as narrativas dominantes dos direitos civis, e, ao fazê-lo,
ele transformou fundamentalmente a democracia americana no período do pós-guerra. Os
estudiosos têm ainda de lidar plenamente com esta realidade. De fato, os ativistas Black
Power se encontraram, como afirma Sugrue, procurando por "uma alternativa política ao
liberalismo racial que prevaleceu durante maior parte dos anos do pós-guerra". 48 Contudo, tal
descrição parece estar em desacordo com a compreensão geral do movimento, que continua a
identificar o Black Power com as política de separatismo racial, de identidade e de orgulho
cultural. Todavia, estes nunca foram os únicos objetivos ou os fins do movimento.
47 Sugrue, Sweet Land of Liberty, p. 368. Joseph, Waiting ’Til the Midnight Hour; Id. (org.), Neighborhood
Rebels; Rhodes, Framing the Panthers; Yohuru Williams, ‘A Red, Black, and Green Liberation Jumpsuit’: Roy
Wilkins, the Black Panthers, and the Conundrum of Black Power em Joseph (org.) Black Power Movement, pp.
167–191; Simon Hall, The NAACP, Black Power, and the African American Freedom Struggle, 1966–1969 em
Historian, n. 69 (primavera de 2007), pp. 49–82; Smethurst, Black Arts Movement; Self, American Babylon;
Brown, Fighting for US; Germany, New Orleans after the Promises; Countryman, Up South; Ogbar, Black
Power.
48 Sugrue, Sweet Land of Liberty, p. 255.
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49 Adolph Reed Jr., Stirrings in the Jug: Black Politics in the Post-segregation Era (Minneapolis, 1999); Dean
E. Robinson, Black Nationalism in American Politics and Thought (Nova Iorque, 2001); Watts, Amiri Baraka;
Johnson, Revolutionaries to Race Leaders.
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50 Sobre a reformulação da era Black Power, ver, por exemplo, a edição especial/questão específica, Peniel E.
Joseph (org), Black Power OAH Magazine of History, 22 (Jul. 2008).